mobilidade urbana em são luiz

Upload: ana-gabriela-reis

Post on 09-Jul-2015

128 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Organizadores Jos O. Alcntara Jnior Jeferson Francisco Selbach

Mobilidade Urbana em So Luis

So Luis/MA EDUFMA 2009

FICHA DE CATALOGAOALCANTARA JR, Jos O.; SELBACH, Jeferson Francisco (orgs). Mobilidade Urbana em So Luis. So Luis/ MA: EDUFMA, 2009, 116p. il. ISBN 978-85-7862-057-8 CDD 300 - Cincias Sociais

Capa: Terminal para conexo de nibus em So Luis Impresso na verso eletrnica - e-book

Os artigos deste livro foram apresentados na Mesa-Redonda Mobilidade Urbana em So Luis, dentro da V Jornada Maranhense de Sociologia, ocorrida em 17 de novembro de 2008, com exceo do convidado especial, Stephan Tomerius

Projeto grfico: Jeferson Francisco Selbach Edio desenvolvida atravs do projeto e-ufma Visite www.eufma.ufma.br e saiba mais das nossas propostas de incluso digital

Basta de tanto acidente No seja imprudente Subir ao pdio assim no d, meu Brasil Seja mais consciente A vida um presente Chegou a hora de mudar Sai desse pega, muleque Pisa no breque Tem algum a te esperar Veja a harmonia do sol e da lua Um exemplo a se espelhar Pare, pense Olha a sinalizao Proteja quem te ama Siga em paz na direo No corra, no mate, no morra, pegue carona com a Mocidade Educao no Trnsito (2004)

Universidade Federal do Maranho Administrao Natalino Salgado Filho Diretor da Imprensa Universitria: Ezequiel Antonio Silva Filho

Este livro foi autorizado para domnio pblico e est disponvel para download nos portais do MEC [www.dominiopublico.gov.br] e do Google Pesquisa de Livro De acordo com a Lei n.10.994, de 14/12/2004, foi feito depsito legal na Biblioteca Nacional

SUMRIO

SUSTENTABILIDADE URBANA FRMULA MGICA OU MAIS UMA MODA? Stephan Tomerius MOBILIDADE URBANA NOS CDIGOS DE POSTURA DE SO LUIS/MA Jeferson Francisco Selbach NA TRILHA DA MODERNIZAO: UMA ANLISE DA MOBILIDADE DOS BONDES ELTRICOS EM SO LUIS DO MARANHO Maria das Graas do Nascimento Prazeres OS DESAFIOS PARA O USO DO AUTOMVEL NO ESPAO URBANO DE SO LUIS Joo Ricardo Costa Silva MICROSOCIOLOGIA DA SOCIABILIDADE NA MOBILIDADE URBANA Jos O. Alcntara Jr.

11

21

49

71

87

SUSTENTABILIDADE URBANA FRMULA MGICA, UMA MODA A MAIS ?Stephan Tomerius*

H pouco tempo um treinador de futebol da equipe Bayer Leverkusen disse em entrevista para a televiso que o nosso futebol tem que ser mais sustentvel, a sustentabilidade nosso maior princpio em nosso clube!. Em outra ocasio, um importante gerente do Deutsche Bank ainda um pouco conturbado por causa da crise financial mundial explicava: No futuro o sistema e a reparao dos mercados financiais do mundo definitivo tem de ser sustentveis. No temos certeza exata da razo pela qual o treinador e o gerente incluram em suas declaraes a questo da sustentabilidade, explicitando ao lado da dimenso econmica uma dimenso ecolgica e social. Atualmente, um problema para o conceito da sustentabilidade o uso do termo em amplo sentido, com vrios objetivos e em praticamente todas as reas. difcil evitar que um termo da moda seja usado por todo mundo. Tambm os polticos esto desenvolvendo mais e mais afinidades pelo conceito. Por que?* Professor Dr. jur. Universidade de Cincias Aplicadas de Trier (Fachhochschule Trier), Campus Ambiental (Birkenfeld Umwelt-Campus Birkenfeld - UCB), Departamento Economia ambiental/Direito ambiental (Fachbereich Umweltwirtschaft/ Umweltrecht), Centro de de Proteo do Solo e de Gerenciamento de reas (Zentrum fr Bodenschutz und Flchenhaushaltspolitik). E-mail: [email protected]

12

Stephan Tomerius

Sustentabilidade urbana

13

Por que sustentabilidade soa moderno, como frmula mgica para identificar e resolver os problemas complexos da sociedade, integrando os interesses dos cidados. Por outro lado, o conceito infelizmente fica bastante indistinto e muitas vezes praticamente no explica nada. O conceito de sustentabilidade foi, originariamente, tratado como princpio maior para os poderes pblicos, o qual equilibraria interesses ecolgicos, econmicos e sociais nas polticas pblicas, considerando os efeitos dos seus programas e suas estratgias para as geraes futuras. Neste sentido, torna-se problemtica a perda de preciso e orientao do conceito de sustentabilidade para a prtica pblica. Isto relevante especialmente para a prtica urbana, para o nvel em que a grande maioridade das decises pblicas tem conseqncias prticas na qualidade da vida dos cidados, no presente e no futuro. Sustentabilidade urbana: O que diriam os cidados? Vamos aproximar-nos do tema sustentabilidade urbana por outro tica, na perspectiva da funo e da meta das estratgias e polticas urbanas. Imaginemos uma entrevista com um cidado comum. Partimos do princpio que o bem-estar o foco central do desenvolvimento e planejamento urbano. Perguntaramos: Quais seriam os elementos principais de uma boa poltica na sua cidade? Sob quais circunstncias voc desejaria que fossem implementadas? Quais assuntos voc acha mais importante para sua vida e para a vida de sua famlia na sua cidade? Alm dos desejos gerais emprego garantido e renda adequada, melhoria do sistema de servios em sade, qualidade da educao etc. cujas mudanas dependem sobretudo das esferas federais e estaduais, ainda assim restariam vrios assuntos importantes para os cidados poderem concretizar a caixa-preta da sustentabilidade, nos moldes das competncias urbanas. Em outras palavras: os desejos dos cidados no so automaticamente idnticos com os elementos da sustentabilidade urbana, mas podem ser partes dela (e muitas vezes so), como objetivos importantes, esclarecendo e concretizando o desafio do conceito da sustentabilidade urbana.

Nas possveis respostas dadas pelos cidados, provavelmente predominariam assuntos classificveis e resumidos na expresso qualidade da vida. Para organizar e garantir uma boa qualidade de vida urbana, a cidade deve cobrir tarefas diversas, nas reas da economia, da ecologia e dos interesses sociais, muitas vezes com entrecruzamentos e interdependncias entre eles. Podemos exemplificar com os grandes temas de sade pblica, como o ar limpo e a gua limpa no centro da cidade e nos bairros residenciais. Alem disso, os temas relativos aos espaos pblicos, como criao e manuteno das reas pblicas para atividades sociais e culturais e tambm das reas verdes, como parques e praas onde se descansa da agitao e pressa cotidiana da cidade. Tem-se o desenvolvimento e melhoramento do sistema de transporte pblico, seguro e acessvel para as classes menos abastadas e que pode servir de alternativa tambm para as classes abastadas, diminuindo o trfego individual, dependente do automvel, problema atual para grande parte das cidades, especialmente as brasileiras, que assemelham-se a um enfarte urbano, dia aps dia. Isto um bom exemplo para as interdependncias econmicas, ecolgicas e sociais no desafio da sustentabilidade urbana: os cidados no automvel, abstrados no congestionamento, motoristas e pedestres no meio das emisses lesivas, dirigindo apressados para chegar o quanto antes, s vezes arriscando suas vidas e a vida das outras pessoas, participantes da selva do trfego urbano. evidente a necessidade do desafio de planejamento territorial, a respeito da economia urbana, como do tempo e dos atrasados, dos custos e dos investimentos necessrios de regular o caos urbano devido aos congestionamentos, da ecologia urbana com as emisses de CO e dos interesses sociais, como sade, custos do transporte pblico, estresse geral na cidade congestionada. Caminhando para uma cidade sustentvel: situao inicial e pontos de presso A situao inicial para uma cidade que busca enveredar pelo desenvolvimento urbano sustentvel complicada. bem conhecida e geralmente no difere de regio para regio, seja na Europa ou

14

Stephan Tomerius

Sustentabilidade urbana

15

mesmo no Brasil. H muitos atores diferentes com interesses diferentes, h clientelas polticas e lobbies exercendo influncia forte sobre a poltica urbana e grupos de cidados comuns com influncia bem menor. Os maiores desafios gerais para as decises estratgicas e especialmente para o planejamento urbano so: - equilibrar o crescimento da cidade e a sustentabilidade atendendo as conseqncias ecolgicas, econmicas e sociais de mdia e longa durao; - desenvolver e fortalecer os fatores de qualidade de localizao das cidades e regies, entre outras, para atrair e manter as empresas e os cidados. Evidente que na vida real existem pontos de presso no caminho da cidade que se quer sustentvel. H necessidade de planejamento a longo prazo, mas geralmente existe presso poltica para alcanar xito a curto prazo. Um exemplo a construo de shopping centers fora da rea urbana, nas chamadas reas agriculturveis ou verdes, onde inexiste ligao de transporte pblico, o que acabar gerando, futuramente, grande fluxo de automveis, agravando o congestionamento e piorando as emisses deletrias na cidade, alm de criar grande presso nos pequenos comrcios localizados na rea central. Tais empreendimentos, postos inicialmente como progressistas, escondem futuras conseqncias negativas. Alm disso, muitas vezes existe competio entre as cidades para atrair investidores e habitantes que gerem impostos municipais, resultando num egosmo municipal da perspectiva predominantemente econmica. Nesta corrida municipal, os assuntos ambientais e sociais correm o risco de cair para segundo plano. Neste contexto, a proteo ambiental e as normas sociais e ecolgicas so entendidas como desvantagens na competio entre as cidades. Disto resulta a dificuldade em delimitar o conceito de sustentabilidade para angariar adeptos, algo necessrio cidade que busca tornar-se sustentvel. O que exatamente desenvolvimento urbano sustentvel? O que significa isso na prtica urbana? H exemplos claros e prticos, mostrando as possibilidades

em se criarem projetos urbanos economicamente, ecologicamente e socialmente bem-sucedidos? A importncia de bons exemplos. Sustentabilidade pode se vender Para desencadear a dinmica da sustentabilidade urbana, so necessrios exemplos prticos, mostrando que sustentabilidade pode se vender. Estratgias e projetos com proveitos para atores econmicos, sociais e ecolgicos podem ser bem sucedidos para a poltica urbana e seus parceiros privados. Uma estratgia de re-ocupao de reas urbanas degradadas ou abandonadas, pode ter diversos vencedores. Um projeto pensando na perspectiva da sustentabilidade, no s remediaria o solo contaminado objetivando diminuir os riscos dos lenis freticos, melhorando assim a sade pblica, mas tambm poderia estabelecer projetos com novas oportunidades de empregos, especialmente novas empresas, que empregariam jovens qualificados, ao mesmo tempo revitalizaria setores ou bairros socialmente difceis, melhorando as circunstncias nas proximidades na cidade. A prtica urbana na Europa mostra que alguns exemplos realizados nesta perspectiva podem estimular outras cidades, que repetem tais estratgias na tentativa de melhorar a qualidade da vida em seus bairros. Outra rea possvel de demonstrar que sustentabilidade urbana pode se vender a do transporte pblico. As cidades bemsucedidas no estabelecimento de melhorarias do sistema do transporte pblico podem mostrar as vantagens na qualidade da vida urbana, como a contribuio na diminuio das emisses, e as circunstncias sociais para os cidados, atravs da melhoria da acessibilidade e da infra-estrutura. Projetos residenciais ou comerciais deveriam ser planejados ao lado das linhas de transporte pblico j existentes para reforar o rendimento do transporte pblico e diminuir emisses e congestionamentos gerados pelo trfego de automveis. Estratgias e instrumentos para a sustentabilidade urbana nos moldes da Poltica Nacional Urbana As cidades brasileiros tem instrumentos modernos para dirigir e qualificar o planejamento urbano no sentido da sustentabilidade

