moda, teatro e nacionalismo nas crÔnicas da...

190
MARCELLA DOS SANTOS ABREU MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA REVISTA POPULAR (1859-1862) Dissertação apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do título de Mestre em Teoria e História Literária (Área de concentração: Literatura Brasileira). Orientador: Dr. Luiz Carlos da Silva Dantas Co-orientador: Dr. Jefferson Cano CAMPINAS 2008 i

Upload: others

Post on 12-Mar-2021

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

MARCELLA DOS SANTOS ABREU

MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA REVISTA POPULAR (1859-1862)

Dissertação apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do título de Mestre em Teoria e História Literária (Área de concentração: Literatura Brasileira).

Orientador: Dr. Luiz Carlos da Silva DantasCo-orientador: Dr. Jefferson Cano

CAMPINAS

2008

i

Page 2: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp

Ab86m

Abreu, Marcella dos Santos.Moda, teatro e nacionalismo nas crônicas da Revista Popular

(1859-1862) / Marcella dos Santos Abreu. -- Campinas, SP : [s.n.], 2008.

Orientador : Luiz Carlos da Silva Dantas.Co-orientador : Jefferson Cano.Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,

Instituto de Estudos da Linguagem.

1. Rosário, Carlos José do. 2. Macedo, Joaquim Manuel de, 1820-1882. 3. Revista Popular (Revista). 4. Romantismo. 5. Crônicas brasileiras - História e crítica. I. Dantas, Luiz Carlos da Silva. II. Cano, Jefferson. III. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. IV. Título.

oe/iel

Título em inglês: Fashion, theater and nacionalism in Revista Popular’s chronicles (1859-1862).

Palavras-chaves em inglês (Keywords): Rosário, Carlos José do; Macedo, Joaquim Manuel de, 1820-1882; Revista Popular (Revista); Romanticism; Brazilian chronicles.

Área de concentração: Literatura Brasileira.

Titulação: Mestre em Teoria e História Literária.

Banca examinadora: Prof. Dr. Luiz Carlos da Silva Dantas (orientador), Prof. Dr. Jefferson Cano (co-orientador), Profa. Dra. Márcia Azevedo de Abreu e Profa. Dra. Maria Lídia Lichtscheidl Maretti.

Data da defesa: 29/02/2008.

Programa de Pós-Graduação: Programa de Pós-Graduação em Teoria e História Literária.

ii

Page 3: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

iii

Page 4: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Dedico este trabalho ao meu

companheiro, José Augusto, pela

paciência, cumplicidade e alegria

compartilhadas durante a nossa caça

aos colibris da imprensa brasileira

oitocentista.

Aos meus pais, Eunice e Moacir, pela

confiança e apoio, e a minha irmã,

Alessandra, pela sugestão de textos e

consultoria de moda gentilmente

prestada a esta pesquisadora que, não

por acaso, parece ter se identificado

com o cronista démodé da Revista

Popular.

iv

Page 5: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

AGRADECIMENTOS

À CAPES, pela Bolsa concedida para a concretização do trabalho

realizado durante mais uma etapa de minha formação acadêmica;

Aos professores

Luiz Carlos da Silva Dantas, pela acolhida e pelos preciosos encontros

de orientação;

Vera Chalmers e Jefferson Cano, pela participação durante o exame de

qualificação, bem como pela partilha da tarefa de co-orientadores nos últimos

meses do Mestrado;

Maria Lídia Lichtscheidl Maretti, pelas valiosas contribuições durante a

qualificação e argüição desta Dissertação, bem como pela confiança e

conhecimentos partilhados desde 2004;

Márcia Abreu, por aceitar com alegria o convite para emitir durante a

defesa seus pareceres tão aguardados nos últimos dois anos de nossa pesquisa;

Luiz Roberto Velloso Cairo, por sempre estar atento às descobertas e

às frustrações decorrentes da caça aos colibris oitocentistas, tarefa que

encetamos juntos no período de Iniciação Científica realizado na Unesp, Câmpus

de Assis;

Aos funcionários

da Biblioteca “Acácio José Santa Rosa” e do Cedap, ambos localizados

na Faculdade de Ciências e Letras de Assis, pela atenção e apoio à pesquisa

iniciada naquela instituição, em 2003;

do AEL, pelo atendimento e pela dedicação à conservação do material

disponível aos pesquisadores de fontes primárias;

Aos meus amigos, colegas e familiares, todos companheiros do

“circuito” Campinas, Louveira, São Paulo e Assis, que me acolheram e me

acompanharam durante tantas viagens, sobretudo nesta, a mais longa, realizada

pelas quinzenas fluminenses de 1859 a 1862.

v

Page 6: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Le feuilletoniste: il vit sur les feuilles comme

un ver à soie, tout en s’inquiétant, comme

cet insect, de tout ce qui file. Les

feuilletonistes, quoi qu’ils disent, mènent

une vie joyeuse, ils règnent sur les

théâtres ; ils sont choyés, carressés !

..................................................................

Le Mondain: celui-là marche avec son

siècle, tout en s’étonnant de l’allure des

choses. (...) Ce savant de l’ Empire avoue

ingénument être d’un autre âge (...). Enfin,

ce vieux critique (...) a de vieux amis et des

vieilles amies. Il représente admirablement

ce qu’on nommait autrefois un littérateur.

Balzac, Les Journalistes.

vi

Page 7: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar a produção de Carlos,

possivelmente Carlos José do Rosário (1824-1855), e d’O Velho, pseudônimo de

Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), publicada na seção “Crônica da

Quinzena” da Revista Popular (1859-1862), a precursora do Jornal das Famílias

(1863-1878) e, ambos, periódicos do empresário francês Baptiste Louis Garnier

(1823-1844). Devido à multiplicidade de assuntos apreendidos durante a leitura e

a síntese das noventa e três crônicas da série que constitui o objeto deste estudo,

foram eleitos, para efeitos de análise, dois temas suscitadores de comentários a

respeito do desejo de afirmação da nacionalidade das manifestações artísticas e

sociais fluminenses de meados do século XIX. Por isso, as discussões

apresentadas acerca do corpus limitam-se à retórica do primeiro colaborador

referente à moda estrangeira no Brasil e ao discurso do segundo cronista sobre o

desenvolvimento do teatro nacional no oitocentos. Tais eixos temáticos parecem

pertinentes para sustentar a hipótese de que emanam da colaboração daqueles

escritores idéias nacionalistas, ora veladas pela exaltação irônica à moda

francesa, ora manifestas pela defesa aos textos e aos atores da cena lírica e

dramática brasileira. As sínteses do material resgatado e as gravuras

microfilmadas durante a pesquisa foram anexadas a esta Dissertação, pois, além

de auxiliarem a delimitação das análises realizadas, podem ser disponibilizadas

aos demais pesquisadores como sistematização de importante fonte para o estudo

dos aspectos culturais do Brasil Monárquico e, ainda, para a investigação sobre a

consolidação entre nós do gênero ao qual pertencem os textos coletados – a

Crônica.

Palavras-chave: Rosário, Carlos José do; Macedo, Joaquim Manuel de, 1820-1882; Revista Popular (Revista); Romantismo; Crônicas brasileiras.

vii

Page 8: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

ABSTRACT

This dissertation aims to analyze the productions by Carlos, possibly

Carlos José do Rosário (1824-1855), and by O Velho, pseudonym of Joaquim

Manuel de Macedo (1820-1882), published under the section “Crônica da

Quinzena” of Revista Popular (1859-1862), which has been the precursor to Jornal

das Famílias (1863-1878). Both periodicals belonged to the French impresario

Baptiste Louis Garnier (1823-1844). Due to the multiplicity of subjects noticed

during the reading and the summarization of the ninety-three chronicles of the

series which constitutes the theme of the present study, for analytical purposes,

two main themes have been selected. The choice of these was grounded in the

fact that both of them engender critical commentaries on the urge for affirmation of

the nationalism in artistic and social manifestations from mid-nineteenth century

Rio de Janeiro. Thus, the discussions presented about the corpus are confined to

the first contributor’s rhetoric concerning the foreign fashion in Brazil and the

second columnist’s discourse on the development of the national dramatic art in

the 1800s. Such themes appear to be pertinent enough to support the hypothesis

that nationalistic ideas are likely to have emanated from these writers, sometimes

veiled by the ironical exaltation of the French fashion, sometimes manifested

through the defense of the texts and participants in Brazilian literary life. The

summaries of the retrieved material and the graphic depictions microfilmed during

the research have been attached to this Dissertation as, besides having aided to

delimit the analyses which were carried out, they can also be made available for

other researchers as the systematization of a source of paramount importance to

the study of the cultural aspects of Brazil when under monarchical rule. Moreover,

they contribute to the investigation on the consolidation in Brazilian writing context

of the genre to which all the collected texts belong – the Chronicles.

Key words: Rosário, Carlos José do; Macedo, Joaquim Manuel de, 1820-1882; Revista Popular (Revista); Romanticism; Brazilian chronicles.

viii

Page 9: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Lista de Figuras

Figura 1 Gravura de modas de Jules David 13Figura 2 Capa da Revista Popular 14Figura 3 Chateaubriand 15Figura 4 Casas recomendáveis 16Figura 5 Eugénie 38Figura 6 Gravura de modas de janeiro de 1860 43Figura 7 Gravura de modas de maio de 1860 47Figura 8 Gravura de modas de julho de 1860 52Figura 9 Gravura de modas de maio de 1859 56Figura 10 Triângulo 1: desejo mimético girardiano................................................59Figura 11 Triângulo 2: desejo segundo o Outro em Emma Bovary 60Figura 12 Gravura de modas de outubro de 1859 62Figura 13 Triângulo 3: desejo mimético nas crônicas da R. P. 63Figura 14 Tabela de contratos e recibos de Garnier a Macedo 79

ix

Page 10: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

A. L. – Arquivo literário

C. Q. – “Crônica da Quinzena”

J. C. – Jornal do Comércio

R. P. – Revista Popular

x

Page 11: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

CAPÍTULO IA REVISTA POPULAR (1859-1862) E A SEÇÃO “CRÔNICA DA QUINZENA”

1. 1 A Revista Popular, sua proposta editorial e seus leitores 111. 2 A seção “Crônica da Quinzena” e seus colaboradores (ou colibris) 26

CAPÍTULO IIPAQUETES, MODAS E SALÕES

2.1 A produção de Carlos, o “mancebo elegante” 372.1.1 Retórica da escrita de Moda e a seção “Crônica da Quinzena” 412.1.2 O desejo mimético e as crônicas de Carlos 58

CAPÍTULO IIIPAQUETES, PEÇAS E SALAS

3.1 O Velho cronista fluminense pelos novos artistas nacionais 74

CONSIDERAÇÕES FINAIS 101

BIBLIOGRAFIA 103

ANEXOS 109

xi

Page 12: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

INTRODUÇÃO

O resgate de textos publicados em periódicos brasileiros dos séculos

XIX e XX tem ocupado inúmeros pesquisadores de Literatura, de História e de

Comunicação Social em nossas Universidades. Há grupos de pesquisa dedicados

a esse tipo de investigação, bem como congressos que promovem a divulgação

de trabalhos com fontes primárias em todas as regiões do país.

Este estudo é resultado de leituras e de reflexões realizadas junto a um

daqueles grupos de pesquisa, intitulado “Memória e Representação Literária”, da

Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Unesp. Tal participação ocorreu

durante o período de Iniciação Científica, com a continuidade do projeto “A crítica

romântica literária brasileira: Revista Popular (1859-1862)”, iniciado por Carlos

Augusto de Melo1. De janeiro a julho de 2004, sob a orientação do Prof. Dr. Luiz

Roberto Velloso Cairo e com o auxílio financeiro do CNPq (PIBIC/ Unesp), foi

possível concluir o levantamento dos textos da seção “Crônica da Quinzena”,

publicada entre 1859 e 1862 naquela Revista, bem como identificar o eixo das

discussões propostas quinzenalmente por seus colaboradores: os aspectos da

vida social e cultural da corte brasileira em meados do século XIX.

Com o intuito de investigar tais aspectos, analisar a presença francesa

na coluna e organizar a antologia das crônicas a partir da transcrição, da

atualização ortográfica e da indexação do material coletado, solicitamos à

FAPESP uma bolsa de Iniciação Científica, com a apresentação do Projeto “As

crônicas da quinzena da Revista Popular (1859-1862): o confronto das idéias

nacionalistas e as influências francesas no século XIX”. As atividades propostas a

essa agência de fomento foram desenvolvidas entre agosto de 2004 e dezembro

de 2005.

A continuidade da pesquisa ocorreu durante o Mestrado realizado junto

ao Instituto de Estudos da Linguagem – Unicamp2, e tem como resultado a 1 Mestre em Teoria e História Literária pela Unicamp em 2005.2 A pesquisa contou, nesse momento, com o financiamento da CAPES e a orientação do Prof. Dr. Luiz Carlos da Silva Dantas.

1

Page 13: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

presente Dissertação, cuja proposta é apresentar e analisar aspectos da produção

de Carlos, possivelmente Carlos José do Rosário (1824-1885), e d’O Velho,

pseudônimo de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), na seção “Crônica da

Quinzena” da Revista Popular: noticiosa, científica, industrial, histórica, literária,

artística, biográfica, anedótica, musical, etc. Devido à multiplicidade de assuntos

apreendidos durante a leitura e síntese das noventa e três crônicas dessa série,

elegemos, para efeitos de análise, dois assuntos dentre tantos que nos pareceram

suscitadores de comentários concernentes à expressão do desejo de afirmação da

nacionalidade das manifestações artísticas e sociais brasileiras, anseio próprio

daqueles cronistas enquanto intelectuais românticos. Tendo ainda em vista que

cada escritor defendeu a seu modo tais ideais na coluna, limitamos nossas

discussões aos temas que, ao nosso ver, caracterizaram o discurso, o estilo e a

pauta dos textos produzidos nas duas fases da seção. Assim, do primeiro

colaborador destacamos a sua crítica velada à soberania da moda estrangeira no

Brasil e, do segundo, as suas reflexões sobre o desenvolvimento do teatro

nacional no oitocentos.

Julgamos essa escolha metodológica adequada, pois há publicações

recentes sobre fontes primárias que aproveitam do material coletado os aspectos

pertinentes para suas reflexões, sem que tal procedimento implique em descartar

todo o trabalho de coleta e síntese realizado a priori. Consideramos que, além dos

resultados obtidos com a delimitação dos eixos temáticos aqui discutidos, a

apresentação dos resumos das crônicas da Revista Popular pode viabilizar outras

pesquisas sobre o corpus resgatado. Assim também procedeu Antônio Dimas

(2006), ao organizar a antologia que reúne os textos da atividade jornalística de

Olavo Bilac, publicados entre 1890 e 1910 em periódicos paulistas e cariocas:

Hesitante ainda quanto ao rumo da pesquisa, decidimos que convinha, ao menos, um sumário de cada crônica para que se não perdessem elas na memória. Mais tarde determinadas as escolhas, que se orientaram por um relativo interesse documental ainda contemporâneo, firmamos a decisão de não expurgar esses

2

Page 14: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

sumários (...), porque acreditamos que, mais que as crônicas escolhidas para a extensa antologia, parceria destes ensaios, podem elas testemunhar a favor da multiplicidade de interesses do cronista ou provocar novas investigações. (DIMAS, 2006, p. 25)

A confissão do pesquisador acerca da hesitação diante da sua

empreitada é reveladora da dificuldade experimentada por todos os que apostam

na pesquisa sobre o gênero textual híbrido do qual faz parte o objeto de nossas

investigações. Conosco não poderia, portanto, ser diferente. Embora tivéssemos

idealizado inicialmente percorrer todos os assuntos abordados na coluna “Crônica

da Quinzena”, verificamos que o recorte para a análise do corpus se fazia

necessário, pois, além de não dispormos de tempo para a realização de tal tarefa

durante o Mestrado, julgamos que a maior contribuição deste trabalho seria

revelar a existência da série resgatada. Dessa forma, as discussões apresentadas

são escolhas dentre tantas outras possivelmente eficazes para sustentar a

hipótese de que emanam do discurso de nossos cronistas idéias nacionalistas, ora

ocultas sob a exaltação irônica à moda francesa, ora manifestas pela defesa aos

textos e aos atores da cena lírica e dramática do Brasil Monárquico.

Antes, porém, de apresentar como procederemos às análises que

compõem a estrutura desta Dissertação, é preciso ressaltar a importância do

veículo no qual fora publicado o corpus coletado, valor constatado desde o nosso

primeiro contato com o periódico, cujo longo subtítulo nos pareceu sintomático da

diversidade de temas explorados por seus colaboradores. Assim, para justificar a

relevância do resgate do conteúdo da Revista, já seriam suficientes o ecletismo e

o prestígio dessa publicação no século XIX, como apontou Nelson Werneck

Sodré, ao apresentar a colaboração de Salvador de Mendonça para a imprensa

oitocentista:

Em São Paulo, Salvador de Mendonça escreve, em 1860, na revista acadêmica O Caleidoscópio e colabora na Revista Popular, editada pelo Garnier, “uma das publicações mais conceituadas do tempo”, pela qual passaram, de 1860 a 1862, Gonçalves Dias, Joaquim Manuel de Macedo, Saldanha Marinho, Justiniano José

3

Page 15: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

da Rocha, Porto Alegre, Bernardo Guimarães, D. J. Gonçalves de Magalhães, Varnhagen, Lafaiete, Zacarias Góis, além de Alexandre Herculano e os irmãos Feliciano de Castilho. (SODRÉ, 1999, p. 192)

Wilson Martins, por sua vez, refere-se à publicação como um órgão do

Romantismo e do nacionalismo literário:

A Revista Popular era um jornal ilustrado da Editora Garnier, circulando a 5 e 20 de cada mês. Publicaram-se 16 volumes e até 1862, quando se transformou no não menos famoso Jornal das Famílias Brasileiras. Foi, ao mesmo tempo, como era próprio da época, um órgão do Romantismo (publicando em folhetins a ficção francesa contemporânea, como, por exemplo, em 1859, o Romance de um Moço Pobre, de Octave Feuillet, autor cuja influência sobre os seus confrades brasileiros ainda está à espera de um estudo), e também do nacionalismo literário, que, apesar das aparências, completava-o e dava-lhe sentido. (MARTINS, 1977, p. 111, v. 3)

Devemos ponderar dois aspectos desses comentários. Como veremos

na apresentação dos objetivos do periódico3, não há plataforma explícita de um

órgão do Romantismo para que fosse considerado como tal. Para os

pesquisadores de crítica literária romântica, entretanto, é reveladora a consulta

aos textos que fizeram parte da projetada História da Literatura Brasileira, de

Joaquim Norberto de Souza e Silva (1820-1891), publicados na Revista Popular,

como afirma ainda o crítico:

Foi na Revista Popular que Joaquim Norberto publicou os capítulos esparsos da sua projetada História da Literatura Brasileira, mas de forma tão desconexa que a própria revista organizou mais tarde (...) um quadro de remissões elucidativas; no tomo II do ano I (1859), saiu a parte inicial do cap. 2º do Livro II, referente às “Tendências dos selvagens brasileiros para a poesia” (continuado no tomo 3º, onde Joaquim Norberto recolhe as lendas indígenas). (MARTINS, 1977, p. 111-12, v. 3)

É também Maria Eunice Moreira quem, em sua pesquisa sobre a

3 1.1 A Revista Popular, sua proposta editorial e seus leitores, p. 11.

4

Page 16: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

produção de Norberto, repete a conceituação “órgão do Romantismo” e demonstra

a importância daquele hebdomadário para a afirmação da nacionalidade de

nossas Letras, tão almejada pelos intelectuais do período:

Órgão do Romantismo, a Revista Popular é considerada (...) o centro dinâmico na renovação das idéias literárias. O interesse da revista pelos assuntos nacionais e o endosso ao programa nacionalista pode ser comprovado pelas publicações de um de seus colaboradores mais assíduos: Joaquim Norberto de Souza e Silva. (MOREIRA, 1996, p. 54)

Outro comentário de Martins (1977) sobre a posição ocupada pela

Revista Popular como precursora do Jornal das Famílias (1863-1878) deve

também ser ponderado. Hallewell (1985) descreve o periódico nos mesmos

termos, o que pode ser enganoso:

Em 1859, B. L. Garnier iniciaria uma publicação quinzenal ilustrada, a Revista Popular, impressa por Pinheiro & Cia., mas tal regularidade permitiu que ela fosse produzida em Paris, a partir de 18624 (com a mudança do nome para Jornal das Famílias). (HALLEWELL, 1985, p. 129)

Parece-nos que para Hallewell e para Martins a Revista teria

simplesmente mudado de nome, sem que tal mudança afetasse a sua proposta

editorial. Preferimos, entretanto, endossar a posição de Alexandra Santos Pinheiro

(2007), que aponta as especificidades e as diferenças dos projetos de cada

periódico da editora B. L. Garnier:

O primeiro empreendimento pretende satisfazer a todos os gostos e profissões: do agricultor ao literato; o segundo restringe-se aos cuidados domésticos, com muitos artigos para “ser lidos apenas para as mulheres”. Além do mais, a própria mudança do nome, levando, conseqüentemente, à mudança de caracterização, já que um é jornal e o outro revista, e a tendência adotada por eles, o primeiro foi mais informativo, político e literário e o outro, mais voltado aos interesses domésticos e femininos: moda e ficção,

4 Ler 1863.

5

Page 17: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

também podem confirmar que a B. L. Garnier publica dois periódicos no século XIX. (PINHEIRO, 2007, 52-53)

Vale esclarecer aquelas alusões, também ao nosso ver equivocadas,

pois, ao longo do levantamento da fortuna crítica da Revista Popular e do Jornal

das Famílias, notamos que algumas das referências feitas à primeira publicação

são devidas ao interesse despertado entre os estudiosos da produção contística

de Machado de Assis. Detectamos em parte das pesquisas até então realizadas

sobre os empreendimentos do empresário francês Baptiste Louis Garnier que,

além da publicação de sessenta a setenta contos neste Jornal5, é possível

identificar três narrativas do autor de Dom Casmurro naquela Revista. Ressalvas

devem ser feitas a esse respeito, pois os trabalhos acadêmicos nos quais foi

mencionada a possibilidade de ter o literato assinado três textos sob os

pseudônimos X. e M. não chegaram a qualquer resposta definitiva sobre tal

problema de autoria.

Na tese de Doutorado A trajetória de Machado de Assis: do Jornal das

Famílias aos contos e histórias em livros, Sílvia Maria Azevedo observa que,

embora Salvador de Mendonça informe a colaboração de seu companheiro na

Revista Popular, o crítico Jean-Michel Massa refuta tal informação, com o uso do

seguinte argumento:

Não há texto algum assinado por Machado nessa revista (...). Machado de Assis figurava entre os colaboradores desde o primeiro número [do Jornal das Famílias] com uma poesia, enquanto que seu nome não aparece no índice da Revista Popular” (MASSA Apud AZEVEDO, 1990, p. 710, v. 3).

5 Daniela Magalhães da Silveira (2005) apontou as controvérsias sobre o número de contos publicados por Machado de Assis no Jornal das Famílias. Segundo a pesquisadora, elas ocorrem por conta da dificuldade de identificação de certos pseudônimos que poderiam, ou não, ter sido utilizados pelo escritor. José Galante de Sousa (1955), por exemplo, identificou como textos de Machado os assinados sob os pseudônimos J., J.J., Job, Victor de Paula e Lara, que, somados às histórias assinadas com seu próprio nome, resultariam em 62 contos. Jean-Michel Massa (1971) ateve-se à produção cuja autoria fora confirmada nas coletâneas organizadas pelo literato e aos textos mais tarde atribuídos por outros estudiosos. John Gledson (2001), por sua vez, afirma que foram publicados 70 contos naquele Jornal.

6

Page 18: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Por outro lado, Alexandra Santos Pinheiro, em sua dissertação de

Mestrado Revista Popular (1859-1862) e Jornal das Famílias (1863-1878): dois

empreendimentos de Garnier, aponta que, dentre os periódicos nos quais Ronald

de Carvalho (1944, p. 313) acredita ter Machado iniciado sua carreira de escritor,

figura a Revista Popular. A pesquisadora observa, entretanto, que para lhe atribuir

a autoria de “Memórias de um grão de café” (R.P., tomo IV, 1859, p. 284), de

“Confidências de um jornal velho” (R. P., tomo IV, 1859, p. 388) e de “O pavão” (R.

P., tomo VIII, 1860, p. 129), se faz necessária uma “(...) análise mais substancial,

que compare a linguagem e o estilo dessas narrativas com os textos de

Machado” (PINHEIRO, 2002, p. 202).

Outro trabalho já destacado sobre a colaboração do escritor naquele

Jornal é a Dissertação de Mestrado Contos de Machado de Assis: leituras e

leitores no Jornal das Famílias, de Daniela Magalhães da Silveira (2005). Nela,

embora encontremos referências sobre as controvérsias em torno do número de

contos daquele literato na segunda publicação periódica da editora B. L. Garnier,

não verificamos qualquer intenção em esclarecer a autoria dos possíveis contos

machadianos publicados na Revista Popular. O problema de autoria não foi

sequer mencionado nas dissertações de Mestrado de Jaison Luís Crestani (2007)

e de Kátia Rodrigues Mello (2007), o que nos surpreendeu, pois a primeira é

integral e a segunda parcialmente dedicada ao estudo dos contos da chamada

primeira fase da produção de Machado, publicados no Jornal das Famílias. Dessa

forma, continua lançado o desafio aos estudiosos da obra machadiana de verificar

a autenticidade de três textos que possam constar futuramente da bibliografia do

fundador da Academia Brasileira de Letras.

Em todo o caso, a fim de que não haja dúvidas sobre a colaboração de

grandes nomes de nossa literatura naquelas publicações, é preciso reiterar que

ambos foram empreendimentos do empresário parisiense Baptiste Louis Garnier,

cujo empenho para o desenvolvimento do ramo editorial no Brasil auxiliou a

promoção de outros escritores conhecidos do público leitor do século XIX, além

daqueles citados no excerto da História da Imprensa Brasileira que aqui

7

Page 19: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

reproduzimos. Ei-los: Augusto Emílio Zaluar, Francisco Bernardino de Souza,

Fernando Wolf, Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, Joaquim Norberto de

Souza e Silva, José Maria Velho da Silva, Luis Antônio Burgain, Antônio Joaquim

de Macedo Soares e Homem de Mello.

É importante notar que não somente aos consagrados Garnier abriu as

portas de sua editora. Foi também Alexandra Santos Pinheiro (2007) quem

destacou a presença de narrativas de literatos não consagrados pela historiografia

literária no Jornal das Famílias e, a partir dessa constatação, formulou uma das

propostas de sua Tese de Doutorado: analisar aquelas produções e compará-las

às de Machado e de Macedo publicadas na sucessora da Revista Popular. O

interesse da pesquisadora pelo Garnier “patrocinador para as letras brasileiras” a

motivou a dedicar um espaço em seu trabalho aos anônimos acolhidos nas

empreitadas do editor francês:

É justamente por reconhecer o tino empresarial de Baptiste Louis Garnier que nossa pesquisa volta o olhar para os autores pouco lembrados pelas histórias literárias. O fato de seus nomes constarem na página de apresentação do periódico desperta em nós a hipótese de que eles, junto a Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo e Bernardo Guimarães, também configuram como símbolo de qualidade para o empreendimento do editor. (PINHEIRO, 2007, p. 70)

Importa-nos essa reflexão, pois, como os pesquisadores aqui citados,

também nos dedicamos inicialmente à leitura e ao resgate de sessões da Revista

Popular destinadas à produção e à crítica literária, nas quais encontraríamos

textos e nomes significativos para a História da Literatura Brasileira. Intrigante,

entretanto, foi a descoberta de uma coluna quinzenal de crônicas cuja autoria é

oculta por pseudônimos. Após a realização do trabalho de coleta e de descrição

do material, notamos que os textos reunidos sob o título “Crônica da Quinzena”

deveriam sair do anonimato. Justifica nossa escolha por essa seção sua

relevância como fonte para os estudos sobre “a vida íntima da sociedade

fluminense” – importância já aventada em 1859 por seu primeiro cronista (cf C.Q,

8

Page 20: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

tomo I, 04/01/1859, p. 56), e, ainda, para as pesquisas recentes dedicadas à

organização de séries inéditas de crônicas, tais quais as que aqui atribuímos a

Carlos José do Rosário e a Joaquim Manuel de Macedo.

Para que esta Dissertação ocupe, portanto, devidamente seu lugar

junto aos demais trabalhos já realizados sobre periódicos literários brasileiros, seu

primeiro capítulo prevê a contextualização das crônicas resgatadas no veículo que

as difundiu, etapa imprescindível para a compreensão das condições de recepção

desse tipo de produção no século XIX. Além da descrição física e da proposta

editorial da Revista Popular, apontamos diferentes definições de crônica propostas

por pesquisadores e escritores de nosso cânone, com o propósito de confrontar as

particularidades do gênero textual em estudo aos objetivos e ao problema de

autoria que caracterizam as duas fases da seção “Crônica da Quinzena”.

Estabelecidos os momentos de produção de cada cronista, passamos à

discussão acerca dos temas que as particularizam e que foram eleitos como

norteadores de nossa análise: a moda e o teatro. Assim, em “Paquetes, modas e

salões”, flagramos a crítica velada do nosso primeiro cronista à difusão da moda

européia entre nós e discutimos essa constatação a partir das considerações

arroladas por Roland Barthes (1979), sobre a retórica da escrita de moda, e por

René Girard (1961), sobre a sua teoria do desejo mimético. Trata-se, então, de um

capítulo analítico, no qual explicitamos as leituras pertencentes ao campo da

Teoria e da Crítica Literárias que nos pareceram pertinentes para a identificação

dos efeitos poéticos emanados das descrições de figurinos e das gravuras de

modas francesas, apresentadas às leitoras da Revista Popular sob o riso irônico e

o crivo nacionalista do primeiro colaborador da seção “Crônica da Quinzena”.

No terceiro capítulo, intitulado “Paquetes, peças e salas”, apontamos,

inicialmente, a contribuição que as crônicas até então inéditas de Joaquim Manuel

de Macedo pode agregar aos trabalhos já realizados acerca da produção do

escritor romântico. Em seguida, explicitamos as reflexões do cronista

concernentes ao desenvolvimento do teatro nacional no oitocentos, com destaque

para sua defesa à produção e à atuação dos artistas brasileiros. Trata-se, assim,

9

Page 21: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

de um capítulo que prioriza o ponto de vista da Historiografia Literária, adequado

ao debate das escolhas temáticas e estilísticas do Dr. Macedinho na coluna em

estudo.

Analisados tais aspectos, retomamos, à guisa de conclusão, os

propósitos da coluna e a sua intersecção com aqueles do periódico, discutidos no

primeiro capítulo. Nesse momento, flagramos os ideais nacionalistas de

intelectuais românticos, como o foi o autor de A Moreninha, que nos parecem

aliados à crítica sutil e irônica à presença francesa em nossas manifestações

artísticas e sociais, iniciada por um assíduo, porém anônimo colaborador da

imprensa fluminense. A convergência de idéias e a pretensa imparcialidade do

discurso desses escritores são, ao final, destacadas como emblema do ecletismo

e do desejo dos redatores do periódico de B. L. Garnier de apresentar a sua

proposta de publicação popular -escrever “de tudo e para todos”, à qual

acrescentamos: todos os letrados, leitoras fascinadas pelas novidades de além-

mar descritas por um “mancebo elegante”, ou leitores ávidos pela defesa do teatro

nacional feita por um Velho démodé.

Anexamos a esse estudo as sínteses das crônicas coletadas, material

que, além de nos auxiliar a delimitar a análise aqui realizada, pode ser

apresentado aos demais pesquisadores como sistematização de importante fonte

para o estudo dos aspectos culturais do Brasil Monárquico e, ainda, para a

pesquisa sobre a consolidação entre nós do gênero ao qual pertencem os textos

coletados – a Crônica.

Explicitados os propósitos, a relevância e a estrutura deste trabalho,

resta-nos, então, fazer convite idêntico ao de Carlos em suas crônicas: en avant!

Encetemos nosso passeio pelas quinzenas fluminenses de 1859 a 1862,

acompanhados, inicialmente, de um moço desconhecido e elegante que cede

passagem, no meio do caminho, a um Velho célebre e démodé.

10

Page 22: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

CAPÍTULO IA REVISTA POPULAR (1859-1862) E A SEÇÃO “CRÔNICA DA QUINZENA”

1.1 A Revista Popular, sua proposta editorial e seus leitores“Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém”. Assim a

Redação da Revista Popular inicia a interlocução com os seus leitores, em carta

de 05 de janeiro de 1859. O novo periódico ilustrado seria publicado

quinzenalmente e impresso no Rio de Janeiro por Quirino e Irmão e por Pinheiro e

Companhia. Os dezesseis tomos, que reúnem cada qual seis dos noventa e seis

números publicados durante os quatro anos de existência do periódico, medem

25x17cm e apresentam textos com capitais ornamentadas, vinhetas, partituras e

folhas com estampas, algumas pintadas à mão6.

Inseridas como encartes dobrados que ultrapassam a medida dos

volumes, destacamos, dentre as gravuras que revelam o potencial gráfico da

Revista, as pranchas de modas coloridas apresentadas aos leitores em papel

couché de 27 x 20 cm, a maior parte ilustradas por Anaïs Coulin Toudouze, Jules

David e Compte-Calix7, artistas franceses reconhecidos por elevar a produção de

figurinos de modas ao estatuto de formas de arte, mesmo que ainda em nossos

dias sejam consideradas menores ou meras fontes históricas para o estudo da

indumentária oitocentista.

Vejamos a gravura de Jules David que reproduzimos a seguir. O nome

do artista acompanha o figurino impresso na Europa que apresenta, além dos 6 Nos exemplares e nos microfilmes aos quais tivemos acesso durante a realização da pesquisa, não é possível visualizar a paginação original dos números avulsos da Revista comercializados entre 1859 e 1862. O material pesquisado está reunido em tomos nos quais as páginas são numeradas pelo critério da encadernação dos volumes. Assim temos, por exemplo, o tomo I, que reúne os meses de janeiro a março de 1859 com a numeração das páginas organizada a partir do algarismo arábico 1 até 384. Para que seja facilitada a consulta ao periódico por outros pesquisadores, quando fizermos referência a artigos nele publicados, utilizaremos a sigla R.P. (Revista Popular), seguida do tomo, da data da publicação do texto e da página do volume em que se encontra. Para as crônicas, utilizaremos o mesmo critério de referência, substituindo R.P. por C.Q (“Crônica da Quinzena”). As imagens que são inseridas ou encartadas nos tomos sem qualquer critério, ou seja, separadas dos textos que a elas se referem (as pranchas de modas, por exemplo) são acompanhadas de legendas nas quais constam o ano e o período que compreende cada tomo.

11

Page 23: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

trajes quentes impraticáveis para o nosso novembro primaveril, a paisagem

onírica de além-mar. Nesta e em outras pranchas de modas aqui reproduzidas, a

única adaptação visível é a impressão do título do periódico, bem como do mês e

do ano em que a prancha foi aportada pelo paquete inglês e publicada no Brasil.

7 Anaïs Colin Toudouze (1822-1899) era uma das três irmãs conhecidas como pintoras de gravura de modas. O pai das três meninas, Alexander Colin, foi pintor e litógrafo, mantendo estreitas amizades com artistas como Delacroix e Gericault. Ele e sua esposa desenharam gravuras de moda e, mais tarde, suas filhas continuariam a tradição da família. Anaïs casou com o arquiteto Gabriele Toudouze e uma de suas filhas, Isabel, continuou a tradição na terceira geração. Após a morte de Gabriele em 1854, Anaïs teve que educar sozinha suas três crianças pequenas e, para tanto, criou inúmeras gravuras de moda que eram publicadas em vinte e sete periódicos dedicados à propagação de estilos. Jules David (1808-1892) era concorrente das irmãs Colin. Foi pintor e litógrafo, tendo a oportunidade de exibir suas produções no Salão de Paris de 1834. Ele desenhou para o periódico Le Moniteur de la Mode, de 1843 até sua morte em 1892, mais de 2.600 gravuras de moda. François-Claudins Compte-Calix (1813-1880) foi o principal ilustrador do periódico Les Modes Parisiennes. Além de seu trabalho com gravuras de moda, ele também foi ilustrador de trajes em livros históricos. Assim como Jules David, participou da exposição no Salão de Paris em 1834. (cf STELLE, 1998, p. 99-111)

12

Page 24: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Figura 1: Gravura de modas de Jules David (R. P., ano 2, tomo VIII, 26/09/1860 a

10/12/1860).8

8 Serão inseridas neste trabalho as reproduções microfilmadas das pranchas de modas às quais se refere o cronista Carlos nos excertos que transcrevemos da seção “Crônica da Quinzena”. Essas gravuras foram encartadas aos tomos da Revista e, em muitos casos, não acompanham os textos que a elas se referem. Por isso, destacaremos o ano, o tomo e o trimestre de sua inserção no periódico, bem como a quais fragmentos por nós citados se relacionam as imagens aqui reproduzidas.

13

Page 25: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Quanto à presença de imagens que exemplifiquem o ecletismo do

hebdomadário, apontamos a sua capa, o retrato dos dois pólos do Rio de Janeiro

na segunda metade do século XIX –rural e urbano.

Figura 2: Capa da Revista Popular, (R.P., ano 1, tomo III, 15/07/1859 a 20/09/1859)

14

Page 26: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Na contracapa havia, geralmente, pinturas de localidades e de

personalidades brasileiras ou estrangeiras, sobretudo francesas, como a imagem

de Chateaubriand que remete à resenha de Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro

sobre a edição crítica de As Memórias de Além Túmulo, publicada pelo conde

Marcellus (cf R.P, tomo I, 20/01/1859, p. 119-122). Poderíamos inferir que esse

recurso era um discreto apelo comercial, principalmente se levarmos em conta

que Garnier aproveitava para divulgar no seu periódico os lançamentos

disponíveis em sua livraria.

Figura 3: Chateaubriand (R. P., ano 1, tomo I, 04/01/1859 a 15/03/1859)

15

Page 27: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Quanto à publicidade do comércio da Corte, somente nos tomos I

(04/01 – 15/03/1859) e II (31/03 – 16/06/1859) notamos páginas reservadas aos

anúncios de consultórios, colégios, relojoeiros, ourives, cabeleireiros, tipografias,

guarda livros, costureiras, pianistas, adegas, sapateiros, oficinas de encadernar,

e, em maior quantidade, de casas de modas e fazendas francesas.

Casas recomendáveis (R.P., ano 1, tomo I, 04/01/1859 a 15/03/1859)

16

Page 28: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

A relevância da inserção de imagens na Revista Popular foi também

apontada na Dissertação de Mestrado de Jussara Menezes Quadros, já que,

segundo a pesquisadora, seria possível classificar tal publicação, a partir do fator

ilustração, como derradeira de uma série de periódicos, dentre os quais se

encontrariam o Ostensor Brasileiro, jornal literário-pictorial (1845-1846), a

Ilustração Brasileira (1854-1855) e O Brasil Ilustrado (1855-1856). Tal classificação

é proposta pelo fato de terem essas publicações adaptado, através da execução

de ilustrações no Brasil, as convenções do gênero magazine, iniciado na Europa

pelo Penny Magazine inglês. Ao agrupar periódicos importantes da primeira

metade do século XIX segundo o critério da presença de gravuras, a pesquisadora

destaca a pretensão de cunho nacionalista daquela adaptação do modelo

europeu, pois

(...) a conquista da possibilidade técnica de reprodução de imagens junto a textos na página impressa adquiria um peso considerável nas preocupações dos literatos, associando-se à necessidade de afirmação de uma literatura romântica nacional e aos ensaios de transposição de nomes de gêneros de ficção em prosa, romances, novelas e crônicas. (QUADROS, 1993, p. 144).

Identificadas em um rápido correr de olhos, as pranchas de moda

francesas e as ilustrações brasileiras reveladoras de pretensa afirmação nacional

podem ter sua percepção ampliada quando o leitor atento flagra, naquele primeiro

exemplar da Revista, o programa do novo empreendimento de Baptiste Louis

Garnier (1823-1844), que teve como diretriz a recepção e o caráter instrutivo da

nova publicação:

Escrevemos de tudo e para todos. (...) É preciso que [o médico, o advogado ou o astrônomo] saiba um pouco de tudo, e que em nenhum ramo de conhecimentos seja totalmente hóspede. Aprofundá-los todos é impossível, mas desconhecer os princípios gerais de algum, quase é vergonha. Lisonjeamo-nos, pois, que nenhum dos artigos que apresentamos aos nossos leitores, será para alguns deles inteiramente destituído de interesse. Quando tratarmos de um assunto científico ou artístico, e embrenharmo-

17

Page 29: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

nos no domínio de uma ciência especial, fa-lo-emos em termos que todos nos entendam. Não teremos mistérios reservados para os iniciados. Quando falarmos ao lavrador, queremos que o financeiro nos compreenda, quando nos dirigirmos ao engenheiro, que o filósofo não fique em jejum. (R. P., tomo I, 05/01/1859, p. 2-3)

Lembremos que o subtítulo “noticiosa, científica, industrial, histórica,

literária, artística, biográfica, anedótica, musical, etc” é representativo da variedade

de assuntos abordados pela publicação. As dezessete seções apresentadas ao

público leitor no primeiro tomo abrangem, como pretendiam seus redatores,

diferentes áreas do conhecimento humano. Ei-las: agricultura, crônica, comércio e

indústria, contos e narrativas, crítica e análises, descrições, economia política,

emigração e colonização, esboços biográficos, higiene, instrução e educação,

geografia, música, física, poesia, romances e variedades. Notamos, entretanto,

que o índice do tomo dezesseis apresenta, em 1862, somente doze colunas:

agricultura, biografia, bibliografia, crônicas, descrições e narrativas, história,

indústria agrícola, literatura, máximas e reflexões, poesias, romances e

variedades.

À primeira vista, julgamos curioso o isolamento das seções crônica,

romance, narrativa e poesia que, como já notara Alexandra Santos Pinheiro

(2002), poderiam figurar juntas na coluna intitulada literatura. Esta, por sua vez, é

exclusivamente dedicada à publicação de textos de crítica literária. Preferimos,

entretanto, considerar que talvez não fossem tão claros nesse período os critérios

para a organização de uma coluna destinada a abrigar todos os gêneros literários

publicados na Revista.

Notamos na carta de apresentação dos objetivos do periódico que os

textos literários e as demais manifestações artísticas se propunham para servir à

diversão, ao descanso e à “instrução amena” dos leitores. Estes, depois de terem

satisfeito “as exigências da matéria”, poderiam voltar seus olhares à poesia, à

pintura e à música:

18

Page 30: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Mas o espírito também precisa repousar, sem suspender inteiramente as suas funções. Nem sempre seremos, pois, sérios, procuraremos também contribuir para o recreio dos nossos leitores. Mas recreando pode-se instruir disfarçadamente, não nos esqueceremos disso. O recreio, que se busca nos livros, deve ser uma instrução amena. (...) A poesia (prosa ou verso) e a música acharão lugar nas nossas páginas, mas, sobretudo, será o buril do gravador, que, auxiliando poderosamente a pena do escritor, virá amenizar as nossas páginas. A pintura não exige de nós senão um volver de olhos para dizer-nos o que a escritura nos não pode ensinar, e às vezes mais imperfeitamente, senão à custa de um tempo, que nem sempre sobra. Outras vezes desafia a gravura, à qual ninguém recusa um olhar, a curiosidade de ler o que sem ela se não leria. (R. P., tomo I, 05/01/1859, p.3)

Para compreendermos o exato valor desse espaço reservado à

diversão e à instrução em nossa Revista, são relevantes as análises recentemente

realizadas de textos do Jornal das Famílias, segundo as quais podemos

apreender até que ponto certas leituras dos dois empreendimentos de Garnier

seriam consideradas amenas:

Divertir, moralizar, instruir por meio da leitura são os objetivos da maioria dos periódicos oitocentistas e essa tríade acompanha os dezesseis anos do Jornal das Famílias. Por isso, surpreendemo-nos com o conteúdo das narrativas destacadas nessa tese. Os redatores e os colaboradores do periódico de Garnier demonstram constante preocupação em cumprir os objetivos citados acima, mas também divulgam nesse jornal as tendências literárias, suas reflexões sobre o fazer literário e o inserem na tentativa de consolidar a literatura brasileira a partir do resgate do folclore nacional. (PINHEIRO, 2007, 242)

Tal como ocorre no Jornal, embora não seja apresentada a plataforma

de um órgão do Romantismo na carta aos leitores da Revista Popular (tomo I), os

redatores assumem as idéias nacionalistas difundidas pelo movimento, o que nos

parece significativo para a leitura de certas colunas, pretensamente amenas e

frívolas, como as crônicas e os romances folhetins. Nelas é nítida a continuidade

da posição de colaboradores das seções de crítica literária, aspecto endossado

naquela primeira carta aos leitores, quando os redatores já afirmaram que, sem

19

Page 31: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

banir a literatura estrangeira, priorizariam a nacional, pois escrevem no Brasil e em

língua portuguesa: “Não correremos os de casa para afagar os de fora”. (R. P.,

tomo I, 05/01/1859, p.3).De fato, na seção de crítica literária são comuns textos que remetem ao

anseio de afirmação da nacionalidade da Literatura Brasileira. A valorização dessa

temática é recorrente, sobretudo em textos críticos como o de Joaquim Norberto

de Souza e Silva em 1º de Abril de 1860:

A nacionalidade da literatura de qualquer povo demonstra-se por si mesma como a expressão de sua inteligência; é ela quem patenteia o espírito e a tendência de suas diversas fases, marchando em progresso ou decadência, segundo as modificações de seus costumes, de seus usos, de suas leis e de seu caráter. (R. P., tomo VI, 01/04/1860, p. 298).

