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1 MOMENTO DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR PARA FINS DE TRIBUTAÇÃO DOS ATIVOS E PASSIVOS FINANCEIROS SETORIAIS Antonio Ganim Sócio do escritório Ganim Advogados Associados; Ex-superintendente da SFF da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL); Autor de livros e artigos sobre temas do Setor Elétrico. I. INTRODUÇÃO As concessionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica possuem contabilizados em contas patrimoniais, na contabilidade regulatória estabelecida pela Resolução Normativa ANEEL n° 396/2010, a título de ativos e passivos financeiros setoriais, diversos valores a serem incluídos nos reajustes tarifários futuros sendo que, na contabilidade societária, esses valores não vinham sendo reconhecidos em virtude da sua não permissibilidade pela norma contábil societária brasileira quando da adoção das normas internacionais de contabilidade, introduzida pelo § 5°, do art. 177 da Lei n° 11.638, de 28 de dezembro de 2007, abaixo transcrito, devido ao não posicionamento favorável do International Accounting Standards Board – IASB, face ao seu entendimento de que não havia garantias de realização desses valores. “Art. 177. § 5º As normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários a que se refere o § 3 o deste artigo deverão ser elaboradas em consonância com os padrões internacionais de contabilidade adotados nos principais mercados de valores mobiliários.”

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1

MOMENTO DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR PARA FINS DE

TRIBUTAÇÃO DOS ATIVOS E PASSIVOS FINANCEIROS SETORIAIS

Antonio Ganim

Sócio do escritório Ganim Advogados Associados; Ex-superintendente da SFF

da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL); Autor de livros e artigos

sobre temas do Setor Elétrico.

I. INTRODUÇÃO

As concessionárias de serviço público de distribuição de energia

elétrica possuem contabilizados em contas patrimoniais, na contabilidade

regulatória estabelecida pela Resolução Normativa ANEEL n° 396/2010, a título

de ativos e passivos financeiros setoriais, diversos valores a serem incluídos

nos reajustes tarifários futuros sendo que, na contabilidade societária, esses

valores não vinham sendo reconhecidos em virtude da sua não

permissibilidade pela norma contábil societária brasileira quando da adoção

das normas internacionais de contabilidade, introduzida pelo § 5°, do art. 177

da Lei n° 11.638, de 28 de dezembro de 2007, abaixo transcrito, devido ao

não posicionamento favorável do International Accounting Standards Board –

IASB, face ao seu entendimento de que não havia garantias de realização

desses valores.

“Art. 177.

§ 5º As normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários a

que se refere o § 3o deste artigo deverão ser elaboradas em

consonância com os padrões internacionais de contabilidade

adotados nos principais mercados de valores mobiliários.”

2

Para permitir que esses ativos e passivos pudessem ser

registrados na contabilidade societária, as concessionárias de serviço público

de distribuição de energia elétrica assinaram, em dezembro de 2014, o aditivo

contratual ao Contrato de Concessão, pelo qual passaram a ter a garantia do

recebimento desses ativos e passivos financeiros setoriais durante o prazo de

concessão, bem como de sua indenização, ao final do período da concessão.

Assim, com a assinatura do citado aditivo contratual, dando

garantias de realização desses ativos e passivos, foi publicado pelo Comitê de

Pronunciamentos Contábeis o “OCPC 08”, que dispôs sobre o reconhecimento

desses ativos e passivos nos relatórios contábeis-financeiros de propósito geral

das distribuidoras de energia elétrica, emitidos de acordo com as normas

brasileiras e internacionais de contabilidade, aprovado pelo Conselho Federal

de Contabilidade (CFC) por meio da Norma Brasileira de Contabilidade –

Comunicado Técnico CTG n° 08, de 05 de dezembro de 2014, e pela

Deliberação CVM n° 732, de 09 de dezembro de 2014.

Dessa forma, as concessionárias reconheceram esses valores,

ainda em 2014, na contabilidade societária, que até então eram denominados

de ativos e passivos regulatórios a serem incluídos nos reajustes tarifários ou a

serem indenizados quando do término do prazo do contrato de concessão

assinado com a União Federal.

Assim, considerando que em 2002, quando ocorreu o

racionamento de energia elétrica, em que havia somente uma única

contabilidade para fins regulatório e societário, houve o reconhecimento

contábil de ativos e passivos regulatórios, e os mesmos foram tributados tanto

pelo IRPJ, como pela CSLL, o PIS/Pasep e a Cofins, à medida que ocorria o

fornecimento futuro de energia elétrica e seu respectivo faturamento, nos

termos do parecer emitido pela Coordenação Geral de Tributação (COSIT) n°

26/2002, passaremos a analisar se o reconhecimento dos ativos e passivos,

3

nas condições do OCPC 08, pode ser submetido à tributação considerando a

mesma interpretação prevista no citado parecer da Coordenação Geral de

Tributação.

II. ORIGEM DOS ATIVOS E PASSIVOS FINANCEIROS SETORIAIS

(ANTERIORMENTE DENOMINADOS DE REGULATÓRIOS)

Inicialmente se faz necessário esclarecer a formação da tarifa

requerida de uma empresa concessionária de serviço público de energia

elétrica. A “receita requerida”, estabelecida nos contratos de concessão de

serviço público de distribuição de energia elétrica, e “no Módulo 2 – Revisão

Tarifária Periódica das Concessionárias de Distribuição”, que faz parte dos

Procedimentos de Regulação Tarifária (PRORET), corresponde à receita

compatível com a cobertura dos custos operacionais eficientes e com o retorno

adequado para o capital prudentemente investido.

A receita requerida é composta pela soma da “Parcela A” e da

“Parcela B”, sendo que a “Parcela A” corresponde aos custos considerados

como não gerenciáveis, já que não dependem da gestão da concessionária e

sofrem alterações e variações que não são possíveis de serem previstas com

exatidão no momento da fixação da tarifa, quer seja quando da Revisão

Tarifária ou do Reajuste Tarifário. Os componentes da “Parcela A” são: compra

de energia elétrica; custo de uso do sistema de transmissão; taxa de

fiscalização da ANEEL; contribuição ao O.N.S; Taxa de Fiscalização e os

encargos setoriais.

Já os custos da “Parcela B” são aqueles considerados como

gerenciáveis pela concessionária, compostos pelos: custos de operação e

manutenção; cotas de reintegração dos ativos intangíveis e imobilizados em

serviço (depreciação e amortização) e remuneração dos investimentos

aprovados pelo Órgão Regulador.

4

Os ativos ou passivos financeiros setoriais (regulatórios) surgem

exatamente dessas diferenças, positivas ou negativas, apuradas entre os

valores fixados na “Parcela A” e aqueles efetivamente incorridos no decorrer do

período de aplicação de determinada tarifa fixada no processo de revisão ou

reajuste tarifário. Esses valores, cobrados a menor ou a maior na tarifa,

precisam ser ajustados no próximo reajuste ou revisão tarifária, de forma a

se recompor o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, seja por

meio da inclusão ou exclusão desses valores na próxima tarifa a ser fixada.

Essas diferenças, positivas ou negativas, a princípio, são repassadas à tarifa

quando do reajuste anual ou da revisão tarifária ordinária.

Esses ativos e passivos financeiros setoriais registrados

contabilmente, para inclusão na tarifa, precisam ser fiscalizados pela ANEEL, o

que ocorrerá somente antes da proximidade do reajuste ou revisão tarifária ou

a posteriori. Essa auditoria segue o Manual de Orientação dos Trabalhos de

Auditoria da Conta de Compensação de Variação de Valores de Itens da

“Parcela A” – CVA e do Manual de Orientação dos Trabalhos de Auditoria dos

Itens Financeiros – IF, aprovados pelos Despachos n° 2.877-SFF/ANEEL, de 01

de agosto de 2008 e n° 3.746-SFF/ANEEL, de 13 de outubro de 2008,

disponibilizados no sítio da ANEEL.

Para tanto, com vistas a disciplinar o repasse dessas variações

de custos da “Parcela A”, de forma a atender ao disposto no art. 1⁰ da Medida

Provisória n⁰ 2.227, de 04.01.2001, que permitiu o repasse anual, foi editada a

Portaria Interministerial MF/MME n⁰ 2961, de 25.10.2001, que em seu artigo

primeiro criou a CVA e estabeleceu os seus componentes de custos.

Atualmente os itens que compõem a CVA estão estabelecidos no art. 1º, da

Portaria Interministerial MF/MME nº 361, de 26.11.2004, que deu nova

1 Revogada pela Portaria Interministerial MF/MME n° 025/2002, alterada pelas Portarias Interministeriais MF/MME n°

116/2003 e 361/2004.

