mobile banking: fenômeno de inclusão bancária no brasil

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RELAÇÕES HUMANAS Nº 22 1

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ENTREVISTAProf. Dr. Carlos Osmar Bertero

ARTIGOSNas entrelinhas do século XXI – uma proposta dialógica de liderançaRestrições ao crescimento e à abrangência do comércio eletrônicoO índice preço-lucro (P/L) e sua relação com o risco e o retorno de carteirasde ações na Bolsa de Valores de São PauloAuto-atendimento versus atendimento pessoal no setor bancárioEstratégia de serviços e valor para o consumidor em restaurantes finosDiversidade humana nas organizações: a percepção do outro nosprocessos seletivosENSAIODos dilemas modernosPENSATAA história do curso de Administração no Brasil está ligada à visão defuturo de um JesuítaSUGESTÕES PARA LEITURA

RELAÇÕES HUMANAS

Centro Universitário da FEIFundação Educacional Inaciana

Pe. Sabóia de Medeiros

ISSN 0102-9835N° 22 – outubro/2005

PresidentePe. Theodoro PauloSeverino Peters, S.J.

ReitorDr. Marcio Rillo

Jornalista ResponsávelÁlvaro Camargo Prado

MTB 26269

Diretor ExecutivoAyrton Novazzi

Conselho EditorialFlávio Vieira de Souza

Renato LadeiaRivana Basso F. MarinoTheodoro A. Peters Filho

Composição, Arte Final, FotolitosCleonice Molina Matos

Lilian Toshiko LefferSilvana V. Mendes Arruda

A Revista Relações Humanasé uma publicação anual doCentro Universitário da FEI,

entidade filiada à

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DASUNIVERSIDADES COMUNITÁRIAS

CORRESPONDÊNCIA:Centro Universitário da FEI

Av. Humberto de Alencar Castelo Branco,3972 – B. Assunção – CEP 09850-901

São Bernardo do Campo – SPBrasil, C.P. 596

Tel.: (11) 4353-2900 r. 2018Fax: (11) 4109-5994

E-mail: [email protected]

Número 22, outubro 2005

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Esta edição de “Relações Humanas” reforça nosso empenho em divulgar temas ligados à gestãoempresarial e ao mundo dos negócios.

Em “Nas entrelinhas do século XXI – uma proposta dialógica de liderança”, a autora faz reflexõessobre um novo modelo de administração com base numa nova liderança cujo referencial é o diálogo.

O comércio eletrônico já é um fato concreto no país e não se pode negar a possibilidade de ele vira interferir de forma expressiva no mercado. Uma questão, no entanto, ainda precisa ser maisbem esclarecida: Por que não deslancha? Em “Restrições ao crescimento e à abrangência docomércio eletrônico”, o autor analisa as razões mais prováveis.

Na área financeira é crescente a importância do mercado de ações, mas seu comportamentonem sempre está de acordo com as expectativas. Em “O índice preço-lucro (P/L) e sua relaçãocom o risco e o retorno de carteiras de ações na Bolsa de Valores de São Paulo”, o autor, a partirde um levantamento empírico, coloca em evidência esse fato.

Na área de Marketing/Serviços, duas contribuições interessantes: “Auto-atendimento versusatendimento pessoal no setor bancário”, um estudo exploratório abrangendo 16 tipos de serviçosbancários. Tendo como público-alvo estudantes universitários, mostra o meio de atendimentopreferido. “Estratégia de serviços e valor para o consumidor em restaurantes finos” é outro estudoexploratório. Nele, o autor examina com detalhes o assunto.

Ainda que de forma sutil, mecanismos discriminatórios nos processos seletivos para ingresso nasempresas sempre existiram no país. Em “Diversidade humana nas organizações: a percepção dooutro nos processos seletivos”, o autor discute este problema com base na história de vida deprofissionais de Recursos Humanos.

Questões existenciais foram e continuam sendo objeto de análise. Elas deram origem a muitascorrentes filosóficas de pensamento. Em “Dos dilemas modernos” o leitor tem à disposição umensaio filosófico sobre a moral, a liberdade e o progresso, com fundamento na filosofia kantiana.

Por último, um fato de grande importância para os profissionais da área merece registro. Nesteano de 2005 comemora-se o 40o aniversário da regulamentação da profissão de Administradorde Empresas. Para nós é uma data representativa, não somente porque Administração deEmpresas é um dos cursos ministrados em nosso Centro Universitário, mas também porque oprecursor da Fundação Educacional Inaciana (FEI) foi o pioneiro na introdução do ensino deAdministração no Brasil, por meio da Escola Superior de Administração de Negócios, em 1941.

Ao ensejo da comemoração, é com grande satisfação que entrevistamos o Prof. Dr. Carlos OsmarBertero, titular da FGV/EASP e atual presidente da ANPAD (Associação Nacional de Pós-graduaçãoe Pesquisa em Administração) que discorre sobre as perspectivas do curso e seus desafios.

Ao longo desses anos, os profissionais de administração foram atores importantes na construçãoda história contemporânea de nosso país, participado ativamente da gestão das organizaçõesprivadas, públicas e comunitárias, consolidando a profissão e o desenvolvimento econômico e social.

O Centro Universitário da FEI e a Revista Relações Humanas aproveitam a oportunidade dacomemoração para ressaltar a importância dos relevantes serviços prestados pelos órgãosregulamentadores da profissão (CFA, CRA) aos profissionais de administração, à comunidadeacadêmica e à sociedade como um todo.

Boa leitura!

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 224 RELAÇÕES HUMANAS – Nº 224

Carlos Osmar Bertero, Doutor em Administração pela Cornell University, EUA,

Mestre em MBA – Master of Business Administration pela Michigan State

University, EUA, Especialista em Administração pela FGV-SP, Graduado em

Filosofia pela USP, Brasil. É professor titular da FGV/EASP nos cursos de Gra-

duação, Mestrado e Doutorado. É o atual presidente da ANPAD (Associação

Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração), Diretor-editor da

RAE – Revista de Administração de Empresas, autor de vários artigos em

revistas especializadas, participação em livros e outras publicações.

O nosso entrevistado, de grande projeção no meio acadêmico,

tem sido um ator constante na construção da história do curso de

Administração de Empresas nas últimas décadas, ministrando aulas

na graduação e pós-graduação stricto sensu, orientando pesquisas de

mestrado e doutorado ou escrevendo artigos sobre temas, quase

sempre provocativos. Na condição de Presidente da ANPAD foi nosso

convidado para falar sobre as tendências e perspectivas do curso de

Administração de Empresas no Brasil, como também da produção

acadêmica nos programas de pós-graduação. Como não poderia

ter sido diferente, a conversa enveredou para outros temas,

igualmente interessantes e dignos de registro.

