modelos de ministérios públicos e defensorÍas del...

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MODELOS DE MINISTéRIOS PúBLICOS E DEFENSORÍAS DEL PUEBLO VOLUME 1 MINISTÉRIOS PÚBLICOS SUL-AMERICANOS

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Modelos de

Ministrios Pblicos

e Defensoras Del Pueblo

VoluMe 1

Ministrios Pblicos sul-AMericAnos

braslia-DF2014

Escola supErior do Ministrio pblico da unio

Modelos de

Ministrios Pblicos

e Defensoras Del Pueblo

VoluMe 1

Ministrios Pblicos sul-AMericAnos

bruno calabrich organizador

Ministrio Pblico Da unioRodRigo Janot MonteiRo de BaRRosProcurador-Geral da repblica

CaRlos HenRique MaRtins liMaDiretor-Geral da escola superior do Ministrio Pblico da unio

MauRCio CoRReia de MelloDiretor-Geral Adjunto da escola superior do Ministrio Pblico da unio

cMara eDitorial geralafonso de Paula PinHeiRo RoCHa

Procurador do trabalho Prt 5a regio(bA)

antonio do Passo CaBRal

Procurador da repblica Pr/rJ

antonio HenRique gRaCiano suxBeRgeR

Promotor de Justia MPDFt

Jos antonio VieiRa de fReitas filHo

Procurador do trabalho Prt 1a regio (rJ)

MaRia Rosynete de oliVeiRa liMa

Procuradora de Justia MPDFt

otVio augusto de CastRo BRaVo

Promotor de Justia Militar PJM/rJ

RiCaRdo de BRito alBuqueRque Pontes fReitas

Procurador de Justia Militar PJM/recife

RoBRio nunes dos anJos filHoProcurador regional da repblica 3a regio

rePblica feDerativa Do brasil

artigos Da coletnea

voluMe 1 Ministrios Pblicos sul-AMericAnos

ArgentinA

Chile

ColmbiA

equAdor

PArAguAi

Peru

uruguAi

VenezuelA

voluMe 2 Ministrios Pblicos dA coMunidAde dos PAses de lnguA PortuguesA

AngolA

CAbo Verde

guin-bissAu

moAmbique

PortugAl

so tom e PrnCiPe

timor-leste

ArgentinA

bolViA

ColmbiA

equAdor

PArAguAi

Peru

voluMe 3 deFensorAs del Pueblo

MoDelos De Ministrios Pblicos e Defensoras Del PueblouMa PuBliCao da esMPu copyright 2014. todos os direitos autorais reservados.

dados inteRnaCionais de Catalogao na PuBliCao (CiP)

BiBlioteCa da esCola suPeRioR do MinistRio PBliCo da unio

m689 modelos de ministrios pblicos e defensoras del pueblo / bruno Calabrich, organizador. braslia : esmPu, 2014.

3 v.

isbn 978-85-88652-78-1 (v. 1)

isbn 978-85-88652-76-7 (v. 2)

isbn 978-85-88652-74-3 (v. 3)

Publicado tambm em verso eletrnica:

isbn 978-85-88652-79-8 (v. 1)

isbn 978-85-88652-77-4 (v. 2)

isbn 978-85-88652-75-0 (v.3)

1. ministrio pblico - Amrica do sul. 2. ministrio pblico - Angola. 3. ministrio pblico Cabo Verde. 4. ministrio pblico guin-bissau - . 5. ministrio Pblico - moambique. 6. ministrio pblico - Portugal. 7. ministrio pblico so tom e Prncipe. 8. ministrio pblico timor-leste. 9. defensoria pblica Amrica latina. 10. i. Calabrich, bruno.

Cdd 341.413

sGAs Av. l2 sul Quadra 604 lote 23, 2o andar70200-640 braslia-DF

tel.: (61) 3313-5107 Fax: (61) 3313-5185Home page: e-mail:

seCRetaRia de atiVidades aCadMiCasnelson de sousa lima

diViso de aPoio didtiCoAdriana ribeiro Ferreira

suPeRViso de PRoJetos editoRiaislizandra nunes marinho da Costa barbosa

PRePaRao de oRiginais maiara gergia sena de melo

ReViso de PRoVas Anna lucena davi silva do Carmo glaydson dias maiara gergia sena de melo sandra maria telles

tiRageM: 3.500 exeMPlaRes

As opinies expressas nos artigos so de exclusiva responsabilidade dos autores.

nCleo de PRogRaMao Visualrossele silveira Curado

CaPaJssica sousa e Clara Farias

PRoJeto gRfiCo Clara Farias

diagRaMaoideorama Comunicao ltda. Cln 413 bloco A sala 218 70874-510 braslia-dF tel.: (61) 3032-4849

iMPRessogrfica e editora ideal ltda. sig quadra 8, 2268 70610-480 braslia-dF tel.: (61) 3344-2112 e-mail:

colaboraDores

andR de CaRValHo RaMosProcurador regional da repblica

lVaRo luiz de Mattos stiPPProcurador da repblica

andRea HenRiques szilaRdProcuradora regional da repblica

BRuno fReiRe CalaBRiCHProcurador da repblica

CaRlos ViniCius soaRes CaBeleiRaProcurador da repblica

CaRolina de gusMo fuRtadoProcuradora da repblica

duCiRan Van MaRsen faRenaProcurador regional da repblica

ela WieCko de CastilHosubprocuradora-geral da repblica

elisandRa de oliVeiRa olMPioProcuradora da repblica

enRiCo RodRigues de fReitasProcurador da repblica

fRedeRiCo lugon noBReProcurador regional da repblica

luCiana louReiRo oliVeiRaProcuradora da repblica

MRCio BaRRa liMaProcurador da repblica

MaRia eMilia MoRaes de aRauJoProcuradora regional da repblica

MaRy luCy santiago BaRRaProcuradora da repblica

MauRo CiCHoWski dos santosProcurador da repblica

RiCaRdo kling doniniProcurador da repblica

RoBeRto MoReiRa de alMeidaProcurador regional da repblica

saMuel MiRanda aRRudaProcurador da repblica

solange Mendes de souzaProcuradora regional da repblica

VladiMiR aRasProcurador da repblica

aPresentao

Temos a felicidade de apresentar a coleo Modelos de Ministrios Pblicos e Defensoras del Pueblo, composta por trs volumes, resultante do projeto de pesquisa da Escola Superior do Ministrio Pblico da Unio, em parceria com o Centro de Cooperao Internacional e Jurdica da Procuradoria-Geral da Repblica, nominado Trabalho convergente entre experincias diversas, prospeco para cooperao jurdica internacional eficaz fases I, II e III, realizado entre os anos de 2006 e 2008.

O propsito inicial do projeto foi o de conhecer adequadamente o funcionamento e a estrutura dos Ministrios Pblicos na Amrica do Sul, prospectando informaes de modo a facilitar a aproximao e a relao cooperativa entre aqueles e o Ministrio Pblico brasileiro. Realizada a fase I e tendo-se percebido, por razes agora bvias, a incompletude do projeto, realizou-se a fase II, ampliando-o, para que fossem pesquisadas as Defensoras del Pueblo (ou Defensores del Pueblo) da Amrica do Sul que, onde atuam, tm funes anlogas s desempenhadas pelos rgos do Ministrio Pblico brasileiro no que toca proteo dos direitos do cidado (funes que, no mbito do Ministrio Pblico Federal, so exer-

cidas principalmente pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidado e pelas Procuradorias Regionais dos Direitos do Cidado). Na terceira fase, encerrando o projeto, foram pesquisados os Ministrios Pblicos da Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa (CPLP), iniciativa que teve por objetivo aprofundar as relaes entre os pases-membros promovidos pela Rede de Cooperao Jurdica e Judiciria Internacional dos Pases de Lngua Portuguesa estabelecida na X Conferncia de Ministros da Justia dos Pases de Lngua Portuguesa. Alm de estreitar os laos para fins de co-operao jurdica internacional, buscou-se apreender, em todas as etapas da pesquisa, as experincias das instituies coirms sul-americanas e da CPLP na defesa dos interesses pblicos e dos direitos fundamentais.

A riqueza do projeto deve-se muito ao fato de que os pesquisadores puderam conhecer in loco as instituies pelas quais foram respons-veis. Depois de estudos apoiados tambm por informaes e material previamente encaminhado pelas prprias instituies perquiridas, os pesquisadores viajaram aos pases da Amrica do Sul e da Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa e conviveram, por um perodo aproxi-mado de uma semana, com diversos atores locais, acompanhando nesse breve tempo o dia a dia das instituies visitadas. Essa estratgia decerto permitiu a verificao de informaes e de repercusses prticas muitas vezes a ns estranhas ou inusuais, mas nem por isso (ou exatamente no por isso) menos interessantes.

Os relatrios produzidos pelos pesquisadores, membros do Mi-nistrio Pblico Federal escolhidos em seleo pblica, foram por eles transformados posteriormente em artigos que agora compem cada um dos trs volumes da coleo, assim distribudos: Ministrios Pblicos Sul--Americanos (volume 1), Ministrios Pblicos da Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa (volume 2) e Defensoras del Pueblo (volume 3).

No primeiro volume o leitor encontrar artigos sobre os Minist-rios Pblicos do Equador, Chile, Venezuela, Peru, Colmbia, Paraguai, Uruguai e Argentina. No volume 2 so retratados os Ministrios Pbli-cos de Portugal, Angola, Moambique, Cabo Verde, Guin-Bissau, So Tom e Prncipe, e Timor-Leste. No terceiro volume discorre-se sobre as Defensoras del Pueblo da Argentina, Bolvia, Colmbia, Peru, Paraguai e Equador.

Nos textos, como ver o leitor, desenhou-se no apenas o panorama normativo, estrutural e funcional de cada Ministrio Pblico ou Defenso-ra pesquisado mas tambm se destacou o que de mais peculiar e relevante

se poderia extrair dos modelos e das prticas concretas de tais entes cong-neres para o aprimoramento do Ministrio Pblico brasileiro.

Por uma srie de percalos enfrentados, a publicao desta coleo no foi possvel dentro de um lapso menor desde a concluso das pesquisas e elaborao dos artigos, o que, mesmo sem desfigurar a fotografia insti-tucional capturada a respeito de cada uma das realidades visitadas, pode ter levado desatualizao alguns tpicos. A despeito disso, acreditamos que a importncia da obra no apenas remanesceu como se acentuou, sobretudo em razo de a doutrina brasileira ainda sofrer de uma imensa carncia de publicaes sobre o tema em especial, de publicaes com a qualidade que se pode verificar em todos os textos produzidos em cada um dos trs volumes e que ora so submetidos s comunidades acadmica e profissional.

