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Moisés Sbardelotto Do papel aos bits As alternativas do jornalismo independente contemporâneo Porto Alegre 2006

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Moisés Sbardelotto

Do papel aos bitsAs alternativas do jornalismo independente

contemporâneo

Porto Alegre2006

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Índice

1 Introdução 11

2 A imprensa alternativa no contexto brasileiro 192.1 Por que alternativa?. . . . . . . . . . . . . . . . 202.2 Antecedentes na história. . . . . . . . . . . . . 232.3 As experiências a partir da década de 60. . . . . 272.4 A função da imprensa alternativa no Brasil. . . . 35

2.4.1 Liberdade de expressão. . . . . . . . . . 362.4.2 Crítica da realidade nacional. . . . . . . 382.4.3 Mobilização social. . . . . . . . . . . . 39

3 O contexto político-econômico do jornalismo pós-85 433.1 Anos 80: a abertura política e a informatização

das redações. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 443.1.1 A herança do período militar. . . . . . . 443.1.2 O governo José Sarney (1985-1990). . . 453.1.3 Jornalismo nos anos 80 – o computador

chega às redações. . . . . . . . . . . . . 473.2 Anos 90: impeachment, estabilidade econômica e

o jornalismo online . . . . . . . . . . . . . . . . 503.2.1 Governo Fernando Collor de Melo (1990

- 1992) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 503.2.2 Governo Itamar Franco (1992-1994). . . 523.2.3 Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-

1998) – primeiro mandato. . . . . . . . 53

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4 ÍNDICE

3.2.4 Governo Fernando Henrique Cardoso (1999-2002) – segundo mandato. . . . . . . . 54

3.2.5 Jornalismo nos anos 90 – os primórdiosdo jornalismo online . . . . . . . . . . . 55

3.3 Anos 2000: Lula no poder e o desenvolvimentodo jornalismo online . . . . . . . . . . . . . . . 583.3.1 Governo Luís Inácio Lula da Silva (2003-)583.3.2 Anos 2000 – a consolidação do jornalismo

online e as novas possibilidades de comu-nicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

4 A imprensa alternativa brasileira contemporânea 634.1 Caros Amigos: a precursora da imprensa alterna-

tiva pós-abertura política. . . . . . . . . . . . . 644.1.1 Poucos caros amigos. . . . . . . . . . . 67

4.2 Bundas: oferecendo o outro lado da realidade. . 684.2.1 Bundas e os problemas internos. . . . . 69

4.3 OPasquim21 e a promessa de novidade com ca-racterísticas do passado. . . . . . . . . . . . . . 714.3.1 Novas tentativas, mesmos problemas. . . 75

4.4 Os desafios da imprensa alternativa atual. . . . . 774.4.1 Altos custos de produção. . . . . . . . . 784.4.2 Retração no mercado publicitário e mer-

cantilização. . . . . . . . . . . . . . . . 804.4.3 Concorrência e monopolização. . . . . . 814.4.4 Falta de mobilização social. . . . . . . . 82

4.5 Internet, blogs e a crise do jornalismo. . . . . . 844.6 Jornalismo na web: novas possibilidades na trans-

missão de informação. . . . . . . . . . . . . . . 854.7 Os blogs e o jornalismo self-made. . . . . . . . 88

4.7.1 Blogs e o jornalismo online. . . . . . . 904.8 Alternativa em bits e pixels. . . . . . . . . . . . 92

4.8.1 A contra-informação no mundo virtual. . 954.9 Novas possibilidades com desafios persistentes. 97

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4.9.1 Monopolização e conglomerados do mundoonline . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

4.9.2 Dependência entre as mídias. . . . . . . 1014.9.3 Zonas desconhecidas e acessibilidade. . 1044.9.4 Velocidade e excesso de informação. . . 1054.9.5 Pulverização e ausência de mobilização. 108

5 Considerações finais 111

6 Referências bibliogáficas 119

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Monografia apresentada ao Departamento de ComunicaçãoSocial da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como

requisito parcial para obtenção do grau de bacharel emComunicação Social, habilitação em Jornalismo.

Orientadora: Profa Dra Virgínia Fonseca.

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Aos inconformados, insubordinados, incompreendidos,loucos, aprendizes, curiosos,

não-heróis e sonhadores.

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Non bene pro toto libertas venditur auroLiberdade e soltura não são por ouro compradas.

Fábulas esópicas

Em um mundo que realmente foi posto de cabeça para baixo,a verdade é um momento de falsidade.

Guy Debord

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Resumo

Este trabalho analisa as atuais características da imprensa alterna-tiva brasileira, seu papel e seu espaço de ação na sociedade con-temporânea. Utiliza-se a pesquisa bibliográfica e a análise com-parativa deblogs. Estuda-se, assim, a concepção de “imprensa al-ternativa” e seu papel na história do jornalismo brasileiro, em es-pecial durante a ditadura militar. Descreve-se também o contextopolítico, econômico e tecnológico do jornalismo após a aberturapolítica. Discorre-se sobre as revistasCaros Amigose Bundas,e o jornalOPasquim21, títulos alternativos que ganham desta-que no cenário nacional pós-ditadura. Estuda-se, a partir disso,a crise da imprensa alternativa e a sua possibilidade de encontrarum novo espaço de atuação na Internet, em especial nosblogs. Oque se verifica, por fim, é que as publicações estudadas permane-ceram muito atreladas às características das experiências da épocada ditadura, além de sofrerem com as atuais barreiras econômi-cas em razão das novas tecnologias. Isso as impediu de alcançarum número maior de leitores e de os mobilizar em torno de umaagenda cívica na nova realidade social Observou-se, também, queo mundo virtual apenas revigora os desafios dessa imprensa emoutro suporte, oonline. Com as novas possibilidades de comuni-cação e o surgimento de novas tecnologias, ocorrem ainda fortesmodificações no jornalismo, independentemente de seu suportefísico. O processo digital de tempo real estabelece novos parâme-tros sociais, que modificam as bases do jornalismo em geral.

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Capítulo 1

Introdução

Há espaços, na sociedade contemporânea, para experiências alter-nativas, como as vistas no período da ditadura? Quais seriam asfunções a desempenhar por esses periódicos que pretendem reali-zar uma outra forma de jornalismo num contexto social diferentedo das décadas passadas, com novos desafios? Esta pesquisa éuma tentativa de reconhecer os atuais espaços de atuação de umanova imprensa alternativa e seu papel na sociedade brasileira con-temporânea, correlacionando as novas experiências com as pas-sadas, da época da ditadura, como os clássicosPasquim, VersuseMovimento.

O Brasil viveu sob o regime militar nas décadas de 1960, 1970e parte de 1980. A partir de 1968, com o Ato Institucional No 5,as liberdades individuais passam a estar sob controle do Estado,incluindo também a mídia em geral. Para tentar esquivar-se dacensura e poder falar daquilo que a grande imprensa não fala,surgem diversos periódicos, de tiragem grande ou pequena, ge-ralmente tablóides, feitos muitas vezes por jornalistas origináriosda grande imprensa, que passam a enfrentar os temas proibidos eos censores. Sentindo-se limitados e até mesmo calados em seudia-a-dia profissional nos grandes jornais – pela ditadura ou pelasistemática de produção das redações –, passam a encontrar espa-

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ços mais livres fora das grandes empresas ao criar seus própriosveículos.

Costumou-se chamá-la de “imprensa alternativa”, assim como“nanica”, “política” ou ainda “independente”. Em sua extensapesquisa sobre essa imprensa na época da ditadura, Bernardo Ku-cinski analisa o termo “imprensa alternativa” em quatro significa-dos essenciais de sua função:

O de algo que não está ligado a políticas domi-nantes; o de uma opção entre duas coisas reciproca-mente excludentes; o de única saída para uma situ-ação difícil e, finalmente, o do desejo das geraçõesdos anos de 1960 e 1970, de protagonizar as trans-formações sociais que pregavam (KUCINSKI, 2003,p.13).

Em princípio, esses jornais representam principalmente uma“alternativa” à grande imprensa, que se sente acuada, silenciadaou mesmo alinhada aos censores. E ela, a grande imprensa, per-manece assim por medo de ter suas redações fechadas ou seusexemplares censurados, e dessa forma perder grande parte de suacredibilidade e também de sua renda, e ter de fechar. Esses jor-nalistas independentes, então, encontram nesses outros veículosos espaços para comentar a situação do país, longe de uma linhaeditorial cristalizada e omissa frente à realidade; um espaço decrítica, análise e interpretação dos fatos que a grande imprensa sepriva de fazer.

Nesse período, as empresas de comunicação em geral, e dejornalismo em particular, passam por um processo de profissio-nalização e modernização crescentes para conseguir acompanharuma tendência mundial de mercantilização dos bens culturais. Anotícia passa a ser vista como fonte de lucro, como um produto aser vendido. Ou seja, as redações passam a “produzir” notícia emgrande escala, com o objetivo de gerar lucro para as empresas.

Por essas razões, a imprensa alternativa torna-se um contra-ponto e um espaço de liberdade para jornalistas, artistas e intelec-

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tuais, contra o ritmo de produção em escala e a fixação no lucrodos grandes jornais. Conscientes dos protestos que ocorriam emtodo o mundo, em especial os de Maio de 1968, os “colaborado-res” dessa imprensa encontram nela um dos poucos espaços emque a pauta de direitos iguais e liberdade de expressão pode serdifundida e proposta.

A partir das décadas de 70 e 80, porém, com a consolidaçãodas empresas de indústria cultural e a monopolização crescentedo mercado, especialmente o de bens culturais e de comunicação,uma nova realidade aguarda a imprensa alternativa. Grandes con-glomerados, envolvendo rádios, jornais e emissoras de TV, come-çam a surgir. As empresas que não se adaptam ao novo molde per-dem mercado, tornam-se alvo de negociações, até transformarem-se em parte de um grupo maior.

Jornais e revistas alternativos passam a ter, dessa forma, con-correntes desiguais, com muito maior capital para investir e ti-ragens também muito maiores, sem contar as vendas por assina-tura, que também crescem nessa época. Mesmo assim, é umadécada que, em razão de todos esses fatores, proliferam jornaisalternativos, que tentam encontrar uma forma diferente de fazerjornalismo e, assim, combater um processo que, no seu enten-der, cria uma monopolização também da opinião pública. Porém,assim como vários veículos alternativos são criados, vários nãoconseguem manter sua periodicidade, tanto em razão da censura– que ou prende jornalistas e fecha jornais, ou impede a circulaçãodos impressos e assim inviabiliza economicamente as redações –,como da má administração e da falta de verbas.

No final da década de 80, então, com o fim do regime militar, oBrasil retoma sua trajetória no regime democrático. Agora, os jor-nais têm liberdade de expressão, direito garantido pela Constitui-ção de 1988. Com a eleição do primeiro presidente pós-ditadura,Fernando Collor de Mello, o “neoliberalismo”, também conhe-cido como “capitalismo global”, começa a ser implantado no país,obedecendo às exigências do Consenso de Washington, que ganhaespaços na América Latina.

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Inicia-se, assim, um crescente aperfeiçoamento da gestão in-terna das empresas de comunicação, tudo visando à maximizaçãodos lucros. Passada a ditadura política, impera agora uma dita-dura econômica, que reclama por mudanças para que a marcha datecnologia e do lucro siga adiante. Apenas os que aceitam as exi-gências dessa ditadura econômica podem acompanhar a evoluçãodos jornais e da imprensa.

A partir da metade da década de 90, com o aparecimento daInternet e da comunicação mediada pelo computador, os custostecnológicos tornam-se muito maiores, e as funções do jornalistamudam, passando da extrema especialização (pauteiro, repórter,redator, copidesque, diagramador, editor, fotógrafo etc.) a umacúmulo de funções. Com menor tempo disponível para suas lei-turas, o leitor sofre fortemente a atração dessa nova mídia, muitomais prática e com mais recursos. Assim, para sobreviver, osgrandes jornais têm de lançar versõesonline, sob pena de se tor-narem obsoletos e perderem mercado.

Em razão de todos esses fatores, as publicações alternativasquase desaparecem em todo o período pós-ditadura. A concor-rência é desigual, e as grandes empresas de comunicação mantêm,obedecendo as leis do mercado, o monopólio da opinião pública.Se, sob a ditadura, já era difícil e arriscado aventurar-se na experi-ência alternativa, a situação política, econômica, social e culturalatual, torna a “aventura” ainda mais complicada. A chamada im-prensa alternativa passa, então, a ser definida como algo do pas-sado, fenômeno longínquo em relação à nova situação brasileira emundial.

Com a similaridade de análise e interpretação dos fatos emtoda a grande imprensa, todavia, faz-se necessário ouvir vozes quedigam aquilo que não é dito. Sob a égide da objetividade, perde-se a capacidade crítica do jornalismo como contra-poder, comoporta-voz da população diante do Estado e do mundo econômico,e até mesmo diante da própria imprensa. O leitor fica sem outraspossibilidades de análise e de interpretação dos fatos, distintas dasoferecidas pelas grandes empresas de comunicação.

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Entretanto, mesmo durante todo o processo de modernização,crescimento e concentração da grande imprensa, surgem publica-ções que tentam ir contra a nova realidade do jornalismo. Sãoexperiências que implantam os mesmos processos de produçãode notícias e a mesma visão crítica da realidade que a imprensaalternativa utilizava na década de 60.

Tem-se assim, por exemplo, as revistasCaros Amigos, que jáalcança quase uma década de existência, eBundas, lançada emjunho de 1999, tendo Ziraldo, cartunista desde a antigaPif-Paf,como editor-chefe. Também de Ziraldo, surge em 2002, o jornalsemanalOPasquim21, identificado com a imprensa alternativa aténo nome, herdeiro do antigo clássicoPasquim, que mesclava hu-mor e crítica política em plena ditadura.

Aí temos, então, questões que nos levam a desenvolver estetrabalho. “Alternativa” seria a imprensa que, como define Ku-cinski (2003): não esteja ligada a políticas dominantes; seja umaopção entre duas formas de se fazer jornalismo reciprocamenteexcludentes; e seja a única saída para uma situação difícil, comoa de um jornalismo homogêneo e massificado.Bundas, OPas-quim21e Caros amigostornaram-se porta-vozes dos anseios epropostas da conhecida imprensa alternativa da década de 60 emplenos anos 2000. Porém, encontram difíceis condições políticase econômicas de manter-se, tendo uma vida breve, como no casodeBundase OPasquim21, além de participarem de um mercadode consumo ainda mais restrito e com mais concorrência, comoCaros amigos.

Com o avanço da Internet, ademais, o jornalismo encontra umnovo espaço de atuação, com uma abrangência que não se asse-melha nem um pouco ao espaço concorridíssimo de veículos im-pressos. O que se vê no mundo virtual é um acesso ilimitado, coma possibilidade de se ter uma convergência de linguagens que ne-nhum jornal impresso conseguirá superar – e talvez nem igualar.Com o aparecimento dosblogs, ou diários pessoaisonline, todocidadão com acesso à Internet passa a ser uma fonte de informa-ção em potencial, como define Daniela Ramos:

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Os weblogs, popularmente conhecidos como “blogs”são, talvez, a expressão mais visível do que temosvisto nos últimos anos como um exemplo da escritafragmentária e inacabada. O texto neste suporte estásempre em processo e chega ao extremo de proporci-onar que cada pessoa seja uma mídia em potencial,já que basta preencher um cadastro e publicar umblog na internet. Não demorou muito para a práticacriar polêmica entre os jornalistas (RAMOS, 2005,online).

Assim, baseando-nos na experiência vivida porBundas, OPas-quim21eCaros amigos, e com as perspectivas que se abrem coma comunicação mediada por computador, faz-se necessário anali-sar qual a função de uma imprensa alternativa na sociedade brasi-leira contemporânea. Essa imprensa, como a conhecemos na dé-cada de 60, tem ainda espaços na sociedade atual? Com o avançoda informatização, qual o papel da Internet, em especial dosblogs,nesse contexto? É apenas um espaço a mais para aumentar a con-corrência, ou é um espaço privilegiado para a antiga imprensaalternativa reencontrar suas funções e a sua expressividade, emoutro suporte e com outra linguagem?

Dessa forma, nesta pesquisa temos o objetivo principal de fa-zer um estudo exploratório sobre a possibilidade e o lugar de ação,na sociedade atual, de uma imprensa alternativa como a que en-frentava a ditadura, revelando suas deficiências e suas contradi-ções. Dentro desse panorama, colocar-nos-emos algumas ques-tões a respeito dosblogscomo espaço alternativo na grande rede,oferecendo alguns elementos para uma análise crítica dessa novamídia.

Para que tais objetivos sejam alcançados, utilizaremos comométodo a pesquisa bibliográfica, além da análise comparativa deblogsque favoreçam a compreensão de nosso objeto de estudo.A pesquisa bibliográfica é a identificação, localização e apresen-tação de uma bibliografia pertinente a determinado assunto emum texto sistematizado, ou, como afirma Ida Stumpf (2005), é o

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conjunto de procedimentos para “identificar, selecionar, localizare obter documentos de interesse para a realização de trabalhosacadêmicos e de pesquisa, bem como técnicas de leitura e trans-crição de dados que permitem recuperá-los quando necessário”(STUMPF, 2005, p.54).

Tanto em razão de parte de nosso objeto de estudo se encontrarna Internet, como osblogs, além do fato de já existirem diversaspesquisas e artigos publicados unicamente na grande rede, faz-senecessário utilizar a Internet como fonte de pesquisa. No entanto,concordamos com Yamaoka (2005), quando afirma que alguns fa-tores afetam o processo de recuperação dessa informação, a saber,a volaticidade da informação, a confiabilidade, a qualidade das in-formações e as limitações dos atuais mecanismos de busca. Pararesolver tais empecilhos, neste estudo utilizou-se apenas artigose pesquisas publicados emsitesconfiáveis, como os de grandesjornais e revistas, ou de portais especializados em informaçõesacadêmicas, além de textos completos publicados em portais deuniversidades e bibliotecasonline.

Dessa forma, esta pesquisa começa recuperando o conceitode “imprensa alternativa”. Resgatando um pouco de sua históriano jornalismo brasileiro, em especial durante o período de seuapogeu, a ditadura, averiguaremos suas principais funções em seucontexto social (capítulo 1).

Além disso, para se poder compreender a situação concretaem que a imprensa alternativa se encontra hoje, faz-se necessá-ria uma análise do contexto político, econômico e tecnológico dojornalismo a partir do final da ditadura (capítulo 2). Todos es-ses fatores irão pesar sobre a realidade dos jornalistas e sobre asexperiências alternativas que surgem no período.

A partir da experiência deBundas, OPasquim21eCaros Ami-gos, procura-se analisar se é possível que a imprensa alternativasiga existindo como tal, acompanhando suas contribuições ao jor-nalismo brasileiro e os principais desafios enfrentados por essaspublicações (capítulo 3). Após um breve histórico desses veícu-los, analisa-se, no caso deBundase OPasquim21, o que levou ao

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seu desaparecimento e, no caso deCaros Amigos, as suas maioresrestrições atuais.

Procura-se, também, observar se a Internet e osblogsseriamuma “alternativa” à imprensa alternativa, comprometida pelas mu-danças jornalísticas e empresariais da imprensa para se adaptaraos novos tempos e às novas necessidades (capítulo 4). Analisa-se, assim, se osblogspodem ser um “oásis de renovação” da im-prensa alternativa, ao oferecerem um espaço livre para o debate ea discussão de idéias.

Dessa forma, percorrendo a história do jornalismo alternativo,nosso intuito é esquadrinhar algumas possibilidades de atuaçãodesse tipo de jornalismo na sociedade contemporânea. A partirdestas páginas, percorrendo algumas de suas experiências, tantoimpressas comoonline, deseja-se observar os desafios e as possí-veis alternativas disponíveis ao jornalismo independente.

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Capítulo 2

A imprensa alternativa nocontexto brasileiro

Para encontrar as atuais características da imprensa alternativabrasileira e seu espaço de ação, faz-se necessário, antes, percorrerbrevemente o caminho realizado por essa mesma imprensa na his-tória do jornalismo brasileiro, em especial no auge de sua atuação,no período da ditadura militar. Nosso enfoque, nesta pesquisa, éidentificar o papel e o espaço de atuação da imprensa alternativahoje, o que nos impõe a necessidade de esclarecer a concepção de“imprensa alternativa” e, depois, de discutir o papel e o local deação dessa imprensa em outros tempos.

Antes disso, convém esclarecer que nosso intuito é o de con-tribuir para uma maior compreensão da realidade de um jorna-lismo independente na sociedade brasileira e a sua relação coma democracia e a atual realidade do país. Nesse sentido, nossainterpretação, hoje, da imprensa alternativa é perpassada pela suanecessidade em uma sociedade democrática, como analisa Igna-cio Ramonet:

Há muitas e muitas e muitas décadas que a im-prensa e os meios de comunicação representam, nocontexto democrático, um recurso dos cidadãos con-tra os abusos dos poderes. Na realidade, os três po-

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deres tradicionais – legislativo, executivo e judiciário– podem falhar, se equivocar e cometer erros. Commaior freqüência, é claro, nos Estados autoritários editatoriais, onde o poder político se torna o principalresponsável por todas as violações de direitos huma-nos e por todas as censuras contra as liberdades. [Emum] contexto democrático, os jornalistas e os meiosde comunicação consideraram, com freqüência, serum dever importante denunciar estas violações de di-reitos. [...] Foi por este motivo que, durante muitotempo, se falou no “quarto poder”. Definitivamente, egraças ao senso cívico dos meios de comunicação e àcoragem de jornalistas audaciosos, as pessoas dispu-nham deste “quarto poder” para criticar, rejeitar e re-sistir, democraticamente, às decisões ilegais que po-deriam ser iníquas, injustas e até criminosas para compessoas inocentes. Dizia-se, muitas vezes, que era avoz dos sem-voz (RAMONET, 2006b,online).

A partir desse aspecto, nosso objetivo neste capítulo é subli-nhar alguns pontos de destaque nos estudos sobre imprensa alter-nativa brasileira e fazer um breve relato da presença desse tipo dejornalismo na história da imprensa brasileira, no período do re-gime militar. Procura-se, também, indicar alguns pontos chavesdo papel das publicações alternativas no contexto social em quese desenvolveram.

2.1 Por que alternativa?

A “imprensa alternativa”, no Brasil, designa aqueles jornais e re-vistas surgidos no contexto da ditadura militar, que formam umgrande bloco de resistência, tanto política – em oposição ao re-gime, ao modelo econômico adotado, à violação dos direitos hu-manos a partir dos Atos Institucionais e à censura imposta –, comojornalística – criando um espaço independente da chamada grande

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imprensa, contra o discurso oficial, sem uma estrutura hierárquicafixa e sem a obrigatoriedade da conquista de lucro. Três dosprincipais estudos já realizados sobre essa imprensa alternativano Brasil são os textos de Sérgio Caparelli (1986 e 1988), JoséLuiz Braga (1991) e Bernardo Kucinski (2003). De certa forma,os três apresentam conceitos semelhantes, mas Kucinski, por terpublicado seu texto mais recentemente, oferece alguns aprofun-damentos maiores, tanto a respeito do conceito de imprensa alter-nativa como da história dessas publicações.

Em sua extensa pesquisa sobre o tema, Kucinski oferece umadefinição histórica inicial sobre o termo:

Durante os quinze anos da ditadura militar no Bra-sil, entre 1964 e 1980, nasceram e morreram cercade 150 periódicos que tinham como traço comum aoposição intransigente ao regime militar. Ficaram co-nhecidos comoimprensa alternativaou imprensa na-nica. A palavrananica, inspirada no formato tablóideadotado pela maioria dos jornais alternativos, foi dis-seminada principalmente por publicitários, num curtoperíodo em que eles se deixaram cativar por esses jor-nais. Enfatizava uma pequenez atribuída pelo sistemaa partir de sua escala de valores e não dos valoresintrínsecos à imprensa alternativa. Ainda sugeria aimaturidade e promessas de tratamento paternal. Jáo radical dealternativa contém quatro dos signifi-cados essenciais dessa imprensa: o de algo que nãoestá ligado a políticas dominantes; o de uma opçãoentre duas coisas reciprocamente excludentes; o deúnica saída para uma situação difícil, e finalmente, odo desejo das gerações dos anos de 1960 e 1970, deprotagonizar as transformações sociais que pregavam(KUCINSKI, 2003, p.13).

São publicações que surgem a partir da intenção de algunsjornalistas de criar espaços não existentes mais na imprensa tra-

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dicional. Colabora nesse sentido a postura de Caparelli, quandoafirma que “alternativa indica uma relação com outro, umalterque chama a si os que se desviam de um caminho inicial, no caso,a imprensa tradicional” (CAPARELLI, 1986, p.45). São experi-ências que buscam praticar uma forma de jornalismo diferente darealizada por outras publicações contemporâneas.

Seguindo a perspectiva de Kucinski, os principais jornais daépoca da ditadura, considerados alternativos, eram contrários àpolítica dominante – ditatorial e contrária aos direitos mais bási-cos da cidadania, como a livre expressão. Faziam, dessa forma,com que os leitores vissem já nas suas manchetes e títulos que setratavam de outros jornais, com outra preocupação que não a apre-sentada pela grande imprensa, que muitas vezes se tornou meraporta-voz do regime para manter suas edições nas bancas e assimnão perder anúncios.

