modelos_de_democracia_-_arend_lijphart
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_Arend Lijphart
Modelos de democraciaDesempenho e padrões de governo
em 36 países
Tradução de
Roberto Franco
CIVILlZAÇAo HIL\SILEIHA
Rio de J3neiro
2003
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AREND l I JPHART
e dos estudantes de pós-graduação que participaram do seminário. Em abril
e maio de 1998, proferi palestras e conduzi-seminários semelhantes em di
versas universidades da Nova Zelândia: a Universidade de Canterbury em
Christchurch, a Universidade de Auckland, a Universidade Victoria, de
WcIlington, e a Universidade de Waikato, em Hamilton. Aqui, também, be
neficiei-me de muitos comentários valiosos, e quero agradecer a Peter Aimer,
. jona than Bóston,John Henderson, Martin HoIland, KeithJackson, Raymond
Miller, Nigel S. Roberts e Jack Vowles em particular.
James N. Druckman execut ou eficientemente a análise fatorial relatada
no capítulo 14. lan Budge, Hans Keman e Jaap Woldendorp forneceram-me
novos dados sobre a formação de gabinetes antes da publicação dos mesmos.
Diversos outros estudiosos também me cederam, generosamente, seus dados
ainda não publicados ou parcialmente inéditos: dados sobre a composição
de câmaras federais fornecidos po r Alfred Stepan e Wilfried Swenden, do
Federal Databank; dados sobre a distância entre governos e eleitores, coiigi
dos por John D. Huber e G. Bingham PowelI, Jr; e dados sobre a satisfação
com a democracia, de Chris topher J . Anderson e Christine A. Guillory. Last
but not least, sou muito grato pelo trabalho de meus assistentes de pesquisa
Nastaran Afari, Risa A. Brooks, Linda L. Christian e Stephen M. Swindle.
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CAPíTULO 1 Introdução
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II!f!
Em princípio, existem muitas maneiras pelas quais uma democracia pode
organizar -se e funcionar. Na prática, também, as democracias modernas apre
sentam uma grande variedade de instituições governamentais formais, como
legislaturas e tribunais, além de sistemas partidários e grupos de interesse.
Entretanto, padrões e regularidades nítidos surgem ao se examinarem essas
instituições sob o ângulo da natureza de suas regras e práticas - até que ponto
elas são majoritárias ou consensuais. O contraste entre o modelo majoritário
e o consensual surge a partir da definição mais básica e literal de democra
cia: governo pelo povo ou, no caso da democracia representativa, governo
pelos representantes do povo - e, também, a partir da famoss.-frase de
Abraham Lincoln segundo a qual democracia significa governo, não apenas
pelo povo, mas também para o povo -'-, ou seja: governo de acordo com a
preferência popular.!
Definir a democracia como "governo pelo povo e para o povo" le
vanta uma questão fundamental: quem governará, e a quais in:eresses
deverá o governo atender, quando o povo estiver em desacordo e as suas
preferências divergirem? Uma resposta a esse dilema é a de que prevaleça
a maioria do povo. Esta é a essência do modelo democrático majoritário.
A resposta majoritária é simples e direta, e te m um grande apelo, porque
o governo pela maioria, e de acordo com os anseios da maiori2, deseja
obviamente aproximar-se mais do ideal democrático do "governo pelo
povo e para o povo" do que o governo por uma minoria e comprometido
com esta.
IComo observa Clifford D. May (1987), o crédito por esta definição deveria ir provavelmente
para Daniel Webster, em lugar de Lincoln. Webster fez um discurso em 1830 - 3 3 anos antes
do pronunciamento de Lincoln em Gettysburg - no qual falava de um "governo do povo,
feito para o povo, pelo povo e prestando contas ao povo".
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Uma resposta alternativa é: prevalece a vontade do maior número de
pessoas. É este o ponto vital do modelo consensual. Ele não difere do mode
lo majoritário, concordando em que é melhoco governo da maioria do que
da minoria. Mas considera a exigência de uma maioria como um requisito
mínimo: em vez de se satisfazer com mínimas maiorias, eie busca ampliar o
tamanho das mesmas. Suas regras e instituições visam a uma ampla participação no governo ~ a um amplo acordo sobre as políticas que este deve ado
tar. O modelo majoritário concentra o poder político nas mãos de uma
pequena maioria, e muitas vezes, mesmo, de uma maioria simples (plurality),
em vez de uma maioria absoluta, como mostrará o capítulo 2 - ao passo
que o modelo consensual tenta compartilhar, dispersar e limitar o poder de
várias maneiras. Uma outra diferença, relacionada a esta última, é que o
modelo majoritário de democracia é exclusivo, competitivo e combativo,
enquanto o modelo consensual se caracteriza pela abrangência, a negocia
ção e a concessão. Por esta razão, a democracia consensual poderia também
ser chamada de "democracia de negociação" (Kaiser, 1997: 434).
Dez diferenças relativas às mais importantes instituições e regras democrá
ticas podem deduúr-se dos princípios majoritário e consensual. Pelo fato de
que as características majoritárias derivam do mesmo princípio e, por isso,
apresentam uma conexão lógica, poder-se-ia também esperar que elas ocor
ressem juntas no mundo real. O mesmo se aplica às características do modelo
consensual. Seria de se esperar que todas as dez variáveis estivessem, por isso,
intimamente relacionadas. As pesquisas anteriores já confirmaram, em grande
parte, essas e xpectativas , com uma importante exceção: as variáveis agrupam
se em dua s d imensões nitidamente ;;eparadas (Lijphart 1984: 211-22; 1997a:
196-201). A primeira dimensão reúne cinco características da estrumra com
posta pelo Poder Executivo, pelos sistemas partidários e eleitorais e pelos grupos de interesse. Para resumir, vou me referir a essa prime ira dimensão como
dimensão executivos-partidos. Uma vez que as cinco diferenças, na segunda
dimensão, são normalmente associadas, em sua maioria, ao contraste entre
: federalismo e gover no unitário - assunto ao qual deverei logo retornar -,
, chamarei a essa segunda dimensão de dimensão federal-unitária.
As dez diferenças são formuladas a seguir, em termos dos contrastes
dicotômicos entre os modelos majoritário e consensual. Trata-se, no entan
to, de variáveis, nas quais cada país pode localizar-se em um dos pólos do
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M o DEl OS DE D E M O C R A ~ C I A
eixo, ou em qualquer ponto entre os mesmos. A cãracterÍstica do sistema
m a j o ú ~ á r i o v e m relacionada em primeiro lugar, em cada caso.
As cinco diferenças na dinumsão executivos-partidos são as seguintes:
1. Concentração do Poder Executivo em gabinetes monopartidários de
maioria versus distribuição do Poder Executivo em amplas coalizõesmultipartidárias.
2. Relações entre Executivo e Legislativo em que o Executivo é domi
nante versus relações equilibradas entre ambos os poderes.
3. Sistemas bipartidários versus sistemas multipartidários.
4. Sistemas eleitorais majoritários e de sprop orcio nais versus representa
ção proporcional.
5. Sistemas de grupos de interesse pluralistas, com livre concorrência
entre grupos versus sistemas coordenados e "corporativistas" visando
ao compromisso e à concertação*.
As cinco diferenças na dimensão federal-unitária são:
1. Governo unitário e centralizado versus govern o federal e descentrali
zado.
2. Concentração do Poder Legislativo numa legislatura unicameralversus
divisão do Poder Legislativo entre duas casas igualmente fortes, po-
rém diferentemente constituídas.
3. Constituições flexíveis, que podem receber emendas por simples
maiorias, versus constituições r ígidas, que só podem ser modificadas
por maiorias extraordinárias.
4. Sistemas em que as legislaturas têm a palavra final sobre a constitucionalidade da legislação versus sistemas nos quais as leis estão su-
jeitas à revisão judicial de sua constitucionalidade, por uma corte
suprema ou constitucional.
5. Bancos centrais dependentes do Executivo versus bancos centrais in -
dependentes.
*Concertaç ão: expressão tomada do espanhol -concertación-, que significa formar pact osde coalizão. (N. do T.)
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-AREND LlIPHART
Uma e;;:plicação plausível para esse modelo bidime nsiona l é sugerida por teó
ricos do federalismo, como Ivo D. Duchacek (1970), Daniel J. Etazar (1968),
C a ~ l J. Friedrich (1950: 189-221) e K. C. Wheare (1946). Esses estudiosos
sustentam que o federalismo tem significados primários e secundários. A defi
nição primária é a de que o federalismo constitui uma divisão garantida de
poder entre o governo central e os governos regionais._ As características secundárias são: o forte b i c a m e r a l i s m ~ , uma constituição rígida e revisões judi
ciais rigoros as. Seu argumento é que a garantia de um a divisão federal do poder
só pode operar bem nos seguintes casos: (1) se tanto as garantias quanto as
linhas precisas da divisão de poder estiverem claramente definidas na Consti
tuiçã o, e se essas garantias não puderem ser modifica das unilateralmente, nem
no nível central nem no regional - donde a necessidade de uma Constituição
rígida; (2) se houver um árbitro neutro para resolve r conflitos relativos à divi
são de poder entre os dois níveis de governo - donde a necessidade de revi
sões judic iais; e (3) se houver uma câmara federal na legislatura nacional, em
que as regiõ es ten ham uma forte representação - donde a necessidade de um
forte bicameralismo. Além disso, (4) o principal propósito do federalismo épromover e pr otege r um sistema descentralizado de governo. Essas caracterís
ticas federalistas podem ser encontradas nas quatro primeiras variáveis da se
gunda dimensão. Como se declarou anterior mente, essa dimensão é, por isso,
denominada dimensão federal-unitária-Entretanto, a explicação federalista não é inteiramente satisfatória, por
duas razões. Um dos problemas é que, emb ora possa justificar o agrupamen
to das quatro variáveis numa única dimensão, ela não explica por que essa
dimensão deve ser tão claramente distinta da outra. Em segundo lugar, não
explica po r que a variável da independência do banco central faz parte da
dimensão federal-unitária. Uma explicação mais convincente do modelobidimensional é a distinção entre "ação coletiva" e "responsabilidade com
partilhada", de um lado, e ações e responsabilidades divididas, de outro,
sugerida po r Robert E. Goodin (1996: 331).2 lvnbas são formas de difusão
do poder, mas a primeira dimensão da democracia de consenso - com suas
negociações multi partidárias dentro dos gabinetes, legislaturas e comissões
2Uma distinção semelhante, feita por George Tsebelis (1995: 302) é entre os "agentesinstitucionais com poder de veto", localizados em diferentes instituições, e os "agentes partidários com poder de veto", como os partidos que integram uma coalizão governamental.
2 o
MQDElOS DE DEMOCRACIA
legislativas, e reuniões de conce rtação entre governos e grupos de interesse--'
adapta-se bem à forma de respons abilidade coletiva. Em contrapartida, Úlll;
to as quatro características federalistas"quanto o papel dos bancos centrais
são adequados à forma de difusão por meio da separação institucional: divi são
do poder entre instituições federa is e estaduais separadas, duas câmaras se
paradas na legislatura, e tribunais superiores e bancos centrais separados eindependentes. Vista po r esta perspectiva, a primeira dimensão também
poderia ser chamada de dimensão de responsabilidade conjunt a, ou de po
de r conjunto, e a segunda, de dimensão de responsabilidade dividida ou de
poder Jividido. EntTetanto, embora esses rótulos possam ser mais precisos e
teoricamente mais significativos, os meus rótulos originais - "executivos
partidos" e "federais-unitários" - têm a grande vantagem de serem de mais
fácil memorização, razão pela qual irei empregá-los neste livro.
A distinção entre dois tipos básicos de democracia, a majoritária e a
consensual, de modo algum é uma invenção recente na ciência política. De
fato, tomei esses dois termos de empréstimo a Robert G. Dixon Jr. (1968:
10). Hans Hattenhauer e Werner Kaltefleiter (1968) também fazem o con
traste entre.o "princípio majoritário" e o consenso, e Jürg Steiner (1971)
justapõe "os princípios da maioria e da proporcionalidade". G. Bingham
Powell (1982) distingue entre formas majoritárias e amplamente "represen
tativas" de democracia e, em trabalho posterior, entre duas "visões da demo
cracia liberal": a visão do Controle da Maioria e a da Influência Proporcional
(Huber e Powell 1994). Contrastes semelhantes foram traçados po r Robert
A Dahl (1956) - democracia "populista" versus "madisoniana"; William
H. Riker (1982) - "populismo" versus "liberalismo"; Jane Mansbridge
(1980) - democracia "combativa" versus "unitária"; e S. E. finer (1975)-
política "combativa" versus política centrista e de coalizão.Entretanto, existe na ciência política uma tendência surpreendentemen
te forte e persistente de se a ssociar a democracia somente ao modelo majo
ritário, e de não reconhecer a democrac ia de consenso como uma alternativa
igualmente legítima. Um exemplo particularmente claro disso pode ser visto
no argumento de Stephanie Lawson (1993: 192-93) de que uma forte opo-
sição política é a "condição sine qua non da democracia contemporânea".
Essa visão baseia-se no pressuposto majoritário de que a democracia acarre
ta um sistema bipartidário (ou, possivelmente, dois blocos de partidos opos-
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tos) que se alternam no governo; não lev4 em consideração que o governo,
em sistemas phiripartidários-màis consensuais,tend(': a ser de coalizão, e que
uma mudança de governo nesses sistemas normalmente significa ;penas uina
mudança parcial na composição partidá ria do governo - em vez de a opo
sição "tornar-se" governo.
O uso freqüente do critério da alternância no poder para determinar seuma democraci a tornou-se estável e consoli dada revela o mesmo pressupos
to majoritário. Samuel P. Huntington (1991 : 7.66-67) chega a propor um teste
da dupla alternância, ~ e g u n d o o qual "pode-se considerar uma democracia
consolidada se o partido ou o grupo que assumiu o poder na eleição inicial,
no período de transição [para a democracia], perde a eleição seguinte e pas
sa o poder aos vencedores, e se estes, por sua vez, passam o poder pacifica
mente aos vencedores de uma eleição posterior". Das vinte democracias
duradouras analisadas neste livro, todas const ituin do, indiscutivelmente, sis
tema s democráticos estáveis e consolidados, nada menos que q l i a t ~ o - Ale
manha, Luxemburgo, Holanda e Suíça - fracassaram no teste da alternância
durante meio século, desde fins da década de 1940 até 1996, ou seja, tive
ram a experiência de muitas mudanças de gabinete, porém nunca de uma
alternância completa; e oito - os mesmos quatro países e mais a Bélgica, a
Finlândia, Israel e Itália - perderam no teste da dupla alternância.
Este livro mostrará que as democracias majoritárias puras, ou quase pu
ras, são na verdade muito rar8.S - limitam-se ao Reino Unido, Nova Zelândia
(até 1996) e as antigas colônias britânicas do Caribe (mas apenas com respei
to à dimensão executivos-partidos). A maioria das democracias tem traços
consensuais significativos ou mesmo predominantes. AJém disso, como de
monstra este livro, a democracia consensual pode ser considerada mais de
mocrática do que a majoritária em muitos aspectos.As dez características contrastantes dos dois modelos de democracia,
~ p r ( ; s e n t a d a s acima de forma resumida, são descritas e exemplíficadas de
maneira preliminar por meio de esboços de casos relativamente puros de
democracia majoritária - Reino Unido, Nova Zelândia e Barbados - e de
casos relativamente puros de democracia consensual-Suíça, Bélgica e União
Européia - nos capítulos 2 e 3. Os 36 casos emp íricos de democracia, inclu
sive os cinco há pouco mencionados (mas não a Un ião Européia), que foram
seleci onado s para análise comparativa, são introduzido s sistematicamente no
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MODELOS DE DEMQCRACIA
Cdpítulo 4. As dez variáveis institucionais serão, depois, analisadas com mais
profundidade nos nove capítulos que compreendem o corpo deste livro ( c a ~ -pítulos 5 a 13). O capítulo 14 resume os resultados e coloca as 36 democra
cias num "mapa conceitual" bidimensional da democracia. Também analisa
alterações nesse mapa, ao longo do tempo, e mostra que a maioria dos países
ocupa nele posições estáveis. Os capítulos 15 e 16 fazem a pergunta: "E daí?":- será que o tipo de democracia faz diferença, especialmente com respeito às
medidas econômicas efetivas e à qualidade da democracia? Esses capítulos
mostram que há apenas um pequeno número de diferenças sobre eficiência
governamcntal, mas que os sistemas consensuais tendem a obte r um resulta
do significativamente melhor no amplo quadro de indicadores da qualidade
democrática. O capítu lo 17 conclui o estudo com um olhar sobre as implica
ções políticas (extraídas das informações do livro) para os países em vias de
democratização e para os países de democracia recente.
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Neste livro, altern o o termo modelo Westminster com o de modelo majoritá-
rio para refer ir-me a um moàelo genérico de democ racia . Também é possível
usá-lo de forma mais limitada, para denotar as pri ncip ais características das
instituiç ões par lamentares e governamentais da Grã- Breta nha (Wilson: 1994;
Mahler: 1997): é no Palácio de Westminster, em Londres, que se reúne o
Parlamento do Reino Unido. A versão britân ica do modelo Westminster não
só constitui o exemplo original, como também o mais famoso. É, também,
amplamente admirad o. Richard Rose (1974: 131) destaca que, "com a con
fiança originária do isolamento continental, os americanos acabaram por
achar que as suas instituições - a Presidência, o Congre sso: ; a Suprema Corte
- eram o protótipo do que deveria ser adotado em todo o mundo". Porém
cientistas políticos americanos, principalmente os que se dedicam à política
. comparada, avaliam o sistema britânico de governo como, no mínimo, tão
elevado quanto o deles (Kavanagh, 1974).
Um famoso cientista político que admirava fervorosamente o modelo
Westminster era o presidente Woodrow \'7ilson. No s seus primeiros escritos,
chegou ao ponto de defender a abolição do governo presidencialista e a ado
ção, pelos Estados Unidos, de um governo parla menta rista de estilo britânico.
Opinião semelhante também foi sustentada por diversos outros observadores não-britânicos da política da Grã-Bretanha, e muitos aspectos do modelo
Westminster foram exportados para outros países: o Canadá, a Austrália, a
Nova Zelândia e a maior parte das colônias britânic as na Ásia, África e Caribe,
ao se tornarem independentes. Wilson (1884 : 33) referia- se ao governo par
lamentarista que seguia o modelo Westminster como "a moda do mundo".
Os dez elementos inter-relacionados do modelo Westminster, ou majori
tário, são ilustrados por aspectos das três democracias que mais se aproxi
mam desse modelo, podendo ser vistas como protótipos do mesmo: o Reino
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Unido, a Nova Zelândia e Barbados. A Grã-Bretanha, onde se originou O
modelo Westminster, é evidentemente o primeiro e o mais óbvio exemploaser usado. Em muitos aspectos, entretanto, a Nova Zelândia é um exemplO
ainda melhor - pelo menos até a guinada abrupta que a distanciou domo-
'/. delo majoritário, em outubro de 1 9 ~ 6 . O terceiro exemplo, Barbados, é tam
bém um protótipo quase perfeito do modelo Westminster, embora só namedida em que está envolvida a primeira dimensão (executivos-Pat1idos) do
contraste entre o modelo majoritário e o modelo consensual. Na discussão a
seguir, sobre as dez características majoritárias nos três países, enfatizo não
somente sua conformidade com o modelo geral, como também os desvios
ocasionais do modelo, além de diversas ou tras qua lificações que necessitam
ser feitas.
o MODELO WESTMINSTER NO REINO üNIDO
1. Concentr ação do Poder Executivo em gabinetes unipartidários e de maio
ria mínima. IJ órgão mais poderoso do governo britânico é o gabinete. Nor
malmente, ele é composto de membros do partido detentor da maioria das
cadeiras na Câmara dos Comuns, e a minoria não é incluída. São raros os
gabinetes de coalizão. Devido ao fato de, no sistema bipartidário britânico,
os dois principais partidos terem força aproximadamente igual, o partido
vencedor das eleições normalmente representa apenas uma estreita maioria,
enquanto a minoria é rei ativamente grande. Conseqü ente ment e, o gabinete
britânico de um partido e de maioria mínima é a encarnação perfeita do prin
cípio da regra majoritária: ele manobra grande quanti dade de poder político
para governar como representante - e no interesse - de uma maioria, cujasproporções não chegam a ser eSlI'''lgadoras. üm a grande minoria fica excluí
da do poder, confinada ao papel de oposição,
Desde 1945, principalmente, poucas são as exceções à norma britânica
dos gabinetes unipartidários de maioria. David Butler (1978: 112) declara
que "um governo claramente unipartidário é muito menos comum do que
muitos poderiam supor", mas a maior parte dos desvios da norma - coali
zões de dois ou mais partidos ou gabinetes de minoria - aconteceram de
1918 a 1945. O exemplo mais recente de gabinete de coalizão foi a coalizão
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MO DEL O S DE!} E M O C R A C I A
de g1.lerra,de 1940-45, formada pelos conserv::.dores - que d ~ t i n h a m maioria
~ p a r l a m e n t a r - com os partidos Traba lhista e Liberal, sob o governo do pri-
meiro-ministro conservador Winston Churchill. Os únicos exemplos de ga
binetes de minoria no período do pós-guerra foram os dois gabinetes
trabalhistas na década de 1970. Na eleição parlamentarde fevereiro de 1974,
o Partido Trabalhista obteve maioria simples, porém não a maioria das cadeiras, e formou um governo de minoria, -na dependência de que todos os
demais partidos não se unissem para derrotá-lo. Novas eleições foram reali
zadas naquele mês de outubro, e o Partido Trabalhista obteve uma completa
- embora estreita - maioria de cadeiras. Mas essa maioriafoi minada por
deserções e derrotas em eleições complementares, e o gabinete trabalhista
novamente tornou-se minoritário em 1976. Em 1977, recuperou a maioria
legislativa temporária, como resultado do pacto negociado com os 13 libe
rais da Câmara dos Comuns: os liberais concordaram em apoiar o gabinete
se houvesse consultas sobre as propostas legislativas antes de sua apresenta
ção ao Parlamento. Nenhum liberal, entretanto, participou do gabinete, e
este, por isso, continuou como de minor ia, emvez de um verdadeiro gabine
te de coalizão. O chamado pactoLab-Lib (Trabalhista-Liberal) durou até 1978,
e em 1979 o gabinete de minoria do primeiro-ministro trabalhista James
Callaghan foi derrubado por uma moção de desconfiança na Câmara dos
Comuns.
2. Gabinete dominante em relação à legislatura. O Reino Unido tem um
sistema de governo parlamentarista, o que significa que o gabinete depende
da confiança do Parlamento. Teoricamente, como a Câmarados Comuns pode
destituir o gabinete, ela o "controla". Na realidade, a relação é invertida.
Como o gabinete é composto pelos líderes de um partido majoritário coeso,
na Câmara dos Comuns normalmente ele é apoiado pela maioria daquelaCasa e pode, confiantemente, contar com a sua permanência no poder e com
a aprovação das suas propostas legislativas. O gabinete claramente prevalece
sobre o Parlamento.
Como uma forte liderança exercida pelo gabinete depende do apoio da
maioria na Câmara dos Comuns e da coesão do partido majoritário, os gabi
netes perdem um pouco de sua posição predominante quando uma dessas con
dições, ou ambas, não estão presentes. Especialmente durante os períodos de
governo de minoria, na década de 1970, houve um significativo aumento na
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incidêrrcia das derrotas parlamentares de p ropostas importantes do gabinete.
Esse fato provocou uma mudança na opinião tradicional de que os gabine
tes, se sofrérem uma derrota, quer por um a moção parlamentar de desconfian
ça, quer em algum importante projeto de relevância fundamental para o
gabinete, devem renunciar ou dissolver a Câmara dos Comuns, convocando
(
novas eleições. A nova regra não-escrita é de que somente um voto explícito
de desconfiança poderá forçar a renúncia, ou novas eleições. A normalidade
dü predomínio do gabinete foi restaurada, em grande parte, na década de 1980,
sob a forte liderança da primeira-ministra conservadora Margaret Thatcher.
Ambas as situações, a normal e a irregular, mostram que é o sistema dis
ciplinado bipartidário, e não o parlamentarismo, que dá origem ao predo
mínio do Executivo. Em sistemas parlamentaristas pluripartidários, os
gabinetes - muit8s vezes de coalizão - costumam prevalecer muito menos
(Peters, 1997). Devido à concentração de poder num gabinete poderoso, o
ex-ministro Lorde Hailsham (1978: 127) chamou o sistema britânico de go
veq-lO de "ditadura eletiva".!
3 ~ \ Sistema bipartidário. A política britânica encontra-se dominada pordois grandes partidos: o Conservador e o Trabalhista. Outros partidos tam
bém disputam as eleições, e obtêm cadeira s na Câmara dos Comuns - par
ticularmente os liberais e , _ ~ p ó s sua fusão com o Partido Social-democrata
em fins dos anos 1980, os liberal-democratas -, mas não são suficientemen
te grandes para obterem uma vitória total. A maior parte das cadeiras é ob
tida pelos dois partidos principais, e eles compõem os gabinetes: o Partido
Trabalhista de 1945 a 1951, de 1964 a 1970, de 1974 a 1979, e de 1997 em
diante; e os conservadores de 1951a 1964, de 1970 a 1974, e o longo pe
ríodo entre 1979 e 1997. A h e g e ~ o n i a desses dois partidos ficou especial-
'Nos sistemas presidencialistas de governo, em que o chefe do Execu:ivo não pode ser remo
vido pelo Legislativo (a náo ser por meio do impeachmcnt), pode ocor rer a mesma variação
no grau de predomínio do Executivo, dependendo exatamente de como são separados os po
deres governamentais. Nos Estados Unidos, pode-se dizer que presidente e Congresso man
têm um rosca equilíbrio de poder, mas na França e em alguns países latino-americanos os
president es sáo consideravelmente mais poderosos. Guillermo O'Donncll (1994: 59-60) pro
pôs o termo "democracia delegati\'a" - que tem afinidade com o de "ditadura eletiva" de
Hailsham - para os sistemas com presidentes eleitos e dominantes. Nesses sistemas "forte
mente majoritários", quem vencer a eleição pres idencial ficará qualificado a governar da forma
que lhe for mais adequada, restrito apenas por relações de poder inegavelmente preexistentes,
e por um prazo de governo limitado pela Constituição.
3 o
MO D E L O S DE DEMOCRACIA
mente acentúada entre 1950 e 1970: em conjunto, eles jamais obtiveram
menos que 87,5 por cento dos votos e 98 por cento das cadeiras na Câmara
dos Comuns, nas sete eleições realizadas no período.
Os anos entre as guerras constituíram um período de transição durante
o qual o Partido Trabalhista substituiu os liberais, como um dos grandes par
tidos, e, na eleição de 1945. ele e o Partido Conservador, juntos, consegui
ram cerca dé 85 por cento dos votos e 92,5 por cento das cadeiras. O seu
apoio declinou conside ravelmente depois de 1970: sua parcel a conjunta no
voto popular variou, de apenas 70 por cento (em 1983), para menos de 81
por cento (em 1979), porém os dois partidos continuaram a obter um míni
mo de 93 por cento das cadeiras, exceto em 1997, quando a participação
conjunta nas cadeiras caiu para cerca de 88,5 por cento. Os liberais foram os
principais beneficiados. Em aliança com o Partido Social-democrata, eles che
garam a obter, em certa oca sião, mais de 25 por cento da votação (nas elei
ções de 1983), mas, até 1997, nunca um número superior a 14 cadeiras,
sozinhos, e 23 cadeiras, em aliança com os social-democratas. Nas eleições
de 1997, entretanto, os liberal-democratas conseguiram um número surpreendente de 46. cadeiras, com cerca de 17 por cento dos votos.
Um corolário dos sistemas bipartidários é que eles costumam ser siste
mas partidários unidimensiona is, ou seja, os programas e diretrizes dos prin
cipais partidos em geral di ferem entre si, principalmente em rdação a apenas
uma dimensão: a das questões socioeconômicas. Esse é claramente o caso do
sistema bipartidário britân ico. A principal diferença politicamente impor t:mte
que divide os partidos Conservador e Trabalhista é o desacordo sobre as
medidas soc:oeconômicas: no espectro esquerda-direita, o trabalhismo re
presenta as preferências da centro-esquerda, enquanto o cOHservadorismo,
as da centro-direita. Essa diferença reflete-se também na forma de apoio dada
aos partidos, por pa rte dos eleitores, nas eleições parlamentares: os el eitores
da classe trabalhadora tendem a votar nos candidatos trabalhistas, e os da
classe média tendem a apoiar os candidatos conservadores. Os liberais e os
liberal-democratas também podem ser facilmente colocados na dimensão
socioeconômica: a posição que ocupam é a do centro.
Existem outras diferenças, é claro, mas são muito menos importantes, e
não têm maior impacto sobre a composição da Câmara dos Comuns e o ga
binete. Por exemplo, as divergências entre católicos e protestantes na Irlan-
3 i
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da do Norte constituem a esmagadora d i f e r ~ n ç a que separa os partidos e seus
adeptos, mas a Irlanda do NO'de r e p r é s ~ n t a menos. que 3-por'cento d;1 popu
lação do Reino Unido, e essas' divergências religiosas não são mais relevan-
tes, politicamente, na parte britânica do Reino Unido (Inglaterra, Escócia e
País de Gales). Diferenças étnicas explica m a persistência do Partido Nacio
nal Escocês e dos nacionalistas galeses, mas esses partidos jamais conseguemobter mais que algumas cadeiras; A única pequena exceção da monodimen
sionalidade do sistema partidário britânico é que uma questão de política
externa - a participação da Grã-Bretanha na Comunidad e Européia - tem
sido uma freqüente fonte de dissensão entre os part idos Conservador e Tra
balhista, tanto no interior deles, quanto entre um e outro.
4. Sistema de eleições majoritário e desproporcional. A Câmara dos Co-
muns é um gr ande corpo legislativo, com um número de membros que cres
ceu de 625, em 1950, para 659, em 1997. Cada membro é eleito em um
único distrito, segundo o método da maioria simples, que na Grã-Bretanha
é chamado de sistema "first past the post"*: vence o candidato com mais
de 50 por cento dos votos ou, caso nã o houver maioria, com a maior mi
nona.
A tendência desse sistema é obter resultados extremamente despropor
cionais. Por exemplo, o Partido Trabalhista obteve uma maioria parlamentar
absol uta, de 319 das 635 cadeiras, com apenas 39,3 por cento dos votos, nas
eleições de outubro de 1974, enquanto os liberais obtiveram apenas 13 ca
deiras, com 18,6 por cento dos votos - quase a metade dos votos trabalhis
tas. Nas cinco eleições que se sucederam, de 1979 a 1997, o partido vencedor
obteve nítidas maiorias de cadeiras, c; m um número nunca superior a 44
por cento dos votos. Todas essas maiorias são o que Douglas W. R:le (1967:
74) chama apropriadamente de "maiorias fabricadas" - maiorias absolutas
artificialmente críad:ls pelo sistema eleitoral a partir apenas de maiorias sim
pies. De f:lto, todos os partidos vitoriosos desde 1945 venceram benefician
do-se dessas maiori:ls fabricadas. Por isso pode ser mais exato chamar o Reino
Unido de uma democracia de maioria simples, em vez de democracia majo
ritária. A desproporcionalidade do método da maioria simples pode mesmo
'Expressão originária do turfe: o primeiro cavalo a cruzar a linha de chegada leva todo o
prêmio. (N. do T.)
32
M O O E lO S O E [TE M O ~ R A C I A
prgduzir um vencedor final que não tenha conseguido obter uma maioria
simples dos votos: os conservadores conseguiram uma clara maioria de ca- -
-deiras nas eleições de 1951, não apenas com menos que a maioria dos votos
mas também com menos votos do que o Partido Trabalhista. '
O sistema eleitoral desproporcional tem sido particularmente desvanta
joso para os liberais e os liberal-democratas, que por isso há muito tempo
'são favoráveis à introdução de aiguma form; de rep-resentação proporcional
(RP). Mas; como a maioria simples beneficiou muito os conservadores e os
trabalhistas, esses dois mais importantes partidos permaneceram comprome-
tidos com o antigo método desproporcional. Entretanto, há sinais de movi
mentações em direção à RP. Por um aspecto, a RP foi adotada para todas as
eleições na Irlanda do Norte (excetuando-se para a Câmara dos Comuns)
após a eclosão do conflito entr e protestantes e católicos, no início da década
de 1970. Por outro, pouco tempo depois da vitória trabalhista nas eleições
de 1997, o novo gabinete do primeiro-ministro Tony Blair decidiu que a elei
ção de 1999 de representantes britânicos no Parlamento Europeu seria por
RP - al inhando o Reino Unido com todos os demais membros da União
Européia. A RP também seria usada na eleição das novas assembléias regio
nais da Escócia e do País de Gales. Além disso, criou-se uma Comissão sobre
Sistemas Eleitorais, co nsulti va, presidida pelo ex-membro do gabinete Lorde
Jenkins, com o objetivo de propor mudanças no sistema eleitoral, entre as
quais se incluiria a possibilidade da adoção da RP para a Câmara dos Co
muns. Está daro que o princípio da proporcionalidade não é mais um anáte
ma. Mesmo assim, é prudente atentar para as palavras de Graham Wilson
(1997: 72), que lembra que os dois maiores partidos têm uma longa história
de favorecimento de reformas básicas, porém só até que consigam o poder.
Depois, eles "descartam qualquer mudança no tipo de rerorma eleitoral quelhes pudesse trazer desvantagens".
5. PluraÍísmo de grupos de interesse. Ao concentrar o poder nas mãos
da maioria, o modelo Westminster de democracia estabelece um estilo
c.ompetitivo e combativo padrão de relacionamento entre governo e opo-
SIção. A competição e o conflito também caracterizam o sistema de gru
pos de interesse típico do modelo majoritário: um sistema de pluralismo
~ b e r t o a todos. Ele contrasta com o sistema corporativista dos grupos de
mteresse, no qual se realizam reuniões regulares entre os representantes
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AREND lIJPHART
do governo, sindicatos trabalhistas e organizações patronais, em busca de
acordos relativos a medidas socioeconômicas. Esse processo de coorde-
nação muitas vezes é designado como de concertação, e os acordos obti
dos muitas vezes são chamados de pactos tripartites. A concertação será
facilitada se houver relativamente poucos grupos de interesse, grandes e
fortes, em cada um dos principais setores funcionais - trabalhadores,
patrões, agricultores - e/ou se houver uma forte associação de pico, em
cada um dos setores, que coordene as preferências e as estratégias deseja
das para cada setor. Em contrapartida, pluralismo signific<i uma varieda
de de grupos de interesse exercendo pressão sobre o governo de forma
não coordenada e competitiva.
O sistema britânico de grupo s de interesse é claramente pluralista. A única
exceção é o Contrato Social de 1975 sobre salários e preços, firmado entre
o governo trabalhista, a principal federação de sindicatos trabalhistas (o Trades
Union Congress) e a principal federação patronal (a Confederation of British
Industry). Este contrato esfacelou-se dois anos mais tarde, quando o gover
no não conseguiu um acordo sindical para aceitar novas restrições salariais,e impôs tetos salariais de forma unilateral. A década de 1980 foi caracteriza
da mais ainda por sérios confrontos entre o governo conservador de Ma rgaret
Thatcher e os sindicatos trabalhistas - o justo oposto daconcertação e do
corporativismo. Como observam Michael Gallagher, Michael Laver e Peter
Mair (1995: 370), a Grã-Bretanha "decididamente não é um sistema cor
porativista", por duas importantes razões: "a primeira é a total falta de
integração entre os sindicatos e os patrões, no processo de adoção de medi
das. A segunda é a apar ente p r e f e r ê n ~ i a que ambos os lados demonstram pelos
métodos de confrontação, ao decidirem as suas diferenças".
6. Governo unitário e centralizado. O Reino Unido é uma nação unitária e
centralizada. Governos locais executam uma série de importantes funções, po
rém são criados pelo governo central e o seu poder não está garantido pela
Constituição (como num sistema federal). Além disso, são financeiramente de
pendentes do governo central. Não existem áreas geográficas e funcionais clara
mente definidas das quais a maioria parlamentar e o gabinete sejam barrados. A
Comissão Real sobre a Constituição, chefiada por Lorde Kilbrandon, concluiu
em 1973: "O Reino Unido é a maior nação unitária da Europa, e está entre os
principais países industrializados do mundo com o poder mais centralizado" (ci-
34
tado em Busch, 1 9 9 4 ~ @ ) . ·Mais-recentemente, o· primeiro-ministro Tony Blair
chamou o sistema britânico de"o g o v ~ r n o rnaisGentralizado de todas as grandes
nações do mundo ocidental" (titado em Beer, 1998: 25).-
Devemos apon tar duas exceções. A primeira é que a Ir landa do Nortefoi
governada com elevado grau de autonomia por seu próprio Parlamento e
gabinete - mais do que o fizeram a maioria dos governos em sistemas fede
rais - desde 1921, quandoa.Repúblicada Irlanda se t o r n o ~ independente,
até 1972, com a imposição do governo direto de Londres. Entretanto, tam
bém é significativo que a sua autonomia possa ter sido - como foi - elimi
nada em 1972, pelo Parlamento, por meio de uma simples decisão majoritária.
A segunda exceção é a tendência gradativa para uma autonomia maior da
Escócia e do País de Gales - a "devolução", no falar britânico. Massó pou
co antes de setembro de 1997 é que os referendos na Escócia e no País de
Gales fina lmente aprovaram a criação de assembléias escocesas e galesas eleitas
pelo voto direto, e que o primeiro-ministro Blair pôde, afinal, proclamar o
fim da "era do poder oso governo centralizado" (citado em Buxton, Kampfner
e Groom, 1997: 1).7. Concentração do poder legislativo numa legislatura unicameral. Para
a organização da legislatura, o princípio majoritário de concentraçãode poder
significa que o Poder Legislativo deve concentrar-se numa única casa, ou
câmara. Nesse aspecto, o Reino Unido se desvia do modelo majoritário puro.
O Parlamento consiste em duas câmaras: a Câmara dos Comuns, eleita pelo
voto popular, e a Câmara dos Lordes, que se compõe principalmente de
membros da nobreza hereditária, mas que contém também um grande nú
mero dos chamados pares v i t ~ ! í c i o s , indicados pelo governo. Suas relações
são assir:létricas: quase todo o Poder Legislativo pertence à Câmara dos
Comuns. O único poder que a Câmara dos Lordes mantém é o de retardarai
entrada em vigor das disposições legais: as de caráter orçamentário, até o:
limite de um mês, e as out,-as, até um ano. O limite de um ano foi estabcleci-i
do em 1949. No período entre a primeira grande reforma, de 191 1, e 1949,
o poder dos Lordes para retardar a legislação era de cerca de dois anos, po
rém no período total, desde 1911, eles usualmente evitaram a imposição de
longos prazos.
Por isso, embora a legislatura bicameral britânica se distancie do modelo
majoritário, não se desvia muito: nas discussões diárias na Grã-Bretanha, o
3 5
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ARENR l I JPHART
termo "Parlamento" refere-se quase e x c h : ~ v a m e n t e à Câmara dos Comuns,
-e o Sistema bicameral extremamente assimétrico também pode ser chamado
de um qti"ase-unicameralismo. Além disso, o póder dos Lordes pode também
se reduzir ainda mais. Existe um forte sentimento, principalmente no Parti
do Trabalhista, em favor de reformas que vão da eliminação do direito de
voto para os membros hereditários até a extinção da Câmara dos Lordes . Apassagem do quase-unicameralismo para o unicameralismo puro não seria
difícil: poderia ser decidida por maioria simples na Câmara dos Comuns e,
caso os Lordes objetassem, simplesmente reduzir-se o retardamento para o
período de um ano.
8. Plexibilidade constitucional. A Grã-Bretanha tem uma Constituição
"não-escrita", ou seja, não existe um documento único especificando a com
posição e os poderes das instituições governamentais e os direitos dos cida
dãos. Em vez disso, estes são definidos por certo número de leis básicas -
como a Magna Carta, de 1215, a Declaração dos Direitos do Homem, de
1689, e os Atos do Parlamento, de 1911 e 1949 - princípios da lei comum,
costumes e convenções. O fato de que a Constituição não é escrita leva a
duas importantes implicações. A primeira é que isto a torna i nteirame nte fle
xível, pois ela pode ser alterada pelo Parlamento do mesmo modo que as
outras leis - por maiorias regulares, e não por supermaiorias,como as maio
rias de dois terços requeridas em muitas outras democracias, quando se pre
cisa emendar suas constituições escritas. Uma pequena atenuante dessa
flexibilidade é que a oposição da Câmara dos Lordes pode forçar o retarda
mento de um ano nas mudanças constitucionais.
9. Ausência de revisão judicial. fi outra implicação importante da consti
tuição não-escrita é a ausência de revisão judicial: não existe nenhum docu
mento constit'.lcional escrito com estatuto de "lei maior", contra o qual possamas cortes testar a constitucionalidade da legislação regular. Embora o Parla
mento normalmente aceite e se sinta ligado às regras da Constituição não-es
crita, ele não está formalmente preso a elas. Por isso, tratando-se de muda nças
ou de interpretações da Constituição, pode-se dizer que o Parlamento - isto
é, a maioria parlamentar - é a autoridade máxima ou soberana. Na famosa
formulação de A. V. Dicey (1915: 37-38), soberania parlamentar "significa,
nada mais, nada menos que isto: o Parlamento ( ..) tem, pela Constituição in
glesa, o direito de desfazer qualquer lei; e mais ainda: a lei da Inglaterra não
3 6
MODELOS DE DEMOCRACIA
reconhece os direitos de nenhuma pessoa ou c o r p ~ r a ç ã o para anular ou rejei"
tar a legislação do Parlamento".
Uma exceção à soberania parlamentar aconteceu em 1973: quando aGrae
Bretanha ingressou na Comunidade Européia - uma organização supra
uacional, e não apenas internacional -, ela aceitou as leis e as instituições
da Comunidade como tendo maior autoridade do que as do Parlamento,emrelação a diversos setores da política. Uma vez que soberania significa auto
ridade suprema e última, não se pode mais, assim, considerar o Parlamento
como totalmente soberano. Os membros da Grã-Bretanha na Comunidade
Européia - que agora se chama União Européia - introduziram também
uma medida de revisão judicial tanto para a Corte Européia de Justiça quan
to para tribunais britânicos: "a supremacia do Parlamento está ameaçada pelo
direito que tê m as instituições da Comunidade de legislar para o R.;ino Uni-
do (sem o prévio consentimento do Parlamento) e pelo direito das cortes de
legislar (nos termos da lei da Comunidade) sobre a aceitabilidade dos futu
ros atos do Parlamento" (Coombs, 1997: 88). De modo semelhante, desde
1951 a Grã-Br etanh a é membroda Convenção El lropéia de Direitos Huma
nos, e a sua aceitação de uma cláusula opcional_ dessa convenção, em 1966,
concedeu à Corte Européia de Direitos Humanos, em Estrasburgo, o direito
de rever e de invalidar qualquer ação estatal, inclusive legislação, queela julgue
violar os direitos humanos estabelecidos na convenção (Cappelletti, 1989:
202; Johnson, 1998: 155-58).
10. Um b anco central controlado pelo Poder Executiuo. Os bancos cen
trais são responsáveis pela política monetária, e considera-se geralmente
que os bancos independentes são mais eficélzes, no controle da inflação e
na manutenção da estabilidade dos preços, do que os que dependem do
Poder Executivo. Entretanto, a independência do banco centrai diverge claramente do princípio do modelo Westminster de se con centr ar o poder nas
mãos do gabinete uni partidário de maioria. Como se esperava, o Banco da
Inglaterra nã o tem sido, na verdade, capaz de agi r independentemente, fi-
cando, pelo contrário, sob o controle do gabinete. Durante a década de
1980, aumentaram as pressões para conceder maior autonomia ao Banco
da Inglaterra. Dois ministros conservadores do Tesouro tentaram conven
cer seus colegas a darem esse grande passo, afastando-se do modelo
Westminster, porém o seu conselho foi rejeitado (Busch, 1994: 59). Só em
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AREND LlJPHART
1997 - 'uma das p rimeiras decisões do governo trabalhis ta recenteID:ente
eleito - fo i concedido ao Banco da Inglaterra o poder independente de ,.
estabelecer taxas de juros.
o MODELO W ESTMINSTERNA
NOVA ZELÂNDIA
Muitas características do modelo Westminster foram exportadas para outros
membros da Comunidade Britânica, mas só um país adotou praticamente o
modelo inteiro: a Nova Zelândia. Houve uma importante alteração no mo
delo majoritário, em 1996, quando a Nova Zelândia realizou a sua primeira
eleição por RP. Mas o sistema político neozelandês anterior a 1996 pode servir
como um segundo exempl o da maneira como funciona o mod elo Westminster.
1. Concentração do Poder Executivo em gabinetes de um partido e maioria
mínima. Por seis décadas, desde 1935 até meados de 1990, a Nova Zelândia
teve gabinetes unipartidários de maioria, sem exceção ou interrupções. Dois
grandes partidos - o Trabalhista e o Nacional- dominaram a polít ica neoze
landesa alternando-se no poder. O gabinete unipartidário majoritário, for-.,mado após a última eleição por maioria simples, em 1993 sofreu uma série de
derrotas e logo se tornou um gabinete de quase-coalizão (coalizão feita com os
últimos desertores), depois um gabinete unipartidário de minoria e, finalmen
te, uma coalizão minoritária - porém todos esses gabinetes incomuns ocorre
ram na fase final da transição para o novo sistema não-\'7estminster (Bostan,
Levine, McLeay, Roberts, 1996: 93-96). Os únicos outros desvios do governo
uniparridário de rn.aioria tinham a c o ~ t e c i d o muito antes: a Nova Zeiândia ti- .
vera um gabinete de coalizão em tempos de guerra, de 1915 a 1919, e uma
outra coalizão estivera no poder de 1931 a 1935.2. Predomínio do gabinete. Também a esse respeito, a Nova Zelândia
constituiu um exemplo perfeito do modelo Westminster. Exatamente cemo
na maior parte do período de pós-guerra no Reino Unido, a combinação
do sistema de governo parlamentarista com um sistema bipartidário, com
partidos coesos, fez com que o gabinete predominasse sobre a legislatura.
Nas palavras do cientista político neozelandês Stephen Levine (1979: 25-
26), o "sistema bipartidário rigidamente disciplinado contribuiu para a con
centração de poder no interior do gabinete, formado de elementos
38
I1.-;
MODE U'> . IH DEMOCRACIA
tomados entre os membros do Parlarríento .. que pertenciam ao partido
..- majoritário."
3. Sistema bipartidário. Dois grandes partidos praticamente detiveram
o controle total sobre o sistema partidário, e só eles formaram gabinetes
durante as seis décadas entre 1935 e meados de 1990: o Partido Trabalhista
(1935-49, 1957-60, 1972-75 e 1984-90) e o Partido Nacional (1949-57,1960-72, 1975-84 e depois de 1990). A política partidária girou quase ex
clusivamente em torno das questões socioeconô11licas - o Partido Trabalhista
representando a centro-esquerda e o Nacional, as preferências políticas de
centro-direita. Além disso, diversamente da Grã-Bretanha, os demais parti
dos ficaram praticamente ausentes do Congresso da Nova Zelândia. Em 11
das 17 eleições realizadas entre 1946 e 1993, os dois maiores partidos divi
diram todas as cadeiras. Em cinco eleições, apenas um outro partido conse
guiu uma ou duas cadeiras e, em 1993, dois pequenos partidos obtiveram,
cada um, duas cadeiras (de um total de 99). O sistema bipartidário neozelan
dês foi, assim, um representante quase puro de tal sistema.
4. Sistema eleitoral majoritário e desproporcional. A Câmara de Repre
sentantes era eleita de acordo com o método da ma ioria relativa em distritos
unino minai s. A existência de quatro grande s distritos especiais, extrapolando
os distritos menores regulares reservados para a minoria maori (que com
preende cerca de 12 por cento da população), constituía a única caracterís
tica incomum. Esses quatro distritos representam um desvio no sistema
majoritário do modelo \Y!estminster, porque seu objetivo é garantir a repre
sentação da minoria. De 1975 em diante, todos os eleitores maoris passaram
a te r o direito de registrar-se e votar, tanto no distrito regular quanto no
distrito especial maori onde residem.
Como no Reino Unido, o sistema de maioria simples teve resultadosextremamente desproporcionais, em especial em 1978 e 198 1. Na eleição
de 1978, o Partido Nacional obteve uma nítida maioria, obtendo 51 das
92 cadeiras, embora náo tivesse nem a maioria do voto popular (o apoio
que recebeu fai de apenas 39,8 por cento), nem a maioria simples, pois a
votação popular trabalhista foi de 40,4 po r cento. Os 17,1 por cento dos
votos do Partido do Crédito Social conseguiram apenas uma cadeira. Em
1981, o Partido Nacional obteve outra maioria parlamentar, com 47 das
92 cadeiras, e de novo com menos votos que o Partido Trabalhista, embora
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A R EN-D LI J P H A R T
as respectivas percentag ens fossem mais próximas entre si: 38,8 e 39 por
cento; Aqui, o Crédito Social obteve 20,7 por êento do voto popular
mais da metade dos votos ganhos por qualquer dos dois grandes partidos
-, porém ficou com apenas duas cadeiras. Além disso, todas as maiorias
parlamentares, de 1954 em diante, foram maiorias fabricadas, obtidas com
menos do que as maiorias do voto popular. Neste aspecto, a Nova Zelândia,assim como o Reino Unido, foi mais uma democracia de maioria simples
do que majoritária.
5. Plural ismo de grupos de interesse. O sistema de grupos de interesse da
Nova Zelândia, como da Grã-Bretanha, é claramente plurali sta. Também co
mo a Grã-Bretanha, a Nova Zelândia tem sofrido alta incidência de greves
o que indica confronto, em vez de concertação entre traba lhado res e patrões.
Em estudos comparativos sobre corporativismo e pluralismo, muitos acadê
micos têm tentado avaliar o preciso grau de corporativismo ou pluralismo
dos sistemas de grupos de interesse nas democracias industrializadas. Suas
opiniões sobre alguns desses países diferem consideravelmente, porém, com
relação à Grã-Bretanha e à Nova Zelândia, não há muito desacordo: ambas
pertencem à extremidade pluralista do espectro pluralismo/corporativismo.
Além disso, a opinião geral é de que a Nova Zelândia seja ligeiramente mais
pluralista do que a Grã-Bretanha (Lijphart e Crepaz, 1991). Por isso, tam
bém a esse respeito, a Nova Zelândia é, de certa forma, o melhor exemplo
do modelo Westminster.
6. Governo unitár io e centralizado. O "Decreto para a Garantia de uma
Constituição Represe ntativa da Nova Zelândia", aprovado pelo Parlamento
da Grã-Bretanha em 1852, criou seis ,províncias com consideráveis poderes
e funções autônomos em relação ao governo central, porém essas províncias
foram extintas em 1875. A estrutura do Estado, hoje, é unitária e centralizada - o que não surpreende tanto, é claro, para um país com menos de 4
milhões de habitantes, quanto para o Reino Unido, com sua população mui
to maior, de cerca de 60 milhões de pessoas.
7. Concentração do poder legislativo em uma legislatura unicameral. Por cerca
de um século, a Nova Zelândia dispôs de uma legislatura bicameral, composta
de uma câmara baixa, eleita, e uma câ.'11ara alta, nomeada. Mas, gradativamente,
a câmara alta veio a perder o poder. A sua abolição, em 1950, fez com que o
sistema bicam eral assimétrico se transformasse num unicameral ismo puro.
4 o
M o oE Lo S o E o E MO " R A C I A-
8. Flexibilidade constitucional. Assim como o Reino Unido, a Nova·
Zelândia não tem um documento constitucio·nal escrito único. A s u a c o n s t i ~ .tuição "não escrita" consiste em algumas leis fundamentais (como os Atos
Constitucionais de 1852 e 1986 , os Atos Eleitorais de 1956 e 1993 e o Ato
dos Direitos Humanos de 1990), além de convenções e do costume.2 Algu
mas condições básicas nas leis fundamentais são "entrincheiradas",só
podendo ser alteradas por uma maioria de três quartos dentre os membros da
Câmara dos Representantes, ou pelo voto da maioria em um referendo. En
tretanto, esse entrincheiramento pode sempre ser removido por meio de maio
rias regulares, de forma que, no final, a decisão da maioria venha a prevalecer.
Assim, da mesma forma que o P arlamen to britânico, o Parlamento da Nova
Zelândia é soberano. Qualquer lei, inclusive as que "emendam" a constituição
não escrita, pode ser adotada pela regra da maioria regular. Como diz um
especialista em lei constitucional da Nova Zelândia: "o princípio central da
Constituição é o de que não há limitações legais efetivas para o que o Parla
mento possa decretar, pelo processo legislativo ordinário" (Scott, 1962: 39).
9. Ausência de revisão judicial. Soberania parlamentar também significa,
como na Grã-Bretanha, que as cortes não têm direito à revisão judicial. A
Câmara dos Representantes é o único juiz sobre a constitucionalidade da sua
própria legislação.
10. Um banco central controlado pelo Poder Executivo. Andreas Busch
(1994: 65) afirma que, historicamente, a Nova Zelândia «tem sido um país
com ( .. ) um nível muito baixo de independência do banco central", e confe
re ao Reserve Bank da Nova Zelândia, para o período anterior a 1989, o seu
mais baixo desempenho - o que indica uma autonomia ainda menor do que
a do Banco da Inglaterra. Essa situação foi radicalmente modificada pelo Ato
do Reserve Bank, de 1989. Agora, a estabilidade de preços foi definida comoprimeira meta da ~ , o l í t i c a monetária, e o banco central ficou com a respon
sabilidade única de não excede;' a meta da inflação, cujo nível exato deverá
ser negociado entre o banco central e o ministro das Finanças. Os níveis de
inflação diminuíram drasticamente na Nova Zelândia: calcuiada nos termos
do índice de preços ao consumidor, ela h avia ficado por seis anos no nível de
I 20 Aw Constitucional de 1852 e o Ato Eleitoral de 1856 foram substituídos pelos dois atos
postenores.
4 1
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ARENÕ l I JPHART
dois dígitos,nacdécada d(!1980, mas de 1991 a 1997 manteve uma média de
apenas 2 pbrc.ento (OCDE, 1998_: 240). Algum mérito, pelo menos, nesse
sucesso, d e v e ~ s e atribuir à maior independêncÍa do banco-central.
Co m apenas duas exceções - as cadeiras parlamenta res reservadas à
minoria maori e a mudança anterior para a autonomia do banco central-,
a democracia na Nova Zelândiafoi, até 1996, mais nitidamente majoritária,e, po r isso, um exemplo de módelo Westminster melhor do que a democra-
cia britânica. De fato, em vista, principalmente, dos gabinetes de minoria e
das freqüentes derrotas das propostas do gabinete na Grã-Bretanha, na dé
cada de 1970, pôde pjchar d Rose legitimamente declar ar que a Nova Zelândia
foi "o único exemplo que restou do verdadeiro sistema britânico" (comuni
cação pessoal, 8 de abril de 1982). Entretanto, a adoção da RP e a primeira
eleição do Parlamento por RP, em outubro de 1996, trouxeram um radical
afastamento do modelo Westminster.
Os dois principais partidos opunham-se à RI; porém contribuíram, sem
querer, para sua adoção. O primeiro estímulo foi o descontentamen to do Par
tido Trabalhista com os resultados das eleições de 1978 e 1981, mencionadasacima, nas quais o Partido Nacional obteve maiorias parlamentares, não so
mente com menos de 40 por cento do voto popular, como também com me
nos votos qu e os recebidos pelo Partido Trabalhista. Quando este último
retornou ao poder, em 1984, designou uma Comissão Real sobre o Sistema
Eleitoral, a fim de recomendar melhoramentos. O âmbito da Comissão era,
entretanto, muito amplo, e ela recomendou não apenas pequenos ajustes, porém
uma mudança radical no sentido de se adotar a RP, como também a realização
de um referendo para sua eventual adoção. O g over no tentou evitar a propos
ta, transferindo-a para um comitê parlamentar, o qual, como era de se esperar,
rejeitou a RP, recomend ando em seu lugar apenas mudanç as de menor importância. A campanha eleitoral de 1987 colocou de v olta a RP na agenda políti
ca: o primeiro-ministro trabalhista prometeu deixar os eleitores decidirem a
questão po r meio d e um referendo, mas seu partido recuou do compromisso,
após ter sido reeleito. Para deixar o Partido Trabalhis ta constrangido, o Parti
do Nacional repetiu a promessa, de forma oportunista, na campanha de 1990
e, ao ganharem as eleições, não tiveram outr a alte rnativ a senão honrá-la. As-
sim, os ele itores endossaram por duas vezes a RP, em referend os realizados em
1992 e 1993 Qackson e McRobie, 1998).