POR RENATO LADEIA

RH – Como o senhor vê a forma-ção do Administrador de Empresas noBrasil em relação aos outros países?

No Brasil nós tivemos o que euconsidero uma distorção fundamen-tal em relação aos cursos de Admi-nistração e, conseqüentemente, àprofissão de Administrador. Eucostumo dizer que a profissão deAdministrador é, por definição, umaprofissão de poucos, em qualquersociedade. Os que administram sãosempre em menor número do queaqueles que não administram. Issofaz com que o número de adminis-tradores seja necessariamente redu-zido. No Brasil, nós criamos, prova-velmente, a maior cadeia de cursosde Administração que se possaencontrar no mundo. Nós temoshoje mais de 2000 cursos de gradua-ção em Administração. Mesmocontando com perdas, reprovações,etc., temos pelo menos 100 milpessoas que devem registrar seusdiplomas de bacharéis em Adminis-tração todo ano. Ora, não há dúvidanenhuma de que não há empregopara toda essa gente. Então, o cursode Administração no Brasil setornou aquilo que eu chamo de umcurso de educação geral. Um cursouniversitário que as pessoas fazemsem muito vínculo com o exercícioda profissão, até porque não haverialugar para tantos administradores.E também, com a rapidez com queos cursos se expandiram, houve umadificuldade para a formação ade-quada do corpo docente. Eu diriaque nós temos nesses cursos degraduação uma estratificação muitosevera que ficou clara através doProvão que hierarquizava, que classi-ficava os cursos.

Assim, a formação do Adminis-trador acabou ficando muito pre-cária, a não ser talvez em cerca de50 ou 60 instituições espalhadas peloBrasil.

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RH – Essa profusão de escolas deAdministração, na sua opinião, temalguma relação com a demanda porprofissionais nesta área ou é precisolançar um outro olhar sobre a ques-tão?

Eu vejo de outra maneira. A ex-pansão tem ligação com o fato de quea Administração é um curso fácil deser implantado e, portanto, a facili-dade de implantação fez com que aoferta fosse muito grande. A maioriadas IES brasileiras são negócios. Istoé, têm a dinâmica de um negócio, sãopropriedades de pessoas físicas oujurídicas brasileiras que esperam quehaja um superávit e a expectativa deque vão se apropriar, se não de todo,de parte do superávit. Não tenhonada contra isso. É possível conciliarnegócios com educação e educaçãode boa qualidade, mas infelizmentenão foi o que predominou no Brasil.Eu penso que no Brasil há umademanda por diplomas. Em segundolugar, é uma coisa sabida que somosum povo muito pouco exigente emquase tudo. Nem temos exigência dequalidade em nada do que compra-mos. Nem em bens nem em serviços.Então, essa demanda brasileira con-tenta-se com cursos que forneçamdiplomas e não está necessariamenteinteressada em educação. Mesmoporque nossa população é funda-mentalmente despreparada. Ela nãotem consciência disso e acredita namística do diploma. Aquilo que ospedagogos chamam de credencia-lismo. Eu tenho a impressão de queas organizações que têm, digamosassim, os ethos e objetivos de negó-cios, aproveitaram isso e, conseqüen-temente, expandiram enormementeos programas. Hoje a grande frenteda expansão do ensino universitárioprivado é a classe média baixa.

RH – Com essa tendência, é pos-sível que o curso superior em Adminis-

cursos de Administração, o que nãoé verdade. Nos EUA, por exemplo,que é o país do mundo onde o cursoalcançou maiores proporções, ascríticas às escolas e aos cursos deAdministração têm exatamente a ida-de dessas escolas. Elas já nasceramsendo criticadas. Quer dizer que lánão há, digamos assim, um grandeentusiasmo com os programas.

RH – Em que aspectos os progra-mas de MBA dos Estados Unidos nãoestão sendo bem avaliados?

Uma das críticas é em relação aodistanciamento entre o que se ensinanas escolas e aquilo que acontece nasempresas. Ou seja, administradoresformados em MBA chegam às em-presas em condições precárias e,portanto, uma boa parte da formaçãodos administradores ocorre nochamado “job training”, quer dizer:aprender fazendo. Ou seja, à medidaque o sujeito se emprega, ele vai sedesenvolvendo. Uma outra críticaque lá se faz é quanto ao conteúdodos programas. Os conteúdos têmsido, ao longo das décadas, funda-mentalmente técnicos. Ou seja, estu-dam-se Sistemas Operacionais,Marketing, Análise Estatística,Contabilidade, Finanças, RH, etc.Como se nota, há uma ênfase muitogrande em conteúdos técnicos quenão preparam, necessariamente, osadministradores para o exercícioefetivo da profissão, em que se ima-gina que as habilidades sociais epolíticas sejam necessárias. E osescândalos que não têm faltado navida empresarial americana nosúltimos anos, mostram que se tratade profissionais que não têm umaformação ética adequada. Não lhesensinaram nada nesses programassobre cultura cívica, sobre o que éuma sociedade, sobre o que é ética,incluindo uma ética da cidadania,que tratasse dos danos da corrupção.

tração ocupe o papel de um cursotécnico operacional?

Seria interessante, para respon-der a essa pergunta, verificar o queas pessoas que se formaram nessecurso de fato estão fazendo. Não va-mos olhar o que faz o aluno da PUC,USP, COPEAG RJ, FGV, IBMEC,FAAP, ESAN. Não! Estou falando doscursos que são a média, mediana emoda. As pessoas que fazem umcurso modal numa cidade de portemédio ou pequeno, dificilmente vãoexercer a profissão de administrador,como ela é entendida nos países deprimeiro mundo. Não são pessoasque vão entrar no governo para setransformar em funcionários pú-blicos de alto nível de carreira ou vãoentrar num grande grupo empre-sarial. Eu acho que não. Essas pes-soas vão continuar onde estão,fazendo mais ou menos o que fazem,com a expectativa de chegar a umcargo médio de chefia. Nenhumdesses profissionais estará pensandoem chegar a presidente de um gran-de banco, ser um expatriado de umgrande grupo multinacional, porexemplo. Eles continuarão a terstatus de universitários e o cursotalvez forneça os quadros de super-visores de primeira. É assim que euimagino o grosso desses formandos.

RH – Como ex-dirigente da FGV/EAESP, qual é sua opinião sobre asgrades curriculares dos cursos deAdministração no Brasil, principal-mente se comparadas com as doscursos de países como os EUA e daEuropa?