De acordo com Braga, “a imprensa alternativa se vê como jor-nalismo de oposição. Sua estrutura, sob forma de pequena em-presa, tenta evitar a dualidade entre os proprietários e os jorna-listas, para superar o controle da palavra pelo poder econômico”(BRAGA, 1991, p.228). Segundo ele, é importante não restrin-gir essa forma de imprensa apenas como uma complementaçãoà grande imprensa, ficando circunscrita a determinados públicoscom interesses bastante específicos.

[A imprensa alternativa] não é produzida para umsetor de interesses limitados da sociedade. Por suaabordagem temática, ela pode ser caracterizada como“imprensa de interesse geral”. [...] Enquanto “al-ternativa”, ela se propõe a ser a busca de uma ou-tra forma, suscetível de substituir a grande imprensa.Não seria complementar ou secundária com relaçãoao jornalismo de grande empresa, mas igual ou equi-valente (BRAGA, 1991, p.228).

Essas características apontam um horizonte bem claro a res-peito da alternativa que as publicações assim intituladas procuram

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ser. Como afirma o autor, mesmo que a imprensa alternativa nãosoubesse entrar em competição pelo mercado com a grande im-prensa, sua pretensão é de construir formas diferentes de interpre-tação da realidade, ultrapassando “uma postura de simples suportede uma opinião, em benefício de um trabalho mais complexo decoleta e de análise sobre a diversidade do social” (BRAGA, 1991,p.229).

Caparelli (1986), avançando nesse sentido, suscita uma ques-tão a respeito dos outros momentos históricos em que esse tipode jornalismo surge na sociedade. O autor procura aumentar ocampo de visão histórico sobre essa outra imprensa.

A maior parte desses traços alternativos pode serencontrada em épocas diferentes. Funciona como umfogo-fátuo a iluminar zonas obscuras do autoritarismo.Ela vive, ou sobrevive, nos regimes fechados em queo poder estabelece um controle cerrado do sistema decomunicação. Quando se fala em controle de mensa-gem, entende-se também ação de monopólios da in-dústria cultural (CAPARELLI, 1986, p.42).

Isso nos permite formular as questões que fazemos nesta pes-quisa, não resumindo nosso enfoque apenas sobre o período doregime militar. O fato de “traços alternativos” estarem presentesem épocas diferentes nos leva a tentar encontrar esses aspectosna imprensa de hoje. Já o autoritarismo, como o próprio autorressalta, pode também ser identificado na ação dos monopóliosda indústria cultural, como atualmente, uma vez que não se vivemais em regimes políticos fechados. Contudo, sob a forma daindústria cultural, continua existente “um controle cerrado do sis-tema de comunicação” (CAPARELLI, 1986, p.42).

2.2 Antecedentes na história

Caparelli (1988) também levanta alguns questionamentos que nosparecem pertinentes para a análise da imprensa alternativa histo-

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ricamente. Citando estudo realizado por Mar de Fontcuberta eGomez Mompart, o autor observa que “o alternativo em comuni-cação não existe como definição estável nem pode existir” (CA-PARELLI, 1988, p.8). Segundo ele, “o alternativo depende daconjuntura concreta de cada panorama comunicativo e mais doque falar de comunicação alternativa é necessário se referir a ele-mentos alternativos de comunicação” (CAPARELLI, 1988, p.8).

Com isso, tem-se de reconhecer a dificuldade de consideraros mesmos padrões para comparar épocas distintas. Isso não im-pede, entretanto, que se procure entender se hoje é possível umaimprensa alternativa como a que existiu durante a ditadura mili-tar. Se o alternativo depende de cada conjuntura concreta de cadapanorama comunicativo, não podemos restringir sua existência aapenas duas décadas ou a determinado contexto político. Se con-siderássemos isso, não haveria por que perseguir uma respostapara a pergunta a respeito do papel e do espaço de atuação deuma imprensa alternativa hoje.

Por escapar a qualquer definição que venha a circunscrevê-la apenas a determinado contexto geográfico, histórico, político,econômico ou social, não podemos afirmar que foi apenas nasdécadas de 60, 70 e 80 que a imprensa alternativa se desenvol-veu ou fez parte do jornalismo brasileiro. Kucinski, por exemplo,estuda apenas esse período histórico por ser o momento em queessa imprensa ganhou maior relevância, e por ter sido justamenteo momento em que o conceito surgiu. Foi nessa época que a im-prensaunderground, como também era chamada, teve um maiorimpulso, sofreu com os bloqueios da ditadura e refletiu todo o mo-vimento revolucionário mundial, especialmente a partir de 1968.Caparelli (1988) não só percebe isso, como chama a atenção parao fato de a imprensa alternativa já existir antes, mesmo que nãofizesse parte das preocupações dos estudiosos – e nem dos gover-nos – da época. Como o próprio autor afirma, “a expressão podeter 20 anos, mas o fenômeno é mais antigo” (CAPARELLI, 1988,p.9). Além de não ser algo oriundo nem de determinada época,

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nem de determinado lugar ou cultura, as alternativas à imprensasão uma constante histórica.

As pesquisas de Caparelli (1988) deixam claro que o apare-cimento de veículos alternativos na imprensa não é exclusividadenem do Brasil, nem de alguma década específica. Estados Unidos,Europa, União Soviética e China, em anos diferentes, também ti-veram seus exemplares alternativos, guardando-se suas peculiari-dades. Caparelli mostra que até mesmo na Revolução Francesa,assim como na Revolução Russa, havia imprensa propondo umasociedade nova, em oposição ao sistema comunicativo aristocrá-tico.

Na América do Sul, durante as ditaduras militares que se tor-naram comuns durante a década de 70, a pauta política era quasea mesma nos diferentes países, incluindo perseguições aos jorna-listas, fechamento de publicações e censura. Dentro desse pano-rama, foram diversas as formas com que elementos alternativosse fizeram presentes na imprensa da maioria dos países do sul docontinente.

Márcio Tonetti (2004) verifica que, no Brasil, as publicaçõescom elementos alternativos remontam a um passado histórico pré-republicano.

Desde a colonização portuguesa, a pequena im-prensa assumiu um ideal peculiar. A singularidadeexpressa na grande maioria pelas produções “pasqui-neiras”, típica do período regencial [...] denunciavaaté pelos títulos dados aos jornais, a situação políticaque corroia o Brasil. Por trás desses títulos, suges-tivos por sinal, se escondia na verdadeO Grito dosOprimidos (exemplo de pasquim nascido em 1833que alardeava as condições revolucionárias provinci-anas) (TONETTI, 2004,online).

Gondim et al (1998) afirma que o primeiro jornal brasileirojá nasce contestando o poder: oCorreio Braziliense, de HipólitoJosé da Costa. Surgido para combater a Coroa, sob o cerco da

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censura, o jornal era impresso em Londres, com uma linha edi-torial “direcionada a defender o que julgava ser direito dos brasi-leiros: a liberdade” (GONDIM, 1998, p.07). A partir de janeiro1822, com o fim da censura prévia, aparecem outros diversos jor-nais adversários da monarquia, pregando a independência, comoo Revérbero-Constitucional Fluminense, de Gonçalves Ledo, oCorreio do Rio de Janeiro, de João Soares Lisboa, além deA Ma-lagueta, Malaguetas Extraordinárias, dentre outros.

Nesse mesmo ano, o da independência, surgem os conheci-dospasquins. Caracterizados pelo deboche e combatividade ver-bal, mostravam sua irreverência até nos nomes, comoO MacacoBrasileiro, A Mulher do Simplícioou A Mutuca Picante. Comoanalisa Nelson Werneck Sodré,

Foram [...] os males do meio e do tempo, agra-vados e alastrados às vezes, traduzidos na violênciacomo norma e na injúria como moeda corrente, res-ponsáveis pela fisionomia apresentada pelo pasquim.Tal fisionomia foi traço geral, igualou os que defen-diam o governo e os que faziam oposição. [...] Opasquim trazia para a rua uma política habitualmentepreparada em gabinetes, introduzia o elemento popu-lar naquilo de que ele havia sido propositadamenteexcluído (SODRÉ, 1983, p.156).

Em razão disso, “durante todo o Primeiro Império, conta-semuita perseguição à imprensa, por causa dessas irreverências, di-vergências políticas e pelas suas lutas em favor de mais liberdadespolíticas” (GONDIM, 1998, p.13), levando os pasquins a ter vidaefêmera e a desaparecerem rapidamente. Mesmo assim, essa im-prensa contestadora continuava a se desenvolver, algumas vezescom maior expressividade, outras vezes mantendo-se limitada apequenos grupos sociais que buscavam seus direitos.

Para Caparelli (1986), o reaparecimento dessa imprensa noBrasil a partir da década de 60, de maneira “vitalizada”, se deve

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ao fato de que “o bloqueio da informação por parte do poder obri-gou a numerosos grupos formarem seus próprios canais de ex-pressão” (CAPARELLI, 1986, p.47). Foi nesse período que essaimprensa ganhou um impulso gigantesco no Brasil, fenômeno fa-vorecido principalmente pela realidade política. Cabe-nos, po-rém, interpretá-la não como algo historicamente localizado, massim como um valor historicamente presente de contestação e deoposição ao discurso oficial.

Resta-nos, então, procurar aprofundar ainda mais a especifici-dade do termo. Se historicamente ela teve seu valor, diferenciadoem cada geração, como atualmente a imprensa alternativa é en-tendida? Procuraremos compreender mais alguns elementos parasua análise, especialmente no que se refere à sua função de ummodo geral, mas principalmente dentro do contexto social em sua“época de ouro” no jornalismo brasileiro, nas décadas de 60, 70 eparte dos anos 80, em plena ditadura.

2.3 As experiências a partir da década de60

No Brasil, a década de 60 ficou marcada como a década do inícioda ditadura no país, que determinou limites muito bem estabele-cidos para o cidadão comum e muito mais para a imprensa. Es-pecialmente a partir do Ato Institucional Número 5, de 1968, asliberdades foram restringidas, e a imprensa, colocada sob censura.É nessa nova situação política, que também envolve uma nova si-tuação econômica e social, que a imprensa alternativa brasileiravai ganhar contornos bem específicos, de contestação à ditadura eà violação dos direitos humanos. Como observa Kucinsci, “os pri-meiros jornais alternativos nasceram no vazio deixado pelo des-baratamento da imprensa vinculada ao campo popular e pelo es-treitamento do espaço crítico na grande imprensa” (KUCINSKI,2003, p.38).

José Luiz Braga (1991), em sua pesquisa sobre oPasquim, um

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dos mais expressivos títulos alternativos que surgem durante o re-gime, verifica que a situação da época colabora para o surgimentode outras experiências jornalísticas. Segundo ele, havia disponi-bilidade de um grande número de profissionais, “qualificados ecríticos”, que “concebem seu trabalho em uma perspectiva quese acomoda mal na imprensa-indústria” (BRAGA, 1991, p.227).Com a mídia em geral vivendo um empobrecimento de seu con-teúdo jornalístico – em conseqüência da censura, do alinhamentode empresas com o regime, de uma produção dirigida ao consumode massa – esses profissionais que deixavam as grandes empresasencontravam nos títulos alternativos um espaço de manifestaçãoonde regular suas idéias e posições.

Esses fatores, segundo o autor, teriam sido fundamentais paratoda uma gama de publicações que vão surgindo no país a partirdesse período. Não fazemos aqui uma análise detalhada de cadapublicação, visto que não é esse o nosso objetivo, mas retoma-mos determinadas experiências vividas por alguns dos principaisexemplares da chamada imprensa alternativa da época.

Uma dessas publicações, a inaugural, é a de Millôr Fernan-des. Ao perder seu espaço na revistaO Cruzeiro, Millôr lança,independentemente, uma revista com o mesmo nome de sua se-ção na publicação: nasce, assim, aPif-Paf. Como afirma Kucinski(2003), a revista surge sem nenhum esquema profissional de pro-dução. Os desenhos de colaboradores como Ziraldo, Fortuna eClaudius são entregues a Millôr, que produz o resto, “uma preca-riedade que se tornaria marca registrada da imprensa alternativa”(KUCISNKI, 2003, p.48).

A revista nasce apenas como crítica de costumes, porém, apartir da repercussão entre os leitores, passa a ficar cada vez maispolítica, o que leva à prisão de Claudius, em razão de uma chargepublicada, tornando-se o primeiro humorista preso no períodopós-1964. Na sua última edição, a de número 8, Millôr publica,na contracapa, a “Advertência!”:

Quem avisa, amigo é: se o governo continuar dei-xando que certos jornalistas falem em eleições; se

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o governo continuar deixando que certos jornais fa-çam restrições à sua política financeira; se o governocontinuar deixando que alguns políticos teimem emmanter suas candidaturas; se o governo continuar dei-xando que algumas pessoas pensem por sua própriacabeça; e, sobretudo, se o governo continuar deixandoque circule esta revista, com toda sua irreverência ecrítica, dentro em breve estaremos caindo numa de-mocracia” (FERNANDES apud KUCINSKI, 2003,p.49).

Essa edição é apreendida em diversos lugares. Dias depois,Millôr encerraPif-Paf. Apesar de sua grande vendagem sem ne-nhuma campanha publicitária, a revista fecha “porque foi lançadasem organização administrativa apropriada, sem funcionários deapoio, de modo amadorístico e voluntarista” (KUCINSKI, 2003,p.50).

Em 1969, nasce um dos principais jornais alternativos,O Pas-quim. Entre seus fundadores, estava Tarso de Castro, Jaguar, Sér-gio Cabral e Claudius. Depois, somam-se Henfil, Millôr, Ziraldo,Fortuna, Chico Buarque, Caetano Velloso, Glauber Rocha, CacáDiegues, dentre outros. O periódico ficou conhecido por seu hu-mor e por sua intelectualidade-boêmia, típica da contracultura ca-rioca. “Seus alvos principais eram a ditadura militar, contra aqual se opunha de maneira visceral, a classe média moralista e agrande imprensa” (KUCINSKI, 2003, p.209). Ficou conhecidotambém por suas entrevistas, publicadas na íntegra, marcadas porum texto quase literal, com expressões e jargões que começarama ser usados também nos textos jornalísticos de outros veículos.

Durante sua existência, oPasquimatingiu vendagens astronô-micas, alcançando quase 200 mil exemplares por edição. Enfren-tou a censura, tendo nove de seus integrantes presos. A partirdo seu número 300, o jornal passa a ser publicado sem censuraprévia. No entanto, por problemas administrativos e financeiros,deixa de circular no início de 1985, após diversas trocas de dire-

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tores e muitas desavenças internas com relação à linha editorialpraticada pelo jornal.

Lançado em São Paulo pelo jornalista gaúcho Marcos Faer-man, o jornal bimestralVersusfoi “uma das mais radicais mani-festações de comunicação alternativa” (KUCINSKI, 2003, p.249).Lançado em outubro de 1975,Versusera, segundo seu funda-dor, “um jornal de reportagens, idéias e culturas, que propunhaa ‘cultura como forma de ação política”’ (FAERMAN apud KU-CINSKI, 2003, p.249). Não foi submetido à censura prévia e co-meçou suas vendas de mão em mão, “sem nenhum capital inicial,sem empresa, sem equipamentos” (KUCINSKI, 2003, p.250). Noseu apogeu, em 1977, vendia 35 mil exemplares.

Além de ser de esquerda “sem ser doutrinário, cultural semser estritamente literário, e jornalístico sem ser contingente” (KU-CINSKI, 2003, p.250),Versusabordava também toda a tragédiada América Latina, que vivia sob regimes autoritários não ape-nas naquele momento histórico, mas desde a sua “descoberta”.A publicação era uma “revista da América Latina chocada pelodomínio das ditaduras” (KUCINSKI, 2003, p.256). Segundo Fa-erman, a publicação era uma continuadora das publicações uru-guaiaMarcha e da argentinaCrisis. Abrigava em suas páginastextos de Rivaldo Chinem, Eduardo Galeano, Eric Nepomuceno,Fernando Moraes, Maurício Kubrusly, além de charges de Angelie dos irmãos Chico e Paulo Caruso. No final de sua existência,Versusfoi apropriado pelo Partido Socialista dos Trabalhadores,que o transformou em seu porta-voz, extingüindo-o em 1979.

Opinião nasce em outubro de 1972, em pleno auge da dita-dura militar, integrado por jornalistas profissionais, como Ber-nardo Kucinski e Rodrigues Pereira, além do empresário Fer-nando Gasparian. Desde o início, o jornal se mostrou influente,com um primeiro número superando os 30 mil exemplares vendi-dos. Seu teor contra a ditadura foi uma das razões que o levarama estar constantemente sob censura. Com a publicação do número24, o primeiro censurado desde Brasília, Raimundo Pereira, Tá-rik de Souza e Fernando Gasparian, integrantes deOpinião, são

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presos. De acordo com Rivaldo Chinem, a edição 212 sofreu vetode 23 matérias, num total de 97 laudas (CHINEM, 1995). Bom-bas explodiram na sede do jornal. Matérias foram censuradas.Com a ruptura entre Raimundo e Gasparian, o jornal, que aindaenfrentava os dissabores da ditadura e as freqüentes apreensõesde edições, continuou até 1977. O editorial do número 230, a úl-tima edição, dizia que o jornal só voltaria a circular quando esti-vesse totalmente livre da censura. Calculava ainda que se às 5.796páginas impressas fossem acrescentadas as matérias vetadas pelacensura, o total chegaria a 10.548 (CHINEM, 1995, p.70). Gas-parian, ao fecharOpinião, contabilizou prejuízos de três milhõesde cruzeiros, em razão das cinco apreensões sofridas pelo jornal.

Raimundo Pereira, entretanto, quis investir em uma nova pu-blicação. É assim que surgeMovimento, uma propriedade coletivade seus integrantes, gerido por um conselho de orientação edito-rial formado por nove componentes, como Chico Buarque e Fer-nando Henrique Cardoso, e um conselho da redação com poderesdeliberativos, constituído por 12 jornalistas fundadores. SegundoChinem, em torno deMovimentouniram-se cerca de 500 pessoas,300 delas jornalistas. “Movimentouniu várias correntes da es-querda, atraindo tanto militantes que haviam se afastado da lutaarmada, como grupos novos que se animavam com o surgimentodo novo jornal, vendo nele um espaço em que seria possível oexercício da ação política” (CHINEM, 1995, p.73).

O número zero, destinado apenas a apresentar o programa ea equipe do novo jornal, foi considerado um “atentado à segu-rança nacional” (CHINEM, 1995, p.73). Chinem (1995) contabi-liza que, nos três primeiros anos de existência, foram vetados pelacensura mais de seis mil artigos e ilustrações deMovimento, alémde 4,5 milhões de palavras proibidas, o que resultou numa série deprejuízos em razão das perdas nas vendas e na preparação, despa-chos e recebimentos do material censurado. A última edição saiuem novembro de 1981, após seis anos e meio do lançamento deMovimento.

Uma experiência local foi oCoojornal. O jornal surgiu após

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a saída dos jornalistas Elmar Bones, Jefferson de Barros, JoséAntônio Severo e Gilberto Pauletti da empresa jornalísticaCaldasJúnior, a sexta maior empresa de jornalismo do país. NaCaldasJúnior, eles haviam dirigido o novo jornal do grupo, oFolha daManhã, e introduziram importantes inovações nas outras publica-ções. Porém, quando o novo jornal passa a crescer e a influir nacena política regional, aCaldas Júniorpassa a diminuir o “poder”desses jornalistas na publicação, temerosa de maiores problemascom o governo da época.

Surge, então, nos jornalistas responsáveis doFolha da Manhãa idéia de se criar um jornal independente, a partir da formação deuma cooperativa. Fundada em 1974, nasce aCoojornal. Após umperíodo de atuação junto a outras cooperativas e empresas gaú-chas, a organização lança o seu próprio jornal. Segundo Kucinski,o Coojornal

Tornou-se um jornal “memorialista”, referenci-ado no plano do jogo político, não do ideológico,muito menos do psicológico ou do cultural. [...] Re-gistrava episódios de censura, de autoritarismo nasredações, o lançamento de novos jornais alternativos,lançava as sementes de uma ideologia de imprensaalternativa cooperativista (KUCINSKI, 2003, p.276).

Foi um jornal que conseguiu grandes espaços publicitários,mas, por erros administrativos, além de divisões internas provo-cadas por visões políticas diferentes, não consegue suportar asdificuldades e lança sua última edição em março de 1983.

Em geral, no final da década de 80, juntamente com o fimda ditadura, as publicações alternativas passam por diversas difi-culdades, relacionados com a mudança social levada a cabo como surgimento de um novo capitalismo, chamado “neoliberal”, e,em menor grau, com as problemáticas internas dos grandes jor-nais alternativos. A imprensa em geral passou a gozar novamentede liberdades, e o jornalismo crítico começa a ser praticado tam-bém nas páginas das grandes publicações. Os partidos políticos e

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os movimentos sociais passam a se reorganizar abertamente, fa-zendo com que os jornais alternativos já não fossem mais o centroarticulador de uma mobilização social. O que se vê, então, é umacrescente pulverização de toda a imprensa alternativa em diver-sas manifestações circunscritas a sindicatos e movimentos sociaisespecíficos, assim como na área da comunicação popular.

Perante a saturação do mercado de trabalho pe-las primeiras turmas das novas escolas de comuni-cação, as turmas seguintes aproximam-se de sindi-catos e de movimentos eclesiais de base. Formandopequenas redações, cooperativas e mutirões, lançamjornais voltados aos problemas específicos da região,do bairro, eventualmente, de um movimento de base.Tomam como modelo o padrão da Imprensa Alterna-tiva e modificam-no através de propostas de comu-nicação direta entre jornalista e público. Criam jor-nais em que as bases populares são ao mesmo tempoo sujeito da comunicação e seu próprio agente (KU-CINSKI, 2003, p.141).

Para Regina Festa (1986), no final do período militar a im-prensa alternativa não desapareceu, apenas mudou de lugar social.Aqui podemos citar a experiência deTribuna Metalúrgica, jornaldo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, quesurge em 1979, com tiragens de 20 a 30 mil exemplares. O Sindi-cato dos Bancários também lança aFolha Bancária, alcançando35 mil exemplares diários. No ambiente rural também surgemexperiências próprias, comoEnxadão, do Sindicato dos Traba-lhadores Rurais de Macapá,A Foice, do Sindicato de Correntina,na Bahia, oPicareta da Justiça, jornal de nove sindicatos de tra-balhadores rurais do Paraná, dentre outros. Começam a surgirtambém publicações político-partidárias, representantes de novase tradicionais tendências da esquerda, comoVoz da Unidade, Tri-buna da Luta Operária, Hora do Povo, Em Tempo, Alicerce, Com-panheiro, etc. No final da década de 70 e início dos 80, surge

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também uma imprensa alternativa especializada, comoMulherio,jornal de um grupo de mulheres,Cadernos do Terceiro Mundo,sobre política, economia, sociedade e cultura nos países do Ter-ceiro Mundo, ePorantim, jornal ligado ao Conselho IndigenistaMissionário.

Para Braga (1991), no entanto, essas derivações jornalísticasdos movimentos de base não fazem parte da imprensa alternativa.Segundo ele, “essas exclusões podem ser verificadas nas escolhasdos assuntos, nos modos de produção e na composição dos gruposque produzem os jornais alternativos” (BRAGA, 1991, p.228). Aimprensa político-partidária, controlada de perto por um partidoou sindicato, que lhe oferece suporte financeiro e uma linha rí-gida de ação, segundo o autor, “não tem que se preocupar emsobreviver economicamente, em termos de empresa” (BRAGA,1991, p.229). Já “a distinção relativa à imprensa sindical é a maisevidente, devido aos objetivos específicos desta” (BRAGA, 1991,p.229). Aqui, no entanto, nos parece pertinente deixá-las dentrodo panorama geral da imprensa alternativa, por recuperarem algu-mas características de uma outra forma de fazer jornalismo.

Para Kucinski, essas novas publicações de base são “as maisimportantes tentativas de construção de um jornalismo alterna-tivo, apesar do caráter paroquial de suas propostas editoriais” (KU-CINSKI, 2003, p.156), enfrentando as mesmas problemáticas dasoutras publicações alternativas: a falta de recursos, os bloqueiospolíticos e a conseqüente diminuição de leitores e da mobiliza-ção social que promovem. Segundo o autor, “é o fracasso dessaalternativa, mais do que qualquer outro, que aponta para o en-cerramento da possibilidade de uma imprensa alternativa” (2003,p.157).

Esse breve histórico, assim, apesar de reconstruir sucintamenteas principais experiências da imprensa alternativa brasileira per-mite uma visão das diferentes possibilidades que o jornalismo en-controu no país. Nossa intenção aqui foi tentar perceber quaisas principais preocupações desses jornalistas que se reúnem emtorno de uma proposta independente e diferenciada dos grandes

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jornais. Com visões distintas, todos buscam um ponto comumnas novas publicações alternativas, um espaço onde tenham vozpara dizer o que pensam, sem os bloqueios de uma linha editorialrígida. Esses jornalistas se reúnem nas publicações alternativasem busca de um jornalismo que tenha uma outra função social,função essa que tentaremos analisar a partir de agora.