Lembremos que esse crítico empregou seus esforços para a

organização de sua projetada História da Literatura Brasileira, cujos capítulos

iniciais foram publicados na Revista Popular9. Citamos o início do artigo

“Introdução Histórica sobre a Literatura Brasileira”, no qual faz referência às

belezas naturais do Brasil, bem como aos intelectuais que nelas se inspiraram

para engrandecer as nossas Letras:

Além do solo, que lhe coube por herança, o céu benigno, sob cuja influência nascera, o ar suave que o vivifica, a imensidade de seus rios, a magnificência de seus portos e baias, a majestade de suas florestas seculares e as riquezas de suas minas auríferas e diamantinas, coube ao Brasileiro em grande parte, na partilha dos bens celestes, o talento, que distingue os homens entre os outros homens. (R. P., tomo IV, 05/10/1859, p. 357-364)

A valorização das belezas naturais de nossa terra na produção dos

nossos poetas já teria sido apontada como indispensável, em 1826, por Ferdinand

9 A contribuição de Joaquim Norberto à historiografia da literatura brasileira foi publicada na Revista Popular (1859-1862), na Minerva Brasiliense (1843) e na Revista do Instituto Histórico e Geográfico (tomo XVI). Em seus textos, discute os problemas da nacionalidade e originalidade, a literatura do século XVII e a cultura indígena.

20

Page 32: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Denis no seu Résumé de l’histoire littéraire du Portugal suivi du Résumé de

l’histoire littéraire du Brésil, obra considerada o programa para a instituição de

uma literatura genuinamente brasileira. Para compreender as orientações

propostas por esse viajante francês aos nossos vates, tomamos as palavras de

Maria Helena Rouanet:

Episódios “poéticos” e “grandiosos” da História do país, suas produções naturais, sua fauna e sua flora, todos estes elementos precisam ser aproveitados, já que são intrinsecamente dotados de caráter nacional. E, estabelecida esta verdade imperativa – quem não a admitisse não era “conhecedor da História do Brasil” –restava apenas aos poetas do tempo corrigir os erros cometidos pelos seus predecessores cujo “estilo” geralmente não correspondia –em virtude de sua europeização –à pintura a ser feita desta realidade americana. Desta forma só uma pintura americana desses temas nacionais seria capaz de dar um cunho de autenticidade e de originalidade a uma literatura efetivamente brasileira. (ROUANET,1991, p. 252)

Em A literatura no Brasil, Afrânio Coutinho afirma que a temática

denominada “O sentimento da natureza” era uma das respostas dadas à busca do

caráter brasileiro na literatura. Também em 1826, Garrett, em seu Parnaso

lusitano, apontara a falta do lugar merecido à paisagem brasileira nas produções

dos nossos escritores até o momento. Tal constatação é representativa da

confusão do conceito de nacionalidade com o de originalidade. Esta seria,

portanto, decorrente da adaptação da literatura à natureza local:

Certo é que as majestosas e novas cenas da natureza naquela vasta região deviam ter dado a seus poetas mais originalidade, mais diferentes imagens, expressões e estilo, do que neles aparece: a educação européia apagou-lhes o espírito nacional: parece que receiam de se mostrar americanos, e daí lhes vem uma afetação e impropriedade que dá quebra em suas melhores qualidades. (GARRETT Apud COUTINHO, 1997, v.3, p. 323)

Além do apreço à natureza local, Norberto destaca a propensão dos

brasileiros para as Letras, esclarecendo que desde a colonização já se

21

Page 33: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

encontravam aqui historiadores, poetas e oradores capazes de resistir ao jugo

colonial e produzir seus trabalhos. Com isso, desejava provar que, antes de ser

uma nação politicamente independente, o Brasil já o era pela sua literatura. Tal

constatação era evidente no século XIX já que “as efetivas realizações científicas

são percebidas como fenômeno tardio em relação com as realizações

artísticas” (DANTAS, 2000, p. 134-135).

Representativa da observação feita pela “Redação” acerca da presença

da literatura alienígena na Revista Popular é a continuidade do artigo de Joaquim

Norberto, no tomo V. Nesse momento, ele critica a abundância de traduções de

obras estrangeiras no Brasil, pois acredita ser este um obstáculo ao progresso de

nossa literatura (R. P., tomo V, 05/01/1860, p. 21-33).

No tomo VI, amplia tal discussão sobre a influência da nação

colonizadora entre nós. A dúvida que o persegue é posta: seria a falta de uma

língua brasileira a responsável pela influência da literatura portuguesa em nossas

Letras? Ao supor inicialmente a inexistência de uma literatura brasileira, faz

referência às literaturas dos países hispano-americanos que, sob o jugo da língua

e das alegorias da nação colonizadora, também não poderiam existir:

Não há, portanto, literatura brasileira, assim como não há literatura argentina, literatura boliviana, ou literatura mexicana; (...) em muitas e muitas obras escritas por brasileiros consiste um dos principais ornamentos da literatura portuguesa. Tais são os escritos do padre Caldas; tal é o Caramuru de frei José de Santa Rita Durão. (R. P., tomo VI, 01/04/1860, p. 305)

Ao seguir com a defesa da diferenciação do sentimento nacional entre

nós, Joaquim Norberto conclui que, em muitos aspectos, as produções brasileiras

anteciparam-se às portuguesas, sobretudo na reforma arcádica: “(...) quando

Garção, Diniz e outros empreenderam a reforma da poesia portuguesa (...) não

acharam em Cláudio Manuel da Costa um digno predecessor?” (R. P., tomo VI,

01/07/1860, p. 205)

No tomo VIII, encontramos Macedo Soares, intelectual que, como

22

Page 34: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Joaquim Norberto, critica a publicação de traduções de textos literários recorrente

em periódicos daquele momento. Sua crítica incide, sobretudo, na presença da

língua e da literatura francesas no Brasil:

Em nossa ignorância não conhecemos senão a literatura francesa; todas as outras vemo-las através do prisma das traduções francesas. (...) Daí a influência onipotente dos livros franceses, influência muito aproveitável, utilíssima e que a crítica estaria bem longe de temer, se tivéssemos o contrapeso de um gosto reto e esclarecido (...). (R. P., tomo VIII, 01/10/1860, p. 273)

A crítica de Macedo Soares deve fazer referência a uma prática que era

corriqueira na própria Revista Popular. Na seção “Romances”, as duas primeiras

narrativas apresentadas aos leitores eram traduzidas do francês: Dívida de jogo,

sem identificação de autor (tomo I), e O romance de um moço pobre, de Octave

Feuillet (tomos II e III). De um modo geral, a contribuição de estrangeiros era mais

significativa na seção destinada a esse tipo de produção. Além do romance de

Feuillet, de abril a julho de 1861, foi publicada a narrativa Os Guaribaldinos , de

Alexandre Dumas; de abril de 1861 a julho de 1862, Os estudantes de Heidelberg,

de Charles Desley; de julho a dezembro de 1862, A Luneta, de Emile de Girardin.

No que diz respeito às características da poesia publicada no periódico,

constatamos novamente a soberania do modelo francês nos versos aí publicados,

pois eles “(...) parecem obedecer à tendência da época; na sua diversidade

temática, ora amorosos, ora socializantes, ora nacionalistas e, outras vezes, com

tradução de poesia estrangeira, principalmente francesa”. (PINHEIRO, 2002, p.

70)

Notamos que, mesmo empregados todos os esforços dos críticos aqui

mencionados em defender a literatura nacional, e ressaltada a promessa da

redação do periódico em priorizar as produções brasileiras no novo

empreendimento de Garnier, a presença da literatura francesa se sobressai. Esse

parece ser o mesmo caminho trilhado por publicações anteriores, tais como a

Niterói (1836) e a Minerva Brasiliense (1843-1845) que, embora também movidas

23

Page 35: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

pelo sentimento nacionalista próprio do Romantismo, não deixaram de

compartilhar as idéias de além-mar. Acrescente-se a esse fato, a constatação feita

por Décio de Almeida Prado sobre o teatro, verdade que poderíamos transferir a

todas as manifestações artísticas do Brasil, na segunda metade do século XIX:

após a abdicação de D. Pedro I, em 1840, a tutela das artes brasileiras passa das

mãos de Lisboa, para as de Paris. (cf PRADO,1999, p. 141)

Sob o nosso ponto de vista anacrônico, é possível que tenham sido

frustradas parte das expectativas incitadas no público leitor da Revista Popular,

concernentes à presença da literatura nacional em suas páginas. Imaginamos,

entretanto, que, sem pensar se seriam de fato atingidos todos os objetivos

propostos, imediatamente após a leitura do seguinte trecho da missiva, uma

parcela significativa daquele público deva ter contribuído para o cumprimento da

meta de assinaturas traçada por Garnier:

Agora duas palavras convosco, amáveis leitoras. (...) Houve tempo em que a mulher só cultivava o coração, hoje cultiva também o espírito. Não haverá, pois, na Revista parte alguma, que por qualquer princípio vos esteja vedada, formosas filhas de Eva; mas haverá uma privativamente vossa, pelo que ficareis melhores aquinhoadas. (Assinai, pois, ou fazei assinar vossos pais, ou maridos, que é o mesmo.) Os trabalhos de agulha para as solteiras, a economia doméstica para as casadas, e as modas para todas – tudo isto é do vosso exclusivo domínio e nós lhe reservamos um cantinho. (R. P., tomo I ,05/01/1859, p.3-4)

Aliado ao apelo para a adesão de assinaturas, flagramos, nesse

excerto, o retrato da figura feminina do período, através da referência ao espaço

que a Revista dedicaria às mulheres. Ao mencionar que, além do cultivo do

coração, as mulheres preocupavam-se com o cultivo do espírito, os redatores

procuraram abrandar um discurso comum no século XIX: a realização profissional

e intelectual plena era alcançada somente pelos homens. Na verdade,

reconheciam as preocupações do espírito como reservadas ao grupo masculino,

dono das artes e da literatura. À mulher cabiam os interesses domésticos e a

preocupação com a sua aparência. Isso fica evidente no discurso da “Redação”,

24

Page 36: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

quando define o exclusivo domínio do grupo feminino: a costura, a economia

doméstica e a moda.

Dirigidos os elogios àquelas a quem os redatores consideram “a melhor

metade do gênero humano”, passa-se à conclusão da proposta editorial da

Revista. Nesse momento, é reafirmado o seu ecletismo, bem como a extensão de

leitores que deseja conquistar: “A Revista Popular ocupar-se-á, pois, de tudo, e se

dirigirá a todos” (R. P., tomo I, 05/01/1859, p. 4). Pensar no termo “popular”

relacionado com a literatura talvez nos ajude a reconhecer à qual acepção do

adjetivo o periódico de Garnier se referia.

“Popular” designa precisamente essa flexão da literatura ou da escritura (talvez seja esse o seu destino...) uma vez que, exposta ao ver e ao saber de todos, à discrição, ela, que em princípio não pertence a ninguém, senão àquele que a escreve, pode ser doravante lida por todos. (BOLLÈME, 1988, p. 5)

Não podemos confundir, portanto, o uso limitado que hoje fazemos

desse vocábulo com o que os nossos intelectuais românticos idealizavam. Em

nossos dias,

“Popular”, com efeito, veio praticamente substituir “povo”, quer nos enunciados da ciência, quer na linguagem corrente. Hoje o adjetivo é infinitamente mais empregado do que o substantivo. (...) “Popular” parece ser um modo indireto de falar do povo, sem nomeá-lo, de referir-se a ele neutralizando uma relação que a história conferiu o caráter de oposição e enfrentamento, porque povo aqui é sinônimo de sublevações, violência, terror e medo. (BOLLÈME, 1988, p. 12)

Acrescente-se a essas considerações o que Ecléa Bosi apontou sobre

o sentimento de pertença ao povo em seu trabalho sobre as leituras de operárias

no século XX: ser do povo hoje é fazer parte de uma realidade que está “na

cabeça de seus próprios viventes” (BOSI, 1986, p. 13).

Ressaltadas, portanto, tais particularidades, não podemos julgar

anacronicamente as intenções do periódico em estudo. Sabemos que no Brasil

25

Page 37: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Monárquico a população leitora era insignificante comparada à massa de

analfabetos verificada no primeiro censo aqui realizado em 1870: de uma

população de dez milhões de habitantes, 66,4% não eram alfabetizados. Marisa

Lajolo e Regina Zilberman apontaram os percalços para que os escritores

vivessem de sua produção literária no Oitocentos, segundo dados retirados da

obra de Delso Renault (1978) sobre o cotidiano do Rio de Janeiro entre 1850 e

1870. Dessa forma, além das dificuldades técnicas, os literatos poderiam ainda

lamentar o fato de se dirigirem a um público leitor incipiente:

No Brasil do século XIX não foi possível à maioria dos escritores viver de sua literatura. O aparecimento tardio da imprensa foi empecilho notável, determinando, desde o século XVII, a tradição de o escritor depender, para a preservação de seus textos, da aceitação deles por um editor português ou, como foi o caso de Gregório de Matos, da memória popular. (...) As dificuldades técnicas, contudo, não eram o problema maior. Pior era o fato de a população, até o final do século XIX, contar com mais de 70% de analfabetos, problema para o qual intelectuais como Machado de Assis e José Veríssimo alertam. A permanência da escravidão negra, fator de violenta clivagem social entre os poucos brancos educados e o grande número de pretos analfabetos, era a marca mais ostensiva do atraso cultural, emblema de uma economia que a modernização escandalizava. (LAJOLO & ZILBERMAN, 2003, p. 64)

Arroladas a descrição física, a proposta editorial e as ponderações com

relação à identificação do público leitor do primeiro periódico de Garnier, é

chegada a hora de apresentar o objeto de nossa pesquisa nele publicado: a seção

“Crônica da Quinzena”.

1.2 A seção “Crônica da Quinzena” e seus colaboradores (ou colibris)

Em janeiro de 1859, ao folhear as páginas do novo e eclético periódico

que se publica na Corte, o leitor descobre uma página com a margem superior

decorada, seguida do título em letras maiúsculas “CHRONICA DA QUINZENA”. A

capital do parágrafo introdutório é colocada dentro de um desenho que se

26

Page 38: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

assemelha a um espelho. Figura pertinente para ilustrar o convite ao trabalho feito

pelo cronista a sua velha cúmplice: “Vem, minha querida amiga, minha doce

companheira de outros tempos, minha pena de cronista; encetemos de novo a

carreira e conversemos com os leitores sobre a vida íntima da sociedade

fluminense” (C. Q, tomo I, 04/01/1859, p. 56).

A definição que se segue a esse convite, além de explicitar os objetivos

da seção, caracteriza a natureza do gênero textual escolhido para o recreio do

homem de negócios e da dama dos salões:

A crônica é hoje uma necessidade a que não pode furtar-se nenhuma publicação literária e, ainda menos, aquela que se dirige a todas as classes, a todos os gostos, a todas as inteligências, a todos os interesses, que será procurada pela dama elegante, pelo grave estadista, pelo negociante, pelo poeta, por todos que, depois de satisfeitas as exigências da matéria, sentem ainda uma nova necessidade, tão forte, tão justa, tão natural como aquelas – a da ilustração ou de recreio para o espírito. (C.Q., tomo I, 04/01/1859, p. 56)

Exemplo do que seria a melhor definição de crônica até então proferida

em nosso país (cf MARTINS, 1977, p. 111-112), o excerto mostra-se pertinente

para caracterizar uma categoria dentre as diversas assumidas pelo folhetim

brasileiro no século XIX: seção de assuntos variados, aliança do útil e do fútil,

como definiu Machado de Assis, em crônica também de 1859, publicada na revista

O Espelho (cf ASSIS, 2005, p. 40).

Não faltam definições feitas por cronistas, bem como por críticos sobre

o gênero. Em 1877, Machado retoma a discussão sobre a origem da crônica em

uma de suas Histórias de 15 dias, publicada no periódico Ilustração Brasileira

(1876-1878):

Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas há toda a probabilidade de crer que foi coetânea das primeiras duas vizinhas. Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda, sentaram-se à porta para debicar os sucessos do dia. Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Uma dizia que

27

Page 39: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

não pudera comer ao jantar, outra que tinha a camisa mais ensopada do que as ervas que comera. Passar das ervas às plantações do morador fronteiro, e logo às tropelias amatórias do dito morador, e ao resto, era a coisa mais fácil, natural e possível do mundo. Eis a origem da crônica. (ASSIS, 1992, p. 370)

Ironicamente, o escritor ilustra agora com personagens de seu tempo a

fusão do sério e do frívolo, para definir o que Margarida de Souza Neves (1992)

preferiu chamar objeto ou matéria-prima da crônica: o cotidiano. As duas mulheres

que conversam à solta sobre diversos fatos comezinhos, principalmente se esses

envolvem a vida alheia, torna evidente a tentativa do autor em ampliar a discussão

que começara em 1859 sobre os folhetins. Nesse momento, criara a imagem do

colibri para designar o folhetinista, entidade narrativa que como aquele animal “(...)

salta, esvoaça, brinca, tremula, paira e espaneja-se sobre todos os caules

suculentos, sobre todas as seivas vigorosas. Todo o mundo lhe pertence; até

mesmo a política” (ASSIS, 2005, p. 40).

Não poderia haver melhor metáfora para nossos cronistas. José de

Alencar, por exemplo, na seção “Ao correr da pena” do Jornal do Comércio,

explora sem pudor sua destreza de colibri ao saltar de uma tirada política ao

convite feito à famigerada companheira dos narradores-repórteres: “Vem de novo,

minha boa pena de folhetinista, vamos conversar sobre bailes e teatros, sobre

essas coisas agradáveis que não custam a escrever; e que brincam e sorriem

sobre o papel” (ALENCAR Apud NEVES, 1992, p. 75-76)

Afortunadamente, as figuras de linguagem que emanam desses

excertos metalingüísticos foram resgatadas, eternizadas pelos críticos e puderam

ser retomadas em nosso trabalho. Sabemos, entretanto, que uma das

características da crônica é a sua efemeridade: um dia perambulam pelos cafés e

casas de assinantes, no seguinte, é transformada em embrulho de mercadorias

nas lojas de secos e molhados. Em seção da revista Ilustração Brasileira

(1876-1878), Machado endossou genialmente a condição de sobrevivência do

discurso dos cronistas publicado em jornais. Para tanto, utiliza coincidentemente

uma crônica da Revista Popular que teria caído em suas mãos em 1876:

28

Page 40: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Caiu-me há dias nas mãos, embrulhando uma touca de criança, uma folha solta da Revista Popular. A Revista Popular foi a mãe do Jornal das Famílias, do qual o Sr. Garnier é por conseguinte avô e pai. A folha era justamente um pedaço da crônica. A data é de 26 de outubro de 1860. Já lá vão dezesseis anos, a vida de uma donzela, — metade do título de um melodrama, que por esse tempo ainda se representava: —Artur ou Dezesseis Anos Depois. Vamos ao que importa. A referida crônica no dia 26 de outubro de 1860 terminava com esta notícia: “O Catete projetou aniquilar o teatro caricato, que arrasta pesada existência para as bandas de Botafogo, e ideou a construção de um belo templo, onde a arte dramática não fosse rodada e escarnecida por um punhado de verdugos”. (...) Que resta de tamanho projeto? Nem talvez a planta (...). Mas aquilo é uma curiosidade velha, uma notícia morta. Venhamos à coisa novíssima, posto que velhíssima; ou, antes velhíssima, posto que novíssima. (ASSIS, 1992, p. 354)

A ironia com que o escritor se refere à produção de um cronista

transformada, dezesseis anos depois, em mero embrulho de touca de criança

antecipa todas as elucubrações feitas por estudiosos do gênero textual aqui

analisado, como a realizada por Jorge de Sá sobre a transitoriedade da crônica:

A crônica surge primeiro no jornal, herdando a sua precariedade, esse seu trabalho efêmero de quem nasce no começo de uma leitura e morre antes que se acabe o dia, no instante em que o leitor transforma as páginas em papel de embrulho, ou guarda os recortes que mais lhe interessam num arquivo pessoal. O jornal, portanto, nasce, envelhece e morre a cada 24 horas. Nesse contexto, a crônica também assume essa transitoriedade. (SÁ, 2005, p. 10)

Por conta dessa efemeridade, muitos críticos consideram “menor” o

trabalho realizado pelos observadores da vida cotidiana. Assim, não seria

reconhecido como os pertencentes a gêneros consagrados, pois já afirmara

Antonio Candido que “(...) não se imagina uma literatura feita de grandes

cronistas, que lhe dessem o brilho universal de grandes romancistas, dramaturgos

e poetas. Nem se pensaria em atribuir o Prêmio Nobel a um cronista, por melhor

que ele fosse.” (CANDIDO, 1992, p. 13)

Embora Candido (1992) e Arrigucci Jr.(2001) concordem no que diz

29

Page 41: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

respeito à naturalidade com que se aclimatou a crônica no Brasil, a definição

proposta pelo último destaca do “gênero de literatura ligado ao jornal” a

complexidade emanada da sua aparente simplicidade:

Despretensiosa, próxima da conversa e da vida de todo dia, a crônica tem sido, salvo alguma infidelidade mútua, companheira quase que diária do leitor brasileiro. No entanto, apesar de aparentemente fácil quanto aos temas e à linguagem coloquial, é difícil de definir como tantas coisas simples. São vários os significados da palavra crônica. Todos, porém, implicam a noção de tempo, presente no próprio termo, que procede do grego chronos. (...) A crônica sempre tece a continuidade do gesto humano na tela do tempo. (ARRIGUCCI JR., 2001, p.56)

Essa relação com o tempo fez do cronista, já na Idade Média, um

narrador da História e, em seguida, dos casos populares. Quando surge entre nós

na segunda metade do século XIX, a crônica já é matéria do folhetim e, por isso,

esse foi o espaço onde muitos folhetinistas experimentaram os seus vôos de

colibris antes da consagração como escritores pertencentes ao nosso cânone:

O cronista é primeiro folhetinista, como o Alencar de Ao correr da pena. (...) Ali, o escritor iniciante já se sentia sob o signo de Proteu: a matéria mutável e meio monstruosa obrigava o folhetinista a percorrer todo tipo de acontecimentos, com uma volubilidade de “colibri a esvoaçar em ziguezague”. Alencar decerto faz graça romântica, mas é que, desde o princípio, a crônica parece escolher uma linguagem lúdica e esvoaçante para cobrir o espaço enorme entre os grandes e pequenos eventos com que se defronta. (...) Outros autores românticos aproveitaram a mesma deixa, como Joaquim Manuel de Macedo e França Jr. (...).(ARRIGUCCI JR., 2001, p.56-57)

Através da flexibilidade que lhes era exigida para lidar com temas

múltiplos, se preparavam, no terreno da crônica, “para um gênero maior e na

aparência mais seguro por seu inacabamento – o romance”. (ARRIGUCCI JR.,

2001, p. 58). Tal ponto de vista parece coincidir com o apontado na introdução de

História em cousas miúdas (2005). A partir desse trabalho, temos ciência da

30

Page 42: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

tentativa bem sucedida de definição do perfil da crônica entre nós desde quando

se admitiu que, além de dialogar de forma mais direta com as temáticas e as

questões de seu tempo, o gênero textual poderia ser reconhecido, já no século

XIX, como terreno da elaboração narrativa e, portanto, da experimentação literária.

(cf CHALHOUB, NEVES & PEREIRA, 2005, p. 11)

Ao tratar com graça assuntos sérios e frívolos da realidade, os cronistas

não deixaram de explorar uma das facetas da ficção: a composição de

personagens. Criavam identidades a partir dos temas priorizados em suas seções

que os popularizam desde o primeiro ato de interlocução estabelecido com o

público leitor. É o que Gledson constatou como construção da persona do cronista,

em seu estudo sobre a seção de crônicas de Machado de Assis, publicada na

Gazeta de Notícias. Na primeira crônica da série Bons dias, aquela que

tem a função, entre outras, de despistar o leitor e impedir que este adivinhe a identidade do verdadeiro autor, há dicas para a construção de uma espécie de persona para o cronista. Entra nisso muita brincadeira: os leitores não as levariam a sério (...) Primeiro, diz que só escreve por dinheiro (...), e, em seguida, afirma que é um relojoeiro que desistiu do ofício, “cansado de ver que os relógios deste mundo não marcam a mesma hora”. (...) O relojoeiro só aparece em cinco das 49 crônicas, e só nesta primeira é que o seu ofício tem maior relevância. Através da idéia do tempo, e dos relógios que não marcam a mesma hora, Machado se refere ao curso da história, e, em particular, novamente, ao Império como instituição. (GLEDSON, 2006, p. 147-148)

Na Revista Popular, o primeiro cronista da seção “Crônica da Quinzena”

também faz uso desse artifício e se apresenta aos seus interlocutores a partir da

missão assumida junto ao programa idealizado para a coluna:

(...) percorremos incansáveis este infinito domínio, que se estende do salão à rua, da natureza à sociedade, do céu à terra, do coração aos lábios, da verdade ao absoluto, do costume à moda, do sublime ao ridículo, da luz às razões, dos sentimentos, das idéias, dos usos, da vida do Rio de Janeiro; como o perfumeiro de todas essas flores colhidas nos campos da sociedade fluminense

31

Page 43: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

procuraremos extrair – o espírito da quinzena! (C.Q, tomo I, 04/01/1859, p. 57)

A função do perfumeiro que aí se destaca é semelhante à do colibri

machadiano: tratar de frivolidades e “(...) dizer as coisas mais sérias e mais

empenhadas por meio de uma aparente conversa fiada.” (CANDIDO, 1992, p. 20).

Nessa apresentação, a tarefa do cronista e os objetivos da seção para a qual

contribui estão claros, mas a sua identidade não é tão evidente.

No fim da crônica-programa, flagramos o nome em itálico Carlos,

suposta assinatura do perfumeiro - ou beija-flor, para aproveitarmos o campo

lexical explorado por Machado. Identificamos no índice de colaboradores da

Revista Popular o nome Carlos José do Rosário, cuja atuação profissional se

relaciona com os temas abordados nas crônicas em questão. No dicionário Blake,

há informações de que teria sido um dos mais requisitados professores de língua

e de literatura francesas de seu tempo, colaborador de vários órgãos da imprensa

fluminense e, ainda, censor do Conservatório Dramático. Daí a constante

referência à moda, aos costumes importados da França e às peças representadas

nos teatros brasileiros, naquele momento de afirmação da identidade de nossas

manifestações artísticas, dentre elas a literatura e o teatro.

A questão da autoria parecia estar resolvida, mas quando pensávamos

ter engaiolado definitivamente o pássaro, fomos surpreendidos pela declaração de

Wilson Martins que, em sua História da Inteligência Brasileira, atribui a outro

escritor a autoria de 67 (sessenta e sete) textos da primeira fase da seção

“Crônica da Quinzena”: “Carlos, pseudônimo de Antônio Arnaldo Nogueira

Molarinho, que assinava a “Crônica da Quinzena”, havia exposto seu programa a

4 de janeiro [ de 1859].” (MARTINS, 1977, p. 111)

Embora o nome apontado pelo crítico não tenha sido identificado nem

no índice de colaboradores da Revista, tampouco nos dicionários biobibliográficos

consultados até então, o catálogo digital de periódicos raros da Biblioteca Nacional

indica Antônio Arnaldo Nogueira Molarinho como um dos proprietários e redatores

do Arquivo literário: jornal familiar, crítico e recreativo, publicado de agosto a

32

Page 44: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

dezembro de 1863, perfazendo um total de dezessete números. Ao consultarmos

os exemplares microfilmados do periódico, encontramos, do primeiro ao décimo

terceiro número, a assinatura Arnaldo Molarinho em textos das colunas “Literatura”

e “Poesia”. A seção “Variedades” apresentou, por sua vez, no primeiro número do

Arquivo, a crônica sobre os costumes e os teatros fluminenses “Palestra dos

primos”, assinada por Carlos, a mesma assinatura em itálico que verificamos na

Revista Popular. Do segundo ao décimo terceiro número do periódico aquela

seção é intitulada “Palestra” e não é assinada, até que, no décimo quarto número,

Antônio José Carneiro Guimarães, um dos proprietários do periódico naquele

momento, confirma a identidade do possível pseudônimo, ao anunciar em carta

aos leitores a saída do redator e o fim daquela coluna de crônicas: “O Sr. A.

Molarinho abandonou a redação do jornal levando consigo a “Palestra” com que

incomodou assaz os assinantes e deixando-nos com difíceis trabalhos a que

temos de fazer frente.” (A. L., nº 14, 1863, p. 1).

Carlos seria um nome literário, “(...) uma redução do nome próprio por

conveniências de eufonia ou simplicidade” (CANDIDO, 2005, p.88) ou um

pseudônimo? O fato é que o beija-flor continua a esvoaçar, a saltar e a brincar,

embora tudo nos leve a crer que, dada a relação entre as informações sobre a

atuação profissional de Carlos José do Rosário e os temas recorrentes na primeira

fase da coluna em questão (presença francesa e indícios de crítica teatral), seja o

professor o autor das crônicas resgatadas.

Nossa excessiva preocupação com a identidade do primeiro colibri da

série foi relativizada quando identificamos o autor das crônicas publicadas entre

novembro de 1861 e dezembro de 186210, mas constatamos a falta de coerência

entre Joaquim Manuel de Macedo e a persona construída por ele em seu primeiro

contato com o público leitor da seção “Crônica da Quinzena”:Hoje (...), ao receber a Revista Popular, vossos olhos correram

10 Alexandra Santos Pinheiro (2002) atribuiu a Joaquim Manuel de Macedo as crônicas assinadas por O Velho na seção “Crônica da Quinzena”, da Revista Popular. Naquele momento, entretanto, a pesquisadora não revelou a fonte dessa informação, que só conseguimos localizar dentre os pseudônimos de Macedo indicados na Enciclopédia da Literatura Brasileira, organizada por Afrânio Coutinho e José Galante de Sousa (1989, p. 834)

33

Page 45: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

pressurosos, como setenta vezes antes, a procurar o querido cronista, e estou lendo o desânimo e a tristeza em vossos semblantes; porque em lugar de Carlos, o mancebo elegante, discreto, instruído e suave encontrais – O velho – um velho rude, impertinente, maçante e antipático, um velho de óculos e de cabeleira, um velho que traz a mesma casaca que usava em 1823, casaca que nunca virou e por conseqüência inteiramente fora da moda. Em que mãos foi cair a crônica da quinzena da Revista Popular! (C.Q., tomo XII, novembro de 1861, p. 249)

Como Machado criou o seu “relojoeiro” na série “Bons dias”, Joaquim

Manuel de Macedo criou um narrador personagem que despistasse a verdadeira

identidade do autor da segunda fase da seção “Crônica da Quinzena”. Tal criação

pode enganar os leitores, a começar pela relação que não poderia ser

estabelecida entre o pseudônimo adotado, O Velho, e a idade do literato à época.

Macedo era, por exemplo, quatro anos mais novo que Carlos José do Rosário.

Logo, em 1861, tinha 41 anos, o que não representa idade tão avançada para

tamanha antipatia e impertinência do idoso descrito naquela crônica.

Outro dado que coincide com o processo de construção do personagem

da série da Gazeta de Notícias é uma posição política velada sob uma capa, ou

melhor, sob uma casaca de 1823, “casaca que nunca virou e por conseqüência

inteiramente fora de moda” (C.Q., tomo XII, novembro de 1861, p. 249). Ao leitor

desatento e saudoso das 67 crônicas anteriores escritas pelo mancebo elegante a

metáfora se refere somente ao estilo démodé do então responsável pela coluna.

Para quem conhece as opções ideológicas de Macedo e as querelas políticas do

tempo, há mais ironia do que se imagina nesse traje do início do século XIX.

Lembremos que 1823 é o ano da Assembléia Constituinte convocada

em junho de 1822 por D. Pedro I. Dentre os constituintes havia bacharéis, padres,

magistrados, grandes proprietários de terras e funcionários públicos, a maioria

adeptos dos ideais liberais. Como as reivindicações desse grupo majoritário

colocavam em questão a autoridade do Imperador com relação às decisões da

Assembléia e à discussão sobre a cidadania dos portugueses residentes no Brasil,

D. Pedro dissolveu a Constituinte em 12 de novembro de 1823. Houve prisões e

34

Page 46: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

deportações de deputados. Em seu decreto, o Imperador acusa os deputados de

não defenderem a integridade e a independência do Império e esclarece que ele é

um adepto das idéias liberais.

Ora, qual seria a posição d’O Velho? Seria a mesma do Dr. Macedinho,

formado nas fileiras liberais? A partir da leitura da série “Crônica da Quinzena”

flagramos idéias nacionalistas concernentes as nossas manifestações culturais e

sociais que nos pareceram reveladoras de um partidário dos liberais da

Constituinte dissolvida de 1823. Em 1861 nosso Velho, como o seu criador, pode

manter a casaca liberal enquanto adepto das idéias do então imperador D. Pedro

II, também empenhado em apoiar os artistas brasileiros para o desenvolvimento

de nossas letras.

Assim como relativizamos as informações concernentes à verdadeira

identidade de Carlos, nos sentimos à vontade para não concluir elucubrações

acerca da coincidência entre a posição política do Velho e de seu criador, pois,

como observou Gledson, não é relevante a coerência e a verossimilhança na

criação da persona do cronista: “(...) tudo é brincadeira, e as contradições fazem

parte do jogo”. (GLEDSON, 2006, p. 150)

O Velho insiste em estabelecer a divisão de águas entre a sua

produção e a de Carlos e, para isso, naquela mesma crônica de outubro de 1861,

procura conquistar de alguma forma a simpatia de seus leitores com a informação

de que o mancebo elegante continuaria a atuar como colaborador da Revista

Popular:

(...) para modificar a má impressão que devo produzir, começo por declarar que o nosso amigo Carlos não abandonou a Revista Popular. Se o querem descobrir, procurem-no com cuidado: um pseudônimo o esconde com o véu da modéstia; mas a violeta que se oculta entre folhas protetoras é atraiçoada pelo perfume que exala. O estilo, o espírito, as idéias e o merecimento do trabalho respectivo atraiçoam o nosso Carlos. Carlos continua a ser um dos colaboradores da Revista; mas... cuidado! não vão agora dizer que eu não soube guardar este segredo. Um velho com o defeito que mais comum se observa entre as moças deve ser coisa muito ridícula! (C.Q., tomo XII, novembro de 1861, p. 249)

35

Page 47: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Eis que iniciamos outra caça ao colibri. A partir desse número, pareceu-

nos intrigante a publicação de uma seção intitulada “Modas”, logo após da

“Crônica da Quinzena”. A princípio pensávamos que pudesse ser Carlos o

organizador da coluna, mas como não havia nenhum pseudônimo no fim das

descrições de figurinos, começamos a perseguir nosso pássaro nos números

finais da Revista.

Para nossa surpresa, semelhantes à “Palestra” do Archivo literário, nos

tomos XIV, XV e XVI havia também seções denominadas “Palestra fluminense”,

“Palestra do dia”, assinadas por Achimbert, e “Palestra brasileira”, por Fluviano.

Identificamos, entretanto, que as assinaturas ali apresentadas já tinham sido

apontadas em estudos sobre a Revista Popular como pseudônimos de Joaquim

Norberto de Sousa e Silva, sendo o primeiro utilizado para os assuntos históricos

e variedades e, o segundo, para as páginas amenas e humorísticas (cf MOREIRA,

1996).

Nosso olhar voltou-se então para uma seção que se apresentou nos

tomos XII e XIII como “Prazeres da corte”, assinada pelo pseudônimo

“Guaracinga”, e, nos tomos XV e XVI, como “Prazeres do campo”. Embora essa

ainda seja uma hipótese não confirmada, o estilo e a temática dessas colunas nos

levam a crer que estejamos próximos da “violeta” mencionada por Macedo.

Salvo todas as hipóteses que não pudemos averigüar até a conclusão

deste trabalho, o nosso intuito é apresentar as temáticas que foram

significativamente contempladas por cada cronista, no decorrer dos quatro anos

de publicação das crônicas quinzenais do periódico de Garnier. Verificaremos em

que medida ambos apresentaram em seu discurso idéias nacionalistas, o primeiro,

através da crítica à soberania da moda e do teatro franceses entre nós e, o

segundo, pela defesa à produção e à interpretação das peças de artistas

nacionais. É, portanto, a essa tarefa que nos ocuparemos nos próximos capítulos

dedicados à análise da produção do “mancebo elegante” e d’O Velho démodé na

seção “Crônica da Quinzena”.

36

Page 48: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

CAPÍTULO IIPAQUETES, MODAS E SALÕES

2.1 A produção de Carlos, o “mancebo elegante”A contribuição das crônicas da Revista Popular para o exame dos

aspectos sociais da corte brasileira foi constatada a partir das referências feitas

por Gilda de Mello e Souza (2001) a esses textos, em seu trabalho sobre a moda

no século XIX. Deles e das descrições de figurinos publicadas no periódico O

Novo Correio de Modas (1852-1854) a pesquisadora teria recolhido exemplos que

auxiliaram a sua análise sociológica do vestuário feminino, influenciado, naquele

momento, pelas modas francesa e inglesa. Tais periódicos se destacaram por

apresentarem às leitoras tupiniquins as novas tendências dos trajes de além-mar:

(...) Revistas como Le Follet, Nouveau Paris de Mercier, The Young Englishwoman, trazem sempre a sua prancha de modas. O mesmo acontecia com nossas publicações como a Revista Popular e O Novo Correio de Modas, que reproduziam as admiráveis aquarelas de Anais Toudouze, fazendo uma pormenorizada descrição dos trajes. Por isso, no Brasil, a entrada do paquete inglês era esperada com sobressalto, pois junto com as notícias internacionais chegavam as regras da elegância. A crônica social de 16 de março de 1860, da Revista Popular, abre-se alvissareira com a notícia da última revolução havida nas altas e aristocráticas regiões da moda – a imperatriz Eugênia havia abandonado a crinolina. (SOUZA, 2001, p. 224)

37

Page 49: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Figura 5: Eugénie - retrato de Franz Winterhalter

(R.P., ano 2, 1860, tomo VIII, 26/09/1860 a 10/12/1860)

38

Page 50: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Notamos que o interesse das damas brasileiras pela moda era

observado e, por isso, alimentado quinzenalmente com a apresentação de

gravuras de modas e de comentários sobre os costumes de personalidades

européias do século XIX, como foi o caso apontado por nosso cronista sobre a

novidade estabelecida pela esposa de Napoleão III, a imperatriz Eugénie

(1826-1920), considerada, graças à dedicação do modista inglês Charles

Frederick Worth (1825-1895), a referência na difusão do uso da saia crinolina11.

Além de incitar as leitoras através de alusões aos costumes das

celebridades do tempo, vale reiterar que a introdução de pranchas coloridas de

página inteira era também uma escolha feita por editores de periódicos, ainda em

fins do século XIX, no lugar do habitual recurso da isca do romance-folhetim.

Marlyse Meyer nota esse fenômeno em seu estudo sobre a revista Estação,

quando apresenta a carta dirigida às leitoras do final de 1879 com as promessas

para o ano seguinte:

Demos agora uma nova forma à parte literária, adornando-a com gravuras e convidando para a redigir alguns de nossos escritores prediletos. (...) [O] sistema de associação do assinante à empresa (...) permitiu, pela módica quantia de 12$ anuais, que este jornal desse aos seus assinantes a soma de matéria e gravuras superior à de qualquer publicação ilustrada (...) [e] moldes cortados, principalmente em corpinhos. A nossa parte literária vai ser ampliada e sofrer diversos melhoramentos que o tornará um verdadeiro jornal literário e ilustrado. (MEYER, 1992, p. 444-445)

É preciso destacar que a inserção de imagens referentes às novas

11 James Laver (1989) aponta a relação simbólica da invenção da crinolina com a época em que floresceu, ou seja: “em um de seus aspectos, simbolizava a fertilidade feminina, como um aumento do tamanho aparente dos quadris sempre parece sugerir. (...) Em outro sentido, a crinolina era um símbolo do suposto distanciamento das mulheres. A saia rodada parecia dizer ‘Você não pode se aproximar nem para beijar a minha mão’. Mas é claro que a enorme saia rodada era um grande fingimento; ela era um claro instrumento de sedução (...). A crinolina estava de um lado para o outro. Era como um balão cativo muito agitado (...). A crinolina, com toda certeza, não era um traje virtuoso, e a época em que atingiu o seu maior desenvolvimento, o Segundo Império francês, não foi uma época de muita moralidade (...). Parece ter havido, certamente, uma relação simbólica entre a crinolina e o Segundo Império, com sua prosperidade material, sua extravagância, suas tendências expansionistas... e sua hipocrisia”. E a rainha da crinolina foi a própria imperatriz Eugênia”. (LAVER, 1989, p. 184; 185)

39

Page 51: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

tendências européias foi explorada nos 67 (sessenta e sete) textos publicados sob

o pseudônimo Carlos (de 4 de janeiro de 1859 a 1º de novembro de 1861),

período que classificamos como primeira fase da coluna de crônicas da Revista

Popular. Aqui julgamos importante retomar a maneira como Gilda qualifica o texto

da seção “Crônica da Quinzena” por ela citado: crônica social. Esse aspecto,

aliado ao fato de ter sido o primeiro cronista da coluna um observador dos salões

fluminenses e das vitrines das modistas francesas instaladas na Rua do Ouvidor,

parece ser suficiente para nos apontar a importância do corpus estudado como

retrato de parte da vida cotidiana do Rio de Janeiro em meados do século XIX.

Esse mérito, como apontou Gilda de Mello e Souza (2001), não foi

exclusivo da publicação de Garnier. Já em 1852 os assuntos relacionados às

novas tendências da Moda inglesa e, sobretudo, francesa, levaram a “Casa E. H.

Laemmert” a publicar uma revista dedicada exclusivamente à difusão de estilos na

corte brasileira: o Novo Correio de Modas (1852-1854). Com seção de crônicas

análoga à que seria publicada mais tarde pela Revista Popular - “Folhetim da

Quinzena”, apresentou a descrição de figurinos copiados de revistas inglesas e

francesas como The English Woman’s Magazin, Le courrier des dames, Le

Moniteur de la mode, Les modes parisiennes, Le journal des demoiselles e Le

journal des dames. Trazendo quinzenalmente pranchas de modas que

reproduziam as aquarelas de Anaïs Toudouze (1822-1899), aqueles periódicos

brasileiros dedicavam crônicas ou colunas especializadas às descrições

pormenorizadas dos trajes que deveriam ser usados pelas leitoras do Brasil.