42
__Mo DEL OS DE DE M o C R A C I A
A forma de RP adotada e usada nas eleições de 1996 era um sistema
moldado a partir do alemão, no qual 65 membros são eleitos por maioria
simples, em distritos u-ninominais - inclusive os cinco distritos espe ciais
maoris -, e 55 membros são eleitos por RP, por listas partidárias; uma con
dição crucial é que esse segu ndo conjunto de 55 cadeiras se destine aos par
tidos, de forma a dar o máximo de proporcionalidade ao resultado geral.Assim, embora o nome n ~ o z e l a n d ê s para esse sistema seja o de " d i s t ~ i t o s mistos
com fórmula proporcional" (DMP), sugerindo uma combinação da RP com
alguma outra coisa, ele é, de fato, um sistema clara e plenamente de Rp'3
A primeira eleição por RP mudou subitamente a política neozelandesa em
muitos aspectos (Vowles, Aimer, Banducci e Karp, 1998). Em primeiro lug8r,
o resultado das eleições foi muito mais proporcional que os das eleições ante
riores por maioria simples. O maior parrido, o Partido Nacional, ainda ficou
sobre-representado, porém por menos do que três pontos percentuais. Ganhou
33,8 por cento da votação e 36,7 por cento das cadeiras. Em segundo lugar, a
eleição produziu um sistema mulripartidário com um número sem preceden
tes de seis partidos ganhando representação no parlamento. Em terceiro lu
gar, diversamente de qualquer outra eleição do pós-guerra, nenhum partido
ficou com a maioria das cadeiras. Em quarto, acrescentou-se uma dimensão
étnica ao sistema partidário: o partido New Zealand First, liderado po r um
maori, que obteve 17 cadeiras, inclusive todas as cinco cadeiras especiais mao ris ,
tornou-se °principal rep resen tante dessa minoria (embora não fosse um par
tido especificamente maori, e nem apoiado exclusivamente por eleitores
maoris). A Coalizão Cristã quase conseguiu to rnar o sistema partidário ainda
mais multi dimensional, acrescentando uma dimensão temática religiosa, po
rém os seus votos não obtiveram o mínimo de 5 por cento, requeridos para a
admissão. Em quinto lugar, e m cont raste com a longa ocorrência anterior degabinetes majoritários de um partido, formou-se um gabinete de coalizão en
tre o Partido Nacional e o New Zealand First.
Devido a esses significati vos desvios do modelo majoritário, depois de
1996 a Nova Zelândia não mais pôde ser considerada como um bom - para
3Cada eleitor tem dois votos, um para um candidato de um distrito uni nominal e um para uma
lista partidária. Para evitar uma excessiva fragmentação, os partidos precisam ganhar ou um
mínimo de 5 por cento da lista de votos ou, pelo menos, urna cadeira distrital, para se qualificarem para a lista de cadeiras.
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AREND LlJPHART
não dizer o melhor - exemplo do "verdadeiro sistema britânico". Assim,
segundo as pãlavras de Kurt von Mettenheim (1997: 11), "o Reino Unido
[agora] parece ser o único país a manter as principais características-do mo
delo Westminster". Entretanto, é preciso observar que todas as mudanças
posteriores a 1996, na Nova Zelândia, têm a ver com a dimensão executi
vos-partidos do modelo majoritário, compreendendo as primeiras cinco dasdez características do modelo, e que, especialmente com relação a essa pri
meira dimensão, diversas outras ex-colônias britânicas continuam a ter
instituições de estilo predominantemente Westminster. Um exemplo parti
cularmente claro e instrutivo disso é Barbados.
o MODELO WESTMINSTER EM BARBADOS
Barbados é um país situado numa pequena ilha do Caribe, com população
de cerca de 250 mil habitantes. Tem uma "so ciedade solidamente homogê
nea", principal mente de origem africana (Duncan, 1994: 77). Tornou-se in
dependente da Grã-Bretanha em 1966, P9rém continua com "um sentimento
forte e generalizado da tradição e da cultura britânicas " (Banks, Day e Muller,
1997: 69), inclusive o das tradições políticas da Grã-Bretanha. Freqüen
temente é chamado de "A Pequena Inglaterra" do Caribe.
1. Concentração do Poder Executiuo em gabinetes unipartidários e de
maioria mínima. Desde a sua independência, em 1966, Barbados tem tido
gabin etes uni partidários de maioria. Seus dois maiores partidos - o Partido
Trabalhista de Barbados (BLP) e o J?artido Trabalhista Democrático (DLP)
constituem as forças que dominam esmagadoramente a política do país, e
têm-se alternado no poder. Diversamente dos casos da Grã-Bretanha e daNova Zelândia, não há exceções ou características para esse modelo que
mereçam ser destacadas. Na verdade, o modelo remonta aos tempos coloniais.
Desde o estabelecimento do sufrágio universal e do governo de gabinete, na
década de 1950, a seqüência de gabinetes unipartidários de maioria man
tém-se inalterada.
2. Predomínio do gabinete. Os gabinetes de Barbados têm sido pelo me
no s tão dominantes quanto nos dois exemplos, mencionados anteriormente,
de modelo Westminster. O termo ditadura eletiva, cunhado por Lorde
4 4
-l-1-M OD E lO S DE DEMOERACIA
- - - ~
Hailsham para a Grã-Brétanha, târl1bém s ~ aplica bem ao-sistema d ~ BarbaclGs
(Payne,J993: 69).-UII1 motivo€{)pecial para o predomínio do gabinete,em
Barbados, é o tamanho n ~ d u z i d o da legislatura. A -Casa de Assembléia de
Barbados, de 1966 até 1981, dispunha de apenas 24 membros. Esse número
aumentou ligeiramente para 27, em 1981, e para 28, em 1991. Muitos legis
ladores são também, po r isso, mem bros do gabinete, o que signifi ca, po r outro
lado, que quase_um terço Cios membros da legislatura, como destaca Trevor
Munroe (1996: 108), "são, de fato, excluídos constitucionalm ente d::: uma
instância independente e crític a em relação ao Executivo."
3. Sistema bipartidário. Os mesmos grandes partidos têm controlado a
política partidária de Barbados desde a independência, e formaram todos os
gabinetes: o DLP, de 1966 a 1976, e de 1986 a 1994; e o BLP entre 1976 e
1986, e de 1994 em diante. Esses dois partidos diferem entre si principalmen
te quanto a questões sacioeconômicas, com o BLP ocupando a posição de cen
tro-direita e o DLP, a de centro-esquerda, dentro do espectro esque rda-direita .
Em cinco das sete eleições realizadas desde 1966, não houve outros partidos
que obtivessem cadeiras. Apenas um partido pequeno conseguiu duas cadei
ras, em 1966, e outr o, também pequeno, ficou com uma cadeira, em 1994. A
força do sistema bipartidário também fica demonstrada pelo desti no dos qua
tro membros do Parlamento, que abandonaram o partido governante, o DLP,
em 1989, formando um partido separado. Como comenta Tony Thorndike
(1993: 158), esse novo partido "não sobreviveu muito à lógica do first past
the post do sistema \'Vcstminster e da cultura bipartidária de Barbados. Nas
eleições de janeiro de 1991 ele perdeu todas as suas quatro cadeiras".
4. Sistema :Ieitoml major itári o e desproporcional. Nas eleições anterio
res à independência, inclusive a de 1966, realizada vários meses antes que
a independência formal se concretizasse, Barbados usou o método da maioria simples, mas não nos distritos uninominais usuais. Em vez disso, foram
usados distritos binominais (Emmanuel, 1992: 6; Duncan, 1994: 78). Es
ses últimos costumam aumentar a desproporcionalidade dos resultados da
eleição porque, em sistemas de maioria simples, a desproporcional dade
aumenta à medida qu e aumenta o número dos representantes eleitos por
distrito. Desde 1971, todas as eleições têm sido por maioria simples em
distritos uninominais, porém a desproporcionalidade eleitoral permaneceu
alta. Por exemplo, em 1971, o DLP obteve três quartos das cadeiras, com
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A R E N D ~ L l J P H A R T
57,4 por cento dos v o t o ~ ; - e em 1986, óbteve 24 das 27 cadeiras (88,9 po r
cento), com 59,4 por cento dos votos. Em três das eleições realizadas des
de 1966, as maiorias parlamentares foram "fabricadas" a partir dé maiorias
simples de voto, mas, nas outras quatro eleições, as maiorias de cadeiras
foram "ganhas" genuinamente, com as maiorias do voto popular. Assim,
fazendo um balanço retrospectivo, Barbados tem sido menos uma demo-c' ~
cracia de maioria simples do que a Grã-Bretanha e a Nova Zelândia. Além
disso, diferentemente desses dois países, e le jamais experimentou instâncias
de uma maioria parlamentar obtida com um resultado final em segundo
lugar no voto popular.
5. Pluralismo de grupos de interesse. De novo como o Reino Unido e a
Nova Zelândia, Barbados tem ti do um sistema de grupos de interesse ma is
pluralista do que corporativista. Nos :íltimos anos, entretanto, há uma ten
dência às práticas corporativistas. Em 1993, o governo, juntamente com lí
deres comerciais e sindicatos de trabalhadores, negociou um pacto sobre
salários e preços que incluía o con gelam ento salarial. Dois anos depois, esse
acordo foi substituído por um novo pacto tripartite, mais flexíveL
6-10. As características da segunda dimensã o (federal-unitária) do mo -
delo majoritário. Barbados tem um a forma de governo unitária e centrali
zada - o que dificilmente chega a surpreender num pequeno país co m
apenas um quarto de milhão de habitan tes. Mas, no que se refere às outras
quatro características da dimensão federal-unitária, o país não se ajusta ao
modelo majoritário puro. Tem uma legislatura bicameral, que consiste numa
Casa da Assembléia, eleita pelo voto popular, e um Senado nomeado, qu e
tem poder para retardar, porém não para vetar - um caso de bicameralismo
assimétrico. Tem uma Constituição escrita, que só pode receber emendas
po rmaioria s de dois terços, em
ambasas casas do Legislativo. A
Constitui
ção confere explicitamente às Cortes o direito de realizarem revisões judi
ciais. Finalmente, o banco central de Barbados tem um documento que lhe
confere um grau médio de autonomia na política monetária (Cukierm an,
Webb e Neyapti, 1994: 45).
Anthony Payne (1993) argumenta que as ex-colônias britânicas do Ca ribe
se caracterizam não pelos sistemas Westminster, mas sim por um sistema
"Westminster adaptado". Como no caso de Barbados - o que, de um modo
geral, é também verdadeiro para outras democracias da Comunidade Britâ-
46
MODELOS DE DEMOCRACIA
nica na região -, essa adaptaçãoaferou principalmente a segun da dimensão
do modelo Westminster. Na primeira dimensão (executivos-partidos), o
modelo Westminster permaneceu quase completamente intacto. O fato de
Barbados desviar-se do modelo majoritário, em relação à maioria das carac
terísticas da dimensão federal-unitária, não quer dizer, evidentemente, que
seu desvio o torne um exemplo do modelo oposto - o da democracia deconsenso. A fim de ilustrar o modelo consensual, abordarei, no próximo
capítulo, os exemplos da Suíça, da Bélgica e da União Européia.
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A int erpretação majoritária da definição básica de democracia é que esta
significa "governo pela maioria do povo". Ela afirma que as maiorias de
vem governar e que as minorias devem fazer oposição, o que é questiona
do pelo modelo de democracia consensual. Como destacou vigorosamente
Sir Arthur Lewis, Prêmio Nobel de Economia (1965: 64-65), o governo
pela maioria e o padrão "governo versus oposição", que este pressupõe,
podem ser interpretados como antidemocráticos, por se tratar de princí
pios de exclusão. Lewis afirma que o princip:d pressuposto da democracia
é que "todos aqueles afetados por um a decisão devem ter a oportunidade
de participar do processo que a originou, quer diretamente, quer através
de representantes escolhidos". Sua segunda implicação é que "a vontade
da maioria deve prevalecer". Se isso quer dizer que os partidos vitoriosos
podem tomar todas as decisões governamentais, e que os perdedores de
vem limitar-se a criticar, porém não a governar - acrescenta Lewis-, os
dois significados são incompatíveis: "excluir os grupos perdedores da par
ticipação nos processos decisórios é um a nítida violação do principal pres
suposto da democracia".
Os adeptos do modelo m a j o r i t ~ í r i o podem legitimamente contrapo r que,
em duas situações, a incompatibiiidade observada por Lewis pode ser rcsolvicla. Em primeiro lugar, a exclusão da minoria será reduzida se maio
rias e minorias se alternarem no governo - isto é, se a minoria de hoje
puder tornar-se a maioria nas próximas eleições, em vez de ficar condena
da a uma permanente oposição. É dessa forma que têm funcionado os sis
temas bipartidários da Grã-Bretanha, Nova Zelândia e Barbados. Em
Barbados, a alternância tem-se realizado perfeitamente, desde a indepen
dência, no ano de 1966: nenhum dos dois maiores partidos ganhou mais
do que duas eleições seguidas. Na Grã-Bretanha e na Nova Zelândia, en-
5 1
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A R E N D l i J PHART
tretanto, por longos períodos um dos dois principais partidos se manteve- afastado do poder: o ~ a r t i - a o Trabalhista britânico, durante 13 anos (de 1951
- ~ 1964) e 18 anos (de 1979 até 1997); o Partido Nacional daNava Zelândia
durante 14 anos (de 1935 a 1949) e o Trabalhista neozelandês, durante 12
anos (de 1960 até 1972).
Mesmo durante_ esses longos períodos de afastamento, pode-se plausiv e l m e n t e ~ a f i r m a r que a democracia e o governo pela maioria não entraram
em conflito, graças a uma segunda condição: o fato de os três países consti
tuíre m sociedades relativamente homo gêneas, e seus principais partidos em
geral não apresentarem divergências profundas quanto a posições políticas,
tendendo a se manter próximos a uma ideologia de centro. Pode-se conside
rar antidemocrática a exclusão de um partido do poder, segundo o critério
do "governo pelo povo", mas, se os interesses e preferências dos eleitores
forem razoavelmente atendidos pelo outro partido, que ocupa o poder, o
sistema então se aproxima da outra definição de democracia, a de "governo
para o povo".Nenhuma dessas condições se aplica a sociedades com menor grau de
homogeneidade. As medidas políticas defendidas pelos principais partidos
tend em a divergir de modo mais intenso e, freqüentemente, a fidelidade dos
eleitores é mais rígida, reduzindo as chances de que os principais partidos
-,.: venham a alternar-se no poder. Em especial nas sociedades pluralistas -
sociedades intensamente compartimentadas quanto a diferenças religiosas,
ideológicas, iingüísticas, culturais, étnicas ou raciais, originando subgrupos
sociais quase separados, com seus próprios partidos políticos, grupos de in
teresse e meios de comunicação -,provavelmente estará ausente a flexibilidade necessária para a democracia de modelo majoritário. Sob tais condições,
a prevalência da regra da m"ioria não scrá apenas antidemocrática, mas também perigosa, uma vez que as minorias que têm seu acesso ao poder sistema
ticamente negado irão sentir-se excluídas e discriminadas, podendo perder
o senso de lealdade ao regime. Por exemplo, na sociedade pluralista da Ir
landa do Norte, dividida em maioria p rete stan te e minoria católica, o gover
no pela maioria fez com que o Par tido Unionista, representante da maioria
protes tante, ganhasse todas as eleições, formando todos os governos entre1921 e 1972. Os intensos protestos católicos, no final da década de 1960,
transformaram-se numa guerra civil entre protestantes e católicos, que só pôde
5 2
" ' 10DElOS DE DEMOCRACIA
ser controlada pela intervenção militar britânica e pela imposição de umgoverno direto de Londres. -
Nas sociedades mais profundamente divididas, como a Irlanda do Nor
te, o governo majoritário implica não propriamente uma democracia, mas
sim uma ditadura da maioria e enfrentamento civil. Essas sociedades preci-'
sam é de um ~ e g i m e democrático que estimule o consenso, em vez da oposi-'ção; que promova a mclusão, em vez da exclusão, e que tente ampliar a
maioria governante, em vez de se satisfazer com uma pequena maioria: essa
é a democracia de consenso. Apesar das suas inclinações majoritária s, os gabinetes britânicos têm sucessivamente reconhecido essa necessidade: insisti
ram na representação proporciona l em todas as eleições na Irlanda do Norte
(exceto para a Câmara dos Comuns) e nas amplas coalizões, ce m a participa
ção de protestantes e católicos no poder, como pré-requisito para o retorno
da autonomia política na Irlanda do Norte. A RP e a participação no poder
são também elementos capitais no acordo sobre a Irlanda do Norte, Íirmado
em 1998. Lewis (1965: 51-55,65-84) também recomenda com insistência a
Rp, inclusive as coalizões e o federalismo, para as sociedades plurais da África Ocidental. Obviamente , o modelo consensual é adequ ado também j:-ara
países menos divididos, apesar de heterogêneos, e constitui uma alternativa'
razoável e possível ao modelo Westminster, mesmo nos países de razoável
homogeneidade.
Os exemplos que uso para ilustrar o modelo consensual são a Suíça, a
Bélgica e a União Européia - todos constituindo unidades de etnias múltiplas. A Suíça é o melhor exemplo: com uma única exceção, ela se aproxima
perfeitamente do modelo consensual puro. A Bélgica também constitui um
bom exemplo, principalmente depois que se tornou oficialmente uma nação
federativa, em 1993. Por isso, chamo particular atenção para o modelo político da Bélgica no período mais recente. A União Européia (UE) é uma or
ganizaçãosupranacional- mais do que apenas uma organização internacional
-, porém não é, ou ainda não é, um Estado soberano. Devido à situação
intermediária da Uniã o Européia, analistas do assunto dis cordam quanto àmaneira de considerá-la, se como organização internacional ou como uma
nação federativa incipiente, embora esta última abordagem esteja cada vezmais se tornando comum (Hix, 1994). Esta é, também, a minha posição: se
encararmos a UE como uma nação federativa, suas instituições serão nota-
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AR EN O LIJPI tART
velmente próximas do modelo consen sual de democracia. Discutirei, em pd
~ m e i r o lugar, os protótipos da Suíça e da Bélgica, comparando-os depois en
tre si, e então passarei ao exemplo da UE.
oMODELO CONSENSUAL
NA
suíÇAE NA
BÉLGICA
Pode-se descrever o modelo consensual de democracia segundo os dez ele
mentos que fazem um agudo contraste com cada uma das dez principais ca
racterísticas majoritárias do modelo Westminster. Em lugar de concentrar o
poder nas mãos da maioria, o modelo consensual tenta compartilhar, disper
sar e restringir o poder de várias formas.
1. Partilha do Poder Execu tivo por meio de gabinetes de ampla coalizão.
Contrastando com a tendência do modelo Westminster, que é de concentrar
o Poder Executivo em gabinetes unipartidários de maioria mínima, o princí
pio do consenso é permitir que todos os partidos importantes, ou a maior
parte deles, participem do Poder Executivo, através da formação de amplas
coalizões. O Executivo nar;ional suíço, composto de sete membros-o Con
selho Federal- nos dá um excelente exemplo dessa ampla coalizão: os três
grandes partidos nacionais - o Cristã o Democrático, o Social Democrático
e o Radical Democrático -, cada um dos quais obteve cerca de um oitavo
das cadeiras, compartilham os sete cargos executivos de maneira proporcio
nal, de acordo com a chamada fórmula mágica 2:2:2:1, estabelecida em 1959.
Um critério adicional determina que os grupos lingüísticos sejam represen
tados na proporção aproximada de suas dimensões: quatro ou cinco falantes
de língua alemã, um ou dois falantes de francês e, freqüentemente, um falan
te de italiano. Ambos os critérios cons tituem regras informais, porém são estritamente obedecidos.
A Constituição belga apresenta um requisito formal p;tra que o Execu
tivo inclua representantes dos grandes grupos lingüísticos. Desde muito tem
po já era costume formar gabinetes co m aproximadamente o mesmo número
de ministros representantes da maioria flamenga e da minoria de língua
francesa. Isso se tornou regra formal em 1970, e a nova Constituição fede
ral novamente estipula que, "com a eventual exceção do primeiro-minis
tro, o Conselho de Ministros [gabinete] deverá incluir tanto membros
5 4
MODELOS DE DEMOCRACIA ••
falan_tes da língua francesa quanto do flamengo" (Alen e Erg ec, 1994).Esse
.' regulamento .I!ão·se aplica à composição partidária do gabinete. Só ocor
. reu um governo unipartidário por um período de cerca de quatro anos, no
pós-guerra. Desde 1980, todos os gabinetes são coalizões de quatro e seis
partidos.
2.Equilíbrio de poder entre.o Executivo e o Legislativo. O sistema polí
tico suíço não é nem parlamentarista, nem presidencialiSta. A relação entre
o Conselho Federal do Executivo e a legislatura é explicada pelo cientista
político suíço Jürg Steiner (1974: 43) da seguinte forma: "O s membros do
Conselho são eleitos individualmente por um prazo fixo de quatro anos e,
de acordo com a Constituição, a legislatura não pode emitir nenhum voto
de censura durante esse período. Se alguma proposta do governo for derro
tada pelo Parlamento, isso não ocasionará nem a demissao do membro do
Conselho Federal que apoiou a proposta, nem a renúncia desse órgão como
um todo." Essa separação fmmal entre os poderes torna o Executivo e o
Legislativo mais independentes entre si, e seu relacionamento é muito mais
equilibrado do que as relações gabinete-Parlamento na Inglaterra, Nova
Zelândia e Barbados, onde o gabinete é claramente dominante. O Conselho
Federal suíço é poderoso, porém não supremo.
A Bélgica tem uma forma de governo parlamentarista, com um gabinete
dependente da confiança da legislatura, como nos três protótipos do mode
lo Westminster. Entretanto, os gabinetes belgas, em grande parte porque
constituem freqüentemente coalizões amplas e pouco coesas, nã o são de for-
ma alguma tão dominantes quanto seus equivalentes do modelo \X1estminster,
tendendo a manter um relacionamento de concessões mútuas com o Parla-
mento. O fato de que os gabinetes belgas com freqüência tenham vida curta
demonstra sua posiç?ío relativammte frágil: de 1980 até 1995, por exemplo,houvc seis gabinetes, que se compunham de diferentes coalizões multi
partidárias - com uma vida média do gabinete de cerca de dois anos emeio,
apenas.
3. Sistema multipartidário. Tanto a Suíça quanto a Bélgica contamcom
sistemas multi part idár ios , sem que nenhum partido se aproxime do status
majoritário. Nas eleições de 1995 para o Conselho Nacional Suíço, 15 par
tidos obtiveram cadeiras, mas em sua maior parte - 162, de um total de
duzentas - elas foram ocupadas pelos quatro maiores partidos representa,
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A R E NDll J P H A R T
dos no Conselhõ Federal. Assim, pode-se dizer que a Suíça tem um sistema
de quatro partidos.
Até o final da década de 1960, a Bélgica caracterizava-se por um sistema
de três partidos, integrado por dois de grande porte - o Cristão Democrá
tico e o Socialista - e o Liberal, de porte médio. Desde então, entret anto,
esses partidos maiores se cindiram, devido a diferenças lingüísticas, e váriosnovos partidos lingüísticos ganharam projeção, criando um sistema extre
mamente multipartidáfio: cerca de 12 partidos são capazes de obter vagas
na Câmara dos Repre sentantes, e nove deles foram suficientemente impor
tantes para serem incluídos em um ou mais gabinetes.
A emergência d os sistemas multi partidários l1â Suíça e na Bélgica pode
ser explicada por dois fatores. O primeiro deles é que ambos os países cons
tituem sociedades plurais, di vididas por diversas clivagens. Essa multiplicidade
de divisões se reflete no caráter multidimensional dos seus sistemas de parti
dos. Na Suíça, as divergências religiosas separam os democrata-cristãos -
apoiados principalme nte pelos católicos praticantes - dos social-democra
tas e dos radicais, que recebem a maior parte do apoio dos católicos que quase
nunca, ou nunca, freqüentam a igreja, e dos protestantes. As divergências
socioeconômicas separam ain da mais os social-democratas - apoiados prin
cipalmente pela classe trabalhadora - dos radical-democratas, que recebem
apoio da classe média. O Partido Popular da Suíça é especialmente forte entre
os agricultores protestantes. A terceira fonte de divisão - a língua - não
provoca muito mais divergências no sistema partidário suíço, embora o apoio
ao Partido Popular da Suíça se situe principalmente na Suíça de fala alemã, e
os três grandes partidos constituam alianças relativamente flexíveis entre
partidos ca ntonais, dentro dos quais a divisão lingüística é significativa
(McRae, 1983: 111-14).Assim também, a divisão religiosa no setor católico belga se para o Par
tido Social Cristão, que representa os católicos mais fervorosos, do Socia
lista e do Liberal, que são apoiados pelos católicos pouco praticantes, ou
não-praticantes. Os socialistas e os liberais separam-se po r diferenças de
classe. Em contraste com a Suíça, a divisão lingüística na Bélgica provo
cou mais separações, em decorrência não só da divisão dos três grupos
referidos acima, que constituíam os três partidos dominantes da Bélgica,
em partidos separados e menores de idioma flamengo e francês, como
56
MODELOS DE DEMOCRACIA
também do surgime'uto de vários outros pequenos partidos lingüísticos
(McRae, 1986: 130-48).
4. Representação proporcional. A segunda explicação para o surgimento
de sistemas multipartidários na Suíça e na Bélgica é que seus sistemas eleito
rais proporcionais não inibiram a tra dução das divisões de caráter social em
divisões no sistema partidário. Em contraste com o método da maioria simples, cuja tendência é representar maciçamente o ~ grandes partidos e de for
ma insignificante os pequenos, o objetivo fundamental da representação
proporcional (RP) é a distribuição das cadeiras parlamentares entre os parti
dos de acordo com os votos que obtiveram. As câmaras baixas de ambas as
legislatur as são eleitas por representação prop orcional.
5. Corporativismo dos grupos de interesse. Os especialistas discordam um
pouco a respeito do grau de corporativismo na Suíça e na Bélgica, principal
mente porque os sindicatos de trabalhadores nesses dois países costumam
se r menos organizados e exercer menos influência do que o empresariado.
Essa divergência pode ser resolvida, entretanto, fazendo-se a distinção entre
duas variantes do corporativismo: o corporativismo social, em que os sindi
catos de trabalhadores predominam, e o corporativismo liberal, no qual as
associações comerciais são a força mais poderosa. Peter J. Katzenstein (1985:
105 e 130) usa a Suíça e a Bélgica como duas amostras deste último, e con
clui que a Suíça "caracteriza mais claramente os traços típicos do corporJti
vismo liberal". Ambos os países apresentam, com nitidez, os três elementos
gerais do corporativismo: a concertação tripartite, os grupos de interesse
relati vamente poucos e relativamente grandes - e a proeminênciadas asso
ciações de cúpula. Gerhard Lehmbruch (1993: 52) escreve que "a força d ~ : s associações de cúpula da Suíça é notável, e é quase consenso que a coesão
das associações de interesse suíças é superior à dos partidos políticos daquele país". Além disso, Klaus Armingeon (1997) afirma que, embora a exten
são e a eficácia do corporativismo em muitos países europeus tenham
declinado na década de 1990, ele permanece forte na Suíça.
6. Governo fedeml e descentralizado. A Suíça é uma nação federativa em
qu e o poder é dividido entre o governo central, os governosde vinte cantões,
e ainda seis subcantões, assim chamados por serem oriundos da divisão de
três cantões anteriormente unidos. Os subcantões têm apenas um represen
tante, e não dois, na Câmara Federa! suíça - o Conselho dos Estados - e
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representam apenas a metade do peso dos cantÕes r ~ g u l a r e s na votação de
emendas constitucionais. Na maior parte dos outros a§pectós, entretanto, seu
status é equivalente ao dos cantões pl;nos, A Suíça é t a ~ ó ê m uma das na
ções mais descentralizadas do mundo.
Por muito tempo a Bélgica constituiu um Estado unitário e centralizado,
mas, a partir de 1970, foi gradativamente caminhando em direção à des
central ização e ao federalismo. Em 1993, tomou-se oficiàlmente uma nação
federativa. A forma de federalismo que adotou é um "federalismo único"
(Fitzmaurice, 1996) e de uma "complexidade bizant ina" (McRae, 1997: 289),
porque consiste em três regiões geograficamente definidas - Flandres,
Valônia e a capital bilíngüe, Bruxelas - e três comunidades culturais não
geografi cament e definidas - as grandes comunidades flamenga e francesa e
a comunidade de língua alemã, que é muito menor. A principal razão para a
construção desse sistema em duas camadas foi que a região bilíngüe de Bru
xelas tem uma grande maioria de falantes de francês, porém é circundada
pela região de Flandres, de fala flamenga. Há uma considerável justaposição
entre as regiões e as comunidades, porém não há uma correspondência exata entre elas. Cada uma tem seu próprio Legislativo e Executivo, exceto
Flandres, onde o governo da comunidade flamenga também atua sobre a
região geográfica.
7. Forte bicameralismo. A principal justificativa para a constituição de
Im Legislativo bicameral, em lugar do unicameral , é a de conferir-se especial
, representatividade para as minorias - incluindo os estados menores nos sis
" temas federais, numa segunda câmara, ou seja, a câmara alta. Duas condi-
çõt:s devem ser satisfeitas para que essa representação minoritária seja
significati va: a câmara alta deve ser eleita segundo critérios diferentes dos da
câmara baixa, e deve contar com um poder efetivo - pelo menos tanto poder
quanto o da câmara baixa. Essas duas condições se encontram presentes nosistema suíço: o Conselho Nacional é a câmara baixa, e representa o povo
suíço, e o Conselho dos Estados equivale à câmara aita, ou federa!, represen
tan e dos can tões, cada um dispondo de dois represen antes, e cada subcantão,
um representante. Assim, os pequenos cantões encontram-se muito mais
solidamente representados no Conselho dos Estados do que no Conselho
Nacional. Além disso, como declara Wolf Linder (1994: 47), a "igualdade
absoluta" das duas câmaras constitui uma regra "sacrossanta" na Suíça.
58
MODELOS DE DEMOCRACIA
As d'Jas câmaras do Parlamento belga - a Câmara dos Representantes e
o Senado - praticamente dispunham de poderes iguais na Bélgica anterior
ao federalismo. Mas ambas eram formadas de maneira proporcional, e daí
serem muito semelhantes na composição. O novo Senado, eleito pela pri
meira vez em 1995, repre senta especialmente os dois grupos lingüístico-cul
turais, mas ainda é constituído em grande parte de forma proporcional, e
não se destina a prove r as minorias de iíngua francesa e alemã de uma super
representação. Ademais , os seus poderes furam reduzidos em comparação
com os do velho senado. Por exemplo, não mais dispõe de uma autoridade
orçamentária (Senelle, 1996: 283). Por isso, a nova legislatura federal da
Bélgica constitui o exemplo de um bicameralismo relativamente fraco, e nã o ;forte.
8. Rigidez constitucional. Tanto a Bélgica como a Suíça dispõem de uma
Constituição escrita - documento único, contendo as regras básicas do go
verno - que só pode ser modificado por maiorias especiais. Emendas à
Constituição suíça exigem a aprovação por um referendo, não apenas com
maioria de votantes de ampiitude nacional, mas também com maiorias namaior parte dos cantões. Na apuração específica dos cantões, os subcantões
têm a metade do peso dos cant ões regulares. Isto significa que, por exemplo,
uma emenda constitucional pode ser adotada se houver um resultado de 13 5
cantões a favor e 12,5 contra. O requisito da maioria cantonal significa que
as populações dos cantões menores e dos subcantões, representando menos
que 20 por cento da população total da Suíça, têm poder para vetar mudan
ças constitucionais.
Na Bélgica, há dois tipos de supermaiorias. Todas as emendas constitucionai s
exigem a aprovação de maiorias de dois terços, em ambas as casas do Legislativo.
Além Jisso, leis pertencentes à organização e aos poderes das comunidades e
regiões dispõem de um status semiconstitucional, e são ainda mais difí ceis de
adotar e de moJificar: além das maiorias de dois terços em ambas as casas, da s
IA maioria dos senadores - quarenta, entre 71 - silo eleitos diretamente em dois distritos
plurinominais, que são parcialmente definidos e m termos não-geográficos - um, que com
preende Flandres e falantes do flamengo em Bruxelas, e O outro, a Valônia e falantes franceses
em Bruxelas. Os 31 senadores remanescentes são eleitos indiretamente ou cooptados de di
versas formas. A composiç ão lin güística geral é: 41 falantes de flamengo, 29 falantes de fran
cês e um falante de alemão. Uma nova e curiosa disposição é a de que quaisquer filhos adultos
do rei são "senadores por direito".
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AREND LIJPH.i\RT
exigem a aprovação das maiorias no interior tanto do grupo de língua flamengaquanto do de língua francesa, em cada uma das casas. Essa regra confere aos
falantes de francês um poder efetivo de veto minoritário.9. Revisão judicial. AS uíça, em um aspecto, se desvia do modelo consensual
puro: sua suprema corte, o Tribunal Federal, não tem o poder de realizar revi
são judicial. Uma tentativa popular de introduzir esse direito foi perempto
r i a ~ e n t e ~ e j e i t a d a por um plebiscito em 1939 (Codding, 1961: 112).2Também não houve revisão judicial na Bélgica antes de 1984, quando foi
inaugurada a Nova Corte de Arbitragem. A responsabilidade principal e ori
ginal da corte era a interpretação dos est atutos constitucionais referentes à
separação de poderes entre os governos central, comunitário e regional. Sua
autoridade ficou muito ampliada pela revisão constitucional de 1988, e a
Corte de Arbitragem pode agora ser vista como um genuíno tribunal consti
tucional (Alen e Ergec, 1994: 20-22; Verougstraete, 1992: 95).10. Independência do banco central. Há muito tempo o banco central
da Suíça é visto como um dos mais fortes e independentes do mundo, junta
mente com o Bundesbank alemão e o Federal Reserve System, dos EstadosUnidos. Em contrapartida, o Banco Nacional da Bélgica foi durante muito
tempo considerado um dos mais fracos. Entretanto, sua a u t o n ~ m i a foi subs
tancialmente reforçada no início da década de 1990, aproximadamente du
rante a transição para o sistema federalista, porém principalmente como
resultado do Tratado de Maastricht, fir mado em 1992 e ratificado em 1993,
que obrigava os membros da União Européia a aumentarem a independên
cia de seus bancos centrais. Robert Senelle (1996: 279) conclui que, agora, o
banco central da Bélgica desfruta ~ m "alto nível de autollomia ( .. ) na con
dução de sua política monetária".
o MODELO CONSENSUAL NA UNIÃO EUROPÉIA
As principais instituições da União Eu ropéia não se ajustam à classificação
em órgãos executivos, legislativos, judiciais e financeiros de maneira tão fá-
2As leis nacionais podem, entretanto, ser questionadas de forma diferente: se, passando-senoventa dias da aprovação da lei, um mínimo de 50 mil cidadãos exigir um referendo sobre
ela, uma maioria de votantes suíços pode rejeitá-la.
6 O
MODELOS DE -flEiYÍOCRACíA
cil quanto as cinco nações soberanas discutjdas até agora. Isso é especialmente
verdadeiro para o Conselho-Europeu,(}ue se compõe dos cl1efes_ de governo
dos 15 países membros, e qlie se reune pelo menos duas vezes po r ano. Ele
pode exercer uma grande influência política, e a maioria dos principais pas
sos para o desenvolvimento da Comunidade Européia - e, desde 1993, daUnião Européia - teve a iniciativado Conselho Europeu. Das ou tras insti
tuições, a Comissão Européia atua éorno o executivo da UE, e pode compa
rar-se a um gabinete. O Parlamento Europeu é a câmara baixa do Legislativo,
e o Conselho da União E uropéia pode ser considerado a câmara alta. As res
ponsabilidades da Corte Européia de Justiça e do Banco Central Europeu
são evidentes por seus próprios nomes.
1. Partilha do Poder Executivo por meio de gabinetes de ampla coalizão.
A Comissão Européia se compõe de vinte membros, cada um deles com uma
responsabilidade ministerial específica, nomeado pelos governos dos países
membros. Cada um dos cinco maiores países - Alemanha, Reino Unido,França, Itália e Espan ha - indica dois membros da Comissão, e cada um dos
dez membros restantes indica um. Uma vez que todas as 15 nações pertencentes à UE estão representadas na Comissão, ela constitui uma coali zão ampla
e permanente entre as nações. Na prática, a Comissão é também uma coali
zão que reúne a esquerda, o centro e a direita, no espectro político da Euro
pa. Um exemplo notório é que, em meados da década de 1990, os dois
membros britânicos da Comissão eram o conservador Leon B,ittan e o ex
líder do Partido Trabaihista Neil Kinnock - políticos que dificiÍmente atua
riam juntos num gztbinete britânico.
2. Equilfbrio de poder entre o Execí.tivo e o Legislativo. Após cada uma
das cinco eleições anuais parlamentares, a nova Comissão Européia precisa
ser aprovada pelovoto no
Parlamento Europeu. O Parlan·ento também dispõe do poder de rejeitar a Comissão, porém só por uma maioria de dois ter
ços. O Parlamento tem fortes poderes orçamentários, mas embora seus outros
poderes legislativos tenham sido ampliados pelo Tratado de Amsterdã, em
1997, ainda permanecem relativamente fracos. Em comparação com a Co
missão, o papel do Parlamento parece secundário. Essa avaliação da relação
entre Executivo e Legislativo se modifica, entre tanto, quando acrescentamos
ao quadro geral o Conselho da União Européia - composto de ministros
dos governos dos 15 países membros. George Tsebelis e Jeannette Money
6 1
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AREND l l JPHART '.
. (1997: 180) chamam o Conselho de "o equivalente et:fOpeu de [umal câma
ra-alta".:O Conselho também é, nitidamente, a mais forte entre as três insti
tuições. Em termos gerais, portanto, a Comissão'{ muito' mais o parcei ro,
em igualdade de condições, do modelo consensual do que o gabinete domi
nante do modelo Westminster.
3. Sistema multipartidário. Em 1996, o Parlamento Europeu, de 626membros, se compunha de oito partidos oficialmente reconhecidos ( os quais
dispunham de um mínimo de 18 membros exigido para o reconhecimento).
O maior deles era o Partido dos Socialistas Europeus, com cerca de 34 por
cento das cadeiras no Parlamento - muito menos que uma maioria parla
mentar. O segundo em tamanho era o Partido Popular Europeu (composto
principalmente de democratas-cristãos), com aproximadamente 29 po r cen
to das cadeiras. Nenhum dos outros partidos dispunha de mais de 10 por
cento das vagas. A fragmentação política ainda é maior do que aparece nesse
padrão multipartidário, uma vez que os partidos no Parlamento Europeu são
consideravelmente menos coesos e disciplinados do que nos parlamentos
nacionais. A composição parti dária da "câmara alta" - o Conselho da União
Européia - muda toda vez que os gabinetes dos países membros são substi
tuídos. Ela também depende do assunto em discussão, que irá determinar
qual ministro em particular parti cipará daquela determinada sessão. Por exem
plo, se na agenda do Conselho constarem medidas de natureza agrícola, muito
provavelmente os ministros da Agricultura irão participar. Na prática, entre
tanto, o Conselho também constitui um organismo multi partidário.
4. Representação proporcional. O Parlamento Europeu tem sido eleito
diretamente desde 1979. Deve ser eleito em cada país de acordo com um
sistema eleitoral uniforme, mas os países membros ainda não foram capazes
de entrar em ~ c o r d o sobre esse sistema. No entanto, o método que prevalece é uma espécie de variante da representação proporcional (RP), usada por
todos os países membros e também pela Irlanda do Norte. A única exceção
foi a eleição por maioria simples dos representantes britânicos do Reino
Unido, mas, em 1997, o novo gabinete trabalhista decidiu que as eleições do
Parlamento Europeu no Reino Unido, e m 1999, seriam inteiramente po r RP.
Mesmo assim, no entanto, ainda permanece um nível significativo de despro-
porcionalidade, como resulta do da super-representação dos pequenos países
e da sub-representação dos grandes, no Parlamento Europeu. Nos extremos,
62
MODELOS DE DEMOCRACIA
a Alemanha conta com 99 representantes no Parlamento Europeu, enquan
to Luxemburge tem seis, muit0 embora a população alemã seja cerca de
. duzentas vezes maior que a de Luxemburgo. Quanto a isso, o Parlamento
Europeu combina, numa única câmara legislativa, os princípios da represen
tação proporcional e os da representação nacional igualitária, o que na Suí-
ça, por exemplo, acontece em dU:ls câmaras separadas da legislatura.
S. Corporativismo dos grupos de interesse. A UE ainda não dispõe de um
corporati vismo totalmente desenvolvido, em grande parte porque as deci
sões econômicas mais importantes são ainda tomadas em nível nacional, ou
sujeitas a vetos nacionais. À medida que a UE se tornar mais integrada, o
grau de corporativismo fatalmente irá aumentar. No título do livro de Michael
J. Corges (1996) - Euro·Corporatism? -, o ponto de interrogação é deli
berado e Gorges, na maioria das vezes, dá uma resposta negativa à questão.
Mas ele também vê significativos elementos corporativistas em determina
dos setores, bem como uma nítida tendência para um maior corporativismo.
Um fator importante é que a Comissão Européia há muito tem favorecido
um estilo corporativista de negociar com os grupos de interesse. Por exem
plo, apoiou uma série de conferências tripartites durante a.década de 1970
e, embora essas conferências não tivessem levado à institucionalização de
acordos tripartites, "a Comissão jamais abandonou seu objetivo de promo
ver o diálogo entre os parceiros sociais e melhorar a sua participação no
processo decisório da Comunidade" (Gorges, 1996: 139). Outro indício da
inclinação da UE para o corporativismo é o fa to de ser o Comitê Econômico
e Social de consultoria - urna de suas instituições formais - composto por
membros de grupos de interesse indicados pelos governos membros.
6. Governo federal e descentralizado. Comparada com outra s organiza
ções internacionais, a supranacional União Européia (UE) é extremamente
unificada e centralizada; porém, se comparada com Estados nacionais -
mesmo com uma nação tão descentralizada como a Suíça -, a UE obvia
mente ainda é mai s "confederativa" do que federativa, como também extre
mamente descentralizada.
7. Forte bicameralismo. Os dois critérios para o bicameralismo forte são
que as duas casas da legislatura sejam equivalentes em força e diferentes em
composição. A legis latura da UE ajusta-se sem dificuldade ao segundo crité
rio: o Conselho tem igual representação dos países membros e se compõe de
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AREND l lJPHART
representantes dos governos nacionais, enquanto o Parlamento é eleito por
voto direto pelos eleitores, e as delegaçôes nacionais são calculadas de acor
do com o tamanho da população. Cõstumam ser uma vantagem para-a câ
mara baixa, nas legislaturas nacionais, os desvios do poder equivalente. Na
DE passa-se o oposto: a câmara alta (Conselho) é consideravelmente mais
poderosa que a baixa (Parlamento) - não totalmente em conformidade com _o modelo consensual, porém menos ainda que com o majoritário.
3
8. Rigidez constitucional. A "Constituição" da UE compõe-se do funda
mental Tratad o da Comunidade Econômica Européia, assinado em Roma,
em 1957, e de uma série de outros tratados, tanto anteriores quanto subse
qüentes. Uma vez que constituem tratados internacionais, só podem ser
modificados com o consentimento de todos os signatários. São, por isso,
extremamente rígidos. Além disso, as decisões mais importantes no Conse
lho exigem unanimidade. Em assuntos de menor importância, tornou-se mais
comum, desde a década de 1980, tomar as decisões pelo "voto da maioria
qualificada", ou seja, por maiorias de aproximadamente dois terços e pelo
sistema de votação ponderada (semelhante ao da distribuição ponderada de
cadeiras no Parlamento Europeu).
9. Revisão judicial. Uma instituição chave da UE é a Corte Européia de
Justiça. A Corte tem poderes para realizar a revisão judicial e para declarar
inconstitucionais tanto as leis da UE quanto as nacionais, caso violem os di
versos trata dos d a UE. Além disso, a abordagem da Corte a suas tarefas judi
ciárias tem sido criat iva e ativista. Martin Shapiro e Alec Stone (1994: 408)
informam que "sem dúvida, os dois tribunais constitucionais politicamente
mais influentes na Europa são os ,da Aiemanha e da Comunidade (DE). ( .. )
Há poucos exemplos tão facilmente observáveis e importantes como o caso
da CEJ, a Corte Européia de Justiça, que não só se estabelece como instituição política, como também formou todo o conjunto de instituições do qual
é parte integrante".
10. Independência do banco central. O Banco Centra l Europeu, que co-
meçou a operar em 1998, foi planejado para ser um banco central extrema
mente independente. De fato, a revista T/Je EcolZomist, na edição de 8 de
'Outro ótimo exemplo de pelo menos uma ligeira assimetria favorecendo a câmara alta é o
Congresso dos Estados Unidos, no qual O Senado (em poderes especiais sobre tratados e no-
meaçües.
64
MODE lOS Jf DEMOCRACIA
novembr o de 1997, apontou: "sua constitúi ção o torna o banco central mais
i n d e p e n d ~ n t e do mundo". Entretanto, sua independência ficou parcialmen
te comprometida quando o seu primeiro presidente foi indicado, em 1998.
A fim de tornar mais ampla a autoridade presidencial, o mandato é formal
mente de oito anos, porém o primeiro presidente teve de renunciar muito
antes do término do seu mandato, talvez passados quatro anos, como partede um acordo político entre a França, que insistira no seu próprio candida
to, e os demais membros da DE.
No começo deste capítulo, destaquei que o modelo majoritário era in
compatível com as necessidades das sociedades plurais, profunJamente divi
didas. A UE é claramente uma sociedade plural desse tipo. "Diferenças
nacionais profundas e duradouras, a língua sen do apenas uma delas, não de
sapareceram e nem desaparecerão na Europa" (Kirchner, 1994: 263). Por
isso não surpreende que as instituições da UE se adaptem tão bem ao mode
lo consensual, em vez de ao modelo majoritário. Ivluitos observadores pre
vêem que a UE afinal se tornará um Estado federativo, em resultado,
sobr etud o, da adoção de uma moeda comum . Por exemplo, Martin FeIdstein
(1997: 60) afirma que "o efeito fundamental, a longo prazo, de se adotar
uma moeda única [será] a criação de uma união política, um Estado federal
europe u, com responsabilidade por uma política externa e de segurança de
âmbito europeu, como também pelo que agora são as políticas domésticas,
econômiras e sociais." Se a UE vier a tornar-se um Estado europeu soberano-
e quando isso acontecer -, é provável que suas instituições mudem. O Par-
lamento Europeu, por exemplo, provavelmente se tornará uma câmara
legislativa mais poderosa, mas não é provável que se desvie muito do mode
lo consensual, e é quase certo que tome a forma de um "Estados Unidos da
Europa" federativo.
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A partir de agora, este livro desenvolverá uma comparação sistemática entre
os 36 países (com populações de no mínimo 250 mil habitantes) qUe eram
democráticos em meados de 1996, e que haviam sido democráticos conti
nuamente desde 1977, ou antes. Cada democracia será analisada a partir da
sua primeira eleição democrática, no ano de 1945 ou em data posterior, até
30 de junho de 1996. O intervalo de tempo para as 36 democracias, dessa
forma, varia de 55 (1945-96) a 19 anos (1977-96). Neste capítulo, explica
rei os critérios para a seleção das 36 democracias, e para a escolha do míni
mo de anos de experiência democrática. Também discuto as principais
características sociais e econômicas que, segundo se espera, podem influen
ciar os tipos de democracia e o desempenho democrático desses 36 países.
DEFINiÇÕES DE DEMOCRACIA
Embora os cientistas polít icos discordem sobre alguns detalhes na definição
e na avaliação da democracia (Beetham, 1994; lnkeles, 1991), os oito crité
rios propostos por Robert A. Dahl (1971: 3) em seu influente livro Polyarchy
ainda recebem amplo apoio. São eles: (1) o direito ao voto, (2) o direito a
ser eleito, (3) o direito dos líderes políticos de competirem po r apoio e vo
tos, (4) eleições livres e honestas, (5) liberdade de reunião, (6) liberdade de
expressão, (7) fontes alternativas de informação e (8) instituições capazes de
fazer com que as medidas do governo dependam do voto e de outras mani
festações da vontade popular. Esses requisitos já estavam implícitos na sim
ples definição que Lincoln propôs para democracia, como o governo pelo
povo (ou por representantes do povo) e para o povo. Por exemplo, a expres
são "pelo povo" contém implicitamente o sufrágio universal, o acesso aos
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ARENO l l JPHART
cargos públicos e eleições livres e honestas. As eleições não podem ser livres
e honestás se não houver liberdade de expressão e de reunião, tanto antes
das eleições q ~ a n t o no período entre as mesmas. De modo similar, "para o
povo" contém implicitamente o oitavo critério de DahI, o da responsabili
dade do governo para com as preferências dos eleitores. Entretanto, vale a
pena enumerar os critérios específicos para se decidir quais os países quepodem ser considerados como democracias, e quais os que não podem.
A democracia, como definida por Dah!, é um fenômeno do século XX.
G6ran Therborn (1977: 11-17) acredita que a Austrália e a Nova Zelândia
tenham estabelecido os primeiros sistemas genuinamente democráticos,
na primeira década do século XX. A Nova Zelândia tem os mais fortes
motivos para isso porque, já em 1893, foi o primeiro país a instituir um
verdadeiro sufrágio universal, isto é, o direito ao voto tanto para homens
quanto para mulheres e também para a minoria maori. As mulheres, no
entanto, não puderam candidatar-se a cargos públicos antes de 1919. A
Austrália adotou o sufrágio para homens e mulheres em 1902, mas os
aborígines australianos - reconhecidamente uma pequena minoria decerca de 2 po r cento da população total - não tive-ram o direito de votar
nas eleições federais, a não ser a partir de 1962 (União Interparlamentar,
1995: 61, 193).A Tabela 4.1 relacio na os países que podem ser considerad os democráti
cos em 1996, e que constituíram democracias durante, pelo menos, 19 anos.
São esses os 36 países analisados neste livro, classificados pela década e pelo
primeiro ano em que se iniciou a análise de cada um. A fim de decidir quais
deveriam ser classificados como democracias, baseei-me em grande parte -
seguindo o exemplo de muitos outros pesquisadores - na classificação
fornecida desde 1972 pela Freedom House para todos os países no mundo(Gastil, 1989: 50-61). Nas pesquisas da Freedom House, os países são das-
' sificados como livres, parcialmente livres ou não livres, e essas classificações
; baseiam-se em dois c onjunto s de critérios semelhantes aos sugeridos por Dahl:
, direitos políticos, tais como o direi to de participar em eleições livres e com-
petitivas; e li berdade s civis, tais como a liberdade de discurso e de reunião.
Por isso, os países "livre s" ta mbém podem ser encarados como países demo
\ cráticos.'-/
) {'I
" (
7 o
III
M OTi E lO S _D E D E M o C R A C I A
TABELA 4.1. AS 36 DEMOCRACIAS INCL\JíDAS NESTE ESTUDO, CLASSIFICADAS
POR DÉCADA É PRIMEIRO ANO DO PERíOQ0 ANALISADO ( ~ T É MEADOS DE 1996)
Década
Década de 1940
Década de 1950
Década de 1960
Década de 1970
Primeiro ano
analisado Democracias
1945 Áustria, Cana dá, Dinamarca, Finlândia,
-- Luxemburgo, Noruega, Reino Unido
1946 Austrália, Bélgica, Islândia, Itália, Japão,
Holan da, Nova Zelândia, Estados Unidos
1947 Suíça
1948 Irlanda, Suécia
1949 Alemanh a, Israel
1953
1958
1961
Costa Rica
Colômbia, França, Venezuela
Trinidad e Tobago
1962 Jamaica
1965 Botsuana1966 Barbados, Malta
1972 Bahamas1974 Grécia
1976 Maurício, Portugal
1977 Índia, Papua -Nova Guiné, Espanha
Há quatro casos indeterminados: Índia, Papua-Nova Guiné, Colômbia e
Venezuela. Na avaliação do grupo de pesquis:1 da Freedo:n House (1996), que
se base ou principalmente nos altos níveis de violência política e de corrupção
nesses países, imperceptiYelmente se passou do conceito "livre" para o de ape
nas "parcialmente livre", no início da década de 1990. Para a Índia, essa ava
liação provavelmente é muito severa, dada su:c imensidão territorial e o fatode que a maior parte da yiolência tem se restringido à periferia do país. Mas
praticamente não há dúvida de que a democracia tem estado muito distante
da perfeição nos últimos anos, em qualquer dos quatro países mencionados.
Outra pesquisa sobre os sistemas políticos do mundo, de 1994, que usa uma
escala de dez pontos, sendo 10 a nota mais alta -, classifica os quatro países
mencionados com notas abaixo da perfeição do 10 - que é dada, efetivamen
te, ao total de países da Tabela 4.1. Por outro lado, os quatro casos interme
diários ainda merecem notas razoavelmente altas, e vários outros países têm
7 1
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-
também nota inferior a 10. A Colômbia recebeu nota 9 -- a mesma que Israel
-- e Espanha ; a Índia, Papua-Nova Guiné e Venezuela ficaram com 8-, a mes-
ma n o t ~ que a França e Trinidad-Tobago (Jaggers e Gurr, 1995). Segundo da
dos colhidos por Mark J. Gasiorowski (1996: 480-81), rastreando mudanças
em regimes políticos durante o ano de 1992, todos os quatro países mantive
ramum
regime democrático até o final de 1992.Escrevendo no final da década de 1980, Larry Diamond (1989: 1) acha
va a Índia "o caso mais surpreendente e impor tan te de resistência democrática
do mundo em desenvolvimento", e que Papua-Nova Guiné havia "mani
festad o u m sistema democrático notavelmente vibrante e saliente". O desem
penho democrático desses países se deteriorou na década de 1990, mas, em
minha opinião, não o bastante para justificar a conclusão de que não mais
possam ser encarados como democracias. Se é p a ~ a cometer equívocos, é
preferível fazê-lo pela inclusão deles, uma vez que a Índia é a democracia
mais populosa do mundo, e também porque esses quatro países tornam muito
mais interessante e diversificado o conjunto de democracias analisado neste
livro: a Índia e Papua-Nova Guiné são os menos desenvolvidos dentre os 36,e estão entre as sociedades mais divididas etnicamente. Colômbia e Venezuelá
constituem dois, entre apenas cinco democracias presidencialistas, e são as
únicas duas democracias sul-americanas presentes entre os trinta e seis paí
ses. 1 (Até fins de 1998, a Índia, a Venezuela e Papua -Nova Guiné haviam sido
readmitidas como países "livres" na Freedom House.)De alguma forma, demonstro também alguma indulgência para com di
versos outros países que fazem parte da lista de democracias duradouras da
Tabela 4.1, a despeito da inexistência neles de sufrágio plenamente universal
_ de todos os requisitos democráticos, o mais fundamental. Na Suíça antes
de 1971, as mulheres ainda não tinham o direito de votar. Na Austrália, comose observou acima, antes de 1962 os aborígines não tinham direito ao voto.
E, apesar da declaração do presidente Bill Clinton, em seu discurso de posse
em 1993, de que os Estados Unidos são "a mais antiga democracia do mun-
lEste livro não se destina a contribuir para o debate acadêmico sobre a viabilidade do regimeparlamentar versus presidencial (ver Linz e Valcnzuela, 1994; Power e Gasiorowski, 1997).Entr etan to, parece significativo que existam, em 199 6, apenas cinco sistemas presidencialistasentre as 36 democracias duradouras, e que duas destas constituam casos intermediários de
democracia.
7 2
" ,ODE lOS DE D EMO C R A C IA
do" (New York Times, 21 de janeiro de 1993, "AlI), não se estabeleceu soli
damente o sufrágio universal nos Estados Unidos até a aprovação da "Lei do
Direito ao Voto", em 1965. O princípio do sufrágio universal também-foi
violado pelo Reino Unido, França, Holanda e Bélgica, enquanto esses países
constituíam potências coloniais, pelas três potências aliadas enquanto ocu
pavam a Alemanha e o Japão, e por Israel depois de 1967, devido ao seu
controle sobre os t e r r i t ó ~ i o s ocupados. 2 Ao ~ e focalizar a atenção sobre-o
período posterior a 1945, minimizam-se esses problemas, pois os impérios
coloniais foram rapidamente dissolvidos e porque, afinal, as mulheres rece
beram o direito ao voto na Bélgica, na frança e na Itália.
Em análises comparativas de democracia, as nações menores e menos po
pulosas são normalmente excluídas. O ponto limite tende a variar entre
populações de um milhão e de um quarto de milhão. Aqui, também, optei
por ser inclusivo ao selecionar o mais baixo limite.
Existem duas razões para a exigência de que os países sejam não apenas
sistemas democráticos, mas ta mbém que o tenham sido por um longo período
de tempo. A razão mais substancial é que isso nos dá a segurança de que asdemocracias analisadas não são entidades efêl11eraS, mas, sim, sistem as conso
lidados e razoavelmente estáveis de democracia. A segunda raz ão é de ordem
processual: a fim de analisar, por exempio, a tendência dos resultados das elei
ções, dos tipos de gabinetes que devem formar-se e a durabilidade desses gabi
netes num país em particular, precisamos ter condições para avaliar mais do
que apenas urna, ou algumas, dessas eleições e desses gabinetes. Evidentemen
te que de forma um tanto arbitrária, primeiro escolhi como espaço de tempo
mínimo o intervalo de vinte anos, mas depois suavizei ligeiramente esse cnté
rio, para poder incluir Índia, Papua-Nova Guiné e Espanha.
ATabela 4.1 mostra o primeiro ano do período analisado para cada uma das
36 democracias. Geralmente, é este o ano da primeira eleição democrática des
de 1945, ou desde a independência. Em países onde a democracia foi interrom
pida no período do pós-guerra - na França, em 1958, na Grécia, de 1967 a
1974, na Índia, de 1975 a 1977 e na Venezuela de 1948 a 1958 -, é o a.'10
20 controle exercido no pós-guerra sobre países ou regiões conquistados constitui a violaçãomenos grave dos padrões do sufrágio universal, diante do caráter temporário de tal controle.Quanto mais tempo durar esse controle, entretanto, maior o dilema que criará para a democracia.
