modelo para o atendimento global À crianÇa em um

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MODELO PARA O ATENDIMENTO GLOBAL À CRIANÇA EM UM HOSPITAL ESCOLA * José Augusto Nigro CONCEIÇÃO Hebe da Silva COELHO Anita HAYASHI Maria José S. F. SANTOS Maria Celeste ANDERSON Marialda H. Padua DIAS Ilda Nogueira LIMA Neuza GAIT Anita S. COLLI João YUNES RSPU-B/229 CONCEIÇÃO, J. A. N. et al. — Modelo para o atendimento global à criança em um hospital escola. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 8:341-57, 1974. RESUMO: Foi apresentado um modelo de atendimento multiprofissional para uso em hospital escola, embasado numa visão global da problemática de saúde da criança. A utilização do modelo, pela sistematização de dados consi- derados básicos, permite além da identificação específica das condições físicas e psico-sociais da criança, um conhecimento da situação familiar e caracteri- zação da comunidade. Com estes elementos, torna-se factível a elaboração de um diagnóstico global, visando o tratamento da criança, a modificação de situações ambientais desfavoráveis à criança ou reforço de condições favorá- veis a seu melhor crescimento e desenvolvimento. Esta abordagem, com re- lação à assistência, possibilita um tratamento que atenda às necessidades da criança nos seus aspectos biológico, cognitivo, afetivo e psicomotor. Com re- lação ao ensino, favorece a formação de profissionais com uma visão biológica e psico-social de saúde, dando oportunidade para desenvolvimento de trabalho em equipe multiprofissional. Em termos de pesquisa, permite a realização de estudos de normalização de atendimento nas áreas médica, de serviço social, de enfermagem, de nutrição e de educação para a saúde. UNITERMOS: Crianças, hospital escola*; Assistência média*; Educação em saúde *. * Trabalho realizado pelo Grupo de Pediatria Preventiva e Social da Disciplina de Pediatria do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP — Av. Dr. Arnaldo, 455 São Paulo, SP — Brasil INTRODUÇÃO Com a finalidade de garantir uma abor- dagem global na assistência, ensino e pes- quisa, relativamente à problemática de saú- de da criança, através da atuação de equi- pe multiprofissional, o grupo de trabalho da equipe de Pediatria Preventiva e Social do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, apresentou um modelo de atendimento glo- bal à criança. AQUISIÇÃO DE UMA FILOSOFIA DE TRABALHO A equipe de Pediatria Preventiva e So- cial, pela formação de seus componentes e pela vivência prática de um trabalho con- junto de vários anos, definiu como essen- cial, para o equacionamento dos problemas da saúde da criança, a necessidade de uma filosofia de trabalho embasada numa visão global de saúde.

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Page 1: MODELO PARA O ATENDIMENTO GLOBAL À CRIANÇA EM UM

MODELO PARA O ATENDIMENTO GLOBAL À CRIANÇAEM UM HOSPITAL ESCOLA *

José Augusto Nigro CONCEIÇÃOHebe da Silva COELHOAnita HAYASHIMaria José S. F. SANTOSMaria Celeste ANDERSONMarialda H. Padua DIASIlda Nogueira LIMANeuza GAITAnita S. COLLIJoão YUNES

RSPU-B/229

CONCEIÇÃO, J. A. N. et al. — Modelo para o atendimento global à criançaem um hospital escola. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 8:341-57, 1974.

RESUMO: Foi apresentado um modelo de atendimento multiprofissionalpara uso em hospital escola, embasado numa visão global da problemática desaúde da criança. A utilização do modelo, pela sistematização de dados consi-derados básicos, permite além da identificação específica das condições físicase psico-sociais da criança, um conhecimento da situação familiar e caracteri-zação da comunidade. Com estes elementos, torna-se factível a elaboração deum diagnóstico global, visando o tratamento da criança, a modificação desituações ambientais desfavoráveis à criança ou reforço de condições favorá-veis a seu melhor crescimento e desenvolvimento. Esta abordagem, com re-lação à assistência, possibilita um tratamento que atenda às necessidades dacriança nos seus aspectos biológico, cognitivo, afetivo e psicomotor. Com re-lação ao ensino, favorece a formação de profissionais com uma visão biológicae psico-social de saúde, dando oportunidade para desenvolvimento de trabalhoem equipe multiprofissional. Em termos de pesquisa, permite a realização deestudos de normalização de atendimento nas áreas médica, de serviço social,de enfermagem, de nutrição e de educação para a saúde.

UNITERMOS: Crianças, hospital escola*; Assistência média*; Educaçãoem saúde *.