16

Stephan Tomerius

Sustentabilidade urbana

17

urbana. O Plano Diretor instrumento maior e obrigatrio para as cidades com mais que 20 mil habitantes pode desencadear uma mudana estratgica nesse sentido. O Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, reforou a importncia dos aspectos ambientais no planejamento urbano. Deixou claro que entre outras obrigaes legais todo municpio deve levar em conta no seu planejamento urbano as questes ambientais relativas s reas verdes, poluio, estudos ambientais em geral (incluindo avaliao de impacto ambiental - AIA, estudo de impacto de vizinhana) dentre outros instrumentos. Na Unio Europia, a Avaliao de impacto ambiental (AIA) est tocando um papel muito importante para avaliar as conseqncias do planejamento urbano. H diversos exemplos onde esse instrumento funciona como avaliao sustentvel, integrando a avaliao das conseqncias do planejamento urbano nas reas da economia municipal e tambm dos interesses sociais. Usando os instrumentos no planejamento urbano estrategicamente para acentuar a poltica urbana sustentvel, as cidades podem melhorar o planejamento em si e qualificar os projetos sejam pblicos ou em parcerias pblico-privadas integrando iniciativas e tcnicas inovadoras, como sistemas descentralizados e eficientes dos servios de gua e das energias renovveis nas novas reas residenciais ou comerciais. Projetos como esses oferecem chances promissoras para empresas inovadoras, desenvolvendo tecnologia de ponta e trazendo benefcios para o clima da cidade, reduzindo, inclusive, o custo para os moradores da cidade. As cidades e regies como mantenedores da sustentabilidade: responsabilidade, caractersticas tpicas e chances urbanas e regionais no futuro significativo entender que desse jeito as estratgias dirigidas da sustentabilidade urbana podem funcionar como motor na concorrncia das cidades para as empresas e para os cidados. Cidades europias que conseguem manter e melhorar suas bases econmicas e ecolgicas vislumbram a importncia de fatores soft e esforam-se nas polticas urbanas na qualidade da vida dentro da cidade, como uma cidade verde com parques, na oferta da cultura e das possibilidades para esporte urbano, no sistema do

transporte pblico, na beleza da natureza fora da cidade para atrair os investidores e as empresas. Nesse sentido, torna-se importante usar o planejamento territorial estrategicamente para manter e melhorar as caractersticas municipais e regionais e as foras tpicas da cidade e da regio. Tem-se como exemplo o turismo, onde o planejamento urbano sustentvel deve considerar a beleza da natureza da regio, no s para o valor dela em si, mas tambm para as chances da economia turstica. Estratgias de desenvolver um soft tourism (turismo suave ou eco-turismo), respeitando o valor e as chances da natureza tpica na mesma regio, poderiam ser um caminho adequado e bemequilibrado. Finalmente, significativo constatar que no futuro as cidades, junto com seus parceiros privados, tm grande responsabilidade para o sentido da sustentabilidade no desenvolvimento urbano e regional. As cidades tm grandes chances de tocar o papel do mantenedor e do modelo adequado para o setor pblico em geral: moderno, intermediando entre os atores pblicos e privados e sendo aberto para facilitar e distribuir solues inovadoras. Aqui reside a essncia que o princpio nebuloso da sustentabilidade est esclarecendo atravs dos projetos prticos e bem-sucedidos aos cidados, que tem de ver o sentido de cooperar. tempo do setor pblico, seja na Alemanha ou no Brasil, recuperar a prerrogativa de explicar e mostrar bons exemplos da sustentabilidade, mesmo que a equipe sustentvel Bayer Leverkusen agora est qualificando no classificatrio para o Champions League e o Deutsche Bank, graas ao gerenciamento sustentvel, aparentemente no precise de ajuda federal para enfrentar a crise financeira.

MOBILIDADE URBANA NOS CDIGOS DE POSTURA DE SO LUIS/MAJeferson Francisco Selbach*

Tramita no Congresso Nacional, desde agosto de 2007, o Projeto de Lei 1.687 (PL 1687/2007), instituindo as diretrizes nacionais da poltica de mobilidade urbana. O referido projeto tem por finalidade regulamentar a interao entre o deslocamento das pessoas e bens com a zona urbana (art. 1), contribuindo, neste sentido, para o acesso universal cidade (art. 2), de forma equilibrada, visando os seguintes princpios (art. 5): acessibilidade universal (I); desenvolvimento sustentvel das cidades (II); eqidade no acesso ao transporte pblico coletivo (III); eficincia, eficcia e efetividade na prestao dos servios de transporte urbano (IV); transparncia e participao social no planejamento, controle e avaliao da poltica de mobilidade urbana (V); segurana nos deslocamentos das pessoas (VI); justa distribuio dos benefcios e nus decorrentes do uso dos diferentes meios e servios (VII); e eqidade no uso do espao pblico de circulao, vias e logradouros (VIII).

* Socilogo, Mestre em Planejamento Urbano e Regional, Doutor em Histria. Professor Adjunto I da Universidade Federal do Maranho. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas das Formas Sociais GEPFS. Linha de Pesquisa CNPq: Espao e cotidiano urbano. E-mail: [email protected]

22

Jeferson Francisco Selbach

Mobilidade urbana nos Cdigos de Postura

23

A legislao tardia do tema, em mbito nacional, reflete parte do descaso legislativo brasileiro com questes que envolvam propriamente a mobilidade urbana, a relao entre veculos motorizados e no-motorizados, o transporte de cargas e passageiros coletivos e individuais, as vias e logradouros pblicos, os estacionamentos, terminais e conexes, a sinalizao, equipamentos e instalaes, os instrumentos de controle, fiscalizao, arrecadao de taxas e tarifas e a difuso de informaes, temas ainda na pauta de discusso atravs da PL 1687/2007 (art. 3, 1, 2 e 3). Historicamente, os Poderes Pblicos postergaram o debate porque priorizam o transporte particular individual da minoria em detrimento ao transporte coletivo da maioria, algo que pode ser constatado nos investimentos vultosos de obras virias que atendem o automvel acima de outras formas de circulao, como nibus, bondes, bicicletas ou mesmo o andar a p. Ao invs de caladas, ciclovias, trilhos ou corredores exclusivos, as cidades brasileiras, de maneira geral, asfaltaram ruas, rasgaram largas avenidas, construram viadutos. Uso inadequado do solo urbano coletivo que potencializa enormemente os conflitos no trnsito, fazendo com que o pndulo da balana sempre aponte para aqueles que detm veculos prprios, a minoria que ocupa a maior parte do espao pblico de circulao (Vasconcellos, 1996, 1999). A prpria configurao da maioria das cidades brasileiras reflexo da centralidade do automvel como modo de deslocamento principal. Brinco (2005) explica que a dependncia resultante do uso do automvel conduz a uma dinmica de ocupao urbana de carter espraiado, de baixa densidade populacional, exigindo a expanso suburbana ou perifrica. O resultado desse tipo de ocupao espraiada a hostilidade com relao aos que dependem de transporte pblico, comprometendo, inclusive, sua mobilidade, devido ineficincia dos servios, normalmente dados como concesso. O desprezo com relao ao transporte coletivo pode ser visto em Caiafa (2003), que descreve aspectos do cotidiano das viagens de nibus urbanos, na cidade do Rio de Janeiro. Questes que envolvem a necessidade do motorista desrespeitar o tempo mnimo do itinerrio para poder descansar no ponto de parada; a quase imposio de carregar expressivo nmero de passageiros; a baixa solidariedade por conta da generalizao da violncia, como o medo dos assaltos ou badernas; as brigas decorrentes da falta de troco; a

pouca acessibilidade dada a configurao do espao interno, como degraus, roleta, janelas, poltronas; a vida til ultrapassada dos veculos e a falta de manuteno; a hostilidade de motoristas, cobradores e fiscais. Os conflitos no trnsito decorrem dessa disputa que ope o automvel representante do transporte de maior impacto negativo sobre o espao urbano e as outras formas de deslocamento, sejam as tradicionais, como nibus e metr, sejam as alternativas, como a bicicleta ou o pedestrianismo, alm dos existentes entre os prprios condutores. Alcntara Jr. (2007) observou esses conflitos atravs das manifestaes predominantes no trnsito de So Luis/MA: verbais (xingamentos, reclamaes e bate-bocas), gestuais, visuais (flertes e sorrisos), feitas atravs dos recursos que o carro oferece (luz alta e buzina), alm de infraes. A zona metropolitana de So Luis do Maranho peculiar neste sentido, pois sofreu o impacto da urbanizao tardia mas acelerada. O fato de ser entrecortado pelos rios Anil e Bacanga contribuiu para a manuteno das caractersticas e feies originais do ncleo urbano inicial, atualmente denominado Centro Histrico. O acervo arquitetnico cerca de 3,5 mil construes que ocupam rea aproximada de 250 hectares foi tombado pelo Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional em 1955 (Silva, 2006) At a construo da barragem do Bacanga e da primeira ponte sobre o rio Anil, no final dos anos 60 e incio dos 70, a expanso fezse quase exclusivamente no sentido leste-oeste, para as reas como Camboa-Liberdade, Monte Castelo, Ftima, Joo Paulo e Alemanha, e de maneira ainda agregada, pela proximidade com o Centro, visto que o nmero de automveis circulando ainda era relativamente baixo para uma populao urbana estimada em 205 mil habitantes (IBGE, 1970). A dinmica de ocupao urbana de carter espraiado, de baixa densidade populacional e expanso suburbana ou perifrica, foi potencializada com a construo da primeira ponte sobre o rio Anil, o que permitiu o desenvolvimento da zona litornea oestenoroeste, nas reas denominadas So Francisco, Ponta da Areia, Renascena, Calhau, Olho dgua e, posteriormente, Araagy. Paralelo zona litornea, na parte interior, foram ocupadas as reas do Cohama e Turu. Alm disso, a zona urbana continuou expandindo no sentido leste-oeste, para o Anil, Cohatrac, Coroadinho, Bequimo e Angelim. No lado oposto da barragem do Bacanga, sentido sul do

24

Jeferson Francisco Selbach

Mobilidade urbana nos Cdigos de Postura

25

Centro, surgiram aglomeraes perifricas, como Anjo da Guarda, S Viana e Vila Embratel (Figura 1).Figura 1 Mapa atual de parte da zona urbana de So Luis, com destaque para a zona central e os eixos de expanso urbana:

Tabela 1 Populao de So Luis, urbana, rural e total, de 1970 a 2000.