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AREND LlJPHART
eleitor al que marca a retomada da democracia. No s países que se tornaram in- -
dependentes nas décadas de 1 9 ~ O e 1970, é o ano da realização dá eleição mais
próxima da independência (Trinidad e Tobago, Botsuana e as Baliamas).3 A úni
ca exceção é a República de Maurício, que realizou uma eleição democrática em
1967, um ano antes da sua independência oficial, em 1968, porém onde a de
mocracia falhou por vários anos,- no início da década de 1970: um estado deemergê ncia entrou em vigor de 1971 a 1976, líderes oposicionistas foram pre
sos, sindicatos de trabalhadores considerados ilegais. E a eleição de 1972 foi adiada
para 1976 (Bowman, 1991: 73-74; Brãutigam, 1997: 50). A eleição de 1976marca a restauração da democracia, e a República de Maurício está, por isso,
incluída na análise a partir de 1976.
TABELA 4.2 AS OUTRAS 25 DEMOCRACIAS (COM POPUlAÇÕES SUPERIORES A
250 MIL PESSOAS), A PARTIR DE JANEIRO DE 1996. ClASSIFICADAS
Década
Década de 1970Década de 1980
Década de 1990
POR DÉCADA E ANO DE DEMOCRATIZAÇÃO
An o da
democratização
197819801981198419851988
1990
1991
19931994
1995
Democracias
Ilhas Salomão
Equador
Chipre
Argentina
Uruguai
Coréia
Chile, República Tcheca, Hungria,
Namíbia, Polônia
Benin, Buigiria, Cabo Verde,
Lituânia, Mongólia, Eslovênia
Estônia, Guiana
Letônia, MalauÍ, Panamá, Eslováquia,
África do Sul
Mali
Fonte: Baseado em informação do Frecdom Housc Survey Team, de 1996, e dos primeiros volumes
da pesquisa anual Freedom in lhe World
3Trinidad-Tobago - por motivos de praticidade referida simplesmente, de agora em diante, como
"Trinidad" -e Jamaica tornaram-se independentes em 1962, Malta em 1964, Barbados e Botsua na
em 1966, República de Maurício em 1968, Bahamas em 1973 e Papua- Nova Guiné em 1975.
7 4
MO D <1- OS DE DE Mo C R A C I A
A exigência do intervalo mínimo de 19 nos de experiência democrática signifi-
,-ca f()rçosamente que pouquíssimas democracias tiveram de ser excluídas da aná
lise, Felizmente;como demo nstr a a Tabela 4.2, esse número não é muito grande.
A abela relaciona os 25 países considerados democráticos pela pesqui sa da equipe
da Freedom Hous e (1996) até janeiro de 1996, e fornece o ano a partir do qual
a democraciaperdurou de
modo contínuo em cada um deles até 1996. Reduziro intervalo de tempo de 19 para d ~ z anos resultaria na inclusão de apenas mais
cinco países: as ilhas Salomão, o Equador, Chipre (a parte grega da ilha), a Ar-
gentina e o Uruguai. Além disso, as 25 democracias mais recentes constituem
geralmente países menores. Nenhum país tem população n1dior que 50 milhões,
e só as populações da Coréia e da África do Sul excederam os 40 milhões, Da
população total combinada das 61 democracias - mais de dois bilhões de pes
soas -, as 63 democracias mais antigas abrangem mais de 87 por cento.4
TRINTA ESEIS DEMOCRACIAS DIVERSAS
Nosso conjunto de 36 democracias inclui representantes de cada uma das
três ondas de democratização identificadas por Samuel P. Huntington
(1991: 13-26). Usando um a definição bastante tolerante de sufrágio "uni-
versal" - o direito ao voto para pelo menos 50 por cento dos adultos do
s e ~ o masculinoS -, Huntington observa uma longa primeira onda, que
começa já em 1828 e perdura até 1926. Uma curta segunda onda vai de
1943 até 1962, e um a terceira onda inicia-Se em 1974. Duas ondas
reversas, nas quais a democracia fracassou em ,'ários países, ocorreram
entre as três ondas de democratização. Diversos países que experimenta-
ram ondzts reversas participaram de mais de uma onda com direção paraa frente. Entre as nossas 36 democracias, a Grécia constitui um caso de
envolvimento em todas as três ondas com direção para a frente e em ambas
as ondas reversas. Todos os países relacionados na Tabela 4.1 como ten-
'Se excluirmos a Índia, com sua imensa população de quase um bilhão de pessoas, a percenta
gem da população combinada dos 35 países remanescentes de democracia mais antiga ainda é
maior que 77 por cento.
SHuntington (1991:14) admite que inclui sistemas tanto democráticos quanto
"semidemocráticos".
7 5
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A R E"O t 1 P H A R T
do sido continuamente democráticos, desde a década de 1940, com ex
ceçãode Israel, já faziam parte das primeiras ondas de Huntingfon. Cer
ca da metade também se incluía na segunda onda: aqueles em que a
democracia fracassara na primeira onda reversa, como a Alemanha e a
Itália, e os países onde a democracia foi interrompida pela ocupação ale
mã durante a Segunda Guerra MJmdial.Os países relacionados na Tabela 4.1 como tendo sido democráticos
desde as décadas de 1950 e 1960 pertencem à segunda onda. Para o gru
po da década de 1960, a democratização chegou como resultôdo da
descolonização. Huntington usa o ano de 1962 como aquele em que a
segunda onda terminou, porém Botsuana, Barbados, Malta e até mesmo
as Bahamas (que só ficaram independentes em 1973) devem ser incluídos
na segunda onda. O fim da ditadura portuguesa, em 1974, iniciou a ter
ceira onda, que também abrange as demais democracias do grupo da dé
cada de 1970 (com exc eção das Bahamas) e que se prolongou nas décadas
de 1980 e 1990, principalmente na América Latina e Europa Oriental
(Tabela 4.2).
As vinte democracias que perduraram desde a década de 1940 (ou antes)
constituem de certa forma um grup o homogêneo, em diversas aspectos-cha
ve, exceção feita ao seu grau de pluralismo: todas são economicamente de
senvolvidas, industr ializadas e urbanizadas. Excetuando-se o Japão, pe rtencem
ao mundo ocidental judaico-cristão, e a maioria concentra-se geograficamente
na região do Atlântico Norte. Entretanto, a inclusão das democracias da se
gunda e terceira ondas aumenta muito a sua diversidade. Três diferenças
importantes são destacadas na Tabela 4.3: o grau em que as 36 democracias
constituem sociedades pluralistas, seus níveis de desenvolvimento socioeco
nômico e sua popul ação.A primeira diferença é o gran de divisão da sociedade. Esta variável é
comumente operacionalizada pelo número e o tamanho relativo dos grupos
étnicos em diferentes países (Ordeshook e Shvetsova, 1994; Amorim Neto e
Cox, 1997). Essa medida dos grupos étnicos apreende um elemento im
portante da divisão da sociedade. Por exemplo, ceteris paribus, um país que
se compõe de três grupos étnicos de igual tamanho é menos dividido do
que outro com quatro grupos do mesmo porte, e um país com dois grupos
étnicos que compreendam, 90 e 10 por cento da população será menos di-
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II
III1:!
!!
ARENO li ! PHART
vidídodo que outro com d o i ~ grupos de 50 por cento cada. Uma outra van
tagem é qu e o grupo pode ser quantificado d e ' f o r ~ a precisa.6
A sua desvàmage mé deixar de parte vários aspectos impórtãntes da divi-
são. Em primeiro lugar, as divisões étnicas não constituem as únicas diferen
ças relev antes. Particularmente, as cisóes religiosas, tais como as que existem
entre os hindus,os muçulmanos e ossikhs, na Índia, podem ser tão importantes, ou até mesmo mais. Em segundo lugar, a medida poderia, em princí
pio, ser adaptada para incluir tanto as diferenças religiosas quanto as étnicas,
embora ainda assim estivesse omitindo o utras cisões importantes no interior
dos grupos rdigiosos, tais como a diferença entre os católicos fiéis e prati
cantes, de um lado, e os católicos eventuais e não praticantes, de outro, e a
divisão entre as forças pró-Igreja e as forças anticlericais que a ela se rela
cionam, as quais historicamente tanto têm contribuído para dar forma à po
lítica da França, da Itália e da Colômbia.
Em terceiro iugar, a medida não leva em conta a profundidade da divi
são. É ilusório, por exemplo, equiparar a divisão entre protestantes e católi
cos na Irlan da do Norte à que se verifica na Suíça, na Alemanha e na Holanda.Ou considerar equivalentes as divisões étnicas em que a diferenciação lin
güística é relativamente pouco importante, como as que se verificam entre
galeses e ingleses, ou entre frísios e holandeses, e aquelas que coincidem com
diferenças lingüísticas acentuadas, como ocorre na Bélgica, Suíça, Índia,
Espanha e Finlândia. Em quarto lugar, a medida não consegue indicar a ex
tensão em que os grupos étnicos, religiosos e outros, possivelmente, se dife
renciam entre si de uma forma organizada. Fode-se verificar um elevado graudesse fato na Áustria, Bélgica, Holanda e Israel, onde os grupos religiosos e
ideológicos se organizaram em pequenas socied ades, mais ou menos separa
das, com suas próprias associações polític:1s, socioecunômicas, culturais,educacionais e recreacionais.
A tripla classificação em sociedades plur ais, semiplurais e não-plurais, da
Tabela 4.3, leva todas essas considerações em conta. É óbvio que se trata de
um a medida muito mais subjetiva e aproximada do que a que se baseia ex
clusivamente n o número e tamanho dos gru pos é tnicos, porém constitui tam-
6A medida usada por Ordeshook e Shvetsova (1994) e Amorim Neto e Cox (1997) é o "número efetivo dos grupos étnicos", conceitualmente semelhante ao número efetivo dos partidospolíticos que serão introduzidos e explicados no capítulo S.
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M O O_E lO S O E DE M o C R A C I A
bém uma medida mais válida e significativa. Três novos comentários sobre a
classificação tricotômica são oportunos. Prinleiro, com uma única exceção,
todas as sociedades plurais constituem países divididos lingüisticamente. A
Índia, com mais de 12 línguas reconhecidas, é um caso extremo, e Papua
Nova Guiné mostra-se ainda mais fragmentado segundo as fronteiras lingüís
ticas. A população da República de Maurício compõe-se de cerca de doisterços de pessoas de a scen dênc ia indiana e de um terço de ascendência afri
cana. A comunidade indiana constitui um microcosmo das di visões lingüísti
cas e religiosas da Índia. Israel é uma sociedade pluralista, nã o só por causa
da divisiío entre os cidadãos judeus e árabes, porém, mais ainda, em resulta
do da aguda divisão entre os judeus religiosos e os laicos. O único caso ex
cepcional é o de Trinidad, que tem uma língua comum, porém onde "uma
cisão difundida e fundamental ( .. ) domina a sociedade trinidadiana: a porção crioula/negra versus a indiana" (Premdas, 1993: 100).
Em segundo lugar, a tripla classificação reflete a situação de meados da
década de 1990, porém nã o seria muito diferente caso se baseasse num in
tervalo de tempo ainda maior. As únicas exceções seriam a Áustria, a Holanda
e Luxemburgo, que aqui são classificados como semiplurais, mas que teriam
sido rotuladas corno plu rai s nas duas primeiras décadas de pós-guerra, quando
seus segmentos ideológicos e religiosos, do ponto de vista da organização,
eram muito mais distintos. Em terceiro, é importante não fazer equivaler em i
os conceitos de "não-plural" e de "homogêneo": as sociedades não-plurais
em sua maioria são divididas religiosamente, pelo menos até certo ponto e .
a maior parte delas contém pelo menos uma ou mais minorias de peque:as :
proporções. Exemplos já mencionados são as minorias étnicas no Reino
Unido, Austráli:1 e Nova Zelândia. Outro exemplo é Botsuana, freqüente
mente considerada a nação mais homogênea da África, mas onde existe urnasignificativa minoria étnica, os kalanga, e onde o grupo étnic o dominante
o tsuana - se divide internamente em oito tribos.
ATabela 4.3 indica também o nível de desenvoivimento socioeconômico
nas 36 democracias. Essa variável tem sido tradicionalmente operacionalizada
pelo produto interno bruto (PIE) per capita, embora há muito tempo se te
nha reconhecido que o PIE per capita constitui uma medida problemática,
devido à sua extrema vulnerabilidade diante das flutuações da taxa cambial
e de seu exagero da pobreza das nações menos desenvolvidas. Uma melhora
7 9
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A R E N D l I JPHART
considerável seria adaptar o PIE per capita aos diferentes índices de preços
nos dIferentes países, produzindo as chamadas paridades de poder aquisiti
vo (Dogan, 1994: 44-46). Outra grande melhora é o índice do desenvolvi- -
mento humano, elaborado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações
Unidas (1997:44) no início da década de 1990: "Trata-se de um índice com
plexo de realizações das capacidades humanas básicas, em três dimensões
fundamentais: vida longa e saudável, educação e padrão de vida decente."
As três variáveis nas quais o índice se baseia são a renda, a expectativa de
vida e a realização educacional. Este é um indicador mais precis o do desen
volvimento, por ter uma base mais ampla que as duas medidas mais antigas,
e já encontrou ampla aceitação entre os cientistas sociais (Di amond, 1992:
100-102; Lane e Ersson, 1994a: 214-28; Vanhanen, 1997: 75-79).
Em princípio, o índice de desenvolvimento humano pode variar desde o
ponto mais elevado, 1, até °mais baixo, O. Como mostra a Tabela 4.3, ba
seada em dados de 1994, a maior ia dos países comumente conside rados como
extremamente desenvolvidos e industrializados tem índices mais aitos qu e
0,9. Os índices da maior parte do s países em desenvolvimento ficam entre0,8 e 0,9, porém quatro países têm índices muitQ mais baixos: o mais baixo
de todos é o da Índia (0,446), seguindo-se, em ord em crescente, Papua-Nova
Guiné, Botsuana e Jamaica.
A maior diÍerença entre os 36 países é, obviamente, o tamanho das suas
populações. A Tabela 4.3 destaca essas diferenças, relacionando os países em
cada uma das três categorias de graus de pluralismo, em ordem decrescente de
tamanho. A Índia de longe é o maior país, com uma população próxima a um
bilhão de habitantes. De acordo co m os dados do Banco Mundial, publicados
em 1995, a população da Índia era maior do que as populações dos outros 35
países juntos. Uma outra mane ira de salientar essas enormes diferenças é cal
cular o crescimento semanal da população da Índia dentro do seu crescimento
anual, que é de cerca de 18 milhões de pessoas. O crescimento populacional
por semana é de aproximadamente 35 0 mil habitantes, mais do que a popula
ção total de três das 36 democracia s: Bahamas, Barbados e Islândia.
As variáveis acima são importantes, nesta análise comparativa, porque é
possível supor que elas tenham influência sobre a forma de democracia ado
tada em diferentes países, como também sobre o desempenho democrático
dos mesmos. Por exemplo, sugeri, em capíml os anteriores, que a democracia
8 o
-NOUElOS DE-DEMOCRACIA
- -
de consenso é e s p _ e c i a l m e n ~ e adequada para as sociedades plurais, enquanto
o federalismo tem maissentidonQs:países maiores que nos menores. Além
disso, é provável que o ~ í v e l de desenvolvimentõ enha efeito no desempe
nho macroeconômico dos governos. Essas relações são detalhadas nos capítulos 14 e 15.
As três variáveis têm apenas uma frágil relação entre si. É lógico suporque os países maiores sejam mais heterogêneos que os menores (Dahl e Tufte,
1973: 13-14). Na verdade, o tamanho da população (registrada) e o grau de
pluralismo nas nossas 36 democracias são positivamente relacionados, mas
o coeficiente de correlação é um simples 0,26, significativo estatisticamente
apenas no nível de 10 por cento. As sociedades plurais tendem a ser menos
desenvolvidas (r = -0,24, significativo no nível de 10 po r cento), mas essa
relação é em grande parte causada pelos dois casos da Índia e de Papua-Nova
Guiné. Países maiores são, de algum modo, menos desenvolvidos que os
menores (r = -0,10), mas a relação é muito frágil e não é significat iva esta
tisticamente. Finalmente,a duração da experiência democrática contínua en
tre 1945 e 1996 (medid a por década, como indicado na Tabela 4.1) está muitofortemente relacionada ao desenvolvimento - as democracias mais antigas
são também os países mais ricos (r = 0,57, significativo no nível de 1 por
cento), mas não existe relação significativa nem com o tamanho da população, nem co m o grau de pluralismo.
81
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1
\
A primeira das dez variáveis que caracterizam o contraste majoritário
consensual, apresentado no capítulo 1, era a diferença entre os governos
unipartidários de maioria e as amplas coalizões multipartidárias. Essa pri
meira diferença também pode ser vista como a mais típica e importante en
tre os dois modelos de democracia, porque resume o contraste entre a
concentração de poder, por um lado, e a distribuição de poder, po r outro.
Além disso, a análise fa toria l apresentada no capítulo 14 mostra que ela se
relaciona com o "fator" que representa a primeira dimensão (executivos
partidos) mais fortemente do que qualquer das outras quatro variáv eis per
tencentes a essa dimensão. Por isso, faz sentido dedicar este capítulo - o
primeiro de nove que irão discutir as dez variáveis básicas1 - a essa primeira
e mais típica variável.
Entretanto, por motivos de ordem prática, será necessário discutir os
sistemas panidário s em primeiro lugar. A cbssiíicação dos gabinetes - ga
binetes unipartidários uersus gabinetes multipartidários de coalizClO; gzbi
netes de maioria mínima versus gabinetes de minoria, e gabinetes que contêm
em seu interior partidos "desnecessários" - depende, em granJe parte, de
como são definidos os partidos políticos, c o número deles, nos sistemas
partidários. Por isso, esses problemas de definição precisam ser soluciona
dos antes de se apresentar propriamente a questão dos tipos de gabinetes.
Devemos notar, entretanto, que o tipo de sistema partidár io também é um
forte componente da dimensão executivos-partidos. Para dar uma yisão
prévia da análise fatorial do capítulo 14 mais uma vez, a variável do siste
ma partidário relaciona -se com o primeiro "fator" quase tão fortemente
'Duas dessas variáveis - a da rigidez constitucional e a da re\lsão judicial- seráo discutidas
no capítulo 12.
8 5
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AREND l l JPHART
quant;o tipo de gabinete, e mais fortemente do que as três v a r ~ á v e i s rema-
nescentes.2_
- Os sistemas bipartidários caracterizam o modelo majoritário de demo-
cracia, enquanto os multi parti dário s, o modelo consensual. A liter atur a tra
dicional sobre os sistemas part idár ios é firmemente majoritária, favorecendo
de maneira enfática o sistema bipa rtidário . Afirma-se que os sistemas bipar
tidários têm vantagens, tanto diretas quanto indiretas, sobre os multi
partidários. O primeiro benefício direto é que eles oferecem aos eleitores
uma clara escolha entre dois conjuntos alternativos de diretrizes públicas. O
segundo é que a sua influência é moderadora, uma vez que os dois partidos
precisam competir pelos eleitores indecisos, que se acham no centro d ~ es
pectro político, e por isso precisam defender diretrizes moderadas e centns:as.
Esse mecanismo é especialmente forte quando um grande número de elelto
res se encontra no centro político, mas sua lógica continua a operar mesmo
quando as opiniões ficam mais polarizadas: nas duas extremidades do espec
tro, os partidos irão perder alguns de seus adeptos, que decidirão abster-seem vez de votar a favor de algo que, para eles, constitui um programa dema
siadamente moderado. Mas um voto ganho no centro, tomado ao outro
partido, ainda vale duas vezes mais do que um voto perdido por abstenção.
As duas posições são plausíveis - mas também contraditórias. Se ambos os
programas dos partidos estiverem próximos do centro político, serão muito
semelhantes entre si e, em vez de oferecerem uma significativa "escolh a" para
os eleitores, o mais provável é que façam eco, um para o outro, das suas
convicções.3
Além disso, afirma-se que os sistemas bipartidários têm um a impor-
tante vantagem indireta: eles são necessários para a formação dos gabi
netes unipartidários, que serão estáveis e eficazes administrações. Por
exemplo, A. Lawrence Lowell (1896: 70, 73-74), um dos primeiros cien-
2EmAs democracias contemporâneas, os sistemas partidários realmente aparecem c o m ~ o ele
mento mais forte do primeiro "fator", e o tipo de gabinete fica em segundo plano (Lllphart,
1984: 214). _'Os teóricos do sistema bipartidário, em sua maioria, não fazem ambas as afirmaçoescompe-
titivas simultaneamente. A vantagem da moderação partidária é geralmente defendida pela.
escola de pensamento americana, enquanto a afirmação da escolha definida reflete a escola
bipartidária britânica.
8 6
MODELOS DE DEMOCRACIA
tistas políticos modernos, escreveu que a legislatura deve conter "dois, e
apenas dois partidos", ( .. ) a fim de que a forma parlamentar de governo
possa produzir permanentemente bons resultados". Ele chamava de "axio
ma político" o fato de os gabinetes de coalizão serem frágeis e de vida
curta, comparados com os gabinetes uniparti dários: «quanto maior o
número de grupos divergentes, formando a maioria, mais difícil será atarefa de satisfazê-los a todos, e mais fraca e instável será a posição do
gabinete".
Nos próximos dois capítulos confirmarei a hipóte se de Lowell, relacio
nando sistemas partidários a tipos de gabinetes, e seu "axioma" de que os
gabinetes uni partidários de maioria são mais duradouros e predominantes
do que os de coalizão. A preferência dos defensores do modelo majoritário
pelos sistemas bipartidários, assim, está clara e logicamente ligada à sua pre
ferência pe los gabine tes uni partidários poderosos e predominante s. Além dis-
so, no capítulo 8, mostrarei urna forte ligação entre os sistemas partidários e
os sistemas eleitorais, o que explica ainda mais a sólida preferência dos advogados do _modelo majoritário pelo sistema de maioria simples, em lugar da
representação proporcional, por causa de sua inclinação pelos pa rtidos maio
res e sua contribuição para o estabelecimento e a manutenção dos sistemas
bipartidários. Entretanto, o fato de essa síndrome das características majori
tárias realmente traduzir-se, ou não, por um processo decisório mais capal e
eficaz do que se u correspondente consensual é totJ.lmente um outro assun
to. Lowell afirma , simplesmente, que a força conc entr ada significa uma efe
tiva capa cidade de tomar decisões. No capítulo 15 demonstrarei que essa
certeza é, em grande parte, incorreta.
Neste capítulo, abordo primeiramente a questão de como se deve con
tar o número de partidos nos sistemas partid::írios, e argumento que o "nú
mero efetivo dos partidos parlamentares" é a n ~ d h o r medida. Tento também
resolver o problema de como tratar os partidos bccionados, e também os
partidos que formam sólidas alianças: devem eles ser tratados como um
partido só, ou como mais de um? Em seguida, sJ.o apresentado s e discuti
dos os números efetivos médios dos partidos parlame ntares, nas nossas trinta
e seis democracias. Esses números exibem uma ampla escala - desde mui-
8 7
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AREND -t fJPHART
to abaixo de dois até quase seÍs p a r t i d o s . F i n a l ~ e n t e , os números dos par
tidos são relacionados aos n ú m e r ~ s e tiposdedLmensões temáticas que os
dividem.
o NÚMERO EFETIVO DE PARTIDOS
Os casos de sistemas bipartidários puros, compostos de "dois partidos, e
apenas dois" - segundo as palavras de Lowell citadas acima -, são extre
mamente raros. No capítulo 2, os sistemas partidários da Grã-Bretanha, Nova
Zelândia e Barbados foram também descritos como bipartidários, a despeito
da presença usual, na legislatura, de um ou mais partidos, menores. Será esta
uma descrição correta, ou deveríamos modificá-la de alguma forma? Essa
questão aponta para o mais importante problema na determinação do nú
mero de partidos em um sistema: se devemos contar ou não os partidos
menores e, em caso negativa, que tamanho deve ter um partido para ser in
cluído na contagem.Uma solução bastante difundida foi a proposta po r Giovanni Sartori
(1976: 122-23). Sugere ele, antes de tudo, que os partidos que não conse
guem obter cadeiras no Parlamento sejam descartados. Qu e a força relati
va dos demais partidos seja calculada pelo número de cadeiras no Parlamento,
e que nem todos os partidos, sem se considerar seu tama!1ho, podem ser
contados mas aue não se pode estabelecer um limite arbitrário de, diga-, "
mos,5 ou 10 por cento, acima do qual os partidos sejam contados, e abai-
xo do qual devam ser ignorados. -Esses pressupostos preliminares não
admitem exceções. ~ 1 a i s controvertidas são as "regras de contagem" que
ele apresenta. Argumenta que só os partidos "re1eV2'1tes" quanto ao seupotencial de "coalizão" ou de "chantagem" devem ser relacionados como
componentes do sistema partidário. Um partido tem potencial de coalizão
quando já participou de coalizões governamentais (ou, é claro, de gover
nos unipartidários) ou quando os principais partidos o consideram um par
ceiro em potencial para um a coalizão. Partidos ideologicamente inaceitáveis
a todos, ou à maior parte dos parceiros da coalizão e que, po r isso, não são
vistos como aliados em potencial, assim mesmo deve m ser contados, se fo
rem suficientemente grandes. Exemplos disso são os fortes partidos comu-
8 e
I!!-
MODELOS Dl' D E ~ O C R A C I A
cRistas da Fran-ça e da Itália até a década de 1970. Esta é a "regra subsidiária
de contagem, baseada no poder de intimidação ou, mãis exatamente, no
poténcial de chantagem dos partidos de orientação oposicionista", proposta
po r Sartori.4
Os critérios de Sartori são muito úteis para se distinguir entre os par
tidos significativos para o sistema políti.co e os que só desempenhamU!'1
papel menor. A seção sobre a questão das dimensões do conflito partidá
rio, mais adiante neste mesmo capítulo, os emprega com esse propósito.
Mas esses mesmos critérios não se aplicam bem à contagem do número
de partidos num sistema partidário. Em primeiro lugar, embora os critérios
de Sartori se baseiem em duas variáveis - o tamanho e a compatibilidade
ideológica-, o tamanho é o fator crucial. Só os partidos suficientemente
grandes podem ter o potencial de persuasão, mas este mesmo tamanho
também constitui o principal determinante do potencial de coalizão: par
tidos muito pequenos, com apenas algumas cadeiras no Legislativo, po-
dem se r totalmente moderados e, por isso, são ideologicamente aceitáveis
para a maioria dos outros partidos. Mas dificilmente terão potencial de
coalizão, po r não terem "peso" suficiente para contribuir com um gabi
nete. Por esse motivo, os partidos a serem contados, sejam eles ideologi
camente compatíveis ou não, são, em especial, os maiores. Em segundo
lugar, embora o tamanho seja uma questão de muita proeminência no
pensamento de Sartori, ele não usa esse fator para novas distinções entre
os partidos de relevância: por exempio, tanto o Partido Democrata Cris
tão, que dominou a política italiana até a década de 1990, quanto seu
freqüente - porém muito pequeno - parceiro de coalizão, o Republica
no, que jamais obteve mais de 5 por cento das cadeiras da câmara baixa,
são contados de maneira igual.
'Sanori (1976: 123) mostra-se demasiadamente crítico sobre seu critério de potencial de
coalizão, quando afirma ser ele meramente "pós-ditivo", uma vez que "os partidos que têmum potencial de coaiizão coincidem, na prática, com os partidos que de fato participaram,alguma vez, de coalizões governamentais". Por exemplo, imediatamente após o primeiro su-
cesso eleitoral do Partido Democrata '66, da Holanda, no ano de 1967, ele foi amplamenteconsiderado como um possível parceiro de coalizão, embora na verdade náo participasse de
nenhum gabinete até 1973.
8 9
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AREND l l JPHART
TABELA 5.1 ClASSIFICAÇÃO DOS SISTEMAS PARTIDÁRIOS BASEADA NO NÚMERO
E NOS TAMANHOS RElATIVOS DOS PARTIDOS POLíTICOS
Exemplos hipotéticos de
Sistemas partidários cotas de cadeiras
Sistema bipartidário 55-45
Sistema de dois partidos e meio 45-40-15
Sistema multi partidário
com um partido dominante 45-20-15-10-10
Sistema multipartidário sem
um partido dominante 25-25-25-15-10
Fonte: Adaptado de Blondel, 1968: 184-87
Número efetivo
de partidos
2, 0
2,6
3,5
4,5
Para remediar esse defeito, Jean Blondel (1968: 184-87) propõe uma classifi
cação de sistemas par tidários que leva em consideraÇ<1o tanto seu número quanto
seus tamanhos relativos. Suas quatro categorias são mostradas na Tabela 5.1.Os sistemas bipartidários são dominados por dois grandes partidos, embora
possa haver alguns outro s partidos pequenos no Parlamento. Os exemplos de
Blondel incluem os nossos protótipos britânicos e neozeJandeses. Se houver,
além dos dois grandes partidos, um consideravelmente menor, porém com
potencial de coalizão, e que desempenhe um papel político significativo - tal
como o Part ido Liberal, da Alemanha e de Luxemburgo, o Partido Trabalhista
Irlandês e o Partido Novos Democratas, do C a n a d ~ l -, Blondel chama a isto
um sistema "de dois partidos e meio". Sistemas significativos com mais de dois
partidos e meio são sistemas multipartidários, e estes podem ser ain da subdivi
didos em sistemas multi partidários com um partido dominante, e Sf'm o mes
mo. Exemplos do primeiro são a Itália anterior a 1990, com seu partido
dominante, o Democrata Cristão, e os três países escandinavos com seus fortes partidos socialistas. Instâncias representativas de sistemas partidários sem
um parti do domi nante são a Suíça, a Holanda e a Finlândia.
Os conceitos de partido "dominante" e de "meio" partido são de extre
ma utilidade para que se destaque, respectivamente, a posição relativamente
forte e a relativamente fraca de um partido, comparado aos outros partidos
importantes do sistema. Mas é óbvio que eles são vagos. Precisamos de um
índice que nos informe exatamente quantos partidos existem em determina
do sistema partidário, tomando seus tamanhos relativos em consideração.
9 O
~ - M Ó o D E l O S D E DEMOCRAC IA
Esse Índice foi desénvolvido por Markku Laakso e Rein-Taagepera (1979), e
é agora amplamente €inpregadO p - e l o ~ corríparativi:.tas da ciência política: o
número efetivo de-partidos. Esse nÚIIlero eNTé calculado da s e g u i n t e m a n e i ~ a :
1N=-
2: s?
onde Si é a proporção de c a d e i ~ a s do partido i.5
Pode-se perceber facilmente que, nu m sistema bipartidário com dois
partidos igualmente fortes, o número efetivo de partidos é exatamente 2,0.
Se um partido for consideravelmente mais fort e qu e o outro, com, por exem
plo, uma porcentagem respectiva de cadeiras na ordem de 70 e 30 por cen
to, o número efetivo de partidos é de 1,7 - de acordo com nossa avaliação
intuitiva de que estamos nos afastando de um sistema bipartidário puro em
direção a um sistema unipartidário. Da mesma forma, com três partidos exa
tamente iguais, a fórmula do número efetivo produz um valor de 3,0. Se umdesses partidos for mais fraco que os outros dois, o núme ro efetivo de parti
dos será algo entre 2,0 e 3,0, a depender da força relativa do terceiro par
tido. No exemplo hipotético do sistema de dois partidos e meio, da Tabela
5.1 - com três partidos tendo 45,40 e 15 por cento das cadeiras do Parla
mento -, o número efetivo de partidos será de fato muito próximo a dois emeio, precisamente 2,6.
Em todos os casos em que todos os partidos são exatamente iguais, o nú
mero efetivo será o mesmo que a conta numérica aproximada. Quando os
partidos não são iguais em forç:.-, o número efetivo será mais baixo que o nú-
SÉ também possível calcular o número efetivo de partidos com base em seu percentual de votos, em lugar do percentual de cadeiras, porém eu uso, de i úrm a coerer.:e, a cota de cadeirasporque o foco central deste estudo está na força e n os modelo s dos partidos no Parlamento, ~ nos seus efeitos sobre a iorma,;ão dos gabinetes. O número efetivo de partidos (N) traz a mesmainfo rmaçã o que o índice de fragmentação (F) de Douglas W Rae e Michael Taylor (1970: 22-44), e poàe ser facilmente cliculado a partir de F, como a seguir:
N=_ l_
l-F
A v a n t a g e ~ . d e N é que ele pode ser visualizado mais facilmente como o número de partidosdo que o abstrato índice de fragmentação de Rae-Taylor.
9 i
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AREND l IJPrrART
mero reaL Isto também pode ser visto na Tabela 5:1. Os dois exemplos hipo
t ~ t i c o s d e ~ i s t e m a s multipartidários contêm, cada um deles, c inco partidos.
Quando há um partido d ~ m i n a n t e , o número efetivo de partidos é de apenas
3,5. Sem um partido dominante, a cota de cadeiras é mais igualitária e o nú
mero efetivO aumenta para 4,5, próximo ao número aproximado de partidos
no qual todos são contados, sem levar-se em consideração o seu tamanho.
PARTIDOS ESTREITAMENTE ALIADOS
o problema de como contar partidos de tamanhos varia dos é resolvido com
o emprego da medida do núme ro efetivo. Entretanto, essa medida não solu
ciona a questão de saber em qu e consiste um partido político. O pressuposto
comum na ciência política é de que as organizações que se podem denomi
na r de "partidos políticos" constituem, de fato, partidos políticos. Esse pres
suposto se aplica bem à maioria dos partidos, na maioria dos países, porém
se mostra problemático em duas situações: existem partidos tão estreitamentecombinados qu e mais parecem constituir um único partido, e não dois, e,
inversamente, partidos de tal modo faccionados internamente que aparen
ta m mais serem dois ou mais partidos do que um só. O primeiro problema é
menos difícil de resolver que o último.Vamos no s concentrar primeiro na
questão relativamente mais fácil.Os casos em referência incluem os seguintes partidos, estreitamente
aliados e em número de cinco: a União Democrática Crist:l (CDU) e a União
Social Cristã (CSU) na Alemanhà, os Partidos Liberal e Nacional na Aus
trália, e, na Bélgica, os dois Partidos Democratas Cristãos, que resultaram
de uma divisão devida a fronteiras lingüísticas em 1968; os dois PartidosLiberais, divididos de forma semelhante desde 1971; e os dois Partidos So
cialistas, desde 1978. Particularmente, os dois partidos alemães e os dois
australianos são freqüentemente tratados como se fossem um só partido.
Por exemplo, Blonde! (1968: 185) considem qu e os liberais e os nacionais
formem um único partido, quando qualifica o sistema partidário australia
no como bipartidário, em lugar de um sistema de dois partidos e meio, e
trata o CD U e o CSU como um só partido, ao denominar o sistema alemão
de dois partidos e meio, em lugar de sistema partidário de dois partidos e
92
MODELOS DE DEMOCRACIA
duas metades. Outro exemplo é a afirmação de M a n f r ~ d G. Schmidt (1996:
95) de que os três "principais partidos estabelecidos" na Alemanha são o
CDU-CSU, o SPD (socialistas) e os liberais."
Quatro critérios podem ser aplicados para decidir se os partidos estreita
mente aliados - com nomes diferen tes e diversa organização interna - são
na realidade dois partidos ou, mais propriamente, um partido só. Primeiro
critério: normalmente, os partidos políticos competem entre si para obter osvotos nas eleições. Será que os cinco pares problemáticos de partidos agem
dessa forma? O CDU e o CSU não entram em competição para obter votos,
porque atuam em diferentes partes do país: o CSU age na Baviera e o CDU, no
resto da Alemanha. Tampouco o fazem os três pares de partidos da Bélgica,
porque competem por votos em Flandres ou na Valônia, e entre falantes de
francês ou de flamengo, em Bruxelas. Nas eleições uninominais australianas, o
modelo é misto: liberais e naci onais nürmal mente não ameaçam o represen
tante titular do outro partido, porém podem, cada um deles, indicar um can
didato nos distritos de ma ioria trabalhi sta e em distritos sem um titular.
O segundo critério gi ra em torno do grau de cooperação entre os partidose o Parlamento e, particularmente, da possibilidade d ~ ambos fürmarem um
único grupo partidário parlamentar, e também se os partidos fazem conven
ções em conjunto. Só o CD U e o CSU fazem isso. Terceiro critério: compor
tam-se os partidos como se fossem separados na formaç:lo do gabinete? Es tão
juntos quer no gabinete, quer na oposição, ou é possível que um esteja no ga
binete e o outro na oposição? A este respeito, cada um dos cinco pares :tma
estritamente como um partido único. O exemplo australiano é particulanw:n
te notável porque, embora os liberais tenham obtido nítida maioria de cadei
ras nas eleições de 1975,1977 e 1996, podendo assim ter governado sozinhos ,
incluíram membros dos nacionais em todos os três gabinetes que formaram.
O quarto critério é o tempo: só faz sentido contar os partidos estreita
mente aliados como um só se a e strei ta colaboração en tre eles já existe desde
longa data. Tanto a duração quanto o grau de proximidade distinguem os
cinco pares de partidos mencionados acima de outros exemplos de alianças
eleitorais, que r epresentam apenas "casamentos de conyeniência". Sistemas
eleitorais com eleições uninominais dão aos pequenos e médios partidos um
forte incentivo para compor tais alianças, porém estas tendem a ser ad hoc,
temporárias e substituíveis. Temos como exemplos a Fr;lnça, a Índia e a Repú-
9 3
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AREND L lJPHART
blica de Maurício.6 Também ocorrem alianças eleitorais em sistemas de re- c
presentação proporcional tais como, em Portugal, a Aliança Democrática, "
composta de três partidos, que apresenfou uma lista única de candidatDs' e
saiu-se muito bem nas eleições de 1979 e de 1980, mas que, a partir de 1983 ,
retornou à condição de partidos mutuamente competitivos. Também na Itá
lia, após a mudança para um sistema menos proporcional, em 1994, gruposcomo a Aliança Pólo pela Liberdade e a Aliança A Oliveira têm sido, como
mostram os seus nomes, meras alianças entre partidos, e não partidos, pro-
priamente.
Infelizmente, os quatro critérios não fornecem uma resposta inequívoca
à questão de como os cinco problemáticos pares de partidos na Austrália,
Bélgica e Alemanha devam ser considerados. Estão todos eles, genuinamen
te, em alguma região entre dois partidos e um só partido. Por isso, em vez de
optar arbitrariamente entre a solução de um partido ou de dois - ou sim
plesmente tirar a sorte .. -, proponho aqui dividir a diferença: calculam-se
dois números efetivos de partidos, baseando-se primeiro no pressuposto dos
dois partidos, e depois no de um partido, obtendo-se a média desses dois
números. Isco quer dizer que cada par combinado de partidos é contado como
um partido e meio. Como qualquer solução de compromisso, pode não re
presentar a alternativa mais elegante, porém reflete a realidade desses atores
partidários, melhor do que as duas opções mais extremadas.
PARTIDOS FACCIONADOS
Quero propor uma solução semelhante p3ra os partidos e)..'tremamente faccio
nados: os Partidos Liberal e Conservador, da Colômbia, o Partido do Congresso
'Como o sistema alternatiyo da Austrália, o si stema eleitoral francês em dois turnos na rea
lidade encoraja os partidos a não se fundirem, mas. sim a realizarem alianças eom partidos
de mcnt31idadc semelhante (ver capítulo 8). EntretantO, diversamente da Aiiança Liberal
Nacional australiana, as Alianças Socialista-Comunista e Gaullista-Republicana, da França,
não conseguem corresponder aos critérios para os partidos estreitamente aliados. Os moti
vos para isso são que os gabinetes socialistas normalmente não incluíram os comunistas, e
os gaullistas e os republicanos confrontaram-se ferozmente nas eleições presidenciais. Isso
só não aconteceu em 1995, quando houve dois candidatos gaullistas, porém nenhum repu-
blicano.
9 4
MODELOS DE .9EMOCRACIA
. Indiano, o Democrata Cristão da Itália, o Particio Liberal D e ~ o c r á t i c o , do Ja
pãa;-e o · P a r t ~ d o Democrata, dos Estados U n ~ d o s . Estes não são os únicos parti
dos, nas democracias'nrodernas, que carecem de perfeita coesão - de fato,
constitui um erro genérico considerar os partidos como "atores unitá rios" (Laver
e Schofield, 1990: 14-28) -, porém são os casos mais extremos, levando os
analistas a concluir que as facções partidárias se assemelham muito a partidos
separados. Por exemplo, especialistas do Japão consideram geralmente as fac
ções do Partido Liberal Democrata como "partidos dentro do partido" (Reed e
Bolland, 1999). Junichiro Wada (1996: 28) escreve que os liberais democratas
"não são um partido único, mas sim uma coalizão de facções". E Raymond D.
Gastil (1991: 25) oportunamente destaca que o "verdadeiro" sistema partidário
do Japão é o sistema faccional no interior do Partido Liberal Democra ta. Sobre
os democratas cristãos, da Itália, John B. Goodman (1991: 341) declara que são
"mais uma coleção de facções do que um partido unificado".
John A. Peder (1985: 102) descreve os dois grandes partidos colombia
nos como "dominados po r facções", e declara que "para a maior parte dos
propósitos as facções, e não os partidos, representam os verdadeiros atorespolíticos". De forma semelhante, Jonathan Hartlyn (1989: 321) conclui que
o "faccionalismo partidário" faz com que o sistema de partidos colombiano
"pareça mais um sistema multipartidário" do que um bipartidário. Paul R.
Brass (1990: 97) argumenta ser mais preciso falar-se do "sistema faccional"
indiano do que do sistema partidário daquele país. E Klaus von Beyme (1985:
229) afirma que o Congresso dos Estados Unidos "jam3is teve um sistema
bipartidário, e [que] todos os estudos existentes admitem um sistema tetra
partidário ou, no mínimo, tripartidário. Principalmente os democratas, que
agem, de modo geral, como se constituíssem dois partidos no Congresso: os
conservadores do Sul e os liberais do Norte".
Esses tipos de facções fortes intrapartidárias tendem t3mbém a atuar muito
como partidos políticos, du rante a formação de gabinetes e nos gabinetes de
coalizão. Como foi mencionado anteriormente, os gabinetes de coalizão
costumam ser menos duradouros do que os monopartidários. Se as facções
se comportam como partidos, poderíamos também supor que os gabinetes
compostos por partidos faccionados durassem menos que os compostos por
partidos mais coesos. Em um estudo comparativo sobre oito países, James
N. Druckman (1996) constatou que, na verdade, era isso o que se passava.
9 5
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, ~
A R E N D li P H AR-T
-O grande desafio para se encontrar uma solução de compromisso para
. a contagem dos partidos faccionados é que os dois númerõs a serem acor- ..
dados não são óbvios de irnediato: num extremo, está a alternativa de um
partido, mas qual é o número dos partidos no outro extremo? Na Itália e
no Japão, onde as facções intrapartidárias mais se têm mostrado distintas e
.identificáveis, o número de facções tem sido bastante elevado: se essas facções forem contadas como partidos, medidos nos termos do número efeti
vo de partidos discutido há pouco, tanto os democratas cristãos quanto os
liberais democratas teriam de se conta r como cinco a seis partidos (basean
do-se em dados de Leonardi e Wertman, 1989: 114-15; Baerwald, 1986:
27). Isto é evidentemente excessivo, uma vez que tornaria os sistemas par
tidários desses dois países, em geral, os mais extremos do mundo. A minha
proposta para a alternativa, na extremidade multipartidária, é muito mais
modesta: trata-se de considerar cada partido faccionado como dois parti
dos de igual tamanho. O resultado, então, obtém-se pela média do número
efetivo de partidos, b2.seada na hipótese de um partido, e o número efetivo
baseado na hipótese de dois partidos iguais.O resultado é que os partidos faccionados são contados como um parti
do e meio - exatamente a mesma solução que propus para os partidos de
estreita aliança. É claro que a minha solução para os partidos faccionados é
tanto uma aproximação grosso modo como também não é convencional- e
por isso será, provavelmente, mais controvertida. Entretanto, principalmen
te pelo fato de este livro focalizar o grau de multipartidarismo como um dos
elementos da conc entração versus fragmentação de poder, é absolutamente
necessário que uma severa fragmentação intrapartidária seja tomada em con
sideração. t1inha única dúvida não é se um ajuste será ne cessár io e justifica
do, mas, sim, se o ajuste proposto é suficientemente substanciaF
7A questão de saber se partidos de estretca ~ \ i a n ç a e partidos faccionados são contados como
um partido e meio ou, de maneira mais convencional, como dois e um partido, respectiva
mente, também afeta a classificação dos gabinetes (gabinetes de um partido versus gabinetes
de coalizão, e vitórias mínimas versus outros tipos de gabinetes) e afeta também o cákulo da
desproporcionalidade eleitoral. Para os leitores que preferem a definição convencional dospartidos, a qual aceita a própria definição que os partidos dão de " p a r t i d o s ~ . o Apêndice Bfornece os valores baseados nesta definição alternativa para as três variáveis no período de
1945-96, como também no período de 1971-96.
9 6
MODELOS DE D E MO C R A C I A
OS SISTEMAS PARTIDÁRIOS DAS 36 DEMOCRACIAS
A Tabela 5.2 mostra os números efêtivos de partidos em 36 democracias
baseados na composição partidária da câmara baixa (geralmente a mais im
portante) das legislaturas bicamerais, ou na câmara única das legislaturas
unicamerais,B com a média de todas as eleições entre 1945 e meados de1996. Eles são relacionados na orde m decre scen te dos números efetivos -
de partidos. A faixa é muito ampla: vai de um alto nível de 5,98 partidos,
em Papua-Nova Guiné, a um nível baixo, de 1,35 partido, em Botsuana. A
média, para as trinta e seis democracias, é de 3,16, e o número mediano,de 3,12 partidos.
Próximo ao final da lista, como era de se esperar , encontramos tambémnossos casos prototípicos do Reino Unido, Nova Zelâ ndia e Barbados. A mé
dia de 2,11 partidos na Câmara dos Comuns da Grã-Bretanha reflete os nume
rosos pequenos partidos nesse sistema, que ainda é basicamente biparndário.
Na Nova Zelândia e em Barbados, onde tem havido um pequeno número de
terceiros partidos, e a cota de cadeiras do partido vence dor demonstrou ten
dência :1_ ser relativamente alta, os membros efetivos médios ficam abaixo de
2,00. O mesmo se aplica às outras três democracias da Commonwealth no
Caribe - Jamaica, Trinidad e Bahamas -, a Malta, e principalmente a
'O número efetivo de partidos é baseado nos partiJos da legislatura quando esta pela primeira
vez se reúne após uma eleição. Na m2ioria dos casos, 1130 existe diferença entre 25 cadeiras
ganhas pelos partidos numa eleição e as cadeiras que ek s ocupam na legislatura. Entretanto,
virias mudanças menores ocorreram em três países. No J3pão, desde a década de 1950, di\·cr-50S candidatos independentes bcm-sucçdidos jun:aram-se aos Liberais Democratas "PÓS a sua
eleição. Passagens semelhantes de um status independente para a participação como membro
nos partidos parlamentares, e entre partidos, verif icam-se com muita intensidade após as eleições em Papua-Nova Guiné. Na câmara baixa de Botsu:lna, quatro legisl3dores eleitos "espe cialmente" são cooptados pelos que foram eleites pelo voto popular. Isto fez aumentar de
quatro cadeiras as maiorias legislativas do partido Botswana Democratic, do governo (Holm,1989: 197), e tarnbém diminuiu um pouco, necessariamente, o número efetivo de partidos,
de 1,39 para 1,35. Duas outras questões menores: (1) As duas instâncias de eleiçães boicot a
das po r um partido importante- em Trinidad em 1971 e na Jamaica em 1983 - resultaram
na eleição de legislaturas monopartidárias. Nã o considerei esses resultados eleitorais por se
rem perfeitamente atípicos. (2) Todos os membros independentes das legislaturas foram con
tados como partidos mínimos, compostos de um só membro - o que significa, é claro, que
são praticamente ignorados no cálculo do número efetivo de partidos, que avalia o peso destes últimos por sua participação nas cadeiras.
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Botsuana,-onde o partido governante tem sido, numericamente, dominante
ao máximo. Na outra p_onta da série, aSuíça_estã-quáse n() topo. A Bélgica
fica apenas com o oitavo nívefmais alto do- multipartidarismo, no -período
total. Entretanto, nas seis eleições desde 1978, depois que todos os princi
pais partidos se fracionaram, segundo diferenças lingüísticas, o número efe
tivo médio era de 5,82 partidos -ligeiramente mais baixo que o númeroem Papua- Nova Guiné. 9
A Tabela 5.2 também indica a escaia de varia ção no interior de cada uma
das 36 democracias, mostrando os números efet ivos mais baixos e mais altos
em todas as suas eleições (cujo número é dado na última coluna). Em Malta,
o s istema bipartidário puro, composto de dois - e apenas dois - partidos
parlamentares, extremamente equivalentes, mostra a menor variação: entre
1,97 e 2,00, ao longo de seis eleições. Indiscutivelmente a maior variação
pode ser vista nas quatro eleições em Papua-Nova Guiné: a tendência origi
nal parecia ser no sentido da consolidação do sistema partidário, quando o
número efetivo de partidos decresceu de 4,46, na primeira eleição após aindependência, no ano de 1977, para 2,69 na segunda eleição, em 1982.
Porém essa tendência foi invertida em 1987 e 1992, quando os números
pularam para 5,95 e 10,83 - o último dos quais, principalmente, refletindo
um grande número de pequenos panidos, muitos deles independentes na le
gislatura.
'Estes números refletem o ajuste de '"um partido e meio", discutido acima. No período a partir de 1Y45, o número ajustado de partidos é 4,32 (ver Tabela 5.2), entre os dois números não
ajustados 3,59 e 5,05. No caso da Bélgica, o ajuste tem um impacto considerável porque en
volve de três a seis entidades partidárias. O impacto do ajust'· é menor no c"so da Austrália eda Alemanha. Considerando o CDU-CSU como um único partido, resulta o número efetivo
de 2,64 partidos; considerandc o CDU e o CSU como partidos independentes, resultam 3,23partidos. A média relatada na tabela é de 2,93 partidos. Na Austrália, considerando liberais enacionais como um único partido, resulta 1,94 partido, e considerando-os como partidos in
dependentes, 2,5 O próximo de um ajuste puro de dois partidos e dois partidos e meio res
pectivamente-, om o número ajustado de 2,22 partidos representando algo como um sistema
partidário de dois partidos e um quarto. O ajuste para partidos faccionalizados tem grandeimpacto no sistema partidário colombiano, porque afeta os dois partidos mais importantes. Otratamento convencional resulta em 2,22 partidos em comparação com o número aiustado de
3,32. Os números para a Índia são de 3,34 e 4,11, respectivamente; para a Itália, 4,16 e 4,91;para o Japão, 3,08 e 3,71; e para os Estados Unidos, 1,93 e 2,40.
9 8
"i. TABELA 5.2 MÉDIA. NÚMERO EFETIVO MAIS BAIXO E MAIS ELEVADO DE PARTIDOS
P A R L A M E ~ T A R E S RESULTANTES DAS ELEiÇÕES EM 36 DEMOCRACIAS, E O NÚMERO
DE ELEIÇOES EM QUE SE BASEIAM ESSAS MÉDIAS. NO PERíODO DE 1945 A 1996
Média ~ f a i s baixo Mais alto N ° de eleições
Papua-Nova Guiné 5,98 2,69 10,83 4Suíça 5,24 4,71 6,70 13Finlândia 5,03
4,54 5,58 15Itália 4,91 . 3,76 6,97 14Holanda 4,65 3,49 6,42 15Israel 4,55 3,12 5,96 14Dinamarca 4,51 3,50 6,86 21Bélgica 4,32 2,45 6,SI 17Índia 4,11 2,51 6,53 6Islândia 3,72 3,20 5,34 16Japão 3,71 2,58 5,76 19França 3,43 2,49 4,52 10Venezuela 3,38 2,42 4,88 8Luxemburgo 3,36 2,68 4,05 11Noruega 3,35 2,67 4,23 13Portugal 3,33 2,23 4,26 8Suécia 3,33
2,87 4,19 16Colômbia 3,32 2,98 4,84 14Alemanha 2,93 2,48 4,33 13Irlanda 2,84 2,38 3,63 15Espanha 2,76 2,34 3,02 7Maurício 2,71 2,07 3,48 6Áustria 2,48 2,09 3,73 16Costa Rica 2,41 1,96 3,21 11Estados Unidos 2,40 2,20 2,44 25Canadá 2,37 1,54 2,86 16Austrália 2,22 2,03 2,30 21Grécia 2,20 1,72 2,40 8Reino Unido 2,11 1,99 2,27 141\·1alta 1,99 1,97 2,00 6Nova Zelândia 1,96
1,74 2,16 17Trinídad 1,82 1,18 2,23 7Barbados 1,76 1,25 2,18 7Bah3mas 1,68 1,45 1,97 5Jamaica 1,62 1,30 1,95 7Botsuana 1,35 1,17 1,71 7
Fonte: Baseado em dados de Mackie e Rose, 1991; Mackie e Rose 1997· N hl 1993' S' h1994' L" h . ' , o en, , mg ,
, lJP art, 1994; e dados fornecldos por Pradeeo K. Chhibber Michael Coppedge B - FC - G H k- ", an .
nsp, ary os m, Mark E Jones, J. Ra)' Kenned)', Hansraj Mathur, Shaheen Mozaffar, Ben Reillye Andrew S. Reynolds
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ARENO L lJPHART
Diversos países experimentaram uma prolongada tendência no senti
do de um maior multipãrtidarismo: principalmente a Bélgica, mas tam
bé m a Áustria, Colômbia, Dinamarca , Índia, Itália, Noruega e Suíça. Na
Alemanha, Israel e Japão, o número efetivo de partidos primeiro decli
no u gradualme nte, e depois aumentou de novo, nas duas ou três décadas
passadas. Portugal constitui o único exemplo de uma clara tendência a
um número menor de partidos. Na maioria dos demais países, ou existe
pouca variação no tempo, ou flutuação, sem nenhuma clara tendência a
longo prazo. De fato, os números efetivos de partidos mais baixos e mais
altos foram produzidos em eleições consecutivas em não menos que sete
países: Botsuana, Canadá, Costa Rica, Fran ça, Nova Zelândia, Espanha e
Estados Unidos.
AS DIMENSÕES TEMÁTICAS DO CONFLITO PARTIDÁRIO
Como é possível determinar-se o conteúdo e a intensidade dos programasdos partidos e as dimensões temáticas dos sisteuías partidários? As plata
formas partidárias oficiais, ou os manifestos, devem ser lidos com ceticis
mo, embora não deixem de fornecer algumas chaves sobre o lugar onde se
situam partidos na política pública, principalmente se forem comple
mentados por outros pronunciamentos partidários formais, debates em
conferências partidárias, discursos de líderes do pcTtido no Parlamento e
outros lugares. Além disso, podemos observar a verdadeira política defen
dida por um partido quando o 'mesmo está no poder, conhecer a política
promovida pelo partido quando ele compartilha o poder governamental
com um ou mais parceiros em uma coligação (Budge, Robertson e Hearl,1987; Laver e Hunt, 1992; Klingemann, Hofferbert e Budge, 1994). Os
programas partidários devem ser distintos das características dos eleitores
que os partidos representam. Por exemplo, o fato de um partido receber,
em caráter excepcional, um forte apoio dos eleitores católicos não o torna
. automaticamente um partido católico, e nem indica que a religião deva ser
uma importante dimensão temática de seu sistema partidário. Ainda que
exista, normalmente, uma mútua relação entre o programa partidário e os
100
MOOTLOS DE" DEMOCRACIA
interesses e necess idades -·objetivos e subjetivos- daqueles q ~ e a p ó i a ~ o partido. " " "" - ""' . ._
Uma segunda diretriz para a i d e ~ t 1 t í c a ç ã o das d 1 m ~ n s õ e s temáticas dossistemas partidários é que o foco deve ser dirigido às diferenças entre os
partidos, e não ao interior dos mesmos. Isto quer dizer que certos con-. .
juntos de questões importantes, em um país, podem não constituir dimen- -\
~ õ e s temáticas do seu siste ma partidár io: elas podem di vidir os partidos
lllternamente, em vez de dividi-los entre si. Uma terceira diretriz é que a
análise se restringe às ques tões políticas que dividem o que Sartori (1976)
chama de partidos "relevantes" - aqueles com potencial tanto de coali
zão quanto de persuasão. Finalmente, o foco se dirige às dimensões
temáticas duradoura s dos sistemas partidários. As diferenças partidárias
que surgem numa eleição , desaparecendo logo depois, devem ser igno
radas.
As sete dimensões temáticas seguintes podem ser observadas em pelo
menos alguns dos sistemas partidários das 36 democracias, no período
de 1945 a 1996. São elas: (1) socioeconômicas, (2) religiosas, (3) etno
culturais, (4) urbano-rurais, (5) apoio ao regime, (6) política externa e
(7) questões pós-materialistas. A Tabela 5.3 indica quais as dimensões
temáticas que têm estado presentes em cada uma das 36 democracias. Faz
se uma distinção entre as dimensões de alta saliência (A), e as de apenas
média intensidade, ou as que variaram no tempo entre alta e baixa inten- ,.
s ~ d a d e (M). O ~ j ~ l g a m e n t o s sobre os quais se baseia a tabela são, necessa-I ':
namente, subJetlvos, mas a maioria deles é direta e incontroversa. Os'
poucos casos que a p r e s e ; : ~ a m dificuldade são apresentados na discussão
de cda uma das dimensões temáticas.