Ora, a escolha pelo sexo feminino pode ser explicada graças a uma das

características da crônica que já discutimos: a suscetibilidade dos redatores aos

anseios dos seus interlocutores, cuja maioria, nesse caso, poderia ser identificada

como mulheres. Dessa forma, os cronistas passaram a dedicar parte de seus

textos a assuntos que, na Revista Popular (1859-1862), por exemplo, a Redação

do periódico considerava reservados ao público feminino: a costura, a economia

doméstica e a moda. Tais temas são explicitados como incentivo à leitura e,

40

Page 52: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

sobretudo, como propaganda da assinatura daquela Revista, na já citada

Introdução ao seu primeiro tomo. (R. P., tomo I, 05/01/1859, p. 4)

Tendo em vista essas descrições de figurinos que fazem parte de textos

pertencentes a um gênero textual considerado o terreno da experimentação

literária de escritores brasileiros do século XIX, pareceu-nos interessante, em um

primeiro momento, lançar mão das considerações até aqui feitas sobre a

relevância da descrição de roupas em nossas crônicas e, compará-las à terceira

parte da obra Sistema da Moda – “O Sistema Retórico”, de Roland Barthes, na

qual será identificado o papel da conotação e da denotação como níveis de

análise dos pressupostos ideológicos latentes na escrita de moda. Em seguida,

destacamos outra visada possível para a análise da presença da moda francesa

na interlocução estabelecida entre o primeiro cronista e o público leitor feminino

das nossas crônicas: as considerações feitas por René Girard (1961) a respeito do

desejo mimético que, além de explicitar os mecanismos geradores da disputa

incitada entre as freqüentadoras dos bailes e dos teatros fluminenses do

oitocentos, é reveladora das idéias nacionalistas suscitadas pela crítica de Carlos

à aceitação da indumentária européia entre nós.

2.1.1 Retórica da escrita de Moda e a seção “Crônica da Quinzena”

Na terceira parte do Sistema da Moda, intitulado “O Sistema Retórico”,

o crítico francês Roland Barthes (1915-1980) apresenta cinco princípios de

análise: O significante retórico - a escrita de Moda; O significado retórico - a

ideologia de Moda; Retórica do significante - a Poética do vestuário; Retórica do

significado - o mundo da Moda e Retórica do signo – a razão de Moda. À medida

que apresentarmos cada um desses princípios, destacaremos a sua contribuição

para a análise que pretendemos traçar dos enunciados de Moda presentes nas

crônicas da Revista Popular (1859-1862).

Inicialmente, no que diz respeito à escrita de Moda como significante

retórico, o autor recorreu à terminologia proposta em O grau zero da escrita, ao

41

Page 53: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

destacar que os enunciados desse domínio não revelam um estilo (fala individual

absolutamente singular, de um escritor, por exemplo), mas de uma escrita (fala

coletiva de um grupo limitado). Acrescenta a essa constatação a pretensa

imparcialidade do redator na descrição de roupas:

En décrivant un vêtement ou son usage, le rédacteur n’investit dans sa parole rien de lui-même, de sa psychologie profonde ; il se conforme simplement à un certain ton conventionnel et réglé (on pourrait dire un ethos), à quoi on reconnaît d’ailleurs tout de suite le journal de Mode ; on verra au reste que le signifié rhétorique des descriptions vestimentaires compose une vision collective articulée sur des modèles sociaux, et non sur une thématique individuelle12. (BARTHES, 1967, p. 256)

Atribui ao fato de ser o enunciado de Moda inteiramente absorvido em

uma simples escrita a impossibilidade de sua relação com a Literatura. Alerta que,

mesmo ao ostentar Literatura, com o uso de linguagem rebuscada, ele não pode

realizá-la. Somente uma “estilística da escrita” poderia dar conta de explicar o

significante retórico.

As observações que Barthes nos apresenta acerca da escrita de Moda

em revistas francesas da segunda metade do século XX diferem de nossas

constatações acerca do discurso sobre a difusão de estilos presente na seção

“Crônica da Quinzena” da Revista Popular (1859-1862). Nestas, além de notarmos

o evidente envolvimento do cronista, tanto pela linguagem empregada quanto pelo

que podemos inferir de seus julgamentos com relação às eventuais inadequações

dos trajes das senhoras fluminenses, concluímos que os comentários arrolados

são permeados pelo discurso de um grupo, do qual fazem parte os críticos dos

costumes da corte brasileira em oitocentos:

12 Ao descrever um vestuário ou seu uso, o redator não investe nada de si próprio ou de sua psicologia em sua palavra profunda; conforma-se simplesmente com um certo tom convencional e regulamentado (poder-se-ia dizer um ethos), em que se reconhece, aliás, imediatamente um jornal de Moda. Ver-se-á, além disso, que o significado retórico das descrições vestimentárias compõe uma visão coletiva, articulada sobre modelos sociais, e não sobre uma temática individual. (BARTHES, 1979, p. 216)

42

Page 54: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Por toda a parte só se fala no suntuoso baile da primeira sociedade carnavalesca. Elogia-se o brilhantismo da festa, a escolha dos concorrentes, a delicadeza e a profusão do serviço. Entretanto, que as mil trombetas da fama apregoam mais uma batalha ganha pelos infatigáveis sócios do Congresso, a crítica não perde o seu precioso tempo; pela boca pequena, e muito à surdina, deplora que a nossa sociedade ainda ignore o que é um baile de fantasia, e não perdoa sequer às leitoras da Revista, que foram ao Clube e não se aproveitaram do figurino distribuído no mês de janeiro. Com efeito, a crítica tem razão; foi tão limitado o número das senhoras que pediram à fantasia um traje diverso daqueles com os quais se adornam nos dias festivos, que o baile do Congresso perdeu alguma coisa do seu interesse. (C. Q., tomo V, 01/03/1860, p. 316-317)

Figura 6: Gravura de modas de janeiro de 1860 (R.P., ano 2, tomo V,

01/01/1860 a 16/03/1860). A este figurino se refere o cronista no excerto acima transcrito

como sugestão da Revista para a confecção de trajes adequados aos bailes

carnavalescos daquele ano.

43

Page 55: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Ao endossar o discurso daquele grupo observador da vida social

fluminense, Carlos poderia aproximar tais sugestões e críticas de figurinos ao

mecanismo definido no Sistema da Moda como fala coletiva. Como não faz uso de

uma linguagem rebuscada, própria de um grupo responsável por ditar as regras da

moda no corpus analisado por Barthes (1967), em nosso caso, a proximidade que

prevalece é com as leitoras. Tal intimidade, facilitada pelo uso de um linguajar

corriqueiro e de palavras que correm “pela boca pequena”, garante ao nosso

cronista o poder de persuasão ao tratar de moda, terreno marcado por uma

concepção que tende à universalização de usos e de comportamentos efêmeros,

como os apontados para os participantes de diferentes classes sociais durante as

festividades carnavalescas do Rio de Janeiro em 1860:

Não se diga que os vestuários apropriados a tais bailes são por demais dispendiosos, e que por isso muitas pessoas não se querem sujeitar ao seu uso; há alguns tão simples, cômodos e econômicos, que não só se prestam para a ocasião, como mais tarde são suscetíveis de qualquer transformação, e servem para outro baile, para um passeio, para uma visita, ainda mesmo cerimoniosa. A economia depende do gosto. Quem estiver nas circunstâncias de despender maior soma sem sacrificar a sua fortuna, sacie a fantasia no ouro, nas sedas e nos veludos; quem recear comprometer a módica renda de que dispõe, e não quiser excedê-la com despesas desnecessárias, recorra ao algodão, à lã e ao linho e encontrará mais de um artefato que lhe convenha. Nos bailes caracterizados, tanta importância se dá aos brilhantes de uma rainha, como às fitas de uma camponesa; logo que a reunião é escolhida, o espírito transpõe a distância da fortuna. (C.Q., tomo V, 01/03/1860, p. 317)

Ao apresentar esses ditames, mesmo que delicadamente impostos pela

conveniência de não repetir trajes quando é possível despender dinheiro com

novas fazendas, poderíamos classificar os fragmentos dedicados ao uso de

roupas na seção “Crônica da Quinzena” como escrita de Moda e,

conseqüentemente, afirmar a impossibilidade de sua relação com a Literatura.

Preferimos admitir, porém, que esses momentos se configurariam como a

manifestação plena do relato da vida cotidiana nas crônicas, para nós, relato de

44

Page 56: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

um tempo vivido em textos caracterizados como terreno de experimentação

literária de nossos escritores do século XIX.

Segundo Barthes, o que denominaríamos de fato escrita de Moda

corresponde um significado geral, que não é nem explícito, nem implícito, mas

latente: a ideologia de Moda. É o paradoxo da significação conotada: trata-se de

uma significação que é recebida, mas que não é lida. Longe de ser decifrada

claramente pela leitora de Moda, ela se impõe através de sua “nebulosidade”, sua

“imprecisão massiva”.

Embora tenhamos notado que o discurso do cronista da Revista

Popular não se limita à pretensa e à rebuscada escrita de moda definida por

Barthes, identificamos fragmentos de crônicas nos quais a soberania da moda

francesa parece conotada. Há, então, duas possibilidades para a recepção desse

fenômeno: na primeira, a leitora seria guiada pelo pressuposto de que os figurinos

franceses são os mais adequados sem que perceba a opinião tendenciosa do

cronista, quando este assume o discurso da instância denominada por Barthes

(1967, p. 243) fashion-group:

Como não ignorais, tudo hoje se vai reformando, menos o antigo hábito de acompanharmos de longe a França nas suas loucuras acobertadas sob a palavra mágica -moda. Debalde tem aparecido quem queira regenerar os costumes americanos; debalde uma ou outra pessoa desinteressada tem pretendido nacionalizar os trajes, adaptá-los às estações, se é que entre nós elas se tornam distintas: a França e, sobretudo, Paris, não cede um palmo de terreno habilmente conquistado e todos os dias os armazéns da rua do Ouvidor e da Quitanda, expõem novos produtos de uma indústria sempre crescente e do mais desenvolvido gosto. (C.Q., tomo I, 01/03/1859, p. 56-57bis)

O segundo olhar que as leitoras poderiam lançar a esse tipo de excerto

é o que lançamos hoje: trata-se de uma crítica à suposta soberania da moda

francesa no século XIX e, nesse sentido, o ponto de vista de Carlos, ao contrário

do que imaginávamos, coincide com o que apresentaria mais tarde O Velho: a

defesa da nacionalidade de nossas manifestações artísticas e sociais.

45

Page 57: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Tal hipótese interpretativa pode ser ampliada quando identificamos as

proprietárias dos estabelecimentos, onde eram vendidos os acessórios e as

fazendas para a confecção dos figurinos copiados das revistas de além-mar, como

a instância que ditava no Brasil os estilos europeus em detrimento das possíveis

adequações dos nossos trajes ao clima nacional. Eram senhoras francesas, que

concediam como matéria ao cronista a descrição do último figurino aportado do

paquete inglês em troca de uma breve propaganda de seus negócios na “Crônica

da Quinzena”:

Agora que nos vamos ocupar da explicação dos tesouros que mais agradaram ao artista emissário, permiti que eu ceda a palavra a Mme Catharina Dazon para vos fazer a Descrição da gravura de modas. (...) É ocioso lembrar-vos que Mme Catharina Dazon & filho recebem por todos os paquetes a melhor escolha de artigos modernos, e se incumbem de dar vida aos figurinos sujeitos ao seu hábil sistema de interpretar as criações artísticas. (C. Q., tomo VI, 10/05/1860, p. 255-256)

Esse canal publicitário parece ser eficiente, provavelmente o preferido

pelas modistas francesas e pela livraria do francês da rua do Ouvidor. Lembremos

que só identificamos páginas dedicadas a anúncios nos tomos I e II da Revista13.

Como o número de estabelecimentos de artigos de moda era significativo dentre

todas as intituladas “Casas Recomendáveis”, o anúncio feito nas crônicas pode ter

rendido a Garnier o lucro necessário da publicidade e, ao cronista, a matéria da

qual aproveitava para encetar comentários irônicos acerca de nossos costumes

que animassem o registro de algumas quinzenas monótonas da Corte fluminense.

13 Ver 1.1 A Revista Popular e a sua proposta editorial e seus leitores, p. 11.

46

Page 58: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Figura 7: Gravura de modas de maio de 1860 (R.P., ano 2, tomo VI, 23/03/1860 a

10/06/1860). No excerto acima transcrito, de 10/05/1860, o cronista faz referência a este

figurino de modas descrito por Mme Dazon.

47

Page 59: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Tendo identificado aqueles representantes da difusão da Moda francesa

no Brasil Imperial e o seu lugar dileto em nosso periódico, passemos a outro

princípio do “Sistema Retórico” barthesiano que nos interessa de perto: a poética

do vestuário. Barthes a define pelo reencontro de uma matéria (o vestuário) e de

uma linguagem não funcional: a descrição intransitiva (improdutiva) de moda

esboça uma “poética”, constituindo-se em espetáculo e implicando um imaginário.

Trata-se de uma retórica “rara e pobre”, que está bem longe de utilizar todas as

virtualidades que o vestuário comporta:

Le vêtement est décrit selon une nomenclature pure et simple, privée de toute connotation, entièrement absorbée par le plan de la dénotation, c’est-à-dire par le code terminologique lui-même (...) C’est en somme au niveau du vêtement lui-même que la Mode fait le moins de littérature, comme si, rencontrant sa propre réalité, elle tendait à devenir objective et réservait le luxe de la connotation au monde, c’est-à-dire à l’ ailleurs du vêtement14. (BARTHES, 1967, p. 265-266)

Para Barthes, haveria aí o primeiro índice do poder da denotação sobre

o sistema da Moda: a Moda tenderia a denotar o vestuário porque, por mais

utópica que ela seja, não abandona o projeto de um certo fazer, isto é, de uma

certa transitividade de sua linguagem (ela deve levar a usar esse vestuário).

Acrescenta-se a esse fato a retórica pobre do enunciado de Moda, o que

equivaleria ao uso de metáforas, jogos de rima e torneios de frases determinados

não por referência às qualidades brilhantes da matéria, mas por estereótipos

tomados de uma tradição literária vulgarizada. Classifica, enfim, essa retórica

como banal. Por isso,

on peut dire que chaque fois que la Mode accepte de connoter le vêtement, entre la métaphore « poétique » (issue d’une qualité « inventée » de la matière) et la métaphore stéréotypée (issue

14 O vestuário é descrito segundo uma nomenclatura pura e simples, privada de qualquer conotação, inteiramente absorvida no plano da denotação, isto é, pelo próprio código terminológico. (...) É, em suma, no nível do próprio vestuário que a moda faz menos literatura, como se, encontrando sua própria realidade, tendesse a tornar-se objetiva e reservasse o luxo da conotação para o mundo, isto é, para fora do vestuário. (BARTHES, 1979, p. 224).

48

Page 60: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

d’automatismes littéraires), c’est la seconde qu’elle choisit15. (BARTHES, 1967, p. 266)

Com relação a essa funcionalidade da descrição de Moda e a sua

linguagem automatizada, poderíamos dizer que escritores brasileiros do século

XIX, como Carlos e tantos outros literatos de nosso cânone, se revelaram

verdadeiros peritos em matéria de roupa feminina, o que se constata por seu

prazer em descrever com detalhes mangas, decotes e roupões frouxos.

Conhecem o nome dos tecidos, a bela nomenclatura das cores, ajustando aos

corpos, com habilidade de modistas, fofos, apanhados e rendas. Tal trabalho se

assemelha ao que encontramos nas coletâneas de pranchas de Modas,

documentos históricos nos quais foram ilustradas e descritas de forma objetiva

como deveriam ser fabricadas as peças que hoje compõem a História da

Indumentária.

É justamente essa objetividade e precisão do saber “levar a fazer” que

motivou Barthes a denominar a descrição de modas em revistas como “Retórica

rara e pobre”. Embora reconheça que o vestuário constitui certa disposição

poética, esta atestada pela excelência das descrições vestimentárias na Literatura,

todas as qualidades da matéria mobilizadas nos textos literários como substância,

forma, cor, tactilidade, movimento, apresentação e luminosidade, não são

honradas nos enunciados dos jornais de Moda da década de 1950, corpus do seu

trabalho.

Ora, tratamos de períodos diferentes, obviamente. O que nos intrigou,

entretanto, durante a leitura daquele estudo barthesiano e no curso das nossas

observações acerca das diferenças entre a descrição de roupas na Literatura e a

descrição de figurinos nos jornais, é como deveríamos encarar esta última quando

inserida em crônicas. Não seria possível limitar as descrições da seção “Crônicas

da Quinzena” ao terreno do como fazer, ou seja, da denotação pura. O próprio

15 Pode-se dizer que cada vez que a Moda se põe a conotar o vestuário, entre a metáfora poética, tirada de uma qualidade “inventada” da matéria, e a metáfora estereotipada, tirada de automatismos literários, é a segunda que ela escolhe.” (BARTHES, 1979, p. 225).

49

Page 61: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

cronista declara que não as encara com o fim de levar a usar, mas de despertar o

interesse pela composição artística e pela possível censura da gravura

apresentada no corpo da Revista:

A moda: o que seria dela se sempre a sujeitássemos à monótona descrição dos figurinos? Iria fazer parte de um fato diverso, de uma gazetilha, e perderia assim todo o valor que ainda lhe dão. Que importa que o artista se esmere em desenhar um tipo original, elegante e novo em parte ou no todo, se antes de ser adotado não houver a cautela de o submeterem às (...) discussões indispensáveis? (...) Chega-nos às mãos uma gravura tal como esta que hoje vos é distribuída. Ninguém ousará negar que é lindíssima e que a alta novidade presidiu à sua confecção: o desenhista caprichou em dar-lhe a maior beleza e o gravador empenhou todo o seu talento em não lhe alterar um traço. Agora, pergunto-vos, esta mesma gravura, apesar de ser uma das melhores da vossa escolhida coleção, é ou não suscetível de ser modificada, está ou não no caso de passar, como qualquer outra, pelo cadinho da censura? (C. Q., tomo VII , 15/07/1860, p. 122)

Nesse excerto, além de valorizar o espaço utilizado para a descrição de

modas – ou para a salvação do cronista quando lhe falta matéria que preencha as

páginas reservadas à crônica, parece clara aquela possibilidade de crítica à

aceitação tácita dos figurinos importados em nosso país. Embora reconheça o

trabalho do ilustrador da prancha apresentada pela Revista, Carlos propõe uma

reflexão sobre a ditadura do vestuário aportado de além-mar e aponta que a

discussão sobre a difusão de estilos não deve ser feita de forma automatizada,

sem questionamentos e sem contextualização (nem que esta se limite a

esclarecer no título da descrição da gravura de Modas parisiense a estação à qual

ela se refere e que, obviamente, não coincide com a do nosso Hemisfério no mês

de julho):

Descrição de um trajo de primavera: Duas senhoras conversam; uma acompanhada por sua filhinha visita a outra, que passeia por entre as flores do seu jardim. A que faz a visita traja um lindo vestido de seda rajado de branco e roxo (...). O chapéu, que completa o seu vestuário, é de palha de arroz; quatro tiras delgadas de tafetá roxo guarnecem a aba; sobre a capa vê-se um

50

Page 62: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

laço de fita, e ao lado direito um raminho de flores; tanto a fita do laço, como as flores são da mesma cor do tafetá, que adorna a aba. A menina traz um vestidinho de musselina branca com cinco babados bordados (...). Na cabeça loura tem ela um chapéu de palha de arroz ornado de pluma azul da mesma gradação que a fita do cinto. A feliz habitante da chácara, que recebe tão amáveis visitas, traja um vestido de cassa branca com salpicos pretos (...). Cobre-lhe a cabeça, desleixadamente colocado, um chapéu redondo de abas levantadas e debruadas de veludo preto; uma pena de galo de reflexo verde escuro enfeita o lado esquerdo do chapéu, e confunde-se com os espessos anéis de cabelo de penteado. (C. Q., tomo VII 15/07/1860, p. 122)

51

Page 63: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Figura 8: Gravura de modas de julho de 1860 (R.P., ano 2, tomo VII, 26/06/1860 a

10/09/1860). A este figurino faz referência o cronista no excerto acima transcrito.

52

Page 64: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Se por um lado somos capazes de interpretar hoje como irônica a

diferença de estação destacada no início da apresentação do figurino, de outro, é

provável que, ao realizar uma leitura desatenta, ignoremos a linguagem e a

técnica adotadas nesse tipo de descrição. Tais recursos estilísticos correspondem

justamente ao que Barthes denominou no quarto princípio do “Sistema

Retórico” (Retórica do significado) como euforia de Moda.

A lei de euforia da Moda se relaciona ao “bom tom” da Moda que, no

intuito de impedir a referência a qualquer coisa de desgracioso estética ou

moralmente, se aproxima da linguagem maternal. É, nas palavras de Barthes,

(...) le langage d’une mère qui « préserve » sa fille de tout contact avec le mal ; mais cette euphorie systématique semble aujourd’hui particulière à la Mode (elle appartenait autrefois à toute littérature pour jeunes filles)16. (BARTHES, 1967, p. 292)

Ora, notar que a linguagem de moda se assemelha àquela empregada

na literatura para moças, em especial à dos folhetins românticos do século XIX,

nos permite mais uma vez aproximar nossas crônicas do estatuto da

experimentação literária. A maneira como o cronista contextualiza as personagens

da gravura de modas na Descrição de um trajo de primavera com o uso de

substantivos no grau diminutivo também garante o “bom tom” da Moda que, no

intuito de impedir a referência a qualquer coisa de desgracioso estética ou

moralmente, se aproxima da linguagem maternal apontada por Barthes.

A relação entre as descrições de Moda e a Literatura Folhetinesca é

ainda mais relevante quando reiteramos que, no início da década de 1850, o

periódico Novo Correio de Modas (1852-1854) intitulava a sua coluna reservada a

descrever figurinos como “Folhetim da Quinzena”, ao passo que, em 1859, a

Revista Popular ainda reservava um cantinho para apresentar os detalhes das

pranchas francesas em uma seção de crônicas também quinzenal. Tal

16 “(...) a linguagem de uma mãe que ‘preserva’ a filha de todo contato com o mal. Mas essa euforia sistemática parece hoje particular à Moda (pertencia outrora a qualquer literatura para moças)” (BARTHES, 1979, p. 248).

53

Page 65: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

constatação demonstra que, mesmo em face da evolução desse gênero textual,

apresentando na década de 60 a análise de fatos cotidianos, os cronistas desse

período ainda tinham como modelo as publicações periódicas romanceadas

anteriores às suas produções.

Com relação ao quinto e último princípio do “Sistema Retórico”, a

Retórica do signo – a razão de Moda, Barthes alerta sobre a racionalização do

arbitrário da Moda nos seguintes termos:

Dans le même temps où la Mode édifie un système très strict de signes, elle s’emploie à donner à ces signes l’apparence de pures raisons ; et c’est évidemment parce que la Mode est tyrannique et son signe arbitraire, qu’elle doit le convertir en fait naturel ou en loi rationnelle : la connotation n’est pas gratuite ; elle a, dans l’économie générale du système, la charge de restaurer une certaine ratio17. (BARTHES, 1967, p. 293)

Quanto mais a Moda é irreal, mais ela visa se abrigar sob a ratio

arbitrária de seus editos. Algumas vezes o tom de seus enunciados se parece com

aquele da constatação, como a que notamos em uma das primeiras crônicas da

Revista Popular acerca do uso de chapéus: “Os chapéus continuam a ter forma de

um cogumelo inclinado sobre a haste” (C. Q., tomo I, 01/03/1859, p. 59). Em

outros, o objeto parece se conformar “naturalmente” a uma função que deve ser

honrada (participação em festa de personalidade importante, por exemplo). A lei,

portanto, se encontra transformada em fato e adquire a necessidade do fenômeno

natural. Habitualmente mascarada sob esta lei-fato, a ratio da Moda revela à

análise sua arbitrariedade essencial.

De fato, quando se estabelece que um vestuário vale-para alguma

grande circunstância de ordem, por assim dizer, antropológica, estação ou festa, a

função da roupa como proteção ou paramento é plausível. São várias as

17 Ao mesmo tempo em que a Moda edifica um sistema bastante estrito de signos, ela trata de dar a esses signos a aparência de meras razões. E é evidentemente porque a Moda é tirânica e seu signo arbitrário que ela deve convertê-lo em fato natural ou em lei racional: a conotação não é gratuita, mas tem, na economia geral do sistema, o encargo de restaurar uma certa ratio. (BARTHES, 1979, p. 249)

54

Page 66: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

descrições de figurinos da seção “Crônica da Quinzena” que apresentam alguma

funcionalidade, sendo esta explicitada em discursos que precedem a descrição

das gravuras propriamente ditas:

Seja como for, minhas leitoras, nenhuma dentre vós quererá apresentar-se na Phil’Euterpe ou no Club com um vestido que fez a sua estréia na estação passada; a moda repele semelhante economia e nada há menos gracioso do que fazer oposição à moda. (...) As casas de Lacarrière, Seurat, Dazon, Vallerstein, Décap e tantos outros se muniram convenientemente dos mais primorosos tecidos apropriados à quadra que atravessamos, e convém dar-lhes a devida extração (...). Pensando assim, dei-me ao trabalho intrincado de estudar a primorosa gravura, que com esse número vos será entregue, e, bem ou mal, cheguei a um resultado, que submeto a vossa justa apreciação. (C. Q., tomo II, 01/05/1859, p. 183-184)

Nesse exemplo, a razão de Moda é notável pela imposição sutil da

confecção de novos trajes para a presença aos bailes dos salões da corte, sendo

tal arbitrariedade reforçada pela recriminação à economia na compra dos tecidos e

dos acessórios que ornarão o figurino descrito na crônica em questão.

Para Barthes essas imposições configuram o que ele chama paradoxo

da arte romanesca: toda Moda restrita a uma funcionalidade arbitrária é irreal, mas

também, quanto mais a função é contingente, tanto mais ela parece natural.

Assim, a literatura de Moda alcançaria o postulado do estilo verista, segundo o

qual uma acumulação de detalhes pequenos e particulares dá crédito à verdade

da coisa representada melhor que um simples esboço, pretendendo-se que o

quadro esmiuçado seja mais verdadeiro que o quadro esboçado. Esse é também

um aspecto que pode ser constatado em nossas crônicas, já que Carlos relata o

seu esforço em descrever os detalhes das gravuras que apresenta às suas

leitoras, apesar de todos os tropeços de sua expressão:

Parece-me ouvir-vos dizer que sou incapaz de detalhar o conjunto de elegância e beleza encerrado na estampa que tendes diante dos olhos; confesso-vos ingenuamente que fiz o que pude; dei tratos à imaginação, e se mais não consegui, não devo por isso

55

Page 67: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

ser criminado. Fora do meu elemento e consciente de que a vossa inteligência suprirá as faltas por mim cometidas, escrevi centenas de linhas para resumi-las com toda a cautela e oferecer-vos uma incompleta e obscura DESCRIÇÃO DO FIGURINO DE MODAS. (C. Q., tomo II, 01/05/1859, p. 184)

Figura 9: Gravura de modas de maio de 1859 (R.P., ano 1, tomo II, 31/03/1859 a

16/06/1859). A este figurino o cronista faz referência no excerto acima transcrito.

56

Page 68: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

O autor de Sistema da Moda relaciona a descrição minuciosa das

funções vestimentárias à tendência da imprensa em personalizar toda informação,

em fazer de todo enunciado uma interpelação direta, de nenhum modo à massa

dos leitores, mas a cada leitor em particular. E sobre aquele estilo verista

postulado na escrita de Moda, Barthes conclui:

On voit que le réel impliqué par les fonctions de Mode est essentiellement défini par une contingence ; ce n’est pas un réel transitif, c’est, une fois de plus, un réel vécu d’une façon fantasmatique, c’est le réel irréel du roman, emphatique à proportion de son irréalité18. (BARTHES, 1967, p. 296-297)

Com relação a essa dialética do real e do irreal, devemos destacar a

ação da língua no plano da denotação, lugar em que ela acentua a natureza

semântica da Moda, pois, pelo descontínuo de suas nomenclaturas, multiplica os

signos mesmo onde o real, só propondo uma matéria contínua, teria dificuldade

em significar apuradamente.

Assim, no plano da denotação, a língua assume um papel regulador,

inteiramente submisso a fins semânticos: poderíamos dizer que a Moda fala na

própria medida em que ela quer ser sistema de signos. No plano da conotação,

entretanto, a retórica abre a Moda ao mundo: o mundo está presente na Moda,

não mais como potência humana produtora de um sentido abstrato, mas como

conjunto de razões, isto é, como ideologia. É então pela linguagem retórica que a

Moda se comunica com o mundo, participa de uma certa alienação e de uma certa

razão dos homens.

Em linhas gerais, apresentamos os princípios do “Sistema Retórico” que

norteiam o estudo sobre a ideologia da escrita de Moda explorada por Roland

Barthes. Relacionamos o que foi possível para entender em que medida suas

considerações são pertinentes à análise de enunciados de Moda pertencentes a

18 Vê-se que o real implicado pelas funções de Moda é definido essencialmente por uma contingência. Não é um real transitivo. É, uma vez mais, um real vivido de um modo fantasmático, é o real irreal do romance, enfático na proporção de sua irrealidade” (BARTHES, 1979, p. 254).

57

Page 69: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

um corpus publicado na Revista Popular, periódico do oitocentos que reservava

um cantinho a ser transformado no século XX em publicação integralmente

dedicada ao público feminino. Graças às constatações de Barthes acerca da Moda

escrita em revistas de meados do século passado, flagramos em nossas crônicas

do XIX a crítica velada de Carlos à soberania da moda francesa, feita através do

uso de um discurso pretensamente moderado e de uma linguagem denominada

maternal. Ambas nos sugerem a possível existência de um fio condutor dos textos

da seção “Crônica da Quinzena”: o desejo de afirmar a originalidade de nossas

artes e de nossos costumes no processo civilizatório do Brasil oitocentista.

Nossa proposta é continuar a desenrolar esse fio e, para tanto,

seguimos a sua extensão, guiados por René Girard (1923-), outro francês que não

hesitou em explorar as implicações do discurso sobre moda em produções

literárias. Aproveitamos suas reflexões para analisar, sob ponto de vista diverso

daquele apresentado por Barthes (1967), ainda a descrição de gravuras de modas

na produção de Carlos, o mancebo elegante.

2.1.2 O desejo mimético e as crônicas de Carlos

Durante o período em que nos dedicamos à leitura e à organização das

resenhas das crônicas assinadas por Carlos, outra possibilidade de análise da

presença da descrição de figurinos de moda franceses na seção nos foi revelada:

a teoria do desejo mimético proposta por René Girard, em sua obra consagrada

ao grande romance do século XIX, Mensonge romantique et vérité romanesque.

René Girard, nascido na França em 1923, e de formação francesa

(École des Chartes), atuou como intelectual de modo quase exclusivo nas

universidades americanas, particularmente em Stanford. O seu projeto inicial foi

uma história do desejo através das grandes obras literárias, e que redundou num

sistema teórico baseado num conceito único, o do "desejo mimético". Ele observa

na literatura do século XIX burguês, ao lado da proclamação enfática de um

desejo espontâneo, soberano e legitimador dos impulsos e gestos das

58

Page 70: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

personagens, a existência dissimulada, ou revelada, daquele que a sua teoria

designará como sendo um mediador. Isto é, todo desejo seria não dual, mas de

natureza triangular, suscitado por uma presença terceira. Um objeto só consegue

seduzir ou excitar se for o objeto do desejo de um outro.

MEDIADOR

SUJEITO OBJETO

Figura 10: Triângulo 1: desejo mimético girardiano

O homem, nessa perspectiva, seria incapaz de agir, aprender ou

desejar por si só. Essa estrutura triangular fundamental modifica-se, acentua-se

ou se atenua segundo os contextos, as épocas ou os escritores. Entretanto,

permanece idêntica em sua essência. O mediador, revestido do papel de modelo

reverenciado da imitação, representa também aquilo que se interpõe entre o

sujeito e o objeto, transformando-se por conseguinte em obstáculo. Por essa

razão, ambos serão prisioneiros de uma rede de sentimentos ambíguos ou

ambivalentes, que o sistema de René Girard chama de double bind.

Multiplicam-se, assim, os desdobramentos dessa relação fundamental,

permitindo ao autor deduzir os mecanismos da rivalidade, do ciúme, do

esnobismo, da dissimulação, do narcisismo, do ódio, e de sua propagação no

âmbito coletivo, e desenvolver, em particular e de modo muito original, uma

reflexão sobre a essência da vio lência. Pode-se avaliar, portanto, a ambição

e o leque de indagações que o pensamento e a teoria do desejo mimético de

René Girard despertam. Uma visão dos comportamentos humanos se desprende

progressivamente dos limites mais restritos de sua crítica literária, conferindo uma

59

Page 71: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

verdadeira dimensão antropológica ao conjunto da obra.

Tendo apresentado os conceitos-chave do pensamento girardiano,

propomos a análise das crônicas de Carlos a partir da apreciação feita pelo crítico

sobre os personagens dos romances de Flaubert, em especial, Emma Bovary. Na

produção deste literato francês, encontramos o que Girard denomina o desejo

segundo o “Outro”:

On retrouve le désir selon l’Autre et la fonction « séminale » de la littérature dans les romans de Flaubert. Emma Bovary désire à travers les héroïnes romantiques dont elle a l’imagination remplie. Les oeuvres médiocres qu’elle a dévorées pendant son adolescence ont détruit en elle toute spontanéité19. (GIRARD, 1961, p. 18)

FOLHETINS

EMMA BOVARY VIDA ELEGANTE

DE PARIS

Figura 11: Triângulo 2: desejo segundo o Outro em Emma Bovary

Girard aponta que Jules de Gaultier teria definido tal bovarismo latente

em quase todos os personagens de Flaubert:

Une même ignorance, une même inconsistance, une même absence de réaction individuelle semblent les destiner à obéir à la suggestion du milieu extérieur à défaut d’une autosuggestion

19 Encontramos o desejo segundo o Outro e a função “seminal” da literatura nos romances de Flaubert. Emma Bovary deseja através das heroínas românticas de que a sua imaginação está repleta. As obras medíocres devoradas durante a sua adolescência destruíram nela qualquer espontaneidade. (Tradução de Luiz Carlos da Silva Dantas).

60

Page 72: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

venue dedans20. (GAULTIER Apud GIRARD, 1961, p. 18)

A essa definição explicitada, em seu célebre ensaio Le Bovarysme,

Gaultier acrescenta que

Pour parvenir à leur fin qui est de « se concevoir autres qu’ils ne sont », les héros flaubertiens se proposent un « modéle » et « imitent du personnage qu’ils ont résolu d’être tout ce qu’il est possible d’imiter, tout l’extérieur, toute l’apparence, le geste, l’intonation, l’habit »21. (GIRARD, 1961, p. 18)

No contexto no qual se inserem os textos da seção “Crônica da

Quinzena”, é possível considerar as gravuras de modas o mediador do esquema

de desejo e, por isso, a chegada dos paquetes que traziam essas pranchas,

modelos de elegância para as damas do Brasil, era aguardada pelas leitoras da

Revista Popular com grande expectativa:

Às leitoras (...) oferece hoje a Revista a mais delicada gravura que ao Rio de Janeiro importou o paquete inglês: a simplicidade, a elegância e a beleza aí se dão as mãos e, auxiliadas pela arte, formam um todo brilhante e digno das pessoas a quem é oferecido. O cronista deseja ver realizados os modelos que passa a descrever. (C. Q., 16/11/1859, p. 262, tomo IV)

20 Uma mesma ignorância, uma mesma inconsistência, uma mesma ausência de reação individual parecem destiná-los a obedecer à sugestão do meio exterior na ausência de uma auto-sugestão proveniente de seu interior. (Tradução de Luiz Carlos da Silva Dantas).21 Para alcançar seu fim, isto é, o de “se conceberem diferentemente do que são”, os heróis flaubertianos propõem a si mesmos um “modelo”, e imitam o personagem que resolveram ser em tudo o que é possível imitar, o exterior todo, a aparência toda, o gesto, a entonação, a roupa. (Tradução de Luiz Carlos da Silva Dantas).

61

Page 73: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Figura 12: Gravura de modas de outubro de 1859 (R.P., ano 1, tomo IV,

01/10/1859 a 16/12/1859). A este figurino se refere o cronista no excerto acima transcrito.

62

Page 74: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Vimos que a relação tripla do desejo mimético é representada pela

metáfora espacial do triângulo: na base, ocupando cada qual um vértice,

encontramos o sujeito, as leitoras da Revista Popular, e o objeto, as roupas

confeccionadas segundo a voga da moda européia; no ápice, flagramos o

mediador que irradia ao mesmo tempo em direção ao sujeito e ao objeto, em

nosso caso, as pranchas de modas.

GRAVURAS DE MODAS

LEITORAS DA R.P. ROUPAS

FRANCESAS

Figura 12 Triângulo 3: desejo mimético nas crônicas da R. P.

Não era segredo que o mediador de nosso esquema de desejo, as

gravuras de modas aportadas do paquete inglês, eram cópias dos hebdomadários

franceses e ingleses. Ao deixar clara a procedência desses modelos, o cronista

também articula naquele fragmento o seu discurso, de modo a despertar o desejo

das leitoras em confeccionar vestidos tal como indicava o figurino importado.

Quando equipara a beleza da gravura à dignidade das mulheres que a recebem,

Carlos apela para a imaginação do seu público leitor, nesse momento voltada

àquelas que iriam seguir o modelo prescrito e que seriam notadas pelo cronista

quando ele fosse conferir o uso da roupa entre as freqüentadoras dos bailes e dos

teatros fluminenses.

De fato, o encanto por essas pranchas de modas é atestado pela

diversidade de cores e de situações nelas representadas. Como vimos, a

apresentação de figurinos à maneira da configuração do espaço folhetinesco e o

63

Page 75: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

uso de uma linguagem cujo tom é julgado apropriado à interlocução entre as

moças românticas da corte brasileira e o cronista elegante da Revista Popular,

favorecem a visualização do triângulo mimético que se revela nas crônicas

estudadas. Da mesma forma que a personagem Emma Bovary vislumbrava a vida

elegante e onírica de Paris através das protagonistas dos folhetins (FLAUBERT,

2001), as leitoras da seção “Crônica da Quinzena” desejavam os vestidos

parisienses através das personagens criadas pelo cronista naquelas descrições

contextualizadas das gravuras de modas.

Poderíamos ampliar a nossa reflexão ao verificar o papel da imprensa

na mediação desse desejo. Segundo Gilda de Mello e Souza (2001), a divulgação

atualizada em jornais das tendências européias e a concomitante anulação dos

privilégios de sangue revelam um fenômeno bastante comum a partir do

oitocentos: a fugacidade da moda. Ao ser difundida em todos os estratos sociais,

gera a competição na rua, no passeio público, nos salões, nos clubes, enfim, em

todos os ambientes freqüentados pelos habitantes da corte. O encanto pela

indumentária acelerava a variação de estilos, que se dava em espaços de tempo

cada vez mais breves.

O papel da imprensa brasileira na difusão de novas tendências é

relevante, já que, através de discursos como o que notamos em nossas crônicas,

as mulheres se sentiam impelidas a reproduzirem aqui as novidades de além-mar

e a disputarem entre si as atenções dos observadores da vida social citadina,

representados pelos cronistas dos hebdomadários do Rio de Janeiro Imperial.

Além dos olhares da crítica jornalística, um fator que também contribuiu

para o acirramento da disputa de estilos foi o advento da burguesia e da

industrialização com os quais a exclusividade da elite no universo da moda se

desfez gradativamente. Tal democratização possibilitou a participação de todas as

classes nesse processo e a ascensão dos homens às carreiras liberais desviou o

interesse do grupo masculino com relação à moda, que se torna reconhecida

como domínio exclusivo do grupo feminino.

Para compreendermos melhor no contexto descrito o objeto de desejo

64

Page 76: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

da mediação aqui explicitada -a roupa, é necessário pensar nos bailes da corte. O

salão mundano era o espaço onde as damas assumiam uma nova identidade,

graças ao glamour de suas vestimentas. Era também o terreno propício para

apresentarem sua beleza e sua fama aos homens que as cobiçavam. Aurélia,

personagem da obra Senhora, publicada por José de Alencar já em 1875, pode

ilustrar esses casos:

Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela. Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o cetro; foi proclamada a rainha dos salões. Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade. Era rica e formosa. (ALENCAR, 1994, p. 17)

Algo que atestamos em nossas crônicas sobre a repercussão de bailes

ou da representação teatral da última quinzena é o sucesso de algumas damas

registrado por Carlos, através da descrição de seus trajes. Como aquelas

mulheres das pranchas de modas, essas senhoras, cujos nomes o cronista oculta

nas suas iniciais, também são personagens que, nesse momento, compõem o

cenário da vida social fluminense representada na seção “Crônica da Quinzena”:

O primeiro, o que causou maior expectação, era feito de moiré antique cor de flor de alecrim, encoberto por um largo babado e uma túnica de renda de Bruxelas; tanto aquele como esta formavam um regaço preso por delicado laço de fita orlada da mesma renda. (...) A Sr.ª G* P*, cujos olhos lindos e expressivos não se deixavam vencer pelos mil focos de luz desprendidos dos brilhantes que lhe enfeitavam o colo, os pulsos e o peito, subjugava com os seus dotes naturais a beleza dos artefatos, que em parte os ocultavam. A Sra. D. d’A* trajava o segundo vestido costurado pelas hábeis mãos das artistas recém-chegadas à oficina de Dazon. (...) Esta senhora, ficai sabendo, não se mostrou timorata em seguir de perto a moda francesa, e o seu bom gosto induziu-a a escolher um sedutor vestido de filó bordado de prata e seda carmesim. (...) O corpinho, todo em pregas, ornado de flores de castanheiro delicadamente rosadas dava a este vestido um tipo de novidade e originalidade puramente parisiense. (C. Q., tomo VII, 1860, p. 187-188)

65

Page 77: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Tais comentários renderam a Carlos muitos desafetos, uma vez que o

julgavam ousado em suas críticas ferrenhas às mulheres que não seguiam os

figurinos sugeridos na quinzena anterior – sobretudo se essas senhoras fossem

assinantes da Revista. A repercussão de suas críticas era suficiente para incitar,

entre as damas desprezadas, a inveja e o desejo de serem observadas e

consideradas. O objeto de desejo, portanto, ainda é a roupa confeccionada

segundo as últimas tendências da moda européia e agora ainda mais desejada

porque elogiada pelo cronista. O sujeito continua a ser a fiel leitora do periódico

que espera ter as iniciais de seu nome registradas por Carlos na próxima

quinzena. As mediadoras são também personagens, não mais de papel, mas cuja

função na crônica é semelhante à das mulheres das pranchas de modas:

representar o modelo a ser seguido em um cenário de elegância.

