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EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DA COMARCA DE BELO HORIZONTE/MG “Conforme o caso, a Administração Pública pode ser, a um só tempo, elemento mortal ou vital à proteção ambiental: cabe- lhe, via de regra, o poder de preservar ou mutilar o meio ambiente. Assim, na medida em que compete à Administração Pública o controle do processo de desenvolvimento, nada mais perigoso para a tutela ambiental do que um administrador absolutamente livre ou que não sabe utilizar a liberdade limitada que o legislador lhe conferiu”. (Antônio Herman V. Benjamin. Os princípios do estudo de impacto ambiental como limites da discricionariedade administrativa). O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, pelos Promotores de Justiça infra-assinados, vem, perante Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 127 e 129, inciso III, da Constituição Federal; artigo 1º, inciso I c/c artigo 5º, inciso I, da Lei nº 7.347/85; artigo 25, inciso IV, alínea a, da Lei n°. 8.625/93; artigo 66, inciso VI, alínea a, da Lei Complementar Estadual n.º 34/94, ajuizar AÇÃO CAUTELAR AMBIENTAL em face de 1. DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE MINAS GERAIS, pessoa jurídica de direito público, inscrita no CNPJ sob o n.º 17.309.790/0001-94, sediada na Avenida dos Andradas, nº 1120, bairro Centro, Belo Horizonte/MG, CEP 30120-010; e de 1

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EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA VARA DA

FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DA COMARCA DE BELO HORIZONTE/MG

“Conforme o caso, a Administração Pública pode ser, a um só tempo,

elemento mortal ou vital à proteção ambiental: cabe-lhe, via de regra,

o poder de preservar ou mutilar o meio ambiente. Assim, na medida

em que compete à Administração Pública o controle do processo de

desenvolvimento, nada mais perigoso para a tutela ambiental do que

um administrador absolutamente livre ou que não sabe utilizar a

liberdade limitada que o legislador lhe conferiu”. (Antônio Herman

V. Benjamin. Os princípios do estudo de impacto ambiental como

limites da discricionariedade administrativa).

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, pelos

Promotores de Justiça infra-assinados, vem, perante Vossa Excelência, com fundamento nos

artigos 127 e 129, inciso III, da Constituição Federal; artigo 1º, inciso I c/c artigo 5º, inciso I,

da Lei nº 7.347/85; artigo 25, inciso IV, alínea a, da Lei n°. 8.625/93; artigo 66, inciso VI,

alínea a, da Lei Complementar Estadual n.º 34/94, ajuizar AÇÃO CAUTELAR

AMBIENTAL em face de

1. DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE MINAS

GERAIS, pessoa jurídica de direito público, inscrita no CNPJ sob o n.º 17.309.790/0001-

94, sediada na Avenida dos Andradas, nº 1120, bairro Centro, Belo Horizonte/MG, CEP

30120-010; e de

2. ESTADO DE MINAS GERAIS, pessoa jurídica de direito público interno, inscrita no

CNPJ sob o nº 00.957.404/0001-78, a ser citado na pessoa do Advogado-Geral do Estado,

com endereço na Avenida Afonso Pena, n.º 1.901, bairro Funcionários, Belo

Horizonte/MG, o que faz em conformidade com os fatos e fundamentos expostos a seguir.

I. DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA CAPITAL

Considerando que o empreendimento objeto da presente demanda têm

impactos ambientais previstos nos municípios de Timóteo e Marliéria, que integram a

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Comarca de Timóteo, e Dionísio e São José do Goiabal, que integram a Comarca de São

Domingos do Prata, conforme atesta o Parecer Único SUPRAM Leste Mineiro (Doc. 01),

ganha aplicação a regra competencial de processamento da demanda na capital do Estado,

conforme previsão contida no artigo 93, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor (Lei

n.º 8.078/90).

II. DOS FATOS

II.1. Do processo de licenciamento ambiental

Conforme Parecer Único de lavra da Superintendência Regional de Meio

Ambiente do Leste Mineiro (SUPRAM – LM) (Doc. 01) e seu respectivo adendo (Doc. 02),

tramita na Unidade Regional Colegiada Leste Mineiro do Conselho Estadual de Política

Ambiental (COPAM – URC Leste Mineiro) o procedimento administrativo de licenciamento

ambiental 09043/2010/001/2010, em que figura como requerente o Departamento de Estradas

de Rodagem do Estado de Minas Gerais (DER).

Trata-se de requerimento de licenças prévia e de instalação concomitantes para

pavimentação de trecho de 57,09 km da rodovia MG-320/LMG 760 - Trecho entroncamento

BR 262 - Cava Grande, atravessando os municípios de Timóteo, São José do Goiabal,

Dionísio e Marliéria, tendo sido o processo de licenciamento formalizado pelo réu DER, em

25/08/2010, com o protocolo dos estudos ambientais exigidos pela SUPRAM – LM, quais

sejam, Relatório de Impacto Ambiental e Plano de Controle Ambiental (RCA/PCA).

O empreendimento foi enquadrado na Classe 3, conforme parâmetros da

Deliberação Normativa COPAM n. 74/04. Ressalta-se que a estrada existente não possui

licença ambiental.

No bojo do processo de licenciamento foram detectadas pelo órgão ambiental

diversas omissões nos estudos apresentados pelo DER, o que exigiu a apresentação de

informações complementares, em 26/10/2010, 27/04/2011, 16/04/2012, 20/12/2012 e

13/03/2013. Assim, em razão dos estudos apresentados pelo empreendedor, houve lentidão na

análise do licenciamento.

A estrada em apreço tem uma característica muito especial, que deveria ter

demandado o máximo de critério na análise de viabilidade ambiental do empreendimento:

está localizada em área extremamente sensível, na zona de amortecimento do Parque Estadual

do Rio Doce, margeando, na maior parte do trecho, os limites da Unidade de Conservação.2

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A implantação da estrada, conforme projeto atual, dependerá da supressão de

vegetação nativa, inclusive em áreas de preservação permanente. A obra, além de margear o

Parque do Rio Doce, está inserida no Bioma Mata Atlântica, em área prioritária para a

conservação da biodiversidade da categoria de máxima relevância, denominada “Especial”.

O processo de licenciamento em questão foi pautado para deliberação do

COPAM na 97ª Reunião Ordinária da URC Leste Mineiro, realizada no dia 22/10/2013. Na

oportunidade, o processo foi objeto de pedido de vistas por diversos conselheiros, já se

encontrando pautado para deliberação na próxima reunião ordinária (Doc. 03), designada para

12/12/2013.

Diante dos pedidos de vista, as licenças prévia e de instalação concomitantes

foram concedidas ad referendum do colegiado pelo Secretário de Estado de Meio Ambiente e

Presidente do COPAM, com fundamento de que já foram iniciadas as obras.

Conforme restará demonstrado, o licenciamento ambiental da rodovia

encontra-se eivado de vícios diversos e intransponíveis, que representam riscos imediatos e

diretos a uma das áreas mais relevantes para conservação do Estado de Minas Gerais. Além

das omissões e equívocos dos estudos ambientais apresentados, foram descumpridos

procedimentos básicos previstos na legislação ambiental, indispensáveis para assegurar a

devida avaliação de viabilidade do projeto.

Objetiva-se, com a presente ação, a suspensão cautelar das licenças prévia e de

instalação concomitantes, concedidas ad referendum pelo Presidente do COPAM, bem como

a retirada de pauta do processo de licenciamento ambiental atinente à pavimentação da

rodovia MG-320/LMG-760, evitando-se, desta forma, o licenciamento antes do amplo

saneamento do processo, coibindo-se o início das obras e a consolidação de riscos

incalculáveis e irreversíveis ao meio ambiente.

II.2. Da relevância ambiental do Parque do Rio Doce e seu entorno

Conforme dados extraídos do sítio eletrônico do Instituto Estadual de Florestal

(IEF)1, o Parque Estadual do Rio Doce está situado na porção sudoeste do Estado, a 248 km

de Belo Horizonte, e abriga a maior floresta tropical de Minas, em seus 35.970 hectares, além

de ser a primeira unidade de conservação estadual criada em Minas Gerais, em 14/07/1944.

1 http://www.ief.mg.gov.br/component/content/195?task=view3

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O Parque possui árvores centenárias e uma infinidade de animais nativos, que

compõem o cenário de um dos raros remanescentes de Mata Atlântica bem conservada no

Brasil. Possui, também, notável sistema lacustre, composto por quarenta lagoas naturais.

Diversas espécies da flora e da fauna ameaçadas de extinção ocorrem na

Unidade de Conservação, com destaque para grandes mamíferos, como a onça-pintada e a

onça-parda, que dependem de grandes territórios para sua sobrevivência. A Zona de

Amortecimento da Unidade de Conservação também é imprescindível para garantir o

equilíbrio ecológico, já que os elementos do parque não estão restritos aos seus limites.

Segundo o Plano de Manejo do Parque, as estradas intermunicipais estão entre

as principais atividades conflitantes com a Unidade de Conservação, ao lado da caça e pesca

ilegais, dos incêndios florestais, do vandalismo e da expansão urbana.