1. A dimensão socioeCOllômica. A dimensão temática socioeconômica
vem relacionada em primeiro lugar, na Tabela 5.3, por ser a mais impor
tante e por estar prescn te em todos os sistemas partidários democráticos,
no período entre 1945 e 1996. Muitos estudos têm demonstrado as signi
ficativas diferenças que há entre as políticas socioeconômÍcas defendidas e
praticadas pelos partidos e governos de orientação de esquerda e aquelas
que os partidos de dire ita defendem. Os governos de esquerda têm produ
zido, sistematicamente, uma maior taxa de crescimento do setor público
da economia, maiores orçamentos do governo central, maior uniformiza-
1 o 1
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TABELA 5.3 DIMENSÕES TEMÁTICAS DE 36 SISTEMAS PARTIDÁRIOS DEMOCRÁTICOS, DE 1945 A 1996
(NOTA: A INDICA DIMENSÃO TEMÁTICA DE GRANDE RELEVÂNCIA; M, DE MÉDIA RELEVÂNCIA)
Socio- Etno- Urbano- Apoio ao Política Pós- N° de
econômicas Religiosas culturais rura is regime exter na materialismo dimensões
Finlândia A M A M M ' 3,5Bélgica A A A 3,0Alemanha A A M M 3,0
Índia A A M M 3,0Israel A A A 3,0
Itália A A M M 3,0
Holanda A A A ' 3 0,
Noruega A A M M 3,0
Papua-N.G. A M A M 3,0
Suíça A A M M 3,0
França A M M M 2,5
Japão A MM M 2,5
Portugal A M M M 2,5
Colômbia A M M M 2,5
Dinamarca A M M M 2,5
Espanha A M A 2,5
Suécia A M M M 2,5
Costa Rica A A 2,0
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AREND l IJPHART
ção da renda, maiores esforços para a redução do desemprego e mai ar ênfase
na educação, saúde pública e nos gastos com o bem-éstar social do que ()s
governos de direita. Essa constatação pode resumir-se na seguinte decla
ração feita por Edward R. Tufte (1978: 104): "O único determinante, de
maior relevância, nas variações do desempenho macroeconômico entre uma
democracia industrializada e outra é a localização do partido político go
vernante no espectro da esquerda-direita. As plataformas e as ideologias
políticas estabelecem as prioridades e ajudam na escolha das políticas de
governo."As divergências entre a es querd a e a direita quanto às questões socioeco-
nômicas têm, de um modo geral, declinado desde a década de 1960, mas
não ao ponto de se poder afirmar que, no período considerado para cada
país, essa dimensão temática tenha desaparecido, ou mesmo pas sado a ter
uma proeminência de "alta" a apenas "média" na maior parte desses países.
A Tabela 5.3 atribui níveis "médios" apenas aos Estados Unidos, Canadá,
Bahamas e Trinidad. Quando os 36 níveis são somados - com um A equi
valendo a 1,0 e um M a 0,5 -,
o total é 34,0, como indic ado na linha infe:-ior da tabela. Esse result ado total para a dimensão socioeconômica é mais
do que o dobro do resultado total de quaisquer outras dimensões. A di
mensão socioeconômica é, também, a única que tem estado presente de
forma significativa em todos os 36 sistemas partidários - o que vem a confirmar a famosa declaração de Seymour Martin Lipset (1960: 220) de que
as eleições podem ser encaradas como "a expressão da luta de classes de-
mocrática".
2. A dimensão religiosa. As diferenças entre os partidos religiosos e secula
res constituem a segunda dime nsão temática, em importância. Essas diferen
ças podem ser encontradas em mais da metade das 36 democracias. Em 12
países, em grande parte católicos e/ou píOtestantes, existem, ou têm existido
há muito tempo, diversos partidos que explicitamente se qualificam como
"cristãos": Bélgica, Costa Rica, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Itália,
Luxemburgo, Holanda, Noruega, Suécia, Suíça e Venezuela. Na Tabela 5.3,
entre esses 12 sistemas parti dário s, atribuí-se um grau "alto" àqueles em que
a diferença religiosa/secular tem sido importante, no período considerado, e
um grau "médio" aos demais. Em seis países de maioria católica, as divisões
1 0 4
l-i -II-- L
M O D . ~ L O S DE DEMOCRACIA
religiosas têm sido menos importaGres e manifestas, em média, porém mere-'" cem, ainda assim, um grau pelo menos "médio": Áustria, Colômbia, França,
Malta, Portugal e Espanha. Em três países de maioria não-cristã, uma dimen-
são temática religiosa também se faz presente. Ela foi, e continua sendo,
extremamente importante em Israel, onde o Partido Religioso Nacional e
outros partidos religiosos há muito tempo são defensores extremamente efi
cazes da política religiosa ortod-oxa, e na Índia, onde o Partido BharatiyaJanata é normalmente descrito como um partido "nacionalista hindu". No
Japão, o Partido Komeito tornou-se presença política significativa na décadade 1970: ele é o representante político da seita budista Soka Gakkai.
Assim como a dimensão temática socioeconômica, a religiosa tem geral
mente perdido importância no período posterior à Segunda Guerra Mun
dial. Nos países europeus, com populações mist:ls de católicos e protestantes
e um antigo antagonismo entre essas duas religiões, as tensões inter-religio
sas desapareceram em grande parte, e agora os dois grupos demonstram até
mesmo uma tendência para se unir politicamente. A União Democrática
Cristã, da Alemanha do pós-guerra, foi fundada como um partido conjuntocatólico-protestante. Na Holanda, o partido católico e os dois principais
partidos protestantes apresentaram uma lista conjunta para as eleições par
lamentares de 1977, e pouco tempo depois se uniram numa única organiza
ção partidária. Além disso, tanto os partidos políticos quanto os seus
oponentes antic1ericaís têm moderado, em grande parte, suas reivindicações
e contra-reivindicações. Entretanto, os partidos religiosos e seculares mos
tram-se ainda divididos quanto a questões de ordem moral, tais como o ca
samento e o divórcio, os direitos dos homossexuais, o controle da natalidade,
o aborto, a educação sexual, a pornografia e outras. Essas questões torna
ram-se pa rticularmeme relevantes a partir do final da década de 1960. Além
disso, só na segunda metade do período é que os partidos religiosos relativamente pequenos do Japão, Dinamarca, Finlândia e Suécia se tornaram elei
toralmente importanres, e só no início da década de 1990 eles manifestaram
claramente o seu potencial de aliança, participando de fato de gabinetes decoalizão.
3. A dimensão etnocultural. Em sua teoria desenvol\'imentista das estruturas de c isão e de sistemas partidários, Seymour Martin Lipset e Stein Rokkan
(1967) identificaram quatro fontes básicas de cisão nos sistemas partidários.
1 05
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A R t . ~ D ~ li J P H A R T
São elas, além das dimensões socioeconômicas e religiosas já discutidas: as
divergências etnoculturais e a divisão entre os interesses agror rurais e urba
no-industriais. A dimensão etnocultural é de alguma importânci a em todos
os nove países descritos como sociedades pluralistas, no capítulo 4, com
exceção de Israel. Na maioria deles, as questões etnoculturais tê:n acentuada
relevância. As duas exceções, bastante surpreendentes, são a India, que é
extremamente dividida etnicamente, e a Suíça. Nesses dois países, a dimen
são religiosa é um fator diferenciador muito mais relevante em nívei nacional.
Em três das sociedades semipluralistas, a dimensão etnocultural também
tem certa importância. Na Finlândia, a minoria de língua sueca e o Partido
Popular Sueco são ambos bem pequenos, mas o partido tem sido um eficiente
ator político e um freqüente parceiro nos governos de coalizão. Devido ao
fato de se contar a União Social Cristã, da Baviera, como um "meio" partido,
e também graças à emergência do Partido do Socialismo Democrático como
partido especificamente alemão-oriental, desde a unificação em 1990, a ,"'Je-
manha recl'beu um grau "médio". Nenhum partido americano tem uma base
exclusivamente étnica, mas os democratas sempre representaram as minoriasétnicas e raciais, e foram muito mais sensíveis aos seus interesses do que os
republicanos. Quando as ações afirmativas e outros programas especiais de
participação das minorias se tornaram objeto de controvérsias, os democratas
tenderam a apoiá-los, enquanto os republicanos se opuseram a eles. Em
Botsuana, o partido goyernante "é considerado pelas tribos Bamanguato e
Bakuena como o representante do seu povo" (Holm, 1988: 191).4. A dimensão urbano-rural. As diyergências entre áreas e interesses ur
bano-rurais ocorrem em todas as democracias, mas constituem uma fonte de
dimensões temáticas nos sistemas partidários de um pequen o núm ero dessas
democracias apenas, e com u ma relevância não mais que mediana. Nos paí
ses nórdicos, onde principalmente se encontram os partidos agrários, estes
tendem a se tornar menos exclusivamente rurais e a apelar também para o
eleitorado urbano, movidos pelo declínio da população rural. Um nítido si
nal dessa mudança é que todos os partidos agrários suecos, noruegueses e
finlandeses mudar am os seus nomes para "Partido do Centro", entre 1957 e
1965. Os liberais dinamarqueses e os progressistas islandeses também come
çaram como partidos agrários, mas, de forma similar, procuram ter uma
imagem de partidos do centro. O Partido Popular Suíço e os conservadores
, 06
MODELOS DE DEMÓCRACIA ~
colombi anos também podem ser considerados como representantes, até cer
to ponto, dos interesses rurais. Costumava-se chamar 6 Partido Nacional
Australiano de "Partidõ do Campo", e ele tem sido o ~ â e f e n s o r ~ tradicional
nas questões rurais e agrícolas. Em deferência à sua classificação como "meio"
partid o, entret anto, a Austrália recebeu apenas um grau "médio" na dimen
são urbano-rural.
5. A dimensão de apoio ao regime. Essa dimensão pode ocorrer, nas de
mocracias, como resultado da presença de importantes partidos que se
opõem ao regime democrático. Nas nossas 36 democracias, isso ocorreu
principalmente nos países europeus e asiáticos, que dispõem de considerá
veis partidos comunistas: a França, a Itália, a Finlândia, Portugal, Grécia,
Índia e Japão. Entretanto, a tendência para o "eurocomunismo" acarretou
mudanças básicas nas atitudes dos comunistas, tanto em relação à demo
cracia quanto à política externa. Também os partidos comunistas da Índia
e do Japão se tornaram mais moderados. Por este motivo, nenhum dos sis
temas partidários recebeu mais que um conceito "médio" nesta dimensão.
O único outro país que dispõe de um partido comunista de porte considerável é a Islândia, porém pode-se dizer que os comunistas islandeses têm
sido eurocomunistas desde 1938. Naquele tempo, eles se juntaram a uma
facção socialista, para formar um novo partido que, como declara o cien
tista político islandês Olafur R. Grimsson (1982: 145), "aceitaria o cami
nho parlamentar para o poder, aderiria a uma forma islandesa de socialismo
e renunciaria à participação [do partido] como membro do Komintern, po
sição esta que refletia mais a posição européia da década de 1970 que a do
final da década de 1930". A Colômbia recebeu um conceito "médio" por
uma razão completamente diferente: o importante papel do Partido AD
M19, que se originou como um movimento revolucionário, mas que de
pois participou das eleições, ingressando mesmo no gabinete, no início da
década de 1990.
6. A dimensão da política externa. Uma grande variedade de questões
de política externa dividiu os partidos em 12 das nossas 36 democracias:
a posição pró-soviética tradicional - embora em declínio - dos parti
dos comunistas europeus; a oposição à participação como membros da
OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) na França e na Is
lândia; a oposição à participação como membros da União Européia e de
, 07
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-IrREND UJPHART
seus predecessores, na-Grã-Bretanha, Dinamarca, França, Irlanda e Mal
ta; relações com os- E s t a d o ~ Unidos, i 1 o J ~ p ã o - e riã Jamaica; relações com
a Austrália, em Pap-ua-Nova Gu iné; rel:ições com a -Líbia, em -Màlta; e
diferentes atitudes dos partidos irlandeses com relação ao problema da
Irlanda do Norte. Nenhuma dessas questões, entretanto, foi relevante ou
duradoura o suficiente par? merecer mais que um grau "médio". O único
país com uma nota "alta", nã Tabela5.3, é Israel. Ali, a questão é nacio
nalista-territorial e o debate, segundo as palavras da cientista política is
raelense Ofira Seliktar (1982: 295), se faz "entre os que seguem a tradição
territorial maximalista dos revisionistas, e os que aderem às exigências
territoriais mais moderadas da escola social-sionista". Essa dimensão
temática tem sido especialmente relevante desde a ocupação dos territó
rios árabes, em 1967.
7. A d imensão materialismo versus pós-materialismo. Essa dimensão gira
em torno de duas questões da democracia participativa e ambientalista, que
tanto se adaptam ao choque de valores, chamado de "pós-mater ialismo" po r
Ronald lnglehart (1977: 40-59; também Inglehart, 1997 : 108-30). Inglehartverificou que, principalmente entre os jovens de classe média nas democra
cias ociden tais, se confere uma grande prioridade a metas do tipo "fazer com
que as pessoas possam interferir mais no modo como se decidem as coisas,
no trabalho e nas suas comunidades" e "dar maior voz ao povo, nas decisões
importantes do governo". Além disso, nas nações mais ricas, o choque de
valores pós-materialistas também inclui o objetivo de "tentar embelezar as
nossas cidades e campos". Como demonstra a Tabela 5.3, o pós-materialis
mo tornou-se fonte de uma nóva dimensão em alguns poucos sistemas parti
dários, apenas. A explicação é que ele só surgiu nos países mais desenvolvidos,
e recentemente. Como resultado disso, os partidos pós-materialistas conti
nuaram pequenos e geralmente sem um nítido potencial de coalizão. Entre
tanto, os Partidos do Centro, da Noruega, e do Centro, da Suécia, fizeram
uma transição sutil, passando dos valores rurais, ultrapassados, para os do
ambientalismo moderno. E dois novos partidos holandeses - o Partido
Democrata '6 6 e o Partido Radical- adotaram as propostas participativas,
desde fins da década de 1960, ingressando em um gabinete de coalizão em
1973. A Alemanha também ficou com um grau "médio" nesta dimensão, por
causa da importância do Partido Verde; ele tem par ticipa do de diversos go-
1 08
MODElO_5 [}E DEMOCRACIA
vemos em nível estadual, e foi amplamente reconhecido como detentor de
potencial de coalizão também em níve l nacional,- mesmo antes de- participar
de fato de um gabinete nacional, como o parceiro mais jovem dos Socialistas, em 1998.
DIMENSÕES TEMÁTICÁS ESISTEMAS PARTIDÁRIOS
A última coluna da Tabela 5.3 mostra o número de dimensões temáticas
em cada uma das 36 democracias. Esse número, em princípio, poderia abran
ger de 7 a ° imensões, porém o atual alcance é de 3,5 a 0,5. Os países com
os mesmos resultados totais estão agrupados na tabela, e esses grupos são
relacionados na ordem decrescente do número de dimensões temáticas.
Dentro de cada categoria, países com o mesmo padrão de dimensões
temáticas estão relacionados em primeiro lugar. Por exemplo, no grupo com
2,5 dimensões temáticas, a França, o Japão e Portugal têm a mesma dimen
são socioeconômica "alta", e mais as mesmas dimensões religiosas, de apoio
ao regime e de política externa, com grau "médio". Costa Rica, Luxemburgo
e Venezue la formam um subgrupo semelhante, na categoria 2,0. Cinco países
com herança política britânica formam dois subgrupos na categoria 1,5:
um se compõe de Irlanda, Jamaica e Reino Unido; o outro, do Canadá eTrinidad.
Como se relacionam esses números de dimensões temáticas com os nú
meros efetivos de partidos políticos? Há duas razões para se supor uma forte
ligação entre eles. Primeiro, quando há várias dimensões de conflito político
numa sociedade, era de se esperar a necessidade de um número relativamen
te grande de partidos para expressar todas essas dimensões, a menos que elaspudessem coincidir. Em segundo lugar, têm -se definido as dimensões temáticas
em termos das diferenças entre os partidos, em lugar de diferenças no inte
rior dos partidos. Isto quer dizer que, po r exemplo , os sistemas bipartidários
não podem abrigar facilmente tantas dimensões temáticas quanto os siste
mas multi partidários. O coeficiente de correlação entre o número efetivo de
partidos, nas 36 democracias (Tabela 5.2) e o número de dimensões temáticas
(Tabela 5.3) é, na verdade, um valor muito forte e, do ponto de vista estatís
tico, muito significativo: 0,84.
1 0 9
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° L - - - - - ~ - - - - ~ - - - - ~ - - - - ~ - - - - ~ 6 2 3
Número efetivo de partidos políticos
Fig. 5.1 Relação entre o número efetivo de partidos parlamentares e o núme ro de dimensões temáticas
em 36 democracias, de 1945 a 1996
A Figura 5.1 mostra a forma de relacionamento entre as duas variáveis e
as posições de cada um dos 36 países graficamente. lo Rein Taagepera e B e r ~ a r d Grofman (1985) sugeriram que a relação entre o número efetivo de partIdos
(N) e o número de dimensões temáticas (I) possa ser expresso por:
N==I+1.
lONa Figura 5.1, e em outras semelhantes nos próximos capítulos, as 36 democracias S30
identificadas pela três primeiras letras de seus nomes em inglês, com exceção de A U ~ , q ~ e significa Austrália, AUT -Áustria, CR - Co,ta Rica, JPN - Japão, .NZ- Nova Zelandla,PNG _ Papua-Nova Guiné, UK - Reino Unido e US - Estados Unidos.
110
-- MODEJOS DE DEMOCRACIA
.o sistema bipartidário. característico do modelo Westminster, em geral com
- um a dimensão temática, ajusta-se perfeitamEnte aesta fórmula. Depois, a cada
aumento no númerO dos partidos, ocorrerá exatamente o rnésmo aumento -
no número das dimensões temáticas. A fórmula de Taagepera-Grofman é uma
excelente estimativa, embora a linha real de regressão na Figura 5.1 seja de
algum modo mais horizontal do que eles previram: na parte inferior há mais
dimensões temáticas, ê na supérior, menos do que se previu, com base na
quela fórmula. Entretanto, os dois números relacionam-se muito for temen
te. Aleinaüha, Noruega, Estados Unidos e Bahamas são os mais distantes da
linha de regressão, mas mesmo esses quatro países não podem ser desc ritos
como distantes forasteiros.
Diversamente do número efetivo de partidos, e das quatro variáveis que
serão discutidas nos próximos quatro capítulos, o número de dimensões
temáticas não constitui uma variável institucional, e por isso não é usado como
um dos componentes da dimensão geral executivos-partidos. Entretanto , por
ser tão estreitamente relacionado ao número de partidos, poderia ajustar-se
a esta dimensão de forma muito próxima e, se fosse incluído, pouco afetaria aforma da mesma.
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@, AI!. e "".1.
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-I- -I
I--II
I A segunda das dez variáveis básicas que caracterizam a diferença entre as
formas majoritária e consensual da democracia, que serão discutidas neste
capítulo, refere-se à extensão da participação dos representantes do povo
no ramo executivo do governo. Como afirmei no início do capítulo 5, essa
variável pode ser considerada a mais típica do contraste majoritário-con
sensual: a diferença entre os governos majoritários de um partido e as am
plas coalizões multi partidárias caracterizam o contraste entre o princípio
majoritário de concentração de poder nas mãos da maioria e o princípio con
sensual da ampla participação no poder.
Os gabinetes unipartidários de maioria e as amplas coalizões mul
tipartidárias diferem entre si quanto a dois aspectos: primeiro, se o gabinete
é unipartidário ou de coalizão; segundo, quanto ao tipo de base parlamentar
em que se apóia. No que concerne à base de apoio, a classificação padrão
tríplice na teoria das coalizões faz disti nção entre: (1) gabinetes minimamen
te vitoriosos: "vitoriosos" no sentido em que o partido do gabinete - ou os :
partidos que o compõem - controbm a maioria de cadeir3s parlamentares;
porém "mínimos", no sentido em que o gabinete não comém partido algum
que não seja necessário para chegar à maioria no Parlamento; (2) gabinetes:
"sobredimensionados" (ou de ampla maioria), que certamente contêm mais
partidos do que o necessário para obter apoio da maiori:l no Legislativo; e(3) gabinete s de minoria, ou "subdimensionados", que não são apoiados po r
uma maioria parlamenrar. O tipo de gabinete mais majoritário é aquele que
é uni partidári o e minimamente vitor ioso - ou seja, um gabinete uni partidário
de maioria. O tipo de gabinete mais consensual é muI ti partidário e sobre
dimensionado. Como irei discutir mais adiante, os gabinetes de minoria pa
recem com os gabinetes sobredimensi onados , e os gabinetes multipartidários
de minoria, por isso, também pertencem ao pólo consensuaÍ do espectro.
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I"IiIII!
Isto d e i ~ a dois tipos de gabinetes em posição intermediária: os gabinetes
multipartidários minimamente vitoriosos e os gabinet es unipartidários de mi
noria.
Neste capítulo, faço um balanço das principais teorias das coalizões e ex
plico os motivos pelos quais elas prevêem de maneira tão insuficiente os. ti
pos de gabinetes que se formam,_ de f a ~ o , nas democracias. Um motlvo
importante para isto é que elas se baseiam, quase totalmente, em p r e s s , u ~ o s -tos majoritários. Outro motivo é que elas tendem a ignorar as caractenstlCas
institucionais qu e estimulam a formação dos gabinetes de minoria e dos
sooredimensicmados. Em seguida, após discutir os crité rios p recisos pa ra clas
sificar os gabinetes nas diferen tes categorias, apresento os achados empíricos
relativos aos tipos de gabinetes enconlrados em 36 democracias no período
de 1945-96. As nossas democracias diferem muito quanto a esta variável
desde 100 po r cento de gabinetes unipartidários e minimamente vitoriosos,
em cinco países, até 4,1 por cento, na Suíça. Por último, analiso a relação
entre os tipos de gabinetes e os números efetivos de partidos, no nosso con
junto de 36 países.
TEORIAS DAS COALIZÕES
Nos sistemas parlamentaristas de governo, os gabinetes têm de se formar
de maneira a desfrutarem da confiança de uma maioria parlamentar - ou,
pelo menos, a serem tolerados por ela. Será possível prever qual g a b i ~ e t e específico ir á se formar, se conbecermos as forças dos diferentes partIdos
no Parlamento? Se um determinado partido detiver a maioria das cadeiras
do Parlamento, parecerá fácil a previsão: a probabilidade será de que o
partido majoritário forme um gabinete unipartidário. Essa p ~ e v i s ã o . é ~ o ~ -reta na maioria dos casos, mas é também possível que o partido maJonta
rio forme um a coalizão com um ou mais partidos de minoria. Por exemplo,
os conservadores britânicos conseguiram uma nítida maioria na Câmara dos
Comuns, durante a Segunda Guerra Mundial, porém o gabinete de guerra
de Churchill se compunha de uma ampla coalizão dos partidos Conserva
dor, Trabalhista e Liberal. Se nenhum partido dispõe de uma maioria par-
lamentar, é provave - exceto no caso1 de constituir-se um gabinete
1 ! 6
MODE L OS DE D E MO C R A C I A -
inonopartidário de minoria - que se forme um gabinet e de coalizão. Mas
qual co alizão seria a mais prová vel? lá foram propostas diversas teorias para
prever as coalizões que Sê podem formar nos sistemas parlamentares. As
seis mais importantes dessas teorias prevêem os seguintes tipos de coali
zão:!
1. Coalizões minimamente vitoriosas. O "princípio do tamanho", deWilliam H. Riker (1962: 32-46), prevê que serão formadas coalizões mini
mamente vitoriosas: coalizões (majoritárias) vitoriosas, das quais só partici- ipam os partidos minimamente necessários para dar ao gabinete o status de
majori tário. A Tabela 6.1 mostra um exemplo: a coalizão ABC (um gabinete
de coalizão envolvendo os partidos A, B e C) é uma coalizão vitoriosa, por
que A, B e C controlam uma maioria de 55 cadeiras parlamentares, de um
total de cem. É mínima, porque todos os três partidos são necessários para
formar uma maioria. A eliminação do menor dos participantes - o partido
A - irá reduzir o apoio parlamentar à coalizão, de uma maioria de 55 cadei
ras para apenas 47. A inclusão do partido D iria tornar a coalizão maior do
que mínima, porque na coalizão ABCD tanto A quanto D poderiam ser eli--minados sem perder o apoio da maioria.
O pressuposto básico da teoria d:1s coalizões minim:lInente vitoriosas é,
ao mesmo tempo, simples e plausível: os partidos políticos têm interesse em
ampliar seu poder. Nos sistemas parlamentaristJs, poder significa participa
ção no gabinete, e poder máximo quer dizer: manter o máximo possível de
postos no gabinete. Para participar do gabinete, um partido minoritário terá
de se juntar a um ou mais partidos, porém irá resistir à inclusão dz.:jueIes
partidos desnecessários à COJJizão, pois isso redúziria sua cota de ministros
no gabinete. Por exemplo, no gabinete de coalizão CE, na Tabela 6.1, o par
tido C contribui com quase a metade do apoio parlamentar, e por isso é pro
vável que receba quase a metade das indicações ministeriais. Se o partido B
fosse incluído na COJlizão, a cota de C nos postos do gabinete provavelmente seria de apenas um terço.
IA bibliografia de ciência polÍlic3 sobre a formaçáo e duração dos governos de coalizão é ex
ter.sa. Resumos Oportunos e resenhas críticas podem ser encontrados em Laver e Schofield,1990. Stmm e Leipart, 1993; Stmm 1995 e Grofrnan e van Roozendali, 1997.
! 1 7
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A Rl' ND li H H A R T
TABELA 6.1 COALIZÕES DE GABINETE, PREVISTAS POR SEIS TEORIAS DE COALIZÃO
, PARA UMA DISTfU8\JIÇÃO HIPOTÉTLCA DE CADEtAAHARLAMENTARES
Partidos A B e D E
(esquerda) (direita)
Cadeiras 8 21 26 12 33
Teorias:
Coalizão minimamente vitoriosa ABe ADE BCD BE CETamanho mínimo ADE
Proposição de barganhaBE CE
Amplitude mínima ARe BCD CE
t.1inim amente vitoriosa e ideologicamente conexa ABe ECD CDE
Coalizão programatícamente viável ABC BCD CE
Apenas se houver um partido majoritário no Parlamento, pode a teoria
das coalizões minimamente vitoriosas fazer uma única e específica previsão:
um gabine te não coalescente, uni partidário, formado pelo partido majoritá
rio. Se não houver partido majoritário, a teoria irá sempre prever mais de
uma possibilidade:. No exemplo da Tabela 6.1, cinco coalizões são previstas.
As próximas três teorias das coalizões a serem discutidas tentam melhorar a
teoria das coalizões minimamente vitoriosas, com a introdução de novos cri
térios para se chegar a previsões mais específicas.
2. Coalizões de tamanho mínimo. A teoria da coalizão de tamanho mí-
nimo baseia-se no mesmo pressuposto de maximização do poder que a teo
ria da coalizão minimamente vitoriosa, mas segue suas razões fundamentais
até a sua conclusão lógica. Se os partidos políticos querem excluir os parcei
ros desnecessários de um gabinete de coalizão, para ampliar sua cota de po
der no mesmo, espera-se que prefiram que o gabinete se baseie na mais estreita
maioria parlamentar. Por exemplo, será mais vantajoso para o partido E for
mar a coalizão ADE, com 53 cadeiras, do que a CE, com 59. Na primeira, as
33 cadeiras de E no Parlamento contribuirão com 62 por cento do apoio
parlamentar do gabinete, e na segunda, com apenas 56 por cento. Num ga
binete com vinte ministros, essa diferença facilmente vale, para E, mais uma
indicação ministerial. De acordo com esse raciocínio, são previstos gabine-
1 1 8
I'j
MODELOS DE DEMOCRACIA
tes de tamanho mínimo. No exemplo da Tabela 6.1, é prevista a coalizão
. ADE,com 53 cadeiras parlamentares, mais do que as outras coalizões mini
mamente vitoriosas, cujos tamanhos vão de 54 até 59 cadeiras.
3. Coalizões com o menor número de partidos. Outro critério que pode
ser usado para se escolher entre as muitas coalizões previstas pela teoria da
coalizão minimamente vitoriosa é a "proposição de barganha" de Michael
Leiserson (1970: 90): Afirma ele que essas coalizões mi nimamente vitor io
sas tenderão a um padrão envolvendo o menor número de partidos,porque
as "negociações e a barganha [relativos à formação de uma coalizão] são mais
fáceis de realizar, estando os outros problemas resolvidos, com menor nú-
mero de partidos". Das cinco coalizões minimamente vitoriosas da Tabela
6.1, a proposição de barganha prevê a formação das coalizões BE ou CE, po r
envolverem apenas dois partidos, em vez de algum tipo de coalizão de três
partidos.
4. Coalizões de amplitude mínima. As teorias precedentes baseiam suas
previsões na proporção e no número dos partidos poiíticos envolvidos, po-
rém ignoram seus programas e preferências programáticas. A teoria da coa-
lizão de amplitude mínima propõe o pressuposto plausível de que é mais fácil
formar e manter coalizões entre partidos que tenham preferências pro-
gramáticas semelhantes do que entre partidos muito afastados um do outro
nesse aspecto. Entre as muitas versões, ligeiramente diferentes, dessa teoria,
a Tabela 6.1 apresenta a mais básica de todas: distribuem-se os parti dos numa
escala que vai da esquerda à direita, com o partido A ocupando a extrema
esquerda, e o E, a extrema direita. A distância entre eles é medida segundo o
número de "espaços" que os separam. As cinco coalizões minimamente vito
riosas têm distâncias de dois, três e quatro "espaços". Se os partidos buscam
uma coalizão com parceiros com afinidade de pensamento, é muito mais
provável formar-se a coalizão ABC, com uma distância de dois "espaços", do
que a coalizão ADE, com distância de quatro "espaços", cobrindo todo o
espectro esquerda-direita. A teoria da amplitude mínima também prevê a
formação das coalizões BCD e CE, que têm a mesma distância mínima de
dois espaços, tal como a ABC.
5. Coalizões minimamente vitoriosas e ideologicamente conexas. Um a
teoria estreitamente relacionada à anterior foi proposta po r Robert
AXelrod (1970: 165-87). Prevê ele que sejam formadas coalizões tanto
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I
I
ARfND l l JPHART
"conexas" - isto é, compostas po r partidos adjacentes na escala política -
quanto âesprovidas de parceiros desnecessários. O pressuposto subjacente
dessa teoria é que os partidos tentarão se unir a seus vizinhos imediatos,
e que outros partidos adjacentes irão sendo acrescentados, até se formar
uma coalizão majoritária. O exemplo da Tabela 6.1 mostra que as coali
zões minimamente vitoriosas e ideologicamente conexas não são., neces-
. sariamente, coalizões minimamente vitoriosas. De acordo com a última
teoria, a coalizão eD E contém um parceiro s up ér fl uo - o partido D -
porém, segundo a teoria de Axelrod, o partido D é necessário para tor
nar a coalizão conexa.
6. Coalizões program aticame nte uiáueis. A teoria das coalizões pro
gramaticamente viáveis leva ao extremo a concentração sobre as preferên
cias políticas dos partidos. Se tivermos como certo que os partidos, na
realidade, só se preocupam co m o programa, e não com a manutenção dos
cargos, o poder verdadeiro reside na Assembléia - onde medidas políticas
novas e importantes precisam ser aprovadas - e não no gabinete. Na As
sembléia, é o partido "pivô " que tem vital importância. O partido pivô é aquele que, numa escala política unidimensional , como a.esquerda-direita, contém
o membro mediano do Parlamento: o partido e, no exemplo da Tabela 6.l.
Esse partido pivô pode, na prútica, ditar o programa, porque nem os parti
dos à sua esquerda, nem à sua direita, dispõem da maioria necessária para
aprovarem qualquer medida contrária aos seus desígnios. Isto quer dizer que,
em termos estritamente políticos, é totalmente irrelevante saber quantos e
quais os partidos que par ticip am do gabinete. De fato, como afirmam !'v1ichael
Laver e Norman Schofield (1990: 88), para a formação de gabinetes pro
gramaticamente viáveis, "não importa [nem mesmo1 ue o partido pivô par
ticipe ou não".No entanto, Laver e Schofield (1990: 55) admitem que se deve fazer
uma distinção entre amplas questões programáticas e assuntos mais deta
lhados sobre as mesmas. Para exercer inHuência sobre as questões progra
múticas detalhadas, pode ser muito importante, afinal de contas, pertencer
ao O"abinete e estar à frente de um ministério. Esta consideração "pode pro-b
porcionar um grande incentivo para os partidos, que de modo algum se
preocupam com as recompensas intrínsecas ao cargo, mas que, apesar de
tudo, podem querer lutar po r um lugar no gabinete". A importância de se
120
..M.0 DE L O S D I Õ E M O C R A C I A
saber que partidojrá receber qual determinada pasta do gabinete é tam
bém destacadanq obra recente de ~ i c l f a e l ~ i . , a v e r e Kenneth A. Shepsle
(1996). O que Iica subentendido f que os partidos,presumÍvelmente, es-
tão também interessados em "iutar" pelo múximo de cadeiras no gabinete
e de pastas ministeriais que puderem obter - o qu e no s leva de volta à
lógica das coalizões minimamente vitoriosas, com a condição de que o
partido pivô seja incluído nas seguintes coalizões: ABe, BeD e eE , na Ta-
bela 6.1. Na análise final, a teoria da coalizão programaticamente viável
ou bem deixa de fazer qualquer previsão quanto à composição dos gabine
tes, ou prevê coalizões minimamente vitoriosas, semelhantes àquelas pre
vistas pela teoria da amplitude mínima. 2
INCENTIVOS PARA A FORMAÇÃO DE GABINETES DE MINORIA
E DE AMPLA MAIORIA
Das seis teorias das coalizões acima mencionadas, as que se baseiam em programas partidários conseguiram prever verdadeiras coalizões de gabinete com
mais sucesso do que as teorias que não levavam em conta os programas (de
Swaan, 1973). Parte deste sucesso deve sofrer um desconto, porque a classifi
cação de certos partidos em posições na escala esquerda-direitapode envolver
raciocínios circulare s. A posição de um partido quanto a questões de esquer
da-direita pode se r inferida, por exemplo, pelo seu programa formal e por seus
votos no Parlamento, mas,é também provável qu e sej," influenciada por fato
res tais como a parti cipação presente ou passada do partido no governo e tam
bém os outros partidos com os quais já formou coalizões. Na Alemanha, por
'Duas interpret3ções "Itemativas da teoria das coalizôes programaticamente viá\'eis são as se-
guintes: (1) que o partido pivô deve ser capaz de gO\Trn ar sozinho, ou (2) que a coalizão deva
incluir o partido pivô (Stmm, Budge e Laver, i994: 328). A primeira interpretaçâo oferece a
previ,ão de que se irá formar um gabinete minorirúrio de um partido - não uma interpreta·
ção po%iveimcnte bem·sucedida, porque menos de 20 por cento dos gabinetes formados em
situações de minoria constituem gabinetes minoritários de um partido (ver Tabela 6.2, adian
te). O problema com a segunda interpretação é que ela produz um grande número de previ
sôes: na situação da Tabela 6.1, 15 coalizões podem formar-se inciuindo O partido C. Uma
dessas pode muito bem ser o gabinete formado. Se for assim, a única previsão correta fica em
desvantagem, diante de catorze outras incorretas.
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~ R E N D li PHA R T
- -
exemplo, o Partido Democrata Livre é- normalmente colocado na posição do
~ t e n t r o , na escala programática - em contraste com a posição à direita do cen-
tro de outros partidos liberais da Europa ::..:..- pelo fato de ter participado em
diversas coalizões de gabinete, juntamente com os social-democratas, de es-
querda, de 1969 a 1982. Explicar essa coalizão em termos da afinidade
programática dos dois partidos, que por sua vez são derivadas do seu compor
tame nto coalizacional, obviamente não esclarece muit a coisa.O problema básico de todas as teorias é que elas prevêem coalizões mini
mamente vitoriosas, de um tipo ou de outro. A teoria de Axelrod constitui
uma exceção apenas parcial, porque poucas de suas coalizões vitoriosas mi-
nimamente conexas são maiores que as minimamente vitoriosas. A previsão
minimamente vitoriosa baseia-se num pressuposto majoritário, e ela entra
em conflito com o grande número de verdadeiras coalizões minoritárias e de
ampla maioria que se formam nas democracias parlamentaristas. Laver e
Schoficld (1990: 70-71) classificam 196 gabinetes formados em "situações
de minoria" (isto é, quando não há um partido majoritário no Parlamento)
em 12 democracias multipartidárias européias, de 1945 a 19 87. Somente 77
destas - 39,3 por cento - eram coalizões minimamente vitoriosas, 46 eram
gabinetes de ampla maioria e 73, gabinetes de minoria.
A Tabela 6.2 apresenta dados semelhantes sobre os gabinetes, nos 32
sistemas parlamentaristas estudados neste livro (incluindo a Suíça e as duas
wrtas fases de governo parlamentarista na V República da França). Vá-
rios deles são países que normalmente dispõem de partidos majoritários
em seus parlamentos. Isto explica a grande proporção de gabinetes majo
ritários de um partido: 37,1 por,cento. Como já se falou antes, quando
um partido detém maioria de cadeiras no Parlamento, é fácil, e quase
sempre correto, prever a formação de um gabinete unipartidário majori
tário. Quando esses gabinetes são excluídos, na segunda coluna da Tabela6.2, a proporção de coalizões minimamente vitoriosas é de 39, 3 por cen
to - qu e vem a se r idêntica à percentagem encontrada po r Laver e
Schofield, a despeito de se referir a países diferentes, a épocas diferentes
e a diferentes definições de gabinete empregadas nos dois estudos. 3 Coa-
3Laver e Schofield contam cada gabinete pela época de sua forma ção, sem levar em considera·
ção o seu tempo de duração, enquanto eu avalio os gabinete< pela sua duração.
1 22
MODELOS DE DEMOCRACIA
lizões de ampla maioria (sobredimensionadas) compreendem 33,4 po r cen
to do total, e gabinetes de minoria, 27,3 por cento. Juntos, eles ultrapas
sam o número de gabinetes minimamente vitoriosos por uma proporção
de mais de três para dois.4
TABELA 6.2 PROPORÇÕES DE TEMPO EM QUE CINCO TIPOS DE GABINETES ESTIVERAM
NO PODER, EM 32 DEMOCRACIAS PARLAMENTARISTAS, DE 1945 A 1996
Tipos de gabinete
_'" Minimamente vitoriosos de um partido
Minimamente vitoriosos de coalizão
Minoritários de um partido
Minoritários de coalizão
Coalizão de ampla maioria
Total
Todos os gabinetes
(%)
37,1
24,7
11,4
5,8
21,0
100,0
Todos os gabinetes,
exceto os minima
mente vitoriosos de
um partido
(%)
39,3
18,1
9,2
33,4
100,0Fonte: Baseado em dados de Woldendorp, Keman e Buclge, 1998; Banks, Daye Muller, 1997; Müller
e Stwm, 1997; Stwm, 1990; von Beyme, 1985; e Keesing's Contemporary Archives
Como se poderiam explicar todos esses gabinetes de ampla maioria e
minoritários? Os tipos de incentivos racionais, em que se baseiam as teorias
acima, podem também explicar a formação de outros gabineces que não os
minimamente vitoriosos. Uma importante consideração é a perspectiva de
4A classificação dos gabinetes em mi nimame nte vitoriosos, sobredimensionados e de coalizão
não é totalmente abrangente, porque deixa de lado dois casos intermediários: os chamados
gabinetes de bloqueio - compostos de p3rtidos com exatamente 5 O por cento das cad eiras noParlamento - e gabinetes que se tornam de bloqueio se o menor parceiro cio gabinete se re
tirar. Um exemplo do primeiro caso foi o gabinete espanhol de 1989-93, sob o primeiro-m:
nistro Felipe González, cujo Partido Socialista controlava 175 das 350 cadeiras da câmara
baixa do Parlamento. Exemplo do seg undo caso foi a coalizão de quatro partidos, em 1992-
93, do primeiro-ministro Giuliano Amati, na Itália: juntos, os quatro partidos controlavam
331 das 630 cadeiras da Câmara dos Deputados, mas, sem o menor partido, apenas 31S. Para
a classificação de tais gabinetes, a melho r so lução é dividir a diferença. Metade do tempo em
que os gabinetes de bloqueio estão no poder pode ser atribuída a gabinetes minimamente vi
toriosos, e metade a gabinetes minoritários. Igualmente, gabinetes como o de Amati podem
ser contados metade como superdimensionados e metade como minimamente vitoriosos.
1 23
I
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AREND LlJPHART
tempo dos partidos. Mesmo se for correto admitir que os p a ~ t i d o s b u s c a m - o poder, e que poder significa participação no gabineté, não é n e c e s s a r i a r r i e n ~ te verdade que os partidos queiram o tempo todo ter um lugar nos g ~ b i n e teso Eles podem perfeitamente achar que passar algum tempo sem qualquer
responsabilidade governamental poderá t razer-lhes vantagens eleitorais e, por
isso, que um período passado na oposição oferecerá a oportunidade tanto
de vantagens eleitorais quanto a possibilidade de melhor participação' futur,a
no gabinete (Strom, 1990: 44-47). Se essa consideração é importante para
muitos partidos, ela também cria uma grande probabiiidade de que se forme
um gabinete minoritário.
O próprio Riker reconhece expressamente um a razão para a formação
de gabinetes maiores do que os minimamente vitoriosos. Ele a chama de
"efeito incerteza": nas negociações para a formação de um gabinete, pode
haver uma considerável incerteza a respeito da lealdade de um ou mais par
tidos que eventualmente integram o governo, ou de legisladores individuais
pertencentes aos mesmos, para com o gabinete que se propõe formar. Por
isso, outros partidos adicionais podem ser convidados a fazer parte da coa-
1i.zão, como uma medida de segurança contra as deserções, e como garantia
do status vitorioso do gabinete. Segundo as palavras de Riker (1962: 88),
"se os participantes da coalizão não sabem quanto peso um determinado par
ticipante não c O ~ l p r o m e t i d o irá acrescentar, então pode-se esperar que eles
visem formar uma coalização mais ampla do que a minimamente vitoriosa".
Uma segunda consideração é que as teorias baseadas em programas par
tidários também levam em conta o princípio do tamanho. Elas representam
acréscimos, em vez de alternativas, para a teoria das coalizões m i n i m a ; - ; . ~ n t e vitoriosas: as coalizões de amplitude mínima são lambém coalizões minima
mente vitoriosas, e as coalizões vitoriosas minimamente conexas ou se igualam
ou têm um tamanho ligeiramente maior do que as minimamente vitoriosas.Na realidade, entretanto, as preferências programáticas dos partidcs podem
exercer fortes pressões para aumentar, em vez de diminuir, o tamanho e a
amplitude das coalizões. Cada partido prefere, naturalmente, formar um
gabinete que adote programas próximos de suas próprias orientações prefe
renciais. Um gabinete do qual o partido participa junto com outros que têm
aproximadamente o mesmo peso, tanto à direita quanto à esquerda, é o ideal
nesse aspecto. No exemplo acima, da Tabela 6.1, se B e C estiverem inclina-
, 24
-I
1M ODELOS DE DEMOCRACIA
dos a participar juntos de uma cf'.alizão, a coalizão ABC será mais atraente
para B, porque B vai ocupar ali a posição central enquanto, pelas mesmas
razões, C.irá preferir a coalizão BCD; Numa situação dessas, não é nada
improvável que se venha a formar a coalizão ABCD, de ampla maioria.
A terceira reflexão é que as considerações programáticas também levam
a coalizões de ampla maiori a, se o objetivo mais importante de todos os par
tidos, ou da maioria deles, é o de trabalhar em conjunto para defender opaís, ou o regime democrát ico, das ameaças externas ou internas. As guerras
constituem as principais ameaças externas, e as amplas coalizões de guerra,
tais como o gabinete de guerra de Churchill, na Grã-Bretanha, freqüentemente
têm ocorrido. Ameaças internas podem ser lançadas por partidos e movi
mentos antidemocráticos, e também por profundas divergências entre parti
dos pró-democráticos, nas s ociedades plurais. Ian Budge eVaientine Herman
(1978: 463) testaram a hipótese seguinte, em 21 países, durante o período
1945-78: "Quando o sistema democrático é subitamente ameaçado (exter
na ou internamente), todos os partidos a favor do sistema se juntarão ao
governo, com exceção dos p artid os de oposição ao sistema." Verificaram que,entre os gabinetes formados sob tais condições de crise, 72 por cento cons
tituíam na verdade aquelas coalizões amplas.
Além disso, muitos aspectos institucionais podem favorecer a formação
dos gabinetes minoritários e de ampla maioria, em vez dos minim:lrnente
vitoriosos (Stf0m, Budge e Laver, 1994). Por exemplo, é mais fácil formar
um gabinete minoritário quando não existe requisito de investidura - isto
é, quando o novo gabinete pode assumir o cargo sem a necessidade de um
voto parlamentar elegendo-o ou aprovando-o formalmente. É mais prová
vel formar-se um gabinete minoritário se for permitido à maioria parlamen
tar tolerá-lo, em vez de ter de lhe da r uma aprovação explícita. Exist em muit as
democracias parlamentaristas que não dispõem de regras de investidura. Os
exemplos são o Reino Unido, a ma iori a das ex-colônias britânicas (mas não
a Irlanda ePapua-Nova Guiné), os países escandinavos ea Holanda (Bergman,
1995: 40-46).
O requisito de um voto "construtivo" de desconfiança- isto é, a condi
ção de que uma moção de desconfiança deva propor, simultaneamente, um
gabinete alternativo - pode ter dois efeitos diversos. Um voto bem-sucedi
do de desconfiança, apoiado por maioria parlamentar, é semelhante a uma
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AREND l IJPHART
investidura e, por isso, encoraja a formação dos gabinetes de maioria. Mes
mo assim, o requisito constru tivo de desconfiança também pode manter no
poder um gabinete de m i n o r i a ~ se a maioria parlamentar de oposição ao ga
binete estiver demasiadamente dividida em relação à decisão por uma alter
nativa. A Alemanha foi o primeiro país a adotar o voto construtivo de
desconfiança, em sua constitui ção de pós-guerra. Ele agora é também usado
pela Espanha, Papua-Nova Guiné e, desde 1993, pela Bélgica federalista.Os gabinetes de minoria são também estimulados por uma regra inova
dora da constituição da V República da França. Esta regra concede ao gabi
nete o direito de tornar suas propostas legisiati,,-as questões de confiança, e
estipula que essas propostas sejam automaticamen te aprovadas, a meno s que
uma maioria absoluta da Assembléia Nacional vote pela destituição do gabi
nete: o projeto governamental "será considerado aprovado, a menos que uma
moção de censura ( .. ) seja votada nas condições expostas no parágrafo ante
rior". Esse parágrafo anterior prescreve que "os únicos votos a serem conta
dos serão aqueles favoráveis à moção de censura, a qual só pode ser ap rova da
pela maioria dos membros que compõem a Assembléia" (Artigo 49). Apoia
dos por essa regra, os gabinetes socialistas de minoria, no governo do presi
dente François Mitterrand, conseguiram não só permanecer no poder de 1988
até 1993, como também aprovar grande parte de seu programa legislativo.
Provavelmeúte, o mais importante aspecto institucional que viabiliza os
gabinetes de minoria seja a força dos comitês parlamentares. Comitê s pode-
rosos, com muito poder de pressão sobre os detalhes de um projeto de lei,
dão aos partidos a capacidade para exercer influência sobre a política, a pa r
tir de suas posições na assembléia ~ e faz diminuir seus impulsos para tenta
rem ingressar no gabinete (Strom, 1990: 70-72). A força dos comitês
legislativos é um dos aspectos da questão mais geral do equilíbrio de poder
entre os Executivos e as legislaturas (assunto do próximo capítulo): como
todos os demais fatores são equivalentes, os estímulos para a participação no
gabinete diminuem e a probabilidade dos gabinetes de minoria aumenta,
; quando as legislaturas são relativamente fortes em face do Executivo.
Os gabinetes de ampla maioria podem também ser estimulados por
cláusulas institucionais particuiares. Um exemplo claro e incomum foi o aco r
do da Frente Nacional, entre os partidos Liberal e Conservador, que acabou
com a violenta guerra civil na Colômbia, em fins da década de 1940 e início
126
.-M o DEL O S D E O-E M O C RA C) A
da década de 1950. A Constituição determinou a representação_ igual de
ambos os part idos no gabinete, e tambéin sua alternânCia napresidêneia, de_
1958 a 1974. Estendeu-se por mais quatro anos o requIsito para os gabine
tes de ampla coalizão, mas, mesmo depois de 1978, uma representação "ade
quada e eqüitati va" no gabinete teve de ser oferecida ao segundo maior partido
(Hartlyn, -1989: 292). Isto levou ao prosseguimento das coalizões bipartidárias
até 1986, quando então os conservadores se recusaram apartidpar do gabi
nete do presidente liberal Virgilio Barco.
Exemplo diverso de referência à composiçiio do gabinete em cláusula
constitucional é a obrigação do equilíbrio lingüístico, na Bélgica. Indireta
mente, essa lei provoca a ampliação do gabinete. Se, por exemplo, os socia
listas flamengos forem convidados a participar do gabinete, o requisito do
equilíbrio lingüístico aumenta a probabilidade de que os socialistas de fala
francesa sejam também incluídos, mesmo que não sejam necessários para dar
maioria ao gabinete.
Finalmente, as maiorias especiais, necessárias para a aprovação de emen-
das constitucionais, ou a legislação regular, podem con sti tui r fortes motivos \
para a formação de gabinetes de ampla maioria. Se a agenda programática \.' .
de um novo gabinete inclui uma ou mais emendas importan tes à Constitui
ção, quaisquer maiorias especiais requeridas para esse propósito irão prova
velmente am plia r a composição do gabinete. A regra da maioria de dois terços
para as emendas constituciomis na Bélgica foi uma d2s razões para os seus
muitos gabinetes de ampla maioria, durante o longo processo da reforma
constitucional que levou ao estabelecimento de um Estado federalista em
1993. A Bélgica representa também um exemplo de outras leis 1Í11portantes
que requerem não apenas maiorias de dois terços, porém maiorias concor
rentes dentro de cada grupo lingüístico (ver capítulo 3). Até inícios da déca-
da de 1990, a tendência da Finlândia para ter gabinetes de ampla maioria
era igua lment e reforçada peio requisito de maiorias de dois terços e até mesmo
de cinco sextos para certos tipos de legislação econômica. Além disso, "mes-
mo as leis ordinárias aprovadas por maioria simples podiam ser adiadas até
depois da eleição seguinte por uma votação de um terço dos membros, notá-
vel condição para um veto temporário de minoria. Esses procedimentos re
compensavam o comportamento consensual e tornaram uma coalizão de
maioria mínima menos valiosa que uma de maioria mais ampla" (McRae,
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I1997: 290). Na Colômbia, a maior parte das medidas legislativas requeria
maiorias de dois terços para sua_aprovação, durante os primeiros dez anos
da Frente Nacional.
GABINETES DE MINORIA
A tríplice classificação dos gabinetes em minimamente vitoriosos, sobredi
mensionados e de minoria e a dupla classificação em gabine tes uni partidários e
de coalizão parece simples e direta. Porém levanta alguns problemas que preci
sam ser resolvidos antes que possam ser usadas para medir o grau de concentra
ção do Poder Executivo. Os mais importantes desses problemas são as condutas
dos gabinetes de minor ia e dos gabinetes presidenciais.
É claro que os gabinetes minimamente vitoriosos e monopartidários re
prese ntam c aracterísticas majoritárias, e que os gabinetes sobredimensionados
e de coalizão manifestam aspectos consensuais. Mas onde se situam os gabi
netes de minoria? Em princípio, pode haver dois tipo s de gabinetes de mino
ria. Um deles é o gabinete genuinamente minoritário, que precisa sempre
negociar com um ou mais partidos fora do gabinete, tanto para permanecer
no cargo quanto para solicitar apoio para suas propostas legislativas. Esse
relacionamen to' de barganha, que em geral se realiza com diversos partidos
fora do gahinete, e com diversos propósitos, faz com que esses gabinetes
minoritários se assemelhem a coalizões de ampla maio ria. Outro tipo é des-
crito por Strom (1997: 56) como "governos majoritários disfarçados" -
gabinetes de minoriaque se assemelham mais a gabin etes majoritários, por
que receberam um firme compromisso de apoio, de um ou mais partidos
específicos na legislatura, embora estes tenham optado po r não obter pastas
no gabinete.Em seu estudo anterior, Stf0m (1990: 95) verificou que apenas 11 por
cento dos muitos gabinetes de minoria que analisou poderiam ser considera
dos como essas maiorias disfarçadas - o que lhe permitiu concluir que, numa
larga margem, a maior parte dos gabinetes de minoria não constitui "sim
plesmente governos de maioria disfarçados ( .. ) mas sim, em vez disso, o ga-
binete típico de minor ia é um governo unipartidário ( .. ) que pode precisar
buscar apoio legislativo para cada questão numa base ad hoc (específica)".
1 28
_.M o oE L O 5 O E O E M O C R A C I A
Com base nas verificações de Strom, como também em duas considerações
adicionais - a de que o compromisso ete apoio partidári-o jamais é tão sóli
do quanto o de um partido que de fato faça parte do gabinete, e a de que
muitas vezes é difícil determinar até que ponto está um partido qualificado
para dar apoio-, az muito sentido, tanto do ponto de vista teórico quanto,l
prático, aborda·r os gabinetes de mino ria c omo gabinetes superdimensionados.iConseqüentemente, o c o ~ 1 t r a s t e será entre os gabinetes minimamente vitoria- Isos, de um lado, e os gabinetes superdimensionados e de minoria, de outro. I
,
GABINETES PRESIDENCIALISTAS
As classificações em gabinetes unipartidários versus gabinetes de coalizão, e
minimamen te vitoriosos versus sobredimensionados versus gabinetes de mi
noria têm sido aplicadas princ ipalme nte a gabinetes nos sistemas parlame n
taristas de governo, os quais têm constituído, quase exclusivamente, o foco
de atenção dos teóricos da coalizão. Poderiam essas classificações aplicar-se
também aos gabinetes nos sistemas presidencialistas? Dois ajustes cruciais são
necessários para esse propósito. As diferenças entre os sistemas par lamen ta- !
ristas e presidencialistas serão discutidas, de maneira mais completa e siste- .
mática, no próximo capítulo, porém uma importante diferença é que o
Executivo (gabinete), nos sistemas parlamentaristas, depende do apoio ma
joritário da legislatura, tanto para permanecer no cargo quanto para ter suas
propostas legislativas aprovadéls, enquanto o Executivo nos sistemas pre
sidencialistas necessita da maioria legislativa ~ l p e n a s para as propostas i
legislativas do presidente. Os pre sident es são eleitos por um mandato fixo e
nem eles, nem os gabinetes que indicam, dependem da confiança da legislatura
para sua sobrevivência no cargo. Por isso, quan to a um aspecto - permane
cer no cargo -, os presidentes e os gabinetes presidenciais são, por defini
ção, minimamente vitoriosos. Quanto ao outro aspecto - o apoio da
legislatura aos projetos de lei -, os gabin etes presidenciais podem ser mini- •
mamente vitoriosos, de ampla maiori a ou gabinetes de minoria, dependen- i
do das filiações partidárias dos presid entes e dos membros de seus gabinetes, !
e também dos tamanhos dos respectivos partidos na legislatura. Isto quer dizer i
que, enquanto nos sistemas parla mentar istas os gabinetes podem variar de O
1 2 9
L
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AREND LIJPHART
1/ a 100 po r cento de minimamente vitoriosos, a variação para os gabinetes
presidenciais fica apenas entre 50 e 100 por cento.
A outra diferença entre os sistemas parlamentaristas e presiden-cialistas,
da maior relevância em nosso presente estudo, é que os executivos parla
mentaristas const ituem gabinetes colegiados, enquanto os presidencialistas
são e xecut iv05 unipessoais. Nos sistemas presidencialistas, o Poder Executi
vo concentra-se no presidente, e o gabinete compõe-se de seus assessores,em vez de co-par ticipante s mais ou menos equivalentes. Par a a distinção entre
executivos de um partido e de coalizão, isso significa que, num aspecto, os
gabinetes presidenciais constituem, por definição, gabinetes unipartidários
- sendo esse partido o partido do presidente, graças ao status predominan
te do mesmo no gabinete. Por outro lado, faz muita diferença se um presi
dente indica para o gabinete exclusivamente membros de seu partido, ou se
também são incluído s no gabinete membros de outro ou outros partidos. Na
pressuposição de que esses dois aspectos possam ser avaliados igualmente,
os gabinetes presidenciais podem variar entre 50 e 100 por cento de gabine-
1 tes de um partido, em contraste com os gabinetes parlamentares, em que amargem de variação é de um total de C-a 100 por cento. Como se explicará
de forma mais completa no próximo capítulo, os cinco sistemas presi
dencialistas são:· Estados Unidos, França (exceto as duas curtas fases parla
mentaristas), Costa Rica, Colômbia e Venezue1a. 5 Os chamados sistemas
semi pres idenc ialist as, além da França, podem se r tratados como parlamen
taristas. A Suíça constitui um caso intcrmediário, mas, para o propósito de
se classificar a composição do seu Executivo, pode ser tratada como parla
mentarista.