Esse aspecto da mediação revela outra particularidade apontada por

Girard em esquemas de desejo como o que aqui propomos: a distância entre o

sujeito e seu mediador. Quando se encontram próximos, ocorre a mediação

interna; quando estão distantes, há mediação externa:

Les oeuvres romanesques se groupent donc en deux catégories fondamentales – à l’ intérieur desquelles on peut multiplier à l’infini les distinctions secondaires. Nous parlerons de médiation externe lorsque la distance est suffisante pour que les deus sphères de possibles dont le médiateur et le sujet occupent chacun le centre ne soient pas en contact. Nous parlerons de médiation interne lorsque cette même distance est assez réduite pour que les deux sphères pénètrent plus au moins profondément l’une dans l’autre22. (GIRARD, 1961, p. 22-23)

Para compreendermos como seria classificado o nosso triângulo,

verifiquemos os casos dos personagens Dom Quixote e Emma Bovary:

22 As obras romanescas, portanto, agrupam-se em duas categorias fundamentais – no interior das quais podem multiplicar-se ao infinito as distinções secundárias. Falaremos de mediação externa quando a distância for suficiente para que as duas esferas de possíveis, de que o mediador e o sujeito ocupam respectivamente o centro, não estejam em contato. Falaremos de mediação interna quando essa mesma distância for reduzida o bastante para que as duas esferas penetrem mais ou menos profundamente uma na outra. (Tradução de Luiz Carlos da Silva Dantas)

66

Page 78: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

C’est chez Cervantes, évidemment, que cette distance est la plus grande. Aucun contact n’est possible entre Don Quichote et son Amadis légendaire. Emma Bovary est déjà moins éloignée de son médiateur parisien, Les récits des voyageurs, les livres et la presse propagent jusqu’à Yonville les dernières modes de la capitale. Emma se rapproche encore du médiateur lors du bal chez les Vaubyessard ; elle pénètre dans le saint des saints et contemple l’idole face à face. Mais ce rapprochement restera fugitif. Jamais Emma ne pourra désirer ce que désirent les incarnations de son « idéal » ; jamais elle ne partira pour Paris23.(GIRARD, 1961, p. 22)

A mediação que detectamos nas crônicas de Carlos nos pareceu

externa, com momentos semelhantes aos vividos por Madame Bovary. Nossas

leitoras, quando recebiam pela imprensa os figurinos da moda européia e

identificavam nos bailes os vestidos baseados nas pranchas descritas por nosso

cronista, se aproximavam, de alguma forma, do seu mediador. Geograficamente, a

distância entre o Rio de Janeiro e Paris é maior que aquele mensurada entre

Yonville e a capital francesa. Vale, entretanto, acrescentar que o espaço físico não

é suficiente para determinar o tipo de mediação:

Ce n’est évidemmet pas de l’espace physique que se mesure l’écart entre le médiateur et le sujet désirant. Bien que l’éloignement géographique puisse en constituer un facteur, la distance entre le médiateur et le sujet est d’abord spirituelle24. (GIRARD, 1961, p. 23)

Assim, tanto as leitoras da Revista Popular, quanto Emma Bovary

podem, em alguns momentos, quase tocar o “santo dos santos”, mas nunca

alcançarão o que idealizam das personagens dos figurinos e dos folhetins

parisienses. No caso do público leitor da “Crônica da Quinzena”, essa distância 23 Em Cervantes, evidentemente, é que essa distância se torna maior. Nenhum contato é possível entre Dom Quixote e seu Amadis de Gaula lendário. Já Emma Bovary está menos afastada de seu mediador parisiense. As narrativas dos viajantes, os livros e a imprensa propagam até Yonville as últimas modas da capital. Emma aproxima-se ainda do mediador por ocasião do baile em casa dos Vaubyessard; penetra no santo dos santos e contempla o ídolo em face. Porém, essa aproximação permanecerá fugidia. Jamais Emma poderá desejar o que desejam as encarnações de seu “ideal”; jamais poderá rivalizar com elas; jamais partirá para Paris. (Tradução de Luiz Carlos da Silva Dantas)24 Não é pelo espaço físico, evidentemente, que se mede a distância entre o mediador e o sujeito desejante. Ainda que o afastamento geográfico possa constituir um fato, a distância entre o mediador e o sujeito é antes de tudo espiritual. (Tradução de Luiz Carlos da Silva Dantas)

67

Page 79: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

pode ser ainda maior, já que as cenas idílicas dos figurinos representam locais

cujas condições climáticas e paisagens são diferentes das nossas.

Como apontamos no subcapítulo anterior, há fragmentos das crônicas

de Carlos nos quais a França é apontada ironicamente como pólo irradiador de

novas tendências para o mundo, não importasse a adequação que se fizesse

necessária às condições climáticas dos diferentes países25.

Característico desse fascínio sem limites pela moda francesa em

detrimento das características locais é o anúncio de figurinos de 10 de agosto de

1861, publicado no tomo XI. A partir de sua leitura, notamos o paradoxo

denunciado sutilmente pelo cronista: embora o fim do inverno estivesse próximo,

Carlos registra a permanência de capas e de mantilhas nos estabelecimentos das

ruas do Ouvidor e da Quitanda. Descreve, em seguida, a gravura de modas

apresentada pelo periódico, sugerindo, com bom humor, a necessidade de tais

trajes num país de clima tão variado como o nosso:

O inverno já trata de preparar as suas malas para despedir-se de nós; tão mal recebido foi ele este ano, que outra coisa não lhe resta a fazer. Entretanto os vestuários apropriados ao verão ainda não se desenrolaram nesses vastos estabelecimentos das ruas do Ouvidor e da Quitanda, que são o paraíso para uns e o inferno para outros; por enquanto só as capas e mantilhetas conservam o seu préstimo anual, pois que a variedade no nosso clima não lhe permite um abandono completo: os vestidos continuam a denunciar a presença do resfriado hóspede e, até ao fim do mês, não se sujeitaram a mais insignificante reforma. Neste caso deliberou a moda que não devia entender senão com a parte do trajo aceita em todas as estações; foi, pois, ao seu laboratório e preparou uma bela coleção de capas e mantilhetas capazes de satisfazer aos mais exigentes gostos. A que enroupa a primeira figurilha da nossa gravura é de nobreza preta e dobrada, com grandes pregas, que se ocultam engenhosamente no seu começo por baixo de um cabeção de guipure, e facultam, à proporção que se desenvolvem, a fácil saída dos braços, de sorte que não há necessidade de ajuntar-se mangas especiais ao novo adorno. Na frente, esta mantilheta forma duas pontas enfeitadas por uma borla pequena de seda ou de vidrilho; ao redor e acompanhando a renda que a orla está pregada uma fita verde (ou de qualquer outra cor) encoberta por entremeio largo do mesmo ponto de que é feito

25 Ver 2.1.1 Retórica da escrita de Moda e a seção “Crônica da Quinzena”, p. 41.

68

Page 80: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

o cabeção; no geral, este acessório para um vestuário de passeio é bastante amplo e comprido nas costas. Como vedes, nenhuma modificação se fez ao corte do vestido; sendo de seda cinzenta e rajada de preto, apenas lhe foram adicionadas duas ordens de fita verde crespa, que formam a barra e dizem muito bem com o enfeite da mantilheta, se esta cor for a preferida. Os chapéus de palha de arroz continuam a estar em voga, sendo enfeitados por um laço de fita cuja cor é igual à da guarnição do vestido; e quer em Paris, quer no Rio de Janeiro ainda não decaíram os penteados encrespados. A capa de pano ou de casimira é admitida sem causar reparo. A da figurilha colocada à esquerda da gravura é preta, e tem duas costuras nas costas, sendo uma e outra guarnecidas de botões de alto a baixo; na frente observa-se o mesmo talho, e vê-se que ela fecha até à altura dos ombros. As últimas capas importadas e as que se fabricam no país são na maior parte forradas de seda branca, e muitas vezes o próprio debrum é dessa cor: a inovação merece ser bem recebida, não só porque satisfaz um delicado capricho da moda, disfarçado com o nome de alta novidade, mas também porque é de um lindo efeito e do melhor gosto. (C. Q., tomo XI, 10/08/1861, p. 249)

Como deveria colaborar para a publicidade das modistas do Rio de

Janeiro, encerra a descrição da prancha de modas com a indicação da famosa

casa de Mme Dazon para a compra dos artigos necessários à confecção do

modelo sugerido, bem como do estabelecimento dos Srs. Nepomuceno & Carneiro

para a compra de acessórios que o complementam:

Torna-se digna de especial menção a capa de que se reveste a figura desenhada à direita da que acaba de ser descrita: é inteiramente moderna, original e elegante, e só a casa de Mme. Dazon, onde encontrareis todos os artigos indispensáveis a qualquer qualidade de vestuário, recebeu pelo paquete inglês mais esta criação bem combinada do talento parisiense para o trajar de uma senhora, que não vê com indiferença os trabalhos presididos pela arte. É ela feita de fazenda de fantasia de lã branca salpicada de azul; comprida em extremo, principalmente atrás forma burnous, mas não tem capuz, e é toda orlada por uma fita larga e recortada de nobreza azul, que finge colarinho e desce até ao meio da saia. A originalidade esta capa, que a torna inacessível à habilidade de qualquer costureira pouco adestrada, consiste no corte de um avental semelhante, cujo segredo nem a todos é permitido. Encerrando este artiguinho sobre modas, tenho a satisfação de anunciar-vos que a casa dos Srs. Nepomuceno & Carneiro, à rua da Quitanda n. 72, acha-se habilitada para

69

Page 81: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

desempenhar qualquer incumbência, de que a encarregueis, na parte relativa a toda a sorte de enfeites; examinei por mim mesmo o escolhido sortimento trazido pelo paquete Magdalena, e creio que em fitas, flores, rendas e froco ninguém o possui melhor e mais completo. (C.Q., tomo XI, 11/08/1861 p. 249-250)

Tal inadequação dos trajes indicados pela imprensa ao nosso clima foi

repensada com o passar do tempo, como destacou Marlyse Meyer, em estudo

sobre a revista Estação (1879-1904). A pesquisadora notou que o sucesso desse

periódico também poderia ser atribuído à atração pela moda de Paris aí divulgada.

Interessa-nos transcrever parte da carta de abertura dirigida aos seus leitores,

porque parece ilustrar o desejo dessa publicação – versão brasileira da revista

francesa La Saison (1872-1878), de adaptar os figurinos aí descritos à nossa

realidade:

(...) antigamente a moda apenas mudava duas vezes ao ano. Em Paris, em Outubro apareciam as pelúcias, os vestidos escuros [e na ilustração da primeira página nesse Rio que era de Janeiro há a imagem de mãe e filha patinando, super agasalhadas, com a legenda: “vestuários para o mau tempo”] (...) e [na] Semana Santa, novos toucados (...). O que daí resultava para nós o ridículo, visto como quem queria trajar no rigor da moda tinha forçosamente de morrer de calor em Janeiro e constipar-se em Junho. (MEYER, 1992, 439-440)

O excerto ilustra o que ocorria em meados do século XIX, quando nas

crônicas de Carlos era evidente a crítica velada aos representantes da soberania

da moda francesa em detrimento das possíveis adequações dos nossos trajes ao

clima nacional. Era comum introduzir a apresentação de novas tendências com o

destaque dado às proprietárias dos estabelecimentos, onde as senhoras da corte

poderiam adquirir os acessórios e as fazendas recomendadas para a confecção

dos figurinos copiados das revistas de além-mar.

Em uma de suas obras, o próprio Macedo (1988) dedicou um capítulo

ao reinado das modistas francesas naquela que era a rua mais famosa do Rio de

Janeiro no século XIX: a Rua do Ouvidor. Ressalta a entronização da moda de

70

Page 82: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Paris nesse endereço, o que provocou, desde 1817, o encanto da sociedade

fluminense diante das vidraças decoradas pelas modistas parisienses. Segundo o

literato, o poder das proprietárias desses estabelecimentos foi tão grande que

assustou os negociantes ingleses instalados até então na Rua do Ouvidor. Elas

atraíram, entretanto, os negociantes franceses que abriram aí lojas de fazendas e

de objetos de moda, de perfumaria e de cabeleireiros. Nesse endereço os

franceses finalmente teriam fixado sua passagem pelo Brasil após tentativas

anteriormente frustradas:

No décimo sexto século, Villegagnon, e após ele Boisle–Comte, com centenas de soldados, e com apoio maldissimulado do governo francês não puderam manter a conquista da baía do Rio de Janeiro, de suas ilhas e pontos do continente, e ver realizar as aspirações da França Antártica. No século décimo nono, em um dos dois anos, em 1822, enfim, uma dúzia (nem tanto) de francesas sem peças de artilharia, nem espingardas, nem espadas, e apenas protestos, a França Antártica na cidade do Rio de Janeiro. A França Antártica é a Rua do Ouvidor desde a Primeiro de Março até a Praça de S. Francisco de Paula. Honra e glória, pois, às modista francesas que na sua hégira de 1821 a 1822 se acolheram àquele oásis, àquela predestinada Rua do Ouvidor, da qual fizeram pequena, mas feiticeira filha de Paris, e donde, sob o cetro da Moda, puderam logo em 1822 alçar o grito – Vive la France! (MACEDO, 1988, p. 76-77)

Na Revista Popular, além das chamadas de reclame para divulgar seus

estabelecimentos, vimos que as modistas do reinado estabelecido na Rua do

Ouvidor poderiam contar com a indicação feita por Carlos, antes ou depois da

descrição de um figurino26. Há crônicas em que o cronista é ajudado por uma

dessas senhoras a apresentar às leitoras, com precisão, cada detalhe da gravura

oferecida pelo periódico. Dessa forma, as modistas eram fiéis colaboradoras na

divulgação de um dos maiores atrativos da crônica, em troca de uma discreta

apreciação e indicação de seu negócio.

O papel das modistas francesas na mediação do desejo do público

leitor da seção “Crônica da Quinzena” é notável nesses exemplos que

26 2.1.1 Retórica da escrita de moda e a seção “Crônica da Quinzena”, p. 41.

71

Page 83: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

apresentamos para ilustrar a crítica discreta e bem humorada de Carlos à imitação

da indumentária de além-mar. Tomadas pelo poder de persuasão do cronista, não

bastava às leitoras (sujeito) confeccionar as roupas (objeto) usadas pelas

personagens do figurino importado ou do cenário social fluminense (mediador):

era preciso também adquirir os tecidos e os acessórios da gravura em

estabelecimentos cujas proprietárias fossem representantes dos ditames da moda

daquele período.

O ápice da cópia aos modelos europeus ocorre quando, em dezembro

de 1862, O Velho, que jamais descrevera nessa série um figurino, anuncia a

transformação da Revista Popular em Jornal das Famílias (1863-1878) e brinca

com o reconhecimento da moda de Paris como a mais elegante e distinta naquele

momento (cf C. Q., tomo XVI, 12/1859, p.368). Tal comentário aparece de forma

sutil na despedida feita aos leitores e na comparação da moda parisiense com o

novo empreendimento de Garnier, a partir de então impresso na França. Ambas

(moda e Revista Popular) não morreriam, mas metamorfosear-se-iam segundo o

rigor das últimas tendências parisienses. Ao comparar a mudança do nome do

periódico com a troca de vestido feita por uma moça bonita, reafirma a questão da

fugacidade da moda tão alentada por Carlos em suas crônicas e, para os leitores

mais perspicazes, a constatação de que, quando já não era mais possível imitar,

nos rendíamos sem questionamentos à superioridade do país de nosso mediador,

a França.

A atitude de Carlos frente à soberania dos figurinos de modas

franceses, aqui discutidos sob o ponto de vista retórico e mimético, é reveladora

da sua crítica sutil e de sua ironia fina com relação aos modelos de elegância de

além-mar. O mancebo elegante deve ter compreendido que, para manter seu

posto na seção, era necessário descrever as gravuras importadas e anunciar os

estabelecimentos das francesas da Rua do Ouvidor, sem que para isso deixasse

de manifestar discretamente suas sugestões, por exemplo, com relação à

inadequação dos trajes europeus as nossas condições climáticas. Nesses

momentos, observamos as idéias nacionalistas veladas (ou vestidas) sob

72

Page 84: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

descrições de modas aparentemente isentas de ironia , mas que serviram ao

primeiro cronista da seção como espaço para manifestar sua postura enquanto

intelectual romântico a seu modo, ou a sua moda. Como veremos a seguir, os

propósitos serão mantidos sob outra roupagem a partir de novembro de 1861,

quando assume a defesa das artes nacionais o Velho démodé.

73

Page 85: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

CAPÍTULO IIIPAQUETES, PEÇAS E SALAS

3.1 O Velho cronista fluminense pelos novos artistas nacionaisEm sua História da literatura brasileira, Sílvio Romero (1980) apontou

dois períodos da produção dramática de Joaquim Manuel de Macedo: “A maior

atividade do autor em produções para a cena foi nos anos de 1850 a 65. Na

década de 1830 a 40, as produções cênicas tinham sido demasiado reduzidas”.

(ROMERO, 1980, p. 1457). Ao discutir as peculiaridades dos dois gêneros

explorados pelo escritor – o drama e a comédia, o crítico destaca a tônica do

teatro macediano:

O teatro de Macedo tem cunho realístico; é um resultado da observação, por mais que ele o ataviasse de ficelles e de situações às vezes fantasiosas, ou incongruentes. A visão da realidade sobrepujava os amaneirados do romantismo em voga. Contém dramas e comédias; estas, como documentos da vida brasileira, levam vantagem àqueles. Entre os dramas contam-se: O Cego, Cobé, Lusbela, Amor e Pátria, O Sacrifício de Isaac. (...) As comédias de Macedo são superiores aos seus dramas, como crítica de costumes, como documentos da vida nacional. Por elas é que o autor fluminense se prende a Martins Pena e toma um lugar distinto entre os escritores nacionalistas. (...) Conhecem-se seis comédias do autor de Cobé (...): Fantasma Branco, O Primo da Califórnia, Luxo e Vaidade, A Torre em Concurso, O Novo Otelo e Cincinato Quebra-Louça. É esta a sua ordem cronológica. (ROMERO, 1980, p. 1403; 1436)

Na esteira desse crítico, Tânia Serra (2004) também notou a

possibilidade de dividir a obra romanesca do escritor em duas fases: a prosa de

evasão romântica (de 1844, com a publicação do romance A Moreninha, a 1855,

com O forasteiro); e a prosa de transição para o Realismo (de 1867, com

Voragem, a 1876, com A baronesa de amor). No primeiro período, ao qual a

pesquisadora denominou “O Macedo das Mocinhas”, a tônica é o retrato da nova

ordem da classe média que se quer aristocrática. Em momento posterior, “O

74

Page 86: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Macedo dos adultos” se dirige, sem sucesso, à mulher e ao homem maduros, bem

como à elite cultural. Entre esses períodos foi destacado o auge da carreira do

Macedo cronista, nos seguintes termos:

Sua atividade como cronista (...) vai de vento e popa, a tal ponto que publica, em 1861, alguns romancetes ou crônicas romanceadas lançados na coluna “A semana” e a “Crônica da Semana” do Jornal do Comércio. Deu-lhes o nome de Os romances da semana. (...) Macedo continua sua carreira de cronista escrevendo uma nova coluna para o Jornal do Comércio, intitulada “Um passeio”. No ano seguinte ele publica essas crônicas no livro Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro. (...) A partir de 1862, redige uma nova coluna, “O que sair”, que vai de 2 de março a 28 de abril de 1862, num total de cinco artigos não assinados. Inocêncio Francisco da Silva, no seu Dicionário biobliográfico português (...), crê ser dele, também, a “Crônica da semana”, que foi escrita para a Revista Popular, sob o pseudônimo “O velho”. Como cronista, portanto, Macedo está em fase de grande produção. (SERRA, 2004, p. 103; 108; 109-110)

Embora Wilson Martins (Apud SERRA, p. 15) tenha decretado que

todos os trabalhos futuros a respeito do romancista seriam redundantes após o

estudo daquela pesquisadora, havia ainda séries de crônicas a serem resgatadas

dos periódicos oitocentistas, como as publicadas sob o título “Labirinto”, no Jornal

do Comércio, reunidas em antologia organizada, apresentada e anotada por

Jefferson Cano, em 2004. Apresentemos, então, a sua revisão da produção até

então conhecida do Macedo cronista, o literato que “poderia contar em primeira

pessoa” a ainda jovem história da crônica na imprensa fluminense:

A crônica de variedades estreou no folhetim do Jornal do Commercio em dezembro de 1852 e, já em abril de 1854, Macedo passava a ocupar-se da redação d’ A Semana. Foram quatro anos e meio de colaboração, interrompida em agosto de 1859, retornando após oito meses de ausência, para aí instalar seu Labirinto: vinte e seis artigos, em que Macedo mesclou a crônica de variedades com um romance e três poemas satíricos. Em 17 de dezembro de 1860, saiu a última crônica da série, cujo epitáfio só faria na inauguração da próxima série, a Crônica da Semana, iniciada no mesmo Jornal do Commercio em 13 de janeiro do ano seguinte (...). Diferente de sua estréia de seis anos antes, n’A

75

Page 87: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Semana, quando Macedo apenas assumia a redação de uma série que já se celebrizava pelas mãos de Francisco Otaviano, n’o Labirinto o título da série só existiu durante a sua colaboração, assim como nas próximas séries que Macedo iniciaria no Jornal do Commercio – a Crônica da Semana, de 1861, e O Que Sair, de 1862. (CANO, 2004, p. 9)

Ao comparar as informações oferecidas pelos pesquisadores aqui

citados às que temos acerca do corpus de nossas investigações, verificamos que

a sugestão de Inocêncio Francisco da Silva foi acertada, embora o título e o ano

inicial da publicação da coluna da Revista Popular tenham sido reiterados

equivocadamente por Serra (2004, p. 109). De fato, entre o término da Crônica da

Semana e o início da série O Que Sair, ambas do Jornal do Comércio, Joaquim

Manuel de Macedo teria ainda publicado sob o pseudônimo O Velho, em

novembro de 1861, a primeira das suas vinte e seis crônicas, na seção “Crônica

da Quinzena” daquela Revista, colaboração que se encerra e encerra a publicação

do periódico em dezembro de 1862:

É preciso não confundir morte com metamorfose. A Revista Popular não morre: metamorfoseia-se. Vai mudar de nome, como uma moça bonita de vestido. E, para melhor mostrar-se no último rigor da moda e do tom, virá de Paris, garbosa e espirituosa, comme il faut. Será sempre brasileira no corpo, mas vai tornar-se parisiense pelas roupas e enfeites. Tafulona, ufana, vaidosa, bonita assim, faria um biquinho desagradável se o Velho quisesse acompanhá-la. Não me sujeitarei aos seus desdéns. Mas quem sabe se não passarei também por alguma metamorfose... bem entendido, no nome? Não sei. É um problema a resolver. Entretanto, faço as minhas despedidas às minhas leitoras e aos meus leitores. Não chorem, por quem são... Poupem a minha sensibilidade... Adeus! adeus!... (C. Q., tomo XVI, 12/1859, p.368)

Como já apontamos, o uso do pseudônimo O Velho pode ser

confirmado na Enciclopédia da Literatura Brasileira, organizada por Afrânio

Coutinho e José Galante de Souza (1980). O nome de Joaquim Manuel de

Macedo figura no índice de colaboradores da Revista Popular e o fragmento acima

citado também revela as evidências da confirmada continuidade da colaboração

76

Page 88: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

do escritor no Jornal das Famílias, com a publicação da seção de contos intitulada

Nina.

O flerte com a primeira publicação de Garnier parece ter começado já

em 1861, segundo o que constatamos em um de seus textos publicados na coluna

“Crônica da Semana” do Jornal do Comércio:

A Revista Popular, periódico quinzenal de que é editor proprietário o Sr. B. L. Garnier, acaba, com o número de 15 do corrente, de chegar ao tomo IX. Esta simpática publicação, encetada com modéstia, mas com resolução, tem ido aumentando seu grau de interesse e importância, e desde bastante tempo se recomenda pela amenidade de uns e excelência de outros de muitos dos seus artigos. A agricultura, a história e geografia, as ciências, a poesia, o romance e a literatura, as artes, o teatro (sic) recebem embates apreciáveis na Revista Popular, cujos colaboradores ou já têm um nome na república das letras, ou hão de em breve conquistá-lo com a força de seu merecimento. A Revista Popular é mais um exemplo ao que pode entre nós a constância e a paciência que é a grande ciência que ensina a saber esperar: este periódico, recebido ao nascer pelo público quase sem animação, desmentiu as previsões de muitos, sustentou-se, floresceu e hoje conta com uma base segura para sua manutenção, base que se tornará cada vez mais sólida com os melhoramentos que a Revista irá apresentando. (J. C., 17/03/1861)

Já em novembro daquele ano, engrossaria a fileira da qual faziam parte

os que já tinham “um nome na república das letras”. Sua dedicação aos “folhetins”

da Revista fora notada nas memórias de Vieira Fazenda, um aluno do Colégio

Dom Pedro II que revela a atividade do professor de História enquanto os

estudantes se esforçavam para copiar mapas no quadro negro:

Nunca pude compreender como, sendo Macedo homem ilustrado, não permitisse a seus alunos apreciar a nossa história com um pouco de filosofia. Era repetir o que estava no compêndio e nada mais. [...] E quando lhe dava na mente mandar o aluno transcrever na pedra, palavra por palavra, os fastidiosos mapas anexos ao compêndio? Aquilo era grande cacetada, diminuída pelo socorro de algum companheiro, verdadeiro ponto soprador, como se usa em teatro. Nesses dias Macedo levava a escrever folhetins para a Revista Popular ou a rever provas de escritos seus. De quando em

77

Page 89: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

vez, levantava a cabeça, ou não via a cola, ou de mostrava despercebido, enquanto o pobre paciente suava em bicas e almejava a hora de terminar a aula. (Apud CANO, 2004, p. 8-9)

Esse depoimento endossa a freqüência da produção do literato nos

jornais, principalmente se levarmos em conta que só em 1862 colabora

concomitantemente para a Revista Popular e para o Jornal do Comércio. Tânia

Serra (2004) nota que talvez não representasse necessidade de sobrevivência o

acúmulo de funções de Macedo na imprensa e no colégio. Tal excesso de trabalho

foi, sem dúvida, a exigência de uma fase ativa de sua vida profissional:

Parece claro, portanto, que o Dr. Macedinho estava trabalhando excessivamente. Não há indicação, no entanto, de que precisasse, nesse momento de sua vida, trabalhar até a exaustão por problemas de dinheiro (...). Nesse momento de sua vida, ao que tudo indica, está recebendo bem, já que ganha, pelo Colégio Pedro II, um conto de réis (mais de seiscentos mil réis anuais de gratificação), fora o que vem do Jornal do Comércio. (SERRA, 2004, p. 109)

Acrescente-se a esses ganhos os provenientes da colaboração do

escritor na seção “Crônica da Quinzena”. Em sua Tese de Doutorado Para além

da Amenidade – o Jornal das Famílias e a sua rede de produção, Alexandra

Santos Pinheiro (2007) reuniu contratos e recibos de pagamentos feitos por

Garnier a escritores que lhe prestaram serviços27. Dentre eles não se encontram

os referentes à colaboração de Macedo na “Crônica da Quinzena”, mas a

oportuna organização dos documentos agrega aos comentários de Serra (2004)

dados sobre parte dos lucros do literato junto a B. L. Garnier entre 1862 e 1873:

27 Os documentos foram cedidos a pesquisadora por Pedro Paulo Moreira, editor-proprietário da Vila Rica editoras reunidas, antiga editora Itatiaia. (cf PINHEIRO, 2007, p. 274)

78

Page 90: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Joaquim Manuel de Macedo data obra nº de exemplares valor

contrato 13/05/1862 Teatro - composto por 10 peças Lusbela

2 mil 3mil

2:000$000, desse valor, 800$000

seriam para pagar a dívida do autor

com a livrariacontrato 12/11/1868 Nina - 900$000

recibo 13/11/1868Pela inserção de Nina no

Jornal das Famílias e por sua 1ª ed. em livro

- 900$000

contrato 03/04/1869 A Mulheres de Mantilha 2 mil 1:000$000

contrato 03/04/18692ª ed. de Vicentina (há a nota de que a 1ª edição saiu pela

Paula Britomil 400$000 mil reis

licença 27/09/1871

Compendio da História do Brasil (Autoriza Domingos Gomes Brandão a vender

seu livro ao governo no valor de 2 mil reis e permite que Garnier imprima a 2ª ed. da

obra)

6 mil

recibo 31/03/1870 Victimas Algozes] Vendeu a Garnier 120 exemplares 1:260$000

contrato 22/12/1873 Lição de Chorographia brazileira 3 mil 500 reis por cada

exemplar vendido

Figura 14: Tabela de contratos e recibos de Garnier a Macedo. (cf PINHEIRO,

2007, p. 274)

79

Page 91: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Na Revista Popular, independentemente dos honorários recebidos, a

produção de Macedo revela que a variedade de assuntos característica da crônica

permanece, embora a criação da sua persona de cronista28 tenha limitado os vôos

do novo – ou Velho, colibri. Quando se apresenta sob a máscara – ou a casaca -

de um ancião, estabelece as diferenças entre a sua produção e a do mancebo

elegante. A partir desse momento, as descrições de figurinos já não ocupam mais

as páginas reservadas às crônicas, fenômeno que pode ser interpretado como

escolha para manifestar a seu modo, ou a sua moda, as idéias nacionalistas do

intelectual romântico Joaquim Manuel de Macedo, criador do narrador-

personagem démodé. Se Carlos revelava sua posição através da crítica irônica e

velada à soberania da moda francesa como um dos impedimentos para a

nacionalização dos nossos costumes, o segundo cronista elimina de sua pauta

qualquer referência àquele domínio, opção endossada pela escolha de seu

pseudônimo na Revista.

Ora, Gilda de Mello e Souza (2005), em artigo sobre a reação de

Macedo, de Alencar e de Machado diante do vestuário dos personagens criados

por esses autores, apontou a habilidade do primeiro ao “transcrever o real com

fidelidade, mas sem imaginação”, bem como ao descrever vestidos e acessórios

com minúcia, porém sem “desentranhar do visível a face oculta das coisas”, como

fizeram os autores de Lucíola (1862) e de Quincas Borba (1890):

Calcula meticulosamente o montante dos gastos, sublinha a complexidade da tarefa, enumera os acessórios indispensáveis que ela exige e, se necessário, fornece informações suplementares sobre a voga reinante nos penteados: se os cabelos “vinham atados à napolitana ou em bandós”; se “estavam dispostos em crespos, deixando cair vacilante uma chusma de belos cachos de madeixas”; se “ostentavam uma orgulhosa rosa Constantino” ou “eram coroados por uma grinalda de margaridas”. A mesma minúcia documentária se reflete na descrição dos vestidos – “de seda cor de rosa, aberto dos dois lados, com enfeites de escumilha e fitas da mesma cor” -; e mais particularmente na descrição dos corpinhos, que ora terminam em “bico, com pregas no peito”, ora vêm guarnecidos de “cabeção de

28 Ver 1.2 A seção “Crônica da Quinzena” e seus colaboradores (ou colibris), p. 26.

80

Page 92: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

renda e mangas singelas”. O feitio, o tecido, os enfeites, as flores, e fitas, os brincos e adereços são mencionados, não por pendor estético do narrador, mas porque constituem sinais eficientes de classe ociosa e desempenham função decisiva na festa. (SOUZA, 2005, p. 74)

Ilustram essas observações os apontamentos da pesquisadora acerca

da meticulosa enumeração de gastos, de acessórios, de cabeleireiros e de

modistas no romance Rosa, de Joaquim Manuel de Macedo:

Já no segundo capítulo de Rosa, Macedo se apressa a nos informar que, para comparecer com sucesso a um baile de gala, no final de 1849 – época em que a narrativa se desenrola -, uma moça elegante e casadoura despendia perto de 184$000. Pelo comentário que então se estabelece entre os personagens do romance, inferimos que o preço era muito alto, embora incluísse a escumilha branca para o vestido; o cetim para o forro do dito, o feitio de Mme. Gudin, com os enfeites, fitas, etc.; as luvas de pelica branca de Monsieur Wallenstein; os sapatos de cetim branco do mesmo senhor; o cabeleireiro da casa Monsieur Silvains; as violetas e cravos Glória de Londres para o bouquet; e um porta-bouquet novo, porque o antigo se havia quebrado no último baile. (SOUZA, 2005, p. 73)

Qualquer semelhança entre a crítica de Gilda de Mello e Souza às

descrições minuciosas dos trajes dos personagens macedianos e a de Antonio

Candido (1959) ao pequeno realismo das obras do Dr. Macedinho não nos

pareceu mera coincidência. As modas foram também por ele destacadas dentre os

aspectos reveladores do valor documentário das produções do autor de A

Moreninha:

Mas não sobrecarreguemos a memória do nosso Macedinho. Lembremos que lhe cabe a glória de haver lançado a ficção brasileira na senda dos estudos de costumes urbanos, e o mérito de haver procurado refletir fielmente os da sua cidade. O valor documentário permanece grande, por isso mesmo, na obra que deixou. Os saraus, as visitas, as partidas, as conversas; os domingos na chácara, os passeios de barca, as modas, as alusões à política; a técnica do namoro, de que procura elaborar verdadeira fenomenologia; a vida comercial e o seu reflexo nas relações

81

Page 93: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

domésticas e amorosas – eis uma série de temas essenciais para compreender a época, e encontramos bem lançados em sua obra, de que constituem talvez o principal atrativo para o leitor de hoje. O que lhe faltou foi o gosto ou força para integrar esses elementos num sistema expressivo capaz de nos transportar, apresentando personagens carregados daquela densidade que veremos nalguns de Alencar, antes que surgisse a galeria de Machado de Assis. (CANDIDO, 1959, p. 145)

Com base nesses pareceres e em nosso estudo sobre a retórica do

primeiro cronista da seção “Crônica da Quinzena”, podemos inferir que, por já ter

revelado nos romances a precisão de seus comentários referentes às modas, se

Macedo se aventurasse a descrever figurinos na Revista, talvez não superasse o

domínio do levar a fazer ou a usar, apontado por Roland Barthes29. Tal prática

poderia causar o seu distanciamento do público leitor e a conseqüente

inviabilidade da crítica aos modelos franceses feita “ao pé do ouvido”, através da

qual poderia defender propósitos nacionalistas, como o fez Carlos ao emitir

sugestões que ultrapassavam o domínio da mera descrição pormenorizada dos

trajes.

Se tivesse apostado na descrição de figurinos para a defesa da

nacionalidade de nossos costumes, poderia, entretanto, ter evitado o seu criticado

“pequeno realismo” e repetido a atitude de seu narrador no capítulo “O sarau” da

obra A Moreninha:

Hábil menina é ela! Nunca seu amor-próprio produziu com tanto estudo seu tocador e, contudo, dir-se-ia que o gênio da simplicidade a penteara e vestira. Enquanto as outras moças haviam esgotado a paciência de seus cabeleireiros, posto em tributo toda a habilidade das modistas da rua do Ouvidor e coberto seus colos com as mais ricas e preciosas jóias, d. Carolina dividiu seus cabelos em duas tranças, que deixou cair pela costa; não quis adornar o pescoço com seu adereço de brilhantes nem com seu lindo colar de esmeraldas; vestiu um finíssimo, mas simples vestido de garça, que até pecava contra a moda reinante, por não ser sobejamente comprido. Vindo assim aparecer na sala, arrebatou todas as vistas e atenções. Porém, se um atento observador a estudasse, descobriria que ela adrede se mostrava

29 Ver 2.1.1 Retórica da escrita de Moda e a seção “Crônica da Quinzena” p. 41.

82

Page 94: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

assim, para ostentar as longas e ondeadas madeixas negras, em belo contraste com a alvura de seu vestido branco, e para mostrar, todo nu, o elevado colo de alabastro, que tanto a aformoseava,e que seu pecado contra a moda reinante não era senão um meio sutil de que se aproveitara para deixar ver o pezinho mais bem feito e mais pequeno que se possa imaginar. (MACEDO, 2006, p. 85)

O emblema da simplicidade da indumentária da protagonista Carolina

seria, ao nosso ver, um indício da recusa aos modelos franceses em favor da

beleza da mulher brasileira, que não merecia ser escondida sob o volume de

trajes e acessórios exigidos pelo clima e pelo glamour europeus. Com o uso de

estratégia e de argumentos semelhantes O Velho poderia ter feito na seção

“Crônica da Quinzena” a revista dos bailes fluminenses e apontado como

exemplos de elegância legitimamente nacional as moçoilas infiéis às novidades da

rua do Ouvidor, o endereço da Moda de Paris, “rainha despótica” que, no século

décimo nono,

Governa e floresce decretando, modificando, reformando e mudando suas leis em cada estação do ano, e sublimando seu governo pelo encanto da novidade, pela graça do capricho, pelas surpresas da inconstância, pelo delírio da extravagância, e até pelo absurdo, quando traz para o rígido verão do nosso Brasil as modas do inverno de Paris. (MACEDO, 1988, p. 75)

Foi, contudo, por outra rota que migrou o segundo colibri da coluna

rumo à defesa de manifestações originalmente nacionais na vida cultural brasileira

do oitocentos. Talvez por esse motivo as crônicas assinadas sob o pseudônimo O

Velho revelam, desde a sua estréia na seção, maior preocupação com as

manifestações artísticas, sobretudo no que diz respeito à atuação de atores e de

compositores brasileiros, como João Caetano e Carlos Gomes. Os jovens artistas

seriam a esperança para o gradual rompimento da rotina de nossos palcos que,

frente à incipiente organização do teatro nacional no oitocentos, eram tomados por

artistas estrangeiros:

83

Page 95: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Se o teatro nacional jamais soube ou teve forças para se organizar, de modo a caminhar para frente, já o mesmo não se dirá de elencos estrangeiros no Brasil. (...) No verão europeu, que coincidia com o inverno ao sul do Equador, os atores dramáticos ou cantores líricos franceses e italianos em férias, uniam-se em grandes companhias, encabeçadas por duas ou três celebridades, partindo para a conquista dos pontos extremos do mundo ocidental – Rússia, Estados Unidos, América do Sul. (PRADO, 1999, p. 43)

A constatação de Décio de Almeida Prado revela o embate entre o

desejo de afirmação da nacionalidade difundido pelos intelectuais românticos e a

nossa dependência cultural transmitida das mãos de Portugal para a tutela de

outras nações européias, sobretudo a da França, após a abdicação de D. Pedro I.

Assim, antes de prestigiar obras nacionais escritas e encenadas por autores e

atores locais, por muito tempo ainda o público fluminense assistiria a peças

francesas representadas em português, porém com sotaque afrancesado.

Carlos também dedicava parte de suas crônicas aos teatros

fluminenses. Basta lembrarmos que, se considerado como nome literário de

Carlos José do Rosário, além de ter publicado textos na Revista Popular

relevantes aos estudos sociológico, retórico e mimético da moda no século XIX, o

escritor também emitiu pareceres ao Conservatório Dramático Brasileiro, para o

qual foi eleito como censor a 19 de novembro de 1854 e, como membro do

conselho, em 1856 e em 1863 (cf SOUSA, 1960, p. 466-467). Por isso, podemos

considerar sua produção na seção “Crônica da Quinzena” também importante

para a pesquisa sobre a crítica teatral diletante exercida por tantos folhetinistas de

seu tempo, como apontou João Roberto Faria:

Os jornais e revistas do período – Diário do Rio de Janeiro, Jornal do Comércio, Correio Mercantil, A Marmota, Revista Popular, A Semana Ilustrada, Entreato, O Espelho ... – estão repletos de textos que permitem, confrontados entre si, delinear a evolução do teatro brasileiro no terreno das idéias e da reflexão estética. Sem contar os colaboradores anônimos, ocultos pela ausência de assinatura ou por pseudônimos e iniciais indecifráveis, escreveram sobre teatro nos principais órgãos da imprensa fluminense os seguintes intelectuais: Sousa Ferreira, Quintino Bocaiúva, José de Alencar, Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo,

84

Page 96: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Francisco Otaviano, Henrique César Muzzio, Leonel de Alencar, Paula Brito, Moreira de Azevedo e Augusto de Castro. (FARIA, 1993, p. 141)

O crivo de sua crítica passava pela cena lírica, como observamos na

crônica inaugural da seção, produzida em 04/01/1859. Nessa ocasião comenta o

espetáculo em benefício do cantor Felipe Tati, no Teatro São Pedro de Alcântara,

que contou com o empenho dos artistas João Caetano, Butti, Anglais, Anne De La

Grange e Carlota Milliet. Destaca o desempenho do primeiro no papel de “André”

no drama de Jacques Arago intitulado A Gargalhada, do terceiro como

instrumentista e da última no dueto da Norma e na ária do Elixir. De La Grange é

exaltada à parte pela valsa Saudades da Rússia e pela polca La Grange. Da

preferência por essa cantora, depreende-se outra disputa dos palcos alimentada

pelos folhetinistas e notada por Giron (2004): a batalha entre sopranos. Stolz,

Barbieri, Fasciotti, Candiani. Nenhuma dessas conquistou o coração de nosso

cronista, como a francesa a quem a platéia em breve também se curvaria:

O nosso século não acredita em milagre; mas o incrédulo mais tenaz será forçado a curvar-se diante dessa entidade excepcional, desse abismo de talento, de arte, de graça, desse mimo do céu, que conhecemos sob o nome de Ana de La Grange! (C.Q., tomo I, 04/01/1859, p. 61)

A rivalidade entre cantoras a quem o público concorria com vaias e

aplausos foi colocada mais uma vez em evidência três meses depois, a 15 de

março, quando da discussão sobre a existência de um verdadeiro teatro lírico no

Brasil. As primas-donas Mme de La Grange e Mme Stolz seriam reconhecidas

representantes do que nos restaria daquela precária casa de espetáculos:

Realmente parece uma zombaria chamar teatro lírico o que, quanto ao edifício, já foi na Europa taxado de quartel e, quanto ao pessoal cantante, o que se compõem de duas primas-donas. Porém que fazer? É o que temos; o mais foi pela água abaixo. (C.Q., tomo I, 15/03/1859, p. 379)

85

Page 97: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Em 31 de março ainda destacaria a necessidade de um terreno maior

para o Lírico, bem como a atuação de sua predileta na Traviata, cuja

representação fora tumultuada por um espectador ao deixar cair fósforos que se

espalharam pelo chão. Um senhor teria pisado acidentalmente em um deles e a

explosão fora imediata. Para dar ênfase às ovações da platéia a La Grange,

aponta que, por sorte, os aplausos dirigidos à cantora lírica abafaram o incidente.

De fato, esse comportamento desrespeitoso, tal como as pateadas de indignação

para os cantores do partido adversário, eram comuns entre nós e remontariam à

primeira metade do século XIX, quando “o público se engaja inteiramente na

diversão e, não raras vezes, comporta-se de forma ruidosa, sobretudo na platéia”.

(GIRON, 2004, p. 83)

No que diz respeito à cena dramática, os comentários de Carlos acerca

das querelas dos teatros fluminenses não explicitam uma posição clara ao lado de

tantos emitidos pelos demais cronistas da Imprensa Brasileira. Tais escritores

revelam em seu discurso elementos importantes para compreendermos o estado

do teatro nacional entre 1855 e 1865. De um lado tínhamos o Teatro São Pedro de

Alcântara, dirigido por João Caetano dos Santos (1808-1863), cujo repertório e

cujo estilo de representação eram de orientação romântica (dramas, melodramas

e tragédias de inspiração neoclássicas); de outro, o Ginásio Dramático dirigido por

Joaquim Heleodoro Gomes dos Santos (1848-1898), empresário que procurou

manter em sua sala a última novidade dos palcos parisienses: a comédia realista.

Frente aos debates dos jornais acerca das perdas e ganhos de público,

de fama e de investimento daquelas salas, o primeiro colaborador da seção, ao

contrário do que fazia ao descrever as gravuras de modas francesas, preferiu

manter sua pretensa imparcialidade. Em 20 de setembro de 1859, por exemplo,

explicitou o tema da rivalidade dos dois teatros em notícia sobre um dos eventos

comemorativos da Festa da Independência daquele ano: a encenação, no S.

Pedro, dos dramas Coubé e Amor e Pátria, ambas de Joaquim Manuel de

Macedo. Ao observar que finalmente o teatro teria cumprido o compromisso

assumido em representar peças nacionais, aproveita para declarar a sua

86

Page 98: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

neutralidade com relação às querelas existentes entre a empresa do João

Caetano dos Santos e o Ginásio Dramático: “O teatro de S. Pedro tem inimigos

confessos e, como eu não me considero nesse número, pretendo com toda a

brevidade entoar um hino em louvor da sua décima regeneração” (C.Q., tomo III,

20/09/1859, p. 401). Promete, finalmente, assistir às próximas representações dos

dramas para parabenizar pessoalmente aquele que iria substituí-lo na seção

“Crônica da Quinzena”, o “ilustre autor do Cego”.

Ainda representativa dessa neutralidade é a referência feita à crítica

severa do Correio Mercantil acerca da encenação, agora no Ginásio, da peça O

asno morto (L’Âne Mort et La Femme Guillotinée), de Théodore Barrière em

parceria com Adolphe Jaime: “(...) na frase do Correio Mercantil, [a peça] expurgou

a cena do Ginásio de alguns anos de dois pés, que do tablado dirigem-se aos

espectadores.” (C.Q., tomo III, 20/09/1859, p. 401). De fato, Carlos foi o único a

abster-se de críticas severas dirigidas a esse que o pesquisador João Roberto

Faria classificou dramalhão em cinco atos, cujo enredo Machado de Assis teria

resumido no jornal O Espelho: “O Asno Morto pertence à escola romântica e foi

ousado pisando a cena em que tem reinado a escola realista” (ASSIS apud

FARIA, 1993, p. 97). Assim, mesmo diante da pretensa imparcialidade da Revista

Popular, era consenso entre muitos folhetinistas o inevitável fracasso desse drama

repleto de cenas de envenenamentos, punhais e emboscadas que já não eram

bem quistas por parte da imprensa fluminense, já afeita à naturalidade das

produções realistas.

