mojubÁ: representaÇÕes possÍveis de exu e pomba gira …

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ MARITANA DRESCHER DA CRUZ MOJUBÁ: REPRESENTAÇÕES POSSÍVEIS DE EXU E POMBA GIRA PELA ÓTICA UMBANDISTA EM CURITIBA CURITIBA 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

MARITANA DRESCHER DA CRUZ

MOJUBÁ: REPRESENTAÇÕES POSSÍVEIS DE EXU E POMBA GIRA PELA

ÓTICA UMBANDISTA EM CURITIBA

CURITIBA

2015

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MARITANA DRESCHER DA CRUZ

MOJUBÁ: REPRESENTAÇÕES POSSÍVEIS DE EXU E POMBA GIRA PELA

ÓTICA UMBANDISTA EM CURITIBA

Trabalho apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de especialista em Educação das Relações Étnico-Raciais do setor NEAD Núcleo de Educação a Distância da Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Ms Marcolino Gomes de Oliveira

Neto

CURITIBA

2015

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TERMO DE APROVAÇÃO

MARITANA DRESCHER DA CRUZ

MOJUBÁ: REPRESENTAÇÕES POSSÍVEIS DE EXU E POMBA GIRA PELA

ÓTICA UMBANDISTA EM CURITIBA

Trabalho apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de especialista

em Educação das Relações Étnico- Raciais do setor NEAD Núcleo de Educação

a Distância da Universidade Federal do Paraná.

Prof. Ms. Marcolino Gomes de Oliveira Neto Orientador - Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná, UFPR

Prof. Drª Jandicleide E.Lopes

Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná, UFPR

Prof. Ma. Judit Gomes da Silva

Supervisora do curso de Especialização em Educação das Relações Étnico

Raciais (NEAB) da Universidade Federal do Paraná, UFPR

Curitiba, 27 de novembro de 2015

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Em homenagem a todas as falanges da encruza e da Calunga

Em homenagem a todos os guardiões e guardiãs

Exu é Mojuba!

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AGRADECIMENTOS

Acredito que o conhecimento pelo conhecimento não é relevante o mesmo

deve ser compartilhado com todos e todas. E é aqueles que de forma direta ou

indiretamente dividiram vossos conhecimentos comigo que me dirijo, agora.

Em primeiro lugar, agradeço a Deus, Zambi, Olorum, Alá, Jeová ou

qualquer outro nome que o divino criador possa ter em outros países, religião ou

cultura. Agradeço aos meus mentoras/res espirituais, caboclas/os, pretas/os

velhas/lhos, eres, boiadeiras/ros, ciganas/os, malandras/os, marinheiras/os e em

especial aos meus guardiões e guardiãs, meus Exus, que me acompanham, me

guardam e me orientam nessa minha vida terrena. Ao Sr. Sete Caveiras do

Cemitério, Sr. Exu Velúdo do Rio, Srª Pomba Gira Rainha das Sete Encruzilhadas

e Srª Maria do Morro.

Agradeço a todos e a todas adeptos da Umbanda, que generosamente

dividiram comigo seu conhecimento sobre a religião e suas experiências

ritualísticas de amor, afinidades e caridade com seus mentores e guardiões, e as

entrevistados e entrevistadas.

Agradeço meu orientador Prof. Ms. Marcolino de Oliveira Neto1 que me

conduziu nessa jornada .

Aos meus caros Dalila Drescher e Luiz Ricardo Kavilhuka, os dois que a

sua maneira me incentivaram e apoiaram nesse período. Minha mãe Dalila, que

com suas orações me apoiava rumo ao sucesso e conclusão desse. Meu querido

Ricardo, que por horas e dias abriu mão de minha presença pacientemente em

detrimento desse projeto.

A todos e todas meus sinceros agradecimentos e minha gratidão. Axé!

1 Nome Social Profª Ms. Magg Marco Raiara de Oliveira.

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“Então eu clamei, ao povo da rua, que me

enviasse, no momento alguma ajuda pois eu já

não tinha, força para continuar...”

(Autor desconhecido)

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RESUMO

O presente trabalho tem o objetivo de pesquisar as representações de Exu Pomba Gira pela ótica dos adeptos da Umbanda. Pois, do senso comum, essas entidades sofreram e ainda sofrem fortes acusações de serem diabólicos. Esse trabalho deu voz aos umbandistas buscando a versão de quem deveras pode defini-los. A visão que trouxeram é que são espíritos de guardiões e guardiãs dos filhos e das filhas, dos consulentes, das casas, dos templos, muito diferente dos estereótipos forjados pelos estigmas sociais.

Palavras chaves: Umbanda, Exu, Pomba Giras, Representações.

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ABSTRACT

This study aims to investigate the representations of Exus and Pomba Giras from the perspective of the Umbanda followers. For the common sense, these entities have suffered and still suffer strong accusations of being demoniac. This work gave voice to the Umbanda followers seeking the version of those who can truly define them. That vision says that they are spirits of guardians and custodians of sons and daughters, the consultants, the houses, temples, unlike the stereotypes forged by social stigmas.

Keywords: Umbanda, Exu, Pomba Gira, Representations.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FOTO1-FOTOGRAFIA DA REPRESENTAÇÃO DE ÈSÙ EM ÁFRICA. IMAGEM

DO LIVRO: ORIXÁS, AUTOR, PIERRE

VERGER................................................................................................................33

FOTO2–P1.INCORPORADO COM SR. EXU TIRIRI LANÃ. ARQUIVO

PESSOAL..............................................................................................................40

FOTO3–P1.INCORPORADO COM SR. EXU TIRIRI LANÃ. ARQUIVO

PESSOAL..............................................................................................................40

FOTO4–P5.INCORPORADA COM SR. EXU TRANCA RUAS DA

ALMAS...................................................................................................................41

FOTO5–FOTOGRAFIA DE POMBA GIRA RAINHA DAS SETE

ENCRUZILHADAS . ESCULTURA EM GESSO POLICROMADO. CURITIBA

2015. FONTE: ACERVO

PRÓPRIO...............................................................................................................50

FOTO6–FOTOGRAFIA DE POMBA GIRA MARIA PADILHA DO CABARÉ.

ESCULTURA EM GESSO POLICROMADO. CURITIBA 2015. FONTE:ACERVO

PRÓPRIO...............................................................................................................50

FOTO7–P1,INCORPORADO COMO CIGANA. ARQUIVO

PESSOAL..............................................................................................................52

FOTO 8–P1, INCORPORADO COMO A SENHORA DAS ALMAS. ARQUIVO

PESSOAL..............................................................................................................52

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................11

1.1 O PRECONCEITO RELIGIOSO......................................................................14

1.2 RELEVÂNCIA ACADÊMICA............................................................................15

2 UMBANDA: PRECONCEITOS, FUNDAÇÃO E DOUTRINAÇÃO.....................16

2.1 “ORIGENS” DA DEMONIZAÇÃO....................................................................17

2.2 O NEOPENTACOLISMO E A “GUERRA SANTA” .........................................21

2.3 PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO E FUNDAÇÃO..................................................24

2.4 UMBANDA: BREVES CONSIDERAÇÕES......................................................26

3 EXU.....................................................................................................................29

3.1 EXU NO CANDOMBLÉ....................................................................................29

3.2 EXU NA UMBANDA.........................................................................................33

3.3 DEMANDA OU LEI DA AÇÃO OU REAÇÃO? ................................................41

4 POMBA GIRA.....................................................................................................45

4.1 CAMPOS DE ATUAÇÃO E LUGARES SAGRADOS......................................47

4.2 AS IMAGENS E REPRESENTAÇÕES...........................................................49

4.3 A POMBA GIRA E A RELAÇÃO COM SEUS CONSULENTES.....................53

5. CONSEDERAÇOES FINAIS.............................................................................60

6.REFERENCIAS..................................................................................................63

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1 INTRODUÇÃO

Ao pensar no tema a ser desenvolvido no projeto de pesquisa do curso de

especialização das relações Étnico-Raciais, uma grande inquietação ressurgiu. O

enorme preconceito religioso sofrido pelos adeptos de religiões de matriz africana.

A lembrança dos vários alunos e alunas que, sentindo confiança na

discrição e no respeito e acolhimento ao diverso, vinham contar sobre sua religião

e suas práticas religiosas.

Relatamos aqui em especial uma situação vivenciada em 2012. Estávamos

aplicando a lei 10.639/032, trabalhando mitologia Iorubá em uma turma de ensino

médio. Ao final da aula, um aluno esperou até que todos saíssem da sala

aproximou-se e disse em tom de confissão:

“- Professora eu sou filho de Oxóssi, sou pai ogan.”

Mal conseguimos responder e ele emendou sua fala.

“– Mas professora você jura que não conta pra ninguém?”

Disse assim num tom de arrependimento de ter dito, acreditamos que por

medo de que relatássemos isso aos seus colegas. E repete a pergunta até que

prometemos que não contaríamos jamais a ninguém, que se pra ele era segredo

nós respeitaríamos.

Episódios parecidos aconteceram durante as aulas e com diferentes alunos

e alunas de idades também diferentes. Alguns colegas de trabalho, docentes e

funcionários também se posicionaram da mesma maneira: por medo ou vergonha,

ocultam sua religiosidade.

Nos anos de magistério, por diversas vezes, para completar a carga

horária, foi preciso ministrar aulas de Ensino Religioso e no exercício da

disciplina, ficou evidente que era necessária intervenção, uma vez que o

2 Em março de 2003 , foi aprovada a lei Federal 10.639/03, que torna obrigatório o Ensino da História e

Cultura Africana e Afro-brasileira nas escola de ensino fundamental e médio. Essa lei alterou a LDB(Lei de

Diretrizes e Bases) com o objetivo de promover a educação no sentido de valorização da contribuição do

povo negro.

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preconceito religioso continua sendo forjado no imaginário das nossas crianças.

Nesse sentido, as lei 10.639/03 e 11.645/083 estão longe de serem aplicadas.

Nesse sentido cabe perfeitamente as reflexões de Costa(2005)

“Quem tem força nessa politica impõe ao mundo de suas representações , o universo simbólico de sua cultura particular. Procuro mostrar, também, o currículo escolar como um dos mecanismos que compõe o caminho que nos torna o que somos. Uma sociedade cujas noções hegemônicas foram forjadas no quadro das antropocêntrica, falocêntrica, e etnocêntrica tradição europeia “(COSTA, 2005, p.38)

Durante as aulas, precisamos diversas vezes nos “munir” das referidas leis,

contra toda comunidade escolar, pois ao menor esboço de abordar religiões de

matriz africana, éramos chamados pela direção e equipe pedagógica.

Num certo episódio, a pressão foi deveras grande, professoras/es,

meus/minhas colegas, equipe pedagógica e equipe diretiva da escola solicitaram

a retirada de um trabalho. A aula fazia uma associação de deuses gregos com

divindades iorubas. Solicitamos às turmas que elaborassem pequenos bonecos

representando orixás africanos, frutos da mitologia iorubá. Quando alguns

trabalhos começaram a chegar, fomos recebendo-os e guardando na sala dos

professores, pois iríamos expô-los na semana da consciência negra. Ao final da

aula, quando fomos guardar os bonecos de orixás, os mesmos já não estavam na

sala dos professores. Indagamos de pronto onde estavam e a direção respondeu

que os colegas que haviam ficado com medo daqueles bonecos pois

representavam algo do “mal” e a mesma achou melhor retirá-los do espaço

coletivo, uma vez que professores e professoras foram reclamar e relataram se

sentir incomodados com tal presença e por isso a direção achou conveniente

acatar a solicitação dos docentes e a mesma havia guardado em sua sala.

Nos dias seguintes, fomos chamados, por três vezes, na sala da pedagogia

e como num processo de inquisição, fomos interrogados pela direção e por três

pedagogas, passamos por uma verdadeira sabatina. As mesmas afirmavam que o

3 A lei 11.645/08 agrega a obrigatoriedade de valorização da contribuição das etnias indígenas para História

e Cultura brasileira além da obrigatoriedade da já prevista na lei 10.639/03.

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trabalho era de religião e que estávamos fazendo uma pregação do culto que

somos crentes, precisamos nos defender da referida acusação, insistentemente.