A região do Parque do Rio Doce é prioritária para a conservação da

biodiversidade em todos os grupos temáticos da publicação “Biodiversidade em Minas

Gerais: Um Atlas para sua Conservação”: mamíferos (categorias de prioridade especial, alta e

muito alta), aves (categoria de prioridade extrema), répteis e anfíbios (categoria de prioridade

extrema), peixes (categoria de prioridade especial), invertebrados (categoria de prioridade

especial) e flora (categoria de prioridade especial).

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2 Foto de P. G. Azevedo4

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3

4

Não é demais lembrar que a Deliberação Normativa COPAM nº 55/2002,

estabelece normas, diretrizes e critérios destinados a nortear a conservação da Biodiversidade

de Minas Gerais, com base no documento “Biodiversidade em Minas Gerais: Um Atlas para

sua Conservação”, publicação de iniciativa do Governo do Estado de Minas Gerais, processo

este desenvolvido pela SEMAD, IEF, Fundação Biodiversitas e Conservation International do

Brasil, contendo diretrizes e outras recomendações importantes para garantir a manutenção

da qualidade ambiental e da diversidade biológica do Estado.

O documento contempla diretrizes e critérios para a criação e a gestão de

espaços protegidos, recomendações para a revisão dos instrumentos fiscais e financeiros para

a conservação e propostas de criação de novos instrumentos, assim como a identificação de

3 Imagens extraídas do site do CBH Rio Doce: http://www.cbhdoce.org.br/Materia_PERD.asp4 Imagens extraídas do site Amigos do Parque do Rio Doce: http://aamigosdoperd.blogspot.com.br/2012/05/fauna-e-flora-do-perd.html

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linhas de ação destinadas a aprimorar a gestão de políticas públicas de proteção à

biodiversidade.

Inegável, portanto, o elevado interesse do Estado de Minas Gerais na adequada

gestão e conservação da região do Parque do Rio Doce, indicada como prioridade para

conservação no Atlas citado.

III. DO DIREITO

III.1. Da dispensa irregular de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto

Ambiental

A Constituição da República de 1988 erigiu o meio ambiente ao caráter de

direito fundamental constitucional difuso, portanto, imprescindível à sadia qualidade de vida e

bem estar da comunidade.

Visando a compatibilizar as intervenções antrópicas diversas com a necessária

preservação ambiental, o texto constitucional determinou a exigência de devido processo de

licenciamento ambiental, com a apresentação de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e de

Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), para aferir o potencial que um empreendimento

pode ter de causar dano ao meio ambiente (art. 225, §1o, IV).

Seguindo orientação traçada pelo dispositivo constitucional, a Lei 6.938/1981

incumbiu ao CONAMA estabelecer normas e critérios para licenciamento ambiental, bem

como fixar as hipóteses em que se deve exigir EIA/RIMA (art. 8º, I e II, da Lei).

Neste sentido, a Resolução CONAMA 237/1997 exigiu que a licença ambiental

para os empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de

significativa degradação do meio fosse precedida de prévio estudo de impacto ambiental e

respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), garantida a realização de

audiências públicas e total publicidade (art. 3º da Resolução).

E não poderia ser de outra forma. Afinal, o licenciamento ambiental, com a

apresentação de EIA/RIMA, visa, em síntese: a) a prevenção de danos ambientais; b) a

transparência administrativa quanto aos efeitos ambientais de um determinado projeto; c) a

consulta aos interessados; d) propiciar decisões administrativas informadas e motivadas5.

5 BENJAMIN, Antônio Herman V.. Os princípios do estudo de impacto ambiental como limites da discricionariedade administrativa. Revista Forense, vol. 317. p. 30.

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Pois bem. Coube à Resolução CONAMA 1/1986 elencar as hipóteses de

obrigatória elaboração do EIA/RIMA, entre elas figurando as estradas de rodagem com

duas ou mais faixas de rolamento (art. 2º, I, da Resolução).

Vale dizer, as atividades relacionadas na Resolução CONAMA 1/1986

possuem presunção absoluta de serem causadoras de significativo impacto ambiental.

Nessas hipóteses, não pode o Estado dispensar os estudos ambientais

completos (EIA/RIMA), sob pena de afronta à Constituição Federal, de insubordinação ao

princípio da hierarquia vertical das normas e malferimento ao princípio do due process

ambiental, como inclusive já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça:

INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – DIREITO

AMBIENTAL – UNIÃO E ESTADO – COMPETÊNCIA CONCORRENTE –

DELIBERAÇÃO NORMATIVA Nº 74, DE 09.09.2004, DO CONSELHO

ESTADUAL DE POLÍTICA AMBIENTAL – DISPENSA DA REALIZAÇÃO DE

“ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL – EIA” E DO CORRESPONDENTE

“RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL – RIMA” – DISPOSIÇÃO

CONTRÁRIA À NORMA FEDERAL – VULNERAÇÃO AO PRINCÍPIO DA

PROTEÇÃO AMBIENTAL – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E

MATERIAL.

1. A competência legislativa em matéria ambiental privilegiará sempre a maior e mais

efetiva preservação do meio ambiente, independentemente do Ente Político que a

execute, haja vista que todos receberam da Carta Constitucional aludida competência

(artigo 24, V, VI e VIII; 30, II). Todavia, no exercício da competência concorrente há

prevalência da União no que concerne à regulação de aspectos de interesse nacional,

com o estabelecimento de normas gerais endereçadas a todo o território nacional, as

quais, como é óbvio, não podem ser contrariadas por normas estaduais ou municipais.

2. A fim de suprir lacunas, na ausência de legislação da União sobre normas gerais,

poderão os Estados ocupar o vazio, exercendo a competência legislativa plena para

atender as suas peculiaridades (artigo 24, §3º, da CF/1988), sendo que a

superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual,

no que for incompatível com esta (artigo 24, §4º, da CF/1988).

3. A indigitada Deliberação Normativa nº 74/2004, do COPAM, ao permitir o

desenvolvimento de várias atividades agropecuárias, em áreas superiores a 1.000 ha

(mil hectares), com base em mera “Autorização Ambiental de Funcionamento –

AAF”, sem qualquer estudo ambiental prévio, mostra-se flagrantemente

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inconstitucional diante dos vícios formal e material, sendo que, o primeiro, por dispor

de modo contrário à norma federal geral; o segundo, porque a dispensa da realização

do “Estudo de Impacto Ambiental – EIA” e do correspondente “Relatório de Impacto

Ambiental – RIMA” vulnera o princípio da proteção ambiental”. (Arg

Inconstitucionalidade 1.0024.11.044610-1/002, Relator Des. Elias Camilo, ÓRGÃO

ESPECIAL, julgamento em 24/04/2013).

Em que pesem todas estas questões, o Estado de Minas Gerais, através da

SUPRAM Leste Mineiro, em absoluta afronta à legislação federal pátria e evidente retrocesso

ambiental, não apenas dispensou a apresentação de EIA/RIMA no licenciamento da rodovia

MG-320/LMG-760, como também entendeu que o empreendimento não causaria impacto

ambiental significativo.

Apenas a título de exemplo, passamos a enumerar alguns dos impactos

ambientais inerentes às estradas:

a) Impactos radiais: via de regra dispensados de análise nos estudos ambientais

e no licenciamento ambiental. No entanto, tais impactos podem ser até mais significativos que

aqueles relativos ao leito da rodovia, tais como ocupação não planejada de novas áreas

(fomento à urbanização), aumento da ocorrência de incêndios, fragmentação de áreas

protegidas, entre outros. Destaca-se que tais impactos já são considerados a principal ameaça

ao Parque do Rio Doce;

b) O desenvolvimento de ocupações em locais despovoados, que se inicia com

a facilitação do acesso;

c) Aceleração do processo de fragmentação de ecossistemas;

d) Aumento do desmatamento no entorno;

e) Abandono de áreas de empréstimo e bota-fora, bastante comum na

implantação das rodovias, sem a recuperação ambiental necessária. Existe enorme passivo em

Minas Gerais decorrente destas áreas, que se tornam foco de severos processos erosivos;

f) desenvolvimento de processos erosivos, assoreamento e contaminação de

cursos d’água em razão do carreamento de sedimentos na drenagem pluvial;

g) A utilização de gramíneas exóticas com grande potencial invasor na

recuperação de taludes de estradas causa grande impacto, especialmente no caso de

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empreendimentos localizados em áreas de ocorrência de campos naturais, onde o capim se

espalha como praga, e unidades de conservação;

h) Impactos sobre as comunidades, tais como emissão de particulados, poluição

sonora, risco de acidentes, alteração da dinâmica de vida local e afluxo de população.

i) Alteração do curso d’água (intervenção em APP, transposição de cursos

d’água), com consequências severas para a vida aquática;

j) Poluição de recursos hídricos, pelo transporte de químicos para a faixa lateral

de estradas e além (nutrientes, sais corrosivos, metais pesados, pesticidas e agrotóxicos);

k) Perda de biodiversidade pela supressão de vegetação para implantação,

melhoramento e alargamento de rodovias, causado fragmentação e isolamento de populações;

l) Perda de biodiversidade (fauna) pela perda de habitat, com a supressão de

vegetação, e pela ocorrência de atropelamento da fauna silvestre e doméstica. Tais questões

ainda são tratadas de forma tímida no licenciamento ambiental.

