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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mônica de Barros Barreto Guimarães de Mesquita A Construção da Textualidade nas Epístolas Paulinas São Paulo 2008

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Mônica de Barros Barreto Guimarães de Mesquita

A Construção da Textualidade nas Epístolas Paulinas

São Paulo 2008

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Mônica de Barros Barreto Guimarães de Mesquita

A Construção da Textualidade nas Epístolas Paulinas

Dissertação apresentada à

Universidade Presbiteriana

Mackenzie, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre em

Letras.

Orientadora: Profª. Drª. Elisa Guimarães Pinto

São Paulo 2008

MÔNICA DE BARROS BARRETO GUIMARÃES DE MESQUITA

A Construção da Textualidade nas Epístolas Paulinas

Dissertação apresentada à

Universidade Presbiteriana

Mackenzie, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre em

Letras.

Aprovada em ___ de ___________ de 2008.

BANCA EXAMINADORA

_________________________ Profª Drª Elisa Guimarães Pinto

(Universidade Presbiteriana Mackenzie)

___________________________________ Profª Draª Rosemeire Leão da Silva Faccina

(Universidade Presbiteriana Mackenzie)

_________________________________ Profª Dra Maria Lúcia de Oliveira Andrade

(Universidade de São Paulo)

Dedicatória

Dedico este trabalho a Marcos Agripino, meu amado esposo, grande incentivador da minha jornada pelos corredores da Academia, incansável em estimular-me e pronto a oferecer sempre uma palavra de conforto e encorajamento.

Agradecimentos

Sou infinitamente grata a Deus, meu criador e redentor, que direcionou

meus passos até aqui e me sustentou em todos os momentos da minha

vida.

Agradeço muito a meu marido, que sempre esteve ao meu lado, não

medindo esforços para que eu obtivesse êxito no desenvolvimento desta

dissertação de mestrado.

Agradeço às minhas duas e amadas filhas, Jessica e Isabela, que, durante

o período desta pesquisa, abdicaram do precioso tempo que teriam com a

mãe.

Agradeço à minha preciosa orientadora, Elisa Guimarães, de quem sou

profunda admiradora desde meus tempos de graduação, que investiu em

sua orientanda de todas as maneiras, a fim de que este trabalho fosse

concluído.

Agradeço à professora Rose Faccina, portadora de uma doçura

permanente, pronta a dar valiosas opiniões e grande estimuladora desde

que a conheci.

Agradeço ao Instituto Presbiteriano Mackenzie, em todas as suas

instâncias, pela bolsa concedida desde meu ingresso no curso de Letras e

por ser uma instituição que prima pela excelência no que se refere à

educação, em especial à pesquisa.

Agradeço ainda ao Fundo Mackenzie de Pesquisa por haver financiado, em

parte, este trabalho.

RESUMO

MESQUITA, Mônica de Barros Barreto Guimarães de – A Construção da

Textualidade nas Epístolas Paulinas. Dissertação de Mestrado.

Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2008.

Neste trabalho, pretendo mostrar como o processo da referenciação é

instrumental para a argumentação, pois é através dele que se constrói a

linha coesiva do texto, o que, por sua vez, acaba por desembocar na

argumentação. Na fundamentação teórica, no que se refere aos estudos da

Lingüística Textual, pautei-me, especialmente, nas postulações de Ingedore

Villaça Koch, Maria Helena de Moura Neves, Lorenza Mondada, Danièle

Dubois e Denis Apothéloz. No campo da Argumentação, o trabalho apóia-se

nos estudos de Aristóteles, Perelman e Reboul. Na área do Discurso, os

teóricos estudados foram, especialmente, José Luis Fiorin e Eni Orlandi. A

metodologia adotada foi a analítico-interpretativa: expus, primeiramente, a

teoria, aplicando-a, depois, na análise. Estabeleci um paralelo entre

fragmentos de duas epístolas neo-testamentárias por fatores que vão desde

o fascínio que o texto sagrado exerce sobre mim, até o fato de que tais

textos são riquíssimos em elementos referenciais. Além disso, na minha

vida profissional, lido com o Discurso Religioso continuamente. Após vencer

os caminhos que me propus a trilhar, várias conclusões se apresentaram.

Primeiramente, constatou-se que a escolha, pelo enunciador, de cada

elemento procedural assegurou a argumentação. A seguir, através de uma

investigação dos processos de textualização, constatou-se que os mesmos

são canais conducentes à textualidade. Enfim, concluiu-se que tanto o fator

lingüístico, quanto o discursivo-ideológico desembocaram no processo da

argumentação: o enunciador se apropriou desses fatores para convencer

seu enunciatário.

Palavras chave: argumentação, discurso, referenciação, textualidade.

ABSTRACT

MESQUITA, Mônica de Barros Barreto Guimarães de – The Building of

Textuality Process on the Paul’s Epistles. Master Thesis. Mackenzie

Presbyterian University, 2008.

In this text, my goal is to show how the process of reference is crucial for the

enunciator’s argumentation, for it is through this process that one can build

up the text’s cohesive line, which, by its turns, flows into the argumentation.

As far as theoretical background, I have based my conclusions on the

studies of the following scholars: Ingedore Villaça Kock, Maria Helena de

Moura Neves, Lorenza Mondada, Daniele Dubois and Denis Apotheloz – in

the area of Textual Linguistic; Aristoteles, Perelman and Reboul – in the

area of Argumentation; Jose Luis Fiorin and Eni Orlandi – in the area of

Discourse Analysis. The methodological approach I adopted here is called

analytical-interpretative: First, I did an explanation about the Theory, and

then I applied it in the process of analysis. I established a parallel among

fragments of two neo-testamentary epistles based on factors of the

amazement that the holy text brings to me, not to mention that these texts

are rich in referential elements. Besides that, in my professional life I

continually work with religious discourse. After I had overcome all paths that

I established to myself, many conclusions came out to me. First, it was

attested that the choice made by the enunciator of each procedural element

assured the argumentation. Secondly, through a careful investigation of the

textual processes also it was attested that they are conducive channels to

textual coherence. Thus, I found out that either the linguistic factor or the

ideological discourse flow into the argumentation: the enunciator seizes

these factors and uses them appropriately to persuade his audience.

Key words: argumentation, discourse, referentiation, textuality.

SUMÁRIO

Considerações Iniciais... ..............................................................................12

Capítulo 1 A Lingüística do Texto

1.1 Estabelecimento das Propostas da Lingüística Textual em Relação à

Recuperação do Texto .................................................................................16

1.2 Captação e Análise das Estratégias Lingüísticas Utilizadas por Paulo

......................................................................................................................39

1.3 Exploração dos processos de textualização conducentes à textualidade

......................................................................................................................44

Capítulo 2 O Discurso e a Ideologia nas Epístolas Paulinas

2.1 O Discurso, a Ideologia e suas Idéias Centrais ....................................52

2.2 O Discurso de Paulo .............................................................................64

2.3 Paulo e a Ideologia ...............................................................................70

2.4 Contexto Histórico ................................................................................72

Capítulo 3 O Processo Argumentativo Paulino

3.1 A Argumentação e a Retórica ...............................................................78

3.2 A Argumentação e a Retórica em Paulo ...............................................86

Considerações Finais .................................................................................99

Referências Bibliográficas .........................................................................101

Anexos

Anexo A .....................................................................................................104

Anexo B .....................................................................................................106

11

Considerações Iniciais

12

A escolha do Discurso Religioso para o desenvolvimento de minha

dissertação de mestrado está pautada em diversas razões. Em primeiro

lugar, sou uma cristã convicta que procura praticar os preceitos do

Cristianismo bíblico, vétero e neo-testamentários. Minhas convicções

religiosas estão alicerçadas no Cristianismo Reformado do século 16, pois

foi onde encontrei as respostas para várias questões existenciais que

busquei durante meus primeiros 23 anos de vida. Outra razão para esta

escolha é o fato de meu marido ser pastor presbiteriano, ordenado ao

sagrado ministério no ano de 1999, e por desde então eu estar envolvida

com seu trabalho pastoral e com o ministério cristão em geral. Em terceiro

lugar, sou revisora e estilista de textos desde o ano de 1993, quase sempre

envolvida com o Discurso Religioso – livros, apostilas, periódicos, artigos e

cartas que revisei foram publicados por editoras e organizações distintas.

Em quarto lugar, sou revisora e de textos e articulista da Revista Alcance,

uma publicação da Agência Presbiteriana de Missões Transculturais,

autarquia da Igreja Presbiteriana do Brasil, cuja tiragem trimestral é de

5.000 exemplares. Sou ainda tradutora, tendo traduzido livro e dezenas de

artigos do Espanhol para o Português, ambos relacionados ao Discurso

Religioso. Em último lugar, fiz essa opção, por eu mesma ser escritora, com

uma grande parte de meus textos tendo sido produzida sob a esfera do

Discurso Religioso.

Quando à escolha do corpus, fiz esse recorte por razões muito especiais.

Paulo (também conhecido como Saulo de Tarso, ou São Paulo) é visto

como o maior teólogo dentro dos escritos neo-testamentários. Nas palavras

de DUNN (2003, p.27) “permanece o fato de que as influências e os escritos

de Paulo moldaram o cristianismo mais do que o fizeram os escritos/ a

teologia de qualquer outro indivíduo”. Na mesma obra, esse autor ainda

afirma que “as cartas de Paulo lançaram um fundamento da teologia cristã

que nunca teve rival nem substituto” (p.27) e que “O status de Paulo dentro

do cânon do Novo Testamento confere aos escritos teológicos de Paulo a

preeminência que ofusca todos os teólogos cristãos que seguiram.” (27).

13

Quanto ao recorte que fiz dentro da produção epistolar paulina, apoiei-me

numa das questões que mais assola o ser humano, independente de que

religião for, que é a constante luta travada entre o espírito e a carne – ou o

espírito e o corpo. Luta que se dá pelo indivíduo saber o que deve ser feito

(âmbito do espírito), mas fazer o que não deve ser feito (âmbito da carne).

São questões éticas, morais, sociais e mesmo individuais que estão em

constante embate e um dos maiores reflexos da relevância do tema é o de

que está sempre em pauta, seja no Cristianismo católico, ortodoxo ou

reformado. O fenômeno do surgimento e crescimento galopante das

religiões neo-pentecostais, que enfatizam a obra do Espírito Santo, justifica-

se também por este tema: a eterna luta entre a natureza humana e a

natureza divina. A batalha entre esses dois pólos é um dos pontos centrais

da teologia paulina, que está pautada nos conflitos do Homem – não

somente dos cristãos. Diante do exposto, foram escolhidos dois fragmentos

de duas das mais importantes epístolas escritas por Paulo: a Epístola aos

Romanos e a Epístola aos Gálatas. Dentro do capítulo 5 desta e do capítulo

8 daquela estão dois tratados da temática até aqui exposta.

O objetivo geral deste trabalho é mostrar como o processo da referenciação

é instrumental para a argumentação do autor, pois através da referenciação,

constrói-se a linha coesiva do texto, o que desemboca na argumentação.

Os objetivos específicos visam a definir os processos da referenciação e os

processos da argumentação, explorando os momentos argumentativos do

texto e deixando claros os traços fundamentais do discurso religioso.

A fundamentação teórica toma como base de estudos a Lingüística Textual,

sob a ótica dos autores: Ingedore Villaça Koch, Lorenza Mondada, Danièle

Dubois, Denis Apothéloz, entre outros. No campo da Argumentação, o

trabalho apóia-se nos estudos de Aristóteles, Perelman e Reboul.

14

A metodologia utilizada no desenvolvimento desta dissertação é a analítico-

interpretativa. Trabalhar-se-á, primeiramente, com a teoria para depois

aplicá-la na análise.

Este trabalho está estruturado em três capítulos. No primeiro capítulo, “A

Lingüística do texto”, discorrer-se-á sobre as propostas da Lingüística

Textual, com ênfase no movimento da Referenciação e em como esse

movimento culmina no processo da Textualização, que por sua vez produz

a Textualidade.

No segundo capítulo, “O Discurso nas Epístolas Paulinas”, apresentar-se-á

o contexto histórico em que Paulo estava inserido; discorrer-se-á sobre

Discurso, Ideologia, Discurso Religioso e suas idéias centrais; o discurso e

a ideologia de Paulo.

No terceiro capítulo, “O Processo Argumentativo Paulino”, a partir de um

estudo da argumentação e de seus parâmetros, e tomando por base o

primeiro e o segundo capítulos, investigar-se-á a inter-relação entre o

processo de referenciação e o da argumentação, e como ambos se

entrelaçam na obtenção da Textualidade.

Nas considerações finais, comprovar-se-á a consecução dos objetivos

propostos, bem como se fará uma interpretação dos dados levantados pela

análise.

Além disso, conta esta pesquisa com uma bibliografia e dois anexos.

15

Capítulo 1 A Lingüística do texto

De maneira geral, argumentaremos (...) em favor de uma concepção construtivista da referência (...); assumiremos plenamente o postulado segundo o qual os chamados “objetos-de-discurso” não preexistem “naturalmente” à atividade cognitiva e interativa dos sujeitos falantes, mas devem ser concebidos como produtos – fundamentalmente culturais – desta atividade.

Apothéloz & Reichler-Béguelin

16

1.1 Estabelecimento das Propostas da Lingüística Textual em Relação à Recuperação do Texto

É notório aos estudiosos da língua que apenas uma análise dos aspectos

gramaticais não esgota todas as possibilidades na investigação de um texto,

portanto, este trabalho procura demonstrar como os elementos de coesão

textual funcionam e quais as suas funções.

A proposta da Lingüística Textual é avançar, ir além da gramática,

oferecendo ao pesquisador o vislumbre de todas as possibilidades que o

texto lhe confere.

As conclusões aqui apresentadas baseiam-se, quase em sua totalidade,

nos estudos da Lingüística Textual. Faz-se necessário, então, averiguar

como esse ramo da Ciência Lingüística encontra-se nos dias de hoje, no

que se refere: a sua organização como disciplina; ao que é a coesão textual

e quais as suas subdivisões; e como se analisa um texto à luz dos

paradigmas da coesão textual.

Diferentemente do que se postulava nas décadas de 60 e 70, em relação às

maneiras de se estudar um texto, a abordagem hoje é feita, principalmente,

a partir de um ponto de vista sociocognitivista e interacional.

Nos primeiros estudos da Lingüística Textual, havia um privilegiamento da

correferenciação (anafórica e catafórica), como sendo “um dos principais

fatores da coesão textual” (KOCH, 2004). Outros fenômenos, hoje

considerados fundamentais nos estudos de Lingüística Textual, não eram

ainda observados.

Nesse momento ainda inicial da Lingüística Textual, surgiram as gramáticas

de texto, em que este era considerado a unidade lingüística mais elevada

17

em relação a qualquer outra. Teóricos como Weinrich, Petöfi e van Dijk

publicaram gramáticas textuais nesse período.

Num segundo estágio da Lingüística Textual, passou-se a valorizar uma

perspectiva pragmática, quando surgem, por exemplo, as teorias de base

comunicativa que dão uma nova dimensão às pesquisas em Lingüística

Textual. A língua é vista então (meados da década de 70) “como uma forma

específica de comunicação social, da atividade verbal humana,

interconectada com outras atividades (não-lingüísticas) do ser humano.”

(KOCH, 2004).

Dentro dessa perspectiva de observância e valorização de aspectos extra-

textuais, especialmente nos anos 70, destacam-se os estudos de alguns

autores: Wunderlich (Teoria da Atividade Verbal), Isenberg (os aspectos

sintático e semântico são determinados pelo pragmático), Schmidt (estuda a

comunicação lingüística a partir de “uma teoria sociologicamente ampliada”)

(SCHMIDT, 1973 apud KOCH, 2004, p.15), Most & Pasch (o texto é visto

como “uma seqüência hierarquicamente organizada de atividades

realizadas pelos interlocutores.”) (MOST & PASCH, 1987 apud KOCH,

2004, p.17).

Koch (HEINEMANN & VIEHWEGER, 1991 apud KOCH, 2004, p.18)

transcreve os pressupostos gerais apresentados por Heinemann &

Viehweger na obra Introdução à Lingüística do Texto:

1. Usar uma língua significa realizar ações. A ação verbal

constitui uma atividade social, efetuada por indivíduos sociais,

com o fim de realizar tarefas comunicativas, ligadas com a

troca de representações, metas e interesses. Ela é parte de

processos mais amplos de ação, pelos quais é determinada.

2. A ação verbal é sempre orientada para os parceiros da

comunicação, portanto é também ação social, determinada

por regras sociais.

18

3. A ação verbal realiza-se na forma de produção e recepção de

textos. Os textos são, portanto, resultantes de ações

verbais/complexos de ações verbais/estruturas ilocucionais,

que estão intimamente ligadas com a estrutura proposicional

dos enunciados.

4. A ação verbal consciente e finalisticamente orientada origina-

se de um plano/estratégia de ação. Para realizar seu objetivo,

o falante utiliza-se da possibilidade de operar escolhas entre

os diversos meios verbais disponíveis. A partir da meta final a

ser atingida, o falante estabelece objetivos parciais, bem

como suas respectivas ações parciais. Estabelece-se, pois,

uma hierarquia entre os atos de fala de um texto, dos mais

gerais aos mais particulares. Ao interlocutor cabe, no

momento da compreensão, reconstruir essa hierarquia.

5. Os textos deixam de ser examinados como estruturas

acabadas (produtos), mas passam a ser considerados no

processo de sua constituição, verbalização e tratamento pelos

parceiros da comunicação.

Já na década de 80, van Dijk se torna um dos primeiros a observar

questões de cognição nos textos, tanto em produção, como em

compreensão ou funcionamento. Ele estuda, também, as “relações

funcionais no discurso”. Outros autores que se destacaram nesse período

foram Beaugrande & Dressler (1981). Para eles

o texto é originado por uma multiplicidade de operações cognitivas interligadas

[...] de modo que caberia à Lingüística Textual desenvolver modelos

procedurais de descrição textual, capazes de dar conta dos processos

cognitivos que permitem a integração dos diversos sistemas de conhecimentos

dos parceiros da comunicação, na descrição e na descoberta de

procedimentos para sua atualização e tratamento no quadro das motivações e

estratégias da produção e compreensão de textos. (KOCH, 2004, p.22)

19

Ainda no contexto da chamada “Virada Cognitivista”, ocorrida na década de

80, pode-se dar destaque ao fenômeno das inferências, entendidas como

estratégias cognitivas que pressupõem um cálculo mental, em que, a partir

de uma informação semântica nova, é deflagrada uma geração de

informação em decorrência da que já fora dada, num contexto específico.

Segundo Koch (2004), Beaugrande & Dressler (1981) afirmam “que a

inferenciação ocorre a cada vez que se mobiliza conhecimento próprio para

construir um mundo textual.”