2.4 A função da imprensa alternativa noBrasil

Depois do resgate histórico da imprensa alternativa no mundoe do desenvolvimento dessa mesma imprensa no Brasil, pode-mos agora tentar compreendê-la em sua generalidade. Caparelli(1986) indica que por “imprensa alternativa” podemos subenten-der o trabalho de jornalistas que procuram dizer o que não é ditoe realizar uma crítica social que traga mais elementos para a com-preensão da realidade. Algo que Tonetti (2006) explicita com ou-tras palavras:

A essência da pequena imprensa, a de mobilizar eservir a opinião pública, em prol das mudanças, nãovem atrelada, nesse ínterim, a interesses comerciais,que por sua vez é o que contrapõe a imprensa arte-sanal à imprensa industrial. [...] O jornal era o ins-trumento que fazia ouvir a voz do povo. [...] E comtal ímpeto, sua influência se mostrou evidente na der-rocada dos regimes totalitários (TONETTI, 2006,on-line).

Temos, assim, alguns elementos que nos fazem retomar a pri-meira definição de Kucinski (2003) sobre imprensa alternativa.Relembrando, o autor nos afirmava que a imprensa alternativacontém quatro significados essenciais: o de ser algo que não estáligado a políticas dominantes; o de uma opção entre duas coisas

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reciprocamente excludentes; o de única saída para uma situaçãodifícil, e finalmente, o do desejo de protagonizar as transforma-ções sociais que as gerações dos anos de 1960 e 1970 pregavam(KUCINSKI, 2003). Podemos dizer que esses significados – su-blinhando novamente o fato de que podem ser encontrados tam-bém em vários períodos históricos –, são a explicitação dos trêsgrandes pilares, a nosso ver, de uma imprensa alternativa: aliber-dade de expressão, acrítica da realidadee amobilização social.

Porém, poder-se-ia perguntar: não são esses, também, os pa-péis de toda e qualquer imprensa? Sim, diríamos, porém como detalhe de que a grande imprensa trabalha efetivamente comvistas ao lucro. Para Braga (1991), “a produção em pequena em-presa, além da conjuntura que impede seu crescimento, indica opapel secundário do lucro na tomada de decisões dos jornais alter-nativos” (BRAGA, 1991, p.229). O não funcionamento em razãodo lucro, ou mesmo a gratuidade, é demonstração de liberdade ede contestação dessa imprensa também aos interesses comerciais.

Ganham maior valor, neste caso, os princípios que destacamosanteriormente. Torna-se necessário, então, verificar brevementecomo os três pilares de uma comunicação alternativa – liberdade,crítica e mobilização – se manifestam na imprensa alternativa bra-sileira.

2.4.1 Liberdade de expressão

Para o jornalista da grande imprensa brasileira à época da dita-dura, talvez em razão do dilema de valores entre jornalismo e ca-pitalismo, e comunicação e censura, a imprensa alternativa torna-se um espaço de liberdade fundamental. Não apenas por umaquestão de rebeldia ingênua ou infantil. Muito menos pela simpa-tia de jornalistas desgostosos e ranzinzas, descontentes com tudo.A imprensa alternativa demonstrava, na sua crítica à ditadura eao modelo econômico capitalista, toda uma nova proposição deconstrução social, que a realidade em que viviam obstruía e atémesmo rejeitava.

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No campo político, a ditadura impedia quaisquer discursos so-bre democracia. No campo econômico, a concentração de capitalera a regra. No campo jornalístico e da cultura, quaisquer mani-festações em favor de uma liberdade estética e de expressão eramimpedidas em nome da moral e dos bons costumes. Dessa forma,a imprensa alternativa conjuga duas forças igualmente compulsi-vas:

O desejo das esquerdas de protagonizar as trans-formações que propunham e a busca, por jornalis-tas e intelectuais, de espaços alternativos à grandeimprensa e à universidade. É na dupla oposição aosistema representado pelo regime militar e às limita-ções à produção intelectual-jornalística sob o autori-tarismo que se encontra o nexo dessa articulação en-tre jornalistas, intelectuais e ativistas políticos (KU-CINSKI, 2003, p.14).

O que havia entre os jornais alternativos era o desencanta-mento com a imprensa tradicional e a falta de espaço para a atua-ção dos jornalistas.

Na origem de toda a aventura alternativa haviaa liderança de jornalistas, ansiosos por se libertaremdas restrições da grande imprensa e um episódio es-pecífico de fechamento de espaços na grande imprensa,um incidente que empurrava jornalistas em direção auma alternativa, às vezes ainda mal formulada, im-precisa (KUCINSKI, 2003, p.24).

A liberdade, então, que a imprensa alternativa possui, tanto naorganização, como na produção e no modo de fazer jornalismo,colabora para a criação de uma nova cultura, que marca profun-damente duas maneiras opostas de se relacionar com o mundo eos fatos:

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Os protagonistas da imprensa alternativa dos anosde 1970 constituíam, assim, uma subcultura que sedistinguia do grosso dos jornalistas e intelectuais pelasua disposição contestatória, pela sua propensão aoativismo, pela sua intransigência intelectual e, em certamedida moral, pela afinidade com os motivos ideoló-gicos que moviam os ativistas políticos (KUCINSKI,2003, p.36).

Nesse ponto, o valor e a função das publicações alternativasera compreender a situação e então tomar partido, para realmenteinformar a sociedade, com liberdade de expressão e análise. Emprincípio, o papel de informar criticamente a sociedade é da im-prensa em geral. Porém, quando essa mesma imprensa não realizaa sua função, os alternativos surgem como um outro meio de seacessar aquilo que não é dito. E aí é que está a força de sua crítica.

2.4.2 Crítica da realidade nacional

Dentro de um panorama de busca de liberdade contra os receiosde uma grande imprensa que aceita ficar calada para manter suamargem de lucro, a crítica da imprensa alternativa, principalmenteao próprio jornalismo, torna-se natural. E numa realidade ditato-rial, com a censura à imprensa e aos cidadãos, que perdem seusdireitos, a crítica ao sistema político é uma necessidade ética queos alternativos não têm medo de levar adiante. “Opunham-se porprincípio ao discurso oficial” (KUCINSKI, 2003, p.14).

A situação brasileira do período torna-se insuportável paratoda uma gama de livres-pensadores, que não acreditam na rea-lidade absurda que o país vive. O que identifica, assim, toda a im-prensa alternativa é a “contingência do combate político-ideológicoà ditadura, na tradição de lutas por mudanças estruturais e de crí-tica ortodoxa a um capitalismo periférico e aoimperialismo, dosquais a ditadura era vista como uma representação” (KUCINSKI,2003, p.14).

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Dessa forma, esses pensadores e ativistas políticos encontramespaço para suas discussões e proposições críticas na imprensa al-ternativa. “Pode-se traçar, assim, uma demarcação entre imprensaconvencional e imprensa alternativa no Brasil pelos seus papéisopostos como agregadores ou desagregadores da sociedade ci-vil, em especial, dos intelectuais, jornalistas e ativistas políticos”(KUCINSKI, 2003, p.21).

Na junção de um espaço livre para a tentativa de realizar umacrítica social e política em plena ditadura e de vozes importantesdo pensamento crítico brasileiro da época, a imprensa alternativaconsegue, assim, promover também uma mobilização social, mui-tas vezes ultrapassando os limites da contenção ditatorial. Passa-mos agora, a ver como essa mobilização se processa.

2.4.3 Mobilização social

Nos jornais alternativos, há uma preocupação em manter uma or-ganização e hierarquia que se diferenciem da imprensa tradicio-nal. De certa forma, organização sim, mas sem hierarquia. Atémesmo na gestão e na administração internas os alternativos ten-tam, muitas vezes sem sucesso, encontrar uma forma de se dife-renciar do modelo tradicional.

É por isso que a reorganização política em plena ditadura,quando os partidos perdem sua importância, acontece na própriaimprensa alternativa. É ela o local privilegiado para reunir nãoapenas as esquerdas, mas também os movimentos sociais, alémde grande parte dos pensadores críticos do país, que estão politi-camente calados.

Está, assim, nessa imprensa, o espaço para uma nova reorga-nização social. Os primeiros jornais começam justamente comouma válvula de escape à situação ditatorial. Depois, com a suamaior proliferação e com o avanço de uma cultura alternativade ordem mundial, uma nova força política vai se organizando.A partir do final da década de 70, a imprensa alternativa se vêmuito mais arranjada com o crescimento dos movimentos basis-

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tas, como as Comunidades Eclesiais de Base, da Igreja Católica,sindicatos e movimentos sociais.

[Ao] impulso essencialmente jornalístico, somava-se o apelo geral revolucionário das gerações dos anosde 1960 e 1970, fazendo dos jornais alternativos, pri-meiro, instrumentos de resistência ou de uma revolu-ção supostamente em marcha, depois, numa segundafase, derrotando esse apelo, caminho de trânsito dapolítica clandestina para a política de espaço públicodurante o período de abertura. Na fase final a articu-lação se desdobrou, abarcando parte do movimentopopular de base. Assim, apesar de sua natureza es-sencialmente jornalística, a imprensa alternativa aca-bou se tornado o principal espaço de reorganizaçãopolítica e ideológica das esquerdas nas condições es-pecíficas de autoritarismo (KUCINSKI, 2003, p.15).

Kucinski analisa essa mudança de paradigma da imprensa al-ternativa como um preocupar-se menos com a organização polí-tica e mais com a prática jornalística. De certa forma, acredita-mos que as duas vertentes, tanto a organização política como aprática jornalística alternativa, são as preocupações essenciais daimprensa alternativa. Justamente pelo recuo do jornalista em re-lação aos meios de comunicação de massa é que essa imprensacomeça a repensar e a “repraticar” toda uma nova forma de fazerjornalismo. Os ativistas políticos, por sua vez, sentem a neces-sidade de repensar sua relação com a sociedade e promover me-lhorias no sistema político. Concordamos com Kucinski, assim,quando afirma que a “imprensa alternativa dos anos de 1970 podeser vista, no seu conjunto, como sucessora da imprensa panfletá-ria dos pasquins e da imprensa anarquista, na função de criação deum espaço público reflexivo, contra-hegemônico” (KUCINSKI,2003, p.21).

Guardadas as proporções, acreditamos que quaisquer alterna-tivas à imprensa tradicional, independente da época ou do lu-

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gar, sempre procuram, nas condições sociais de cada uma, criarum espaço livre para uma reflexão contra-hegemônica, possibili-tando uma crítica independente de relações políticas, necessida-des econômicas ou impedimentos sociais e morais. Na realidadeatual, o espaço público reflexivo, indicado por Kucinski, mostra-se novamente necessário e, principalmente, buscado pela popula-ção: uma imprensa alternativa pós-ditadura.

Para compreender, então, como surgem as novas experiênciasda imprensa alternativa e o papel desempenhado por elas na novarealidade, passaremos agora a analisar a situação política, econô-mica e tecnológica do jornalismo brasileiro a partir do final daditadura e as conseqüências que essas mudanças trouxeram à rea-lidade da imprensa alternativa.

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Capítulo 3

O contextopolítico-econômico do

jornalismo pós-85

Após realizar o estudo prévio sobre a imprensa alternativa brasi-leira no período da ditadura militar, cabe-nos seguir analisandoo que ocorreu no Brasil após o “período de ouro” desse tipo deimprensa até os dias de hoje. Pretende-se, assim, identificar al-gumas pistas quanto à pertinência de uma imprensa alternativa,nos termos da que existiu, no contexto atual. Para tanto, procura-se compreender o que aconteceu no Brasil e no jornalismo, nosúltimos anos, até o momento atual.

O tempo decorrido desde a abertura política soma mais deduas décadas. Nesse período, tanto o Brasil mudou, especial-mente nos aspectos político e econômico, quanto o jornalismo– técnica, funções e espaço público de ação. Não entraremos emmaiores detalhes com relação aos governos da época, visto quenão é esse nosso objetivo. Faz-se aqui apenas uma localizaçãohistórica de toda a conjuntura na qual o jornalismo brasileiro vaise desenvolvendo e na qual a imprensa alternativa, nosso objetode estudo, vai sofrendo grandes transformações.

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3.1 Anos 80: a abertura política e a infor-matização das redações

3.1.1 A herança do período militar

O fracasso do modelo político-econômico adotado pelo regimemilitar leva o país a entrar numa das maiores crises de sua his-tória. Isso se reflete nas elevadas taxas de inflação, de endivida-mento externo e no déficit público durante o último governo mi-litar, o do chefe de governo João Figueiredo (1979-1985). Nesseperíodo, a redemocratização entra na pauta das principais organi-zações sociais de oposição.

A situação encontrada para iniciar um novo período demo-crático revela as distorções do modelo de desenvolvimento ado-tado. Com relação à educação, por exemplo, as medidas adotadasnão conseguiram surtir efeito, especialmente nas regiões Norte eNordeste, permitindo que milhões de crianças continuassem semfreqüentar escolas por falta de vagas (COTRIM, 1999). A con-centração da produção rural nas mãos de latifundiários, por suavez, acentuou-se fortemente durante o regime, com grandes áreasimprodutivas ou voltadas para as culturas de exportação, comoa soja. Com a construção de estradas integrando as diferentesregiões do país, há também um elevado crescimento da frota deveículos rodoviários. Isso leva o país a importar enormes quanti-dades de combustível, justamente num período em que o mundovive uma forte crise do petróleo (COTRIM, 1999).

Em termos econômicos, vê-se um processo defensivo nas de-cisões políticas em face das pressões dos credores internacionais.O governo Figueiredo, no final de 1982, aceita as regras do FundoMonetário Internacional (FMI) para obter novos empréstimos econtornar parcialmente o estado de insolvência crônica do país.Disso provém, como constata Lopez (1997), o declínio dos rea-justes salariais semestrais e a desvalorização do Cruzeiro peranteo dólar. No último governo militar, a inflação bate recordes his-tóricos, gerando um forte endividamento externo. Por isso, diver-

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sos segmentos da sociedade, entre eles partidos, setores da Igreja,universidades, estudantes, imprensa, artistas, sindicatos, passama reivindicar o fim do regime militar e a democratização do país.

Segundo Cotrim (1999), esse movimento vai sendo organi-zado pelas lideranças políticas de oposição em uma campanhanacional em favor das eleições diretas para presidente da Repú-blica, conforme a emenda proposta pelo então deputado Dante deOliveira. Sob o lema “Diretas já”, as multidões buscavam o fimdo regime, contando também com o apoio das primeiras grevesde trabalhadores contra o achatamento dos salários (COTRIM,1999).

Porém, uma série de manobras da elite, liderada pelo depu-tado paulista Paulo Maluf e ligada ao regime militar, impediu aimplantação das eleições diretas. Em janeiro de 1985, novamentepor meio do Colégio Eleitoral, o governador de Minas Gerais,Tancredo de Almeida Neves, é eleito presidente da República, e osenador e presidente do Partido Democrático Social (PDS), JoséSarney de Araújo Costa, seu vice. O novo presidente afirma quesua eleição será a última por via indireta, objetivo que procurariaalcançar por meio de um governo de transição democrática. Noentanto, 12 horas antes da posse, Tancredo Neves fica doente, ésubmetido a várias cirurgias e vem a falecer no mês de abril de1985. Seu vice, José Sarney, assume, assim, o comando da nação.

3.1.2 O governo José Sarney (1985-1990)

Sarney havia feito sua carreira política em apoio à ditadura mili-tar. Havia sido político da Arena1 e presidente nacional do PDS.Liderando o partido, ajuda a impedir a aprovação da emenda cons-

1 A partir de 1965, com o Ato Institucional No 2, era permitida a existênciade apenas duas associações políticas nacionais, nenhuma delas podendo usar apalavra “partido”. Criou-se então a ARENA (Aliança Renovadora Nacional),base de sustentação civil do regime militar, e o MDB (Movimento DemocráticoBrasileiro), com a função de fazer uma oposição bem-comportada que fossetolerável ao regime.

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titucional Dante de Oliveira. Para superar essa imagem negativa,jura honrar os compromissos políticos assumidos por TancredoNeves.

Em 1986, a equipe econômica do novo governo toma medidasvisando o combate da inflação. A saída proposta pelo governoé o Plano Cruzado, simbolizado pelo lançamento de uma novamoeda, do fim da correção monetária, do congelamento dos pre-ços e pelo reajuste automático dos salários sempre que a inflaçãoatingisse 20%. Entretanto, o congelamento acaba sendo burladopelos produtores e comerciantes, e a inflação continua a crescer,o que leva o governo a implantar o Plano Cruzado II, reajustandoos preços das tarifas públicas, do álcool, da gasolina e de uma sé-rie de produtos, o que também não surte efeito (COTRIM, 1999).Apesar do plano, a inflação continua a crescer. O governo tenta,então, aplicar novas políticas de combate à inflação, como o PlanoBresser (1987) e o Plano Verão (1989), ambos sem sucesso.

Para Cotrim (1999), o governo Sarney não soube administrara crise econômica, que continuou extremamente grave até o finaldo seu governo. Segundo o autor, Sarney não conseguiu equilibrartrês grandes problemas da economia de então: a inflação, a dívidaexterna e a dívida interna do governo. Para Lopez (1997), já queos economistas do governo foram incapazes de mudar a situaçãonacional, o centro das esperanças da população foi deslocado paraa Assembléia Nacional Constituinte, reunida a partir de fevereirode 1987.

Depois de 20 meses de trabalho, em 1988, a Assembléia pro-mulga a nova Constituição do Brasil, que confirma como regimepolítico brasileiro o estado democrático de direito. Com a Cons-tituição, restaura-se a liberdade de imprensa, e a publicação denotícias, comentários e opiniões por qualquer veículo de comuni-cação social passa a ser um direito inalienável.

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3.1.3 Jornalismo nos anos 80 – o computador chegaàs redações

No jornalismo brasileiro da década de 80, há uma consolidaçãodas empresas de indústria cultural, processo iniciado ainda na dé-cada de 50. Constata-se uma monopolização crescente das empre-sas em geral, assim como das empresas de comunicação.Globo,Editora Abril, Folha de S.Pauloe O Estado de São Paulopassama concentrar grande parte das publicações nacionais e da rendaoriunda da comunicação. Grandes conglomerados, envolvendorádios, jornais e emissoras de TV, começam a surgir, ditando asleis do jornalismo contemporâneo.

As empresas que não se adaptam ao novo molde perdem mer-cado, tornam-se alvo de negociações, até transformarem-se emparte de um grupo maior. O próprio regime militar também co-labora nesse sentido, como ficou patente nas relações comerciaisentre a empresaGloboe o grupoTime-Life, com grande soma dedinheiro destinada à modernização da empresa brasileira. É o queconstata Fonseca:

Especialmente a partir das últimas décadas do sé-culo XX, parte dos interesses financeiros e industriaisinseridos em políticas globais de expansão e diversi-ficação foi investida na aquisição de ações em setoresde informação e comunicação, instaurando o períodode compras, fusões, associações e outras formas decrescimento corporativo que dão origem aos conglo-merados na arena global do comércio de informaçãoe comunicação (FONSECA, 2005, p.218).

Dessa forma, vendo potenciais fontes de renda em todos oslugares, as grandes empresas de comunicação passam a investirna oferta de novos espaços de comunicação. A partir desse pe-ríodo, os veículos direcionam seus produtos culturais para os di-ferentes grupos sociais, ou seja, passam a segmentá-los, visando apúblicos específicos, desde compradores de carro, donas-de-casa,

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executivos, crianças etc. Há, assim, uma crescente segmentaçãoda imprensa, com grandes empresas obtendo ainda mais lucros emercados mais abrangentes.

O que facilita essa diversificação são as mudanças tecnológi-cas que o jornalismo vive a partir desse período. No início dadécada de 80, o modo de produzir, de comunicar e de existir deum jornal passa por uma grande revolução, conhecida tambémcomo pós-industrial. Provocadas por diversos fatores culturais so-ciais, econômicos, científicos e tecnológicos, as novas tecnologiasda década respondem pela criação, edição e difusão de informa-ções de uma maneira completamente nova. Com a chegada docomputador às redações, há um salto qualitativo nas técnicas deprodução de jornais.

A informatização das redações começa no final dos anos 60 eno início dos anos 70 em todo o mundo. O jornalFolha de S.Pauloé o primeiro do Brasil a introduzir terminais de computador emsuas redações, por meio de um projeto que vinha sendo elaboradodesde 1968 e que só é efetivado em 1983: oProjeto Editorial daFolha. Por meio dele, os terminais de vídeo na redação passam aabolir definitivamente a máquina de escrever.

Após o projeto da Folha, outros grandes jornais brasileirostambém começam suas “aventuras” pelo mundo das novas tec-nologias. Para Vianna, “a explosão tecnológica criou uma novatendência: a constante preocupação dos grandes jornais com a di-nâmica da informação, impulsionando também os pequenos im-pressos do interior do País a se desenvolverem” (VIANNA, 1992,p.27). Mas ficava a pergunta: por que informatizar? “Os edito-res, secretários, diretores e engenheiros do jornal explicaram quea decisão pela sua [daFolha de S.Paulo] informatização não foidiferente dos demais veículos: economia e maior agilidade na ela-boração e distribuição do periódico” (VIANNA, 1992, p.32).

Justamente os sinais mais evidentes da transformação das re-dações estão na redução do tempo entre a cobertura do aconteci-mento e a informação à disposição do leitor, já que a estrutura deprodução computadorizada dinamizava as operações de edição,

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de venda de publicidade e de circulação. O Diretor Executivo doEstado de São Paulo, Luciano Ornellas, no entanto, é enfático: adecisão de informatizar partiu da idéia de que o jornal que não seadaptasse aos novos tempos certamente acabaria. “Os custos deprodução cresceram de tal maneira que não havia outro caminhoa não ser a informatização” (ORNELLAS apud VIANNA, 1992,p.52). Só no Projeto Editorial da Folha, que levou a cabo todo esseprocesso, foram investidos cerca de 4,5 milhões de dólares. Até1990, a imprensa fez investimentos de 100 milhões de dólares,conforme estimativa da Associação Nacional de Jornais (BAHIA,1990).

Com a informatização, há também uma mudança no quadro defuncionários das grandes empresas de jornalismo. Segundo cálcu-los de Vianna (1997), antes da chegada dos terminais de vídeo naredação daFolha de S.Paulo, o jornal contava com cem digitado-ras, dois engenheiros eletrônicos, quatro técnicos, 95 pestapistas,56 fotocopiadores e 102 revisores. Com a nova configuração, arevisão foi extinta por completo, e a arte-final também desapare-ceu.

A imprensa alternativa, por sua vez, não deixa de participarde todo esse processo, tentando, no entanto, elaborar uma outraforma de fazer jornalismo. Porém, as barreiras econômicas sãograndes. Toda a revolução tecnológica tem um alto custo, ao qualos títulos alternativos que vão surgindo não tem condições de pa-gar. Em 1986, Raimundo Pereira, que participou das publicaçõesalternativasAmanhã, Opinião, MovimentoePolítica, todos já ine-xistentes, lança o novo jornal diárioRetrato do Brasil, contandocom colaboradores como Helio Bicudo, Mino Carta e RaymundoFaoro. Após algumas semanas, torna-se semanal, depois irregu-lar, até desaparecer (KUCINSKI, 2003).

Tarso de Castro, dos ex-jornais alternativosO Pasquim, Já eEnfim, cria o semanário nacionalstandart O Nacional, com 30mil exemplares de tiragem e participações de peso como Eric Ne-pomuceno e Paulo Caruso. Durou apenas 11 meses e 50 edições,até setembro de 1987 (KUCINSKI, 2003).

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Existe ainda a concorrência com a grande imprensa, que, coma abertura, passa também a empregar o jornalismo crítico em suaspublicações. Bandeiras exclusivas da imprensa alternativa, comoa campanha da anistia, também começam a fazer parte dos gran-des títulos. Com o passar do tempo, porém, os jornalistas quecomeçavam a se tornar muito inconvenientes eram demitidos, tor-nando efêmera essa aproximação entre estilos da imprensa alter-nativa com os da grande imprensa. As demissões cortavam jus-tamente os jornalistas mais experientes, dando lugar a uma novageração, cooptada num projeto de jornalismo “que tornava desne-cessária a busca de alternativas, negava as antigas utopias e pro-punha a manipulação consciente e sofisticada do mercado” (KU-CISNKI, 2003, p.198).

3.2 Anos 90: impeachment, estabilidadeeconômica e o jornalismo online

3.2.1 Governo Fernando Collor de Melo (1990 -1992)

Após o governo Sarney, em 1989, numa agitada eleição reali-zada em dois turnos, após 30 anos sem voto direto para presi-dente da República, o candidato vitorioso é o ex-governador deAlagoas, Fernando Collor de Melo, do Partido da Renovação Na-cional (PRN). Com uma imagem de político jovem, preocupadoem combater os “marajás” (funcionários do serviço público comaltos salários) e em empreender a modernização administrativado Estado, Collor propunha um projeto de governo baseado naprivatização de empresas estatais, no combate aos monopólios,na abertura do país à concorrência internacional e na desburocra-tização das regulamentações econômicas. Com essas medidas,pretendia combater a hiperinflação herdada do governo Sarney,que, nos seus últimos 12 meses, acumulou o índice de 2.751,34%(COTRIM, 1999).