Tais impactos se tornam ainda mais graves ao lado de uma unidade de

conservação de proteção integral. Ainda que não houvesse previsão expressa de exigência de

EIA/RIMA para o licenciamento de estradas de rodagem na Resolução CONAMA Nº 01/86,

resta claro que o empreendimento em apreço, especialmente por sua localização, é

potencialmente causador de impactos ambientais de alta significância, sendo indispensável o

instrumento.

Em julgamento de casos análogos, decidiu o Supremo Tribunal Federal:

CONSTITUCIONAL. MEIO AMBIENTE. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL.

EIA. CF art. 225, § 1º, IV. Cabe ao Poder Público exigir, na forma da lei, para

instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação

do meio ambiente, estudo de impacto ambiental, a que se dará publicidade.

Considerando-se a importância do EIA como poderoso instrumento preventivo ao

dano ecológico e a consagração, pelo constituinte, da preservação do meio ambiente

como valor e princípio, conclui-se que a competência conferida ao Município para

legislar em relação a esse valor só será legítima se, no exercício dessa prerrogativa,

esse ente estabelecer normas capazes de aperfeiçoar a proteção à ecologia, nunca, de

“flexibilizá-la ou abrandá-la”. (STF AgRg no RE 396.541-7 – RS – Rel. Min. Carlos

Veloso. J. 14.06.2005.

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 182, § 3º, DA

CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. ESTUDO DE IMPACTO

AMBIENTAL. CONTRAIEDADE AO ARTIGO 225, § 1º, IV, DA CARTA DA

REPÚBLICA. A norma impugnada, ao dispensar a elaboração de estudo prévio de

impacto ambiental no caso de áreas de florestamento ou reflorestamento para fins

empresariais, cria exceção incompatível com o disposto no mencionado inciso IV do §

1º do artigo 225 da Constituição Federal. Ação julgada procedente, para declarar a

inconstitucionalidade do dispositivo constitucional catarinense sob enfoque. (STF –

ADI 1086/SC – SANTA CATARINA – Rel. Min. ILMAR GALVÃO. J. 

10/08/2001).

Registre-se que o estudo apresentado pelo réu no licenciamento ambiental da

rodovia MG-320/LMG-760, Relatório de Controle Ambiental, além de ser por natureza muito

mais simplificado que o EIA, possui inúmeras falhas metodológicas, omissões e informações

incorretas, conforme demonstra o laudo anexo (Doc.), elaborado por instituição técnica por

solicitação do Ministério Público.

A diferença entre o nível de detalhamento e exigência entre o EIA e o RCA fica

patente pela leitura do art. 5º da Resolução CONAMA 01/1986:

Artigo 5º - O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial

os princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente,

obedecerá às seguintes diretrizes gerais:

I - Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto,

confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto;

II - Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de

implantação e operação da atividade ;

III - Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos

impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos,

a bacia hidrográfica na qual se localiza;

lV - Considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação

na área de influência do projeto, e sua compatibilidade.

O RCA não cumpre, ou cumpre de forma deficiente, as diretrizes acima. O

estudo de alternativas técnicas e de localização seria imprescindível no caso em tela.

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Correções no traçado e obras de arte especiais, específicas para uma estrada que passa ao lado

de uma unidade de conservação de proteção integral, são questões básicas, desconsideradas

no caso. Tampouco houve identificação e avaliação sistemática dos impactos previstos para as

fases de implantação e operação, o que poderia, talvez, explicar a absurda conclusão do órgão

ambiental pela inocorrência de impactos ambientais significativos.

III.2. Não comprovação da viabilidade ambiental do empreendimento. Risco de

extinção de espécies

Aqui, toca-se em um ponto-chave na avaliação do empreendimento: a

possibilidade de extinção de espécies. Estudos na área da Biologia da Conservação indicam

que o tamanho da população é o parâmetro que permite avaliar a chance de sobrevivência de

cada espécie.

Geralmente, o tamanho populacional (e aspectos genéticos correlatos) está

relacionado com o tamanho e a qualidade do ambiente propício (habitat) para cada espécie.

Um conceito que permite uma resposta aproximada é a Análise da População Mínima Viável,

ou seja, quantos indivíduos são necessários para a sobrevivência em longo prazo da espécie

(conseqüentemente, qual a área mínima com qualidade de habitat que a espécie requer para

sobreviver).

Ora, a Constituição Federal de 1988 estabelece que toda atividade econômica

deve respeitar o meio ambiente, assegurando a todos uma existência digna (art. 170, caput e

inciso VI), ao passo em que impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e

preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput). É o que se

costumou chamar de desenvolvimento sustentável, definido como “aquele que atende às

necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras

atenderem a suas próprias necessidades” 6.

E para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente para as presentes e

futuras gerações, a Constituição Federal incumbiu expressamente o Poder Público, dentre

outros deveres, de proteger a fauna e a flora, vedando, expressamente, qualquer prática

que possa provocar a extinção de espécies (inc. VII do §1o do art. 225 da Constituição

6 in, Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso Futuro comum. 2ª ed. Rio de Janeiro:

FGV, 1991, p.46.11

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Federal), dispositivo que inspirou determinação semelhante na Constituição do Estado de

Minas Gerais (art. 214, §1o, V e VI, da CE).

De acordo com o Princípio da Precaução, que deve orientar a análise de todos

os processos de licenciamento ambiental, “quando houver ameaça de danos sérios ou

irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para

postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.7

Vale dizer que, em caso de dúvida ou incerteza, deve-se agir prevenindo. Nas

palavras de PAULO AFFONSO LEME MACHADO, “o princípio da precaução, para ser

aplicado efetivamente, tem que suplantar a pressa, a precipitação, a improvisação, a rapidez

insensata e a vontade de resultado imediato.”8

Fundamental a aplicação do princípio da precaução no presente caso. Uma

parte dos impactos da estrada sobre as espécies ameaçadas já é amplamente conhecida: perda

de habitat e consequente contribuição para o processo de extinção. Mas dados científicos

acerca da população, variabilidade genética e hábitos territoriais são desconhecidos. Assim,

não se sabe quantos indivíduos serão impactos pelo empreendimento, e nem de que forma.

Qualquer decisão do COPAM no sentido de liberar a implantação do

empreendimento estará sendo tomada com base em suposições, ou talvez nem isso.

Destarte, em obediência ao Princípio da Precaução, considerando que existem

sérias dúvidas sobre a viabilidade ambiental do empreendimento, tem-se a dizer que os

estudos que instruíram o procedimento de licenciamento revelaram-se insuficientes.

Nesses termos, é de clareza solar a presença de vício de conteúdo no

procedimento sob exame, haja vista lastrear-se em avaliações incompletas acerca dos

impactos sobre o Parque do Rio Doce, notadamente à fauna, revelando-se situação paradoxal,

que gera perplexidade.

Ensina a melhor doutrina que:

“A licença ambiental foi concebida como fórmula de controle em favor do meio

ambiente. Volto a insistir, não é mera formalidade a ser cumprida pelo administrador.

Tem uma ratio dirigida a um resultado. E quando falta este resultado, o ato como que

clama por invalidação, já que 'cada Ato Administrativo é idôneo para um certo fim; é

veículo hábil para atender determinado desiderato, pois exprime uma competência 7 Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro, de 1992. 8 Direito Ambiental Brasileiro. 13ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores. Pág. 75.

12

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instituída em vista de um dado resultado”. (Édis Milaré e Antonio Herman Benjamin.

In Estudo Prévio de Impacto Ambiental, RT, 1993, p. 103).

Note-se que, em razão da superficialidade do RCA, sequer foram apresentados

ou exigidos dados primários relativos à fauna atingida. Foram utilizados apenas dados

secundários do Plano de Manejo do Parque Estadual do Rio Doce. Nem mesmo o

monitoramento prévio para constatação dos hábitos dos animais silvestres na área do

empreendimento foi realizado, trabalho fundamental para identificar os pontos mais

acessados, onde seriam necessários mecanismos especiais de passagem de fauna, redutores de

velocidade, sinalização específica ou mesmo relocação do trecho. Tais omissões foram da

seguinte forma evidenciadas (Doc.):

Os estudos do meio biótico de flora e fauna foram baseados no Plano de Manejo do

Parque Estadual do Rio Doce (IEF 2002), apresentando um resumo dos itens flora e

fauna. Não houve coleta de dados na Área Diretamente Afetada e Área de Influência

Direta do empreendimento. Os únicos dados primários coletados constam no

inventário florestal e no levantamento de árvores a serem suprimidas no traçado da

rodovia.

Apesar de fornecer dados importantes sobre a biota do Parque, o diagnóstico do Plano

de Manejo está desatualizado. Atualmente, já existe um acréscimo de publicações

científicas com dados recentes em todos os grupos biológicos. A lista de trabalhos

publicados relativos à biota do Parque é extensa, tanto sobre a flora quanto a fauna e

ambientes aquáticos. Nesse ponto, o RCA/PCA desta estrada negligenciou a extensa

bibliografia existente sobre o Parque e seu entorno.

(...)