É preciso ponderar a respeito da quase unanimidade entre os críticos

acerca da aceitação do teatro realista entre nós. Para alguns folhetinistas, ela foi

tardia e motivo de muitas polêmicas com relação a sua primeira orientação

literária. Esse foi justamente o caso de Macedo, escritor romântico e amigo de

João Caetano:

Macedo viria engrossar as fileiras dos adeptos do Ginásio alguns anos depois. Outros, porém, que pensavam como ele na ocasião em que as comédias realistas passaram a ser o assunto predileto

87

Page 99: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

dos folhetinistas, mantiveram-se defendendo as mesmas nos anos subseqüentes. E até mesmo alguns defensores “históricos” do Ginásio vez por outra transitaram de um lado para outro, o que reforça a idéia de que a recepção à nova dramaturgia francesa não se estava dando de maneira tão tranqüila e consensual entre os literatos, provocando, muitas vezes, debates e discussões, como de resto já vinha ocorrendo na “matriz” da dramaturgia realista. (SOUZA, 2002, p. 74)

Embora a compreensão do autor de Rosa sobre as inovações trazidas

pelas comédias realistas tenha sido tardia, sua preocupação com o

desenvolvimento das artes cênicas brasileiras é, sem dúvida, o mote para a

defesa das idéias nacionalistas em suas 26 crônicas publicadas na Revista

Popular. Seus comentários abrangem, por exemplo, a infra-estrutura adequada

para o florescimento das cenas lírica e dramática nacionais. Assim o faz quando

compara a sua condição de ancião à do Teatro Lírico da corte que, de provisório,

começou a envelhecer sem que o dia de sua desativação chegasse:

(...) E não zombem de mim porque sou velho. Há velhos que ainda têm muito préstimo. (...) Não posso fortalecer a minha proposição com o exemplo do vinho (...). Resta-me, porém, o exemplo brilhante do nosso teatro lírico. Que há aí de mais velho do que o famoso Provisório?... O teatro Provisório tocou o superlativo do adjetivo permanente. Obra gloriosa do senhor mestre Vicente, o teatro Provisório foi construído para durar três anos, e lá vai com um decênio de existência, repetindo de noite os ecos de suaves e não suaves melodias, e protegendo de dia com a sua sombra os leilões de quadrúpedes. Já lhe gemeu o teto; mas puseram-lhe em socorro mais tesouras, do que se encontram na loja do primeiro dos nossos alfaiates. Está velho, muito velho; mas brilha ufano e garboso, como um ancião da pátria que ainda não desmancha prazeres, quando se trata de uma contradança francesa. (C.Q., tomo XII, 11/1861, p. 250)

Observamos que a revista dos teatros fluminenses nas crônicas

assinadas pelo Velho superava a pretensa imparcialidade de Carlos sobre o

assunto. Além das críticas bem humoradas às condições precárias de nossos

palcos, era visível o destaque a alguns nomes importantes da dramaturgia e da

música lírica brasileira. Carlos Gomes foi o primeiro a ser lembrado por Macedo

88

Page 100: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

quando este comenta a representação de A Noite do Castelo, pela companhia da

Ópera Lírica Nacional. Relata as homenagens feitas ao autor da ópera, no fim do

segundo ato. Teria ele recebido uma batuta de ouro, enriquecida de pedras

preciosas e de ornatos alusivos. Após descrever o entusiasmo patriótico do

público, o Velho confessa um sonho que teve ao fechar os olhos, quando Carlos

Gomes desceu do palco. Nesse sonho, a batuta regalada falava. Eis a explicação

dada a tal fenômeno:

Eu vi a batuta, que fora poucos momentos antes oferecida a Carlos Gomes, estremecer nas mãos do artista e agitar-se em movimentos regulares, como se já estivesse marcando o compasso. Daí a pouco a batuta falou. Não vos admireis: há muita gente que fala pelas pontas dos dedos e, portanto, bem podia a batuta falar pelas cordas das suas duas liras. É uma batuta encantada; um gênio em forma de batuta, e tem por conseqüência o direito de pensar, falar, criticar e vaticinar. (C.Q., tomo XII, 11/1861, p. 251)

Com efeito, ela prevê o brilhante futuro de Carlos Gomes e pede ao

Velho que aconselhe o jovem artista a estudar para vencer a distância que o

separa de Donizetti, Rossini e Meyerbeer. A batuta teme, por outro lado, ver o fim

da Ópera Nacional, cujos cantores, todos estrangeiros, impregnavam nas peças

escritas em português o sotaque de suas línguas maternas (espanhol, francês,

alemão). Apresenta ainda o desafio que tem o país de recrutar e engajar artistas

brasileiros na companhia chamada nacional.

A alegoria da batuta falante, nesse caso, revela a vertente nacionalista

dos comentários do cronista sobre o desenvolvimento das manifestações artísticas

na corte. Desde então Macedo reclama a originalidade de nossas produções, bem

como a atuação de artistas brasileiros nos palcos fluminenses.

Além dessa referência a Carlos Gomes como uma das promessas das

artes nacionais, há outra marcante feita com maior freqüência ao ator e

empresário do teatro São Pedro de Alcântara, João Caetano dos Santos. A esse

baluarte das artes cênicas no Brasil do oitocentos foram dispensados vários

89

Page 101: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

elogios por sua persistência em atualizar o nosso repertório teatral da primeira

metade do século XIX com as últimas novidades do teatro romântico europeu.

Para tanto, como já apontara Décio de Almeida Prado, foi necessário abandonar a

tutela de Portugal e importar peças diretamente da França. Explicita, então, a

conseqüência de tal transformação no desenvolvimento do teatro brasileiro: “(...)

Encurtara-se ao mínimo o atraso do nosso repertório: basta dizer que, das três

peças românticas francesas encenadas em 1836, a mais antiga é a de

1832.” (PRADO, 1972, p. 36)

De fato, o nascimento do teatro brasileiro era um resultado do sopro de

renovação originado pelo romantismo francês. Ainda segundo Décio de Almeida

Prado “(...) Victor Hugo (...), e de todos os lados ‘les jeunes barbares

shakespeariens’ haviam acorrido em defesa da liberdade na arte, contra a velha e

desgastada fortaleza clássica” (PRADO, 1972, p. 37).

João Caetano foi quem sorveu esses novos ares do teatro francês,

procurando instaurar no Rio de Janeiro, já em 1838, com a encenação de Antônio

José ou O Poeta e a Inquisição, o que poderia ser chamado “programa literário

nacionalista de inspiração romântica”. A respeito da repercussão de tal peça,

Gonçalves de Magalhães observara que o motivo de seu sucesso,

(...) ou fosse pela escolha de um assunto nacional, ou pela novidade de declamação e da reforma da arte dramática (substituindo a monótona cantilena com que os atores recitavam os seus papéis, pelo método natural e expressivo, até então desconhecido entre nós). (GONÇALVES DE MAGALHÃES, 1865, p. 5; 7)

O empenho do ator e empresário em atualizar o repertório do São

Pedro se limitou, entretanto, à primeira metade do século. Como observamos nas

crônicas de Carlos, entre 1859 e 1861, a crítica demonstrava sua preferência

pelas produções realistas, sobretudo as francesas, traduzidas dos dramaturgos

Octave Feuillet, Théodore Barrière, Émile Augier e Alexandre Dumas Filho.

Resulta da insistência de João Caetano em encenar peças românticas e tragédias

90

Page 102: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

neoclássicas a rivalidade já apontada entre os teatros que as representavam: o

Ginásio Dramático e o São Pedro, respectivamente. Representativa das

discussões da imprensa é o texto do nosso primeiro cronista acerca das

mudanças que o empreendimento subsidiado pelo governo Imperial ofereceria à

corte, caso ocorressem as mudanças necessárias em sua administração e em seu

repertório:

Vivendo na indiferença, nutrindo-se de indiferença, falando à indiferença e olhando para tudo com indiferença, o teatro de S. Pedro tem mostrado ultimamente que a sua força de inércia é superior ao bom senso e ao juízo reto de quem deseja ver trilhar outro caminho mais sólido e menos escabroso. Não há quem não pense que é tempo perdido todo aquele que se despende em chamar à razão o tresloucado regressista; admoestá-lo significa o mesmo que bradar no deserto; censurá-lo não é outra coisa mais do que lhe exacerbar a bílis e concitá-lo a retrogradar; instigá-lo, com o cautério da crítica, é afrontar as iras de um colosso impotente no raciocínio, porém por demais valente nos destemperos e agressões acintosas. A imprensa em geral tem compreendido a sua missão e cumprido o seu dever; se os poderes do Estado quisessem opor um paradeiro ao abuso... oh! o teatro de S. Pedro tinha todas as proporções para ser o primeiro teatro do império! (C.Q., tomo VI, 10/06/1860, 389-390)

Essa cobrança da imprensa por renovação no São Pedro teria levado o

seu empresário a partir, dias depois, para a Europa, onde estudaria, segundo

Carlos, os melhoramentos aí aplicados ao teatro para organizar aqui uma

companhia que satisfizesse as exigências de nossa sociedade.

Ao contrário da tônica geral, Macedo, antes de criar O Velho, já

procurava destacar os esforços daquele a quem foi concedido o título de primeiro

artista dramático nacional. Na sua “Crônica da Semana” publicada no Jornal do

Comércio em 19 de fevereiro de 1861, anuncia o retorno de João Caetano após a

estada na Europa e apresenta as esperanças que os estudos do empresário e ator

podem trazer ao teatro São Pedro e, conseqüentemente, à consolidação das artes

cênicas brasileiras:

91

Page 103: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

A boa novidade que devemos ao paquete foi a chegada do comendador João Caetano dos Santos, o nosso primeiro artista dramático. Voltou ele do seu curto passeio à Europa com a fronte coroada de belos louros ganhados no teatro de Lisboa, honrado com uma graça elevada com que el rei de Portugal premiou o seu merecimento, e com idéias tendentes à reforma de seu teatro. (...) A viagem que o Sr. João Caetano dos Santos acaba de fazer deve exercer uma benigna influência sobre o teatro S. Pedro de Alcântara e, desde que assim aconteça, é positivo que todas as outras companhias dramáticas hão de ressentir-se beneficamente da nova situação em que terá de apresentar-se a companhia do S. Pedro. Conseqüentemente cumpre esperar pelos resultados felizes que nos promete o passeio artístico do nosso primeiro ator. Devemos esperar e não exigir improvisos e impossíveis. Em pouco tempo, em um ou em três meses não se realizará por certo a regeneração relativa do teatro de S. Pedro; se tal conseguisse o Sr. João Caetano, teria operado um milagre. Mas, devo dizê-lo com franqueza, o Sr. João Caetano dos Santos por si só não pode efetuar a regeneração completa do teatro; faltam-lhe recursos materiais e elementos que ele debalde procurará na companhia de que é chefe. Em geral, temos atores improvisados, e não temos artistas; salvo algumas exceções, mas subsiste a regra. A regeneração do nosso teatro depende de um complexo de medidas que só o governo, se tiver boa vontade, pode executar. Só o governo é que dispõe de dos meios necessários para criar um conservatório dramático com as aulas convenientes, para que dele saiam bons atores e verdadeiros artistas, depois de muito trabalho. Só o governo é que pode dar ao teatro um regulamento bem desenvolvido profícuo, e não efêmero, ou letra morta, um regulamento que dê garantias de futuro aos artistas, meios de seguro e constante desenvolvimento a arte e incentivo às letras. O que está nas faculdades do governo não está nas de um só homem, por mais talento e mais vontade que ele tenha. A ocasião é oportuna para que o governo faça alguma coisa pelo teatro, que também é um elemento poderoso de civilização. (J. C., 19/02/1861)

Notemos nesse excerto como o cronista transfere ao governo parte da

responsabilidade pelo desenvolvimento de nossas artes dramáticas. Enquanto a

imprensa criticava justamente o fato de João Caetano receber subsídios e não

atualizar técnica e repertório das peças encenadas no São Pedro, Macedo

defende o ator e explicita a importância da proteção e do auxílio financeiro do

Imperador para a manutenção da infra-estrutura física e humana de uma

instituição que representava elemento civilizatório entre nós.

92

Page 104: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

O tom de defesa a João Caetano segue na seção “Crônica da

Quinzena”. Em referências a sua criticada atuação teatral e empresarial, nosso

escritor, já em 1862 sob a casaca d’ O Velho, ressalta os esforços empregados por

aquela personalidade de nosso teatro com o fim de atrair o público e salvar o

Teatro São Pedro. Não faz uso da crítica pessoal, como o fizeram seus colegas

folhetinistas; por isso, na segunda quinzena de julho de 1862, alerta e pondera:

O teatro de S. Pedro de Alcântara vegeta perseguido desde muito tempo por adversa fortuna. Durante um longo período a empresa desse teatro andou descuidosa e seguindo caminho ruim e contrário ao desenvolvimento da arte dramática. (...) Hoje, porém, é uma verdade que alguns esforços tem feito o teatro de S. Pedro para agradar ao público. Mas entrou em moda maldizer do Sr. João Caetano dos Santos, a quem quase que já se tem negado a sua imensa superioridade sobre quantos artistas dramáticos têm aparecido no Brasil. (C.Q., tomo XV, julho de 1862, p. 194)

A pesquisadora Silvia Cristina Martins de Souza (2002) aponta a

amizade travada entre Macedo e João Caetano, após o terceiro incêndio do Teatro

São Pedro30. A casa passava por crise da qual o acidente seria somente mais um

fator desencadeador de questionamentos acerca da sua situação naquele

momento:

Para Macedo, o incêndio do São Pedro fizera emergir uma questão que vinha sendo mantida em “banho-maria” havia algum tempo – a da necessidade de um “próprio nacional” que abrigasse uma companhia regular, sob a direção de João Caetano e subvencionada pelos poderes públicos, única forma que via de não se sacrificarem os interesses artísticos ao “mau gosto de uma platéia nem sempre ilustrada”. (SOUZA,.2002, p. 74)

A companhia foi organizada e a subvenção foi oferecida pelo governo

30 Sobre a história do então chamado Teatro São Pedro de Alcântara, bem como a mudança de nomes da sala a cada recuperação da série de incêndios provocados no atual Teatro João Caetano, transcrevemos as informações organizadas por Silvia Cristina Martins de Souza: Tendo recebido inicialmente o nome de Real Teatro São João, em homenagem a dom João VI, a sala passou a chamar-se Teatro de São Pedro de Alcântara em 1824; em 1831, Teatro Constitucional Fluminense e, mais tarde, com a maioridade de Pedro II, novamente Teatro São Pedro de Alcântara. (SOUZA, 2002, p. 121)

93

Page 105: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

imperial ao ator e empresário31 que manteve a representação de peças

pertencentes ao repertório romântico e neoclássico. Talvez esse seja o motivo

pelo qual Macedo ainda o defendeu durante muito tempo, até que este

engrossasse as fileiras dos adeptos do Ginásio Dramático. A escola que orientou a

maioria das peças encenadas nessa sala agradou parte significativa da imprensa,

ocupada em discutir a encenação de comédias realistas em nossos palcos, na

segunda metade do século XIX:

Na verdade Macedo, talvez por amizade a João Caetano, ou por ser mais apegado à escola romântica, ou quem sabe pelas duas coisas, não se alinhou de imediato ao Ginásio, como seus pares. Tanto sua decisão foi tardia que, na ocasião em que as primeiras comédias realistas foram encenadas pelo Ginásio, seus folhetins dramáticos deram conta das estréias sem maiores considerações sobre as peças e encenações, quando estas foram emitidas, demonstraram uma certa indisposição do escritor para com a nova escola dramática. (SOUZA, 2002, p. 74)

Como Macedo, foram poucos os que acorreram em favor de João

Caetano. É o que podemos confirmar na crítica feita por alguns intelectuais acerca

das peças então representadas no Teatro São Pedro. Um deles é Machado de

Assis que, em uma de suas crônicas dramáticas, ataca a retomada do velho

repertório naquele teatro:

Em São Pedro houve uma das antigas tragédias, Nova Castro. Não entro na apreciação dessa produção, porque é demais conhecida. Eu só admito a Nova Castro como uma página de belos versos. Entretanto, uma observação não vem fora do tempo. Aprecio o Senhor João Caetano, conheço sua posição brilhante na galeria dramática de nossa terra. Artista dotado de um raro talento, escreveu muitas das mais belas páginas da arte. Havia nele vigorosa iniciativa a esperar. Desejo, como desejavam os que

31 Sobre os benefícios e as exigências dessas subvenções, Silvia Cristina Martins de Souza declara: “Em 1839, finalmente, como resultado de uma verdadeira campanha encabeçada por ele próprio, João Caetano assinaria seu primeiro contrato com o governo imperial. Por meio dele e em troca da subvenção que receberia dos cofres públicos, comprometia-se a manter uma companhia dramática composta por atores nacionais, cláusula que, de antemão, sabia ser de difícil cumprimento, já que não havia número suficiente de atores brasileiros para manter qualquer companhia na ocasião”. (SOUZA, 2002, 44)

94

Page 106: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

protestaram contra a velha religião da arte, que debaixo de sua mão poderosa a platéia de seu teatro se eduque e tome uma outra face, uma nova direção; ela se converteria decerto às suas idéias e não oscilaria entre composições-múmias que desfilam simultaneamente em procissão pelo seu tablado.” (MACHADO Apud PRADO, 1972, p. 132)

Esse comentário de Machado de Assis em 1859 já revela as posições

de João Caetano que não são explicitadas mais tarde por Macedo em suas

crônicas. O ator é exaltado na segunda fase da seção “Crônica da Quinzena”,

quando o restante da crítica já se cansara de repudiar a sua estagnação no que

diz respeito às antigas composições e ao protecionismo dispensado a escritores

de seu círculo de amizade, seus admiradores incondicionais, como observara

Salvador Mendonça:

Além de Pena, Magalhães e Macedo, autor algum mereceu a proteção de João Caetano dos Santos, senão o Sr. Cordeiro e outros que tais. Estes não sei por que a obtiveram: bem aventurados os pobres de espírito”. (MENDONÇA Apud PRADO, 1972, p. 134)

Como o nome de nosso cronista se encontra dentre os escritores

nacionais bem aventurados e preferidos por João Caetano, podemos imaginar por

que motivo a crítica de Macedo à atuação do ator e empresário destoava das

demais em meados do século XIX.

De fato, O Velho não faz críticas severas a João Caetano, no que se

refere à representação de peças da escola clássica. É o que observamos em sua

crônica de 15 de abril de 1862, na qual Macedo relata naturalmente a encenação

da tragédia Cinna, na segunda quinzena de março, quando o Teatro São Pedro

recebera o Imperador D. Pedro II:

Enquanto na noite de 30 de Março a chuva que caíra em torrentes impedia a iluminação que se preparara na praça da Constituição, o teatro de S. Pedro, trajando galas festivas, abria-se ao público, que outra vez saudava o Imperador, ao vê-lo aparecer na tribuna. Representou-se a tragédia Cinna. Essa composição dramática da

95

Page 107: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

antiga escola clássica é bem conhecida, e a tradução dela, devida ao nosso ilustrado compatriota e literato o Sr. Dr. Antônio José de Araújo, já está devidamente julgada. (C.Q., tomo XIV, 03/1862, p. 126-127)

Ao comentar a atuação dos atores da peça, destaca o papel do

protagonista Augusto, interpretado evidentemente por João Caetano:

O Augusto da tragédia Cinna é um dos papéis em que o nosso primeiro ator o Sr. João Caetano dos Santos tem dado provas de mais maestria, e um mais consciencioso zelo dos preceitos da arte (...). No segundo ato Augusto quase que não fala, apenas escuta; mas nesse ato o Sr. João Caetano dos Santos compreendeu a majestade da personagem que representa, é às vezes no seu silêncio uma estátua de mestre, escuta admiravelmente (...). (C.Q., tomo XIV, 03/1862, p. 127)

A trajetória de João Caetano como um dos artistas que mais se

engajaram no desenvolvimento das artes cênicas brasileiras no século XIX chega,

quando da publicação das crônicas da Revista Popular, ao seu ponto crítico.

Todos os esforços feitos pelo ator até então são julgados pela posição que lhe

coube como empresário de um teatro que lutava, após uma série de incêndios e

de reformas, para reconquistar seu público. A busca de meios que facilitassem tal

reconquista – volta ao repertório clássico, reapresentação de peças românticas

traduzidas e estréia de peças nacionais como cumprimento de seus deveres como

sala subvencionada pelo governo – foi criticada pelos intelectuais de seu tempo.

O progresso do teatro legitimamente nacional deve seu nascimento e

seus primeiros passos àquele ator que, desde a primeira metade do século XIX,

vinha lutando pela libertação das nossas artes cênicas da tutela portuguesa. Ele

fez com que as regras do teatro clássico deixassem de ser amarras, para

apresentar o drama ao público brasileiro. Esse aspecto é demonstrado em sua

obra Lições Dramáticas na qual compôs treze lições sobre a arte do intérprete, tais

como o emprego da voz, o uso da respiração, a expressão dos sentimentos, a

criação dos gestos, o aproveitamento da inteligência e o jogo fisionômico. Pôs

brilhantemente em prática tais preceitos em representações de heróis de

96

Page 108: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

melodramas que vivem comoções violentas, paixões desenfreadas, delírios,

cóleras e agitações.

O fato é que, quando os nossos intelectuais românticos já prezavam a

comédia realista francesa, na qual eram exaltados valores burgueses, tais como a

moralidade, o casamento e o trabalho, o ator ainda justificava estar mais próximo

do teatro romântico do que do teatro clássico ao qual por algumas vezes fora

impelido a recorrer para salvar seu empreendimento, o Teatro São Pedro de

Alcântara.

Ora, já afirmamos aqui que Macedo não foi para sempre adepto do

drama romântico. Quando colaborou para o Jornal do Comércio, meses antes de

registrar seu pseudônimo nas crônicas da Revista Popular, já elogiara a explosão

de peças nacionais inspiradas no repertório realista que foram apresentadas no

Ginásio entre meados de 1860 e fins de 1861, sendo duas de sua autoria: Luxo e

Vaidade e O novo Otelo. Nesses momentos em que o espaço aos autores

brasileiros era concedido nos palcos daquele Ginásio, não deixou de elogiar as

conquistas de sua companhia, embora ainda considerasse as peças aí

representadas como dramas:

E notavelmente tem ela conseguido provar que é possível no Brasil alimentar-se um teatro com dramas originais compostos por Brasileiros, o que quer dizer – desenvolvimento e progresso da literatura dramática nacional. Ao espaço de um ano seis, pelo menos seis escritores nacionais viram suas composições representadas no teatro do Ginásio, sendo todas mais ou menos bem aceitas e aplaudidas. (MACEDO Apud FARIA, 1993, p. 112)

Essa mistura de termos pertencentes a uma outra escola é sintomática

da heterogeneidade das composições dos autores brasileiros e, como veremos, é

justamente a produção teatral de Macedo a mais significativa dessa mistura de

orientações. O repertório inspirado na dramaturgia realista francesa foi, entre nós

(...) bastante heterogêneo, porque muitos dos autores escreveram peças realistas com traços românticos, quando não dramas românticos, burletas e farsas, demonstrando conviver sem grandes

97

Page 109: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

problemas com estéticas antagônicas e gêneros dramáticos diversos e até mesmo conflitantes. Joaquim Manuel de Macedo é, seguramente, o exemplo mais acabado desta heterogeneidade. Em relação à tendência deste autor, Machado de Assis chegou a dizer que ele não professava “escola alguma; é realista ou romântico, sem preferência, conforme se lhe oferece a ocasião”. Não há dúvida de que a observação de Machado é pertinente, pois o repertório de Macedo incluía desde um drama em verso (Cobé), passando por uma imitação do francês (O primo da Califórnia, inspirado em Scribe), uma ópera (O fantasma branco), uma burlesca (Antonica da Silva), uma comédia burlesca (A torre em concurso), até duas comédias realistas (Luxo e vaidade e Lusbela). (SOUZA, 2002, p. 117)

Macedo também não hesitou em criticar João Caetano antes de

colaborar para o empreendimento de Garnier, como observamos em sua crítica

publicada naquele Jornal, a 6 de maio de 1861, à encenação do drama O

Prestidigitador, tradução da peça L´Escamoteur, também representada no Ginásio,

sob o título O Pelotiqueiro. Sem deixar de elogiar em sua apreciação crítica da

peça o passado artístico daquele ator, não hesitou em ser “franco e severo” com

ele:

No papel do Beaujolais, o Sr. João Caetano dos Santos, procurando com louvável empenho criar o tipo do Prestidigitador charlatão da França, por amor da arte, sem dúvida, prendeu, encadeou a sua felicíssima natureza em laços de ferro, e deu, especialmente à sua pronúncia uma inflexão de voz que se tornou monótona, e que me pareceu mal cabida na pronunciação portuguesa; felizmente, porém, Beaujolais, o charlatão, desapareceu diante do Beaujolais o pai; desapareceu até demais, visto que o tipo havia sido adotado tal; mas ao menos o esforço do amor paternal quebrou aquelas cadeias, e no reconhecimento da filha no quarto ato, e ainda no final do quinto, o talento fez explosão, e foi coroado por bravos e aplausos bem merecidos. (MACEDO Apud FARIA, 1993, p. 118)

Começamos a supor que a imparcialidade adotada por Carlos em suas

críticas deveria ser uma regra nas páginas do periódico romântico em estudo.

Como possível órgão do Romantismo, seus colaboradores deveriam ponderar a

respeito de produções pertencentes a essa escola, sobretudo se primassem pelo

98

Page 110: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

desenvolvimento das manifestações artísticas nacionais.

A postura de Macedo na Revista pode ser reveladora da suposta

neutralidade da publicação, mas também espontânea dada a sua simpatia por um

ator, legítimo representante da nossa cena romântica que não contou com

escritores capazes de criar um repertório significativo de peças teatrais.

A compreensão do Velho para com João Caetano no que diz respeito

ao seu retorno constante aos dramas, melodramas e tragédias, como vimos, ficou

registrada em suas crônicas da Revista Popular. Na verdade, o reconhecimento do

nosso segundo cronista para com aquele ator é a justiça que deveria ser feita a

um artista que, nas palavras de Décio de Almeida Prado,

(...) representa a chave que abre todo o período de formação do nosso teatro, visto pelo lado de dentro, a partir do palco, através de sua parte mais viva e atuante (...). Somente ele, na sua dupla função de ator e de empresário, sustentou durante três decênios a continuidade de nossa vida teatral, em condições sempre adversas e em nível surpreendentemente alto. (PRADO Apud FARIA, 2001, p. 58)

Foram essas razões que nos motivaram a destacar, da crítica teatral de

Joaquim Manuel de Macedo na seção “Crônica da Quinzena”, a constante

referência a João Caetano. A resistência desse ator animava o nosso Velho a

prosseguir na luta pela afirmação da nacionalidade das letras e das artes cênicas

brasileiras.

Dessa forma, seja a João Caetano, seja a Carlos Gomes, o valor

atribuído aos artistas nacionais na coluna “Crônica da Quinzena” parece mais

adequado para a defesa de idéias nacionalistas do que seriam as previsíveis

descrições minuciosas de figurinos de modas feitas por Macedo.

Nossa escolha pelo recorte de dois temas que caracterizam a produção

de Carlos e d’O Velho justifica-se, portanto, através dessas constatações e pode

ser endossada pela já tão alentada divisão de águas estabelecida por nosso

último cronista: de um lado temos o irônico “mancebo elegante” das descrições de

gravuras de modas francesas; de outro, O Velho démodé dos manifestos em

99

Page 111: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

defesa aos homens que prezavam a originalidade das produções líricas e cênicas

representadas nos palcos fluminenses. Cada um, a seu modo – ou a sua moda,

desenrolaram o fio condutor dessa série publicada no periódico popular de

Garnier: o desejo de afirmação da nacionalidade de nossas manifestações

artísticas e sociais em meados do oitocentos.

100

Page 112: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo da seção “Crônica da Quinzena”, realizado a partir da escolha

de temas que particularizaram o estilo e a linguagem da produção dos cronistas

Carlos e O Velho, parece atestar a presença de idéias nacionalistas nesse

“cantinho” da Revista Popular reservado ao recreio e à pretensa instrução amena.

Até novembro de 1861 temos um escritor que cumpre os deveres de

seu ofício e, ao passar dos assuntos sérios aos frívolos, apresenta as novas

tendências da moda européia daquele momento. A França é destacada como o

pólo irradiador de estilos e de comportamentos para o mundo, mas Carlos ironizou

o domínio desse país no tocante à moda, como verificamos em análises sobre o

seu discurso realizadas com o auxílio dos trabalhos de Roland Barthes (1967;

1979) e de René Girard (1961). Como observador do cotidiano e colaborador de

um periódico que, além de não vedar qualquer coluna às mulheres, ainda lhes

reservava um espaço exclusivo, Carlos descreveu gravuras e anunciou casas de

modas sem deixar de apontar as possibilidades de adequação dos figurinos

franceses ao nosso clima e as nossas necessidades.

Além de destacarmos a crítica feita à reverência aos modelos de

elegância importados de Paris, verificamos, nos indícios de crítica teatral de

Carlos, a pretensa imparcialidade de seus pareceres apresentados nessa série.

Com base nos estudos de João Roberto Faria (1993; 2001) e de Silvia Cristina

Martins de Souza (2002), flagramos sua posição conciliatória nos momentos em

que a imprensa dirige elogios às peças do realismo francês encenadas no Ginásio

Dramático, em detrimento do repertório do Teatro São Pedro, por vezes ainda

adepto dos dramas românticos franceses.

Sem combater exatamente essa supremacia dos produtos da indústria

cultural francesa, O Velho, por sua vez, dá continuidade ao programa da coluna

com destaque à revista dos palcos fluminenses. Verificamos, então, que não

podemos ignorar as considerações feitas pela persona criada por Macedo nessas

crônicas acerca do teatro nacional, pois ilustram a preocupação do literato com a

101

Page 113: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

urgência do desenvolvimento autônomo de nossas artes cênicas. Através do

reconhecimento de João Caetano dos Santos como figura marcante nas críticas

do cronista, destacamos a atuação do encasacado Dr. Macedinho na coluna

“Crônica da Quinzena”, pelo valor por ele atribuído aos artistas que prezavam a

originalidade de nossas produções, aspecto já manifestado em peças de sua

autoria como O Cego (1849), O Fantasma Branco (1851), Cobé (1859), O Amor e

a Pátria (1859).

Assim, cada colibri, a seu modo ou a sua moda, colaborou para que as

propostas da publicação de Garnier fossem endossadas na coluna “Crônica da

Quinzena”. Elegantes ou démodés, parciais ou imparciais, podemos considerar o

papel dos cronistas Carlos e O Velho como formadores de opinião entre o publico

leitor fluminense, sobretudo o feminino que, em meio a trabalhos de agulha,

encontravam a extensão do debate apresentado nas seções de crítica literária

sobre a afirmação da nacionalidade de nossas artes e de nossos costumes.

102

Page 114: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

BIBLIOGRAFIA

1. Fontes primárias1.a. Periódicos

Arquivo literário: jornal familiar, crítico e recreativo. Rio de Janeiro: Tipografia do

Escorpião, 1863.

Jornal das Famílias. Paris: B. L. Garnier, 1863-1878.

Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 1861.

Novo Correio de Modas: novelas, poesias, viagens, recordações históricas. Rio de

Janeiro: Casa de E. & H. Laemmert, 1852-1854.

Revista Popular: noticiosa, científica, industrial, histórica, literária, artística,

biográfica, anedótica, musical, etc. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1859-1862.

2. Fontes secundárias2. a. Dicionários:

BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Dicionário Bibliográfico Brasileiro. V.

2. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1893, p. 76-77.

MENEZES, Raimundo de (org). Dicionário literário brasileiro. São Paulo: Saraiva,

1969. 5v.

REIS, Antonio Simões dos. Pseudônimos brasileiros: pequenos verbetes para um

dicionário. Rio de Janeiro: Zélio Vaverde, 1941.

SILVA, Innocencio Francisco. Dicionário Bibliográfico Português. Estudos de

Innocencio Francisco da Silva applicaveis a Portugal e ao Brasil. Continuados e

ampliados por P. V. Brito Aranha. Revistos por Gomes de Brito e Álvaro Neves.

Lisboa: Imprensa Nacional, 23 vol., 1858-1923.

2. b. Referências bibliográficas

103

Page 115: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

ALENCAR, José de. Senhora. São Paulo: Ática, 1994.

ARRIGUCCI JR. Davi. Fragmentos sobre a crônica. In: Enigma e comentário:

ensaios sobre literatura e experiência. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.

51-66.

ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Histórias de quinze dias. In: Crônicas. v. 3

(1876-1878). São Paulo: W. M. Jackson, 1953, p. 77-311.

_____________________________. Melhores crônicas. 2 ed. (direção de Edla

von Steen; seleção de Salete Almeida Cara). São Paulo: Global, 2005.

______________________________. Obras Completas. Org. de Afrânio

Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. 3v.

AZEVEDO, Sílvia Maria. A trajetória de Machado de Assis: do Jornal das Famílias

aos contos e histórias em livros. São Paulo, 1990 (Tese de Doutorado - USP).

BARTHES, Roland. O grau zero da escrita. (trad. de Mário Laranjeira). São Paulo-

SP: Martins Fontes, 2000.

_______________. Sistema da Moda. (trad. Lineide do Lado Salvador Mosca).

São Paulo-SP: Ed. da Universidade de São Paulo, 1979.

_______________. Système de la mode. Paris: Éditions du Seuil, 1967.

BOLLÈME, Geneviève. O povo por escrito. São Paulo: Livraria Martins Fontes

Editora, 1988.

BOSI, Ecléa. Cultura de massa e cultura popular: leituras de operárias. Petrópolis:

Vozes, 1986.

CANDIDO, Antonio. A vida ao rés-do-chão. In: CANDIDO, Antonio (et al.). A

Crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. Campinas:

Editora da UNICAMP; Rio de Janeiro-RJ: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992.

_______________. Formação da Literatura Brasileira. (momentos decisivos) v.2

(1836-1880). São Paulo: Livraria Martins Editora, 1959.

________________. Noções de análise histórico-literária. São Paulo: Humanitas,

2005.

CANO, Jefferson. Introdução. In: MACEDO, Joaquim Manuel de. Labirinto.

Campinas: Mercado de Letras, Cecult; São Paulo: Fapesp, 2004.

104

Page 116: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

CARVALHO, Ronald de. Pequena História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro:

F. Briguiet, 1944.

CHALHOUB, Sidney; NEVES, Margarida de Souza; PEREIRA, Leonardo Affonso

de Miranda (orgs). História em cousas miúdas: capítulos de história social da

crônica no Brasil. Campinas: Editora da UNICAMP, 2005.

COUTINHO, Afrânio (org.). A literatura no Brasil. 4ª ed. rev. e ampl., 6 v. São

Paulo: Global, 1997.

___________________e SOUSA, José Galante de (org). Enciclopédia da

Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: MEC: Fundação de Assistência ao Estudante,

1989, 2v.

CRESTANI, Jaison Luís. Machado de Assis colaborador do Jornal das Famílias:

da periferia do Romantismo para o centro da literatura brasileira. Assis, 2007.

(Dissertação de Mestrado – Unesp)

DANTAS, Luiz Carlos da Silva. Letras brasileiras na Revue des Deux Mondes. In:

NITRINI, Sandra (org.) Aquém e além-mar: relações culturais Brasil e França. São

Paulo: Hucitec, 2000.

DIMAS, Antonio. Bilac, o Jornalista: Ensaios. São Paulo: Edusp, Imprensa Oficial;

Campinas: Editora da Unicamp, 2006.

FARIA, João Roberto. Idéias teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo:

Perspectiva, Fapesp, 2001.

__________________. O teatro realista no Brasil: 1855-1865. São Paulo:

Perspectiva, Edusp, 1993.

FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. Paris: Éditions Gallimard, 2001.

GAULTIER, Jules. Le Bovarysme. Paris : Mercure de France, 1902. 316 p. (Note

de l’éditeur, 1978)

GIRARD, René. Mensonge romantique et Vérité romanesque. Paris: Bernard

Grasset, 1961.

GIRON, Luís Antônio. Minoridade crítica: A Ópera e o Teatro nos Folhetins da

Corte (1826-1861). São Paulo: Edusp; Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

GLEDSON, John. “Bons dias”. In: Por um novo Machado de Assis: ensaios. São

105

Page 117: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 134-187.

______________. Introdução. trad. de Lourdes Dias. In: ASSIS, Joaquim Maria

Machado de. Bons dias! – crônicas (1888-1889). São Paulo: Editora Hucitec;

Editora da Unicamp, 1990, p. 11- 27.

______________. Os contos de Machado de Assis: o machete e o violoncelo. In:

ASSIS, Machado de. Contos: uma antologia. São Paulo: Companhia das Letras,

2001.

GONÇALVES DE MAGALHÃES, D. J. Obras. Tomo III, Tragédias. Rio de Janeiro:

B. L. Garnier, 1865.

HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. (trad. de Maria da Penha

Villalobos e Lólio Lourenço de Oliveira, rev. e atual. pelo autor). São Paulo: T. A.

Queiroz: Ed. da Universidade de São Paulo, 1985.

LAJOLO, Marisa & ZIBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil. São

Paulo: Ática, 2003.

LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. (trad. de Glória Maria de

Mello Carvalho). São Paulo: Cia das Letras, 1989.

MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. São Paulo: Ática, 2006.

________________________. Memórias da Rua do Ouvidor. Brasília-DF: Editora

da UnB, 1988.

________________________. Teatro Completo. Rio de Janeiro: SNT, 1979-1982.

MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Vida e obra de Machado de Assis. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.

MARTINS, Wilson. História da Inteligência brasileira. v.3 (1855-1877). São Paulo:

Cultrix, 1977.

MASSA, Jean-Michel. A juventude de Machado de Assis – 1839-1870. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.

MELLO, Kátia Rodrigues. Machado de Assis leitor de si mesmo: um estudo a

respeito da reescritura de alguns contos machadianos. Assis, 2007. (Dissertação

de Mestrado – Unesp)

MEYER, Marlise. De Estação em Estação com Machadinho. CANDIDO, Antonio

106

Page 118: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

(et al.). A Crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil.

Campinas: Editora da UNICAMP; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa,

1992.

MOREIRA, Maria Eunice. Joaquim Norberto e a Revista Popular. In: Letras de

Hoje. Porto Alegre, v.31, n. 4, dezembro de 1996.

NEVES, Margarida de Souza. Uma escrita do tempo: memória, ordem e progresso

nas crônicas cariocas. In: CANDIDO, Antonio (et al.). A Crônica: o gênero, sua

fixação e suas transformações no Brasil. Campinas: Editora da UNICAMP; Rio de

Janeiro-RJ: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992.

PINHEIRO, Alexandra Santos. Para além da amenidade – O Jornal das Famílias

(1863-1878) e sua rede de produção. Campinas, 2007. (Tese de Doutorado IEL –

Unicamp).

_________________________. Revista Popular (1859-1862) e Jornal das

Famílias (1863-1878): dois empreendimentos de Garnier. Assis, 2002.

(Dissertação de Mestrado – Unesp).

PRADO, Décio de Almeida. História concisa do teatro brasileiro: 1570-1908. São

Paulo: Edusp, Imprensa Oficial, 1999.

_______________________. João Caetano: o ator, o empresário, o repertório.

São Paulo: Perspectiva, Edusp, 1972.

QUADROS, Jussara Menezes. Estereotipias. Literatura e edição no Brasil na

primeira metade do século XIX (1837-1864). Campinas, 1993 (Dissertação de

Mestrado IEL - Unicamp).

RENAULT, Delso. Rio de Janeiro: a vida da cidade refletida nos jornais

(1850-1870). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: Instituto Nacional do

Livro, 1978.

ROMERO, Sílvio. História da Literatura Brasileira. v.5. Rio de Janeiro: José

Olympio; Brasília: INL, 1980. 7. ed.

ROUANET, Maria Helena. Eternamente em berço esplêndido: a fundação de uma

literatura nacional. São Paulo: Siciliano, 1991.

SÁ, Jorge de. A crônica. São Paulo: Ática, 2005.

107

Page 119: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

SANTOS, João Caetano dos. Lições Dramáticas. Rio de Janeiro: MEC, 1956.

SERRA, Tânia Rebelo Costa. Joaquim Manuel de Macedo ou os dois Macedos: A

luneta mágica do II reinado. Brasília: Ed. UnB, 2004.

SILVEIRA, Daniela Magalhães da. Contos de Machado de Assis: leituras e leitoras

do Jornal das Famílias. Campinas, 2005. (Dissertação de Mestrado IFCH –

Unicamp).

SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1999.

SOUSA, J. Galante de. Bibliografia de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Instituto

Nacional do Livro, 1955.

___________________. Machado de Assis e outros estudos. Brasília: Livraria

Cátedra Ed.; Rio de Janeiro: MEC/INL, 1979.

___________________. O Teatro no Brasil. Tomo II: Subsídios para uma

biobibliografia do teatro no Brasil. Rio de Janeiro: INL (MEC), 1960.

SOUZA, Gilda de Mello e. A idéia e o figurado. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34,

2005.

_____________________. O espírito das roupas: a moda no século dezenove.

São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

SOUZA, Silvia Cristina Martins de. As noites do Ginásio: teatro e tensões culturais

na corte (1832-1868). Campinas: Editora da Unicamp, Cecult, 2002.

STEELE, Valerie. Paris Fashion: a cultural history. Berg; Oxford: New York, 1998.

108

Page 120: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

ANEXOS

Sínteses das crônicas32

Rio de Janeiro, tomo I, 4 de janeiro de 1859.

1. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 56-69

O cronista expõe ao público leitor a importância da crônica como

publicação literária. Destaca a peculiaridade dos assuntos dessa seção da revista:

descrição de fatos da sociedade fluminense, o que inclui as repercussões dos

teatros, da música, da moda, da literatura, dos salões e dos bailes. Reserva

espaço também aos comentários sobre livros, poesias e biografias de artistas.

Após essas considerações, saúda o novo ano, iniciado com fortes chuvas. Mais

adiante recomenda às leitoras os elegantes chapéus da casa Lacarrière, os cortes

de seda da casa C. Dazon & Filho, as rendas, os bordados e a roupa branca de

Mme Creten, além das jóias de Júlio Boulte. Comenta a representação da

comédia A herança do Sr. Plumet, no Ginásio Dramático, em dia de ano bom.

Destaca a atuação da jovem Ludovina De Vecchy. Recomenda que as leitoras

assistam ao Te-Deum, peça musical composta pelo Sr. Mesquita, estudante do

conservatório de Paris.

Rio de Janeiro, tomo I, 19 de janeiro de 1859.

2. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 123-126.

Carlos, o cronista, se apresenta aos leitores dizendo ter perdido as

32 No caso dos textos assinados por Carlos, consideramos a data apresentada pelo cronista no cabeçalho de cada crônica. Como na produção que resgatamos d’O Velho tal informação não é explicitada, decidimos considerar o tomo, o mês e o ano de publicação de seus textos na Revista Popular.

109

Page 121: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

anotações sobre fatos interessantes da quinzena. Entretanto, desconfia ter apenas

imaginado esses registros, que não existindo, podem ser comparados à

monotonia daqueles últimos quinze dias. Declara, então, que será forçado a fazer

apelo a sua memória. Ao relatar o conflito entre o Sr. Bailiss e a diretoria da

estrada de ferro, acerca do abaixamento dos trilhos provocado pelas chuvas, o

cronista conclui que essas discussões servem de exemplo à implantação das

futuras vias férreas. Sugere que antes de se abrirem ao trânsito público elas

deveriam ser submetidas à prova de água. Isso dispensaria consertos e reformas

constantes. Alerta sobre a proximidade da reforma de várias repartições públicas.

Destaca a importância dessas esperadas reformas ao empregado público, que

repleto de privações e preocupações, é incapaz de auxiliar a administração do

país. Às leitoras relata o sarau do Sr. Dr. P... da S... que interrompeu o silêncio dos

salões fluminenses naqueles dias. Passando ao teatro, comenta a representação

da revista do ano de 1858, no Ginásio, que gerou diferentes opiniões. Ressalta a

representação dos Saltimbanques, revista francesa também representada no

Ginásio. Compara, enfim, o grande impacto que os escritores estrangeiros

provocam no público a falta de intimidade do autor nacional com a pena.

Rio de Janeiro, tomo I, 4 de fevereiro de 1859.

3. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 187-200

O cronista admite-se um indivíduo ocioso que, somente atraído pelo

retrato da mais bela de suas leitoras, rejeita tal ociosidade e escreve a crônica.