Atualmente todas as escolas deAdministração revelam insatisfaçõesde vários tipos com relação à gradecurricular. E também se pode ter aimpressão de que fora do Brasil háuma grande satisfação com relaçãoà formação e à grade curricular dos

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RH – Quer dizer que falta o ladoprático da formação?

É aonde quero chegar. O resul-tado disso é que hoje há titulares deescolas de administração ameri-canas que nunca entraram numaempresa. Isso é sério. Eu acho, pelomenos, que uma escola de Adminis-tração é uma escola profissionali-zante, ela forma profissionais. Pensoque ela é semelhante, neste aspecto,às escolas de Direito, deEngenharia, de Medicina, etc.Pergunto como você reagiria se eudissesse que um professor titular deGinecologia nunca examinou umamulher, não sabe fazer um exameginecológico, nunca pôs os pésnuma sala de parto... Bom... diantede que tipo de professores demedicina nós estamos?

Aqui no Brasil há uma grandeinsatisfação com relação à gradecurricular, porque a nossa gradebásica é muito antiga, tem 40 ou 50anos. É a grade que se desenvolveuquando se implantaram os primeiroscursos de graduação no Brasil.Houve poucas mudanças. A basedisso, como você sabe, é uma cargapropedêutica de ciências sociais.Um pouco de direito comercial, dotrabalho, sociologia, ciência políticae, nos últimos anos, acrescentaramtambém a filosofia como disciplinaobrigatória. Em cima disso vêm aschamadas disciplinas funcionaiscomo Contabilidade Gerencial, Fi-nanças, Tecnologia de Informação,Recursos Humanos e por aí afora.Há alunos que usam a universidadecomo uma espécie de corredor deespera para entrar no mercado detrabalho. Então, não se tem umarelação entre o currículo e a vidaempresarial, ou seja, aquilo que éensinado e aquilo que acontece nasempresas. Assim, há uma grandeansiedade para que logo comece o

Wood, seu colega na FGV-SP, chama-do Banquete Antropofágico que fazuma crítica irônica dos pacotes impor-tados que acabam gerando “indi-gestão” nas organizações brasileiras.No seu ponto de vista, a que se deveesta “indigestão”?

Eu não sei se há, digamos, uma“indigestão” com o modelo. Que háuma fome por modelos, sempre há.Mas eu não sei se esses modelos têma eficácia que prometem ter. Nor-malmente, a promessa desses paco-tes não apresenta resultados con-cretos aqui. Esse texto do Thomasparece-me que se refere aos produ-tos de consultoria. Esses produtossão, em primeiro lugar, relativa-mente homogêneos e, assim, podemser aplicados em qualquer lugar eeles, pela própria maneira como osnegócios de consultoria são organi-zados, são oferecidos por várias em-presas que competem no mercadopor clientes. Eu acredito que, muitasvezes, esses programas levam àdecepção.

RH – Normalmente esses produtosou pacotes, antes de apresentarem re-sultados já estão sendo substituídospor outros, mais inovadores.

As consultorias vivem em funçãode modismos. Há produtos quevendem e produtos que não vendem.Há produtos que têm sua época, ejá que estamos falando de produtos,aplica-se a eles o chamado ciclo devida. Todos têm o seu momento, oseu apogeu e depois acabamdesaparecendo. É só lembrar e olharpara trás o que tivemos: OrçamentoBase Zero, Desenvolvimento Orga-nizacional, Administração porObjetivos, Planejamento Estraté-gico, PDI, Reengenharia, etc. Sãohoje coisas das quais há pouca me-mória de utilização.

estágio e se vá para a empresa. Estouexatamente me referindo às escolasde cúpula, ao alunado geralmentemais rico, que não trabalha.

RH – Não lhe parece que a produ-ção científica na Administração temsido construída e desconstruída deuma forma muito contínua e muitorápida e, às vezes, não há nem possibi-lidades de aplicação dos conhecimen-tos gerados?

É verdade e a primeira parte desua observação de que se constrói,desconstrói e se reconstrói com mui-ta rapidez, comprova a fragilidadecientífica da administração. A pró-pria freqüência de modismos emnossa área, atesta esta fragilidade.Nós não temos modismos em áreascientificamente sólidas. Aí há umproblema muito sério que nós, admi-nistradores, ainda não resolvemos,o problema da aplicabilidade. Omodelo que nós temos, tradicionalna cultura ocidental, é que a ciênciagera um conhecimento. O conhe-cimento científico é um conheci-mento que, de alguma forma, podeser aplicado e da aplicação desseconhecimento científico gera-se atecnologia. Este é o modelo que vemfundamentalmente da Física. Eraessa a expectativa, talvez, que setinha com relação à Administraçãohá cento e poucos anos, quandosurgiram as primeiras teoriasadministrativas. Especialmentedepois do início da segunda revo-lução industrial na Europa e naAmérica do Norte, a expectativa erade que a administração gerasseconhecimentos científicos e queesses conhecimentos fossem capazesde gerar tecnologias e, conseqüen-temente, técnicas administrativasaplicadas. Isso não aconteceu.

RH – Há um texto do Prof. Thomas

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RH – Já que tocou em Planeja-mento Estratégico, essa ferramentatambém já encerrou o seu ciclo devida ou ainda é um instrumento degestão bastante utilizado?

Ainda é utilizado, mas não damaneira como era no passado. Eudiria que a época em que o P.E. foimais utilizado ocorreu depois do fimda segunda guerra mundial e grandeparte do seu apogeu foi no fim dadécada de 60. Ele chegou ao Brasilmais ou menos nesta época. Era ummodelo em geral adequado paraorganizações de grande porte, quasesempre diversificadas e comestruturas muito divididas. E aten-dia, de certa maneira, às necessi-dades daquelas empresas na época.Mais recentemente, em meados dadécada de 80 para cá, nos últimosvinte anos, esse modelo de P.E. foirevisto; não abandonado. Ele passoua ser usado, provavelmente, comoinstrumento de coordenação econtrole. Eu diria que o BalancedScore Card (BSC) desempenha, hoje,muitas atividades que antes eramdesempenhadas pelo P.E. Eu pensoque se alguém espera que o P.E.realmente faça uma previsão dofuturo, está com uma falsa expecta-tiva. Mas ele, de certa forma, por seruma peça escrita, predominante-mente em linguagem financeira, éum registro que permite à orga-nização se nortear.

RH – Já que estamos falando dePlanejamento Estratégico e sem que-rer iluminar o futuro, qual seria o gran-de desafio estratégico das Escolas deAdministração de Empresas no Brasil?