Carlos Henrique Martins LimaProcurador da RepblicaDiretor-Geral da ESMPU

Bruno CalabrichProcurador da RepblicaCoordenador de Ensino do MPF na ESMPUOrganizador

suMrio

APresentAo ....................................................................................................9

Ministrio Pblico nA ArgentinA e no brAsil:APontAMentos PArA uMA AProxiMAo reGionAlVladimir Aras ...........................................................................................................17

cArActersticAs e Atribuies do Ministrio Pblico cHileno: breVe estudo AnAltiCo e ComPArAtiVo, inCluindo reFernCiAs s regrAs de CooPerAo JurdiCA internACionAl entre Chile e brAsilsamuel miranda Arruda .........................................................................................63

notAs sobre FISCALA GENERAL DE LA NACIN dA colMbiACarolina de gusmo Furtado ..............................................................................101

Ministrio Pblico: o MoDelo eQuAtoriAnoroberto moreira de Almeida ...............................................................................131

Ministrios Pblicos brAsileiro e PArAguAio:estuDo coMPArAtiVoricardo Kling donini .............................................................................................161

Ministrio Pblico dA rePblicA do Peru: Atribuies, PrinciPAis cArActersticAs, estruturA orGAnizAcionAl e suGesto De cooPerAo JurDicA internAcionAlmrcio barra lima .................................................................................................185

Ministrio Pblico do uruguAi:trAbAlHo conVerGente entre exPerinciAs DiVersAs e ProsPeco PArA cooPerAo JurDicA internAcionAl eFicAzenrico rodrigues de Freitas .................................................................................253

Ministrio Pblico dA rePblicA boliVAriAnA de VeneZuelA mary lucy santiago barra ....................................................................................327

ArgentinA 17

Ministrio Pblico na argentina e no brasil:

APontAMentos PArA uMA AProxiMAo regionAl

Vladimir Aras

intRoduo

Resultado do projeto Trabalho convergente entre experincias diversas, prospeco para a cooperao jurdica internacional eficaz, promovido pela Escola Superior do Ministrio Pblico da Unio (ESMPU), em conjunto com o Centro de Cooperao Jurdica Internacional da Procuradoria-Geral da Repblica (CCJI/PGR)1, o presente trabalho tem por objetivo apresentar um panorama do Ministrio Pblico da Repblica Argentina, mediante a anlise de seu posicionamento constitucional, de suas atribuies legais e das garantias e prerrogativas de seus membros.

Pretende-se tambm traar um paralelo entre o Ministrio P-blico argentino e o brasileiro, assim como fornecer elementos para uma aproximao das duas instituies por meio da cooperao internacional no mbito do Mercosul.

Conhecer as virtudes e as dificuldades da instituio do Minis-trio Pblico na nao vizinha, maior parceira do Brasil no Mercosul,

1 Agora rebatizado de Assessoria de Cooperao Jurdica e Internacional (ASCJI).

argentina

Volume 1 ArgentinA 19 18

passo necessrio para o aperfeioamento do sistema de justia criminal em nosso Pas, dentro dos critrios de persecuo criminal eficiente e rpida, principalmente para o combate criminalidade organizada transnacional.

Foi realizado um corte no objeto de estudo a fim de enfocar to somente o Ministrio Pblico Federal da Repblica Argentina, ali cha-mado de Ministrio Pblico Fiscal. No so objeto desse estudo os vrios ministrios pblicos provinciais, cada um com sua organizao prpria. Suas particularidades, porm, surgem em alguns pontos do texto.

Enfim, este trabalho pretende abordar a estrutura e o funciona-mento do Ministrio Pblico Fiscal (MPF) argentino, mediante estudo comparativo entre esta instituio e seu congnere brasileiro.

1 o sisteMA judiciAl Argentino

A Argentina uma repblica federativa composta por 23 provn-cias e pela Cidade Autnoma de Buenos Aires (CABA), equivalente ao Distrito Federal. Embora a legislao penal seja nacionalizada (um s Cdigo Penal para todo o pas), cada unidade federada tem o seu prprio sistema judicial, o seu Poder Judicirio e o seu prprio Ministrio P-blico. Ademais, a Constituio Nacional de 1994 autoriza as provncias a legislarem em matria processual penal e de organizao judiciria2, havendo a adoo de diferentes modelos, desde o inquisitivo ao acusat-rio puro, passando pelo chamado sistema persecutrio misto.

No que diz respeito organizao judiciria, a Repblica Argenti-na, como prprio das verdadeiras federaes, tem um:

doble sistema: por un lado, una justicia federal y, por otro, una jus-

ticia ordinaria o comn organizada por cada una de las jurisdiccio-

nes locales. Asimismo, en cada una de las jurisdicciones existentes

(la de competencia federal, por un lado, y las jurisdicciones locales

por otro) las funciones del poder judicial se integran con sus respec-

tivos Ministerios Pblicos3.

2 Arts. 5, 121 e 123 da Constituio de 1994.

3 Apuntes sobre el sistema judicial y el Ministerio Pblico Fiscal de la Repblica Argentina. Procuracin General de la Nacin, 2008, p. 6.

Portanto, h um Poder Judicirio Nacional (Poder Judicial Nacional) e Judicirios Provinciais, correspondentes s justias dos estados brasileiros. Em outras palavras, h uma Justia Federal e uma Justia Comum ou Ordi-nria para as provncias, e uma Justia Anmala para a Cidade Autnoma de Buenos Aires (CABA), encabeada pelo Tribunal Superior de Justia.

O rgo judicirio de cpula na Argentina a Suprema Corte de Justia da Nao (Corte Suprema de Justicia de la Nacin (CSJN), composta por sete membros, chamados ministros, entre eles o professor Raul Zaffaroni4. A CSJN tem competncia originria e conhece causas em grau recursal, que lhe chegam pela via extraordinria. Logo abaixo, na estrutura do sistema judicial federal, est a Cmara Nacional de Cassao Penal. Em segundo grau, judicam as Cmaras de Apelao (Cmaras de Apelaciones).

Completam o sistema judicial nacional, o Ministrio Pblico Fe-deral, que se divide em Ministrio Pblico de Acusao (Ministerio Pblico Fiscal) e Ministrio Pblico de Defesa (Ministerio Pblico de la Defensa), e os Mi-nistrios Pblicos Provinciais. Estes ora integram o Poder Executivo, ora integram o Poder Judicirio, ou se colocam como instituio extrapoder.

Na CABA, o distrito federal, existe uma Justia Ordinria (Justicia Ordinaria de la Ciudad Autnoma de Buenos Aires ou Justicia Nacional), alm de rgos da Justia Federal. A primeira tem foros criminais e correicionais, tribu-nais5 orais criminais, juzos de menores e seus respectivos tribunais orais, o foro civil, o comercial e o laboral. H tambm a Justia da prpria Cidade Autnoma (Poder Judicial de la Ciudad Autnoma de Buenos Aires), com competncia mais reduzida, para julgamento de contravenes, infraes adminis-trativas e certos crimes6. O Ministrio Pblico portenho (com o nome de Ministerio Pblico Fiscal) integra sua estrutura, dividindo-se em Ministrio Pblico Fiscal (Fiscala General), Ministrio Pblico da Defesa (Defensora Gene-ral) e Ministrio Pblico Tutelar (Asesora General Tutelar), este com a misso de defesa de crianas, adolescentes e pessoas portadoras de doenas mentais.

4 Disponvel em: .

5 No sistema judicirio argentino, a palavra tribunal pode designar rgos colegiados de primeiro grau, correspondentes s nossas varas criminais. Os rgos de segundo grau so chamados de cmaras e cortes.

6 A Lei n. 25.752 transferiu para a Justia da CABA o julgamento dos crimes de posse e porte ilegal de armas de fogo cometidos no territrio da Cidade Autnoma de Buenos Aires. A investigao cabe ao Ministrio Pblico Fiscal. Posteriormente, em 2008, foram trans-feridas as competncias para julgar os crimes de ameaa, invaso de domiclio, omisso de socorro, usurpao, dano, entre outros.

Volume 1 ArgentinA 21 20

A competncia do Judicirio e do Ministrio Pblico de Buenos Ai-res ainda no plena, porquanto, conforme o art. 8 da Lei n. 24.588/19957, o Poder Judicirio Nacional e o Ministrio Pblico Fiscal ainda no trans-feriram para a justia do distrito federal (CABA) todas as causas que j deveriam estar sob a gide desta ltima, conforme permite o art. 13 do Ato das Disposies Transitrias da Constituio da Cidade de Buenos Aires e o art. 1 das Disposies Transitrias da Lei Orgnica do Minis-trio Pblico local. Por estas clusulas, autoriza-se as varas ordinrias da Justia Nacional que atuam na capital federal a serem transferidas para a Justia da CABA. A Lei n. 26.357/2008 prev a transferncia progres-siva de competncias penais da Justia Nacional para o Poder Judicirio da CABA.

J a Justia Federal na CABA que se soma Justia Federal lo-calizada nas provncias ocupa-se de causas julgadas no foro criminal e correicional federal, e seus respectivos tribunais orais no foro penal tributrio, no penal econmico e em seus respectivos tribunais orais, no contencioso administrativo federal, na seguridade social e no foro civil e comercial.

Assim, o sistema judicial argentino, no plano federal, composto pela Justia Nacional e pela Justia Federal e rege-se por um s Cdigo de Processo Penal, o Cdigo de Proceso Penal de la Nacin (CPPN). Essa Justia Nacional, mantida pelos cofres federais, tem sede em Buenos Aires e julga crimes comuns (l chamada de competncia ordinria), os mesmos que esto sujeitos jurisdio da Justia das Provncias, chamada, como vimos, de Justia Comum ou Ordinria, cujos procedimentos se regem de acordo com leis processuais provinciais (estaduais).

Em resumo, nas provncias, convivem a Justia Provincial (ordi-nria) e a Justia Federal (especial), ao passo que na capital coexistem a Justia Nacional (ordinria), a Justia Federal e a Justia da CABA.

1.1 coMPetnciA DA JustiA FeDerAl ArGentinA

A competncia da Justia Federal na Argentina privativa e espe-cial em relao s provncias. Caso haja dvida quanto competncia,

7 A chamada Lei Cafiero dispe, no art. 8, que a cidade de Buenos Aires ter jurisdio em matria de direitos de vizinhana, matria contravencional e de infraes administra-tivas, contencioso administrativo e matria tributria local, coexistindo com a Justia Nacional Ordinria da cidade.

o critrio restritivo se aplica e a causa entregue Justia Ordinria (provincial ou nacional). A jurisdio dos juzes federais propriamente ditos que se diferenciam dos juzes nacionais e dos juzes provinciais

estende-se a todo o pas e abarca os crimes8 de trfico de drogas (estupefa-cientes), contrabando, evaso fiscal, lavagem de dinheiro e outros crimes contra o patrimnio ou a segurana nacionais.

Os Judicirios das Provncias e a Justia Nacional da CABA julgam as infraes penais comuns, tambm denominadas infraes de compe-tncia ordinria. Os correspondentes Ministrios Pblicos provinciais, em nmero de vinte e trs, ora pertencem ao Poder Judicirio ora so rgos independentes, mas sempre considerados uma magistratura.

Os juzes distribuem-se nas varas e nos tribunais, l chamados de tribunales e cmaras. Em primeira instncia, h juzes de instruo ( jueces de instruccin), e tribunais de julgamento ( jueces antes los tribunales orales en lo criminal), com competncia especializada ou no (penal econmico, penal tributrio etc.). Os rgos judicirios de primeiro grau tm competncia funcional que remete ao procedimento bifsico de apurao e julgamento de infraes penais, que compreende a fase da instruccin (investigao) e a fase do juicio (julgamento).

No segundo grau, esto a Cmara Nacional de Apelaciones en lo Cri-minal y Correccional Federal de la Capital Federal, a Cmara Federal de Apelaciones, a Cmara Nacional de Apelaciones en lo Penal Econmico e a Cmara Federal de Casacin Penal.