Fonte: IBGE, 2008

Partindo deste contexto, propomos aqui discutir a legislao relativa a mobilidade urbana nos Cdigos de Postura de So Luis, entendidos como conjuntos das leis, decretos e normas urbansticas que regulam a produo do espao citadino, aquilo que forma a chamada legalidade urbana, que tem como funo primordial delimitar as fronteiras do poder (Rolnik, 1999). Fruto da vontade pblica, estabelecem limites na convivncia diria entre moradores da mesma localidade. Nas palavras de Pesavento (2004), uma forma objetiva de normatizao da vida ou do controle social que pressupe uma representao da sociedade desejvel, sempre em determinado momento histrico. neste sentido que os Cdigos de Postura revelam parte da realidade de sua poca, pois que normatizam permisses e proibies, prticas que so aceitas ou rejeitadas, a ao social disseminada ou criminalizada. A cidade desenvolve-se, neste contexto, entre o que estabelecido como legal e ilegal, incorrendo na separao dos grupos sociais. De um lado, aqueles que podem ser considerados cidados de bem, visto cumprirem com as obrigaes legais estabelecidas, em sua maior parte, pelo prprio grupo a que pertencem. De outro lado, uma parte considervel da populao, que produz uma cidade situada margem do direito privado e da ordem urbanstica (Alfonsin, 2005). O presente trabalho, ainda em fase inicial, pretende assim enfocar a mobilidade nos cinco Cdigos, promulgados em 1842, 1866, 1893, 1936 e 1968. O estudo faz parte da linha de pesquisa Espao e cotidiano urbano, cadastrada no CNPq junto ao Grupo de Estudos e Pesquisas das Formas Sociais da Universidade Federal do Maranho (GEPFS/UFMA). Atualmente, est em curso a digitao dos Cdigos. Aps esta etapa, objetivamos public-los. Para analisar a questo da mobilidade, realizamos uma leitura inversa, partindo do princpio que se existe legislao sobre determinada prtica porque pretendia-se inibi-la, inclusive com multas, portanto era algo que acontecia comumente.

Fonte: Google Maps Brasil, 2008

A configurao e o desenvolvimento urbanos verificados no perodo 1970-2000 reflexo do xodo de migrantes oriundos do interior do Estado, processo tardio com relao a outras capitais, mas, mesmo assim, acelerado, visto estar concentrado num curto espao de duas dcadas (80-90). Os indicadores demogrficos apontam crescimento acentuado da populao total de So Luis entre fins dos anos 70 at meados dos 90. Pelo dados, possvel perceber que ocorreu a incluso tardia dos moradores da periferia, em sua maioria oriundos das zonas rurais e cidades do interior maranhense, na zona urbana da capital. Em 1970, a populao urbana correspondia a 77% do total. Em 1980, o percentual era de 55%. Em 1991, era de 35%. Em 2000 mudou completamente, superando os 96% de moradores urbanos (Tabela 1). No perodo em questo, os limites urbanos de So Luis provavelmente foram ampliados, por conta das novas diretrizes constitucionais de 1988, incluindo assim a massa populacional considerada at ento rural.

26

Jeferson Francisco Selbach

Mobilidade urbana nos Cdigos de Postura

27

At meados do sculo XX, perodo onde foram promulgados quatro dos cinco Cdigos, o texto legislativo dizia respeito praticamente ao ncleo urbano inicial, limitado na confluncia dos rios Anil e Bacanga. O primeiro censo, realizado em 1872, contou 31.604 habitantes na capital So Luis, nmero que permaneceria igual at a virada do sculo e dali aumentaria paulatinamente nas dcadas seguintes, cf. tabela a seguir:Tabela 2 Aumento da populao total de So Luis, de 1872 a 1940.

Pontual, Carvalho, 2005), cf. pode ser visto nas plantas da zona urbana de 1642 e 1844 (Figuras 2 e 3):Figuras 2 e 3 Plantas da zona urbana de So Luis/MA, dos anos 1642 e 1844

FONTE Anurio estatstico do Brasil 1936. Rio de Janeiro : IBGE, v.2, 1936.

Fonte: Patrimnio Mundial no Brasil. UNESCO & CEF, 2002 apud Gasparini, 2003

Neste contexto populacional, as questes urbansticas trazidas pelos quatro primeiros Cdigos dizem respeito a uma capital estadual relativamente de pequeno porte, quando comparado a outras capitais estaduais, como Rio de Janeiro, So Paulo, Salvador, Recife, Belm ou Porto Alegre, todas acima de 170 mil habitantes j nos anos 20. Apesar do mito de fundao pelos franceses,1 a configurao urbana de So Luis foi moldada a partir do traado enxadrezado ou ortogonal, tipicamente portugus (Marx, 1991; Santos, 2001;1

Oficialmente, a data de fundao da cidade de So Luis tida como 8 de setembro de 1612, quando da chegada do francs Daniel de La Touche, Senhor de Ravardire, trazendo consigo mais de 500 homens, entre eles dois padres capuchinhos, Claude DAbbeville e Yves DEvreux, que descreveriam detalhadamente o curto perodo francs no Maranho. Lacroix (2002) aponta o equvoco de tal interpretao histrica, mostrando tratar-se de vontade das elites locais, em fins do sculo XIX e incio do XX, em delinear nova identidade influenciada pela belle poque europia, em especial a parisiense. Como pretendiam aproximar-se dos ideais de erudio, elegncia e civilidade franceses, subtrairiam da histria regional o mestio Jernimo de Albuquerque, filho de portugus com ndia, criando assim o mito da fundao francesa. La Ravardire foi alado novo heri como fundador da cidade que queria ser chamada de Atenas brasileira.

Quando o primeiro Cdigo de Posturas foi promulgado, em 1842, a zona urbana comportava algo em torno de 33 mil habitantes (Silva, 2006). Os poucos 113 artigos postos no Cdigo eram reflexo dessa concentrao populacional que, embora incipiente, j necessitava regularizar as prticas cotidianas de forma mais contundente. Os assuntos foram enumerados de forma aleatria, sem aglutinar as matrias. O Cdigo tratava basicamente das atividades relacionadas ao comrcio, salubridade e espao pblico, como construes, comportamento, trnsito e segurana. As questes de mobilidade diziam respeito essencialmente ao deslocamento de pedestres com vrias tentativas de regularizar o que impedisse o livre trnsito nas caladas e veculos puxados por trao animal. A abertura de novas ruas deveriam ter largura mdia de oito braas (equivalente a 17,6 metros), para poder dividir ao centro com canteiro de rvores, e mnima de quatro braas, quando j existissem edificaes (art. 4). Tal medida impunha-se pela necessidade de melhorar a circulao diria e porque, com a ampliao do limites urbanos, ruas de pouca largura poderiam represar o acesso ao centro comercial. O objetivo de melhorar o

28

Jeferson Francisco Selbach

Mobilidade urbana nos Cdigos de Postura

29

fluxo dos passantes podia ser visto tambm em proibies como embaraar mais da metade da rua com entulho das construes (art. 9 e 10), construir alpendres na calada (art. 11), pr vasos de flores nos parapeitos das janelas (art. 12) e arrancar pedras das caladas para plantar rvores (art. 16). Todos proprietrios deveriam calar a testada dos seus imveis (art. 92) e manter preservadas as referncias de localizao das ruas e prdios, condenando os que alterassem as placas com nomes e nmeros (art.56). Aos comerciantes era vedado embaraar a testada dos estabelecimentos, expondo qualquer tipo de mercadoria para vender em frente a eles (art. 104). Os vendedores ambulantes estavam proibidos de armar barracas no meio da rua, impedindo a livre circulao (art. 13). Da mesma forma aqueles que embarcavam ou desembarcavam toda espcie de gneros no poderiam manter seus produtos nas ruas alm do tempo necessrio (art. 55) No aspecto da salubridade, exigia-se dos moradores varrer a calada todos os sbados (art. 5), proibia-se lanar rua gua servida a qualquer hora (art. 6) ou deixar animal morto apodrecer (art. 7) e jogar lixo nas ruas, praas ou mesmo em terrenos baldios (art. 98). Os canos das casas no poderiam mais lanar imundices na rua (art. 8) e os negros no poderiam mais circular carregando peas de carne na cabea, devendo usar cestos (art.67). Tais normas contribuiriam para a plena circulao dos passantes na medida em que imundices ou o cheiro putrefato fossem eliminados do espao pblico. Uma das medidas relativas segurana da circulao diria, trazidas pelo Cdigo, foi a proibio de correr a cavalo nas ruas, evitando assim pr em risco os pedestres, principalmente idosos e crianas (art. 19). Outra foi exigir que ces, porcos, cavalos ou outros animais considerados perigosos fossem aamados para no atacar ningum (art. 23 e 26). Ainda com relao segurana, tinha-se o cuidado de controlar os escravos negros, sempre considerados uma ameaa sociedade dita civilizada. Escravos encontrados portando cassetes seriam presos e castigados publicamente (art. 43). Os bodegueiros deveriam zelar para que em seus estabelecimentos os escravos no jogassem ou danassem (art. 47). Nas ruas, era terminantemente proibido ajuntamento de mais de trezes escravos (art. 87), visto que aglomerados deste tipo causavam medo na populao livre.

No quesito composturas, tratou-se de inibir prticas consideradas descorteses, como proferir palavras de baixo calo ou fazer atos obscenos (art. 32). As mulheres encontradas nuas ou de forma indecente andando pelas ruas e praas da cidade pagariam multa. O mesmo aplicava-se aos homens encontrados nus da cintura para baixo (art. 49). Todos essas exigncias legais previam multas e aprisionamento, de acordo com o caso e a gravidade. Refletiam explicitamente a vontade da minoria normalmente de origem branca e acostumada com hbitos europeus mais refinados sobre a maioria composta basicamente por escravos negros. O objetivo era segurar a presso social existente por conta dos costumes ditos incivilizados, que faziam da rua a extenso do espao privado. Esta situao perduraria no segundo Cdigo, publicado como Lei n. 775, em 4 de julho em 1866. A populao de So Luis manteve-se em torno de 30 mil habitantes, distribudos em 72 ruas, 19 vielas, 10 praas, 55 edifcios pblicos, 2.764 casas, sendo 450 com mais de um andar (Marques, 2007). O nmero de artigos que o Cdigo trazia continuava baixo, pouco mais de 200, mas foram divididos, pela primeira vez, em partes ou ttulos, que abordavam trs grandes temas: regularizaes e aformoseamento urbano, segurana e salubridade. Muitos dos artigos repetiam normas anteriores. As questes de trnsito apareciam em vrios artigos, de forma no-seqencial. Para transitar pelas ruas, os proprietrios de carros, carruagens, carroas ou carretes foram obrigados a realizar matrcula na Cmara, recebendo uma chapa com nmero para ser fixada no veculo (art. 9). Da mesma forma, os cocheiros de aluguel necessitavam estar devidamente registrados no rgo policial (art. 110). Foram estabelecidos padres de construo dos veculos circulantes. Carros ou carroas que transitassem pelas ruas deveriam ter o eixo fixo e as rodas mveis e estar com, no mnimo, 3 polegadas de largura no trilho, e cobertos com chapas de ferro, circundando as rodas, com pregaria embebidas nas escavas. Quem no atendesse os padres, obrigava-se a descarregar as mercadorias fora dos limites da cidade, especificamente no campo do Ourique ou na praa da Alegria (art. 37). Por questes de segurana, instituiu-se dar a direita como preferncia, tal como na Inglaterra. Alm disso, as carruagens de luxo deveriam andar a trote moderado ao dobrar as esquinas e