Esse olhar o impeliu ainda a procurar um amigo e motivos para seus escritos em

Petrópolis. Ao deparar-se com o mau tempo e a falta de novidades, resolve, em

seu aposento, retornar à corte. É impedido por Alexandre, moço que freqüenta as

sociedades, a partir nas vésperas de uma exposição. Este o fez reconciliar-se com

Petrópolis, levando-o a casa do comendador C***. Lá analisou o vestuário dos

presentes e concluiu que os habitantes daquelas cidades trajavam com bom

110

Page 122: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

gosto. Com efeito, dois dias depois assistiu às exposições e viu os mais elegantes

trabalhos. Ao falar do teatro, detém-se para não dirigir censuras às leitoras.

Comenta o tumulto provocado por indivíduos de ocupação equívoca, que

afugentam dos camarotes as famílias com a representação da comédia-drama 29.

Conta com maiores providências da polícia, que já havia impedido, naquele

momento, a representação do drama.

Rio de Janeiro, tomo I, fevereiro de 1859.

4. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 250-254

O cronista comenta a falta de freqüentadores dos salões e dos teatros

naqueles dias. As notícias que julga interessantes pertencem às seções de

comércio e da política. Desse modo, prefere comentar sobre a coincidência de

suicídios, ressaltando que o Dr. Boismont, escritor francês, é uma sumidade no

assunto. Conclui que a propagação dos acontecimentos aumenta em maior escala

o número dos atentados. Cessando esses comentários, destaca o casamento do

Sr. V*** nos dias da semana anterior. Comenta, em seguida, a má fortuna dos

bailes da época, que não se deixam vencer. Ao destacar as representações das

comédias em sala, observa como as matronas julgam degradantes os artistas.

Entretanto, crê no retorno destes, pois está certo de que possuem muitos

simpatizantes. Falando em literatura dramática, reproduz uma anedota contada

pelo redator do Manual Ilustrado, o Sr. Júlio Lecomte, que ironiza as produções

excêntricas dos correios ingleses e alemães.

Rio de Janeiro, tomo I, 1º de março de 1859.

5. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 57-69 (bis)

O cronista diz que, se sua missão fosse escrever um folhetim, poderia

111

Page 123: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

cometer um plágio. Então, Sousa Ferreira, que escreveu no Diário do Rio de

Janeiro, na época áurea desse jornal, seria o seu modelo. Como aqueles dias

foram infecundos e, como a sua verdadeira missão era escrever crônicas, relata a

supremacia da França com relação à moda no Brasil. Descreve as novidades que

chegaram naqueles dias aos armazéns da rua do Ouvidor e da Quitanda:

organdis, chapéus, enfeites para cabelos. Discursando ainda sobre moda,

observa que, embora na França muito mal se diga das saias balões, elas têm

obtido grande número de partidários entre os elegantes. Relata que, no último

sarau da Phil’Euterpe, os freqüentadores conheceram Annalia L..., cuja beleza

provocou muitos comentários. Contou que esta moça, no dia do seu casamento

com o Sr. Eduardo L..., fora surpreendida por Eugênia G***, prima do rapaz, com

um papel escrito por ele quando tinha quinze anos. Ali havia a promessa de que

se casaria com a prima. A dívida foi resolvida no mesmo dia.

Rio de Janeiro, tomo I, 15 de março de 1859.

6. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 378-384

Na quinzena anterior, a Imperatriz do Brasil comemorou seus 37 anos,

no teatro lírico. A respeito deste, o cronista anuncia que os seus espetáculos

começaram com a apresentação de Colcha de retalhos, por Mme De la Grange e

Mme Soltz, que representaram a Semiramis, uma das melhores partituras de

Rossini. Relata que, num dos últimos dias chuvosos dessa quinzena, olhou por

uma janela, fronteira à do seu gabinete, uma das mais traquinas leitoras da

Revista. Ela parecia rir e chorar ao mesmo tempo, com a intenção de abrandar a

fúria do temporal, importuno desmancha prazeres. Lamenta a decepção de todos,

sobretudo das mulheres, que desejavam ver o cortejo dos senhores das

Sumidades Carnavalescas e da União Veneziana, mas não puderam por conta

das chuvas durante o Carnaval. Como os devotos não puderam comparecer à

missa de quarta-feira de cinzas, saíram em procissão pelas ruas. O cronista

112

Page 124: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

reprova a algazarra que ocorre nessas manifestações. Denuncia a adaptação

feita por um poeta de uma história conhecida dos romances franceses. Na

história, a tentativa da avó de Bertha de fazer sua neta deixar de cuidar de

amores e de vestidos é bem sucedida. A menina ganha jóias por esses sacrifícios,

mas não é capaz de realizar um terceiro que lhe garantiria uma pulseira de

pérolas e esmeraldas: ficar em silêncio durante uma hora. Lamenta a morte de

Joaquim Antônio Ferreira, visconde de Guaratiba. Por outro lado, alegra-se com a

nomeação do Dr. Saturnino Soares de Meireles para reger a cadeira de física da

escola de marinha, na quinzena anterior.

Rio de Janeiro, tomo II, 31 de março de 1859.

7. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 58-64

Inicialmente, o cronista descreve o figurino de modas distribuído com o

último número da Revista. Destaca, em seguida, a exposição de 182 quadros, na

sala da Pinacoteca do Rio de Janeiro, que contou com a presença e prestígio do

Imperador D. Pedro II. Comenta a possibilidade de aquisição de um terreno maior

para a construção de um teatro lírico, que substitua o provisório. Relata o que

ocorreu a um espectador na última representação da Traviata, por Mme De la

Grange. Aquele deixou cair uma caixa de fósforos que se espalharam pelo chão.

Um senhor pisou acidentalmente em um dos fósforos e a explosão foi imediata.

Felizmente os aplausos para a cantora lírica abafaram esse incidente. Mostra sua

indignação quanto à ausência das leitoras ao evento promovido pela Sociedade

Propagadora das Belas Artes, no dia 24 daquele mês. Sobre a parada do dia 25

de março, observa a ironia de um indivíduo, que parecia ser um escritor

oposicionista e a confusão de transeuntes na rua do Ouvidor, provocada pelas

chamas de um foguete, que atingiram o Café Cantante. Discute as semelhanças

entre Probidade e Oração dos Náufragos, representadas no Ginásio Dramático.

Júlio Lecomte, escritor do Courrier de Paris, conta os elogios feitos pelo Sr.

113

Page 125: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

conselheiro Marques de Lisboa, ministro plenipotenciário do Brasil em Paris, ao

projeto para erguer uma estátua em homenagem a D. Pedro I, no Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro, tomo II, 16 de abril de 1859.

8. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 119-128

O cronista descreve as rivalidades que surgem nos salões de baile,

onde é inevitável o encontro com inimigos. Chama a atenção para a abertura

desses salões logo que terminem as festas da Semana Santa. Denuncia o

abandono das casas de campo, que nos dias seguintes se daria por conta do

inverno. Admira-se com o fato de alguém escrever a respeito da mulher e destaca

um livro em que estão reunidos ditos espirituosos de mulheres célebres. O

falecimento do Sr. Jorge G..., antigo guarda-livros que deixou no seu testamento

uma contribuição a todos os que lhe ofereceram refeições e hospedagem durante

sua vida. Relata a confusão entre o ministro plenipotenciário do teatro lírico e Mme

Soltz. Esta era acusada de fugir do novo projeto, quando na verdade havia ido à

Europa recrutar artistas célebres para o teatro. Reprova a atitude de padres pelo

Correio Mercantil, que cobram 16$000 para carregar o esquife do Senhor Morto na

procissão do enterro. Relata a morte da escrava Gertrudes, pertencente ao Sr.

Vigário Diniz Hilário de Nogueira, que aos 130 anos conservava ainda suas

faculdades intelectuais e físicas. Finalmente, comenta a representação da peça

Probidade, no Ginásio Dramático.

Rio de Janeiro, tomo II, 1º de maio de 1859.

9. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 182-192

O cronista tenta convencer as leitoras sobre a necessidade de se

apresentarem nos salões com vestidos da moda. Descreve a gravura presente

114

Page 126: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

nesse número da Revista, que traz dois trajes para baile. Narra, em seguida, a

história de Jorge que, habituado a viver na cidade, não se adaptava à pequena

casa, recostada sobre uma das subidas da Tijuca, onde foi morar. Tudo era só

tédio até pedir um copo d’água na casa de Eulina L*** e os dois se casarem um

mês depois. Comenta a notícia publicada no Jornal do Comércio, em 27 de abril.

Nela estava explícita a indignação do jornalista ao relatar o sepultamento de oito

escravos, sendo que um deles ainda estava moribundo. Alerta para a decadência

do teatro lírico, que ainda existe graças ao esforço de Mme De la Grange e suas

representações. Anuncia que, no dia seis daquele mês, a artista Adelaide

representaria, no teatro S. Pedro, o drama Recordações da mocidade, o que

promete bons resultados para a sua carreira e para o teatro em questão. Anuncia,

ainda, a representação do drama Justiça, em benefício do Sr. Moutinho, artista

célebre do Ginásio. Por necessidade de economia, comenta a diminuição de

anúncios das representações do Ginásio, publicados pelos jornais. Relata a

monotonia do baile de máscaras realizado no salão de São Pedro, no domingo de

Páscoa. Em contrapartida, no Alcáçar lírico, se houve melancolia, foi somente

quando o baile chegava ao final. Alerta, finalmente, para a chegada de uma

acrobata muito ágil à rua da Alfândega, nº 10.

Rio de Janeiro, tomo II, 16 de maio de 1859.

10. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 247-256

Inicialmente, o cronista observa, entre outras questões, que estando a

nossa literatura e as nossas produções desprezadas, seria necessário brindar o

talento estrangeiro. Relata o diálogo que ouviu na última reunião da Phil’Euterpe

acerca de uma dívida entre a Sra. Milliet (de Paris) e o Sr. Soltz. Anuncia que na

noite de oito de maio representou-se, no teatro de S. Pedro, o drama

Recordações da mocidade e a comédia Uma mulher por duas horas. Distinguem-

se entre os atores o Sr. Arêas e a Sra. Adelaide, aos quais faz inúmeros elogios.

115

Page 127: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Anuncia, ainda, a representação do drama de costumes militares O herói

portuense. Comenta a atuação dos atores da Probidade, representada no Ginásio.

Em seguida, faz alusão a um convênio entre Portugal e França, que proíbe a

tradução sem autorização de qualquer composição francesa. Observa que o

Ginásio não respeita esses convênios. Relata o convite feito a Treféu, dramaturgo

que apareceu em Paris, para vir ao Rio de Janeiro dar sua opinião acerca da

administração do teatro lírico. O convite foi recusado. Observa que o teatro ainda

não perdeu a esperança, graças aos esforços de Mme De la Grange. Finalmente,

recomenda o estabelecimento de modas Bela União para que as leitoras possam

adquirir os trajes sugeridos pelo cronista nesta quinzena.

Rio de Janeiro, tomo II, 1º de junho de 1859.

11. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 316-328

Relata a confusão que ocorreu na câmara dos deputados por conta da

resposta ao discurso da coroa, votada precipitadamente. Chama a atenção das

leitoras para as duas novas galerias da câmara: uma destinada ao corpo

diplomático, e a outra para receber as mulheres. Comenta a comemoração de um

mês de existência do Echo du Brésil, novo jornal escrito em francês, que relaciona

sem maior largueza nosso país com a Europa. Seu redator-chefe é Mr. Altève

Aumont. Mostra sua indignação com a ineficiência do trabalho dos bombeiros, ao

relatar o incêndio ocorrido na rua São José, nº 35. Lamenta o falecimento do

brigadeiro Miguel de Frias e Vasconcellos, militar dedicado ao serviço público a

quem o país deve, entre outros serviços, o abastecimento de água potável. O

cronista chama a atenção dos leitores para uma empresa importante realizada

pelo Banco Imperial: o resgate e a amortização do papel moeda do governo,

restabelecendo o valor intrínseco dos metais preciosos. Outra medida tomada

será o socorro à lavoura nacional. Denuncia o escândalo provocado na noite de 18

de maio, no teatro de S. Pedro, quando se representava o drama Os órfãos da

116

Page 128: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

ponte de Nossa Senhora. A Sra. Ludovina foi insultada logo no início pela platéia,

o que fez o resto do espetáculo correr sofrivelmente. Admira a representação no

teatro lírico de Sra. De la Grange, em mais uma quinzena. Revela que em breve

chegariam ao Brasil três ou quatro celebridades, cujos diplomas foram

referendados pelo ministro lírico, então residente em Paris. Comenta a atuação

dos atores em Justiça, de Camilo Castelo Branco, no Ginásio Dramático. Refere-

se ao drama como excelente produção. Sobre a comédia Saia Balão, julga ser

uma farsa de pouco espírito e imprópria dos artistas que nela representam.

Apresenta, finalmente, uma paródia da oração do Padre Nosso, reformada pelos

Lombardo-venezianos.

Rio de Janeiro, tomo II, 16 de junho de 1859.

12. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 379-390

O cronista inicialmente registra a queixa de algumas leitoras ao editor, o

Sr. Garnier, acerca dos figurinos distribuídos pela revista. Apresenta, como

alternativa, uma gravura de modas de bom gosto e pouco dispendiosa. Denuncia

o desleixo dos empregados da estrada de ferro D. Pedro I, que provocou, poucos

dias antes, um desastre: trens se encontraram porque um maquinista não se

recolheu a um desvio indicado na estrada, o que evitaria tal incômodo aos

passageiros e prejuízo à empresa. Elogia os saraus na casa do Sr. Conselheiro

Cast..., onde a música e a literatura são muito bem representadas. Remete-se à

representação de Ramalhete de violetas, no Ginásio Dramático, e narra uma

história cujo início é semelhante ao desfecho daquela comédia. Descreve o

enredo do drama Justiça, de Camilo Castelo Branco, representado por Furtado

Coelho e Moutinho, Montani e Veluti, no Ginásio Dramático. Mostra sua

indignação com a administração do teatro lírico, na noite de estréia do tenor

Mirate, que, apesar de ter elevado os preços de entrada, não proporcionou

conforto aos espectadores. Comenta a representação da comédia Donnez aux

117

Page 129: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

pauvres, representada no teatro de S. Januário, pela companhia francesa,

traduzida pelo Sr. Costa Braga. Cita ainda a representação do drama O castelo

das sete torres. Elogia a representação do drama A caridade na sombra, de

Ernesto Biester, no Ginásio Dramático, no domingo anterior. Lamenta a morte do

escritor alemão Humbold, e da soprano russa Angelina Bosio. Narra, finalmente, a

história de Mlle. Martin, que desposou in mente o poeta Lamartine, a quem

admirava. Ao morrer, deixou a ele uma herança, que não foi tocada antes de ser

repartida com dois parentes pobres de Mlle Martin.

Rio de Janeiro, tomo III, 1º de julho de 1859.

13. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 58-64

Nesta quinzena, o cronista destaca: a morte de S. M. D. Fernando, rei

de Nápoles, seguida dos ressentimentos da corte brasileira; a representação do

Rigoletto pelo tenor Mirate, no teatro lírico; a representação de Os seis degraus do

crime, no teatro de S. Pedro; a 41ª dramatização da Probidade; a estréia de

Ninguém julgue pelas aparências, no Ginásio Dramático; a discussão de dois

parlamentares no Clube Phil’Enterpe. Deste último acontecimento, o cronista

ressalta a discussão dos presentes acerca da influência da moda na sociedade.

Estão ainda em destaque a carestia dos gêneros alimentícios e os estragos

provocados por fogos de artifícios. Narra a história de N..., que, chegando ao Rio

de Janeiro com escassos recursos, luta para ter crédito, fortuna e reconhecimento

na capital do Império. Finalmente, comenta o possível desmoronamento do morro

do Castelo, grande montanha do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro, tomo III, 16 de julho de 1859.

14. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 120-128

118

Page 130: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

O cronista cita três ou quatros reuniões dignas da capital do Império,

dois grandes bailes, a representação dos Puritanos no teatro lírico e o último sarau

do prestidigitador Hermann. Duas vezes saudou a independência nos salões do

Clube, o glorioso aniversário em que a Bahia quebrou os ferros do cativeiro e

outros comemoraram a data da libertação dos Estados Unidos. Relata destes dois

bailes a variedade dos trajes, tão ricos e elegantes, menciona as sedas,

guarnecidas de custosas rendas, os diamantes e as flores. Comenta sobre o

alvoroço do dia 10, provocado por uma procissão. Nas festividades da matriz

Santa Rita por ocasião do Espírito Santo, o povo invadiu o templo, criou-se um

tumulto. Solicita, finalmente, que sejam enviados da Europa figurinos apropriados

para o inverno brasileiro.

Rio de Janeiro, tomo III, 1º de agosto de 1859.

15. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 188-196

Elogia a atuação da cantora Medori, no teatro lírico, que representou

Leonor, na ópera Trovador. Na noite de 29, data do aniversário da princesa

imperial, a Sra. De la Grange, representou o papel de Gilda no Rigolleto. Mais

adiante comenta o repertório dos teatros fluminenses. Destaca no Ginásio

Dramático a representação de Damas das Camélias, de Alexandre Dumas Filho.

Faz críticas severas às repetições constantes do teatro S. Pedro. Anuncia que no

teatro S. Januário há uma companhia de atores chamada Colcha de retalhos.

Rio de Janeiro, tomo III, 16 de agosto de 1859.

16. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 253-260

O cronista comenta a falta de bailes e saraus nesta quinzena. Menciona

os figurinos atraentes da Tasmanian e, em seguida, anuncia a chegada de notícias

119

Page 131: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

da grande batalha em que os franceses, comandados por Napoleão III,

demonstram bravura nos solos italianos. Voltando ao Brasil, dá detalhes sobre a

mudança ocorrida na coroa e organização do Novo Ministério. Elogia o folheto

biográfico da ilustre cantora, a Sra. de la Grange, publicado pelo Sr. Autève

Aumont, redator do Echo du Brésil. Comenta, finalmente, as representações no

teatro lírico de Filha de salineiro, Órfãs de Antuérpia e Os Milagres de Santo

Antônio.

Rio de Janeiro, tomo III, 1º de setembro de 1859.

17. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 333-340

Refere-se à proximidade das comemorações da Independência do

Brasil. Cita como exemplo a contribuição da Sociedade Petalógica, que se dirigiu

aos seus amigos associados para ajudarem na iluminação da praça da

Constituição. Apresenta a composição do Sr. Egídio Ribeiro de Andrade, de Minas

Gerais, em homenagem ao aniversário de nossa independência. Lamenta o

falecimento da jovem rainha de Portugal, D. Estefânia Hohenzollern Sigmaringen,

no dia 17 de julho. Comenta ainda as exéquias de S. M. Fernando II, rei de

Nápoles, que ocorreram na última quinzena. Destaca as festividades em louvor da

Senhora da Piedade, no domingo anterior, na igreja da Cruz. A celebração contou

com a colaboração dos primeiros artistas do teatro lírico e com uma orquestra que

deu realce à parte instrumental da missa. Menciona a grave crise financeira que

assola os teatros. Aproveitando esse tema, elogia a representação do Rigolleto

pela Sra. De la Grange e do Sr. Mirate, no teatro lírico. Do teatro de S. Pedro,

destaca três composições nacionais, que ainda estão sob sigilo. No Ginásio a

Probidade ainda era representada, sendo que no próximo dia 3 entraria em cena o

drama O asno morto. Encerra a crônica destacando a também repetida peça

Corda Sensível, no teatro S. Januário.

120

Page 132: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Rio de Janeiro, tomo III, 20 de setembro de 1859.

18. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 392-402

O cronista inicia demonstrando os compromissos da Revista Popular

para satisfazer os leitores com as informações dadas pelos seus correspondentes.

Referindo-se às cartas recebidas de Paris, comenta as gravuras de modas do mês

de agosto e setembro. Sobre o aniversário de independência do Brasil, conta que

os estudantes do colégio Pedro II cantaram o hino da independência,

acompanhados por um coro de mais de quatro mil pessoas. A respeito dos teatros,

relata que no S. Pedro foram representados dois excelentes dramas originais do

Sr. Dr. Joaquim Manoel de Macedo. O cronista anuncia ainda a publicação de

Primaveras, livro do poeta brasileiro Casimiro de Abreu. A seguir, são descritas as

novidades dos bailes da Sociedade Alemã de Beneficência realizados nos salões

do Clube. Os teatros também fizeram parte dos festejos, representando a ópera

Lombardos. Observa que os espectadores ficaram indignados com a antigüidade

das decorações, a miséria dos vestuários, a desafinação e a desordem da

apresentação. Critica ainda a representação da peça Os Mártires, pelo custo da

visita ao teatro. A crônica é encerrada com alguns breves comentários sobre a

obra O asno morto, com elogios à riqueza da encenação e ao desfecho imprevisto

e original.

Rio de Janeiro, tomo IV, 1º de outubro de 1859.

19. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 63-72

Sobre esta quinzena, o cronista relata que os teatros estiveram em

completa ociosidade. Sobre literatura, destaca o nome de Álvares de Azevedo,

autor que considera importante para a história literária de nosso país não tanto

pelas suas obras, mas pela escola romântica da qual sem querer se tornou

121

Page 133: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

mestre. Ao comentar a publicação de Harmonias Brasileiras, do Sr. Macedo

Soares, reanima-se por ver a mocidade arrepiar a carreira. Finalmente, o cronista

lamenta e prevê a possível decadência do teatro lírico.

Rio de Janeiro, tomo IV, 16 de outubro de 1859.

20. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 131-140

O cronista inicia dando a notícia de que Suas Majestades chegaram na

manhã de 6 daquele mês à cidade de Salvador, capital da província da Bahia, e aí

tiveram uma recepção brilhante. Comenta o fiasco dos figurinos de modas do mês

e critica, mais adiante, a falta de reformas na educação religiosa. Em seguida,

condena o exercício de aluguéis de escravos. Dirigindo-se aos teatros, menciona

a nova comédia As mulheres terríveis, uma bela produção da escola francesa,

habilmente traduzida pelo Sr. S***, e interpretada com consciência pela maioria

dos artistas que nela atuam.

Rio de Janeiro, tomo IV, 1º de novembro de 1859.

21. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 200-208

Discorre sobre o difícil trabalho do cronista que, sem as novidades dos

bailes e saraus, limita-se a comentar as representações repetidas dos teatros.

Propõe-se, então, a analisar todos os dramas neles encenados, ao contrário do

conservatório dramático, que arquiva todos os pareceres sobre as encenações

numa secretaria. Comenta a ressurreição da ópera nacional com as vozes das

Sras. Carlota Milliet e Paulina Gianelli, além dos Srs. Amat e César Gianelli. Narra

o irônico episódio em que, vingando-se dos homens por fecharem o Clube

somente para si numa noite de partida, as mulheres na quarta-feira de partida

familiar não compareceram, deixando-os sem par para a dança. Lamenta a partida

122

Page 134: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

da Sra. de La-Grange para a Europa, anunciando que ainda será possível ouvi-la

nos salões do Clube, no dia 5. A esse propósito, sugere o possível

desaparecimento do teatro lírico, que conta somente com o apoio do Sr. Mirate.

Comenta a má administração do teatro para com os artistas, comprovada no dia

da apresentação do rabequista P. Julien, que se vingou com uma belíssima

representação junto da Sra. de la Grange. Comenta a estréia do Sineiro de S.

Paulo, no teatro S. Pedro, além dos dramas Raquel, do Sr. Ernesto Biester, e Abel

e Caim, do Sr. Mendes Leal, no Ginásio Dramático. Finalmente, anuncia a

representação que se daria naquele dia do Luiz de Camões, do Sr. Burgain, no

teatro S. Januário onde também a Sra. Ballestra Galli pretendia organizar uma

companhia lírica.

Rio de Janeiro, tomo IV, 16 de novembro de 1859.

22. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 262-270

O cronista descreve as gravuras que importou o paquete inglês nesses

dias. Sobre literatura o cronista anuncia a publicação da obra do Sr. Dr. Carlos

Luiz de Saules, intitulada Estudos sobre a física pulmonar. Destaca os dois

concertos então apresentados, um no Ginásio em benefício da Sra. Helena

Conran, e outro no Clube, em favor do Sr. Oscar Pfelffer. O primeiro esteve acima

do sofrível, e o segundo foi excelente. Mais adiante elogia a representação do

Sineiro de São Paulo, no teatro de São Pedro.

Rio de Janeiro, tomo IV, 1º de dezembro de 1859.

23. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 328-336

Destaca a partida de Sra. de la Grange a Montevidéu, fazendo memória

de sua última apresentação no Rio de Janeiro. Faz uma breve discussão sobre a

123

Page 135: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

arte dramática. Comenta a execução da peça Norma, pela Sra. Medori, no teatro

lírico. Sobre as novidades dos teatros, destaca Erro e amor, novo drama

representado pela companhia do diretor João Caetano. Do Ginásio menciona a

Valentina, com destaque para a atuação da Sra. Gabriella.

Rio de Janeiro, tomo IV, 16 de dezembro de 1859.

24. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 393-402

Ao discorrer sobre modas, o cronista chama o leitor a dar um passeio à

casa da Sra. Catharina Dazon, à rua do Ouvidor, para examinar variados artigos. A

seguir, cita Mercadante, compositor da ópera Horácios e Curiácios, que, na sua

opinião, serviria de oração fúnebre para o enterro do teatro lírico fluminense.

Voltada a atenção ao teatro São Pedro, comenta a representação do drama As

mães arrependidas, da escola francesa. Anuncia que a comédia de Scribe La

comtesse du tonneau, outrora representada pela companhia francesa, foi levada à

cena do Ginásio com o título As duas primas. Em S. Januário, destaca o drama A

torre de Londres e lamenta que o teatro esteja atirado a um recanto da cidade.

Rio de Janeiro, tomo V, 1º de janeiro de 1860.

25. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 61-68

O cronista faz uma saudação ao ano bissexto que se inicia e convida os

leitores e colaboradores a continuar prestigiando o trabalho da Revista Popular.

Elogia a hospitalidade do povo pernambucano, oferecida ao imperador e à

imperatriz em sua visita a esta província. Destaca a homenagem feita por D.

Alexandrina Marino, que lhes dedicou, entre outros presentes, dois poemas. Mais

adiante convida as leitoras a ler as charadas enviadas por seu amigo, o Sr. L. M.

Percegueiro. Anuncia que, no teatro de S. Pedro, foi representado o drama As

124

Page 136: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

mães arrependidas seguido do Escravo Fiel, produzido pelo Sr. Dr. C. A. Cordeiro.

Comenta as repercussões das duas peças. Descreve o enredo do Romance de

um moço pobre, de Octavio Feuillet, publicado no ano anterior pela Revista e

encenado naquele momento no Ginásio Dramático. Faz, finalmente, observações

sobre a atuação dos atores desse drama.

Rio de Janeiro, tomo V, 16 de janeiro de 1860.

26. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 124-132

O cronista apresenta às suas leitoras um figurino parisiense apropriado

para os saraus carnavalescos que se aproximam. Narra o drama vivido pelo

triângulo amoroso Leonor, seu primo e marido Augusto N*** e Emília, amiga da

primeira e amante do segundo. Critica a atuação da câmara municipal no que se

refere à recepção do imperador, que regressaria em poucos dias ao Rio de

Janeiro. Mais adiante comenta a representação, no edifício de S. Pedro de

Alcântara, do drama Os pobres do Rio de Janeiro e da comédia Em cima de

queda couce, ambos trabalhos do Sr. Dr. Sampaio, apresentados no dia 10 de

janeiro. Faz referência a representações de Filhos dos Trabalhos e de Romance

de um moço pobre, no Ginásio Dramático.

Rio de Janeiro, tomo V, 1º de fevereiro de 1860.

27. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 189-196

Menciona a publicação de uma obra nacional que, encenada no Ginásio

Dramático, não agradou à polícia, resultando na proibição de sua representação.

Trata-se da comédia As asas de um anjo, de José de Alencar. Comenta ainda as

obras A filha da Risinha, do Sr. A. J. Fernandes, Fábulas, do Sr. Anastácio Luiz do

Bonsucesso e Manual teórico prático do guarda-livros, organizado pelo Sr. J. F. de

125

Page 137: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Araújo Lessa. Destaca a visita do arquiduque Maximiliano, vice-rei do reino

lombardo-vêneto, que percorreu todos os sítios do Rio de Janeiro, contemplando a

natureza dessa terra. Mais adiante faz referência ao drama Os filhos dos

trabalhos, no Ginásio Dramático, que depois de três representações foi tirado de

cena. Defende-se das acusações que muitos estão fazendo acerca das suas

críticas às representações do Ginásio, dizendo não consentir que se eleve na

literatura qualquer tipo de estupidez. Critica a reforma do já gasto drama

Probidade, e anuncia a estréia da comédia Os meus desejos, do Sr. Faustino

Xavier de Novaes. No teatro de S. Pedro destaca a representação de Episódios

do cerco do Porto e anuncia o drama Os filhos de um rei, que ainda estava sendo

ensaiado.

Rio de Janeiro, tomo V, 16 de fevereiro de 1860.

28. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 250-260

O cronista descreve a recepção que os fluminenses fizeram a Suas

Majestades, depois de uma ausência de mais de quatro meses. Mais adiante

relata o que havia de novo pela Europa no que se refere à moda. Sugere que as

fazendas para a confecção do figurino, apresentado neste número da revista,

sejam adquiridos no estabelecimento de Mme Dazon & Filho, à rua do Ouvidor, nº

97. Quanto aos teatros diz que nada apresentaram de novo. Foi apresentada no

teatro lírico a ópera Pipelet¸ e no teatro S. Pedro repetiram-se os dramas As mães

arrependidas, Sineiros de São Paulo e Episódios do cerco do Porto. Comenta a

breve representação das comédias Mãe e Um pai pródigo, no teatro lírico, sendo

aquela brasileira e esta a última produção do francês Alexandre Dumas Filho. Dá

ênfase às críticas feitas pelos franceses a esse trabalho de Dumas Filho, que o

cronista julga ser uma das suas mais fracas composições. Em seguida, relata o

enredo da peça.

Rio de Janeiro, tomo V, 1º de março de 1860.

126

Page 138: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

29. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 316-324

Relata o início dos festejos de carnaval no Clube Fluminense. Menciona

as críticas acerca dos trajes usados nos bailes carnavalescos e observa que

muitas leitoras não aproveitaram a sugestão de figurino oferecida no janeiro

anterior pela Revista. Comenta a atuação das três sociedades carnavalescas,

Congresso das Sumidades, União Veneziana e Euterpe Comercial. Nos teatros S.

Pedro e Lírico, destaca o uso de máscaras que começa a criar raízes no Rio de

Janeiro. Lamenta o falecimento de dois moços infectados pela febre amarela: o Dr.

Luiz Sérgio do Amaral e o Sr. Altève Aumont. O primeiro era excelente médico e o

segundo atuou como correspondente da Revista das raças latinas antes de criar o

jornal Eco do Brasil e da América do Sul.

Rio de Janeiro, tomo V, 16 de março de 1860.

30. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 379-386

Relata brevemente os principais acontecimentos da quinzena, dos

quais destacam-se: o aniversário da Imperatriz do Brasil, no dia 14; as

condecorações e títulos aos servidores do Estado, oferecidos pelo Imperador; a

representação de Ernani de Verdi, no teatro lírico; o falecimento do Sr. José

Martiniano de Alencar, senador do Império pela província do Ceará e do poeta

Macedo Júnior; a gerência do Echo du Brésil assumida pelo Sr. B. L. Garnier; a

homenagem aos artistas que se distinguiram na última exposição da Academia

das Belas Artes. Sobre a revolução que ocorria na moda, destaca que o luxo foi

banido e a simplicidade triunfou. Recomenda a casa de Mme Dazon & Filho, que

presidiu a confecção do figurino apresentado no número. Relata a tramitação no

senado francês de uma reivindicação das mulheres empregadas das fábricas de

Lyon e de Lille, que consiste na aplicação de multa aos homens solteiros com

127

Page 139: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

mais de quarenta anos. Teme que essa medida seja adotada no resto do mundo,

já que a França é o espelho da maioria das nações, naquele momento. Dos

teatros, destaca o drama A degolação dos inocentes, no S. Pedro, a Probidade e a

comédia Mãe, no Ginásio Dramático. Sobre esta última, observa ser o melhor

trabalho brasileiro escrito para ser representado e, em seguida, descreve o enredo

da peça.

Rio de Janeiro, tomo VI, 25 de março de 1860.

31. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 57-64

Comenta a mudança dos dias de publicação da Revista Popular e a

dificuldade que teve em escrever a crônica em dez dias. Menciona o

reaparecimento na imprensa do Diário do Rio de Janeiro e seu folhetinista S. F. –

Sousa Ferreira. Mais adiante, elogia a estréia da Sra. Santina Tosi no papel de

Açucena do Trovador, no teatro lírico. No Ginásio, observa que, após as repetidas

representações da Probidade, finalmente agradou uma peça menos gasta: o

drama brasileiro Mãe. Destaca, dentre os atores do drama, a Sra. Velluti e os Srs.

Joaquim Augusto, Paiva e Heller. Anuncia, finalmente, a breve estréia do drama

Espinhos e flores, de Camilo Castelo Branco.

Rio de Janeiro, tomo VI, 10 de abril de 1860.

32. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 122-128

Critica a falta de respeito dos fiéis que se dirigem às igrejas na Semana

Santa, preocupados somente com a que ostenta maior luxo. Critica ainda os

tumultos gerados pelas procissões, manifestações religiosas com as quais o

cronista discorda. Reproduz os comentários de Mme Catharina Dazon acerca do

figurino de inverno apresentado neste número da Revista. Lamenta o falecimento

128

Page 140: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

do comendador S*** P***, no dia 31 de março. Sobre os teatros destaca a

representação de Lucrezia Borgia, pela Sra. Tosi e pelo Sr. Mirati. Do teatro S.

Pedro, comenta a representação de A ponte vermelha, produção do teatro francês

traduzida pelo Sr. Lessa Paranhos. Do S. Januário, conhecido agora como teatro

das Variedades, destaca a atuação do Sr. Furtado Coelho em Dalila, de Octávio

Feuillet, e em Romance de um moço pobre. Anuncia ainda a estréia da Sra.

Antônia Marquelou no drama Espinhos e Flores, de Camilo Castelo Branco, no

Ginásio Dramático.

Rio de Janeiro, tomo VI, 25 de abril de 1860.

33. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 185-192

Registra a inauguração da via férrea que liga Porto das Caxias a

Cantagalo-RJ, no dia 22 de abril. Comenta o trabalho do Sr. Furtado Coelho no

teatro das Variedades. Descreve, finalmente, o enredo da peça Espinhos e flores,

de Camilo Castelo Branco, representada no Ginásio Dramático.

Rio de Janeiro, tomo VI, 10 de maio de 1860.

34. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 252-260

Destaca o fato de estarem fechados há dias os salões fluminenses.

Registra a Descrição da gravura de modas, feita por Mme Dazon neste número da

Revista. Relata que no dia 1º foi publicado o primeiro número de um jornal

chamado Entreato, do qual extraiu a biografia da artista Sra. Gabriella Augusta da

Cunha, para reproduzi-la nesta crônica. Sobre as artes dramáticas, faz um

comentário das peças que se repetem nos palcos do teatro das Variedades, no

teatro Lírico e no Ginásio Dramático.

129

Page 141: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Rio de Janeiro, tomo VI, 10 de junho de 1860.

35. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 382-390

O cronista relata a tentativa de pedir perdão pelo mês de silêncio, no

baile da instalação da sociedade Campestre. Em seguida, reproduz a descrição do

figurino feita pela Sra. Dazon, que traz nesse número trajes de passeio e de visitas

não cerimoniosas. Critica a obra nacional Descoberta de um milhão, do autor L*,

oferecida aos editores e tipógrafos naqueles dias. Lamenta o falecimento do Sr.

Carlos Ribeyrolles, autor do Brasil Pitoresco. O cronista reproduz também

algumas eloqüentes expressões proferidas ao escritor, pelo Sr. Teófilo Ottoni. Nos

teatros destaca os Mascates italianos e Miudinhos, no S. Pedro, e no Ginásio

Dramático O romance de um moço pobre, Atriz Hebréia, Ultraje e Ovos de ouro

para os dias seguintes.

Rio de Janeiro, tomo VII, 26 de junho de 1860.

36. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 57-64

Ressalta que o grande assunto dessa quinzena foi a política. Publica

uma carta que poderia ser enviada à polícia da cidade de São Sebastião,

cobrando providências acerca do abandono e da desordem naquele município.

Relata as críticas da imprensa, em especial do jornal Entreato, a respeito do

auxílio oferecido ao teatro lírico para as sucessivas representações de Marco

Viscondi (130 contos de réis). Carlos critica essa opinião, apresentando

argumentos favoráveis aos investimentos nas representações cênicas e musicais

de todos os teatros da corte, que passam, como o lírico, por dificuldades naquele

momento. Dente eles estão o teatro São Pedro, o São Januário e o Conservatório

Dramático.

Rio de Janeiro, tomo VII, 10 de julho de 1860.

130

Page 142: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

37. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 121-128

O cronista defende a discussão proposta em suas crônicas acerca da

moda que, ao seu ver, não deve limitar-se apenas à descrição de figurinos. Em

seguida, apresenta a gravura sugerida por Mme Catarina Dazon, cujo título é

“Descrição de um trajo de primavera”. Descreve a personagem da produção

homônima de Eugène Sue, O Judeu Errante, e o compara graciosamente a um

freqüentador da alta aristocracia fluminense, que se aproveita das regalias e,

sobretudo, dos jantares oferecidos nesse meio. Critica, mais adiante, a execução

de Joana D’Arc, de Verdi, no Teatro Provisório. Comenta de passagem a censura

da imprensa à representação de diversos dramas e aproveita para divulgar a

preparação de um drama escrito em português, pelo teatro das Variedades.

Finalmente, saúda os jovens que criaram naqueles dias a folha recreativa Ônibus

literário.

Rio de Janeiro, tomo VII, 26 de julho de 1860.

38. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 185-192

Carlos festeja a reabertura e a inauguração dos novos salões do “Club”,

que ocorreu no dia 20 e contou com a presença das Suas Majestades. Faz

menção às leitoras que compareceram ao baile e, às poucas que se ausentaram,

faz um breve relato de como foi aquele evento inaugurador da estação invernosa

na corte. Descreve a amabilidade do Imperador e da Imperatriz, o serviço delicado

e escolhido do “Club”, as valsas e as polcas executadas pela orquestra, os

segredos proferidos e, finalmente, cinco trajes de senhoras, manufaturados na

casa de Mme Dazon & Filho. Cumprimenta o talento do escultor Sr. Chaves

Pinheiro, autor da estátua de José Bonifácio. O cronista relata que teria visto na

Academia de Belas Artes o novo trabalho desse escultor: uma estátua do artista

131

Page 143: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

João Caetano representando o Oscar. Comenta a saída do tenor Mirate do Teatro

Lírico e alude à necessidade de contratação de outro cantor que o substitua,

embora a renda de bilheteria não seja suficiente para tal fim. Refere-se à possível

reexecução da ópera Joana D’ Arc, de Verdi, talvez mais mutilada que da última

vez. Anuncia a apresentação de uma nova coleção de peças no Teatro São Pedro,

após o regresso da viagem feita por João Caetano à Europa. Do Ginásio

Dramático destaca a peça Ovos de ouro. Do Teatro das Novidades, o Garoto de

Lisboa.

Rio de Janeiro, tomo VII, 10 de agosto de 1860.

39. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 249-256

O cronista faz alusão aos comentários suscitados pela descrição de

apenas cinco trajes de damas, presentes no baile de reabertura do “Club”.

Classifica a sua escolha como uma questão de gosto, baseada na opinião da

maioria, pois se julga leigo nessa matéria. Passa, em seguida, às novidades

trazidas pelo último paquete inglês. Aplica ao figurino sugerido nessa quinzena as

observações que sobre ele ouviu na casa de Mme Dazon & Filho. A seguir, Carlos

alerta para o perigo das poesias em mãos de mulheres apaixonadas, não importa

a classe social à qual pertençam. Para ilustrar a recorrência desse fenômeno,

relata uma história ouvida na sala de palestra do “Club” sobre os dois amigos de

infância Hippolito R* e Cristiano S*; este pobre e poeta, aquele rico e néscio. As

produções de Cristiano despertaram inevitavelmente a paixão em D. Constança

R*, irmã de Hippolito, o que resultou no afastamento do poeta da tão estimada

família. Mais adiante, o cronista dá as notícias dos teatros fluminenses: o Lírico

padece com dívidas e pequena bilheteria; o S. Pedro, por sua vez, beneficia-se do

padecimento do Lírico; com a queda do teatro das Variedades, levanta-se o

Ginásio Dramático.

Rio de Janeiro, tomo VII, 26 de agosto de 1860.

132

Page 144: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

40. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 313-320

O narrador-repórter comenta os preparativos para a comemoração da

festa da Independência, pela sociedade “Palestra Fluminense”. Lamenta o pouco

caso da população com relação a essa data e indaga se a divisa “Independência

ou Morte” não deveria ser substituída por “Indiferença e Morte”. Ataca, a seguir, os

médicos que se envolvem no trabalho eleitoral à procura de um cargo na política.

Ressente-se do falecimento do comendador Manoel Moreira de Castro, nome de

destaque na imprensa oitocentista, graças ao seu empreendimento o Jornal do

Comércio. Destaca a presença de SS. MM. II nas festividades em louvor à Santa

Virgem da Piedade. Relata que antes de começar a celebração foi cantada a

oratória A última hora no Calvário, de Antônio Carlos Gomes. Reuniram-se a essa

composição nacional, duas outras estrangeiras: uma parte do Stabat Mater, de

Rossini, e a Ave Maria, de Schubert. Informa que houve na semana anterior um

concerto na casa do Sr. Visconde de Maranguape, onde foram executadas

composições de Donizetti, Verdi e Rossini. Elogia a publicação de Flores

Silvestres, do Sr. F. L. Bittencout Sampaio e transcreve um dos poemas dessa

obra, intitulado “A mocidade acadêmica”. No espaço reservado à crítica teatral,

lamenta, mais uma vez, as condições precárias do Teatro Lírico.

Rio de Janeiro, tomo VII, 10 de setembro de 1860.

41. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 374-382

O cronista convoca as leitoras a lançar os olhos sobre o figurino

apresentado nessa quinzena e confirma que o periódico não deixaria de satisfazer

todas as exigências da moda. Com a colaboração da casa Dazon & Filho, acredita

que a Revista poderá concorrer com os primeiros jornais de modas francesas,

sem quaisquer prejuízos. Em seguida, há a descrição daquele figurino por Mme

133

Page 145: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Dazon. Carlos comenta a criação de várias sociedades dançantes e, dentre elas,

destaca a reabertura do “Cassino”, no dia 18 daquele mês. Tal novidade teria

causado alvoroço na corte, o que fez as modistas correrem à livraria Garnier para

receberem os últimos figurinos e modificá-los segundo o gosto das freguesas que

se preparam para aquele baile. Transcreve, a seguir, um poema sobre o tema

“saudade”, mas não identifica a autoria dessa composição. Sobre os teatros,

destaca que no Lírico, depois do suplício de Macbeth, anunciou-se o Trovador, no

qual estreariam cantores europeus. Após a pintura e reforma do S. Pedro, estreou-

se o drama D. Beltão de la Cueva. Ressalta aí a despedida definitiva da Sra. de la

Grange que, acompanhada do pianista Sr. Pfeiffer, cantou emocionada o bolero

Adeuses ao Brasil.

Rio de Janeiro, tomo VIII, 26 de setembro de 1860.

42. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 57-64

Relata o baile que ocorreu no dia 16 daquele mês, na casa do Sr.

Conde de Thomar. Lá foi reunida a “nata” da aristocracia brasileira e estrangeira.