GABINETES INCOMUNS NA ÁUSTRIA, ESTJ\DOS UNIDOS E JAPÃO
A grande variedade de formas que os gabinetes podem assumir é mais bem
ilustrada em três das nossas democracias: Áustria, Estados Unidos e Japão.
-'Além disso, a breve experiência de Israel- apenas cerca de um mês, no final do período oraem análise - sob o "primeiro-ministro diretamente eleito" deveria também ser tratada comouma fase presidencialista (ver capítulo 7).
1 3 O
LLi
MODE L OS DE DE MOC R AC IA
Entretanto) mesm_o esses gabinetes que fogem ao usual podem ser classifiCa
dos segundo os critérios b â ~ i c 6 S que distinguem os gabinetes unipartidários
das· coalizões, e os gabinetesminimameI;te vitoriosos dos de ampla m a ~ i o r i a , e dos de minoria.
Os chamados gabinetes de grande coalizão, na Áustria, de 1949 a 1966,exemplificam a ocorrênc!a bastante freqüente das coalizões muito amplas,
compostas pelos dois maiores partidos de um país - que são, entretanto,gabinetes minimamente vitoriosos, em termos puramente técnicos. Aquelas
c031izões austríacas se compunham do Partido Socialista e do conservador
Partido Popular, que controlavam juntos uma média maior do que 92 po r
cento das cadeiras parlamentares, durante aquele período . Entretanto, já que
caJa partido detinha menos que a me tade das cadeiras, seus gabinetes eram
tecnicamente gabinetes minimamente vitoriosos, porque o afastamento de
qualquer um dos partidos transformaria o gabinete em gabinete minoritário.
Em termos concretos, essas grandes coalizões obviamente deveriam ser con
sideradas como de ampla maioria. Dessa forma, classifico como de ampla
maioria qualquer gabinete de coalizão baseado numa folgada supermaioriade quatro quintos, ou mais - 8Opo r cento - das cadeiras na legislatura. 6
Os gabinetes americanos fornecem os melhores exemplos de gabinetes
partidários com um ou dois membros "simbólicos", retirados de um partido
diferente. A participação simbólica nos gabinetes significa uma participação
nas pastas do gabinete muito inferior ao que o partido poderia esperar com
base na proporcionalidade. Por exemplo, os republicanos C. Douglas Dillon
e Robert S. McNamara integraram o gabinete do presidente J hn F. Kennedy,
e o dcmocratajohn B. Connally, o gabin ete do p residente Richard M. Nixon.
O exemplo de Connally é particularmen te notável, porque ele fora um ativo
60s outros casos de gabinetes substanci3lmente sobredimensionados 52 0 um gabinete p o s t e ~ rior austríaco (1987-90), o gabinete belga de 1961-65, os gabinetes da Frente Nacional na
Colômbia, com representação igual de liberais e conservadores, de 1958 a 1978, a cO:-lnccida
"grande coalizáo'; dos democratas cristãos e social-democratas na Alemanha, de 1966 a 1969,
o gabinete de Luxemburgo de 1954-59 e a coalizão de três meses entre os dois principais par tidos venezuelanos em 1992. Entretanto, desvio-me da minha própria regra dos 80 por centono caso do gabinete gaullista-republicano, na França, que assumiu o poder em 1993, pelo fatode Sua enorme maioria parlamentar (81,8 por cento) ter sido fabricada a partir de meros 39,9
por cento no primeiro turno da votação. Tecnicamente - de acordo com a regra dos 80 po r
cento - este foi um gabinete de ampla maioria, mas, concretamen te, s6 pode ser consideradocomo minimamente vitorioso.
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••A R E N D L I J P H A R T-
político democrata, atuando como governador democrata do Texas Ganes,
1984: .107 8). O u t ~ o exemplo semelhante, mais recent e, é o da indicação do
ex':-senador republicano William 'Cohen-como secretário da Defesa, no se
gundo mandato do presidente Clinton. A conclusão de Ri chard F. Fenno
(1959: 68) é ainda válida: "Geralmente, o gabinete inteiro pertence ao mes
mo partido político do presidente. ( .. ) As poucas exceções servem apenas
para provar a re gra. Muitos desvios dessa norma são mais aparentes do que -reais, envolvendo homens cujas idéias e afinidades, obviamente, não coinci
dem com seus r ótulos partidários". Vale a pena notar que mais tar de Connally
mudou de partido e se tornou candidato presidencial republicano, em 1980.
Uma importante verificação genérica, relativa aos gabinetes de coalizão, é a
tendência à adesão escrupulosa à proporcionalidade aproximada, quando da
divisão dos postos do gabinete (Browne e Frendreis, 1980). Por isso, não é
nada difícil distinguir as coalizões simbólicas das genuínas, e os ministros
simbólicos - assim como os ministros sem partido em gabinetes que, por
outro lado, são partidários? - podem ser ignorados na classificação dos ga
binetes.
Os gabinetes do Partido Liberal Democrata (LDP) no Japão, de 1976 a
1993, apresentam o caso incomum de um gabinete que, do ponto de vista
numérico, é minimamente vitorioso e se comporta como um gabinete de
minoria. T. J. Pempel (1992: 11) declara que o LDP, em vez de usar "sua
maioria parlamentar para pelejar em meio à legislação controversa", tendia
a seguir "a norma da construção do consenso interpartidário. Normalmen
te, o LDP [ tentava] garantir o apoio a suas propostas por parte de pelo me
nos um partido, ou até mesmo maisde um partido de oposição". No Japão,
chamava-se a isto estratégia da "coalizão parcial" com a oposição parlamen
tar (Krauss, 1984: 263). Esses gabinetes do LDP - uma vez que os especia
listas em política japonesa relacionam esse comportamento a firmes normasconsensuais, "que agem contra o que normalmente é chamado pelos japone-
7Uma vez que todas as classificações de gabinetes se baseiam na sua composição partidária, os
gabinetes que são totalmente "não·partidários" ou "técnicas" devem ser descartados. Mas,
felizmente, eles não ocorrem com freqüência. Os únicos casos, nas nossas 36 democracias,
são três gabinetes de curta duração, atuando por menos de dois anos no total: na Finlândia, na
Itália - com o gabinete interino do primeiro-ministro Lamberto Dini, em 1995-96 - e a
administração sem partido do presidente Ramón Velásquez, em 1993-94, após a renúncia
forçada do presidente Carlos Andrés Pérez, na Venezuela.
13 2
MODELOS DE DEMOCRACIA
ses de 'tirania da maioria'" (Pempel, 1992: 11) - deveriam contar-se antes
como minoritários do que como minimamente vitoriosos.8
GABINETES EM 36 DEMOCRACIAS
A primeira e a segunda colunas da Tabela 6.3 apresentam os tipos de gabine-tes em 36 democracias, classificados quanto ao tempo em que estiveram no
poder os gabinetes minimamente vitoriosos e unipartidários. Os valores da
terceira coluna são as médias dos qu e constam nas duas primeiras. Eles me-
dem o grau geral de maioria na formação dos gabinetes. Os países estão re-
lacionados na ordem crescente da natureza majoritária de seus gabi netes .
Os totais nas duas primeiras coiunas estão fortemente relacionados
(r = 0,62, significativo no nível de 1 po r cento), sobretudo porque na parte
superior da tabela ambos tendem a ser baixos, e na parte inferior, tendem
a ser altos. Os gabinetes monopartidários, em sua maioria, são também
minimament e vitoriosos, e os gabinetes de ampla maioria são, por defini-
ção, coalizões. Entretanto, no meio da. tabela estão vários países em que
os dois elementos se combinam de forma desigual: alguns, tendo princi-
palmente gabinetes minimamente vitoriosos, e poucos unipartidários -
especialmente a Bélgica, Alemanha, Islândia e Luxemburgo -, e outros
com relativamente poucos gabinetes minimamente vitoriosos, porém
muitos unipartidários - principalmente Espanha e Suécia. A margem de
'Duas questões finais de classificação precisam ser brevemente mencionadas. Em primeiro lugar,
a conseqüência lógica de se tratar os partidos b.ccionados e os estreitamente ligados como um
partido e meio, explicado no capítulo 5, é que os gabinetes compostos por tais partidos têm
de ser classificados como gabinetes meio monopartidários e gabinetes de coalizão meio
bipartidários. Por exemplo, todos os gabi netes liberal-nacionais, n ~ Austrália, têm de ser con·
tados como situados entre gabinetes uni partidários e de coalizão. Além disso, obtendo os libe
rais uma maioria de cadeiras no Parlamento, tsis gabinetes estão a meio caminho entre os
minimamente vitoriosos e os gabinetes de ampla maioria. Em segundo lugar, quaisquer im-
portantes alterações no período entre as eleiçõe.' nas cadeiras legislativas controladas po r
partidos do gabinete devem ser !evad as em consideração. Por exemplo, o gabinete trabalnista
britânico começou corno um gabinete minimamente vitorioso, em outubro de 1974, mas se
torno u gabinete de minoria em meados de 1976 (ver capítulo 2). Um exemplo contrário é o
gabinete do Congresso Indiano, que teve início como gabinete minoritário, em 1991, mas se
tornou gabinete minimamente vitorioso em dezembro de 1993, quando diversos desertores
de outros partidos ingressaram no Partido do Congresso.
1 3 3
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variação, em ambas as variáveis, é ampla: de 8,2 a 100 por: cento paragabinetes minimamente vitoriosos, ede Oa 100 porocentoparagabine!es -
de um partido. Sêis países, sem exceção, sempre -tiveram gabinetes mini
mamente vitoriosos, e nove tiveram sempre gabinetes uni partidários. Em
contrapartida, cinco países jamais tiveram gabinetes unipartidários. A
tendência para haver gabinetes minimamente vitoriosos é ligeiramente
mais forte do que a tendência para os gabinetes monopartidários: amé
di a e o número mediano dos valores na primeira coluna são de 64,0 e
65,4 po r cento, comparados com os 55,2 e 53,5 po r cento da segunda
coluna. A terceira coluna vai de 4,1 a 100 po r cento, com uma média de
59,6 e um número mediano de 57,3 po r cento.
Como era de se esperar, a Suíça surge no topo da tabela. Sua única coa
lizão mÍIlÍmamente vitoriosa ocorreu de 1955 a 1959, quando houve um
Executivo composto de três partidos sem a pr esenç a dos social-democratas,
em lugar do Executivo usual de quatro partidos. A Bélgica situa-se muito
embaixo na tabela, mas teria obtido uma posição mais alta se apenas as déca
das mais rece ntes tivessem sido analisadas. Próximo à extremidade m:::.joritá
ria, na parte inferior da tabela, podemos encontrar , também como se esperava,
o Reino Unido, Nova Zelândia e Barbados. De forma mais geral, há dois
grupos de países no lado majoritário: as democracias de herança política
britânica - todos os sete países ao fundo são, na verdade, ex-colônias britâ
nicas - e as democracias presidencialistas. Parte do caráter majoritário das
democracias presidencialistas, como se discutiu antes, deve-se à posição cons
titucional e ao poder dos presidentes nos sistemas presidencialistas. Entre
Lanto, no extremo majoritário há, taOmbém, algumas exceçõeS notáveis a essa
concentração de herança britânica e democracias presidencialistas. A pre
sidencialista Colômbia, com seus muitos gabinetes de ampla coalizão, situa
se aproxi!11adamente no meio da tabela. Ali també m estão a Índia e a Irlanda,ambas antigas co!ôni8s britânicas. E ainda duas outras ex-colônias britâni
cas, também profundamente pluralistas como a Índia, ocupam a quinta e a
sexta posições no topo consensual da tabela: são a República de Maurício e
Papua-Nova Guiné. Em contrapartida, a Grécia constitui uma presença ver
dadeiramente surpreendente, no meio dos países de herança britânica, na
extremidade majoritária.
1 3 4
MODELO-$ DE DEMOCRACIA
TABELA 6.3 PROPORÇÕE.s DE TEMPO EM QUE GABINETES MINIMAMENTE VITORIOSOS E
DE UM PARTIDO ESTIVERAM NO PODER, EM TRINTA ESEIS DEMOCRACIAS, DE 1945 A 1996
Gabinetes minimamente Gabinetesvitoriosos de um partido Média
(o/b) (%) (Oil)
Suíça 8,2 0,0 4,1Israel 21,6 0,1 10,8
Itália 11,4 10,3 10,9
Finlândia 14,6 10,9 12,3
Maurício 28,0 0,0 14,0
Papua-Nova Guiné 46,0 0,0 23,0
Holanda 50,5 0,0 25,3
Dinamarca 17,4 42,9 30,2
Alemanha 70,8 1,7 36,2
Bélgica 66,7 8.3 37,5
Portugal 37,4 43,0 40,2
Áustria 49,1 33,8 41,4
Luxemburgo 88,3 0,0 44,1
Islândia 88,2 3,0 45,6
Suécia 24,6 ""lA ,1 47,5V .
Japão 49,9 46,2 48,1
Índia 63,6 41,4 52,5
Colômbia 58,5 52,9 55,7
Irlanda 64,0 53,9 58,9
França 71,9 53,1 62,5
Noruega 46.9 79,4 63,1Espanha 46,0 100.0 73,0
Venezuela 63,6 8.3,1 73,4
Estados Unidos 73,2 89.1 81,2
Austrália 94/; 69,2 81.9
Costa Rica 78,7 100,0 89,4
Canadá 82,0 100,0 91,0
Reino Unido 93,3 100,0 96,7
Grécia 97,3 96.4 96,9
Trinidad 100.0
98.1 99,1Nova Zelândia Q9,2 99,7 99,5
Bahamas 100,0 100,0 100.0
Barbados 100,0 100,0 100,0
Botsuana 100,0 100,0 100,0
Jamaica 100,0 100,0 100,0
Malta 100,0 100,0 100,0
Fonte: Baseado em dados de Woldcn dorp, K eman c Budgc, 1998; Banks, Day c Mull er, 1997; lv[üllere Strom, 1997; Strom, 1990; von Beyme, 1985; COlltemfJoraryArc/Jives, de Keesing e dados fome·
cidos por Octavio Amorim Neto
1 35
M o o E lOS. D E D É.M o C R A C I ~ Á
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AREND l l J PHART
GABINETES E SiSTEMAS PARTIDÁRIOS
Existe um a forte relação entre sistemas partidários e tipos de gabinetes, como
mostra a Figura 6.1. À proporção que o número efetivo dos partidos p:trl:t
mentares aumenta, diminui a incidência dos gabinetes unipartidários minima
mente vitoriosos. Todo acréscimo de um partido ao número efetivo de partidos
está ligado auma diminuição de-23,S por cento nos gabinetes monoparridáriosde maioria. O coeficiente de relação é de -0,87 (significativo no nível de 1 por
cento). A maioria dos países localiza-se bem perto da linha de regressão, e não
há nenhum extremamente afastado. O caso que mais s ~ desvia é o da Repúbli
ca de Maurício, onde o sistema de eleições por maior ia simples (plul'ality) re-
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Número efetivo de partidOS parlamentares
Fig. 6.1 Relação entre o número efetivo dos partidos parlamentares e o tipo de gabinete em 36
democracias, de 1945 a 1996
1 36
- í duziu O número efetivo dos partIdos, ~ a s n ã ~ a ~ o n t ~ de criar um sistemabipartidário, e onde um moderado multiparti dari;mo e osgab-inetes de" coali-
zão têm andado lado a lado. Além disso,a u s u a L i r r c l u s ã ~ , no g a b i n e t e , d ~ par
tido representando a distante i lha de Rodrigues faz com que as coalizões tendam
a ser de ampla maioria. Dois outros casos de relativo afastamento são a Áustri a
e a Alemanha, ambos com dois grandes partidos, mas que normalmente não
sãode
maioria -=- o que resulta num multi partidarismo moderado,p o ~ é m
emfreqüentes gabinetes de coalizão. -
A forte relação entr e sistemas partidários e tipos de gabinetes é parte do
grupo de cinco variáveis es treitame nte relacionadas, que compreendem a di
mensão executivos-partidos do contraste entre democracia majoritária e de
consenso, descrito nos três primeiros capítulos deste livro. Os próximos três
capítulos irão analisar as outras três variáveis desse grupo: as relações entre
Executivo e Legislativo, os sistemas eleitorais e os grupos de interesse. Essa
análise novamente irá demonstrar fones relações empíricas, embor a não tão
fortes e significativas quanto a ligação extraordinariamente próxima entre
sistemas partidários e ga binetes.
ADENDO: O PODER DO PRIMEIRO-MINISTRO
Qual é a força do chefe do executivo no interior do seu gabinete? No s siste
mas presidencialistas, o g:tbinete é do presidente, e a posição cons titucio nal
deste o torna preeminente. Essa posição p ode ser chamada, segundo as pala
vras de Giovanni Sanori (1994: 109), "um primus solus, :.:omo no caso do
presidente americano (cujo governo compõe-se apenas do seu gabine te par
ticular)". Nos sistemas parlamentaristas, o poder do primeiro-ministro, que
chefia o gabinetc, pode variar muito - para empregar de novo a terminolo
gia de Sartori -, desde um forte "o primeiro acima de desiguais" até um
mediano "o primeiro entre desiguais", chegando a um relativamente fr:lco
"o primeiro entre iguais".
Neste capítulo, medi a concentração de poder e o grau de maioria no
gabinete segundo a amplitude da representação e do número dos partidos
incluídos no gabinete. O corolário lógico seria esperar que o grau de poder
do primeiro-ministro estivesse relacio!1:tdo com a concentração de poder no
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à REN D l I JPHART
gabinete. A tripla classificaçãode poder intragabinete dos primeiros-minis- -
tros em 13 países e u r o p e u s ~ def\nt110ny-King (1994: 153) -semelhante ao-- -
esquema tricotômico de Sartori- , permite testar essa hipótese. King cIassi-
fica seis primeiros-ministros como detentores de um elevado grau de in
fluência no interior dos seus gabinetes: os da Alemanha, Grécia, Irlanda,
Portugal, Espanha e Reino Unido. Os primeiros-ministros da Áustria, Bélgi
ca , Dinamarca e S-uécia estão em posição média. Os da Itália, Holanda eNoruega têm um grau relativamente baixo de influência.9
Ao compararmos a classificação de King com os resultados da terceiracoluna da Tabela 6.1 observamos que os primeiros-ministros, na verdade,
parecem ter um poder maior nos países com gabinetes majontários do que
naqueles com gabinetes consensuais. Apenas três primeiros-ministros desviam
se acentuadamente do padrão geral: o primeiro-ministro norueguês tem
menos poder, e os da Alemanha e de Portu gal, mais poder do que o previsto,
baseando-se no tipo de gabinete. O c oeficien te de relação é de 0,58 (signifi
cativo no nível de 5 por cento). A relação seria mais forte ainda se a Suíça
tivesse sido incluída. O gabinete suíço ( Conselh o Federal) é uma corporaçãoextremamente igualitária, com a presidência circulando anualmente por to
dos os seus sete membros, ievando possivelmente à necessidade de se acres
centar mais um qllarto tipo de primeiro-minis tro às três categorias de Sartori:
a de um "igual e ntre iguais"! E a Suíça também tem a mais elevada incidência
de gabinetes de coalizão de ampla maiori?.
9King (1994: 152) omite os primeiros·ministros da França e da Finlândia, porque eles "repar
tem o poder de forma algo idiossincrática" c om seus respectivos presidentes. Ele também omite
o presidente do Executivo suíço (presumivelmente porque a Suíça não constitui um sistemaparlamentarista), os primeiros·ministros dos dois pequenos países europeus da Islãndia e do
Luxemburgo, e todos os primeiros-ministros não europeus.
1 38
IAPíTULO 7 Relações entre o Executivo e oLegislativo:Formas de predomínio e equilíbrio de poder
-1-
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r1\I
.
A terceira diferença entre os modelos majoritário e consensual de democra
cia refere-se à relação entre os ramos Executivo e Legislativo do governo. O
modelo majoritário é o do predomínio do Executivo, enquanto o modelo
consensual se caracteriza por uma relação mais equilibrada entre Executivo
e Legislativo. Na realidade da vida política, uma variedade de formas pode
ocorrer, indo do completo equilíbrio até o sério desequilfbrio.
Neste capítulo, em primeiro lugar, coloco em contraste os dois tipos for-
mais qu e mais prevalecem nas relações entre o Executivo e o Legislativo nos
regimes democráticos: o governo parlamentarista e °presidencialista. Pro
ponho um esquema de classificação baseado nas três principais diferenças
entre esses tipos de governo, mostrando qu e quase todas as 36 democracias
incluídas neste estudo se ajustam quer ao puro tipo parlamentarista, quer ao
puro tipo presidencialista. O tópico seguinte é a questão de como medir os
graus de pred omín io do Executivo. Proponho um índice baseado, sobretudo
- porém não totalmente -, na duração dos gabinetes. São necessários di-
versos ajustes importantes, especialmente no que se refere aos sistemas
presidencialistas. Após apresentar as verificações empíricas relativas aos di-
ferentes níveis de predomínio do Executivo em 36 d e m o c r a c i ~ s , no período
de 1945 a 1996, examino duas relações: a ligação entre os cinco tipos bási
cos de gabinete e a duração dos mesmos nos regimes parlamentaristas, e ardação entre a incidência do governo majoritârio de um partido e o grau de
predomínio do Executivo nas 36 democracias. Encerro com uma breve dis
cussão sobre o poder exercido pelos chefes de Estado - monarcas e presi
dentes - e alguns dos problemas associados ao poder monárquico e o
presidencial.
1 4 1
AREND l IJPHART MODELOS DE DEMOCRACIA
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FORMAS DE GOVERNO P.QJ\LAMENTARISTAS E PRESIDENCIALISTAS
Os regimes parlamentaristas e presidencialistas de governo apresentam três
diferenças cruciais. A primeira delas é que, num sistema parlamentar , o che
fe do governo - que pode receber títulos oficiais corno primeiro-ministro,
premier, chanceler, ministro-presidente, taoiseach (na Irlanda) ou até mes
mo (inclusive gerando confusão) "presidente" (em Botsuana), mas a quemgenericamente chamo de primeiro-ministro - juntamente com o seu gabi
nete são responsáveis perante a legislatura, no sentido de que dependem da
confiança da mesma e podem ser demitidos do cargo por um voto legislativo
de desconfiança, ou de censura. Num sistema presidencialista, o chefe do
governo - sempre chamado de presidente -é eleito por um período deter
minado constitucionalmente e, em circunstâncias normais , não pode ser for
çado a renunciar por um voto legislativo de desconfiança (embora se possa
afastar um presidente por atos criminosos, pelo processo do impeachment).1
A segunda diferença entre regimes presidenciais e parlamentares é que
os presidentes são el eitos pelo voto popular, ou de forma dire ta, ou por um
colégio eleitoral eleito popularmente, e que os primeiros-mi nistros são sele
cionados pelas legislaturas. O processo de seleção pode tomar uma varieda
de de formas. Por exemplo, o chanceler da Alemanha é formal mente eleito
pelo Bundestag, o taoiseach da Irlanda pelo Dáil, o primeiro-minist ro do Japão
pela Casa dos Representantes, o "presidente" de Botsuana pela Assembléia
Nacional e o primeiro-ministro de Papua-Nova Guiné pela Casa da Assem
bléia. Na Itália e na Bélgica, os gabinetes emergem das negociações entre os
partidos no Parlamento e, especialmente, entre os líderes dos partidos, po
rém para eles é também exigido um voto parlamentar formal de investidura.
No Reino Unido, o rei ou a rainha normalmente indicam o líde r do partido
majoritário como primeiro-ministro, ê em muitos sistemas multi partidários,também, os gabinetes que surgem de barganhas inter partidá rias são indica
dos pelos chefes de Estado sem eleição formal ou investidura. Presume-se
'Além disso, como a firmo mais abaixo, ainda podemos falar de gov erno preside ncialista quando
a legislatura pode demitir o presidente, porém apenas sob duas condições: primeiro, que o
presidente também tenha o direito de dissolver a legislatura, e segundo que, na ocorrência de
qualquer desses eventos, novas eleições, tanto para presidente quanto para o Legislativo, se
jam realizadas.
142
que esses gabinetes detenham a confiança da legislatura, a menos que - ou
até que - ela manifeste sua falta de confianç a neles.
A terceira diferença fundamental é que os sistemas parlamentaristas têm
executivos coletivos ou colegiados, enquanto os executivos dos sistemas
presidencialistas são uni pessoais e não-colegiados. Como indiquei no final
do capítulo anterior, a posição do primeiro.-ministro no gabinete pode va-
riar, desde a preeminência até a quase igualdade perante os demais ministros, mas existe sempre um alto grau de colegialidade na tomada das decisões.
Em contrapartida, os membros dos gabinetes presidenciais são meros asses
sores e subordinados do presidente. As mais importantes decisões nos siste
mas parlamentaristas têm de ser tomadas p elo gabinete como um todo, não
apenas pelo primeiro-ministro. Nos sistemas presidencialistas, as dccisoes mais
impor tante s podem ser tomadas pelo presi dente com a opinião do gabinete,
sem ela, ou até mesmo contra a opinião do gabinete.
Devido ao fato de os governos parlamentaristas e presidencialistas se
definirem segundo três critérios dicotômicos, a aplicação conjunta desses
critérios leva às oito combinações possíveis, mostradas na tipologia da Figu
ra 7.1. Além dos tipos p a r l ~ m e n t a r i s t a s e presidencialistas puros, há ainda
seis formas híbridas de governo, classificadas de I a VI na tipologia. Trinta e
cinco das nossas 36 democracias ajustam-se aos critérios dos dois tipos pu
ros, embora a França e Israel tenham de ser classificados diferelltemente, em
diferentes períodos. Cinco países têm sido, principal ou totalmente, pre
sidenci:llistas - Estados Unidos, França, Costa RiCl, Colômbia e Venezuela
- c trinta têm sido principalmente, ou totalmente, parlamemaristJs.
A Suíça se ajusta à forma híbrida I e constitu i o único exemplo, entre as
nossas 36 democracias, que se pode classificar em qualquer das categorias
híbridas. Este tipo híbrido é parlamentarista em doi s aspectos e presidencialista
em um: o "gabinete" suíço - o Conselho Federal colegiado - é eleito pelo. Parlamento, mas os sete conselheiros ficam no cargo por um m::mdato fixo
de quatro anos, não podendo ser demitidos por voto legislativo de descon
fiança.
Os tipos híbridos III e V são presidencialistas em dois aspectos e parla
mentar istas em um. Os Estados Unidos forneceriam o exemplo do tipo IH se
a Convenção Constitucional de 1787 não houvesse mudado sua opinião no
último instante. O pbno da Virgínia incluía a eleição para presidente pela
143
-I MODELOS DE DEM.OCRACIA
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o
~
o
"~ "
Executivo colegiadoDependente da
confiança
do Legislativo-
Parlamentarista
Alemanha
Austrália
* Áustria
BahamasBarbados
Bélgica
Botsuana
Canadá
DinamarcaEspanha
* Finlândia
* França (1986-88, 1993-95)
Grécia
Holanda
índia
*Iílanda* Islândia
Israel (1949-96)
Itália
Jamaica
Japão
Luxemburgo
Malta
MaurícioNova Zelândia
Noruega
Papua-Nova Guíné
* portugal
Reino Unido
Suécia
Trinidad
Híbrido IV
Não-dependente
da confiança'
do Legislativo
Híbrido I
Suíça
I
Híbrido V
*Sistemas semipresidencia!istas
Dependente
da connança
do L e g i s l ~ t i v o
Híbrido 11
I
Híbrido VI
Nã;;-depenâente
. da- confiança
'. do legiSlativo ----. - c .
Híbrido 111 I
-
Presidencialista
Colômbia
Costa Rica
Estados Unidos
* França (1958-86, 1988-93,
1995-9"1) .
Israel (1996-)
Venezuela
I
Fig. 7.1 Formas de gov erno parlamentaristas, presidencialistas e híbridas em 36 democracias, de1945 a 1996: uma tipologia
-I!
legislatura nacional, ~ a Convenção Constitucional votou três vezes a favor
dessé plano. Mas a decisão final foi pela solução do colégio eleitoral. Deve
.se também observár que, se nenhum candidato presidencial obtiver maioria
no colégio eleitoral, a Constituição americana determina a forma híbrida IH
como o passo seguinte: a eleição pela Casa dos Representantes. Um exemplo
interessante do tipo V é o sistema político do Uruguai, que teve uma presi
dência colegiada de 1952 a 1967: uma corporação de inspiração suíça, com-posta de nove membros, colegiada e atuando por um período fixo, como o
Conselho Federal suíço, porém eleita pelo voto popular.
Não há exemplos empíricos dos tipos híbridos II, IVe VI - o que não
surpreende, uma vez que a lógica da con fian ça legislativa atua contra eles. O
tipo II poderia constituir um sistema parlamentarista, a não ser pelo fato de
que a relação do primeiro-ministro com o gabinete se assemelha à de um
presidente com seu gabinete. Pelo texto escrito, a Consti tuição alemã parece
adequada a tal sistema, mas, uma vez que o chanceler necessita da confiança
do Bundestag, a negociação de um gabinete colegiado de coalizão se realiza
antes da eleição formal do chanceler pelo Bundestag. Os tipos IV e VI são
problemáticos porque um voto legislativo de desconfiança, num Executivoeleito popularmente, poderia ser visto como.um desafio à vontade do povo
e à legitimidade democrática. A única forma democra ticamente aceitável
desses dois tipos seria a possibilidade de um voto legislativo de desconfiança
no Executivo ser equilibrado pelo dir eito do mesmo de dissolver a legislatura,
quando também qualquer dessas ações desencadearia novas eleições, tanto
da legislatura quanto do Executivo. Um sistema do tipo VI com emendas
parece ser o que o Comitê do Sistema Constitucional pr opôs paraos Estados
Unidos, em 1987, mas, como demonstro mais adiante, essa proposta acarre-
tou uma forma especial de governo presidencialista, e n50 um tipo híbrido.
O único problema sério para a cb.ssificação das democracias segundo atipologia óctupla é levantado pelos regimes que contam tanto com um
presidente eleito pelo voto popular quanto com um primeiro-ministro par-
lamenta r, sistemas estes normalmente mencionados como "semipresidenciais"
(Duverger, 1980) ou "regimes presidenciais com premier" (Shugart e Carey,
1992). Entre as nossas 36 democracias, existem seis desses sistemas semi
presidenciais: Áustria, Finlândia, França, Islândia, Irlanda e Portugal. Esses
casos podem ser resolvidos com a pergunta: quem realmente é o chefe do
145
AREND LlJPHARTMODELOS DE DEMOCRACfA
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Igoverno - o presidente ou o primeiro-ministro? Os presidentes da Áustria,
Islândia e Irlanda são fracos, embora eleitos pelo voto popular, e essas três
democracias operai:n muito ao modo dos sistemas parlamentaristas comuns.
O mesmo se aplica a Portugal, especialmente depois que os poderes presi
denciais fora m severamente reduzidos na revisão cons titucional de 1982.
O caso francês é mais problemático. Antes de 1986 o presidente, popular
mente eleito para um mandato fixo de sete anos, era quem claramente constituía o chefe do governo. Não o primeiro-ministro. Entretanto, o poder
presidencial baseava-se mais no apoio de fortes maio rias parlamentares do que
em prerrogativas constitucionais. No início da década de 1980, dois conheci
dos cientistas políticos franceses previram que, se o presidente fosse perder
seu apoio majoritário, o sistema presidencialista iria transformar-se em parla
mentarista. Raymond Aron (1982: 8) escreveu: "O Presidente da República éa suprem a autori dade, enquanto contar com a maioria na Assembléia Nacio
nal. Mas deverá abandonar a realidade do poder nas mãos do primeiro-minis
tro se por acaso um outro partido, que não o seu próprio, obtiver maioria na
Assemblé ia." Baseado na mesma lógica, Maurice Duverge r (1980: 186) previu
que a V República Francesa haveria de desenvolver uma forma de alternância
entre fases presidencialistas e parlamentaristas. Foi isto exa tamen te o que acon
teceu quando os gaullistas e os republicanos obtiveram uma vitória legislativa
em 1986, e ]aC(1ues Chirac tornou-se primeiro-ministro: "A não ser por algu
mas questões relativas às relações exteriores e à defesa ( .. ) o [presidente so
cialista] François Mitterrand permaneceu às margens do Legislativo, enqmnto
Chirac funcionava como o executivo político da França" (Huber, 1996: 28).
A situação se repetiu de 1993 a ,1995, quando o premier gaullista Edouard
Balladur substituiu o presidente !vlitterrand como verdadeiro chefe do gover
no, e o premier socialista Lionel Jospin inaugurou a terceira fase parlamenta
rista sob o governo do presidente Chirac, em 1997.O sis tema semi presidencial finlandês é o cas o ma is difícil. A Finlândia
tem um presidente eleito - até recentemente, eleito indiretamente, por um
colégio eleitoral - com menos poder do que normalmente dispõe o presi
dente francês, porém mais do que presidentes de outros regimes semi
presidencialistas. Ainda assim, existe uma estreIta semelhança com o sistema
francês, na sua fase parlamentarista, durante a qual o primeiro-ministro era
o chefe do governo e o poder do presidente limitava-se a um papel especial
14 6
nos negócios exteriores. Se é possível considerar-se essa--fase do sistema fran
cês como parlamentarista, a situação semelhante dá Finlândia tâmbérrrdeve
ria sê-lo. Essa classificação poderia ser de Certo ~ o d o discutíveCno qu e se -
refere ao longo período de 1956 a 1981, durante o qual o temível Urho
Kekkonen atuou como presiàente, porém ela se ajusta perfeitamente ao pe-
_ íodo posterior ao seu afastamento do cenário político.2 Uma emenda cons
titucional de 1991 reduziu o poder presidencial, retirando do pr esiden te odireito de dissolver o Parlamento - direito que o presidente francês man-
tém -, mas ao mesmo tempo aumentou o prestígio presidencial, abolindo o
colégio eleitoral e instituindo a eleição popular direta. Na balança, a demo-
cracia da Finlândia pode ser classificada como um sistema parlamentarista
na tipologia da Figura 7.1. Com certeza está muito mais próxima de um sis
tema parlamentarista do que de um presidencialista.
F i n a l m e n t 4 i s ~ a e l p a s s o u de um regime indiscutivelmente parlamenta
rista, em todos os sentidos, para a eleição popular direta do primeiro-minis
tro, em 1996 - propondo outro intrigante enigma para uma classificação.
As regras básicas são que o primeiro-ministro será eleito direiamente pelos
eleitores, que o Parlamento será eleito simultaneamente, que o Parlamento
manterá o direito de demitir o primeiro-ministro; que o primeiro-ministro
terá também o direito de dissolver o Parlamento, e que qualquer dessas ações
resultará em novas eleições, tanto para primeiro-ministro como para o Par
lamento (Hazan, 1997). Os israelenses penetraram em terreno desconheci
do com essa inovação, porém ela se assemelha a uma das soluções proposras
peio Comitê do Sistema Constitucional (1987: 16) para o problema do
impasse entre o Executivo e o Legislativo nos Estados Unidos: "Se fosse pos
sível para o presidente, ou para o Congresso, convocar novas eleições, te
ríamos um mecanismo para resolver os impasses sobre questões poiít::::as
fundamentais." Esse direito mútuo de convocar novas eleições, tanto da parte do presidente quanto do Congresso, representaria mais uma mudança 110
sistema do que do sistema presidencialista - isto é, os Estados Unidos con-
tinuariam sendo um sistema presidencialista, de acordo com todos os três
critérios básicos.
I 2G. Bingham Powell (198 2: 56) classificou a Finlândia como sistema parlamentarista mesmo
durante a era Kekkonen.
1 47
A R E N D -L I J P H A R TMO D E L O S DE DEMOCRACIA
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- -- - -
O novo sistema i s r a e l e n s ~ é muito semelhante -a essa forma especial de
presidentialismoLanãáser I1e!ofato de que o presi dente é chamado de "pri
- n i d r ~ - ~ i n i s t r o " . O p;imeiro-ministro é(l) eleito pelo voto popular, em vez
de ser escolhido pelo Parlamento; (2) é eleito por um período fixo de quatro
anos, exceto quando a regra da demissão mútua e novas eleições se torna
operante; e (3) predomina sobre o gabinete em virtude da sua eÍeição pelo
povo, e cemseqüenternente, da sua legitimidade democrática. Noque se re
fere ao terceiro ponto, a regra israelense de que os outros membros do gabi
nete necessitam do voto parlamentar de investidura, antes de tomar posse
do cargo, soa como a manutenção de um dos aspectos do velho parlamenta
rismo, mas lembremos que nos Estados Unidos, também, o presidente só pode
indicar os membros do seu gabinete com a "recomendação e o consentimen
to" do Senado. O primeiro-ministro eleito pel o voto direto é, assim, muito
mais como um presidente num sistema presidencialista do que como um
primeiro-ministro num sistema parlamentarista.3
A única incerteza sobre essa classificação refere-se à probabiiidade de
freqüentes novas eleições. O Comitê do Sistema Constitucional (1987: 16)
previu que essas novas eleições seriam raras nos Estados Unidos, já que nenhum lado iria querer encurtar a própria permanência no cargo. De fato, o
comitê esperava que o próprio tipo de mecanismo que estava propondo "fa
ria co m que se e'vitasse um impasse que, por sua vez, precipitaria novas elei
ções". Para Israel, alguns comentadores fizeram a previsão oposta: que o
principal efeito do novo sistema seriam as eleições extremamente freqüen
tes. Por exemplo, Giovanni Sartori (1994a: 115) alerta sobre o perigo das
"eleições iúcessantes". Se essa preyisão provar -se corre ta, o sistema israelen
se, pelo menos nesse aspecto, irá parecer completamente diferente dos ou
tros s istem as presidencialistas, com seus mandatos fixos e muitas vezes longos.
I D, ",,,,docom M,,,h,w Sob"" Sh","" , Soe"Moi"" . n, (1997, 15)," p,oidwci,tio""pode ser definido s e g u ~ d o duas c a r a c : e r í s t i ~ a s básicas: "origem separada" (eleições popularessepa rada s) e "sobrevlvencla separada (peno dos fIxos de mand:lt o, tanto para o preSIdentequanto para a legislatura). De acordo com o segundo critério, é claro que a proposta do Comitê do Sistema Constitucional e o novo sistema israelense não poderiam classificar-se comopresidencialistas, mas também não o poderia a V República francesa, uma vez que a Assem
bléia Nacional pode ser dissolvida prematuramente. Além disso, um período fixo de mandatopara a legislatura pode também constituir uma característica dos sistemas parlamentaristas,como no caso da Noruega.
148
nUTROS CO.NTRASTES ENTRE o. PARLAMENTARISMO E o. PRESIDENCIALISMO
Alguns eminentes cientistas políticos têm afirmado que, além das três dife
renças cruciais entre os sistemas pariamentaristas e presidencialistas, discuti
das antes, podem-se mencionar outras três, igualmente importantes (esp.
Verney, 1959: 17-56). Entre tanto, depois de um exame mais profundo, es
ses contrastes révelam a ocor rênc ia de sérias exceções enipíricas, além de n ã ~ serem essenciais para a distinção entre as duas importantes formas de gover no.
Em primeiro lugar, a separação de poderes nos sistemas presidencialistas
é normalmente tomada não apenas como a independência mútua dos ramos
do Executivo e Legislativo, mas também como a regra de que a mesma pes
soa não pode simultaneamente atuar nos dois. Em contrapartida, a não-se
paração de poderes nos sistemas parlamentaristas significa não apenas qu e o
Executivo é dependente da confianç a da legislatura, mas também que as
mesmas pessoas podem ser membros tanto do Parlamento quanto do gabi
nete. Com respeito a este último, entretanto, existe muita variação dentro
do tipo de governo parlamentarista. Nu ma extremidade do espectro, muitos
sistemas parlamentaristas - especialmente os do Reino Unido e das ex-co_- \lônias britânicas - têm como requisito quase absoluto que os membros do
1 .,<
gabinete sejam, também, membros da legislatura. Na outra extremidade, \ r \
existem três países - Holanda, Noruega e Luxemburgo - nos quais não se .
pode ser membro do gabinete e ao mesmo tempo do Parlamento. Em todos
os três, entretanto, os membros do gabinete podem participar - e o fazem
efetivamente - dos debates parlamentares. Uma vez que a regra da incom
patibilidade põe em destaque o status separado do gabinete, ela tende a re
forçar a autoridade do gabinete em face do Parlamento, porém não pode ser
considerada mais que uma variação de menor importância dentro do tipo
parlamentarista. Seria certamente incorreto afirmar que, nesse aspecto, es-ses três países se ajustam, ou até mesmo se aproximam, da forma pre
sidencialista de governo.
Em segundo lugar, declara-se com freqüência que nma diferença capital entre
o parlamentarismo e o presidencialismo é que os presidentes não podem dissol
ver a legislatnra, enquanto o primeiro-ministro e seus gabinetes podem fazê-lo.
Uma exceção, do lado presidencialista, é a do presidente francês, que detém o
poder de dissolver a Assembléia Nacional. Outra exceção é o exemplo israelen-
149
AREND l l JPHART -MODELOS DE DEMOCRACIA
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se da demissão mútua e de novas eleições para ambos, discutida anterionnente.
Nos sistemas parlamentaristas, há novamente uma ampla margem de variação.
No sist ema brit ânico e nos muitos sistemas de inspi ração britânica,--o poder para
')I dissolver é quase ilimitado e constitui uma prerrogativa específica do primeiro-
') ministro. Na Alemanha e vários outros países, o Parlamento só pode ser dissoi
vida em circunstâncias especiais, e não na dependência exclusiva da decisão do
Executivo. Na Noruega, o Parlamento é eleito por um períod o de quatro anos enão pode ser dissolvido de forma alguma. A autoridade do Executivo fica obvia
mente afetada, a depender de ter ele, ou não, esse poder sobre a legislatura, mas
esse fator nã o pode ser considerado uma distinção essencial entre as formas
parlamentarista e presidencialista de governo.
Em terceiro lugar, os sistemas parlamentaristas normalmente têm dois
Executivos: um chefe de Estado simbólico e cerim onial (monarca ou presidente),
":; que tem pouco poder, e um primeiro-ministro qu e é o chefe do governo e que,
~ \ I juntamente com o gabinete, exeíce a maior parte do Poder Executivo. A regra
normal nos sistemas presidencialistas é que o presidente é simultaneamente
chefe de Estado e chefe do governo. Entretanto, existem importantes exce
ções em ambos os lados. Botsuan<l tem um primeiro-ministro, eleito pela
legislatura e sujeito à confiança da mesma, que é chefe do governo, mas que
também funciona. como chefe de Estado - e que por isso recebe o título for
maI de "presidente". Outro exemplo é a África do Sul, democrática, cujo pri
meiro chefe de governo foi o presidente Nelson Mandela - que não é como
um presidente num sistema presidencialista, mas um a combinação de chefe de
governo e chefe de Estado, num sistema parlamentarista.
Se, na verdade, o novo primeiro-ministro ismelense, eleito diretamente, pode
ser visto como um presidente em um sistema presidencialista, Israel nos dá o
exemplo de um sistema presidencialista com um Executivo dual, em vez de um
único: além do primeiro-ministro presidencial, existe um presidente que é o chefede Estado. Outro exemplo que mostra como o Executivo dual é compatível; em
princípio, com uma forma presidencialista de gove rno, é a propo sta de um pri
meiro-ministro eleito diretamente na Holanda (Andeweg, 1997: 235). Esse pla
no, amplamente debatido no final da década de 1960 e início da de 1970, levou
à eleição popular do primeiro-ministro por um período fixo de quatro anos,
não sujeito à confiança do Parlamento - mas não trouxe a mudança do sistema
monárquico. Com efeito, esse "primeiro-minis tro" seria o chefe do governo num
, 5 O
sistema presfdenciãlista - mas não o chefe de Estado, uma vez que o monarca
continuaria naql!cb p ~ s i ç ã o . 0 prest ígio de ser chefe de Estado obviamente
aumenta à influência-da maioria dos presidentes, e constitui uma V ~ n t a g e m de
que carece a grande maioria dos primeiros-ministros. Mas não representa uma
distinção essencial entre as duas formas de governo.
SEPARAÇÃO DE PODERES E EQUILÍBRIO DE PODERES
A distinção entre os sistemas parlamentaristas e presidencialistas é de grande
importância, em muitos aspectos. Por exemplo, como se viu no capítulo ante
rior, os gabinetes presidenciais são fundamentalmente diferentes, tendo de ser
classificados diferentemente dos gabinetes nos sistemas parlamentaristas. Além
disso, tanto ao final deste capítulo como no próximo, os sistemas presidencialistas
são mais uma vez tratados de forma diversa dos parlamentaristasquanto à medi
ção de suas variáveis essenciais. No entanto, a distinção entre parlamentarismo
e presidencialismo não está diretamente ligada à distribuição do poder nas rela
ções entre Executivo e Legislativo. Nos sistemas parlamentaristas, pode-se ob
servar um certo equilíbrio de poderes entre o gabinete e o Parlamento, como
acontece na Bélgica, mas também é possível encontrar uma clara predominância
do Executivo, como no Reino Unido, Nova Zelândia e Barbados (ver capítulos
2 e 3). A mesma margem de variação ocorre nos sistemas presidencialistas. No s
Estados Unidos, a separação de poderes também significa o equilíbrio de pode
res entre o presidente e o Congresso. O mesmo se dá com a Costa Rica como,também Cvíll a Suíça, único sistema de separação de poderes que não constitui
um presidencialismo. O sistema presidencialista francês situa-se no extremo
oposto. Segundo as palavras de Anthony King (1976: 21), "a legislatura france
sa ( .. ) tornou-se até mais subordinada ao Executivo do que a britânica". Colôm
bia e Venezuela ocupam posições intermediárias.
Os poderes presidenciais derivam de três fontes. Uma, é a sua definição nas
constituições, consistindo nos "poderes reativos" - o poder especificamente
presidencial de veto - e os "poderes pró-ativos" -, especialmente a capacida
de de legislar por decreto em determinadas áreas (Shugart e Mainwaring, 1997:
41). A segunda fonte de poder é a força e a coesão dos partidos do presidente na
legislatura. A terceira consiste no fato de os presidentes extraírem uma força
1 5 1
AREND LlJPHART. MODELOS DE DEMOCRACIA
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considerável da sua e l e i ç ~ D popular po r via direta, e de poderem declarar que
eles (e os seus vice-presidentes,se houver) são as únicas autoridades públicas eleitas
pelo povo como um todo. Os presidentes da França,Venezuela e Costa Rica são
muito fracos, do ponto de vista da constituição, mas detêm considerável poder
partidário.4 Os presidentes dos Estados Unidos e da Colômbia dependem muito
mais do poder constitucional: o forte poder de veto, no caso norte-americano,
e os poderes de decreto e de veto, na Colômbia.A freqüente dependência dos presidentes com respeito a seus poderes par
tidários significa que o rdativo poder presidencial e das legislaturas pode mudar
abruptamente - o que muitas vezes acontece - e também que esse poder é,
de modo geral, menos estável do que nos sistemas parlamentaristas. Isto é es
pecialmente verdade na Venezuela, com sua "partidocracia", composta por
partidos extremamente fortes que , quando controlam as maiorias legislativas,
podem dar a um presidente uma base mu ito sólida de apoio, mas que podem
colocar o governo num beco sem saída quando há divisão no Poder Executivo
e Legislativo (Coppedge, 1994). Os poderes constitucionais são mais estáveis.
O único exemplo de mudanças maiores, nesse aspecto, em nossos cinco siste
mas presidencialistas, foi a substancial ampliação do poder presidencial ocor
rida na Colômbia como resultado da revisão constitucional de 1968, seguida
de ligeira redução em 1991. A legitimidade democrática, proveniente da elei
ção popular, pode variar segundo as propo rções da vitória eleitoral do presi
dente. É útil eleger-se com 64,7 por cento dos votos, como no caso do
presidente José Figueres, na Costa Rica, em 1953; e não é útil numa vitória
com 30,5 por cento dos votos, como a do presidente Rafael Caldera em 1993,
na Venezuela. Tampouco tem ut ilidade para um presidente não-eleito, como
Gerald R. Ford nos Estados Unidos, de 1974 a 1977.
Têm ocorrido m12danças substanciais na experiência histórica dos Esta
dos Unidos. Woodrow Wilson (1885) condenou a predominância do Con
gresso, declarando que o sistema "presidencialista" americano deveria
denominar-se de forma mais realista, como o título de sua famosa obra,
Governo Congressual. Críticos mais recentes sustentaram que, especialmen
te sob os presidentes Lyndon B. Johnson e Richard M. Nixon, uma "presi-
<Na França, como se discutiu antes, não só o poder presidencial como o próprio sistema
presidencialista dependem da possibilidade de o presidente contar com apoio da maioria, ou
da quase maioria, na Assembléia Nacional.
1 5 2
dência imper ial" tend ia a eclipsar o Congresso. Na história muito mais breve.
do sistema presidencialista francês,john T. S. Keeler e Martin A. Schain (1997:
95·100) observam quatro períodos alternado s de fases "hiperpresiden
cialistas" e fases de "presidencialismo moderado", no período de 1962 a 1993.
A MEDIÇÃO DOS GRAUS DE PREDOMíNIO E DE EQUILíBRIO DE PODER
Como é possível medir o poder relativo dos ramos Executivo e Legislativo
do governo? No que toca aos sistemas parlamen taristas, o melhor indicador
é o da duração do gabinete. Um gabinete que permanece no poder por lon-I
go tempo tem a probabilidade de ser dominante para com a legislatura, en
quanto um gabinete de breve duração deve ser relativamente fraco.5 Os
teóricos das coalizões têm dado muita atenção à duração dos gabinetes, po
rém normalmente admitem - de forma explícita ou, com mais freqüência,
implicitamente - que essa duração é um indicador não apenas da força do
gabinete, comparada à da legislatura, mas também da estabilidade do regi
me. O argumento é que os gabinetes de curta duração não dispõem de tem
po suficiente para d e s e n v o l v ~ r programas sólidos e coerentes, e que um
processo decis ório ineficaz irá colocar em risco a viabilidade da democracia:
presume-se que a instabilidade do gabinete leve à instabilidade do regime,
podendo, portanto, ser considerada como um indicador desta última. Uma
declaração exp lícita sobre esse efeito é a de Paul V. Warwick (1994: 139):
"Um sistema pa rlamenta rista que não produza governos duradouros também
não de\'e gerar um processo decisório eficaz, que atraia o '1mpb adesão po
pular ou, talvez mesmo, que sobreviva por um prazo mais longo."
Essa opinião tanto é equivocada quanto muito difundida. Mesmo os gabine
tes reconhecidamente curtos d,l IV República Francesa estavam longe de ser
inteiramente ineficientes. Diversos membros de um gabinete extinto atuaram
de novo no gabinete subseqüente, e a vida média deles como ministros foi con
sideravelmente mais longa do que a do gabinete como um todo. Um observador
'Esta interpretação é apoiada pela confrontação das democracias em geral com os sistemas
não democráticos. Nesses últimos, podemos observar os mais fones executivos e as legislaturas
mais subservientes, ou nenhuma legislatura de todo. Também verificamos ali, de forma "nada
surpreendente" - como afirmam Hem)" Bienen e Nicolas van de \'I'alle (1991: 103), a maior
incidência dos "líderes duradouros".
1 53
AREND l lJPI1ART-I
MODnos DE DE.MOCRACIA
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francês da época André Siegfried (1956: 399) explicou esse "paradoxo da p o l í ~ · rica estável com gabinetes instáveis" da seguinte forma: "N a v e r d a d e ~ as d e s v a n ~ tagens não são tão grandes quanto aparentam. ( .:) Quando há uma crise de
gabinete, mudam alguns ministros, ou os mesmOS ministros apenas trocam
de lugar. Mas não se desloca nenhum funcionário, e a administração cotidiana
prossegue sem interrupção. Além disso, como, na passagem de um gabinete para
outro, os mesmos ministros permanecem, eles formam um a espécie de equipede governo. "6 Mattei Dogan (1989) ataca a equivalência front al da estabilidade
do gabinete com a estabilidade do regime, e afirma enfaticamente que a estabi
lidade do gabinete não constitui um indicador válido do vigor e da viabilidade
do sistema democrático. A principal razão disso é que, na maioria dos sistemas
com gabinetes aparentemente instáveis, há um "núcleo" extremamente estável,
composto pelo pessoal ministerial - semelhante à situação da rv' República
descrita po r Siegfried.
O qu e se deve acrescentar à argumentação de Dogan é que, nos gabine
tes com vida relativamente curta, há uma tendência para a continuidade, não
apenas do pessoal, mas também dos partidos participantes. Os gabinetes
unipartidários tendem a ser mais duradouros que os de coalizão, mas a mu
dança de um gabinete unipartidário para outro constitui um a reviravolta par
tidária indiscrimÍI?ada, ao passo que a mudança de um gabinete de coalizão
para outro acarreta normalmente apenas uma gradual alteração na sua com
posição partidária. Voltarei à questão geral da eficiência decisória no capítu
lo 15. Ali, a questão é saber s e as democracias majoritárias, com seus executivos
geralmente mais predominantes e duradouros, são mais eficientes do que as
democracias de consenso, com os Seus executivos, em gerar, menos longevos
e predominantes - e a resposta é que, simplesmente, não é grande a dife
rença entre elas.
6Em sua análise comí'arc1tiva sobre a duração dos gabinetes em 19 países, Michael Taylor eValentine M. Hcrman (1971: 29) afirmam: "Seria preciso fazer um considerávei estudo empíricoantes de poder afirmar que a [duração do gabinete] é um indicador de alguma coisa." Eles afirmam que o seu artigo n30 fn nenhuma suposiçjo sobre o significado mais amp;n da duração dogahinete, mas também decÍ3ram que seus "resultados teriam maior interesse se fosse descobertoque a observação de Sicgfried, de que a instabilidade da IV República não exerceu influênciasobre o proces so d ecisório, "i esse a provar-se incorreta quanto à instabilidade de um modogeral". Evident emente que sua suposição náo declarada é que o significado do estudo da duração do gabinete tem muito a ver com sua suposta ligação com a viabilidade do regime.
1 54
ji o próximo p a ~ ' > O - depois de se haver decidido qu e é possível usar-se a
duiação do gabinete como indicador do predomínio do Executivo - é deci-
di r como medir essa duração. Essa questão se refere aos eventos considerados
como término na vida de um gabinete, e qu e prenunciam a chegada de um
novo. Existem duas alternativas importantes. A primeira é focalizar a atenção .
exclusivamente sobre a composição partidária dos gabinetes, contando um V ,
gabinete como um único quando sua composição partidária não s o f r ~ altera- >',':ções. Um estudo pioneiro sobre a duração do gabinete adotou essa abordagem t ~ (Dodd, 1976). Entretanto, muito mais comum é considerar vários outros acon- ..
tecimentos como sinais do término de um gabinete e início de outro: uma elei- ...ção parlamentar, uma mudança de primeiro-ministro e um a mudança no status
do gabinete, de minimamente vitorioso, ampla maioria ou minoria. 7 Uma van
tagem da definição ampla de Dndd é qu e ela mede as durações do gabinete
que podem bem ser interpretadas como indicadores do predomínio do Execu
tivo. Particularmente, os gabinetes que vencem várias eleições sucessi\'as - e
qu e po r isso Dodd conta como o mesmo gabinete - tê m probabilidade cad a
vez menor de se defrontar com ameaças sérias a seus parlamentos. Entretanto,
em deferência ao uso mais comum da definição mais limitada, reúno ambas as
abordagens na Tabela 7.1. A segunda coluna da tabela se baseia na definição
limitada de duração do gabinete, que emprega quatro critérios para determi
na r o término de am gabinete: mudanças na composição do partido, mU&ll1ça· .. .
do primeiro-ministro e do status coalizacional e, também, realização de novas
eleições. A primeira coluna baseia-se exclusivamente no critério da composi
çã o partidária. A terceira coluna apresenta as médias das duas primeiras.