30

Jeferson Francisco Selbach

Mobilidade urbana nos Cdigos de Postura

31

trazer lanternas acessas nas noites escuras; as carroas deveriam andar a passo lento e os animais trazerem chocalhos ao pescoo, para avisar sua passagem (art. 109). Em razo dos veculos serem puxados a trao animal, o Cdigo abordou a questo, procurando regulamentar o convvio em ambiente urbano. Muitos dos artigos repetiam proibies anteriores, como correr a cavalo, de modo a no incomodar os passantes (art. 78), montar animais em plo (art. 84) e conduzir animais soltos pelas ruas da cidade (artigos 40, 83 e 85). Mas outros artigos foram institudos, como a proibio de andar com os animais desenfreados e guiar de modo a molestar os passantes (art. 82), desencilhar os animais dos carros (art. 42), espancar animais de carga, carreglos em excesso de peso ou mant-los magros (art. 41) e amarrar os animais nas portas e janelas ou ape-los nas ruas e praas (art. 76). Da mesma forma que o anterior, o Cdigo de 1866 reforou a necessidade do laissez-passer ou deixar passar. Era necessrio deixar o trnsito livre para que as pessoas circulassem sem impedimentos. Proibia-se alterar nomes de ruas e numerao das casas (art. 27), haja visto a necessidade de localizao exata. As novas ruas, sempre abertas em direo reta, deveriam ter, no mnimo, oito braas ou oitenta palmos de casa a casa, reservando uma braa de cada lado para as testadas (art. 59). Os proprietrios estavam obrigados a construir o passeio e o meio-fio (art. 62), de modo que o pedestre tivesse por onde transitar e no atrapalhasse os veculos. Em razo disso tambm a proibio de manter volumes e objetos nos passeios e ruas (art. 69), amontoar no passeio, por mais de 3 dias, entulhos de edificaes (art. 72), leiles nas ruas e praas ou trabalhar em qualquer oficio que no nas oficinas (art. 75), estender roupa nas janelas, ruas e praas (art. 58), calhas e goteiras despejando nas caladas (art. 61), grades nas janelas de pouca altura (art. 74), colocar no parapeito das janelas objetos que pudessem cair (art. 77), portas e janelas abrindo para a rua (art. 112) e trnsito pelos passeios de pessoas carregando volumes, exceto quando tivessem de desviar para no serem atropelados pelos carros (art. 118). Alm dos animais e do prprio livre-trnsito, o Cdigo trouxe outras regras especficas, como proibir chiado dos carros nas ruas da cidade (art. 125), a circulao de alienados (art. 120) e transitar

pelas ruas ou tomar banho nas fontes pblicas e no porto, nu ou vestido de forma indecente (art. 25, multa e 3 dias de priso). Para manter a boa ordem, exigia-se cuidados bsicos como conduzir cadveres em caixes fechados, de modo a no exalar cheiro (art. 167) e conduzir lixo e estrume cuidando para que o contedo no vazasse pelas ruas, devendo os carreteiros trazer consigo vassouras e cestos para apanharem o que casse casualmente dos carros (art. 163). No final do sculo XIX, o nmero de habitantes em So Luis ainda girava em torno de 33 mil. Contudo, a abolio da escravatura (1888) e a Proclamao da Repblica (1889) apresentaram mudanas significativas no contexto brasileiro, consequentemente no local, exigindo a reformulao do Cdigo de Posturas municipal. O novo Cdigo, publicado como Lei n. 8, em 20 de julho de 1893, foi dividido em cinco ttulos, 25 captulos e 237 artigos. Basicamente trazia os trs grandes temas anteriores salubridade, segurana e construes embora em ordem invertida. A mudana significativa do Cdigo de 1893 a terminologia depreciativa, at ento direcionada aos escravos. Se nos dois primeiros Cdigos procurava-se conter a presso do negro cativo em ambiente urbano, no terceiro Cdigo, j sob o advento da Repblica e da abolio, a presso era para conter o mesmo grupo social que, embora liberto, no tinha mais denominao definida. Os captulos XV e XVII eram especiais neste sentido. Os artigos 118 e 119 impediam a circulao dos alienados. Os embriagados encontrados vagando pela cidade seriam detidos e os bodegueiros que vendessem bebidas espirituosas aos j embriagados seriam multados (art. 120). De igual, quem mantivesse em casa animais perigosos (artigos 121 e 122). Os artigos 139 a 144 proibiam quem fizesse vozerios nas ruas e praas, praticasse injrias, obscenidades, atos contra a moral, tocadas, ajuntamentos, batuques, cartomancias e curativos por meio de imposturas. Os artigos 145 a 148 previam multa e priso aos que praticassem negcios fraudulentos, vagassem pelas ruas da cidade sem ocupao, pedissem esmolas ou vendessem rifas. Os artigos 149 a 154 proibiam jogos de parada e azar e exigiam licena da Intendncia para realizao de qualquer espetculo ou divertimento pblico. Desta forma, desejava-se controlar as aes praticadas pela populao subalterna, ex-escrava, ainda considerada ameaadora e perigosa pela minoria branca.

32

Jeferson Francisco Selbach

Mobilidade urbana nos Cdigos de Postura

33

Da mesma forma que nos anteriores, o Cdigo republicano reforou a necessidade de denominar ruas e praas, bem como numerar os prdios (captulo XX, artigos 155 a 158), inibiu aes que viessem a prejudicar a circulao nas ruas, como colocar objetos em janelas, estender roupas, armar barracas, depositar mercadorias, sentar nos passeios, ligar o esgoto dos prdios nos passeios, construir sem cercar a frente da obra, limpar vasilhas, peneirar gneros, pelar ou lavar animais, cozinhar, acender fogueiras ou carregar volumes que impedissem o trnsito (captulo XXIII, artigos 173 a 201). A abertura de ruas tambm continuou seguindo largura mnima, desta vez maior, com 20 metros e 2 metros de cada lado para o passeio, e exigncia de projeto de engenharia aprovado na Intendncia. Os prdios deveriam obedecer altura mnima e serem construdos em alvenaria com telhado de barro. Portas e janelas no poderiam abrir para a rua, nem os entulhos permanecer depositados. Continuaram proibidas as calhas e goteiras expostas (captulo XXIV, artigos 202 a 216). As caladas deveriam ser construdas e conservadas pelos proprietrios dos imveis, de modo que os passantes no tivessem de caminhar pelo meio da rua (Captulo XXV, artigos 217 a 228). Como os veculos eram de trao animal, o Cdigo de 1893 dedicou um captulo (IX) para normatizar cocheiras, estribarias e currais. As cocheiras de carros particulares e de aluguel deveriam ter espao necessrio para guardar, lavar e estacionar os veculos (art. 87). Os proprietrios de estribarias ou quem possusse cavalos ou gado em casa estavam obrigados a remover diariamente o estrume em carroas convenientes (art. 88). Foram proibidos, no permetro urbano (rea onde a Intendncia cobrava imposto predial), criar gado ou porcos ou manter currais e chiqueiros (artigos 89 e 90). Alm disso, manteve a organizao dos servios de trfego urbano em vrios quesitos (captulo XVI, artigos 123 a 138). Proprietrios de veculos eram obrigados a matricul-los na Intendncia, onde receberiam uma placa de identificao. Os veculos de passageiros s poderiam trafegar noite com iluminao prpria e os de carga no poderiam transitar depois das 18 h 30 min. Continuavam as proibies de desencilhar os animais das carroas, correr a cavalo, transitar com carroas desenfreadas, ceder a mo direita ou deixar solto os animais. Algo de novo foi a instituio do regulamento dos

bondes, espcies de carroas puxadas a trao animal cujas rodas menores seguiam por trilhos. As primeiras linhas deste tipo de transporte datam de 1872 (Silva, 2006). Pelo Cdigo, os condutores desses veculos no poderiam transportar passageiros alm do limite da lotao do carro.Figura 4 Carroas para passageiros em So Lus, utilizadas para o transporte de operrios da Cia. Fabril Maranhense, em princpios do sculo XX. O veculo puxado por dois animais esquerda da imagem foi montado semelhana de um bonde, com os bancos em platia.

Fonte: Museu Virtual do Transporte Urbano

O Cdigo de 1893 perduraria por quatro dcadas, perodo em que a populao de So Luis dobraria de tamanho, passando para 70 mil habitantes em 1935. Pelas imagens captadas em cartespostais do incio do sculo XX, possvel perceber o relativo desenvolvimento urbano:

34

Jeferson Francisco Selbach

Mobilidade urbana nos Cdigos de Postura

35

Figura 5 Praa Joo Lisboa, antigo Largo do Carmo, em 1904. Os trilhos dos bondes destacam-se na imagem.

Figura 7 Praa Benedito Leite, 1910. A organizao e a infra-estrutura da praa caracterstica do incio do sculo, que preocupa-se com questes estticas, de modo a concretizar os ventos do modernismo que chegavam da Europa.

Fonte: Patrimnio Mundial no Brasil. UNESCO & CEF, 2002 apud Gasparini, 2003 Figura 6 Rua do Sol, vista a partir da Praa Joo Lisboa, em 1905.

Fonte: Patrimnio Mundial no Brasil. UNESCO & CEF, 2002 apud Gasparini, 2003 Figura 8 Rua da Estrela, prximo ao Mercado Pblico da Praia Grande, em 1905. As carroas estacionadas esquerda mostram a preponderncia do uso deste tipo de veculo no perodo.

Fonte: Patrimnio Mundial no Brasil. UNESCO & CEF, 2002 apud Gasparini, 2003

Fonte: Patrimnio Mundial no Brasil. UNESCO & CEF, 2002 apud Gasparini, 2003

36

Jeferson Francisco Selbach

Mobilidade urbana nos Cdigos de Postura

37

Figura 9 Igreja Nossa Senhora dos Remdios, em frente a praa Gonalves Dias, 1912. Destaca-se na imagem o calamento da rua Rio Branco.

Outra grande diferena do Cdigo de 1936 em relao aos anteriores foi a de ter avanando na questo da mobilidade urbana, tendo em vista a crescente motorizao dos veculos de trao animal, tanto para os individuais (automvel) quanto para os coletivos (nibus). Esta linha-mestra est presente logo no incio, trazendo que as vias pblicas deveriam ser alinhadas e niveladas de modo a oferecer embelezamento e transporte urbano com conforto e bemestar (art. 21). A largura mnima das ruas foi classificada, pela primeira vez, de acordo com sua importncia (art. 22): as de maior circulao (24 metros), vias dominantes em bairros (18 metros), de menor circulao (12 metros) e residencial com menos 200 metros (9 metros). Alm disso, a superfcie de rolamento no poderia ser superior a 2/3 da rea ( 1), sendo que passeios deveriam ter largura mnima de 1,5 metros (art. 25, 11). Para os proprietrios de veculos, foi permitido o rebaixamento do meio-fio de modo a permitir o acesso garagem (art. 376). Em termos de nomenclatura das ruas, a nica diferena foi a proibio de nomear ruas, praas, avenidas e jardins pblicos com nomes de pessoas vivas (art. 378). O Cdigo diferenciou tambm os tipos de veculos (artigos 300 e 301): passageiros e carga; trao automtica (automveis, caminhes, nibus, motocicletas e bondes) e trao animada (bicicletas, carroas, carroes, carrocinhas e charretes); oficiais (pertencentes s reparties pblicas), particulares (uso exclusivo do dono) e aluguel (destinados ao servio de transporte pblico). Esta classificao auxiliava na fiscalizao pois os veculos matriculados como particulares no poderiam prestar-se a transporte pblico e nem o de passageiros executar transporte de carga (art.302). Em termos de descrio, o Cdigo peculiar com relao aos veculos de carga e de passageiros. Os veculos destinados ao transporte de carga com trao animal poderiam ter o mximo de oito metros de comprimento (art. 311). Os aros deveriam ser lisos e ter largura correspondente sua classificao, proporcionada ao peso mximo que pudessem suportar (art. 312). Para os veculos dotados de pneus e cmaras de ar, as dimenses eram responsabilidade dos prprios fabricantes (art. 315, nico). Independente do tipo de trao se animal ou motorizado todos deveriam trazer em lugar visvel a indicao da tara e do peso que poderiam transportar, sendo vedado carregar mais do que o indicado (art. 316).