Em regra, os juzes federais argentinos se ocupam do julgamen-to dos crimes que ofendem o interesse nacional. Esses magistrados judiciais ora agem como juzes investigadores (de instruo), ora como julgadores. Cabe aos juzes federais realizar a instruo (instruccin) dos crimes cometidos em alto-mar, a bordo de embarcaes nacionais ou pra-ticados por piratas, argentinos ou no; os crimes praticados nas guas, ilhas ou portos argentinos; os crimes cometidos no territrio da capital federal ou nas provncias, desde que ofendam a soberania e a segurana da Nao, e as infraes praticadas contra servios ou verbas federais, os

8 Na Argentina, so considerados crimes os delitos cuja pena seja superior a 3 anos. Es-to sujeitos competncia da justia contravencional (correccional) os delitos apenados com sanes inferiores a 3 anos e as infraes penais sem pena privativa de liberdade. Na legislao do pas, h tambm as contravenciones (normalmente infraes relacionadas ao direito de vizinhana e convivncia social) e as faltas (infraes de posturas adminis-trativas endereadas s atividades comerciais).

Volume 1 ArgentinA 23 22

servios postais, a regularidade das eleies, a f pblica nacional; todos os crimes cometidos em lugares sujeitos jurisdio absoluta do governo federal; e os listados no art. 33 do CPPN. Compete-lhes, por outro lado, julgar (e no apenas instruir) os crimes anteriormente citados que sejam reprimidos com pena no privativa de liberdade ou com pena de priso no superior a 3 anos.

Assim, submetem-se competncia federal os crimes de contraban-do (contrabando e descaminho), evasin fiscal ou evasin impositiva (sonegao fiscal), narcotrfico, lavagem de dinheiro (encubrimiento e lavado de dinero), quadrilha qualificada (asociacin ilcita) e outros delitos que afetam a eco-nomia, o sistema financeiro ou a segurana nacionais. Leis especiais de-feriram Justia Federal o processo e o julgamento de crimes especficos, como a extorso mediante sequestro (secuestro extorsivo).

Os juzes das diversas jurisdies argentinas comunicam-se por meio de suplicatorias, exhortos, mandamientos ou oficios. A suplicatria uma solicitao de um tribunal inferior a um superior. Os exhortos correspon-dem, no sistema brasileiro, s precatrias e s rogatrias. Os mandamien-tos equivalem s cartas de ordem, enquanto os ofcios so requisies a autoridades no judicirias.

Como se percebe, a Argentina uma federao bem mais complexa que a brasileira. A complexidade se apresenta na legislao e na organi-zao dos tribunais e do Ministrio Pblico. Embora os cdigos de fundo (civil e penal, por exemplo) sejam unitrios, aprovados pelo Congresso Nacional, as leis processuais variam de acordo com as opes polticas de cada provncia e do governo central, de modo que, num mesmo pas, convivem modelos mistos de persecuo criminal e modelos acusatrios. Tudo isto repercute no papel e nas misses que o Ministrio Pblico de-sempenha no pas, conforme veremos no prximo tpico.

MinisteRio PBliCo de la naCin (art. 120 da constituio)

ministerio PbliCo FisCAl ministrio PbliCo de lA deFensA

Procurador General de la nacin Defensor General de la nacin

Fiscales Generales e Fiscales Defensores

2 os Ministrios Pblicos Argentinos

Se o Ministrio Pblico brasileiro uma instituio complexa, dividindo-se em Ministrio Pblico da Unio (MPU) com seus quatro ramos: MPF, MPT, MPDFT e MPM , 26 Ministrios Pblicos estaduais e em vrios Ministrios Pblicos junto aos Tribunais de Contas (MPTC), a instituio argentina tem organograma ainda mais intricado. que, no Brasil, a disciplina constitucional uniforme para os entes federais e estaduais e h apenas duas leis orgnicas, a Lei n. 8.625/1993 (LONAMP), para os estados, e a Lei Complementar n. 75/1993 (LOMPU), para o MPU. Na Argentina, h 23 Ministrios Pblicos distintos nas provncias, um Ministrio Pblico Nacional e o Ministrio Pblico da Cidade Autnoma de Buenos Aires, cada um deles com suas prprias leis orgnicas e carac-tersticas distintas.

O Ministrio Pblico Nacional (Ministerio Pblico de la Nacin) um rgo extrapoder, regulado no art. 120 da Constituio argentina de 1994, entre as Autoridades de la Nacin. Mereceu uma seo especfica (a seo quarta) no ttulo sobre o Governo Federal, logo aps o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judicirio. Antes da normatizao constitu-cional, a doutrina divergia sobre seu locus institucional, se rgo do Poder Executivo ou do Poder Judicirio. Hoje, no plano federal, h divergncia quanto sua posio como instituio extrapoder ou como quarto poder do Estado9. Enquanto isto, nas provncias, muitos ministrios pblicos fazem parte do Poder Judicirio.

O Ministrio Pblico Nacional se divide em Ministrio Pblico Fiscal (Ministerio Pblico Fiscal), com atribuies prximas s do MPU brasileiro, e Ministrio Pblico da Defesa (Ministerio Pblico de la Defensa), com misses similares s da nossa Defensoria Pblica da Unio. Um s Ministrio Pblico, com duas cabeas.

No sistema judicial federal, vigora o sistema inquisitivo misto. A adoo deste modelo de persecuo influi nas atribuies e faculdades processuais do Ministrio Pblico Nacional argentino como rgo de acusao. Este Ministrio Pblico Fiscal tem atribuio para o processo de todos os delitos de competncia federal em todo o territrio argentino, inclusive na Cidade Autnoma de Buenos Aires (distrito federal), onde

9 Apuntes sobre el sistema judicial y el Ministerio Pblico Fiscal de la Repblica Argentina. Procuracin General de la Nacin, 2008, p. 9.

Volume 1 ArgentinA 25 24

ainda detm atribuio para a maior parte dos crimes comuns (no federais)10, chamados delitos ordinarios11, com exceo daqueles j transferi-dos para a competncia do Poder Judicirio e do Ministrio Pblico Fiscal da Cidade Autnoma de Buenos Aires (CABA).

Na CABA, o Ministrio Pblico tambm composto por uma Fiscala General e uma Defensoria. Ao Ministrio Pblico Fiscal cumpre defender a legalidade e os interesses gerais da sociedade, velar pela normal prestao do servio judicirio, investigar as contravenes, as faltas e os delitos cuja competncia foi transferida CABA. Alm disso, cabe-lhe promover a ao penal e atuar como custos legis no contencioso administrativo e tributrio.

Na Provncia de Crdoba, onde prevalece o sistema acusatrio, o Ministrio Pblico (Ministerio Pblico Fiscal de la Provincia de Crdoba) faz parte do Poder Judicirio e tem independncia orgnica funcional e misso de atuar em defesa do interesse pblico e dos direitos fundamentais. O MPF de Crdoba promove a ao penal pblica e dirige a Polcia Judiciria, encarregada das investigaes criminais, onde se v opo bastante distinta do modo de investigao criminal direta que se tem buscado implantar no Brasil, luz da Resoluo n. 13/2006 do Conselho Nacional do Ministrio Pblico brasileiro.

Em Mendoza, o Ministrio Pblico regido pela Lei Provincial n. 8.088/2008, que o considera rgo do Poder Judicirio, de natureza bifronte, formado pelo Ministrio Pblico Fiscal e pelo Ministrio Pbli-co da Defesa e Pupilar. O MPF de Mendoza exerce a ao penal pblica e tambm dirige a Polcia Judiciria12, que corresponde a uma polcia de investigaes criminais13.

O modelo de Parquet bifronte se repete na Provncia de Chubut, onde existe o Ministrio Pblico Fiscal e o Ministerio de la Defensa Pblica, ambos componentes do Poder Judicirio. Conforme o art. 1 da Lei Org-nica provincial,

10 Observe-se que, no Brasil, a Justia Federal e a Justia Estadual so comuns, por oposi-o s Justias Especializadas (Militar e Eleitoral). Na Argentina, a Justia Nacional e a Justia Provincial so comuns, ao passo que a Justia Federal especial.

11 Algo como se, no Brasil, o Ministrio Pblico Federal (MPF) respondesse pelas atribui-es que pertencem ao Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios (MPDFT).

12 A direo da investigao policial cabe ao Ministrio Pblico, como prprio do siste-ma acusatrio.

13 No Brasil, seria a Polcia Civil.

El Ministerio Pblico Fiscal forma parte del Poder Judicial con autonoma funcio-

nal. Tiene como misiones la investigacin y persecucin de las conductas delictivas,

la defensa de la Constitucin y de los intereses colectivos y difusos, cuando razones

de oportunidad as lo indiquen, y la custodia de la eficiente prestacin del servicio

de justicia tendiente a la satisfaccin del inters social.

So atribuies muito semelhantes s estabelecidas nos arts. 127 e 129 da Constituio brasileira de 1988.

Em quase todas as provncias argentinas, o Ministrio Pblico re-ge-se pelos princpios da legalidade, imparcialidade, unidade de atuao e hierarquia. Disso exemplo o MPF de Crdoba. Em cada uma das pro-vncias e no sistema federal, h um procurador-geral e rgos de execuo de primeiro e segundo graus. Na primeira instncia, h procuradorias ou promotorias l chamadas de fiscalas de instruo e de julgamento. Estas ltimas atuam perante juzos colegiados de primeiro grau, forma-dos por trs julgadores, os tribunales orales en lo criminal, que podem ser gerais ou com competncia especfica em razo da matria (penal econmico, penal tributrio etc.). Na segunda instncia, esto os fiscales generales.

Como visto, nas provncias em que se adota o sistema acusatrio, tem-se uma magistratura do Ministrio Pblico como rgo integrante do Poder Judicirio, a qual compete dirigir a investigao criminal por meio de ordens Polcia. No plano federal, o MPF no faz parte do Poder Judicirio e adota-se ainda hoje um sistema misto de processo penal, dando-se grande relevncia ao juiz de instruo.

2.1 o Ministrio Pblico

nA constituio ArGentinA

bem sucinto o tratamento dado ao Ministrio Pblico Nacional pelo legislador constituinte. O art. 120 da Constituio argentina de 1994 confere ao Ministrio Pblico independncia orgnica, autonomia funcional e financeira. Sua funo primordial a promoo da justia na defesa da legalidade e dos interesses gerais da sociedade, em coordenao com as demais autoridades republicanas.

Do mesmo modo que no Brasil, em 1988, a reforma constitucional argentina de 1994 conferiu ao Ministrio Pblico um importante papel no sistema de justia criminal, consolidando-o como uma instituio essencial

Volume 1 ArgentinA 27 26

funo jurisdicional do Estado, especialmente no que diz respeito pro-moo da ao penal pblica e da proteo de interesses gerais da sociedade.

Alm disso, firmando seu carter de instituio independente, a Constituio de 1994, pelo menos no plano federal, fez encerrar o debate quanto posio constitucional do Ministrio Pblico, isto , se rgo do Poder Executivo ou do Poder Judicirio. No est nem l nem c.

Um dado marcante do modelo argentino de Ministrio Pblico sua composio bicfala. Em verdade, o Ministrio Pblico Nacional formado por duas instituies siamesas:

a) o Ministrio Pblico Fiscal (Ministerio Pblico Fiscal), encabeado pelo procurador-geral da Nao, que atua como chefe da insti-tuio e como promotor natural perante a Corte Suprema de Justia da Nao; e

b) o Ministrio Pblico da Defesa (Ministerio Pblico de la Defensa), diri-gido pelo defensor-geral da Nao, com atribuies muito seme-lhantes s da Defensoria Pblica brasileira.

Regra geral, o Ministrio Pblico Fiscal se ocupa da persecuo criminal, ao passo que o Ministrio Pblico da Defesa atua como uma verdadeira Defensoria Pblica, cuidando da defesa de acusados juridica-mente pobres, dos ausentes, assim como daqueles rus que se recusam a constituir defensores particulares. Ambos os rgos so compostos por membros aos quais a lei confere o tratamento de magistrados. So os fiscales, para ns promotores de Justia ou procuradores da Repblica14, e os defensores oficiales, ou defensores pblicos.