Por diversas vezes, ao citar os números das leis 10.639/03 e 11.645/08 e

afirmar categoricamente que a equipe pedagógica é que estava equivocada (pois

o conteúdo abordado estava amparado por lei, leis essas que alteraram a própria

LDB 9394/96) as colegas bem como todo corpo docente presente naquela sala,

infelizmente, desconheciam os números das leis, supomos que o teor delas

também.

Aproveitou-se o episodio da sabatina para dar uma breve aula às quatro

professoras leigas alheias ao assunto sobre as distinções de religiões de matriz

africana e afro-brasileira. Explicando por diversas vezes que a professora em

questão é adepta da religião de Umbanda e não do culto aos Orixás(candomblé)

e que as mesmas são distintas apesar de terem semelhanças, pois possuem

matriz africana. Ao final de longas horas de conversa, divididas em três momentos

diferentes, o processo inquisitorial acabou com a sentença de que deveríamos

retirar o trabalho, ou seja, as mesmas não entenderam. Ou melhor, acreditamos

que o preconceito religioso foi tão bem construído ao longo dos séculos que a

argumentação não foi suficiente, na certeza estávamos fazendo e amplamente

amparado em leis, mantivemos o trabalho a contra gosto.

Depois do exposto, entendemos que falar de religiões de matriz africana é

um desafio numa sociedade ainda tão preconceituosa. Nesse sentido, precisa-se

fazer algo buscando descontruir a imagem pejorativa das religiões de matriz

africana.

Segundo Jesus(2008,p.133), “A sociedade brasileira como um todo e, em

particular a escola como lócus de vital importância na socialização de inter-

relações e do conhecimento que capacita meninos e meninas para dinâmica da

vida social em todas as instâncias, precisa se trabalhar a diversidade cultural e

humana dentro de uma radicalidade pedagógica que propicie um devenir onde

todos/as reconheçam-se e se respeitem mutua e incondicionalmente nas suas

etnopluralidades”. Usando as palavras de Maria Cecília:

“É necessário hoje discernir o arco-íris social com todas as suas cores e deixar de lado o daltonismo cultural. Perceber o outro com todas as suas características é entender que cada cor tem a sua especificidade, bem

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como sua beleza. Metaforicamente, esse colorido deve ser visto e compreendido também na educação – em suas concepções, métodos, estratégias e planejamentos – pois cada pessoa é única, com seu jeito de ser e viver e com sua essência” (GIOVANELLA,p.12).

1.1 O PRECONCEITO RELIGIOSO

Acreditamos que a colonização portuguesa católica se opôs

dicotomicamente às religiões de matriz africana, associando-as ao diabólico. Por

falta de conhecimento ou má fé, essas construções equivocadas e

demasiadamente tendenciosas geraram preconceitos e discriminações que vem

cotidianamente se reproduzindo no ambiente escolar. Segundo Liliana Porto, a

feitiçaria do Brasil foi identificada com pessoas negras e fortemente condenáveis,

processo desenvolvido pelo catolicismo, mas também, por outras religiões cristãs,

deslegitimando as religiões de matriz afro e associando-as à magia e/ou

vinculando-as ao demoníaco.

Entendemos que a escola e seus currículos disciplinares em grande parte

são representações daqueles e daquelas que as constroem e implementam nesse

sentido comungamos das reflexões de Costa(2005)

“Tomo representação como resultado de um processo de produção de significados pelos discursos, e não como um conteúdo que é espelho e reflexo de uma “realidade” anterior ao discurso que a nomeia” [...] Segundo essa concepção representações são noções que se estabelecem discursivamente, instituindo significados de acordo com critérios de validade e legitimidade estabelecidos segundo relações de poder.”(COSTA,2005,p.40-41)

Partindo do exposto, nos questionamos se as representações das religiões

de matriz africana, em especial a Umbanda disseminadas no senso comum na

comunidade escolar condizem com as representações que tem os adeptos dessa

mesma religião?

Estado e sociedade brasileira têm uma dívida imensa com os negros/as

pela a história de escravização, submissão, exploração e segregação a qual

esses foram submetidos, pois sua história e cultura foram alterados, distorcidos

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e/ou omitidos. Falar sobre religião de matriz africana é resgatar uma parcela da

contribuição cultural dessas etnias para formação do povo brasileiro.

1.2 RELEVÂNCIA ACADÊMICA

Acredita-se que a relevância acadêmica encontra-se na carência de

bibliografia dessa temática. Portanto, no vasto campo a ser explorado e preencher

uma pequena lacuna no que se concerne a história e cultura do povo brasileiro.

Ainda com relação às questões acadêmicas, percebe-se que a religiosidade afro-

brasileira é vista pela ótica de não adeptos. Nesse sentido, o presente trabalho

pretende buscar dar voz a esses e essas atores da história e da sociedade

brasileira, que são e estão alijados da cena social e de espaços públicos. Pois um

grupo muito grande de pessoas opta por se “esconder” ou “silenciar” suas crenças

e práticas religiosas, por medo do preconceito e julgamento que receberão.

Foram entrevistados membros da religião de Umbanda por meio de

questionário , pessoas com muitos anos de religião e pessoas recém ingressas ,

com variados cargos dentro da organização da Umbanda, além das visitações

realizadas nas casas de religião para acompanhar as sessões de trabalho,

chamado pelos adeptos de gira.

A escolha da temática se deu pela familiaridade e intensa curiosidade pelo

místico e cultural dos referidos personagens e também pela imensa lacuna pela

pouca exploração da científica. Como afirma Tadeu Lopes:

“A historiografia da arte, registra merecidamente, grande produção a cerca da produção visual religiosa católica do Brasil. No entanto, a visualidade que surge dos cultos das religiões afrodescendentes ainda registra um número pequeno de material textual dedicado exclusivamente ao tema (LOPES, 2010, p.10)

Ao iniciar a pesquisa sobre as entidades de Umbanda, as Pomba Giras,

detectamos uma grande dificuldade quanto ao referencial teórico, pois poucas são

as obras que se propõe a discutir tal assunto e as que encontramos na sua

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imensa maioria são dissertações extremamente pejorativas e que de certa

maneira acaba por comungar com o senso comum quase que endossando a

falácia de que exus são demônios e Pomba Giras prostitutas.

Foram publicadas várias produções acerca da prática e rituais do

Candomblé. Porém no que tange à religião de Umbanda, pouco ou muito pouco

foi publicado e quando levado ao academicismo identificamos traços que

negativam tal prática religiosa. Nesse sentido, percebemos uma imensa lacuna

que precisa ser preenchida acerca da Umbanda e de suas práticas sob o viés dos

adeptos da religião.

Acreditamos que seja necessário, no processo de desmistificação dessas

entidades, dar voz às pessoas que cotidianamente praticam essa religião. Coletei

diversas entrevistas com adeptos da Umbanda de vários seguimentos

profissionais, formação acadêmica, níveis de escolaridade e idades. O resultado

dessas falas pode ser visto ao longo da escrita. Nesse sentido, adianto que a fala

dos e das entrevistados/as vai na contramão de tudo que foi lido sobre suas

entidades e desconstruíram, com suas narrativas, estereótipos que consideramos

estar ainda arraigados na cultura do povo brasileiro.

O presente trabalho foi dividido em três capítulos, o primeiro discute sobre

o processo de demonização das religiões de matriz africana, o segundo aborda as

diferenças básicas entre o orixá Exu e as entidades de Umbandas (os exus) e por

último as Pomba Giras ou exus femininos são trazidos para discussão.

Parafraseando Negrão,(1994) nossas pesquisas têm demonstrado a

complexidade da Umbanda, nesse sentido, não se pretende esgotar um assunto

tão complexo e denso quanto esse. Por hora, gostaríamos de ponderar que a

Umbanda como outros cultos de matriz africana é pautada na tradição oral, dessa

maneira, o que concluí é a realidade das práticas e crenças religiosas de um

grupo de religiosos e religiosas e não pretende homogeneizar a crença

umbandista como única.

.

2 UMBANDA:PRECONCEITOS, FUNDAÇÃO E DOUTRINAÇÃO

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2.1 “ORIGENS” DA DEMONIZAÇÃO DAS RELIGIÕES AFRICANAS E AFRO-

BRASILEIRAS

O Estado brasileiro passa a ser laico4 a partir da primeira Constituição em

1891 e também em outras legislações preveem a liberdade de crença religiosa

aos cidadãos, além de proteção e respeito às manifestações religiosas. No artigo

5º inciso VI da Constituição Brasileira de 1988 está escrito:

“VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”

Porém, entendemos que essa afirmação é uma falácia, efetivamente, pois a

laicidade do Estado Nacional Brasileiro não se concretizou. Verificamos que o

Brasil ainda é extremamente religioso, sobretudo cristão católico, pois praças,

escolas, ruas e locais públicos possuem nomes de santos e santas católicos.

Ainda entramos em repartições públicas, hospitais, escolas e verificamos

elementos que remetem ao cristianismo. Na maioria das vezes, crucifixos

pendurados nas paredes de entrada. Além dos feriados nacionais e municipais

em homenagem a santos e santas católicas.

Liliana Porto(2014) reflete sobre o linear no que tange ao preconceito racial e

ao preconceito religioso. Os dois estariam dialogando e mais, o religioso deriva do

racial:

“A feitiçaria no Brasil foi identificada com os não brancos, principalmente com os negros, e fortemente condenada. Processo característico não apenas da expansão do catolicismo, mas de várias religiões dominantes, que tendem a construir a imagem das religiões dominadas como magia (deslegitimando-as) ou, no contexto cristão, vinculadas ao demônio (condenando-as moralmente)”. (PORTO, 2014, p.200)

4 LAICO: O que ou quem não pertence ou não está sujeito a uma religião.

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Nesse sentido, entendemos que o preconceito racial e o preconceito religioso

estão numa linha tênue.

“Á necessidade de enfrentar contextos de preconceito conjugados que caracterizam o senso comum brasileiro: preconceito racial, religioso, e o grande temor à feitiçaria que perpassa nossa sociedade, e que se relaciona tanto ao preconceito racial quanto religioso”. (PORTO, 2014, p.185)

Os adeptos de religiões de matriz africana (no caso dessa pesquisa da religião

de Umbanda) são constrangidos e levados pelo meio social a ocultar e até negar

sua religiosidade e, sobretudo, suas práticas ritualísticas. Analisando por esse

viés, percebemos que o Estado não é laico ou não está sendo laico. Como cita

Liliana Porto:

“Pois, apesar do discurso prevalente, no senso comum, do país como caldeirão cultural e marcado pela “democracia racial”, na prática, como se explicitará, a visão construída do negro e de sua religião os vincula a características não só desvalorizadas, mas também socialmente condenadas”. (PORTO, 2014, p.187)

Infelizmente, apesar da laicidade do Estado e dessa garantia

Constitucional, muitas são as pessoas que são agredidas simbolicamente,

verbalmente, moralmente e alguns casos até fisicamente.

Corajosamente os entrevistados nos autorizaram o uso seus nomes e de

suas palavras, porém para preservar a imagem dessas pessoas optamos por usar

a sigla P1, P2, P3, P4, P5, P6 E P7 na ordem de entrevistas concedidas.