Fonte: Patrimnio Mundial no Brasil. UNESCO & CEF, 2002 apud Gasparini, 2003

O aumento populacional do perodo explica em parte o detalhamento minucioso impresso no novo regramento urbano, feito atravs do quarto Cdigo de Posturas, publicado como Decreto n. 205, em 3 de novembro de 1936, j no perodo Vargas. deste ano a nomeao do interventor federal Paulo Martins de Sousa Ramos, que procurou imprimir a nova viso para So Luis, onde o conjunto arquitetnico e urbanstico, at ento preservado, passaria a ser visto como prova de atraso, contrrio ao progresso modernista que se desejava impor no pas (Silva, 2006). O Cdigo foi dividido em 27 ttulos, alguns com respectivas sees, conforme a necessidade do assunto. O total de artigos chegou a 508.

38

Jeferson Francisco Selbach

Mobilidade urbana nos Cdigos de Postura

39

Aos veculos de passageiros, as regras visavam o conforto e a segurana dos passageiros. A capacidade mnima dos nibus ficou estipulada em 2 mil kg, sendo obrigado: carrocerias fechadas; rodas guarnecidas de pneus com cmara; assento com largura e afastamento mnimos, acolchoados e com molas; portas de entrada e sada com pelo menos 60 cm, abertas sempre para o lado direito; altura interna maior que 1,75 metros; cobrana na sada; assento do motorista isolado; espelhos retrovisores; dois modos distintos de acionamento dos freios; janelas envidraadas ou com cortinas de proteo para tempo chuvoso, incluindo dispositivo para impedir a colocao do brao do passageiro para fora do veculo; dispositivos para sinalizar pedidos de parada; placa indicativa, na frente e no interior dos nibus, contendo nmero, nome do proprietrio e denominao e endereo da empresa, preo das passagens, itinerrio das viagens e lotao, bem como aviso de proibio de fumar nas quatro primeiras filas de banco; iluminao interna; sanefas corredias; alm de manter em perfeitas condies de acionamento, asseio, higiene, conforto e ilumina (art. 324).Figura 10 Bonde eltrico em So Lus, anos 40. O servio de transporte de passageiros por bonde eltrico iniciou em setembro de 1924. A empresa que instalou o servio foi a Ulen & Company, americana. A frota compunha-se inicialmente de 2 carros de 12 bancos, 7 carros de 8 bancos e trs reboques de 6 bancos. A bitola era mtrica.

Figura 11 Interior de bonde em So Lus, anos 40. A imagem mostra o interior de um dos bondes da SAELTPA - Servios de Agua, Esgotos, Luz, Trao e Prensagem de Algodo - empresa criada para operar diferentes servios. Os bondes eram de fabricao J.G. Brill, americanos, de tipo fechado.

Fonte: Museu Virtual do Transporte Urbano Figura 12 Abrigo de passageiros em So Lus, anos 50. A foto mostra a Praa Joo Lisboa, onde v-se o abrigo, que servia para embarque e desembarque dos passageiros de bonde.

Fonte: Museu Virtual do Transporte Urbano

Fonte: Museu Virtual do Transporte Urbano

40

Jeferson Francisco Selbach

Mobilidade urbana nos Cdigos de Postura

41

Figura 13 nibus Ford em So Lus, anos 40. Foi construdo por um fabricante local sobre um chassis Ford 1942. A carroceria era em madeira, e, por causa de seu grande comprimento e capacidade, era conhecido como Giganto.

Paralelamente a introduo dos veculos automotores, surgiu a necessidade de regularizar as garagens e postos de gasolina e lubrificao. A partir da promulgao do Cdigo de 1936, os estabelecimentos destinados a fornecer combustveis deveriam ser construdos exclusivamente no andar trreo com material no sujeito a inflamar (art. 104). Tornou-se obrigatrio o uso de depsitos prprios para o combustvel, construdo no subterrneo de metal ou concreto armado, com utilizao de bombas, sendo proibido abastecer por intermdio de latas, baldes ou garrafas (art. 105). Alm disso, a prpria localizao do posto de combustvel deveria seguir indicaes da Diretoria de Servios Municipais, que vedava a instalao em logradouros de grande circulao e limitava em 3 postos o nmero mximo por logradouro (art. 111). Dado o aumento do trfego, as regras de trnsito tornaramse mais rgidas. A maioria das proibies anteriores continuou em vigor, como descarregar em via pblica quaisquer objetos que embaraassem o trnsito (art. 330), carregadores e ambulantes trafegar pelos passeios (art. 331), amarrar animais nos logradouros pblicos, jogar em vias pblicas, conduzir animais soltos, conduzir cavalo ou veculos sobre passeios ou jardins, promover aglomeraes nos logradouros de modo a prejudicar o trafego de pedestres ou de veculos (art. 323). Das novas proibies, incluam-se modificar placas de trnsito (art. 345), trafegar com o escapamento aberto nos veculos automotores, emitir sinais sonoros a qualquer hora do dia ou da noite, realizar corridas de automveis e motocicletas depois das 22 horas (art. 346) ou colocar estrados para acesso dos veculos s garagens, fora dos padres estabelecidos (art. 362). A municipalidade reservava-se o direito de proibir o trnsito de qualquer veiculo ou o emprego de qualquer sistema de transporte imprprio na via publica, podendo impedir o transito de veculos com aros de ao, em ruas concretas, asfaltadas ou congneres (art. 342). O quinto e ltimo Cdigo de Postura de So Luis, promulgado atravs da Lei n. 1.790, de 12 de maio de 1968, foi elaborado para uma cidade que triplicara de tamanho, de 70 mil para 265 mil habitantes (IBGE, 1970). Este Cdigo foi estruturado em quatro ttulos, com respectivos captulos (reiniciando numerao a cada novo capitulo) e sees, comportando 187 artigos. Sua peculiaridade que no aborda de forma aprofundada as questes relativas construes ou embelezamento urbanos, em razo de legislaes

Fonte: Museu Virtual do Transporte Urbano

A exigncia de matrcula, presente nos Cdigos anteriores, repetiu-se no de 1936, com previso de multa e apreenso do veculo (art. 299). Mas, pelo novo texto, o cadastramento deveria conter, de acordo com a classificao, o nome do proprietrio e do fabricante do veculo, nmero do motor, fora em HP, carga mxima, fim a que se destina, tipo de veiculo, nmero de lugares e capacidade de passageiros (art. 203). Todos veculos s poderiam trafegar com suas respectivas placas, sendo vedado transferi-las para outros veculos, ainda que provisoriamente. Seriam multados os que falsificassem ou alterassem as placas, bem como quebrassem o selo (art. 304). Como os veculos motorizados eram novidade no mercado, as revendedoras solicitavam placas de experincia para usar na avaliao dos carros (art. 205). Nas transferncias de titularidade, exigia-se pagamento de imposto (art. 307) e vistoria (art. 308). As infraes eram responsabilidade dos proprietrios (art. 309), mesmo que fosse exigida a carteira de motorista para guiar qualquer veculo automotor (art. 310).

42

Jeferson Francisco Selbach

Mobilidade urbana nos Cdigos de Postura

43

especficas anteriores, como Plano de remodelao, extenso, embelezamento e saneamento da cidade (1937), Plano rodovirio da Ilha de So Luis DER/MA (1950), Plano de expanso da cidade de So Luis (1958) e Plano Rodovirio do Municpio (1962). Continuava a predominar no trnsito a livre-circulao. Sua regulamentao objetivava manter a ordem, a segurana e o bemestar dos transeuntes e da populao em geral (art. 86). Em razo disso, era proibido embaraar o ir-e-vir de pedestres nos passeios e veculos nas ruas (art. 87), seja descarregando mercadorias (art. 88), danificando a sinalizao (art. 90), conduzindo pelos passeios volumes de grande porte ou veculos de qualquer espcie, patinando ou conduzindo animais (art. 92). Exceo eram as obras pblicas e fiscalizaes policiais (art. 87). A limpeza das vias pblicas no poderia, da mesma forma, atrapalhar o trnsito. Cabia a Prefeitura manter limpas ruas e praas (art. 24), mas os moradores eram responsveis pela limpeza dos passeios e sarjetas fronteirios aos imveis, algo que deveriam faz-lo em horrio de pouco trnsito (art. 25). Proibia-se lavar roupas em chafarizes, fontes ou tanques pblicos, consentir escoamento de gua servida das residncias para as ruas e conduzir, sem as precaues devidas, quaisquer materiais que pudessem comprometer o asseio das vias pblicas (art. 28). Em termos de mobilidade, ainda era muito comum o uso do transporte por fora animal, visto na autorizao em manter cocheiras e estbulos na zona urbana do municpio, dentro de determinadas exigncias: possuir muros divisrios com, no mnimo, 3 metros de altura; ter distncia mnima de 2,5 metros entre a construo e a divisa do lote; possuir sarjetas de revestimento impermevel para guas residuais e sarjetas de contorno para as guas das chuvas; possuir depsito para estrume, prova de insetos e com capacidade para receber a produo diuturna, devendo ser removido diariamente para a zona rural; possuir depsito para forragens, isolado da parte destinada aos animais e devidamente vedado aos ratos; manter completa separao entre os compartimentos de empregados e a parte destinada aos animais; obedecer ao recuo mnimo de 20 metros do alinhamento do logradouro (artigos 55 e 98). Alm disso, o Cdigo continuou rigoroso no sentido de coibir prticas consideradas abusivas contra os animais de carga, como maltrat-los ou praticar crueldade, fazendo-os carregar carga superior s suas foras, utilizar animais

doentes, feridos, extenuados, aleijados, enfraquecidos ou extremamente magros, no alimentar ou prover de gua, castigar animais cados ou empregar equipamentos que gerassem sofrimento (art. 105). Para regulamentar os veculos automotores, que passaram a ocupar boa parte do espao de circulao, procurou-se coibir a perturbao do sossego pblico, com rudos ou sons excessivos, tais como motores desprovidos de silenciosos (descargas) ou em mau estado de funcionamento e buzinas, excetuadas as dos bombeiros, polcia ou ambulncias (art. 61). Cuidou-se tambm de evitar danos causados por manejo inadequado dos combustveis, principalmente a gasolina (art. 124). A instalao de postos de abastecimento precisavam de licena especial da Prefeitura para operar (art. 130) e funcionariam de acordo com as regras estabelecidas pelo Conselho Nacional de Petrleo (art. 177, item XVI ). A partir dos anos 70, mudaria profundamente a configurao urbana de So Luis e, consequentemente, mudariam tambm as questes de mobilidade. Como mostrado anteriormente, a capital maranhense foi palco de um processo concentrado de migrao, especialmente nos anos 80-90, com a incluso mdia de 200 mil habitantes por dcada, perfazendo no final do sculo 870 mil habitantes. Para comportar essa massa populacional, a cidade cresceu de forma espraiada, expandindo-se para alm do ncleo central, para as margens opostas dos rios Anil e Bacanga, alm da direo leste-oeste. Somando a isso a preferncia do Poder Pblico por obras virias que privilegiaram o transporte individual (automvel) em detrimento ao coletivo (nibus) e a falta de vias secundrias intrabairros, o que formou verdadeiras ilhas dentro da ilha de So Luis, o resultado um quadro perturbador para o trnsito local, com engarrafamentos, pequenos acidentes e dificuldades de trafegar, algo que deveria ser sanado por legislaes preventivas, como era o objetivo dos Cdigos de Postura.