A independncia da instituio est assegurada pela previso de imunidades funcionais para os membros do Ministrio Pblico, assim como pela proteo aos seus subsdios (princpio da intangibilidade remuneratria).

O detalhamento do estatuto do Ministrio Pblico foi deixado para a legislao ordinria. Atualmente est em vigor a Lei Nacional n. 24.946, de 1 de abril de 1998, denominada Ley Orgnica del Ministerio Pblico, inspirada pelos princpios da unidade, objetividade, hierarquia e coern-cia institucional.

14 Enquanto no se completa a transio de competncias da Justia Nacional para a Jus-tia da CABA, o MPF argentino tem fiscales que atuam como procuradores da Repblica perante a Justia Federal e fiscales que atuam como promotores de Justia, estes perante a Justia Nacional.

2.2 o Ministrio Pblico FiscAl (MPF)

O Ministrio Pblico foi organizado na Argentina em 1853. Porm s na Constituio Nacional de 1994 a instituio alcanou dignidade constitucional (art. 120 da CN). Em 1998, foi aprovada a Lei Orgnica do Ministrio Pblico (Lei n. 24.946).

Dirigido pelo procurador-geral da Nao (Procurador General de la Nacin), o Ministrio Pblico Fiscal organiza-se emulando as instncias e os rgos divisionais do Poder Judicirio argentino (Poder Judicial Nacional).

Ao procurador-geral cabe atuar como promotor natural (fiscal natu-ral) perante a Suprema Corte argentina (Corte Suprema de Justicia de la Nacin), funo na qual auxiliado por outros quatro magistrados, os Procuradores Fiscales ante la Corte Suprema e, para outras misses, tambm tm o apoio dos Fiscales Generales de la Procuracin General. Cabe-lhe tambm administrar a instituio e coordenar o trabalho de todos os membros do Ministrio Pblico Fiscal, mediante a expedio de resolues gerais vinculantes, que se prestam a moldar a poltica criminal do Estado no mbito da persecuo penal. Tal modelo s se faz possvel em razo da existncia do princpio hierrquico na organizao do Ministrio Pblico argentino.

Na estrutura do MPF, h duas espcies de procuradores da Rep-blica: os procuradores nacionais e os procuradores federais, que atuam, respectivamente, perante a Justia Nacional (crimes comuns cometidos no distrito federal) e a Justia Federal (crimes federais cometidos em qualquer parte do pas). Todos atuam como fiscais da lei (da o nome em espanhol fiscal), em matria civil, comercial, trabalhista e no contencioso administrativo, e, precipuamente, em matria criminal, como rgos requerentes na fase preparatria (instruccin) perante o juiz de instruo e, como rgos de acusao, na etapa contraditria, oral e pblica (o juicio).

2.3 orGAnizAo Do Ministrio

Pblico no PlAno FeDerAl

Segundo o art. 1 da Lei Orgnica Federal (Ley n. 24.946/1998), o Ministrio Pblico Nacional um rgo independente, com autonomia funcional e financeira, cuja funo promover a atuao da Justia na defesa da legalidade e dos interesses gerais da sociedade. instituio formada por dois ramos: o Ministrio Pblico Fiscal (o nosso MPU) e o Ministrio Pblico da Defesa (a nossa DPU).

Volume 1 ArgentinA 29 28

Esta diviso pode parecer estranha primeira vista. Contudo, algo muito semelhante j ocorreu no Brasil. Antes da Lei Complementar n. 40/1981, que reformulou o Ministrio Pblico brasileiro, havia nessa instituio promotores de Justia, curadores e defensores pblicos.

No Rio de Janeiro, a Lei Estadual 2.188/1954 criou cargos de defensor pblico no mbito da Procuradoria-Geral de Justia. J o art. 1 da Lei n. 3.434/58 instituiu o Cdigo do Ministrio Pblico do Distrito Federal, no qual o cargo de defensor pblico integrava o Ministrio Pblico do Distrito Federal. Na Bahia, at a criao da Defensoria Pblica estadual em 1985, suas atribuies eram exercidas por membros do Ministrio Pblico e da Procuradoria-Geral do Estado. De fato, segundo o art. 146 da Lei Estadual n. 2.315/1966, que instituiu o Cdigo do Ministrio Pblico da Bahia, os defensores pblicos eram considerados rgos auxiliares do Ministrio Pblico, aos quais competia, entre outras atribuies, a defesa dos rus em processo criminal quando no houvesse advogado constitudo ou os acusados no pudessem constituir defensor particular. Na Lei Estadual baiana n. 3.623/1977, os cargos de defensor pblico e defensor pblico substituto passaram a integrar a carreira do Ministrio Pblico (arts. 35 e 37), e o concurso pblico era unificado para promotores e defensores (art. 41). Portanto, h mais semelhanas entre o Ministrio Pblico nacional argentino e o Ministrio Pblico brasileiro do que se pode supor.

Marcam o Ministrio Pblico Nacional argentino os princpios da unidade de atuao e independncia e de coordenao com as demais autoridades da Repblica. Seus membros, chamados de fiscales, defenso-res, tutores ou curadores pblicos, so considerados magistrados, tm independncia funcional em relao a rgos alheios sua estrutura, mas internamente sujeitam-se ao princpio hierrquico, que permite, inclusive, que o Chefe da Instituio baixe instrues de atuao, tudo com vistas coerncia da atividade institucional, especialmente no que tange formulao da poltica criminal e da persecuo penal.

Isto se verifica, por exemplo, pelo dever de informar. Os membros do Ministrio Pblico Nacional devem levar ao conhecimento do procu-rador-geral da Nao ou do defensor-geral da Nao, conforme o caso, os assuntos de sua atribuio que, por sua transcendncia ou complexidade, requeiram ateno especial, indicando as dificuldades concretas da cau-sa e propondo as solues que paream adequadas15.

15 Art. 30 da Lei Orgnica do Ministrio Pblico da Nao.

O princpio hierrquico tambm se revela pelo dever de obedincia, conforme o art. 31 da Lei Orgnica:

Deber de obediencia. Objeciones

Art. 31 - Cuando un magistrado acte en cumplimiento de instruc-

ciones emanadas del procurador o del defensor general de la Nacin,

podr dejar a salvo su opinin personal. El integrante del Ministerio

Pblico que recibiere una instruccin que considere contraria a la ley,

pondr em conocimiento del procurador o del defensor general - se-

gn sea el caso -, su criterio disidente, mediante un informe fundado.

Cuando la instruccin general objetada, concierna a un acto pro-

cesal sujeto a plazo o que no admita dilacin, quien la recibiere la

cumplir en nombre del superior. Si la instruccin objetada con-

sistiese en omitir un acto sujeto a plazo o que no admita dilacin,

quien lo realice actuar bajo su exclusiva responsabilidad, sin per-

juicio del ulterior desistimiento de la actividad cumplida.

Contudo, embora o Ministrio Pblico seja um rgo hierarqui-zado, no h prejuzo para a autonomia dos magistrados das instncias inferiores. Ainda que o procurador-geral reserve para si a faculdade de baixar instrues gerais para a interveno do Ministrio Pblico Fiscal16, os promotores ou procuradores podem agir de acordo com seus prprios juzos e critrios, luz da independncia funcional, naquilo que no tiver sido alcanado pela resoluo da PGN.

2.4 estruturA Do Ministrio Pblico FiscAl

O Ministrio Pblico Fiscal dirigido pelo procurador-geral da Na-o (PGN), que detm funes administrativas e processuais e representa o MPF argentino perante a Corte Suprema de Justia da Nao (CSJN). H procuradores lotados diretamente na PGN, que auxiliam o chefe da instituio, e procuradores que atuam na Cmara Nacional de Cassao Penal (algo como o STJ).

Na estrutura do MPF, existem procuradores fiscais junto Corte Suprema de Justia e o procurador Nacional de Investigaes Administra-

16 Apuntes sobre el sistema judicial y el Ministerio Pblico Fiscal de la Repblica Argentina. Procuracin General de la Nacin, 2008, p. 11.

Volume 1 ArgentinA 31 30

tivas. Nos 16 tribunais federais de apelao (Cmaras de Apelaciones), rgos de segunda instncia situados nas provncias e na capital federal, atuam os Fiscales generales ante los tribunales colegiados e os Fiscales generales adjuntos. Na primeira instncia, esto os fiscales e os fiscales auxiliares, o corres-pondente aos promotores de Justia e procuradores da Repblica brasi-leiros. Estes exercem suas funes perante os tribunais orais (tribunales orales federales), rgos colegiados de primeiro grau, e perante os juzos de instruo ( juzgados).

Haver ento promotorias ou procuradorias (fiscalas) com atribui-o para processos e julgamentos criminais (infraes com pena superior a 3 anos) ou correicionais (infraes com pena inferior a 3 anos), fiscalas encarregadas da instruo, fiscalas de menores (para a persecuo de pes-soas de at 18 anos) e rgos especializados em matria penal econmica e penal tributria.

As unidades do Ministrio Pblico Fiscal esto distribudas nas 16 sees judicirias federais em que se divide o pas: Baha Blanca, Capital Federal, Comodoro Rivadavia, Crdoba, Corrientes, General Roca, La Pla-ta, Mar del Plata, Mendoza, Paran, Posadas, Resistncia, Rosrio, San Martn, Santa Fe e Tucumn. Em cada uma delas h uma Cmara Federal de Apelaes e uma Procuradoria Regional, chamada Fiscala General ante la Cmara de Apelaciones, com atribuies administrativas e processuais. Em cada uma dessas 16 reas da diviso judiciria federal argentina, h uma ou mais Fiscalas Federales que atuam na investigao preliminar perante os Juzgados Federales, e Fiscalas Generales que sustentam a acusao pblica perante os Tribunais Orais de cada Provncia17.

2.5 orAMento Do Ministrio Pblico nAcionAl

Segundo dados da Procuradoria-Geral da Nao, o oramento do Ministrio Pblico Fiscal no ano de 2005 foi de P$ 131.847.000,00 (cento e trinta e um milhes, oitocentos e quarenta e sete mil pesos argenti-nos), ao passo que, no mesmo exerccio, o Poder Judicirio Nacional foi agraciado com uma dotao quase sete vezes maior, de P$ 884.290.933,00 (oitocentos e oitenta e quatro milhes, duzentos e noventa mil, novecen-tos e trinta e trs pesos argentinos). Em 2007, a PGN obteve recursos de

17 Apuntes sobre el sistema judicial y el Ministerio Pblico Fiscal de la Repblica Argentina. Procuracin General de la Nacin, 2008, p. 14.

P$ 265.296.850 (duzentos e sessenta e cinco milhes, duzentos e noventa e seis mil, oitocentos e cinquenta pesos argentinos) e o Poder Judicirio ficou com P$ 1.565.098.881 (um bilho, quinhentos e sessenta e cinco milhes, noventa e oito mil, oitocentos e oitenta e um pesos argentinos).

No perodo entre 2000 e 2007, esse quadro se manteve inalterado, cabendo ao Poder Judicirio Nacional uma fatia de 81% do oramento nacional para o sistema judicial. Nesse interregno, ao Ministrio Pblico coube uma frao de 19% dos gastos federais em Justia.

Isto se d fundamentalmente porque o Poder Judicirio tem dupla fonte de financiamento, oriunda de recursos prprios e de transferncias do Tesouro Nacional e porque, embora o Ministrio Pblico tenha auto-nomia financeira, sua proposta oramentria pode ser modificada pelo Poder Executivo.