Eu não saberia dizer quais osdesafios estratégicos que elas teriamde enfrentar. Mas, arriscando umpouco, eu diria que um deles seriadesenvolver cursos melhores que

aqueles que temos hoje, mais pró-ximos, talvez, da realidade da profis-são. Eu entendo que, sob este as-pecto, as escolas de administraçãoficam a dever às escolas de medicinae às escolas de engenharia. É aimpressão que eu tenho, não sendoengenheiro e nem médico, penso queessas escolas, que são também, comoas de Administração, escolas profis-sionalizantes, preparam melhor osseus egressos para a vida profis-sional. Eu acredito que este é umdesafio estratégico importante.Outro desafio estratégico do qual sefala muito pouco no Brasil é de quehouvesse mais atenção para com oscursos de Administração Pública.Quer dizer, nós vivemos num paísonde o Estado representa um ônusmonumental. Esse ônus monumen-tal é o resultado não só de uma cargatributária elevada, mas de uma cargatributária que não reverte em bene-fícios para o cidadão. O trágico doEstado brasileiro é que ele, infe-lizmente, recolhe imposto de todose quem paga a maior parte dosimpostos são os pobres. Mas quandovemos o padrão de despesas, isto é,quem recebe dinheiro do Estado,constata que não é a maioria. Odinheiro do Estado é distribuído emfolhas de pagamentos de ativos einativos, é gasto com um grupo quemuitos cientistas políticos já cha-maram de clientes do Estado brasi-leiro. Dada a baixa credibilidade doEstado brasileiro, a dívida pública émuito onerosa. Isso porque o gover-no só consegue obter dinheiro nomercado financeiro pagando jurosaltíssimos. Quando o presidente Lulapediu para os brasileiros tirarem oassento da cadeira, na verdade quemdeveria fazer isso seria o própriogoverno, não só federal, como esta-dual e municipal, pois são os princi-pais responsáveis pelos juros altos nomercado.

Se olharmos para a concepçãodo Estado moderno, percebemosque é uma entidade onde se cobraimpostos da cidadania como formacompulsória de pagar por serviçosprestados. Esta é a concepção doWelfare State moderno. Ora, noBrasil são poucos os serviços àcidadania prestados em relação aosimpostos recolhidos. O cidadãobrasileiro paga várias vezes a mesmacoisa. Paga impostos e depois temque comprar todas as demais coisas.Além disso, é um Estado mal gerido,quer dizer, a gestão do Estadobrasileiro é catastrófica. Isso éverdade nos três níveis de governo:federal, estadual e municipal. E hámuito pouca atenção para isso. Acorrupção, infelizmente, é parte danossa cultura e não adianta culparapenas os governantes pela cor-rupção. Todos nós somos respon-sáveis pela corrupção. Ela difunde-se na sociedade como um todo. E eupenso que o desafio estratégico dasescolas de administração seriatambém tentar formar quadros epressionar por melhores quadros naadministração pública de maneirageral, eliminando essa visão tradi-cional de uma administraçãopública clientelista, patrimonialistae nepotista que não tem muito a ver,necessariamente, com um sistemade mérito. Eu diria que existem, emnível da União, algumas carreirascalcadas num sistema de mérito,como as forças armadas, a diploma-cia, a receita federal e o judiciário.Agora, quando descemos ao nívelestadual e municipal há poucas ma-nifestações de um sistema de mérito.

RH – Vamos falar um pouco sobreos Clusters, que no Brasil chamamosde Arranjos Produtivos Locais. Osenhor acredita na possibilidade deestruturarmos clusters realmentecompetitivos no Brasil?

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RH – O empresário Edson VazMusa comentou numa palestra noCentro Universitário da FEI que, pro-vavelmente, o esvaziamento do ABCcomo um cluster automobilístico tinhasido resultado da incapacidade dosempresários de se articularem ade-quadamente com as lideranças sin-dicais e, assim, preservarem a econo-mia da região.

Eu entendo a colocação, masacredito que é o fenômeno que ocorretambém em outros países. Outro diaestava conversando com um ameri-cano sobre a situação atual do Estadoda Pensilvânia, que era quase que osímbolo da pujança dos EUA. No fimdo século XIX e durante uma boaparte da primeira metade do séculoXX, a Pensilvânia era o coração dasiderurgia. O que é a Pensilvânia ho-je? Dizem que há áreas imensasdesocupadas, um território fantasma.Porque a siderurgia americana perdeuposição relativa no mundo. Hoje osEUA têm pendências razoáveis naOMC por causa do aço, inclusiveafetando nosso país. A lamúria lá é amesma do Brasil: a siderurgia ameri-cana acabou sendo destruída pelossindicatos dos empregados porque ossalários eram exorbitantes e outrospaíses conseguiram produzir compreços muito mais competitivos,especialmente o Japão. O Brasil temum papel pequeno nisso, importantepara nós, mas pequeno. Sindicatos àsvezes se mostram brutalmenteintransigentes, o que leva à imigraçãode indústrias. No Brasil, na verdadenão temos isso porque os sindicatosbrasileiros são frágeis. Não dá paracomparar a força dos sindicatos ame-ricanos com a dos sindicatos brasilei-ros. Outros fatores podem explicartambém o esvaziamento do ABC e atédo Estado de São Paulo. Podemostributar isso à guerra fiscal e tambémà dificuldade logística que a região

Clusters têm sido estudados pelaárea de estratégia e de economia in-dustrial. Esses clusters se formaramnaturalmente. Você pega o cluster dovinho na Califórnia. Ele se formounos últimos cem anos. Foram plan-tadores de uvas, processadores dauva e fabricantes de vinho e, emfunção disso, surgiram as empresasde transporte, as vidrarias que fabri-cam as garrafas, redes de prestado-res de vários serviços. Temos aindao campus de Irvine, na Universidadeda Califórnia, que é consideradomuito importante no cluster dovinho, porque tem um departamentode genética voltado para a genéticade uvas e, além disso, é uma universi-dade que tem os melhores cursos domundo para a formação de enólogos.