44

Jeferson Francisco Selbach

Mobilidade urbana nos Cdigos de Postura

45

Bibliografia ALCNTARA JR., Jos O (org.). Relatrio tcnico final sociabilidades entre condutores e pedestres em So Lus MA. So Luis/MA: UFMA, 2007 ALFONSIN, Betnia de Moraes. Depois do Estatuto da Cidade: ordem jurdica e poltica urbana em disputa. Porto Alegre e o urbanizador social. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 7 (2), 2005 BRINCO, Ricardo. Transporte urbano e dependncia do automvel. Porto Alegre: FEE, Documentos FEE; n. 65, 2005 CAIAFA, Janice. Jornadas Urbanas: excluso, trabalho e subjetividade nas viagens de nibus na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FGV, 2003 GASPARINI, Graziano. Barroco no Brasil: mais qualidade que quantidade. Traduzido por Letcia Ligneul Cotrim, 2003 [disponvel em http://www.vivercidades.org.br acessado em 12 de maio de 2008] LACROIX, Maria de Lourdes Lauande. A Fundao Francesa de So Luis e seus mitos. So Luis/MA: Lithograf, 2002 MARQUES, Csar Augusto. Notas crticas e histricas sobre a viagem de P. Yves DEvreux. In: DEVREUX, Yves. Continuao da histria das coisas mais memorveis acontecidas no Maranho nos anos 1613 e 1614. Braslia/DF: Senado Federal, Conselho Editorial, 2007 MARX, Murillo. Cidade no Brasil, Terra de quem? So Paulo: Nobel/ EdUsp, 1991 PESAVENTO, Sandra Jatahy. Crime, violncia e sociabilidades urbanas: as fronteiras da ordem e da desordem no sul brasileiro no final do sc. XIX. Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, 30 (2), 27-37, 2004 PONTUAL, Virginia e CARVALHO, Ana Rita (org.). Histria e Paisagem: ensaios urbansticos do Recife e de So Lus. Recife/ PE: Bagao, 2005 ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei: legislao, poltica urbana e territrios na cidade de So Paulo. So Paulo: Studio Nobel, FAPESP, 1999

SANTOS, Paulo F. Formao de Cidades no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001 SILVA, Maria Beatriz Setbal de Rezende (org.). Cidades histricas; inventrio e pesquisa: So Luis. Rio de Janeiro: IPHAN, 2006 VASCONCELLOS, Eduardo Alcntara de. Circular Preciso, viver no preciso: histria do trnsito na cidade de So Paulo. So Paulo: Annablume, 1999 VASCONCELLOS, Eduardo Alcntara de. Transporte urbano, espao e eqidade: anlise das polticas pblicas. So Paulo: Unidas, 1996 Fontes documentais Associao Nacional de Empresas de Transportes Urbanos. Museu Virtual do Transporte Urbano [disponvel em http:// www.museudantu.org.br acessado em 5 de janeiro de 2008] Cdigo de Posturas 1842 Cdigo de Posturas 1866 Lei n. 775, de 4 de julho em 1866. Cdigo de Posturas 1893 Lei n. 8, de 20 de julho de 1893 Cdigo de Posturas 1936 Decreto n. 205, de 3 de novembro de 1936 Cdigo de Posturas 1968 Lei n. 1.790, de 12 de maio de 1968 Google Maps Brasil, 2008 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Anurio estatstico do Brasil 1968. Rio de Janeiro: IBGE, v. 29, 1969 ___. Anurio estatstico do Brasil 1936. Rio de Janeiro: IBGE, v.2, 1936. ___. Anurio estatstico do Brasil 1936. Rio de Janeiro: IBGE, 1970 ___. Anurio estatstico do Brasil 1936. Rio de Janeiro: IBGE, 2008

46

Jeferson Francisco Selbach

Plano de expanso da cidade de So Luis, 1958 Plano de remodelao, extenso, embelezamento e saneamento da cidade, 1937 Plano rodovirio da Ilha de So Luis DER/MA, 1950 Plano Rodovirio do Municpio, 1962 Projeto de Lei 1.687/2007 Institui as diretrizes nacionais da poltica de mobilidade urbana

NA TRILHA DA MODERNIZAO: UMA ANLISE DA MOBILIDADE DOS BONDES ELTRICOS EM SO LUS DO MARANHOMaria das Graas do Nascimento Prazeres*

A cidade sempre foi alvo de investigaes na academia nos mais diversos ramos da cincia. Apesar destes inmeros olhares, a mobilidade, enquanto parte constituinte desta cidade, sempre esteve margem das discusses. Foi a partir das ltimas dcadas que a problemtica da mobilidade ganhou destaque nos debates cientficos. E isso, se deve em grande parte ao crescimento exacerbado das cidades e elevao da complexidade do espao urbano, uma vez que a questo da mobilidade urbana se tornou vital para a prpria sobrevivncia desta cidade e daqueles que a usufruem. No que se refere ao conceito de espao urbano, o gegrafo ingls David Harvey, afirma que o mesmo deve ser entendido no seu aspecto objetivo, mas como resultado das relaes sociais que

* Graduada em Histria pela UFMA e mestranda do Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal do Piau. E-mail: [email protected]. Este artigo baseia-se na monografia de graduao Andando nos trilhos: o servio dos bondes eltricos na capital maranhense, defendida no Curso de Histria da Universidade Federal do Maranho em abril de 2007

50

Maria das Graas do Nascimento Prazeres

Na trilha da modernizao

51

refletem a sociedade como todo. Entende-se, portanto, que o espao urbano o lcus, que permite a leitura das relaes sociais, leituras estas que ao serem efetuadas sob a forma de anlise social tm que se levar em considerao a importncia das trocas simblicas (produo de imagens e discursos), do sentido de tempo e de espao, e da alteridade. (Harvey, 1998, p.103) Arlete Moyss Rodrigues tambm refora o debate ao analisar as definies de cidade e de urbano, apontando que a relao campocidade, rural-urbano na atual dinmica precisa ser redimensionada considerando as diferenas scio-espaciais das regies brasileiras e a sociedade informacional do sculo XXI. J o urbano, qualificado como um modo de vida que se amplia cada vez mais no mundo globalizado, em suas palavras:Uma complexidade do processo de urbanizao, da extenso do modo de vida, da diversidade das formas e contedos do urbano e das cidades, complexidade e unicidade, enquanto processo das atividades econmicas, sociais e polticas do mundo contemporneo. (RODRIGUES, 2007, p.80)

Partindo dessa anlise dos conceitos de cidade e de urbano, nos propomos a refletir sobre a mobilidade presente nos bondes eltricos implantados em So Lus em 1924. Nosso objetivo ser analisar a mobilidade, enquanto objeto sociolgico e entendida como caracterstica das sociedades modernas (Arajo, 2006, p.1) por meio da operao deste servio pblico. Assim, relacionaremos a idia de modernidade 1 sempre to presente nos discursos das autoridades polticas da poca com as contradies referentes operao deste aparelho. Para tanto, este estudo foi segmentado em alguns pontos. O primeiro deles caracterizado por um ligeiro olhar sobre a origem dos bondes eltricos, ressaltando os primeiros lugares onde eles se fizeram presentes, bem como seu advento no Brasil com destaque para algumas cidades do Norte e Nordeste brasileiro. O momento seguinte se prope analisar e descrever a mobilidade dos bondes eltricos na capital maranhense, destacando as deficincias mais perceptveis, como a superlotao, as pssimas condies dos carros, as tarifas elevadas, alm de darmos nfase interferncia deste servio na vida social daqueles que transitavam pela cidade. Por fim, busca-se fazer uma breve anlise da retirada dos bondes eltricos e sua substituio pelos nibus, enfocando mais uma vez o discurso progressista e os interesses da elite local2 que estavam por trs de tal fato.

O socilogo Manuel Castells ao discorrer sobre a cidade, no seu aspecto global, tambm no foge dessa viso do espao urbano como provido de relaes sociais, j que em sentido pleno como enfatiza, a cidade global no um lugar, mas um processo. Assim, o espao urbano no necessariamente visto na sua dimenso do espao fsico, como a Fsica percebe, mas sim nas relaes sociais que acontecem, caracterizando-o como uma sociedade em rede (Castells, 1999, p. 476). Alm destes, muitos outros se debruaram sobre a temtica da cidade e do urbano, dentre os quais no podemos deixar de mencionar Roberto Lobato Corra, que analisa o urbano como um espao fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de smbolos e campo de lutas. Ao teorizar sobre tal dinamicidade, Corra coloca que por ser reflexo social e porque a sociedade tem sua dinmica, o espao urbano mutvel, dispondo de uma mutabilidade que complexa, com ritmos e natureza diferenciados (Corra, 2000, p. 8).

Sandra Pesavento expe que a cidade a construo da modernidade, ou melhor, a metrpole a forma mais especfica de realizao da vida moderna (Pesavento, 1999, p. 158). Dessa forma, que se v nas cidades brasileiras, a busca incessante de uma moldura moderna padronizada pelas metrpoles europias, sobretudo Londres e Paris, na tentativa de trazer para os trpicos a dita civilizao. 2 Caracterizo aqui como elite um estrato social que se diferenciavam pela civilidade A populao branca do Maranho , verdadeiramente, notvel, pela elegncia de seus modos e sua educao esmerada. No s a riqueza da regio, o desejo de imitar os costumes europeus- cujo gosto foi ministrado por inmeras casas comerciais francesas e inglesas- mas tambm, e principalmente, a liberdade, a boa educao, a polidez e a doura das maranhenses, contriburam para tornar aquela cidade um dos lugares do Brasil onde mais agradvel a permanncia. Quase todas educadas, as jovens maranhenses levam, consigo, o gosto pelo trabalho e pela ordem e hbitos de reserva e discrio, que frequentemente, falta aos crioulos.. (...).. Quanto aos jovens so quase todos mandados bons colgios da Frana e Inglaterra (Orbrigny, 1976, pp. 85-86).1

52

Maria das Graas do Nascimento Prazeres

Na trilha da modernizao

53

Os bondes no mundo e no Brasil Os bondes proporcionaram mudanas significativas no cotidiano do homem. A cidade ia se tornando mais dinmica, mais rpida, e a concepo de progresso se tornava cada vez mais presente na vida urbana. Primeiramente importante colocar que no se tem um consenso com relao a origem do termo Bond . Alguns pesquisadores acreditam ter surgido na Inglaterra e outros asseguram que provm dos Estados Unidos. Embora, no se chegue a um acordo com relao ao local de origem, no que diz respeito explicao, os pesquisadores encontram-se em consonncia ao afirmarem que o termo Bond surgiu do fato de que no existiam moedas ou cdulas em circulao do valor da passagem. Em vista disso, emitiram-se pequenos cupons (bilhetes) no valor da mesma.3 No Brasil ao chegar alguns anos mais tarde, o termo passou a designar o prprio veculo, que acabou por adquirir uma forma aportuguesada bonde como conhecido at os dias atuais. A origem deste tipo de transporte tambm ainda conflituosa. Uma das hipteses mais divulgadas afiana que os bondes eltricos teriam surgido nos Estados Unidos por volta da dcada de 30 do sculo XIX. Na Inglaterra, os primeiros tramways4 que substituram os que eram movidos trao animal eram impulsionados por uma mquina a vapor. J os franceses inventaram o bonde de ar comprimido, que no obteve muito sucesso. No que se refere Amrica Latina, o Brasil foi pioneiro na utilizao de bondes eltricos. No dia 8 de outubro de 1892 na cidade do Rio de Janeiro, o bonde 104 partia em viagem inaugural, das imediaes do Teatro Lrico, no Largo da Carioca, at a Rua Dois de Dezembro e tinha entre outros convidados ilustres, o vice-presidente da Repblica, Marechal Floriano Peixoto (Centro da Memria da eletricidade no Brasil, 2001, p.77). Tal melhoramento colocava o Estado brasileiro em p de igualdade com outras naes no que diz respeito aos transportes pblicos.