Várias são as estratégias interacionais utilizadas numa interação verbal. As

estratégias de preservação das faces, por exemplo, manifestam-se

“lingüisticamente através de atos preparatórios, eufemismos, rodeios,

mudanças de tópico e dos marcadores de atenuação em geral.” (KOCH,

2004). Essa estratégia pode abranger, por exemplo, o grau de polidez que

se determina socialmente, e na maioria dos casos, “pelos papéis sociais

desempenhados pelos participantes [...].” Além desse, há também os

aspectos de negociação em que os interlocutores, num momento de

interação, transitam de maneira a alcançarem seus objetivos.

Para a autora, uma obra de destaque nesse contexto do cognitivismo é a

publicada em 1981 por Beaugrande & Dressler, na qual procura-se

“conceituar o que seja textualidade, definida, então como o que faz com que

um texto seja um texto, com base no que denominam critérios de

textualidade”, a saber: conectividade, intencionalidade, aceitabilidade,

situacionalidade, informatividade, intertextualidade .

Quanto a esses, Koch prefere denominar princípios de construção textual

do sentido.

O tipo de relação estabelecida entre linguagem e cognição, segundo a

autora, “é estreito, interno, de mútua constitutividade, na medida em que

supõe que não há possibilidades integrais de pensamento ou domínios

20

cognitivos fora da linguagem [...]” que é postulada aqui “como o principal

mediador da interação entre as referências do mundo biológico e as

referências do mundo sociocultural.” (MORATO, 2001 apud KOCH, 2004,

p.32).

Deve-se retomar, então, a importância da noção de contexto para a

Lingüística Textual, entendendo-o como algo construído, na maioria das

vezes, durante a própria interação. Na concepção interacional da língua, “o

texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os

interlocutores, sujeitos ativos que [...] nele se constroem e por ele são

construídos.” (KOCH, 2004).

No segundo capítulo de seu livro A Coesão Textual, Koch faz referência à

obra de Halliday & Hasan, que afirmam que algumas formas de coesão

podem ser realizadas pela gramática e outras pelo léxico. Eles citam como

principais fatores de coesão a referência, a substituição, a elipse, a conjunção e a coesão lexical.

Apesar da obra desses autores servir de base para inúmeras pesquisas,

alguns lingüistas compreendem a coesão não como a condição necessária

para a criação do texto, pois “existem textos destituídos de recursos

coesivos, mas em que a continuidade se dá ao nível do sentido e não ao

nível das relações entre os constituintes lingüísticos” e há ainda textos em

que acontece “um seqüenciamento coesivo de fatos isolados que

permanecem isolados, e com isso não têm condições de formar uma

textura” (KOCH, 2004). Tudo isso aponta para uma distinção entre coesão e

coerência, fator preponderante para a execução desta pesquisa.

A coesão textual pode ser explicada como os processos de

seqüencialização que asseguram ou recuperam um elo lingüístico

significativo entre os elementos presentes na superfície textual.

21

Dentre os cinco mecanismos de coesão enumerados, a referência diz

respeito aos itens da língua que não podem ser interpretados

semanticamente por si mesmos, mas remetem a outros itens necessários à

sua interpretação. É feita uma diferenciação entre a referência exofórica –

remissão feita a elemento extratextual – e endofórica – referente no próprio

texto. A referência pode ser pessoal, demonstrativa ou comparativa.

A substituição consiste na colocação de um item no lugar de outro (ou

outros). É uma relação interna ao texto.

A Elipse seria uma substituição por zero. Pode-se omitir um item lexical, um

sintagma, uma oração ou um todo enunciativo.

A conjunção estabelece relação significativa entre elementos ou orações

do texto. Ela pode ser aditiva, adversativa, causal, temporal e continuativa.

A coesão lexical pode ser obtida pela reiteração – repetição do mesmo

item lexical, sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos – ou por colocação –

uso de termos pertencentes a um mesmo campo significativo. Na

classificação de Halliday & Hasan há certa fluidez nos limites entre

referência e substituição.

Dentro dos princípios de construção textual do sentido, será demonstrado

em seguida um dos critérios centrados no texto, a saber, a coesão textual.

Koch (2004) afirma: “Costumou-se designar por coesão a forma como os

elementos lingüísticos presentes na superfície textual se interligam [...] por

meio de recursos também lingüísticos, de modo a formar [...] uma unidade

de nível superior à da frase [...].” A maioria dos estudiosos da coesão textual

a classificam em dois grupos, sendo o primeiro o da coesão referencial e/ou remissiva – ligada a elementos anteriores – que, como já mencionado,

engloba a referência, a substituição, a elipse, a conjunção e uma parte da

22

coesão lexical. O segundo grupo, o da coesão seqüencial, será apresentado

mais adiante.

Na coesão referencial, o referente é visto como aquilo que se sugere

quando se usa um termo ou se cria uma situação discursiva referencial com

a finalidade de designar as entidades como objetos-de-discurso e não como

objetos-de-mundo. Obviamente que, apesar desse ponto de vista, não se

nega a existência da realidade extramente. Tal ponto de vista baseia-se em

Apothéloz & Reichler-Béguelin. Uma expressão anafórica (nominal ou

pronominal) é interpretada quando se estabelece uma relação com algum

tipo de informação presente na memória discursiva, por isso, a noção de

língua, aqui, não se esgota no código. É preciso, então, fazer-se uma

distinção entre retomada (implica remissão e referenciação), remissão

(implica referenciação e não necessariamente retomada) e referenciação

(não implica remissão pontualizada nem retomada).

Já que a referenciação enquadra-se na operação dos elementos

designadores, a progressão referencial se baseia, sempre, em algum tipo

de referenciação. Referir é uma atividade que se realiza por meio da língua

sem necessariamente implicar uma relação língua-mundo; remeter é uma

atividade indexical na contextualidade; retomar é uma atividade de

continuidade de um núcleo referencial.

Tanto a referenciação como a progressão referencial consistem na

construção e reconstrução de objetos-de-discurso. A referenciação, então,

constitui uma atividade discursiva, em que o sujeito utiliza o material

lingüístico disponível, segundo sua intenção ou necessidade. Esse sujeito

faz suas escolhas baseado num querer-dizer. Os objetos-de-discurso, que

não são a realidade extra-lingüística, reconstroem-se durante a interação.

Dessa maneira, o discurso constrói aquilo a que faz remissão e,

simultaneamente, é tributário dessa construção. São estas as possíveis

23

estratégias de referenciação: construção e ativação, reconstrução e

reativação, desfocalização e desativação. Com seu uso, o modelo textual é

estabilizado. Esse modelo também é continuamente reelaborado e

modificado através de novas referenciações. Com isso, os nódulos

cognitivos podem ser modificados ou expandidos.

As formas de introdução de referentes no modelo textual são duas: a

ancorada e a não ancorada – que se dá quando um objeto de discurso novo

se introduz no texto. Koch propõe que as nominalizações sejam incluídas

entre os casos de introdução ancorada. Essas mesmas nominalizações

podem ser prospectivas ou retrospectivas.

A progressão referencial mantém os objetos previamente introduzidos

focalizados, originando as cadeias referenciais que a possibilitam e ela pode

realizar-se: por recursos gramaticais (pronomes, elipses, numerais,

advérbios locativos, etc); por recursos lexicais (reiteração de itens lexicais,

sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos, expressões nominais, etc.).

As funções cognitivo-discursivas das expressões nominais referenciais são:

ativação/reativação na memória; encapsulamento e rotulação; organização

macroestrutural; atualização de conhecimento por meio de glosas

realizadas por um hiperônimo; especificação por meio da seqüência

hiperônimo/hipônimo; construção de paráfrases definicionais e didáticas;

introdução de informações novas (tanto por pára-sinonímia quanto por

novas caracterizações do referente); orientação argumentativa;

categorização metaenunciativa de um ato de enunciação.

Para se compreender melhor o processo da Referenciação, passemos a

estudá-lo mais detalhadamente, conceituando-o, definindo seus limites e

seu funcionamento no texto nos sete pontos a seguir.

24

1. Conceituação

Segundo a teoria de Apothéloz e Reichler-Béguelin, e também de Neves

(2006), a Referenciação envolve interação e, conseqüentemente, intenção.

Quando os falantes estabelecem uma interação lingüística, instituem os

objetos-de-discurso. Uma primeira noção de referência seria a da

construção de referentes. A segunda seria a de identificação de

referentes.

Na construção, o falante usa um termo a fim de que o ouvinte construa um

referente para esse termo e introduza esse referente em seu modelo

mental. Na identificação, o falante usa um termo para que o ouvinte

identifique um referente que já esteja, de alguma maneira, disponível.

Deve-se ressaltar que vislumbrando o funcionamento lingüístico, o processo

de referenciação não se reduz a apenas esses dois movimentos, dizendo

respeito também à constituição do texto como uma rede em que referentes

são introduzidos como objetos-de-discurso.

Para Koch & Marcuschi e Mondada & Dubois, na busca de saber se o

referente é fabricado pela prática social ou pela atividade sóciocognitivo-

discursiva da referenciação, esses autores entendem a referenciação como

atividade discursiva que implica uma visão não-referencial da língua e da linguagem (KOCH, 2004). Sob essa acepção repousa, então, certa

instabilidade das relações entre as palavras e as coisas.

Tanto a referenciação como a progressão referencial consistem na

construção e reconstrução de objetos-de-discurso. A referenciação, então,

constitui uma atividade discursiva, em que o sujeito utiliza o material

lingüístico disponível, segundo sua intenção ou necessidade. Esse sujeito

faz suas escolhas baseado num querer-dizer. Os objetos-de-discurso, que

25

não são a realidade extra-lingüística, reconstroem-se durante a interação.

(KOCH, 2004)

Lyons (NEVES, 2006 apud LYONS, 1977, p.174) diz que o ato de

referenciar está na relação entre uma expressão lingüística e o que ela

significa em ocasiões particulares do discurso.

Ex. Maria é jovem, atraente. Maria – expressão referencial.

Se esta é bem sucedida, o interlocutor identificará o referente.

2. Retomar, Remeter ou Referenciar

A língua não existe fora dos sujeitos sociais que a falam ou fora dos eventos

discursivos nos quais eles intervêm e nos quais mobilizam suas percepções

e saberes.

A interpretação de uma expressão anafórica, nominal ou pronominal,

consiste em estabelecer uma relação com algum tipo de informação

presente na memória discursiva.

Koch (2004) postula que há acepções distintas para os termos:

a) retomada – implica remissão e referenciação

b) remissão – implica referenciação e não necessariamente retomada

c) referenciação – não implica remissão pontualizada nem retomada

Todos os casos de progressão referencial são baseados em algum tipo de

referenciação, não importando se são os mesmos elementos que recorrem

ou não.

“Referir é, portanto, uma atividade de designação realizável por meio da

língua sem implicar uma relação especular língua-mundo.”

26

Tanto para Koch (2004) como para Mondada & Dubois (1995) optou-se por

substituir a noção de referência pela de referenciação, conforme postulação

de Mondada (KOCH, 2004, apud MONDADA, 2001, p.61):

Ela [a referenciação] não privilegia a relação entre as palavras e as coisas, mas

a relação intersubjetiva e social no seio da qual as versões do mundo são

publicamente elaboradas, avaliadas em termos de adequação às finalidades

práticas e às ações em curso dos enunciadores.

Apothéloz & Reichler-Béguelin (1995) postulam que:

a. A referência diz respeito sobretudo às operações efetuadas pelos

sujeitos à medida que o discurso se desenvolve;

b. O discurso constrói aquilo a que faz remissão ao mesmo tempo em

que é tributário dessa construção.

c. Eventuais modificações sofridas predicativamente ou

“mundanamente” por um referente não acarretam necessariamente

uma recategorização lexical, sendo o inverso também verdadeiro.

3. Tipos de referenciação (segundo postulação de NEVES, 2006, p.83)

São, geralmente, definidos pelo tipo de determinante que ocorre no

sintagma nominal.

Genérica

Ex. Uma pessoa não informada e que medir uma distância de cem metros

várias vezes, nunca encontrará a mesma metragem.

27

Individual

Ex. As pessoas mais corridas do lugar não davam crédito às besteiras do

Edilberto.

4. Referenciação e distribuição da informação

“... não é fácil decidir se um referente está sendo tratado pelo falante como

acessível, como dado, ou como novo.” (Neves 2006)

Chafe (1996) apresenta 3 graus de acesso ao referente, segundo os graus

de ativação dos conceitos:

Ativo – quando o conceito está no foco da consciência da pessoa no

momento (dado)

Semi-ativo – quando o conceito está na consciência periférica, como algo

que já esteve em foco, mas deixou o estado plenamente ativo (acessível)

Inativo – quando o conceito está na memória de longo termo, ou nunca

esteve antes na consciência (novo).

Categorias relativas à distribuição da informação

• Dado/não dado

• Conhecido/não conhecido

• Velho/novo

Categorias ligadas aos processos de composição da cadeia referencial

• Anafórico/não anafórico

• Determinado/indeterminado

28

Combinadas em quatro tipos, surgem as seguintes categorias:

(i) anafórico e determinado (AD)

(ii) anafórico e indeterminado (AI)

(iii) não anafórico e determinado (ND)

(iv) não anafórico e indeterminado (NI)

Exemplo (de como esses diferentes tipos mapeiam a referenciação textual

dos sintagmas nominais):

Moore – Fiquei pasmo ao descobrir que o dr. David Golde (ND), que me (ND)

atendeu, patenteou minhas células (ND), reproduzindo-as (AD) em

laboratórios (ND), como se fosse o dono delas (AD).

Folha – O que é que significa, na prática, o médico (AD) ter patenteado suas

células (ND)?

Moore - Quem patenteou ø foi a universidade (ND), mas o dr. Golde (ND)

fez um acerto (NI) com ela (AD). Tanto o médico (AD) como a universidade

(AD) lucraram com a venda (AD) das minhas células (ND). Um laboratório

(NI) comprou o direito de usá-las (AD), pesquisá-las (AD), reproduzi-las (AD)...

Na prática, isso significa que eles (AD) lucraram indevidamente com alguma coisa (NI) que era minha, parte do meu corpo (ND). (NEVES 2006, p.89)

Pode-se verificar no exemplo que não há ocorrência de [AI] e fica fácil

perceber que as categorias ‘anafórico’ e ‘indeterminado’ são as menos

compatíveis e que o tipo construído pela conjunção de ambas deve estar

restrito a menor variedade de contextos.

Exemplo de sintagma nominal ‘anafórico’ e ‘indeterminado’:

Alguns moleques retardatários saíam ainda, os bolsos das calças estufados,

maçã meia comida na mão e a boca cheia.

- Quer uma? (CV – Neves 2006)

29

5. Anaforização

Berrendonner (KOCH, 2004 apud BERRENDONNER, 1986) afirma que o

emprego de elementos anafóricos caracteriza-se como um fenômeno de

retomada informacional relativamente complexa em que intervêm o saber

construído lingüisticamente pelo próprio texto e os conteúdos inferenciais

que podem ser calculados a partir de conteúdos lingüísticos tomados por

premissas, graças aos conhecimentos lexicais, aos pré-requisitos

enciclopédicos e culturais e aos lugares-comuns argumentativos de uma

dada sociedade.

Estratégias de referenciação na constituição da memória discursiva

1. Construção/ativação: um “objeto” textual até então não mencionado é

introduzido, passando a preencher um “endereço” cognitivo na rede

conceitual do modelo de mundo textual.

2. Reconstrução/reativação: um “endereço” cognitivo já presente na

memória discursiva é reintroduzido na memória operacional, por meio

de uma forma referencial, de modo que o objeto-de-discurso

permanece saliente.

3. Desfocalização/desativação: ocorre quando um novo objeto-de-

discurso é introduzido, passando a ocupar a posição focal. Contudo,

o objeto retirado de foco permanece em estado de ativação parcial,

podendo voltar à posição focal a qualquer momento.

Introdução de informações novas

• Por recurso a relações de pára-sinonímia – é comum que a anáfora

nominal introduzida por demonstrativos apreenda o referente sob

uma denominação que constitui um sinônimo mais ou menos

aproximado da designação presente no co-texto, trazendo, neste

30

caso, informações inéditas a respeito do objeto-de-discurso,

justamente por designá-lo por um novo nome que dificilmente seria

previsível para o destinatário.

Ex. “A polêmica parecia não ter fim. Pelo jeito, aquele bate-boca entraria

pela noite adentro, sem perspectivas de solução.”

• Por novas caracterizações do referente – a introdução de novas

informações a respeito do referente, por meio de anáfora nominal

(definida ou indefinida), é freqüente. O intuito é o de caracterizar o

referente de uma maneira específica.

Ex. “O prefeito é especialmente exigente para liberar novos

empreendimentos imobiliários , principalmente quando estão localizados na

franja da cidade ou em áreas rurais (...) O crescimento urbano tem de ser

em direção ao centro, ocupando os vazios urbanos e aproveitando a infra-

estrutura, não na área rural, que deve ser preservada, repete o urbanista

que entrou no PT em 1981 como militante dos movimentos populares por

moradia. “

Inferencialidade

Numa conceituação mais atual, observou-se que a anáfora “não apenas

retoma referentes, mas pode também ativar novos referentes” (TEIXEIRA,

2004, p.4) e que sendo assim, a anáfora não está somente vinculada às

noções de correferencialidade e de retomada. Além disso, comprovou-se

que a anáfora “pode introduzir elemento novo recuperado através de uma

âncora que ativa significados, desencadeando inferências potenciais ou

relações possíveis nem sempre lexicalizadas, mas situadas no texto”. (p. 5)

A partir desse novo ponto de vista, a anáfora, então, passa a ser

considerada como um fenômeno de natureza também inferencial.

31

Ex. Márcia colocou seu copo na bandeja e pegou um outro.

A expressão um outro apresenta um referente distinto ao do grupo nominal

anterior.

Convém destacar que as anáforas podem ser construídas de diversas

maneiras, a saber: pronominalização, nominalização (anáforas lexicais) e

verbalização (verbo fazer).

Neves (2006) explica que a anáfora associativa é um tipo de anáfora

nominal não correferencial, com a qual “introduz-se como conhecido um

referente que ainda não foi explicitamente mencionado no contexto anterior,

mas que pode ser identificado com base em informação introduzida

previamente no universo do discurso, configurada em um outro referente

disponível no contexto”.

Exemplo de anáfora associativa:

Ontem houve um casamento. A noiva usava um longo vestido branco.

(Isenberg, 1968).

6. Correferenciação

Segundo a postulação de Neves, quando o referente determinado – uma

terceira pessoa – já foi introduzido no discurso, o falante freqüentemente o

reapresenta, em outros pontos do enunciado, como elemento ‘dado’, e não

apenas como elemento ‘conhecido’, e, assim, o termo que se refere a ele,

além de implicar referenciação, implica correferenciação. Nesse caso, há a

correferência absoluta, com identidade total entre o antecedente e a

anáfora: o indivíduo (ou os indivíduos) que a anáfora representa é o mesmo

indivíduo designado pelo antecedente, sendo, portanto, para o falante,

sempre um elemento identificado, embora para o ouvinte ele possa não ser

identificável.