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Em 16 de março de 1990, dia seguinte à posse, Collor anun-cia um plano econômico que, entre outras coisas, bloqueia contase aplicações financeiras nos bancos, confisca cerca de 80% dodinheiro que circula no país e extingue a moeda vigente resta-belecendo o antigo Cruzeiro. O Plano Collor pretende conter oprocesso inflacionário no país. Porém, após um controle inicial, ainflação volta a crescer, e o governo vai perdendo credibilidade.

Segundo Lopez, “ao longo dos anos 1990-1991, os ricos fi-caram 5% mais ricos, o salário mínimo atingiu seu valor maisbaixo desde 1940 [...] e a taxa de desemprego aumentou em28% nas seis principais regiões metropolitanas” (LOPEZ, 1997,p.148). Muitos desses fatos têm origem nas primeiras medidas dogoverno Collor, considerado um governo “neoliberal”. Para PauloVizentini,

As idéias neoliberais de economistas como Hayeke de determinados círculos empresariais pouco teóri-cos começaram a ganhar audiência nos anos 70, quan-do a crise do modelo econômico do pós-guerra intro-duziu uma prolongada recessão, que combinava mo-destos índices de crescimento com inflação elevada.Para eles a crise seria decorrente dos aumentos sala-riais e dos gastos sociais do Estado, e a solução se-ria reduzir o tamanho e as funções do Estado, quedeveria concentrar-se sobretudo na estabilidade mo-netária. Esta política foi perseguida através da limi-tação da emissão monetária, aumento da taxa de ju-ros, redução de impostos para os rendimentos maiselevados, redução dos gastos sociais, privatização fa-cilitada das empresas públicas, elast but not least,liberalização dos controles financeiros e comerciaisinternos e externos (VIZENTINI, 1997, p.42).

Em nível mundial, as políticas neoliberais foram organizadasnuma tentativa de reação dos Estados Unidos para impor um pro-grama de ajuste global para os países desde o final dos anos 80,

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conhecido pelo termoConsenso de Washington. O documentoparte do pressuposto de que os recursos de instituições financei-ras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI)e o Banco Mundial (Bird), destinados aos países em desenvolvi-mento, estavam sendo desperdiçados. Sem resolver suas crises,muitos países estavam se tornando inadimplentes. Como formade evitar o agravamento desses problemas, as principais medi-das defendidas pelo Consenso para os Estados são a diminuiçãodas barreiras alfandegárias e das barreiras contra investimentosestrangeiros e transações de moeda estrangeira, a implementaçãode uma maior disciplina fiscal, a reforma tributária, a liberaliza-ções das taxas de juros, a redução dos gastos públicos (VIZEN-TINI, 1997). No Brasil, as práticas neoliberais, contudo, suca-teiam empregos e salários. Em 1993, o IBGE divulga estatísticainformando que o Brasil possuía 32 milhões de miseráveis (CO-TRIM, 1999, p.359).

Além da crise econômica e social, depois de dois anos de man-dato do governo Collor começam a explodir na imprensa inúme-ras denúncias de corrupção envolvendo a cúpula governamental.Após uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), o processode impeachmentdo presidente é aprovado. Em 1992, Collor éimpedido de exercer a função de presidente da República. Emoutubro do mesmo ano, o vice-presidente, Itamar Augusto Cauti-ero Franco, torna-se o novo presidente da República.

3.2.2 Governo Itamar Franco (1992-1994)

Derrotado na disputa pelo governo de Minas Gerais em 1986,como candidato do Partido Liberal (PL), Franco abandonou em1989 seu partido trocando-o pelo PRN, no qual foi eleito vice deCollor. Assumiu, assim, a partir de dezembro de 1992, o comandopleno do governo federal.

Segundo Cotrim (1999), o novo presidente procurou montarum governo de entendimento nacional, que pudesse agradar aomais amplo espectro de correntes políticas. Convidou, assim, para

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compor seu ministério, figuras das mais variadas tendências ide-ológicas, vindas de diferentes partidos políticos, como o Partidodos Trabalhadores (PT), o Partido da Social Democracia Brasi-leira (PSDB), o Partido do Movimento Democrático Brasileiro(PMDB) e o Partido da Frente Liberal (PFL).

No plano econômico, a situação é de graves problemas: in-flação alta, renda altamente concentrada, recessão econômica, de-semprego e agravamento do problema da fome e da indigência.Assim, para colaborar nas primeiras ações do governo, o senadore ex-ministro das Relações Exteriores, Fernando Henrique Car-doso, é nomeado Ministro da Fazenda. Após alguns meses nocargo, Fernando Henrique anuncia o Plano Real, que tem comoobjetivo acabar com a inflação e estabilizar a economia. A partirde julho de 1994, o Real passa a vigorar como moeda nacional.

Com o novo plano, a inflação desaba de quase 50% em junhode 1994 para índices próximos a 4% no final de julho do mesmoano (COTRIM, 1999). Foi em razão do sucesso do plano nas ca-madas populares que um movimento de candidatura de FernandoHenrique a presidente da República cresce entre grande parte daopinião pública. Realizada a eleição presidencial em outubro de1994, FHC vence no primeiro turno, com quase 55% dos votosválidos.

3.2.3 Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) – primeiro mandato

Durante seu primeiro governo, FHC tem como uma de suas pri-oridades fortalecer o Real para vencer a inflação e estabilizar aeconomia. Para Cotrim,

Havia por parte do novo governo um diagnósticoclaro dos efeitos sociais perversos da inflação que as-solava o país nas últimas décadas. Essa inflação crô-nica foi uma das grandes responsáveis pelo aumentoda concentração de renda, pois uma parte da popula-

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ção defendia-se com a correção monetária, enquantoa maioria dos pobres era vitimada pela corrosão in-flacionária (COTRIM, 1999, p.361).

O governo empenhou-se, assim, em promover uma série de re-formas envolvendo a previdência social, a administração públicae a privatização de estatais monopolistas (COTRIM, 1999). Entreessas, estão a Companhia do Vale do Rio Doce e as empresas detelecomunicação do sistema Telebrás. Em razão dessas ações, aoposição criticava a postura “neoliberal” do novo governo. Todasas medidas tomadas, contudo, não ajudaram a resolver a concen-tração de renda, nem o desemprego. Ao contrário: em 1995, os10% mais ricos detinham 48,2% da renda nacional, e os 10% maispobres, 1,1% (LOPEZ, 1997).

Em 1997, é aprovada pelo Congresso Nacional uma emendaconstitucional permitindo a reeleição para presidente da Repú-blica, governadores de estado e prefeitos. De acordo com Co-trim (1999), FHC, ancorado no triunfo do combate à inflaçãoe na estabilização da moeda, disputa a eleição presidencial de1998, vencendo-a novamente já no primeiro turno. Com a vitória,tornou-se o primeiro brasileiro reeleito em mandatos consecuti-vos.

3.2.4 Governo Fernando Henrique Cardoso (1999-2002) – segundo mandato

Diferentemente da primeira gestão, FHC começou seu segundomandato cumprindo o papel que havia conseguido evitar por qua-tro anos: o de gerenciador de crises (COTRIM, 1999). Mesmosem promover reformas importantes de que o país precisava, comoas da Previdência, tributária, agrária, trabalhista e política, FHCpassou a administrar rachas em sua base de sustentação, alimen-tada pelas barganhas políticas dos partidos no Congresso Nacio-nal (GERENCIADOR, 2006).

Em janeiro de 1999, com cenário de crise mundial, aumenta

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a pressão para que o governo mude o câmbio fixo, na relação deUS$ 1 para R$ 1. Técnicos do Banco Central decidem, então,deixar o câmbio flutuante, com o objetivo de preservar as reservasnacionais, estimular as exportações e atrair investimentos estran-geiros (GERENCIADOR, 2006).

A corrupção, que contaminou o governo de Fernando Collorde Mello, também esteve presente, em episódios como o desviode verbas da construção do Fórum Trabalhista do Tribunal Regi-onal do Trabalho, em São Paulo, que envolveu o juiz aposentadoNicolau dos Santos Neto. Foi nesse governo que o país assistiu aoafastamento do Congresso Nacional dos senadores Antonio Car-los Magalhães (PFL-BA) e Jader Barbalho (PMDB-PA). ACMfoi acusado de estar envolvido na violação do painel eletrônico doSenado. Jader foi acusado por quebrar o decoro parlamentar, pordesviar verbas de projetos políticos na época em que foi ministroda Reforma Agrária.

Ao final de sua segunda gestão, Fernando Henrique Cardosocomeça a gerenciar novas crises na economia. Com cenário dealta do dólar – que chegou a patamares próximos de US$ 1 paraR$ 4 – o governo recorreu a nova ajuda financeira do FMI e reu-niu os principais candidatos à presidência em torno do compro-misso de respeito aos contratos firmados nos últimos oito anos(GERENCIADOR, 2006).

Os principais temas da campanha presidencial de 2002 pas-sam, assim, pelas reformas que não foram iniciadas ou concluídasno mandato FHC, sendo alvo de discussão de todos os candidatos.O governo FHC acaba oficialmente em 31 de dezembro de 2002,após a eleição de Luiz Inácio “Lula” da Silva.

3.2.5 Jornalismo nos anos 90 – os primórdios dojornalismo online

Segundo Vianna (1997), com a eleição de Collor, a política de re-serva de mercado da indústria nacional de informática sofre alte-rações. A partir desse momento, Collor coloca como seu objetivo

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abrir o mercado e permitir a entrada de tecnologia estrangeira.Assim, o setor gráfico da imprensa foi amplamente beneficiado,já que as importações ocorrem sem maiores dificuldades. Os im-pressos passam, então, por um período de grande crescimento.De 4,3 milhões de exemplares diários de jornais impressos, em1990, os números alcançam 7,9 milhões de exemplares por dia,em 2000. Porém, tudo às custas de grandes endividamentos, com80% deles em moeda americana (FONSECA, 2005).

Em razão disso, as empresas jornalísticas e de radiodifusãoderam início a um fortelobby junto ao governo e ao CongressoNacional para retirar da Constituição as restrições para a associa-ção ao capital estrangeiro para a solução dos problemas causadospelo endividamento. No final de 2002, o Congresso aprova o Pro-jeto de Emenda Constitucional no 36. Pela emenda, a participaçãode pessoas jurídicas e de capital estrangeiro no capital social deempresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e ima-gens fica permitido até o limite de 30%. No entanto, com exceçãodaEditora Abril, daFolha de S.Pauloe dos canais de TV por sa-télite, poucos são os grupos que se beneficiam dessa possibilidadelegal para sanar suas dívidas.

Com o crescimento da Internet, que começa a despontar comoespaço informativo, a grande imprensa vê significativos espaçosde crescimento. Desde 1995, já existem no Brasil os provedoresde acesso privado à Internet. Nesse ano, oJornal do Brasillançaa primeira edição completa de um jornal nacional na grande rede.Em seguida surgem as versõesonlined’O Estado de São Paulo,O Globo, Estado de Minas, Zero Hora, Diário de PernambucoeDiário do Nordeste(MATTOSO, 2006). Essas versões tornam-se a saída para os jornais não se tornarem obsoletos e perderemmercado.

Com isso, a velocidade de produção da imprensa torna-se mai-or, em razão da publicação e do acesso instantâneos que a novamídia permite. A organização do trabalho muda, e as funções jor-nalísticas concentram-se. As redações ficam menores, com umaexigência maior sobre cada jornalista. Ocorre novo processo de

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conglomeração e monopólio, como, por exemplo, a parceria doGrupo Folha de S.Pauloe Grupo Abril, que cria o maior prove-dor de conteúdos e acesso à Internet do Brasil, oUniverso Online(UOL), em 1996. Assim, a concorrência por anúncios, assinaturase vendas torna-se ferrenha. Algumas empresas optam por outrasformas de publicidade, escapando dos meios tradicionais, com aconcentração dos anúncios nos grandes veículos, em razão de suamaior abrangência.

A concepção de fato jornalístico também sofre mudanças. Avelocidade passa a ser o gradiente de credibilidade e legitimidadejornalísticas: quem publica antes merece mais atenção e conside-ração. Configura-se, assim, uma homogeneização das informa-ções publicadas. Os grandes jornais provocam um efeito de “con-sonância” – pouquíssimas diferenças entre os títulos das capas dejornais concorrentes.

Há, dessa forma, uma modificação completa nas comunica-ções, tanto de estrutura, de linguagem, como de relação público-mídia. O modo de se fazer e de se ler jornal altera-se completa-mente. Passam a ser necessários ainda mais conhecimentos téc-nicos e maiores investimentos em tecnologias novas. Os leitores,por sua vez, a partir da navegação virtual, encontram na Internetuma informação mais acessível e de escolha muito mais pessoal,sem custos objetivos.

À imprensa alternativa, nesse contexto, restam poucas possi-bilidades. Surgem, nessa década, apenas três grandes publicaçõesalternativas. Em 1990, nasce a versão brasileira deCrisis, pu-blicação argentina, capitaneada por Marcos Faerman, ex-Versuseex-Ex. Apenas o primeiro número é publicado. Em 1996, Sérgiode Souza e Roberto Freire, ex-Bondinho, ex-Jornal Livroe ex-Ex,lançam a revista mensalCaros Amigos, que segue até hoje. Em1999, Ziraldo, Jaguar e outros remanescentes doPasquimlançamBundas, revista humorística semanal, que dura apenas um ano.

Geralmente sem uma administração profissional e com poucaspossibilidades econômicas, em razão dos poucos anúncios e datiragem menor, esses jornais acabam sucumbindo frente aos “jor-

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nalões”, de enormes vendagens e grandes espaços publicitários.Mais adiante, analisaremos com maior atenção essas publicaçõese suas dificuldades no período.

3.3 Anos 2000: Lula no poder e o desen-volvimento do jornalismo online

3.3.1 Governo Luís Inácio Lula da Silva (2003-)

A posse de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente da Repú-blica ocorre em 1o de janeiro de 2003. O governo, à época, éconsiderado um novo horizonte pela imprensa internacional parauma possível nova esquerda. A chegada de Lula ao poder coin-cide com uma reação generalizada da população latino-americanaaos partidos de centro e direita. Eleito por dizer-se contrário à po-lítica econômica neoliberal do seu antecessor FHC, Lula refleteuma insatisfação da população com relação à gestão anterior. Emseu governo, entretanto, optou por manter um modelo de políticaeconômica similar ao do antigo governo.

De modo geral, o governo Lula caracterizou-se pela atuaçãono campo social. O Programa Fome Zero foi a principal plata-forma eleitoral do governo Lula, projeto que pregava a elimina-ção da fome e a redução da pobreza no país. Apesar de muitodivulgado, o programa conseguiu poucos resultados, que vierampor meio de seu principal instrumento, o Bolsa Família, consi-derado pelo governo como o maior programa de transferência derenda do mundo, atendendo 8,7 milhões de famílias (GOVERNOFEDERAL, 2006). Um das principais críticas da oposição, alémdos poucos resultados efetivos, é com relação à “paternidade” doprograma, afirmando que a proposta surgiu no governo FHC.

Desde 2004, o governo Lula vem enfrentando diversas crisespolíticas, que atingiram seu apogeu em julho de 2005, depois quefontes internas do governo denunciaram um esquema de corrup-ção envolvendo financiamento de campanhas por “Caixa 2”, que

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permeava vários níveis do executivo federal e atingiu inicialmenteo PT, se estendendo depois a toda a base aliada. As Comissõesde Inquérito dos Correios e do chamado “Mensalão” passaram ainvestigar como funcionava o esquema de arrecadação e distribui-ção de dinheiro para parlamentares em troca de apoio.

No entanto, é difícil analisar todo esse período quando os fatosainda estão ocorrendo. Qualquer afirmação poderá, logo em se-guida, tornar-se desmentida. O que se vê é uma grande incógnitaem relação às eleições de 2006, quando o governo Lula entrarána disputa pela reeleição após uma série de denúncias de corrup-ção e lavagem de dinheiro. Dois feitos do governo possivelmenteentrarão nas discussões eleitorais. A primeira é com relação aopagamento da dívida de 15,57 bilhões de dólares em emprésti-mos ao FMI, zerando uma pendência de sete anos de duração (RI-BEIRO, 2006). Outra conquista celebrada pelo governo Lula foia auto-suficiência em petróleo, com a inauguração da plataformade petróleo P-50, no Rio de Janeiro. Com a nova plataforma, aprodução nacional passará a cerca de 1,92 milhão de barris pordia, quando o consumo brasileiro de petróleo é estimado em 1,8milhão de barris diários (LULA, 2006).

Porém, não se pode ainda fazer quaisquer análises anteriores,pois muitos fatos e seus desencadeamentos ainda estão ocorrendo.Resta apenas deixar este breve relato da situação até o momentopresente, reservando à consciência de cada leitor uma análise maisaprofundada do que ocorre, no dia-a-dia, a partir destas linhas.

3.3.2 Anos 2000 – a consolidação do jornalismoonline e as novas possibilidades de comuni-cação

Com a popularização da Internet, os jornais impressos perdemgrande parte de seus leitores. A relação não é tão causal quantopossa parecer, mas sem dúvida ambos os fatores possuem liga-ções. Para Eivind Thomsen,

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A queda de circulação ocorre de forma acentuadaentre os públicos jovens. [...] Os jovens estão aban-donando os jornais, percebem os jornais como umacoisa de seus pais e avós. E ali não está a informaçãode que precisam. Os jovens preferem outras mídias,especialmente a Internet. Os que ainda lêem jornaisestão lendo menos. E os anunciantes têm um pro-blema crescente de alcançar esse público jovem.2

Para Marcelo Rech3, há, além disso, uma tendência entre osleitores de dedicar menos tempo à leitura dos jornais. Nos Es-tados Unidos, segundo ele, o tempo de leitura caiu de cerca de50 minutos para um pouco mais de 20 minutos. Entre os moti-vos, a fragmentação é o ponto mais forte: são diversas emisso-ras de rádios, várias outras de TV, milhares desites. De acordocom Rech, os jornais impressos tendem, assim, a realizar diver-sas mudanças editoriais. Entre as principais estão a redução depáginas nos impressos, o uso de recursos de informação rápida(tabelas, gráficos), valorização dos recursos visuais (infográficos,fotos de maior impacto e mais valorizadas), com textos curtos,aproximando-se das interfaces encontradas nossitesnoticiosos.

Na Internet, a convergência entre texto, imagem e som temsido a marca do jornalismo que surge no início do século 21. Porreunir e explorar todas as potencialidades dos demais meios, ojornalismoonline representa uma revolução no modelo de pro-dução e distribuição de notícias vivenciado pelo jornalismo im-presso. Em termos publicitários a imprensa atual também passa arepensar seu posicionamento com a chegada da Internet. SegundoThomsen, os jornais americanos publicaram 120 milhões de anún-

2 Diretor da empresa multimídiaSchibsted, de Oslo, Noruega, na palestra“Uma nova perspectiva para o mundo dos jornais”, para a empresa Zero Hora,em 25 de maio de 2005.

3 Diretor de redação dos jornais da empresaRBS, de Porto Alegre, na pa-lestra “A visão de futuro dos jornais da RBS”, para a redação do jornalZeroHora, em 5 de abril de 2006.

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cios classificados em um ano. Já ositede trocas e negóciose-Baypublicou 602 milhões de classificados no mesmo período.

O grande desafio, por isso, é construir uma linguagem própriano novo meio virtual. A mistura de elementos multimídia permiteque o internauta construa seu próprio roteiro de leitura, buscandoinformações de seu interesse. Isso obriga o jornalista a produziras matérias de forma especial, que despertem a curiosidade do lei-tor, mesclando técnicas de produção de notícias para TV, rádio ejornal e dominando as mais variadas formas de trabalhar conteú-dos que sigam as novas “regras” impostas pelas novas tendênciasde comunicação.

No ano de 2000, por exemplo, o provedor Internet Grátis (IG)lançou o primeiro jornal totalmente concebido para a Internet,o Último Segundo, com material de agências de notícias e umaequipe própria de repórteres. Logo em seguida, os portais tam-bém começam a produzir conteúdos jornalísticos na nova escala.Surge, assim, um novo modelo de jornalismo, com a primazia ab-soluta da informação em si, direta da fonte, sem intermediários,até o “consumidor”. Pula-se a etapa de levantamento, apuração ecruzamento das informações, sem a confrontação dos mais dife-rentes pontos de vista. A informação passa a ser uma prestaçãode serviços, como a previsão do tempo, as condições do trânsito,a programação cultural etc (FONSECA, 2002).

Nesse período, surge uma outra mídia que se expande comgrande velocidade. O advento e a popularização dosblogssão aconseqüência do uso dessa ferramenta como uma forma de co-municação para os mais variados fins, causando uma verdadeiratransformação na Internet. São considerados mídias alternativasdentro da grande rede por serem um importante canal de contra-informação, já que qualquer usuário pode ter o seublog. Eles tra-zem consigo o livre direito de se comunicar via Internet, estandodisponível e ao mesmo tempo ao alcance de qualquer um. Maisadiante, estudaremos melhor esse fenômeno no contexto jornalís-tico.

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Além dessas experiências alternativasonline, no meio impressodo início do século 21 surge apenas um título independente demaior expressividade:OPasquim21. Inspirado no antigoPas-quim, que baseava sua atuação nos movimentos existencialistas eda contra-cultura norte-americanos, investindo contra a falsa mo-ral e os bons costumes das classes médias, o jornalstandartchegaàs bancas em fevereiro de 2002, comandado pelos irmãos Ziraldoe Zélio Pinto.

Nesse período, porém, como vimos, a imprensa mudou, etambém mudou a sociedade. Mesmo em plena democracia pós-ditadura, as publicações alternativas percebem que as dificuldadesque sofrem são talvez maiores até que os bloqueios da censuramilitar. No governo FHC,Bundasjá havia desaparecido, pou-cos meses após seu lançamento e cerca de 70 edições publicadas.Caros amigospermanece até hoje, porém, com uma abrangên-cia extremamente restrita, dirigida a leitores já bem informadosque possuem outras fontes de informação. Na metade do governoLula, OPasquim21já ia definhando, até encerrar suas atividadesdefinitivamente em junho de 2004.

A partir desse contexto de grandes mudanças no jornalismo,com o surgimento de novas possibilidades de comunicação, pas-saremos, no próximo capítulo, a analisar a realidade da imprensaalternativa contemporânea, comoBundas, OPasquim21e CarosAmigos. Nossa pretensão, nesse sentido, é ver se há possibilidadespara o desenvolvimento de uma imprensa crítica e independenteno contexto atual e analisar as suas funções em uma conjunturabastante diferente dos anos da ditadura.

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Capítulo 4

A imprensa alternativabrasileira contemporânea

Em meio a mudanças políticas, econômicas e tecnológicas, comovimos no capítulo anterior, o jornalismo enfrenta diversos obstá-culos para seguir seu curso, principalmente em termos de concor-rência, de altos gastos com novas tecnologias e mudanças cons-tantes nos padrões das grandes mídias. Da mesma forma, e combarreiras ainda maiores, a imprensa alternativa que surge a partirda abertura política sofre dificuldades bastante grandes. Mesmovivendo em uma realidade social democrática, sem os empeci-lhos da censura, agora os fatores econômico e tecnológico pesammuito sobre os grupos que se formam em busca de outra formade fazer jornalismo. Algumas publicações resistem e permane-cem por um tempo maior, outras duram apenas alguns meses ealgumas edições.

Como exemplos desses novos periódicos alternativos, temosas revistasCaros Amigose Bundas, e o jornalOPasquim21, quesurgem a partir do final da década de 90. São títulos que ga-nham destaque no cenário nacional, apesar de não estarem liga-dos a grandes grupos editoriais. Existe ainda uma outra imprensaalternativa, restrita a públicos menores, geralmente de entidadespolíticas e sindicais, bem localizados geograficamente, sem ex-

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pressividade no país em geral, com uma linha editorial político-partidária, muitas vezes mantidos economicamente por uma or-ganização superior – fato que nos levou a destacar apenas essestrês títulos, mais próximos da definição de imprensa alternativa.Destes, apenasCaros Amigosmantém-se em circulação.

Neste capítulo, após uma breve síntese da história desses veí-culos e seu posicionamento na sociedade contemporânea, tentare-mos analisar quais foram suas principais dificuldades no decorrerde suas edições e, no caso deBundase OPasquim21, o que levouao seu desaparecimento.

4.1 Caros Amigos: a precursora da im-prensa alternativa pós-abertura polí-tica

Lançada pela editoraCasa Amarela, a revistaCaros Amigoschegaàs bancas em abril de 1997. Dirigida pelo jornalista Sérgio deSouza, a revista, segundo sua própria definição,

traz, em cada edição, uma grande entrevista compersonalidade de destaque em determinado campo deatividade, como o econômico, o político, o religioso,o artístico, o esportivo, o filosófico etc., sempre al-guém de opinião independente, pronto para criticaro próprio meio em que atua. Outro ponto forte darevista são os colaboradores: Ana Miranda, José Ar-bex Jr., Frei Betto, Emir Sader, Guilherme Scalzilli,Carlos Castelo Branco, Leo Gilson Ribeiro, MyltonSeveriano, Claudius, Guto Lacaz, Adão Iturrusgarai,Jorge Arbach, Georges Bourdoukan, Gilberto Felis-berto Vasconcellos, Ferréz e muitos outros amigos.Reportagens, um ensaio fotográfico e a opinião dosleitores completam a receita editorial que se firmou e

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já está no sexto [sic] ano de vida (CAROS AMIGOS,2006,online).