Muitos optam por esconder sua religiosidade, pois para além do

preconceito em si, percebemos casos graves de violação de direito à liberdade

religiosa. Como relatou P- 3 5, publicitária adepta da religião há 29 anos, quando

indagada se revela sua religião ou nega e as motivações de sua atitude:

5 P3. Entrevista concedida à autora. Curitiba, 19 de maio de 2015.

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Sim, muitas vezes, já passei por situações bem complicadas. De 2010 à 2012, trabalhei como Coordenadora de Promoções em uma Emissora de Rádio em Curitiba, inclusive uma Emissora de grande porte e audiência (filiada a um Grupo de Rede de Televisão), gostaria de citá-la, porém não o farei para evitar possíveis transtornos, mas fui alvo de chacotas, preconceito e intolerância, na época eu usava o meu fio de conta (proteção do meu Orisa, uma espécie de colar) e os comentários maldosos e ignorantes pairavam no ambiente de trabalho. „Lá vem a macumbeira, lá vem a bruxa de satanás‟, tantos adjetivos repugnantes com pitadas de hipocrisia! Resumindo, saí da Empresa por motivos de assédio moral e hoje aguardo a decisão Judicial no Tribunal de Justiça, e pelo andamento do processo a Justiça está ao meu favor. Nos anos de 2013 e 2014 trabalhei em uma Emissora de TV como Produtora de Marketing e o Dono da Emissora faz parte da IURD. Ocorreram conflitos e os gerentes da mesma não admitiam pessoas da Religião do „Demônio e da Macumba‟. Desta forma eu já estava tão cansada deste tipo de pessoas, cansada de tanta ignorância, cansada de não ser valorizada pela minha postura ética, não ser valorizada pela minha competência e pelo o meu caráter, decidi fazer um acordo e sair da empresa com a cabeça erguida, pois o ambiente era tão pesado, tão sintético, tão medíocre que só estava me fazendo mal, e uma coisa eu digo: Para um médium o ambiente é tudo; e se faz mal, a solução é sair de imediato, não tem dinheiro que pague a sua paz interior. Ao contrário, quanto mais ficar próximo destas energias, mais tóxicos ficamos.[sic]

Questionar essa construção, preconceituosa arraigada no seio da

sociedade brasileira, não é tarefa fácil, pois essa construção depreciativa se inicia

nos primórdios da história das religiões. Hermann (1997) em “História das

Religiões e religiosidades” afirma que o contanto com o “outro” há muito

inaugurara uma sistemática hierarquização política e cultural, reforçado pelo

positivismo e evolucionista para a análise de sistemas religiosos diferentes e

heterodoxos. Ainda segundo P3.,

A energia é renovada é transformada, porque Exu é movimento, é caminho. Precisamos desmistificar as bobagens que ouvimos, Exu não é demônio, Exu não é o mal! A maldade esta dentro das pessoas, e quem busca fazer o mal é que deve repensar em seus atos, nos seus pensamentos e saber que a Lei é tríplice, você aponta os três dedos e volta três vezes mais forte do que foi lançado. O demônio foi criado pelo Cristianismo e as religiões das tribos da África são primitivas como a dos Dogons do Mali, ou seja, as religiões Afro no caso o Candomblé vem destas tradições antigas. E a Umbanda é uma religião que sintetiza elementos das religiões Africanas, do Catolicismo, Candomblé e o Espiritismo. [sic]

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Ainda segundo Jacqueline Hermann (1997), Durkheim adotava preceitos

evolucionistas do positivismo, assim como reafirmava o etnocentrismo sobre as

sociedades primitivas, sobre tudo sobre a suas práticas religiosas, apesar de

considerar suas expressões religiosas como religião e não mais apenas como

magia.

Ainda sobre essa ótica, Edgard Ferreira Neto em “História e Etnia” aborda

o pensamento cristão etnocêntrico medieval.

“A concepção cristã medieval sobre o dialogo da cristandade com outras culturas era essencialmente autocentrada: fundava-se numa suposta superioridade da religião cristã sobre todas as outras que existiam no mundo e, consequentemente, da sociedade cristã fruto de uma revelação religiosa, histórica sobre todas as demais” (FERREIRA NETO,1997, p.313)

Segundo Prandi (2001), a literatura cristã esforçou-se em apresentar os

adeptos de cultos afros como “feiticeiros sanguinários”, para justificar a ação

evangélica dos missionários. A demonização de cultos não cristãos, sobretudo os

de origem africana, foi fomentada em todo período colonial.

Compreendemos que o processo de demonização adotado pra descontruir

a legitimidade do islã enquanto religião também foi usada na depreciação das

religiões de matriz africana, sobre tudo a Umbanda. Segundo Liliana Porto(2014),

a feitiçaria do Brasil foi identificada com pessoas negras e fortemente

condenáveis, processo desenvolvido pelo catolicismo, mas também por outras

religiões cristãs, deslegitimando as religiões de matriz africana, associando-as a

magias ou vinculando-as ao demoníaco.

Os processos históricos de desconstrução das religiões africanas e afro-

brasileiras são processos que remetem ao período colonial e que até os dias de

hoje, com diferentes apresentações, estão presentes.

A prática de demonização dos indivíduos não cristãos era recorrente, tendo

em vista a crença que todos os que estavam fora dos limites da cristandade

deveriam ser criaturas monstruosas na linha da humanidade com a feridade.

Parafraseando Chain (2003), que nos diz que a medida em que a Igreja de

Roma impunha seus dogmas valores e sua interpretação de mundo aos países

católicos cresciam os temores de tudo e de todos aqueles que estivessem fora do

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21

contexto da catolicidade que, não nos esqueçamos, também ocorreu nos países

protestantes num contexto maior de cristandade europeia. “Reformados, judeus,

turcos e os diversos povos bárbaros6 que se espalham pelo continente europeu

eram vistos como a „mão do diabo‟ tramando contra fé em Cristo e a Verdade

emanada de Roma” (CHAIN, p.121).

“Apesar das permanentes rotas de peregrinação e contatos comerciais diversos, durante a Idade Média, os muçulmanos geralmente eram representados como “monstros diabólicos, fisicamente disformes”, mesmo porque tanto ou mais importantes do que Jerusalém real, a Jerusalém Celeste, mística interior se impunha como elemento sacralizador da cristandade. Na luta contra o islã, ou contra os gentios, infiéis e pagãos em geral, pela defesa da fé revelada, os limites da cristandade eram também entendidos como os limites do humano”. (FERREIRA NETO, 1997, p.314)

2.2 O NEOPENTACOLISMO E A “GUERRA SANTA”

Já na segunda metade do século XX, um novo movimento buscando

depreciar o culto religioso africano em especial as entidades da Umbanda.

Religiões neopentencostais, em especial, a Igreja Universal do Reino de Deus

(IURD), buscaram em suas doutrinas reiterar o demonização. “Evidenciamos essa

pratica nas palavras de P3.:

No ano de 2013 e 2014 trabalhei em uma Emissora de TV como Produtora de Marketing e o Dono da Emissora faz parte da IURD. Ocorreram conflitos e os gerentes da mesma não admitiam pessoas da Religião do „Demônio e da Macumba.

Porto faz uma reflexão sobre essa nova prática de demonização da religião

do outro:

“Citamos como exemplo relevante da dinâmica contemporânea a

propagação das denominações evangélicas – com destaque para as

neopentecostais e a demonização explícita das religiões afro-brasileiras

realizada por algumas delas –, que altera o quadro religioso atual de forma

6 A palavra “bárbaros” deriva do romano “barbaroi” = estrangeiro, e designava qualquer um que

não compartilhasse da cultura e da língua romanas.

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muito particular, estimulando o recrudescimento da intolerância religiosa”.

(PORTO,2014, p189)

Ainda citando Porto, a mesma afirma que a IURD promove contra a

Umbanda uma verdadeira “guerra santa”, na qual as suas práticas reforçam e

reintegram o preconceito racial. Por outro lado, reconhece suas práticas

ritualísticas como sendo eficazes e absorve e reconstrói crenças incialmente

umbandistas, se utilizando das crenças da Umbanda no seu culto religioso.

“Como o universo afro-brasileiro é fundamental na constituição da IURD – que importa (embora invertendo) vários símbolos e seu calendário ritual (principalmente da umbanda), bem como os reitera e reconhece sua eficácia”. (PORTO, 2014, p187)

Identificamos e poderíamos aplicar nesse contexto o conceito de

circularidade cultural de Ginzburg (1987), que afirma que:

“Circularidade: Entre culturas das classes dominantes e a das classes subalternas existiu, na Europa pré-industrial, um relacionamento circular feito de influencias reciprocas, que se movia de baixo para cima, bem como de cima para baixo (exatamente o oposto, portanto, do “conceito da absoluta autonomia e continuidade da cultura camponesa” (GINZRBURG,1987,p.12).

Negrão (1996), também elenca essa circularidade cultural entre cultos afros

e cultos de europeus.

“Ao mesmo tempo em que o europeu e seus descendentes adotavam elementos dos cultos negros em seus rituais, o inverso também se dava, com a incorporação de crenças e práticas mágicas de extração europeia em seu universo mágico religioso”. (NEGRÂO,1996, p.78)

Para Ferreira Neto (1997), no que tange às questões étnicas raciais e no

ensejo às religiosas, os processos são permanentes e ininterruptos de contatos,

que se pode afirmar que nenhuma cultura existe em estado isolado.

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23

A autora Jacqueline Hermann (1997), nos relembra que as diversas etnias

africanas que chegaram ao Brasil não só fundiram-se em diferentes combinações

afro católicas, como terminaram de fomentar um outro sincretismo - o das

próprias religiões africanas que aqui se encontraram.

“Ao ampliar a leitura mais recorrente da “influencia” externa”, considera-se que não só os europeus construíram suas imagens sobre a América a partir de seus próprios referenciais como acabaram incorporando irreversivelmente elementos específicos das culturas que subjugam, ou procuraram subjugar”. (HERMANN,1997, p.351)

Baseando-se no conceito de circularidade de Carlo Ginzburg, e nas

afirmações de Neto e Hermann, podemos perceber essa miscigenação étnica

cultural e também religiosa na composição do povo e da religiosidade do povo

brasileiro. Nesse sentido, identificamos o sincretismo e como resultados desses

sincretismos religiosidade afro-brasileiras amalgamadas e em alguns sentidos

com seus paradigmas alterados. Afirmação feita por Tadeu Lopes:

“No Brasil, o processo sincrético entre as religiosidades negras e o catolicismo não se deu sem que as místicas advindas do continente africano sofressem mudanças marcantes. Assim sendo, por exemplo, a dicotomia entre o bem e o mal presente no cristianismo, se fez sentir no universo dual complementar das deidades africanas. A influencia da religião hegemônica se fez sentir na polarização bem e mal, que passa a fazer parte da mística dos orixás”, que até então não conheciam oposição tão marcada entre esses campos”. (LOPES,2012, p.16)

Nesse sentido, o caráter negativo (alguns diriam diabólico) do culto aos

orixás foi um arquétipo “imposto” e/ou absorvido da cultura cristã, pois na sua

essência religiosa essa dicotomia entre bem e mal não faz parte do âmago desse

culto religioso.

Todas essas construções forjadas no imaginário brasileiro têm alimentado

estereótipos, estigmas e preconceitos que têm atingido uma gama da sociedade

curitibana bem como brasileira. Como afirma Jesus (2008)

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“O recrudescimento da intolerância religiosa que grassa no pais e que agridem frontalmente as comunidades de religiões de matrizes africanas e seus vivenciadores/as, indissociavelmente tem perpetrado verdadeiros crimes que atentam contra a liberdade religiosa e a dignidade humana”. (JESUS, 2008, p.132)

Segundo Negrão (1996), os estigmas sociais contra o negro permanecem e

também a sua religião. As renovadas acusações mais do que seculares de que

foram vítimas culminaram com a atitudes do mesmo tempo hostilidade e de medo

que até hoje permanecem.

“Um exemplar desse caso é o vocábulo macumba: de termo genérico para todas as religiões brasileiras de origem negra, ou então de nominativo de uma delas em especial, a de origem banto, desenvolvida no sudeste do país, especialmente em S.P. e R.J. a partir de fins do século XX passa a ser vista depreciativamente como sinônimo de superstição de negro, como magia negra que se despreza e se teme a um só tempo”. (NEGRÂO,1996, p.79).

2.3 PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO E FUNDAÇÃO

A apostila de estudos de Umbanda distribuída em uma das casas de

religião visitadas traz um breve histórico da fundação da Umbanda. No ano de

1908, no dia 15 de novembro, Zélio Fernandino de Moraes, um jovem com 17

anos de idade, que se preparava para ingressar na carreira militar da Marinha,

começou a sofrer estranhos “ataques”. Sua família, conhecida e tradicional na

cidade de Neves, estado do Rio Janeiro, foi pega de surpresa pelos

acontecimentos. Esses tais ataques era caracterizados por posturas de um velho,

falando coisas sem sentido e desconexas como se fosse alguém que viveu em

outra época.

O jovem Zélio foi levado ao médico, porém lhe foi recomendado ser

examinado por um padre, pois a loucura do rapaz não se enquadrava em nada

que ele conhecesse. Alguém sugeriu que fosse levado ao espiritismo. Assim foi

feito, e o jovem participou no culto. Acometido por uma força alheia a sua vontade

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e contrariando as normas que impediam o afastamento de qualquer dos

componentes da mesa, Zélio levantando-se falou “Aqui está faltando uma flor”.

Saiu da sala e voltou com uma flor e colocou na mesa. O dirigente, achando tudo

muito estranho, convidou-os a se retirar alegando que eram espíritos atrasados.