5

redação ao art. 1º da Portaria Interministerial nº 0252, de 24.01.2002,

conforme segue:

"Art. 1º Criar, para efeito de cálculo da revisão ou do reajuste da

tarifa de fornecimento de energia elétrica, a Conta de

Compensação de Variação de Valores de Itens da "Parcela A" – CVA

destinada a registrar as variações, ocorridas no período entre

reajustes tarifários, dos valores dos seguintes itens de custo da

"Parcela A", de que tratam os contratos de concessão de

distribuição de energia elétrica:

I. Tarifa de repasse de potência proveniente de Itaipu

Binacional;

II. Tarifa de transporte de energia elétrica proveniente de

Itaipu Binacional;

III. Quota de recolhimento à Conta de Consumo de

Combustíveis - CCC3;

IV. Quota de recolhimento à Conta de Desenvolvimento

Energético - CDE;

V. Tarifa de uso das instalações de transmissão

integrantes rede básica;

VI. Compensação financeira pela utilização dos recursos

hídricos;

VII. Encargos de serviços de sistema - ESS;

VIII. Quotas de energia e custeio do Programa de Incentivo

Fontes Alternativas de Energia Elétrica - Proinfa; e

IX. Custos de aquisição de energia elétrica.”

2 Com nova redação já dada pela Portaria Interministerial MF/MME 116/2003. 3 A Cota da Conta de Consumo de Combustível (CCC) foi extinta por meio da revogação do art. 8° da Lei n°

8.631/1993, pela art. 33 da Lei n° 12.783/2013, sendo que a CDE assumiu os gastos da CCC, conforme art. 23 da Lei n°

12.783/2013 que alterou o art. 13 da Lei n° 10.438/2002.

6

Quanto a cada item acima, componente da “Parcela A”, a ANEEL

publicou resolução normativa específica, estabelecendo procedimento e

critérios para repasse às Tarifas de Fornecimento de Energia Elétrica e Tarifa

de Uso do Sistema de Distribuição - TUSD, a seguir relacionadas:

RN 491 – 20.11.2001 – CVA Energia de Itaipu;

RN 492 – 20.11.2001 – CVA CCC;

RN 493 – 20.11.2001 – CVA Transporte Itaipu;

RN 494 – 20.11.2001 – CVA TUST Rede Básica;

RN 495 – 20.11.2001 – CVA CFURH;

RN 089 – 18.02.2002 – CVA ESS;

RN 184 – 09.04.2003 – CVA CDE;

RN 153 – 14.03.2005 – CVA ENERGIA; e

RN 189 - 06.12.2005 – CVA PROINFA (Repasse à TUSD)

O saldo da CVA é definido como o somatório das diferenças,

positivas ou negativas, entre o valor do item na data do último reajuste

tarifário da concessionária de distribuição de energia elétrica e o valor do

referido item na data de pagamento, acrescido da respectiva remuneração

financeira calculada com base na taxa de juros SELIC, sobre o saldo da CVA de

cada item da "Parcela A", desde a data da ocorrência da diferença no valor de

cada item até a data de reajuste tarifário contratual subsequente, conforme

art. 2⁰ da Portaria Interministerial MF/MME n⁰ 025/2002.

Assim, esse mecanismo de definição de tarifa pode originar

diferença temporal entre os custos orçados (“Parcela A” e outros componentes

financeiros) incluídos na tarifa no início do período tarifário, e aqueles que são

efetivamente incorridos ao longo do período de vigência da tarifa. Tal diferença

constitui um direito a receber pela concessionária, nos casos em que os custos

orçados e incluídos na tarifa são inferiores aos custos efetivamente incorridos,

ou configura uma obrigação quando os custos orçados e incluídos na tarifa são

7

superiores aos custos efetivamente incorridos. Em síntese, a aludida diferença

é um direito ou uma obrigação, ambos perfeitos e acabados, decorrentes de

uma obrigação de performance totalmente completada (energia efetivamente

entregue para os seus clientes), devendo a ANEEL, em observância ao princípio

do equilíbrio econômico e financeiro estabelecido pelo contrato de concessão

ou permissão, tão somente operacionalizar o seu recebimento ou pagamento,

conforme o caso. Além disso, há outros componentes financeiros oriundos da

atividade de distribuição e que se constituem em direitos ou obrigações que

também integram a composição tarifária.

“Com efeito, o Poder Concedente, com vistas a garantir a

manutenção do equilíbrio econômico e financeiro, reconhece às concessionárias

de serviço público de distribuição de energia elétrica o direito à neutralidade da

“Parcela A”, o que implica no reconhecimento do direito à sua futura

recuperação ou dever de devolução aos consumidores.4” Portanto, o citado

mecanismo tem por objetivo permitir que, ocorrendo uma variação de preço

dos itens que formam essa parcela, a mesma seja recebida junto ao

consumidor por meio do repasse à tarifa futura de fornecimento de energia

elétrica ou à tarifa futura de uso do sistema de distribuição, devidamente

remunerada, quando do reajuste ou revisão tarifária, de acordo com as normas

regulatórias aplicáveis aos reajustes e revisões tarifárias.

III. DA CONTABILIZAÇÃO DOS ATIVOS E PASSIVOS FINANCEIROS

SETORIAIS

Inicialmente, com vistas à análise da possível aplicação do

Parecer Cosit n° 26/2002 à situação que ora apresentamos, principalmente em

relação à parcela dos ativos/passivos regulatórios que provavelmente serão

faturados quando da entrega futura de energia elétrica, discorreremos sobre a

44 Pimenta, André Patrus Ayres. Especialista em Regulação da SFF/Aneel - Tributação no Setor Elétrico – Ed. Quartier

Latin, 2010.p.44.

8

fundamentação para o registro contábil desses valores em 2001, bem como

em 2014:

A. FUNDAMENTAÇÃO PARA REGISTRO CONTÁBIL EM 2001

Quando do racionamento de energia elétrica no ano de 2001, a

despeito de a norma internacional americana não aplicável à contabilidade

brasileira, o FAS – 71, editado pelo Financial Accounting Standards Board

(FASB), naquela época, admitir o diferimento dos gastos aceitos na tarifa, o

IBRACON recorreu ao pronunciamento NPC 14 – Receitas e Despesas –

Resultados, para concluir pelo registro da receita ao invés do diferimento da

despesa, quando da emissão do Comunicado IBRACON 01/2002, que

fundamentou o registro contábil do ativo regulatório no Brasil referente à

Recomposição Tarifária Extraordinária, justamente por não serem despesas

antecipadas; senão, vejamos:

“Para dar solução a esse tema, recorreu-se inicialmente à NPC 14 –

Receitas e Despesas – Resultado, pronunciamento emitido pelo

IBRACON, o qual fornece critérios para identificar as condições e

determina as regras para o reconhecimento das receitas e

despesas.

Alguns conceitos desse pronunciamento são:

A receita é reconhecida somente quando for provável que os

benefícios econômicos relativos à transação venham a ser

percebidos pela empresa (a receita foi “ganha” pela empresa).

A receita de venda de produtos ou mercadorias deve ser

reconhecida quando todas as seguintes condições tiverem sido

satisfeitas:

9

a. a empresa tenha transferido ao comprador os riscos e

benefícios significativos decorrentes da propriedade dos

produtos;

b. a empresa não mais detenha o envolvimento gerencial

contínuo em grau usualmente associado com a propriedade,

nem o controle efetivo sobre os produtos vendidos;

c. o valor da receita poder ser medido com segurança;

d. é provável que os benefícios econômicos decorrentes da

transação sejam percebido pela empresa; e

e. os custos incorridos ou a incorrer referentes à transação

possam ser medidos com segurança.

À primeira vista, parecerá que não se poderia reconhecer como

receita e redução do custo do exercício de 2001, respectivamente,

a recomposição tarifária e a recuperação assegurada pela Aneel

dos custos da denominada Parcela A (não gerenciáveis).

Entretanto, há que se analisar as características próprias do

produto energia elétrica de que estamos tratando.

Diferentemente de qualquer outro produto (exceto os que têm

características semelhantes, como a produção e o fornecimento de

gás, água, etc.), a energia elétrica tem características próprias,

seja na sua produção, seja na comercialização. Os consumidores

de energia elétrica, nos dias atuais, não têm opção de escolha

entre fornecedores, exceto para os grandes consumidores que

decidirem exercer o direito de escolha do seu fornecedor,

tornando-se consumidores livres. Os consumidores comuns têm à

sua disposição poucos substitutivos à energia elétrica, sendo esse

produto de extrema utilidade fazendo com que seu consumo seja

indispensável (o consumidor poderá reduzir os níveis de consumo,

racionalizá-lo, porém dificilmente cessará o consumo).