32

Exemplos

Impressionado com a tristeza e isolamento de Zé Luís, Cesário

acercou-se dele. (NEVES, 2006, p.92)

Mal começamos a conversar, entra um jornalista, que veio buscar

um poema para publicar. (...). Ele junta-se à nossa conversa, e divide

a cerveja com Marta, enquanto tomo meu guaraná. (p.92)

Eu gosto de omeletes e elas consomem dúzias deles, você sabe.

(p.92)

Para Levinson (1991 apud NEVES, 2006), se o falante quer expressar

correferência, ele preferirá, sempre que possível, zero a pronome e

pronome a sintagma nominal pleno:

Ex. Valentim lavou a cara e as mãos numa fonte, ø examinou os cavalos e

as mulas, ø saltou no dorso de seu animal e ø ordenou a partida (...)

7. Ativação de Referentes

Prince aponta duas maneiras de ativação de referentes (1981 apud KOCH,

2004):

Ativação não-ancorada

Quando um objeto-de-discurso totalmente novo é introduzido no texto,

passando a ter um endereço cognitivo na memória do interlocutor.

33

Ativação ancorada

Sempre que um novo objeto-de-discurso é introduzido, sob o modo do

dado, em virtude de algum tipo de associação com elementos presentes no

co-texto ou no contexto sócio-cognitivo, passível de ser estabelecida por

associação e/ou inferenciação. (anáforas associativas e anáforas indiretas

estão entre estes casos)

Koch (2004) propõe que também sejam consideradas ativação ancorada as

chamadas nominalizações, tal como definidas por Apothéloz & Reichler-

Béguelin (1995 apud KOCH, 2004): uma operação discursiva que consiste

em referir, por meio de um sintagma nominal, um processo ou estado

significado por uma proposição que, anteriormente, não tinha o estatuto de

entidade.

Encerrando-se aqui o primeiro grupo em que se realiza a coesão textual,

passemos ao segundo que é o da coesão seqüencial, – que garante a

continuidade do sentido – responsável por outra parcela da coesão lexical e

pela conexão.

Surge, então, a necessidade de se justificar a razão pela qual a coesão

lexical pode ser referendada tanto pela coesão referencial quanto pela

coesão seqüencial. Segundo Koch (2004, p.36), quando Halliday apresenta

sua teoria, ele divide a coesão lexical em dois mecanismos diferentes: o

primeiro, de função referencial, é a reiteração, que envolve a repetição de

um referente textual pelo uso dos mesmos itens lexicais, sinônimos,

hiperônimos, nomes genéricos e expressões nominais. O segundo, de

função seqüencial, é a colocação, que faz o texto progredir, garantindo a

manutenção do tema.

34

Apesar de nem sempre atuarem com função coesiva, alguns elementos de

ordem gramatical são muito freqüentes numa seqüência em que haja

coesão referencial, como por exemplo:

• Pronomes de 3ª pessoa (retos e oblíquos)

ex. Não se esqueça de comprar os bilhetes. Eles já estão à venda.

• Pronomes possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos e

relativos

ex. Já separei os CDs. Os seus estão na sacola.

• Numerais

ex. As crianças estão na fila. As primeiras são sempre as mesmas.

• Artigo definido

ex. As correspondências chegaram. As da mamãe coloquei na gaveta.

• Alguns advérbios locativos

ex. Entrei desanimada na classe. Ali estava ela de novo.

Da parte dos elementos de ordem lexical que possuem função referencial,

pode-se destacar:

• Repetição do mesmo item lexical

ex. O lanche estava gostoso. Podíamos ter um lanche assim todos os dias.

• Sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos, formas nominais,

nominalizações

ex. A casinhola ficava no meio da floresta. No casebre, de chão batido e

coberto de sapé, morava um velho lenhador. (KOCH, 2004, p.37)

Outra forma de se remeter a referentes textuais, no campo da sintaxe, é a

elipse. Ex. As meninas gostaram muito da festa. Ø Comeram doces, Ø

dançaram e Ø se encontraram com as amigas.

35

A coesão textual se sustenta, em grande medida, pelas retomadas. As

expressões que se reportam a outras, ou a enunciados, ou a conteúdos

contribuem grandemente para o êxito da continuidade tópica e referencial. A

estas se denomina anáforas, que tradicionalmente são definidas como

todas as retomadas de quaisquer elementos textuais anteriores, cuja

identidade referencial permanece intacta.

Em se tratando de coesão seqüencial, vale ressaltar que a mesma ocorre

por meio de procedimentos lingüísticos que fazem o texto progredir. Ela se

realiza com ou sem elementos recorrentes. Pode-se dividi-la em

“seqüenciação frástica (sem procedimentos de recorrência estrita) e

seqüenciação parafrástica (com procedimentos de recorrência).” (KOCH,

2004)

A seqüenciação parafrástica pode ser feita de várias maneiras: pela

extensão de um parágrafo, reiteração de termos veiculadores de idéias

básicas, reiteração de estruturas sintáticas, reiteração do conectivo ‘e’,

predominância de verbos no pretérito imperfeito do indicativo, reiteração de

conteúdo semântico. Para organizar melhor esses recursos lingüísticos,

pode-se acrescentar como fatores de seqüenciação: recorrência de termos

(A chuva caía, caía, caía...); recorrência de estruturas sintáticas com itens

lexicais diferentes; recorrência de conteúdos semânticos – paráfrase;

recorrência de recursos fonológicos; recorrência de tempo e aspecto verbal.

Na seqüenciação frástica ocorre uma série de encadeamentos, de ordem

lingüística, que promovem determinadas maneiras de relação entre os

enunciados. Nesse tipo de seqüenciação o texto avança “sem rodeios ou

retornos que provoquem um ralentamento no fluxo informacional.” (KOCH,

2004).

Alguns conectores aparecem com certa freqüência na seqüenciação

frástica, como citados pela autora (p.61):

36

• se, que estabelece uma relação de implicação entre um antecedente e um

conseqüente

• e, bem como, também, que somam argumentos a favor de determinada

conclusão

• quando, que opera a localização temporal dos fatos a que se alude no

enunciado

• ainda que, no entanto, que introduzem uma restrição, oposição ou contraste

com relação ao que se disse anteriormente

• pois, que apresenta uma justificativa ou explicação sobre o ato da fala anterior

• sejam...sejam, como, que introduzem uma especificação e/ou exemplificação

• ou, que introduz uma alternativa

Um mecanismo de sequenciação frástica utilizado na coesão textual que

também se destaca como fator que mantém o tema, o estabelecimento de

relações semânticas, de relações pragmáticas, tanto em segmentos

menores como maiores do texto, além da articulação e ordenação de

seqüências de texto é a manutenção temática, em que a articulação tema

(tópico, dado) e rema (foco, comentário, novo) varia segundo a perspectiva

oracional e a contextual.

Segundo Koch, Danes combina essas duas perspectivas com sua

concepção de progressão temática (DANES 1970 apud KOCH, 2004, p.63).

Para ele, o esqueleto da estrutura textual pode ser de cinco tipos:

progressão temática linear; progressão temática com um tema constante;

progressão com tema derivado; progressão por desenvolvimento de um

rema subdividido; progressão com salto temático.

Outra forma muito freqüente na seqüenciação frástica é o encadeamento,

que pode se dar por:

• Justaposição por sinais de articulação que operam em vários

níveis – meta-nível, nível interseqüencial , nível conversacional.

37

• Conexão que se dá por conjunções, advérbios sentenciais e

outras palavras de ligação que estabelecem relações

semânticas ou pragmáticas.

Desde seu início, a Lingüística Textual vem ampliando e modificando

seu espectro de preocupações. Começando com uma postura de análise

transfrástica e com as gramáticas textuais, passando a uma visão

pragmático-discursiva, culminou numa tendência sociocognitivista e

interacional. Conjectura-se sobre como ela se posicionará diante dos

novos meios de representação do conhecimento. Quais serão os limites

do seu domínio e seus próximos procedimentos metodológicos?

Koch aponta dois autores que publicaram obras importantes no final do

século XX e que tratam dessas questões, Beaugrande e Gerd Antos.

Sumarizando o pensamento desses teóricos, os textos – vistos como

formas de cognição social – levam o homem a organizar o mundo

cognitivamente. Por causa dessa capacidade são também meios de

intercomunicação, de produção, de preservação e de transmissão do

saber.

Quando a Lingüística Textual adota uma concepção de texto interativa e

sociocognitiva, parece abrir vários caminhos, sendo ponto de partida

para muitos deles e isso só pode prenunciar perspectivas muito otimistas

quanto ao seu futuro. Tudo isso torna o caráter da Lingüística Textual

amplamente multi e transdisciplinar, em que se busca compreender o

texto como fruto de interação e de construção social de sujeitos,

conhecimento e linguagem.

Apesar de ter trilhado, até agora, um caminho que ultrapassa apenas

quatro décadas de estudos, o futuro certamente acrescentará noções

38

ainda não aprofundadas que enriquecerão a contribuição da Lingüística

Textual para os estudos sobre o texto e sua funcionalidade.

39

1.2 Captação e Análise das Estratégias Lingüísticas Utilizadas por Paulo

O enunciador faz uma clara escolha pela utilização de determinados

recursos lingüísticos em seu texto. Além de formar a coesão com recursos

gramaticais, ele faz uma ampla opção pela reiteração de itens lexicais e

pela utilização de sinônimos.

Essa estratégia de referenciação – que inclui pára-sinonímia e novas

categorizações do referente – contribui para a manutenção do tema e,

consequentemente, para a manutenção da coesão.

Logo no início do texto de Romanos, constata-se a primeira menção – a

apresentação – do referente “Jesus Cristo”. Este referente é retomado seis

vezes, seja pela repetição ou pela utilização de sinônimo: Jesus Cristo (1);

Cristo (2); Filho (1); Jesus (2).

Faz-se necessária uma apresentação dos termos e expressões mais

recuperados ao longo do texto: “lei” (5 ocorrências); Jesus Cristo (3);

“Cristo” (2); “Espírito” (11); “Deus” (5); “Espírito de Deus” (2); “filhos de

Deus” (2); “espírito” (2); “carne” (10); “pecado” (5); “morte” (3); “sob o

domínio da carne” (4); “Aquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos” (2).

Deve-se ressaltar os termos e seus sinônimos mais recorrentes e mais

importantes utilizados por Paulo na Epístola aos Romanos:

1) Deus = Aquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos

2) Espírito (destaque para o “E” maiúsculo) = Espírito de Deus =

Espírito de Cristo

3) Jesus Cristo = Cristo = Filho = Jesus

40

Há outras três ocorrências desse mecanismo no texto, em relação a três

outros referentes. Primeiramente, as com o referente “Lei” – quando diz

respeito à lei divina – apresentado ao leitor na linha 2. No decorrer do texto,

contam-se quatro retomadas: “lei do Espírito”; “lei”; “lei de Deus”; e o

pronome oblíquo “a” (que se refere à lei). Em segundo lugar, com o

referente “Espírito” (divino), que é retomado treze vezes: “Espírito” (10);

“Espírito de Deus” (2); “Espírito de Cristo” (1). O último destaque é para o

referente “carne” retomado 10 vezes através do mesmo item lexical. Toda

essa exaustiva retomada de referentes produz o efeito de manutenção da

coesão textual.

Um outro mecanismo de coesão observado no texto é o da coesão textual

por conjunções. No texto de Romanos (Anexo A) há predominância de

conjunções coordenativas. Tradicionalmente, as conjunções coordenativas

têm a função de reunir orações independentes ou unidades menores dentro

de um mesmo enunciado. As que mais ocorrem são a adversativa “mas” (8

vezes) e a conclusiva “pois” (2 vezes) – outras 2 ocorrências do “pois” são

explicativas e uma outra é subordinativa causal. Segundo Cunha (1973),

“Certas conjunções coordenativas podem, no discurso, assumir variados

matizes significativos de acordo com a relação que estabelecem entre os

membros (palavras e orações) coordenados”. No texto, pelo menos uma

das utilizações da adversativa “mas”, além da idéia de oposição tem

também um valor afetivo de restrição: “Assim, pois, irmãos, nós temos uma

dívida, mas não para com a carne...”. Observa-se ainda, a utilização da

conjunção “e” (2 vezes) e “portanto” (1 vez). Toda essa teia de conexões

coordenativas confere alto grau coesivo ao texto.

As subordinativas também funcionam como agente de coesão. Quando

encontramos conjunções como "a fim de que” ou “visto que”, que ocorrem

no texto de Romanos, observamos sua função altamente coesiva, que

estabelece relações significativas entre elementos e orações do texto.

41

Voltando a atenção para a seqüenciação frástica do texto, observa-se a

opção do enunciador por uma progressão temática com um tema constante.

O texto pode ser lido a partir de dois sub-temas distintos que ao final se

entrelaçam causando o efeito desejado por Paulo: destacar a luta constante

do homem entre a carne e o Espírito. Foram selecionadas duas seqüências

com os sub-temas carne e Espírito:

Carne

“porque a carne a votava à impotência”; “na condição da nossa carne de

pecado”; “ele condenou o pecado na carne”; “sob o domínio da carne,

tende-se para o que é carnal”; a carne tende para a morte”; “o pendor da

carne é revolta contra Deus”; “não para com a carne, para devermos viver

de modo carnal”.

Espírito

“mas [andamos sob o domínio] do Espírito”; “mas o Espírito tende para a

vida e a paz”; “visto que o Espírito de Deus habita em vós”; “se alguém não

tem o Espírito de Cristo, não lhe pertence”; “por seu Espírito que habita em

nós”; “Espírito que faz de vós filhos adotivos”.

No caso de Gálatas (Anexo B), o enunciador inicia seu texto com o pronome

“Vós” e esse enunciatário é retomado logo em seguida pelo verbo “fostes”.

Esse mecanismo contribui para a manutenção da identidade referencial. O

referente “Vós” é introduzido de forma não ancorada e a introdução do

“fostes” se apresenta como uma ancoração desse referente. No decorrer do

texto, esse enunciatário é referido, por ancoração, outras 16 vezes e esse

recurso fornece uma excelente estratégia de manutenção referencial, a

saber: “ponde-vos... vos... mordeis... devorais... tomai... vós... vos...

destruireis... Escutai-me... andai... façais... fazeis... quereis... sois... estais...

vos...” Dessa maneira, a retomada é feita tanto pelos verbos, como pelos

pronomes retos e oblíquos.

42

Um segundo referente apresentado na seqüência é “liberdade” que é

retomado uma única vez através de pronome demonstrativo acompanhado

do mesmo item lexical “esta liberdade”.

Assim como no texto de Romanos, em Gálatas o enunciador utiliza a

progressão temática com um tema constante: o cristão deve subjugar a

carne e viver no Espírito. O texto pode ser lido a partir de dois sub-temas

distintos – carne e Espírito – antagônicos entre si, mas que são o amálgama

necessário à comprovação da tese principal. Os termos “carne” e “Espírito”

são constantemente retomados, uma clara estratégia de reiteração de itens

lexicais, o que fornece subsídio à manutenção do foco e,

conseqüentemente, à progressão temática como elemento de coesão:

Carne

“...não dê nenhuma oportunidade à carne!”

“...não façais mais o que a carne deseja.”

“Pois a carne (...) opõe-se ao Espírito...”

“As obras da carne são...”

“...crucificaram a carne...”

Espírito

“...andai sob o impulso do Espírito...”

“...e o Espírito [opõe-se] à carne;”

“...se sois guiados pelo Espírito...”

“...eis o fruto do Espírito...”

“Se vivemos pelo Espírito, andemos também sob o impulso do Espírito.”

Vemos, então, que os referentes no texto de Paulo são identificados e ao

mesmo tempo, construídos. Quando Paulo usa, pela primeira vez, o termo

“carne” em “Contanto, que esta liberdade não dê nenhuma oportunidade à

carne”, ele faz com que seja construído na mente de seu enunciatário um

referente para esse termo. Quando ele reitera esse termo outras vezes, ou

43

usa anáforas para retomá-lo, ele faz com que se identifique na mente do

enunciatário um referente que já foi disponibilizado. Nesse modelo de

movimento da superfície textual encontram-se duas noções de referência: a

construção e a identificação de referentes. Os objetos-de-discurso carne e

Espírito, aqui, são repetidamente construídos e reconstruídos. As

expressões referenciais “carne” e “Espírito” no texto em questão são

sempre bem sucedidas, pois é fácil para o enunciatário identificar esse

referente.

44

1.3 Exploração dos processos de textualização conducentes à textualidade

A textualidade pode ser definida, de maneira extremamente sucinta, como o

conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto e

não apenas um amontoado de frases. O texto não deve ser encarado como

um produto, mas como um processo. Ele se define como um processo

organizacional.

Sete princípios de construção textual do sentido foram elaborados por

Beaugrande & Dressler (1981), a saber, coesão e coerência, esses

centrados no texto, e a situacionalidade, a informatividade, a

intertextualidade, a intencionalidade e a aceitabilidade, esses últimos

centrados no usuário.

A coesão, em geral, designa-se pela “forma como os elementos lingüísticos

presentes na superfície textual se interligam, se interconectam, por meio de

recursos também lingüísticos, de modo a formar um “tecido” (tessitura), uma

unidade de nível superior à da frase, que dela difere qualitativamente.”

(KOCH, 2004, p.35). A coesão é dividida em dois grupos: o da coesão

referencial e o da coesão seqüencial.

Para Beaugrande & Dressler, a coerência refere-se “ao modo como os

elementos subjacentes à superfície textual entram numa configuração

veiculadora de sentidos” (BEAUGRANDE & DRESSLER, 1981 apud KOCH,

2004, p. 40). Para que haja coerência é preciso haver uma forma de

unidade, ou seja, idéias ligadas a um eixo central. Não é apenas uma

relação semântica, mas também uma relação de natureza pragmática.

Para a autora, a situacionalidade “pode ser considerada em duas direções:

da situação para o texto e vice-versa.” (p.40) O movimento situação/texto

diz respeito “ao conjunto de fatores que tornam um texto relevante para uma

45

situação comunicativa em curso ou passível de ser reconstruída”. No

movimento texto/situação, a autora postula que

Ao construir um texto, o produtor reconstrói o mundo de acordo com suas

experiências, seus objetivos, propósitos, convicções, crenças, isto é, seu modo

de ver o mundo. O interlocutor, por sua vez, interpreta o texto de conformidade

com seus propósitos, convicções, perspectivas. Há sempre uma mediação

entre o mundo real e o mundo construído pelo texto. (p.40)

A informatividade segue duas direções: a distribuição da informação e o

grau de previsibilidade e redundância. Quanto à primeira, Koch assevera

que “é preciso que haja um equilíbrio entre informação dada e informação

nova. Quanto à segunda, ela diz que “um texto será tanto menos informativo

quanto mais previsível (redundante) for a informação que traz. Há, portanto,

graus de informatividade...” (p.41)

Segundo a autora (p.42), a intertextualidade “compreende as diversas

maneiras pelas quais a produção/recepção de um dado texto depende do

conhecimento de outros textos por parte dos interlocutores”.