Aqui no Brasil também. Em vá-rias regiões do país muitos clustersse formaram. Agora o APL, de certaforma, tem um pouco de caráter deprojeto de governo, que funcionacomo um estimulador desses clus-ters. Impossível não é, mas não seiexatamente como isso será feito. Euacho que são formações que ocor-reram em termos da dinâmica domercado. Nós temos um caso no Valedo Paraíba. Criou-se lá, mais ou me-nos durante a segunda guerramundial, um Centro Tecnológico daAeronáutica. Em função disso, veioo ITA, que estava ligado a umaproposta encampada pela FAB e queo Brasil deveria ter uma relaçãoimportante com aviões dado otamanho do país e suas pretensõesgeopolíticas. Chegou a se formar ali,indiscutivelmente, um cluster defabricantes de aviões no tempo emque os aviões eram monomotores, –o famoso “Paulistinha” será semprelembrado. E isto levou para lá umasérie de fábricas. Depois a Embraerfoi fundada no fim da década de 60.Isso é certamente um cluster, poistivemos lá o CTA como um embrião

de tecnologia, o ITA que formaengenheiros aeronáuticos; tivemos láo desenvolvimento de projetos demotores a álcool quando eclodiu acrise do petróleo, que pegou o Brasilnuma extraordinária vulnerabili-dade. Se formos para outros lugares,podemos observar outros clusters.Agora, fomentar cluster é possível,mas é uma nova fase, uma novaetapa, digamos assim.

RH – A cultura local pode in-fluenciar positivamente a formação declusters?

Os Arranjos Produtivos são mui-to mais determinados pela dinâmicados negócios. Clusters não se formampor filantropia, por raciocíniosdirecionados a outros por parte dosatores. Os clusters se formam porqueocorre um arranjo conveniente atodos. Eu vou montar uma fábricade garrafas perto de uma indústriade vinhos da Califórnia porque lá euvou ter mercado para as minhasgarrafas. Eu acho que são esses osinteresses. Há uns vinte anos se diziaque a FIAT pressionava muito paraque as muitas fábricas de autopeçasse instalassem próximas a ela. Ainstalação da indústria automobi-lística aqui em São Paulo, especifica-mente na região do ABC, acaboufazendo com que as autopeças tam-bém fossem produzidas principal-mente na região metropolitana deSão Paulo. E quando a FIAT seinstalou em Betim, Minas Gerais, elanão teve outra alternativa a não serse abastecer em São Paulo. Mas elaestava forçando os fornecedores a se“mineirizarem”. No caso, tivemosum cluster propelido pelo compra-dor. Uma montadora grande comquem muitas indústrias de autopeçastêm uma relação de dependência.Então elas tendem a se mover paraatender ao seu cliente.

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metropolitana tem. São 18 milhõesde habitantes. Se isso em Tóquio eNova York já é um problema sério,imagine no Brasil, com todos os pro-blemas que temos.

RH – Aproveitando novamente o“gancho”, a questão do protecionismonão constitui uma barreira com ten-dência ao acirramento, afetando o li-vre comércio?

O protecionismo, na verdade,sempre existiu. Há uma retórica euma filosofia de livre comércio, masisso não elimina o protecionismo.Assim, sempre haverá surtos deprotecionismo pelo menos no médioprazo. Talvez no longo prazo o prote-cionismo acabe. Pessoas que mexemcom mercado internacional dizemque mesmo nos países com legisla-ção protecionista há uma tendênciahistórica de que as barreiras médiascaiam. Mas podemos dizer que issoestá localizado em certos ramos deatividades. No Brasil nos queixamosde discriminação da União Européia,principalmente com produtos agrí-colas, setor onde tivemos uma mo-dernização grande com a incorpo-ração de tecnologias. Queixamo-nostambém dos EUA com relação a umasérie de outras coisas. Na semanapassada, o governo brasileiro estavaa ponto de acatar pressões das in-dústrias brasileiras para sobretaxaros produtos chineses. Ou seja, fare-mos com a China a mesma coisa queos EUA e a União Européia fazemconosco. Neste sentido, essa é umadiscussão que dificilmente temcoerência. Todo mundo é pelo livrecomércio quando lhe interessa ouprotecionista quando não. A gentepercebe também que o Mercosulpatina. Quando se fala do Brasilcomo liderança sul-americana, ficaevidente que o Brasil gostaria mesmode investir nos países vizinhos e, se

possível, exportar produtos manu-faturados. Na verdade gostaríamosmesmo de fazer com eles a mesmacoisa que os EUA fazem conosco.

RH – Como Presidente da ANPAD,como está vendo a produção científicados cursos de pós-graduação strictosensu em Administração no Brasil?

A ANPAD é uma associação deProgramas de Pós-graduação e acoordenação dos programas cabe aospróprios programas. A política da pós-graduação brasileira que acabousendo estabelecida pelo MEC, maisespecificamente por uma organizaçãoque é uma mescla de fomento, regula-mentação e controle, a CAPES. AANPAD como disse, é uma associaçãode programas. Ela é formada poraproximadamente 60 programas. Aprodução científica brasileira cresceumuito, não só em função daquilo quese fez e se faz na área de administra-ção, mas também naquilo que é onosso modelo de pós-graduação, quepermeia todas as áreas de conheci-mento. O modelo é este que todosconhecem, ou seja, a pós-graduaçãostricto sensu, mestrado e doutorado,precisa ter produção científica. Omodelo é fundamentado naquilo quese chama de ciência normal. Osprogramas precisam ser estruturadosem torno de linhas de pesquisa e comprodução interna. Nós temos tido umaenorme produção porque o própriosistema criou uma enorme pressão.Quer dizer, programas são avaliadospor critérios transparentes. Critériospelos quais os professores e os pro-gramas são avaliados.

RH – Essa grande produção tem secaracterizado pela qualidade e origi-nalidade em termos acadêmicos?

Têm-se produzido alguns textossobre isso e eu mesmo ajudei a escre-

ver alguns deles, tentando avaliar anossa produção científica. Ela éenorme, mas ainda é uma produçãoque carece de certa originalidade.

RH – Estamos “requentando” tra-balhos escritos em Harvard?

Não diria somente de Harvard,mas talvez de outros lugares. Há umagrande diversidade de abordagens,muitas delas nada têm a ver comHarvard. Também há abordagens eu-ropéias de origem inglesa, francesae escandinava. Mas a gente podedizer que há uma produção, até certoponto mimética. Agora, eu não queronem defender nem atacar, mas issoé uma realidade brasileira em quasetodas as áreas. Se pensarmos nasciências sociais, podemos dizer queaqui repetimos o positivismo, omarxismo, o funcionalismo, o estru-turalismo, etc., e nenhuma dessasteorias se originaram no Brasil.

RH – Têm-se observado algunstrabalhos na área de administraçãocom inspiração antropológica, ou seja,utilizando-se metodologias consagra-das por essa ciência. Isso representauma tendência nas pesquisas emadministração?