10

Consideradas as condições atuais do mercado de energia (falta de

oferta que garanta a competição), podemos afirmar que os

consumidores, em larga escala, são cativos.

Para fins de análise, devemos considerar que há um conjunto de

consumidores, e não consumidores individuais, ou seja, as

concessionárias têm uma massa de clientes que variarão seu

consumo individual, porém, no seu conjunto, o consumo tende a

ser uniforme.”

Em 2001, o registro contábil de um efetivo ativo regulatório

sujeito à remuneração pela Taxa SELIC, como contas a receber em

contrapartida com a receita, conforme previsto no Comunicado IBRACON n⁰

01/2002, que tratou do procedimento contábil da Recomposição Tarifária

Extraordinária, que além da perda de margem, tinha também itens da “Parcela

A” e “energia livre” (diferença de preço da energia das geradoras no MAE,

atual CCEE), foi realizado, principalmente, face à conclusão de que o produto

foi entregue por preço inferior ao assegurado às empresas

concessionárias, sustentando que tanto a receita como a despesa

pertenceu ao mesmo período de competência, podendo, assim, ser

registrado no resultado do exercício. Vejamos a conclusão do Comunicado:

“Pode-se afirmar que o produto foi entregue por preço inferior ao

assegurado às empresas concessionárias para lhes propiciar a

margem necessária ou assegurar a recuperação dos custos sobre

os quais não têm controle. Sendo assim, foi estabelecido pelo

governo mecanismo para cobrança dessa diferença da massa de

consumidores, ou seja, foi determinado aumento da tarifa (2,9%

para os consumidores residenciais e 7,9% para os demais

consumidores) de forma que aquelas diferenças de preço sejam

11

cobradas desses consumidores, ou seja, estabeleceu-se modo de

cobrança. Tanto isso é verdade que as tarifas voltarão ao patamar

original tão logo seja recuperado o montante calculado pelas

diversas distribuidoras relativo à recomposição tarifária, aos custos

da “Parcela A” e aos custos adicionais da energia livre.

Mais uma vez: o conjunto de consumidores pagará essas

diferenças de 2001, podendo ocorrer que cada um,

individualmente, poderá pagar mais ou menos, se for calculada a

proporção entre seu consumo de 2001 com o que pagará em 2002

e anos seguintes; ou seja, o “acerto de conta” não é individual.”

“Com base nas informações sumariadas (MP nº. 14 e Resolução nº.

91), e considerando o discutido no item Base para o Registro

Contábil, o IBRACON conclui que o montante da recomposição

tarifária extraordinária autorizada pelo governo, dos custos não

gerenciáveis pelas distribuidoras, da denominada “Parcela A” da

composição das tarifas e dos custos adicionais com a compra

de energia livre, caracteriza-se como um ativo e, assim, deve

ser registrado pelas distribuidoras e geradoras de energia elétrica

no resultado do exercício findo em 31 de dezembro de 2001, e que

esse registro atende aos Princípios Fundamentais de

Contabilidade dispostos na Resolução CFC nº. 750, de 29 de

dezembro de 1993, principalmente àqueles que dizem respeito ao

fato, quais sejam: o Princípio da Oportunidade (tempestividade

e integridade do registro do patrimônio e suas mutações); o

Princípio da Competência (as receitas e as despesas devem ser

incluídas na apuração do resultado do período em que ocorrerem,

sempre simultaneamente quando se correlacionarem,

independentemente do recebimento ou pagamento; e o Princípio

da Prudência (adotar o menor valor para os componentes do

ativo e o maior para os do passivo).” (grifos nossos)

12

Embasada no Comunicado IBRACON 01/2002, a ANEEL, por meio

do disposto no art. 2º da Resolução nº 72/2002, estabeleceu o registro

contábil do ativo regulatório tendo como contrapartida uma conta de “receita”

no resultado, com vistas a demonstrar a recomposição do equilíbrio econômico

e financeiro, conforme segue:

“Art. 2º - O valor oriundo da recomposição tarifária extraordinária

a que se referem as Resoluções GCE nº 91, de 21 de dezembro de

2001, e ANEEL nº 31, de 24 de janeiro de 2002, deverá ser

registrado no resultado do exercício de 2001, na conta

611.01.3.1.01 – Receita de Operações com Energia Elétrica –

Fornecimento, em contrapartida do Ativo Circulante, na conta

112.01.1 – Consumidores – Fornecimento e do Realizável a Longo

Prazo, na conta 121.01.1 – Consumidores – Fornecimento.

B. FUNDAMENTAÇÃO PARA REGISTRO CONTÁBIL A PARTIR DE

2014

Como é cediço, desde a introdução das normas internacionais de

contabilidade no Brasil, os ativos e passivos regulatórios não vinham sendo

reconhecidos na contabilidade para fins societários, mas tão somente para fins

da contabilidade regulatória em virtude do não posicionamento favorável do

International Accounting Standards Board - IASB.

Dessa forma, na contabilidade societária, até a aprovação do

OCPC 08 pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e pela Comissão de

Valores Mobiliários (CVM), o total dos gastos com a “Parcela A” ficavam

registrados e demonstrados como despesa, no resultado, sem que houvesse o

reconhecimento desses valores no contas a receber decorrente do direito ao

13

reequilíbrio econômico e financeiro do contrato de concessão, cuja

contrapartida seria uma receita, também no resultado.

O International Accounting Standards Board - IASB, colocou em

audiência pública, em julho de 2009, uma minuta de Pronunciamento tratando

do registro contábil dos Ativos e Passivos Regulatórios que acabou, porém,

não sendo concluída, tendo sido postergada para 2012 a manifestação da

referida entidade. Mas extraímos um trecho dessa minuta onde podemos

observar algumas condições para reconhecimento de um ativo ou passivo

regulatório, no qual uma das condições é que o custo tivesse sido INCORRIDO

EM PERÍODO ANTERIOR:

“[Minuta da] Norma Internacional de Contabilidade X Atividades

com Tarifas Reguladas

Princípio básico

1 Uma entidade deverá reconhecer em suas demonstrações

financeiras os impactos de suas atividades operacionais de

fornecimento de produtos ou serviços cujos preços estão

sujeitos à regulação por custo do serviço.

2 Esta [minuta] do IFRS exige, especificamente, que a

entidade:

(a) reconheça um ativo regulatório ou passivo regulatório

se o órgão regulador permite à entidade recuperar

custos específicos incorridos anteriormente ou requer

que ela reembolse valores cobrados anteriormente e

obtenha um retorno especificado sobre suas atividades

reguladas mediante o ajuste dos preços cobrados de seus

consumidores.”

14

Apesar de toda a argumentação apresentada pelas entidades

brasileiras (CVM, IBRACON, ANEEL e CPC), o IASB não aceitou o registro

contábil dos ativos e passivos regulatórios, ficando o Comitê de

Pronunciamentos Contábeis – CPC, impedido de expedir uma norma que

tratasse do registro contábil desses valores.

No entanto, o mesmo IASB, a fim de atrair o Canadá5 para o

grupo dos países que adotaram as normas internacionais (IFRS), abriu uma

exceção, no ano de 2014, com a edição do IFRS 14, quando decidiu permitir

que as empresas que adotarem o IFRS pela primeira vez, a partir de agora,

mantenham o reconhecimento dos ativos e passivos regulatórios no balanço,

ao passo que a mesma prática é vedada para aquelas que já usam o padrão

contábil internacional há mais tempo, como é o caso das empresas brasileiras.

Apesar de os valores correspondentes aos ativos e passivos

regulatórios no setor elétrico brasileiro serem um direito ou uma obrigação

junto ao Poder Concedente, implicitamente garantido pela cláusula de

equilíbrio econômico-financeiro prevista nos contratos de concessão, a única

forma encontrada pelos representantes brasileiros junto ao IASB, para

convencer seus membros, no sentido de que fosse permitido o registro desses

valores na contabilidade brasileira, foi a de provocar um aditivo aos Contratos

de Concessão, reconhecendo que esses valores seriam indenizados ao final do

prazo da concessão. Importante lembrar que, por vários anos, esses valores já

vêm sendo reconhecidos na tarifa pela ANEEL em cada reajuste ou revisão

5 Sitio do IBRACON: “O Iasb decidiu permitir que as empresas que adotarem o IFRS pela primeira vez a partir

de agora mantenham o reconhecimento dos ativos e passivos regulatórios no balanço, ao passo que a mesma prática é

vedada para aquelas que já usam o padrão contábil internacional há mais tempo, como é caso das empresas

brasileiras.