Já o critério da intencionalidade, para a autora, “refere-se aos diversos

modos como os sujeitos usam textos para perseguir e realizar suas

intenções comunicativas, mobilizando, para tanto, os recursos adequados à

concretização dos objetivos visados”. (p.42)

O último dos critérios, a aceitabilidade, “é a contraparte da intencionalidade.

Refere-se à concordância do parceiro em entrar num “jogo de atuação

comunicativa” e agir de acordo com suas regras, fazendo o possível para

levá-lo a um bom termo...” (p.42)

46

Os critérios de construção de sentido nos fragmentos de Romanos e Gálatas

Em relação à coesão textual, ambos os textos possuem um alto grau

coesivo que pode ser comprovado através da investigação realizada neste

trabalho. A tessitura do texto é formada em minúcias e o processo de

referenciação demonstra os elementos coesivos do texto.

A coerência, nos dois textos, justifica-se por fatores variados. Ambos estão

apoiados num mesmo eixo temático: o homem deve deixar-se governar pelo

Espírito Santo. Toda a argumentação do enunciador, conforme investigada

nesta pesquisa, converge para esse ponto central. As idéias esboçadas nos

dois fragmentos, além de estarem semanticamente entrelaçadas,

apresentam um forte teor pragmático, explicitado, por exemplo, nos

conselhos práticos para o viver do cristão: “Mas eis o fruto do Espírito:

amor, alegria, paz, paciência, bondade, benevolência, fé, doçura, domínio

de si; contra tais coisas não há lei.”

Em se tratando do critério da situacionalidade, observa-se, primeiramente, o

movimento situação para o texto. Na observância do contexto, mais

especificamente do capítulo 7 de Romanos, constata-se que os

participantes da Igreja de Roma viviam um conflito configurado no desejo

que tinham de continuar observando os preceitos da lei judaica, apesar de

terem compreendido que Jesus era o messias prometido. Sua postura

agora deveria ser a de abandonar a lei mosaica e se deixarem governar

pela graça divina. O embate entre a influência da carne e a obra do Espírito

já vem sendo apresentado desde esse capítulo, culminando no texto

analisado do capítulo 8 de Romanos. Quando o texto diz “Com efeito, sob o

domínio da carne, tende-se para o que é carnal, mas sob o domínio do

Espírito, tende-se para o que é espiritual”, o autor mostra que havia duas

categorias de pessoas naquela igreja: as carnais e as espirituais. Segundo

Champlin (1995), os que tendem para a carne são aqueles que “não têm

47

contatos específicos com o Espírito Santo, o indivíduo não-regenerado, que

não sabe o que é conversão”. Diante do exposto até aqui, o critério da

situacionalidade fica comprovado no texto em questão. O movimento texto

para a situação acaba se imbricando nas mesmas questões. Quando se lê,

por exemplo, “a carne tende para a morte, mas o Espírito tende para a vida

e a paz” além de toda a insistência nesse modelo apresentada pelo

enunciador, entende-se que seu enunciatário deveria buscar uma vida

espiritual e abandonar o viver carnal. Os pronunciamentos feitos por Paulo

possuem grande relevância naquela situação comunicativa.

O texto de Gálatas segue praticamente o mesmo modelo situacional. O

enunciador demonstra ser exímio conhecedor dos preceitos judaicos, mas

entende que Cristo, em sua expiação vicária, cumpriu toda a Lei. O

enunciador também demonstra conhecer a situação específica em que se

encontrava o seu enunciatário e busca meios, através de sua construção

textual, de suprir as necessidades desse enunciatário ou, ainda, de

oferecer-lhe opções seguras para um viver cristão digno. O enunciador traz

à baila a maneira como seu enunciatário estava conduzindo seu viver “se

vos mordeis e devorais uns aos outros, tomai cuidado: vós vos destruireis

mutuamente.” O paradigma cristão permeava a mente de Paulo e ele

tencionava transmiti-lo aos seus leitores.

Quanto à informatividade, nota-se, no texto de Romanos, no quesito

distribuição da informação, que há equilíbrio entre informação dada (ID) e

informação nova (IN). Pode-se observar abaixo:

Agora, pois, não há mais nenhuma condenação para os que estão em

Jesus Cristo (IN). Pois a lei do Espírito, que dá a vida em Jesus Cristo,

liberou-me da lei do pecado e da morte (ID). (...) Com efeito, sob o domínio

da carne, tende-se para o que é carnal, mas sob o domínio do Espírito,

tende-se para o que é espiritual (IN): a carne tende para a morte, mas o

Espírito tende para a vida e a paz (ID). (...) Sob o domínio da carne não se

48

pode agradar a Deus (ID). Ora, quanto a vós, não estais sob o domínio da

carne, mas do Espírito, visto que o Espírito de Deus habita em vós. (IN) Se

alguém não tem o Espírito de Cristo, não lhe pertence. (ID) (...) Assim, pois,

irmãos, nós temos uma dívida, mas não para com a carne, para devermos

viver de modo carnal. (IN) Pois se viverdes de modo carnal, morrereis; mas

se, pelo Espírito, fizerdes morrer o vosso comportamento carnal, vivereis.

(ID) Com efeito, os que são conduzidos pelo Espírito de Deus, esses é que

são filhos de Deus (ID).

Em relação à previsibilidade e redundância, distinguir-se-ão algumas

informações apresentadas no texto. É dito, por exemplo, logo no início, que

“não há mais nenhuma condenação para os que estão em Jesus Cristo”.

Essa afirmação se faz inédita no decorrer do texto. Em relação a uma outra

informação, a saber, “nós, que não andamos sob o domínio da carne, mas

do Espírito”, há uma retomada quando o enunciador diz “Ora, quanto a vós,

não estais sob o domínio da carne, mas do Espírito” e ele ainda insiste

“visto que o Espírito de Deus habita em vós”. Outras duas vezes surge a

mesma informação “por seu Espírito que habita em vós” e “mas [recebestes]

um Espírito que faz de vós filhos adotivos”. Pode-se então constatar que

sobre o fato de que seus enunciatários seriam pessoas em quem o Espírito

de Deus habita, o enunciador confere alto grau de redundância.

No texto de Gálatas, a informação é distribuída de maneira mais concisa. O

enunciador começa informando a seu enunciatário (“irmãos”) que “é para a

liberdade que fostes chamados” (IN). Mais adiante, ele diz “Escutai-me:

andai sob o impulso do Espírito e não façais mais o que a carne deseja.”

(IN) e continua “Pois a carne, em seus desejos, opõe-se ao Espírito (IN) e o

Espírito à carne (ID); entre eles há antagonismo” (ID). Constata-se que

também aqui há equilíbrio entre a informação nova e a informação dada.

Em relação ao grau de informatividade, o texto apresenta-se como bastante

informativo, pois em seu desenvolvimento as idéias e os argumentos pouco

se repetem, o que lhe confere baixo grau de redundância.

49

No texto de Romanos, o enunciador faz um intertexto, por exemplo, com o

Aramaico, uma das línguas em que foi escrito o Velho Testamento e uns

poucos fragmentos do Novo Testamento. Ele introduz a expressão

aramaica Abba que quer dizer papai, ou paizinho. Seria uma forma afetuosa

e íntima pela qual o filho se refere ou se dirige ao pai. No texto de Gálatas,

há um intertexto com uma fala de Jesus, publicada no Evangelho “Amarás o

teu próximo como a ti mesmo”. Não se sabe se os enunciatários atentaram

para esse efeito intertextual de Paulo, mas pode-se supor que sim, na

medida em que as comunidades cristãs formadas no primeiro século –

dentre elas a de Roma e a da Galácia – eram instruídas pelos apóstolos,

que reproduziam o que aprenderam com Jesus. Nesse sentido é possível

que aqueles cristãos soubessem que um dia Jesus disse que toda a Lei se

resume nisto: “amarás a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti

mesmo”.

A intencionalidade se apresenta nos textos de Paulo de maneira clara e

abrangente. Ele não estava satisfeito com a maneira como os membros das

igrejas de Roma e da Galácia conduziam seu viver cristão. Ele deixou clara

sua insatisfação por eles darem constante lugar à carne, deixando de lado o

governo do Espírito. Ele demonstrou as conseqüências a serem enfrentadas

para os que se deixam conduzir pela carne e, por um outro lado, as

benesses que colheriam os que se submetessem ao Espírito. Todas as

escolhas lexicais, as construções frasais, a seqüência com que as idéias

foram apresentadas perseguem o objetivo de deixar muito clara sua

intenção comunicativa: “andemos sob o impulso do Espírito”.

O critério da aceitabilidade pode ser inferido de diversas maneiras. No texto

de Romanos observa-se um tom didático em toda a sua extensão. O

enunciador, em alguns trechos, demonstra seu conhecimento em relação

aos enunciatários: “nós, que não andamos sob o domínio da carne”; “quanto

a vós, não estais sob o domínio da carne, mas do Espírito”; “visto que o

50

Espírito de Deus habita em vós”; “nós temos uma dívida”; “vós não

recebestes um espírito que vos torne escravos”; “teremos parte na sua

glória”. Nesse grupo de asseverações, o enunciador faz um jogo com o

enunciatário: ora ele se inclui dentre os que seriam afetados por sua

conduta de vida, ora se exclui. Se olharmos mais atentamente para a

Epístola aos Romanos, que possui ao todo 16 capítulos, veremos o alto

grau de intimidade que havia entre Paulo e àquela igreja. No capítulo 15,

por exemplo, ele diz “...desejando há muito visitar-vos, penso em faze-lo

quando em viagem para a Espanha, pois espero que, de passagem, estarei

convosco e que para lá seja por vós encaminhado, depois de haver primeiro

desfrutado um pouco a vossa companhia.” Assim sendo, pode-se supor que

a igreja de Roma acataria de bom grado qualquer admoestação feita por

Paulo.

Sobre o texto de Gálatas repousa semelhante efeito. No primeiro capítulo

dessa epístola, Paulo diz “Admira-me que estejais passando tão depressa

daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho.” Isso

demonstra que ele conhecia muito bem aquela igreja, chegando inclusive a

ter a liberdade de chamá-los de “insensatos” (3.1). No capítulo 4 ele os

chama de “meus filhos” (v.19) e isso denota seu amor paternal por eles.

Diante desse pano de fundo, é factível pensar que a igreja da Galácia

compreenderia muito bem as observações, admoestações e críticas feitas

por Paulo.

No capítulo seguinte, após discorrermos aqui sobre a Lingüística Textual,

com especial destaque ao movimento de Referenciação e à produção da

Textualidade, investigar-se-ão conceitos e postulações em relação ao

Discurso, à Ideologia, ao Discurso Religioso, além de que serão observadas

questões pontuais e relevantes sobre o Contexto Histórico que culminou na

produção dos dois textos do corpus.

51

Capítulo 2 O Discurso e a Ideologia nas Epístolas Paulinas

O discurso é uma dispersão de textos cujo modo de inscrição histórica permite definir como um espaço de regularidades enunciativas. D. Maingueneau

52

2.1 O Discurso, a Ideologia e suas Idéias Centrais O Discurso

A linguagem pode ser estudada de diversas maneiras. Podem-se focalizar

os estudos da língua ou como um sistema de signos ou como um sistema

de regras formais, o que redundaria na Lingüística, ou pode-se estudá-la

segundo as normas, o que culminaria na Gramática normativa. Ambos os

focos de estudo, pela natureza multifacetada dos termos língua e gramática,

por sua vez, subdividem-se em incontáveis maneiras de serem

desenvolvidos. E é isso que nos mostram, no decorrer dos séculos, os

estudos tão particulares e plurisignificativos da linguagem. Segundo Orlandi

(1999, p.15), todo esse amplo espectro dos estudos da linguagem é que

levou especialistas a “começarem a se interessar pela linguagem de uma

maneira particular que é a que deu origem à Análise do Discurso”.

Para a autora (p.15), “A análise do Discurso (...) não trata da língua, não

trata da gramática, embora todas essas coisas lhe interessem.” Daí surge a

pergunta: ela trata de quê? Trata da palavra em movimento. Na AD busca-

se “compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico,

parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história”

(p.15).

Fiorin (1997, p.6) chama a linguagem de “veículo das ideologias”. Ele

postula que a linguagem, além da língua e da fala, tem um terceiro

elemento: a ideologia. Para o autor “O discurso são as combinações de

elementos lingüísticos (...), usadas pelos falantes com o propósito de

exprimir seus pensamentos, de falar do mundo exterior ou de seu mundo

interior, de agir sobre o mundo.” (p.11)

O que se pretende com a AD é compreender o homem em todas as suas

significações, em todas as suas acepções, suas tendências, suas razões,

53

sua maneira de ver o mundo e estar nele. Somente a linguagem é capaz de

traduzir esse homem em cada contexto particular de sua existência. E é

exatamente esse caráter mediador da linguagem que recebe o nome de

discurso.

Quando, então, a AD estuda a língua, não o faz

enquanto um sistema abstrato, mas com a língua no mundo, com maneiras de

significar, com homens falando, considerando a produção de sentidos enquanto parte

de suas vidas, seja enquanto sujeitos seja enquanto membros de uma determinada

forma de sociedade (ORLANDI, 1999, p.15-16).

Uma proposta de AD deve basear-se, também, nas informações exteriores

à língua, numa realidade extramente que oferece subsídio para a

compreensão do que está sendo dito. O aparato lingüístico funciona como

um pressuposto ao aparato sócio-histórico. A AD se preocupa em investigar

como a linguagem se materializa na ideologia e como a ideologia se

inscreve na língua.

No momento em que um analista do discurso olha para um texto, ele quer

saber, segundo Orlandi (1999), “como este texto significa?” O que tem

realmente importância é que a AD produz um conhecimento a partir daquele

texto, que é concebido em sua discursividade.

Na AD o enunciador e o enunciatário realizam, simultaneamente, o

processo de significação e o que os une não é uma mensagem, mas o

discurso. Esses sujeitos do discurso, relacionados entre si pela linguagem,

são constituídos de uma maneira altamente complexa, que prevê não só a

língua, mas também a ideologia. Desse modo, diz Orlandi: “o discurso é

efeito de sentidos entre locutores”.

54

No modo de ver de Fiorin (1997, p.77): “A análise do discurso vai, à medida

que estuda os elementos discursivos, montando por inferência a visão de

mundo dos sujeitos inscritos no discurso. Depois, mostra que é que

determinou aquela visão nele revelada.”

A Formação Discursiva

Orlandi (1999, p.43) a define como “aquilo que numa formação ideológica

dada – ou seja, a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-

histórica dada – determina o que pode e deve ser dito.”

O sentido do que é dito não existe em si mesmo, mas surge através das

posições ideológicas que estão em exercício naquele momento. O sujeito

tem as palavras a sua disposição para empregá-las segundo lhe convém.

Elas podem mudar de sentido cada vez que são utilizadas numa fala,

segundo a posição ideológica desse sujeito. O sentido das palavras,

segundo Orlandi, pode estar “aquém e além delas”. (p.43)

O que caracteriza a formação discursiva é a possibilidade de sentido que o

sujeito aplica à palavra. Uma palavra pode ter significados diferentes em

cada formação discursiva. Cada sentido provém de uma formação

discursiva obtida pela maneira como o sujeito se posiciona e faz suas

escolhas. É a ideologia que determina o sentido e cada manifestação

ideológica o é em relação a outras manifestações ideológicas. Todo esse

movimento se revela na discursividade, ou seja, “na maneira como, no

discurso, a ideologia produz seus efeitos, materializando-se nele”. (p.43)

55

Ideologia

Segundo o E-Dicionário de Termos Literários (CEIA, 2005), o termo

ideologia surge no século XVIII, com o francês Destutt de Tracy em sua

busca por fundamentar uma ciência que abarcasse as leis e os mecanismos

universais que culminavam na gênese das idéias. Sua pesquisa

fundamentava-se numa reelaboração do empirismo de Locke, que baseava

a raiz do conhecimento na natureza receptiva dos sentidos. De Tracy

pretendia que seu estudo sistemático e positivo das idéias se constituísse

numa ciência em que todas as outras se apoiassem, já que todo o

conhecimento científico estaria alicerçado na elaboração e combinação das

idéias. Mas esses estudos não se limitavam apenas ao âmbito

epistemológico. Outra área de abrangência seria a do domínio social. A

partir, então, da ideologia, além de se ter uma maior compreensão dos

modos de pensamento, chegar-se-ia a uma maior elucidação dos

fenômenos sociais e políticos, o que facilitaria uma reorganização das

estruturas sociais e políticas necessárias ao homem.

Desde essa primeira acepção do termo, um estudo diacrônico revela todas

as mudanças pelas quais ele passou. A explicação que predomina até hoje

é a oferecida por Marx e Engels em que as idéias e a consciência são

determinadas em última análise pelas condições materiais de existência.

Quando esses dois autores revitalizam o termo, desgastado desde a época

de Napoleão (CEIA, 2005), fazem-no à luz de uma crítica da filosofia política

e o utilizam, de maneira pejorativa, em sua A Ideologia Alemã, uma

referência ao pensamento de Hegel. Por tudo que se postula nessa obra, a

ideologia deixaria de ser uma ciência – como queria de Tracy – e passaria a

ocupar o campo totalmente oposto ao do materialismo histórico.

A partir das teorizações de Marxs sobre o trabalho, o salário e as

desigualdades sociais, Fiorin (1997, p.28) explica a ideologia como o

conjunto de idéias e representações “que servem para justificar e explicar a

56

ordem social, as condições de vida do homem e as relações que ele

mantém com os outros homens”. O autor afirma, ainda, que a ideologia “É

uma forma fenomênica da realidade, que oculta as relações mais profundas

e expressa-as de um modo invertido. A inversão da realidade é ideologia.”

(p.29)

Como a ideologia se constrói sob as formas fenomênicas da realidade, as

quais funcionam pela ocultação da essência da ordem social, ele a traduz

como “falsa consciência”. Contudo, essa expressão só indica que “as idéias

dominantes são elaboradas a partir de formas fenomênicas da realidade”,

não apreendendo, portanto, as relações sociais mais profundas. A ideologia

é também considerada pelo autor como “visão de mundo” entendida como

“o ponto de vista de uma classe social a respeito da realidade, a maneira

como uma classe ordena, justifica e explica a ordem social”.

Chaui (2000, p.31) oferece um conceito de ideologia:

...a ideologia não é sinônimo de subjetividade oposta à objetividade, que não é

pré-conceito nem pré-noção, mas que é um “fato” social justamente porque é

produzida pelas relações sociais, possui razões muito determinadas para surgir

e se conservar, não sendo um amontoado de idéias falsas que prejudicam a

ciência, mas uma certa maneira da produção das idéias pela sociedade, ou

melhor, por formas históricas determinadas das relações sociais.