Após o incidente, o jovem novamente foi acometido e em transe falou “–

Porque repelem a presença desses espíritos, se nem sequer se dignam a ouvir

suas mensagens. Será por causa de suas origens e da cor?”

O diálogo se seguiu e um médium vidente perguntou ao espírito

manifestado no jovem Zélio

“- Por que o irmão fala nestes termos, pretendendo que a direção aceite a manifestação de espíritos que, pelo grau de cultura que tiveram, quando encarnados, são claramente atrasados? Porque fala deste modo, se estou vendo que me dirijo neste momento a um jesuíta e a sua veste branca reflete uma aura de luz? E qual seu nome irmão?”

O diálogo continuou e os presentes se espantavam com a conversa.

“- Se querem um nome, que seja este: sou Caboclo das Sete Encruzilhadas. O que vê em mim, são restos de uma existência anterior. Fui padre e o meu nome era Gabriel Malagrida. Acusado de bruxaria, fui sacrificado na fogueira da Inquisição em Lisboa, no ano de 1761, mas em minha última existência física, Deus concedeu-me o privilégio de nascer como caboclo brasileiro.”

Esse espírito anunciou a fundação de uma nova religião, na qual esses

espíritos, que os kardecistas julgavam atrasados (pretos e índios), cumprissem

sua missão que o Plano espiritual de Deus havia destinado. Essa religião seria

dos humildes para os humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entres

todos os irmão encarnados e desencarnados.

Por fim, o Caboclo das Sete Encruzilhadas ainda disse:

“_ Deus, em sua infinita bondade, estabeleceu, na morte, o grande nivelador universal, rico ou pobre, poderoso ou humilde, todos se tornariam iguais na morte, mas vocês, homens preconceituosos, não

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contentes em estabelecer diferenças entre os vivos, procuram levar essas mesmas diferenças até mesmo além da barreira da morte. Porque não podem nos visitar esses humildes trabalhadores do espaço, se apesar de não haverem socialmente Importantes na Terra, também trazem Importantes mensagens do além?”

No dia, seguinte, na casa de Zélio, novamente se manifestou o espírito que

se apresentou como índio e, aos olhares de vários membros da Federação

Espírita e parentes e uma multidão de desconhecidos que aparecera por lá, criou,

portanto, a Umbanda, dando suas diretrizes.

Algumas delas seguidas, até hoje, nos terreiros: as sessões começariam

às 20h e terminariam às 22h, os irmãos estariam vestidos de branco e o

atendimento seria gratuito. Naquele dia, mais entidades se manifestaram em

Zélio, como Pai Antônio, um preto velho, e deram início aos trabalhos espirituais

na terra.7

2.4 UMBANDA: BREVES CONSIDERAÇÕES

A Umbanda é uma religião relativamente nova: possui pouco mais de um

século. A etimologia da palavra umbanda pode ter algumas origens e significados

diferentes de acordo com o entendimento de cada casa de religião, podendo

variar inclusive entre membros do mesmo templo. Verificamos duas respostas

recorrentes, pois existe mais de uma explicação para a origem da

palavra umbanda. Uma delas é que umbanda significaria “arte de curar” no

idioma quimbundo de Angola. E a outra seria a junção de duas palavras do

sânscrito: Aum e Bandha, representando a conexão entre o plano terreno e o

plano divino.

7 O breve histórico de fundação da Umbanda foi retirado da apostila distribuída aos membros da

religião, elaborada pelo Pai de Santo SADI T‟OSUN. “Apostila Umbanda em nossa casa”. Ylè d‟Ósun. Centro Espirita Ogum Marinheiro.

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Precisamos elencar e frisar o seu caráter de uma religião professada e

transmitida essencialmente pela oralidade. Por esse motivo, o que concluímos é

que os discursos podem não ser hegemônicos, como provavelmente não seriam

mesmo que houvesse um livro sagrado único a ser seguido .

Podemos dizer que a Umbanda é uma religião tipicamente brasileira no

que tange às questões de miscigenação cultural, pois tem vários pilares e várias

vertentes dentro da própria religião sobre as quais não entraremos no mérito aqui.

Acreditamos ter ainda um vasto campo a ser explorado: falar sobre as várias

umbandas e suas distinções de rito de culto podem ser caminhos a ser trilhados

por outros pesquisadores.

A Umbanda sofreu influência de três principais religiões: Catolicismo,

Kardecismo e pajelanças indígenas, apesar de estar em constante processo de

alterações e sempre ter espaço pra mais culturas e formas de entender o universo

do sagrado. Lopes (2010) afirma que é “fruto de vários sistemas religiosos de

procedências diversas, catolicismo popular, Kardecismo, ritos bantos de

ancestralidade, religião ioruba dos orixás, catimbó jurema etc.”

A Umbanda possui um vasto panteão de entidades e seres que são

cultuados, como afirma Liliana Porto. “O Panteão umbandista representa o

contexto brasileiro, caboclos, pretos velhos, crianças, marinheiros, ciganos,

boiadeiros, cangaceiros, baianos, pomba giras e exus.” (PORTO, 2014, p.222)

Na Umbanda, o traço Kardecista é identificado na prática da mediunidade8.

Deixamos claro que a mediunidade kardecista é difere da umbandista, porem não

iremos entrar no mérito. Cada médium incorpora todos os grupos de espíritos. Por

exemplo uma médium incorpora prestos velhos, caboclos, crianças etc.

Percebemos a presença do culto aos Orixás nas imagens e na louvação a

essas divindades, as características de pajelança com uso de ervas medicinal e

práticas relacionadas aos indígenas e também o cristianismo/catolicismo, pois se

remetem a santos e santas católicas, usam orações cristãs e assim também se

nominam seguidores de Cristo. Lídia Maria afirma que:

8 Mediunidade é a faculdade humana pela qual se estabelecem as relações entre homens e

espíritos.

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“Na Umbanda, assim como no Kardecismo, também se acredita que os seres humanos estão em constante evolução. Portanto, o exercício da caridade auxilia no desenvolvimento moral, espiritual e material. Assim, nesse sistema de crença, no exercício de doação é possível “expiar” as faltas do presente e do passado. Observa-se ainda que a prática da caridade encontra respaldo nas doutrinas de Kardec, mas também no amor ao próximo, que é o maior mandamento cristão, o que reforça o caráter sincrético da religião (LIMA, 2012 p. 32-33)

Acreditam em Deus supremo criador do céu da terra, e as demais

entidades são respeitadas, porém está abaixo do supremo senhor, portanto são

monoteístas. Para Rubens Saraceni (2011)

“Deus Olorum, o nosso divino criador, foi e é sempre será a origem de tudo o que existe e de todos os seres, criaturas e espécies, porque ele está na origem de tudo e de todos. Inclusive dos sagrados Orixás tanto se originam n‟ele como são ele manifestado como mistérios, poderes, divindades e estados da criação” (SARACENI, 2011, p.17)

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29

3 EXU

3.1 EXU NO CANDOMBLÉ

Sabemos que ao longo da História, milhares de negros e negros africanos

foram trazidos compulsoriamente ao Brasil, retirados de diversas regiões da África

e colocados na condição de escravizados. Vários grupos étnicos chegaram aqui e

junto com seu corpo físico trouxeram sua cultura, idioma religiosidade etc.

Entretanto, não foram passivos nesse processo, resistiram na tentativa de

retificação de condição de escravizados. Nesse contexto, a religiosidade de um

grupo étnico específico, os Iorubas9, originário do território onde hoje se encontra

a Nigéria, foi de fundamental importância na resistência a imposição europeia do

cristianismo.

Quando chegavam ao Brasil, traziam junto sua cultura e também sua

religião: no caso dos iorubas, o culto aos Orixás. Segundo Liliana Porto “Os orixás

são divindades que representam forças naturais personificadas, como

características e estruturas de personalidades específicas. Os Orixás podem ser

masculinos e femininos.” (PORTO, 2014. p.27)

Impedidos de cultuar sua religiosidade os negros e negras precisaram

adotar um mecanismo de resistência que hoje conhecemos como sincretismo.

“O sincretismo afro-brasileiro foi uma estratégia de sobrevivência e de adaptação, que os africanos trouxeram para o novo mundo. No continente africano, nos contamos pacíficos os hostis com povos vizinhos, era comum a prática de adotar divindades entre conquistados e conquistadores”. (FERRETI, 1999, p.120).

9 Para Verge, O termo” yorùbá “, escreve S. O. Biobaku “aplica-se a um grupo linguístico de vários

milhões de indivíduos.” Ele acrescenta que “além da linguagem comum, os yorùbá estão unidos por uma mesma cultura e tradições de sua origem comum, na cidade de Ifé”.

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Assim, associaram orixás a santos e santas católicos, provavelmente para

que dessa maneira pudessem continuar cultuando suas divindades sem serem

punidos por isso como também afirmou Liliana Porto.

“Na constituição das religiões citadas [...] uma estratégia simultânea de manutenção de elementos de suas culturas de origem , adaptação a um novo contexto(de opressão e resistência a ele o que levou, inclusive a identificações com elementos católicos como mecanismos de inviabilização para os colonizadores, das crenças e garantia de possibilidade de suas celebrações por outro lado eles também se integraram ao catolicismo de uma maneira particular, alterando a configuração do próprio catolicismo brasileiro”. PORTO,2014, p.211).

A figura de Exu é cultuada no candomblé com origens africanas e também

na Umbanda de matriz afro-brasileira. Essa divindade é reverenciada nos dois

cultos, entretanto com status diferentes em cada uma delas:

Aos olhos dos candomblecistas Exu é um Orixá e segundo Pierre

Verger(2002):

“O orixá é uma força pura, àse imaterial que só se torna perceptível aos seres humanos incorporando-se em um deles. Esse ser escolhido pelo orixá, um de seus descendentes, é chamado seu elégùn, aquele que tem o, privilégio de ser “montado”, gùn, por ele. Torna-se o veículo que permite ao orixá voltar aterra para saudar e receber as provas de respeito de seus descendentes que o evocaram. O orixá seria, em princípio, um ancestral divinizado, que, em vida, estabelecera vínculos que lhe garantiam um controle sobre certas forças da natureza, como o travão, o vento, as águas doces ou salgadas, ou, então, assegurando-lhe a possibilidade de exercer certas atividades como a caça, o trabalho com metais ou, ainda, adquirindo o conhecimento das propriedades das plantas e de sua utilização o poder, à__, do ancestral-orixá teria, após a sua morte, a faculdade de encarnar-se momentaneamente em um de seus descendentes durante fenômeno de possessão por ele provocada. O orixá é uma força pura, àse imaterial que só se torna perceptível aos seres humanos incorporando-se em um deles. Esse ser escolhido pelo orixá, um de seus descendentes, é chamado seu elégùn, aquele que tem o, privilégio de ser “montado”, gùn, por ele. Torna-se o veículo que permite ao orixá voltar a terra para saudar e receber as provas de respeito de seus descendentes que o evocaram.” (VERGER,2002, p.09,10)

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Exu, no Candomblé, faz as vezes de mensageiro, fazendo a ligação entre

os humanos e os Orixás. Por isso ele é o primeiro a ser reverenciado nos ritos,

pois abriria o caminho o elo entre as angústias humanas e o sagrado dos Orixás.

Amparamo-nos nas reflexões e conceitos de Pierre Verger, especialmente

acerca do Orixá Exu: para ele, Exu é o Orixá guardião, sendo ele guardião dos

templos, das casas, das cidades e das pessoas, sendo também um intermediário

entre os homens e os orixás. Segundo Verger (2002, p.39) “Exu é um Orixá de

múltiplos e contraditórios aspectos, o que torna difícil defini-lo de maneira

coerente”. Essa afirmação de Verger sobre Orixá Exu também compreendemos

ser aplicável às entidades de Exu na Umbanda.