Embora os membros do Iasb não digam isso abertamente, todos na comunidade contábil sabem que a norma foi feita

para atrair o Canadá, que não aceitaria a migração de padrão contábil sem essa possibilidade. A mudança também

agrada aos Estados Unidos, que permitem o registro dos ativos regulatórios. Mas se o objetivo do IFRS é estimular a comparabilidade dos balanços ao redor do mundo, essa exceção para os novos usuários não parece fazer sentido.

"Estou indignado", declarou o professor Eliseu Martins, integrante do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e

que estava como diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na época em que o Brasil adotou o novo padrão

contábil. "Fizemos a adoção relativamente rápida do IFRS (em três anos) e por causa disso estamos sendo

prejudicados. Quem atrasou, se beneficiou", disse ele.(sic)

15

tarifária, dada a sua condição e necessidade de equilíbrio econômico-

financeiro, já previsto no contrato de concessão.

Dessa forma, considerando que o aditivo ao contrato de

concessão seria a única solução junto ao IASB, a ANEEL colocou em audiência

pública e aprovou o aditivo que foi assinado pelas concessionárias de serviço

público de distribuição de energia elétrica, no qual constou:

CLÁUSULA PRIMEIRA - DO OBJETO

O objeto do presente Termo Aditivo é incluir dispositivo que

garanta que valores registrados na Conta de Compensação de

Variação de Valores de Itens da “Parcela A” – CVA e outros itens

financeiros sejam incorporados no cálculo da indenização, quando

da extinção da concessão, correspondente às parcelas dos

investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não

amortizados ou não depreciados, na forma das alterações

efetuadas na redação da Cláusula Décima Primeira do Contrato de

Concessão de Distribuição de Energia Elétrica nº 000/0000-ANEEL,

que trata da reversão dos bens e instalações vinculados,

estabelecidas na Cláusula Segunda deste Termo Aditivo.

CLÁUSULA SEGUNDA – DA REVERSÃO DOS BENS E

INSTALAÇÕES VINCULADOS

Inclui-se a Subcláusula Décima Primeira, com a redação abaixo, na

Cláusula Décima Primeira – Extinção da Concessão, Reversão dos

Bens e Instalações Vinculados do Contrato de Concessão de

Distribuição de Energia Elétrica no 0000/0000-ANEEL:

16

“Subcláusula Décima Primeira - Além dos valores indenizados

referentes aos ativos ainda não amortizados dos bens

reversíveis, também serão considerados, para fins de

indenização, os saldos remanescentes (ativos ou passivos) de

eventual insuficiência de recolhimento ou ressarcimento pela

tarifa em decorrência da extinção, por qualquer motivo, da

concessão, relativos a valores financeiros a serem apurados

com base nos regulamentos preestabelecidos pelo Regulador,

incluídos aqueles constituídos após a última alteração tarifária.”

Com a assinatura do aditivo contratual, o Comitê de

Pronunciamentos Contábeis, após a análise de toda a situação e considerando

o advento do aditamento aos contratos de concessão, entendeu não mais

haver incerteza significativa que seja impeditiva para o reconhecimento dos

ativos e passivos decorrentes da metodologia de definição da tarifa de

distribuição de energia elétrica nos relatórios contábil-financeiros de propósito

geral dessas entidades em relação às normas internacionais de contabilidade

(IFRS). Assim, foi expedida a Orientação Técnica OCPC 08, que tratou do

Reconhecimento de Determinados Ativos e Passivos nos Relatórios Contábil-

Financeiros de Propósito Geral das Distribuidoras de Energia Elétrica emitidos

de acordo com as Normas Brasileiras e Internacionais de Contabilidade.

Importante descrever aqui algumas disposições contidas no

OCPC 08, que traduz a situação que procuramos retratar acima:

IN6. As normas contábeis vigentes no Brasil até 2009 permitiam o

reconhecimento de ativos e/ou passivos decorrentes dessa

diferença temporal e, dessa forma, permitiam que as

concessionárias de distribuição registrassem, no mesmo período

de competência, tanto os custos efetivamente incorridos com os

itens da Parcela A e outros componentes financeiros, quanto o

17

seu direito ou obrigação de receber/pagar o diferencial ainda

não incluído na tarifa e, portanto, demonstrassem que as

flutuações entre os valores contemplados nas tarifas e os

efetivamente incorridos tinham efeitos temporários.

IN7. Quando da adoção das normas internacionais de contabilidade

– IFRS – no Brasil, a partir de 2010, os relatórios contábil-

financeiros de propósito geral dessas concessionárias passaram

a não mais contemplar o reconhecimento desses ativos e/ou

passivos com base no entendimento de que esses direitos e

obrigações não atendem plenamente às definições de ativo e

passivo contidas na Estrutura Conceitual para Elaboração e

Divulgação de Relatório Contábil-Financeiro. Tal entendimento

decorre de que (i) sua realização ou exigibilidade dependeriam

de evento futuro não totalmente controlável pela entidade – a

entrega futura de energia elétrica; e (ii) não é praticável saber,

no momento do surgimento desses direitos ou obrigações, se e

quais os efetivos compradores dessa energia no futuro que

pagariam essas diferenças ou as teriam devolvidas em suas

contas de energia elétrica.

IN8. Adicionalmente, não havia consenso quanto a se a legislação

em vigor garantia, de forma objetiva, o direito ao completo

recebimento nos casos em que o mecanismo de tarifa não fosse

suficiente para realizar o direito ou, ainda, nos casos em que a

concessão cessasse por qualquer motivo. Da mesma forma, não

havia consenso quanto à provável saída de recursos

econômicos da entidade, nos casos em que o mecanismo de

tarifa não fosse capaz de devolver aos consumidores a

totalidade dos recursos ou, ainda, nos casos em que a

concessão cessasse por qualquer motivo. Tais aspectos davam,

18

no entendimento predominante até então, um caráter

contingente a tais direitos e obrigações.

IN9. Foi com base nesse cenário que, a partir da adoção das IFRS,

esses ativos e passivos passaram a ser reconhecidos

exclusivamente nas demonstrações contábeis para fins

regulatórios exigidos pela ANEEL, e não mais nos relatórios

contábil-financeiros de propósito geral formalmente emitidos e

aprovados pelos órgãos de administração, auditados e

divulgados a todos os interessados.

IN10.Para reduzir incertezas relevantes quanto ao reconhecimento e

à realização ou liquidação dos ativos e/ou passivos regulatórios

e, consequentemente, qualificá-los como passíveis de

reconhecimento nos relatórios contábil-financeiros de propósito

geral das concessionárias de distribuição de energia elétrica

brasileiras, a ANEEL decidiu, em 25 de novembro de 2014, e

com a plena aceitação posterior de cada empresa

concessionária e permissionária que quiser a isso aderir, aditar

os contratos de concessão das companhias de distribuição de

energia elétrica brasileiras.

IN11. Essa alteração nos referidos contratos, da forma como

aprovada pela diretoria da ANEEL na 13ª reunião pública

extraordinária realizada em 25 de novembro de 2014, resulta

na redução de incerteza relevante quanto à mensuração,

realização e o respectivo prazo de recuperação ou liquidação

das diferenças temporais decorrentes da definição da tarifa de

distribuição de energia elétrica – Parcela A e outros

componentes financeiros. Ressalte-se, que as alterações

aprovadas para os contratos das distribuidoras abrangem não

19

somente os ativos e passivos financeiros relativos aos itens da

Parcela A, mas, também, outros componentes financeiros que a

ANEEL venha a homologar como direito ou obrigação da

empresa distribuidora.

(grifos nossos)

Dessa forma, as concessionárias de serviço público de

distribuição de energia elétrica, que assinaram o aditivo ao contrato de

concessão, puderam realizar, já em 2014, o registro contábil desses ativos e

passivos regulatórios em sua contabilidade societária, que recebeu o mesmo

tratamento contábil determinado no ano de 2001 pela Resolução ANEEL n°

72/2002, o que também está previsto no OCPC 08 e no Manual de

Contabilidade do Setor Elétrico (Versão 2015), ou seja, os ativos e passivos

regulatórios, atendidas as disposições do OCPC 08, terão a sua contrapartida

em conta de resultado na receita de fornecimento de energia elétrica,

conforme previsto no item 14 do citado OCPC, abaixo transcrito:

14. Posteriormente ao reconhecimento inicial, os ativos e/ou

passivos financeiros originados das diferenças apuradas de

itens da Parcela A e outros componentes financeiros em cada

período contábil devem ter como contrapartida a adequada

rubrica de receita de venda de bens e serviços, no resultado

do período.