Figura 1: Primeiro bonde eltrico carioca, da Cia. Ferro Carril do Jardim Botnico, 1892.

Fonte: http://www.vivercidades.org.br/publique222/media/bondesCariocas

Aps sua popularizao nas grandes capitais, o bonde eltrico se espalhou por outros Estados brasileiros. Vejamos algumas cidades brasileiras onde foram instalados os bondes eltricos. A segunda cidade do Brasil a contar com os bondes eltricos de acordo com Waldemar Stiel foi Salvador (Stiel, 1984, p.382). Esta cidade teve o privilgio de contar com este servio a partir de 06 de junho de 1897, quando recebeu a eletrificao do transporte urbano. Inicialmente Salvador contava com 18 carros com capacidade para 40 passageiros cada veculo (Stiel, 1984, p.385). Os bondes eltricos chegaram a Belm ainda na primeira dcada do sculo XX, quando o Sr. Antnio Jos de Lemos (maranhense radicado no Par), com sua exmia administrao (1897 a 1911) embelezou esta capital, instalou a luz eltrica, calou as ruas com granito e ps finalmente os eltricos para andar pelos logradouros de Belm em 15 de agosto de 1907. Na viagem inaugural,

3 4

http://br.geocities.com/bonde103/eti.html Termo utilizado para se referir aos bondes eltricos.

54

Maria das Graas do Nascimento Prazeres

Na trilha da modernizao

55

como de praxe, os bondes eltricos conduziram passageiros ilustres do Estado e do Municpio, alm de algumas autoridades eclesisticas, e partiu da estao So Jernimo, passando pelas principais vias, at seu ponto de chegada no Ver-o-Peso (Stiel, 1984, p.22). A capital cearense tambm no deixou de festejar a chegada dos bondes eltricos. Ao som de msica e aplausos, Fortaleza via mais uma inaugurao no transporte pblico em 9 de outubro de 1913. O pequeno acervo de bondes puxados burro que transportavam a populao foi vendido para a empresa Teixeira Leite, que prestava servios em So Lus do Maranho (Stiel, 1984, p.124). Em Recife, a eletrificao dos bondes demorou a ser instalada, e chegou-se at mesmo a companhia instalar em seus bondes lmpadas eltricas abastecidas por acumuladores, para tentar contornar a idia de no se ter os bondes, ato que a populao passou a ironizar, chamando os veculos de eletroburros (Sette apud Stiel, 1984, p.292). Apesar de toda a demora, os bondes eltricos foram inaugurados em 13 de maio de 1914, operados pela empresa Pernambuco Tramways and Power Company Limited sob os sons dos foguetes e da banda de msica, que festejava a inaugurao dos tramways em Recife.5 Desta forma, percebe-se que as principais cidades brasileiras reestruturaram seu transporte urbano ainda em fins do sculo XIX e incio do sculo XX, modernizando os bondes, quando a eletricidade passa a ser a fora motriz dos mesmos. Apenas na terceira dcada do sculo XX so instalados os bondes eltricos em So Lus, momento no qual, grande parte das capitais brasileiras j contava com os eltricos. Assim, enquanto as cidades mais modernas do Brasil deslizavam com velocidade sob as benesses da eletricidade, na capital maranhense a populao ainda se locomovia vagarosamente no ritmo dos passos dos burrinhos lazarentos.6

Na trilha da modernizao: os bondes eltricos em So Luis A viagem inaugural dos bondes eltricos na capital maranhense se deu no dia 30 de novembro de 1924. A cidade toda queria participar do grande evento, at mesmo aqueles que eram motivados pelo sentimento adverso ao desenvolvimento se faziam presentes. Durante todo o percurso inaugural (da Praa Joo Lisboa at o Anil) inmeros civis acompanhavam o bonde que agora se movimentava sem os burricos lazarentos. Os peridicos de So Lus estavam cheios de notas sobre o acontecimento e era normal que se quisesse anunciar aos quatro cantos do Estado que finalmente se rompia as amarras imperiais do atraso e se embarcava no bonde do progresso republicano. Dizia um jornal da poca que o Maranho firmava seu progresso com a chegada dos tramways, no qual se l:O Maranho assina seu progresso. [...] No h exagero e optimismo em afirmar que os benefcios trazidos pelos tramways electricos so dos mais celebres. Continue ele a funcionar com regularidade e segurana, e o progresso material de So Luis no mais sofrer a estagnao dolorosa que nos abate desde o incio da repblica, antes vir cada ano cada ms a aumentar. (A Pacotilha, 31-12-1924) Figura 2: Bondes na Rua Oswaldo Cruz (Rua Grande)

http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.Navigation Servlet?publicationCode=16&pageCode=299&textCode=3073&date= currentDate, acesso em 2 de julho de 2008. 6 Termo encontrado nos Livros Leis e Decretos do Estado do Maranho. Imprensa Oficial (1923 p.311), fazendo meno s ms condies dos animais utilizados na trao dos bondes.5

Fonte: www.cepimar.org.br/bdmaranho

56

Maria das Graas do Nascimento Prazeres

Na trilha da modernizao

57

O servio de bondes eltricos assim como os demais melhoramentos pelos quais So Luis havia passado na virada do sculo se justificava pelo fato de que o progresso deveria atingir a todos, pois no era possvel construir uma imagem de cidade civilizada7, enquanto grande parte da populao continuava com hbitos provincianos. O mau comportamento dos seguimentos mais pobres no espao pblico negava este ideal de progresso. As classes populares8 alm de serem bastante prejudicadas com a precariedade dos servios pblicos, ainda eram vistas como responsveis pela situao de atraso que se encontravam os mesmos9. No caso do transporte coletivo, as brigas e os bate-bocas dirios que ocorriam dentro dos carros, alm de outros inconvenientes promovidos por estes setores sociais feriam a imagem de sociedade civilizada. Assim sendo, as autoridades pblicas viram a necessidade de elaborar um conjunto de normas para disciplinar o comportamento dos usurios, a fim de conduzi-los boa marcha e regularidade dos servios de bonde.10 Foi com este intuito que se originou baseado no artigo 13 do Decreto de 879 de 14 de setembro de 1924 um conjunto de instrues que regulava os modos e maneiras dos usurios deste coletivo. Uma de suas primeiras clusulas se referia como deveriam estar trajados os usurios: 2 - Os passageirosA virada do sculo XIX no Brasil favoreceu a insero de novos iderios, alavancados em grande parte pela mudana do sistema poltico-econmico. O Brasil saa do regime monrquico e de uma economia baseada no sistema escravocrata e ingressava no processo de construo de uma sociedade do tipo capitalista urbanoindustrial aps a Proclamao da Repblica. Neste sentido, Michael Herschmann e Carlos Pereira afirmam que especialmente a partir das ltimas dcadas do sculo XIX, idias como novo, progresso, ruptura, revoluo e outras nessa linha passam a fazer parte no apenas do cotidiano dos agentes sociais, mas principalmente, a caracterizar o imaginrio, o discurso intelectual e os projetos de interveno junto sociedade (Herschmann & Pereira, 1994, p.14). 8 A noo de popular aqui apresentada por meio de uma cotao de valor, que est veiculada s prticas cotidianas, o que d uma falsa impresso de homogeneidade, enquanto, se deveria levar em considerao a interao, e no a diviso do que popular e do que elite (Burke, 1989, p. 20-21). 9 Mais do que reconstruir uma cidade nova, se fazia necessrio que os personagens pertencentes a este espao pudessem adquirir novos hbitos, capazes de dissolver a imagem de incivilizados que pairava sobre suas cabeas, ou seja, nas palavras de Pesavento, os habitantes subalternos da urbe precisavam ser enquadrados dentro de uma ordem supostamente mais ordenada, bela, higinica, moral (Pesavento, 1994, p.9). 10 Trao Eltrica, In: Pacotilha, 1 de dezembro de 1924, p.1.7

sem palet ou colarinho, porm bem vestidos em tudo mais s podem viajar nos reboques e na plataforma posterior dos outros carros.11 Assim, ao mesmo tempo em que o bonde fora implantado com o objetivo de oferecer transporte cmodo e barato todos, as autoridades administrativas do governo promulgavam leis que restringiam a utilizao deste servio s camadas populares, pois ao estabelecer que a entrada nos bondes fosse permitida somente aos que estivessem bem vestidos, deixava uma grande parte da sociedade fora desse beneficio, pois muitos eram os trabalhadores que residiam longe de seus locais de trabalho e precisavam do bonde para se locomover diariamente. Quando o Intendente Raul C. Machado recebera a autorizao para contratar um novo servio de viao pblica na capital, segundo a Lei 140, de 12 de setembro de 1909, os preceitos a serem obedecidos eram: a substituio da trao animal pela eltrica, aumento das linhas atuais, reduo dos intervalos entre as viagens e a diminuio do preo das passagens. Contudo, o que se verificou na prtica, como bem mostra os jornais, foi o fato de que os eltricos pareciam ter herdado dos bondes animlicos muitos dos seus problemas, e estes princpios ficaram somente nos papis e na imaginao do povo que desejava um dia ser servido com transporte de qualidade (Palhano, 1988, p.306). So Lus contava com quatro linhas de bondes onde operavam quatro carros responsveis pelo transporte de uma populao que j na dcada de 1920, segundo Rossini Corra, chegava densidade demogrfica de 52.929 habitantes (Corra, 1993, p.191). Cada veculo possua oito bancos, permitindo desta forma uma capacidade de 40 passageiros. No era de se admirar que o nmero de bondes disponibilizados fosse insuficiente para a quantidade de passageiros que deles precisavam. Portanto, era praticamente inevitvel que os bondes transitassem pelos logradouros completamente cheios, o que comprometia a segurana daqueles que os utilizavam. De acordo com o regulamento a pouco citado, numa de suas normas ficava expresso que todos os passageiros que viajarem na plataforma da frente devem estar sentados a fim de dar espao ao motorneiro e a qualquer outro empregado da empresa.12 No entanto, enquanto a11 12

Ibid. Trao Eltrica, In: Pacotilha, 1 de dezembro de 1924, p. 1.