A compilação de dados do Plano de Manejo do Parque Estadual do Rio Doce

apresentada no RCA foi feita para a avifauna, mastofauna e ictiofauna. As espécies

ameaçadas de extinção destes grupos são citadas no estudo. Porém os estudos RCA e

Plano de Manejo não apresentaram estudos para a herpetofauna (anfíbios e répteis).

Na área do Parque ocorrem 38 espécies de anfíbios anuros (Feio et alli 1998), mas não

existe uma estimativa atualizada para os répteis.

(...)

Além disso, a probabilidade de encontrar espécies raras deve ser considerada pelo

empreendedor. Um novo registro de Bothriopsis bilineata (Viperidae), espécie de

13

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serpente arborícola da Mata Atlântica, até pouco tempo com distribuição restrita aos

estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e Nordeste de Minas Gerais foi

descrito para o Parque (Dias et al. 2008). Esta espécie é considerada rara, de difícil

visualização devido ao habitat arbóreo e ocorre em baixas densidades. É forte

candidata a figurar na próxima revisão da lista da fauna ameaçada, pois no Rio de

Janeiro a espécie está praticamente extinta.

(...)

Anfíbios e répteis apresentam altos índices de atropelamento (Lauxen 2012). Além

disso, anfíbios são totalmente dependentes de corpos hídricos, quer sejam os córregos,

lagoas ou brejos, áreas que podem sofrer impactos pela possibilidade de acidentes

rodoviários envolvendo produtos perigosos. São exemplos de produtos perigosos os

inflamáveis, explosivos, corrosivos, tóxicos, radioativos e outros produtos químicos,

que, embora não apresentem risco iminente, podem, em caso de acidentes,

representarem uma grave ameaça ao meio ambiente (Queiroz et al 2013)

Conclui-se, portanto, que os estudos sobre a herpetofauna do empreendimento foram

negligenciados, prejudicando a análise da viabilidade ambiental.

(...)

A simples menção da presença de espécies ameaçadas de extinção não é suficiente

para realizar uma análise de impactos e proposição de medidas mitigadoras, visto que

cada grupo de fauna tem peculiaridades relacionadas ao seu nicho ecológico, gerando

diferentes implicações nas interações com as mudanças trazidas pelo aumento de

tráfego da estrada. A seguir, listamos algumas espécies presentes nas listas vermelhas,

com alguns dados biológicos relacionados aos possíveis impactos do aumento do

tráfego advindos do asfaltamento da estrada.

• Muriqui-do-norte ou mono-carvoeiro (Brachyteles hypoxanthus) –

Criticamente em Perigo de extinção pela Lista da Fauna Brasileira Ameaçada de

Extinção (Machado et al., 2005), Em Perigo pela Revisão das Listas das Espécies da

Flora e da Fauna Ameaçadas de Extinção do Estado de Minas Gerais (Biodiversitas,

2007). O Parque abriga uma das maiores populações conhecidas e foram registrados

vários grupos familiares na margem esquerda do rio Doce, incluindo grupos próximos

ao empreendimento.

Apesar de existirem registros de muriquis se deslocando no solo, a probabilidade

desse comportamento ocorrer para eventual travessia da estrada é remota. Todavia, a

facilitação do acesso às áreas de ocorrência da espécie é preocupante e demanda,

obrigatoriamente, reforço na fiscalização das fronteiras do Parque.14

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• Sagui-caveirinha ou sagui-da-serra-escuro (Callithrix aurita) – Vulnerável

à extinção pela Lista da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Machado et al.,

2005) e Em Perigo pela lista do Estado de Minas Gerais (Biodiversitas, 2007).

Animais altamente dependentes de sua vocalização característica para defesa de

territórios, estão sujeitos a estresse e alterações comportamentais. Foram observados

na borda do Parque, na margem esquerda do rio Doce.

Espécies do gênero Callithrix frequentemente são observadas atravessando estradas,

mesmo aquelas asfaltadas, sendo o risco de atropelamentos eminente. A espécie nativa

do Parque é o C. aurita, cuja densidade é bastante baixa, entretanto C. penicillata e C.

geoffroyi foram introduzidos na região. Portanto, sugere-se o

monitoramento/levantamento dos grupos sociais que habitam as bordas da estrada

visando a identificação da espécie residente no local e, a necessidade de instalação de

estrutura aérea para passagem de fauna arborícola. Caso se confirme a ocorrência de

espécies invasoras recomenda-se o manejo das mesmas.

• Bugio ou barbado (Alouatta guariba clamitans) – Quase Ameaçado de

extinção pela Lista da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Machado et al., 2005)

e Vulnerável pela lista do Estado de Minas Gerais (Biodiversitas, 2007). Animais

altamente dependentes de sua vocalização característica para defesa de territórios;

estão sujeitos a estresse e alterações comportamentais devido ao ruído gerado pelos

veículos.

• Sauá ou guigó (Callicebus nigrifrons) – Quase Ameaçado de extinção pela

Lista da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Machado et al., 2005). Animais

altamente dependentes de sua vocalização característica para defesa de territórios;

estão sujeitos a estresse e alterações comportamentais devido ao ruído dos veículos.

Espécie com grande potencial de atravessar vias, mesmo asfaltadas, com grande risco

de atropelamento. Recomenda-se o mapeamento das áreas com potenciais para a

instalação de estruturas de passagem de fauna arborícola. A instalação dessas

estruturas deve seguir as orientações apresentadas acima para o gênero Callithrix.

• Macaco-prego (Sapajus nigritus) – Quase Ameaçado de extinção pela Lista

da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Machado et al., 2005). Animais sujeitos a

estresse e alterações comportamentais devido ao ruído gerado.

• Lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) – Considerado Vulnerável à extinção

pela Lista da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Machado et al., 2005) e pela

Lista do Estado de Minas Gerais (Biodiversitas, 2007). Animal registrado no entorno

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do Parque se deslocando nas estradas de acesso. Animais sujeitos a atropelamento nas

estradas de acesso.

• Jaguatirica (Leopardus pardalis) – Considerado Vulnerável à extinção pela

Lista da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Machado et al., 2005) e pela Lista

do Estado de Minas Gerais (Biodiversitas, 2007). Animais sujeitos a atropelamento

nas estradas de acesso e perseguição pela população.

• Gato-do-mato (Leopardus tigrinus) – Considerado Vulnerável à extinção

pela Lista da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Machado et al., 2005) e pela

Lista do Estado de Minas Gerais (Biodiversitas, 2007). Animais sujeitos a

atropelamento nas estradas de acesso.

• Onça-pintada (Panthera onca) – Vulnerável à extinção pela Lista da Fauna

Brasileira Ameaçada de Extinção (Machado et al., 2005). Criticamente em Perigo

pela Lista do Estado de Minas Gerais (Biodiversitas, 2007). Animais sujeitos a

atropelamento nas estradas de acesso e perseguição pela população.

As principais causas de ameaça às onças são a perda de habitat, caça e atropelamento

em estradas. Por apresentarem grandes áreas de vida e se locomoverem por grandes

distâncias, inclusive utilizando estradas, as onças-pintadas ficam expostas ao risco de

atropelamentos e não são raros os casos em que essa fatalidade acontece. A perda de

um indivíduo de onça-pintada representa um impacto muito alto para uma população

remanescente.

• Onça-parda (Puma concolor) – Considerado Vulnerável à extinção pela

Lista da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Machado et al., 2005) e pela Lista

do Estado de Minas Gerais (Biodiversitas, 2007). Animais sujeitos a atropelamento

nas estradas de acesso e perseguição pela população.

• Anta (Tapirus terrestris) – Em Perigo de extinção pela Revisão das Listas

das Espécies da Flora e da Fauna Ameaçadas de Extinção do Estado de Minas Gerais

(Biodiversitas, 2007). O Parque apresenta uma das maiores populações do estado de

Minas Gerais.

• Tatu-canastra (Priodontes maximus) – Vulnerável à extinção pela Lista da

Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Machado et al., 2005), Em Perigo pela

Revisão das Listas das Espécies da Flora e da Fauna Ameaçadas de Extinção do

Estado de Minas Gerais (Biodiversitas, 2007). Registrado na borda do Parque na

margem esquerda do rio Doce.

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• Morcego (Chiroderma doriae) – Quase Ameaçado de extinção pela Revisão

das Listas das Espécies da Flora e da Fauna Ameaçadas de Extinção do Estado de

Minas Gerais (Biodiversitas, 2007).

• Morcego (Platyrrhinus recifinus) – Considerado Vulnerável de extinção pela

Lista da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Machado et al., 2005).

• Lontra (Lontra longicaudis) – Quase Ameaçado de extinção pela Lista da

Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Machado et al., 2005) e Vulnerável à

extinção pela Lista do Estado de Minas Gerais (Biodiversitas, 2007). Animais sujeitos

a estresse e afugentamento pela poluição sonora.

(...)

Especialmente sobre os dados relativos à fauna, cabe destacar a ausência de dados

sobre travessia e atropelamento de animais na rodovia que será asfaltada. É de

conhecimento, tanto do IEF quanto da comunidade vizinha ao Parque, que os animais

se deslocam entre a paisagem composta pela matriz de eucaliptais, pastos e

fragmentos florestais da região.