O informe Apuntes Generales sobre el Sistema Judicial Argentino y el Ministerio Pblico Fiscal (2008) apresenta um dado preocupante sobre a sade financeira da instituio:

[...] praticamente 99% do oramento do Ministrio Pblico Fiscal se

destina ao pagamento de subsdios e despesas ordinrias de funcio-

namento, no contando com margem alguma para outras questes

operacionais, investimentos ou iniciativas que possam surgir em de-

corrncia de reformas legislativas ou processuais.

2.6 relAes Do Ministrio Pblico

coM os DeMAis PoDeres DA rePblicA

O procurador-geral da Nao cargo de livre nomeao pelo presi-dente da Repblica. Seu nome deve ser aprovado pelo Senado Federal, o que assegura um regime de freios e contrapesos na cabea da instituio.

Nas suas relaes com os demais poderes, o PGN se dirige ao Executivo por meio do Ministrio da Justia. Anualmente, em nome da transparncia e da controlabilidade, o PGN deve apresentar um informe ao Congresso Nacional, em obedincia ao art. 32 da Lei Orgnica do Mi-nistrio Pblico:

Informe anual ao Congresso

Art. 32. Anualmente, na instalao do ano legislativo, o procura-

dor-Geral da Nao e o defensor-Geral da Nao enviaro comisso

Volume 1 ArgentinA 33 32

bicameral criada por esta lei um informe detalhado da atuao dos

rgos que dirigem Ministrio Pblico Fiscal e Ministrio Pbli-

co da Defesa, respectivamente que dever conter a avaliao das

atividades desempenhadas no exerccio findo; uma anlise sobre a

eficincia do servio e propostas concretas sobre as modificaes ou

aperfeioamentos que este exija.

Este informe anual ao Congresso, existente em outros ministrios pblicos latino-americanos, corresponde a um discurso sobre o estado da instituio. Sua implementao no Brasil seria muito til para o aperfei-oamento da Justia pblica em nosso Pas.

Na verdade, o art. 130-A, 2, da Constituio brasileira de 1988, atribui ao Conselho Nacional do Ministrio Pblico elaborar relatrio anual, propondo as providncias que julgar necessrias sobre a situao do Ministrio Pblico no Pas e as atividades do Conselho, o qual deve integrar a mensagem prevista no art. 84, XI18. Porm, este compromisso institucional com a transparncia poderia ser melhor aproveitado pelo procurador-geral da Repblica no Brasil para sugerir alteraes legislati-vas necessrias ao desempenho das funes do Ministrio Pblico.

2.7 coorDenAo De Ministrios

Pblicos nA ArGentinA

Tal como no Brasil deficiente a coordenao interna no Ministrio Pblico Fiscal argentino. Ainda assim, este problema minorado pela exis-tncia de uma verdadeira poltica criminal delineada pela instituio, a partir do princpio hierrquico, que d densidade unidade orgnica, a partir das diretrizes gerais traadas pela Procuradoria-Geral da Nao.

No plano externo, h pouco menos de uma dcada, foi criado o Conselho Federal de Poltica Criminal (Consejo Federal de Poltica Criminal), para reunir procuradores-gerais e defensores-gerais de todo o pas a fim de coordenar e articular a poltica de persecuo criminal e a atuao do Ministrio Pblico na Argentina19. Poderamos dizer que este rgo

18 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da Repblica: XI - remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasio da abertura da sesso legislativa, expondo a situao do Pas e solicitando as providncias que julgar necessrias.

19 Apuntes generelaes sobre el sistema judicial argentino y el ministerio pblico fiscal, p. 8.

colegiado tem feio semelhante do Conselho Nacional de Procurado-res-Gerais (CNPG), entidade brasileira, sem personalidade jurdica, que congrega chefes do Ministrio Pblico dos estados e da Unio.

2.8 VeDAes Aos MeMbros

Do Ministrio Pblico

O art. 27 da Lei Orgnica do Ministrio Pblico argentino estabe-leceu um regime de vedaes semelhante ao adotado pela Constituio brasileira. Tanto l quanto aqui, os membros do Ministrio Pblico no podem atuar na representao do Estado e/ou do Fisco, nem lhes per-mitido assessorar o Poder Executivo. Entretanto, pode haver coordenao de esforos entre o Ministrio Pblico e os ministrios de governo para atuao mais eficiente das instituies em reas de interesse comum. Disso podem resultar instrues gerais baixadas pelo procurador-geral da Nao e a constituio de procuradorias ou unidades fiscales especializadas.

Segundo o art. 66 da Lei Orgnica, o Estado Nacional e seus entes descentralizados so representados pelo Corpo de Advogados do Estado, instituio semelhante Advocacia-Geral da Unio (AGU), e pela Procu-racin del Tesoro de la Nacin, similar Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN). O MPF argentino no est autorizado a agir nessas matrias.

O art. 9 da Lei Orgnica argentina cuida das incompatibilidades. Probe que os membros do Ministrio Pblico exeram a advocacia ou a representao de terceiros em juzo. A eles se estendem os impedimentos que as leis argentinas impem aos juzes. Contudo, os procuradores po-dem advogar em causa prpria, em favor de seus cnjuges, ascendentes ou descendentes. Assim tambm em Portugal. No Brasil isto no possvel, j que existe vedao absoluta para qualquer tipo de advocacia privada.

2.9 ForMA De inGresso nA cArreirA

Do Ministrio Pblico

O procurador-geral da Nao designado pelo presidente da Repblica, e seu nome submetido aprovao do Senado por dois teros dos membros presentes sesso deliberativa. Trata-se de nomeao pu-ramente poltica, semelhante que ocorre com os ministros da Suprema Corte de Justia. Para ocupar o cargo de PGN, necessrio ser cidado

Volume 1 ArgentinA 35 34

argentino, ser advogado com pelo menos 8 anos de carreira e reunir as qualidades para exercer o mandato de senador. Aps a aprovao pelo Se-nado, o PGN presta juramento perante o presidente da Repblica e exerce o cargo de forma vitalcia.

Os demais membros do Ministrio Pblico so nomeados pelo presidente da Repblica, aps concurso de provas, ttulos e antecedentes, a partir de uma lista trplice enviada ao Poder Executivo. O Chefe de Estado escolher um dentre estes, e seu nome ser apreciado pelo Senado, considerando-se aprovado se obtiver a maioria simples, considerados apenas os votos dos senadores presentes. O concurso bastante diferente do brasileiro. um sistema complexo, com o envolvimento do Poder Le-gislativo e do Poder Executivo, num mecanismo de freios e contrapesos, regido pelo Rgimen de Seleccin de Magistrados del Ministerio Pblico Fiscal de la Nacin, aprovado pela Resoluo PGN n. 101/2007.

Diferentemente do Brasil, no Ministrio Pblico Fiscal argen-tino no existe uma carreira a ser percorrida por graus ou instncias. Os cargos de fiscal so unidades isoladas. Os concursos so prestados para um determinado cargo da estrutura do Ministrio Pblico, e no para uma carreira escalonada. Aberta uma vaga em segundo grau, faz-se uma seleo especfica para aquele posto, no se abrindo a oportu-nidade de promoo de uma instncia a outra.

Quando h vacncia de um cargo de fiscal, o procurador-geral da Nao baixa edital de concurso e convoca uma banca, l chamada de tribunal, formada por quatro magistrados do Ministrio Pblico das ins-tncias superiores da instituio, com atuao na rea correspondente vaga em disputa. Para os cargos de maior hierarquia, a banca presidida pelo prprio PGN.

Para os procuradores federais auxiliares em primeiro grau, os requisitos so a cidadania argentina, a maioridade e ter dois anos de experincia como advogado ou em funes do Ministrio Pblico ou do Judicirio das Provncias. Para os cargos de segundo e terceiro graus do MPF, preciso ter 30 anos de idade e experincia de seis anos como advogado, membro do Ministrio Pblico ou juiz.

H provas escritas e orais e exame de antecedentes perante uma banca constituda por cinco subprocuradores-gerais (fiscales generales), formando-se um lista trplice com ordem de classificao, qual se anexa o parecer de um jurista convidado, que aprovada pelo Procurador-General e enviada ao Ministrio da Justia e Direitos Humanos.

A escolha cabe ao Presidente da Repblica, aps publicao da lista para

a apresentao de objees pblicas pela sociedade e organismos profis-

sionais. Em seguida, o nome selecionado deve ser aprovado pelo Senado

Federal por maioria simples.

2.10 reGiMe De substituies e ProMotor ad hoc

Nos impedimentos, nas suspeies, nas frias, nas licenas e

na vacncia, os membros do Ministrio Pblico substituem-se uns

pelos outros. No sendo possvel este regime, a substituio feita por

advogados constantes de uma lista formada anualmente em dezembro.

Para integrar tal rol, os promotores ad hoc devem reunir as condies para

exercer o cargo de membro do Ministrio Pblico. Segundo o art. 11 da Lei

Orgnica, a designao constitui um mnus pblico e no remunerada.

No Brasil, tal sistema no seria possvel porque a Constituio

probe expressamente a figura do promotor ad hoc.

2.11 VAntAGens e reMunerAo

H equivalncia remuneratria entre os magistrados do Ministrio

Pblico e os magistrados judiciais perante os quais os primeiros atuam.

O Procurador-Geral da Nao e o Defensor-Geral da Nao percebem ven-

cimentos idnticos aos de juiz da Corte Suprema de Justia da Argentina.

Os procuradores que atuam perante os juzos e tribunais de

primeiro grau, os procuradores auxiliares da PGN e os procuradores de

investigaes administrativas so remunerados no mesmo patamar que

os juzes de primeira instncia. J os procuradores auxiliares de primeiro

grau percebem subsdios equivalentes aos de um secretario de Cmara, cargo

similar ao de diretor administrativo de um tribunal de segundo grau.

A simetria entre magistrados do Ministrio Pblico e magistrados

judiciais est presente tambm na hierarquia, nas regras de protocolo e

no tratamento, assim como na imunidade tributria para o imposto de

renda de pessoa fsica.

De igual modo, em matria processual penal, os membros do

MPF esto sujeitos s mesmas causas de impedimento e suspeio que os

juzes (art. 71 do Cdigo de Processo Penal da Nao CPPN).

Volume 1 ArgentinA 37 36

2.12 PrerroGAtiVAs Do

Ministrio Pblico

Aos membros do Ministrio Pblico argentino so asseguradas a autonomia funcional (inmunidad funcional) e a irredutibilidade dos ven-cimentos (intangibilidad salarial). Os fiscales tm estabilidade no cargo at os 75 anos, o que equivale nossa vitaliciedade. Contudo, o marco da aposentadoria compulsria, que no Brasil de 70 anos, no absoluto na Argentina, pois os membros do Ministrio Pblico que cheguem idade limite podem ser novamente nomeados para a funo, por mais cinco anos, sendo indefinidamente renovveis estas designaes por iguais perodos.

Entre as imunidades, o art. 14 da Lei Orgnica argentina prev muitas que so semelhantes s previstas para os membros do Ministrio Pblico brasileiro. Os fiscales do MPF no podem ser presos salvo em fla-grante. Neste caso, deve-se dar cincia imediata ao procurador-geral da Nao e Corregedoria, l exercida por um Tribunal de Enjuiciamiento.

Os integrantes do Ministrio Pblico tambm esto dispensados do dever de comparecer em juzo para depor como testemunhas. Caso deponham, podem faz-lo por escrito, sob compromisso.

Ademais, os fiscales no respondem por custas ou despesas proces-suais dos feitos em que intervieram na condio de membros do Minist-rio Pblico Fiscal.