Portanto, a fundamentação para o registro do ativo ou passivo

financeiro setorial (regulatório) realizado em 2001 para o registro em 2014,

suportado pelo OCPC 08, tem como diferenciação a assinatura do aditivo ao

contrato de concessão que estabeleceu a garantia, por parte da concessionária

de serviço público de distribuição de energia elétrica, o recebimento desses

valores ao final da concessão a título de indenização.

20

Em nosso entendimento, S.M.J, essa garantia sempre existiu

face à cláusula de equilíbrio econômico e financeiro prevista nos contratos de

concessão. A norma regulatória, ao adicionar ou excluir estes valores quando

do reajuste ou revisão tarifária, já o fazia em função do equilíbrio econômico e

financeiro da concessão prevista em contrato e na própria norma do Direito

Administrativo. Assim, independentemente da existência desse aditivo

contratual, nos parece que não restavam dúvidas de que esses valores seriam

indenizados, ao final da concessão, à luz do princípio administrativo e

constitucional do equilíbrio econômico e financeiro.

IV. DA TRIBUTAÇÃO DOS ATIVOS E PASSIVOS FINANCEIROS

SETORIAIS REGISTRADOS NA CONTABILIDADE COM BASE NO

OCPC 08. APLICAÇÃO DO PARECER COSIT N° 26/2002.

Verifica-se que o registro dos ativos e passivos regulatórios com

base no OCPC 08, tendo como contrapartida uma conta de receita, em nada

difere daquele registrado em 2001, suportado pelo Comunicado IBRACON

01/2002. Ou seja, além de terem o mesmo tratamento contábil, correspondem

também a valores a serem recebidos, decorrentes da necessidade contratual

de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro a serem faturados por

futuro fornecimento de energia elétrica, sendo que o saldo não faturado será

recebido por meio de indenização ao final do prazo da concessão.

No entanto, diferentemente do ocorrido em 2001, cujos valores

para registro contábil já estavam fiscalizados e homologados pela ANEEL, os

valores dos ativos e passivos financeiros setoriais que serão incorridos até o

prazo final da concessão, deverão, antes de ser incluído na tarifa, ser

submetidos à fiscalização da ANEEL para fins de inclusão na tarifa de energia

elétrica a ser homologada quando do reajuste ou revisão tarifária, ou até

mesmo para fins de indenização ao final da concessão, quando será observado

21

o disposto na Cláusula Segunda do aditivo ao contrato de concessão assinado

em dezembro/2014.

Naquela ocasião, a Secretaria da Receita Federal, por meio de

sua Coordenação-Geral de Tributação, emitiu o Parecer COSIT n⁰ 26, de 26 de

setembro de 2002, pelo qual, considerando o Comunicado IBRACON 01/2002,

analisou a questão à luz das Normas Gerais de Direito Tributário, concluindo

que o registro contábil desses valores não configurava o fato gerador de

tributo, pois não criava a disponibilidade jurídica e econômica inerente ao fato

gerador do IRPJ e dos demais tributos reflexos a esse (CSLL, COFINS e PIS),

confirmando, assim, a inexistência da ocorrência do fato gerador. Vejamos a

solução dada:

Parecer COSIT 26/2002

“13. Inicialmente, cabe salientar que os motivos que levaram o

poder público a autorizar a cobrança da sobretarifa são

despiciendos para fins de investigação da ocorrência do fato

gerador, principalmente quando verificado que se trata,

conforme expresso na lei, de uma recomposição tarifária para

fins de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro

dos contratos de concessão (...)

14 O fato gerador do imposto de renda não é um ato, mas, sim,

um fato econômico que cria uma disponibilidade jurídica ou

econômica. Ou seja, o fato imponível do imposto de renda é

o fato concreto, localizado no tempo e no espaço, acontecido

efetivamente no universo fenomênico, que – por

corresponder rigorosamente à descrição prévia,

hipoteticamente formulada pela hipótese de incidência legal –

22

dá nascimento à obrigação tributária6.

15 Assim, quando o § 1° do art. 113 do CTN estatui que “a

obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador”,

“fato gerador” quer dizer fato concreto, ocorrido no mundo

dos fenômenos, pois a existência de uma hipótese de

incidência, isoladamente, não faz surgir nenhuma obrigação

tributária. Para o surgimento da obrigação é necessária a

ocorrência de um fato concreto que se subsuma na hipótese

abstratamente descrita na lei.

16 Diante disso, fica claro que uma lei que institui uma

sobretarifa a ser cobrada sobre um consumo futuro de

energia, ainda que esse possa ser estimado com precisão,

não se configura fato gerador do imposto de renda. Ora, essa

própria lei, enquanto não ocorrer os fatos concretos que se

subsumam na sua própria hipótese de incidência, restará com

sua eficácia latente, ou seja, sequer os seus próprios efeitos

surtiram, quanto mais os efeitos tributários daí advindos. O

que se está a dizer é que, enquanto não ocorrer o

consumo de energia sobre o qual incidirá a sobretarifa,

nenhum efeito concreto terá surtido o art. 4º, § 1º, da

Medida Provisória nº 14, de 2001.

17 ................................................................................

18 Ocorre que as disposições quanto à inobservância do regime

de competência pressupõem, pelo menos, a ocorrência, no

mundo fenomênico, do aspecto material da hipótese de

incidência tributária. Ou seja, para que se configurasse a

inobservância, pelo contribuinte, do regime de competência

(aspecto temporal), era necessário que já tivesse ocorrido o

6 Ataliba, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária, ed. Malheiros, 5º ed., pág. 61.

23

fato econômico gerador da disponibilidade jurídica de renda

(aspecto material). Ora, os fatos econômicos geradores da

disponibilidade de renda só começaram a ocorrer a partir de

janeiro de 2002 – consumo mensal de energia sobre o qual

seria cobrado a sobretarifa, razão pela qual não poderia

haver reconhecimento, no ano de 2001, de uma receita que

sequer existia, já que, tanto na compra e venda como na

prestação de serviço, a disponibilidade jurídica de renda só

surge para o fornecedor com a entrega do bem ou com a

prestação do serviço.

19 Destarte, são os faturamentos resultantes da aplicação da

sobretarifa autorizada pela lei sobre o consumo de energia

que se constituem em fatos econômicos juridicamente

relevantes para a legislação do imposto sobre a renda, por

serem eles fatos concretos que geram disponibilidade jurídica

de renda para as concessionárias de energia elétrica.

20 .........................................................................

21 Melhor sorte, também, não têm aqueles que defendem, no

caso em tela, a aplicação do art. 117 do Código Tributário

Nacional - CTN, seja para sustentar a ocorrência, em

31/12/2002, de um fato gerador sob condição resolutória,

seja para asseverar que se trata de um fato gerador sob

condição suspensiva, em virtude da ulterior homologação da

cobrança da sobretarifa, a cargo da Aneel. O art. 117 do CTN,

tanto no inciso I como no II, trata da ocorrência de um

negócio jurídico, que fica com os seus efeitos, no mundo

fenomênico, submetidos, respectivamente, ou a uma

condição suspensiva ou a uma resolutiva. Logo, como não se

pode, sob pena de ofensa aos mais elementares cânones da

boa exegese, considerar uma medida provisória como um

24

negócio jurídico – ato de cunho privado, resultante das

vontades das partes – verifica-se a total improcedência de

tais entendimentos.

22 Ademais, a mera expectativa de ganho futuro, causado pela

referida medida provisória, não pode se consubstanciar em

fato gerador de renda das concessionárias de energia no ano

de 2001, pois, ainda que seja possível estimar com certa

precisão o valor do incremento de receita nos anos seguintes,

este não é líquido nem certo em 31/12/2001. Com efeito, o

valor faturado dependerá de fatos econômicos futuros e

incertos, pois variará de acordo com os consumos mensais de

energia de cada consumidor final, logo, impossível precisar,

em 31/12/2001, qualquer acréscimo patrimonial definitivo de

tais empresas.

23 Mutatis mutandis, todas as considerações expendidas, valem

também, para a Contribuição Social sobre o Lucro (CSL),

Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade

Social (Cofins) e para a Contribuição para o PIS/Pasep, já

que os seus fatos geradores, também, são fatos econômicos

que devem ocorrer no mundo fenomênico.