Nesse sentido, devido esse caráter astucioso, vaidoso, indecente e

grosseiro, os primeiros missionários, assustados compararam–no ao diabo e em

tudo que faz oposição ao bem e ao amor a Deus. Exu, como os demais orixás,

não é bom nem mau, possui qualidades que a sociedade cristã interpreta como

ruins. Nesse sentido afirma Verger que

“Exu possui o seu lado bom e, se ele é tratado com consideração, reage favoravelmente, mostrando-se serviçal e prestativo. Se, pelo contrário, as pessoas se esquecerem de lhe oferecerem sacrifícios e oferendas, podem esperar todas as catástrofes Exu revela-se, talvez, dessa maneira o mais humano dos orixás, nem completamente mau, nem completamente bom. Ele tem as qualidades dos seus defeitos, pois é dinâmico e jovial, constituindo-se, assim, um orixá protetor, havendo mesmo pessoas na África que usam orgulhosamente nomes como Èùbíyìí (concebido por

Exu), ou (Exu merece ser adorado)”.(VERGER, 2002, p.39)

Acreditamos que o erro está em tentar compreender a religião do outro

com os olhos da nossa. Ou seja, cristãos precisam se despir de suas crenças

religiosas se de fato querem compreender religiões de base não cristã e que

tenham base na matriz africana, caso contrário a visão maniqueísta e dicotômica

de religião que os mesmos possam ter não se enquadra na correta interpretação

de uma religião que não é baseada nessa dicotomia bem x mal.

Essas representações permanecem no imaginário popular. Entretanto,

percebemos um movimento no sentido de negação dessa imagem de exu por

parte dos filhos de axé, como são chamados os adeptos das religiões de

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Candomblé e Umbanda ganha força e voz. A fala do povo de axé vai no sentido

de afirmar que Exu é o mensageiro do mundo terreno, ou seja, da terra (aye) com

o mundo dos orixás ou do divino (Olorum), ou também pode ser compreendido

como guardião, que cuida dos lugares e das pessoas. Como relatou P2.10 que é

professora, Yalorixá11 e Yabassé12 adepta da Umbanda há 36 anos e adepta do

candomblé há 18 anos, “Exu, no candomblé é orixá que esteve presente no

momento da criação da terra; ele é o mensageiro entre os homens e os orixás, é

o orixá do movimento, dos caminhos juntamente com Ogum” e também afirmou

P3.

O Esu do Candomblé que inclusive a grafia é diferente, escreve conforme a tradição na África ( Yorubá), Não é uma Entidade, ele não é Espírito desencarnado, Ele é um Orisa - Uma Divindade do Candomblé, os médiuns não incorporam e sim entram em transe do Orisa, O Esu Orisa é um dos Deuses Africanos que representa o inicio de tudo, Esu é movimento, é o Senhor dos Caminhos.[sic]

Na África, Exu é representado como “montículo de terra em forma de

homem acocorado, ornado com um falo de tamanho respeitável” (VERGE, 2002).

Esse detalhe deu motivo a observações escandalizadas, ou divertidas, de

numerosos viajantes antigos e fizeram-no passar, erradamente, pelo deus da

fornicação. “Esse falo ereto nada mais é do que a afirmação de seu caráter

truculento, atrevido e sem-vergonha e de seu desejo de chocar o decoro”.

(VERGER, 2002, p.41)

10

P2. Entrevista concedida a autora. Curitiba 17 de maio de 2015.

11 Yalorixá: É uma sacerdotisa e chefe de um terreiro de Candomblé Ketu, popularmente

denominada mãe de santo. Iá na língua iorubá significa mãe.

12 Yabassé: É o cargo feminino no Candomblé, mas que hoje já é determinado em alguns terreiros

de Umbanda. É aquela que cuida, separa ingredientes e executa a comida do Santo(Orixás).

Chamada a cozinheira do Axé, é dela a obrigação de ver aquilo que o Santo mais gosta e executar

os trabalhos de cozinha.

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33

Figura 1. Fotografia da Representação de Èsù em África. Imagem do Livro: Orixás, autor, Pierre

Verger.

Ainda, segundo Verger o sincretismo, no Brasil, o orixá Exu foi sincretizado

como diabo, entretanto, acreditamos como alguns apontamentos que o falo está

intimamente ligado a questão da fertilidade masculina na reprodução e

manutenção da espécie humana.

3.2 EXU NA UMBANDA

Lopes (2010), afirma que na Umbanda, “Exu não é mais o orixá mediador,

energia existente em tudo e em todos, mas sim espíritos de homens e mulheres”.

(LOPES,2010, p.25)

Encontramos afirmação parecida no jornal Povo de Axé “Para ser Exu tem

que ser evoluído dentro dessa condição. Exus e pomba giras são espíritos que já

estiveram encarnados e que, em vida, colecionaram dívidas com suas condutas”

(2013, p.6). Fala divergente do que escutamos no senso comum onde esses

espíritos são ditos como de baixo nível evolutivo e comparado ou tidos como

demônios. Afirmação feita também em entrevistas dadas por adeptas da religião.

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P3 “Os Exus da Umbanda são espíritos/entidades de luz em níveis de desenvolvimento, são os espíritos mais próximos no grau de evolução de nós encarnados.” e P2. “Exus dentro da umbanda são entidades seculares que já existiram na terra e hoje estão atuando na lei de umbanda”.[sic]

Outra característica que distingue as duas religiões é que no candomblé

apenas um orixá é “incorporado”, já na umbanda um único adepto pode incorporar

vários tipos de entidades, como Exus, ciganos, caboclos, pretos velhos crianças

etc.

“O entendimento sobre Exu como guardiões benéficos da Umbanda também pode ser verificada de umbandistas dos mais diversos terreiros. Todos os adeptos da religião com que mantive contato ao longo da realização desta pesquisa reafirmaram que os exus e as pombojiras não são de forma nenhuma demônios, mas espíritos em processo evolutivo, que tem como principal função proteger os encarnados da violência seja ela física ou espiritual”. (LOPES, 2010, p.31)

Para o adeptos da Umbanda, os Exus são entidades de luz, que trabalham

em direção à caridade, na tentativa de ajudar os adeptos e também os

consulentes (aqueles que frequentam, porém não fazem parte da religião).

Segundo Tadeu Lopes:

“Na Umbanda, de forma não muito diferente do catolicismo e do Kardecismo, professa a caridade como caminho da redenção e, portanto, não aceita pedidos que ferem a máxima cristã de “amar o próximo como a si mesmo”. (LOPES, 2012,p.26).

Verificamos essa mesma afirmação no discurso dos entrevistados e das

entrevistadas, P3. “São Entidades/Espíritos de Luz que buscam evolução com os

encarnados, incorporam nos médiuns nos terreiros, são Entidades que trabalham

com o intuito de evoluir e ajudar as pessoas que necessitem.” Discurso

endossado nos cantigas feitos durante as sessões, ou pontos cantados13 como

chamam os adeptos:

13

Pontos cantados. São o conjunto de músicas próprias utilizadas em rituais umbandistas e também candomblecistas. Servem para os mais diversos fins, como por exemplo, receber uma visita, homenagear uma entidade etc. Os pontos cantados na Umbanda são as prece e as

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35

“Alaroê exú, a Mojibá

Melhor do que Tranca rua das almas na há (bis)

De capa e cartola

Caminha na madrugada

Andarilho da estrada

sempre combatendo o mal

Seu Tranca Rua é amigo camarada

Dando forte gargalhada

Me livra de todo mal

Alaroê exú, a Mojubá

Melhor que Tranca Rua das almas não há (bis)

Sete marafos coloquei na encruzilhada

Sete velas e charutos

Também Levei um Padê

Há meia noite chamei pelo seu Tranca ruas

Ouvi forte gargalhada ele veio me vale

Alaroê exú, a Mojubá

Melhor que Tranca Rua das almas não há (bis)

Faço um pedido

no meio da encruzilhada

A Tranca Rua das almas

Antes do galo cantar

Se o galo canta

É sinal que tá na hora

firma gira meu Ogã

Que tranca rua vai embora

Alaroê exú, a Mojubá

Melhor que Tranca Rua das almas não há” (bis)14

Afirmação encontrada também nas palavras de Josemeri B.

invocação das falanges, chamando-as ao convívio das suas reuniões que, no momento, se iniciam ou se finalizam.

14 Pontos cantados. São o conjunto de músicas próprias utilizadas em rituais umbandistas. Servem

para os mais diversos fins, como por exemplo, receber uma visita, homenagear uma entidade etc.

Os pontos cantados na Umbanda são as prece e as invocação das falanges, chamando-as ao

convívio das suas reuniões que, no momento, se iniciam ou se finalizam.

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36

“Exus dentro da umbanda são entidades seculares que já existiram na terra e hoje estão atuando na lei de umbanda para resgate de dívidas passadas. Por serem entidades seculares, eles entendem bem os dramas humanos compreendendo suas queixas dando conselhos ensinando simpatias tirando espíritos perturbadores (que são confundidos erroneamente com Exus)”.

P115, que é adepto da religião de Umbanda, cabeleireiro e foi iniciado na

Argentina há 20 anos e hoje pratica a religião em Curitiba, afirma que

“Se tiver que falar dos poderes de Exu poderia falar de muitos, mas uns dos principais poderes de Exu acredito que seja o poder que eles tem em ajudar as ´pessoas e aos seus médiuns na evolução espiritual através de seus diversos trabalhos e conselhos espirituais que eles realizam nas giras”

Evidenciamos essa afirmação em muitos pontos cantados nos terreiros,

que visitamos, em que Exu guarda seus filhos, como são chamados os seus

protegidos, que devem acreditar, pois eles só fazem o bem, guardam seus

consulentes como são chamados aqueles e aquelas que procuraram ajuda

espiritual dessas entidades.

“Eu entrei lá na calunga

Eu entrei lá na calunga

E parei lá no cruzeiro

Veio um vento forte

Que levantou poeira

Zuá, Zuô, Zuá, Zueira

Aquele vento era Exu Caveira (bis)

Marimbondo pequenino

Não tem medo de ninguém

Ele é Exú Caveira

E só trabalha para o bem

Se você não acredita

É melhor acreditar

Ele é Exú Caveira

Aqui em qualquer lugar

15

P1 . Entrevista concedida à autora. Curitiba, 21 de abril de 2015.

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37

Zuá, Zuô, Zuá, Zueira

Aquele vento era Exu Caveira (bis)

Vento forte,vento fraco

Na calunga tem poder

Esta poeira é do caveira

Ele vem nos defender (bis)

Zuá, Zuô, Zuá, Zueira

Aquele vento era Exu Caveira” (bis)

Exu ajuda, mas a pessoa tem que ter o merecimento para que isso

aconteça. Segundo o entrevistado P1

“O poder de Exu é de mensageiro levar os pedidos dos homens a Osalá.” [sic]

Exus são espíritos de homens e mulheres que em vida cometeram suas

faltas, ou seja pecados e que pela lei da Umbanda que são baseadas da lei do

carma do Kardecismo, precisam resgatar suas dívidas espirituais. Mais uma

cantiga de Umbanda demonstra isso:

“No alto daquele morro,

Tem um Exu que é de Lei, de Lei

(bis)

Mas ele é Exu Montanha

Trabalha na Umbanda, praticando o bem

(bis)”

As entrevistas dos adeptos da Umbanda convergem no sentido de

demonstrarem um imenso respeito e fé nessas entidades, como afirma P3 .:

“Falando em específico dos Exus, são entidades maravilhosas e que tenho muito orgulho de carregá-los me protegem e me auxiliam muito na busca dos meus objetivos, me amparam nas dificuldades e acima de tudo ajudam os que precisam, no caso os consulentes. Tanto o Sr Tata Caveira como a Dona Rosa Caveira trabalham na linha da Calunga/ do

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38

Cemitério e a principal missão é trabalhar na linha da cura espiritual, no combate de doenças físicas, psíquicas e conflitos espirituais.”

Pontuam que Exus tiveram erros terrenos sim, cometerem suas faltas e

pecados. Porém, esses erros são minimizados diante da condição de Exus,

porque lhe foi concedido o direito de se redimirem e de evoluírem espiritualmente.

“Segundo os adeptos da Umbanda, tais espíritos denominados agora como Exu podem ter pertencido desde os mais altos círculos sociais a mais baixa marginalidade, mas todos tem em comum uma história de vida em que, enquanto estavam encarnados, a moral cristã de alguma forma foi ferida por seu comportamento. Segundo suas lendas, muitos foram militares padres, luxuriosos, malandros, feitores capitães do mato. Como forma de resgate Karmico, dos males realizados em vida, essa pessoas depois de mortas, se dispõem ao auxiliar, os viventes de formas variadas.” (LOPES,2012, p.26)

Sendo eles reconhecidos por sua função principal, a guarda, pois guardam

seus filhos e filhas (adeptos da religião), seus lares seus bens, mas também

protegem os consulentes aqueles e aquelas que vão buscar auxilio espiritual.