Todos comemoraram o aniversário de S. M. Fidelíssima, o Sr. D. Pedro V. Carlos

descreve o vestido usado pela Sra. de Thomar e observa que só poderiam ter

saído da casa de Mme Catarina Dazon & Filho os lindos vestidos usados pelas

damas naquela ocasião. Descreve minuciosamente quatro desses trajes. Comenta

o baile nos novos salões do “Cassino”, em 20 de setembro, que contou com a

presença de suas Majestades. Descreve outros três vestidos que brilharam nessa

festa. Transcreve, em seguida, um poema que lhe foi enviado pela senhora Jenny

Dazon, traduzido da língua francesa para a portuguesa por E. R. Andrade, amigo

do cronista. As duas versões do poema são publicadas. Relata as homenagens

feitas pela artilharia de guerra, em 24 de setembro, ocasião do aniversário de

falecimento de D. Pedro I. Lamenta a morte do marquês de Mont’Alegre,

conselheiro de Estado e senador pela província de Sergipe. Relata a despedida de

134

Page 146: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

João Caetano, na noite de 23, com a representação do drama de Jacques Arago,

A gargalhada. Elogia a sua atuação no papel de André. Explica o motivo da

viagem feita pelo artista e empresário do Teatro S. Pedro à Europa: estudar os

melhoramentos aí aplicados ao teatro e organizar uma companhia que satisfaça

as exigências da sociedade. Comenta que nessa mesma noite houve no Ginásio a

inauguração da “Sociedade Dramática Nacional”, companhia resultante das que

se apresentavam nesse teatro e no das Variedades. Para a estréia foi escolhida a

comédia Luxo e Variedade, do Sr. Joaquim Manuel de Macedo. Anuncia,

finalmente, a apresentação da Sra. Helena Conran, no sábado seguinte, no Teatro

Lírico.

Rio de Janeiro, tomo VIII, 10 de outubro de 1860.

43. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 121-128

Inicialmente, alerta para o perigo resultante do contato abusivo que as

mulheres mantêm com as flores, ilustrando possíveis acidentes através da história

de uma menina que quase morrera asfixiada por fechar-se em seu quarto com

ramos de angélica, de bogaris e com um galho de jasmineiro. Elogia o estudo

sobre o Rio São Francisco, desde a cachoeira até o Oceano Atlântico, confiado,

pelo Sr. marquês de Mont’Alegre, ao engenheiro Sr. Halfeld. Transcreve o apelo

feito à polícia pelo Jornal do Comércio, para que não seja tolerante com os

freqüentadores de casas de jogos noturnas. Finalmente, cumpre a promessa feita

na quinzena anterior: descreve a nova comédia de Joaquim Manuel de Macedo,

Luxo e Vaidade.

Rio de Janeiro, tomo VIII, 26 de outubro de 1860.

44. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 183-192

135

Page 147: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Lamenta não poder comentar detalhadamente a última partida do “Club

de Botafogo”, pois houve alguém que o precedera. Nem mesmo na defesa de

alguns trajes considerados ultra-românticos pôde empenhar-se. Passa em revista

a mala trazida pelo paquete francês Bearn à procura das últimas novidades da

moda. Descreve a derradeira novidade parisiense, depois de transcrever as

advertências do boletim trazido pelo paquete, acerca da chegada do verão no Rio

de Janeiro e, ainda, da necessidade de adaptação dos trajes europeus para o

clima tropical da corte. Relata a visita que fizera ao gabinete de trabalho do Sr.

Luiz Aleixo Boulanger. Dentre os quadros que lá encontrara destaca o valor

artístico de dois: o primeiro expõe o passeio de Suas Majestades ao norte do

Império e, o segundo, a visita que fizeram às províncias do sul. Escreve ao lado de

Boulanger o nome do poeta-artista Sr. Verre. Deste, destaca um quadro com o

retrato de S. M. a Imperatriz que estava sob a proteção de Boulanger. Relata um

caso de dor de dente sanada pela utilização de um aparelho galvano-cáustico,

aperfeiçoado por M. Georges, de Paris. Informa, mais adiante, a instalação de

uma via de comunicação (estrada do Catete) para ligar os bairros de Botafogo e

Laranjeiras, arrabaldes muito apreciados pelos estrangeiros. Como vingança da

perda de prestígio para aqueles bairros, seria construído um teatro no Catete,

planejado pelo Sr. Lopes Brito. Ali se apresentariam a companhia do Ginásio e a

companhia lírica.

Rio de Janeiro, tomo VIII, 10 de novembro de 1860.

45. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 250-260

Observa que, graças à incerteza da temperatura, a moda não pôde até

aquele momento operar uma revolução significativa nos trajes. Em seguida,

apresenta a descrição da gravura de um vestido de baile e outro de passeio. Narra

uma história que ilustra a rivalidade provocada pela disputa de figurinos entre as

mulheres da corte. Anuncia a estréia de uma série de apresentações da ópera

136

Page 148: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

nacional. A primeira, no Teatro S. Pedro, contou com a opereta D. Chico Cerefólio.

Desse teatro comenta a falta de sucesso de seus espetáculos dramáticos. Critica

os barbarismos proferidos pelos atores do teatro normal, bem como o seu

desorganizado corpo de baile. Informa que, após as vinte e duas bem sucedidas

representações de Luxo e Vaidade, do Dr. Macedo, serem apresentadas no

Ginásio as peças o Demônio Familiar, de José de Alencar, e Caminho mais

comprido, original francês de C. Courey.

Rio de Janeiro, tomo VIII, 26 de novembro de 1860.

46. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 312-320

Lamenta a chegada da quadra da emigração, na qual são suspensos os

bailes e os saraus nos clubes da corte. Com essa suspensão cessa a investigação

acerca das intrigas e dos flertes que tanto agradam o cronista. Destaca a última

composição do Sr. L. A. Burgain, o drama em versos intitulado O monstro de

Santo Lago. Anuncia outra recente produção: a coleção de artigos escritos nas

horas vagas pelo Sr. Nunes Álvares, cujo título é Flores Soltas. Em seguida,

transcreve um dos escritos desse autor. Relata a história de um pretenso poeta,

que foi enganado pela mediocridade de sua produção e pela leviandade de uma

mulher que lhe jurara amor eterno. Ressente a inesperada morte do moço Dionísio

Veja, artista do Teatro Lírico. No Ginásio, a fuga do ator Furtado Coelho para os

campos do Ipiranga causou grande abalo para o teatro, na véspera da

representação da Penélope normanda, em benefício da Sra. Adelaide. Seu papel

foi então confiado ao Sr. Paiva. Finalmente, critica a representação que assistira

no São Januário, julgando selvagens os seus atores.

Rio de Janeiro, tomo VIII, 10 de dezembro de 1860.

47. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

137

Page 149: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Página: 373-382

Apresenta o figurino da quinzena através de uma fictícia petição de

quitação de dívidas. Lembra que completa naquele dia dois anos de cronista nesta

coluna e aconselha as leitoras a não hesitar no momento de renovar a assinatura

da Revista. Promete, em nome dos demais redatores, uma nova série de artigos,

primorosas gravuras e os mais modernos figurinos de modas. Faz referência à

seca e à fome que assolava o interior da Bahia, já naquele momento. Exalta a

iniciativa do Imperador em associar-se a uma comissão filantrópica, organizada

para amenizar o sofrimento daquela região através de contribuições. Convoca as

leitoras a contribuir também para essa associação. Mais adiante descreve o

enredo do drama Penélope normanda, representado no Ginásio, em benefício da

Sra. Adelaide. Expõe o juízo crítico do censor Paulo Dhormoys a respeito daquela

peça. Noticia que foi restituída à cena do Ginásio a sua primeira atriz, a Sra.

Gabriella, que atuou em seu retorno no drama Homens de mármore. Destaca que

os artistas desse teatro representaram o drama Trabalho e honra, uma das

melhores produções do Sr. C. de Lacerda. Em S. Pedro, o aniversário do

Imperador foi festejado com o drama nacional O enjeitado, e com uma alegoria

intitulada A união do Império. Finalmente, o cronista anuncia a representação do

drama Honra e glória, um trabalho do Sr. José Romano, no teatro São Januário.

Rio de Janeiro, tomo IX, 26 de dezembro de 1861.

48. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 57-64

O cronista faz votos de felicidades às leitoras pelo ano que se inicia.

Comenta o presente oferecido pela Revista Popular nesse número: uma gravura

da Constantinopla. Critica o envolvimento de algumas senhoras com o assunto

predominante da quinzena: a política. Relata a visita de Suas Majestades à

academia de belas artes, onde apreciaram as duas estátuas confeccionadas pelo

lente daquela academia, o Sr. Chaves Pinheiro. A primeira obra representava o

138

Page 150: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

patriarca da independência José Bonifácio de Andrada e, a segunda, o artista

dramático João Caetano dos Santos. Lamenta a morte dos oficiais e dos

marinheiros, vítimas recentes do naufrágio da corveta D. Izabel. Informa a

publicação da obra Notas estatísticas sobre a produção agrícola dos gêneros

alimentícios no império do Brasil, pelo Sr. Sebastião Ferreira Soares e, ainda, do

primeiro número do periódico Semana Ilustrada. Contrasta metaforicamente as

altas temperaturas desse período com o termômetro teatral da corte, que se

encontra abaixo de zero. Critica, finalmente, os dramas Ultraje e Mocidade e

riqueza representados naquele momento.

Rio de Janeiro, tomo IX, 10 de janeiro de 1861.

49. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 121-128

Carlos comenta a monotonia do Rio de Janeiro naquele período que

causou a deserção dos habitantes aos subúrbios. Passa pelas novidades trazidas

pelo paquete inglês. Aproveita a ocasião para recomendar o estabelecimento do

Sr. P. B. Saupiquet, onde são encontrados todos os tecidos e acessórios para a

confecção do figurino indicado em seguida pelo cronista. Recrimina a promoção

de eleições populares nos altares da Igreja, o que considera profanação.

Apresenta o enredo da comédia A época, do Dr. Varejão, e a classifica como um

ensaio que não poderia pertencer ao gênero da alta comédia. Admira, por outro

lado, a linguagem elegante e a sustentação de diversos papéis, desejando que o

autor da peça conquiste um dos primeiros lugares entre os escritores dramáticos

nacionais.

Rio de Janeiro, tomo IX, 26 de janeiro de 1861.

50. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 185-192

139

Page 151: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

O cronista discorre sobre os preparativos para as festas de Carnaval

feitos pelas sociedades carnavalescas. Faz elogios ao jornal Semana Ilustrada,

cujo último número acabara de receber. Propõe três anedotas e convida os

leitores para julgarem tais produções. Na primeira, narra a história de um moço à

procura de um bom casamento nas exposições da academia das belas artes. Na

segunda, conta o infortúnio de uma bailarina da corte causado pelo envolvimento

com um rico barão paulistano que a abandonou levando para sua esposa o objeto

de desejo do artista: uma jóia de brilhantes. Na última anedota relata a

generosidade do comendador V* em suas esmolas aos mendigos.

Rio de Janeiro, tomo IX, 10 de fevereiro de 1861.

51. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 249-256

Critica o uso de máscaras nos bailes carnavalescos e sugere às leitoras

salões onde se dance à vontade e se trave uma conversação. Falando de moda,

resume em duas palavras a gravuras apresentada nesse número: beleza e

simplicidade. Em seguida, descreve os novos trajes. Transcreve a poesia de uma

moça de quinze anos de idade cujo título é Súplica. Narra uma anedota em que

dois moços, sem dinheiro suficiente para assistirem à representação de um

espetáculo no Teatro S. Pedro, enganam o porteiro e não pagam um dos bilhetes.

Elogia, em seguida, as obras História Pátria, do Sr. Dr. Joaquim Manuel de

Macedo, Estudos cosmológicos, do Bacharel Miguel Vieira Ferreira, e, Manual –

um estudo sobre o tratamento da raça suína, do Sr. Joaquim Antônio de Azevedo.

Comenta a fertilidade de benefícios e a esterilidade de espetáculos nas duas

quinzenas teatrais anteriores. Lamenta a falta de estímulo da companhia do teatro

S. Pedro e faz votos de que o retorno de João Caetano dê impulso a sua empresa.

Pergunta-se sobre o futuro do Ginásio Dramático e aponta a dependência da

companhia de S. Januário dos recursos dos Srs. De-Giovani. Do Provisório

destaca a atuação da Sra. Amat na opereta Brincar com fogo e, do teatro da Santa

140

Page 152: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Tereza, a performance daquela a quem considera a primeira pianista entre nós: a

condessa Rozwadowska.

Rio de Janeiro, tomo IX, 25 de fevereiro de 1861.

52. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 313-320

Descreve inicialmente a gravura fantasiada pelo desenhista de figurinos

da Revista, Júlio David. Comenta a repercussão do finado Carnaval nas ruas e

nos teatros. Após a narração de uma anedota sobre os foliões presentes no último

baile de máscaras do teatro lírico, transcreve os versos do Sr. N... A... que se

caracteriza como resposta aos versos da jovem de quinze anos, Emília G***, cujo

poema fora publicado no último número da Revista. O título da presente

composição é Resposta à súplica. Julga oportuno o regresso de João Caetano

dos Santos da Europa, que, desejoso em melhorar o estado do teatro S. Pedro,

convocou uma reunião com pessoas dedicadas ao estudo da literatura dramática.

O cronista promete relatar as decisões dessa reunião na próxima quinzena. Do

Ginásio destaca a representação do novo drama A pecadora, produção da Sra. de

Prebois, associada a Teodoro Barrière. Critica a tradução do drama, repleto de

galicismos e equívocos quanto à concordância verbal e nominal. Do Provisório

destaca a estréia da companhia Marinangeli com a Traviata.

Rio de Janeiro, tomo IX, 10 de março de 1861.

53. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 375-382

Carlos inicia a crônica tecendo alguns comentários acerca do novo

ministério Imperial. Alude à segurança de ter o Sr. Marquês de Caxias como

presidente do conselho de ministros, fato que impede qualquer perturbação do

sistema em vigor – monárquico-constitucional. Reproduz o esboço de um romance

141

Page 153: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

produzido por um escritor anônimo que cedeu à Revista o privilégio de publicar o

seu trabalho. Faz menção equivocada a José de Alencar como autor do romance

Sonâmbula de Itapuca produzido, naquele momento, por Leonel de Alencar.

Insiste no equívoco ao desejar que a nova produção do folhetinista de Ao correr

da pena alcance êxito semelhante ao de Guarani, ao qual considera um dos

melhores romances brasileiros. Anuncia a publicação de um novo periódico no dia

3 daquele mês: Primavera – revista semanal dedicada ao desenvolvimento da

literatura, das artes e da indústria. Deseja perseverança aos seus redatores para

que não desanimem diante da preferência do público leitor por periódicos

destinados às discussões políticas daquele período. Do teatro lírico destaca a

representação da Traviata, pela companhia do Sr. Marinangeli. Do teatro S. Pedro

aponta a estréia do artista Simão na já tão encenada Probidade. O ator teria vindo

de Lisboa em companhia do Sr. João Caetano. Comenta, finalmente, a

representação no Ginásio do Cínico, drama original brasileiro do Sr. Nabuco de

Araújo.

Rio de Janeiro, tomo X, 25 de março de 1861.

54. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 57-64

Informa a série de reformas que seriam implementadas na corte em 1º

de abril daquele ano, graças à união de duas repartições: a polícia e a edilidade.

Critica o regulamento da estrada de ferro brasileira que, apesar de exigente para

com os passageiros, não respeita os horários estabelecidos. O cronista narra a

espera da partida de um trem que o levaria à cidade, amenizada pela anedota

contada por um passageiro do vagão onde estava. Destaca a atuação da

companhia Marinangeli, que, depois de repetir a Traviata, levou à cena a Lucrecia

Borgia. Lamenta as intrigas existentes entre os artistas do Ginásio Dramático.

Recomenda-lhes união para superarem a falta de apoio e de um elenco de mérito

em suas representações. Do S. Januário apresenta a poesia em forma de charada

142

Page 154: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

distribuída na noite do benefício da Sra. Gabriella.e convida os leitores a

decifrarem o pensamento do poeta. Defende-se dos ataques feitos pelo Sr. Dr. S.

da F. ao fragmento do romance de um amigo do cronista transcrito na última

“Crônica da Quinzena”.

Rio de Janeiro, tomo X, 10 de abril de 1861.

55. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 121-128

Carlos narra a sua efêmera experiência como ministro de estado,

responsável pela pasta da oitava secretaria, na última quinzena. Ao retornar as

suas atividades de cronista, conta com a Sra. C. Dazon para descrever a gravura

trazida pelo paquete inglês. Aproveita a oportunidade para fazer propaganda do

estabelecimento daquela senhora especializado em fazendas para vestidos e em

artigos de modas. Conta a experiência frustrada de um sexagenário em sua

primeira visita aos bastidores de um teatro. Em seguida, informa a publicação de

um periódico dedicado à literatura: o Hemerodromo da juventude. Informa a

representação do Sansão, do dramaturgo José Romano, no Teatro S. Pedro.

Rio de Janeiro, tomo X, 26 de abril de 1861.

56. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 185-192

O cronista inicia a crônica com forte apelo aos assinantes a fim de que

recrutem mais colaboradores para suprir o déficit sempre crescente da Revista.

Adverte sobre o grande número de revistas que surgem por toda parte naquele

momento e conclama os leitores a apoiarem o empreendimento de Garnier que

prima pelo melhoramento literário do país. Justifica a sua ponderação com relação

aos assuntos referentes ao paço municipal: o elo existente entre a Revista e a

política. Aponta a possibilidade de um dia expor seu pensamento com menos

143

Page 155: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

reserva, caso ocorra o rompimento desse acordo. Transcreve a oração que um

suposto Fígaro tenha dedicado às eleições. Assim o faz para uso de quem deseja

afugentar a tentação dos conflitos eleitorais. Revela a fonte de onde retirou o

Credo: o Jornal do Recife, revista semanal publicada em Pernambuco. Elogia a

atuação da sociedade musical Campesina, em seu 10º aniversário de instalação

no pavilhão do Paraíso, antiga sede da Sociedade Filarmônica. A comemoração

teria ocorrido na noite de 12 daquele mês. Discute a importância da reforma até

então realizada na educação das meninas do Brasil, apontando como progresso o

domínio do idioma que considera indispensável às senhoras dos salões

brasileiros– o francês, bem como do inglês, do italiano e do alemão. Aproveita a

ocasião para divulgar a recente instalação do colégio da Sra. Loé Taulois, cujo

tratamento às meninas é semelhante ao que recebem no seio de suas famílias.

Comenta as críticas acerca da permanente representação do drama sacro-bíblico-

burlesco Sansão, do Sr. José Romano, no teatro S. Pedro. Do Ginásio destaca o

drama Pelotiqueiro, dos Srs. Adolfo d’Ennery e Júlio Brasil, da escola francesa.

Elogia a tradução da peça e aponta que talvez esse texto tenha superado o

original na beleza da frase e no vigor da expressão. Critica, por outro lado,

algumas extravagâncias, a utilização de galicismos e a pobreza de sinônimo para

evitar a repetição de um mesmo vocábulo. Avalia a atuação dos atores e promete,

para o número seguinte, o entrecho dessa produção.

Rio de Janeiro, tomo X, 10 de maio de 1861.

57. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 249-256

O cronista comenta o alívio que representa o fim do verão e as

conseqüências desastrosas que essa estação provocou naquele ano em diversas

províncias. Louva a caridade exercida por inúmeras leitoras da Revista, a fim de

socorrer os que necessitam de auxílio durante o estio, sobretudo os habitantes

das regiões correspondentes hoje ao Norte e ao Nordeste do Brasil. Com a

144

Page 156: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

chegada de temperaturas mais amenas, anuncia o retorno da mocidade aos

salões da corte. Conclama aos leitores a se entregarem ao prazer do baile e

despreza a propaganda eleitoral que costuma ocorrer nos salões em tempos de

candidatura ao parlamento. Descreve, a seguir, os figurinos oferecidos pela

Revista que foram remetidos diretamente de Paris. Convida as leitoras a

compararem tais modelos com qualquer outro que acompanharam os jornais

franceses, a fim de que estejam convencidas da superioridade dos descritos

naquele número. Para a confecção dos vestidos, indica a Sra. Dazon e, para o

penteado, o Sr. Castaing. Comenta o assédio de cambistas que venderam a

preços mais baixos os bilhetes para a apresentação do rei dos mágicos, o Sr.

Love, no teatro S. Pedro. Esse estabelecimento ficou lotado, o artista atrapalhado

e os espectadores revoltados. O cronista critica a má administração do teatro e a

resolução tomada por seu juiz nessa circunstância: a absolvição do Sr. Love, que

teria faturado muito dinheiro com a venda ilícita de bilhetes. Cobra também a ação

da polícia nesses momentos. Em seguida, transcreve o poema escrito em francês

pela Sra. Jenny Dazon em homenagem ao flautista Reichert. Elogia a publicação

da Semana dos Meninos, periódico privativo da infância idealizado pelo Sr. José

Manoel Garcia. Sobre as companhias dramáticas brasileiras, faz críticas severas à

distribuição dos papéis secundários das comédias e dos dramas então

representados. Propõe rápidas observações acerca do drama Prestigiador,

encenada no Ginásio. Alega não ter gostado da tradução do texto, sobretudo no

que tange aos afrancesamentos dos diminutivos e à repetição das palavras.

Enfim, compara a atuação dos atores desse drama com a dos artistas do

Pelotiqueiro em cena no S. Pedro.

Rio de Janeiro, tomo X, 26 de maio de 1861.

58. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 313-320

Discorre rapidamente sobre o transtorno causado por um anúncio de

145

Page 157: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

baile no Cassino, quando, na verdade, o evento caracterizou-se como um sarau

familiar. Carlos manifesta, em seguida, o seu desejo de ser deputado, senador

mais adiante e cronista por toda a vida. Critica a exploração do trabalho infantil, ao

prever o triste fim de um menino vendedor de balas instalado naquele momento

em frente ao teatro S. Pedro durante as noites de espetáculo. Anuncia a

representação da comédia Trabalho e Honra e recomenda aos leitores a

apreciação de tal trabalho no São Pedro. Comenta a atuação dos seus atores e

elogia o desempenho geral da companhia da casa de espetáculos subvencionada

pelo governo Imperial. Do Ginásio destaca a representação de peças como o

Demônio Familiar, produção que julga gerar geral satisfação, e As pitadas do tio

Cosme, opúsculo do gênero burlesco ao qual o cronista não quis aplaudir e

elogiar.

Rio de Janeiro, tomo X, 10 de junho de 1861.

59. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 375-382

Lamenta a monotonia em que se encontrava o Rio de Janeiro com a

chegada do inverno. Para superar o tédio na vida social e cultural durante essa

estação, convoca os leitores a falar em bailes, a marcar a entrevista para a

primeira representação do Ginásio, a conversar com os artistas e a não se

esquecerem dos caprichos da moda. Por isso, segue com a descrição do figurino

de modas oferecido naquela quinzena. Através da transcrição de um diálogo que

diz ter travado com um amigo francês recém-chegado da Europa, lamenta a

escassez de notícias que tortura os cronistas da corte. Nessa conversa teriam

discutido as dúvidas quanto à força das locomotivas da estrada de ferro D. Pedro

II cujo funcionamento precário estaria acarretando desconforto e atraso aos seus

passageiros. Reproduz uma cena parisiense narrada por aquele seu companheiro.

Tal episódio coloca em questão a concepção de beleza dos franceses com relação

aos húngaros. Anuncia a chegada de Mademoiselle Josefina Houssay, discípula

146

Page 158: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

da escola imperial de desenho de Paris que veio ao Brasil para oferecer seus

conhecimentos como mestra de artes. Relata a infelicidade da quinzena teatral: o

Ginásio estava abandonado pelo público, pois este não era capaz de aceitar a

representação de textos que infringissem os elementos da arte e da literatura

dramática; o teatro Lírico, por sua vez, obtivera êxito com a apresentação do

benefício promovido pela Sociedade Propagadora das Belas Artes.

Rio de Janeiro, tomo XI, 26 de junho de 1861.

60. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 57-64

O cronista elogia a execução de produções de Auber, Donizetti, Bellini,

Verdi e Rossini na noite de 19 daquele mês, na Associação Recreativa

Campesina. Destaca a atuação das cantoras DD. S* M* e M* S*. Questiona o

papel da polícia diante do abuso no que se refere à carestia dos gêneros

alimentícios. Faz referência à competição do algodão brasileiro com o algodão

americano no mercado europeu. Ao mostrar a superioridade do produto nacional,

incentiva os cultivadores do algodoeiro a fazer sacrifícios para que continuassem

no mercado com esperanças de indenização. Faz referência à guerra civil que

assola os Estados Unidos naquele momento, o que provocaria de um lado a

escassez de produtos importados daquele país pelo Brasil e, de outro lado, a

primazia do comércio do algodão brasileiro na Europa. Transcreve o poema

Aurora Brasileira da poetisa baiana D. Adélia Ribeiro que seria uma resposta à

produção do poeta português João de Lemos, intitulada Lua de Londres. Anuncia

a publicação de dois epigramas sob o título Espetáculo de hoje, em umas das

folhas diárias; um referia-se ao correio, o outro à loteria. Declara que foi triste a

quinzena teatral: S. Pedro continuaria a apresentar Sansão e o Ginásio, uma parte

de seu velho repertório. Do S. Francisco elogia a atuação da Sra. Adelaide na

comédia em dois atos As proezas de Richelieu. Critica a rivalidade entre os

artistas que já atrapalhava o andamento regular do Ginásio. Prevê, finalmente, o

147

Page 159: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

embaraço da companhia dramática nacional, casos essas lutas constantes não

fossem extirpadas.

Rio de Janeiro, tomo XI, 10 de julho de 1861.

61. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 121-128

Carlos anuncia a chegada do inverno e o fenecimento das flores que

adornariam os bailes daquela estação. Na falta de camélias, violetas, odaliscas e

malvas, apresenta às leitoras os modelos de vestidos oferecidos pelo editor da

Revista. Mostra sua indignação com as desconfianças de alguns leitores acerca

da narração de uma visão que aparecera a uma vítima do naufrágio da corveta D.

Isabel, na hora extrema. Relata, então, outro fato que possui pontos de contato

com aquela história e, para atestar sua veracidade, recorre às folhas parisienses.

Lamenta a situação do Teatro S. Pedro e comenta a injustiça cometida por esse

teatro ao atribuir à imprensa sua posição anômala, quando são os periódicos os

que ainda o defendiam. Convoca o despertar dessa empresa com a reforma de

seu repertório para a satisfação do público que prestigia seus espetáculos.

Anuncia o adiantamento da Filha dos trapeiros no Ginásio Dramático e a volta do

melhor modelo para os artistas dessa casa: o Sr. Joaquim Augusto. Da Europa,

informa o falecimento do conde de Cavour, o campeão da liberdade italiana.

Rio de Janeiro, tomo XI, 26 de julho de 1861.

62. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 185-192

O cronista anuncia a inauguração da estátua de D. Pedro I, em outubro

daquele ano, na Praça da Constituição. Informa as providências tomadas pelo

Instituto Histórico e Geográfico no que concerne à gratidão ao patriarca da

independência José Bonifácio de Andrada. Em sua homenagem, seria erigido um

148

Page 160: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

monumento na Praça S. Francisco. Discute a necessidade de um palácio que

substitua a antiga residência da primeira monarquia. Defende a construção deste

e daqueles monumentos como compromisso e dívida dos brasileiros para com a

História do país. Critica a falta de asseio das ruas e culpa o povo, a

municipalidade e a polícia pelo aspecto nauseabundo dos becos e travessas da

corte. Por isso, defende novamente a instalação das projetadas estátuas que,

segundo seu ponto de vista, trariam dois benefícios: a homenagem a

personalidades importantes e a conquista da salubridade pública. Lamenta o

falecimento do bacharel João Antônio Gonçalves da Silva, professor de geografia

e história antiga e medieval do colégio de S. Pedro II. Destaca o enriquecimento

da literatura dramática com a produção de Mineiros da desgraça, pelo Sr. Quintino

Bocaiúva. Tal drama foi representado no Ginásio pelos atores da companhia

dramática nacional. Comenta a opção do autor pelo que denomina “escola

moderna” no plano que traçou para seu trabalho, embora não tivesse seguido as

concepções daquela escola na pintura descarnada dos atos da vida. Anuncia

também a publicação dos dramas do Sr. L. A. Burgain reunidos sob o título Três

amores. Do teatro S. Pedro de Alcântara critica a representação de Romã

Encantada. Do Tyne e do paquete francês Navarre destaca as notícias do exterior.

Uma delas é o reconhecimento, por parte da França e de Portugal, do então novo

reino da Itália.

Rio de Janeiro, tomo XI, 10 de agosto de 1861.

63. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 248-256

Embora o fim do inverno estivesse próximo, o cronista aponta para a

permanência de capas e mantilhas nos estabelecimentos das ruas do Ouvidor e

da Quitanda naquele momento. Por isso, o figurino de modas descrito nessa

crônica leva em conta a necessidade de tais trajes num país de clima tão variado

como o nosso. Indica a casa de Mme Dazon para a compra dos artigos do

149

Page 161: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

vestuário, uma vez que esta acabara de receber pelo paquete inglês a criação

bem combinada do talento parisiense para a indumentária de uma senhora. Para a

aquisição de enfeites (fitas, flores e rendas) indica a casa dos Srs. Nepomuceno &

Carneiro à rua da Quitanda, 72. Destaca os bailes as Sociedade Campesina, em

31 de julho, e do Club, em 10 de agosto. Do primeiro, comenta a atuação dos

sócios que compunham a orquestra na execução de produções de Auber,

Donizetti, Reichert e Talberg. Comenta ainda a primeira apresentação da ópera A

noite rica, composição do Sr. Gamboa, um dos sócios daquela orquestra. Do Club

relata os boatos de alguns senhores, as quadrilhas e as valsas dançadas pelas

senhoras acompanhadas. Alerta para o vício que atinge a mocidade naquele

momento: os jogos de parada violentos. Cobra uma atitude da polícia que se

mostra passiva frente à propagação desse vício na sociedade fluminense.

Comenta os boatos acerca de um terremoto que teria ocorrido em Santos. Em

seguida, critica a atitude da polícia ao contribuir na fuga do professor Bráulio,

encarcerado numa casa de correção. Mostra-se indignado com a posterior

absolvição do sentenciado por parte da justiça. Do Ginásio destaca a primeira

representação do drama A filha dos trapeiros, dos Srs. Aniceto Bourgeois e

Fernando Dugué, da escola francesa. Narra o enredo da peça e comenta a

atuação dos atores Joaquim Augusto, Adelaide, Graça e Pedro Joaquim.

Rio de Janeiro, tomo XI, 10 de setembro de 1861.

64. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 377-382

Carlos critica o descaso do povo para com a comemoração naquele

ano da data que lembra a Independência do Brasil. Destaca a festa realizada no

Club Fluminense que contou com a presença de Suas Majestades. Descreve o

último figurino vindo de Paris e apresentado nessa crônica. Transcreve as

primeiras produções de duas jovens poetisas fluminenses cedidas por um amigo

apreciador da crônica da Revista Popular. Os poemas são assinados por Ann.

150

Page 162: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Silva e P. Silva. Comenta a estréia da ópera A noite do Castelo, do Sr. Antônio

Carlos Gomes, representada no teatro lírico sob a direção do Sr. Amat. Reconhece

não ter conhecimentos sólidos sobre a arte musical para criticar tal produção,

entretanto arrisca suas impressões pessoais e apresenta o que ouviu de

profissionais a respeito da peça. Relata a exposição de produtos nacionais e

artificiais trazidos da província do Ceará. Tal evento foi organizado pelo Sr. Dr.

Manoel Ferreira dos Lagos, no museu nacional. Do teatro S. Pedro destaca a

produção Angélica e Firmino, do Sr. Manoel de Araújo Porto-Alegre e, do Ginásio,

A torre em concurso, do Sr. Dr. Joaquim Manoel de Macedo. As peças subiram à

cena no dia sete de setembro. O cronista compromete-se em narrar o enredo das

duas comédias na quinzena seguinte.

Rio de Janeiro, tomo XII, 26 de setembro de 1861.

65. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 57-64

O cronista informa a inauguração do primeiro dique do Rio de Janeiro a

21 de setembro: o dique da Ilha das Cobras. Saúda o Sr. Conselheiro Paranhos,

então ministro da marinha, e o Sr. Law, engenheiro da obra, pelo empenho no

melhoramento feito em benefício dos navios da armada. Faz menção também ao

idealizador de tal projeto, o falecido marquês de Paranaguá. Comenta com ironia a

mais extraordinária notícia trazida pelo paquete inglês: a prisão de duas moças e

de um canário que juntos roubaram diversos estabelecimentos parisienses. Critica

a passividade da polícia frente à indústria da profecia exercidas nas ruas da

cidade (adivinhas e mulheres que lêem cartas). Expõe a opinião do Sr. Paulo de

Saint-Vitor, considerado um dos mais espirituosos colaboradores da presse

(imprensa francesa), acerca da estátua de D. Pedro I feita por Mr. Rochet e que

seria inaugurada brevemente. O jornalista considera o trabalho como escultura de

espantalho e retumbância. Carlos demonstra sua indignação frente a tais

comentários. Apresenta uma das respostas dadas às afrontas recebidas por

151

Page 163: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

europeus sobre os monumentos e as artes brasileiras: a resenha de um livro do

Sr. C. de S. sobre a nossa história artística. Aí o autor da obra combate, além do

folhetinista francês Saint-Victor, o pintor Biard que, em sua passagem pelo Brasil,

julgara as cores dos trajes das senhoras fluminenses como vistosas e espantadas.

Lembra o fato de ter a estátua eqüestre sido feita na França e por escultor francês,

o que evidentemente não influenciou a escolha do Sr. Rochet por figuras de

selvagens brasileiros presentes no referido trabalho. Convoca os leitores a confiar

nas produções de Carlos Gomes e Victor Meirelles que jamais profanariam a

música e a pintura para lisonjear a frivolidade parisiense. Daquele, destaca a

ópera Noite do Castelo e, deste, o quadro A primeira missa no Brasil, exposta na

academia de belas-artes. Terminadas a contribuição do escritor, Carlos se ocupa

da quinzena teatral. Do S. Pedro destaca a partida do ator Simões à Europa. Do

Teatro Lírico, o benefício de Carlos Gomes, na noite de 23. Faz votos a este artista

para que prossiga na carreira iniciada com tanto brilho e vocação.

Rio de Janeiro, tomo XII, 10 de outubro de 1861.

66. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 121-128

O cronista trata inicialmente das novidades trazidas naqueles dias pelo

paquete Tyne acerca da moda européia. Indica os estabelecimentos mais

adequados para a confecção dos figurinos desenhados por Júlio David e, em

seguida, descreve a gravura oferecida pela Revista. Destaca a reunião mensal do

recreio da sociedade Campesina que ocorreu em 30 de setembro, no Pavilhão do

Paraíso, onde afirma ter ouvido boa música. Entretanto, critica a execução de

óperas bufas fora do teatro, pois exigem movimentos artificiais pela impropriedade

do traje e, além disso, subordinam a melodia do canto aos trejeitos do corpo.

Convoca suas leitoras a contribuírem para a execução do concerto em benefício

dos pobres promovido pela Associação de caridade das senhoras. Transcreve a

resposta do Sr. C. L. à produção da Sra. D. Ann. Silva: trata-se da poesia Ao

152

Page 164: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

crepúsculo. Informa a publicação de Cantos épicos, do Sr. Joaquim Norberto de

Souza e Silva, que, em seis episódios, revelam o poeta e historiador do país que

lhe serviu de berço. Comenta rapidamente os aspectos de cada um desses

episódios intitulados Cabeça de Mártir, Coroa de fogo, Ipiranga, A visão do

proscrito, Festa no Cruzeiro e Guararapes. Anuncia e elogia também a publicação

do livro Desencantos, pelo Sr. Machado de Assis. Ao classificar tal produção como

um ensaio, prevê o futuro de Machado na literatura dramática. Carlos dá os

parabéns ao autor por sua estréia e confessa aguardar a ocasião de registrar nas

colunas da Revista uma outra produção sua de maior proporção. Incentiva os

leitores a prestigiarem a obra primogênita do Sr. João Barbosa Rodrigues, Livro

de Orlinda, injustamente condenado pela crítica. Elogia a primeira representação

em quatro atos do drama A história de uma moça rica, escrito pelo Sr. Dr.

Francisco Pinheiro Guimarães. A encenação dessa produção foi feita pela

companhia do Ginásio. Destaca a atuação da atriz Adelaide na peça. Relata,

finalmente, a representação da ópera-cômica Les diamants de la couronne,

composição de Scribe e St. Georges, instrumentada por Auber. Informa que tal

ópera fora executada pela companhia lírica no Teatro Provisório.

Rio de Janeiro, tomo XII, 26 de outubro de 1861.

67. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Carlos José do Rosário

Página: 187-192

Na última contribuição de Carlos na seção “Crônica da Quinzena”, o

cronista relata uma anedota que ouvira no dia anterior. Em seguida, informa o

prosseguimento da exposição de diferentes trabalhos das escolas francesa e

inglesa no salão da Pinacoteca. Narra a agressão de um norte-americano para

com um amador que contemplava com gestos de gozação o painel A primeira

missa celebrada no Brasil, do pintor Victor Meirelles. Transcreve a poesia Delírio,

oferecida pelo Sr. L. M. Pecegueiro. Do Ginásio destaca as doze representações

do drama A história de uma moça rica. Comenta, por fim, a atuação da companhia

153

Page 165: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

francesa na execução de Domino noir, Diamantes da coroa, Mosqueteiros da

rainha e Barbeiro de Sevilha, no Provisório.

Rio de Janeiro, tomo XII, novembro de 1861.

68. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 249-254

A crônica é iniciada pelo “Velho” – Joaquim Manuel de Macedo – com

dedicatórias a Carlos, assinatura que as leitoras encontraram nessa seção em

quase setenta textos. Informa que, no lugar do moço elegante, discreto e instruído,

encontra-se agora um velho rude, impertinente, maçante e antipático. Revela que

Carlos não abandonou a Revista Popular e convida os leitores a procurarem-no

com cuidado, pois se esconde atrás de um pseudônimo. Solicita aos interlocutores

que não zombem do atual cronista por ser velho. Compara-se ao Teatro

Provisório, que, com mais de um decênio, brilha ufano e garboso. Desta casa,

destaca outra representação de A Noite do Castelo, pela companhia da Ópera

Lírica Nacional. Relata as homenagens feitas ao autor da ópera, o Sr. Carlos

Gomes, no fim do segundo ato. Teria ele recebido uma batuta de ouro, enriquecida

de pedras preciosas e de ornatos alusivos. Após descrever o entusiasmo patriótico

do público, o Velho confessa um sonho que teve ao fechar os olhos quando Carlos

Gomes desceu do palco. Nesse sonho a batuta regalada falava. Ela previa o

brilhante futuro de Carlos Gomes e pede ao Velho que aconselhe o jovem artista a

estudar para vencer a distância que o separa de Donizetti, Rossini e Meyerbeer. A

batuta teme, por outro lado, ver o fim da Ópera Nacional, cujos cantores, todos

estrangeiros, impregnam nas peças escritas em português o sotaque de suas

línguas maternas (espanhol, francês, alemão). Apresenta ainda o desafio de

procurarem e engajarem artistas brasileiros na companhia chamada nacional. A

outra face da batuta previu, por sua vez, a realização desse desafio. Quando

desperta de seus sonhos, o cronista anuncia que no dia 08 Carlos Gomes

recebera uma insígnia brilhante de cavaleiro da imperial Ordem da Rosa, com

154

Page 166: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

uma carta manifestando a homenagem feita pelo Imperador. Honra semelhante foi

concedida ao pintor Victor Meirelles, autor do quadro histórico A primeira missa no

Brasil. A respeito da disputa entre Brasil e França pelo território do Oyapoc, relata

a defesa brasileira que não apelou para a força frente a grande potência européia.

A defesa foi feita, entretanto, com a publicação em Paris de O Oyapoc e o

Amazonas, obra em dois volumes, produzida pelo Sr. Dr. Joaquim Caetano da

Silva. A obra apresenta um estudo que comprova ser justo o reconhecimento da

área disputada ao Império brasileiro. Sugere a tradução da obra para que todos os

brasileiros pudessem apreciá-la. Informa, finalmente, o naufrágio de um dos

melhores navios de guerra a vapor, o D. Pedro II.

Rio de Janeiro, tomo XII, novembro de 1861.

69. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 315-320

Embora velho em anos, o Velho declara-se escritor novo e, por

conseqüência, incapaz de levar a cabo a sua segunda crônica com todos os

adornos da retórica. Dá os parabéns aos recém graduados da escola de Medicina.

Lamenta, entretanto, a carreira ingrata que seguirão esses jovens, ao alegar, com

conhecimento de causa, o árduo trabalho mal remunerado dos médicos. Faz

referência a uma nova companhia teatral que armou na Rua do Ouvidor o que

chama de “ratoeira” para o dinheiro do público: um teatro provisório. Relata a

experiência negativa de um amigo que fora três vezes seguidas àquele “teatro dos

ratos”. Anuncia a proximidade da primeira exposição industrial na capital do

Império. Demonstra sua ansiedade para o evento realizado no pátio da Escola

Militar com esperanças de que este ofereça grandes resultados para o futuro. Faz

elogios e propõe sugestões para a publicação do Parnaso Maranhense – volume

de poesias escritas por cinqüenta e dois autores, contando-se entre eles duas

mulheres, todos da província do Maranhão. Anuncia também a publicação em

folheto de uma memória a respeito da revolução de Pernambuco em 1817 e do

155

Page 167: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

procedimento do general Luiz do Rego, então governador daquela província. De

São Paulo destaca o romance então recém publicado do acadêmico Sr. João

Antônio de Barros Júnior intitulado Emílio. Outra obra destacada é a do Sr. Dr.

Manuel Duarte Moreira. Trata-se de primeiro do Pequeno Panorama, um estudo

histórico dos primeiros edifícios da cidade do Rio de Janeiro, dedicado a Joaquim

Manuel de Macedo (o cronista não se revela). Da Editora Garnier sairia em breve

a História do Brasil, de Southey, traduzida para o português pelo Sr. Dr. Luiz de

Castro. Seria também publicada, em dois volumes, a Nova Gramática Portuguesa

– Francesa, pelo Sr. Edouard de Montaigu. Da Bahia, destaca o drama publicado

em quatro atos Os homens de cera, do Sr. Dr. Cincinnato Pinto da Silva. Do Teatro

S. Pedro, anuncia o drama nacional Os mistérios da fortuna, do Sr. Dr. Joaquim

Antônio da Costa Sampaio e, do Ginásio, A resignação, do Sr. Dr. A. Varejão.

Rio de Janeiro, tomo XII, dezembro de 1861.

70. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 377-382

O Velho informa a inauguração da primeira Exposição Nacional em dois

de dezembro, aniversário do Imperador D. Pedro II. Comenta os artigos expostos

até então (produtos de manufatura) e anuncia a chegada de produtos naturais e

agrícolas de outras províncias. Lastima o fato de serem apresentados, no meio de

tantas máquinas, poucas destinadas aos trabalhos da agricultura. Observa que a

exposição nacional trouxe excelente material para representar o Brasil na

exposição de Londres e demonstrar que já possui, em parte, quase tudo o que

importa de outras nações. Destaca a necessidade de que tais exposições fossem

realizadas periodicamente e aponta uma segunda desse gênero no ano de 1864,

tendo em vista a exposição universal de Paris em 1865. Propõe uma exposição de

animais úteis, o que já se efetuava nas mais civilizadas nações da Europa.

Declara ter sido esta uma quinzena de lágrimas e de luto para a literatura pátria:

faleceram Antônio Gonçalves Teixeira e Souza e o prosador Manoel Antônio de

156

Page 168: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Almeida. Em seguida, aponta a alegria do retorno ao Rio de Janeiro do poeta Dr.

Antônio Gonçalves Dias, vindo do Norte do Império. Anuncia a contratação pela

sociedade dramática nacional do Ginásio de três artistas recém chegados à corte:

Gabriella, Moutinho e Amoedo. Louva o governo por nomear uma comissão

encarregada de estudar e de propor as medidas necessárias para se reformar o

teatro dramático nacional. Faz votos de que em 1862 tal empreitada fosse

concluída.

Rio de Janeiro, tomo XIII, dezembro de 1861.

71. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 60-64

O cronista faz um balanço sobre o respeito de direitos garantidos pela

constituição no ano de 1861. O primeiro ponto discutido é a segurança pessoal no

Brasil, sobretudo no que se refere à higiene pública (uma catástrofe na cidade do

Rio de Janeiro) Queixa-se do descaso do governo perante tal situação e das

péssimas condições de moradia dos pobres, casinhas instaladas sobre charcos,

verdadeiras fontes de tísica e de outras moléstias. Sobre o direito de propriedade,

lamenta a péssima atuação da polícia no combate aos assaltantes que violaram

casas e estabelecimentos da corte. Aponta como despedida do ano findo a chuva

contínua que caía desde de 17 de dezembro em pranto desabrido. Sobre a

quinzena propriamente dita destaca: a continuidade da exposição nacional; o

retorno da atriz Gabriella ao Ginásio; a publicação de dois volumes de poesias –

Flores Singelas, do Sr. Pais de Andrade, e, A Porangaba, do Sr. Juvenal Galleno

da C. Silva. Conclui recordando a mais triste notícia dos últimos quinze dias: o

falecimento, em 15 de dezembro, de Francisco de Paula Brito. Rende

homenagens ao homem que tanto encorajou os jovens poetas da nação.