24 Em face do exposto, conclui-se que a receita gerada pela

aplicação da sobretarifa, de que trata o § 1º do art. 4° da

Medida Provisória nº 14, 2001, deverá compor a apuração

das bases de cálculo do imposto sobre a renda, da CSL, da

Cofins e da contribuição para o PIS, referentes aos períodos

em que ocorrer o efetivo consumo de energia sobre o qual

incidiu a cobrança da sobretarifa, à medida e na proporção de

sua efetivação, sendo os tributos apurados de acordo com a

25

lei vigente em cada um desses períodos, por força do art.

144 do Código Tributário Nacional.”

Importante observar que mesmo existindo uma cláusula no

contrato de concessão que visava assegurar o seu equilíbrio econômico e

financeiro, o que garantiria o recebimento desses ativos até então

denominados de “regulatórios”, ao final da concessão, constou do Parecer

COSIT que existia uma “mera expectativa de ganho futuro”, o que não poderia

se consubstanciar em fato gerador de renda das concessionárias de energia,

pois esses valores não eram líquidos nem certos, já que o valor a ser faturado

dependeria de fatos econômicos futuros e incertos, sujeitos a variação de

acordo com os consumos mensais de energia de cada consumidor final.

Portanto, o que precisa ser analisado e enfrentado é se as

disposições constantes do Aditivo ao Contrato de Concessão, que

garantiu o recebimento desses ativos ao final da concessão,

considerando ou não o Parecer Cosit n° 26/2002, gerará uma

disponibilidade jurídica e/ou econômica imediata, inerente ao fato

gerador do IRPJ e demais tributos a ele reflexos.

Nos contratos de concessão das concessionárias de serviço

público de distribuição de energia elétrica, além da cláusula de equilíbrio

econômico e financeiro, também está prevista a indenização dos ativos

reversíveis, vinculados à concessão do serviço público, ainda não amortizados.

No entanto, com o aditivo ao contrato de concessão assinado pelas

distribuidoras, e conforme as cláusulas abaixo transcritas, passou a ser

garantida a indenização dos valores dos ativos reversíveis, ainda não

amortizados, bem como dos valores registrados na Conta de Compensação de

Variação de Itens da “Parcela A” e de outros itens financeiros, a ser paga

quando da extinção da concessão.

26

CLÁUSULA PRIMEIRA - DO OBJETO

O objeto do presente Termo Aditivo é incluir dispositivo que

garanta que valores registrados na Conta de Compensação de

Variação de Valores de Itens da “Parcela A” – CVA e outros itens

financeiros sejam incorporados no cálculo da indenização, quando

da extinção da concessão, correspondente às parcelas dos

investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não

amortizados ou não depreciados, na forma das alterações

efetuadas na redação da Cláusula décima primeira do Contrato de

Concessão de Distribuição de Energia Elétrica nº 000/0000 -

ANEEL, que trata da reversão dos bens e instalações vinculados,

estabelecidas na Cláusula Segunda deste Termo Aditivo.

CLÁUSULA SEGUNDA – DA REVERSÃO DOS BENS E

INSTALAÇÕES VINCULADOS

Inclui-se a Subcláusula Décima Primeira, com a redação abaixo, na

Cláusula Décima Primeira – Extinção da Concessão, Reversão dos

Bens e Instalações Vinculados do Contrato de Concessão de

Distribuição de Energia Elétrica no 000/0000-ANEEL:

“Subcláusula Décima Primeira - Além dos valores indenizados

referentes aos ativos ainda não amortizados dos bens

reversíveis, também serão considerados, para fins de

indenização, os saldos remanescentes (ativos ou

passivos) de eventual insuficiência de recolhimento ou

ressarcimento pela tarifa em decorrência da extinção, por

qualquer motivo, da concessão, relativos a valores financeiros a

serem apurados com base nos regulamentos preestabelecidos

27

pelo Regulador, incluídos aqueles constituídos após a última

alteração tarifária.” (grifamos)

Assim, a partir da assinatura desses aditivos ao contrato de

concessão, as distribuidoras passaram a ter duas situações que permitirão o

recebimento ou devolução dos ativos e passivos regulatórios, respectivamente,

que ocorrerão em dois momentos distintos, ou seja:

a) Quando do consumo futuro de energia, cujo faturamento ocorrerá

até o término do prazo da concessão outorgada pela União Federal,

previsto nos contratos de concessão;

b) Quando do recebimento do saldo remanescente, a título de

indenização, que ocorrerá após o término do prazo da concessão

outorgada pela União Federal, previsto nos contratos de concessão.

Citaremos, como exemplo, uma concessionária de distribuição de

energia elétrica, em que a última revisão ocorreu em setembro/2013, e cujo

reajuste tenha ocorrido no mês de setembro/2014, sendo que o término do

prazo da concessão ocorrerá em setembro/2016, ou seja, em tese, serão

objetos de indenização ao final da concessão os saldos remanescentes de

ativos e passivos a serem incorporados na tarifa quando do reajuste em

setembro/2015, cujo prazo restante da concessão não venha a ser suficiente

para o seu ressarcimento via faturamento, e os ativos e passivos financeiros

setoriais que ocorreram após setembro/2015 e que não foram incluídos na

tarifa.

Resta, portanto, analisar em que momento ocorrerá o fato

gerador de cada uma dessas alternativas para fins de incidência do IRPJ, CSLL,

PIS/Pasep e Cofins, lembrando que os ativos e passivos serão incluídos na

tarifa ou serão indenizados, sempre com a fiscalização antecipada ou a

posteriori da ANEEL, com base nos regulamentos preestabelecidos.

28

Os ativos e passivos financeiros setoriais serão reconhecidos

contabilmente a medida em que eles forem incorridos, devendo ser registrados

como tais tendo como contrapartida a receita. Neste mister, entendemos que

a remuneração dos ativos e passivos regulatórios deveriam ser registrados na

mesma conta de receita em que se registraram os ativos e passivos

regulatórios, e não como receita ou despesa financeira, pois estes valores se

realizarão como “receita de fornecimento de energia elétrica” ou como “outras

receitas”, no caso de indenização, mas nunca como receita ou despesa

financeira.

Com referência à primeira situação, que seria o faturamento dos

valores dos ativos e passivos financeiros setoriais no prazo restante da

concessão, o que dependerá do consumo de energia elétrica que ocorrerá

futuramente, entendemos que é semelhante à situação já analisada no Parecer

COSIT n° 26/2002, quando da edição da Medida Provisória n° 14/2001 que,

em seu art. 4° estabeleceu o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos

de concessão de serviço público de distribuição de energia elétrica, por meio

da recomposição tarifária extraordinária, que teve seu registro contábil como

contas a receber no ativo (circulante/longo prazo) em contrapartida no

resultado (receita), tendo a Receita Federal do Brasil, por meio desse Parecer,

concluído que a receita gerada pela aplicação da sobretarifa deveria compor a

apuração das bases de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS/Pasep e da Cofins somente

nos períodos em que ocorresse o efetivo consumo de energia sobre o qual

incidiu a cobrança da sobretarifa.

O simples reconhecimento contábil desses ativos e passivos

financeiros setoriais, e até mesmo a garantia contratual de seu recebimento,

não são suficientes para a ocorrência do fato gerador7, pois o aspecto temporal

de sua ocorrência se dará no momento da aquisição da disponibilidade

7 O valor desses ativos e passivos será revertido contabilmente à medida que ocorrer o faturamento pelo fornecimento

futuro da energia elétrica, momento em que ocorrerá o fato gerador.

29

econômica ou jurídica. Para Vittorio Cassone8, a econômica “é a faculdade de

usar, gozar e dispor de dinheiro ou de coisas nele conversíveis, entrados para

o patrimônio do adquirente por ato, fato ou negócio jurídico. É o ter de fato

(concretamente)”, e a disponibilidade jurídica “é a obtenção de direitos de

crédito, não sujeitos à condição suspensiva (representados por títulos ou

documentos de liquidez e certeza, que podem ser convertidos em moeda ou

equivalente). É o ter.”

Com referência a segunda situação, é importante repisar que a

assinatura do aditivo contratual garantiu o recebimento dos ativos e passivos

financeiros setoriais; no entanto, não se sabe exatamente qual o valor a ser

recebido, a título de indenização, ao final da concessão9. Além do mais, esse

valor precisará ser apurado com base nos regulamentos preestabelecidos pelo

Regulador, incluídos aqueles constituídos após a última alteração tarifária,

conforme consta da Cláusula segunda do Aditivo ao Contrato de Concessão. O

recebimento se dará por meio de INDENIZAÇÃO, o que só ocorrerá após a

aprovação do valor desses ativos e passivos em conjunto com o valor dos bens

reversíveis, que se submeterá à prévia fiscalização da Agência Nacional de

Energia Elétrica (ANEEL), momento este em que ocorrerá a disponibilidade

econômica e jurídica da renda.