A partir das postulações marxistas, a autora afirma que

...A ideologia é o processo pelo qual as idéias da classe dominante se tornam

idéias de todas as classes sociais, se tornam idéias dominantes (...) Na

ideologia alemã, lê-se: “As idéias da classe dominante são, em cada época, as

idéias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da

sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual”. (2000, p.92- 93)

57

E ainda completa “A ideologia consiste precisamente na transformação das

idéias da classe dominante em idéias dominantes para a sociedade como

um todo, de modo que a classe que domina no plano material (...) domina

no espiritual.” (p.93-94)

Chaui (p.101-114) apresenta quinze determinações constituintes da

ideologia:

1) a ideologia é resultado da divisão social do trabalho e, em particular, da

separação entre trabalho material/manual e trabalho espiritual/intelectual;

2) essa separação dos trabalhos estabelece a aparente autonomia do trabalho

intelectual face ao trabalho material;

3) essa autonomia aparente do trabalho intelectual aparece como autonomia dos

produtores desse trabalho, isto é, dos pensadores;

4) essa autonomia dos produtores do trabalho intelectual aparece como

autonomia dos produtos desse trabalho, isto é, das idéias;

5) essas idéias autonomizadas são as idéias da classe dominante de uma época

e tal autonomia é produzida no momento em que se faz uma separação entre

os indivíduos que dominam e as idéias que dominam, de tal modo que a

dominação de homens sobre homens não seja percebida porque aparece

como dominação das idéias sobre todos os homens;

6) a ideologia é, pois, um instrumento de dominação de classe e, como tal, sua

origem é a existência da divisão da sociedade em classes contraditórias e em

luta;

7) a divisão da sociedade em classes se realiza como separação entre

proprietários e não proprietários das condições e dos produtos do trabalho (...)

8) se a dominação e a exploração de uma classe for perceptível como violência,

isto é, como poder injusto e ilegítimo, os exploradores e dominados se sentem

no justo e legítimo direito de recusa-la, revoltando-se. (...)

9) por ser o instrumento encarregado de ocultar as divisões sociais, a ideologia

deve transformar as idéias particulares da classe dominante em idéias

universais, válidas igualmente para todas as sociedades.

10) a universalidade dessas idéias é abstrata, pois no concreto existem idéias

particulares de cada classe. Por ser uma abstração, a ideologia constrói uma

rede imaginária de idéias e de valores que possuem base real (a divisão

58

social), mas de tal modo que essa base seja reconstruída de modo invertido e

imaginário.

11) a ideologia é uma ilusão necessária à dominação de classe. (...)

12) porque a ideologia é ilusão, isto é, abstração e inversão da realidade, ela

permanece sempre no plano imediato do aparecer social. (...)

13) a ideologia não é um “reflexo” do real na cabeça dos homens, mas o modo

ilusório pelo qual representam o aparecer social como se tal aparecer fosse a

realidade social.

14) a ideologia é produzida em três momentos fundamentais: a) ela se inicia como

um conjunto sistemático de idéias que os pensadores de uma classe em

ascensão produzem para que essa nova classe apareça como representante

dos interesses de toda a sociedade (...) b) ela prossegue tornando-se aquilo

que Gramsci denomina de senso comum, isto é, ela se populariza, torna-se um

conjunto de idéias e de valores concatenados e coerentes (...) c) uma vez

sedimentada e interiorizada como senso comum, a ideologia se mantém,

mesmo após a vitória da classe emergente, que se torna, então, classe

dominante.

15) a ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações e

de normas ou regras que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o

que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como

devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e

como devem fazer. (...)

A ideologia, diante de todo o exposto, além de constituinte da realidade é

também constituída por essa realidade. Ela não é algo que surge do nada

ou um organismo que pertença a um seleto grupo de pensadores. A

ideologia dominante resulta sempre da classe dominante.

59

Formação Ideológica e Formação Discursiva

Fiorin, traçando um perfil da formação ideológica, assevera que:

Formação ideológica é a visão de mundo de uma determinada classe social,

isto é, um conjunto de representações, de idéias que revelam a compreensão

que uma dada classe tem do mundo. Como não existem idéias fora dos

quadros da linguagem, entendida no seu sentido amplo de instrumento de

comunicação verbal ou não verbal, essa visão de mundo não existe

desvinculada da linguagem. Por isso, a cada formação ideológica corresponde

uma formação discursiva, que é um conjunto de temas e de figuras que

materializa uma dada visão de mundo. (1997, p.32)

A formação discursiva a que o autor se refere está relacionada à formação

ideológica. Uma vez que os membros de uma dada sociedade recebem

uma formação lingüística, esta lhes confere uma formação discursiva. Cada

participante de um grupo sócio-lingüístico possui uma consciência verbal

que funciona como fator de coesão social. O fator lingüístico, então, é

agente de produção de uma identidade ideológica e através da formação

discursiva que cada indivíduo assimila é que são elaborados os discursos.

Da mesma maneira que a formação ideológica influi no pensamento, a

discursiva é que “determina o que dizer”. (FIORIN, 1997, p.32) Numa

formação social há “tantas formações discursivas quantas forem as

formações ideológicas”.

Fiorin destaca, ainda, que da mesma maneira que a ideologia dominante é

a da classe dominante, o discurso dominante é o da classe dominante.

Ambas as formações – ideológicas e discursivas – encontram-se

intimamente ligadas. O que as distingue é o fato de que uma formação

ideológica se concretiza na formação discursiva, ou seja, uma depende da

outra.

60

Já que a ideologia se materializa no discurso, é ela que o determina, o que

indica, para Fiorin, que “o texto é unicamente um lugar de manipulação

consciente, em que o homem organiza (...) os elementos de expressão (...)

para veicular seu discurso.” (p.41) Isso leva a concluir que enquanto o texto

é individual, o discurso é social.

61

Enunciador e Enunciatário

Dentro de todo esse entroncamento entre linguagem, ideologia e discurso,

quem seria, então, a figura do enunciador? Para Fiorin ele é o “suporte da

ideologia”, ou seja, aquele em quem repousam os discursos que são, em

última instância, a “matéria-prima com que elabora seu discurso” (1997,

p.42). O que o enunciador diz é um mero reflexo, inconsciente, do dizer de

seu grupo social. Para o enunciador, não há liberdade naquilo que vai dizer,

pois há uma coação proveniente de seu grupo.

O enunciador, ao comunicar algo, visa a agir no mundo. Fiorin afirma que:

“Ao exercer seu fazer informativo, produz um sentido com a finalidade de

influir sobre os outros”. E é aqui que entra a figura do enunciatário que para

o enunciador é alguém que deve crer no que é dito, que deve fazer algo,

que deve mudar de comportamento. Para o autor, o enunciador age no

sentido de “fazer-fazer”, ou seja, ele faz algo para que o enunciatário

também faça algo. Fiorin complementa com a postulação de que “mesmo

que não pretenda que o destinatário aja, ao fazê-lo saber alguma coisa

realiza uma ação, pois torna o outro detentor de um certo saber.” (p.74)

Na tentativa de se resumir o exposto até aqui, podem-se tomar as palavras

de Fiorin: “As formações ideológicas presentes numa dada formação social

determinam formações discursivas. Estas materializam aquelas.

Estabelecem um conjunto de temas e de figuras com que o “indivíduo” fala

do mundo exterior e interior.” (p.76)

O Discurso Religioso

Althusser é o teórico que apresenta uma sistematização para o discurso

religioso. Ele usa esse tipo de discurso para exemplificar a estrutura formal

de qualquer ideologia. Ele engloba num discurso fictício “o que ele diz não

só nos seus testamentos, nos seus teólogos, nos seus sermões, mas

62

também na sua prática, nos seus rituais, nas suas cerimônias e nos seus

sacramentos”. (ALTHUSSER, 1974 apud ORLANDI, 1996, p.241). Em seus

estudos sobre o assunto o autor “constrói (...) esse discurso fictício religioso

como um exemplar que funciona como um “dicionário” discursivo”. Para

Althusser o mais importante é a noção de sujeito e para tanto ele postula

que “só existe prática através e sob uma ideologia, e que só existe ideologia

através do sujeito e para sujeitos”. (p.241)

Sua teoria diz que “Deus define-se portanto a si mesmo como sujeito por

excelência, aquele que é por si e para si (...) e aquele que interpela seu

sujeito.” Ele continua, afirmando que quando Deus chama o homem ele o

faz no sentido passivo. Quem nomeia é sempre Deus e nunca o homem.

Ainda citando Althusser, Orlandi (p.241) reproduz o pensamento do autor:

“O fato de que há uma condição absoluta para se pôr em cena sujeitos

religiosos cristãos: só existe essa multidão de sujeitos religiosos possíveis

porque existe um Outro Sujeito único absoluto”. É feita, por conseguinte,

uma distinção entre o Sujeito e os sujeitos vulgares, em que Deus é esse

Sujeito e os homens, os interlocutores-interpelados, “os seus espelhos, os

seus reflexos...”

Sob esse ponto de vista, seria necessário haver um “desdobramento do

Sujeito em sujeitos, e do próprio Sujeito em sujeito-Sujeito”, numa clara

referência à trindade divina. Todo esse emaranhado na categorização dos

sujeitos do discurso religioso reflete na concepção de que a estrutura da

ideologia “submete os sujeitos ao Sujeito e dá-lhes, no Sujeito, garantia de

que é efetivamente deles e Dele que se trata.” (ALTHUSSER, 1974, apud

ORLANDI, 1996, p.242)

Para Althusser, essa “estrutura duplicada da ideologia” garante:

a) a interpelação dos indivíduos como sujeitos;

63

b) a sua submissão ao Sujeito;

c) o reconhecimento mútuo entre os sujeitos e o Sujeito, e entre os próprios

sujeitos e, finalmente, o reconhecimentos do sujeito por ele próprio;

d) a garantia absoluta de que está tudo bem, assim, e que, na condição de os

sujeitos reconhecerem o que eles são e de se conduzirem de acordo, tudo

correrá bem.

Sua conclusão é de que ante tais relações surge o reconhecimento, a

identidade e o apaziguamento. E ele vai mais fundo. Conclui que o sujeito

além de seu papel de sujeito também virá a assujeitar-se.

Um aspecto muito relevante da teoria desse autor é o de que “o conteúdo

da ideologia religiosa se constitui de uma contradição, uma vez que a noção

de livre arbítrio traz, em si, a de coerção.” (p.242) Como pode,

simultaneamente, haver livre escolha e coerção? É, pois, essa a tônica do

discurso religioso.

Obviamente que essa coerção se dá através da linguagem e para tanto: “A

religião constitui um domínio privilegiado para se observar esse

funcionamento da ideologia dado, entre outras coisas, o lugar atribuído à

Palavra”. (ORLANDI, 1996, p.242).

Diante desta relação tão singular de sujeitos e Sujeito, a autora caracteriza

o discurso religioso como “aquele em que fala a voz de Deus: a voz do

padre – ou do pregador, ou, em geral, de qualquer representante seu – é a

voz de Deus.”

2.2 O Discurso de Paulo

O discurso fundador da prédica de São Paulo é o discurso bíblico, ou seja,

para ele a verdade fundamenta-se nos ensinamentos da Bíblia. O alicerce

do qual ele parte é o texto bíblico.

64

Paulo e o Ethos (vide capítulo 3)

Como o enunciador Paulo imprime sua marca no enunciado? Como ele se

inscreve na mensagem? Como ele se situa em relação ao enunciado?

Quem é esse enunciador e quem ele não é? Todas essas perguntas podem

ser respondidas numa investigação discursiva dos dois textos que estão

sendo analisados.

Quando Paulo, que é o produtor do enunciado em questão, mobiliza a

língua fazendo-a funcionar – obviamente a seu favor, através da

argumentação – ele está automaticamente sujeito a revelar-se ao seu

enunciatário. Todas as escolhas que faz, e as que não faz, são matéria

prima na formação de seu caráter discursivo, de sua marca enunciativa e de

sua posição ante o enunciado produzido.

Paulo é seguidor ferrenho de Jesus Cristo. Ele compreende perfeitamente a

missão de Jesus na Terra de restabelecer a comunhão entre Deus e os

homens, quebrada pelo pecado desde os primórdios da Criação. Ele

conhece profundamente os conteúdos da Torá, dos livros históricos, dos

Salmos, dos Provérbios e dos livros proféticos – o acervo do Velho

Testamento. Paulo deixa claro que entende a razão da Cruz, da expiação

de Cristo, de ter este assumido a culpa de toda a humanidade e de ter-se

oferecido como o Cordeiro Perfeito, como o único capaz de religar o

Homem a Deus. Esse enunciador quer que seu enunciatário – os membros

das igrejas de Roma e da Galácia – compreenda a seriedade dessas

premissas, deixe-se governar pelo “Espírito de Cristo” e nunca pela

influência da carne. Paulo coloca-se na posição de líder espiritual de seu

enunciatário, de detentor da verdadeira doutrina de Cristo e insta esse

enunciatário a que siga tal doutrina para que obtenha a vitória final. Ele

indica o caminho do êxito, mostrando o caminho do fracasso para seu

enunciatário “a carne tende para a morte, mas o Espírito tende para a vida e

65

a paz”. Paulo toma a palavra e a usa com a finalidade de comprovar sua

tese.

Esse enunciador inclui-se dentre os que devem seguir os preceitos da lei de

Cristo e que, por conseguinte, devem subjugar a interferência da carne “a

fim de que a justiça exigida pela lei seja realizada em nós, que não

andamos sob o domínio da carne, mas do Espírito.” Paulo parece saber que

tamanho empreendimento não é fácil de ser obtido, mas crê que seja

plausível “Se vivemos pelo Espírito, andemos também sob o impulso do

Espírito.” Ele oferece uma lista do que seriam as “obras da carne” e em

seguida apresenta outra lista que contém o “fruto do espírito”, mostrando o

grande antagonismo entre as duas. Ele crê que serão galardoados por

Cristo os que produzirem o “fruto do espírito” e que os que constroem suas

vidas nas “obras da carne” sofrerão a justa condenação “...os autores

dessas coisas (...) não herdarão o reino de Deus.”

Paulo mostra-se um enunciador carinhoso quando chama seus

enunciatários de “irmãos”. Mostra-se próximo a eles quando se inclui como

receptor de sua própria mensagem “...somos filhos de Deus”. Inclui-se entre

os que devem vencer a batalha contra a carne e o pecado “...nossa carne

de pecado”. Seu tom discursivo apesar de pastoral e amigável “...teremos

parte na sua glória” é também firme e incisivo “Escutai-me (...) não façais

mais o que a carne deseja.” Ele é favorável a que se siga os mandamentos

de Cristo resumidos “nesta única palavra: Amarás o teu próximo como a ti

mesmo”.

Por tudo que esse enunciador diz – e pelo que não diz – sabe-se que é

alguém que procura vencer a luta do Espírito contra a carne, que é alguém

que também enfrenta essa luta, que não está fora do espectro de influência

do pecado, que não está incólume e que poderá conquistar as benesses da

vitória se estiver sob a direta e constante assistência do Espírito Santo de

Deus.

66

Quando Paulo elege um dêitico como “Agora”, ele está situando seu

discurso num presente atemporal fazendo com que o texto não perca sua

característica de atual independentemente de quando for lido. Ao chamar

seus enunciatários de “irmãos”, ele mesmo se inclui nessa categoria para

eles, o que, além do efeito de proximidade, traz imensa carga afetiva para a

enunciação.

Apesar de incluir-se por diversas vezes no discurso – “liberou-me”, “nossa

carne de pecado”, “realizada em nós”, “nós temos uma dívida”, “atesta ao

nosso espírito”, “teremos parte na sua glória” – o enunciador reivindica certo

elemento de autoridade quando se exclui do grupo a quem fala, dando-lhe

recomendações e orientações quanto ao seu procedimento – “quanto a

vós”, “habita em vós”, “Se o Cristo está em vós”, “vosso corpo (...) está

destinado”, “o Espírito é a vossa vida”, “se viverdes de modo carnal ,

morrereis”, “vós não recebestes um espírito que vos torne escravos”.

Esse enunciador reconhece que seu interlocutor é também um seguidor de

Jesus Cristo “visto que o Espírito de Deus habita em vós”, mas pela

substancial quantidade de admoestações sabe que esse enunciatário

necessita atingir um maior grau de maturidade espiritual.

Uma marca importantíssima de quem ele é e no que crê é sua plena

aceitação da paternidade divina tanto sobre si quanto sobre seus

interlocutores “...pelo qual nós clamamos: Abba, Pai.” Outra marca relevante

é a sua crença inabalável na trindade divina, pois está constantemente

referindo-se ao Pai, ao Filho e ao Espírito.

Sua enunciação o inscreve como um grande conhecedor de preceitos que

devem ser compartilhados. Ele dá o passo a passo do que deveria ser

adotado como modelo vivencial – fruto do Espírito – e do que deveria ser

expurgado – obras da carne.

67

Paulo e seu Pathos (vide capítulo 3)

Como todo enunciador pressupõe um enunciatário, este se constrói no texto

de Paulo pelo que lhe é dito.

Os membros da igreja de Roma pareciam estar temerosos quanto a uma

condenação espiritual e por isso o apóstolo inicia sua epístola confortando-

os quanto a essa questão “não há mais nenhuma condenação para os que

estão em Jesus Cristo”.

Pela temática adotada, é como se esses seguidores de Cristo estivessem

um tanto confusos quanto ao que viesse a ser estar sob o domínio do

Espírito. As reiteradas vezes em que o autor da epístola expõe sua

preocupação quanto ao que seja andar no Espírito e andar na carne

demonstram que aquelas pessoas não abrigavam em suas mentes a

perfeita acepção dessas duas noções.

O enunciatário de Paulo era alguém em quem habitava o Espírito de Cristo,

mas que desenvolvia certo “comportamento carnal”. Os leitores da Epístola

aos Romanos foram explicitamente classificados como “filhos de Deus”,

“herdeiros de Deus” e “co-herdeiros de Cristo”. No caso dos Gálatas, era um

grupo que não estava se posicionando a serviço do próximo, pois o autor

lhes diz “pelo amor ponde-vos a serviço uns dos outros”. Era um grupo que

estava vivendo em conflito “se vos mordeis e devorais uns aos outros (...)

vos destruireis mutuamente”. Com esse enunciatário, Paulo é bem rígido

em suas escolhas. Ele usa, por exemplo, imperativos “Escutai-me”, “andai

sob o impulso do Espírito”, “não façais o que a carne deseja”. Esta

comunidade estava vivendo de maneira carnal. Suas ações eram de:

“libertinagem, impureza, devassidão, idolatria, magia, ódios, discórdia,

ciúme, cólera, rivalidades, dissensões, facções, inveja, bebedeiras, orgias e

outras coisas semelhantes”.

68

A igreja da Galácia já havia sido prevenida quanto a tais práticas e Paulo

estava novamente alertando “os autores dessas coisas, eu vos previno,

como já disse...”. Apesar de tudo isso, o enunciador reconhece seu

enunciatário como participante da família de Cristo “se vivemos pelo

Espírito, andemos também sob o impulso do Espírito”.