Acho que há uma marca daantropologia em muitos estudos decasos que se tornaram clássicos naadministração. O aparecimento dotratamento das organizações en-quanto culturas é um pouco maisrecente, tem cerca de vinte e cincoanos, quando os primeiros estudossobre cultura organizacional apare-ceram. Eles vieram para ficar, en-quanto abordagem de análise. Soumais cético em relação à possibili-dade de que a abordagem culturalpossa levar à intervenção e à mudan-ça, como freqüentemente se propala.Mudar culturas não é tão simples. !

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2210

NAS ENTRELINHAS DO SÉCULO XXI – UMAPROPOSTA DIALÓGICA DE LIDERANÇA

MARIA AUXILIADORA FONTANA BASEIO

Palavras-Chave: Comunicação, liderança,

conhecimento, ética, valores humanos, cultura.

Keywords: Leadership, ethics, culture, communication,

kowledge, human values.

Nowadays we share a period of transition

and, therefore, of a profound criticism about the

routes of Administration in Brazil and the

World.

We have been pulled toward a perverse

globalization. Considering this, there are two

solutions: either we close our eyes and sink or

we wake up to a new horizon and raise to our

condition of human being.

This article shows some reflections about

the possibility of a new model of Administration

based on leadership and dialogue in order to

make the philosophical concept of man possible.

Compartilhamos hoje um período de

transição e, portanto, de profunda crítica sobre

os rumos da Administração no Brasil e no mundo.

Fomos arrastados pela correnteza de uma

globalização perversa. Diante isso, esboçam-se

duas saídas: ou fechamos nossos olhos e

naufragamos ou despertamos para o novo e nos

reerguemos na condição de homens.

Esse artigo oferece reflexões sobre a

possibilidade de um novo modelo de Adminis-

tração, alicerçado em uma liderança que prioriza

o diálogo, colocando em marcha a noção filosó-

fica de homem.

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MARIA AUXILIADORA FONTANA BASEIO – Formada em CiênciasSociais pela USP e em Letras pela Faculdade Ibero-americana,Mestre e Doutoranda em Letras pela USP, Professora do Depto.de Administração de Empresas da UniABC e das FaculdadesRadial.

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 22 11

rência até podem ser saudáveis, se abatalha visa empreender melhor umatarefa, respeitando regras de convi-vência. Competitividade rege-se pelaguerra do vale-tudo, em que é ne-cessário vencer o outro, destruí-lo.Dessa forma, memoriza-se o indivi-dualismo, esquece-se a noção filo-sófica de homem.

É curioso lembrar que, nessa eraglobalizada, o discurso antecede asações human e a retórica é o prin-cípio e o fim. Muito se tem veiculadosobre o trabalho de assistência socialoferecido pelas empresas. Não me-nosprezando a boa índole que en-carna as instituições, é lícito lembrarque, em princípio, esse é um deverdo poder público. A eliminação dapobreza é um problema estrutural enão cabe à sociedade civil escolherdar proteção a uns em detrimento deoutros também necessitados. Trata-se de uma missão do poder público eele não pode se retirar dessa em-preitada, ainda que o tenha feito.

Na globalização a que assistimos,figuram muitas carências. No entan-to, vale lembrar Sartre, ao afirmarque a escassez é que torna a históriapossível ou até mesmo resgatar oscontos de fada, que tanto nosencantaram na infância e podemseguramente simbolizar a vida. O quefazem João e Maria diante da priva-ção, da escassez, da dificuldade?Inventam uma saída. Todo obstáculodeve mobilizar uma busca, devesinalizar uma tomada de cons-ciência. Interessante observar comoa consciência pode se traduzir empalavras. A palavra é, em tese, otestemunho de uma ausência, comonos ensina GUSTAVO BERNARDO

(2000:24), “é a consciência da au-sência”. Quanto mais se sente faltade algo, mais se repete a referidapalavra. Não é por acaso que, emépocas de ditadura, fala-se tanto emdemocracia. Por isso, no âmago dasociedade atual, ressoam palavrasque desvelam nossas mais recentes

carências, a saber: solidariedade,emoção, conhecimento e homem.

Assim se tece a história humana:do dito, do instituído, da palavra quese documenta na linha e do não- dito,do silêncio, dos subúrbios da palavraque se evocam nas entrelinhas.

Empresa-máquina vs empresa-ser vivo

“Uma verdadeira viagem dedescobrimento não é encontrar novas

terras, mas ter um olhar novo”.(Marcel Proust)

Novas descobertas têm sido feitasna área da Administração de empre-sas. Discursos inovadores se entre-cruzam na trama dos novos tempos.

ARIE DE GEUS (1999) faz umaanalogia entre a empresa-máquina ea empresa-ser vivo. Conceber umaempresa como máquina implica tersido criada por alguém de fora eimposta à organização. Entenderuma empresa como ser vivo pres-supõe a criação dos próprios pro-cessos. Se é máquina, a empresa éfixa, estática, petrificada. Se é servivo, evolui naturalmente. Ser má-quina é ter como único senso deidentidade o que se recebe do outro.Ser viva implica ter identidadeprópria. Ser máquina pressupõereações, heteronomia. Ser vivapressupõe ações, autonomia. Comomáquina, a empresa deverá sedesintegrar em algum momento;como ser vivo, poderá se reconstruir.Ver uma empresa como máquinaimplica que seus membros sejamfuncionários, seres em reserva àespera de uso. Olhar uma empresacomo ser vivo implica que seusmembros sejam partícipes de umacomunidade humana de trabalho.

Da era industrial para aera do conhecimento

Durante os últimos 50 anos, hou-ve uma mudança de paradigma:

IntroduçãoDe palavras e de silêncios se

tece a história humana

Vivemos hoje o ápice da interna-cionalização do mundo capitalista –a chamada globalização. Esseprocesso acabou por influenciar todosos âmbitos de nossa existência: oeconômico, o cultural, o interpessoal,atingindo até mesmo a subjetividade.O papel de cada um de nós é para-doxal: temos que obedecer para podersubsistir e, ao mesmo tempo, deso-bedecer para criar o futuro.

Segundo MILTON SANTOS

(2001:35), dois elementos devem serconsiderados nessa trajetória: atécnica e a política. Presenciamos aépoca da tirania da informação e datirania do dinheiro. Portanto, viven-ciamos uma globalização perversa:o globaritarismo.