Ressalte-se que a cada mês serão gerados novos ativos e

passivos financeiros setoriais, ou seja, não será o valor registrado em 2014,

que provavelmente será indenizado ao término da concessão, até mesmo

porque parcelas desses ativos e passivos regulatórios estarão sendo incluídos

nos faturamentos de consumos futuros até o último reajuste que venha a

ocorrer durante o prazo final da concessão, observado o disposto no art. 10 da

8 Direito Tributário – Ed. Atras, 15ª. Ed. – 2002 – P. 257. 9 Dependendo da data da indenização da concessão, os ativos e passivos a serem indenizados ao final da concessão

ainda irão incorrer, já que o término dos prazos da concessão, no exemplo citado, será em setembro/2016.

30

Lei n° 8.631/199310. Assim, somente os ativos que não foram recebidos por

meio da tarifa serão objeto de tributação quando da indenização.

A seguir abordaremos a questão relacionada à disponibilidade

econômica e jurídica da renda, que caracteriza o fato gerador, de forma a

fundamentar nosso entendimento manifestado acima, referente às duas

situações que poderão ocorrer. Inicialmente, é essencial recorrer a conceitos

básicos da legislação tributária, especialmente do Código Tributário Nacional –

CTN, senão vejamos:

“Art. 113 - A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1 - A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador,

tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e

extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

(...)”

Na seqüência, o art. 114 do CTN consagra o seguinte:

“Art. 114 - Fato gerador da obrigação principal é a situação

definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.”

A expressão fato gerador, consagrada pelo Código Tributário

Nacional, apesar da oposição de parte da doutrina, “há que

significar, sempre, a descrição normativa de um evento que,

concretizado no nível das realidades materiais, fará irromper o

10 Art. 10. O inadimplemento, pelas concessionárias, pelas permissionárias e pelas autorizadas no recolhimento das

parcelas das quotas anuais de Reserva Global de Reversão - RGR, Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica - PROINFA, Conta de Desenvolvimento Energético - CDE, Conta de Consumo de Combustíveis -

CCC, compensação financeira pela utilização de recursos hídricos e outros encargos tarifários criados por lei, bem

como no pagamento pela aquisição de energia elétrica contratada de forma regulada e da Itaipu Binacional, acarretará

a impossibilidade de revisão, exceto a extraordinária, e de reajuste de seus níveis de tarifas, assim como de

recebimento de recursos provenientes da RGR, CDE e CCC.” (grifo nosso)

31

vínculo abstrato que o legislador estipulou na conseqüência”.11

(grifos nossos)

Trazendo tal definição para o âmbito do Imposto de Renda, por

exemplo, partimos da hipótese normativa da disponibilidade econômica ou

jurídica da renda, para que, então, já na realidade fática, verificando-se a

ocorrência concreta da referida disponibilização, nos moldes previstos pela

regra-matriz de incidência tributária, aplique-se a consequência nela prevista.

O art. 43 do CTN, que define o fato gerador do Imposto de

Renda, é do seguinte teor:

“Art. 43 – O imposto, de competência da União, sobre a renda e

proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição

da disponibilidade econômica ou jurídica:

i. De renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho

ou da combinação de ambos;

ii. De proventos de qualquer natureza, assim entendidos os

acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso

anterior.”

Ocorre que o conceito de disponibilidade, utilizado no dispositivo

acima transcrito, não está formalizado em nenhum dispositivo legal, não foi

transportado de construções doutrinárias preexistentes ao Código Tributário

Nacional, nem tampouco se trata de um conceito próprio da Ciência

Econômica. Trata-se de um conceito meramente jurídico, que nasceu com o

CTN, sem qualquer referência anterior no âmbito do Direito. Por isso, a fim de

examinarmos o seu conteúdo, recorremos, inicialmente, a dicionários da

11 CARVALHO, Paulo de Barros – Curso de Direito Tributário, Saraiva, 10ª ed., São Paulo, 1998.

32

Língua Portuguesa. A definição ali encontrada diz respeito “à qualidade do que

pode ser negociado e convertido para o patrimônio do comprador”.

No entanto, cumpre distinguir o que é economicamente

disponível do que é financeiramente disponível. Para o primeiro conceito,

basta que a riqueza seja passível de conversão em dinheiro; para o segundo, a

possibilidade de conversão deve ser imediata.

“Portanto, renda disponível economicamente seria toda a riqueza

nova, em bens ou em dinheiro, livre e usualmente negociada no

mercado”.12

Nesse sentido, importante trazer à baila a jurisprudência do C.

Superior Tribunal de Justiça – STJ, a respeito do conceito, in verbis:

[...]

TRIBUTÁRIO. EXCLUSÃO DE CRÉDITOS DE ICMS DA BASE DE CÁLCULO

DO IRPJ E DA CSLL. IMPOSSIBILIDADE.

(...)

3. Conforme dispoe o art. 43 do CTN, o fato gerador do imposto de

renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda,

proventos de qualquer natureza ou acréscimos patrimoniais.

4. “Não se deve confundir disponibilidade econômica com disponibilidade

financeira da renda ou dos proventos de qualquer natureza. Enquanto

esta última se refere à imediata ‘utilidade’ da renda, a segunda está

atrelada ao simples acréscimo patrimonial, independentemente da

existência de recursos financeiros.

[...]

(AgRg noREsp 1.266.868/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN,

SEGUNDA TURMA, DJe de 10/05/2013)

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AUSÊNCIA DE

PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 211/STJ. EXCLUSÃO DOS

12 LEMKE, Gisele – Imposto de Renda: os conceitos de renda e de disponibilidade econômica e jurídica. Dialética, São

Paulo, 1998.

33

CRÉDITOS DE ICMS DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE RENDA DA

PESSOA JURÍDICA – IRPJ E DA CONSTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O

LUCRO LÍQUIDO – CSLL. IMPOSSIBILIDADE.

(...)

2. O fato gerador do imposto de renda é a aquisição da disponibilidade

econômica ou jurídica de renda, proventos de qualquer natureza ou

acréscimos patrimoniais (art. 43, do CTN).

3. “Não se deve confundir disponibilidade econômica com disponibilidade

financeira da renda ou dos proventos de qualquer natureza. Enqanto

esta última se refere à imediata ‘utilidade’ da renda, a segunda está

atelada ao simples acréscimo patrimonial, independentemente da

exisência de recursos financeiros” (REsp. Nº 983.134 – RS, Segunda

Turma, Rel Min. Castro Meira, julgado em 3.4.2008)

[...]

(REsp 859322/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA

TURMA, DJe de 06/10/2010).

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O

LUCRO. EMPRESAS CONTROLADAS SITUADAS NO EXTERIOR.

DISPONIBILIDADE ECONÔMICA E JURÍDICA DAS RENDA. ARTS. 43, §2º,

DO CTN E 74 DA MP 2.158-35/2001.

(...)

4. Não se deve confundir disponibilidade econômica com disponibilidade

financeira da renda ou dos proventos de qualquer natureza. Enquanto

esta última se refere à imediata “utilidade” da renda, a segunda está

atrelada ao simples acréscimo patrimonial, independentemente da

existência de recursos financeiros. [...]

(Resp 983.134/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe

de 17/04/2008).

A disponibilidade jurídica, por outro lado, diz respeito à

disponibilidade econômica presumida por força de lei, e existe, tão-somente,

quando o beneficiário dos rendimentos possui título que lhe permite obter a

respectiva realização em dinheiro.

34

A conjugação das expressões “disponibilidade econômica” e

“disponibilidade jurídica” permite, em última análise, que os princípios

informadores do Sistema Tributário sejam atendidos. Neste sentido temos:

“(...)

[que exista] um consenso segundo o qual os contribuintes

consentem numa tributação que incide sobre a renda representada

por moeda ou por bens e direitos facilmente (mesmo que não

imediatamente) negociáveis no mercado (para troca por moeda),

mas não na tributação de direitos de crédito, a não ser quando seja

razoável presumir, por alguma razão concreta, que estes venham a

ser convertidos em pecúnia na data aprazada”. 13

Neste cenário, não é possível entender que os ativos e passivos

financeiros setoriais, cuja cobrança ocorrerá no período restante da concessão

sobre o consumo futuro de energia elétrica14, represente um direito passível de

ser convertido em dinheiro ou exigido do devedor, mesmo porque não se

conhece o devedor, dado que o direito ao referido faturamento só se realizará

se ocorrer consumo futuro; tal não ocorrendo, teremos o seu recebimento

por meio da INDENIZAÇÃO, que possui natureza jurídica distinta, e que

ocorrerá somente ao final do prazo da concessão, cujo valor dependerá de

apuração com base nos regulamentos preestabelecidos pelo Órgão Regulador.