Paulo e o Logos (vide capítulo 3)

Como o enunciador Paulo organiza seu raciocínio? Ele não tece infindáveis

elucubrações teológicas e nem pragmáticas. Ele não se mostra

desconhecedor do assunto que se propõe a tratar. Ele não apresenta um

relato linear ou se escora em frases desconexas e soltas. Muito pelo

contrário.

O texto de Romanos é elaborado segundo uma minuciosa coletânea de

princípios cristãos, que são apresentados sistematicamente ao enunciatário.

Tais princípios são organizados em várias premissas que informam ao

enunciatário o que precisa ser por ele adotado como prática vivencial, de

maneira que, agindo assim, esse interlocutor obterá ganhos pragmáticos e

espirituais tanto para sua vida presente como para a eternidade.

Ao mesmo tempo em que são feitas afirmações como, por exemplo, “não há

mais nenhuma condenação para os que estão em Jesus Cristo”, “...a lei do

Espírito (...) liberou-me da lei do pecado”, “ele (Deus) condenou o pecado

na carne”, “sob o domínio do carne tende-se para o que é carnal”, “o

Espírito tende para a vida e paz”, “o pendor da carne é revolta contra Deus”,

ela [a carne] não se submete à lei de Deus”; são feitas admoestações “se,

pelo Espírito, fizerdes morrer o vosso comportamento carnal, vivereis”; são

esclarecidas as conseqüências pela desobediência “a carne tende para a

morte”, “Sob o domínio da carne não se pode agradar a Deus”, “se viverdes

de modo carnal, morrereis”.

69

O discurso é construído segundo uma série de recompensas que serão

obtidas por aqueles que seguirem os preceitos de submeterem-se ao

Espírito de Deus, não cedendo lugar à influência da carne.

O discurso de Gálatas segue o mesmo tipo de elaboração: a premissa de

que carne e Espírito seguem em direções opostas e que a influência do

Espírito deve prevalecer. Nesse texto, o enunciador introduz um novo

elemento em seu discurso, quando realiza um intertexto com palavras

proferidas por Jesus nos Evangelhos “Amarás o teu próximo como a ti

mesmo”. Como a Epístola aos Romanos, a de Gálatas é construída com

afirmações “é para a liberdade que fostes chamados”, “toda a lei encontra o

seu cumprimento nesta única palavra...”, “Os que pertencem ao Cristo

crucificaram a carne com suas paixões”; com admoestações “pelo amor,

ponde-vos a serviço uns dos outros”, “tomai cuidado”, “andai sob o impulso

do Espírito”, “Se vivemos pelo Espírito, andemos também sob o impulso do

Espírito”; e são mostradas as conseqüências da desobediência “se vos

mordeis e devorais uns aos outros (...) vos destruireis mutuamente”.

Observa-se então a similaridade que há entre os dois discursos, na maneira

como o locutor tece argumentos em favor de sua tese. Ele organiza seu

raciocínio, oferecendo passos a serem seguidos para que o Espírito

prevaleça sobre a carne.

2.3 Paulo e a Ideologia

A formação discursiva de Paulo pode não refletir a ideologia dominante, ou

a classe social dominante de sua época. Ele estava inserido num contexto

judaico-romano-cristão em que os romanos detinham o poder político, os

judeus detinham o poder religioso e os cristãos, por sua vez, apesar da forte

carga ideológica que possuíam, eram ainda um grupo pequeno,

70

influenciado, muitas vezes, pelos outros dois grupos, mas que estava em

franca ascensão.

Paulo decidiu romper com a religião de seus pais, o judaísmo, e decidiu,

mesmo com uma grande força propulsora contra si, abarcar os princípios

cristãos, posicionando-se como um grande e eloqüente líder, detentor da

nova ideologia cristã e que recebeu a incumbência divina de propagar essa

ideologia ao novo grupo que se formava, mesclado de judeus e não judeus.

Na Palestina de então, subjugada pela dominação romana, um discurso que

dizia “a verdade vos libertará” e “Eu [Jesus] sou o caminho, a verdade e a

vida”, carregado de fortíssima ideologia, veio como um rolo compressor

dando ao povo uma nova perspectiva diante de conceitos como verdade e

liberdade.

Paulo, o enunciador que queria agir no mundo onde estava, desejava,

ardentemente, que seus enunciatários cressem em sua mensagem – seu

discurso – e mudassem seu comportamento. Almejava que eles

abandonassem, de uma vez por todas, as obras da carne e produzissem o

“fruto do Espírito”, contra o qual “não há lei”.

Paulo empenhava-se para que seus enunciatários (os romanos e os

gálatas) fizessem algo, mudassem sua opinião ante a maneira de viver, e,

por conseguinte, passassem a viver “por modo digno de Deus”. Ele

transmitiu um saber a esses enunciatários e agora caberia a eles adotarem-

no e o aplicarem à vida cotidiana. Dessa maneira, Paulo usava a linguagem

como instrumento de libertação, como instrumento de mudança.

Paulo constrói seu texto de maneira que se apóia, em grande medida, no

modelo causa e efeito. Os dois pólos sobre os quais versa, em ambas as

epístolas, carne e Espírito, são forças antitéticas e cada uma de per si

oferece maneiras de viver antagônicas. No decorrer dos dois textos do

71

corpus o enunciador procura meios lingüístico-argumentativos para

apresentar e defender a sua tese: o viver na carne deve ser rechaçado,

enquanto o viver no Espírito deve ser almejado.

O enunciatário “vós”, presente em Gálatas, representa toda uma

comunidade e logo no início do texto verifica-se um traço ideológico: essa

comunidade é conclamada ao uso da liberdade “é para a liberdade que

fostes chamados”. Esse uso deve convergir na solidariedade pelo amor,

traço fundamental da ideologia cristã. Inclusive, o enunciador apropria-se de

uma citação que é traduzida como discurso fundador dessa ideologia:

“Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.

Também em Gálatas surge a situação antitética obras da carne versus fruto

do Espírito, em que o triunfo da liberdade repousa no fruto do Espírito. O

enunciador, Paulo, convida seu enunciatário, a comunidade dos gálatas,

para a vivência plena do preceito evangélico.

72

2.4 Contexto Histórico

Paulo, que antes de sua conversão ao Cristianismo era ferrenho

perseguidor da Igreja, nasceu na Grécia, na cidade de Tarso da Cilícia, no

ano 10 da era cristã. Era filho de uma família judaica da tribo de Benjamim,

emigrou ainda bem jovem, juntamente com sua família para Jerusalém,

onde foi devidamente criado nos preceitos do judaísmo, aos pés de

Gamaliel, tendo chegado a ser fariseu. Não há consenso, entre seus

biógrafos, de que tenha sido ou não rabino, por isso, essa possibilidade não

está totalmente descartada. Sua conversão ao cristianismo deu-se quando

contava 36 anos de idade.

A época em que Paulo viveu (contemporânea a de Jesus) compreende-se

num momento muito peculiar da História. Os escritos do Antigo Testamento

encerram-se na época em que o povo de Israel está sob o domínio persa, e

cerca de 400 anos depois, quando os relatos evangélicos do Novo

Testamento são escritos, Israel está sob domínio de Roma.

Para se compreender melhor a época do Novo Testamento, segundo

Harrison (1980), “es necesario incluir en su consideración un período de

varios siglos anteriores e posteriores a su composición”. Vejamos, pois,

sucintamente, este contexto.

Na época do domínio persa, o povo judeu presenciou a restauração da

nação israelita através da cooperação do Rei Ciro, especialmente pelas

mãos dos judeus Zorobabel, Esdras e Neemias que, consecutivamente,

reconstruíram o Templo, restabeleceram a Lei Mosaica e reconstruíram os

muros de Jerusalém. Apesar de todo esse avanço, com o passar dos anos,

o povo hebreu caiu em descaso na observância de suas tradições.

Durante o reinado de Alexandre (332-301 a.C.), que chegou a dominar toda

a Síria, o Egito e a Palestina, seu grande propósito era, nas palavras de

73

Harrison (1980), “helenizar el oriente”. O exército de Alexandre derrotou o

Império Persa, mas apesar disso, concedeu o favor de preencher vários

altos cargos administrativos de seu governo com indivíduos persas.

Na Palestina, os intentos de Alexandre de influência cultural helênica foram

facilmente alcançados. Entretanto, a presença do Império Grego na

Palestina não interferiu nas questões religiosas dos judeus. Conforme

afirma Harrison (1980, p.5): “Pero su control sobre Palestina no trajo crisis

religiosa alguna puesto que no hizo demandas de culto personal tal como le

fue acordado em algunos lugares.

Com a morte precoce de Alexandre, quatro de seus generais uniram-se

para manter o poder do Império contra os demais que o reclamavam para

si. A busca do domínio por parte de Ptolomeu nas regiões do Egito e por

parte de Selêuco, na Síria, transformou a Palestina num grande campo de

batalha entre os dois reinos.

Entre 301-198 a.C., os soberanos em terras egípcias eram gregos. Nesse

período, muitos judeus imigraram para o Egito em busca de melhores

condições de vida. Com isso, aprenderam a língua grega e tiveram contato

com a literatura grega “...los judíos recibieron derechos cívicos iguales a los

de los macedônios” (JOSEFO apud HARRISON, 1980, p.6). Durante o

reinado de Filadelfo, foi feita a tradução do Pentateuco para o grego. Diz

Harrison (1980, p.6): “En este periodo Palestina experimentó un proceso de

helenización pacífica, siendo expuesta a la atracción del estilo de vida

griega – su lengua y arte y la alegría de sus festivales e juegos”.

No período de dominação síria, que durou 29 anos (196 a 167 a.C.), dentre

os muitos acontecimentos relevantes, o mais marcante para o povo judeu

foi o tom estabelecido pelo governo de Antíoco IV (ou Antíoco Epifano).

Este monarca determinou-se a impor de uma maneira mais agressiva e

radical a helenização, o que gerou grande revolta por parte dos hebreus.

74

Neste período, conhecido por Macabeu, o judeu Matatias, seguido por seus

filhos, liderou a luta contra o Império de Antíoco e foi sob a liderança de

Simão que os judeus obtiveram sua independência política, no ano de 143

a.C., o que durou cerca de 80 anos, quando o Império Romano passou a

dominar toda a região tendo, contudo, reconhecido a Israel como um estado

independente, não interferindo em seus assuntos religiosos, políticos e

sociais.

Finalmente, chegamos ao domínio romano (63 a.C. em diante). Após a

contenda que houve entre Aristóbulo e Hircano, que reinvidicavam o reino

de Israel, e havendo intervenção de Pompeu, milhares de judeus morreram

e após esse episódio Roma passou a cobrar pesados tributos da Judéia.

Depois de inúmeras disputas políticas entre os próprios romanos,

organizou-se o primeiro governo trino: Pompeu, César e Crasso no ano 60

a.C. que durou até o triunfo de César, sobre os outros dois, tornando-se o

grande imperador.

Nessa época, várias concessões foram feitas aos judeus, como, por

exemplo, redução de impostos, ressarcimento de alguns territórios e a

desobrigação do serviço militar. Foi um tempo pacífico “Los judíos de Asia

Menor no debían ser molestados en la observancia de sus costumbres

religiosas, incluyendo su sostén económico al templo de Jerusalen”.

(HARRISON, 1980, p.10).

Uma das estratégias adotadas pelo Império Romano foi a de não interferir

na vida religiosa dos povos conquistados, o que ocorreu com os judeus.

Herodes, num primeiro momento, foi nomeado governador da Galiléia e

depois de alguns conflitos políticos, Roma deu-lhe o título de Rei da Judéia.

Ele tinha uma boa relação com os fariseus, que eram fundamentais na vida

da nação judia. Herodes procurou – e conseguiu – manter boas relações

com os judeus e, também, com os romanos, pois dependia destes para

manter seu status quo.

75

Esse é um resumo do pano de fundo que permeia a Palestina da época de

Paulo. Segundo Ladd (1997, p.339) “Paulo estava também familiarizado

com o mundo grego, e fundou sua missão estendendo a Igreja através do

mundo greco-romano e em interpretar o evangelho numa forma que fosse

compatível com a cultura helenística”. Paulo, apesar de judeu, não estava

alheio ao mundo que o cercava “Paulo era conhecedor da língua grega, e

suas metáforas literárias refletem mais a vida urbana do que um ambiente

rural. Há, deveras, elementos no pensamento de Paulo que só podem ter

vindo deste ambiente grego” (p.340). Este mesmo autor ainda afirma que

“Paulo era um homem de três mundos: judaico, grego e cristão.” (p.340)

Em relação à epístola de Paulo aos Romanos, sabe-se que não foi escrita

de próprio punho por ele, provavelmente por problemas com sua saúde. Foi

ditada a Tércio quando ambos estavam na casa de Gaio em Corinto e “De

acordo com o sistema cronológico que se adote, (...) situar-se-á em 57 ou

58” (TEB, 1994). De todas as epístolas de Paulo, esta é considerada a mais

importante, pois expõe de maneira muito estruturada a doutrina da fé cristã.

Os estudos sobre o destino e a data da Epístola aos Gálatas não são

conclusivos. Ela pode ter sido escrita à Galácia do Norte ou à do Sul, em

uma data anterior ou posterior ao Concílio de Jerusalém, mas para Guthrie

(1992, p 47) “...a incerteza a respeito da data tem pouco efeito sobre a

interpretação da Epístola.” Este mesmo autor afirma, em relação à

importância desta epístola na atualidade, que “... sua apresentação de

princípios cristãos eternos tem sido reconhecida”.

Segundo a Tradução Ecumênica da Bíblia, uma comparação entre as duas

epístolas é perfeitamente plausível “Tanto numa como na outra, encontram-

se temas básicos da teologia paulina”. No entanto, impressiona também o

contraste entre ambas. Enquanto Gálatas “dá a impressão de ter sido

76

escrita sob o império da emoção, a epístola aos Romanos impressiona por

seu tom calmo e didático”. (TEB, 1994)

Neste capítulo, conceituou-se Discurso, Ideologia e Discurso Religioso,

além de que se observaram questões interligadas a ambos. Outro ponto

investigado, o Contexto Histórico, forneceu subsídios importantes na

observância de tais questões. No próximo capítulo, adentrar-se-á no

universo da Argumentação e da Retórica, observando-se sua inter-relação

com o processo de Referenciação como instrumento de obtenção da

Textualidade.

77

Capítulo 3 O Processo Argumentativo Paulino

O ethos está ligado ao locutor como tal; é como origem da enunciação que ele se vê investido de certos caracteres que, em contrapartida, tornam essa enunciação aceitável ou recusável. O. Ducrot

78

3.1 A Argumentação e a Retórica

Processo da Argumentação

Os primeiros estudos da retórica, realizados por Córax, datam do século V

a.C.. Esse autor divide a retórica em partes distintas. A primeira idéia

advinda de sua teoria é de que a retórica é uma estratégia discursiva, sendo

o discurso compreendido como o falar em público. Esse modelo prevê a

seguinte divisão para a retórica: exórdio, narração, argumentação e

peroração. É ainda da retórica grega de Aristóteles outra proposta de

divisão do processo argumentativo: inventio, dispositio, elocutio, actio e

memoria. Neste trabalho, ocupar-nos-emos do primeiro modelo.

Os sofistas, na Grécia Antiga, dão outra concepção à retórica: a de

aparentar como absoluta uma verdade relativa.

Aristóteles, em seu Organon, é o primeiro filósofo que teoriza acerca da

argumentação. Ele propõe duas estruturas argumentativas: o exemplo e o

entimema. O exemplo é um processo que vai do particular ao geral, do fato

à regra, ou seja, um método indutivo que deve ser demonstrativo. No

Exemplo não há como provar que uma proposição seja universal. O

entimema, por sua vez, é um processo que vai do geral ao particular, sendo

assim um método dedutivo por excelência. Sua estrutura é argumentativa.

Na concepção aristotélica, um bom discurso é aquele que prima pela

consistência do raciocínio, fundamentando-se em três pontos principais: o

logos, que seria a capacidade do autor de sustentar o raciocínio; o ethos,

que diz respeito ao caráter do orador, relacionando-o às idiossincrasias; o

pathos, que se refere à reação do ouvinte.

79

O que é Retórica?

Tomando a definição de retórica oferecida por Perelman; Tyteca-Olbrechts

(2000), que a definem como a “arte de argumentar” e aplicando sobre ela a

de Reboul (2004), deparamo-nos com a seguinte definição que é a adotada

para este trabalho: retórica é “a arte de argumentar pelo discurso”. O

discurso aqui deve ser compreendido como toda produção verbal, escrita ou

oral, com unidade de sentido. Por essa proposta, a retórica só se aplica aos

discursos que visam a persuadir, dentre os quais estão situados, por

exemplo, os sermões e os tratados de teologia.

Perelman é o autor que retoma e revitaliza as propostas aristotélicas. Ele

aponta cinco tipos de argumento:

- os quase lógicos, que se aparentam com um princípio lógico;

- os que se fundamentam na estrutura do real, que se apóiam na

experiência ou nos vínculos reconhecidos entre as coisas;

- os de autoridade, que se baseiam na autoridade ou moralidade;

- os ad hominem que consistem na refutação de uma proposição em que o

argumento se refira a uma personalidade odiosa;

- os que fundamentam a estrutura do real, ou seja, quando partem para uma

comparação.

Reboul (2004, p.XV) afirma que “... a retórica diz respeito ao discurso

persuasivo, ou ao que um discurso tem de persuasivo” e persuadir deve ser

entendido como levar alguém a crer em alguma coisa. A persuasão retórica

leva a crer, sem, necessariamente, levar a fazer (se levar a fazer sem levar

a crer não é retórica).

A persuasão pressupõe o outro a quem se pretende persuadir pelo discurso

(na retórica, o orador nunca está só). Quando utilizamos a retórica, além de

ela servir para obtermos certo poder, queremos encontrar algo.

80

Isócrates propõe uma retórica mais plausível e mais moral que a dos

sofistas. Ele diz que para ser orador necessita-se de três coisas: aptidões

naturais, prática constante e ensino sistemático. “Prática e ensino podem

melhorar o orador, mas não criá-lo” (REBOUL, 2004, p.10). O pensador

postula que a retórica só é aceitável se estiver a serviço de uma causa

honesta e nobre. Para ele, filosofia é retórica; a palavra origina todos os

poderes do homem.

Górgias defende a onipotência da retórica e Sócrates a refuta. Górgias

celebra a retórica por seu poder e Aristóteles por sua utilidade. Ambos

(assim como Isócrates) admitem que ela pode ser usada de maneira

desonesta. A nova argumentação sobre a retórica, feita por Aristóteles, “dá

uma idéia mais profunda e sólida da retórica” (p. 23). Ele a apresenta como

poder de defender-se. Para ele a retórica “não se reduz (...) ao poder de

persuadir; no essencial, é a arte de achar os meios de persuasão que cada

caso comporta”. Reboul resume assim: “Entre o “tudo” dos sofistas e o

“nada” de Platão, a retórica se contenta com o ser alguma coisa, porém de

valor certo” (p. 24).