Um estudo realizado no trecho da BR 381, onde a rodovia atravessa a área da

CENIBRA nos municípios de Santana do Paraíso e Belo Oriente, localizado pouco

mais ao norte do Parque, monitorou os atropelamentos de fauna no período de sete

anos, entre 2005 e 2012. Foram utilizados os registros de atropelamentos feitos por

voluntários que utilizaram a BR-381, analisando-se os pontos de maior incidência e as

espécies envolvidas. Observou-se maior incidência no mês de agosto e o gambá

(Didelphis sp.) foi a espécie mais afetada, seguida pelo tamanduá-mirim (Tamandua

tetradactyla). Algumas das espécies afetadas são citadas em listas oficiais de espécies

ameaçadas a extinção. Foram elas a jaguatirica (Leopardus pardalis) com 5 (cinco)

atropelamentos, lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) com 2 (dois) atropelamentos e a

onça-parda (Puma concolor) com 3 (três) atropelamentos (Figura 1).

Especificamente, em relação à LMG 760, há um trânsito de animais intenso

atravessando a rodovia entre o Parque e a Serra de Marliéria (Figura 2, ponto 1).

As lagoas e eucaliptais situados ao sul da estrada também são bastante utilizadas

(Figura 2, pontos 2 e 3). Portanto, era de se esperar que os estudos ambientais

incluíssem o monitoramento prévio ao longo da estrada, durante a realização dos

estudos de licenciamento, com o objetivo de detectar pontos e rotas de passagem.

Somente com esses dados seria possível planejar a construção de travessias de fauna 17

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adequadas, para tentar minimizar o impacto de atropelamentos e morte de indivíduos,

já que a previsão é de triplicar o atual tráfego da estrada com a pavimentação (Anexo

I). Este tipo de estudo é imprescindível para a análise de viabilidade do asfaltamento

da estrada e sua ausência no processo de licenciamento compromete gravemente a

análise dos impactos e proposição de medidas mitigadoras.

Outro ponto a ser destacado é que algumas medidas de mitigação como construção de

ecodutos (viadutos com cobertura vegetal ou passagens subterrâneas) são equivalentes

às obras de arte especiais em rodovias (ver exemplos de estrutura no Anexo II, Lauxen

2012). A construção dessas passagens deve ser prevista na fase de planejamento, pois

podem exigir movimentação de terra, cortes e aterros além daqueles projetados para a

fase de asfaltamento. Sendo uma estrada já utilizada, mas não pavimentada, é possível

ainda construir estas estruturas que provavelmente seriam eficientes para minimizar os

acidentes com a fauna local.

As medidas de mitigação propostas no PCA são generalistas e representam apenas

duas das medidas preconizadas atualmente para minimizar o impacto de

atropelamento de fauna. Foram elas: 1) implantação de placas de advertência sobre

animais silvestres na região e 2) instalação de quebra molas na entrada e saída dos

fragmentos de mata (pág. 19 do Parecer). Foi citado também que será implantada, na

faixa de domínio, cerca composta de quatro fios de arame farpado. Entretanto, para

evitar a passagem de animais menores pelas cercas, estas devem conter telas com

malha grossa em cima e menor na parte inferior.

(...)

O DER-MG apresentou um documento intitulado “Estudo dos impactos positivos e

negativos causados ao Parque Estadual do Rio Doce, pela implantação e operação da

rodovia entroncamento BR 262/Cava Grande (MG-320 e LMG 760)”, atendendo a

uma solicitação das solicitações de informações complementares da SUPRAM de

2010/11. Neste estudo, há um quadro que lista os elementos ambientais, a

possibilidade de impacto, os elementos da rodovia causadores de impacto, em que fase

(construção/operação) e as modificações ambientais subsequentes. A reprodução de

um trecho sobre espécies ameaçadas indica que os autores não consideraram a

possibilidade de impacto para as espécies raras, ameaçadas de extinção e

protegidas (Figura 2). Tal fato deveria ser reconsiderado pelo empreendedor, pois o

Parque e seu entorno abrigam grande número destas espécies que sofrerão impactos

diretos do asfaltamento da rodovia, como é o caso das mortes por atropelamento que

tem impacto maior em populações pequenas.18

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De fato, um dos maiores danos decorrentes do empreendimento é, sem dúvida,

o atropelamento de fauna silvestre. Nas condições atuais da estrada, que não permitem o

desenvolvimento de alta velocidade, o número de atropelamentos já é crítico! Com o

asfaltamento o tráfego será praticamente triplicado, e a velocidade será muito maior. Sem

medidas de mitigação adequadas, o empreendimento se tornará verdadeiro abatedouro de

animais silvestres, inclusive ameaçados de extinção. Tal impacto já existe, e aumentará de

forma exponencial com o asfaltamento, conforme evidenciam as imagens abaixo, tiradas em

outra estrada asfaltada próxima à Unidade de Conservação9.

Lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) Jaguatirica (Leopardus pardalis)

9 Registros fotográficos de fauna atropelada. Fonte: Monitoramento de atropelamento de animais silvestres no trecho da BR 381. Autores: Jacqueline Michelle de Oliveira Pereira & Jacinto Moreira de Lana - Cenibra

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Tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla)

Sagui (Callithrix geoffroyi) Cachorro-do-mato (Cerdocyon thous)

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Onça-pintada, que vinha sendo monitorada pelo projeto, recentemente atropelada na rodovia. Ver Anexo III (Doc.). Fonte: Folha do Meio Ambiente, Edição Impressa 200105

Onça atropelada na BR-469, que corta Parque Nacional do Iguaçu. Estimativa é que existam cerca de dez indivíduos na unidade. (Foto: Acervo/Parque Nacional do Iguaçu). Ver Anexo III (Doc.).

Gavião se alimenta de capivara atropelada na estrada que cruza a Estação Ecológica do Taim- RS. Foto: Alex Bager. Ver Anexo III (Doc.).

Gatos-do-mato e outros felinos são constantemente abatidos nas rodovias, tornando-os mais vulneráveis aos riscos de extinção. Foto: Alex Bager. Ver Anexo III (Doc.).

Sem ter bons dados sobre atropelamentos da fauna brasileira, os órgãos ambientais ficam limitados no desenho de medidas que mitiguem os impactos. Ver Anexo III (Doc.).

A pesquisa desenvolvida por Alex Bager na ESEC do Taim revelou o número assustador de 100 mil indivíduos mortos por ano, como a lontra da foto acima. Ver Anexo III (Doc.).

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Segundo o parecer único da SUPRAM, foram propostas apenas 4 travessias de

fauna, sem fundamento em estudo que relacione os hábitos dos animais que ocorrem na área e

os tipos de passagem ou locais definidos. O próprio órgão ambiental admite a omissão nos

estudos, e da maior gravidade:

Uma vez não foi contemplada a sazonalidade nas campanhas de amostragem, a equipe

interdisciplinar da Supram-LM recomenda que seja feita a revisão no cronograma

deste Programa, de acordo com o que estabelece a Instrução Normativa IBAMA N.º

146, de 10/01/2007, devendo este ser apresentado ao órgão ambiental competente

(Condicionante 13 do Anexo I).

Segundo a referida Instrução Normativa, absolutamente descumprida no caso,

deveriam ter sido feitas ao menos uma coleta de dados primários de todos os grupos da fauna

no período chuvoso e uma no período seco. É o mínimo para conhecimento dos hábitos dos

animais. Tais dados precisam ser anteriores à obtenção da licença prévia, justamente para

fundamentarem a análise de viabilidade e permitirem a adequada definição de medidas de

mitigação de impactos, tais como locais e tipos de travessia de fauna apropriados, antes de

qualquer intervenção.

A exigência posterior dos estudos é praticamente inócua. Os dados serão

totalmente mascarados pelo próprio afugentamento da fauna, causado pelas máquinas.

Em relação à flora, destaca o laudo que são conhecidas pelo menos 17 espécies

vegetais de ocorrência no Parque presentes nas listas de espécies da flora ameaçadas de

extinção (MMA 2008) e Biodiversitas (2007), sendo que destas apenas Ocotea odorifera e

Euterpe edulis são citadas no RCA, porém sem mencionar o status de ameaçada. A situação

de incerteza impediria a elaboração de programas para a mitigação de impactos específicos

para as espécies ameaçadas.

III.3. Ameaça à Mata Atlântica

Importante ressaltar que a aplicação da Lei Federal 11.428/2006 (Lei da Mata

Atlântica) depende da adequada caracterização da vegetação. A ausência de informações

fatalmente levará ao descumprimento da norma.

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Serão suprimidos aproximadamente 8,5 hectares de Mata Atlântica em estágio

médio de regeneração. Algumas ilegalidades no processo de licenciamento podem ser

facilmente constatadas face ao disposto na Lei da Mata Atlântica. Um primeiro ponto se

refere à inobservância de requisito básico para autorização da supressão, qual seja,

apresentação de estudo de alternativa técnica e locacional , conforme previsão do art. 14 da

citada lei:

Art. 14.  A supressão de vegetação primária e secundária no estágio avançado de

regeneração somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública, sendo que a

vegetação secundária em estágio médio de regeneração poderá ser suprimida nos

casos de utilidade pública e interesse social, em todos os casos devidamente

caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir

alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, ressalvado o disposto no

inciso I do art. 30 e nos §§ 1o e 2o do art. 31 desta Lei.