“Exus são reconhecidos dentro do culto como os grandes guardiões dos lares e das frequentadores de terreiro, protegendo-os de espíritos trevosos, de trabalhos de magia e de todo tipo de violência, papel que os umbandistas acreditam que essas entidades cumpre com maestria”. (LOPES, 2012, p.29)

Para Pierre Verger, “Exu faz o erro virar acerto e o acerto virar erro”

(VERGE, 2002, p.41), acreditamos que essa ideia converge com a de Rubens

Saraceni:

“Exus mirins são espíritos manifestantes de um poder maravilhoso no positivo e um poder temível no negativo, atuam na linha da evolução não atua como acelerador de quem faz mal uso de seus conhecimentos , fazendo o espirito regredir” (Exu Mirin, 2013)

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Saraceni (2003) afirma que Exu tem a função de ajudar as pessoas na

evolução espiritual, sustentando um dos mistérios da criação, dando bom uso as

faculdades mentais e espirituais dos médiuns.

Entendemos que a Umbanda é uma religião viva e com vida que se

movimenta se modifica se reinventa. Percebemos na literatura dos últimos anos

um imenso esforço de desmistificar e de reconstruir a imagem da religião, na

busca do combate da dicotomia que a mesma foi envolta pelo processo histórico

social e religioso que afirma por vias do catolicismo e recentemente pelo

neopentecostalismo que as manifestações religiosas da Umbanda são bruxarias,

magia negra etc. Percebemos que alguns autores, como Robson Pinheiro(2015),

Rubens Saraceni(2003), Alexandre Cumino(2010) entre outros estão buscando

essa direção de construir uma nova imagem desses seres na Umbanda.

Os Exus possuem uma maneira divertida quando são chamados nos

terreiros, chegam rindo, cantam, dançam mas também parecem firmes. Vestem-

se em grande parte como calça e camisas usam capas alguns com capuz outros

usam chapéus outros ainda usam cartolas, podendo variar de acordo com o gosto

de cada entidade. Como podemos verificar nas duas imagens coletadas em

visitas aos templos religiosos:

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40

Figura 2. P1. Incorporado com Sr. Exu Tiriri Lanã. Arquivo pessoal.

Figura 3. P1. Incorporado com Sr. Exu Tiriri Lanã. Arquivo pessoal.

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41

Figura 4. P5. Incorporada com Sr. Exu Tranca Ruas da Almas.

3.3 DEMANDA OU LEI DA AÇÃO OU REAÇÃO?

Para os umbandistas entrevistados, Exu é executor da lei de Deus, essa lei

também é conhecida como ação e reação. Nesse sentido, Exu pode apresentar-

se como mau com os indivíduos maldosos que agem de má fé e que são

perversos, como se fosse um carrasco, pois segundo os adeptos, os pontos

cantados trazem muito conhecimento, mas são interpretados de maneira errônea.

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Analisando o ponto cantado de Exu da Sete Encruzilhadas, podemos ter

interpretações dúbias, porém afirmam os adeptos que malvado não é Exu e sim

as pessoas ou espíritos desencarnados de má fé e que Exu vem pra vigiar suas

condutas. Assim como ponto cantado a todos os Exus que também traz uma

reflexão nas entrelinhas sobre seu trabalho de cuidar e averiguar as condutas

humanas e prestar contas das mesmas a Deus supremo, que diz “[...]toma conta

e presta contas[...]”

“Era meia noite

Quando o malvado chegou

Corre gira, corre gira

Vai chegar a madrugada

Salve exu, salve exu

Das Sete Encruzilhadas”

Alguns umbandistas se referiram a Exu como se os mesmos retornassem

às demandas16 irradiadas por pessoas mal intencionadas, amarguradas e

vingativas. Sobre demanda, Lísias Negrão entende que:

“A demanda implica no caráter conflituoso da vida cotidiana. Ha inimigos, há pessoas mal intencionadas. Não é errado agir contra eles, defendendo-se e contra atacando. Trata-se de justiça, não de maldade. Quem pratica o mal deve paga-lo e não só no além. Na próxima encarnação, mas aqui e agora. Assim como que se busca a cura, a resolução de problemas diversos, deve ser imediato, o castigo daquele que provoca o mal deve sê-lo também”. (NEGRAO,1994, p.119)

Esse conceito de Exus “demandeiros” não é endossado nas fala dos

entrevistados. Em linhas gerais, eles afirmam que Exu não demanda ninguém,

nem vivo nem morto e sim protege seus filhos e consulentes das demandas

16

Demanda: Pode ser entendido como uma irradiação de fluídos que podem ser frutos de mal vindo de pessoas tomadas por raivas, rancores, mágoas, inveja, ciúmes, mas principalmente motivados pela vingança e pelo ódio.

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alheias e que a lei do retorno é lei que independe qualquer coisa uma vez que

essa é a lei maior que rege a Umbanda. Como afirmou P3.

Exu não é o mal! A maldade está dentro das pessoas, e quem busca fazer o mal é que deve repensar em seus atos, nos seus pensamentos e saber que a Lei é tríplice, você aponta os três dedos e volta três vezes mais forte do que foi lançado.[sic]

Para médiuns umbandistas, a associação que fazem de Exu com os

demônios se dá pelo trabalho e pela função de Exu dentro da lei de Umbanda.

Eles são espíritos que trabalham nas trevas em favor da luz, ou seja alguém

precisa descer no astral para resgatar os irmão decaídos, aqueles sofredores que

precisam de ajuda e amparo de Exu. Esses espíritos são conhecidos também

como Exus de Lei, segundo P1. “Espíritos que foram consagrados pelo criador”

diferente dos ditos Kiumbas[sic]17, que são espíritos desgarrados da lei do criador

que quando chegam à terra se manifestam se dizendo serem Exu, ser Pomba

Gira, ser Caboclo, porém segundo os adeptos é uma grande falácia, são eles

espíritos zombeteiros dos males dos encarnados.

Sobre a atuação de trabalho de Exu, Mestre Rubens Saraceni 18 elenca

que Exu não é um espírito maligno nem benigno, apenas cumpre a lei de Deus,

ajudando de certa maneira para que o médium e outras pessoas que não

possuam essa faculdade da mediunidade não regridam espiritualmente.

“[...] Exu Mirim são espíritos manifestadores de um poder maravilhoso no positivo e um poder temível no negativo, atua na linha da evolução não atua como acelerador da evolução e sim atrasador da evolução de quem

17

Kiumbas. São espíritos que se encontram desajustados perante à Lei do criador.

18 Rubens Saraceni .Nasceu em Osvaldo Cruz em 18 de outubro de 1951, foi médium e escritor.

Publicou inúmeras obras sobre espiritualidade, sobre tudo a Umbanda. Iniciou sua vida mediúnica

na “mesa Branca” e posteriormente tornou-se sacerdote da Umbanda sagrada umas das vertentes

da Umbanda. Fundou o colégio de Umbanda Sagrada Pai Benedito de Aruanda onde ministrou

cursos sobre teologia de Umbanda abrindo caminhos sendo pioneiro em estimular o conhecimento

da religião por uma vertente mais teórica. Era atualmente um dos grandes nomes e respeitado por

sua trajetória religiosa, faleceu em 09 de março de 2015.

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faz mal uso de seu conhecimento, fazendo espirito regredir [...] São aplicadores do mistério da criação atuam como sustentadores daqueles que estão dando bom uso de suas faculdades mentais, espirituais e mediúnicas e como regredidores daqueles que estão dando mau uso. Então toda regressão vai fechando as faculdades e não consegue dar uso aquela faculdade que estava sendo mal usada. Exu mirim é responsável por entrar na vida do médium vaidoso, que tinha dons e guias maravilhosos e esse médium regride. Por exemplo uma pessoa muito inteligente que começou usar mal sua inteligência, Exu vai atuar para que pare de prejudicar o próximo, punindo? não ajudam a pessoa que ela não alcance um nível de negativação mental tão grande tão profunda que ela vai passar por transformações horríveis nas esferas espirituais.” (Exu Mirim, 2013)

Por outro lado resquícios do que alguns entenderiam como algo diabólico

ainda permanece não na fala nem nas práticas ritualísticas mas nos pontos

cantados, como podemos verificar nessa cantiga:

“Santo Antonio Pequenino

Umbanda Santo Antônio Pequenino,

Amansador de burro brabo, Quem mexer com Sto Antônio,

Ta mexendo com o diabo. Rodeia, rodeia, rodeia,

Meu Santo Antônio rodeia”. (bis)

Nesse sentido Tadeu Lopes(2012, P.11), faz a seguinte reflexão:

“Como religião em processo constante de transformação, e incremento em si continuamente, novos elementos a visualidade que surge nos Ritos da Umbanda se mostra como um complexo caso de constantes hibridismos. Em inesperadas amalgamas, imaginaria desse culto se coloca em uma encruzilhada, onde o novo remete ao antigo, o branco remete ao negro e o profano pode ser tornar sagrado”.

.

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4. POMBA GIRA

Sobre pomba giras, Reginaldo Prandi (1996,p.1), diz

“Pomba gira, cultuada nos candomblés e Umbandas é um desses personagens muito populares no Brasil. Sua origem está nos candomblés, em que seu culto se constitui a partir de encruzamentos de tradições africanas e europeias. Pomba gira é considerada um Exu feminino”.

Elas são Exus mulheres, “É a força que equivale à parte feminina de Exú”

segundo a entrevistada Evelyn S., como acontece com outras linhas de entidades

os pretos e as pretas velhas, caboclos e caboclas, ciganos e ciganas etc.

Assim como os Exus masculinos, as moças, como também são chamadas,

nos terreiros, tiveram uma vida terrena em outras encarnações. Na crença

umbandista, Pomba Giras são espíritos femininos de mulheres que viveram em

algum momento na terra e assim como Exus homens cometeram muitas falhas de

conduta.

“Segundo os adeptos da Umbanda, tais espíritos agora denominados como Exu, podem ter pertencido aos mais altos círculos sociais ás mais baixas marginalidade, mas todo tem em comum uma história de vida de em que, enquanto estavam encarnados, a moral cristã de alguma forma foi ferida por seu comportamento”.(LOPES, 2012,p.26)

A expressão Pomba Gira pode aparecer de algumas maneiras variadas de

acordo com os diferentes terreiros, fala-se em pombagiras, pomba giras, pombo

giras ou pombojiras. Vamos adotar o que nos parece mais popular, pois a maioria

dos adeptos entrevistados se referiram a elas dessa maneira, Pomba Giras,

porém Lopes explica essa expressão:

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“O nome Pombajira nasce da corruptela de Mpambujila, nome de um inquice banto que possui mítica muito aproximada do orixá. Seu dos iorubas e ao vodum legba dos daomeanos. Ou seja, o termo ioruba é usado no Brasil para designação masculina, o termo banto para a feminina é mesmo o nome daomeano, menos recorrente, surge em alguns pontos cantados da Umbanda relacionando as Pombobjiras, o que novamente denota o hibridismo entre religiosidade africanas na Umbanda”. (LOPES,2010, p.25)

Nas entrevistas coletadas, percebemos essa mesma fala que Pomba Giras

são Exus femininos como afirma, P7 19, empresária e adepta da religião há 13

anos .São entidades espirituais com arquétipos de mulheres.[sic]

Respostas muito parecidas foram dadas pelos entrevistados, assim como a

resposta dada pela gerente de contas P420, que é adepta da religião há um ano,

quando indagada sobre quem eram as Pomba Giras.

Pomba Gira é usado para designar uma falange de entidades espirituais com psiquismo feminino que vibram na mesma frequência, e que em vidas passadas, já foram nobres, amantes, cafetinas, mulheres da vida, escravas e feiticeiras. É o lado feminino de Exu.[sic]

Percebemos que essa associação dicotômica e reduzida é disseminada

pelo senso comum e também evidenciada em grande parte dos poucos trabalhos

acadêmicos, como de Prandi(1996) que busca estreitar os laços desses espíritos

com meretrício, entretanto não foi evidenciada entre aqueles que participaram da

pesquisa essa visão reducionista de tais entidades.

Segundo Reginaldo Prandi

“Pomba Gira é o espirito de uma mulher (e não orixá) que em vida teria sido prostitutas ou cortesã, mulher de baixos princípios morais, capaz de dominar os homens por suas proezas sexuais, amante do luxo do dinheiro e de toda sorte de prazeres”. (PRANDI, 1996, p.140)

19

P7. Entrevista concedida a autora. Curitiba 17 de julho de 2015.