7Essas mudanças no status coalizacional, entre as eleições, ocorreram na Grá-Bretanha, em
1976, e na Índia, em 1993 (ver capítulo 6, "ota 8). Em vez de usar esse critério, WJr ...ick(1994) usou a renúncia formdl do Gaoinete como um dos eventos que significam o término dogabinete. Este critério não é satisfatório, uma vez que depende demasiadamente de reGras eCostumes particulares, em diferentes sistemas parlamentaristas: em outras circunstàncias. quepor outro lado são semelhantes, os gabinetes de alguns países tomam a iniciativa de entregarsuas renúncias de forma muito mais rápida que em outros. Além disso, se uma rcnúr:cia do
gabinete leva de fato à formação de um novo g abinete, com uma composição partidária diferente, ou um diferente primeiro·ministro, Ol l se ela conduz a novas eleições, o gabinete seráconsiderado, de qualquer modo, como terminado. Se, entretanto, um gabinete renuncia, porém é novamen te indicado sob o mesmo prime iro-mini stro, e com a mesma composição partidári a, fica difícil convencer que o gabir.ete "mudou" de algum modo significativo,
1 5 5
MOi5.ElOS 6.E DEMOCRACiA
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TABELA 7.1 MÉDIA O-E DURAÇÃO DO GABINETE, SEGUNDO DOIS CRITÉRIOS (EM ANOS),
A MÉDIA DESSAS DUAS MEDIDAS E O íNDICE DE PREDOMíNIO DO EXECUTIVO
EM 36 DEMOCRACIAS, DE 1945 A 1996
Vida Vida Média Índice de~ x -
média do média do das medidas predomínio
gabinete I gabinete II I e II do Executivo
Costa Rica 4,74 3,88 4,31 1,00' iEstados Unidos 7,07 _ 1,83 4,45 1,00' !Suíça 16,19 0,99 8,59 1,00' '
Itália 1,28 0,99 1,14 1,14
Finlândia 1,31 1,18 1,24 1,24
Papua-Nova Guiné 1,57 1,57 1,57 1,57
Israel 1,69 1,48 1,58 1,58
Maurício 1,95 1,63 1,79 1,79
Bélgica 2,29 1,68 1,98 1,98
Venezuela 2,82 2,62 2,72 2,00'
índia 2,41 1,75 2,08 2,08
Portugal 2,32 1,86 2,09 2,09
Dinamarca 2,81 1,75 2,28 2,28
Islândia 2,78 2,17 2,48 2,48
Japão 3,85 1,28 2,57 2,57
Holanda 2,94 2,50 2,72 2,72
Alemanha 3,60 2,03 2,82 2,82
Grécia 3,60 2,16 2,88 2,88Colômbia 4,74 2,23 3,48 3,00'
Irlanda 3,72 2,42 3,07 3,07
Noruega 4,22 2,11 3,17 3,17
Suécia 4,77 2,07 3,42 3,42
Nova Zelândia 6,19 2,15 4,17 4,17
Espanha 6,35 2,38 4,36 4,36
Luxemburgo 5,62 3,16 4,39 4,39
Canadá 7,26 2,54 4,90 4,90
Austrália 8,28 1,84 5,06 5,06
Áustria 8,42 2,53 5,47 5,47
Barbados 7,58 3,3-7 5,48 5,48
Franp. 2,88 2,08 2,48 5,52'
Reino Unido 8,49 2,55 5,52 5,52
Jamaica 8,56 3,42 5,99 5,52'
Trinidad 8,66 3,85 6,26 5,52'
Malta 10,09 4,32 7,21 5,52'
Bahamas 11,89 4,76 8,32 5,52'
Botsuana 31,33 3,92 17,63 5,52'
'~ ,: ," 1
-7
+
"Esses valores do índice de predomínio do Executivo (para os cinco regimes presidencialistas, aSuíça e cinco ex-colônias britânicas) diferem dos valores da média das medidas I e IIFonte: Baseado em dados de Woldendorp, Keman e Budge, 1998; Banks, Day e Muller, 1997; I \ f u l l ~ r e Stréim, 1997; von Beyme, 1985; Keesing's Contemporary Archives e dados fornecidos por OctavlO
Amorim Neto
Dois ajustes importantes-são requeridos para se traduzir as médias da ter
cei ra coluna da Tabela 7.1 para um í ndice sarisfatório de predomí nio do e x e ~ cutivo. Primeiro, algumas dessas médias assumem valóres extremes;Botsuana,
que teve gabinetes unipartidários compostos pelo Partido Democrático de
Botsuana, de 1965 a 1996, é o exemplo mais evidente. Seu ciclo eleitoral de
_quatro anos reduz a duração média da terceira coluna para 17,63 anos, mas );<
isto ainda é-mais de três vezes a média de 5,52 anos para a Grã:Bretanha-e não há uma boa razão para se acreditar que o gabinete de Botsuana seja
três vezes mais predominante que o britâ nico. Na realidade, não existem boas
razões para se julgar que quaisquer gabinetes sejam mais predomi nantes que
o bri tânico, que constitui o exemplo po r excelência de predomínio do gabi
nete, segundo o modelo Westminster. De forma correspondente, quaisquer
valores mais altos que 5,52 anos, na terce ira coluna, são reduzidos ness e ní
vel, na quarta coluna. Isso produz um a importante redução para Botsuana,
porém ajustes muito menos subslan ciais para outros quatro países.
É necessário um ajuste muito maior para os sistemas presidencialistas e
para o sistema suíço de separação de poderes. Em quatro dos seis casos, a
duração do gabinete dá uma impressão completamente errada do grau de
predomínio do executivo. Éóbvio que a média suíça de 8,59 anos - basea
da em apenas três diferentes com posiçõe s partidárias, de 1947 a 1996, po
rém com uma mudança na presidência do Conselho Federal a cada ano - é
completamente errônea como medida de predomínio do Executivo, uma vez
que a Suíça constitui um ótimo exemplo de equilíbrio entre Executivo e
Legislativo. Por isso eu lhe atribuo, de forma subjetiva, um valor de 1,00 ano.
O mesmo vale para os Estados Unidos e a Costa R i ~ { i . Na outra ponta da
escala, deve-se atribuir à Françá o mais alto grau em predomínio do Execu
tivo - o mesmo que à Grã-Bretanha. O grau de predomínio presidencial
flutuou consideravelmente na Col ômbia, porém mesmo ali os presidentes não
têm sido tão poderosos quanto costumam ser os fortes gabinetes nos siste
mas parlamentaristas. Mainwaring e Shugart (1997: 6) observam: "Embora
se haja descrito os presidentes da Colômbia como predominantes, gr aças aos
seus substanciais poderes formais, eles regular mente enfrentam dificul dades,
até dentro dos seus próprios partidos, para conseguirem o apoio suficie nte
para a realização de mudanças políticas duradouras".
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AREND l I J PHART MODELOS DE DEMOCRACIA
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RELAÇÕES ENTRE O XECUTIVO E O LEGISLATIVO EM 36 DEMOCRACIAS
- . -
ATabela7.1 r e l a c i o n ~ as 36 democracias, em-Ordem crescente de predomí-
nio do Executivo. O índice vai desde um valor, arbitrariamente atribuído, de
1,00 ano para Costa Rica, Estados Unidos e Suíça; até o valor reduzido de
5,52 anos para sete países, na parte inferior da tabela. O valor méd io é 3,32,
eonúmcro
median;, de 2,94anos. Os
seis países da extremidade majoritária são o Reino Unido e cinco ex-colônias britânicas. Barbados fica com um
valor só ligeiramente mais baixo: 5,48, comparado com o valor máximo de
5,52 anos. O índice da Nova Zelândia para o predomínio do Executivo é
consideravelmente inferior - 4,17 anos - graças, principalmente, ao seu
curto mandato parlamentar de três anos, o que torna impossível para os seus
gabinetes, segundo a definição mais limitada, permanecer mais de três anos
no cargo. As ex-possessões britânicas da Austrália, Canadá e Irlanda estão
também na metade inferior da tabela. Porém vários países de herança britâ-
nica surgem na extremidade consen sual, na parte superior da tabe la - dos
quais os Estados Unidos, sem dúvida, constituem o caso mais notável. Papua
Nova Guiné e a República de Maurício estão também entre os sistemas mais
consensuais, próximo ao topo da tabela - como também estavam na Tabela
6.3, no capítulo anterior. A Índia se encontra também na metade superior.
Dos dois p r ~ t ó t i p o s de democracia de consenso, a Suíça e a Bélgica, a tri
buiu-se à Suíça uma posição na parte superior da tabela, junto com os Esta
dos Unidos e a Costa Rica, e a Bélgica está muito mais abaixo, embora ainda
ocupando o nono lugar. Dos seis sistemas de separação de poderes - as
democracias presidencialistas e a ,Suíça -, apenas o Executivo da França é
nitidamente predominante. A Colômbia está aproximadamente no meio, e
os outros quatro se encontram todos em posições altas - sugerindo que a
separação constitucional de poderes entre o Executivo e a legislatura corresponde, em grande parte, de fato, a um maior equilíbrio de poder entre os
dois ramos. 8
'Note-se, entretanto, que esses seis si stem as sã o os da bem "sucedida separação de poderes, e
que nosso conjunto de 36 democracias duradouras exclui as muitas democracias presidencialistas
fracassadas - que tendem a ser aquelas na s quais a difícil realização do equilíbrio entre exe
cutivos e legislaturas não foi conseguida.
1 58
TIPOS E DURAÇÃO DOS GABINETES
Como se relacionam os diferentes tipos de gabinetes, analisados no capítulo
anterior, com o grau de predomínio do Executivo? Há três motivos para se es-
perar uma relaçã o positiva entre os gabinetes minimamente vitoriosos e os
unipartidários, de um lado, e o predomínio do Executivo, de outro. Em pri
meiro lugar, como se discutiu no capírulo 1, ambas as variáveis pertencem aomesmo grupo que compõe a dimensão executivos-partidos, do contraste majo
ritário-consensual. Em segundo, os gabinetes de minoria são, por natureza, de
pendentes da legislatura nos sistemas parlamentaristas, e por isso não se Dode
esperar dele s que predominem sobre suas legislaturas. Em tercei ro lugar, ~ s es-tudos sobre a independência manifestada pelos legisladores, individualmente,
ao votarem contra seu próprio gabinete, na Grã-Bretanha, mostraram que essa
espécie de comportamento parlamentar independente revelava uma tendência
para variar dir etamente de acordo com as proporções da maioria do gabinete na
Câmara dos Co muns: os gabinetes de maioria mínima em geral recebem sólido
apoio de seus correligionários no Parlamento, enquanto os gabinetes de ampla
maioria freq üentemen te se dão conta de que seu partido parlamentar se mostra
mais rebelde (Crowe, 1980). Fazendo uma analogia entre essa tendência "da
Câmara dos Comuns britânica com outros sistemas parlamentaristas, podemos
Supor que a independência legislativa seja maior quando os gabinetes são de ampla
maioria, do que quando são minimamente vitoriosos.
A Tabela 7.2 e a Figura 7.2 mostram a força dessas relações. A Tabela
7.2 classifica os gabinetes que estiveram no poder em 31 sistemas parh-
mentaristas - inclusive as duas fases parlamentaristas na França, porém
excluindo as outras democracias presidencialistas e a Suíça - segundo os
cinco tipos básicos de gabinete, e apresentam a duração média desses ga
binetes de acordo com as definições ampla e limitada de duração do gabinete (medidas 1 e II respectivamente).9 Como era de se esperar, encontramos
'A "iàbda 7.2 inclui todos os gabinetes que claramente se amoldam em uma das cinco catego
rias - o qu e significa que os gabinetes que têm de ser contados, po r exemplo, como estando
a meio caminho entre os minimamente-vitoriosos e os sobredimensionados, ou a meio cami
nho entre os unipartidários e os gabinetes de coalizão, devem ser descartados. Além disso, os
gabinetes que, segundo a ampla definição de duração do gabinete, são contados como o mes
mo gabinete, mas que mudaram de status coalizacional durante a vida do gabinete, tambémdevem ser postos de lado.
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AREND l I JPHARTMODELOS DE DEMOCRACIA
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gabinetes de duração mais c u r t ~ e mais longa nas duas primeiras colunas
- que se baseiam na medida ampla - do que na terceira e quarta co
lunas.
TABELA 7.2 FREQÜÊNCIA E MÉ DIA DE DURAÇÃO DO GABINETE,
SEGUNDO DOIS CRITÉRIOS (EM ANOS), DE CINCO TIPOS DE GABINETES,
EM 31 DEMOCRACIAS PARLAMENTARISTAS, DE 1945 A 1996
Medidal Medida II
Média da Média da
duração do duração do
Número de gabinete Número de gabinete
Tipo de gabinete gabinetes (anos) gabinetes (anos)
Minimamente vitorioso,
unipartidário 45 8,1 142 3,00
Minimamente vitorioso de coalizão 71 3,28 107 2,41
Minoritário, uni partidário 38 2,24 76 1,64
Minoritário de coalizão 52 1,01 59 0,91
Coalizão de ampla maioria 91 2,07 120 1,71
Todos os gabinetes 297 3,09 504 2,12
Fonte: Baseado em dados de Wolendorp, Keman e Budge, 1998; Banks, Day e Muller, 1997; Müller
e Stram, 1997; S t f 0 ~ 1950; von Beyme, 1985 e Kessi/lg's Contemporary Archives
o padrão geral é muito semelhante, se não se levar em conta qual defi
nição de duração de gabinete é empregada. Os gabinetes minimamente vi-
toriosos unipartidários têm a méqia mais longa de tempo de vida. E ambos
os tipos de gabinetes minimamente vitoriosos duram mais que os de mino
ria e os de ampla maioria. As coalizões de ampla maioria e os gabinetes
unipartidários de minoria - que, quanto ao apoio parlamentar, parecem
estar a uma distância máxima um do outro - têm, de fato, durações muito
semelhantes: os gabinetes de ampla maioria duram ligeiramente menos, de
acordo com a primeira medida, porém ligeiramente mais, de acordo com a
segunda. As coalizões de minoria têm vida mais curta. Um a boa explicação
para isso é que, nos sistemas muIripartidários, essas coalizões freqüen
temente constituem governos interinos após a queda de um gabinete, en
quanto se aguarda por novas eleições. Nos países onde elas atuam mais como
1 60
~ -
-- gabinetes regulares, como nos países escandinavos, os gabinetesminoritários
d e c ~ a l i z ã o _ d u r a ~ mais tempo. ro r exemplo, a Dinamarcateve sete gabi
netes minoritários de coalizãõ (11 gabinetés, segundo a d e f i n i ç ã ~ limita
da), que duraram uma média de 2,87 anos (1,83 ano, segundo a definiçãolimitada).
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Percentual de gabinetes monopartidários minimamente vitoriosos
Fig. 7.2 Relação entre tipo de gcoinctc e predomínio do Executivo, em 36 democracias,1945-96
A Figura 7.2 mostra a relação entre tipos de gabinete e predomínio do
Executivo quanto à combinação das duas características, em cada uma das
nossas 36 democracias (baseado em dados da terceira coluna da Tabela 6.3,
e da quarta coluna da Tabela 7.1). O padrão é claro: os países com maior:
número d ~ g ~ b i n e t e s u n i p ~ r t i d á r i o s m . i n i m a m e n t ~ ~ i t o r i o s o s também mos- -li
tram tendenCla a serem palses com maIOr predOm1l1IO do Executivo. O coe- \
16 1
AREND LlJPHARTMODELOS DE DEMOCRACIA
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ficiente de relaç5e é de 0,68 (estatisticamente significativo no nível de 1 por
~ e n t o ) . Um aumento de 10 por cento na freqüência dos gabinetes uru-
partidários mínimamente vitoriosos está associado a um aumento de 0,35
por unidade no índice de predomínio do Executivo.
A maioria dos países encontra-se próxima à linha de regressão. Os mais
afastados são quatro dos sistemas presidencialistas. Estados Unidos, Cos
ta Rica e Ve nezuela têm um nível muito mais baixo de prédomínio do Exe
cutivo do que se poderia esperar, baseado em seus freqüentes gabinetes
de tipo majoritário. A França mostra uma combinação oposta de carac
terísticas. A explicação para os três primeiros países parece ser uma
característica intrínseca do presidencialismo: os seus gabinetes são, por
definição, parcialmente majoritários - minimamente vitoriosos e uni
partidários - como foi debatido no capítulo anterior, porém sua separa
ção de poderes contribui para o aspecto consensual do equilíbrio entre
Executivo e Legislativo. Entretanto, uma vez que há apenas cinco siste
mas presidencialistas entre as nossas 36 democracias (desconsiderando o
curto período presidencialista em Israel), essa observação pode ser vista
como experimental.
Dentre as democracias parlamentaristas, somente duas ocupam posi
ções de nítido desvio: a Áustria e a Grécia. A Áustria teve muitas coalizões
de ampla maioria, que tiveram longevidade inusitada: uma dessas coalizões
contada como um gabinete, segundo a definição ampla - durou de 1947
até 1966. Na Grécia, o tumulto provocado por duas eleições parlamenta
res indecisos, e por três eleições em menos de dez meses, de 1990 a 1991,
foi especialmente responsável pelo encurtam ento da duração média do ga
binete.
ADENDO: MONARCAS E PRESiDENTES
A posição de chefe de Estado tem sido repetidamente mencionada neste
capítulo, mas os diferentes tipos de chefe de Estado, e seus poderes relati
vos, ainda não foram abordados sistematicamente. A mais notável diferen
ça neste aspecto, nas nossas 36 democracias, é que quase a metade delas
constitui monarquias: Austrália, Bahamas, Barbados, Bélgica, Canadá, Di-
1 62
namarca, Espanha,]amaica,Japão, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia,
Noruega, Papua-Nova Guiné , Reino Unido e Suécia. Os monarcas são p ~ i n -cipalmente reis ou rainhas - representados por um gorernador-geral na
Austrália, Bahamas, Barbados, Canadá, Jamaica, 1\ova Zelândia e Papua
Nova Guiné -, porém o Japão tem um imperador como chefe de Estado,
e Luxemburgo, um grão-duque. O exato númerode monarquias, a partir
de meados de 1996, era de 16. No início da década de 1970, uma maioriade 19 países era de monarquias, porém três membros da Commonwealth
se tornaram mais tarde repúblicas: Malta, em 1974, Trinidad, em 1976, e
a República de Maurício, em 1992. Surpreende, de fato, que tantas entre
as nossas democracias sejam, ou tenham sido, monarquias, essa forma cons
titucional que parece menos democrática que o governo republicano. A
explicação é que são monarquias constitucionais, nas quais o poder do
monarca é muito limitado. Como dizem Richard Rose e Dennis Kavanagh
(1976: 568), "Os monarcas permaneceram no poder nos países em qu e a
família real se dispunha a afastar-se da vida poiíticC1 ativa. Inversamente, as
monarquias caíram ali onde os monarcas procuraram COntinuar a exercer
poder político."A vantagem que normalmente se diz ter a monarquia, para um regime
democrático, é que elJ fornece um chefe de Estado que constitui um sím
bolo - apolítico e imparcial - da unidade. Isto geralmente é verdade,
embora seja também possível que os monarcas se transformem em forças
de divisão. Por exemplo, o comportamento do rei Leopoldo IH, durante a
Segunda Guerra Ivlundial, tornou-se uma importante questão política na
Bélgica do pós-guerra. No referendo de 1950, parJ d e , ~ i d j r se o rei seria
mantido, uma maioria de flamengos e de católicos a p O i ~ l \ a o rei, e a maio
ria de valões, socialistas e liberais queria seu afastamcmo. Leopoldo IH
venceu o referendo com uma maioria geral de 58 por cento -vitória nadaesmagadora para um rei! -, mas prontamente abdicou Cf;} favor de seu
filho, Balduíno.
Uma desvantagem, quanto aos princípios democráticos básicos, é que os
monarcas não são totalmente desprovidos de poder. Nos sistemas parlamen
taristas, eles geralmente preservam o direito de indicar o primeiro-ministro.
Esta não é uma função das mais significat ivas quando existe preferência unâ
nime por um caudidato ministerial. Mas, quando se dá uma morte súbita , ou
1 6 3
AREN[t l IJPHART-MODELOS OE DEMOCRACIA-
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uma renúncia, ou quando os partidos, num Parlamento multipartidário, não
são capazes de chegar a um acordo, a influência dOfionarca_na escolha--eVíln
tual de um primeiro-ministro pode não ser -nada desprezível. Afi m de redu
zir o papel do monarca a urna função meramente cerimonial, a constituição
sueca de 1974 transferiu para o presidente da câmara legislativa o poder de
indicar o primeiro-ministro.
Muito embora os monarcas possam deter poden:sresiduais; ~ p r e s s u p o s t o gera l - aceito pelos próprios monarcas - é que são exclusivamente chefes
de Estado, e não de governo. A tentação de se imiscuir nos poderes do chefe
do governo e do gabinete é maior quando as democracias parlamentaristas
têm um presidente como chefe de Estado - geralme nte alguém que já teve
uma carreira política anterior. Um método empregado pelos sistemas parla
mentaristas para minimizar esse risco é o de não permitir que o presidente
tenha o prestígio democrático - e o poder implícito - de ser popularmen
te eleito. Em vez disso, o procedimento usual é fazer com que o Parlamento
(ou um colégio eleitoral especial, composto de membros dos parlamentos
nacionais e estaduais, corno na Alemanha e na Índia) o eleja. Outra solução
é não ter um president e totalmente separado, porém dar o título e a funçãode presidente ao primeiro-ministro, corno em Botsuana. A Suíça usa um
método semelhan_te, fazendo que o chefe do governo - o presidente rotativo
do Conselho Fcderal- atue ao mesmo tempo como presidente. Entretanto,
a característica especial das democracias semipresidenciais, que funcionam
principalmente como sistemas parlamentaristas - Áustri3, Finlândia, Islân
dia, Irlanda e Portugal - é que elas, de fato, têm um presidente eleito pelo
voto popular. O perigo, aqui, é guea eleição popu;ar forneça um cbefe de
Estado com justific3ção democraticamente legítima para ultrapassar os limi
tes e assumir a liderança do governo, mudando assim a natureza do sistema
p:->rbmentarista.
Finalmentp , para aqueles que consideram os sistemas parlamentaristas
preferíveis aos presidencialistas, uma vantagem importante da monarquia
constitucional é que ela é geralmente vista como incompatível com o presi
dencialismo. Como discuti antes neste capítulo, essa opinião não é correta.
Teoricamente, é de fato possível instituir um sistema presidencialista com um
presidente atuando como chefe do governo e um monarca, corno chefe de
Estado. Porém não existem exemplos empíricos de tal sistema, e a opinião
1 64
de que o presidencialismo e- a monarquia não se podem combinar, embora
equivocada,_-pode evitar que os países em vias de democratização, com um
monarca como chefe de Estado - corno a Espanha d-o final da década de
1970 - considerem seriamente a possibilidade de adotar uma forma presidencialista de governo.
1 65
J
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I
- ,
CAPíTULO 8 Sistemas eleitorais:
Métodos de maior ia absoluta e de maIOna
simples versus representação proporcional
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A quarta diferença entre os mod elos majoritário e consensual de democracia
é bem clara. O sistema eleitoral típico dê. democracia majoritália é o sistema
do distrito uninominal, baseado , seja n a regra da maioria simples, seja na de
maioria absoluta. A dem ocrac ia de consenso, em geral, emprega a represen-
tação proporcional (RP). Os métodos de maioria simples (plurality) em dis
trito uninominal são do tipo "o vencedor leva tudo"; vencem os candidatos
apoiados pelo maior número de eleitores, e todos os demJis eleitores ficam
sem representante - o que reflete perfeitamente a filosofia majoritária . Alé m
disso, o partido vencedor de uma maioria de votos de âmbito nacional, ou
de uma maioria simples, contará com uma sobre-representação de_cadeiras
do Parlamento. Fazendo um agudo contraste, o objetivo básico da represen-
tação proporcional é o de representar tanto as maiorias quanto as minorias
e, em vez de representar exagerada ou insuficientemen te qualquer um dos
partidos, expressar proporcionalmente a votação em termos de cadeiras par
Iam entares.
A lacuna entre os dois tipos de sistema eleitoral é grande, também, no
sentido em que são comuns as mudanças dentro de cada tipo, porém raros
os casos de democracias que mudam do método da RP para o de m:lioria
simples, ou maioria absoluta, ou vice-versa (Nohlen, 1984). Cada grupo de
países parece estar solida mente ligado a seu próprio sistema eleitora l. Nu m
comentário a respeito de seu recuo diante da nomeação de Lani Guinicr como
subsecretária geral dos dire itos humanos, em 1993, o presidente Bill Clinton
- governante de um país que adota principalmente a eleição por maioria
simples - declarou que sua objeção àquela nomeação se devia ao fato de a
candidata defender a RP, qualificada por ele como "muito difícil de defen-
der", e mesmo, "antidemocrática" (New York Times, 4 de junho de 1993,
AI8).
1 69
AREND l I JPHART r--
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Neste capítulo, apresentarei uma classificação mais detalhada dos siste
mas eleitorais usados pelas nossas 36 democracias, com relação aos sete as
pectos básicos desses sistemas, dando ênfase à fórmula eleitoral, à magnitude
dos distritos eleitorais e ao estágio eleitoral inicial. A literatura acadêmica
sobre os sistemas eleitorais enfoca o grau de proporcionalidade ou de
desproporcionalidade na tradução que esses sistemas fazem do número de-
votos para o número de cadeiras parlamentares, e o efeito que exercem so-
bre o número de partidos nos sistemas partidários. Este é o tema central da
parte final deste capítulo. Depois de discutir a forma como podem ser medi
dos os graus de desproporcionalidade com uma precisão maior, mostrarei
que, embora haja uma grande variação dentro da família da RP, e também
embora nenhum sistema de RP seja absolutamente proporcional, os sistemas
de RP tendem de fato a ser consideravelmente menos desproporcionais que
os sistemas de maioria simples e de maioria absoluta, a não ser nas democra
cias presidencialistas. Os sistemas eleitorais constituem também um deter
minante decisivo dos sistemas partidários, embora de nenhuma maneira o
único. Por último, examinarei a relação entre desproporcionalidade eleito
ral e o número efetiyo de partidos parlamentares nas 36 democracias.
FÓRMULAS ELEITORAIS
Embora a dicotomia da representação proporcional versus os sistemas de
maioria simples, em distritos uninominais, e os sistemas de maioria absolu
ta constitua a linha divisória mais fundamental na classificação dos siste
mas eleitor ais, é necessário fazermos ain da algumas distinções importantes,
e desenvolvermos uma tipologia mais elaborada.! Os sistemas eleitorais po
de m caracterizar-se por sete parâmetros: fórmula eleitoral, magnitude dos
distritos eleitorais, barreira eleitoral, número total dos membros de uma
assembléia eleita, influência das eleições presidenciais sobre as eleições
legislativas, grau de desproporcionalidade e vínculos eleitorais interpar
tidários.
'Para uma abordagem completa dos sistemas eleitorais, ver Rae (1967), Nohlen (1978), Katz
(1980), Taagepera e Shugart (1989), Lijphart (1994), Cox (1997) e Reynolds e Reilly (1997).
17 0
I -~ I
-I
I
fórmula, de maioria simples
e maioria absoluta
fórmulas
semiproporcionais
Representação
proporcional
I
(Fórmula de maioria
simples
I
Maioria absoluta/m simples:\ Voto alternativo:
{
Voto limitado:
Voto único intransferível:
Com binação maioria simples-RP:
Representação
proporcional em listas:
Distritos mistos
com fórmula
proporcional:
\ Voto único
t:-ansferível:
'- BahamasBarbados
Botsuana
Canadá
Estados Unidosíndia
Jamaica
Mauricio
Nova Zelândia (1946-93)
Papua-Nova Guiné
Reino Unido
Trinidad-
França (exceto 1986)
Austrália
Japão (1946)
Japão (1947-93)
Japão (1996-)
I Áustria
Bélgica
I olômbiaCosta Rica
J
Dinamarca
Espanha
Finlândia
França (1986)Grécia
Holanda
~ Islàndia
I' Israel
i Itália (1946-92)
M Luxemburgor r ~ o r u E g a [
~ Portugali: Suécia
\ Suíça
Venezuela (1958-88)
[Alemanha
Italia (1994-)
tNova 2elânGiJ (1996-)
Venezuela (1993-)
(i rlandaMalta
~ i g . 8.1 Uma classificação das fórmulas eleitorais para a eleição da primeira câmara, ou a câmaraunlca, em 36 democracias, 1945-96
AKEND l I JPHART-II
MODELOS DE DEMOCRACIA
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A Fig,rra 8.1 apresenta uma classificação de acordo com a primeira des
sas dimensões - a fórmula eleitoral- e também as categorias a qU€: perten
ce m as-trinta é seis democracias ou, em alguns casos, períodos específicos
nesses países. A primeira categoria - a das fórmulas de maioria simples e de
maioria absoluta - pode subdividir-se em três classes mais específicas. A regra
da maioria simples - normalmente chamada de first past the post na Grã
Bretanha - é de longe a mais simples de todas: o candidàto que receber a
maior quantidade de votos, seja de maioria absoluta, seja de maioria sim
ples, será eleito. É, obviamente, um a fórmula popular: 12 das 36 democra
cias a empregaram no período de 1945 a 1996. Também é usada nas eleições
presidenciais na Venezuela, Islândia, Costa Rica (numa forma ligeiramente
modificada)2 e na Colômbia (até 1990).
As fórmulas de mJioria requerem uma maioria absoluta para a eleição.
Um modo de satisfazer esse requisito é realizar um segundo turno comple
mentar entre os dois candidatos mais votados, no caso de nenhum deles te r
obtido maioria absoluta no primeiro turno. Usa-se freqüenteme nte esse mé
todo nas eleições presidenciais - na França, Áustria, Portugal e, desde 1994,
lU
Colômbia e na Finlândia - e também nas eleições diretas para primeiroministro em Israel - porém não nas eleiçõ es legislativas. Um método que
apresenta muita afinidade com esse, entretanto, é usado na França para as
eleições da legislatura. A Assembléia Nacional é eleita segundo uma fórmula
mista entre maioria absoluta e maioria simples, em distritos uninominais: no
primeiro turno, requer-se a maioria absoluta para a eleiçâo, mas, se nenhum
candidato a obtiver, a maioria simples será suficiente no segundo turno. Os
candidatos que não conseguirem receber uma percent:lgem mínima de votos
no primeiro turno - 12,5 por cento do s votos registrados, desde 1976 -
seriio impedidos de ir para o segundo turno. A competiçiío do segundo tur-
110 é normalmente entre 0S dois principais candidatos, de modo que, na prá
tica, não há muita diferença entre a fórmula da maioria absoluta-maioria
simples e da maioria absoluta-eleiçiio com segundo turno.
'Na Co,ta Rica, a regra é que o presidente seja deito por m'lloria simples, enquanto esta
mclloria simples con'titu ir pclo menos 40 por cento do tm'll dos votos. Se o resultado for
n1C!10r que 40 por cento, deve-se rc.llizar 1 1 1 1 l ~ 1 deiç:lo complementar, porém isro jamais foi
ncccssúrio, el11 todas as deiçóes realizadas entre 1953 e 1994. Sobre os sistemas eleitorais de
modo geral, ver Blclls, Massicotte e Dobrzynsb (1997).
1 72
I
-Io voto alternativo, usado na Austrália, é uma autêntica fórmula de maio
ria. Os eleitores devem indicar seus candidatos por ordem de p r e f ~ r ê n c i a : 6favorito, o segundo em preferência, e assinrsucessivamente. Se um candida- -
to receber a maioria absoluta das primeiras preferências, será eleito. Se isso
não ocorrer, o candidato com o menor número de primeiras preferências
será retirado da competição, e as cédulas onde ele constava como primeira
preferência serão transferidas para a segunda escolha. Esse processo é repe
tido, pela exclusão do candidato mais fraco e a redistribuição das cédulas
para o candidato qu e se encontra imediatamente acima, em cada estágio da
contagem, até que um vencedor majoritário se revele. O voto alternativo étambém usado nas eleições presidenciais na Irlanda.
Distinguimos três tipos principais de representaç ão proporcional. A for
ma mais comum é o sistema de listas, usado por metade das nossas democra
cias - 1 8 das 36 - na maior parte do período de 1945 a 1996. Há pequenas
variações nessas fórmulas de listas, porém em todas há o requisito de que os
partidos indiquem suas listas de candidatos para os distritos plurinominais;
que os eleitores votem em uma ou outra das listas partidárias (embora algu
mas vezes eles P?ssam diversificar seus votos por entre as várias listas) e que
as cadeiras sejam distribuídas na proporção do número de votos que cada
partido obteve. Os sistemas de RP em listas podem, por sua vez, ser subdivi
didos, de acordo com fórmulas matemáticas usadas p ~ 1 f a traduzir a votação
em número de cadeiras. O método aplicado com mais freqüência é a fórmu
la d'Hondt, que, comparada a Outros métodos, mostra LIma leve inclinação
em favor dos gralldes partidos, e contra os menores (\"Cr Lijphart, 1994: 153-59, para uma descrição mais detalhada).3
A segunda forma de representação proporcional é a fórmula d o ~ "distritos
mistos com fórmu la proporcional" (DMP) - termo cunhado 11;1 Nova Zelândia
'Outra diferença emrc as fórmulas de listas RP é a possibilidJde de essas listas serem abertas
parcialmente abertas ou fechadas. Nos sistemas de listas fecilddJs, os e leitores só podem vota;
n:hsta, como um todo, e não podem manifestar sua preferência por nenhum candidato espe
:1600 aa lista. Os ondidatos são eleitos estritamente de acordo com a ordem em que foram
lI1dlcados pelo partido. Os exemplos são Costa Rica, Israel c Es panha. Num sistema de listas
completamente abertas, do qual a Finlândia constitui o melhor exemplo, os eleitores votam
nos candidatos individuais da lista, e a ordem em que estes são eleitos é determinada pelos
votos que recebem in dividualmen te. Na Bélgica, Holanda e vários outros países, as list8s são
~ a r c i ~ m c n t e abertas: embora os eleitores possam expressar suas pref erências por candidatos
mdlVlduJ/S, tende a prevalecer a ordem da lista tal qual foi apresentada pelos partidos.
1 73
M_O o E Lo S D E oE Mo C [t A C I A
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para sua versão do sistema, porém agora a p l i ~ a d o de modo geral para toda a
categoria. Cerca dá metade dos -legisladores n ~ Alemanha, Nova Zelândia e
Venezuela, e perto de três quartos--na I t á l i ~ , s ã o eleitos por maioria simples em -
distritos uninominais, e os demais são eleitos por listas de R l ~ Cada eleitor tem
dois votos, um para o candidato distrital, e um para a lista do partido. O mo
tivo pelo qual essa mistura de métodos se qualifica como sistema de RP é que
as cadeiras oriundas das listas de RP compensam qualque-r desproporcionalidadeproduzida pelos resultados de cadeiras distritais. O exato grau dos resultados
gerais depende de quantas cadeiras de listas RP são disponíveis para o propó-
sito da compensação. Os resultados na Itália têm sido consideravelmente me
nos proporcionais que os dos o utros três países.O terceiro tipo importante de RP é o voto único transferível (VUT). É
diferente da lista RP pelo fato de os eleitores vota[em em candidatos indivi
duais, e não em listas de partidos. A cédula é semelhante à do sistema de
voto alternativo: contém os nomes dos candidatos, que devem ser postos em
ordem pelos eleitores. O processo para determinar os candidatos vencedo
res é ligeiramente mais complexo que no método do voto alternativo. Ocor-
rem dois tipos de transferência de votos: pelo primeiro, os votos excedent es,desnecessários ao candidato que já dispõe da cota mínima requerida para a
eleição, serão transferidos para o candidato seguinte em preferência nas cé
dulas em questão'. No segundo tipo, o candidato mais fraco será eliminado,
e suas cédulas serão transferidas da mesma maneira. Caso seja necessário,
esses passos serão repetidos até que todas as cadeiras disponíveis sejam ocu
padas. O VUT é muito elogiado, porque combina as vantagens de se per
mitir o voto em candidatos i n d i y i d u a i ~ ' com a produção de resultados
proporcionais, porém não é empregado com muita freqüência. Os únicos
exemplos na Figura 8.1 são a Irlanda e Malta. O outro exemplo importante
de seu uso é nas eleições para o Senado na Austrália./\. maioria das fórmulas eleitorais se ajusta às duas grandes categorias: a
representação proporcional e a maioria simples ou maioria absoluta, porém
algumas ficam no meio-termo. Essas fórmulas semiproporcionais raramente
são usadas, e os únicos exemplos, em nosso conjunto de países, são os três sis
temas empregados no Japão. O voto limitado, usado na eleição de 1946, e o
voto único não transferível (VUNT), usado em todas as eleições subseqüen tes,
até 1996, são estreitamente ligados. Os eleitores votam em seus candidatos
174
indi','-iduais e, como nos sistemas de maioria simples, ganham os candidatos
que obtiverem o maior número de votos. Entretanto, diversamente dos siste- -
más de rrüiioria simples, os eleitores não dispÕem de tantos votos quantas são
as cadeiras de cada distrito, os quais devem ter, pelo menos, duas cadeiras.
Quanto mais limitado é o número de votos de que cada eleitor dispõe, maior
será o número de cadeiras envolvidas, maior a tendência de o voto limitado
desviar-seda
maioria simples, assemelhando-se~ a i s
àRP.
i'Ja eleição de 1946,cada eleitor dispunha de dois ou três votos, em distritos variando de quatro a
14 cadeiras. O VUNT é o caso especial de voto limitado, em que o número de
votos de cada eleitor é reduzido a um. Na sua versão jap onesa , ele foi aplicado
em distritos com uma média de cerca de quatro cadeiras.
No sistema d e combinação de maioria simples com RP, introduzido pelo
Japão em 1996, trezentos legisladores foram eleitos por maioria simples, em
distritos un inomina is, e duzentos foram eleitos por listas de RP. Cada eleitor
dispunha tanto de um voto distrital quanto de um voto de RP. Essas caracte
rísticas o fazem assemelhar-se ao DMp, porém a diferença crucial é que as
cadeiras da RP não são compensatórias. Os componen tes da eleição por
maioria simples e por RP são mantidos completamente separados. Por isso,diferentemente da DMP, este sistema é apenas em parte proporcional, em
vez de constituir uma forma de representação proporcional.
A maioria dos países não mudou suas fórmulas eleitorais ao longo do perío
do de 1945-96. O voto limitado, já usado no Japão em 1946, e o sistema de
listas de RP na França, em 1986, são exceções de menor monta. As mudanças
mais importantes que ocorreram realizaram-se todas na década de 1990 - na
Nova Zelândia, Itália, Japão e Venezuela-, e três desses quatro países paS5.lram
a adotar o DMP. Note-se, entretanto, que as primeiras eleições de acordo com
as novas fórmulas, no Japão e na Nova Zelândia, foram realizadas na segunda
metade de 1996, passado o ponto-limite para este estudo, que é o meio de 1996.
MAGNITUDES DOS DISTRITOS ELEITORAIS
A magnitude de um distrito eleitoral denota o número de candidatos que
podem se r eleitos nele. Não deve ser confundida com a dimensão geográfi
ca, ou com o número de eleitores que o referido distrito contém. As fórmu-
1 7 5
AREND l I JPHARTi
M ori'l:LD.s, DE DE M o C R A C I A
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las de maioria simples e de maioria absoluta podem ser aplicadas tanto nos
distritos uninominais quanto nos plurinominais. A RP e o VUNT reque
rem distritos plur inominais, variando dos binominais a um distrito único de
âmbito nacional, onde todos os membros do Parlamento são eleitos. Que a
magnitude distrital tem grande efeito sobre o grau de desp ropor ciona l idade,
e sobre o número de partidos, já se sabe desde longa data. George Horwill
~ (1925': 53) já a chamava de "o fator essencial" e, na análise de Rein TJagepera
e Matthew S. Shugart (1989: 112), ela foi novamente tida como "fator deci-
sivo".A magnitude do dis trito eleitoral constitui um fator importante, sob dois
aspectos. O primeiro deles é que ela exerce uma grande influência, tanto nos
s i ~ t e m a s de maioria simples/maioria absoluta quanto nos sistemas de RP (e
VUNT), embora em direçã o oposta: aumentar a magnitude distrital nos siste-
\mas de maioria simples e maioria absoluta acarreta uma grande despropor
cionalidade e maiores vantagens para os grandes partidos, enquanto sob a RP
.:, ela resulta em maior proporcionalidade e em condições mais favoráveis para
os pequenos partidos. Com respeito à maioria simples, vamos supor, por exem
plo, que na eleição a competição se dê entre os partidos A e ~ B , e que o partidoA seja ligeiramente mais forte em determinada região. Se essa região for um
distrito de três memb ros, é provável que o partido A ganhe todas as três cadei
ras. Entretanto: se a região estiver dividida em três distritos uninominais, é
bem provável que o partido B ganhe em um dos distritos e, conseqüentemen
te, obtenha uma das três cadeiras. Quando a magnitude do distrito é ainda
mais aumenta da, a despropo rcionalida de também cresce. I'·h hipótese de um
distrito de âmbito nacional de maioria simples, supondo-se que todos os elei
tores votem de forma estritamente partidária, o partido vencedor, em todo o
país, de uma maioria simples de votos, ganhará todas as cadeiras.No sistema do voto alternativo da Austrália, e no sistema francês de
maioria absoluta/maioria simples, apenas os distritos uninominais têm sido
usados. Nos sistemas de maioria simples há poucos exemplos do uso de dis
tritos binominais, ou mesmo maiores, porém são cada vez mais raros os dis
tritos maiores que os un inominais. O Reino Unido usou vários distritos
binominais em 1945, e tanto os Estados Unidos quanto o Canadá tiveram
alguns, no período de 1945-68. Nas eleições de 1952 e de 1957, na Índia,
foi eleito cerca de um terço dos legisladores em distritos binominais, e
1 76
IIl-i
Barbados elegeu sua legislatura intei!a em distritos binominais, em 1966. Até
1970, entretànto, todos esses distritosbinQI';'únaiS foeram abolidos. 4
O único país de maioria simples em que sobrevivem dis"tritos maIores que
os uninominais é a República de Maurício, onde 62 legisladores são eleitos
em distritos de 23 membros, e um distrito binominal. Um caso intermediá
rio é o de Papua-Nova Guiné, onde cada eleitor tem direito a dois votos:
um , a se r depositado num dos 89 distritos uninominais, relativamente pe
quenos, e o outro , num dos vinte distritos p rovinc iais uninominais, que são
maiores.5 Uma nzão importante para explicar po r que os distritos plu
rinominais têm se tornado raros é que, como se mostrou antes, eles levam a
um a desproporcionalidade ainda maior do que os dis tritos uninominais, que
já são extremamente desproporcionais. No caso da República de Maurício,
deve-se observar, entretanto, que os distritos de três membros têm propor
cionado um tipo diferente de proporcionalidade: eles estimulam os partidos
e as ali ança s partidárias a indicarem listas de candida tos, equilibradas do ponto
de vista étnico e religioso, o que resuita numa representação das minorias
étnic as e religiosas melhor do que se poderia conseguir com eleições de dis
tritos uninominais. Além disso, em acréscimo aos 62 legisladores eleitos, oitocadeiras são designadas para os chamado s "melhores perdedores", a fim de
se garantir uma justa representação minoritária (Mat hur, 1991: 54-71; 1997).
Três outros países de maioriJ simples tomaram medidas especiais para a re
presentação das minorias étnicas e comul1ais, marcando clistrí.tos específicos
para esse propósito: os distritos maoris, na Nova Zelândia, discutidos no
capítulo 2; cerca de um quinto dos distritos na Índia, que foram sepJrados
para as "castas registradas" (inroc:íveis) e as "tribos registradas"; e os distri
tos manipuiados "afirmativamente", nos Estados Unidos.
O segundo motivo de ser tão importante a magnitude distrital é que -
diferentemente do que acontece nos sistemas de maioria simples e de mJio-
'Outras exccçócs menores são <) antigo uso de 11m distrito de oito membros (o estado do
Alabdma), na eieição para o Congresso americano de 1962; o uso dos sistemas de m a i o r i a ~ eleição complementar em Louisian3 (onde o primeiro est5gio da eleição se chama "primáriasem partido"); até recentemente, na Geórgia; e, também, o uso de quatro distritos VUT na
eleição britânica de 1945.
'Grandes distritos plurinominais também sobrevi vem no sistema n o r t e ~ a m e r i c a n o para a eleição do colégio eleitoral presidencial, em que os cinqüenta estados e o distrito de Colúmbiaservem como distritos eleitorais: a grandeza média é de 10,5 cadeira s por distrito.
1 77
AREND LlJPHART 1-
I--MODE L OS DE DEMOCRACIA
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ria absol uta - ela varia m u i t ~ nos s i s t ~ m a s de !".epresentação proporcional e,
_~ o r isso, te m um forte impacto sobre o grau..de p ropor cionalid ade atingido
-pelos diversos-sistemas-de RP. Por exemplo, um partido que represente uma
minoria de 10 por cento não deve obter uma cadeira num distrito de cinco
membros, porém será bem-sucedido num distrito de dez membros. Assim,
os distritos binominais dificilmente poderão ser considerados compatíveis
com o princípio da proporcionalidade. Pelo contrário, um distrito de âmbi
to nacional, na hipótese da igualdade dos demais fatores, é ótimo para a tra
dução proporcional de votos em cadeiras parlamentares. Israel e Holanda
constituem exemplos de sistemas de RP com semelhantes distritos nacionais.
Muitos países que empregam o sistema de listas de RP usam dois níveis
\ de distr itos, a fim de combinarem as vantagens do contato maior entre o dei
I or e seu representante- nos pequenos distritos - com a proporcionalidade
Imais elevada, nos distritos grandes, especialmente os de âmbito nacional.
Como nos sistemas de DMP, o distrito maior compensa quaisquer des
proporcionalidades dos menores, emboraseja provável que estas últimas sejam
muito menos pronunciadas nos pequenos distritos plurinominais, que em
pregam o sistema de listas de RP, do que nos di stritos uni nominais, que usam
o DMP. Exemplos de sistemas de listas duplas de RP com um distrito nacio
nal no nível mais alto são a Dinamarca, a Suécia depois de 1970 e a Noruega
desde 1989.
BARREIRA ELEITORAL
Os distritos de representação proporcional e de elevada magnitude tendem
a maximizar a proporcionalidade e a facilitar a representação, mesmo dos
partidos muito pequenos. Isto é especialmente verdade em relação aos dis
tritos de âmbito nacional da Holanda e de Israel, como também em relação
a todos os sistemas que usam distritos nacionais de nível superior. A fim de
não ficar excessivamente fácil para os pequenos partidos ganharem a elei
ção, todos os países que dispõem de distritos grandes ou nacionais instituí
ram as barreiras mínimas para a representatividade, definidas quanto ao
número mínimo de cadeiras ganhas em distritos de níveis inferiores e/ou
quanto à percentagem mínima da votação total, em nível nacional. Essas
1 78
IIi
,(
percentagens podem ser proporcionalmente baixas, e por isso inócuas, como
a do mí.nimo de 0,67 por cento, na Holanda, desde 1965, e do mínimo de
1,0 po r cento em Israel (aumentado para 1,5 por cento em 1992). Mas quando
chegam a 4 por cento, como na Suécia e na Noruega, ou a 5 por cento, como
nos sistemas DMP da Alemanha e da Nova Zelândia posterior a 1996, re
presentam barreiras significativos para os partidos menores.
As magnitudes distritais e as barreiras eleitorais podem ser vistos como
dois lados da mesma moeda: a barreira explícita contra os pequenos parti
dos, imposta por uma barreira eleitoral, tem essencialmente a mesma função
da barreira implícita na magnitude distrital. Uma estimativa lógica da sua re
lação é a seguinte:
B75 %
M+1
na qual B é a barreira e M a grandeza méd ia do distrito . De acordo com essa
equação, o distrito mediano de quatro membros, na Irlanda (que usa distri
tos com três, quatro e cinco cadeiras) tem uma barreira implícita de 15 po r
cento, e a média de distritos com magnitude de 6,7 cadeiras, no sistema es
panhol de RP em listas com uma camada única de distritos, tem uma barrei
ra implícita de 9,7 por cento. Inversamente, as barreiras eleitorais de 5 por
cento, na Alemanha, e de 4 por cento, na Suécia, têm aproximadamente o
mesmo efeito que as magnitudes distritais de 14,0 e 17,8 cadeiras.
OUTROS ATRIBUTOS DO SISTEMA ELEITORAL
Outro fator que pode afetar a propo rcionali dade dos resultados eleitorais e
o número dos partidos são as dimensões do corpo a ser eleito. À primeira
vista, pode parecer que isso não faz parte, realmente, do sistema eleitoral.
Entretanto, já que os sistemas eleitorais constituem métodos para a tradução
de votos em cadeiras parlamentares, o número de cadeiras disponíveis para
essa tradução é c1ar:::mente parte integrante do sistema de tradução. Esse
número é importante por duas razões. Primeiramente, supõe que três part i
dos consigam 43, 31 e 26 por cento da votação nacional numa eleição po r
179
AREND LIJPHART
IJ ~ .<1 .
MO D E L O S DE DEMOCRACIA
r C ~ ; ( ~ . · _ ~ ~ ~ . ! " ; r ... ( ' : ~ _ , ) ' , :C ' , . l ' "
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RP. Se a eleição for para uma I T 1 i I 1 i J ~ i s I ª t l I ! : . a com apenas cinco cadeiras, não
haverá, obviamente, um meio pelo qual a distribuição de cadeiras possa se
efetuar co m um alto grau de proporcionalidade. As chances de uma.disrri
buição proporcional melhoram consideravelmente para uma legislatura de
dez membros. E a perfeita proporcionalidade pode ser alcançada, pelo me
nos em princípio, para um corpo legislativo de cem membros. Para legislaturas
com cem ou mais membros, a questão do tamanho vai perdendo a importân
cia, mas nã o é nada desprezível para as câmaras legislativas ba ixa ou única da
República de Maurício (setenta membros na última eleição realizada antes
da metade de 1996), Malta (65), Islândia (63), Jamaica e Luxemburgo (ses
senta cada um), Costa Rica (57), Bahamas (49), Botsuana (44), Trinidad (36)
e Barbados (28).
Em segundo lugar, o padrão geral é que os países populosos têm grandes
legislaturas, que os países com pequenas populações têm legislaturas peque
nas, e que o tamanho da legislatura tende a ser de aproximadamente a raiz
cúbica da população. As eleições por maioria simples costumam sempre ser
desproporcionais, mas essa tendência é reforçada quando o conjunto de
membros. dalegislatura tem um número significativamente abaixo da raiz
cúbica da população (Taagepera e Shugart, 1989: 156-67).6 Barbados é um
caso muito ilustrativo: com base na sua população de 266 mil pessoas (ver
Tabela 4.3), sua" Casa de Assembléia "deveria" ter 64 membros, e não 28.
Assim também, Trinidad devia ter uma câmara baixa com 109 membros, e
nã o 36 , e Bahamas, Botsuana, Jamaica e a República de Maurício também
estão muito abaixo do número previsto pela lei da raiz cúbica - e por isso
pode-se supor, não havendo vari<:çãe nos demais fatores, que tenham uma
desproporcionalidade anormalmente el evada nos result ados de suas eleições.
Uma legislatura de pequenas proporções não constitui uma característica de
todos os sistemas de maioria simples. Por exemplo, a Câmara dos Comuns
da Grã-Bretanha é sensivelmente maior que o previsto pela lei da raiz cúbica.
·Segundo a lei da raiz cúbica, se em eleições de sistemas bipartidários e distritos uninominais de
maioria simples, os votos recebidos pelos dois partidos forem divididos numa razão de a:b, as
cadeiras que obtiverem estarão na razão de a':b'. Entretanto, o expoente 3 se aplica somente
quando o tamanho do corpo legislativo está em concordância com a lei da raiz cúbica, e o expo·
ente sobe - e por isso, desproporcionalmente, também aumenta - à medida que o tamanho da
legislatura diminui e/ou a população aumenta (Taagepera e Shugart, 1989: 158·67).
180
Os sistemas presidencialistas podem exercer um efeito indireto, porém
forte, sobre o número efétivo dos partidos parlamentares. Uma vez qu e a
presidência wnstituLo mais alto prêmio político que se possa receber, e já
que só os partidos maiores têm a chance de ganhá-la, esses partidos grandes
levam uma vantagem considerável sobre os menores, vantagem que se pode
prolongar até as eleições legislativas, mesmo quando estas são por RP, como
na Costa Rica, Colômbia e Venezuela. Essa tendência é especialmente forte
quando a eleição presidencial é decidida por maioria simples, e nã o po r
maioria absoluta/com segundo turno (em que os pequenos partidos podem
querer tentar a sorte no primeiro turno) e quando as eleições legislativas são
realizadas ao mesmo tempo, ou pouco depois da eleição presidencial (Shugart
e Carey, 1992: 206-58; Jones, 1995: 88-118). Mesmo na França, onde as
eleições presidenciais e legislativas normalmente não coiJlcidem, e onde as elei
ções presidenciais são por maioria absoluta/com segundo turno, o presiden
cialismo reduziu o multipartidarismo. !vfaurice Duverger (1986: 81-82)
compara a V República presidencialista com a IH República parlamentarista,
ambas as quais empregaram o sistema de dois turnos para as eleições le
gislativas, e pergunta "por que o mesmo sistema eleitoral coincidiu com um adezena de partidos, na III República, mas terminou com apenas quatro [par
tidos em formato de dois blocos] na V República". Sua principal explicação
é" a eleição popular direta do presidente, que transformou o regime político".
A manipulação geográfica dos distritos também pode contribuir para a
desproporcionalidade eleitoral. Em distritos uninominais, ela significa qu e
os distritos têm populações com capacidade de \'oto substancialmente desi
gual. Distritos plurinominais geografic amente manipulados têm tamanhos que
não são proporcionais a suas populações eleitoras. É especialmente difícil
evitar a manipulação em sistemas de maioria simples e de maioria absoluta
com distritos uninominais, porque a distribuição eqüiutiva requer qu e os
distritos muito pequenos sejam escolhidos com eleitorados ou populações
exatamente iguais. Isto praticamente já não causa problema nos sistemas de
representação proporcional, que usam distritos relativamente grandes, de
&versas magnitudes, porque as cadeiras podem ser proporcionalmente dis
tribuídas para unidades geográficas preexistentes, tais como províncias ou
cantões. E a manipulação casuística é inteiramente eliminada como proble
ma quando as eleições são conduzidas num grande distrito de âmbito nacio-
1 8 1
AR"-ND-LlJPHART
MO D E L O S DE DEMOCRACIA
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nal, como em Israel e na Holanda, ou numa camada superior de âmbito na
cional, como na Alemanha e na Suécia.
Os principais casos de m a n i p u l a ~ ã o geográfica casuística estavam rela
cionados à sobre-rep resentação rural. São eles: os Esta dos Unidos (até a re
volução da redistribuição, de 1960), a Austrália e a França (até cerca de 1980),
o Japão sob o sistema do VUNT, a Noruega até 1985, a Islândia de 1946 a
1959 e a Espanha. Entretanto, a maüipulação em favor de áreas rurais só
leva a um a crescente desproporcionalidade na representação partidária se osgrandes partidos tirarem benefício dela. Este foi clar amente o caso dos libe
ral-democratas no Japão, do Partido Progressista na Islilndia e do Partido Na
cional (antigo Partido do Campo) na Austrália, a ponto de esse partido,
relativamente pequeno, ser tratado como parte de uma grande organização
partidária com os liberais. .
Finalmente, alguns sistemas de RP em listas permitem que os partidos
f 1 "r " senham listas separadas na cédula, mas que orma mente cO>lguem essa
listas, o que significa que o total de votos combinados será usado na distri
buição inicial de cadeiras. O passo seguinte será a distribuição proporcional,
a cada um dos partidos, das cadeiras ganhas por eles. Usa-se normalmente otermo francês apparentement para se referir a um conjunto dessas listas
interpartidárias aparentadas. Exemplos de sistemas de listas com essa carac
terística espccial'são a Suíça, Israel e, desde 1977, a Holanda. Em razão da
ajuda que presta aos partidos menores, com tendência a serem sub-represen
tados, o apparentement tende a reduzir a desproporcionalidade e a aumen
ta r o número efetivo dos partidos. Além disso, a formação de coligações
eleitorais interpartidárias de benefício mútuo é permitida não só pelo
apparcntement em alguns sistema; de listas de RP, como também como uma
conseqüência lógica dos três outros sistemas eleitorais. Tanto o voto alterna
tivo quanto o VUT permitem que os partidos se coligue m visando a uma má
xima vitória eleitoral, simplesmente concordando em pedir que seus eleitoresdêem suas primeira s preferências aos próprios candidatos , mas que as segun
das sejam dadas aos candidatos do partido coligado - vantagem da qual os
partidos australianos e iriandeses (mas não os mal eses) freqüentemen:e se
aproveitam. De forma semelhante, o sistema francês de dois turnos admitem
implicitamente a possibilidade de se coligarem os partidos , com o propósito
de uma retirada recíproca do segundo turno, nos diferentes distritos. Tanto
182
os partidos de esquerda quanto os de direita fazem uso regular'dessa opor
tunidade.
GRAUS DE DESPROPORClONALlDADE
Como já ioi visto, muitos atributos dos sistemas eleitorais exerce m inf luência sobre o grau de desproporcionalidade, como também influenciam indi
retamente o número de partidos que compõem o sistema IJartiàário. Como
pode ser medida a desproporcionalidade geral das eleições? É fácil determi
nar a desproporcionalidade para cada partido, numa eleição particular: ela é
simplesmente a diferença entre a percentagem de votos e a percentage m de
cadeiras que o partido obtém. O mais difícil é reunir os desvios de todos os
partidos, relativamente às suas respectivas cotas de votos e de cadeiras. So
mar as diferenças (absolutas) não é suficiente, porque não se faz a distinção
entre alguns desvios gran des e sérios e um grande número de outros desvios
pequenos e, relativamente, insignificantes.? O índice de desproporcionalidade
proposto por Michael Gallagher (1991), empregado no presente estudo,
resolve o problema avaliand o os desvios por seus próprios valores - fazen
do, assim, com que os grandes desvios contem muito mais, no Índice sumá
rio, do que os pequenos. O cômputo do índice Gallagher (G) é o seguinte: as
diferenças entre as percentagens de voto (v) e p e r c e n t ~ 1 g e n s dê cadeiras (s)
p;lra cada partido são elevadas ao quadrado, em seguida adicionadas; este
total é dividido por 2. Finalm ente, tira-se a raiz quadr;;da desse valor:8
G = ~ . l 2 2 ( v - S ) 2 2 I I
'Uma das conseqüências desse problema é que o índice de Loo,cmore-Hanby (1971), que
emprega a abordagem aditiva, tende a reduzir a importância eL! proporcionalidade dos sistemas
de RP. Uma alternativa óbvia, proposta pelo índice de Rae (1967), é calcular a média das diferenças absolutas das percen tagens de VOtos e de cadeiras. O erro aqui vai noutra direção, exa
gerando-se a importância da proporcionalidade nos sistemas de RI' (I'er Lijphart, 1994: 58-60).