Portanto, não basta o empreendimento ser declarado de utilidade pública. Deve

ser demonstrado que a alternativa de traçado e as técnicas, especialmente de mitigação de

impactos à fauna, são as melhores para o meio ambiente. Não foram feitos tais estudos no

caso em análise. E nem se diga que existe rigidez locacional em virtude da existência e

estrada de terra. É perfeitamente possível a avaliação de alternativas para afastamento de

trechos.

A SUPRAM Leste Mineiro foi totalmente omissa em relação ao disposto no

art. 11 da Lei da Mata Atlântica, segundo o qual:

Art. 11.  O corte e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e

médio de regeneração do Bioma Mata Atlântica ficam vedados quando:  

I - a vegetação: 

a) abrigar espécies da flora e da fauna silvestres ameaçadas de extinção, em território

nacional ou em âmbito estadual, assim declaradas pela União ou pelos Estados, e a

intervenção ou o parcelamento puserem em risco a sobrevivência dessas espécies; 

b) exercer a função de proteção de mananciais ou de prevenção e controle de erosão; 

c) formar corredores entre remanescentes de vegetação primária ou secundária em

estágio avançado de regeneração; 

d) proteger o entorno das unidades de conservação; ou23

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e) possuir excepcional valor paisagístico, reconhecido pelos órgãos executivos

competentes do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA;

Não há qualquer discussão acerca das vedações no licenciamento. O Decreto

Federal 6.660/2008, que regulamenta a Lei da Mata Atlântica, ainda vai além:

Art. 39.  A autorização para o corte ou a supressão, em remanescentes de vegetação

nativa, de espécie ameaçada de extinção constante da Lista Oficial de Espécies da

Flora Brasileira Ameaçadas de Extinção ou constantes de listas dos Estados, nos casos

de que tratam os arts. 20, 21, 23, incisos I e IV, e 32 da Lei no 11.428, de 2006, deverá

ser precedida de parecer técnico do órgão ambiental competente atestando a

inexistência de alternativa técnica e locacional e que os impactos do corte ou

supressão serão adequadamente mitigados e não agravarão o risco à sobrevivência in

situ da espécie. 

Parágrafo único.  Nos termos do art. 11, inciso I, alínea “a”, da Lei no 11.428, de 2006,

é vedada a autorização de que trata o caput nos casos em que a intervenção,

parcelamento ou empreendimento puserem em risco a sobrevivência in situ de

espécies da flora ou fauna ameaçadas de extinção, tais como:

I - corte ou supressão de espécie ameaçada de extinção de ocorrência restrita à área de

abrangência direta da intervenção, parcelamento ou empreendimento; ou

II - corte ou supressão de população vegetal com variabilidade genética exclusiva na

área de abrangência direta da intervenção, parcelamento ou empreendimento. 

Não existe o referido parecer no processo, apesar da ocorrência de espécies da

flora e da fauna ameaçadas de extinção. No entanto, a autorização para a supressão já foi

inclusive concedida, através das licenças ad referendum, configurando, em tese, o crime

ambiental do art. 38-A da Lei Federal nº 9.605/1998.

III.4. Indevido fracionamento do licenciamento ambiental

Expediente reprovável, explicitamente adotado para burlar o licenciamento e a

exigência de EIA/RIMA, é a fragmentação do empreendimento em duas fases ou mais fases.

A primeira fase é utilizada para consolidar os impactos e forçar a conclusão de viabilidade

futura de todo o empreendimento. Os impactos são subdimensionados, são exigidos estudos

mais simplificados e a análise de viabilidade é feita com fundamento em dados fragmentados.24

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Já há outro processo de licenciamento em trâmite para o segundo trecho da

rodovia, conforme informa o próprio RCA apresentado pelo empreendedor:

Engesolo Engenharia Ltda. apresenta ao Departamento de Estradas de Rodagem do

Estado de Minas Gerais – DER/MG a minuta do Relatório de Controle Ambiental

(RCA) referente ao Contrato, de nº PRC-24.052/08, firmado entre as partes, e ordem

de início em 15/10/08. O objeto do referido contrato consta de Elaboração de Projeto

de Engenharia Rodoviária para Implantação, Melhoramento, Pavimentação,

Restauração e Aumento de Capacidade dos Trechos Timóteo (Contorno) – Entrº São

José do Goiabal, da Rodovia LMG/760, com extensão aproximada de 64,10 km e

Entrº São José do Goiabal – Entrº BR/262, da Rodovia MG/320, com extensão

aproximada de 7,0 km. O presente relatório contempla o trecho "Entroncamento BR-

262 - Cava Grande", uma vez que o complemento do trecho relativo ao "Contorno de

Timóteo" encontra-se ainda em fase de Estudos.

Cumpre esclarecer que, para este segundo trecho, de forma contraditória, está

sendo elaborado EIA/RIMA por exigência da SUPRAM Leste Mineiro. Isso evidencia não

apenas a necessidade de EIA/RIMA para o primeiro trecho, como também a importância de

unificação da análise de viabilidade do empreendimento como um todo. Tal aspecto será

devidamente pormenorizado na Ação Principal a ser proposta.

III.5. Da concessão irregular das licenças ad referendum

Segundo a Constituição Estadual, o órgão de controle e política ambiental deve

ser colegiado, garantida a participação da sociedade civil, competindo-lhe o

estabelecimento de normas regulamentares e técnicas, padrões e demais medidas de caráter

operacional, para proteção do meio ambiente e controle da utilização racional dos recursos

ambientais (inciso IX do §1o do artigo 214 da CE).

Tal exigência da Constituição Mineira está em consonância com o Princípio

da Participação Comunitária na concretização da política ambiental, Princípio de n. 10 da

Declaração do Rio de Janeiro (Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o

Desenvolvimento – ECO-92), ratificada pelo Congresso Nacional via Decreto Legislativo

2/1994, que impõe a participação dos cidadãos no processo decisório da política ambiental,

25

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circunstância que atende aos desígnios da CF/1988 sobre a construção de uma sociedade

solidária (art. 3o, I), também no campo de responsabilidade ambiental (art. 225, caput).

Sem embargo, não bastasse a previsão expressa na Constituição do Estado de

Minas Gerais de um órgão colegiado competente para deliberação sobre todas as medidas de

caráter operacional de proteção do meio ambiente e controle da utilização racional dos

recursos ambientais, a Lei Complementar 140/2011, que trata das competências dos entes

federados para as ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum

relativa à proteção do meio ambiente, exige a existência de conselho de meio ambiente no

Estado como conditio sine qua non para o exercício das ações administrativas de

licenciamento e na autorização ambiental, sob pena de atuação supletiva da União, até a

criação do colegiado (inciso I do art. 15 da Lei).

Na mesma linha, enfatizando a importância dos conselhos de meio ambiente, a

Lei Complementar 140/2011 exige que qualquer delegação pelo ente federativo para a

execução de ações administrativas a ele atribuídas somente será admitida se o ente

destinatário da delegação dispuser de conselho de meio ambiente (art. 5o da Lei).

Ainda nesta direção, atuando no exercício da atribuição instituída pela Lei de

Política Nacional do Meio Ambiente (artigos 6o, II, e 8º, VII, da Lei 6.938/81), o Conselho

Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) já havia editado a Resolução 237/1997, segundo a

qual os entes federados, para exercerem suas competências licenciatórias, deverão ter

implementados os Conselhos de Meio Ambiente, com caráter deliberativo e participação

social (art. 20 da Resolução).

Em Minas Gerais, tal colegiado é denominado Conselho Estadual de Política

Ambiental (COPAM), subordinado administrativamente à Secretaria de Estado de Meio

Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), instituído pelo Decreto nº 18.466, de 29

de abril de 1977, incumbe a análise, concessão ou indeferimento de pedido de licenças

ambientais para atividades causadoras de impactos ambientais, conforme previsão contida no

artigo 10 da Lei nº 6.938/81 c/c artigo 9° do Decreto Estadual nº 44.844/2008 e artigo 11,

inciso VI, do Decreto Estadual nº 44.667/2007.

O COPAM é integrado por diversas Unidades Regionais Colegiadas (URC’s),

as quais consubstanciam unidades deliberativas e normativas, incumbindo-lhes, no âmbito de

sua atuação territorial, a de decidir sobre pedidos de concessão de licença ambiental.

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Não obstante, fato é que o empreendedor solicitou licença ad referendum ao

Secretário de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, que foi concedida

em 23/08/2013, conforme Ofício nº 027/2013 GAB/PRE/COPAM10.

Todavia, como se faz sentir, é fora de dúvida que as disposições criadas por

Decreto que buscam conferir ao Secretário de Meio Ambiente poderes para decidir casos ad

referendum das unidades competentes do COPAM (inc. V do art. 8o do Decreto 44.667/2007),

entre outras, afastam-se dos limites preconizados na Constituição Estadual, no Princípio 10 da

Rio 92, na Lei Complementar 140/2011, na Resolução CONAMA 237/1997 e no art. 3º da

Lei Delegada 178/2007, pervertendo o comando nelas contido, de definição da política

ambiental por órgão colegiado e com participação social.