58

Maria das Graas do Nascimento Prazeres

Na trilha da modernizao

59

empresa no fornecia carros suficientes para este contingente populacional era comum ver passageiros seguindo viagem em p e nos estribos dos bondes.Figura 3: Passageiros no interior de um bonde eltrico.

medidas distantes da realidade, e no conseguiam resolver os problemas do transporte urbano, mas apenas maquilavam as verdadeiras causas de todas as falhas do servio oferecido. Os horrios colocados pela empresa muitas vezes deixavam de ser cumpridos, e constantemente, os carros atrasavam, deixando seus usurios por horas espera dos mesmos. A inobservncia dos horrios era um problema srio, que comprometia em muito a qualidade do servio prestado, e chegava at mesmo a gerar acidentes, pois como em alguns pontos dos trilhos as linhas se cruzavam, o carro que se atrasasse ou se adiantasse poderia encontrar-se com outro que vinha na direo contrria. Vejamos um exemplo disso em um dos jornais da poca:Por um tris ...os bondes ns. 1 e 6 chocavam-se Ontem tarde, o bonde n. 1 que trafegava na linha do Anil de volta deste Arrebalde passou pela Estao s 6,30 sem fazer a devida parada afim de aguardar para o urbano do horrio, e prosseguiu na sua viagem para a praa Joo Lisboa. Ao aproximar-se, porem, da curva que leva ao Cu, defrontou subtamente com o n.6, que se dirigia para a Estao e com o qual se chocaria inevitavelmente se a marcha que ambos levavam e a percia dos motorneiros, detendo em tempo os veculos no estivessem impedido a coliso num espao de poucos metros (A Pacotilha, 16-12-1924).

Fonte: Micio Jorge. lbum do Maranho, 1950.

Uma das principais imprudncias cometidas por aqueles que utilizavam este servio era o fato de que se pegava o bonde andando ou se saltava com este ainda em movimento, mesmo o regulamento esclarecendo que quem assim o fizesse era por sua conta e risco, j que a empresa avisava que era perigosa a tentativa.13 Deste modo, o governo do Estado, que tinha como argumento a preocupao com o bem-estar social, depositava sobre a m conduta da populao toda a culpa pelo atraso em que se encontrava o transporte coletivo. Assim, o Estado se isentava da sua responsabilidade em garantir transporte digno pra todos. Essas instrues para regulamentar o comportamento no passavam de13

Como se v nesta notcia, o no cumprimento dos horrios podia ser gerado pelo simples desleixo da Companhia em no respeitar os mesmos ou, o que era mais grave, por outros problemas bastante comuns neste servio como o mal estado de conservao dos carros, os descarrilhamentos e as quedas de energia. A situao em que se encontravam os carros era alarmante, e de acordo com Raimundo Palhano os melhoramentos efetivados nos servios de bonde resumiram-se no complemento da linha circular, que cobria a zona nobre, e na instalao de um novo sistema de agulhas (Palhano, 1988, p336). Ainda era insuficiente para que se pudesse ter um transporte de qualidade, pois mesmo com o novo conjunto de agulhas14, os veculos que deslizavam pelos trilhos da cidade iam deixando pedaos de sua maquinaria pelo caminho. Havia ocasies em que os prprios passageiros eram obrigados a ajudarSistema de carris de ferro mveis para facilitar, nas linhas frreas, a passagem dos trens de uma via para outra. (Ferreira, 1999).

14

Id. Ibid, p.2.

60

Maria das Graas do Nascimento Prazeres

Na trilha da modernizao

61

com a aparelhagem dos carros se no quisessem terminar os seus percursos a p ou esperar horas at que fosse contornada a situao. O Jornal do Povo foi uma das testemunhas da precariedade dos bondes, e como coloca nesta nota, causava inmeros transtornos ao andamento das atividades urbanas:BONDE PARALIZOU TRFEGO Por vrias horas, ontem, o trfego de bondes na rua Osvaldo Cruz , esquina com a rua Cndido Ribeiro, esteve congestionado, em virtude de ter quebrado o eixo direito do bonde n.11, que faz a linha Gonalves Dias. Comunicada a ocorrncia Estao Central foi enviado o socorro necessrio, tendo a reportagem presenciado o servio que era executado para a normalizao do trnsito dos eltricos que utilizam aquela linha, no local acima mencionado. (Jornal do Povo, 22-12-1959)

Para dar continuidade a administrao dos servios foi criado em 194715 o Servio de gua, Esgotos, Luz, Trao Eltrica e Prensa de Algodo (SAELTPA), que tambm no correspondia s expectativas da populao, e os meios de comunicao foram mais uma vez utilizados para tais reclamaes, como se v nesta nota de jornal:O fato que desde a entrega dos servios do Estado estes tm se deteriorado progressivamente, e at peas condenadas pela anterior administrao esto novamente em uso (Jornal do Povo, 05-05-1950).

Assim, os bondes eltricos que transitavam na capital maranhense lembravam e muito os seus precursores, pois as condies fsicas em que operavam eram similares s condies dos de trao animal. E todo o discurso progressista das autoridades polticas no perodo em que se contraiu o emprstimo norteamericano, em que se dizia que era melhor no terem nunca existido os bondes animlicos, pois eram uma vergonha e humilhao permanente para a cidade e que na sua espcie deviam ser nicos tambm se adequava perfeitamente aos que estavam em vigor neste momento. Na contramo do progresso: a retirada dos bondes eltricos e a substituio pelos nibus Decorridas duas dcadas de atuao, o servio dos bondes eltricos sob os cuidados da Ulen j mostrava sinal de deteriorao e a situao do transporte pblico se tornava cada vez mais catica. O Estado pagava um preo muito alto pelo servio e no tinha um retorno satisfatrio, fato que no passava despercebido pela populao, que no deixava de reclamar. A relao custo-benefcio no apresentava bons indicadores, assim, o Estado se viu impossibilitado de continuar com o contrato com a Ulen, encerrando as atividades desta empresa com o transporte urbano em So Lus em 15 de junho de 1946.

Aps longo perodo de crise no transporte urbano, a administrao dos bondes voltou a andar nos trilhos por ocasio da nomeao de um novo administrador o Sr. Eduardo Viana Pereira. Uma de suas primeiras medidas foi resolver os problemas das baixas arrecadaes nos bondes, atravs da conscientizao dos funcionrios responsveis pela fiscalizao. Aps a execuo desta medida percebeu-se um aumento de 40% da receita referente ao transporte pblico. Esta verba que havia sido usurpada finalmente passou a ser investida na melhoria deste servio, e enfim, a populao ludovicense podia contar com um sistema de transporte pblico, cmodo, gil e seguro. Contudo, Eduardo Viana no ficou por muito tempo responsvel pelo SAELTPA e o quadro vergonhoso que se tinha visto antes voltava a ser novamente a dura realidade do transporte pblico de So Lus. Dia aps dia, os bondes iam sendo sucateados e a populao sofria sem um sistema de transporte capaz de suprir suas necessidades. Esta defasagem possibilitou que alguns empresrios ligados a polticos locais se interessassem pelo transporte e logo comearam a lanar seus olhares ambiciosos sobre tal sistema. Da surge as primeiras iniciativas de se colocar os nibus nesta capital, como se l nesta nota do Jornal Pequeno:Valter Fontura, o eterno afilhado dos poderosos, continua abusando da boa vontade do nosso povo, fazendo as viagens na linha S. Pantaleo de acordo com suas convivncias pessoais. O conhecido proprietrio de nibus comete os maiores absurdos e no sofre nem sequer censura por parte do atual prefeito. Apesar dessa mamezinha escandalosa, Valter Fontura ainda brinca de cabra-cega com o nosso povo, objetivando sempre o recheiamento de sua bolsa (Jornal Pequeno, 22-12-1965).15

Ano em que Sebastio Acher da Silva assume o governo do Estado, colocando a SAELTPA sob a responsabilidade do secretrio major Tasso de Moraes Rego (Buzar, 1998, p.69).

62

Maria das Graas do Nascimento Prazeres

Na trilha da modernizao

63

Se pde averiguar que havia um total descaso por parte do poder pblico com relao ao transporte, ou melhor, havia se firmado algumas convenincias que deixava aberto o espao para aqueles que tivessem condies financeiras. Assim, qualquer um que adquirisse alguns nibus poderia os colocar em circulao sem nenhum impedimento, desde que no ferisse os interesses polticos da elite local. A equao da soma dos abusos dos proprietrios de nibus omisso do poder pblico tinha um resultado trgico e esperado, a retirada dos bondes eltricos do transporte pblico da capital. Em meados do sculo XX, a noo de moderno j havia se modificado. Neste momento, o Brasil estava sob o governo de Juscelino Kubitschek, que tinha como sua principal poltica o desenvolvimento e a integrao do pas. JK, como ficou mais conhecido, lanou o Plano de Desenvolvimento Nacional tambm conhecido como Plano de Metas, que visava estimular o crescimento da economia por meio da energia, alimentao, indstria de base, educao e transporte. Este ltimo ia ser modernizado, principalmente, atravs da difuso de mquinas movidas a leo diesel automobilismo16. Assim, a modernizao pregada neste momento estava longe de combinar com os trilhos que insistiam em permanecer em algumas cidades brasileiras. Um transporte que no permitia a liberdade, pois estava preso a um roteiro. O homem moderno era agora, sobretudo, um amante da liberdade. Como ressalta Charles Wright, o bonde oferecia pouca flexibilidade por estar preso aos trilhos, alm do que a freqncia, ou seja, o nmero de partida por hora, era baixo, e os veculos andavam sempre cheios em certos horrios (Wright, 1988, p.23).

A velocidade estava cada vez mais presente nos sonhos e no cotidiano dos brasileiros, e como enfatiza Giucci a velocidade se impe como a base da vida moderna (Giucci, 2004, p.48). Ainda de acordo com este autor, a velocidade surge associada renovao de vida, mobilidade, anonimato, juventude e libertao. Ela premia a circulao e desvaloriza as antigas ligaes com a terra e a famlia (Giucci, 2004, p.56). Dessa forma, o mesmo bonde que havia sido implantado sob o desgnio do progresso e do moderno, era agora taxado de retrogrado e atrasado. Isto por que, como explica David Harvey a modernidade no pode respeitar sequer o seu prprio passado, para no falar de qualquer ordem social pr-moderna. Ainda de acordo com este autor, a modernidade sempre promove rupturas, uma vez que no apenas envolve uma implacvel ruptura com todas e quaisquer condies histricas precedentes, como caracterizada por um interminvel processo de rupturas e fragmentaes (Harvey, 1998, p.22-23). Muitas foram as justificativas encontradas por aqueles que tinham interesse em ver os bondes eltricos parados, e todas se resumiam em uma s: o bonde trafegava na contramo do progresso. Contudo, nem todos viam a aposentadoria dos bondes com bons olhos. Alguns se sentiam at mesmo furiosos ao serem testemunhas de tamanho delito contra o transporte pblico. A populao estava dividida, e mesmo para aqueles que reconheciam que os bondes operavam sob condies precrias, era doloroso ver um artefato to potente de sua memria ser posto de lado em nome de um progresso que bem poucos conheciam. Este sentimento pode ser notificado em uma das notas do Dirio da Manh, em que se l: A nosso ver, s por um bonde trafegar de contramo, no razo suficiente para retir-lo (Dirio da Manh, 09-05-1966). Quando a retirada dos bondes eltricos passou a ser conveniente queles que tinham o poder de deciso, todas as falhas deste transporte pblico foram evidenciadas. Neste momento, os nibus se tornaram em um meio de transporte eficaz, propagado pelas autoridades polticas de So Lus. Ao comparar os nibus aos bondes eltricos, o inspetor de trnsito Sr. Wilson Lopes Machado alegava que nestas condies a populao est muito mais bem servida que os bondes, visto que como h mais rapidez e conforto,

16

neste momento que o automobilismo se torna mais atraente, pois o automvel chega como uma nova etapa do progresso tcnico. Neste sentido, Giucci afirma que A extraordinria vitalidade do automvel est no fato de que ele, de modo relativamente rpido, passou a ser visto como uma exigncia do mundo moderno economia de tempo, utilidade, trabalho, liberdade, prestgio. Est ai sua dimenso popular, embora frequentemente fosse inacessvel ao grande pblico (Giucci,