* Trabalho realizado pelo Grupo de Pediatria Preventiva e Social da Disciplina de Pediatria doDepartamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP — Av. Dr. Arnaldo, 455— São Paulo, SP — Brasil

I N T R O D U Ç Ã O

Com a finalidade de garantir uma abor-dagem global na assistência, ensino e pes-quisa, relativamente à problemática de saú-de da criança, através da atuação de equi-pe multiprofissional, o grupo de trabalhoda equipe de Pediatria Preventiva e Socialdo Hospital das Clínicas da Faculdade deMedicina da Universidade de São Paulo,apresentou um modelo de atendimento glo-bal à criança.

AQUISIÇÃO DE UMA FILOSOFIA

DE TRABALHO

A equipe de Pediatria Preventiva e So-cial, pela formação de seus componentes epela vivência prática de um trabalho con-junto de vários anos, definiu como essen-cial, para o equacionamento dos problemasda saúde da criança, a necessidade de umafilosofia de trabalho embasada numa visãoglobal de saúde.

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Assim, o atendimento global à criançaimplica, obrigatoriamente, considerá-lacomo um ser em crescimento e desenvolvi-mento, vivendo em uma família, necessaria-mente inserida em uma comunidade.

Sendo a resultante da interação de doisfatores essenciais — herança genética emeio ambiente —, o seu crescimento e de-senvolvimento só se fará no grau máximode suas potencialidades genéticas, quandoas condições ambientais forem totalmentefavoráveis. No mais das vezes, as condi-ções do meio ambiente são desfavoráveis,não permitindo que o padrão genético semanifeste na sua integralidade. Conseqüen-temente, no atendimento global à criança,torna-se necessário identificar e analisarfatores ambientais de ordem física, econô-mica, social, cultural e psico-social, bemcomo suas influências favoráveis ou des-favoráveis à saúde.

Esta divisão arbitrária dos fatores me-sológicos, tem como primeira finalidadefacilitar a análise do complexo am-biental e traz implícitas uma íntima in-tegração entre eles, não havendo, emrealidade, uma separação nítida de cadasetor. Em cada um desses aspectos domeio ambiente, em nível familiar ou co-munitário, devemos identificar variáveisque direta ou indiretamente terão influên-cias favoráveis ou desfavoráveis na deter-minação da criança como ela é; nos seuscomponentes biológico, cognitivo, afetivoe psicomotor (Fig. 1).

Dentre os fatores ambientais de ordemfísica, destacamos:

a) condições de saneamento relativas aoabastecimento quantitativo e quali-tativo de água e destino do lixo edejetos, pelas suas influências na de-terminação de grande número dedoenças. O saneamento inadequadopode explicar, por exemplo, a ocor-rência de infecções gastro-intestinaisrepetidas, só solucionadas com atua-ção no ambiente;

b) condições de conforto térmico — ainsolação, ventilação e umidade, têm

nítida influência sobre a saúde equando desfavoráveis podem acarre-tar maior suscetibilidade a problemasdas vias respiratórias;

c) condições de segurança — os sistemasde proteção contra as mais variadasformas de agravos físicos do ambien-te, devem ser analisados em níveldomiciliar — condições da habita-ção — e em nível mais amplo —condições da comunidade;

d) condições de promiscuidade — o se-xo, idade e número de pessoas e suadistribuição por cômodos habitáveis,constituem aspectos importantes nascondições de saúde da criança. Onúmero excessivo de pessoas em ummesmo dormitório é condição favo-recedora à propagação de certasdoenças transmissíveis.

No fator econômico salientamos, comovariáveis importantes em nível familiar, arenda familiar total, a renda familiar porpessoa, a distribuição do orçamento do-méstico. Assim, uma renda baixa limitaa aquisição de alimentos levando à com-pra daqueles de menor valor nutritivo,podendo ser responsável pelo desencadea-mento de desnutrição primária.

No fator social as variáveis considera-das referem-se a valores, normas, institui-ções e tecnologia. Se saúde não consti-tuir um valor dentro do sistema social,as normas e instituições não se farão demolde a favorecê-la. Assim, não se cria-rão instituições adequadas para o atendi-mento da comunidade.

No fator cultural verificamos que ospadrões nem sempre são favorecedores dapromoção, proteção e recuperação da saú-de. Desta forma, a influência de hábitos,crenças e tabus, muitas vezes se faz demaneira negativa levando a problemas desaúde.

Por último, no fator psico-social, foca-lizamos a dinâmica familiar e grupal. Aimportância do relacionamento da crian-

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ça dentro do grupo familiar pode ser sen-tida pelas influências que daí decorremsobre, por exemplo, o aprendizado escolar.

PROCEDIMENTO PARA ATENDIMENTOÀ CRIANÇA

Anamnese, exame físico e, eventual-mente, exames complementares são os pas-sos geralmente utilizados para a elabora-ção do diagnóstico médico e, a partirdeste, o estabelecimento das bases para otratamento. Entretanto, a identificação defatores ambientais predisponentes e de-sencadeantes de doenças é etapa indispen-sável para um atendimento que objetivaa recuperação, proteção e promoção dasaúde. O levantamento e análise dessesaspectos é feito pelo trabalho da equipemultiprofissional da Pediatria Preventivae Social, através de entrevistas, discussõesem grupo, de trabalho de campo envol-vendo visita domiciliária e/ou a recursosda comunidade, o que permite um conhe-cimento da situação familiar e caracteri-zação da comunidade.