'N o cálculo do índice Gallagher, quaisquer pequenos partidos, agrupados com o "outros" par
tidos nas estatísticas eleitorais, devem ser desconsiderados.
1 83
A ~ E N D LlJPHART I M o DEL o 5.- D E o E Mo C R A C I A
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Em alguns s i s t e m a s - e 1 e i t o r a i ~ , podem-se usar dois tipos de votos com
o propósito de calétilar as cli:ferenç.as entEe võton cadeiJas. Qual desses
tipos deve ser usadõ?Nos--sistemas DMp'a escolha está entreas-listas de
v ~ t o s do partido e os votos do distrito, e o consenso acadêmico é de que. . " . .
a lista de votos do partido expressa de forma maIs preCIsa as pre,erenClas
partidárias do eleitorado. Nos sistemas do voto alternativo e do VUT, a
escolha é entre os votos de primeira preferência e os votos finais - istoé, os votos depois que a transferência de preferências foi completada. Só
os votos de primeira preferência são normalmente computados, e os
estudiosos concordam em que as diferenças entre os dois são de menor
importância. O único caso em que a diferença é substancial é entre os
resultados do primeiro e segundo turnos, na França. No primeiro turno,
os votos tendem a ser divididos por muitos candidatos, e a escolha real se
dá no segundo turno. l" melhor solução é contar os votos decisivos: prin
cipalmente os votos do segundo turno, mas também os de primeiro turno
em distritos onde os candidatos foram eleitos em primeiro turno (Goldey
e Williams, 1983: 79).9
D E S P R O P O R C l O N ~ L l D A D E ELEITORAL EM DEMOCRACIAS PRESIDENCIALISTAS
A discussão sobre os sistemas eleitorais se tem centrado até agora quase in
teiramente nas eleições legislativas. Nas democracias presidencialistas, en
tretanto, a eleição do presidente é pelo menos tão importante quanto a do
'Diversas questões metodológicas me:-,ores, relJtivas ao cálculo do índice de despro
porcionalidade, também necessitam ser esclarecidas. Enl primeiro lugdr, como no cálculo
do número efetivo dos partidos pad,:üentares, as cadeiras são as das câmaras baixa ouúnica dos parlamentos. En1 segundo, <ilferentemcnte do cálculo do número efetivo dos
partidos, são usadas as cadeiras ganhas pelos partidos na eleição, e não as ganhas pelos
legisladores, que se unem aos partidos após a eleição, como no Japão e em Papua-i";ova
Guiné. Em terceiro lugar, as cadeiras que não forem contestadas - o que ocorre princi
palmente nos sistemas de maioria simples, porém cada vez mais raramente - sã o excluí
das (se for possível fazê-lo). Em quarto lugar, as duas eleições boicotadas em Trinidad, em
1971, e na Jamaica, em 1983, não são consideradas. Em quinto e último, os partidos
l faccionados e os estreitamente aliados são novamente ~ o n t a d o s c ~ m o um e m e i ~ partido
_ procedimento este, entretanto, que tem apenas um impacto mmlmo sobre o rndlce de
I e'proporcionalidade.
'8 4
1l ~ I
Legislati vo: aproximadamente da mesma importância n os sistemas com equi
líbrio entre Executivo e Legislativo, e àe maior importância em s i s t ~ m a s com
predomínio do Executivo. De fato, mesmo nos sistemas de equilíbrio Execu
tivo-Legislativo, os eleitores consideram que a eleição presidencial é a mais
importante, como fica demonstraào na participação mais baixa nas eleições
legislativas, quando estas não são realizadas simultane ament e à pres;dencial.
Por exemplo, o comparecimento às urnas em eleições para o Congresso, nosEstados Unidos, tende a ser de apenas dois terços em relação ao de eleições
presidenciais.
TABELA 8.1 DESPROPORCIONALlDADES MÉDIAS EM ELEiÇÕES LEGISLATIVAS
E PRESIDENCIAIS, OS NÚMEROS DAS ELEiÇÕES EM QUE SE BASEIAM ESSAS MÉDIAS,
E AS MÉDIAS GEOMÉTRICAS DAS DUAS DESPROPORCIONALlDADES EM SEIS
SISTEMAS PRESIDENCIALISTAS, PERíODO DE 1946 A 1996
Despropor- Despropor-
cionali dade Eleições cionali dade Eleições Média
legislativa legislativas presidencial presidenciais geométrica
(%) (N) (%) (N) (% )
Israel (a) 1,65 49,51 1 9,05
Colômbia 2,96 14 38,04 10 10,62
Costa Rica 4,13 11 45,11 11 13,65
Venezuela 4,28 8 48,49 8 14,41
Est3dos Unidos 4,90 25 45,38 12 14,91
França (b) 11,34 8 '16,23 6 22,90
Notas: (a) Apenas a eleição de 1996, na qual o primeiro-ministro foi eleito por voto direto
(b) Não incluindo as eleições de 1986 e 1993, que levoram ;, fases parlamentaristas
Fonte: Baseado em dados de Mackie e Rose, 1991; Mackie c Rose, 1997; Nohlcn, 1993; Goldey e
Wílliams, 1983; e dados fornecidos por Michacl Coppedge, Brian F. Crisp, Gary Hoskin, Mark I ~ Jones e J. Ib y Kenl1edy
As eleições presidenciais são inerentemente desproporcionais, em resul
tado de àois atributos do sistema eleitoral discutidos acima: a fórmula elei
toral, que, para a eleição de uma única autoridade, é necessariamente uma
das fórmulas da maioria simples ou da maioria absoluta (ou a eleição majo
ritária por um colégio eleitoral), e o "tamanho do corpo a ser eleito", que é
o mínimo absoluto de um. O partido que ganha a presidência obtém "todas"
1 85
AREND LlJPHAR.t
-C'MODELOS DE DEMOCRACIA
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as cadeiras - isto é, a única disponível - e os partidos perdedores não ga
nham cadeira alguma:: Este é também um outro aspecto pelo qual os sistemas
presidencialistas tendem a ser inerentemente majoritários, além da sua ten-
dência, também inerente, a ter gabinetes majoritários, com o efeito redutivo
destes sobre o número dos partidos.
A Tabela 8.1 apresenta os índices de desproporcional idade para as elei
ções legislativas e presidenciais, em seis sistemas presidencialistas. Comoera de se esperar, a desproporcionalidade nas eleições presidenciais é mais
alta que nas legislativas: em média, entre 38 e 50 por cento, nos seis países.
Se só houver dois candidatos, o índice de desproporcio nalidade será igual
à percentagem de votos do candidato perdedor. Por exemplo, nas eleições
diretas do primeiro-ministro israelense, em 1996, os únicos candidatos eram
Benjamin Netanyahu, que venceu com 50,49 por cento dos votos, e Shimon
Peres, que perdeu com 49,51 por cento dos votos, produzindo um índice
de desproporcional dade de 49,51 por cento. 10 Além disso, a despropor
cionalidade nas eleições presidenciais não é somente mais alta que nas legis
lativas, mas sim muito mais alta: cinco dos seis sistemas presidencialistas
têm índices médios de desproporcionalidade legislativa abaixo de 5 por cen
to. Se ambas as desproporcionalidades são relevantes e devem ser conta
das, qual seria amelhor forma de combiná-las? Se fosse empregada a média
aritmética, a desproporcionalidade das eleições presidenciais esmagaria a
das legislativas. Por isso, é melhor usar a média geométrica - que também
é geralmente mais adequada, quando valores de grandezas muito diferen
tes são com parados. 11 Essas médias geométricas são mostradas na última
coluna da Tabela 8.1.
IIINas eleições para primeiro-ministro, Israel usa o sistema de maioria absoluta com segundo
turno, mas, quando apenas dois candidatos esti"io competindo, obviamente que um segundo tur
no não será necessário. Em todas as eleições presidenciais decididas em segundo turno, os votos
desta, necessariamente divididos entre os dois únicos candidatos, foram usados para calcular o
índice de desproporcionalidade.
liA média geométrica de dois números, como as duas percentagens da Tabela 8.1, é simples
I mente a raiz quadrada do produto desses dois números.
1 86
II
TABELA 8.2 DESPROPORCIONALlDADE ELEITORAL M ~ D I A ETIPO DE SISTEMA ELEITORAL
. EMPREGADOE-M E ~ E I Ç Õ E S L E G I S l A J f V A ~ ) . ~ M 36 DEMOCRACIAS, PERíODO DE 1945 A 1996
D e s p r o p o r ~ Sistema D ~ s p r o p o r - Sistemacionalidade eleitoral cionalidade eleitoral
(%) (%)
Holanda 1,30 RP Espanha 8,15 RP
Dinamarca 1,83' RP Austrália 9,26 M.absol.Suécia 2,09 RP Papua-Nova
Guiné 10,06 M. simplesIsrael 2,27 RP Reino Unido 10,33 M. simpleslvlalta 2,36 RP-YUT Colômbia 10,62 RP 'Áustria 2,47 RP Nova Zelândia 11,11 M. simplesAlemanha 2,52 RP Índia 11,38 M. simplesSuíça 2,53 RP Canadá 11,72 M. simplesFinlândia 2,93 RP Botsuana 11,74 M. simplesBéigica 3,24 RP Costa Rica 13,65 RI"Itália 3,25 RP Trinidad 13,66 M. simplesLuxemburgo 3,26 RP Venezuela 14,41 RI"Irlanda 3,45 RP-YUT
Estados Unidos 14,91 M. simples*Portugal 4,04 RP Bahamas 15,47 M. simplesIslândia 4,25 RI' Barbados 15,75 M. simplesNoruega 4,93 RI' Maurício 16,43 M. simplesJapão 5,03 VUNT Jamaica 17,75 M. simplesGrécia 8,08 RI' França 21,08 M. absol. *
*Sistemas presidtncialistas
~ ~ t a : Os número; das eleiçôes em que se baseiam essas médias podem ser encontrados na Tabela
Fome: Baseado em dados de M;ckie e Rose, 1991; lIíackie e Rose. 1997' Nohlen 1993. Sinah19'" L·'h' . l " , b'
- ~ . . , ; ,IIP a:t, 1994, e dados fornecidos por Pradcep K. Chhibbcr, Michacl Coppedgc, Brian F.
Cnsp, Gary Hosbc;, Mark i' JaDe" J. Ray Kennedy, H;1nsraj Mathur, Shaheen Mozaffar, Ben Reillye Andrew S. Reyndds
GRAUS DE DESPROPORClONALlDADE E M 36 DEMOCRACIAS
A média das desproporcíonalidades eleitorais em todas as 36 democracias é
a ~ r e s e n t a d ~ em ordem crescente na Tabela 8.2, junto com o principal tipo de
Sistema eleItoral usado em suas eleições legislativas: RP (inclusive os sistemas
VUT da Irlanda e de Malta), VUNT, maioria simples e maioria absoluta (Aus-
1 87
1I
A ~ E N D l I JPHARTMODELOS DE DEMOCRACIA
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trália e França). Um ~ s t e r i s c o indica se 8- país é presidencialista, ou usualmente
presidencialista (o q u ~ inclui a França-, mas nã o Israel). Os índices se estendem
po r um a ampla margem, que vai de 1,30 por cento na Holanda até 21,08 por
cento na França. A média é 8,26, e o número mediano, 8,11 por cento.
Há uma linha notavelmente clara dividindo os sistemas parlamentaristas
co m RP dos sistemas de maioria simples e maioria absoluta. Mesmo os dois
países de RP freqüentemente considerados quase não fazendo parte da famí
lia da RP - Grécia e Espanha -, situam-se ainda no lado RP da linha divi
sória. O sistema de representação proporcional da Espanha não é muito
proporcional, principalmente devido a sua baixa magnitude distrital. O sis
tema RP grego tem mudado muitas vezes, mas o sistema usual é de "RP re
forçada" - um a qualificação ilusória, porque o que se reforça são os grandes
partidos, e nã o a proporcionalidade. Entretanto, mesmo esses dois sistemas
impuros de RP têm uma desproporcionalidade mais baixa que qualquer um
do s sistemas de maioria simples e de maioria absoluta. Deve-se também no
ta r que o sistema VUNT do Japão - qu e é antes semi proporcional do que
propriamente de RP, e também dispondo de baixa magnitude distrital- está
também nitidamente no lado RP da linha divisória. De fato, sua desproporcionalidade média de 5,03 por cento está muito abaixo em relação à da
Grécia e da Espanha. A maioria dos países de RP tê m médias de despro
porcionalidade ~ n t r e 1 e 5 por cento. Os casos exemplares da Bélgica e da
Suíça ficam aproximadamente no meio desse espectro.
No lado da linha divisória relativo à m3ioria simples e à maioria absolu
ta , a Austrália constitui o único pais com um3 desproporcionalidade abaixo
de 10 po r cento. A maior parte des,ses países tem desproporcionalidades entre
10 e 20 po r cento. Os quatro regimes parlamentaristas C0111 a mais elevada
desproporcionalidade - Bahamas , Barbados, ilha Maurício e Jamaica - são
todos países pequenos, com sistemas de maiorias simples e legislaturas inusi
tadamente pequenas. Além disso, a Repúbli ca de Maurício usa princip::tlmcnte
os distritos trinominais. O Reino Unido e a Nova Zelândia estão, na verda
de, entre os menos desproporcionais dos sistemas de maioria simples. Os
únicos casos excepcionais de sistemas de RP extremamente desproporcio
nais são três democracias presidencialistas: Colômbia, Costa Rica e Venezuela.
Um novo relance na Tabela 8.1 revela, entretanto, que as suas despropor
cionalidades legislativas vão de apenas 2,96 até 4,28 po r cento - o que é
1 88
inteiramente normal para sistemas de RP - e qu e é o presidencialismo des
- ses países que Ines dá essa alta desproporcionalidade total.
A desproporcionalidade legislativa também é relativamente baixa no s Es
tados Unidos, a despeito do método da maioria simples para as eleições
congressionais. A melhor explicação desse fenômeno incomum é a existência
de eleições primárias nos Estados Unidos. Na maioria do s sistemas de maioria
simples, uma grand e parte da desproporcionalidade das eleições é causada pelos
pequenos partidos, que permanecem sem representação, ou quase sem nenhu
ma. Existem muito poucos desses nos Estados Unidos, porque as eleições pri
márias dão fortes incentivos aos dissidentes a tentar sua sorte em uma das
principais primária s partidárias, em vez de estabelecerem partidos pequenos
separados. Além disso, as leis dos Estados tendem a discriminar os pequenos
partidos. Mesmo assim, no final das contas, as eleições presidenciais dã o aos
Estados Unidos um elevado nível geral de desproporcionalidade. A França é o
sistema mais desproporcionaln3 Tabela 8.2, em resultado do seu sistema des
proporcional de eleições legislativas, em combinação com o presidencialismo.
Seu índice é ligeira mente mais baixo na Tabela 8.2 do que a média geométrica
mostrada na Tabela 8.1, porque, nas e l e i ç õ ~ s de 1986 e 1993, que inauguraram fases parlamentaristas, somente a desproporcionalidade legislativa foi
considerada. A única eleição minister ial de Israel (paraprimeiro-ministro), em
1996, eb·ou apenas ligeiramente o nível geral da desproporcionalidade, por
que foi precedida de 13 eleições puramente parlamentares, nas quais a média
de desproporcionalidade foi de apenas 1,75 por cento.
SISTEMAS ELEITORAIS E SISTEMAS PARTIDÁRIOS
Uma proposição da análise política comparada que se tornou muito conhe
cida é a de que o método da maioria simples favorece os sistemas bipartidários.
Maurice Duverger (1964: 217, 226) diz que essa proposição se aproxima
"de uma verdadeira lei sociológica". Inversamente, os sistemas de RP e de
dois turnos (como o método francês da maioria absoluta/maioria simples)
estimula o multipartidarismo. Duverger explica os diferentes efeitos do sis
tema eleitoral segundo fatores "mecânicos" e "psicológicos". O efeito mecâ
nico da regra da maioria simples é que todos os partidos, com exceção dos
1 B 9
A R E N D li J P H A R T ~ ~ I ~ O D E L O S DE DEMOCRACIA
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dois maiores, ficam sub-representados, pois tendem a perder em cada distri
to . O Partido Liberal britânico, que cont inua nien te foi o terceir,o partido na_ -.
época do pós-guerra, é mn bom exemplo. O fator psicológico reforça o
mecânico: "Os eleitores logo se di a conta de que os seus votos serão perdi
dos se continuarem apoiando um terceiro partido. D aí a tendência natural
de transfer ir seu voto para amenos pior dos dois adversários." Além disso,
o fator psicológico também age no nível dos políticos, cuja t e n d ê n c i ; ; . ~ n a t u -ral é a de não desperdiçar energia concorrendo como candidatos de um ter
ceiro partido, mas sim, juntar-se a um dos partidos maiores.
Douglas W. Rae (1967: 67-129) contribuiu com diversos aperfeiçoamen
tos significativos par a o estudo das conexões entre os sistemas eleitorais e os
partidários. Sistemas eleitorais diferent es produzem impactos diversos sobre
os sistemas partid<irios, porém - sublinha Rae - também têm importantes
efeitos comuns. Particularmente, todos os sistemas eleitorais - não somen
te os de maioria simpies e de maioria absoiuta - tendem a sobre-represen
ta r os partidos maiores e sub-representar os menores. Distinguimos três
importantes aspectos dessa tendência: (1) todos os sistemas eleitorais ten
dem a produzir resultados desproporcionais; (2) todos os sistemas eleitorais
tendem a reduzir o número efetivo de partidos parlamentares, comparados
co m o número. efetivo de partidos eleitorais; e (3) todos os sistemas eleito
rais podem fabricar uma maioria parlamentar para os partidos que não te
nham recebido apoio majoritário dos eleitores. Por outro lado, todas as três
tendências se apresentam com muito mais força nos sistemas de maioria sim
ples/maioria absoiuta do que nos sistemas de representação proporcional.
A priIl1eira proposição de R8.e é claramente mostrada na Tabeia 8.::'-; mes
mo o sistema mais proporcional, o dei Holanda, tem uma desproporcionalidade
de 1,30 por cento, em vez de zero por cento. Mas, como foi destacado antes,
;1 desproporcionali r1 ade dos sistemas de RP é muito mais baixa que a dos siste
mas de maioria simples/maioria "bsoluta. As proposições segunda e terceira de
Rae baseiam-se no fato de que as desproporcionalidades dos sistemas eleito
rais não são aleatórias, e sim sistemáticas: sistematicamente, elas dão vanta
gem aos partidos maiores e desvantagem aos menores - e isto, mais uma vez,
espec ialm ente nos sistemas de maioria simp les e de maioria absoluta. Por isso
as eleições de um modo geral- e particularmente as eleições por maioria sim
ples/maioria absoluta - reduzem o número efetivo dos partidos.
1 9 0
IA vantagení sistemática que o ~ s i s t e m a s eleitorais dão aos gra ndes partido s
torna-se especialmente importante quando os partidos que não conseguiram obter
llma maioria de votos são recompensados com uma maioria de cadeiras. Isto
torna possível formar os gabinetes majoritários de um partido - uma das mar
cas distintivas da democracia majoritária. Rae (1967: 74-77) chama a essas
maiorias de "fabricadas" - isto é, artificialmente criadas pelo sistema eleitoral.
Maiorias fabricadas podem ser contrastadas com maiorias ganhas - quando-o
partido obtém maiorias tanto de votos quanto de cadeiras - e com minorias
naturais-quando nenhum partido obtém maioria nem de votos nem de cadei
ras. ATabela 8.3 apresenta a incidência média de maiorias fabricadas e ganhas,
e de minorias naturais, nos três principais tipos de sistemas eleitorais . 12 Todos os
três são capazes de criar maiorias onde os eleitores não criaram, mas essa capa
cidade é particularmente forte nos sistemas de maioria simples e de maioria ab
soluta - seguidos de perto pelo sistema semi proporcional japonês, que
freqüentemente fabricou maio rias para o partido Liberal Dem ocrata.
TABELA 8.3 MAIORIAS FABRICADAS, MAIORIAS GANHAS E v1INORIAS NATURAIS EM
TRÊS TIPOS DE SISTEMAS ELEITORAIS, PERíODO DE 1945 A 1996
Maioria Maioria Minoria
fabricada ganha natural Total Eleições
(%) (Ofo) (%) (% ) (N)
Sistemas de maioria simples e /---"',m. absoluta (14 países) 43,7:' 39,1 17,2 100,0 151
Sistemas stmiproporcionais
Qapão) 42,1 15,8 42,1 100,0 19Representação proporciona!
(22 países) 9,4 8,3 82,3 100,0 265Todas as eleições legislativas em
36 democracias 22,8 19,3 57,9 100,0 435
Fome, Baseado em dados de Mackie é Rose 1991· I-.hckic e Rose 1 9 9 ~ / ' "[':0111' 199' S' h-.. ' -, ~ 'J.l'ó • en, j; mg,
1994; LlJphart, 1994; e dados fornecidos por Pradeep K. Chhibber, Michad Coppedgc, Brian F.
Cmp, Gary Hoskm, Mark P. Jones, J. Ray Kennedy, Hansraj ~ ! a t h u r , 5haheen ~ í o z a f f d r , l3én Reilly
e Andre,'.' S. Reynolds
I1Para a construção da Tabela 8.3, os p:lftidos de estreita aliança e faccionados foram conta
dos como um partido. As sete eleições legislativas colombianas de 1958 a 1970 foram ex
cluídas. porque os partidos Liberal e Conservador receberam, cada um, a metade das cadeiras
legislarivas, de acordo com o prévio acordo do Front Nacional.
1 91
AREND LlJPHART MODE L OS DE DEMOCRACIA
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-, Os exemplos mais nítidos de maiorias fabricadas podem ser encontrados
em nossos casos prototípicos da Grã-Bretanha e da Nova Zelândia, porém
muitas dessas maiorias também ocorreram na Austrália e no Canadá. São co
muns as maiorias ganhas nos sistemas de maioria simples, com compet ição
estritamente bipartidária: Bahamas, Botsuana, Jamaica, Trinidad e Estados
Unidos. De fato, como resultado da freqüência das eleições para o Congres
so, os Estados Unidos contribuem com urna grande proporção no tótal de
maiorias ganhas em sistemas de maioria si mples/m aioria absoluta: 23 das 59
eleições com maioria ganha. Em contrapartida, a representação proporcio
nal raf8mente produz tantas maiorias fabricadas quantas maiorias ganhas.
Esses resultados ocorreram principalmente em países que, a despeito da RP,
têm um número relativamente lJequeno de partidos (Áustria e Malta); em
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GRE· • .U K2 • MAL ~
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+BOT
o 5 10 15 20 25Desproporcionalidade eleitoral
Fig. 8.2 A relação entre a desproporcionalidade eleitoral e o número efetivo de partidos parlamen
tares, em 36 democracias, 1945-96
1 92
países com representação proporcioml relativamente impura (Espanha e
Grécia); e nos sistemas presidencialistas que usam a RP p a r ~ as eleições
legislativas (Colômbia, Costa Rica e Venezuela). O aspecto mais notório d ;
Tabela 8.3 é que mais de 80 por cento das eleições por maioria simples e
maioria absoluta levaram a maiorias fabricadas ou ganhas, e que mais de 80 :por centQ das eleições po r RP produziram minorias naturais.
Podemos também supor urna relação extremamente ~ e g i l t i v a enú ; a
desproporcionalidade do sistema eleitoral e o número efetivo dos partidos
parlamentares. A Figura 8.2 mostra essa relação nas nossas 36 democracias.
O coeficiente de relação é -0,50, estatisticamente significativo no nível de 1
por cento. Quando cresce a desproporcionalidade, diminui o número efeti
vo de partidos. Um aumento de 5 por cento na desproporcionalidade está
associado a urna redução de cerca de meio partido (0,52, para ser exato) no
número efetivo de partidos.
Afigura mostra um considerável espalhamento e, nu entanto, poucos de
masiadamente afastados. Outros fatores afetam fortemente o número de par
tidos. Um deles é o grau de pluralismo e o número de grupos em que a
sociedade está dividida, que pode explicar o multipartidarismo em Papua
Nova Guiné e na Índia, a despei to dos efeitos redutivos de seus sistemas elei
torais desproporcionais. Outra sociedade plural, a Suíça, tem mesmo mais
multipartidarismo do que se poderia esperar do seu sistema eleitor::Jl pro
porcional. O efeito oposto pode ser visto na Austria, cuja sociedade plural, e
semiplural mais tarde, consiste principalmente em dois grandes "campos", e
em i\1alta, onde o eleitorado por muito tempo tendeu a reunir-se em dois
grupos de tamanho quase iglul : nesses dois países coexistiran! -sistema s de
dois partidos e de dois partidos e meio, com sistemas de RP extrem:lmente
proporcionais. Dois dos sistemas presidencialistas - França e Venezuela _
também apresentam um relativo desvio, com um número de partidos consi
deravelmente maior que o esperado, C0111 base na desproporcional idade dessessistemas.
Outra maneira de examinar a Figura 8.2 é reparar na lacuna em graus de
desproporcionalidade que OCCrTe na faixa de 5 c 8 por cento. No lado mais
desproporcional dessa lacuna, há um considerável espalh:-lInento, porém, se
os casos em desvio de Papua-Nova Guiné e Índia forem excluí dos, o número
efetivo médio de partidos é 2,32. Com a Índia e Papua-Nova Guiné é de 2,61.
193
AREND l I JPHART
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No lado maisproporciQnal da l ~ c u n a , o número de partidos varia ampla
mente, nãóhavendo.nenhum paclrão-diséernível"mas a média é considera
velmente inais elevada: 3,78 partidos. A relação geral entre aS duas variáveis
depende em grande parte dessa apreciável diferença entre dois grupos de
países, que coincide muito, porém não totalmente, com a diferença entre os
sistemas de RP e de maioria simples: por um lado,. a maior parte dos paí ses
de RP e mais o Japão, e por outro, os países de maioria simples e maioria'
absoluta, os sistemas impuros de RP na Grécia e Espanha, e as democracias
presidencialistas.
1 9 4
CApíTULO 9 Grupos de interesse:
Pluralismo versus corporativismo
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A quinta diferença entre democracia majoritária e de consenso - e a ú lt im a
das cinco que, juntas, constituem a dimensão executivos-partidos - diz res
peito ao sistema de grupos de interesse. O sistema de grupos de interesse
típico da democracia majoritária é um pluralismo competitivo e não-coor
denado entre grupos independentes, em contraste com o sistema do cor
porativismo característico do modelo consensual, que é coordenado e
orientado para o acordo. O corporativismo é muitas vezes chamado de
"corporativismo democrático", "corporativismo societário" ou "neocorpo
rativismo" para distingui-lo das formas autoritárias de corporativismo em
que os grupos de interesse são totalmente controlados pelo Estado. Usarei obreve termo "corporativismo" sempre como sinônimo de corporativismo
democrático.
O corporativismo tem dois significados conceitualmente distintos. O
primeiro refere-se a um sistema em que os grupos de interesse são constituí
dos em organizações n:lcionais dê rico, e s p e c i a l i z a d ~ l s , hierárquicas e mono- ,
polistas. O segundo refere-se à incorporação dos grupos dê interesse no
processo decisóriv.-PhilippeC. Schmitter (1982: 263-64) afirma que o segun
do tipo de corporativismo deveria chamar-se "concenação". Ernpiricamcnte,
entretanto, os dois tendem a ocorrer juntos, po,que o corporativismo no
sentido estrito é quase uma condição necessária para uma concertação. Como
diz Schmittcr, parece haver urna "com patibilidade estruturai ( .. ) entre o
corporativismo e a concertação", c lembra que os "elementos de centraliza
ção, representação de monopólio etc. surgiram hi,toríClmente em primeiro
lugar, e, po r assim dizer, prepararam o caminho para a concertação de deci
sões, a qual, po r seu turno, estimulou um a nova organização das associações
de interesse".
Cada um desses dois elementos pode ser subdividido para se chegar aos
1 9 7
II-! AREND l I JPHART
quatro componentes e s s e n c i a i ~ , I2-0r meio dos quais se pode imediatamente
MODELOS DE DEMOCRACIA
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reconhecer o corporativismo. No sentido estrito de Schmitter, corporativismo
significa: (1) que os grupos de interesse são relativamente grandes em tama
nho e relativament e pequenos em número, e (2), que são mais coordenados
em organizações nacionais de pico. Concertação significa: (3) consultas re
gulares entre os líderes dessas organizações de cúpula - especialmente os
representantes do operariado-e da classe patronal - tanto dos líderes entre
si quanto entre eles e representantes do governo para (4) chegarem a acordos abrangentes, comprometendo 05 três participantes nas negociações -
os chamados pactos tripartites. O pluralismo dos grupos de interesse pode
ser reconheci do pelas características opostas: a abundância de pequen os gru
pos de interesse, a ausência ou a fragilidade das organizações de pico, ne
nhuma ou pouca ocorrência de consulta tripartite, e a ausência dos pactos
tripartites. Katzenstein (1985: 32 e 157) acrescenta ainda outro traço distin
tivo do corporativismo: "uma ideologia do relacionamento social" e a au
sência de uma mentalidade do tipo "o vencedor-leva-tudo" - traço que liga
o corporativismo às demais características da democracia de consenso. Evi
dentement e, são ra ros o pluralismo e o corporativismo puros, e a maior par
te das democrac ias se localiza em algum ponto do cOl1til1uum entre os tipos
puros.
Neste capítulo, discuto a contínua relevância da distinção entre pluralismo
e corporativismo para a descrição e análise dos grupos de interesse, em se
guida retorno à questão de como se podem medir os graus de pluralismo e
de corporativismo, tanto em países industrializados como em desenvolvimen
to. Após apresentar o índice de pluralismo de grupos de interesse para todas
as 36 democracias, passo a analisar a relação dessa variável com os tipos de
gabinetes nos 36 países, e com seus números detivos de par tidos parlamen
tares.
DECLíNIO DO CORPORATIVISMO?
Desde a década de 1970, o tema do corporativismo e seu contraste com o
pluraiismo tem constituído o foco principal de atenção no estudo acadêmi
co dos grupos de interesse (Almond, 1983; Wilson, 1990). O veredi cto geral
1 98
de toda essa literatura demonstrou uma tendência extremamente favorável
ao corpora:rivismo. Particularmente, verificou-se que o seu desel11penho
macroeconômico - medido segundo taxas de elevado crescimento, baixo
desemprego e baixa inflação - era superior ao dos sistemas pluralistas de
grupos de interesse: parecia produzir "u m sistema economicamente supe
rior" (Pekkarinen, Pohjala e Rowthorn, 1992). Nos últimos tempos, entretan
to, os es tudiosos começaram a discordar dessa i!1terpretação excessÍvamente
otimista, e agora com freqüência se afirma que o corporativismo se encontra"e m declínio" (Gobeyn, 1993), mesmo naql1eles países que uma vez foram
mais fortemente corporativistas, como a Áustria (Gerlich, 1992) e a Suécia(Lewin, 1994).
Essas opiniões, entretanto, não devem ser tomadas como sinal de que
se deve abandonar a distinção entre os sistemas corporativi sta e pluralista
dos grupos de interesse. Em primeiro lugar, o que a expressão "declínio
do corporativismo" em geral significa é que a eficácia das estruturas cor
porativistas e a fíeqüência de seu uso têm diminuído, e não que essas pró-
prias estruturas tenham desaparecido ou que se encontrem em vias de
desmantelamento.Em segundo lugar, já
que houve
declínio em alguns países, foi apenas uma questão de grau.-Por exemplo, quando Peter Gerlich
(1992: 145) dá "adeus ao corporativismo" na Áustria - para citar o títu
lo de seu artigo -, seu ponto principal é que a Áustria não mais constitui
o exemplo excepcionalmente puro de corporativismo que foi, por várias
décadas, e não que ela está se transformando em seu oposto pluralista.
Em vez disso, ele prevê que Zl Áustria se tornará mais parecid:l COm as
"outras nações européias", que tendem a ser corporativistas de forma maismoderada.
Em terceiro lugar, no exaustivo estudo quantitativo de Alau Siaroff so
bre as mudanças no corporativismo, da década de 1960 até a de 1980, em
21 democracias, não se verifica absolutam ente nenhum deciínio, de modogeral. Apenas dois países experimentaram um a mudança de mais de 10 por
cento no espectro que vai do puro pluralismo ao puro corporativismo em
seus sistemas de grupos de interesse: a Finlândia ficou mais corporativista, e
Israel, menos. Onze outros países sofreram muda nças menores, mas também
em direção oposta: seis se tornaram ligeiramente mais pluralistas e cinco,ligeiramente mais corporativist<1<;.
19 9
AREND l I JPHARl ' MODELOS DE DEMOCRACIA
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Em quarto lugar, segundo Howard J. Wiarda (1997: 175), o orpora
tivismo, em vez de estar em declínio, simplesmente-está se desenvolvendo
em outras áreas: "rrão é tanto o corporativismo que e ~ f r é n f à críticas óU:-
está em vias de desaparecer, [mas] apenas uma arena em particular (as rela
ções entre operários e patrões) que agora está sendo reestruturada e to
mando novas direções". Ele especula que embora a "fase industrial das
relações tripartites do corporativismo esteja desaparecendo, ~ n o v a s ques
tões pós-industriais (educação, saúde, bem-estar social, meio ambiente e
outras) estão vindo à tona", e que essas novas questões são freq üentemente
negociadas da maneira corporativista familiar entre os grupos de interesse
relevantes - representante s de professores, médicos, enfermeiros, aposen
tados e ambientalistas - e o governo. E conclui que "o processo decisório
é ainda corporativista".
Em quinto lugar, uma importante explicação para o declínio do corpo
rativismo tr adici onal, muitas vezes usada, é a da globalização econômica, que
"limita a capacidade governamental de agir de forma eficaz nas diretrizes
econômicas, p articularmente na orientação macroeconômica da economia"
(Armingeon, 1997: 165). O que se deve observar aqui é que Katzenstein usa
precisamente o mesmo fator para explicar, não o declínio, mas o crescimen
to do corporativismo e o motivo de se ter desenvolvido particularmente nos
países europeus menores: devido a "suas economias abertas", esses peque
nos países "foram vulneráveis às mudanças na economia mundial durante o
século XX", e adotaram o corporativismo como um dispositivo de prote
ção. A análise de Katzenstein sugere que a influência negativa da globalização
sobre o corporativismo não é inevitável e que, a longo prazo, pode muito
bem tomar a direção oposta.
Em sexto lugar, uma outra razão para o declínio do corporativismo é o
"nível corrosivo ( .. ) da integração dos indivíduos com as organizações deinteresse e os partidos políticos" (Armingeon, 1997: 165). Particularmente,
esse processo enfraquece a capacidade dos sindicatos de trabalhadores para
agir em prol de grande número de trabalhadores, e por isso também enfra
quece su a influência nas negociações tripartites. A distinção feita por
Katzenstein (1985: 104-23) entre o corporativismo liberal - no qual o
patronato é a maior força - e o corporativismo social - no qual é o sin-
200
I-"I
Ii
dicalismo que domina "-_é relevante aqui. Sugere que o declínio da força
dos sindicatos de trabalhadores não significa necessariamente um declínio
gera! do corporativismo, e sim apenas uma mudança do corporativismo so-
cial para o liberal.
A visão abrangente de Schmitter (1989: 72) - expos ta em seu artigo
co m título provocador: "O corporativismo está morto! Viva o corpora-
tivismo!" - é eminentemente sensata: o corporativismo dos g r ~ p o s d ~ interesse tem uma espécie de "continuidade dinástica, pontuada por pe -
riódicas mortes e subseqüentes ressurreições". O clamor a respeito do
declínio do corporativismo, no final das décadas de 1980 e 1990, é um a
reminiscência da preocupação sobre o qu e Alfred Grosser (1964: 242)
chamou de "indiscutível declínio das .. legislaturas", que estavam "de-
finitivamente em estado de crise" D2 década de 1960. Contrariando a
alarmante previsão de Grosser, as legislaturas ainda representam um a
instituição suficientemente importante, na década de 1990, a ponto de
lhes dedicarmos um capítulo (c apítulo 11), como também um outro so-
bre as relações entre o Executivo e o Legislativo, no qual uma das fo:mas
dessas relações é o equilíbrio de poder entre os dois ramos de governo
(capítulo 7)1
GRAUS DE PLURALISMO EDE CORPORATIVISMO Erv'l 36 DEMOCRACIAS
Nã o obstante muitas análises comparativas sobre grupos de interesse te -
nham tentado medir o grau de pluralismo ou de corporativismo em um
número relativamente [;rande de países, essas medidas são de pouca utili-
dade para o propósito deste estudo. Por um lado, elas tendem a pôr em
foco os diferentes aspectos do corporativismo: algumas se baseiaIll mais
na presença e na força d:ls org:lnizações de cúpula, enquanto outras dã o
ênfase maior ao processo de concenação: certos estudos evidenciam as
tendências da negociação salarial centralizada. Outros destacam a força e
a orientação histórica - reformistas versus revolucionários _ dos sindi-
catos trabalhistas. Outros ainda tentam medir o sucesso, ou antes o fra-
casso, da concertação em termos dos níveis de greves e de lockouts em
2 o 1
AREHD LlJPHART
diferentes países. Essas diferentes ênfases respondem pelo fato de que,
M O D E-t O S O-E, D E M O C R-A C I ~
TABELA 9.1 PLURALISMO DE GRUPOS DE INTERESSE ÊM 36 DEMOCRACIAS,
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embora as medidas usadas em diferentes estudos e_stejam razoavelmente
de acordo um a co m a outra, está longe de haver uma perfeita concordân
cia (Lane e Ersson, 1997; Lijphart e Crepaz, 1991). Seguem-se outros
pontos fracos dessas medidas: em sua maioria, consistem em classifica
ções tricotômicas aproximadas - p lu ral ism o ou corporativismo alto,
versus médio, versus baixo - cobrindo períodos em geral curtos e não
mais de 15 a 18 países, e o seu foco dirige-se exclusivamente às democracias industrializadas.
A maior parte desses problemas é solucionada no recente estudo com
parativo de 24 democracias industrializadas, de Siaroff (1998). Siaroff
toma oito aspectos básicos do contraste entre pluralismo e corporativismo
- agregando os focos de estudos anteriores, mencionados no parágrafo
acima - e classifica suas 24 democracias de acordo com esses aspectos,
empregando uma escala de cinco pontos. Em seguida, obtém a média des
sas classificações, para chegar a um resultado abrangente para cada país.
Além disso, ele aborda dois períodos: 1963-70 para 21 países, e 1983-90
para os mesmos 21 , mais a Espanha, Portugal e Grécia. Esses dois períodos podem ser considerados representativos do longo espaço de tempo
desde o final da, década de 1940 até 1996, usado para a análise de vinte
países no presente estudo, e para a França no período de 1958-96. Da
mesma forma, os anos 1983-90 constituem uma boa amostra do período
após a democratização da Espanha, Portugal e Grécia, em meados da
década de 1970, até 1996. Dois terços da Tabela 9.1 baseiam-se nos nú
meros de Siaroff.
IUma tentativa anterior de se chegar a um resultado abrangente, por Marku s Crepaz e eu mesmo,
coníiava na sa!:Jedoria combinad a de 12 eminentes estudiosos do corporativismo de grupos de
interesse, fazendo a média de suas classificações. Isto põde ser fcito para 18 países industrializados, para os quais pelo menos seis opiniões acadêmicas eram disponíveis (Lijpnart eCrepaz, 1991). Todos esses países estão também incluído:; no conjunto de 24 países de Siaroff.Esses resultado s da "sabedoria combinada" estão fortemente relacionados com os resultadosda Tabela 9.1: o coeficiente de relação é um esmagadoramente forte 0,95 (estatisticamentesignificativo ao nível de 1 por cento).
20 2
NOS ANOS 1960 E 1980-
Índice de pluralismo de .Índice de plurálismo de
grupos de interesse grupos de interesse
Noruega 0,44 Costa Rica 2,50~ u é c i a 0,50 Botsuana 2,60Áustria 0,62 Austrália 2,66Dinamarca 1,00 Barbados 2,80Suíça 1,00 França 2,84Israel 1,12 Irlanda 2,94Holanda 1,19 Neva Zelândia 3,00Bélgica 1,25 Portugal 3,00Japão 1,25 Itália 3,12Finlândia 1,31 Espanha 3,25Alemanha 1,38 Bahamas 3,30Luxemburgo 1,38 Jamaica 3,30Maurício 1,60 Malta 3,30Venezuela 1,90 Trinidad 3,30Papua-Nova Guiné 2,10 Estados Unidos 3,31Islândia 2,25 Reino Unido 3,38Índia 2,30 Grécià 3,50Colômbia 2,50 Canadá 3,56
Fonte: Baseado em dados de Siaroff, 1998, para as 24 democracias industrializadas e as estimativasdo autor para as outras 12
o único problema que subsiste é que os doze países em desenvolvimento
não estão incluídos nem no estudo de Siaroff, nem e ~ qualquer dos estu
dos comparativos anteriores. Uma explicação para essa negligência é que
os dados necessários para os países menos desenvolvidos muitas vezes n:'o
cstãc disponíveis. Outra é que os estudiosos dos sistemas de grupos deinteresse demonstram particular interesse pelos sistem::s de corpora
tivismo, e não pelos de pluralismo e que, de modo geral, os países em
desenvolvimento tendem a ser mais pluralistas do que corporativistas.
Stephan Haggard e Robert R. Kaufman (1995: 341) assinalam que a mais
importante razão para isso é "a fragilidade organizativa dos atores envol
vidos, o que inclui tanto os grupos de interesse quanto os partidos", que
2 o 3
AREN D LlJ-PHART
t o r n ~ -nlLlil:o difícil a c o n c e r t a ç ã ~ tripartite. Os sistemas de grupos de il!.te
MODELOS DE DEMOCRACIA
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r e s s e d ~ s países-em desenvolviulento, entretanto, não são uniforme e
p u r a m é n t é p l u r a l i s t ~ s , e ~ e u grau de pluralismo_ou, até certo ponto, de -
corporativismo é mensurável com base nas opiniões expressas pelos es
pecialistas no país e na região.
Das 12 democracias em desenvolvimento incluídas no presente estu
do , o país qu e te m o sistema mais corporativista de grupos de interesse é
a República d ~ Maurício. Deborah Brãutigam (1997: 54-55) informa que
esse país não pode se r considerado extremamente corporativista, mas que
dispõe de fato de "mecanismos institucionais [que] asseguram que os sin
dicatos, o empresariado e o governo se reúnam periodicamente para ne
gociar níveis salariais e outros parâmetros econômicos". O cientista
político mauriciano Hansraj Mathur (comunicação pessoal, 31 de março
de 1997) acrescenta a seguinte descrição mais detalhada: "A maioria dos
sindicatos trabalhistas são membros de federações que, po r seu turno,
fazem parte de grandes confederações. Essas grandes confederações, jun
tamente co m a Mauritius Employers Federation (um forte grupo que re
úne todos os empregadores) e o governo, realizam reuniões tripartites para
discutir o quantum anual de compensação a ser pago para fazer face a
qualquer alta n ~ custo de vida. Urna vez decidido esse quantum, ele é
aplicado a todos os trabalhadores nas várias indústrias. Assim, embor a as
negociações setoriais continuem a ,:xisrir, o quantum de compensação
decidido pelo acordo tripartite será respeitado po r todos os setores eco
nômicos. "
John A. P ~ e l e r (1985: 104) qualifica os sistemas de grupos de interesse
da Colômbia, Costa Rica e Vcnezueb como "amplamente corporativistas,
com camadas variadas de p l u r a l i ~ m o " . A Venezuela é geralmente considera
da a mais corporativista dos três. Michad Coppedge (1993: 260) descrevesua estrutura institucional como "qU3se idêntica à de dois Estados corpo
rativistas societários: a Alemanha e a Austria", embora atenue essa afirma
ção lembrando que o processo é menos bem institucionalizado, e que a classe
trabalhadora venezuelana é menos autônoma do que naqueles países euro
peus. A representação corporativista é canalizada principalmente por meio
de muitas comissões de consultoria. Brian Crisp (1994: 1492-93) relaciona
10 4
33 0 dessas comissões, criadas entre 1959 e 1989, "com participantes no
meados para representar grupos de interesse ou setores socioeconômicos in tei
ros". Ele acrescenta que essas comissões "d e consultoria" na realidade dã o
aos grupos de interesse um "acesso formal às decisões governamentais", e
que sua grande influência e o fato de serem nomeadas pelo presidente "aju
da a explicar por que o presidente venezuelano tem sido tão dominante em
relação ao Congresso".
Em Papua-Nova Guiné e Botsuana, os sistemas de grupos de interesse
não são muito desenvolvidos e os sindicatos de trabalhadores são fracos.
Entretanto, segundo a opinião do especialista em :lssuntos de BotsuanaJohn
D. Holm e de dois cientistas sociais botsuaneses, Patrick P. Molutsi e Glo
ri a Somolekae (1996: 58), "Botsuana desenvolve-se em direção ao corpora
tivismo democrático tão evidente na Europa OcidentaL ( .. ) Grupos se
organizam de baixo para cima, e trabalham com autoridades do governo
para formularem diretrizes governamentais abrangen tes com relação a de
terminado setor em particular da sociedade ou da economia". Essa descri
ção também se enquadra - de' fato, até mesmo de maneira mais forte -
ao sistema de grupos de interesse de Papua-Nova Guiné. As outras peque
nas democracias da Commonwealth - os países do Caribe e Malta - per
maneceram principalmente pluralistas, embora Barb::tdos tenha desenvolvido
práticas até certo ponto corporativistas nos últimos anos, como se obser
vou no capítulo 3. O partido do governo em Trinicbd-Tobago organizou
uma conferência tripartite em 1964, pouco depois da independência, que
levou à designação de vários comitês tripartites para estudar e eiaborar re
comendações sobre a utilização do trabalho e o desenvolvimento econô
mico. Esse corpor ativismo incipiente fracassou principalmente devido à
hostilidade dos sindicatos de trabalhadores, que o vialll como manobra do
governo edos empr:::gadores para enfraquecer a classe trabalhadora (M acDonal d,1986: 150).
Finalmcr:tc, o sistema dc grupos de interesse da Índia tem sido ao lon
go do tempo pluralista. O setor da agricultura constitui uma exccçiio -
embora uma exceção significativa, pois a Índia ainda é um país principal
mente rural e agrícola. O "núcleo institucional da política agrícola" é a
Comissão sobre Custos e Preços Agrícolas, composta por represent:Jntes
2 0 5
AREND l l J P H A R T
tecnocratas do governo e pelos rep"resentantes dos agricultores (Varshney,
MODElOS- DE DEMOCRACIA
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1995: 147).2
Os resultados na Tabela 9.1 refletem o grau de pluralismo, e vão desde
um máximo de 4,00 até um mínimo teórico de zero, porém tendo um alcan
ce empírico mais estreito, partindo de 3,56 para o país mais pluralista - o
Canadá - até 0,44 para o país mais corporativista - a Noruega. Os países
estão dispostos na ordem crescente de pluralismo. O resultado médio é de
2,24, e o número mediano é 2,50, consideravelmente mais alto q ue o pontocentral teórico de 2,00, entre o pluralismo e o corporativismo - o que indi
ca que as 36 democracias, tomadas em grupo, são mais pluralistas do que
corporativistas. Uma razão importante para isto é a presença dos 12 países
em desenvolvimento, dos quais apenas dois - República de Maurício e
Venezuela - se encontram no lado corporativista do ponto central. O Rei-
no Unido e a Suíça estão próximos, respectivamente, às extremidades
pluralista e corpora tivista do espectro. As outras três democracias prototípieas
estão claramente nas metades da tabela, como era esperado , po rém não ocu
pam posições extremas.
SISTEMAS DE GRUPOS DE INTERESSE, SISTEMAS PARTIDÁRIOS E
TIPOS DE GABINETÊS
O sistema de grupos de interesse difere das outras variáveis básicas da di-
mensão executivos-partidos por não haver nenhuma conexão causal eviden
te que o ligue às outras quatro variáv.eis, ao passo que efet ivamente estas outras
quatro têm essas ligações causais: os sistemas eleitorais dão forma aos siste
mas partidários, os quais, p or seu turno, exercem forte efeito causal sobre a
formação dos gabinetes, e os tipos de gabinete ainda são relacionados com a
duração do gabinete. Por isso, a hipótese de que os grupos de interesse este-
20S resultados do pluralismo para os 12 países em desenvolvimento se baseiam na minha lei·tura da descrição de seus sistemas de grupos de interesse, feita pelos vários especiaiistas nopaís em questão, que são citados no texto, como também em opiniões adicionais de quasetodos eles, e ainda em minha leitura dos critérios empregados por SiarofL Entretanto, elespermanec em em grande parte como uma visão impressionista, e carecem nitidamente da precisão dos resultados para os 24 países industrializados.
2 O 6
o u t r - ~ s cor
respondênda conceitual ent re a distinção corporarÍvismo/p!uralismo e na am
_ "pIa diferença conserisua1!majoritátio:
4
C A ~ G R E US • BAHUK .
++
"JAM+ITA TRI
POR SPA MALQ) 3 • IRE(f) + NZf)
+FRA<'!
BAR)
.S
~ + BOT)
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MAUoE +_"2 LUX2 FIN •
:l NET .JPNa:: • ISR •
• •WI DEN
AUT
•·SWE +NOR
O
O 20 40 60 80 100Percentual de gabinetes monopartidários minimamente v e n c e d o ~ a s
Fig. 9.1 Relação entre o tipo de gabinete e o pluralismo de grupos de interesse em 36 democracias1945-96 '
As Figuras 9.1 e 9.2 mostram a relação entre os sistemas de grupos de inte
resse, nas 36 democracias, e seus tipos de gabinetes e de sistemas parridários .
Segundo a hipótese já formulada, as democracias que dispõem de maior
número de gabinetes unipartidários minimamente vitoriosos são também os
países que têm maior número de sistemas de grupos de interesse. Países com
multipartidarismo maior tendem a ser menos pluralistas. O coeficiente de
relação é mais forte para a ligação entre gabinetes e grupos de interesse do
l" i ' ,), ' : ~ C L} (
I2 0 7
, ,. t i' .t Ir
ARtND l I JPHART·
que para-a ligação -entre p,lJ:tidos e grupos de interesse (0,68 e -0,55, respec
MODELOS DE DEMOCRACIA
também a Itália. O corporativismó de Papua-Nova Guiné é muito mais fraco
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tivamente), porém ambos são estatisticamente significativas no nível de 1 por
cento. Os principais casos de desvio na Figura 9.1 são os três sistemas mais
corporativistas - Áustria, Noruega e Suécia -, que, nesse aspecto, são muito
mais de orientação consensual do que com relação a seus gabinetes usuais. A
Itália e Portugal, em contrapartida, são consideravelmente menos cor
porativistas do que se pDderia esperar, com base na pouca incidênciã de g a ~
binetes unipa rtidá rios minimamente vitoriosos.
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2 3 4 5 6
Número efetivo de partidos parlamentar es
Fig. 9.2 Relação entre o número efetivo dos partidos parlamentares e o pluralismo de grupos de
interesse em 36 democracias, 1945-96
A Figura 9. 2 mostra um padrão aproximadamente semelhante: os corporativistas Áustria, Noruega e Suécia são novamente casos desviantes, como
20 8
que s_eu extremo multipartidarismo, porém não tão fraco como seu nível
relativamente baixo de desenvolvimento poderia fazer- supor. Joseph
LaPalombara (1987: 213, 220) nos dá uma intrigante explicação para a po-
sição inusitada da Itália. Ele descreve a Itália anterior às reformas de 1994
como uma partitocrazia com ampla participação de todos os partidos na
tomada de décisões e uma forte iilclinação na busca do consenso: os líderes
partidários tinham "uma profunda aversão psicológica às confrontaçõesdivisionistas". O consenso produzido pelapartitocrazia foi tão forte, na opi-
nião de LaPalombara, que simplesmente não havia necessidade de qualquer
novo consenso a ser produzido pelo corporativismo. Essa opinião é sem
dúvida plausível: amplas coalizões políticas e corporativismo de grupos de
interesse constituem métodos de se chegar ao consenso e, em princípio, po-
dem ser considerados métodos alternativos. Uma forte cooperação inter
partidária pode, assim, compensar as fraquezas na coordenação dos grupos
de interesse. Este parece ter sido o caso na Itália, mas evidentemente não
constitui um padrão geral na maioria das democracias. Se constituísse, te
ríamos uma relação negativa entre o multipartidarismo e os gabinetes de amplacoalizão, de um lado, e o corpor-ativismo, de. out ro - em vez da forte relação positiva mostrada nas Figuras 9.1 e 9.2.
O tipo de sistema de grupos de interesse está também relacionado ao sis
tema eleitoral e, embora de maneira menos forte, com o predomínio do Exe
cutivo. As relações entre todas as cinco variáveis envolvidas na dif".cnsão
executivos-partidos são apresent:das no capítulo 14. Devemos, porém, nos
dedicar primeiramente, nos próximos quatr o capítulos, a urlla discussão sobre as variáveis pertencentes à dimen são federal-unitária.
2 o 9
1-
l
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Il-
CAPíTULO 10 Divisão de poder:
Os contrastes federal-unitário e
centralizado-descentralizado
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A principal característica do modelo m ~ j o r i t á r i o de democracia, como já
destaquei em capítulos anteriores, é a concentração do poder nas mãos da
m ~ º ! : ! a . O modelo consensual se caracteriza pela não-concentração do po
der, que pode tomar as duas formas básicas, da distribuição e da divisão des-
se poder. Essas duas formas fornecem a estrutura teór ica das duas dimensões
do contraste majoritário-consensual. A distinção crucial é se na democracia
de consenso o poder é disseminado pelos atores políticos que agem em con
junto, dentro das mesmas instituições, ou disseminado para separar as insti
tuições políticas (ver capítulo 1). Nos cinco capítulos anteriores, discuti as
cinco variáveis da dimensão executivos-partidos (poder conjunto). Nestecapítulo, abordo a primeira variável da dimensão federal-unitária (poder
dividido): o federalismo e a descentralização versus governo unitário e cen
tralizado. É adequado conceder esse primeiro lugar de honra ao tema do
federalismo, porque ele pode ser considerado o método mais típico e drásti
co da divisão do poder: ele divide o poder entre níveis inteiros do governo.
De fato, como termo da ciência política, a "divi são do poder" é normalmen
te usada como sinônimo de federalismo.
Em todas as democracias o poder é, até certo ponto, necessariamente
dividido entre governos centrais e não-centrais, mas é uma divisão extre
mamente unilateral na democracia majoritária. Para manter a regra majo
ritária no modelo majoritário puro, o gover no central precisa controlar não
apenas seu aparato, mas também todos os governos não-centrais e poten
cialmente competidores. Por isso o governo majoritário é tanto unitário
(não-federal) quanto também centralizado. O modelo consensual inspira
se no objetivo oposto. Seus métodos são o federalismo e a descentralização
- isto é, não apenas uma divisão garantida do poder entre os níveis cen
tral e não-central do governo, mas também, na prática, fortes governos não-
2 1 3
A F E N ~ D LI J P H A R T
centrais qu-e exer-cem uma porção substancial do- poder total disponível em
MDDELDS DE DEMOCRACIA
deres a partir de um centro único, ou em direção à base de uma p i r â m i d e " ~ .
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~ - a m b o s ~ os níveis.
Neste c a p í t ~ l o , = â ) l o c o em discussão o conceito de federalismo e suas
características primárias e secundárias. Com base nas características pri
márias, desenvolvo uma escala de cinco pontos do federalismo e da des
centralização, atribuindo a cada uma ~ a s 36 democracias um ponto nessa
escala,a 4ual será posteriormente comparada com dois métodos alternati
vos de se medir a divisão de poder. Por último, discuto as vant:1gens potenciais do federalismo para dois propósitos: o de dar autonomia aos grupos
minoritários nas sociedades pluralistas e de permitir a experimentação
institucional.
FEDERALISMO E DESCENTRALIZAÇÃO
Podemos encontrar uma grande variedade de definições de federalismo
na literatura existente sobre o assunto, porém há um amplo acordo sobre
sua característica mais básica: uma divisão de poder garantida entre go
verno central e governos regionais. Segundo a definição abalizada de
William H. Riker (1975: 101), o "federalismo é uma organização políti
ca em que as atividades do governo são divididas entre os governos regio
nais e um governo central, de tal forma que cada tipo de governo tem
certas atividades sobre as quais ele toma as decisões finais". Um aspecto
dessa definição que merece destaque, e à qual retornarei ao final deste
capítulc,-é que as unidades componentes são chamadas de governos "re
gionais". Isto é compatível com a visão convencional: o federalismo é em
geral descrito como uma divisão espacial ou territorial do poder, em que
as unidades componentes são definidas geograficamente. Essas unidades
são diversamente chamadas de estados (nos Estados Unidos, Índia, Aus
trália e Venezuela), províncias (Canadá), Uinder (Alemanha e Áustria),
cantões (Suíça) e regiões (Bélgica).