Vale dizer, o Decreto Estadual 44.667/2007 criou o ad referendum sem amparo

na norma que regulamenta, a Lei Complementar 178/2007, não existindo fundamento legal

para a concessão desta licença.

Vejamos o que diz o Decreto Estadual 44.667/2007:

Art. 8º - Compete ao Presidente:

(...)

V - decidir casos de urgência ou inadiáveis, do interesse ou salvaguarda do Conselho,

ad referendum da unidade competente do COPAM, mediante motivação expressa

constante do ato que formalizar a decisão;

No presente caso, é fácil notar que não há qualquer urgência a justificar a

licença ad referendum.

É o que evidencia o tramite do próprio licenciamento, já que o asfaltamento da

estrada já é aventado há anos, e o próprio licenciamento teve início em 2010. Desde então,

não ocorreu qualquer desastre, acidente, caso fortuito ou de força maior a justificar

tecnicamente a licença.

Cumpre esclarecer que não existe fundamento legal para a concessão de ad

referendum. O Decreto Estadual nº 4.667/2007 criou o ad referendum sem amparo na norma

que regulamenta, Lei Complementar nº 178/2007. Ainda que se admita a possibilidade de

autorizações emergenciais extraordinárias para garantia de integridade da vida, ou mesmo

para obras emergenciais para evitar acidentes ambientais, no caso em apreço não há nenhum

elemento de urgência.10 Grifos nossos.

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Segundo o Parecer Único da SUPRAM Leste Mineiro, as justificativas

apresentadas foram (Doc. 01, p.39):

1. O DER obteve informação que os recursos orçamentários-financeiros necessários

para início das obras de melhoria e pavimentação da Rodovia LMG 760 – Trecho

Entrª BR262 – Cava Grande, objeto de contrato PRC-22.038/12, celebrado com a

empresa Tamasa Engenharia S/A, integrante do Programa Caminhos de Minas, serão

disponibilizados em agosto de 2013;

2. Que a referida obra é de grande interesse da comunidade local uma vez que

favorece a trafegabilidade e incentiva as atividades econômicas e sociais dos

municípios envolvidos;

3. A importância do início das obras antes do período chuvoso, evitando que haja

carreamento de material das obras de terraplanagem e processos erosivos;

As justificativas 1 e 2 não são suficientes para fundamentar uma decisão e

obras a toque de caixa, com diversas ilegalidades e omissões graves. Tornam-se ainda mais

questionáveis diante do fato do licenciamento ter se iniciado em 2010. Recursos financeiros

para asfaltamento de uma estrada justificam o risco de extinção da onça pintada na região do

Parque do Rio Doce, que abriga uma das últimas populações viáveis da espécie em Minas

Gerais? Justificam os danos à fauna silvestre ameaçada de extinção, que será constantemente

vitimada por atropelamentos?

Se o asfaltamento é de grande interesse da comunidade, tal circunstância não

surgiu de um dia para o outro. Sempre houve o interesse, o que não configura urgência.

A justificativa nº 3, no entanto, é a que mais insensata, desafiando a

inteligência e o bom senso comuns. Isso porque as obras foram iniciadas no final de

novembro, justamente quando as chuvas torrenciais começaram.

A concessão do ad referendum usurpa a competência licenciatória do COPAM,

órgão legitimado para analisar o processo, inclusive pela própria participação da sociedade no

conselho. No presente licenciamento, a situação é agravada pelo fato de se tratar de licença

prévia concomitante com licença de instalação, ou seja, as obras não apenas foram

autorizadas, como já iniciadas, consumando o dano em situação paradoxal, porque o órgão

competente para analisar a viabilidade do empreendimento sequer se manifestou. As obras

estão sendo realizadas a toque de caixa, consolidando dano irreparável ao meio ambiente.28

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Tais situações exigem medidas drásticas e exemplares, a par de demonstrar os

administradores públicos que os limites de sua atuação estão nas leis.

IV. DA LIMINAR

No Direito Ambiental, em razão dos princípios da prevalência do meio

ambiente, da prevenção e da precaução, ganham relevo as tutelas específicas de urgência,

sobretudo aquelas que permitem o afastamento do próprio ilícito (ditas inibitórias),

impedindo-se, consequentemente e não raras vezes, a ocorrência do dano ambiental.

A sistemática da tutela judicial ambiental obedece ao entendimento de que

antes da ocorrência do dano ambiental deve-se optar pelo provimento capaz de inibir ou

remover o ilícito.

Há casos, portanto, em que se verifica um ato antijurídico que deve ser

combatido mesmo que ainda não tenha ocorrido dano ou mesmo que nem venha a ocorrer. A

constatação desse ato, pelo simples fato de ser ilícito, deve ensejar provimento jurisdicional

apto à sua inibição/remoção.

Com efeito, no caso em foco, é inarredável a necessidade da concessão de

provimento jurisdicional de urgência (medida liminar) que retire de pauta o processo de

licenciamento ambiental da rodovia MG-320/LMG-760 e suspenda a licença ambiental

ad referendum concedida , autorizando o início das obras. Ressalte-se que as obras

desenvolvidas desde a concessão do ad referendum já causaram impactos, consumando

parcialmente o dano ambiental.

Assim, é justamente como forma de se garantir que a viabilidade ambiental do

empreendimento seja minuciosamente analisada pelo órgão ambiental competente

(licenciador), bem como para se impedir que mais danos ao meio ambiente sejam

concretizados pelos requeridos, é que se mostra imperiosa a rápida atuação do Poder

Judiciário para coibir os desrespeitos à Constituição Federal e à legislação ambiental.

Estão visivelmente presentes os requisitos da cautelaridade necessários para a

concessão da medida liminar pretendida no caso em foco.

Na hipótese vertente, os fatos alegados encontram-se cabalmente demonstrados

pelo conjunto probatório carreado aos autos.

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Outrossim, a verossimilhança das alegações é notória, tendo em vista que o ato

administrativo (processo de licenciamento) ora fustigado contraria textos normativos

expressos, conforme exaustivamente acima demonstrado.

Com efeito, o fumus boni iuris reside na normatização aplicável à espécie, que,

conforme dito, tem sede constitucional, posto que a Carta Magna, no que foi esmiuçada pela

legislação infraconstitucional, estabeleceu a obrigação de preservação do meio ambiente e

previu regramento específico relativamente à necessidade de prévio licenciamento ambiental,

com EIA/RIMA, apto a avaliar efetivamente a viabilidade do empreendimento.

Não se olvide que o ato administrativo consubstanciado nas licenças prévia e

de instalação concomitantes eventualmente concedidas ao réu DER será nulo de pleno direito,

tendo em vista que dispensará indevidamente o empreendedor de demonstrar de fato a

viabilidade ambiental do empreendimento, haja vista a ausência, até o momento, de EIA e das

medidas de mitigação indispensáveis pela natureza do empreendimento.

Já o periculum in mora reside no fato de que, caso não seja retirado de pauta o

processo de licenciamento ambiental em foco e suspensa a licença ad referendum, correr-se-á

o risco de concessão da licença de instalação ao empreendimento, com a consequente

autorização para continuidade e imediato início das obras. Como já mencionado, as obras já

foram iniciadas, sendo emergencial sua paralisação, sob pena de consumação de danos

irreparáveis a um dos mais importantes patrimônios biológicos de Minas Gerais.

Qualquer empreendimento que implique em perda e fragmentação de

habitat de espécie ameaçada contribui proporcionalmente com o processo de extinção .

As populações são proporcionais à área disponível. A redução de área pode levar a “reajuste

populacional”. Não seria possível, no caso, estimar qual seria o declínio das populações,

especialmente diante dos impactos já descritos sobre a fauna.

Destaque-se, dentre as espécies ameaçadas já citadas, a onça-pintada, maior

felino da América Latina. Segundo o Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de

Extinção (p.794), a eliminação do habitat da onça-pintada é o principal fator de ameaça à

espécie, já que as populações demandam grandes áreas com boa qualidade ambiental para se

manterem reprodutivas e estáveis. A divisão da população em fragmentos isolados de habitat

inviabiliza a existência a longo prazo, sendo fundamental, portanto, a manutenção de

conectividade entre os remanescentes de vegetação nativa. A publicação ainda indica como

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principal estratégia de conservação da espécie na natureza a proteção de grandes porções de

habitat, com manutenção de conectividade.

No caso do Parque do Rio Doce, as políticas públicas para a conservação são

inexistentes. A unidade de conservação vem sendo estrangulada por inúmeros

empreendimentos avaliados de forma pontual, sem qualquer preocupação com a garantia de

manutenção de áreas no entorno que possam cumprir o papel de corredor ecológico. Isoladas,

as populações de espécies que fazem grandes deslocamentos tendem a diminuir e desaparecer.

Inexplicavelmente, os estudos ambientais apresentados concluem pela não ocorrência de

impactos sobre espécies ameaçadas de extinção.