Com estes elementos, torna-se factívela elaboração de um diagnóstico global,visando o tratamento da criança, a modi-ficação das situações ambientais desfavo-ráveis e a criação ou reforço de condiçõesfavoráveis ao melhor crescimento e desen-volvimento da criança (Fig. 2).

ELABORAÇÃO DO INSTRUMENTOOPERACIONAL

A técnica utilizada para a elaboraçãodo instrumento operacional foi a de reu-niões e discussões em grupo, com a par-ticipação de pediatras, alguns com forma-ção em saúde pública e administração hos-pitalar, assistentes sociais, enfermeiros desaúde pública, nutricionistas e educadoresde saúde. Na área médica a equipe foiassessorada também pelo chefe do atendi-

mento ambulatorial e, em aspecto especí-fico, pela chefia do serviço de HigieneMental.

Numa primeira fase, cada profissional,com uma visão da problemática de saúdebaseada em sua formação e vivência, apre-sentou dados julgados essenciais para oatendimento à criança. Estes elementosforam discutidos por todos em conjunto,chegando-se a uma final por consenso.

A seguir foi estabelecida uma sistema-tização na qual houve uma preocupaçãoquanto à ordem e à forma de apresenta-ção dos mesmos.

O prontuário assim construído foi tes-tado, pela equipe, em pacientes que pro-curaram o Ambulatório Geral da ClínicaPediátrica. Isto possibilitou a introduçãode novos dados, modificações na ordem ena forma de outros e a exclusão de alguns.

Numa outra fase, tendo em vista a uti-lização do prontuário para o ensino, hou-ve a participação de residentes de Pedia-tria, atendendo crianças, participando dasdiscussões, apresentando críticas e suges-tões que resultaram em novas alterações.

Desta forma, o prontuário final permitea anotação sistematizada de dados rela-tivos a:

a) expectativas da família;

b) estrutura, organização e funções dafamília;

c) condições de habitação e saneamentobásico, situação de saúde dos fami-liares e comportamentos voltados pa-ra tratamento, controle e prevençãode doenças;

d) situação alimentar da criança e dafamília;

e) motivo da consulta e história da doen-ça nos casos pertinentes, antecedentespessoais e familiares, condições habi-tuais de vida e exame médico.

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* As enumerações entre parênteses são exemplificativas e não exaustivas.

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C O N C L U S Ã O

A utilização do prontuário elaborado,pela sistematização de levantamento dedados considerados básicos, permite, comrelação à assistência, um tratamento queatenda às necessidades da criança nosseus aspectos biológico, cognitivo, afetivoe psico-motor. Com relação ao ensino fa-vorece a formação de profissionais comuma visão biológica e psico-social dasaúde, dando oportunidade a desenvolvi-mento de trabalho em equipe multipro-fissional. Em termos de pesquisa possi-bilita, através da sistematização da coletae obtenção de dados, a realização deestudos de normalização de atendimentonas áreas médica, de serviço social, de

enfermagem, de nutrição e educação pa-

ra a saúde.

A G R A D E C I M E N T O S

Aos doutores Dulce V. Marcondes Ma-chado, médica chefe da Seção de HigieneMental da Clínica Pediátrica; FranciscoF. de Fiore, médico chefe do Ambulató-rio da Clínica Pediátrica; Heloisa Oria,médica pediatra no Ambulatório da Clí-nica Pediátrica; e aos médicos residentes,Maria Hillegonda Duthil, Oswaldo Tana-ka, Ana Maria Bara e Helia CanakoAkissue.

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RSPU-B/229

CONCEIÇÃO, J. A. N. et al. — [A model for global childcare in teaching hospitals].Rev. Saúde públ., S. Paulo, 8:341-58, 1974

SUMMARY: A model for multiprofessional care to be used in teachinghospitals was presented. The systematization of basic data allows specificidentification of the physical and psychosocial conditions of the child, besidesknowledge of the family situation and community characterization. With theseelements the elaboration of a global diagnosis aiming at the treatment of thechild, the changing of unfavourable environmental conditions and developmentor enhancement of favourable conditions for its growth and developmentbecomes possible. This approach, regardind attention, permits treatment thatfulfils the child's biological, cognitive, affective and psychomotor needs. Asfor tuition, it propitiates the development of personnel with a biological andpsychosocial view of health, creating opportunities for multiprofessionalteamwork. In reference to research, it allows the undergoing of studies re-garding standardization of patterns of care in the medical, social work, nursing,nutrition and health education fields.

UNITERMS: Hospitals, teaching*; Children welfare*; Pediatric, social*.

Recebido para publicação em 26-8-1974

Aprovado para publicação em 4-10-1974