Segundo o art. 144 do CPPN, os fiscales e os defensores pblicos devem ser intimados dos atos processuais em suas unidades funcionais, mas no h previso expressa para vista com carga dos autos a cada noti-ficao, como se d no Brasil.

A inamovibilidade tambm est assegurada. Somente com sua concordncia, o magistrado do Ministrio Pblico pode ser removido para outra localidade. Porm, sempre conservar sua hierarquia, ligada natu-reza do cargo que ocupa. Em casos excepcionais, o fiscal pode ser designado para exercer funes distintas das competncias de seu cargo, quando deva atuar, por determinao do PGN, em conjunto com outros procuradores, sempre sujeitos s diretrizes do promotor natural. Esta regra deriva do art. 33, g, da Lei Orgnica argentina, que serve de base para a constituio de foras-tarefas (equipos de trabajo) no Ministrio Pblico Fiscal.

Para fins de comparao, veja-se que a Lei Orgnica da Cidade Autnoma de Buenos Aires confere aos juzes e membros do Ministrio

Pblico locais vitaliciedade, irredutibilidade vencimental e as mesmas imunidades dos legisladores do distrito federal.

2.13 exonerAo De MeMbros

Do Ministrio Pblico FiscAl

O procurador-geral da Nao sujeita-se a impeachment, na forma dos arts. 53 e 59 da Constituio da Argentina. Os demais magistrados do Ministrio Pblico so julgados disciplinarmente pelo Tribunal Cor-reicional (Tribunal de Enjuiciamiento), podendo ser exonerados em caso de mal desempeo, negligncia grave e pela prtica de crimes dolosos.

O Tribunal Correicional, que tem sede na capital, composto por sete membros titulares e igual nmero de suplentes, com mandatos de trs anos. Seus integrantes devem reunir os requisitos para ser mem-bros da Corte Suprema de Justia da Nao e so nomeados pelo Senado (um), pelo Poder Executivo (um), pela Suprema Corte de Justia (um), por colegiados da Advocacia (dois)20, pelo Ministrio Pblico Fiscal (um) e pelo Ministrio Pblico da Defesa (um). Trata-se de um rgo de corregedoria com feio semelhante ao nosso Conselho Nacional do Ministrio Pblico (CNMP).

O presidente do rgo colegiado escolhido por sorteio, para um mandato de seis meses. Perante o Tribunal Correicional, atuam procura-dores e defensores de segundo grau, para a conduo dos procedimentos disciplinares de acordo com o contraditrio. As decises do Tribunal de Enjuiciamiento so recorrveis para a Cmara Nacional de Apelaes de Contencioso Administrativo Federal.

O procedimento perante o Tribunal Correicional se inicia por repre-sentao do PGN, de ofcio ou por provocao do interessado. Cabe ao PGN arquivar sumariamente notcias de infraes funcionais que paream in-fundadas ou daquelas em que falte justa causa. Do arquivamento, o noti-ciante poder recorrer no prazo de 10 dias ao prprio Tribunal de Enjuiciamiento.

As regras procedimentais so baixadas em conjunto pelo PGN e pelo DGN, uma vez que os defensores do Ministrio Pblico da Defesa tambm esto sujeitos a esse rgo de controle. O rito tem em conta o devido processo legal, a ampla defesa e os princpios do Cdigo de Processo Penal da Nao. O julgamento oral, pblico, contraditrio e contnuo ou ininterrupto. A

20 Federacin Argentina de Colegios de Abogados e Colegio Pblico de Abogados de la Capital Federal.

Volume 1 ArgentinA 39 38

prova inteiramente produzida durante os debates ou incorporada a estes se for documental ou instrumental, sem prejuzo de uma breve instruo preliminar. A acusao administrativa sustentada por um fiscal, que po-der requerer a absolvio do acusado, sem que esta manifestao vincule o Tribunal de Enjuiciamiento. Findos os debates, a deciso deve ser proferida em at 15 dias, respeitando-se o critrio de maioria absoluta.

Durante o procedimento, o tribunal poder suspender o acusado do exerccio de suas funes ou aplicar outras medidas cautelares, desde que pertinentes. No primeiro caso, o imputado recebe apenas 70% dos seus vencimentos at o julgamento. Se houver absolvio, os valores suprimidos de sua remunerao so restitudos.

3 os rgos esPeciAliZAdos do Ministrio Pblico FiscAl

O Ministrio Pblico Fiscal atua por meio de procuradorias de atribuies gerais e por intermdio de rgos de execuo especializa-dos. Muitos deles tm jurisdio nacional, no se limitando s divises judicirias regionais ou provinciais. Alm disso, algumas dessas procu-radorias especiais tm intensa atividade extrajudicial e operam de forma coordenada com rgos do Poder Executivo Federal.

3.1 A FiscAlA De inVestiGAciones ADMinistrAtiVAs (FiA)

Embora a Argentina no disponha de uma norma semelhante Lei n. 8.429/1992, que pune os atos de improbidade administrativa no Brasil, o pas do Cone Sul conta com uma estrutura bem organizada de persecuo de ilcitos administrativos.

O marco normativo contra a corrupo se assenta nas seguintes leis nacionais argentinas:

a. Lei n. 24.759, de 1997, que internalizou a Conveno Interamerica-na contra a Corrupo (Conveno de Caracas);

b. Lei n. 26.097, de 2006, que internalizou a Conveno das Naes Unidas contra a Corrupo (Conveno de Mrida);

c. Lei n. 25.632, de 2002, que internalizou a Conveno das Naes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Conveno de Palermo);

d. Lei n. 25.319, de 2000, que promulgou a Conveno da OCDE contra a Corrupo de Funcionrios Pblicos Estrangeiros em Transaes Comerciais Internacionais;

e. Lei n. 25.188, de 1999, que introduziu o Cdigo de tica da Funo Pblica e criou a Comisso Nacional de tica Pblica;

f. Lei n. 25.246, de 2000, que tipificou o crime de lavagem de dinhei-ro e criou a Unidad de Informacin Finaciera (UIF);

g. Lei n. 26.683, de 2011, que alterou a Lei de Lavagem de Dinheiro e o Cdigo Penal, neste incluindo um ttulo sobre os crimes contra a ordem econmico-financeira.

Alm destas normas, obviamente, tem relevncia o Cdigo Penal, vigente em todo o territrio nacional. A tutela dessas leis realizada por rgos do governo central federal, a exemplo da Unidad de Informacin Financiera (UIF), da Administracin Federal de Ingresos Pblicos (AFIP), da Oficina Anticorrupcin (OA), que muito se assemelha Controladoria-

-Geral da Unio (CGU), e pelo Parquet.No Ministrio Pblico Fiscal, a Lei Orgnica criou uma Procura-

doria de Investigaes Administrativas, vinculada Procuradoria-Geral da Nao. Trata-se da Fiscala de Investigaciones Administrativas (FIA). Compete-lhe investigar a conduta administrativa dos agentes da Admi-nistrao Pblica federal, centralizada e descentralizada, das empresas pblicas, sociedades de economia mista e de todos os entes de que o Estado participe. Cabe-lhe tambm investigar instituies e associaes cuja principal fonte de recursos seja estatal, em caso de fundada suspeita de malversao de verbas pblicas.

Compem a FIA o procurador-geral de Investigaces Administra-tivas (Fiscal Nacional de Investigaciones Administrativas), dois procura-dores-gerais adjuntos e nove procuradores de primeiro grau. Seus rgos so especializados, tendo suporte de um corpo de contadores pblicos. A FIA realiza suas prprias apuraes, requisita informaes dos rgos p-blicos pertinentes, acompanha as sindicncias administrativas por eles instauradas, ordena o incio de processos administrativos e, se for o caso, pode apresentar notcias-crime perante o rgo judicirio competente e acompanhar as aes penais propostas. Estas so intentadas pelo pro-curador competente de acordo com as regras de distribuio territorial e funcional. Contudo, a FIA poder assumir a titularidade da ao penal se o promotor natural for contrrio ao curso do feito.

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Se no decorrer de uma ao penal surgirem indcios contra um agente pblico por infrao propter officium, o juiz da causa deve dar cincia do fato FIA.

No seu papel extrajudicial, a FIA pode oferecer representao Procuradoria da Fazenda Nacional (Procuracin del Tesoro de la Nacin) ou autoridade administrativa de maior grau do rgo administrativo competente, quando verificar a prtica de infrao disciplinar. Instaura-da a sindicncia ou o processo administrativo, a FIA atua como rgo de acusao, com as faculdades de produzir e incorporar provas e de recorrer administrativamente, sob pena de nulidade absoluta do procedimento.

Seu rol de funes amplo e abrange todo o territrio argentino, mas a Fiscala Nacional no detm atribuio de investigar ilcitos ocorridos no mbito do Poder Legislativo, do Poder Judicirio e nos rgos estaduais e municipais.

Para coordenar os esforos nacionais contra a corrupo, a FIA organizou o Foro de Fiscalas de Investigaciones Administrativas y Ofi-cinas Anticorrupcin. Constitudo em 2005, em Buenos Aires, este foro ou grupo de trabalho rene procuradorias e agncias anticorrupo e rgos equivalentes de todo o pas com a meta de implementar integral-mente a Conveno das Naes Unidas contra a Corrupo (Conveno de Mrida) especialmente as obrigaes previstas no art. 6 do tratado, de preveno de atos corruptos, difuso de boas prticas de controle, capa-citao de servidores e coordenao e articulao dos rgos nacionais especializados. Neste sentido, este foro tem alguma identidade com a Estratgia Nacional de Combate Corrupo e Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), instituda em 2003 pelo Ministrio da Justia do Brasil.

Os atuais integrantes do Foro argentino so os seguintes: Fiscala de Investigaes Administrativas da Nao; Fiscala de Investigaes Administrativas da Provncia de La Pampa; Fiscala de Investigaes Administrativas de Ro Negro; Fiscala de Estado da Provncia de Terra do Fogo, Antrtida e Ilhas do Atlntico Sul; Fiscala de Investigaes Administrativas da Provncia do Chaco; Agncia Anticorrupo da Nao; Agncia Anticorrupo da Provncia de Entre Rios; Agncia Anticorrupo da Provncia de Chubut; Diretoria Provincial Anticor-rupo e de Transparncia do Setor Pblico da Provncia de Santa Fe; Diretoria-Geral de Investigaes Administrativas da Municipalidade de Rosrio; Agncia Anticorrupo do Municpio de Morn e a Agncia de Arrecadao da Provncia de Buenos Aires.

3.2 A oFicinA De coorDinAcin y seGuiMiento

en MAteriA De Delitos contrA lA

ADMinistrAcin PblicA (ocDAP)

O Escritrio de Coordenao e Acompanhamento em matria de

Crimes contra a Administrao Pblica (OCDAP) tambm um rgo da

Procuradoria-Geral da Nao. Criada pela Resoluo PGN n. 86/2009, esta

unidade funciona como um centro operacional de apoio s procuradorias

nas causas de corrupo na Administrao Pblica federal, prope estra-

tgias de persecuo, prepara relatrios setoriais para todo o pas e su-

gere ao procurador-geral a implementao das aes interinstitucionais

necessrias para agilizar as apuraes sobre corrupo.

Em virtude das Resolues n. 129 e 130/2009, da PGN, a OCDAP

pode auxiliar os membros do Ministrio Pblico Fiscal na investigao

patrimonial sobre suspeitos de ilcitos contra a Administrao Pblica,

com o fim de facilitar a recuperao de ativos desviados ou obtidos ilici-

tamente. Assim, a OCDAP coopera no rastreamento de bens derivados

de corrupo lato sensu e realiza seminrios e cursos de capacitao para

membros do Ministrio Pblico. Entre suas iniciativas, est a elaborao

de um Manual de Investigao Patrimonial.