Reboul (2004, p.24,25) apresenta quatro argumentos para provar a tese de

que a retórica é útil:

- seria possível contentar-se com expor simplesmente o verdadeiro e o

justo, sem recorrer a artifícios oratórios? O verdadeiro e o justo são, por

natureza, mais fortes que seus contrários.

- experiência.

- é preciso saber defender tão bem o contra quanto o pró.

- se a palavra é característica do homem, é mais desonroso ser vencido

pela palavra que pela força física. “A retórica, arte ou técnica da palavra, é,

portanto, indispensável. E aí está o que a legitima.”

81

Retórica e Dialética

Agora, tratar-se-á, da dialética. Para Aristóteles, “é apenas a arte do diálogo

ordenado (...) O que a distingue da demonstração filosófica e científica é

raciocinar a partir do provável. O que a distingue da erística sofista é

raciocinar de modo rigoroso, respeitando estritamente as regras da lógica”

(p.28). Aristóteles distingue o verdadeiro consenso do consenso aparente

(defendido pelos sofistas). Para ele “... a dialética renuncia à verdade das

coisas em benefício da opinião aceita” (p.28). Para Reboul (2004, p.32),

Aristóteles quer “mostrar que a dialética não é nem moral nem imoral... ela é

um jogo” e nesse jogo deve-se ganhar; vencer aqui é convencer. “Como em

todos os jogos, a polêmica só é conflito na aparência”. A dialética não tem

outro fim além de si mesma e nisso ela se distingue da filosofia e da

retórica, apesar de ser indispensável a ambas.

O autor complementa que: “A dialética é, pois, um jogo cujo objetivo

consiste em provar ou refutar uma tese respeitando-se as regras do

raciocínio” (p. 32). O papel do inquiridor, então, é concluir a discussão; na

dialética, o que importa é raciocinar de maneira correta através da

argumentação.

A argumentação tem funções diferentes na retórica (não é um jogo) e na

dialética (jogo especulativo). “Em resumo, a retórica é uma “aplicação” da

dialética, no sentido de que a utiliza como instrumento intelectual de

persuasão” (p.35).

Reboul (2004, p.43) apresenta o que seriam as quatro partes da retórica. A

invenção se traduz na “busca que empreende o orador de todos os

argumentos e de outros meios de persuasão relativos ao tema de seu

discurso”. A disposição é a “ordenação desses argumentos, donde resultará

a organização interna do discurso, seu plano”. A elocução diz respeito à

“redação escrita do discurso, ao estilo”. Por último vem a ação que é “a

82

proferição efetiva do discurso, com tudo que ele pode implicar em termos de

efeitos de voz, mímicas e gestos”. Apesar dessa fórmula, não é sempre

assim que se prepara um discurso.

Retomar-se-ão, agora, os três tipos de argumentos como instrumentos de

persuasão, a saber ethos, patos e logos. A partir do momento em que se

estabelece qual será o gênero do discurso a ser proferido – judiciário,

deliberativo ou epidíctico – dever-se-á buscar os argumentos. O etos e o

patos enquadram-se na ordem afetiva, enquanto o logos se sustenta na

racionalidade.

Segundo Reboul (2004, p. 48), “o etos é o caráter que o orador deve

assumir para inspirar confiança no auditório, pois, sejam quais forem seus

argumentos lógicos, eles nada obtém sem essa confiança”. É claro que

cada auditório possui um perfil diferente e por isso o orador manifestará um

etos diferente para cada tipo de auditório. O etos “é definido como o caráter

moral que o orador deve parecer ter, mesmo que não o tenha deveras”

(p.48).

Na seqüência, o autor define o pathos como “o conjunto de emoções,

paixões e sentimentos que o orador deve suscitar no auditório com seu

discurso.” O pathos, então, diz respeito ao auditório.

O logos, por sua vez, refere-se à “argumentação propriamente dita do

discurso. É o aspecto dialético da retórica”. Segundo Reboul (p.49),

Aristóteles não adota esse termo, que foi escolhido para facilitar a

compreensão desse terceiro tipo de argumento.

Vislumbrando o campo da dialética, verifica-se que ela trata dos diferentes

tipos de argumentos e seu poder de persuasão. Além disso, ela trata

também do estilo, da taxis (disposição do discurso), dos tropos, do ethos e

do pathos. O ethos, enquanto o caráter apropriado a cada tipo de discurso

83

que o orador deve se preocupar em projetar e o pathos enquanto o conjunto

de emoções que o orador tenta suscitar em seu auditório.

O ethos se propõe a construir no público “uma disposição em relação ao

orador” (DASCAL apud AMOSSY, 2005, p.56), enquanto o pathos, por sua

vez, se propõe a “suscitar um estado emocional no público”. Nenhum dos

dois se constitui de proposições.

Segundo Dascal, Perelman deixa de lado o ethos e o pathos em sua obra

“Nova Retórica” que se configura numa tentativa de se “recuperar e

desenvolver uma certa visão unitária da retórica aristotélica” (DASCAL,

apud AMOSSY, 2005, p.58). Além de Perelman, Dascal também aponta o

pensamento de Reboul que “seguiu o programa de Perelman, que adota,

por sua vez, a oposição argumentativo/oratório, e situa ethos e pathos do

lado do oratório, ou seja, do emotivo” (DASCAL apud AMOSSY, 2005,

p.58).

O mesmo autor entende que, em sua trajetória, a retórica é vista tanto como

uma disciplina lógico-cognitiva, quanto como manipuladora-emotiva. Para

ele, é viável a recuperação da unidade da retórica aristotélica sem que se

excluam o ethos e o pathos, e isso pode ser feito numa perspectiva

argumentativo-cognitiva, por meio de uma aproximação da retórica com a

pragmática.

Dascal postula, ainda, que “a prova pelo ethos se funda em processos

inferenciais, ou seja, cognitivos, que não são em substância diferentes dos

processos pragmáticos normais de interpretação de enunciados”. (DASCAL

apud AMOSSY, 2005, p.58).

Eggs afirma que “o ethos constitui praticamente a mais importante das três

provas engendradas pelo discurso – logos, ethos e pathos.” (EGGS apud

AMOSSY, 2005, p.29). Para o autor, o orador que mostre em seu discurso

84

um caráter honesto será visto como mais digno de crédito aos olhos de seu

auditório. Por outro lado, Eggs lembra que, para Aristóteles, tanto os temas,

quanto o estilo escolhidos “devem ser apropriados aos ethos do orador (...)

ao seu tipo social.” (p.29). Ambas as acepções nos colocam diante de duas

concepções distintas do ethos, a partir da retórica de Aristóteles:

Encontramo-nos (...) diante de dois campos semânticos opostos ligados ao

termo ethos: um, de sentido moral e fundado na epieíkeia, engloba atitudes e

virtudes como honestidade, benevolência ou equidade; outro, de sentido neutro

ou “objetivo” de héxis, reúne termos como hábitos, modos e costumes ou

caráter. (p.30).

Mesmo ante essas duas possibilidades, Eggs entende que “essas duas

concepções não se excluem, mas constituem, ao contrário, as duas faces

necessárias a qualquer atividade argumentativa.” (p.30).

O autor destaca as palavras de Maingueneau sobre o fato de que o ethos

não é dito explicitamente, mas mostrado:

O que o orador pretende ser, ele o dá a entender e mostra: não diz que é

simples ou honesto, mostra-o por sua maneira de se exprimir. O ethos está,

dessa maneira, vinculado ao exercício da palavra, ao papel que corresponde a

seu discurso, e não ao indivíduo “real”, (apreendido) independentemente de

seu desempenho oratório: é portanto o sujeito da enunciação uma vez que

enuncia que está em jogo aqui. (P.31)

Para Amossy, o ethos:

consiste na autoridade exterior de que goza o locutor. Este aparece como um

“porta-voz autorizado”; ele “só pode agir sobre outros agentes pelas palavras

[...] porque sua fala concentra o capital simbólico acumulado pelo grupo de

quem ele é mandatário e do qual ele é o procurador.” O professor universitário,

o padre, o político, o escritor proferem um tipo de discurso que extrai sua

85

eficácia do fato de que eles são, aos olhos de seu público, habilitados a

produzi-lo. (2005, p.121)

E sobre a eficácia da palavra, a autora afirma que “não depende do que ela

enuncia, mas daquele que a enuncia e do poder do qual ele está investido

aos olhos do público.” (p.121)

86

3.2 A Argumentação e a Retórica em Paulo

No fragmento da Epístola aos Romanos, o enunciador trabalha numa linha

argumentativa exaustiva, apresentando seu raciocínio em termos de como o

leitor deve proceder e da conseqüência desse procedimento. Segundo Ladd

(1997, p.340), “Seu estilo é frequentemente parecido com a diatribe estóica;

e usava palavras (...) que pertencem distintamente ao mundo do

pensamento grego.”

Eis os principais argumentos selecionados do texto de Romanos, todos

construídos sob o paradigma causa e efeito:

1) “não há mais nenhuma condenação para os que estão em

Jesus Cristo.”

2) “sob o domínio da carne, tende-se para o que é carnal”

3)“sob o domínio do Espírito, tende-se para o que é espiritual”

4) “sob o domínio da carne não se pode agradar a Deus”

5) “Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não lhe pertence”

6) “Se o Espírito dAquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos

habita em vós, [ele] dará também a vida aos vossos corpos

mortais”

7) “se viverdes de modo carnal, morrereis”

8) “se [viverdes] pelo Espírito (...) vivereis”

9) “os que são conduzidos pelo Espírito de Deus, esses é que são

filhos de Deus”

10) “participando dos seus sofrimentos [de Cristo], também

teremos parte na sua glória”.

Paulo também trabalha com silogismos: “Esse Espírito é quem atesta ao

nosso espírito que somos filhos de Deus. Filhos, e portanto herdeiros:

herdeiros de Deus, co-herdeiros de Cristo, visto que, participando dos seus

sofrimentos, também teremos parte na sua glória.”

87

Sendo os textos de Paulo um tratado de teologia, e entendendo que a

retórica só se aplica aos discursos que visam a persuadir, pode-se concluir

que os textos em questão são construídos sob o paradigma da retórica.

Devemos, então, investigar o que o discurso de Paulo tem de persuasivo.

Entendendo que persuasão é “levar alguém a crer em alguma coisa”, Paulo,

nesse modelo, deve ser considerado como o “orador” que quer convencer

seu público de algo.

O pensamento aristotélico relacionado à retórica conclui que ela não precisa

argumentar ante o verdadeiro, mas ante o verossímil. Como o discurso de

Paulo fundamenta-se na verdade do Evangelho – paradigma cristão – ele

constrói seus argumentos sobre ela acreditando como sendo sobre uma

Verdade Absoluta. Segundo a postulação de Isócrates, de que para ser um

orador o homem necessita de aptidões naturais, prática constante e ensino

sistemático, pode-se enquadrar Paulo nesse modelo. Todas essas

características repousam sobre ele. Era um grande orador – fato relatado

em vários episódios, inclusive quando conversou com o rei Agripa (Capítulo

26 dos Atos dos Apóstolos, versos de 1 a 23) ou quando discursou no

areópago grego (Atos 17:16-31); após sua conversão no caminho para a

cidade de Damasco, ele passou a praticar e ensinar o Evangelho,

continuamente, até a sua morte.

Pode-se dizer que Paulo é dialético? Segundo Aristóteles “...a retórica utiliza

a dialética como um meio, entre outros, de persuadir” e nesse sentido pode-

se afirmar a presença da dialética no discurso paulino. Inclusive, para

Aristóteles a dialética constitui a parte argumentativa da retórica.

Tomando os fragmentos epistolares em questão, vejamos, então, a retórica,

ou antes, a dialética nos escritos paulinos.

88

Paulo faz uso do discurso, através de produção escrita, visando a persuadir

seus leitores de que eles devem, por exemplo: estar em Jesus Cristo,

tender para o que é espiritual, receber o Espírito Santo e viver sob seu

governo, viver de modo espiritual, ser conduzidos pelo Espírito de Deus,

participar dos sofrimentos de Cristo. Todo o tempo ele tenta levar seus

leitores a crer nessas afirmativas, pois, do contrário sofrerão conseqüências

negativas: tenderão para o que é carnal, não agradarão a Deus, não

pertencerão a Cristo, morrerão.

Todo o texto é construído sob o desejo do enunciador de convencer seu

público de que o certo é seguir a Cristo, obedecer a Deus, andar sob a

orientação do Espírito Santo. Resumindo tudo, ele quer levar o leitor a se

tornar um ser espiritualizado.

No segundo texto do corpus, o fragmento da Epístola aos Gálatas, pode-se

também perceber claramente o processo argumentativo.

Logo no início, Paulo estabelece um tom de aproximação de seus leitores

chamando-os “irmãos” e em seguida inicia sua argumentação. Ele lhes diz

que foram chamados para a liberdade, mas que esta não deve colocá-los a

serviço da carne. Vários conselhos são dados e admoestações feitas:

- “ ... se vos mordeis e devorais uns aos outros ... vós vos destruireis

mutuamente.”

- “... andai sob o impulso do Espírito e não façais mais o que a carne

deseja.”

- “...se sois guiados pelo Espírito, não estais mais sujeitos à lei.”

- “Se vivemos pelo Espírito, andemos também sob o impulso do Espírito.”

O autor também enumera as “obras da carne”, afirmando que os autores

dessas coisas (...) não herdarão o Reino de Deus e, na seqüência, ele

apresenta o “fruto do Espírito”, afirmando que contra tais coisas não há lei.

89

Todas essas máximas, afirmações e condicionais, convergem para o âmago

da argumentação de Paulo: o homem deve estar sob a influência do Espírito

e não da carne, para que obtenha êxito vivencial e espiritual.

Argumentos e explicações de Paulo no texto aos Romanos v. 1 a 17

Paulo deseja que os partícipes da igreja romana creiam na verdade do

Evangelho e se submetam ao governo do Espírito Santo. Quando ele

escreve os primeiros dezessete versículos da epístola a eles direcionada,

sua mente está centrada em alguns axiomas do cristianismo. Seus

argumentos possuem fundamentação na doutrina de Cristo, da qual era

exímio defensor e diante desse contexto ele passa a tecer suas

elucubrações.

Para Paulo, há dois aspectos fundamentais que cada cristão anseia: a

libertação da culpa e da maldição do pecado, para assim viver-se em Cristo

e a libertação do poder e da prática do pecado, para assim andar-se no

Espírito. Para que esses dois aspectos, ou antes, efeitos, se concretizem, é

preciso que haja na vida do indivíduo a salvação em Cristo e uma genuína

união com Ele.

No versículo 1 “Agora, pois, não há mais nenhuma condenação para os que

estão em Jesus Cristo.” Paulo não está dizendo que, simplesmente, nós

não somos mais condenáveis, mas que o pecado não pode mais nos levar à

condenação pelo fato de estarmos em Cristo – lemos no texto que está em

Romanos, capítulo 8, versos 33 e 34 “Quem intentará acusação contra os

eleitos de Deus?É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo

Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de

Deus e também intercede por nós.” Cristo sofreu o castigo: foi julgado e

condenado por causa dos nossos pecados.

90

O versículo 2 diz: “Pois a lei do Espírito, que dá a vida em Jesus Cristo,

liberou-me da lei do pecado e da morte.” O evangelho de Cristo propiciou

libertação dos auspícios da Lei Mosaica, do pecado e da morte, pelo fato de

que todos os requisitos da Lei foram cumpridos por Cristo – Romanos 6: 7-

18 diz:

“... porquanto quem morreu está justificado do pecado. Ora, se já morremos

com Cristo, cremos que também com ele viveremos, sabedores de que,

havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte já não

tem domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para sempre

morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós

considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus.

Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que

obedeçais às suas paixões; nem ofereçais cada um os membros do seu corpo

ao pecado, como instrumentos de iniqüidade; mas oferecei-vos a Deus, como

ressurretos dentre os mortos, e os vossos membros, a Deus, como

instrumentos de justiça. Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não

estais debaixo da lei, e sim da graça. E daí? Havemos de pecar porque não

estamos debaixo da lei, e sim da graça? De modo nenhum! Não sabeis que

daquele a quem vos ofereceis como servos para obediência, desse mesmo a

quem obedeceis sois servos, seja do pecado para a morte ou da obediência

para a justiça? Mas graças a Deus porque, outrora, escravos do pecado,

contudo, viestes a obedecer de coração à forma de doutrina a que fostes

entregues; e, uma vez libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça.”

Para Paulo, o fato de sermos fracos e incapazes de nos salvar não pode ser

atribuído à lei de Deus que é perfeita e santa. Essas imperfeições são

inerentes à nossa carne. O conteúdo do terceiro versículo “O que era

impossível à lei, porque a carne a votava à impotência, Deus o fez: por

causa do pecado, enviando o seu próprio Filho na condição da nossa carne

de pecado, ele condenou o pecado na carne” esclarece que quem tem o

poder para justificar os pecadores, tornando-os justos, é o próprio Cristo,

enviado por Deus como representante do homem, que foi capaz de

91

obedecer à lei, que era perfeita, tendo ainda sido condenado e castigado

pelas nossas ofensas – “Porque, como, pela desobediência de um só

homem, muitos se tornaram pecadores, assim também, por meio da

obediência de um só, muitos se tornarão justos.” Rm 5:19

Paulo explica, no versículo 4, o porquê de toda essa dinâmica, “a fim de que

a justiça exigida pela lei seja realizada em nós, que não andamos sob o

domínio da carne, mas do Espírito.” Jesus veio ao mundo para que pela sua

obediência fôssemos justificados, santificados e nos tornássemos aceitáveis

diante de Deus. Por meio de Cristo, nos tornamos perfeitos para Deus.

Ele explica, também, no versículo 5, que as pessoas que ainda não foram

salvas, e que consequentemente não estão regeneradas, sentem-se

ansiosas e obcecadas com as coisas do mundo e da carne “Com efeito, sob

o domínio da carne, tende-se para o que é carnal, mas sob o domínio do

Espírito, tende-se para o que é espiritual”.

Essa inclinação para a carne aponta para um estado de morte espiritual,

segundo o verso 6: “a carne tende para a morte, mas o Espírito tende para

a vida e a paz.”, ou seja, aqueles que estão arraigados nas coisas do

mundo já estão julgados e condenados.

“Pois o pendor da carne é revolta contra Deus: ela não se submete à lei de

Deus, nem sequer o pode”. Aqui no verso 7, Paulo esclarece que essa

inclinação carnal aborrece a Deus e que a mente carnal não se submete à

vontade de Deus. Diante desse panorama, Paulo afirma na verso 8 que

“Sob o domínio da carne não se pode agradar a Deus”, ou seja, qualquer

ser humano que esteja fora da vontade de Deus, ou seja, na carne, não

poderá jamais agradar a Deus.