Os fatos econômicos geradores da disponibilidade de renda só

começarão a ocorrer a partir do consumo mensal de energia sobre o qual será

aplicada uma tarifa, na qual estará incluso esses ativos e passivos. Tanto na

compra e venda como na prestação de serviço, a disponibilidade jurídica de

renda só surge para o fornecedor com a entrega do bem ou com a prestação

do serviço.

13 LEMKE, ob.cit., p. 116 14 Além do mais, estes valores, registrados como ativos e passivos financeiros setoriais, serão revertidos contabilmente à

medida que ocorrer o fornecimento futuro da energia elétrica com a tarifa na qual estarão incluídos. Neste momento

ocorrerá o fato gerador.

35

Nesse sentido, Harada15 assim aborda a questão: “Pela própria

conceituação constitucional e legal do imposto, o elemento objetivo de seu fato

gerador só pode ser a renda ou proventos no sentido de riquezas novas, de

acréscimos patrimoniais, que decorrem de algo preexistente: a fonte

produtora.16 Isso não significa ignorar a disjunção estabelecida em lei entre as

duas espécies de disponibilidade. A disponibilidade econômica consiste no

acréscimo patrimonial decorrente de uma situação de fato, ocorrendo no

instante em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias

a que produza esse efeito (art. 116, I, do CTN), ao passo que a

disponibilidade jurídica consiste no direito de usar, por qualquer forma,

da renda e dos proventos definitivamente constituídos nos termos do

direito aplicável (art. 116, II, do CTN).17”.

Para Hugo de Brito, “Entende-se por disponibilidade econômica a

possibilidade de dispor, possibilidade de fato, material, direta, da riqueza.

Possibilidade de direito e de fato, que se caracteriza pela posse livre e

desembaraçada da riqueza. Configura-se pelo efetivo recebimento da renda ou

dos proventos. Como assevera Gomes de Sousa, na linguagem de todos os

autores que tratam do assunto, “disponibilidade econômica corresponde a

rendimento (ou provento) realizado, isto é, dinheiro em caixa””.18 Já a

disponibilidade jurídica, na lição do mesmo autor, configura-se, em princípio,

pelo crédito disponível da renda ou dos proventos. Enquanto a disponibilidade

econômica corresponde ao rendimento realizado, a disponibilidade jurídica

15 Harada, Kiyoshi e Harada, Marcelo Kiyoshi – Código Tributário Nacional Comentado – Ed. Rideel – 2012. P. 61. 16 Rubens Gomes de Souza, autor do anteprojeto da lei que se converteu no CTN, afirmou a respeito: “Explicitado o

dispositivo transcrito (art. 43 do CTN), sublinho que, tanto se tratando de “renda” como de “proventos”, o elemento

essencial do fato gerador é aquisição de disponibilidade de riqueza nova, definida em termos de acréscimo patrimonial” (Pareceres 3 – Imposto de Renda. São Paulo: Resenha Tributária, 1975. P. 277). 17 A EC n° 3/1993 acrescentou o § 7° ao art. 150 da CF, pelo qual “a lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação

tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer

posteriormente, assegurado a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador

presumido”. 18 MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. 2ª ed. Atlas, 2007, p. 448.

36

corresponde ao rendimento adquirido, isto é, ao qual o beneficiário tem título

jurídico que lhe permite obter a respectiva realização em dinheiro.

A exemplo do recebimento dos ativos, durante o prazo restante

da concessão, que dependerá do fornecimento futuro da energia elétrica,

momento em que entendemos que ocorrerá a disponibiliade econômica e

jurídica, da mesma forma, entendemos que a garantia de indenização ao final

do prazo de concessão também não é um direito passível de ser convertido em

dinheiro ou exigido da União Federal de imediato, que possa caracterizar a

ocorrência do fato gerador.

Além do mais, os ativos e passivos financeiros setoriais

registrados em 2014, não deverão ser aqueles a serem apurados ao final do

prazo da concessão com base nos regulamentos preestabelecidos pelo

Regulador, já que haverá novos ativos e passivos que surgirão a cada mês e

também após a última alteração tarifária que venha a ocorrer, conforme

previsto na ,Cláusula Segunda do Aditivo Contratual bem como ocorrerá

faturamentos futuros nos quais estarão inseridos parte desses valores.

Isto ocorre porque, conforme visto, o fato gerador em questão

não é um ato, mas um fato concreto, que deve ocorrer no mundo dos

fenômenos e que, para operar seus efeitos, não pode ser presumido como

ocorrido em função da efetivação de um ato contratual que assegurou às

concessionárias de distribuição o direito à indenização dos valores dos saldos

remanescentes (ativos ou passivos) de eventual insuficiência de recolhimento

ou ressarcimento pela tarifa em decorrência da extinção, por qualquer motivo,

da concessão.

A simples garantia de recebimento ou devolução desses ativos e

passivos, respectivamente, não é suficiente para a ocorrência do fato gerador,

pois não gera uma disponibilidade econômica ou jurídica. Aliás, a ausência de

disponibilidade jurídica e econômica é consequência natural da aplicação do

37

disposto no art.116, I do CTN19, já que, enquanto inexistente, não se poderá

considerar ocorrido o fato gerador.

V. CONCLUSÃO:

De todo o exposto, concluímos que:

a) Os consumos de energia futuros sujeitos à tarifa, na qual terá a

inserção dos ativos e passivos financeiros setoriais nos reajustes

e revisões tarifárias, observando o disposto no art. 10 da Lei n°

8.631/1993, bem como o crédito ou o recebimento do valor da

indenização, após a apuração, por meio de fiscalização, com

base nos regulamentos preestabelecidos pelo Regulador, é que

se constituirá em fatos econômicos juridicamente relevantes

para a legislação do imposto de renda, por serem eles fatos

concretos que geram disponibilidade jurídica de renda para as

concessionárias de serviço público de distribuição de energia

elétrica, já que apenas a partir da ocorrência dessas situações

tornar-se-a passível a conversão em dinheiro e de ser exigido,

seja do consumidor ou da União Federal, que serão os

devedores.

b) Os valores registrados na contabilidade societária em 2014 e em

períodos subsequentes, a título de “Ativos e Passivos Financeiros

Setoriais (Regulatórios)”, em contas a receber no ativo circulante

ou contas a pagar no passivo circulante, tendo como

contrapartida conta de receita, em atendimento ao OCPC 08 –

Reconhecimento de Determinados Ativos e Passivos, aprovado

19

Art. 116 - Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que

produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

(…)

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pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) por meio da

Norma Brasileira de Contabilidade – Comunicado Técnico CTG n°

08, de 05 de dezembro de 2014, e pela Deliberação CVM n° 732,

de 09 de dezembro de 2014, serão tributados, pelo IRPJ, quando

da concretização do seu fato gerador pela aquisição da

disponibilidade econômica e/ou jurídica que se dará em dois

momentos distintos:

Quando do faturamento do consumo futuro de energia

elétrica20, com a tarifa que contemplará os ativos e passivos

financeiros setoriais face aos reajustes e revisões tarifárias,

que ocorrerá até o término do prazo da concessão outorgada

pela União Federal, previsto nos contratos de concessão, ou

após a prorrogação da concessão, caso venha a ocorrer;

Quando do crédito ou recebimento, o que ocorrer primeiro, do

valor da indenização apurado com base nos regulamentos

preestabelecidos pela ANEEL, que ocorrerá após o término do

prazo da concessão outorgada pela União Federal, incluídos

aqueles constituídos após a última alteração tarifária,

conforme previsto na Cláusula Segunda do Aditivo Contratual.

c) A remuneração dos ativos e passivos financeiros setorial,

independentemente de estar contabilizado como receita ou

despesa financeira, ou na mesma conta de receita na qual está

registrado o próprio ativo e passivo financeiro setorial, também

serão oferecidos à tributação no mesmo momento em que

ocorrer a tributação do ativo e passivo que lhe deram origem,

conforme citado na letra “b” acima;

20 Nesse momento é que ocorre o fato gerador, tanto é que ocorrerá a reversão contábil dos valores dos ativos e passivos

registrados com base no OCPC 08.

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d) O entendimento acima se aplica também à CSLL, PIS/Pasep e a

Cofins.

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