Em lugar da definição de Riker - em termos de urna divisão garantida
de poder -, a descrição preferida por Daniel j. Elazar (1997: 239) focaliza
a "não-centralização" do poder: ele vê o federalismo como "a distribuição
fundamental do poder entre múltiplos centros ( .. ), nã o a devolução de po-
21 4
Nenhu m desses múltiplos centros no sistema federalista "está acima ou abai-
xo em importância do que qualquer outro, diversamente da pirâmide
organizacional, onde se distinguem os níveis mais altos ou mais baixos, como
urna questão de estrutura constitucional".
Tanto as definições de Elazar quanto as de Riker dão margem a um am
plo espectro de poder real que é exercido pelos diferentes níveis de gover
no. Riker (1975: 101) afirma que cada nível "tem algumas atividades sobre
as quais toma as decisões finais" mas não especifica nenhuma proporção
particular de tais atividades entre o g overn o central e os regionais. Da mesma
forma, Elazar (1997: 239) declara que "os poderes designados a cada um
dos múltiplos centros" no federalis mo podem ser grandes ou pequenos. Es
ses dois estudiosos do federalismo afirmam, entretanto, que o propósito
fundamental de se garantir uma divisão de poder é o de assegurar que uma
porção substancial do poder será exercida no nível regional ou, para colo
car de modo mais sucinto, que o propósito da não-centralização do poder
é a descentralização do poder. Esses dois elementos são conceitualmente
distintos, mas ambos deveriam ser encarados como características principais do federalismo.
Além dessas características primárias, os teóricos do federalismo fre
qüentemente identificam diversas características secundárias: em particu
lar, uma legislatura bicameral dispondo de uma forte câmara federal para
representar as regiões componentes, uma constituição escrita difícil de
emendar, e uma suprema corte, ou corte especial constitucional, que pode
proteger a constituição pelo seu poder de revisão judicial. Estas caracterís
ticas estão entre as mais importantes "medidas do federalismo", segundo a
denominação de Ivo D. Duchacek ( 1970: 188-275). A relação delas com o
federalismo é que todas podem servir como garantia da preservação da
divisão federal básica do poder. Diversamente das características primárias,elas constituem antes garantias do federalismo do que, a rigor, componen
tes do federalismo. Discutirei essas variáveis mais detalhadamente nos pró
ximos dois capítulos.
As características primárias federais da não-centralização e da des
centralização constituem os blocos fundamentais para a construção da clas
sificação em cinco itens da Tabela 10.1. O primeiro critério é se os estados
2 1 5
AREND l I J PHART
dispõem formalmente de constituições federais. Como afirma Elazar (1987:
- - ~ -- II
MODELOS DE DEMOCRACIA
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42), -<'o primei ro teste da existência do federalismo é o desejo ou a vontade
de ser federalista por parte dos sistemas políticos envolvidos. A adoção e a
manutenção de uma constituição federal é ( .. ) o primeiro e mais importante
meio de expressar essa vontade". Este critério produ z uma distinção inicial
entre sistemas federais e unitários. Em se guida, cada uma dessas categorias
pode dividir-se em sub classes, co mo ce ntraliz adas e descentralizadas. A cen
tralização e a descentralização são, obviamente, uma questão de grau, masna prática não fica difícil classificar-se a maioria dos países segundo a sim
ples dicotomia centralizado-descentralizado. Finalmente, uma categoria
intermediária de sistemas semifederais faz-se necessária para algumas de
mocracias que não podem ser classificadas a não ser de forma ambígua, ora
como federais, ora como unitárias.
A Tabela 10.1 também atribui um total a cada categoria, de forma a
que a classificação possa servir como índice quantitativo de federalismo,
mostrando a que categoria - ou, em alguns casos, entre que categorias -
cada uma das 36 democracias faz parte. A tabela é organizada de maneira
a qu e os casos fáceis, que claJ:.amente se ajustam a determinada categoriaparticular, são relacionados nas colunas da esquerda e do meio, e que a
coluna da d i r e i t ~ contém os casos mais complexos, que ficam entre catego
rias ou que modificaram seu status durante o período em consideração. A
mesma convenção é empregada para tabelas semelhantes, em alguns capí
tulos a seguir.
Duas características dignas de nota na classificação da Tabela 10.1 são,
em primeiro lugar, a de que o federalismo é relativamente raro: existem
mais de duas vezes estados unitários do que federais. Em segundo lugar, as
diferenças federal-unitário e centralizado-descentralizado estão estreita
mente relacionadas: os sistemas federais, em sua maior parte, são descen
tralizados, enquanto a maioria dos sistemas unitários é centralizada.Conseqüentemente, mais da metade das d emocr acias po de se classificar em
um a ou duas categorias extremas. O total médio é de 2,3 e o número me
diano 1,6 - ambos muito mais perto do total de 1,0, da maioria dos países
unitários e centralizados, do que do total de 5,0, no outro extremo da escala.
2 16
TRINTA E-SEISDEMOCRAClAS, PERíODo" DE 1945 A1996_
Federal e descentralizado [5,0]
Austrália Suíça
Canadá Estad os UnidosAlemanha
Federal e centralizado [4,0]Venezuela
Semifederal [3,0]
Israel
HolandaPapua-Nova Guiné
Espanha
Unitário e descentralizado [2,OJ
Dinamarca
Finlândia
Japão
Noruega
Suécia
Unitário e centralizado [1, 0JBahamas
Barbados
Botsuana
Colômbia
Costa Rica
Grécia
I r ! a r ; ~ o . Is!Eíndia
Jamaica
Luxemburgo
Malta
Maurfcio
Nova Zelândia
Portugal
Reino Unido
Nota: Os índices de federalismo estão entre colchetes
(Bélgica depois de 1993)
Áustria [4,5]
Índia [4,5]
Bélgica [3,1]
(Bélgica antes de 1993)
França [1,2]
Itália [1,3]
Trinidad [1,2]
Seis dos nove sistemas feàerais - Austrália, Canadá, Alemanha, Suíça, Estados Unidos e, a partir de 1993, a Bélgica - também são nitidamente siste
mas descentraiizados de governo. Apenas um -a Venezuela - é claramente
centralizado. Sua "terminolo gia federalista", escreve Daniel H. Levine (1989 :
273), "não deve obscurecer o que na prática constitui um s istema extrema
mente centralizado de governo e de administração pública". A Áustria e a
Índia estão apro ximadam ente entre esses dois tipos de federalismo: não tão
21 7
_AREND LlJPHART
d e s c e n t r a l i z a d a ~ C}uanto, digamos, a Austrália, mas consideravelmente mais
MODELOS DE DEMOCRACIA
grupos não se concentram geograficamente, o federalismo sociológico des
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dã que a Venezuela. Assim, em vez de forçar sua inclusão nesta ou naquela
categoria, é mais realista dar-lhes uma posição intermediária, atribuindo-lhes
o total intermediário de 4,5. A conclusão de K. C. Wheare (1964: 28), de
que tanto a constituição da Índia quanto suas práticas governamentais não
passam de "quase-federais", em vez de totalmente federais, é muitas vezes
citada. Particularmente, o uso freqüente da chamada regra presidencial com
propós itos partidários distancia o país do forte federalismo: a constituiçãodá ao governo central o direito de demitir governos estaduais e substituí-los,
através de um dispositivo legal direto do centr o, com o propósito de enfren
tar graves emergências, mas na prática a regra presidencial tem sido usada
principalm ente pelo governo central no intuito de afastar governos estaduais
controlados por outros partidos, convocando novas eleições estaduais na es
perança de vencê-las (Tummala, 1996: 378-82).
Das muitas democracias unitárias, apenas os quatro países nórdicos e o
Japão podem classificar-se como descentralizadas. Muitas das outras consti
tuem países muito pequenos, que dificilmente necessitam muita descen
tralização, mas a categoria unitária e centralizada também inclui vários países
maiores, como o Reino Unido, França, Itália e Colômbia. França, Itália e
Trinidad ficam com um total pouco mais alto que o mínimo de 1,0, porque
se tornaram lig'eiramente menos centralizados - a um ponto aproximada
mente intermediário entre as categorias centralizado e descentralizado -
durante o período em esmdo. Na Itália esse processo começou por volta de
1970, e na França, após a eleição do presidente Mitterrand, em 1981
(Loughlin e Mazey, 1995), Em Trinidad-Tobago, foi concedido à iiha menor
de Tobago o direito ao a u t o g o v e r ~ o e à própria Casa de Assembléia, em 1980
(MacDonald, 1986: 196; Payne, 1993: 61). Os totais desses três países re
presentam médias para o período inteiro.
A categoria semifederal inclui três democracias, chamadas por Robert A.Dahl de "sociologicamente federais" (citado em Verba, 1967: 126): a Bélgi
ca, a Holanda e Israel. Os governos centrais desses países por muito tempo
reconheceram, fartamente subsidiaram e delegaram poderes a associações
privad as que desempenhavam i mportant es funções semipúblicas, principal
mente nos campos da educação, cultura e saúde, e fundadas pelos mais im
portantes grupos religiosos e ideológicos nessas sociedades. Como esses
21 8
via-se do critério de Riker de que as unidades componentes de uma federa
ção são regionais por natur eza. A Bélgica passou desse federalismo sociológico
para um semifederalismo mais formal, a partir de 1970, chegando por fim a
um federalismo total em 1993 - o qual ainda inclui, entre as uni dades cons
tituintes da federação, as comunidades-culturais não definidas geografica
mente. O total de 3,1 da Bélgica é a média sobre o período i nte iro de 1946-96.
A Espanha e Papua-Nova Guiné devem ser colocadas na mesma categoriasemifederal. A Espanha concedeu ampla autonomia, primeiro à Catalunha,
ao País Basco e à Galícia, porém mais tarde a outras regiões também, sem
que por isso se tornasse formalmente um Estado federal. Luís Moreno (1994)
chama o sistema espanhol de "federalismo imperfeito". Papua-Nova Guiné
teve um sistema de governo extremamente descentralizado, muitas vezes
chamado de "quase-federalismo", durante quase todo o período democráti
co coberto por este estudo. Foi adotado em 1977, porém abolido por emenda constitucional em 1995.
OUTROS INDICADORES DO FEDERALISMO E DADESCENTRALIZAÇÃO
Será que o índice de federalismo expressa as propriedades do federalismo e
da descentralização com acuidade e confiabilidade? A confiança no índice
pode ser reforçada comparando-o a dois outros indicadores: a parte do go
verno central no total de recibos de impostos de um país, e o índice de au
tonomia instituciol18.l de Jan-Erik Lane e Svante Ersson (1994b: 224).
Infelizmente, esses indicadores não podem ser usados como medidas alter
nativas neste estudo, porque são disponíveis para apenas cerca de metadedas 36 democracias.
A medida da par tic ipaç ão nos impostos baseia-se no r2.zoável pressuposto de que o escopo das atividades dos governos centnis e não-centrais pode
ser medido segundo seus gastos e rendimentos, Uma vez que os gastos e os
rendimentos, se não se encontram em equilíbrio, pelo menos estão em cor
respondência aproximada entre si, podem ser usados de forma permutável.
Entretanto, se estamos interessados na força dos governos não-centrais dian te
do governo centrai, teor icament e é mais atraente concentrar o foco nas suas
219
MO D E LOS DE DE M O C R A C l-A
predsos par:l.-apenas 21 países: os que pertencem à Organização para Coo
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respe ctivas fontes, especialmente nos i mpostos. Os impostos não-centrais sãoaqueles recolhidos pelos g ó v e r ~ o s não-centrais para siprópri()s, e-mais a
participãção nos impostos recolhidos pel6 governo' central, e que automati- -
camente se acrescentam aos governos não-cen trais.! A centralização gover
namental pode então ser medida como a par ticipaç ão do governo central no
total de impostos centrais e não-centrais. Existem dados suficientemente
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2 3 4 5
Grau de federalismos e descentralização
!'ig. 10.1 Relação entre o grau de federalismo-descentralização e a participação do governo cent ral
no total de impostos centrais e não-centrais em 21 d e m o G ~ c i a s , período de 1980 a 1992
'Todas as transferências, condicionais ou irrestritas, do governo centrai para os não-centraisdevem ser excluídas. As transferências condicionais ou restritas silo feitas para propósitosautorizados pelo governo central, porém mesmo as remessas irrestritas não significam necessariamente que o governo não-central recebeu carta branca. Como destaca Douglas E. Ashford(1979: 82), freqüentemente elas S30, «não funções da força dos governos locais, porém uma
medida da capacidade dos governos centrai s para prever como os fundos seráo usados". To
dos os impostos de seguridade social devem também ser excluídos.
220
\·1peração e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com exceção da -Nova
ZelândiaeLuxemburgo (Lane, McKay e Newton, 1997: 86). No período de
1980-92 - escolhido porque 1992 é o ano mais recente para o qual os da
dos sobre impostos são disponíveis, e porque começar em 1980 permite a
inclusão da Espanha, Portugal e Grécia -, a participação nos impostos do
governo central vai de um pico de 96,1 por cento, na H o l a n d ~ , a uma baixa
de 41,9 por cento na Suíça.A Figura 10.1 mostra a relação entre o índice de federalismo e a partici
pação do governo central nos impostos: à medida que o índice de federalis
mo alcança valores mais altos, mais baixa se torna a participação do governo
central nos impostos. A dife rença entre os países unitários-centralizados, com
um total de 1,0, ou quase isso, no índice de federalismo e os países federais
descentralizados com totais de 5,0, é especialmente notável. O coeficiente
de relação é -0,66 (que é significativo no nÍ\'el de 1 por cento). Para três
casos de desvio, o scattergram sugere que o índice de federalismo ou superes
tima ou subestima o grau de centralização: a Austrália é o único sistema fe
deral e descentralizado que não apresenta uma baixa participação do governo
central nos impostos, e o Japão e a Suécia já estão classificados como descen
tralizados entre os países unitários, mas parecem ser ainda mais descentrali
zados de acordo com a participação de seus governos centrais nos impostos.
Lembremos, entretanto, que o índice de federalismo visa explicitamente a
incluir a distinção fede ral-uni tário, ao passo que o indicador da participação
nos impostos mede apenas o grau de centralização. A Bélgica e a Holanda
também ocupam pontos marginais. Aqui, a explicação é que a medida da
participação nos impostos não consegue levar em consideração o elemento
do federalismo sociológico.
O índice de autonomia institucional de Lane-Ersson leva de fat o e m con
sideração tanto o federalismo quanto o federalismo socioló.sico (os autoreschamam o federalismo sociológico de "autonomia funcional"), como tam
bém considera a autonomia territorial para as regiões particulares e o grau
de "independência do governo regional e local". De forma cumulativa, os
totais dessas quatro variáveis, todos baseados nos julgamentos subjetivos
porém plausíveis dos autores, produzem uma escala de seis pontos, com uma
alta de cinco pontos no caso da Suíça, e uma baixa de zero ponto para a Grécia
22 1
IIAREND LlJPHART
e a Irlanda. 2 Lane e Ersson propõem o seu índice num estudo comparativogruentes têm unidades com composições sociªis e culturais qu e diferem umas
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Idas democracias da Europa Ocidental e -fornecem números específicos para
apenas-16 países europeus de tamanhos grande e médio - menos que a
metade dos países cobertos por este livro. Para essas 16 democracias, entre
tanto, o índice de Lane-Ersson relaciona-se solidamente ao índice de federa
lismo: o coeficiente de relação é de 0,82, muito significativo estatisticamente.
As ;omparàções com as duas medidas alternativas acima conferem uma
forte validação para o índice de federalismo. Em aiguns dos próximos capítulos mostrarei que esse índice também é solidamente relacionado às outras
variáveis da segunda dimensão.
FEDERALISMO E AUTONOMIA ÉTNICA
o federalismo tende a ser usado em dois tipos de países: os relativamente
grandes e as sociedades plurais. Os países mais populosos incluídos no pre
sente estudo - a Índia e os Estados Unidos - são ambos federações. A fede
ração com menor população é a Suíça, que se situa a p r o x i m a d a m e n t ~ no meio
das nossas 36 democracias quanto à população. Quatro dos nove sistemas
federais são sociedades plurais: Bélgica, Canadá, Índia e Suíça. Esses são tam
bém maiores e ~ t r e as nove sociedades pluralistas relacionadas na Tabela 4.3.
Nessas sociedades pluralistas, o federalismo desempenha a função especiai
de dar autonomia a minorias étnicas.
Para analisar essa função do federalismo, vale a pena distinguir entre o
federalismo congruente e o incorgruente, como sugeriu Charles D. Tarlton
(1965: 868). As federações congruentes são compostas por unidades ter
ritoriais com um caráter social e cultural semelhante em cada uma das uni
dades e na federação como um todo. Num sistema federal perfeitamente
congruente, as unidades componentes são "reflexos em miniatura dos aspectosimportantes do sistema federal total". Inversamente, as federações incon-
20 S totais para todos os 16 países são os seguintes: 5 para a Suíça, 4 para a Bélgica e a Alemanha, 3 para a Áustria, Dinamarca e Holanda, 2 para a Finlândia, Noruega, SuéCia e RemoUnido, -1 para a França, Itália, Portugal e Espanha, e Opara a Grécia e Irlanda. Desses 1_6
totais, apenas o até certo ponto baixo tOtal da Espanha e o até certo ponto alto total da GraBretanha parecem questionáveis.
222
das outras e do país como um todo, 3 Outra forma·de ~ ~ p r e s s a r ' e s s a diferen-
-ça é comparar os limites políticos entre--a;unidades coi11ponentes d ~ federa
ção e os limites sociais entre grupos, como as minor ias étnicas. Nas federações
incongruentes, esses limites tendem a coincidir, porém nos sistemas federaiscongruentes, a se extravasarem.
Se os limites políticos são traçados para aproximar os limites sociais, aheterogeneidade presente na federação como llm todo se transforma numalto grau de h o m o g e n e i d ~ d e ao nível das unidades componentes. Em ou
tras palavras, o federalismo incongruente pode tornar uma sociedade plu
ral menos plural, criando regiões menores, relativamente homogêneas. Éeste o padrão em todos os quatro sistemas federais que são também socie
dades pluralistas, embora seus limites políticos e étnicos em geral não
coincidam perfeitamente. Na Suíça, a diversidade lingüística é consi
deravelmente menor nos cantões do que em nível nacional. A federação
suíça tem quatro línguas oficiais, porém 22 dos 26 cantões (e subcantões)
são oficialmente monolíngües. Apenas três - Berna, Friburgo e Valais _
são bilíngües e somente um - Graubünden - tem três línguas oficiais(McRae, 1983: 172-79). No Canadá, a minori a falan te de francês concen
tra-se em Quebec principalmente, e o governo desta capital tem servido
como principal porta-voz dos interesses dessa minoria, porém Ontário e
New Brunswick também têm números relativamente grandes de falantesde francês.
Os governantes coloniais britânicos da Índia traçaram as divisões admi
nistrativas do país sem muita considcraçãó pelas diferenças lingüísticas. A
imposição do federailsmo nessas divisões levou a um tipo de federalismo
principalmente congruente nos primeiros anos de illdepelldhcia da Índia.
Entretanto, na década de 1950 ocorreu uma total transfofIl1ação num siste
ma federal incongruente, baseado em divisões lingüísticas. Depois que o es-
~ l T a r l t o n emprega os tern10S "simetria" e ""assimetria", em vez de ~ c o n g r u ê n c i a " e "incongruên-
cia". Devido ao fato de o primeiro par de termos ser mais fr eqüent emente usado para descrever diferentes distribuições de poder - por exemplo, entre as duas câm'lfas das legislaturasbicamerais -, fica menos confuso usar o segundo par de termos para caracterizar as diferentes composições de duas ou mais entidades. Congruência e incongruência no federalismo têm
um significado análogo a congruência e incongruência no bicameralismo (ver capítulo 11).
22 3
AREND LIJPHART
tado de M ~ d r a s foi dividido nos estados separados d ~ Tamil :Nadu, de língua
MODELOS DE DEMOCRACIA
tem havido maior experimentação no sistema eleitoral americano do que em
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. tâmil, e A n d h r ~ Pradesh, de língu a télugo, el111953, a Comissão da Reorga
nização dos Estados abraçou o princípio lingüístico e rec6mendóu drásticas
revisões nos limites estatais de acordo com fronteiras lingüísticas, em 1955.
Isto foi rapidamente implementado em 1956, e criaram-se vários estados
. lingüísticos adicionais nos últimos anos (Brass, 1990: 146-56). Devido à
extrema d i v e ~ s i d a d e lingüística da Índia, esse federalismo lingüístico incon
gruente não conseguiu acomodar todas as pequenas miTIorias, mas no todo,
segundo as palavras do cientista político indiano Rajni Kothari (1970: 115),
conseguiu fazer da língua "uma influência unificadora e integradora", em
vez de uma "força de divisão".
Finalmente, o novo federalismo belga é resultado de um esforço deter
minado para estabelecer uma federação o mais incongruente possível. As três
regiões geograficamente definidas já são muito incongruentes: as duas maio
res, Flandres e Valônia, são monolíngües, e somente Bruxelas é bilíngüe. A
fim de aperfeiçoar essa incongruência lingüística, três comunidades cultu
rais não definidas geograficamente foram acrescentadas às regiões. Aqui, os
limites políticos e lingüísticos coincidem completamente - tornando o sistema federal um tipo puramente incongruente (ver capítulo 3).
FEDERALISMO EEXPERIMENTAÇÃO INSTITUCIONAL
Um aspecto da autonomia das unidades constituintes das federações é que
eías têm suas próprias constituições, nas quais podem efetuar emendas livre
mente, dentro de certos limites estabelecidos pela constituição federal. Teo
ricamente, isto lhes riá a oportunidade de experimentar diferentes formas de
governo. Essa experimentaçã o, quando bem-sucedida, pode ser benéfica tantv
para os outros membros da federação quanto para o governo central. Na
prática, entretanto, encontramos um quase total isomorfismo tanto entre as
formas de governo centrais e de unidades componentes quanto entre as das
unidades componentes em cada país.
Com respeito à escolha dos sistemas presidencialistas ou parlamentaris
tas, por exemplo, os Estados Unidos são solidamente presidencialistas, com
governadores atuando como "presidentes" ao nível do estado. Entretanto,
22 4
outras f ederaçõe s. O_principal exemplo ao nível estadual é Illinois, que usou
um sistema semiproporcional- voto cumulativo - para eleger sua câmara
baixa, de 1870 a 1980. Além disso, como foi mencionado no capítulo 8, al
guns estados usaram a regra da maioria absoluta/eleição complementar, em
vez da regra da maioria simples, para eleger seus membros na Câmara de
Deputados dos Estados Unidos. Uma experimentação de mais ampl o alcan
ce s e ~ i a encorajada pelo Voters' Choice Act, introduzido pela deputa da Cynthia
M c K I . n ~ e y em 1997 (porém não posto em vigor antes do final de 1998): ele
permitia qu e os estados usassem os distritos plurinominais, em vez de
uninominais, para as eleições da Câmara, se aplicassem sistemas de RP ousemiproporcionais nesses distritos.
A Câmara de Deputados da Austrália e as câmaras baixas dos estadosaustralianos são todos eleitos pelo voto alternativo, com exceção de um: a
Tasmânia usa a forma VUT da representação nroporcional A RP ,, . -- e a normanos níveis tanto nacional quanto cantonal na Suíça, porém alguns cantões
principalmente os pequenos, usam métodos majoritários. As outras f e d e r a ~ ções são até n:esmo mais isomórficas com respeito a s eus sistemas eleitorais:o Canadá e a India são solidamente fiéis à regra da maioria s i m p l ~ s , e a Áus-
tria, a Bélgica, a Alemanha e a Venezuela, à representação proporcional. O
m e s ~ o , isomorfismo é aparente com relação à escolha entre sistemas presi
denCIalIstas e pa rlament aristas , como já foi obsen'ado no caso norte-ameri
~ a n o . As únicas exceções podem ser encontradas na Alemanha e na Suíça.
r o ~ o s os. ~ d n d e r alemães têm sistemas parlamentares, mas na Baviera o pri
melro-mlIllstro não pode ser demitido por voto de desconfiança. Na Suíça,
os cantões se desviam em um aspecto do sistema híbrido parlamentar
presidencialista no nível federal- seus executivos colegiados são eleitos por
voto popular - mas eles são semelhantes entre si, nesse aspecto. É sintomá
tico que os redatores da constituição do novo cantão do Jura, que formal
mente passou a existir em 1979, tenham debatido os exemplos britânico e
germânico de sistemas parlamentaristas, para ao final se firmarem nas "normas suíças aceitas" (Tschaeni, 1982: 116).
225
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CAPíTULO 11 Parlamentos e Congressos:
Concentração versus divisão do
Poder Legislativo
I
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II
I
IIiIII
o segundo componente da dimensão federal-unitária é a distribuição -
concentração versus divisão - do poder na legislatura. O modelo majo
ritário puro requer a concentração do Poder Legislativo numa câmara
única. O modelo consensual puro caracteriza-se po r uma legislatura
bicameral, na qual o poder é dividido igualmente entre duas câmaras
constituídas de maneira diferente. Na prática, encontramos uma grande
variedade de composições intermediárias . N os capít ulos 2 e 3 vimos que,
sob esse aspecto, os parlamentos da Nova Zelândia (após 1950) e da Suíça
constituem protótipos perfeitos das democraci as maj oritária e consensual,
respectívamente,_ mas que os outros três principais exemplos se desviam,até certo ponto, do modelo puro. O parlamento britânico é bicameral,
mas, devido ao fato de a Câmara dos Lordes ter pouco poder, ele pode
ser descrito como sendo assimetricamente bicameral. A mesma descrição
se ajusta à legislatura de Barbados, porque o seu Senado, indicado po r
nomeação, tem o poder de retardação, porém não de veto. O Parlamento
bicameral belga anterior ao federalismo caracterizJva-se pelo equilíbrio
de poder entre as duas câmaras, mas essas câmaras pouco diferiam na
composição. Na nova legislatura federal, eleita pela primeira vez em 1995,
o Senado ainda não é composto de forma muito diferente da Câmara dos
Representantes, além de ter também perdido alguns de seus poderes an
teriores.
O primeir o tópico deste capítulo é a simples classificação dicotômica dos
parlamentos em bicamerais e unicamerais. Em seguida, discutirei as diferen
ças entre as duas câmaras das legislaturas bicamerais, especialmente com re
ferência a seus respectivos poderes e composição. Com base nessas duas
diferenças capitais, elaboro um índice quantitativo de bicameralismo. Por
último, irei examinar a relação entre a força do bicameralismo, segundo a
2 29
ARfND l I JPHART ..
medição desse índice, e o grau de fede;alismo e de dêscenttalização discuti
MODElOS . DE DEMOCRACfA
alguns traçoS--de unicamerâlismo e outros de bicameralismo: a solução dos
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do nos capítulos anteriores;
São necessários, ainda, dois c o m e n t á r i o ~ introdutórios. Primeiro, as câ-
maras legislativas têm uma diversidade de nomes próprios (entre os quais
Câmara dos Comuns, Câmara de Deputados, Câmara dos Representantes,
Bundestag e Senado) e, a fim de evitar confusã o, os seguintes termos gené
ricos s e r ã ~ usados na discussão sobre os parlamentos bicamêrais: primeira
câmara (ou câmara baixa) e segunda câmara (ou c â ~ a r a alta). A primeira câ
mara é sempre a mais importan te ou, nos sistemas federalistas, a casa eleita
co m base na população . O segundo comentár io é que a legislatura bica
meral, como um todo, normalmente é chamada de Congresso nos sistemas
presidencialistas - não na França, é claro, onde se originou o termo "par
lamento" - e de Parlamento nos sistemas parlamentaristas de governo.
Entretanto, o termo "parlamento" é também muitas vezes usado gene
ricamente, como sinônimo de "legislatura", e irei seguir esse uso convencio
nal aqui.
UNICAMERA LlSMO E BICAMERALlSMO
Uma classificação dicotômica dos parlamentos como unicamerais ou bi
camerais parece ser simples e direta, porém duas legisiaturas não se ajustam
a nenhuma dessas categorias: a da Noruega e, antes de 1991, a da Islândia.
Os legisladores da Noruega são eleitos com um corpo único, porém depois
da eleiçâ o se dividem em duas câ1llaras, pela escol!,a de uma quarta parte de
seus membros para formarem uma segunda câmara. Entretanto, as duas câ-
maras têm comitês legislativos conjuntos, e quaisquer desacordos entre elas
são resolvidos por uma sessão plenária composta por todos os membros da
legislatura . Aproxim adamente a mesma descri-;ão pode ser feita sobre o casoda Islândia, com a exceção de que, ali, a segunda câmara era formada por
um terço dos legisladores eleitos. Dessa forma, essas legislaturas apresentam
IA única dificuldade potencial dessa terminologia é que a primeira câmara do Parlamento
holandês é formalmente chamada de Segunda Câmara, e que a segunda câmara se chama Pn
meira Câmara. Da mesma forma, as câmaras primeira e segunda da legislatura bicameral an
terior a 1970, na Suécia, chamavam-se, respectivamente, Segunda e Primeira Câmaras.
2 3 0
desacordos _por meio de uma sessão conjunta não indica necessariamente o
uni.cameralismo, porque não cons titui um método incomum, tampouco para
legIslaturas sem dúvida bicamerais. Se fôssemos forçados a uma escolha pu
ramente dicotômica, essas legislaturas seriam provavelmente considera
das como algo mais próximo do unicameralismo que do bicamera lismo. Mas
não há necessidade de uma escolha tão difícil, e a c I a ~ s i f i c a ç ã o de todas as
legislaturas apresentadas depois, neste capítulo, coloca esses dois casos exa
tamente na categoria especial de uma câmara e meia.
Em seu amplo estudo comparat ivo sobre o bicameralismo, George Tsebelis
e ]eannette Money (1997: 1) relatam que cerca de um terço dos países do
mundo têm legislaturas bicamerais, e aproximadamente dois terços, iegis
laturas unicamerais. A relação p ropor ciona l para as nossas 36 democracias é
completamente diferente: o bicameralismo é muito mais comum que o
unicameralismo. Em 1996, apenas 13 das 36 democracias-pouco mais que
um terço - tinha parlamentos unicamerais. Quatro países passaram para o
unicameralismo durante o período em análise: a Nova Zelândia em 1950 a. ,
Dmamarca em 1953, a Suécia em 1970 e a Islândia em 1991 (Longley e Olson,1991). No início do período qu e cobre cada uma das 36 democracias, ape
nas nove - exatamente a quarta parte - tinham legislaturas unicamerais:
Costa Rica, Finlândia, Grécia, Israel, Luxemburgo, Malta, República de
Maurício, Papua-Nova Guiné e Portugal. Não houve mudanças na direção
oposta, de um Parlamento uni cameral para um bicameral.
Os 13 países com parlamentos unicamerais relacionados no parágíafo
anterior costumam ser os países menores. A Grécia, com uma população de
pouco mais de 10 milhões de habitantes, é o maior. Uma característica ainda
mais notável é que nenhum deles constitui um sistema federalista. Colocan
do de um Outro modo, todos os nove sistemas formalmente federais, entre
as 36 democracias, têm legislaturas bicamerais, ao passo que, a partir de 1996,
os 27 sistemas formalmente un itár ios - inclusive aqueles rotulados no capí
tulo anterior como semi federalistas - são equilibradamente divididos entre
o unicameralismo e o bicameralismo: 13 têm legislaturas unicamerais; 13 ,
legislaturas bicamerais, e a Noruega tem um sistema de uma câmara e m eia.
Isto já é uma forte indicação d a re laçã o entre estrutura da câmara e distinção
federal-unitária. Essa relação é analisada mais detalhadamente no final deste
23 1
AREND UJPHART
capítulo, após a discussão das diferentes formas que o bicameralisnio pode
--, M o o E L o ç DE -'D E ~ creR A c I A
257 e 350. No outro e x t r e ~ o , ~ Alemanh-ã tem a maior p r i m e i ~ ~ câmara
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I'
"
l!j
assumir.
VARIEDADES DE BICAMERALlSMO
As duas câmaras das legislaturas bicamerais cóstumam diferir de diversos
modos. Originalmen te, a função mais importante da segunda câmara - oucasa "superior"-, eleita com base em um limitado privilégio, era a de servir
como um freio conservador para a casa "inferior", eleita de forma mais de
mocrática. Com o advento do sufrágio universal para todas as eleições, em
nosso conjunto de regimes totalmente democráticos, essa função se tornou
obsoleta. Entretanto, a Câmara dos Lordes, na Grã-Bretanha, e a Casa dos
Chefes, em Botsuana, constituem casos imprecisos: o status de membro da
Câmara dos Lordes ainda se baseia principalmente nos princípios da heredi
tariedade, e em Botsuana, embora os chefes agora estejam submetidos a uma
eleição formal, na prática a hereditariedade ainda prevalece. Conseqüente
mente, esses dois corpos têm uma mentalidade firmemente conser:adora. ACâmara dos Lordes, por exemplo, tem permanentemente uma maioria con
servadora. Das seis diferenças restantes entre as câmara s primeirae segunda,
três são especialmente importantes, no sentido em que elas determÍI1Jm se o
bicameralismo é uma instituição de fato significativa. Vamos agora, breve
mente, examinar as três diferenças men os importantes.
Em primeiro lugar, as segundas câmaras tendem a ser menores que as
primeiras. De fato, isto poderia ser uma regra absoluta para as legislatHras
bicamerais, em nosso c o n j u n t ~ de democracias, não fosse pela Câmara dos
Lordes britânica , composta de aproximadamente 1.200 membros, quase duas
vezes maior que a Câmara dos Comuns, com seus 659 membros, após as elei
ções de 1997. Entretanto, a exceção é mais aparente do que real. Se excluirmosos membros que raramente participam, e m espec ial muitos pares hereditários,
reduz-se o número em cerca de trezentos. Entre todas as outras scgundas
câmaras, que são menores que as primeiras, ex iste a inda uma grande variedade
quanto à proporção em que são menores. Algumas segundas câmaras têm
tamanhos relativamente próximos aos das r espec tivas primeiras câmaras: por
exemplo, em Trinidad os respectivos números são 31 e 36, e na Espanha,
democrática do mundo, com 671 membros após a eleição-ne 1994 (número
- que, de acordo com uma decisão p a r l ~ m ê n t a r no inícIo de 1998, cfev;rá se r
reduzido para cerca de seiscentos nas elcições do ano 2002) e também uma
das menores segunda s câmaras, composta de apenas 69 membros.
Em segundo, os períodos de mandato legislativo tendem a se r mais lon
gos nas segundas câmaras do quenas primeiras. 0-5 períodos da primeira
câmara oscilam entre dois e cinco anos, c;mparados com os da segunda, que
vão de quatro a nove anos (e, na Grã-Bretanha e no Canadá, respectivamen
te, mandato vitalício e mandato até a aposentadoria). A Suíça constitui uma
única e menor exceção: alguns dos membros da segunda câmara são eleitos
para mandatos mais curtos que os quatro anos da primeira câmara. Em todas
as demais legislaturas bicam erais , os membros da segunda câmar a têm man
datos que são ou mais longos ou iguais aos dos membros da primeira câmara.2
Em terceiro iugar, uma característica comüm das segundas câmara s é sua
forma de eleição alternada. Metad e dos membros das segundas câmar as aus
traliana e japonesa se renova a cada três anos. Um terço das segundas câma
ras dos Estados Unidos e da Índia é eleito a cada dois anos, e um terço dasegunda câmara da França se renova a cada três anos. Da mesma forma os,membros das câmaras federais da Austria, Alemanha e Suíça são seleciona-dos de forma interca lada, porém a intervalos irregulares.
Essas três diferenças afetam, de fato, o modo como atuam as duas câma
ras das diversas legislaturas. Em particular, as segundas câmaras menores
podem conduzir suas ativ idade s de uma forma mais informal e re laxada do
que usualmente fazem as primeiras d m a [ c ~ 3 muito maiores. Porém, com uma
exceçio a ser breve.,1ente mencionada, elas nio afetam a questão de se r o
bicameralismo de um país uma instituição verdadeiramente fo rte e significativa.
IA Câmara de Deputados do s Estados Unidos é um caso excepcional, pelo fato de ter um
curto mandato de apenas dois anos. A Câmara Baixa au"raliana e a legislatura unicameral
neozelandesa são eleitas por três anos. Na Suécia, o período era de quatro anos até 1970,
quando foram adotados tanto o unicameralismo quanto o mandato de três anos, porém osmandatos de quatro anos foram restaurados a partir de 1994. Em todos os outros países,os mem
bros da primeira câmara, ou da câmara única, podem servir de quatro a cinco anos, porém
na maioria dos sistemas parlamentaristas as dissoluções prematuras podem e n c u r t a ~ essestermos máximos.
23 3
ARElID ~ L l J P H A R T
B1CAMERAlISMOl'ORTE VERSUS BICAMERALlSMO FRACO
MODELOS DE DEMOCRACIA
Com base nos dois critérios acima - os poderes formais relativos -das
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--Três:cai-acterí;ticàs -àos parlamentos bicams:rais determinam a forçacJU a
I fraqueza do bicameralismo. O primeiro aspecto importante consiste nos
\ poderes constitucionais formais de que dispõem as duas câmaras. O padrão
, geral é queas segundas câmaras costum am ser subordinadas às primeiras.
Por exemplo, os seus votos n e g a t i v o s ~ a um projet o legislativo podem, mui
tas vezes, ser anulados pelas primeiras câmaras, e na maioria dos sistemasparlamentares o gabinete é responsável exclusivamente referente à primei
ra câmara. Em dois países, a Índia e a Venezuela, as divergências entre as
duas câmaras são resolvidas por uma sessão conjunta. Aqui, os tamanhos
relativos das duas câmaras, discutido na seção anterior, fazem realmente
diferença com relação à força do bicameralismo. A segunda câmara da Índia tem quase a metade do tamanho da primeira, ao passo que o Senado
venezuelano tem menos que um quarto dos memb ros da câmara baixa. Os
únicos exemplos de legislaturas bicamerais com poderes formalmente iguais,
em nosso conjunto de democracias, são as legislaturas da Colômbia, Itália,Suíça e Es tados Unidos. Três países costumavam ter câmaras formalmente
iguais - Bélgica, Dinamarca e Suécia-, mas o poder do Senado belga foi
seriamente reduzido quando da sua eleição em sua nova forma federal, em
1995, e a Dinamarca e a Suécia aboliram as suas segundas câmaras em 1953e 1970, respectivamente.
O segundo aspecto é que a verdadeira importância política das segundas
câmaras depend e não apenas de seus poderes formais, mas também de seu
métodc ,de seleção. Todas as p r Í l ~ e i r a s câmaras são eleitas pelo voto direto
dos eleitores, porém os membros da maior parte das segundas câmaras são
eleitos de forma indireta (em geral pelas legislaturas num nível abaixo do
governo nacional, como na Índia, Holanda e, até 1970, Suécia) ou, com mais
freqüênc ia, são indicados (como os senadores no Canadá e nos quatro paísescaribenhos da Commonwealth, e alguns dos senadores irlandeses, e os pares
vitalícios da Câmara dos Lordes britânica), As segundas câmaras que não são
eleitas por voto direto carecem de legitimidade democrática, e vem daí a real
influência política conferida pela eleição popular. Inversamente, a eleição
direta de uma segunda câmara pode até certo ponto compensar seu poder
limitado.
2 3 4
duas câmaras e a legitimidade democrática das segundas câmaras _ , as
, ! ~ ~ ~ ~ r a s , b i c a m e r ~ i s , p ~ d e m _ser classificadas ou como síiiúTt;icas ou assi-I
metncas; Camaras Slmetncas sao aquelas que dispõem de pode res c onst itu - \
cionais iguais, ou apenas moderadamente desiguais, e de legitimidade
democrática. As câmaras assimétricas são extremamente desiguais nesses as-
~ pectos. A cátegoriã simétrica inclui as sete l e g i s l a t u ~ a s , relacionadas acima,
que têm ou tiveram câmaras com poderes formalmente iguais. Três dessaslegislaturas também têm segundas câmaras diretamente eleitas - a Colôm-
bia, a Itália e os Estados Unidos - e os membros das segundas câmaras suíça
e belga, em sua maioria, são eleitos pelo voto popular. Além disso, as câma
ras de quatro legislaturas bicamerais não são completamente iguais, mas ain
da assim podem ser classificadas como assimétricas, de acordo com a definiçãoacima: as da Austrália, Alemanha, Japão e Holanda. Os parlamentos da Aus
trália e do Japão, em sua totalidade, são eleitos diretamente. O Parlamento
holandês pertence a essa categoria, a despeito da eleição indireta da segunda
câmara pelas legislaturas provinciais, porque esta câmara tem um absoluto
poder de veto sobre qualquer legislação proposta, que não pode ser anl'ladopala primeira câmara. A segunda câmara alemã não deve sua força à eleição
popular ou a um poder absoluto de veto legislativo, mas sim ao fato de ser
uma câmara única federal, composta de representantes dos executivos dos
estados membros da federação - usualmente ministros dos gabinetes des
ses estados membros. Ela pode, assim, ser descrita como "uma das mais for
tes segundas câmaras do mundo" (Edinger, 1986: 16). A relação de poder
entre as duas casas nos demais parlamentos bicamerais é assimétrica.
A terceira diferença cruc ial e ntre as duas câmaras das legislaturas bica
merais é que as segundas câmaras podem ser eleitas por diferentes méto-
dos, ou designadas com o propósito de sobre-representar certas minorias.
Se for este o casg, j I S _ º U a ~ câmaras diferem em sua composição, e podem
ser chamadaS"incollgruenteS. Os exemplos mais notáveis são os da maior
parte das segundas câm aras que atuam como câmaras federais e que super
representam as menores unidades componentes da federação. O maior grau
de sobre-representação ocorre quando há igualdade de repr esent ação est a
dual ou cantonal, sem levar em conta as populações dos estados ou dos
cantões. Essa paridade pode ser verificada nas câmaras federais da Suíça,
235
AREND LlJPHART
Estados Unidos e Venezuela (dois representantes por estado ou cantão) e
MODELOS DE DEMOCRACIA
r ~ l que r e p ~ e s e ~ t a os 10,20,30 e 50 por cento dapopulaç ão mais Favoravel
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, ~
Austrália (12 de cada estadop. O Bunde srat alemão e o Senado canadense
são exemplos de câmaras federais em que as unidades componentes não
sãó igual mente representadas, mas em que as menores unidades são sobre
representadas e as maiores, sub-repres entadas. O Bundesrat austríaco constitui uma exceção, sendo sua composição aproximadamente proporcional
à população dos Liinder, sem coriceder especial representação aos Liinder
menores. De forma análoga, o novo Senado belga dá apenas uma ligeirasobre-representação às minorias lingüísticas de fala francesa e alemã. A Ín
dia constitui um caso intermediário.
TABELA 11.1 DESIGUALDADE DE REPRESENTAÇÃO EM NOVE CÂMARAS FEDERAIS
Cadeiras ocupadas po r porcentagens
dos eleitores mais favoravelmente Índice
representados Gini
10% 20% 30% 50% de desigualdade
Estados Unidos 39,7 55,0 67,7 83,8 0,49Suíça
38,4 53,2 64,7 80,6 0,46Venezuela 31,6 47,2 60,0 77,5 0,40Austrália 28,7 47,8 58,7 74,0 0,36Canadá 33,4 46,3 55,6 71,3 0,34Alemanha 24,0 41,7 54,3 72,6 0,32Índia 15,4 26,9 37,4 56,8 0,10Áustria 11,9 22,5 32,8 52,9 0,05Bélgica 10,8 20,9 31,0 50,9 0,01
Fonte: Baseado em dados do Stepan-Swepden Federal Databank, AlI Souls College, Ox ford Uni-versity
A Tabela 11.1 apresenta, de uma forma mais precisa, o grau de super
representa ção das unidades menores nas nove federações - em termos dograu de desigualdade de representação devida ao tratamento favorável das
pequenas unidades. Ela mostra a per centagem dos membros da câmara fede-
JExceções parciais da paridade são os subcantões da Suíça, cada um com apenas um r e p r e s e ~ -tante na câmara federal, e os territórios australianos da capital e do norte, cada um com dOIS
senadores. Na Venezuela, anligos presidentes são também membros do Senado.
236
I,
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I
I
mente r e p r e s e J 1 t a d ~ ~ . A ~ pessoas mais bem representadas f a z ~ m parte-das
menorés unidades- componentes -da federação. O exemplo seguinte ilustra
como são calculadas essas percentagens. Suponhamos que o menor e mais
bem representado estado numa federação tenha 6 por cento da população, e
dez das cem c a d e i r ~ s na câmara federal. E que o segundo menor e mais bem- representado estádü tenha 8 por cento da população e também- dez das cem
cadeiras da câmara federal. Então os 10 por cento da população mais bem
representados são os 6 por cento do estado menor, mais a metade da popu-
lação no segundo menor estado. Juntos, esses dez por cento da populaçãotêm 15 por cento das cadeiras da câmara federal.
A desigualdade na ilustração acima é pequena, se comparada às verda
deiras desigualdades que encontramos na maioria das câmaras federais. Os
Estados Unidos são o caso mais extremo: os 10 por cento da população mais
favoravelmente representados, vivendo nos menores estados, têm quase 40
por cento da representaçã o no Senado; 20 por cento dos eleitore s mais bem
representados têm uma confortável maioria de 55 por cento. E exatamente
a metade deles elege uma esmagadora maioria de quase 84 senadores. Aspercentagens para a Suíça são próximas às dos americanos, e o Conselho dos
Estados suíço pod e, assim, ser qualificado como quase tão manipulado quanto
o Senado dos Estados Unidos. Na Venezuela, Austrália, Canadá e Alemanha,
as desigualdades são menos extremas, porém ainda substanciais: 20 por cen
to dos eleitores mais bem representados não elegem na verdade maiorias na
câmara alta, mas 30 por cento o fazem. O Bundesrat austríaco e o Senado
belga são as únicas câmaras federais em que o grau de super-representação é
tão leve que eles podem ser quase considerados câmaras proporcionalmente
distribuídas, e por isso dever iam ser classificados como congruen tes co m suas
primeiras câmaras. A composição das câmaras federais da Índ ia parece estar
mais próxima do padrão austríaco e belga do que dos outros seis sistemasfederalistas. Entretanto, pelo fato de também ser eleita por um método di
verso - a forma VUT da representação proporcional, em vez da regra damaioria simples empregada para eleições da câmara baixa-, a segunda câmara indiana devia ser classi ficada como incongruente.
O índice Gini de Desigualdade, mostrado na Tabela 11.1, é uma medida
concisa do grau de desigualdade. Pode oscilar de zero, quando existe com-
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AREND l I JPHART MODElOS DE DEMOCRACIA
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pieta igualdade ...:..- o índice belga-de 0,01 está próximo desse ponto - até
um-máximo hipotético aproximado de 1, 00, quando a unidade mais favora- -
velmente r e p r e s e ~ t a d a detém todas as cadeiras na câmara federal, e as ou-
tras unidades, nenhuma. O efetivo índice Gini de 0,49 para os Estados Unidos
está aproximadamente no meio, entre esses dois extremos, e o índice suíço
de 0,46 vem logo a seguir.
Diversas segundas câmaras não-federais também devem ser classificadascomo incongruentes. O Senado francês é eleito por um colégio eleitoral em
que as pequenas comunas, ~ o m menos de um terço da população, têm mais
da metade dos votos. Devido a essa sobre-representação rural e de pequenas
cidades, Maurice Duverger certa vez caracterizou o Senado como a "Câma-
ra da Agricultura" (citado em Ambler, 1971: 165). O Senado espanhol é in-
congruente por três razões: as províncias do continente (mas não as ilhas eos dois enclaves do norte da África) são igualmente representados. A maio
ria dos senadores é eleita por meio do sistema semiproporcional do voto li
mitado (em contraste com o método da representação proporcional usado
para a eleição da primeira câmara). E quase um quinto é eleito pelas legis
latura s regionais autônomas. As duas casas do Congresso da Colômbia cos tumavam ser eleitas por métodos semelhantes - a RP em distritos de
relativamen te baixa magnitude -, mas em 1991 o Senado se tornou incon
gruente, porque seu sistema eleitoral foi muda do para RP num grande dis
trito de âmbito nacional - tornando muito mais fácil para os partidos e
candi datos minoritários serem eleitos.Muitas das outras legislaturas bicamerais são congruentes porque suas duas
câmaras são eleitas por métodos semelhantes: listas de RP na Itália (até 1992),
Holanda e na Bélgica anterior ao fedéraJismo; D MP na Itália desde 1994; VUNT
no Japã o até 1996 (embora em parte listas de RP para eleições na câmara alta
desde 1983). Nas Bahamas, Barbados e Jamaica, as câmaras altas são indic;]das
pelo governador-geral, e em T,inidad pelo presidente, de acordo com vários
critérios, mas sempre de forma a que o primeiro-ministro nomeie a maioria.
Assim, o partido majoritário na primeira câmara também se torna o partidomajoritár io na segunda. O Senado da Irlanda parece ser incongruente, porq ue
um grande número de senadores precisa ser eleito a partir de candidatos no-
meados por grupos de interesse vocacionais e culturais, mas no colégio eleito
ral, composto de legisladores nacionais e locais, a política partidária predomina.
2 3 8
Daí o Senado irlandês ser "composto em grande parte por políticos que não
- são muito diferentes em termos de filiação partidária..dos seus colegas da (pri
meira câmara) e, como é o caso de muitos deles, com conexões muito tênues
com os interesses.que eles tendem a representar" (Chu bb, 1982: 212).
AS ESTRUTURAS DE CÂMARAS DAS 36 LEGISLATURAS DEMOCRÁTICAS
A Tabela 11.1 usa as distinções entre o bicameralismo e o unicameralismo,
entre o bicameralismo simétrico e o assimétrico, e entre o bicameralismo
congruente e o inco ngru ente , para compor uma classificação das estruturas
de câmaras de 36 democracias, como também corno índice de bicameralismo,oscilando entre 4, 0 e 1,0 pontos. Existem quatro categorias principais: o
bicameralismo forte, o meio-forte, o fraco e o unicameralismo. O bica
meralismo forte caracteriza-se tanto pela simetria quanto pela incongruên
cia. No bicameralismo meio-forte, falta um desses dois elementos. Essa
categoria é dividida em duas subclasses, na dependência de ser a simetria ou
a incongruência o elemento que falta, porém ambos são classificados igualmente e têm o mesmo índice de bicameralismo (3,0 pontos). A terceira cate
goria é o bicameralismo fraco, no qual as câmaras são tanto assimétricas
quanto congruentes. E a quarta categoria é a das legislaturas unicamerais.
Uma hipótese plausível pode ser proposta para a combinaçã o das duas últi
mas categorias: uma legislatura bicameral, composta de duas ou mais casas
idênticas mais uma outra muito mais poderosa que as primeiras, difere de
algum modo significativo de uma legislatura unicameral? Tsebellis e Money
(1997: 211) dão uma respost a enfaticamente afirmativa a essa que stão: "to
das as segundas câmaras exercem influência mesmo que sejam consideradas
fracas ou insignificantes".4 Por isso, para o prGpósito de medir a divisão do
Poder Legislativo, o bicameralismo fraco ainda representa um grau de divisão, enquanto o unicameralismo significa completa concentração de poder.
'Esta conclusão também é solidamente apoiada pelas verificações de William B. HeIler. EmAsdemocracias contemporâneas, empreguei os rótulos "forte", "fraco" e "insignif icante", em vezde forte, meio-forte e fraco (Lijphart, 1984: 99-100). Os argumentos de Tscbellis e Money,como também os de Heller, convenceram-me que bicameralismo "insignificante" é um termoenganador, que deve ser evitado.
239
I A R E N D Ú1PHART t MOD n o s DE DEMOCRACIA
sições intermediárias entre as quatro principais categorias. Isto é necessá
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I~
TABELA 11.2 ESTRUTURA DE CÂMARA DÁS lEGIS1ATURASEM 36 DEMOáACIAS.
PERíODO DE-l945 A 1 9 ~ 6
Forte bicameralismo: câmaras simétricas e incongruentes[4,OJ-" -
J ustrália Suíça , ~ C o l ô m b i a depois de 199i)
) Alemanha Estados Umdos L- ' ',' -,
Bicameralismo de força média: câmaras simétricas e congruentes [3,OJBélgica Japão Colômbia [3,1)Itália Holanda (Colômbia antes de 1991)
(Dinamarca antes de 1953)
(Suécia antes de 1970)
Bicameralismo de força média: câmaras assimétricas e incongruentes {3,0]
Canadá Espanha
França
Índia
Venezuela
Bicameralismo de força entre média e fraca í2,5]
Botsuana Reino Unido
Fraco bicameralismo: câmaras assimétricas e congruentes [2,0]
Áustria Irla nda Suécia [2,0}
Bahamas Jamaica (Nova Zelândia antes de 1950)
Barbados Trinidad
Uma câmara e meia [1,5]
Noruega
Unicameralismo {l,0]
Costa Rica
Finlândia
GréciaIsrael
Luxemburgo
Malta
Maurício
Papua-Nova GuinéPortugal
Nota: Os índices de bicameralismo estão entre colchetes
Islândia [1,4](Islândia antes _de 1991)
Dinamarca [1,3]
Nova Zelândia [1,11
(Dinamarca depois de 1953)(Islândia depois de 1991)(Nova Zelândia depois de 1950)
(Suécia dep ois de 1970)
Como na Tabela 10.1, que apresentava os graus de federalismo e descen
tralização no capítulo anterior, a Tabela 11.2 coloca diversos países em po-
140
III!II
\I
III
rio, primeiro, porque vários países mudaram sua estrutura de câmara du-
_ rante o períodoe-m anárise: para esses países, são mostrados tanto seu tipo
de estrutura de câmara em cada período como também os seus resultados
médios para o período tota1.5 Em segundo lugar, o bicameralismo britâni
co e botsuanês, não obstante tecnicamente incongruente, é "rebaixado" de
meio ponto porque as câmaras altas são relíquias de uma era pré-democrática. Em terceiro, como já se discutiu antes, as legislat uras intermediárias
da Islândia (até 1991) e da Noruega devem ser classificadas como de uma
câmara e meia, e re ceber o índice proporcional de 1,5 ponto. O índice médio
de bicameralismo para todos os 36 países é 2,2, e o número mediano, 2,5
pontos, entre o forte bicameralismo, de um lado, e o unicameralismo, do
outro.
ESTRUTURA DE CÂMARA E GRAUS DE FEDERALISMO E DESCENTRALIZAÇÃO
Como foi destacado an tes, há uma forte relação empírica entre as dicotomiasbicameral-monocameral e federal-unitária: todos os sistemas formalmente
federalistas têm legislaturas bicamerais, ao passo que alguns sistemas não-fe
deralistas têm parlamentos bicamerais, e outros, monocamerais. A mesma
ligação forte aparece quando são relacionados os dois índices de federalis
mo e bicameralismo, como mostra a Figura 11.1. À medida que aumenta o
grau de federalismo e de descentralização, primeiro se dá uma mudança do
unicameralismo para o bicameralismo e, em seguida, a força do bicameralismo
aumenta. O coeficiente de relação é de 0,64 (significativo no nível de 1 por
cento).
A Áustria federalista, como não poderia deixar de ser, é um dos casos de
desvio, como resultado de sua legislatura fracamente bicameral. Três países
SAJgo confusamente, a pontuação média da Suécia, de 2,0 pontos, coloca-a na categoriaassimétrica e congruente, embora em verdade jamais tenha havido ali esse tipo de Parlamento.A explicação é que 2,0 represen ta a média de dois períodos apr oximadamente iguais de câmaras simétricas e congruentes (3,0 pontos) e unicameralismo (1,0 ponto). A mudança da Bélgica, de um bicameralismo meio-forte para um fraco, ocorreu no final do período - o novo
Senado federal não foi eleito antes de 1995 - e é por isso ignorado na tabela.
241
A REN D l I JPHART
a despeito de seu status Ee:deralista, s e m i f ~ d . e r ; l i s t a ~ u d ~ s c e n t r a l i z a ~ o . Em
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2 3 4 5Grau de federalismo e descentralização
Fig. 11.1 Relação entre federalismo-descentralização e estrutura de câmara em 36 democracias,período de 1945 a 1996
nórdicos que foram classificados como unitários e descentralizados - Fin
lândia, Dinamarca e Noruega - têm baixos pontos de bicameralismo, mais
típicos de sistemas unitários e centralizado s. Da mesma forma, Israel e Papu a
Nova Guiné têm parlamentos monocamerais que estão em desacordo com
sua classificação como sistemas semifederalistas. No outro lado da linha de
regressão, um grupo de três sistemas unitários e muito centralizados - a
Colômbia, a França e a Itália - tem um bicameralismo muito mais forte do
que se poderia esperar. Uma explicação para esses desvios parece estar no
c ~ n t r a p a r t i d a , países grandes como a C o l ô m b i a ~ a F r ~ n ç a e a ltáliatêm um
b I c ~ m e r : a l i s m o relativamente forte, apesar dos ;eus sistemas u ~ i t á r i o s e cen-
: r ~ h z a d o s . ~ b s e r v e i , no capítulo anterior, que o taman ho da população tam
bem se relaCIOna com o federalismo: os sistemas federalistas tendem a ser os
p ~ í s e s maiores. As três variáveis estão claramente longe da perfeita correla
çao. ~ n t r e t a n t o , no capítulo 14, mostrarei que o tamanho da população está
estreItamente ligado à dimensão federal-unitária inteira, da qual os índicesde federalismo e bicameralismo constituem dois dos cinco componentes.