20 P4. Entrevista concedida a autora. Curitiba 10 de junho de 2015.

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Encontramos nas recorrentemente respostas das entrevistadas que essas

mulheres cometeram sim pecados, como qualquer outro ser humano, uma vez

que essas entidades são entendidos por umbandistas como espíritos que viveram

na terra e podem ter sido prostitutas, porém não necessariamente os foram,

podem ter sido diversas coisas em vidas passadas como afirma P3.

Se engana quem acha que todas as Pombo Giras foram mulheres que trabalhavam em Bordéis e Cabarés, muitas Pombo Giras foram mulheres da alta sociedade e de grande influência econômica e política. Pois estes espíritos buscam a sua evolução .[sic]

Justamente por acreditarem os umbandistas que as Pomba Giras, assim

como os demais guias espirituais estão em processo de evolução espiritual,

buscando a chegar mais próximo a purificação, resgatar e pagar os seus pecados

cometidos em vida que buscam todos os mecanismos da evolução e justamente

pelo motivo exposto que não cometem “maldades” ou não fazem trabalhos

místicos com objetivos destrutivos dos outros viventes. Se assim o fizessem,

estariam elas regredindo, ou seja, além de não “pagarem” seu resgaste kármico,

ainda estariam atrasando mais sua própria evolução.

Para eles, existem sim espíritos trevosos: são chamados também de sem

luz e desgarrados são conhecidos como Kiumbas. Esses sim dizem fazer

malefícios aos viventes como afirma P6.

Pomba giras desfazem trabalhos do baixo astral, realizam também trabalhos benignos de curas e aconselhamento espiritual, exus realizam trabalhos para o bem do contrario são chamados de Kiumbas[sic]

4.1 CAMPOS DE ATUAÇÃO E LUGARES SAGRADOS

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As Pomba Giras são espíritos que podem atuar em vários campos das

necessidades humanas. Problemas humanos relacionados ao amor, trabalho,

dinheiro, saúde espiritual e física etc. Mas as moças são mais conhecidas por

seus trabalhos relacionados ao campo do amor.

“É sabido, no culto de Umbanda que, por meio do poder e aconselhamento das pombojiras, os consulentes, podem recuperar relacionamentos desgastados e reacender os desejos enfraquecidos. Essas entidades podem também dificultar a situação sexual de maridos infiéis com suas amantes, ou até mesmo torna-los homens fieis, pois estes ficam encantados unicamente por suas esposas, graças a ajuda poderosa mulheres de rua, as pombajiras” (LOPES, 2012, p.29).

Esse discurso é unânime em todas as entrevistas que realizamos, de que

as tais moças dominam o campo das relações amorosas. Como afirma P7. “Seus

dons, na maioria das vezes, são para o amor, elas ajudam muito em

relacionamentos amorosos e também na parte financeira”. E também P5 21 “A

função das pomba giras está relacionada a sensualidade grandes conhecedoras

das fraquezas humanas são iguais a exu, executoras da lei do Karma.”

Percebemos nessa fala de P5 um dos pilares da fé umbandista, pois

valores e conceitos adotados no Kardecismo são absorvidos por umbandistas,

como afirma Lísias Negrão:

“A influência da ideias de Allan Kardec difusas no meio umbandista por ser aferida pela generalizada presença da concepção de caridade. A sua prática e ao mesmo a finalidade do culto e sua instancia legitimadora A sua prática é ao mesmo tempo a finalidade do culto e sua instância legitimadora”. (NEGRAO, 1994, p.116)

Com relação à conotação sexual elencada do senso comum e reproduzida

em muito trabalhos acadêmicos, a entrevista da esteticista adepta da religião há

21

P5. Entrevista concedida a autora. Curitiba 24 de junho de 2015.

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49

dois anos P6 22 trás um novo olhar sobre a afirmação de que pombo gira esta

intimamente ligada com o profano da sexualidade.

“embora muitos associadas como prostitutas e mulheres ligadas a luxuria e ao sexo, acredito eu que elas freiam os desvios sexuais dos seres humanos redirecionando essas energias para a construção das espiritualização esgotando os vícios sexuais e os equilibrando, fazem trabalhos de cura enfermidades, conselhos espirituais e amorosos enfim a pregam a prática de amor e caridade”

Acredita-se que essas entidades têm domínios, lugares sagrados que que

são campos de concentração e louvação a essas entidades, lugares como

estradas, entradas, encruzilhadas e cemitérios.

“Exus e pombajiras se encontram a frente dos campos de tensão entre o sagrado e o profano, de melhor, entre diferentes campos sagrados, porque na Umbanda as ruas assim como as encruzilhadas também possuem sua dimensão sagrada. As representações dos senhores e senhoras da esquerda se encontram próxima as entradas e a rua e não junto ao conga, porque exus e as pombajiras são os mediadores das passagens, são mantenedores da ordem a despeito do caos. Pertencer ao “povo da rua” não significa que eles sejam entes maléficos”. (LOPES,2012, p.61)

4.2 AS IMAGENS E REPRESENTAÇÕES

Apesar das imagens representativas tanto de Exu quanto de Pomba Giras

ainda serem reproduzidas em lojas de artigos religiosos e estarem presentes nos

locais de culto onde fizemos visita a campo, como elementos entedidos pela ótica

cristã como “demoníacos” não são elas assim interpretadas pelos umbandistas

como elenca (LOPES, 2010,p. 32)

22

P6. Entrevista concedida a autora. Curitiba 26 de junho de 2015.

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50

“Transforma a mítica. Modifica a imagem, esse é o caso das esculturas que personificam a infinidade de entidades que povoam a esquerda da Umbanda. Em seu vasto repertório imagético ainda persiste a associação iconográfica com as representações da demonologia cristã. Creio contudo que mesmo sua suposta pura demonização, tão identificável nas representações escultóricas, esconde um conteúdo simbólico que vai além da associação simplista entre exu e o diabo”(LOPES,2010,p.32)

Nas pesquisas de campo coletamos algumas imagens que demonstram

que Pombo Giras, quando incorporadas em seus ou suas médiuns, vestem-se

com saias longas, largas, geralmente coloridas e rodadas , capas ,chapéus

coroas e não evidenciamos decotes indecorosos nas varias visitas que realizamos

a alguns templos religiosos. “ As imagens das belas mulheres sorridentes que

exibem sem pudores seus seios, de certa maneira guardam parte da potencia

sexualizante” como afirma Tadeu Lopes(2010) essas figuras são vista apenas em

algumas imagens de Exus e Pomba Giras. Pois a mítica de Exu, em especial, se

mostra flexível a novos hibridismos, como um mito elásticos em constantes

expansão”(LOPES,2010, p.11)

Figura 5. Fotografia de pomba Gira Rainha das Sete Encruzilhadas. Escultura em gesso

policromado. Curitiba 2015. Fonte: Acervo próprio.

Figura 6. Fotografia de Pomba Gira Maria Padilha do Cabaré. Escultura em gesso policromado.

Curitiba 2015. Fonte: Acervo próprio.

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51

Evidenciamos em visitas a templos religiosos que os adeptos da Umbanda

chamam de terreiro, que as tais moças/mulheres Pomba Giras trajam-se ao

contrario do que poderiam imaginar com decoro em suas vestimentas.

Em visita ao terreiro do chefe de religião e entrevistado P1 pudemos

acompanhar algumas giras23 e confrontar as entrevistas dos adeptos da religião

com os rituais do culto umbandista na prática, o atendimento ao consulentes,

como são chamados os que frequentam e “trabalham”24 naquela casa.

23

Giras. Na Umbanda é uma reunião ou agrupamento de vários espíritos de uma determinada categoria,

que se manifestam por meio da incorporação nos médiuns. A gira pode ser festiva, de trabalho ou de

desenvolvimento.

24 Trabalhar . É um termo utilizado como sinônimo da incorporação do médium pelas suas entidades.

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52

Figura 7. P1, incorporado como a Cigana. Arquivo pessoal.

Figura 8 P1, incorporado como a Senhora das Almas. Arquivo pessoal.

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4.3 AS POMBA GIRAS E A RELAÇÃO COM SEUS CONSULENTES

Para além do domínio sobre a sexualidade, essas entidades também

podem ter outros domínios e ajudar as pessoas em vários outros aspectos como

saúde, trabalho, questões relacionadas a dinehrio, conflitos domésticos etc.

Segundo Negrão(1994)

“Incorporam-se os guias para que estes solucionem os problemas diversos (principalmente de saúde, mas também de dinheiro, trabalho, desajustamentos familiares e amorosos) que afligem a carente clientela. Ao praticar a caridade não são apenas os clientes os favorecidos, mas também os médiuns e os próprios gui as que se elevam na hierarquia espiritual, garantindo no primeiro caso uma reencarnação mais favorável e no segundo caso, ascensão no mundo dos espíritos. A teoria kardecista da reencarnação e da evolução espiritual é o pano de fundo motivador da caridade umbandista. Sua prática é entendida, portanto, como missão”. (NEGRAO, 1994, p.116)

São vários os problemas trazidos pelos consulentes a essas entidades, e

as mesmas se dispõe a ajuda-los com amparo e proteção naquilo que os mesmos

precisarem. As pessoas, quando sentem-se ajudadas, não poupam louvação e

adoração as suas mães, rainhas protetoras, como as chamam. Como podemos

escutar no ponto de Dona Maria Padilha, cantado em todos os terreiros visitados.

“Salve Maria Padilha, Salve Maria Padilha Salve Maria Padilha que ilumina o meu caminhar

Perambulava pelas ruas, já sem saber, o que fazer Procurava na noite, uma solução, para tanta dor

Sofrimento e solidão Então eu clamei, ao povo da rua

Que me enviasse, no momento alguma ajuda pois eu já não tinha, força para continuar Então eu clamei, ao povo da rua

Que me enviasse, no momento alguma ajuda pois eu já não tinha, força para continuar Quando me virei vi uma mulher, na beira da estrada Trazia uma rosa em suas mão, um feitiço no olhar Naquela bela noite de lua, deslumbrei sua dança

Pus sua sai a rodar, eu me aproximei e lhe perguntei o que ela fazia na estrada Ela respondeu, hoje eu sou Rainha, vim lhe ajudar

Sou Maria Padilha Ela respondeu, hoje eu sou Rainha, vim lhe ajudar

Sou Maria Padilha

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Salve Maria Padilha, Salve Maria Padilha Salve Maria Padilha que ilumina o meu caminhar

Quando eu precisei o pombo gira, você veio me ajudar. Deste outro rumo a minha vida

Hoje eu venho lhe louvar”

As moças, ou Pomba Giras são guardiãs dos lugares, casas, templos

religiosos, guardiãs inclusive dos viventes. Elas têm como uma de suas funções

proteger seus filhos e filhas, aqueles os quais utilizam o corpo na prática da

incorporação. “Exus e pomba-giras são reconhecidas dentro do culto como

grandes guardiões dos lares e dos frequentadores de terreiros, protegendo-os de

espíritos trevosos, de trabalhos de magia e de todo tipo de violência”

(LOPES,2010,p.29). Como podemos escutar nesse ponto cantado nos terreiros

que foram visitados em louvação a Pomba gira Maria Padilha das Almas:

“Exu Maria Padilha trabalha Na encruzilhada

Toma conta, presta conta Ao romper da madrugada

Pomba gira, minha comadre, Me proteja noite e dia

Trabalhando na encruzilhada Com suas feitiçarias Exu Maria Padilha

Exu Maria Padilha trabalha Na encruzilhada

Toma conta, presta conta Ao romper da madrugada

Pomba gira, minha comadre, Me proteja noite e dia

Trabalhando na encruzilhada Com suas feitiçarias Exu Maria Padilha”

As Pomba Giras se apresentam com variados codinomes, pois não usam o

seu nome que tinham antes de se tornarem exu mulher, os nomes com os quais

as mesmas se apresentam fazem menção ao tipo de trabalho espiritual que as

mesmas fazem, por isso é válido lembrar que, como ressaltam os médiuns, Maria

Padilha podem ter muitas milhares , mas que cada médium recebe um espirito

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55

diferente , portanto se o consulente busca atendimento em um terreiro no qual

consulta com Maria Padilha e depois vai em outro no qual outro médium

apresenta a pomba gira também com esse nome , não se tratam do mesmo

espírito e sim, ambos os espíritos trabalham sobre a linha de vibração da Senhora

Maria Padilha.