“Os papéis dominantes, legitima-dos pela ideologia e pela prática dacompetitividade, são a mentira, como nome de segredo da marca; o engodo,com o nome de marketing; a dissi-mulação e o cinismo, com os nomesde tática e estratégia. É uma situaçãona qual se produz a glorificação daesperteza, negando a sinceridade, e aglorificação da avareza, negando agenerosidade. Desse modo, o caminhofica aberto ao abandono das soli-dariedades e ao fim da ética, mastambém, da política. Para o triunfodas novas virtudes pragmáticas, oideal de democracia plena é substi-tuído pela construção de uma demo-cracia de mercado, na qual a dis-tribuição do poder é tributária darealização dos fins últimos do própriosistema globalitário. Estas são asrazões pela quais a vida normal detodos os dias está sujeita a umaviolência estrutural que, aliás, é a mãede todas as outras violências” (SAN-TOS, 2001:61).

Deixamos o mundo da compe-tição e entramos no mundo da com-petitividade. Competição e concor–

NAS ENTRELINHAS DO SÉCULO XXI – UMA PROPOSTA DIALÓGICA DE LIDERANÇA

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migrou-se da Era Industrial para aEra do Conhecimento.

À Era Industrial, cabe o para-digma da empresa-máquina; à Erado Conhecimento, cabe o paradigmada empresa-viva.

No tempo da máquina, apresenta-se a visão convencional de empresa:fazer o máximo de dinheiro para seusproprietários. A máquina serve aosobjetivos dos seus criadores. Para sereficiente, ela deve ser controlável porseus operadores. Essa é a função dagerência: controlar a empresa. Entre-tanto, os seres humanos não são con-troláveis. Eles são seres desejantes eimaginantes. Mas esses atributos sópodem ser valorizados na Era doConhecimento, que tem deixado suasmarcas nos últimos tempos.

Essa mudança pode explicar oenorme interesse pelo aprendizadoque tem despertado milhares deprofissionais. Assim, se antes oenfoque era o capital, os meios deprodução, hoje, a mola propulsorasão as pessoas – portadoras doconhecimento. A essência dessa novaera é o aprendizado, ou seja, ahabilidade de gerir a mudança apartir da transformação de si mesmo.

Em pleno século XXI, é evidenteque o velho paradigma empresarialtem perdido adeptos, uma vez que asteorias que geriram a era modernanão mais suprem a sociedade. Asnovas teorias envolvem componentesatrelados ao ser humano, tais comomissão, valores, responsabilidade so-cial, ética. Segundo RICHARD BARRET

(1998:190) “estamos entrando emuma era de capitalismo compassivo”.As novas teorias empresariais ba-seiam-se em sete princípios, a saber:1. Harmonizar valores da empresa

e valores da sociedade voltadosao bem comum;

2. Criar uma cultura corporativa,investir no capital cultural dosfuncionários, reconhecendo suasnecessidades físicas, sociais,emocionais e espirituais;

3. Favorecer as relações humanas,priorizando a inteligência emo-cional;

4. Reconhecer que a mudança acar-reta a transformação em umanova maneira de ser. É necessá-rio despertar para evoluir;

5. Perceber que organizações nãose transformam, mas pessoas po-dem transformar. Transformarimplica mudar valores. Essamudança só ocorre se na empre-sa houver menos gerentes e maislíderes;

6. Comungar interesses. Isso se fazcom envolvimento, programas departicipação e transparênciaadministrativa. Compartilhar edividir a riqueza – esse é o desafiodo novo século;

7. Desenvolver alianças fortes: in-ternas e externas. Menos oindivíduo, mais o bem comum.Esses princípios evidenciam as

preocupações que denotam ascarências de nosso século: valores,bem comum, emoção, relações hu-manas, pessoas, líderes, transpa-rência, aliança. Todos são substan-tivos que remetem à aurora de umanova ética, que valoriza o ser efeti-vamente humano. É um discurso quenos convida a levantar o véu daalienação que encobre as velhasrelações sociais e enxergar, pelo me-nos, os contornos de um novo homemque se esboça sob um paradigmadiferenciado.

No cerne dessas novas teorias,desenha-se o homem. Por isso, apalavra-chave para designar a açãodo novo administrador não égerenciar, mas liderar.

Gerenciar vs Liderar

Segundo o Dicionário AurélioBuarque de Holanda, gerenciar édirigir, exercer função de gerente emuma empresa, administrar negócios,bens ou serviços. É um mandato.Liderar é ocupar a posição de líder,

de indivíduo que orienta qualquertipo de ação, empresa ou idéias. Olíder é um guia, um condutor querepresenta um grupo ou uma cor-rente de opinião. Ocupa a primeiraposição em uma competição. Aliderança é uma função, umacapacidade e um espírito de chefia.Trata-se de uma forma de dominaçãobaseada no prestígio pessoal e aceitapelos dirigidos.

Ao analisar essas acepções, pode-mos constatar que liderar é bemdiferente de gerenciar, muito maisabrangente, pois se associa a umespírito de chefia, à orientação deindivíduos e de idéias. Gerenciar écontrolar, mais do que orientar; égovernar, mais do que agilizar.

ROBERT SLATER (1999:56) apre-senta-nos a experiência de JACK

WELCH, o executivo que transformoua GE na empresa mais bem-sucedidados Estados Unidos, cuja filosofiaadministrativa era a de gerenciarmenos para gerenciar melhor. Afirmaque gerenciar é uma palavra dopassado e que, no presente, o gerentedeve liderar. Retomando as palavrasde WELCH:

“Os líderes – de Roosevelt aChurchill ou a Reagan – inspiravampessoas com visões claras de comofazer melhor as coisas. Algunsgerentes, por outro lado, confundemas coisas, tornando-as muito maiscomplexas e detalhadas do que naverdade o são. Eles comparam ogerenciamento com sofisticação, paradar a impressão de serem maisinteligentes do que as outras pessoas.Eles não inspiram ninguém. Nãogosto das características que foramassociadas a ‘gerenciamento’ –controlar, impedir a iniciativa daspessoas, mantê-las na ignorância,desperdiçar o tempo delas comrelatórios e outras inutilidades. Vigiaras pessoas. Não é possível ensinarauto-confiança às pessoas.”

Ainda segundo WELCH, os líderesdevem envolver-se com paixão em

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seu empreendimento. E para isso, énecessário ser mais empreendedordo que controlador. Para ser líder, épreciso estar aberto para compar-tilhar uma visão comum.

Conforme SLATER (1999:58), éfundamental “criar uma atmosfera,um clima, uma oportunidade, umameritocracia, na qual as pessoastenham recursos para crescer,disponham de ferramentas educa-cionais e possam expandir seushorizontes, sua visão de vida (...)”.