3.3 ProcurADoriAs nAcionAis esPeciAlizADAs

O Ministrio Pblico Fiscal argentino tem vrias procuradorias

especializadas. Chamadas de unidades especiais, estas Fiscalas so

rgos de execuo, atuam em reas sensveis, que demandam ateno

e coordenao especial, e tm jurisdio em todo o territrio nacional.

Atualmente, existem 12 procuradorias especiais (unidades fiscales)

no MPF. So elas:

a. Unidade Fiscal de Assistncia em Sequestros Extorsivos (UFASE)21;

b. Unidade Fiscal para a Investigao de Delitos Complexos em Mat-

ria de Drogas e Crime Organizado (UFIDRO)22;

21 Segundo o CPPN, estes delitos so de competncia federal e sua investigao cabe ao MPF, sem necessidade de interveno do juiz de instruo.

22 A UFIDRO foi criada pela Resoluo PGN n. 19/2005, mediante convenio celebrado com o Ministrio do Interior da Nao. Rene dados estatsticos, apoia as procuradorias natu-rais e prepara informes na matria, com anlise ecolgica do crime.

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c. Unidade Fiscal de Investigaes de Delitos Tributrios e Contra-bando (UFITCO)23;

d. Unidade Fiscal para a Investigao de Crimes contra a Previdncia Social (UFISES)24;

e. Unidade Fiscal para a Investigao de Crimes Cometidos no m-bito do Instituto Nacional de Servios Sociais para Aposentados e Pensionistas e seu Programa de Assistncia Mdica Integral (UFI-PAMI);

f. Unidade Fiscal para a Investigao de Delitos Cometidos no mbi-to de Atuao do Registro Nacional de Armas (UFI-RENAR)25;

g. Unidade Fiscal para a Investigao de Delitos contra a Integridade Sexual, Trfico de Pessoas e Prostituio Infantil (UFPROSINF)26;

h. Unidade Fiscal para a Investigao de Delitos contra o Meio Am-biente (UFIMA)27;

i. Unidade Fiscal para a Investigao dos Delitos de Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (UFILAVDIN)28;

j. Unidade Especial Fiscal Mvel para a Investigao de Violncia em Espetculos Desportivos (UFIVDEP)29;

k. Unidade Fiscal de Coordenao e Acompanhamento das Causas por Violaes a Direitos Humanos (UF-DDHH)30; e

l. Unidade Fiscal para atuao da Associao Mutual Israelita Argentina (AMIA) (UFI-AMIA)31.

23 Foi criada mediante Resoluo PGN n. 23/2000, como resultado de um convnio celebrado com a Administrao Federal de Ingressos Pblicos (AFIP), a Receita Federal argentina.

24 Atua em conjunto com a Administracin Nacional de la Seguridad Social (ANSES), o INSS argentino.

25 Na Cidade Autnoma de Buenos Aires, os crimes de porte e posse ilegal de arma de fogo de uso civil foram transferidos para a competncia da Justia local.

26 A Argentina um pas de origem, de trnsito e de destino no trfico internacional de pessoas.

27 Coordena-se com a Secretara de Medio Ambiente y Desarrollo Sustentable.

28 Promove em conjunto com a UIF o cumprimento da lei de lavagem de dinheiro, alterada em 2011, sempre observando as resolues do GAFI e as convenes internacionais aplicveis.

29 As atividades dos barrabravas, os hooligans locais, objeto de ateno desta procuradoria especial.

30 Ao longo dos anos, desde o afastamento da lei de anistia, esta procuradoria tem sido res-ponsvel por acompanhar investigaes de homicdios, sequestros e desaparecimentos forados, cometidos durante a ditadura militar argentina.

31 Foi criada para atuar em conjunto com as procuradorias responsveis pela causa em que

Junto a estas unidades ministeriais especializadas, funciona a

Agncia de Assistncia Integral Vtima de Crime (OFAVI), vinculada

Procuradoria-Geral de Poltica Criminal, Direitos Humanos e Servios

Comunitrios. rgo da PGN.

H ainda a Diretoria-Geral de Investigaes com Autoria Ignorada

(Direccin General de Investigaciones con Autor Desconocido (DGIAD).

Trata-se de uma promotoria de cold cases, criada em funo do art. 196-bis

do CPPN. As investigaes criminais com autoria ignorada deixam de ser

investigados pelo juiz de instruo e so encaminhados a esse rgo do

MPF, que as registra e uniformiza os dados nacionais sobre estes casos,

elabora mapas delitivos, cruza as informaes disponveis a pedido

dos procuradores e mantm em arquivo os procedimentos. Em suma, a

DGIAD funciona como um centro de apoio operacional para casos incon-

clusivos quanto autoria.

Estima-se que anualmente sejam registrados pela DGIAD mais de

130 mil casos criminais com autoria ignorada32. Tais informaes com-

pem o Registro nico Fiscal de Investigaciones con Autor Desconocido,

uma extensa base de dados que pode ser acessada pelos procuradores

para busca de padres de conduta, distribuio espacial dos delitos e

cruzamento de informaes teis para a elucidao de crimes. Caso isto

ocorra, o caso desarquivado e encaminhado ao promotor natural, que

procede na forma do art. 196-quter do CPPN.

Este modelo de especializao e atuao nacional no encontra

paralelo no Ministrio Pblico Federal do Brasil. A estrutura que mais

se assemelha a essas unidades especiais a Procuradoria Federal dos

Direitos do Cidado (PFDC) com atribuies em todo o territrio brasileiro,

mas ainda assim sem funes de execuo. No mbito dos Ministrios

Pblicos dos Estados, a experincia argentina tem semelhana com os

GAECOS, grupos de atuao especial de combate ao crime organizado

e outras unidades operacionais semelhantes. Em geral, tais grupos de

promotores de Justia tm atuao regional ou estadual. Algo similar

ocorre com as promotorias regionais ambientais, algumas das quais so

organizadas por bacias hidrogrficas.

se apura o atentado ocorrido em 18 de julho de 1994 na sede da AMIA, na capital federal. O processo principal est em trmite na 6 Vara Criminal Nacional de Buenos Aires. A UFI-AMIA tambm intervm em todas as causas conexas.

32 Apuntes generales sobre el sistema judicial argentino y el ministerio pblico fiscal, p. 19.

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3.4 cooPerAo internAcionAl: A

oFicinA De cooPerAcin y AsistenciA

JuDiciAl internAcionAl

A Lei n. 24.767, de 1996, disciplina a cooperao internacional para a investigao e o julgamento de crimes, a extradio e a homologao de sentenas penais estrangeiras.

As autoridades centrais argentinas so o Ministrio das Relaes Exteriores e o Ministrio da Justia. De acordo com os arts. 25 e 74 da Lei de Cooperao Internacional, nos pedidos de extradio e assistncia passiva de cunho jurisdicional, ao Ministrio Pblico Fiscal cabe promo-ver as medidas atinentes cooperao. Tal como no Brasil, a competncia passiva sempre da Justia Federal.

Para coordenar a atividade do MPF na cooperao penal, criou--se o Gabinete de Cooperao e Assistncia Judicial Internacional da Procuradoria-Geral da Nao. Suas atribuies foram estabelecidas pela Resoluo PGN n. 55/2000 e so semelhantes s da Assessoria de Coope-rao Jurdica Internacional da Procuradoria-Geral da Repblica (ASCJI), que funciona em Braslia.

Cabe-lhe promover o intercmbio do MPF e das autoridades centrais em matria de cooperao penal. Como vimos, tais entes so o Ministrio da Justia e o Ministrio das Relaes Exteriores. Compete-lhe ainda prestar assessoria aos procuradores nos pedidos de cooperao ati-va e passiva e na sua tramitao; facilitar a celebrao de convnios com outros Ministrios Pblicos, para aprimorar a cooperao internacional; representar o MPF nas Reunies Especializadas de Ministrios Pblicos do Mercosul (REMPM), na Associao Iberoamericana de Ministrios Pblicos (AIAMP), na Rede Iberoamericana de Cooperao Jurdica Inter-nacional (Iber-red) e na Reunio de ministros da justia e procuradores-

-gerais das amricas (REMJA).

4 o sisteMA ProcessuAl PenAl Argentino

O Processo Penal argentino regido pelo Cdigo Procesal Penal de la Nacin (CPPN), institudo pela Lei n. 23.984, de 1991. Como a Argentina

uma repblica federativa, suas provncias tm autonomia para legislar em matria processual penal33. Deste modo, h no pas sistemas proces-suais puramente acusatrios na maioria das provncias e na Cidade Aut-noma de Buenos Aires e sistemas mistos, com grandes traos inquisitivos em outros estados e no mbito federal.

Para exemplificar, vale lembrar o que se passa na Provncia de Ro Negro, onde est em curso a transio do sistema misto para o acusatrio. Adrin Zimmerman (2010) diz estar:

[] absolutamente de acuerdo con que el Cdigo Procesal Penal de

Ro Negro debe reformarse siguiendo el movimiento latinoameri-

cano, contemplando - en general - los siguientes ejes temticos:

rol de los diversos rganos que intervienen en el proceso penal;

principio acusatorio: investigacin a cargo del fiscal y jueces que

cumplan estrictamente la jurisdiccional; simplificacin del trmi-

te; valorizar el juicio; mayor eficacia en persecucin de los delitos y

tutela de derechos y garantas individuales; distribucin equitativa

de los asuntos para superar la sobrecarga; reduccin en los plazos

de duracin del proceso; mayor capacidad de investigacin en de-

litos complejos o de alto impacto social; regulacin de un procedi-

miento para asuntos especiales y complejos; mayor intervencin de

la vctima del delito; contemplar formas compositivas del conflicto

penal; optimizar y racionalizar el empleo de los bienes y recursos,

de los rganos e instituciones vinculados con la investigacin y juz-

gamiento de delitos; extender la oralidad a todas las instancias del

proceso y participacin del ciudadano en el juzgamiento del delito.

Em consonncia com os objetivos do trabalho, centraremos ateno no modelo federal. O procedimento comum tem duas fases, a instruo (instruccin) e o julgamento (juicio). O primeiro momento corresponde investigao criminal no Brasil e se inicia com a notcia-crime (denuncia no sistema argentino); no segundo instante tem lugar o julgamento. Aps a denuncia, pode ser aberta a instruccin, ou reconhecida a in-competncia do juzo, ou arquivado o caso (desestimacin). J a segunda fase do procedimento, chamada de juicio, corresponde ao processo penal propriamente dito, e se inicia com o pedido de elevacin a juicio.

33 Por outro lado, o Cdigo Penal unitrio, editado pelo Congresso Nacional e vlido em todo o territrio do pas.

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Em ambas as fases do procedimento, respeitam-se os princpios do juiz natural, do devido processo legal, do contraditrio, da ampla defesa, da presuno de inocncia e do non bis in idem.

4.1 A instruccin no sistema federal

De acordo com o CPPN, o sistema federal34 inquisitivo ou misto, com uma fase inquisitorial (instruccin) e outra acusatria (juicio). O C-digo de Processo Penal da Nao entrou em vigor em 1992, substituindo a legislao anterior puramente inquisitiva. De fato, o CPPN estabeleceu um procedimento misto, com uma investigao (instruccin) escrita realizada pelo juzo de instruo e uma fase oral, pblica e contraditria perante rgos colegiados de primeira instncia35, da Justia Federal e da Justia Nacional. Nas provncias, h leis processuais locais.