Quando o espírito de uma pomba gira inicia seu caminho numa falange25

ela não usa mais seu nome de vivente. Ou seja se uma mulher desencarnou com

nome de Ana Maria e se no astral optar por ser entidade de umbanda não poderá

usar seu nome de quando era viva terá que usar apenas o nome do agrupamento

de espírito que pertence como por exemplo Pomba gira da encruzilhada. Em

alguns casos dizem os médiuns os espíritos contam aos seus aparelhos se

quiserem e achar necessários seus verdadeiros nomes e suas histórias quando

encarnados. Por esse motivo é que existem várias entidades com o mesmo

nome, o que não significa que sejam exatamente as mesmas, apesar de terem

algumas características semelhantes.

Nesse sentido, os nomes das entidade, de todas as linhas, caboclos,

pretos velhos, ciganos, baianos, marinheiros, exus e pombas giras e os demais

são sempre simbólicos, normalmente compostos pelo nome da falange à qual

pertencem e a função ou tipo de atividade que exercem. A entidade pode se

identificar por várias falanges. São elas:

Cigana da Calunga

Cigana da Encruzilhada

Cigana da Estrada

Cigana da Lua

Cigana da Praia

Cigana da Rosa

Cigana das Almas

25

Falange. É o mesmo que legião, agrupamento de tropas organizadas. Na Umbanda entende-se

que são agrupamentos de espíritos sob um determinado domínio.

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Cigana do Cemitério

Cigana do Cruzeiro

Cigana Menina

Cigana Rainha

Cigana Sete Saias

Maria da Estrada

Maria das Almas

Maria do Cabaré

Maria Farrapo da Calunga

Maria Farrapo da Encruzilhada

Maria Farrapo da Estrada

Maria Farrapo das Almas

Maria Farrapo das Sete Encruzilhadas

Maria Mulambo

Maria Mulambo da Calunga

Maria Mulambo da Encruzilhada

Maria Mulambo da Estrada

Maria Mulambo das Almas

Maria Mulambo das Sete Encruzilhadas

Maria Mulambo do Cabaré

Maria Mulambo do Cruzeiro

Maria Mulambo do Lôdo

Maria Padilha

Maria Padilha da Calunga

Maria Padilha da Encruzilhada

Maria Padilha da Estrada

Maria Padilha da Lira

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Maria Padilha das Almas

Maria Padilha das Sete Encruzilhadas

Maria Padilha do Cabaré

Maria Padilha do Cemitério

Maria Padilha Rainha da Encruzilhada

Maria Padilha Rainha do Cabaré

Maria Quitéria

Maria Quitéria da Encruzilhada

Maria Quitéria do Cemitério

Maria Quitéria do Cruzeiro

Maria Quitéria do Cruzeiro das Almas

Maria Rosa

Maria Sete Catacumbas

Maria Sete Covas

Menina da Praia

Pomba Gira da Calunga

Pomba Gira da Encruzilhada

Pomba Gira da Figueira

Pomba Gira Dama da Noite

Pomba Gira das Almas

Pomba Gira das Sete Encruzilhadas

Pomba Gira das Sete Liras

Pomba Gira do Cabaré

Pomba Gira do Cemitério

Pomba Gira do Cruzeiro

Pomba Gira dos Sete Cruzeiros

Pomba Gira Rainha das Almas

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Pomba Gira Rainha do Cruzeiro

Pomba Gira Sete Covas

Pomba Gira Sete Estradas

Rainha da Calunga

Rainha da Encruzilhada

Rainha do Cabaré

Rainha do Cemitério

Rosa Caveira

Rosa da Calunga

Rosa da Encruzilhada

Rosa do Cabaré

Rosa do Cruzeiro

Rosa Negra das Almas

Rosa Negra

Rosa Vermelha

Rosa Vermelha da Encruzilhada

Rosa Vermelha do Cabaré

Sete Saias

Sete Saias da Calunga

Sete Saias da Encruzilhada

Sete saias da Estrada

Sete Saias do Cabaré

Sete Saias do Cemitério

Ao nos debruçarmos sobre as figuras místicas de exus e pombos giras nos

deparamos com uma imensa lacuna e muitos equívocos no que tange o campo

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acadêmico, poucas são as teses, dissertações, monografias ou mesmo artigos

que contemplem a temática de maneira séria, desprovida dos valores morais

impostos pela visão cristã. Do alto dos academicismos, percebemos uma

reprodução de estereótipos da religião, estereótipos esses negados

veementemente por membros da Umbanda. A verdade é que muitos

pesquisadores falam e interpretam a sua maneira e ignoram as vozes daqueles

que de fato vivenciam a religião. Os terreiros são o locus em que vive a religião; é

de lá que emanam as verdades, a umbanda deve ser interpretada pela ótica dos

filhos de Axé 26. “Em que se pesem as contribuições significativa dos autores para

o conhecimento da realidade estudada, há que se apontar a insuficiência de suas

perspectivas, desconhecimento da realidade da religião tal como cotidianamente

vivida nos terreiros e reproduzindo sobre eles preconceitos” (NEGRAO, 1994,

p.114).

26 A palavra Axé é de origem yorubá e é muito usada nas casas de Candomblé e Umbanda.

Possui vários significados sendo eles: "força, poder, realização" mas também é empregada para sacramentar certas frases ditas entre o povo de santo, como por exemplo: Eu digo: - “Eu estou muito bem.” Outro responde: -“Axé!” Esse “axé“ aí dito equivaleria ao "Amém" do Catolicismo ("que Deus permita"). Axé ainda pode significar a própria casa da religião em toda a sua plenitude. Axé também pode significar “Vida”. E tudo que tem vida tem origem. Chamar a vida é chamar o Axé e as origens. Os Orixás são Axé, os Orixás são Vida.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao fim desse trabalho e sentimos uma imensa necessidade da

sua continuidade, pois sabíamos que não conseguiríamos esgotar um assunto tão

denso em poucas laudas, como de fato não conseguimos e as angústias

continuam latentes.

Angústias essas que surgiram de ouvir pedidos de socorro dos vários

alunos e alunas que, pela cultura preconceituosa que fora forjada no Brasil, e que

continua sendo apregoada pelo neopentecostalismo e a sua “guerra santa” contra

todas as crenças diversas, mas sobre tudo as entidades da Umbanda. Esses

jovens que impedidos pelo preconceito que sofreriam e que sofrem não revelam

sua religião, negam, omitem e sentem até vergonha da mesma. Tal situação

passou a incomodar, pois era certo que esses e essas alunos e alunas sofriam e

sofrem com o preconceito religioso em vários âmbitos e também em ambiente

escolar.

Ao longo da pesquisa identificamos como escola e currículo estão falhando

no que tange a valorização do multicultural e o respeito às várias diversidades

que são latentes no ambiente escolar. A permanência de valores arraigados como

afirma Costa(2005)

“As disciplinas do currículo cumprem em grande parte esse papel. Elas são produtivas na medida em que nomeiam, classificam, posicionam, hierarquizam. Mas meus resultados no que se refere às identidades produzidas é que são diferentes. Na política cultural, tem feito uma enorme diferença fortalecer uma posição superior e uma subalterna. Aliás, a desigualdade é produzida e justificada exatamente ai. Tais conteúdos ensinam a cada um seu lugar, fortalecendo posições dissidentes como o lugar do homem e o da mulher, o lugar dos brancos, de negros, e os não lugares que simplesmente inexistiam nas narrativas de “uma” suposta humanidade”. Procura-se, sempre, verificar o que os estudantes fazem com os conteúdos e ignora-se o que os conteúdos e o currículo estão fazendo com os estudantes. ”(COSTA,2005, p.55-56)

Sabemos que desconstruir um visão forjada há décadas e séculos não será

com uma monografia que será possível, porém acreditamos que uma verdade

falada mil vezes, pode conseguir desmentir uma “pseudoverdade”. Por isso,

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logicamente, o trabalho não terá a pretensão de desconstruir todo o processo de

demonização das religiões de matriz africana e, em específico, a Umbanda.

Esse trabalho nos fez refletir além do havíamos nos proposto, pensar nas

representações do outro do “exótico” e como que o currículo e a escola endossam

essa representações.

“Essa política da representação, ou seja, essa disputa por narrar ”o outro”

, tomando a si próprio como referencia, como normal, e o outro como diferente, como exótico, como excêntrico, é a forma ou o regime de verdade em que são construídos os saberes que fomos ensinados a acolher como verdadeiros, como “científicos”, como “universais”, e que inundam os currículos escolares, as cartilhas, deixando marcas indeléveis nos códigos normativos, na literatura e nas artes em geral, nas retóricas pedagógicas familiares e religiosas, na mídia e em outros dispositivos pedagógicos”(COSTA,2005,p.43)

Porém, a ótica dos umbandistas da sua religião foi fundamental pra

sabermos que existem outros vieses de interpretação para além daquele

vivenciado do senso comum, pois a ótica dos/das adeptos da Umbanda não

dialogam com o senso comum. Na vivência com adeptos da religião percebemos

nitidamente que o processo social histórico distorceu e forjou as representações

dos adeptos dessa religião.

“Os relatos sobre o outro, nos mais variados campos da cultura, tem fabricado identidades nem sempre acolhidas por seus protagonistas. Mesmo assim, as identidades contestadas circulam e produzem seus efeitos na politica cultural(COSTA,2005, p.47)

.A Umbanda é uma religião relativamente jovem, tem pouco mais de um

século e é considerada genuinamente brasileira, pois tem em seu âmago a

miscigenação. Como sabemos, nós, povo brasileiro, somos, na nossa essência,

misturados. Basicamente, a Umbanda é fruto da mistura religiosa de três

matrizes: o catolicismo, o Kardecismo e a pajelança indígena e tem como doutrina

principal o amor ao próximo e a caridade. Trabalham com a mediunidade,

acreditam que espíritos desencarnados tomam o corpo do médium e faz todos os

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trabalhos místicos e espirituais em prol dos consulentes, pessoas que vão solicitar

ajuda a todo tipo de males, saúde, trabalho, amor etc.

São vários os grupos de espíritos que “trabalham” na Umbanda, podendo

ser caboclas/os, pretas/os velhas/os, crianças, boiadeiros, baianas/os,

marinheiras/os, malandras/os, ciganas/os e Exus e Pomba Giras. Que por meios

da incorporação buscam a evolução espiritual, pagamento de leis kármicas,

buscando ajudar os irmãos encarnados.

O presente trabalho abordou especificamente as duas entidades mais

polêmicas, diríamos assim mais incompreendidas, mais atacadas pela dita

“guerra santa” provocada por igrejas neopentecostais os Exus e as Pomba Giras.

Percebemos que, diferente do senso comum, aqueles que professam a

religião discordam veementemente das representações atribuídas por “terceiros”

ou seja representações não reconhecidas e não comungadas pelos adeptos pelos

sujeitos da religião de que Exus são demônios e que Pomba Giras são prostitutas.

Aqui evocamos mais uma vez Costa(2005) que nos diz

“ Os relatos sobre o outro , nos mais variados campos da cultura, tem fabricado identidades nem sempre acolhidas por seus protagonistas. Mesmo assim, as identidades contestadas circulam e produzem seus efeitos na politica cultural”(COSTA,2005, p. 47)

E, sim, são guardiões e guardiãs das pessoas, das casas, dos templos, dos

lugares etc. Dizem que são eles espíritos de luz nas trevas, ou seja, estão

trabalhando no resgate de pessoas descaídas e fora da lei de Deus e trazendo

esses irmãos caídos pra dentro da lei de Deus. Portanto reconhecemos como

legítimos os relatos e as verdades dos Umbandista de Curitiba.

Finalizamos aqui parafraseando Marisa Vorraber Costa (2005) que nos

alerta para o nosso dever de reivindicar o direito dos “outros” grupos se desses

indivíduos “diversos” se autodescreverem, de falarem por eles do lugar que eles

ocupam, contarem sua visão da história narrarem suas próprias histórias que os

definem enquanto sujeitos. O presente trabalho teve essa intenção de abrir um

dialogo como os atores dessa religião para que os mesmos pudessem se

descrever, descrever suas crenças e suas próprias representações

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6 REFERÊNCIAS

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