Rio de Janeiro, tomo XIII, janeiro de 1862.

72. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

157

Page 169: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Página: 124-128

O Velho refere-se ao antigo costume de saudar os amigos e os

familiares pelas festas de fim de ano com frases simples e polidas. Lamenta ter

esse hábito saído de moda e, como velho que é, prefere ser démodé a deixar de

cumprir seu dever de homem bem criado. Cumprimenta seus leitores apelando

para o cultivo das virtudes em detrimento dos pecados capitais. Enumera, então,

sete dessas virtudes que oferece aos seus interlocutores no ano de 1862: a

humildade contra a soberba; a liberdade contra a avareza; a castidade –

sobretudo a alguns jovens e padres patuscos de seu tempo; a paciência contra a

ira; a temperança contra a gula; a caridade contra a inveja; a diligência contra a

preguiça. Todos esses conselhos são exemplificados com diversos fatos que

ocorriam tanto na esfera política, como social e artística da capital do Império.

Termina a crônica sem relatar fatos da quinzena, atitude que julga ser

compreendida e perdoada por seus leitores.

Rio de Janeiro, tomo XIII, janeiro de 1862.

73. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 185-191

O Velho inicia a crônica discorrendo sobre o mau tempo no primeiro

mês de 1862. Reconhece que as chuvas constantes afetaram o espírito do

cronista, afinal é velho, e os velhos temem o frio e a umidade. Não saiu muito à

rua na última quinzena também pelo receio de alguma catarral, moléstia de

velhos, que tem atacado também os jovens. Exemplifica a propagação de tal

doença com a morte do terceiro príncipe de Portugal, o falecimento do rei e do

príncipe Alberto da Inglaterra. Declara o encerramento da exposição nacional e o

início dos preparativos para o julgamento dos objetos expostos. Denuncia a

grande quantidade de apadrinhamentos para o recebimento do prêmio oferecido

pelo evento e justifica, mais uma vez, o seu encerramento em casa: teme que

alguma modista expositora de vestidos o aborde para que escreva a favor dela

158

Page 170: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

cartas de empenho aos componentes do júri que são amigos do cronista. Informa

a ameaça trazida pela chuva a outro velho do Rio de Janeiro: o morro do Castelo.

Tal construção estaria prestes a desmoronar, o que impeliu o cronista a reclamar

atitudes do governo antes que a indenização dos edifícios dos arredores se

tornasse mais cara. Anuncia a possível eclosão de uma guerra entre os Estados

Unidos da América Setentrional e a Inglaterra, provocada pela invasão de um

navio americano a um vapor paquete inglês. Alerta para o aparecimento de cólera

morbos nas províncias da Paraíba e de Pernambuco. Convoca medidas de

higiene urgentes à administração do Rio de Janeiro para que não chegue ali tal

epidemia. Felicita a composição do drama De Ladrão a Barão, do Sr. Francisco

Manoel Álvares de Araújo, representado no teatro do Ginásio Dramático. Lembra a

brilhante atuação daquele escritor na imprensa e aponta agora o seu talento no

cultivo das letras pátrias ao escrever para o teatro. Convida os leitores a

apreciarem tal produção, sobretudo pelo desempenho da companhia dramática do

Ginásio, que muito se empenha em dramas novos, especialmente nos de

composição nacional.

Rio de Janeiro, tomo XIII, fevereiro de 1862.

74. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 250-256

O Velho traz do paquete Southampton, entrado no dia 20 daquele mês,

a notícia de que o Estados Unidos e a Grã Bretanha teriam recuado frente à

eclosão de uma possível guerra entre ambas nações. Informa também a

intervenção de três países europeus no México: França, Inglaterra e Espanha.

Sobre este último, declara que não fará sucesso em sua antiga colônia, onde será

ressuscitado o ódio do passado de exploração. Destaca o progresso dos trabalhos

para que no dia 25 de março seja inaugurada, na Praça da Constituição, a estátua

eqüestre de D. Pedro I. O cronista, embora julgue adequada a data pela

lembrança do juramento da constituição do Império, teme as conseqüências que o

159

Page 171: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

sol abrasador desse mês trará aos presentes em tal solenidade, realizada ao ar

livre. Critica a sociedade em suas esferas política, social e artística, ao comparar

seus membros a animais: homens-aves, homens-quadrúpedes e homens-répteis

de todas as espécies. Surpreendeu-se, entretanto, por conhecer mais tarde o

artista circense Mr. Lenton, apelidado como homem-mosca. Tal artista passeava

de cabeça para baixo numa prancha lisa e suspensa em altura pela qual andava

sem apoio algum. Anuncia a publicação do Compêndio da Gramática Portuguesa

acomodado ao uso das escolas, pelos senhores Vergueiro e Pertence. Julga a

obra recomendável pela clareza e acerto do método e, ainda, pela riqueza de

regras e de preceitos aí expostos. Outra publicação destacada é a do romance Os

Mistérios da Roça, do Sr. Vicente Felix de Castro. Recomenda aos leitores a

leitura da obra para que entendam melhor a exposição que será feita sobre ela na

crônica seguinte. Dos teatros fornece o que chama “notícias telegráficas”: o S.

Pedro está em Martírios na Germânia; o Ginásio Lacrimeja abençoadamente; o S.

Januário meteu-se na Probidade e prepara-se para entrar em Trabalho e Honra.

Rio de Janeiro, tomo XIII, fevereiro de 1862.

75. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 315-320

O cronista anuncia a chegada do então último paquete francês ao Rio

de Janeiro que trouxe o Sr. Dr. Joaquim Caetano da Silva, ex-encarregado de

negócios do Brasil na Holanda. Louva e dá boas vindas a esse brasileiro não só

pelos serviços prestados como reitor e professor do imperial colégio D. Pedro II,

mas também pela publicação de sua obra Oyapoc e o Amazonas que contribuiu,

através de estudos e comparações de tratados, para a marcação da nossa divisa

de território com a Guiana Francesa. Aponta, em seguida, o abatimento das forças

do corpo e do espírito dos habitantes da corte causado pelo calor intenso. Critica o

sono dormido pelos políticos que aguardam o mês de maio para o início da nova

campanha. Lamenta a falta de bailes, já que dorme também a alta política das

160

Page 172: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

moças.

Rio de Janeiro, tomo XIII, março de 1862.

76. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 337- 382

O cronista comenta o sucesso alcançado pelas festas de Carnaval

promovidas na corte. Ironiza o dito que defende o Carnaval como festa de todos,

pois os ricos mascarados são atores e os pobres sem máscaras são meros

espectadores, quando não saem às ruas com fantasias confeccionadas de folhas

da coleção das leis do Império. Comenta a ocorrência do único incidente que

acometeu as festividades: o alerta de que o tablado do teatro Provisório cederia

devido ao peso da multidão. Faz, ironicamente, uma referência à promessa de

muitos foliões na quarta-feira de cinzas: “nunca mais!... maldito seja o carnaval...

até o ano de 1863”. Anuncia a proximidade do dia 25 de março, data da

inauguração da estátua eqüestre de D. Pedro I. Lembra a quem pertence a glória

artística desse monumento: ao artista brasileiro Sr. Mafra, que desenhou o projeto,

e ao escultor francês Mr. Rouchet, que trabalhou na confecção da obra. Sobre os

preparativos da solenidade, destaca a preocupação das damas com a escolha dos

vestido que usarão nesse dia e a expectativa dos homens no que se refere ao

recebimento de distinções e títulos de ordem política. Além dessa estátua, o Velho

aponta outras atrações que em breve os estrangeiros no Rio de Janeiro iriam

prestigiar: a estátua de José Bonifácio de Andrada e Silva, no largo de S.

Francisco, o Passeio Público e o canal da Cidade Nova regenerados. Em seguida,

cobra o que ainda deveria ser feito para o melhoramento da cidade: a atitude da

câmara frente aos despejos da praia D. Manoel e à falta de segurança no Passeio

Público. Menciona a publicação de duas novas obras do Sr. Dr. Chernoviz:

Medicina Popular e História Natural. Finalmente, apresenta o enredo seguido de

seus comentários críticos acerca do drama publicado em 1861, na cidade de São

Paulo, e lido naqueles dias pelos habitantes da corte: Estava escrito, do Sr.

161

Page 173: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

Joaquim Cândido de Azevedo Marques.

Rio de Janeiro, tomo XIV, março de 1862.

77. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 58-64

O Velho comenta a repercussão das premiações aos melhores

trabalhos da primeira exposição nacional do Brasil na qual teriam sido

apresentados produtos agrícolas, industriais e artísticos. Prevê os resultados

dessa exposição de 1861: o esforço da indústria em melhorar seus produtos, o

aproveitamento de máquinas pela agricultura e a conseqüente produção de

algodão. Reclama a urgência de agendamento de outra exposição nacional, a fim

de que o país se preparasse e apresentasse sua imensa riqueza com

antecedência. Destaca os preparativos para a inauguração da estátua eqüestre de

D. Pedro I que ocorreram na segunda quinzena de março. Faz uma breve

avaliação dos teatros da capital da corte: as companhias dos teatros S. Pedro, do

Ginásio e do S. Januário estariam abandonadas. Apela para a esperança

daqueles que amam a cena dramática a fim de que salvem tais instituições dessa

desanimadora situação. Ressalta que devido às chuvas torrenciais de 24 e 25 de

março a solenidade de inauguração da estátua eqüestre fora transferida para o dia

30. Finaliza sua crônica com a transcrição de um cântico feito à estátua eqüestre.

Rio de Janeiro, tomo XIV, abril de 1862.

78. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 122-128

O Velho situa a sua crônica: “estamos na Semana Santa”. Propõe,

então, uma investigação acerca da observação dos preceitos do catolicismo

durante a Quaresma e a Semana Santa. Apresenta com irreverência os resultados

desanimadores de tal pesquisa feita com uma moça de 18 anos, com uma

162

Page 174: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

senhora casada e com um padre. Ao confessar-se espantado com o “espírito

católico” da corte passa a outro assunto: a inauguração da estátua eqüestre em

homenagem a nossa independência e ao fundador do Império D. Pedro I. Destaca

a condecoração feita ao estatuário Mr. Rochet: uma comenda de Cristo que,

segundo o cronista, seria a recordação de que D. Pedro II sabia animar as artes e

encorajar os grandes artistas. Exalta o valor das palavras proferidas a Mr. Rochet,

que poderia então dizer à França como o povo brasileiro aprecia o belo e como o

nosso país já teria conquistado um alto grau de civilização. Naquela noite chuvosa

de 30 de março o teatro S. Pedro recebera o Imperador com a representação da

tragédia Cinna, composição dramática da antiga escola clássica, traduzida pelo

literato brasileiro Sr. Dr. Antônio José de Araújo. Destaca a atuação do autor João

Caetano dos Santos sob o papel de Augusto. Do teatro do Ginásio comenta o

benefício em 09 de abril do ator Vasques no drama Consciência, de Alexandre

Dumas. Comenta a atuação daquele ator e destaca o desempenho dos senhores

Amoedo, Pedro, Reis. Conclui a crônica com o registro de uma triste notícia: o

falecimento do escritor Emílio de Sena Pereira, em Petrópolis.

Rio de Janeiro, tomo XIV, abril de 1862.

79. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 182-188

Acerca da Semana Santa última declara, mesmo que correndo o risco

de ser chamado de Velho rabugento e ralhador: “agora há mais ostentação,

dantes havia mais religião”. Lamenta a pobreza dos sermões atuais comparados

às orações profundas e admiráveis proferidas outrora pelos religiosos S. Carlos,

Sampaio, Mont’Alverne e S. Daniel. Lamenta também o abatimento e a

desmoralização do clero do qual se ressentem todos os fiéis. Reclama a

necessidade de bons vigários, mas reconhece a infelicidade de tal observação

quando se recorda que ser padre era o fim daqueles que não tinham outro meio

de arranjar a vida. Estes eram os caminhos a qualquer “desarranjado”: ser

163

Page 175: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

homeopata, ser padre e ser cômico. Proclama indispensável a reforma do clero.

Anuncia uma notícia fresca: a abertura do corpo legislativo em 03 de maio com a

aprovação de reformas urgentes para o país. Falando em reformas indaga quando

ocorreria a do correio, instituição cuja morosidade dos serviços prestados

prejudicava toda a população. Dá a notícia de um incêndio que teria ocorrido em

28 daquele mês. Tal incidente não pôde ser contido porque as pipas d’água

ficaram atoladas num lamaçal. Reclama providências à edilidade quanto ao

lamaçal que tomou todo o Rio de Janeiro, sobretudo o Passeio Público.

Rio de Janeiro, tomo XIV, maio de 1862.

80. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 250-256

Informa a abertura do corpo legislativo em 04 de maio. Critica a atuação

dos deputados que se ocupavam até as duas da tarde em simplesmente eleger

comissões. Lembra que no seu tempo os deputados não procediam assim. Aliás,

antes eles usavam casacas, hoje, paletós. Tal moda teria sua justificativa: usando

paletós não ficaria explícito qual deles “viravam casacas”. Lamenta o falecimento

na primeira quinzena de maio de João Pedro da Veiga, ligado à municipalidade do

Rio de Janeiro e irmão do jornalista Evaristo Ferreira da Veiga. Destaca os

recentes serviços prestados pela casa do Sr. B. L. Garnier ao movimento literário

no Brasil: a tradução feita pelo Sr. Dr. Luiz Joaquim de Oliveira e Castro da

História do Brasil, de Roberto Southey, bem como a publicação do poema

Assunção, de Frei S. Carlos, e das Brasileiras Célebres, do Sr. Norberto de Souza

e Silva. Aponta a qualidade de impressão dos volumes publicados pela editora do

Sr. Garnier. Além dessas obras, registra também a publicação do primeiro número

da Biblioteca Brasileira com o título de “Lírica Nacional – folheto de 124 páginas,

contendo cantos e composições de 38 autores nacionais, bem como um artigo

intitulado “Estudo sobre a nacionalidade da literatura”. Parabeniza o Sr. Q.

Bocaiúva quem empreendeu tal publicação de radiante patriotismo. Após os livros,

164

Page 176: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

o teatro. Dois fatos resumem a quinzena teatral: a representação dos dramas

Redenção e Um casamento da época, ambos no Ginásio Dramático. O último

seria constituído de cinco atos produzidos pelo Sr. Constantino do Amaral Tavares,

uma promessa para o progresso do teatro nacional. A esperança da quinzena é a

organização da associação dramática “Ateneu Dramático”, no teatro S. Januário.

Lamenta a escassez de bons atores nacionais que se subdividem em diversos

teatros sem formar um bom teatro dramático. Do S. Pedro destaca João Caetano,

a quem considera inigualável na cena dramática, Ludovina, Martinho e Gusmão;

do Ginásio, Graça, Adelaide, Pedro Joaquim, Vasques, Amoedo. No “Ateneu”

figurariam Gabriella, Montani e Moutinho. Sugere o fim das intrigas e a união

desses bons artistas dissidentes para a formação de um bom teatro, capaz de

agradar ao público.

Rio de Janeiro, tomo XIV, maio de 1862.

81. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 314-320

O Velho faz alguns comentários acerca da repercussão da reunião do

corpo legislativos, ilustrando ironicamente as medidas tomadas pelos deputados

com os versos de Camões: “Depois de procelosa tempestade,/ Noturna sombra e

sibilante vento,/ Traz a manhã serena claridade, / Esperança de porto e

salvamento.” Após o relato das insanidades cometidas pelos deputados naquela

assembléia, convida os leitores a esquecerem as coisas tristes e distraírem-se nos

teatros. Comenta a repercussão da inauguração da companhia “Ateneu

Dramático”, no teatro S. Januário, com a representação da comédia Os Íntimos,

de Vitoriano Sardou. Dá as honras da noite à atriz Gabriela, cujo talento é

considerado promissor ao nosso teatro. Reconhece mais uma vez o sucesso do

drama Um casamento de época, do Sr. Constantino do Amaral.

Rio de Janeiro, tomo XIV, junho de 1862.

165

Page 177: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

82. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 379-383

O Velho demonstra sua satisfação com as notícias trazidas pelo último

paquete inglês sobre a presença do Brasil na Exposição Universal em Londres.

Destaca o papel pouco significativo do governo para o alcance desse sucesso e

eleva a contribuição da população que se esforçou desde a nossa primeira

exposição nacional para apresentar as riquezas do país. Cita os setores que

avultaram no evento londrino: a indústria manufatureira, a indústria agrícola, esta

representada pelo café e, sobretudo, pelo algodão que encheram de esperanças

as fábricas da Inglaterra ameaçadas pela guerra civil dos Estados Unidos.

Convoca o governo para que tome providências desde já para a próxima

exposição universal que se daria em Paris dentro de três ou quatro anos. Propõe

que desde já seja agendada a próxima exposição nacional a fim de que os

expositores se preparem com antecedência. Insinua ainda a construção de um

palácio para a realização de tal evento, indagando se seria essa uma despesa de

luxo. O cronista cobra providências a esse respeito aos ministros da agricultura e

das obras públicas: o Conselheiro Cansansão de Sinimbu e o Marquês de

Abrantes. Ao concordar que o governo não teria recursos suficientes para tal

empreitada, propõe o apelo ao patriotismo dos brasileiros, principalmente dos

capitalistas a fim de que colham os fundos necessários para a construção do

edifício de que se trata. Informa o naufrágio da Viamão nas noites de 9 e 10 do

corrente e lamenta os desastres constantes pelos quais tem passado a marinha

brasileira. Passa à matéria teatral, tecendo comentários sobre o drama A filha do

lavrador, representado pela companhia dramática nacional do Ginásio Dramático.

Critica o excesso de inverossimilhança no drama e destaca a atuação dos atores

Adelaide, Reis e Vasques. Confessa que agora o teatro dramático passa a

alimentar suas esperanças, aludindo brevemente ao caminho acertado pelo qual

vem seguindo o Ateneu Dramático. Anuncia a recente publicação de uma gazeta

dramática intitulada Mundo Dramático e finaliza sua crônica compartilhando seu

166

Page 178: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

contentamento em notar o enriquecimento da literatura dramática nacional com a

produção de jovens talentosos e aplicados.

Rio de Janeiro, tomo XV, junho de 1862.

83. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 59-64

O Velho declara que desde os primeiros dias de maio toda a política

parlamentar se resumia a poucas palavras: todos os nossos políticos estavam

liberais declarados. Destaca a repercussão que teve a primeira exposição nacional

do Brasil na Exposição Universal aberta em Londres naqueles dias. Lança um

novo desafio para o país: exposições periódicas de animais úteis. Reclama a

Ilustríssima Câmara as inundações noturnas provocadas por derramamento de

águas já usadas, sobretudo da freguesia do Sacramento. Cobra da Câmara maior

rigor na fiscalização dessa área. Ressalta a cautela já recomendada pelas folhas

diárias da capital acerca dos encontros e das colisões freqüentes das barcas da

companhia Ferry e Niterói. Sem ânimo para tratar das novidades teatrais e

literárias, finaliza sua crônica prometendo para a seguinte os comentários sobre as

estréias e as publicações da quinzena.

Rio de Janeiro, tomo XV, julho de 1862.

84. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

O cronista anuncia e censura alguns aspectos da obra Flores e Frutos,

do poeta do Grão-Pará, Bruno Seabra. Dentre as censuras feitas pelo Velho

destaca-se a que se refere à temática do amor: além do “amor da mulher” o “amor

da pátria” deveria também ter sido cantado naqueles versos. Após a censura, o

reconhecimento: declara que o poeta caminha direto para a conquista de um lugar

distinto entre os nossos bons vates. Ao informar que Bruno Seabra é professor de

francês da sociedade Ensaios Literários, relata a homenagem que aquele poeta

167

Page 179: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

recebera de seus alunos: a entrega de uma pena de ouro e a composição de um

poema recitado por F. T. Leitão, transcrita nessa crônica. Anuncia também a

composição do drama O cavaleiro D. Fernando, do Sr. Cândido José Rodrigues

Torres Filho. Elogia a produção que teria como assunto um episódio do famoso

romance cervantino, mas pondera: o autor mostraria tendências para a escola

clássica. O Velho afirma não censurar tal escolha, embora não compartilhasse as

mesmas idéias. Registra outras publicações daquela quinzena: a tradução do

drama de Dumas Le Marbrier, por José Victorio da Silva Azevedo; a tradução da

obra de Fénélon, Educação das meninas, por D. Ana Euquéria Lopes Cadaval; o

Novo sistema de estudar a gramática portuguesa, de José Ortiz; o segundo

número da Biblioteca Brasileira, por Homem de Melo. Finaliza a crônica com a

nota de falecimento de Justiniano José da Rocha em 10 de julho. Confessa ter

sido adversário daquele jornalista que, segundo o Velho, teria sustentado idéias

inconvenientes e contrárias ao bem do país. Entretanto, lamenta profundamente a

perda desse grande intelectual brasileiro.

Rio de Janeiro, tomo XV, julho de 1862.

85. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 190-196

O Velho lamenta a morte do poeta Gonçalves Dias, dada pela imprensa

no dia 25 de julho daquele mês. Revela o pesar de toda a nação frente a esse

fato, sobretudo o sentimento aflitivo de Sua Majestade o Imperador pela morte

daquele a quem o cronista considera “o nosso primeiro poeta”. Informa a presença

de S. M. o Imperador nas sessões do Instituto Agrícola. D. Pedro II teria

contribuído com donativos àquela instituição, o que garantiria um investimento em

recursos materiais para o desenvolvimento da produção agrícola da nação.

Passando às diversões da corte, elogia a atuação da companhia circense “Grande

Oceano” na capital do Império, embora reconheça que seu sucesso tenha

diminuído o número de espectadores dos teatros dramáticos. Lamenta o desamor

168

Page 180: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

do público fluminense pela cena dramática e, por isso, convoca os artistas para

que estudem mais e o governo para que atenda a essa questão com maior

seriedade. Reconhece os esforços que tem feito o teatro S. Pedro para agradar ao

público, elogia o empenho de João Caetano para esse fim, mas lamenta que o

empresário empregue tempo e dinheiro em dramas que mal pagam as despesas.

Embaraços materiais também eram crescentes na sociedade dramática nacional

do Ginásio, que também se empenhava em vão para agradar o público. Do

“Ateneu Dramático” destaca a aquisição do ator paulista Joaquim Augusto, a quem

o cronista se refere como “nosso melhor artista dramático – exceção feita a João

Caetano”. Convoca a colaboração do público para os teatros do Ginásio, de S.

Januário e de S. Pedro de Alcântara nesse período de crise enfrentado por suas

respectivas administrações. Mais uma vez mostra sua indignação com a

fragmentação de nossas companhias teatrais. Sugere que a reunião de bons

artistas poderia assegurar o desempenho dos dramas e garantir a presença dos

espectadores. Apela, então, para a harmonia e a aliança fraternal dos artistas

dramáticos, uma vez que o governo não quer e não pode ocupar-se com o teatro.

Promete para a crônica seguinte comentários acerca do melodrama À borda do

mar e sobre a comédia As garatujas.

Rio de Janeiro, tomo XV, agosto de 1862.

86. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 255-260

O Velho anuncia a chegada do paquete inglês no início daquela

quinzena que trouxe o desmentido da notícia que correra sobre a morte de

Gonçalves Dias. Em 07 de julho o poeta já se encontrava em Paris recuperando-

se da moléstia que o fizera mudar de ares. Noticia a ordenação de diáconos e de

subdiáconos pelo Exm. Bispo de Goiás, na capela do Sacramento do Mosteiro de

S. Bento. Aproveita a oportunidade para discorrer sobre a vocação sacerdotal:

missão a qual julga cheia de santidade, de sérios e graves deveres. Convicto de

169

Page 181: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

que os ordenados citados estão animados e impelidos por decidida vocação

ressalta esses anseios e a necessidade de instrução, bem como de virtude para

que alguém escolha tal caminho. Destaca a ausência do Exm. Bispo do Rio de

Janeiro naquela solenidade e faz votos para que sua saúde seja em breve

restabelecida. Critica a atuação da polícia municipal pela falta de rigor na

fiscalização dos despejos noturnos que tornam a cidade um lamaçal. Condena

ainda a retirada de mil arrobas de carne seca podre de um navio afundado perto

da Ilha das Cobras. O fedor advindo da manipulação desse produto estaria

incomodado os visitantes e a população local. Comenta a atitude da companhia do

Ginásio Dramático que se reunira em 10 de julho para nomear uma comissão

encarregada de redigir os estatutos de um montepio dos artistas dramáticos.

Embora acreditasse que essa atitude pudesse formar as bases da reforma do

teatro dramático no Brasil, critica a exclusão das demais companhias fluminenses

(S. Pedro e Ateneu) nesse processo. Do teatro político também aponta as

vaidades e os ciúmes pueris como os observados no teatro dramático: para um

partido uma idéia é boa ou má conforme a pessoa (partidário ou oposicionista) que

a concebeu. Pede, então, para que os artistas não se amofinem com as suas

impertinências de velho rabugento. Continua com os teatros. Louva a idéia

proveniente também da sociedade dramática do Ginásio em criar aulas relativas a

sua arte, mas pondera: se a intenção é criar um conservatório dramático vão

perder tempo esforços e recursos, porque tal empreendimento caberia ao governo

e este não pode ou não quer fazê-lo. Acrescenta ainda que para tal fim seria

necessário um professorado numeroso, o que despenderia muitos recursos dos

quais não dispõem qualquer companhia dramática. Além disso, estabelecida uma

escola dramática regular, haveria alunos de ambos os sexos das classes mais

pobres, o que implicaria o encargo com bolsas de auxílio àqueles que, mesmo

sem recursos financeiros, mostrassem mais talento. Conclama o governo para a

viabilização de tal empresa, mas desanima: raciocina sobre a avareza do Estado

sempre que se trata de proteger as artes e as letras. Informa que a companhia

circense “Grande Oceano”, de Spalding & Rogers permanece por pouco tempo na

170

Page 182: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

corte. Ressalta, finalmente a atuação do jovem paulista Antônio Carlos do Carmo

que figura com destaque entre os demais cavaleiros da companhia americana.

Rio de Janeiro, tomo XV, agosto de 1862.

87. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 317-324

O cronista toma uma figura representada pelo circo “Grande Oceano” –

o rei do Puff para defender a idéia de que no Rio de Janeiro a população viveria

mergulhada em puffs (interjeição de enfado utilizada pelos franceses). Refere-se

então ao caos político, cultural e social da corte, transcrevendo um puff a cada

aspecto mencionado. Em seguida, critica a extravagância de certos homens que

se dão o direito da chamada veia de doido, julgando –se originais e atormentando

o sossego dos demais com artigos parvos nos periódicos e com gestos de

intolerância a opiniões contrárias as suas no tocante à religião, à política, à

literatura e às artes. Passando ao terreno da política, o cronista ataca a agilidade

com que naquele momento resolveram os legislativos encerrar os trabalhos

acerca do orçamento da receita e da despesa do Império, deixando passar sem

cautela a questão da liberdade da navegação da cabotagem. Relata o espetáculo

de 26 de agosto no circo “Grande Oceano” oferecido em benefício à Sociedade da

Instrução. Comenta a dificuldade em resumir as notícias da Europa trazidas pelos

paquetes ingleses e franceses, uma vez que não chegam em tempo hábil para a

publicação detalhada na “Crônica da Quinzena”. Propõe um “faz de conta” que

surpreenderia as folhas diárias, como o Jornal do Comércio, o Mercantil e o Diário

do Rio, fingindo adiantar as notícias que seriam trazidas há dois ou três dias pelos

paquetes. Prevê então as novidades dos conflitos e das crises vividas na

Inglaterra, na França, na Itália, na Prússia, na Áustria, na Rússia, na Turquia, na

Espanha e em Portugal.

Rio de Janeiro, tomo XV, setembro de 1862.

171

Page 183: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

88. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 380-386

O Velho mostra-se indignado frente à falta de entusiasmo da população

na comemoração do aniversário do brado heróico do Ipiranga. Declara que o amor

da pátria é o amor que se resume todos os amores e, por isso, não se conforma

em observar tamanho desdém à festa nacional enquanto para qualquer evento

familiar são organizados festas e jantares. Louva a inauguração do Passeio

Público após as reformas realizadas sob a direção do Sr. Fialho. O cronista

aponta, entretanto, um defeito: a manutenção de um velho portão de ferro que

contrasta com as belezas realizadas recentemente. Atribui a culpa desse contraste

ao governo. Informa também a reforma da praça da Constituição e prevê o hábito

parisiense ao qual, aos poucos, as senhoras brasileiras que visitarão o local irão

aderir: sentar-se-ão nos bancos de pedra para serem vistas. Ressalta que o gosto

pela sombra e pelas flores de ambientes como este continuará a ser alimentado,

uma vez que famílias inteiras já desfrutam do Passeio Público regenerado, do

Rocio da Cidade Nova arborizada, e esperam desfrutar dos jardins da praça da

Constituição e do campo da Aclamação. Refere-se à ânsia da população em ver

este último ambiente livre do Teatro Provisório ao qual o cronista qualifica como

“feio colosso”. Louva o espírito de associação que se vai desenvolvendo no país,

agora confirmado com a reunião de alguns engenheiros aos quais o Velho atribui a

tarefa de serem “uma das alavancas da fartura grandeza do Brasil”. Chama a

atenção da Câmara Municipal para o foco de peste na Prainha cujo fedor tem

incomodado os habitantes daquela região e os passageiros da barca de Mauá e

de Sampaio que ali desembarcam. Elogia a atuação de jovens brasileiros que se

dedicam às letras nos meios acadêmicos e fora deles. Anima os estudantes da

escola de medicina do Rio de Janeiro que publicariam o primeiro número de

periódico literário Aplicação. Informa a organização de uma nova empresa lírica

nacional e italiana. Seus organizadores eram um maestro e dois poetas: os Srs.

Francisco Manoel da Silva, Joaquim Norberto de Souza e Silva e Dr. Antônio José

172

Page 184: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

de Araújo. Ressalta que a ópera nacional constitui-se uma instituição patriótica e

utilíssima, embora já tenha imprudentemente levado à cena óperas completas em

completo teatro quando deveria começar em modesta academia. Aponta ainda o

fato de ser a nossa companhia menos nacional que estrangeira, abrigando

cantores de todas as nacionalidades dos quais são poucos os que pronunciam

sofrivelmente o português. Prevê uma nova época para a nossa ópera nacional

contando, sobretudo, com o talento e o amor às artes do maestro Francisco

Manoel da Silva.

Rio de Janeiro, tomo XVI, setembro de 1862.

89. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 58-64

O Velho inicia a crônica assumindo um pecado: ter omitido a publicação

da segunda edição da obra Da natureza e limites do poder moderador, do

conselheiro Zacharias de Góes de Vasconcelos. Reconhece a importância do

trabalho e o atraso em que se encontra para corrigir a falta de não registrar na

“Crônica da Quinzena” a sua reedição. Para não cometer semelhante erro,

adianta-se em comentar a nova edição de poesias intitulada Unrania, do Sr. Dr.

Domingos José Gonçalves de Magalhães. O título, segundo o cronista, seria um

disfarce de um nome que a delicadeza esconde e que um santo amor está

despertando. O livro é, então, todo consagrado a Urânia. Recomenda, sobretudo,

a leitura dos cantos intitulados A noite de S. João, O rei e o poeta e O baile.

Anuncia a publicação do quarto número da Biblioteca Brasileira que contaria com

os esboços biográficos de Francisco Machado e Vasconcelos, Bernardo Pereira

de Vasconcelos, Evaristo Ferreira da Veiga e Visconde de S. Leopoldo. Elogia o

trabalho e a dedicação do Sr. Dr. Homem de Melo como autor desses esboços.

Faz alusão à representação do drama Virtude e vício, dos senhores Joaquim

Silvério dos Reis Montenegro e Antônio Francisco Duarte, em 19 de setembro, no

teatro S. Pedro de Alcântara. Tratava-se de um drama altamente moral cujo

173

Page 185: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

desenvolvimento apresenta situações que desenhariam bem a sociedade do

período. Elogia a obra dos dois jovens artistas, mas aponta dois defeitos: luxo de

estilo e exagero em certas idéias. Considera tais deslizes perdoáveis a estudantes

de 20 anos que hão de escrever bem e honrar a pátria, desde que estudem para

tanto. Convida os leitores a prestigiarem a peça na qual destaca a atuação da atriz

Ludovina. Informa a publicação do volume contendo a história da nossa primeira

exposição nacional. Tratava-se de um relatório geral da exposição apresentado

pelo Sr. Dr. Frederico Leopoldo César Burlamarque e os relatórios de outros cinco

júris especiais. Reconhecendo a impossibilidade de examinar cada um desses

relatórios numa só crônica, o Velho se compromete em dividir tal trabalho,

iniciando nesta quinzena com os relatórios sobre as Belas Artes, apresentado pelo

Sr. Dr. Henrique César Muzzio, e as Artes liberais e mecânicas, do Sr. Francisco

Joaquim Bithencourt da Silva. Finalmente, louva os trabalhos do Sr. Luiz Aleixo

Boulanger destinados à organização e à fiscalização dos trabalhos na câmara: o

Quadro Horário e o Espelho da Assembléia Geral Legislativa.

Rio de Janeiro, tomo XVI, outubro de 1862.

90. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 123-128

O Velho lamenta a censura constante da imprensa sobre os

periodiqueiros, os folhetinistas e os cronistas, como ele, que sem poderem

extrapolar certos temas, tornam-se monótonos e maçantes por repetirem assuntos

que não despertam grande interesse ao público. Critica a tolerância para com os

pedintes de esmola destinada a todas ou a quase todas as irmandades do Rio de

Janeiro com o objetivo de manter-se a decência do culto e o brilho das devoções.

Duvida que essas contribuições dadas aos homens de opa chegam à igreja e

lamenta o transtorno que tal costume tem gerado à população fluminense.

Aconselha aos que se precipitam em chamar o Velho de herege a inventarem

outros meios para sustentarem suas irmandades. Ressalta que é indispensável

174

Page 186: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

acabar com a indústria da opa e da bacia, pois podem existir farsantes que

exploram os pobres contribuintes para a obtenção de dinheiro às custas do nome

de um santo. Censura a administração da capital pela falta de organização do

sistema de despejos feitos por pipas que, ao contrário dos antigos barris

carregados por escravos, rodam vagarosas de porta em porta deixando no ar o

fedor insuportável de águas servidas. Observa que, embora haja polícia bem paga

na corte, são constantes os despejos noturnos nas ruas e nas praças, bem como

os ataques de ladrões às residências. Cobra da Ópera Nacional a execução da

obra A Louca, composição do jovem paulista Elias Álvares Lobo. Finalmente,

anuncia uma nova publicação literária na corte: o Museu Literário, que estrearia

com a tradução do romance Por causa de um alfinete, de J. T. de Saint-Germain.

Rio de Janeiro, tomo XVI, outubro de 1862.

91. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 185-192

O narrador-repórter inicia a crônica com uma resposta dada à polêmica

levantada no Correio Mercantil de 25 de outubro referente à opinião expressa na

crônica da quinzena acerca da decadência em que se encontrava a Ópera Lírica

Nacional. Reafirma o seu ponto de vista ao alegar que seus receios quando da

criação da ópera nacional e italiana eram referentes à nulificação da idéia da

nacionalidade, uma vez que a empresa contrataria cantores estrangeiros. Critica o

investimento a uma companhia de canto italiano, quando o governo nega-se a

investir num teatro dramático para o qual trabalhariam verdadeiros escritores

nacionais. Critica mais uma vez a empresa da Ópera Nacional pelo desprezo dado

à ópera A Louca do Sr. Elias Lobo que retornava a São Paulo levando consigo sua

partitura após oito meses de espera e promessas de execução da mesma. Indaga

a validade de investimentos dos cofres públicos numa instituição que não tem

considerado o trabalho de artistas, compositores e escritores nacionais. Cobra

atitudes da Câmara Municipal com relação à fiscalização da limpeza e do asseio

175

Page 187: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

das ruas, das praças e dos quintais para que seja evitada a invasão de moléstias

como a cólera e a febre amarela. Chama a atenção do governo para casos como

o ocorrido no dia 26 de outubro em que músicos espanhóis, ao oferecerem

execução da fragata Resolución aos espectadores do Passeio Público, foram

vaiados e ofendidos moralmente. Indaga sobre o papel da polícia nesses

incidentes e lamenta a quebra da justa reputação de amabilidade e benevolência

de que gozam os brasileiros na recepção e no tratamento dado aos estrangeiros.

Informa a inauguração da Exposição Geral das três nobres artes por S. M. o

Imperador em 17 de outubro. Foram expostos trabalhos de pintura, escultura e

gravura nas sete salas do palácio imperial. Louva o comparecimento de

apreciadores e curiosos a essa exposição, e conclama a imprensa periódica da

capital do Império a examinar, estudar e criticar com verdadeiro interesse os

produtos expostos. Compromete-se a fazê-lo na crônica da quinzena seguinte.

Demonstra entusiasmo com o incentivo dado pelo público, pela imprensa e pelo

Imperador aos artistas, mas lamenta a falta de compradores para os seus

trabalhos, a fim de atender, nas palavras do cronista, “a barriga vazia” de pintores

e paisagistas que abandonam o honroso e o patriótico métier e seguem como

retratistas ou pintores cenográficos. Ataca a falta de mecenas em nosso país,

tanto por parte dos nobres, quanto do governo. Dirige-se a este principalmente

com a acusação de que preferem investir 130 contos ou mais anualmente a

“garganteações italianas” no teatro lírico a um vintém para se animarem as artes e

os artistas nacionais.

Rio de Janeiro, tomo XVI, novembro de 1862.

92. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 309-316

O Velho informa a exumação dos restos mortais de Estácio de Sá, em

16 de novembro, na igreja e S. Sebastião do Castelo. Participaram do ato os

representantes do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB) e o Imperador

176

Page 188: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

D. Pedro II. Aquele instituto decidiu em sessão realizada a 21 de outubro que os

ossos do primeiro fundador do Rio de Janeiro seriam solenemente depositados na

mesma sepultura em que descansavam desde 1567. Tal solenidade ocorreria em

20 de janeiro de 1863, data que remete ao ataque dirigido por Mem de Sá e por

seu sobrinho Estácio de Sá aos franceses estabelecidos e fortificados no Rio de

Janeiro. Acusa o governo pelo desdém até pouco tempo àqueles que se

dedicavam ao estudo da história pátria. Louva a contribuição dada pelo IHGB em

prol do desenvolvimento do gosto e do interesse por tal estudo. Graças a

incentivos como esse e à implantação do curso de história nacional nos colégios

do Império, muitas obras sobre essa temática começaram a ser escritas. Destaca

e recomenda, entretanto, uma obra que antecede ao então interesse pela História

do Brasil: a History of Brazil, de Robert Southey. Como foi escrita em inglês, língua

a qual não encara tão comum como a francesa, informa a possibilidade de

conhecer o livro de Southey em português, graças à recente tradução oferecida

pelo Sr. Garnier. Ressalta o valor de uma tradução bem feita, pois considera

imprescindível que o tradutor entre conscienciosamente na alma e chegue até o

coração do autor. Garante a fidelidade da tradução oferecida pelo Sr. Garnier, que

teria saído das mãos do Sr. Dr. Luiz Joaquim de Oliveira e Castro. Informa que

acompanham esse trabalho as notas do Sr. Cônego Dr. Fernandes Pinheiro, a fim

de corrigir as possíveis inexatidões sobre a História do Brasil nas quais o autor

incorrera. Comenta que no dia 10 de novembro o Sr. Luiz Jacome de Abreu e

Souza reunira no circo eqüestre da Guarda Velha mais de duzentas pessoas para

lhes dar o prazer de apreciar um ensaio de seu processo de domar cavalos

bravios. Observa ironicamente que tal sistema de dominação já era

instintivamente posto em ação pela mulher para domar o homem desde o início do

mundo. Espera que os políticos não utilizem tal método nas suas lutas para

conquistar o poder, pois repugna a idéia de amansar o povo para levá-lo ao

cabresto. Chama a atenção dos leitores para o fato de que há três semanas não

se ocupava de notícias teatrais. Explica o seu silêncio alegando desânimo.

Declara que o nosso teatro dramático chegou a sua época de mais completa

177

Page 189: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

decadência. Mais uma vez dirige-se ao governo que investe em um teatro de

música (a ópera lírica nacional que na sua opinião será tudo o que quiseram,

menos nacional) e se esquece da criação de um teatro dramático nacional, uma

instituição civilizadora e indispensável. Confessa possuir ainda algumas

esperanças a esse respeito. Finaliza sua crônica alegando que ela já teria se

estendido muito para as forças de um velho cujos dedos tremem e cuja vista é

fraca. Adia, então, o registro das novas publicações que se deram naqueles dias

no Império.

Rio de Janeiro, tomo XVI, dezembro de 1862.

93. Título da matéria: Crônica da Quinzena

Autor: Joaquim Manuel de Macedo

Página: 362-368

O Velho inicia a crônica colocando em cheque o ditado que prescreve

ser de mau gosto encetar uma conversação a respeito do bom ou do mau tempo.

Coloca em cheque também a repugnância a palavras e a termos banidos dos

escritos decentes citando a obra de Victor Hugo Os Miseráveis. Nela o autor

francês tratou longamente dos esgotos de Paris e não houve quem não aplaudisse

essas páginas de seu romance social. Desafia o mais hábil folhetinista a não

iniciar nas circunstâncias em que se encontram os teatros falando do calor que

motiva as famílias a tomarem sorvetes na rua Direita e a abandonarem os

abafados teatros fluminenses. Passa de um assunto ameno a outro tristíssimo: os

repetidos casos de ataques cerebrais observados naqueles últimos dias por conta

da instabilidade climática. Volta as costas à lúgubre matéria para dirigir-se aos

círculos e aos salões mais distintos da capital. Desilusão: quem tem recursos

financeiros se retira da cidade nesse tempo para se refrescar em Petrópolis, em

Nova Friburgo e na Serra. Depara-se mais uma vez com o tempo e o calor ao

encontrar com amigos que justificam a morosidade dos eventos e dos trabalhos da

corte ora com o pretexto do sol, ora com o pretexto da chuva. Ao contrário do que

fazem seus compatriotas maldizendo o sol e a chuva, o cronista louva o calor e a

178

Page 190: MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA ...repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270272/1/Abreu...Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp Ab86m Abreu,

umidade, alegando que a esses fenômenos já foi muitas vezes atribuído o

progresso e o desenvolvimento da cafeicultura brasileira. Observa que os meses

de novembro e dezembro são dedicados aos discursos em diferentes instituições

do Rio de Janeiro. Declara, com ironia, que não consta nesse ano a existência de

solenidades de distribuição de prêmios e discursos no Instituto dos Surdos-Mudos,

o que considera uma pena, pois aí não haveria fadigas nem bocejos diante de um

orador prolixo. Informa a simulação de ação belicosa em 05 de dezembro, na

Praia Vermelha. Considera prudentes trabalhos com este, pois mesmo não

apresentando tendências para a guerra, o Brasil possui vizinhos aos quais o

cronista considera incômodos e perturbadores da paz. Afirma ter sido 1862 o ano

de benefícios anunciados pelos teatros dramáticos. Mais uma vez ataca a

indiferença do governo para com o teatro nacional, que desprezou

silenciosamente artistas, autores e público. Confirma o boato de que a Revista

Popular desapareceria de cena. Admite que com ela o Velho recolhe-se aos

bastidores e morre para os seus leitores, sem pedir perdão e nem deixar o

testamento de suas riquezas (juízos e idéias). Pondera: a Revista não morre, mas

metamorfoseia-se, vindo diretamente de Paris, segundo o último rigor da moda.

Finalmente, despede-se de seus leitores com a sugestão de que ele mesmo

também se metamorfosearia, assumindo um novo nome para adequar-se ao

próximo empreendimento de Garnier (o Jornal das Famílias).

179