Em sua primeira edição,Caros Amigostraz na capa uma fotodo jornalista Juca Kfouri, convidado para a “entrevista-explosiva”,que se consagraria como o carro-chefe da revista. A capa e o in-terior são impressos em preto e branco. A tiragem inicial é de 50mil exemplares, com 20.800 revistas vendidas. A partir daí, pu-blicada mensalmente em todo o país, a revista traz como marcaregistrada as entrevistas “bombásticas” e as grandes reportagens.

Pelas entrevistas, já passaram grandes personalidades, comoo jornalista Caco Barcellos, falando sobre a polícia que mata ospobres; o teólogo Leonardo Boff, criticando o poder da Igreja Ca-tólica; o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, JoãoPedro Stédile, por mais de uma vez, comentando a reforma agrá-ria; o médico Dráuzio Varela, falando sobre saúde; o músico Lo-bão e as gravadoras e rádios comerciais; o ex-jogador Sócrates,discorrendo sobre os bastidores do futebol nacional, dentre ou-tros. Várias capas já foram reservadas a entrevistados, além demuitas páginas internas dedicadas às longas conversas.

Com relação às grandes reportagens, Francisco Bicudo Filhocompara o trabalho realizado pela revista com as reportagens fei-tas pela revistaRealidade, da década de 60.

ParaCaros Amigos, a revistaRealidadeé uma re-ferência, uma inspiração, um sonho de Ícaro a ser per-seguido e, um dia quem sabe, alcançado. [...] Desdeseu início,Caros Amigosmanifesta a vontade e o de-sejo de oferecer aos seus leitores a grande reporta-gem, o texto narrativo de fôlego e profundidade, asmatérias de compreensão do mundo, as histórias bemcontadas (PEREIRA FILHO, 2004, p.103).

Apesar de não ser “ainda” uma revista de reportagens,CarosAmigos, segundo Pereira Filho (2004), vê na reportagem o seumaior objetivo. Como observa o autor, o maior obstáculo que a

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impede de colocar à disposição de seus leitores, todos os meses,grandes reportagens é a falta de repórteres disponíveis para pes-quisa e apuração, além da falta de infra-estrutura e dinheiro pararealizar viagens.

De acordo com Pereira Filho (2004), em 2000, a equipe eracomposta por 15 pessoas, incluindo a redação, o setor comerciale a administração, sem contar os colaboradores. A estrutura in-terna de trabalho difere dos modelos hegemônicos, por “recuperaros sentimentos de fraternidade e liberdade que inspiraram inúme-ros veículos da imprensa alternativa” (PEREIRA FILHO, p.119,2004). Marina Amaral, uma das sócias da revista, afirma queCa-ros Amigosreúne duas formas de fazer jornalismo independente:não estar ligado a nenhum grupo econômico poderoso e “poderolhar para a realidade e se dar o direito de enxergar coisas quea grande imprensa normalmente não procura” (apud PEREIRAFILHO, p.124, 2004).

Como fonte de renda, a revista possui, além das vendas embanca e das assinaturas, outras publicações da editoraCasa Ama-rela. A série “Rebeldes Brasileiros”, em fascículos com dois vo-lumes de 24 edições, que traz histórias de pessoas que desafiaramo poder, e a série “História Imediata”, que aprofunda temas daatualidade, foram lançadas conjuntamente com a revista. Na áreade livros, aCasa Amarelatem 16 títulos no mercado. A editoratambém mantém na Internet ositeda revista.

Atualmente,Caros Amigoscontinua sendo vendida nas ban-cas, além de oferecer a alternativa da assinatura. Segundo dadosdisponibilizados em seusite, a tiragem mensal média é de 50 milexemplares, com uma venda média de 20 mil (CAROS AMIGOS,2006). Em 2001, havia 12.300 assinantes (PEREIRA FILHO,2004). A principal fonte de renda permanece com as vendas embanca (56%), seguida pelas assinaturas (36%), e os 8% restantesficam por conta da publicidade (CAROS AMIGOS, 2006).

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4.1.1 Poucos caros amigos

Um dos principais problemas queCaros Amigosenfrenta desde oseu surgimento é a sua pouca expressividade em comparação àsoutras publicações nacionais. Em seu segundo número, a revistapercebe que seu produto corresponde ao desejo de um “contin-gente de homens e mulheres, emissores e receptores, prontos paraparticipar de iniciativas que tragam em si a intenção da busca e ex-posição da realidade” (CAROS AMIGOS, 1997, p.3). No entanto,com o passar dos anos, a revista acaba sofrendo um processo de“guetização”, tanto pelo seu claro posicionamento político, comotambém pelos temas abordados e pelos enfoques dados a eles pelarevista.

Em agosto de 2001,Caros Amigosrealiza uma pesquisa paraconhecer o perfil de seus leitores. Revela-se, assim, um público-leitor masculino, entre 20 e 49 anos (72%), com curso superiorcompleto (91%), com um número considerável de pós-graduados(19%). Seus leitores estão na classe econômica B (49%), seguidapela classe C (30%) e depois pela A (17%). Mais da metade dosleitores trabalham (67%). Dentre eles, 75% têm acesso à Internet,22% recebem anewsletter Correio Caros Amigossemanalmente,e 32% visitam ositecom certa regularidade (CAROS AMIGOS,2006).

Com isso, confirma-se o que Muniz Sodré afirma sobre a re-vista, quando diz queCaros Amigos“ainda tem poucos leitores enão consegue ter o alcance, por exemplo, de um jornal comoMo-vimento” (SODRÉ apud PEREIRA FILHO, p.120, 2004). Sodréindica Movimentopor ter sido um dos principais títulos da im-prensa alternativa durante a ditadura. Uma das principais funçõesdessa imprensa, como vimos anteriormente, é a mobilização na-cional em torno de uma agenda política clara de crítica ao regimepolítico. Hoje, vemos que essa agenda não existe ou, se existe,não encontra a mesma repercussão que as publicações anterioresconseguiam no seu contexto social.

Por ter poucos leitores, a grande maioria deles com uma for-

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mação política bem acima da média da população, a revista acabasendo apenas um reforço de opiniões formadas, uma publicaçãopara um grupo específico e bem limitado. A constatação final,nesse sentido, é óbvia: a restrição em termos de público e con-seqüentemente de vendas, de publicidade e de mobilização socialde Caros Amigosé, com certeza, seu maior desafio com relaçãoao futuro.

4.2 Bundas: oferecendo o outro lado darealidade

Com 100 mil exemplares,Bundaschega às bancas em 15 de ju-nho de 1999, com distribuição no Brasil e em Portugal. Lide-rada pelo jornalista Ziraldo Alves Pinto, tinha entre os colabora-dores Jaguar, Lan, Millôr Fernandes, Chico e Paulo Caruso, LuísFernando Veríssimo, Jô Soares, Carlos Heitor Cony, Frei Bettoe Nani. Como a própria chamada de capa do primeiro númeroanuncia, “a nata do Humor e do Jornalismo brasileiro está den-tro” (BUNDAS, 1999, p.1).

A publicação nasce moderna, com um projeto gráfico bastantetrabalhado e rico em detalhes, impressa toda em cores, com des-taque para os cartuns e charges, além dos textos assinados porseus famosos colaboradores. Dessa forma, segue os passos do an-tigo Pasquim, tanto pela temática humorística, como pela estru-tura, com uma grande entrevista principal, as frases-lema de capa(como “A revista que ousa dizer o seu nome”, na edição 26) e afalta de uma linha editorial coesa, com páginas assinadas e artigosdispersos, sem um fio condutor para toda a revista. As novidadesficam por conta dos novos cartunistas, além das editorias “Bundada Semana”, com fotos enviadas pelos leitores, e “Bundalelê”,uma espécie de coluna sem autor, comdropsinformativos.

Em seu primeiro editorial, escrito por Luís Fernando Verís-simo,Bundasanuncia para que veio:

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Estamos aqui em nome de todos os valores mo-rais e cívicos, hoje tão esquecidos, contidos na pa-lavra “Bundas”. Para dizer as coisas às claras e porinteiro. E, diante dessa social democracia que nãoousa dizer seu nome em público, dessa tempestadede bosta que ameaça nos soterrar, exercendo o nossoelementar direito de autodefesa (VERISSIMO, 1999,p.6).

A revista procura, assim, fazer um contraponto opinativo àsociedade e satirizar o jornalismo estiloCaras, a principal revistada classe alta brasileira. Ao longo das edições, a crítica políticatorna-se o seu forte, principalmente no deboche e na sátira do en-tão presidente FHC. Os cartuns e charges políticas às vezes ocu-pam páginas inteiras, retratando os problemas do governo federal.Uma bem humorada crítica de costumes também faz parte da re-vista, herança do velhoPasquim.

Semanal,Bundasdura 78 edições, até dezembro de 2000,quando termina sua circulação. Em pouco mais de um ano, a re-vista alcança recordes de vendas, com mais de 170 mil exempla-res vendidos, porém, nas últimas edições, mantinha uma média demenos de 20 mil exemplares vendidos, quando precisaria venderpelo menos 50 mil para continuar se mantendo somente com asvendas avulsas (THEOPHILO, 2006). A realidade é tão grave queleva seu responsável, Ziraldo, com mais de um milhão de reais deprejuízo, a afirmar: “Estou devendo uma fortuna hoje. Tanto, quese eu fizer as contas, dou um tiro na cabeça” (PINTO apud THE-OPHILO, 2006). Dessa forma,Bundastermina sua história, apóscruzar o limiar do novo século desfalecendo em dívidas.

4.2.1 Bundas e os problemas internos

Em termos gerais,Bundasviveu dois grandes desafios. O pri-meiro foi administrar uma equipe antiga, que participara do an-tigo Pasquim, em um formato completamente novo, em revista,

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para um público também novo, composto por muitos jovens uni-versitários, que via na publicação uma possibilidade de encon-trar a mesma verve política e humorística das décadas anteriores.O segundo é com relação à administração da revista. Já no an-tigo Pasquim, como vimos anteriormente, esse quesito nunca foio forte dos seus integrantes. Como afirma Ivan Fernandes, empre-sário do setor gráfico da revista, filho de Millôr,Bundastermina“por excesso de fidelidade ao velhoPasquim. Não só no estiloeditorial como no amadorismo de seu departamento comercial”(FERNANDES apud THEOPHILO, 2006,online). Ivan deixa adireção da revista cerca de seis meses após o primeiro número,por discordar da condução que Ziraldo dava ao setor financeiro.

Para Ziraldo, a revista era uma boa idéia, tanto em conceitoquanto na forma, mas não funcionou administrativamente com aspoucas vendas em banca, mas principalmente pela falta de verbaproveniente de anúncios (PORTARI, 2006). Ivan Fernandes con-corda com Ziraldo e questiona: “Como uma revista que teve comoeditor o Jaguar, personagem tão associado à mitologia de bar doRio de Janeiro, não consegue um único anúncio de cervejaria?”(apud THEOPHILO, 2006,online).

Mas os problemas comerciais não podem ser considerados oúnico motivo que levou ao fim deBundas. Praticamente desdea sua estréia, a revista atravessou momentos de turbulência in-terna, causados pela falta de uma linha editorial. Ivan Fernandesacredita que a indecisão na condução deBundaslevou-a a come-ter excessos, como a reportagem sobre bonecas infláveis eróticas,com muitas fotos, que levou os leitores a criticarem o despropó-sito da matéria e o extremo mau gosto da revista (THEOPHILO,2006).

Para Miguel Paiva, cartunista deBundas, um grupo defendiauma revista de crítica de costumes, enquanto outra facção defen-dia uma revista mais politizada, estilo que acabou prevalecendopela liderança de Jaguar e Ziraldo (THEOPHILO, 2006). Na ex-plicação de Ziraldo,

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Bundas virou uma revista política e é muito difí-cil ter uma revista política com o nome de Bundas.Quem sabia que ela era política, comprava Bundascom qualquer nome que ela tivesse, mas quem que-ria comprar uma revista chamada Bundas, chegava láe dizia:Não é isso que eu quero! Eu quero é bunda!Não tem bunda nenhuma na revista. Ela tinha um errode marketing (PINTO apud GOLDSCHMIDT, 2006,online).

Com a promessa de cinco almanaques que sairiam com osmelhores textos e desenhos de Jaguar, Aroeira, Ziraldo e MiguelPaiva,Bundasdesaparece das bancas sem cumprir sua dívida comos leitores. Alguns meses antes, Ziraldo ainda precisa se desfazerda revistaPalavra, publicação basicamente voltada para o cená-rio cultural de Minas Gerais, também por problemas financeiros.Mesmo assim, ele promete uma nova publicação, que não sofra osmesmos problemas dePalavra e Bundas. Algum tempo depois,nasceOPasquim21.

4.3 OPasquim21 e a promessa de novidadecom características do passado

SeBundasmantinha sua identidade em relação ao antigoPasquimem razão de seu projeto gráfico moderno e seu formato de revista,OPasquim21nasce com todo o estilo do antigo título. Com ologotipo criado sobre a antiga marcaPasquim, o hebdomadárionasce a partir de mais uma tentativa nostálgica de Ziraldo de res-suscitar o antigo jornal. A primeira edição sai às bancas com umeditorial de Luis Fernando Verissimo:

Nossa ambição é modesta: queremos reinventara imprensa. Ser o Gutemberg do pós-setembro 11.

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Respeitaremos algumas convenções do jornalismo bra-sileiro – impressão em papel, cafezinho ruim, esta-giárias semsoutienetc. – mas mudaremos o resto,pois OPASQUIM21 não pode ser igual a nada que jáexiste ou existiu. Inclusive o Pasquim (VERISSIMO,2002, p.3).

Com uma base empresarial sólida,OPasquim21nasce de uminvestimento de quase dois milhões de reais (PORTARI, 2006).Impresso em tamanhostandard, tem páginas coloridas e em pretoe branco. Um exemplar número zero começa a circular por algu-mas redações do país para mostrar que o projeto gráfico, apesar demais clássico e comedido, mantém alguns traços da revistaBun-das. Em fevereiro de 2002,OPasquim21número 1 sai às bancascom tiragem inicial de 100 mil exemplares.

Como emBundas, o discurso do novo jornal é visivelmentecontra a grande imprensa e o governo da época, no segundo man-dato de FHC – mesmo que, logo depois, com a eleição de Lula, asposições mudem, o que leva o jornal a rever sua função no novocenário nacional.

Para começar, queremos deixar bem clara a nossaposição, fato inédito na imprensa nacional. Somos afavor do contrário de tudo que está aí [...] Nossa bur-rice oficial é proporcional ao talento desperdiçado.Nossa inteligência sempre se perde no caminho dopoder, além de ser subaproveitada na grande imprensa.Assim toda reunião de talentos brasileiros, como esta,se não serve para mais nada, serve para denunciar odesperdício. Não, não, ninguém aqui quer o poder.Bom, talvez o Ziraldo. Só queremos ser o contraste(VERISSIMO, 2002, p.3).

A equipe, basicamente a mesma da antigaBundas, é formadapor colaboradores de renome nacional, como Fausto Wolff, Aro-eira, Ferreira Gullar, Arthur Poerner, Aldir Blanc, Mauro San-tayana, Paulo Caruso, Santiago e Sílvio Lancellotti. No entanto,

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os amigos Jaguar e Millôr, que fizeram história noPasquime es-tiveram com Ziraldo nos primeiros tempos da revistaBundas, nãoaceitam o convite para participar da nova empreitada. Para Jaguar,as comparações com o antigoPasquimseriam inevitáveis e, parao público leitor jovem, o nome não diria nada (PORTARI, 2006).

Ziraldo rebate as críticas de seus amigos por querer trazer devolta uma coisa do passado ao criar um jornal com “cabeça de 70em corpinho de 21”.

Este jornal não pretende ser o renascimento dovelho e heróicoPasquim, ao qual servi com a almainteira. Não há aqui a intenção de reviver nada, nãobastasse estarmos em um novo século para saber queos tempos são outros. [...] O que o grupo que estábotando este jornal na rua pretende é fazer uma pu-blicação que herda doPasquim, além do nome deguerra, os novos significados que a palavra adquiriupor causa de sua história. Hoje, no inconsciente co-letivo brasileiro, a palavra pasquim, que antes quali-ficava apenas um panfleto difamatório, está ligada auma idéia de resistência, de indignação social e po-lítica, de coragem e de inventia. Tudo isto posto emprática com humor e ironia. O que queremos com onome é que o leitor fique sabendo, de imediato, a queveio esse jornal. Ainda que lá fora não tenha maisnem a ditadura nem a guerra fria. [...] OPASQUIM21pretende ser o jornal do futuro (PINTO, 2002a, p.2).

Em termos práticos, porém, o jornal mantém os mesmos carros-chefe do antigoPasquime da revistaBundas: as grandes entrevis-tas, publicadas na íntegra, sem edição, além dos artigos assinadospor famosos colaboradores e os cartuns e charges – alguns publi-cados até em página dupla, em um jornalstandart. Pelas entre-vistas, passam personalidades como os políticos Armínio Fraga,José Genoíno, Aécio Neves, Hugo Chávez e Leonel Brizola, o es-

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critor Ferreira Gullar, o teólogo Leonardo Boff e o presidente daRepública Luís Inácio Lula da Silva.

Em relação a Lula, merece destaque um texto de Ziraldo, pu-blicado logo após a eleição vitoriosa do candidato defendido peloOPasquim21.

Ó nós aqui, nós chegamos lá; Lula, nosso operá-rio, chegou lá com os meninos guerrilheiros que en-controu pelo caminho e que não perderam a fé nem aesperança. Vivi o bastante para ver isto; eu queria veristo! Estou muito alegre porque estou vendo isto. Eporque vou poder assistir – com qualquer conseqüên-cia que seja, com êxito ou fracasso, não importa, es-tou falando de emoção – a esta experiência absolu-tamente nova em nossa história. [...] A vitória deum verdadeiro homem do povo, meu representante,aquele que o Euclides disse que era, antes de tudo,um forte. Vai lá, Lula, que o Deus do Frei Betto teproteja! (PINTO, 2002b, p.62).

Especialmente em 2003, a presença do novo presidente nascapas do jornal passa a ser quase semanal. E a oposição, quandofeita, é sempre suave, com um humor alegre, sem críticas seve-ras. No número 84, a capa é uma foto de Lula, sorrindo, com umexemplar d’OPasquim21nas mãos e o título “O que o Lula lê”.Na matéria interna, o presidente envia um abraço ao seu “amigoZiraldo”. As apreciações mais minuciosas da situação política fi-cam por conta dos cartunistas e de alguns articulistas que não sedeixam levar pela euforia dos principais líderes do jornal. Emmuitas cartas de leitores, há fortes críticas em relação ao posicio-namento de Ziraldo frente ao governo.

Outro episódio marcante é a capa sobre a morte do jorna-lista Roberto Marinho, dono das Organizações Globo. Junto àcaricatura do jornalista, há a manchete “Dr. Roberto – a turmad’OPasquim21 se despede do colega”. Num texto interno de Zi-raldo, há apenas frases como “não se pode discutir uma biografia

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assim [de Roberto Marinho] com pequenos adjetivos, por maisque muitas pessoas possam ter razão em não admirá-lo” (PINTO,2002c, p.3). Duas edições depois, no número 77, três cartas deleitores, de um total de seis, criticam o posicionamento tímido dojornal em relação a Marinho. Palavras como “indignação”, “de-cepção” e “revolta” marcam as cartas, que denunciam o “pronun-ciamento bajulatório” deOPasquim21. Como discípulo assumidoda imprensa alternativa da época da ditadura, após a eleição deLula falta ao jornal o caráter de oposição e de análise indepen-dentes, a visão independente e contrária “ao que está por aí”, queafirmava ter. Essa falta de senso crítico vai afastando os leitores ecria fortes dissidências internas.

No entanto, sem avisos prévios, em junho de 2004,OPas-quim21se despede das bancas com 117 edições lançadas, doisanos e dois meses após seu lançamento. Em seu último texto napublicação, Ziraldo afirma queOPasquim21foi a “necessidadede criar um espaço em nossa imprensa para uma visão do mundo,cheia de coerência, que sempre quisemos analisar – exatamente:analisar – com Humor” (PINTO, 2004, p.3).

Novamente, como emBundas, a equipe promete a publica-ção de almanaques contendo o melhor dos últimos dois anos deOPasquim21, entre charges, cartuns, textos e entrevistas. Apenasum almanaque é publicado, com material de 2003 e 2004, assimcomo havia acontecido em janeiro de 2003, quando é publicado omelhor de 2002 e 2003.

4.3.1 Novas tentativas, mesmos problemas

O fim deOPasquim21deve-se, em parte, aos problemas econômi-cos que se revelavam na diminuição das vendas em banca (pontoabordado em algumas das últimas edições). Com pouca publici-dade, os espaços ficavam restritos a anúncios oficiais e propagan-das de algumas poucas empresas. Nesse sentido, o fato de o jor-nal, com circulação semanal, estar atuando na faixa normalmenteocupada pelas grandes revistas acaba sendo uma dificuldade para

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os anunciantes. A oscilação na vendagem em banca, que variaentre 10 mil e 15 mil exemplares, apesar das assinaturas, é outroaspecto que dificulta a vida do hebdomadário (CASTRO, 2006).

Se no século passado, segundo Zélio, irmão de Ziraldo e co-produtor do jornal, foi possível ao velhoPasquimsobreviver davenda em bancas, hoje a realidade é totalmente diferente, já quehá a necessidade de garantias que só a assinatura dá (CASTRO,2006). Para ele, a rebeldia, marca registrada doPasquimdos anosde chumbo da ditadura militar, continuou no novo jornal, masadaptada à atual realidade sócio-cultural. Para ele,OPasquim21,ainda que possa ser enquadrado como à esquerda, feito sob umacrítica com contundência, deve ser tomado como “menos enga-jado”.

Porém, a esperança dos leitores foi justamente a de encontrara mesma opinião crítica, sem esvaziamentos, com tamanho enga-jamento quanto à época doPasquim. A falta desse compromissocom o leitor leva o jornal a vender menos e, em decorrência disso,a receber menos anúncios em suas páginas. Ziraldo afirma queescreveu o último editorial aos prantos e que, ao mesmo tempo,sentia-se aliviado por não ter de se ver apoiando um governo como qual não mais concordava. Confessou que queria ter liberdadepara “meter o pau” na cúpula do governo Lula (BORGES, 2006).

Além das questões econômicas,OPasquim21sofreu ainda coma falta de inspiração de seus colaboradores. Apesar de se propo-rem a construir “o jornal do futuro”, os novos pasquinianos pade-ceram com a falta de contato com o público, tanto com os velhosleitores do antigoPasquim, como com os jovens leitores, muitosdeles universitários. Para Sergio Augusto, um dos integrantes doantigoPasquim,

O país mudou, a imprensa mudou e boa parte dosque fizeram o Pasquim morreu. As pessoas não que-rem mais o Pasquim, querem a Caras – o que nos dáa justa medida da decadência. [...] Poucas pessoasse interessaram por elas [publicações como Bundas e

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OPasquim21]. Bundas, a meu ver, muitíssimo supe-rior ao Pasquim21, tinha um nome inviável. OPas-quim21 era ruim mesmo, uma melancólica carica-tura do original (AUGUSTO apud PINHEIRO, 2006,p.4).

Em síntese,OPasquim21, assim comoCaros Amigose Bun-das, enfrentou, como vimos, alguns problemas internos de gestão,muitos dos quais em razão da condução de sua linha editorial,além de sua dimensão nacional, que obrigou o jornal a correspon-der a necessidades muito amplas. Porém, junto a esses títulos,toda a imprensa independente, incluindo a formada por publica-ções de grupos políticos, sindicatos, movimentos sociais, organi-zações não-governamentais etc., também sofre graves problemaspara conseguir manter sua existência. Além dos problemas pon-tuais vividos por cada publicação, há, por trás deles, uma reali-dade maior que abarca toda a imprensa alternativa enquantooutraforma de fazer jornalismo na sociedade contemporânea. É o quetentaremos, sucintamente, analisar a partir de agora.

4.4 Os desafios da imprensa alternativaatual

No capítulo anterior, fizemos um apanhado geral das grandes mu-danças pelas quais o jornalismo alternativo brasileiro vive hoje.Agora, partindo das experiências deOPaquim21, Bundase Ca-ros Amigos, tentaremos nos ater a alguns problemas específicosque dificultam a maior abrangência e a continuidade da imprensaalternativa como uma outra forma de jornalismo.

Com o surgimento das novas tecnologias e do aumento daconcorrência, o investimento necessário nas empresas de comu-nicação passa a ser muito maior. Em contrapartida, com o ritmoacelerado da sociedade, provocado em parte pelas novas tecnolo-gias, os leitores dedicam menos tempo a suas leituras e passam a

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fazê-las diretamente no computador, pela Internet, causando umamenor vendagem de publicações impressas. Além disso, há a re-tração no mercado mundial de publicidade. Uma parcela da verbapublicitária fica concentrada apenas nos grandes títulos, já que agrande soma dos anúncios se encontra principalmente nos ambi-entesonlinee televisivo.