Salienta-se, portanto, que a não adoção da medida de cautela, imediatamente,

poderá redundar em irremediável dano ao meio ambiente, com potencial EXTINÇÃO de

espécies na região, o que justifica a pretendida medida de urgência, tal como em várias

oportunidades decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, conforme julgados a

seguir colacionados:

“DIREITO AMBIENTAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LIMINAR - PREJUÍZO -

SITUAÇÃO MAIS GRAVOSA - PRESERVAÇÃO AMBIENTAL - PREVENÇÃO -

AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECURSO DESPROVIDO. - Quando se cuida de

Direito Ambiental, havendo relevância nas alegações feitas por ambas as partes,

prevalece, até definitivo julgamento, a decisão liminar que previne o risco de dano

ambiental, sabidamente de mais difícil restauração.” (TJMG - 1.0672.03.109073-

7/001(1) – Rel. Des. MOREIRA DINIZ – J. 20/05/2004).

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO -

AÇÃO CIVIL CAUTELAR - DEFESA DE BEM DE VALOR PAISAGÍSTICO -

CONCESSÃO DE LIMINAR - PRESENÇA DE REQUISITOS - "FUMUS BONI

IURIS" E "PERICULUM IN MORA" - INTERRUPÇÃO DE ATIVIDADES OU

OBRAS - IMÓVEL QUE SE PRETENDE SEJA TOMBADO - PRESERVAÇÃO DO

PATRIMÔNIO - MANUTENÇÃO - IMPROVIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO.

Presentes os indispensáveis requisitos do "fumus boni iuris" e do "periculum in mora",

deve ser mantida a liminar que determinou aos Agravados a interrupção imediata de

quaisquer atividades ou obras realizadas em imóvel que se pretende seja tombado, sob

pena de se tornar inócua a eventual decisão pela preservação do patrimônio, como

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valor histórico e cultural, se se aguardar o trâmite final de Ação Civil de defesa de

bem de valor paisagístico.” (TJMG - 1.0151.05.011808-3/001(1) – Rel. DORIVAL

GUIMARÃES PEREIRA 23/09/2005).

Vale a pena trazer à baila os ensinamentos do mestre RODOLFO DE

CAMARGO MANCUSO11, que assevera: “Compreende-se uma tal ênfase dada à tutela

jurisdicional preventiva, no campo dos interesses metaindividuais, em geral, e, em especial,

em matéria ambiental, tendo em vista os princípios da prevenção, ou da precaução, que são

basilares nessa matéria. Assim, dispõe o princípio n. 15 estabelecido na Conferência da

Terra, no Rio de Janeiro (dita ECO 92): “com o fim de proteger o meio ambiente, os Estados

deverão aplicar amplamente o critério de precaução conforme suas capacidades. Quando

houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá

ser utilizada como razão para se adiar a adoção de medidas eficazes em função dos custos

para impedir a degradação do meio ambiente”. Igualmente, dispõe o Princípio n. 12 da

Carta da Terra (1997): “importar-se com a Terra, protegendo e restaurando a diversidade, a

integridade e a beleza dos ecossistemas do planeta. Onde há risco de dano irreversível ou

sério ao meio ambiente, deve ser tomada uma ação de precaução para prevenir prejuízos.”

(Grifo nosso).

Disso resulta a necessidade da concessão imediata de tutela de urgência, forte

nos artigos 4o, 11 e 12 da Lei 7.347/1985 (LACP) e 83 e 84, §2º, da Lei 8.078/1990 (CDC).

As Leis referidas integram o sistema de tutela coletiva, em razão do art. 90 do

CDC, que manda aplicar às ações ajuizadas com base nesse Código as normas da Lei de Ação

Civil Pública e do Código de Processo Civil, e do art. 21 da Lei de Ação Civil Pública, que

afirma que são aplicáveis às ações nela fundadas as disposições processuais que estão no

Código de Defesa do Consumidor.

Logo, deve ser deferida a liminar, determinando-se, de pronto, a retirada de

pauta do processo de licenciamento PA/Nº 09043/2010/001/2010, até que ocorra o amplo

saneamento do processo, através da apresentação de EIA/RIMA com a devida consideração

dos impactos ambientais e proposição de medidas mitigadoras efetivas, além da suspensão

das licenças indevidamente concedidas.

11 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e

dos consumidores. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.263.32

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Ressalte-se ser absolutamente dispensável a oitiva prévia do Requerido Estado

de Minas Gerais, haja vista ter ele plena ciência dos fundamentos da ação, tendo, inclusive,

apresentado parecer favorável e concedido Licença Ambiental ad referendum ao

empreendimento.

V. DOS PEDIDOS E DOS REQUERIMENTOS:

Diante do exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO:

a) LIMINARMENTE, inaudita altera pars, que seja determinado:

a.1) a suspensão das Licenças Prévia e de Instalação concedidas ad

referendum pelo Presidente do COPAM;

a.2) ao Estado de Minas Gerais, por meio da Presidência da Unidade

Regional Colegiada do Leste Mineiro do Conselho Estadual de Política Ambiental, que

retire da pauta da 98ª Reunião Ordinária da aludida Unidade Regional Colegiada,

designada para o dia 12 de dezembro de 2.013, às 13:30, na cidade de Governador

Valadares/MG, o processo administrativo de licenciamento ambiental PA/Nº

09043/2010/001/2010, relativo à pavimentação da rodovia MG-320/LMG-760;

a.3) ao Estado de Minas Gerais, por meio da Presidência da Unidade

Regional Colegiada do Leste Mineiro do Conselho Estadual de Política Ambiental, que

se abstenha de pautar para julgamento o aludido processo (ou outro com o mesmo

objeto) até que haja decisão judicial final na ação principal, que será proposta no prazo

legal;

a.4) ao réu Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (DER) que

suspenda imediatamente as obras iniciadas, até que haja decisão judicial final na ação

principal, que será proposta no prazo legal.

tudo sob pena de, não o fazendo ou dificultando o cumprimento das medidas,

serem responsabilizados pessoalmente os seus representantes legais pelo crime previsto no

artigo 330 do Código Penal, sem prejuízo da multa diária a que se refere o artigo 12, § 2º, da

Lei nº 7.347/85 e o artigo 84, § 4º, da Lei nº 8.078/90, a ser fixada por Vossa Excelência, o

que fica desde já requerido à base de R$1.000.000,00 (um milhão de reais), sem prejuízo, 33

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ainda, da aplicação da multa prevista no artigo 14, inciso V, do Código de Processo Civil, que

fica desde já requerida à base de 20% (vinte por cento) do valor da causa.

b) a citação dos réus para, querendo, contestarem a presente ação, que deverá

seguir o rito ordinário, no prazo legal e sob pena de revelia.

c) a inversão do ônus da prova, sendo verossímeis as alegações contidas

nesta peça, segundo as regras ordinárias de experiência, sem embargo da produção de todas

as provas em Direito admitidas, notadamente a juntada de outros documentos, realização de

perícias, oitivas de testemunhas, depoimento pessoal dos réus e outras que se fizerem

necessárias.

d) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos,

desde logo, à vista do disposto nos artigos 18 e 21 da Lei 7.347/1985 e no artigo 87 do

Código de Defesa do Consumidor.

e) a intimação pessoal do Ministério Público do Estado de Minas Gerais

de todos os atos e termos processuais, através da entrega dos autos com vista, na pessoa do

Promotor de Justiça Coordenador-Geral das Promotorias de Justiça por Bacia Hidrográfica de

Minas Gerais, situada na Rua Dias Adorno, n.º 367, 8º andar, Santo Agostinho, Belo

Horizonte/MG - CEP: 30190-100, nos termos do §2º do art. 236 do Código de Processo Civil

e do art. 41, inc. IV, da Lei 8.625/1993.

f) ao final, a PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS, tornando-se definitiva a

liminar pretendida, determinando-se:

f.1) a suspensão das Licenças Prévia e de Instalação concedidas ad

referendum pelo Presidente do COPAM;

f.2) ao Estado de Minas Gerais, por meio da Presidência da Unidade

Regional Colegiada do Leste Mineiro do Conselho Estadual de Política Ambiental, que retire

da pauta da 98ª Reunião Ordinária da aludida Unidade Regional Colegiada, designada para o

dia 12 de dezembro de 2.013, às 13:30, na cidade de Governador Valadares/MG, o processo

administrativo de licenciamento ambiental PA/Nº 09043/2010/001/2010, relativo à

pavimentação da rodovia MG-320/LMG-760;

f.3) ao Estado de Minas Gerais, por meio da Presidência da Unidade

Regional Colegiada do Leste Mineiro do Conselho Estadual de Política Ambiental, que se

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abstenha de pautar para julgamento o aludido processo (ou outro com o mesmo objeto) até

que haja decisão judicial final na ação principal, que será proposta no prazo legal;

f.4) ao réu Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (DER) que

suspenda imediatamente as obras iniciadas, até que haja decisão judicial final na ação

principal, que será proposta no prazo legal.

Dá-se a causa, embora inestimável, o valor de R$1.000.000,00.

Nestes termos,

pede deferimento.

Belo Horizonte/MG, 06 de dezembro de 2.013.

Andrea de Figueiredo SoaresPromotora de Justiça

Curadora do Meio Ambiente de Belo Horizonte

LEONARDO CASTRO MAIA

Promotor de Justiça

Coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente da Bacia do Rio

Doce

CARLOS EDUARDO FERREIRA PINTO

Promotor de Justiça

Coordenador Geral das Promotorias de Justiça por Bacias Hidrográficas de Minas Gerais

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