No verso 9, Paulo considera que seus leitores, os crentes de Roma, não

estão na carne, mas no Espírito: “Ora, quanto a vós, não estais sob o

92

domínio da carne, mas do Espírito, visto que o Espírito de Deus habita em

vós. Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não lhe pertence.” E ele ainda

assevera que aquelas pessoas possuem uma nova natureza, já que

passaram a ser habitação do Espírito Santo e que as demais pessoas, as

que não têm o Espírito, não são de Cristo.

“Se o Cristo está em vós, o vosso corpo, sem dúvida, está destinado à

morte por causa do pecado, mas o Espírito é vossa vida por causa da

justiça.” Nesse trecho (v.10), Paulo defende que um corpo carnal, que não

tenha o Espírito, está sujeito à morte em razão do pecado, mas aquele que

tem o Espírito não traz sobre si o pecado e sua conseqüência, ao contrário,

herdará a vida eterna justamente por causa da justiça de Cristo.

“E se o Espírito dAquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em

vós, Aquele que ressuscitou Jesus Cristo dentre os mortos dará também a

vida aos vossos corpos mortais, por seu Espírito que habita em vós.”

Seguindo o mesmo raciocínio, Paulo continua dizendo, no verso 11, que o

corpo natural que possuímos é um corpo fraco, sujeito à doenças e à morte

por causa do pecado. Mas quando o Espírito de Deus habita em nós, a

morte não é o fim, pois o mesmo Deus que ressuscitou a Jesus dentre os

mortos nos ressuscitará no tempo devido.

“Assim, pois, irmãos, nós temos uma dívida, mas não para com a carne,

para devermos viver de modo carnal.” Quando Paulo inicia o verso 12 com

“Assim, pois” ele parece estar se referindo aos conteúdos que proferiu nos

versos 5, 6 e 9. Já que a prioridade do crente não são as coisas deste

mundo, mas o reino de Deus e já que a inclinação para a carne aponta para

um viver fora da perspectiva do Espírito de Cristo, não se é obrigado a viver

para a carne, mas para Cristo, que é o redentor. Os que estão livres da

morte não estão isentos de obedecer a Deus. E Paulo prossegue, no verso

13: “Pois se viverdes de modo carnal, morrereis; mas se, pelo Espírito,

fizerdes morrer o vosso comportamento carnal, vivereis.” Paulo pretende

93

convencer o seu leitor de que verdade? Como ele constrói sua

argumentação a partir desse momento? Ele defende que as pessoas que

vivem sob a influência da carne já estão mortas, na perspectiva da vida

eterna, ou seja, elas herdarão a morte eterna. Em contrapartida, ele afirma

que os seguidores de Cristo não podem viver segundo a carne, antes

devem subjugá-la, pois dessa maneira herdarão a vida eterna.

No verso 14, Paulo indica que a maior evidência da união com Cristo reside

no fato de que somos feitos filhos de Deus “Com efeito, os que são

conduzidos pelo Espírito de Deus, esses é que são filhos de Deus”.

Champlim (1998, p. 712) oferece uma explicação sobre o caráter da filiação:

No décimo terceiro versículo nos é assegurada a orientação do Espírito Santo

em nossa vida, o que será evidenciado por uma participação crescente na

santidade, bem como em uma vitória cada vez mais intensa sobre o pecado

que procura utilizar-se de nossos corpos, o que é, tão-somente, uma

manifestação do princípio do pecado-morte na personalidade humana. Neste

ponto é introduzido na discussão o grande conceito de ser o crente um filho de

Deus. Essa é a mais exaltada explanação possível, pela qual, tendo nós sido

conduzidos aos pés de Cristo, dentro do sistema da graça divina, não podemos

mais continuar no pecado.

No verso 15, Paulo apresenta dois estados a que somos passíveis de

permanecer: o espírito de escravidão ou o espírito de adoção: “vós não

recebestes um espírito que vos torne escravos e vos reconduza ao medo,

mas um Espírito que faz de vós filhos adotivos e pelo qual nós clamamos:

Abba, Pai.” Segundo Champlim (1998, p.713) a expressão “espírito de

escravidão” é explicada de maneiras diferentes por estudiosos de várias

épocas. Uma das explicações é a de que seria “uma referência à

dispensação do A.T., governada pela lei”. Já Santo Agostinho “pensava que

se trata de uma alusão a Satanás, autor do espírito de servidão”. Outros

vêem aqui

94

“ambos os espíritos, isto é, o da servidão e o da adoção, como alusão a

disposições espirituais subjetivas: portanto, estaria em foco o espírito do

servilismo, bem como o espírito livre de um filho, o qual é adotado com

plenos direitos na família divina”. (CHAMPLIM, 1998, p.713)

Há os que postulam que o Espírito Santo é focalizado em ambas as

referências (...) mediante a adoção. Para Champlim “O mais provável é que

esteja em mira aqui o fato de que o Espírito Santo deve ser considerado

somente como agente de adoção e não como se ele levasse os homens à

servidão”.

Na seqüência, Paulo explica, no verso 16, que “Esse Espírito é quem atesta

ao nosso espírito que somos filhos de Deus”, ou seja, o Espírito Santo, e

não o espírito humano, é quem testifica que somos filhos de Deus e ele

ainda completa: “Filhos, e portanto herdeiros: herdeiros de Deus, co-

herdeiros de Cristo, visto que, participando dos seus sofrimentos, também

teremos parte na sua glória”. (v.17). O que Paulo postula nessa explicação?

Que os filhos do mesmo pai, sejam eles naturais ou adotivos, são

igualmente herdeiros. Mas herdeiros de que? Segundo o texto que está em

I Coríntios 3:21-23, escrito pelo próprio Paulo, somos herdeiros da graça de

Deus, do reino de Deus e de todas as coisas: “Portanto, ninguém se glorie

nos homens; porque tudo é vosso (...) sejam as coisas presentes, sejam as

futuras, tudo é vosso, e vós, de Cristo, e Cristo, de Deus.”

Segundo Champlim (1998, p.714), lemos, nesse verso 17,

uma das mais notáveis declarações paulinas, que esclarece a natureza do

evangelho por ele pregado (...) Pois os filhos da casa são, mui naturalmente,

herdeiros das riquezas do Pai. Os filhos adotivos, que são os crentes, não são

inferiorizados, nessa herança, em relação ao Filho de Deus, Jesus Cristo,

porquanto são co-herdeiros da mesma glória.

95

Argumentos e explicações de Paulo no texto aos Gálatas v. 13 a 25 “Vós, irmãos, é para a liberdade que fostes chamados. Contanto, que esta

liberdade não dê nenhuma oportunidade à carne! Mas pelo amor ponde-vos

a serviço uns dos outros.” Paulo argumenta, no verso 13, que o tipo de

liberdade concedida por Cristo não é aquela que permite o pecado e que no

lugar de usar a liberdade como desculpa para a natureza pecaminosa, os

crentes da Galácia deveriam servir uns aos outros de maneira amorosa.

Sobre isso, Champlim (1998, p.503) explica:

Paulo exorta aqui aos crentes gálatas para que não usassem dessa liberdade

como ocasião para dar rédeas soltas à natureza carnal, porquanto o homem

liberto por Deus ficou livre da lei, tanto como medida justificadora quanto como

medida santificadora. E fato, um crente não pode usar erroneamente essa sua

liberdade, pois a lei do Espírito, que atua no homem interior, no nível da alma,

mediante a comunhão mística, transforma-o moralmente; e assim, sendo ele

um crente, receberá o poder para viver com retidão.

“Pois toda a lei encontra o seu cumprimento nesta única palavra: Amarás o

teu próximo como a ti mesmo.” Paulo aqui não está dizendo, nesse verso

14, que para os crentes não há mais lei. Pelo contrário, ele os incita a

servirem uns aos outros, por causa do amor, com base na própria lei. Paulo

também não está anulando a lei do Antigo Testamento, pois em Levítico

19:18 lemos: “... mas amarás o teu próximo como a ti mesmo...” Antes ele a

retoma, aplicando-a aos gálatas.

Mas se vos mordeis e devorais uns aos outros, tomai cuidado: vós vos

destruireis mutuamente. Paulo usa palavras pertencentes ao campo

semântico das feras, dos animais ferozes. Para Champlim (1998, p.504) “É

óbvio que tudo isso resulta exclusivamente das obras da carne...” as quais

serão descritas nos versículos seguintes.

96

Nos próximos dois versículos, Paulo explica como funciona essa luta

ferrenha: “Escutai-me: andai sob o impulso do Espírito e não façais mais o que

a carne deseja. Pois a carne, em seus desejos, opõe-se ao Espírito e o Espírito

à carne; entre eles há antagonismo; por isso não fazeis o que quereis.” Ele está

afirmando que a única maneira pela qual se é possível não ceder à carne é

andando no Espírito, e ainda, que os duas perspectivas – andar na carne, ou

andar no Espírito – são completamente opostas e incompatíveis.

Paulo, então, interpela (v. 18): “Mas se sois guiados pelo Espírito, não estais

mais sujeitos à lei.” Sobre esse versículo Champlim (1998, p.506) completa:

É necessário dar atenção ao fato de que, no original grego, a palavra “lei” não

aparece acompanhada pelo artigo definido, ou seja, “não estais sob lei”. O

princípio da graça divina libera-nos de todo e qualquer princípio legal. O andar

espiritual não pode ser condicionado por qualquer forma de legalismo.”

Na seqüência, Paulo fornece duas listas: a das obras da carne e a do fruto

do Espírito – “As obras da carne são bem conhecidas: libertinagem,

impureza, devassidão, idolatria, magia, ódios, discórdia, ciúme, cólera,

rivalidades, dissensões, facções, inveja, bebedeiras, orgias e outras coisas

semelhantes; os autores dessas coisas, eu vos previno, como já disse, não

herdarão o Reino de Deus. Mas eis o fruto do Espírito: amor, alegria, paz,

paciência, bondade, benevolência, fé, doçura, domínio de si; contra tais

coisas não há lei.” Champlim assevera que essas obras da carne se

dividem em quatro categorias: pecados sensuais (v. 19), pecados de

superstição ou religião falsa (v.20), pecados de mau temperamento (v. 20 e

21) e pecados de várias formas de excessos (v.21). Sobre o fruto do

Espírito, Paulo, assim como na anterior, não fornece uma lista exaustiva

sobre o assunto, mas cada um dos itens demonstra as virtudes que o

Espírito pode produzir no crente. Convém lembrar, como postula Champlim

(1998, p. 509):

97

...”fruto” está no singular, provavelmente por causa das qualidades morais

alistadas aqui, e que se espera que o Espírito Santo implante no crente, como

se tudo fosse uma única notável virtude, implantada de uma vez só. Todos os

seus aspectos são apenas partes integrantes de um único desenvolvimento

espiritual. Perfazem o fruto do Espírito, por serem encarados como produção

sua, como procedentes de sua pessoa, como algo divinamente produzido, e

não apenas como qualidades morais.

Nos dois últimos versículos desse fragmento da Epístola aos Gálatas, Paulo

completa: “Os que pertencem ao Cristo crucificaram a carne com suas

paixões e desejos. Se vivemos pelo Espírito, andemos também sob o

impulso do Espírito.” Que idéia ele quer defender quando se refere aos que

crucificaram a carne? Ele parece se referir ao fato de que aqueles que não

se submeteram às obras da carne, anteriormente listadas, esses são os

que, de fato, pertencem a Cristo. Champlim (1998, p.512) oferece uma

explicação para a expressão “andar no Espírito”:

A metáfora do ato de andar expressa a vida espiritual (...). ‘... no Espírito...’, isto

é, no âmbito da comunhão com o Espírito de Deus, que em nós habita; e

também ‘por meio’ dele, como agente da nova vida, em sua maneira de andar.

O misticismo é novamente salientado como o caminho verdadeiro para a vitória

espiritual. (...) Com essas palavras, pois, Paulo sumariza como a vitória sobre o

mal pode ser obtida, e como o Espírito Santo pode lutar com êxito contra os

impulsos da carne...

98

Considerações Finais

99

Algumas conclusões interpretativas dos dados levantados nesta pesquisa

devem ser consideradas.

Retomando o exposto sobre qual é o objetivo geral deste trabalho, lê-se

“mostrar como o processo de referenciação é instrumental para a

argumentação, pois através da referenciação constrói-se a linha coesiva do

texto, o que desemboca na argumentação”. Afirma-se que o objetivo

proposto foi alcançado, uma vez que foi observado e comprovado que o

enunciador se utiliza de fatores lingüísticos predominantemente referenciais

– além dos fatores discursivos e ideológicos – como pilares para sua

argumentação. Quanto aos objetivos específicos – definição dos processos

da referenciação e dos processos da argumentação, e exploração dos

momentos argumentativos do texto, deixando claros os traços fundamentais

do discurso religioso – também se consideram alcançados, conforme pode

ser visto, especialmente, nos capítulos primeiro e terceiro deste trabalho.

Numa primeira etapa, discorreu-se sobre as propostas da Lingüística

Textual em relação a uma abordagem da língua a partir do texto. Nessa

fase, deu-se especial ênfase ao processo de referenciação e toda sua

imensa gama de possibilidades.

Em seguida, a partir de uma investigação do corpus, detectaram-se

diversos processos referenciais utilizados pelo autor, comprovando-se o alto

grau coesivo presente nos dois textos.

Demonstrou-se a utilização de reiteração de itens lexicais, uso expressivo

de sinônimos, altíssima presença de processos anafóricos, coesão por

conjunções, uso de progressão temática com tema constante, entre outros.

A escolha, pelo enunciador, de todos esses elementos procedurais, os

quais obviamente mantêm a linha coesiva, assegura a argumentação, ou

seja, preserva a intenção de convencer e persuadir.

100

Ainda nesse momento, investigaram-se os processos de textualização

presentes no corpus, constatando-se que os mesmos são canais

conducentes à textualidade.

Num segundo passo, com base na dinâmica com que o enunciador se

apropria do discurso e da ideologia e os articula na construção de seu texto,

constata-se quem é esse enunciador, quem é seu enunciatário e como a

língua é mobilizada em favor de suas intenções comunicativas.

Tanto o fator lingüístico, quanto o fator discursivo-ideológico, enfim,

desembocam no processo da argumentação. O enunciador se apropria

dessas estratégias para convencer seu enunciatário. O corpus em questão,

após minuciosa análise, abre-se a esta investigação como espaço

primorosamente utilizado por Paulo no sentido de que o que esse

enunciador deseja é convencer seu enunciatário de alguma coisa, a saber,

de que existe uma ferrenha luta entre carne e Espírito e que este é que

deve ser buscado e obedecido.

Enfim, esta pesquisa não se esgota em si mesma, pelo contrário, abre

portas para outras investigações.

“Com efeito, os que são conduzidos pelo Espírito de Deus, esses é que são

filhos de Deus”.

101

Referências Bibliográficas AMOSSY, Ruth (org.). Imagens de si no discurso. São Paulo: Editora

Contexto, 2005.

APOTHÉLOZ, Denis. Referenciação. Papel e funcionamento da anáfora na

dinâmica textual, in CAVALCANTE, RODRIGUES e CIRULLA (orgs.). São

Paulo: Editora Contexto, 2003.

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CEIA, Carlos. E-Dicionário de Termos Literários. Lisboa: UNL, 2005.

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104

Anexo A Corpus – primeiro texto

Epístola de Paulo aos Romanos

Capítulo 8 - Versículos de 1 a 17

Tradução Ecumênica da Bíblia

Agora, pois, não há mais nenhuma condenação para os que estão em

Jesus Cristo. Pois a lei do Espírito, que dá a vida em Jesus Cristo, liberou-

me da lei do pecado e da morte. O que era impossível à lei, porque a carne

a votava à impotência, Deus o fez: por causa do pecado, enviando o seu

próprio Filho na condição da nossa carne de pecado, ele condenou o

pecado na carne, a fim de que a justiça exigida pela lei seja realizada em

nós, que não andamos sob o domínio da carne, mas do Espírito. Com

efeito, sob o domínio da carne, tende-se para o que é carnal, mas sob o

domínio do Espírito, tende-se para o que é espiritual: a carne tende para a

morte, mas o Espírito tende para a vida e a paz. Pois o pendor da carne é

revolta contra Deus: ela não se submete à lei de Deus, nem sequer o pode.

Sob o domínio da carne não se pode agradar a Deus. Ora, quanto a vós,

não estais sob o domínio da carne, mas do Espírito, visto que o Espírito de

Deus habita em vós. Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não lhe

pertence. Se o Cristo está em vós, o vosso corpo, sem dúvida, está

destinado à morte por causa do pecado, mas o Espírito é vossa vida por

causa da justiça. E se o Espírito dAquele que ressuscitou Jesus dentre os

mortos habita em vós, Aquele que ressuscitou Jesus Cristo dentre os

mortos dará também a vida aos vossos corpos mortais, por seu Espírito que

habita em vós. Assim, pois, irmãos, nós temos uma dívida, mas não para

com a carne, para devermos viver de modo carnal. Pois se viverdes de

modo carnal, morrereis; mas se, pelo Espírito, fizerdes morrer o vosso

comportamento carnal, vivereis. Com efeito, os que são conduzidos pelo

Espírito de Deus, esses é que são filhos de Deus: vós não recebestes um

105

espírito que vos torne escravos e vos reconduza ao medo, mas um Espírito

que faz de vós filhos adotivos e pelo qual nós clamamos: Abba, Pai. Esse

Espírito é quem atesta ao nosso espírito que somos filhos de Deus. Filhos,

e portanto herdeiros: herdeiros de Deus, co-herdeiros de Cristo, visto que,

participando dos seus sofrimentos, também teremos parte na sua glória.

106

Anexo B Corpus – segundo texto

Epístola de Paulo aos Gálatas

Capítulo 5 - Versículos de 13 a 25

Tradução Ecumênica da Bíblia

Vós, irmãos, é para a liberdade que fostes chamados. Contanto, que esta

liberdade não dê nenhuma oportunidade à carne! Mas pelo amor ponde-vos

a serviço uns dos outros. Pois toda a lei encontra o seu cumprimento nesta

única palavra: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Mas se vos mordeis

e devorais uns aos outros, tomai cuidado: vós vos destruireis mutuamente.

Escutai-me: andai sob o impulso do Espírito e não façais mais o que a carne

deseja. Pois a carne, em seus desejos, opõe-se ao Espírito e o Espírito à

carne; entre eles há antagonismo; por isso não fazeis o que quereis. Mas se

sois guiados pelo Espírito, não estais mais sujeitos à lei. As obras da carne

são bem conhecidas: libertinagem, impureza, devassidão, idolatria, magia,

ódios, discórdia, ciúme, cólera, rivalidades, dissensões, facções, inveja,

bebedeiras, orgias e outras coisas semelhantes; os autores dessas coisas,

eu vos previno, como já disse, não herdarão o Reino de Deus. Mas eis o

fruto do Espírito: amor, alegria, paz, paciência, bondade, benevolência, fé,

doçura, domínio de si; contra tais coisas não há lei. Os que pertencem ao

Cristo crucificaram a carne com suas paixões e desejos. Se vivemos pelo

Espírito, andemos também sob o impulso do Espírito.

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