Apenas na União Européia, por exemplo, o número de jornaisvendidos nos últimos anos diminuiu em um milhão de exempla-res por dia. Em escala mundial, a circulação de jornais pagoscai, em média, 2% ao ano (RAMONET, 2006a). Disso, provêmduas realidades graves para a imprensa: ou os jornais simples-mente fecham – ou são comprados por grupos maiores, em razãodas dívidas e da falta de recursos, acabando com milhares de em-pregos –, ou tendem a realizar grandes mudanças editoriais, comprejuízos ao jornalismo.

Na Hungria, em novembro 2004, o diárioMagyar Hirlap fe-cha suas portas. No mesmo mês, em Hong-Kong, o semanáriode referência sobre assuntos asiáticosFar Eastern Economic Re-view(propriedade do grupo norte-americanoDow Jones) pára deser publicado. Em dezembro do mesmo ano, na França, a revistamensalNova Magazinetambém suspende a sua publicação. NosEstados Unidos, entre 2000 e 2004, mais de dois mil empregossão suprimidos na imprensa escrita, ou seja, 4% do total. A re-cessão atinge também as agências de notícias que alimentam osjornais com informação. A principal delas, aReuters, teve umcorte de 4.500 funcionários (RAMONET, 2006a).

4.4.1 Altos custos de produção

Nesse quadro, além das inovações tecnológicas que exigem umalto investimento, o aumento do custo do papel é um agravante.No Brasil, com a desvalorização do real em relação ao dólar,houve um significativo aumento dos custos de produção. Como opreço do papel subiu no mundo inteiro, e o produto é compradoem dólar, as empresas precisam gastar mais para adquiri-lo. A

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produção brasileira abastece apenas entre 30% e 40% das neces-sidades do mercado interno (JORNAIS, 2006). Todo o restanteprecisa ser importado. Só em 2006, o papel-jornal aumentou em20% (DUARTE, 2006).

Assim, os jornais tendem a realizar mudanças editoriais parareduzir custos. Em 1999, segundo reportagem daFolha de S.Paulo,os principais jornais brasileiros sofreram uma grande modificaçãode tamanho. A largura das páginas foi reduzida em uma polegada,ou o equivalente a 2,54 cm, passando de 34,29 cm para 31,75 cm.A mudança permitiria que os gastos com papel fossem reduzidosentre 7,5% e 8% (JORNAIS, 2006).

A perspectiva para compreender o posicionamento da imprensaalternativa dentro desse quadro nos é fornecida por Caparelli (1986).O autor analisa a antiga imprensa alternativa dentro do panoramada indústria cultural. Para ele, no Brasil da época da ditadura,essa indústria teria grandes capitais imobilizados e precisaria im-pulsionar sua rentabilidade, vendendo serviços a terceiros e nãodeixando máquinas ociosas. Daí viriam os espaços encontradospela imprensa alternativa no jornalismo brasileiro. No contextoatual, porém, a situação é de crise até para a grande imprensa,que, mesmo terceirizando seus serviços, não encontra saídas fá-ceis para seus problemas. Para quem compra seus serviços, ovalor cobrado é um forte empecilho. A principal solução é efe-tivamente diminuir as impressões e, assim, os gastos com papel,por meio da redução das páginas dos jornais e da migração de al-guns espaços impressos, como os classificados e serviços, para oambiente virtual.

Nesse sentido, o desafio da imprensa alternativa encontra-sejustamente em se adaptar às mudanças mundiais ou tentar desco-brir formas criativas para ir contra a corrente do jornalismo. A se-gunda opção seria, para uma imprensa já frágil, a mais arriscada.Para se adaptar, porém, a imprensa alternativa perderia espaço noseu ponto mais forte: a análise crítica da sociedade. Como reali-zar uma análise mais aprofundada em menos espaço de texto paratanto? Segundo Marcelo Beraba (2006),ombudsmanda Folha

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de S.Paulo, com a nova mudança gráfica do jornal, realizada em2006, sua própria coluna dominical, por exemplo, teve uma dimi-nuição de “pelo menos” 4% de texto. Outros espaços tiveram umadiminuição de quase 20%. Se num grande jornal, como aFolha,a situação é desse nível, para a imprensa alternativa a perspectivanão se apresenta melhor.

4.4.2 Retração no mercado publicitário e mercan-tilização

No início de 2006, a Associação Mundial de Jornais havia pre-visto um crescimento da publicidade em apenas 1,4%. Essa é amais forte queda do mercado desde 1993. Apesar de o Brasil nãoconstar no estudo divulgado na França, estima-se que no país amídia impressa detenha hoje apenas 20% do total dos anúncios,enquanto nos anos 50 esse número era de cerca de 95% (DU-ARTE, 2006). Vê-se uma migração da publicidade para mídiascom maior penetração no público em geral, como a TV e a Inter-net.

Os jornais, por isso, procuram saídas heterodoxas para encon-trar fontes de renda extra. Assim, nas bancas, ou ao assinar de-terminado título, o leitor pode adquirir brindes, por uma pequenasoma além do preço das publicações, como DVDs, CDs, livros,coleções de selos, notas de banco e até louças. Na imprensa alter-nativa, como vimos, essa realidade também existe, como a vendade catálogos em série de artigos especiais, como emCaros Ami-gos.

Para Ciro Marcondes Filho (2000), a pior conseqüência dosrumos que a imprensa vem tomando nos últimos anos é a supres-são do “muro” que separava o setor publicitário do setor redaci-onal dos grandes jornais. Agora, segundo ele, existe “uma vis-ceral dependência entre o que se noticia e quem financia a em-presa, comprometendo a informação livre e reduzindo o jorna-lismo, ainda mais, a uma atividade submetida ao capital” (MAR-CONDES FILHO, 2000, p.116). Isso é visível principalmente

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em relação à publicidade oficial: para ganhar o anúncio, o jornaldeve ser condizente com as propostas do governo, deve “apoiá-lo”. Para o autor, toma força hoje o “jornalismo de comunicados”,de assessorias. A produção de notícias perde o que a caracterizoue deu força em seu “período áureo”: o fato de “pôr a pena naferida”, atitude muito presente principalmente na imprensa alter-nativa.

Tudo isso, porém, reforça a aproximação entre informação emercadoria, com o risco de que os leitores já não saibam o quecompram. Dessa maneira, os jornais confundem ainda mais a suaidentidade, desvalorizam o título que publicam e põem em marchauma engrenagem de perda de sentido do jornalismo (RAMONET,2006a). Porém, ou se utilizam dessas saídas incomuns, ou as pu-blicações – as alternativas, em especial – tendem a não encontrarsolução para seus problemas econômicos, tanto pela pouca ven-dagem como pela rara publicidade.

4.4.3 Concorrência e monopolização

Além de todos esses problemas que afetam a imprensa em ge-ral, na imprensa alternativa a situação ganha contornos ainda maisdrásticos com a forte concorrência com as grandes empresas. Pas-sando a formar blocos gigantescos para suportar a crise mundial,as organizações constituem grupos de comunicação de vocaçãomundial, em detrimento de diversos veículos locais que tendem aacabar.

Empresas gigantes dispõem, atualmente, de novas possibilida-des de expansão devido às mudanças tecnológicas. Nos EstadosUnidos, onde as regras anti-concentração foram abolidas em feve-reiro de 2002, aAmerica On Linecomprou aNetscape, a revistaTime, a empresa cinematográficaWarner Brotherse o canal denotícias CNN; aGeneral Motors, maior empresa do mundo porsua capitalização na Bolsa de Valores, comprou o canal de televi-são NBC; aNews Corporation, assumiu o controle de alguns dosjornais ingleses e norte-americanos de maior tiragem (The Times,

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The Sun, The New York Post), além de possuir o canal de televisãopor satéliteBskyBe a emissora de televisão norte-americanaFox,assim como uma das maiores empresas de produção de seriadospara a televisão e de filmes, aTwenty Century Fox(RAMONET,2006c).

No Brasil, a situação não é diferente. As organizações Globoocupam o 28o lugar no ranking dos maiores grupos de mídia doplaneta (PEREIRA FILHO, 2004). Entre os veículos impressos,a Editora Três, detentora da revistaIstoÉ, publica um total de 40milhões de revistas por ano no Brasil, faturando 250 milhões dereais (GRANDE, 2006). Em 2005, a editora fechou um contratocom aTime Inc., dando-lhe direito a publicar material das revistasTime, Fortunee People. Já OGrupo Abril, detentor da revistaVeja, teve uma receita líquida de 2,1 bilhões de reais em 2004.Além de serviçosonlinee do canal MTV, a editora publica maisde 344 títulos, com uma circulação de 178 milhões de exemplares(GRUPO ABRIL, 2006a). SóVejatem 1,111 milhão de exempla-res semanais, com 916.354 assinantes (GRUPO ABRIL, 2006b).

Frente a concorrentes tão fortes, e que se fortalecem a cadanova negociação, a imprensa alternativa, alcançando com orgulhoseus 100 mil exemplares – quando alcançados –, não tem meiosdisponíveis para chegar a um patamar de reconhecimento nacio-nal, como na antiga imprensa alternativa. Além da pouca publi-cidade conquistada, a concorrência com títulos do porte deVejae IstoÉnão permite um maior investimento em divulgação, o queimpede também o alcance de novos leitores.

4.4.4 Falta de mobilização social

Os títulos independentes que conseguem despontar no cenáriocultural do país enfrentam ainda a quase inexistente mobilizaçãoque suas publicações conseguem promover. Com isso queremosdizer que, mesmo que essa imprensa atinja um número relativa-mente grande de leitores, eles já são bem informados e não toma-rão novas atitudes frente ao que estiverem lendo e não promoverão

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a sonhada “mudança social”, grande paradigma das publicaçõesalternativas da época da ditadura.

Segundo Kucinski, os grandes títulos daquela imprensa alter-nativa eram “o principal espaço de reorganização política e ideo-lógica das esquerdas nas condições específicas do autoritarismo”(KUCINSKI, p.17, 2003). E não apenas das esquerdas: o pro-pósito era “contribuir para uma consciência crítica nacional”, ou,em contraposição à grande imprensa, “queriam ser um pólo agre-gador da sociedade civil” (KUCINSKI, p.19, 2003).

No entanto,Caros Amigos, Bundase OPasquim21não têmtal alcance. Independentemente de sua qualidade jornalística, es-sas publicações encontram pouca receptividade frente ao público-leitor. Caros Amigos, por exemplo, tenta viver o papel queMovi-mentoteve em sua época, mas, após quase 10 anos de existência,sua abrangência é bastante reduzida. Tanto em termos de venda-gem como de público, a revista não encontra espaços para ser, porexemplo, um ícone da crítica social brasileira independente. E as-sim foi comOPasquim21, que pretendia ser uma atualização doantigoPasquim.

Nesse sentido, apesar de continuarem sua existência, as pu-blicações alternativas enfrentam a grande dificuldade de alcançarum número maior de leitores e, principalmente, de mobilizá-losem torno de uma agenda “cívica”, por assim dizer. Restritos àcamada de pensadores e intelectuais das universidades, os veícu-los alternativos aqui analisados são apenas um reforço público deopiniões já formadas. Isso talvez indique o mesmo futuro tido porMovimento: “jornal de seita, em linguagem e em público, ven-dendo apenas entre quatro e cinco mil exemplares a seus própriosadeptos” (KUCINSKI, 2003, p.26).

Assim, fica difícil imaginar que a imprensa alternativa con-siga superar facilmente essa série de problemas. Se o quadroda imprensa mundial impede que visualizemos um futuro melhoraté mesmo para os grandes jornais, não podemos ter esperançasquanto a um renascimento de uma grande imprensa alternativacomo a da época da ditadura.

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O que se vê atualmente é uma migração dos títulos impres-sos para a grande rede, a Internet, a fim de encontrar nela espaçospara desenvolver suas possibilidades não mais realizáveis no pa-pel. O que alguns autores indicam é que no mundoonlinehaja atémesmo grandes possibilidades de surgimento e de atuação de umjornalismo alternativo ou, pelo menos, de existência de um maiorespaço para manifestações de contracultura.

Além disso, a partir das últimas décadas, surge na grande redeo que se chamou desmall media, ou seja, o poder do públicoem geral de pulverizar o controle sobre a produção de informa-ção e notícias, manifestado, por exemplo, por meio dosblogs, oudiários virtuais, uma forma de desmonopolizar a informação, ta-refa clássica das publicações independentes (PAZ, 2003). Seria,assim, a Internet uma “alternativa” à imprensa alternativa? Pro-curaremos analisar essa possibilidade no próximo capítulo.

4.5 Internet, blogs e a crise do jornalismo

A partir do que vimos no capítulo anterior a respeito da criseda imprensa alternativa no meio impresso, deixamos em abertoa possibilidade de essa imprensa ter um maior espaço de atua-ção no ambienteonline, em especial por meio dosblogs. Paramuitos autores, os diáriosonlinesão uma nova ferramenta de co-municação virtual que vêm oferecendo perspectivas promissorasao jornalismo, por ser uma forma de divulgação de informaçõesmuito mais democrática e alternativa à grande imprensa, na me-dida em que dá chance a qualquer pessoa de se expressar por meioda Internet.

Independentemente de toda a discussão a respeito dosblogscomo uma forma de fazer jornalismo, considera-se neste estudoalgunssitesque claramente exercem funções jornalísticas, comoanalisaremos brevemente. Porém, nosso foco é compreender asreais possibilidades dosblogsenquanto novo espaço de atuaçãode uma imprensa alternativa. Para isso, então, verifica-se se esse

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novo espaço da Internet oferece condições para que a imprensaalternativa se desenvolva no meio virtual e quais funções essa im-prensa poderia desempenhar na grande rede.

Porém, cabe-nos também compreender que todas as novaspossibilidades de comunicação surgem promovendo fortes modi-ficações também no jornalismo como tal, independentemente deseu suporte físico. Da mesma forma que a “imprensa impressa”passa por grandes dificuldades atualmente, incluindo também aimprensa alternativa, o jornalismo como atividade social vive mo-mentos delicados diante das novas tecnologias. De forma crítica,tentaremos compreender como a realidade da grande rede, e, porsua vez, dosblogs, condiciona transformações nas bases do jor-nalismo praticado até aqui.

4.6 Jornalismo na web: novas possibili-dades na transmissão de informação

Para não fugir dos objetivos deste estudo, não nos deteremos nahistória do jornalismoonline, dado que já o abordamos sucinta-mente no segundo capítulo. Faremos aqui apenas alguns aponta-mentos de suas principais características. Utilizamos a definiçãode jornalismoonline fornecida por José Antônio Meira da Ro-cha (2006), como sendo “a coleta e distribuição de informaçõespor redes de computadores como Internet ou por meios digitais”(ROCHA, J. A., 2006,online). Dessa forma, incluímos no con-ceito outras variações, como jornalismo em rede, webjornalismo,ciberjornalismo e jornalismo digital.

Com o surgimento e a popularização da Internet, um novomodelo de comunicação está orientando a prática jornalística parauma nova fase. O jornalismo tradicional da TV, do rádio e dojornal converge para o ambiente virtual. Diferente, porém, dossuportes tradicionais, onde a informação segue um modelo “um-muitos”, a grande rede passa a oferecer ao público uma interaçãodireta com o meioonlinee também entre o próprio público, que

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recebe, discute e também produz informação, incentivando umarelação cíclica de “muitos-muitos”. Para Guilherme de QueirósMattoso (2006), a convergência entre texto, imagem e som temsido a marca desse novo jornalismo que surge no final do século20. Por reunir e explorar todas as potencialidades dos demaismeios, o jornalismoonline representa uma revolução no modelode produção e distribuição das notícias.

Surgem, assim, segundo Rocha (2006), novas formas de seproduzir informação jornalística, transformando o jornalismoon-line em um imenso caleidoscópio de possibilidades característicasda Internet: a velocidade, a instantaneidade (capacidade de trans-mitir um fato em tempo real), a perenidade (processo de arqui-vamento ou memória da Internet), a interatividade (o leitor podeescolher vários “caminhos” para ler notícias; pode enviar formu-lários com comentários; pode participar de votações sobre temaspolêmicos etc), a multimediação (convergência de mídias), a hi-pertextualidade (presença delinks, referências que encaminhama outrositeou documento), a personalização de conteúdo (o lei-tor indica os temas de seu agrado e recebe apenas notícias sobreesses assuntos) etc. O caráter multimídia permite que o própriointernauta construa seu roteiro de leitura, tornando-o uma espéciede “co-produtor” da informação, obrigando o jornalista a produzirmatérias de forma especial, quase como um guia de navegação.

Nesse sentido, o jornalista tem novos papéis a exercer, comoanalisa Castilho (2006a):

[Sobra ao jornalista] contextualizar notícias e in-formações recebidas, devolvendo-as de forma pro-cessada para ampliar a capacidade de análise dos in-divíduos comuns. O jornalista pode ser também umtutor de informações, orientando os consumidores deinformação sobre como e onde buscar mais dados efontes. Há o jornalismo investigativo através da In-ternet, com a garimpagem de mais de quatro bilhõesde páginas-web ou de contatos com quase meio bi-

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lhão de pessoas conectadas por e-mail (CASTILHO,2006a,online).

Um dos pontos mais delicados para a crítica do jornalismoonlineé a relação entre a velocidade com que as informações sãodisponibilizadas na rede e a credibilidade delas. Como afirmamAdghirni e Ribeiro (2006),

Qualquer um pode se autoproclamar jornalistaon-line. O paradoxo é que cada um pode se considerarrepórter sem jamais ter saído de sua cadeira diantedo computador. [...] O jornalista virtual seria aqueleque descobre pautas, investiga, apura e redige notí-cias pesquisando no próprio computador. Mas certosautores chamam a atenção para os riscos destas prá-ticas: a credibilidade da informaçãoonlineé inversa-mente proporcional à sua velocidade. Uma situaçãonova que provoca questionamentos nos meios profis-sionais (ADGHIRNI e RIBEIRO, 2006,online).

Entretanto, não detalharemos aqui as possibilidades e proble-mas do jornalismoonline, pois não são objeto central desta pes-quisa. Concordamos, contudo, com Edo (2006), quando diz que

O que nesta ocasião parece interessante destacarsão os efeitos que pode produzir no presente e no fu-turo próximo do jornalismo a possibilidade de quetodo aquele que disponha de uma páginaweb [...]possa tornar públicos através da rede tanto suas pró-prias mensagens e opiniões, como notícias, ou suce-dâneos de notícias, obtidos pessoalmente ou conheci-dos pelas diferentes vias às que tenha acesso (EDO,2006,online)1.

1 Tradução do autor.

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É esse aspecto do jornalismoonline que mais nos interessa.As empresas tradicionais de mídia já tomam consciência dos efei-tos que a Internet está provocando sobre seus monopólios, já queé comum que os internautas busquem diretamente na fonte a in-formação que procuram (ADGHIRNI e RIBEIRO, 2006). À suaépoca, era a imprensa alternativa a fonte da informação não dis-ponibilizada pela grande imprensa. Hoje, essa imprensa encon-tra um paralelo, sob outro suporte, na relação entre osblogse agrande imprensa.

Dessa forma, crendo que o até aqui exposto supra nossas ne-cessidades, avançamos na análise dos diáriosonlinecomo possi-bilidade de uma outra forma de se fazer jornalismo, desta vez naInternet.

4.7 Os blogs e o jornalismo self-made

Os weblogs, ou simplesmenteblogs, surgem como meios de di-vulgação de informação que representam, em sua forma mais am-pla, a interatividade na Internet, oferecendo perspectivas diferen-tes das dos grandes meios de comunicação social. Assim, come-çam a ser vistos como uma alternativa para o jornalismo tradicio-nal ao disponibilizar notícias que a mídia em geral não publica.

O termoblog foi usado pela primeira vez em 1997, por JohnBarger, para descreversitespessoais atualizados freqüentementeque contivessem comentários elinks (indicadores que remetem aoutrossites) (ROCHA, J. A., 2003). O termo vem da união daspalavras inglesasweb(rede) elog (diário de bordo), ou seja,sitesque funcionam como uma espécie de diário e guia de navegaçãona Internet. Segundo a definição dosite Blogger, um dos maioresprovedores grátis do serviço, umblog é “uma páginawebatua-lizada freqüentemente, composta por pequenos parágrafos apre-sentados de forma cronológica. É como uma página de notíciasou um jornal que segue uma linha de tempo com um fato após ooutro” (BLOGGER, 2006,online).

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Podemos dizer que existem dois grandes tipos deblogs: a) odiário pessoal clássico, em que cadabloggeirodisponibiliza na In-ternet o seu dia-a-dia, pensamentos pessoais, fatos ligados à suaprópria vida, imagens, além delinks e referências sobre certosassuntos do seu interesse, tais como livros e filmes; b) o que dis-pensa o caráter personalista do primeiro e traz apenas referênciaspara outros artigos ou outrossitese blogs, como um roteiro deviagem pela Internet. Porém, vê-se que nosblogs atuais já háuma mistura desses dois formatos. Neste trabalho, interessam-nos aqueles que ultrapassem o caráter de simples diário pessoal,tornando-se também fonte de informações jornalísticas a qualquerpessoa. No decorrer da pesquisa, ao usarmos o conceito deblog,estamos nos referindo a esse tipo de publicaçãoonline.

Em termos históricos, até meados de 1998, a quantidade dessetipo de páginas não passa de uma centena. Porém, em junho de1999, a empresaPitas lança a primeira ferramenta grátis para semontar umweblogpróprio. Em agosto do mesmo ano, Evan Wil-liams, da empresaPyra Labs, cria oBlogger. Por ser um serviçogratuito, de fácil manuseio, ositecausa uma verdadeira explosãono número de adeptos do serviço. Junto a outrossites, como oWeblogger, a mania se espalha pelo mundo inteiro.

Até fevereiro de 2006, existiam cerca de 27,3 milhões de diá-rios virtuais, segundo a empresa de pesquisa Technorati. De acordocom suas estimativas, cerca de 70 milblogssão criados diaria-mente em todo o mundo. O número depostsdiários, ou seja, deatualizações que o proprietário faz em seublog, chega a 700 mil,ou 29,1 mil atualizações a cada hora (INTERNET, 2006).

Como vimos na definição fornecida peloBlogger, osblogssão“como uma página de notícias ou um jornal que segue uma linhade tempo com um fato após o outro” (BLOGGER, 2006,online).Apesar de o site fazer apenas uma comparação entreblogse jor-nalismo, vê-se que atualmente há muitas semelhanças entre asduas mídias. No item a seguir, faz-se uma breve análise de comoos blogspodem constituir trabalho jornalístico, ultrapassando osimples conceito de “diário pessoalonline”.

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4.7.1 Blogs e o jornalismo online

Para começar, relembramos o conceito de José Antonio Meira daRocha sobre jornalismoonline: “coleta e distribuição de informa-ções por redes de computadores como Internet ou por meios digi-tais” (ROCHA, 2006,online). De certa forma, em algunsblogs,como os que veremos mais adiante, essa função se manifesta ple-namente.

Junto a outros autores, como Mattoso (2006), José AntonioRocha (2006) sustenta que o jornalismoonlinepossui algumas pe-culiaridades, vistas anteriormente, que o distinguem, e até mesmoo elevam, do jornalismo praticado pelas mídias tradicionais, comoa instantaneidade, a perenidade, a interatividade, a multimedi-ação, a hipertextualidade, a personalização de conteúdo etc. Apartir dessa categorização, percebemos que, assim como ossitesnoticiosos, osblogs, por meio de sua rápida expansão, conquista-ram um patamar jornalístico na rede, tanto pela sua popularização,como pela evolução em termos de qualidade de conteúdo elayout.

Nos meios acadêmicos, contudo, o caráter jornalístico dosblogsainda permanece em discussão, já que, por serem de livreacesso, possibilitam que qualquer pessoa possa fazer uso de ferra-mentas até então de exclusividade de jornalistas, como a divulga-ção de notícias. A principal crítica é a ausência, emblogscaseirosfeitos por cidadãos comuns, de análise e apuração dos fatos, ca-pacidade de síntese e intermediação entre as fontes, em suma, daatividade jornalística na preparação de uma notícia.

Apesar disso, analisa-se aqui aquelesblogsque possuem umareputação entre seus leitores como fonte jornalística, indepen-dente das discussões anteriores. Isso nos remete à imprensa al-ternativa da época da ditadura. Muitas vezes, seus colaborado-res, e até seus fundadores, não eram jornalistas profissionais, masmesmo assim exerciam funções jornalísticas com extremo rigor ecritérios bem definidos de noticiabilidade, e por isso encontravamuma boa repercussão na sociedade. Eram artistas, políticos, ati-

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vistas sociais, que ofereciam aos leitores a credibilidade desejada.Da mesma forma ocorre com osblogsaqui analisados.