H, portanto, uma etapa preparatria, de competncia do juiz inves-tigador, que ser um juiz de instruo ou um juiz federal, a depender do caso.

Em geral, a instruccin se inicia com o requerimento do MPF ou mediante um informe policial, ambos endereados ao juiz instrutor. Ha-ver um requerimento do MPF (requerimiento fiscal), uma representao policial ou ter havido prvia declinao de competncia. Em virtude do princpio da obrigatoriedade, o MPF deve apresentar o requerimento de instruo to logo tenha conhecimento da notcia-crime (denuncia).

Conforme o art. 193 do CPPN, esta fase destina-se a provar a exis-tncia da materialidade, estabelecer as circunstncias qualificadoras, agravantes, atenuantes, justificadoras ou que influam na culpabilidade; individualizar os autores; identificar o suspeito, sua idade, educao, costumes, condies de vida, meios de subsistncia e antecedentes, sua higidez psquica, as circunstncias e os motivos do crime e sua periculo-sidade; e quantificar o dano causado pelo delito.

O art. 26 do CPPN estabelece que os juzes de instruo ( jueces de instruccin) investiguem os crimes de ao penal pblica, salvo nos casos em que o Ministrio Pblico Fiscal exera a faculdade que lhe outorga o art. 196 do mesmo cdigo. Assim, a regra a investigao direta pelo juez de instruccin, que deve apurar os delitos que ocorram em sua circunscrio

34 Vlido para a Justia Federal propriamente dita e para a Justia Nacional.

35 Apuntes sobre el sistema judicial y el Ministerio Pblico Fiscal de la Repblica Argentina. Procuracin General de la Nacin, 2008, p. 20.

judicial, em obedincia ao art. 194 do CPPN, sem prejuzo da delegao da apurao ao MPF.

O juiz das contravenes ( juez correccional) investiga e julga as infra-es punidas com pena no privativa de liberdade; as infraes punidas com pena igual ou inferior a 3 anos de priso; e, em grau de apelao, as decises sobre faltas ou contravenes policiais (art. 27 do CPPN).

Segundo o art. 196 do CPPN, o juiz de instruo pode delegar a di-reo da investigao dos crimes de ao pblica ao agente fiscal do MPF, que deve proceder de acordo com as regras dos arts. 209 a 215 do cdigo. Basicamente, cabe ao MPF realizar a investigao criminal nos moldes em que um procedimento investigatrio criminal (PIC) seria conduzido no Brasil. As medidas que atingem direitos fundamentais, como prises, buscas e apreenses e intervenes corporais36, devem ser requeridas ao juiz, respeitando-se a clusula de reserva de jurisdio.

Desde 1997, a legislao processual vem concedendo outros pode-res apuratrios ao MPF, nos seguintes casos: a) procedimentos iniciados por priso em flagrante nos quais desnecessria a priso preventiva (Lei n. 24.826); b) deflagrao de investigaes preliminares nos termos do art. 26 da LOMP37; c) investigao dos casos de autoria ignorada (Lei

36 A garantia contra a autoincriminao devidamente interpretada na Argentina. L no se cogita estender o direito ao silncio a ponto de impedir certas intervenes corporais no suspeito ou ru, para fins de prova. A matria regida pelo art. 218-bis do CPPN, que assim dispe: Art. 218 bis. - Obtencin de cido desoxirribonucleico (ADN). El juez podr ordenar la obtencin de cido desoxirribonucleico (ADN), del imputado o de otra persona, cuando ello fuere necesario para su identificacin o para la constatacin de circunstan-cias de importancia para la investigacin. La medida deber ser dictada por auto fundado donde se expresen, bajo pena de nulidad, los motivos que justifiquen su necesidad, razo-nabilidad y proporcionalidad en el caso concreto. Para tales fines, sern admisibles mni-mas extracciones de sangre, saliva, piel, cabello u otras muestras biolgicas, a efectuarse segn las reglas del saber mdico, cuando no fuere de temer perjuicio alguno para la in-tegridad fsica de la persona sobre la que deba efectuarse la medida, segn la experien-cia comn y la opinin del experto a cargo de la intervencin. La misma ser practicada del modo menos lesivo para la persona y sin afectar su pudor, teniendo especialmente en consideracin su gnero y otras circunstancias particulares. El uso de las facultades coercitivas sobre el afectado por la medida en ningn caso podr exceder el estrictamente necesario para su realizacin. Si el juez lo estimare conveniente, y siempre que sea posi-ble alcanzar igual certeza con el resultado de la medida, podr ordenar la obtencin de cido desoxirribonucleico (ADN) por medios distintos a la inspeccin corporal, como el secuestro de objetos que contengan clulas ya desprendidas del cuerpo, para lo cual po-drn ordenarse medidas como el registro domiciliario o la requisa personal. Este artigo foi incorporado ao CPPN pelo art. 1 da Lei n. 26.549, de 2009.

37 Requerimiento de colaboracin - Art. 26 - Los integrantes del Ministerio Pblico, en

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n. 25.409); e d) investigao de todos os crimes de secuestro extorsivo e privacin ilegal de la libertad (Lei n. 25.760).

Quando recebe uma notcia-crime (l chamada de denuncia), o MPF pode conduzir a investigao (instruccin) ou promover o seu arquivamento (desestimacin) por atipicidade ou falta de justa causa, ou ainda requerer sua remessa a outra jurisdio por declinao de competncia (art. 181 do CPPN). Segundo o art. 40 do CPPN, a declarao de incompetncia territo-rial no acarreta a nulidade dos atos de instruo j realizados. Nas demais questes de competncia, o MPF pode promover a modificao por ao inibitria, perante o tribunal considerado competente, ou por promoo declinatria, perante o tribunal que repute incompetente (art. 45 do CPPN).

Porm, se o MPF decidir investigar a denuncia, deve dar cincia ime-diata ao juiz de instruo (art. 196 do CPPN) e requerer a este o interroga-trio do imputado, ato aps o qual o juiz de instruo decidir se assume a apurao ou se a mantm com o MPF. Vale observar que a Polcia no pode interrogar o investigado. A declaracin del imputado s pode ser colhida pelo juiz de instruo. Polcia s permitido dirigir-se ao investigado para constatar sua identidade, para informar-lhe dos seus direitos cons-titucionais e para obter informaes imediatas e relevantes acerca de um delito que tenha acabado de cometer (art. 184, 10, do CPPN). Nesta ltima hiptese, as informaes obtidas do suspeito no podem ser documenta-das nos autos e no tm qualquer valor probatrio (art. 184, 9, CPPN).

Se a notcia-crime (denuncia) for feita diretamente ao juiz ou Polcia, o MPF, ao receber os autos com vista, deve apresentar o reque-rimiento de instruccin, que conter os dados de qualificao do impu-tado ou sinais que permitam individualiz-lo, a descrio do fato com

cualquiera de sus niveles, podrn para el mejor cumplimiento de sus funciones re-querir informes a los organismos nacionales, provinciales, comunales; a los organis-mos privados; y a los particulares cuando corresponda, as como recabar la colaboracin de las autoridades policiales, para realizar diligencias y citar personas a sus despachos, al solo efecto de prestar declaracin testimonial. Los organismos policiales y de seguri-dad debern prestar la colaboracin que les sea requerida, adecundose a las directivas impartidas por los miembros del Ministerio Pblico y destinando a tal fin el personal y los medios necesarios a su alcance. Los fiscales ante la justicia penal, anoticiados de la perpetracin de un hecho ilcito - ya fuere por la comunicacin prevista en el art. 186 del Cdigo Procesal Penal de la Nacin o por cualquier otro medio - sin perjuicio de las di-rectivas que el juez competente imparta a la polica o fuerza de seguridad interviniente, debern requerir de stas el cumplimiento de las disposiciones que tutelan el procedi-miento y ordenar la prctica de toda diligencia que estimen pertinente y til para lograr el desarrollo efectivo de la accin penal. A este respecto la prevencin actuar bajo su direccin inmediata.

a indicao, se possvel, de lugar, data e modo de execuo e a lista de diligncias teis descoberta da verdade (art. 188 do CPPN). Caso no o faa, o MPF deve promover o arquivamento da causa (desestimacin) ou requerer a declinatria para outro juzo.

Alm da conduo facultativa da apurao nos casos do art. 196 do CPPN, cabe ao MPF conduzir investigaes de outras causas crimi-nais, de acordo com o art. 196-bis do CPPN. So dois casos resultantes de reformas legislativas de 2001 e 2003: o primeiro diz respeito s infraes penais (crimes e contravenes) de autoria ignorada; e o segundo toca aos delitos de secuestro extorsivo e privacin de libertad previstos nos arts. 142-bis e 170 do Cdigo Penal, alm dos conexos a estes, mesmo que os suspeitos estejam individualizados.

Em ambas as situaes (infraes penais de autoria indetermina-da e crimes de extorso e extorso mediante sequestro), o MPF deve dar ci-ncia ao juiz competente quanto ao incio da apurao. Neste ltimo caso, quando a vida da vtima estiver em perigo ou a demora do procedimento puder comprometer o xito da apurao, o juiz de instruo ou o procu-rador (agente fiscal) podem atuar em jurisdio territorial alheia (art. 132-bis do CPPN), requisitando as diligncias pertinentes e comunicando-

-as ao juiz do lugar no momento oportuno. Em semelhantes hipteses, o membro do MPF poder autorizar a interceptao de comunicaes telefnicas e requisitar os registros de chamadas originadas e recebidas (art. 236 do CPPN) para investigar crimes dos arts. 142-bis e 170 do Cdigo Penal e os delitos conexos. Em assim agindo, sob pena de nulidade e imprestabilidade da prova, o MPF dever comunicar a implantao da interceptao em 24 horas ao juiz de instruo, para fins de convalidao.

Nos demais casos criminais em que a investigao feita no modo tradicional, o MPF pode acompanhar todos os atos processuais perante o juiz de instruo (art. 198 do CPPN). Pode tambm requisitar que a Polcia investigue preliminarmente uma notcia-crime, observando-se que os rgos policiais esto autorizados a faz-lo de ofcio nos crimes de ao pblica (art. 183 do CPPN).

A defesa pode ser exercida por advogado devidamente inscrito nas corporaes profissionais ou por defensor oficial, em regra um membro do Ministrio Pblico da Defesa ou instituio equivalente das provncias. Segundo o art. 194 do CPPN, o acusado pode defender-se pessoalmente, tal como est previsto na Conveno Americana de Direitos Humanos. Porm, o juiz pode impor a defesa tcnica se a falta de defensor prejudicar

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a eficcia do contraditrio. O art. 105 do CPPN limita em dois o nmero mximo de advogados simultneos para cada acusado.

Nos atos pessoais, o investigado tem direito a assistncia de seu defensor, que tambm poder requerer diligncias, sugerir medidas apuratrias ao juiz de instruo, opor excees, velar pelo jus libertatis do suspeito e recorrer das decises do instrutor.

Reunidos os elementos probatrios suficientes para determinar a autoria e materialidade, lavrado o auto de procedimiento, algo como um indiciamento. Encerrada a instruo, que deve estar concluda em at quatro meses38 depois do interrogatrio, o juiz d vista ao MPF, ao as-sistente de acusao e defesa para suas manifestaes sobre o apurado, inclusive para a apresentao do pedido de elevacin a juicio (pronncia), que remete o caso a julgamento perante o tribunal oral.

Se a instruo for infrutfera, ocorre o sobreseimiento (art. 347, 2, CPPN). Se houver x