Além disso, boa parte de profissionais de comunicação adota-ram oblogcomo sua mídia principal de prática jornalística, ao serum eficaz propagador de idéias. Na mesma linha, grandes jornaispertencentes a grupos de mídia tradicionais também passaram ausar a nova ferramenta. Feitos profissional ou artesanalmente,osblogsencontraram essa credibilidade principalmente por meioda interatividade entre seus “muitos-muitos”. Se algo está equi-vocado em um dos “sites”, logo aparecerá algum comentário naprópria página que deixará seu autor desacreditado, ou algum ou-tro blog fará o papel de “ombudsman” e denunciará tal postura.Isso é uma realidade completamente nova no jornalismo tradicio-nal. Para Mattoso,

Osblogsjornalísticos não apenas imprimem umavisão pessoal sobre um fato corriqueiro, mas centenasde milhares deles irão discutir e debater a notícia, ofato que é trabalhado na grande mídia. Dessa forma,o editor de um weblog estará alimentando, mesmoque sem querer, uma prática metajornalística. Ali-ando tal característica com a grande quantidade delinks oferecidos para outrossites, freqüentemente dagrande mídia, o weblog pode ser considerado umaespécie de metajornalismo, muitas vezes comentado,com liberdade inclusive para alinhavar fontes distin-tas em uma única atualização, citando e confrontandoveículos concorrentes ou pontos de vista conflitan-tes. [...] Esta forma de intervenção na sociedadepermite aprofundar, corrigir, discutir, expor e criti-car as notícias e as idéias que vão sendo produzi-das pela imprensa. Politicamente, funciona como umcontra-poder aos impérios midiáticos que estão cadavez mais concentrados nas mãos de uns poucos gran-des grupos econômicos (MATTOSO, 2006,online).

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Dessa forma, osblogsjá são uma outra forma de se fazer jor-nalismo, diferente até mesmo do jornalismo feito na Internet. Tra-zendo consigo o livre direito de comunicar via Internet e estandodisponível e ao mesmo tempo ao alcance de qualquer um, osblogsalcançaram reconhecimento como uma nova opção além das mí-dias tradicionais, um espaço de opinião crítica e de divulgação defatos que a grande mídia se permite não publicar.

Cabe-nos, porém, verificar até que ponto eles são uma “alter-nativa” à imprensa alternativa, mantendo vivas as funções exerci-das por aquela imprensa no ambienteonline, sob o formato dosblogs. Faz-se necessário avaliar se os diáriosonlinepodem vir asignificar o renascimento de uma imprensa alternativa como a daépoca da ditadura, que conseguia reunir sob seus títulos a liber-dade de expressão, a crítica à realidade e a mobilização políticanecessárias naquele contexto social, como vimos no primeiro ca-pítulo – agora, contudo, sob um suporte digital.

4.8 Alternativa em bits e pixels

Nos últimos anos, algunsblogsrevelaram grande capacidade deexercer um tipo de “jornalismo verdade”, nos moldes da imprensaalternativa. Isso muito se deve ao fato de diversos deles teremalcançado umstatusde fontes extra-oficiais para denúncias feitasposteriormente pela grande mídia em geral.

Um dos exemplos mais famosos é o doblog de Matt Drudge,intitulado The Drudge Report. Em 1998, Drudge disponibili-zou em sua página uma conversa gravada que a revista norte-americanaNewsweekhavia se negado a publicar, por ser umainformação não-verificada (EDO, 2006). Por meio doblog, a re-lação extra-conjugal do presidente Bill Clinton com a estagiáriaMônica Lewinsky tornou-se pública. Diversos jornais e progra-mas de rádio e TV passaram, então, a noticiar o fato durante me-ses.

Já após os atentados contra o World Trade Center, nos Estados

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Unidos, em setembro de 2001, Jéssica White, estudante de 19anos da Flórida, criou umblog para homenagear os afetados pelatragédia. Em poucos dias, recebeu mais de 90 mil visitas, queforam aumentando progressivamente. Sua página chegou a ser asegunda mais visitada do mês e superou os acessos aTribute toHeroes, a página oficial do concerto de ajuda às vítimas do ataqueterrorista (EDO, 2006).

Na guerra do Iraque, oblog de Salam Pax (um pseudônimo),Where is Raed?, foi uma das grandes fontes de informação forada grande mídia. Supostamente escrevendo a partir de Bagdá, Paxdescrevia o conflito e as reações da população. Em meio à faltade precisão de grandes veículos de comunicação como CNN eAl-Jazeera, o blog tornou-se famoso em todo mundo por ser umaalternativa de informação em relação aos grandes grupos. Por ou-tro lado, soldados americanos mantinham oMilitary Families We-blog, para dar notícias às famílias dos soldados de Kansas (EDO,2006).

No Brasil, um dos primeirosblogsde jornalistas foi o do ex-porta voz do presidente Fernando Collor de Mello, Cláudio Hum-berto Rosa e Silva, responsável por vários “furos” jornalísticos arespeito da corrupção do então governo. O jornalO Globo, porsua vez, foi o primeiro a oferecer a seus colunistas a opção demanteremblogsno sitedo veículo. Tereza Cruvinel, Cora Ronáie mais dezesseis articulistas não precisam seguir qualquer padrãotécnico em suas páginas. Exige-se apenas que oblog não passemais de uma semana sem atualização (KWAK, 2006).

Atualmente, a “blogosfera” brasileira é liderada por trêssitesde caráter político. Osblogsdos jornalistas Fernando Rodrigues,Josias de Souza – ambos daFolha de S.Paulo, em Brasília – hos-pedados no portal UniversoOnline(UOL), e Ricardo Noblat, hos-pedado nosite do jornalEstado de São Paulo, são os líderes daInternet brasileira. Eles atingem 182,2 mil, 113,4 mil e 88,4 milvisitantes residenciais únicos, respectivamente, de acordo com da-dos do Ibope de novembro de 2005 (FERNANDO, 2006). O deRicardo Noblat foi um dos pioneiros dentre osblogspolíticos no

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Brasil. Já o de Josias de Souza tem destaque diário nositeFolhaOnline, do jornalFolha de S.Paulo. Todos, resguardadas as carac-terísticas próprias, publicam diariamente diversospostscontendoinformações sobre os bastidores da política nacional a partir denotícias próprias ou divulgadas em outrossites.

Outro blog brasileiro que merece destaque é o humorísticoKibe Loco. No ar desde 2002, a página conta com 100 mil vi-sitantes únicos2 por dia. O pico foi em 2004, alcançando trêsmilhões de visitantes únicos, quando osite mostrou o jornalistaWilliam Bonner imitando o estilista Clodovil Hernandes (CAR-PANEZ, 2006a). Em seus quatro anos de existência, osite tevemais de 35 milhões de acessos (KIBE LOCO, 2006). Noblog,o publicitário Antonio Pedro Tabet cria fotomontagens cômicascom a vida dos políticos ou de personagens que são destaque nosnoticiários nacionais, divulga notícias “que vão mudar o mundo”(notícias inúteis publicadas porsitesde fofocas), abordando temasque vão desde a política até propagandas de absorventes femini-nos.

A partir de todos esses exemplos, sem contar os milhares deoutros que poderíamos citar, podemos ver que nosblogshá, re-almente, uma nova forma de comunicação, de certa forma, inde-pendente. Se fizermos uma comparação entre os atuaisblogse osgrandes títulos da imprensa alternativa, abstraindo-nos de todas aslimitações de nossa comparação, temos que, além da similaridadedos temas – política, crítica de costumes e humor –, ossitescita-dos também têm uma outra característica em comum com aquelaimprensa: o fato de serem um espaço crítico da realidade, livre eindependente – sob uma primeira análise. Oferecendo informa-ção não-disponível nas mídias tradicionais, com caráter crítico,osblogsvêem-se reavivando alguns dos principais paradigmas dagrande imprensa alternativa.

2 Visitantes únicos são os internautas que permanecem até uma hora nave-gando no site.

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4.8.1 A contra-informação no mundo virtual

É nesse ponto que diversos autores concordam em ver nosblogso renascimento, sob outro suporte, de uma comunicação indepen-dente, alternativa, contracultural. Para Daniela Ramos, por exem-plo,

Longe de ser apenas uma coisa ou outra, os gê-neros deblogsvariam enormemente, assim como adiversidade da personalidade humana. O que pode-mos identificar com certa precisão é que o jornalismoestá evidentemente em crise e que este panorama fa-vorece o surgimento de mídias e suportes alternativosde informação (RAMOS, 2006,online).

Apesar de pouco objetiva, a autora deixa claro que o fator “al-ternativo” está presente no cerne dessa nova mídia. Assim tam-bém enxerga Paula Jung Rocha (2003) quando afirma que “muitosconsideram que a atividadeblogueirachega a lembrar a contracul-tura, com sabor de faça você mesmo: faça a sua própria mídia sea mídia institucionalizada não aceitar você” (ROCHA, P. J., 2003,p.76).

Nisso, vemos claramente elementos, hoje expressos nosblogs,nos quais a antiga imprensa alternativa também se baseava: osaspectos da contracultura e da falta de espaços de livre expressãona grande imprensa. É o que também Mattoso (2006) comenta,de maneira quase panfletária:

Junto – e parte integrante – da cibercultura, essaferramenta tenta transformar, como uma revolta davida pacífica e, de certo modo silenciosa, a lógica dapadronização da informação, solidificada através deconceitos e convenções que dia após dia se diluemno oceano do ciberespaço. Não há dúvida, portanto,quando se afirma que osweblogssão uma alternativa

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de informação frente aos grandes impérios midiáti-cos. Livres de limitações físicas, da demora das pu-blicações convencionais e da pressão dos veículos decomunicação, os editores deblogs são independen-tes de tudo o que os impede de criar, por outras vias,uma nova opção de informação (MATTOSO, 2006,online).

Carolina Paz vai um pouco além e introduz o conceito desmallmedia. Segundo ela,

São muitos osblogsque adquiriramstatusde no-ticiários. Essa apropriação da tecnologia (não só daInternet, mas também de outras mídias), que colocanas mãos do público a possibilidade de pulverizar ocontrole sobre a produção de informação e notícias,enquadra-se no que se entende porsmall media, ouseja, uma nova dimensão no conjunto dos meios decomunicação diferente domass media(PAZ, 2003,p.69).

Para ela, a diferenciação se encontra justamente naquilo quefalávamos anteriormente sobre a relação entre “muitos-muitos”.Nosblogs, segundo a autora, a relação “se aproxima muito maisda relação face a face, pelo simples fato dos emissores estarempróximos [...] e muitas vezes interagindo [...] com os receptores”(PAZ, 2003, p.69), vínculo esse que, segundo ela, não é o mesmoencontrado nos tradicionais meios de comunicação de massa.

Por tudo isso, Ramonet (2006a) analisa o fenômeno dosblogs,mesmo que de um ponto de vista mais crítico, enquadrando suaanálise na possibilidade de os diários pessoaisonlineserem umafonte de informação alternativa:

Num tom de jornal íntimo, [osblogs] misturamsem qualquer cerimônia informação e opinião, fatos

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verificados e boatos, análises documentadas e impres-sões fantasistas. O seu sucesso é tão grande que atu-almente é possível encontrá-los na maioria dos jor-nais eletrônicos. Esse entusiasmo mostra que muitosleitores preferem a subjetividade e a parcialidade as-sumida dosbloggers à falsa objetividade e à impar-cialidade hipócrita da grande imprensa (RAMONET,2006a,online).

Como é de consenso entre os autores, a função dosblogscomofonte de informação alternativa à grande imprensa é indiscutível.Porém, não podemos nos deixar levar simplesmente pela mani-festação ufanista destes. Mesmo que alguns teçam suas críticas arespeito das possibilidades dosblogs, todos vêem nesse veículosindicadores de retorno a um jornalismo mais “romântico”, ou deespaços mais críticos na grande rede.

Convém, no entanto, ter em mente que nem osblogsnem aInternet possuem em si as ferramentas necessárias para contornaruma problemática que se encontra na relação com a realidade vir-tual, que afeta também o cerne do próprio jornalismo como tal.Sem entrarmos em detalhes das pesquisas na área de cibercul-tura, faremos agora uma análise mais focalizada da realidade dojornalismo virtual dosblogs. Mesmo com aspectos alternativos,eles sobrevivem num mundo virtual que não transcende as pro-blemáticas e desafios do mundo real, ou “impresso”, no caso daimprensa alternativa. Uma análise mais detalhada revela que, portrás das fachadas alternativas e contraculturais dosblogs, estão,novamente, os mesmos desafios da imprensa alternativa “clás-sica”.

4.9 Novas possibilidades com desafios per-sistentes

No Brasil, em 2005, existiam 11.030.724 internautas residenciais,que gastavam, em média, cerca de 15 horas mensais navegando na

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Internet. Em 2003, apenas escritos em língua portuguesa, haviam54.496blogs(CONFIRA, 2006). Como vimos anteriormente, sãocerca de 70 mil novosblogscriados a cada dia no mundo (INTER-NET, 2006).

Da imensidão desses números e das possibilidades que osblogscarregam como um espaço de contra-informação, além das ques-tões levantadas a respeito da credibilidade das informações vei-culadas por essessites, existe uma série de outros pontos que nosfazem rever a exaltação desses espaços como uma alternativa aojornalismo clássico e tradicional das grandes mídias e até mesmoao jornalismoonline, assim também como à chamada imprensaalternativa. Como nos lembra Francisco Rüdiger (2002),

O ciberespaço não é em geral, segundo tudo in-dica, uma nova realidade, mas uma sublimação tec-nológica da realidade com que estamos acostuma-dos. As contradições e conflitos sociais e políticos denossa época, antes de encontrarem solução, tendem aser reproduzidos eletronicamente através de seu fun-cionamento. As patologias históricas e culturais nãosão postas de lado neste contexto, mas redimensiona-das, quer falemos de crime e demagogia, quer fale-mos de racismo e atividades terroristas (RÜDIGER,2002, p.17).

Dessa forma, não podemos nos deixar levar pela simples ma-nifestação de esperança para um melhor futuro do jornalismo al-ternativo nosblogs, de uma visão ufanista deles como “oásis”de informação crítica e independente no interior de um “deserto”de conglomerados comunicacionais, que apenas sustentam osta-tus quoda sociedade. Dizard, nesse sentido, coloca o panoramaaberto por Rüdiger na realidade do jornalismo. Segundo ele, “ospuristas podem argumentar que a nova mídia é substancialmentediferente da velha. A verdade, no entanto, é que a linha divisóriaentre as duas está sendo diluída todos os dias” (DIZARD apudARNT, 2002, p.232).

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Dessa forma, tentaremos, em pequenos tópicos, demonstrarcomo osblogsapenas reavivam a complexa realidade e os desa-fios da imprensa alternativa clássica, agora na Internet. Como osautores citados indicam, não há uma mudança significativa dosproblemas dos veículos alternativos impressos. Pior: talvez hajaaté mesmo um redimensionamento, sob outro suporte, de toda adifícil realidade dessa imprensa, vista anteriormente.

4.9.1 Monopolização e conglomerados do mundoonline

Uma das primeiras questões a ser enfrentada pelosblogsé a mo-nopolização também na Internet. Ciro Marcondes Filho (2000)resume como os monopólios da informação, especialmente nomundoonline, criam barreiras ao livre curso da comunicação. Se-gundo ele,

A nova tecnologia volta-se a curto prazo ao ba-rateamento da produção, mas subordina-se a longoprazo a uma imperiosidade geral do mercado: todosos meios de comunicação se informatizando criamum “sistema absoluto”, do qual não dá para escapar.Não há estradas marginais à tecnologia digital. A in-formática obriga todos a entrarem no mesmo barco,pois muda a lógica do conjunto como um todo, dosistema total de trânsito da informação. Sua força esua potência – hoje inabaláveis – estão na unificaçãode todos segundo sua própria e arbitrária lei (MAR-CONDES FILHO, 2000, p.35).

O autor percebe, assim, uma tendência que vai se tornandocada vez mais concreta e desigual. Em 2001, por exemplo, as gi-gantes empresas de comunicação e serviçosweb AOL Time War-ner, Microsoft, Yahoo!e Napsteracumularam, apenas elas, 50%do tempo que os internautas passavam na Internet (EDO, 2006).

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Já maio de 2006 foi um mês célebre em termos de alianças – e mo-nopolização – na grande rede (AMARTINO, 2006). Nesse mês,o gigantesco portalYahoo! e o site de serviçoseBayse junta-ram para fortalecer a concorrência contra o também gigantescositede buscasGoogle. Outra grande aliança foi entre a empresaTechnorati, a principal gerenciadora dablogosferamundial, e aAssociated Press(AP). Pelo acordo, as notícias divulgadas pelaAP aos meios vinculados à empresa terão também oslinks paraos postsde blogsrelacionados a essas notícias. Uma aliança deesferas bastante curiosa foi a realizada entre a empresa de artigosesportivosNikee a empresa de informáticaApple, para o desen-volvimento de aparelhos eletrônicos e outros produtos que levarãoa marcaNike. E uma aliança entre “gigantes” da informática sedeu entre as empresasDell e Google. Pelo acordo, a empresa fa-bricante de computadores distribuirá milhões de aparelhos comferramentas dositede buscas já instaladas.

Dessa forma, a monopolização das empresas chega ao mundovirtual, tornando também a Internet numa rede um pouco mais es-treita e formada por menos “nós” quanto parecia. E não é apenasuma realidade localizada geograficamente ou em setores restritosda economia: é uma tendência generalizada. O “círculo de ami-zades” no mundo virtual, no caso brasileiro, por exemplo, se dáentre poucos grandes portais, como oUniverso Online(UOL),o Internet Grátis(IG) e o Globo.com, das Organizações Globo.Esta última é detentora dos direitos sobre a versão brasileira doBlogger, o maior provedor de serviços parablogsdo mundo. OBlogger, por sua vez, é dono do portalBlogspot, outro grande pro-vedor de serviços deblog. E BloggereBlogspot, desde 2002, sãode propriedade da empresaGoogle.

Com isso, não se pode esperar que os usuários de Internet en-contrem opções muito diversificadas de informações na granderede, mesmo sabendo da existência de milhões e milhões desi-tesdiferentes. O que acontece é uma circularidade nas “navega-ções” pela Internet, com as mídias tradicionais divulgando ape-nas aquilo que lhes interessa da Internet e com ossites linkando

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apenas outrossitesde seu interesse. Nesse sentido, a relação en-tre grandes cadeias de comunicação e portais virtuais com credi-bilidade, divulgação e reconhecimento na rede é bastante forte.Os sitesque ganham reconhecimento e são considerados fontesde informação crível têm, de alguma forma, relação com algumaponta dos “tentáculos” dos grandes conglomerados de comunica-ção. Agora, aprofundaremos essa questão.

4.9.2 Dependência entre as mídias

Toda a realidade da Internet vista até aqui, confirma o que afir-mamos anteriormente a respeito de o mundo virtual ser apenasuma extensão redimensionada da realidade concreta, também nomundo do jornalismo. Assim, a força dos grandes títulos e seusmonopólios, também sobre a informação, tem o mesmo peso naInternet. Sobre isso, Edo (2006) demonstra que os leitores se con-centram principalmente nas versões digitais dos grandes jornais edas grandes cadeias de televisão. Segundo o autor, já é fato que oprestígio da marca de um jornal que vende centenas de milharesde exemplares em papel pesa muito na hora de se informar na In-ternet. Isso acaba fechando o ciclo de relações do jornalismo, nãosobrando maiores possibilidades para uma alternativa.

No caso dosblogs, totalmente digitais, sem coexistência comversões impressas, a dependência continua existindo em razão dea mídia impressa ser fonte de informações para eles. Assim, no-vamente o círculo fica limitado entre as grandes empresas e, porconseqüência, entre os grandes portais da Internet, que garantemmaior audiência e repercussão contra osblogsque, apesar de te-rem produção de notícias próprias, dependem da agenda dos gran-des jornais.

É o que Butterworth (2006) reconhece, comparando osblogscom a realidade da imprensaundergroundamericana:

De fato, a imprensa underground dos anos 1960era descrita em termos quase idênticos aos usados

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hoje para referir-se ao “blogging”. A rodada atual dedemolição pode ter uma sensação de algo excitante eradicalmente novo, mas o “blogging” nos EUA nãoé reflexo do tipo de profunda transformação sociale política subjacente à imprensa alternativa nos anos1960. Em lugar disso, o fato de osblogsdependeremda velha mídia para seus materiais traz à mente aspulgas de Jonathan Swift [escritor anglo-irlandês, au-tor de “As Viagens de Gulliver”] sugando outras pul-gas “ad infinitum”: para que o processo de alimenta-ção possa ter início, é preciso que haja um hospedeiroem algum lugar. A idéia de que algum dia osblogsvão reinar no mundo da mídia representa o triunfodo otimismo sobre o parasitismo (BUTTERWORTH,2006,online).

Além disso, há um outro aspecto em relação a como osblogsmais conhecidos ganham destaque e repercussão – ou como al-gum blog pode chegar a se destacar na imensidão de opções desiteseblogsda Internet. Na maioria das vezes, isso ocorre porqueas mídias falam de si mesmas, reproduzindo e indicando os dis-cursos e assuntos abordados umas pelas outras, fechando tambémum círculo de indicações. No caso dosblogscitados neste estudo,não restam muitas dúvidas a respeito disso. Oblog de Josias deSouza, por exemplo, está hospedado no portal do jornalFolha deS.Pauloe recebe destaque diário na página de entrada do portal.O diário virou fonte oficiosa tanto do noticiárioonline como daversão impressa do jornal. Somando-se o público-leitor daFolha,tanto dosite como da versão impressa, é natural que oblog deJosias conquiste um número tão elevado de leitores diariamente,com repercussão na grande mídia.

E a mesma explicação pode-se dar aosblogsde Fernando Ro-drigues e de Ricardo Noblat, ambos hospedados em portais degrandes jornais, que, por sua vez, estão hospedados em grandesportais da Internet, como o UOL, no caso de Fernando Rodriguese Josias de Souza. Noblat, por sua vez, recebe até pagamentos

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do IG para continuar deixando seubloghospedado no portal, quenão pretende perder tal visualização (KWAK, 2006).

O caso doKibe Locomerece um pouco mais de atenção. Em12 de dezembro de 2004, um domingo, o jornalFolha de S.Paulopublica uma nota na coluna Televisão do caderno Ilustrada com oseguinte título: “Bonner imita Clodovil em vídeo na Internet”.A matéria afirma que o âncora do principal jornal da TV bra-sileira, William Bonner, aparece imitando o apresentador Clo-dovil Hernandez em “um hilário vídeo que circula na internet(www.kibeloco.com.br). Na brincadeira, Bonner ‘entrevista’ CidMoreira” (CASTRO, D., 2006b,online).

A nota, que soma apenas algumas linhas, pelo simples fatode divulgar o endereço dosite em poucas palavras no jornal demaior circulação do país, dá um destaque imenso aoblog. Tantoé que, dias depois, na mesma coluna, o jornalista Daniel Cas-tro se surpreende com a repercussão: “Desde que a Folha re-velou, no domingo, que é verdadeiro o vídeo em que WilliamBonner aparece imitando Clodovil Hernandes, oblog Kibe Loco(www.kibeloco.com.br) já recebeu mais de 400 mil acessos” (CAS-TRO, D., 2006,online). A nota ressalta também que o normaleram 30 mil visitas por dia. Em 2005, Tabet, autor doblog, passoua integrar a equipe de criação do programaCaldeirão do Huck, daRede Globo. Em 2006, ele assumiu um quadro no programa, in-titulado “Kibe Loco TV” (CARPANEZ, 2006c).

Isso dá uma dimensão de como funciona a circularidade daqual falávamos. Mesmo que oKibe Locojá tivesse um certo des-taque na Internet, foi, sem dúvida, a nota publicada pelaFolhaque desencadeou uma visitação recorde aosite, além das notíciasque vieram depois e da sua participação em um dos maiores pro-gramas televisivos de público jovem do país.

As experiências alternativas, dessa forma, mesmo na Internet,não terão como despontar e ganhar renome nacional por não fazerparte do círculo limitado desitesque realmente dominam a rede.Ou ficarão restritas a um público quase fiel, porém pequeno e sec-tário, ou terão que aceitar as condições dos grandes portais de mí-

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dia, que, mesmo sob a fachada de liberdade da Internet, manterãosob controle as publicaçõesonline, punindo com o “esquecimentoeterno” na rede quaisquer comentários críticos sobre assuntos deinteresse das grandes empresas.

4.9.3 Zonas desconhecidas e acessibilidade

De acordo com um estudo da empresa norte-americanaArborNetworks, grandes zonas da Internet ainda permanecem desco-nhecidas, formando o que os estudiosos chamam de “buracos ne-gros”. São zonas inacessíveis até para os navegantes mais habi-tuados. Seriam mais ou menos 5% da rede atual, somando uns100 milhões desites(EDO, 2006). Outros autores, como Yama-oka (2005), afirmam que a chamada “weboculta”, ou seja, aquelaque até os mecanismos de buscas têm dificuldades em recuperar,é 400 a 550 vezes maior do que a Internet conhecida.

Muitos blogs fazem parte dessa realidade. Mesmo sendo amodalidade de conteúdo que mais cresce na Internet, o númerodos que realmente importam é pequeno. De acordo com pesquisado serviçoAskJeeves Bloglines, em média apenas 60blogssãopopulares, ou seja, são referenciados por mais de 5.000links. Osque atraem mil ou maislinks são apenas 437. Os diáriosonlineque “realmente importam”, ou seja, que recebemlinks de pelomenos 20 outrosblogs, são 36.930. Apenas umsite, segundoo estudo, o endereço de tecnologiaSlashdot, é referenciado pormais de 50 milsites(BLOGS, 2006).

De acordo com um monitoramento conduzido peloThe TruthLaid Bear, somente doisblogsrecebem mais de 1 milhão de visi-tantes por dia e, depois deles, os números descrevem uma quedaacelerada: oblog situado em décimo lugar em termos dehits(acessos), recebe cerca de 120 mil visitas por dia; o 50o, 28 mil; ocentésimo, 9.700; o 500o, apenas 1.400; e o milésimo, menos de600. Em contraste, a ediçãoonlinedo New York Timesteve umamédia de 1,7 milhão de visitantes por dia útil em novembro pas-sado, de acordo com o índice Nielsen (BUTTERWORTH, 2006).

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Dessa forma, além de poucossitesmanterem um público fiele indicarem-se uns aos outros, existe uma gigantesca soma de ou-tros endereços virtuais que simplesmente permanece numa “es-curidão”, conhecida apenas por um restritíssimo público fiel, quevisita sempre as mesmas páginas sem navegar em busca de novossites. Assim como nas edições impressas dos jornais alternativos,o desafio se encontra em descobrir formas de atingir um públicomaior, ou permanecer existindo como um “jornal de seita” (KU-CINSKI, 2003), que fala apenas a alguns poucos. Porém, comum agravante: as opções em uma banca de periódicos não devechegar a mil títulos, todos expostos à vista do leitor. Na Internet,contudo, as opções saltam a um número maior que 9 milhões (YA-MAOKA, 2005), pelas quais o leitor deve buscar. Nesse sentido,a liberdade de expressão na grande rede chega a ser um limitadora ela mesma.

Até aqui, no entanto, ainda não abordamos toda a discussãosobre a chamada exclusão digital. Por não ser nosso objetivo,não nos colocaremos aqui a analisar toda a gravidade do assunto,porém, torna-se conveniente deixar registrado que a exclusão di-gital separa, grosso modo, os que têm acesso à Internet dos quesó têm acesso à TV, rádio ou jornal, suportes unilaterais e “apas-sivadores”. Mesmo entre os que têm acesso à Internet, há dife-rença entre os que são meros usuários de correio eletrônico oude buscas, e aqueles que são efetivamente atuantes porque conso-mem grande quantidade de informação viaweb(MARCONDESFILHO, 2000).

4.9.4 Velocidade e excesso de informação

Dados apurados em 2002 somam 9.040.000sitesna Internet, nú-mero que já deve ter crescido enormemente até hoje. Em 2003, oprojetoHow much Information?calculou que o mundo produziuaté então 5exabytes(um bilhão degigabytes) de informações no-vas por ano, algo em torno de 800megabytes(aproximadamente800 livros) para cada pessoa do planeta (YAMAOKA, 2005).

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Em decorrência disso, dois dos principais problemas com re-lação à análise e divulgação de informações pela Internet, e em es-pecial pelosblogs, são o excesso desitese material disponível emtoda a rede – com textos e imagens criados a cada segundo, alémde todo o arquivo digital que a rede armazena –, e a velocidadeque a própria Internet exige em sua renovação constante. Umsitecom informações desatualizadas é o mesmo que umsite morto.Dessa realidade que mescla em quantidades elevadas velocidadecom informação, ocorre o que podemos chamar de minimalizaçãodo jornalismo.

Para Ciro Marcondes Filho (2000), a maneira de tratar jor-nalisticamente os fatos da sociedade opera por um tipo de trans-missão de conhecimento como o dos dicionários e enciclopédias,por referência, ordenando e dispondo seus conteúdos por meio depalavras-chave. Segundo ele,

Faz-se essa escolha porque ela segue a lógica daprópria digitalização do conhecimento, a redução dosaber a blocos sintéticos de informação. Neste caso,assiste-se a imposição da ideologia doflash, da des-montagem dos saberes organizados como estruturado pensamento, da informaçãoà la carte(MARCON-DES FILHO, 2000, p.46).

Porém, como o autor destaca, os diversos fragmentos de in-formação apenas aglutinam-se e exaurem a leitura pela redundân-cia. Por meio dessa digitalização minimalista da informação, “eunão posso entender relações, não posso construir desdobramen-tos, não posso chegar à história e à lógica que alinhava múltiplosfatos” (MARCONDES FILHO, 2000, p.46).

Em concordância, Arnt (2002) ressalta que “o excesso de in-formação, a fragmentaçãoad infinitumde dados oferecidos pelarede, impossibilitam a síntese, fragmentam a leitura, colocandoem dúvida a veracidade dos acontecimentos” (ARNT, 2002, p.233).E essa é justamente uma das principais ferramentas de análise jor-nalística dos fatos da imprensa alternativa: a conexão dos fatos e

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a crítica embasada, expressadas, por exemplo, pelas grandes re-portagens e entrevistas, que cobriam muitas páginas dos jornais.Porém, na Internet, isso já não é mais possível.

Segundo Castilho (2006b),

Estamos consumindo informação como nunca nahistória da humanidade ao mesmo tempo em que aspessoas perdem cada vez mais a percepção de que es-tão sendo bombardeadas por informações as 24 horasdo dia. A informação tornou-se tão corriqueira que aspessoas não se dão mais conta dela, o que é um para-doxo, só explicável quando se leva em conta o fato deque as elas também estão produzindo conteúdos, atémesmo quando participam de enquetes e questioná-rios onlinee offline. Esta nova parceria na produçãode conteúdos [entre jornalista e público por meio dosblogs] está mudando a idéia de que a função principaldo jornalismo é fornecer informações para que os lei-tores possam se transformar em bons cidadãos dentrode uma democracia (CASTILHO, 2006b,online).

A quantidade de informação disponível faz também com queos leitores passem a se interessar apenas por poucos assuntos, osquais poderão acompanhar com mais facilidade. Perde-se o cará-ter de “interesse público” da informação, valendo o interesse “dopúblico”.

Os leitores de notícias se concentram principal-mente nas versões digitais dos grandes jornais e dascadeias de televisão e o que mais valorizam, em ge-ral, é a capacidade de atualizar com rapidez as no-tícias. O público quer saber o que acontece e quersabê-lo quanto antes e, uma vez conhecida a atuali-dade, se dirige somente ao que lhe interessa (EDO,2006,online).

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Vê-se assim que o jornalista – e especialmente obloggeiro–não mais dissemina seu ponto de vista, mas age como o consolida-dor da informação que vem do público, tornando-a mais palatávelou interessante. Com isso, há uma mudança no papel do própriojornalismo pelas novas rotinas de produçãoonline, como indicaFonseca (2002):

As notícias vão sendo construídas aos poucos, como acréscimo de informações à medida que a apuraçãoavança [...] A conseqüência mais imediata desse tipode produção é a ausência de análise, da interpreta-ção, além da pouca preocupação com o contexto emque se geram os eventos-notícia. [...] As novas roti-nas de trabalho, a precarização profissional e as no-vas competências técnicas que lhe são exigidas, es-tão levando os jornalistas a renunciar a essa condição[de mediador no processo de interlocução entre osmais diversos grupos sociais] para se transformar emmeros “produtores de conteúdos” (FONSECA, 2002,p.289).

Assim, os jornalistas apenas atuam como alguém que modes-tamente junta idéias e dispõem-nas de forma agradável e acessí-vel a um público leitor que “consome” apenas o que lhe interessa(MARCONDES FILHO, 2000).

4.9.5 Pulverização e ausência de mobilização

Como resultado de toda essa realidade, osblogs, assim comoas experiências de jornalismoonline, acabam simplesmente re-vivendo os problemas da imprensa alternativa, porém sob outrasformas. Isso também inclui a falta de mobilização dos títulos queconseguem se sobressair. A dificuldade se encontra justamente napulverização de opções e abordagens que a Internet fornece.

Para Choire Sicha, editor do jornalThe New Yorker Obser-ver, a blogosferanão tem sentido, porque ela simplesmente não

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existe. Para ele, na comunidade dosblogs, seus integrantes nãoestão interligados. Na realidade, a proposta democrática dosblogsapenas resultou em mais fragmentação e mais segregação, numaépoca em que, segundo ele, é muito mais importante enxergar atotalidade das coisas – justamente o ponto forte do que faz a velhaimprensa (SICHA apud BUTTERWORTH, 2006).

Em concordância com a idéia, Marcondes Filho (2000) per-cebe que a esfera eletrônica, assim como ablogosfera, é apenasum “agregado de milhares de microdiscussões”, um “colossal sis-tema de poucas trocas, de comunicações geralmente duais e soli-tárias [...] que de nada serve à comunicação ampla e social, masque espelha o crescimento irregular e metastásico das comuni-cações aleatórias e das trocas inconseqüentes” (MARCONDESFILHO, 2000, p.160). Segundo o autor, a esfera pública eletrô-nica funciona ampla e irrestritamente numa época em que a velhapolítica morreu.

Porém, mesmo que saudosistas afirmem que ablogosfera, as-sim como a Internet em geral, tenha oportunidades efetivas dedemocracia, desenvolvimento e melhoria das condições sociais,Marcondes Filho deixa bem claro que ela funciona sim “para si-mular uma participação que desapareceu das ruas e da qual nin-guém mais se lembra” (MARCONDES FILHO, 2000, p.161).

Em resumo, tudo o que vimos até agora faz parte de toda umarealidade mundial de crise dos grandes valores da modernidade,incentivados em partes pelas grandes mudanças tecnológicas, quetambém abalam as bases do jornalismo tradicional e das experi-ências alternativas, incluindo toda a perspectiva que se abre naInternet. “A tecnologia imprime seu ritmo e sua lógica às rela-ções de trabalho, definindo os novos profissionais, a nova ética dotrabalho, em suma, um outro mundo, que mal deixa entrever ossinais do que se convencionou chamar no passado de jornalismo”(MARCONDES FILHO, 2000, p.31).

O problema central é a crise contemporânea do jornalismo,dos seus principais paradigmas, que se vê resumido a uma sim-ples transmissão de informação, com o jornalista restrito a um

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“organizador” e arquivista dessa informação, e não mais comoum crítico, um analista, um “construtor” de realidades. Ele sim-plesmente passa a ser uma espécie de “garçom informativo”, umapeça desnecessária já que o leitor tem acesso direto, e mais, étambém construtor da informação, principalmente nosblogs, pormeio deposts, comentários, enquetes virtuais etc. Para Ciro Mar-condes Filho (2000), mudamos a “uma época semelhante àquiloque Nietzsche atribuía a toda a modernidade: o de ser uma ‘épocafraca’, decadente, niilista” (MARCONDES FILHO, 2000, p.15).

Essa é também a realidade vivida pelas publicações alterna-tivas, sejam elas impressas ouonline. Dentro de um panoramacomo o atual, fica a dúvida a respeito de como a sociedade poderáinformar-se, criticamente, a respeito do mundo em que habita edas revoluções que vive cotidianamente, até mesmo sem se darconta. Por estarmos em pleno desenrolar desses acontecimentos,deixamos as possíveis soluções dessa crise ou os possíveis enca-minhamentos dessa realidade a partir de agora à análise pessoalde cada leitor, esperando que este trabalho contribua para umamaior reflexão a respeito da visão de mundo que o jornalismo,alternativo ou não, nos permite alcançar.

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Capítulo 5

Considerações finais

Ao final desta pesquisa, temos consciência de não haver chegadoao término de um estudo completo sobre a imprensa alternativacontemporânea, além de saber que nossas conclusões não têm umcaráter definitivo. Contudo, todo o trajeto até aqui desenvolvidonos dá a garantia de que o esforço concretizado nestas páginas tra-duz nosso anseio e nossa esperança por um jornalismo feito comentusiasmo e convicção na construção de uma sociedade mais de-mocrática. Em nosso discernimento, a chamada imprensa alter-nativa, nos períodos estudados, soube interpretar de maneira efi-caz as aspirações da sociedade, no sentido de ser uma fonte deinformações e um espaço de mobilização social independentes eantagônicos em relação ao poder vigente, seja ele político, econô-mico ou cultural.

Especialmente durante o regime militar, o principal mote daimprensa alternativa era a reorganização social num período anti-democrático, tornando-se uma válvula de escape à situação dita-torial. Com a proliferação de jornais alternativos, principalmentecom a cultura alternativa surgida mundialmente com os eventosde 1968, uma nova força política contra a ditadura tem seu iníciono país. É dessa politização da imprensa alternativa que, a partirdo final da década de 70, ocorre uma mudança de paradigma que

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leva esses jornais a se preocuparem com a prática jornalística esua relação com a realidade social.

Entendemos, assim, que tanto a conscientização política e so-cial como a prática jornalística independente foram as principaispreocupações da imprensa alternativa que surge no país. Pela faltade espaços aos jornalistas nos meios de comunicação de massa eaos ativistas políticos no projeto nacional, foi ela a centralizadorade uma agenda cívica que não encontrava lugar devido à censurae aos bloqueios políticos.

No entanto, essa imprensa não teve condições políticas e econô-micas para se manter independente em face de uma nova situaçãomundial, sem contar os problemas internos e administrativos decada publicação. Com as mudanças ocorridas após o fim da dita-dura e a abertura política, além da emergência de uma nova etapado capitalismo, chamada “neoliberal”, os jornalistas independen-tes começam a enfrentar obstáculos ainda maiores. Tanto com osaltos custos de produção como a necessidade de novos investi-mentos para a aquisição de novas tecnologias, os jornais alterna-tivos passam a restringir suas tiragens, reduzindo, por conseqüên-cia, sua expressividade e sua mobilização no público-leitor e nasociedade.

Com a democracia política e o avanço da monopolização dasgrandes empresas de comunicação, o que se vê é uma pulveriza-ção de toda a imprensa alternativa em diversas manifestações lo-calizadas internamente em empresas e movimentos sociais, comoas Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica, sindicatose organizações não-governamentais. As novas publicações ficam,assim, restritas a um pequeno público, sem expressividade no ce-nário social. Ao passar do tempo, a população não dispõe de ou-tros canais de comunicação independentes dos grandes grupos decomunicação. Além disso, em meio a mudanças políticas, econô-micas e tecnológicas, o jornalismo em geral enfrenta graves di-ficuldades, principalmente em termos de concorrência, dos altosgastos com novas tecnologias e das mudanças constantes nos pa-drões das grandes mídias.

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Mesmo assim, as revistasCaros Amigose Bundase o jor-nal OPasquim21representam a busca de outra maneira de fazerjornalismo, tentando encontrar novas posturas em uma nova so-ciedade, diferente e distante historicamente do período ditatorial.Conhecendo suas dificuldades e sucessos no novo período histó-rico, percebemos que essas publicações, trazendo consigo o desa-fio de praticar uma forma jornalística independente dos grandesgrupos editoriais e com outra perspectiva política e social, perma-neceram muito atreladas às experiências passadas, como oPas-quim. Além disso, enfrentavam, a cada nova edição, a dificuldadede alcançar um número maior de leitores e, principalmente, demobilizá-los em torno de uma agenda cívica e engajada na novarealidade social. Restritos a um público leitor formado em grandeparte por pensadores e intelectuais da sociedade, esses veículosalternativos mostraram ser apenas um reforço público de opiniõesjá formadas, prefigurando um “jornal de seita”, como afirma Ku-cinski (2003), em linguagem e em público.

Percebemos, contudo, que vivemos em uma realidade mun-dial de crise dos grandes valores da modernidade, incentivadosem parte pela revolução tecnológica. Dentro desse panorama, aimprensa como um todo também enfrenta crises internas, comoas dificuldades financeiras e administrativas em razão do avançodas novas tecnologias. Por causa disso, o meio impresso, hoje,carrega consigo, em sua sistemática de produção, inúmeras difi-culdades de expansão, como a concorrência e os investimentosnecessários em novos equipamentos. Dessa forma, o quadro atualda imprensa mundial impede que visualizemos um futuro melhoraté mesmo para os grandes jornais. Já o renascimento de umagrande imprensa alternativa, como a da época da ditadura, esta-ria, dessa forma, longe de acontecer, como uma grande esperançautópica.

Vimos, porém, que atualmente há uma migração dos títulosimpressos para a grande rede, a Internet, a fim de encontrar nelaespaços para desenvolver suas possibilidades não mais realizáveisno suporte papel. Baseando nossas hipóteses em diversos autores,

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investigamos as indicações de que na Internet haja possibilidadesde surgimento e atuação de um jornalismo alternativo ou, pelomenos, da existência de um maior espaço para manifestações decontracultura.

Especialmente os diáriosonline, conhecidos comoblogs, se-riam, segundo os autores citados neste trabalho, uma nova ferra-menta de comunicação virtual que oferece perspectivas promis-soras ao jornalismo, por ser uma forma de divulgação de infor-mações muito mais democrática e alternativa à grande imprensa,na medida em que dá chance a qualquer pessoa de se expressarpor meio da Internet. Nosso esforço, então, foi submeter à críticatais estudos que pretendem exaltar, sem maiores juízos, as novasrealidades tecnológicas e virtuais, como a chamadablogosfera,simplesmente por apresentarem-se democráticas e independentes.

Na verdade, observamos que o mundo virtual não possibilitauma reestruturação de toda a crise contemporânea. Ele é apenasuma extensão do mundo real, e ambos se constroem mutuamente.A blogosfera, dessa forma, não tem condições de simplesmentesublimar os problemas da antiga imprensa alternativa. Se esta –e a imprensa em geral – tem problemas não apenas técnicos efinanceiros no mundo real, o mundo virtual dosblogs não temcondições de ser um “oásis” de reavivamento para o jornalismo.Osblogse o ambiente jornalístico da Internet apenas revigoram osproblemas da imprensa alternativa em outro suporte, sofrendo-osde uma maneira redimensionada à realidadeonline.

Como um estudo introdutório, contudo, o que sustentamos sãotendências, suposições, hipóteses, proposições. Por ser uma te-mática recente, em plena realização dos acontecimentos, uma dasmaiores dificuldades é poder fornecer análises e indicações maisconcretas. A contemporaneidade dos fatos e assuntos abordadosnos coloca esse impedimento.Bundase OPasquim21, por exem-plo, recém desapareceram da cena jornalística nacional. Aindavivemos sob a sombra de seus últimos exemplares.Caros Ami-gos segue nas bancas, sendo, ao mesmo tempo, o sinal de quenossas previsões estão erradas, pois há espaço para a imprensa

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alternativa hoje, e também para revelar que estamos certos, poissua função atual é restrita a grupos específicos. Com relação aosblogse ao mundo do jornalismoonline, poucos autores tratam doassunto com maior embasamento. Dessa forma, tivemos que ta-tear em busca de indicações que nos levassem a compreender omeio alternativo da Internet.

Nosso propósito, ademais, foi oferecer uma visão geral do ho-rizonte da imprensa alternativa contemporânea, o que nos levoua não investigar diversas outras questões para não fugir ao nossoobjetivo e também por falta de clareza e compreensão suficien-tes. Assim, permanecem pendentes questionamentos que, se re-solvidos, poderiam nos fornecer um maior entendimento de todo oquadro apresentado nesta pesquisa. Ficam sem análise, por exem-plo, todas as demais publicações alternativas de menor tiragem,localizadas em sindicatos, organizações não-governamentais, ins-tituições religiosas etc, que deixamos de lado neste estudo. Qualo papel desempenhado por essa pequena imprensa alternativa quesegue coexistindo em meio a todas as transformações tecnológi-cas? Quais são seus principais desafios? Além disso, uma análisemais profunda dos grandesblogse seu papel como fonte alterna-tiva de informação ao leitor e às outras mídias fica a ser realizada.Se cada um é seu próprio jornalista, há espaço para outras infor-mações que não as que buscamos por nós mesmos? Qual o papeldesempenhado pelosblogs no jornalismo atual? São eles umaforma de jornalismo ou apenas encerram algumas de suas carac-terísticas? Colaboram, prejudicam ou têm outras funções que nãoafetam os veículos de comunicação?

Além de todos esses questionamentos que surgem a partir desteestudo, ponderamos, no entanto, que o que alcançamos até agoranos dá sinais de uma outra grande realidade a ser estudada. Asgrandes dificuldades vividas pela mídia jornalística impressa, epor conseqüência pela imprensa alternativa, são um sinal de queé o jornalismo como instituição social que vive momentos deli-cados, impulsionados pela atual tecnificação. E isso ocorre inde-pendentemente de seu suporte físico, incluindo assim toda a pers-

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pectiva que se abre na Internet. Em razão de diversas barreirashistóricas políticas, econômicas, tecnológicas e sociais, uma ou-tra imprensa e uma outra forma de fazer jornalismo têm grandesdificuldades de agir na sociedade atual: uma realidade que, emresumo, evidencia a crise do jornalismo mundial contemporâneo.

Pelo volume de dados da rede e pela fragmentação e pulveri-zação de fontes informativas, cada pessoa torna-se capaz de pes-quisar, localizar e utilizar a informação necessária ao seu dia-a-dia, numa espécie de democracia sem crítico nem intermediário.O personagem “jornalista”, dessa forma, passa a ser substituídopelos sistemas de comunicação eletrônicos, como as redes virtu-ais e interativas de criação e difusão de informações. Fica com-prometido, assim, seu papel histórico de comentarista, intérpretee analista do mundo e até mesmo de contra-poder. Ao jornalistaresta o papel de pesquisar, sintetizar e organizar a informação dis-ponível, a fim de corresponder a demandas específicas de cadaleitor e aos novos princípios de rapidez, interatividade, redução evolaticidade. Nesse caso, a função de conselheiro, de especialistaque sabe e tem opinião abalizada, corre também o sério risco dedesaparecer (MARCONDES FILHO, 2000).

O jornalista torna-se, então, um dos últimos remanescentes deuma realidade que já não é a atual. E nisso há um paradoxo. Pormeio do jornalista, como mediador, propagador e introdutor dasnovas tecnologias, a sociedade foi sucessivamente modernizando-se e construindo um novo quadro social. No entanto, foi o própriojornalista quem acabou sofrendo as piores conseqüências, favore-cendo a construção de um ambiente no qual ele não é mais ne-cessário, um ambiente efêmero e virtual, onde a própria técnicatorna-se o centro das ações, num simulacro da realidade (MAR-CONDES FILHO, 2000).

Na verdade, não apenas o jornalismo, mas toda a sociedadepassa por uma grande transformação a partir, principalmente, dainformatização e do surgimento de novas tecnologias. O processodigital de tempo real estabelece novos parâmetros sociais. Tantoo jornalismo como os valores modernos, como o progresso e a ra-

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zão, tornam-se temáticas de outra época histórica, circunscritos àrevolução industrial e burguesa dos séculos 18 e 19, assim comoas classes e grupos revolucionários, os sindicatos, os partidos po-líticos, a oposição artística, literária e intelectual, as organizaçõescivis que constituíam a esfera pública que protestava, que se or-ganizava em torno de idéias, ideologias, visões de mundo (MAR-CONDES FILHO, 2000).

Como resultado geral, perde-se o valor da esfera pública, pois,apesar de a Internet reunir os diversos discursos sociais, algo apa-rentemente salutar para a democracia, sua realidade é bem ou-tra: indivíduos isolados, conectados em espaços individualizan-tes, num momento histórico despolitizado. Todos esses fatoresvivem um período histórico de progressivo desaparecimento. Nãoseria lógico, portanto, que, num momento de revolução das técni-cas de processamento de dados como a informática e a Internet,sobrevivessem processos já superados pelos novos métodos e pelanova mentalidade social.

Cremos, no entanto, que, em plena tecnificação da existênciahumana e em meio a toda a maquinaria que nos acompanha, sem-pre haverá espaço para o incompleto, o inconsistente, o duvidoso,o impreciso. É nesse âmbito que se destaca, dentre outras, a fi-gura do jornalista, como o profissional por excelência em que aincompletude e a dúvida, mesclada com a curiosidade, são carac-terísticas inerentes.

Nossa crença, como base de todo este ensaio sobre as possi-bilidades de atuação de uma imprensa alternativa hoje, é a de queuma democracia só será possível quando as liberdades tambémestejam garantidas a cada cidadão em nível de conhecimento e in-terpretação do mundo: liberdade de acessar todos os fatores queestejam em questão na história cotidiana, não sendo cerceado porconcepções editoriais que prezem apenas pelos lucros das grandesempresas de comunicação. E não apenas isso: liberdade tambémde ter acesso a diversas versões da história cotidiana, que se com-plementem e até mesmo que se contradigam. Nas dificuldadesatuais, diferentes das vividas pela imprensa alternativa da década

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de 60, a inspiração daqueles jornalistas permanece latente nos jo-vens aspirantes e no público, ansioso por tamanha criatividade eespontaneidade como a de então.

Daqui para frente, deixamos a cargo do tempo e da própriaconstrução social as conclusões mais perenes. Para nós, o fato dea sociedade brasileira ter uma informação independente dos gran-des grupos midiáticos está diretamente relacionada com a idéia dedemocracia. Talvez utópica, temos a esperança de que, apesar dosindícios contemporâneos, sejam possíveis uma outra sociedade eum outro jornalismo, hábeis em pensamento crítico, interpreta-ção, análise e síntese dos fatos.

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Capítulo 6

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