Aprendemos com TAYLOR e FAYOL

que o administrador planeja,organiza e controla, enquanto osfuncionários executam. No sistemaindustrial, a produtividade é o fim,não importando os meios, e, paraisso, faz-se necessário padronizarpara que a economia de escalaproduza os resultados, a saber, pre-ços baixos e lucros altos. É impres-cindível controlar as pessoas nessemodelo de gestão da Era Industrial.

Sobre esse alicerce, edificaram-se grandes organizações e inúmeroslíderes. O racionalismo, a objeti-vidade, a funcionalidade da EraIndustrial cedem espaço para aintuição, a criatividade e a imagi-nação da Era do Conhecimento.Assim, o novo administrador precisadesenvolver um olhar diferenciadosobre suas práticas gerenciais.

Liderança, motivação, comprome-timento, comunicação são novosventos que sopram nos modernosambientes empresariais. Planejar,organizar e controlar já não são maisatividades solitárias, mas solidárias. Olíder hoje assume o papel de educador.

O líder educador e acomunicação dialógica

No passado, a missão do admi-nistrador era manter a ordem e paratanto criava um ambiente propício aocomodismo. Era impossível levantarquestões, debater assuntos, resolverproblemas em conjunto, ouvir o

outro. A relações baseavam-se napolítica do “quem tem o poder, tem apalavra, e, portanto, dá sempre a únicae última palavra”. Tratava-se de umdiscurso monológico, segundo o qualquem manda, fala e quem obedece,resigna-se no silêncio.

Hoje, há uma redefinição dasrelações entre chefe e funcionário,existe menos controle e mais con-fiança, instaura-se um espaço paradiálogo com o outro. Assim, a relaçãocomunicativa está pautada no dialo-gismo, e, com isso, o poder descen-traliza-se, fragmenta-se em micro-poderes, possibilitando a troca depapéis entre emissor e receptor,rompendo as fronteiras das hierar-quias. Constata-se que a burocraciaestabelece ruído na comunicação.Por isso, buscam-se relações menosverticais e mais horizontais. Inau-gura-se a comunicação polifônica, emque várias vozes podem ser ouvidas.

É imprescindível lembrar que acomunicação é um instrumento deação política. Ela é capaz de colocaras pessoas em diálogo e, com isso,desencadear transformações. Aocompartilhar experiências, idéias esentimentos, as pessoas influenciam-se e modificam a realidade em queestão inseridas. Pela comunicaçãodialógica, faz-se possível modificarsignificados, transformar crenças,valores e comportamentos.

Assim, em vez de gerentes, temoslíderes; em vez de funcionários querecebem ordens, temos funcionáriosresponsáveis pelas ações e partici-pantes da construção cultural, nãosó da empresa como também da vida.

O aprendizado do líder educador

No modelo industrial, as pessoaseram vistas como mercadoriasdesprovidas de pensar, de sentir e dequerer – o que possibilitava práticasgerenciais centralizadoras, autori-tárias e cruéis. Entretanto, na Era doConhecimento, as práticas adminis-

trativas voltam-se para o trabalhoparticipativo e consciente, reconhe-cendo no outro os substantivos quedefinem um verdadeiro ser humano:pensamento, sentimento e vontade.Essa mudança de paradigma exigeuma transformação de valores, umametamorfose interna.

Para concretizá-la, é necessário,a princípio, auto-educar-se, ou seja,processar a mudança de paradigmadentro de si mesmo. É preciso olharpara si antes de ver o outro.

O líder educador transforma assituações mais ordinárias emoportunidades para o aprendizado.Ele cria capital intelectual com idéiase inovação. Seu compromisso étornar as pessoas melhores, culti-vando-as, abrindo canais para quevenha à tona o que vai dentro de cadaum. Educar é possibilitar que sedesenvolva a capacidade física,intelectual e moral do ser humano,visando à sua melhor integraçãoindividual e social.

Apreendendo-se como um sujeitoético moral, o líder educador sabe oque faz, conhece causas e fins daação, percebe o significado dasintenções e das atitudes bem como daessência dos valores. A ética, porconseguinte, não se separa dapolítica. O campo da vida éticacompõe-se pela consciência, pelodesejo e pela vontade. A consciênciae o desejo referem-se à intenção e àsmotivações enquanto a vontaderefere-se às ações e às finalidades.Para que haja conduta ética, é funda-mental um agente consciente de si edo outro, um ser dotado de vontade ede capacidade para orientar desejose impulsos, um indivíduo que, nomínimo, saiba o significado decomunicar-se dialogicamente.

Todo administrador deve tomarconsciência da sua função de liderança,de seu papel de formador de opinião, desua tarefa de gerenciador da ética.

O líder educador, além de ser umlíder comunicador, carrega em si um

NAS ENTRELINHAS DO SÉCULO XXI – UMA PROPOSTA DIALÓGICA DE LIDERANÇA

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misto entre o visionário e o utopista,uma vez que tem a visão e podemediar, envolver-se na dinâmica dasrelações entre os indivíduos e, combase nisso, fazer germinar as semen-tes da transformação.

Esse novo espírito de liderançatem brotado e deve se propagar nosgestores atuais para que se ponha àmostra um mundo industrial esocietário diferenciado, um universomoral e ético inovador. Para isso, valedespertar um novo olhar para o quejá está fulgurando nos horizontesempresariais. O que validará asempresas do futuro não será tecnolo-gia, Internet, computadores, mas ocapital humano – aquele que traz emsi a criatividade, a imaginação, aque-le que pode ousar, que ousa arriscar.

O futuro da empresa

Uma empresa competitiva, hoje,é uma empresa ágil, produtiva, quese preocupa em despertar não só ainteligência mas também a sensi-bilidade, não só a coragem comotambém a autoconfiança do traba-lhador. Não há espaço para o conflitode interesses entre chefes e trabalha-dores, uma vez que buscam ummesmo objetivo, partilham dos mes-mos valores e vivenciam a mesmacultura. É preciso desfazer as fron-teiras para tecer um discursopolifônico, em que se ouvem e se or-questram as várias vozes. É impres-cindível desenvolver uma nova éticado trabalho que, acima do bem e domal, valorize o ser humano – criaturaque crê em si e cria. É urgente acre-ditar que o melhor capital da empresaé o capital humano. Para tanto, valeapostar nessas novas correntes quecruzam nossos horizontes.

É tempo de transição, de mudan-ça, de projetar o sonho, ousar e, sepossível, vencer. Diferente de outrospovos, temos curiosidade, energia,criatividade para transformar som-brias décadas de controle em tempos

luminosos de liberdade. Urge pôr emprática um novo projeto nacional,que não seja derivado do projetohegemônico do globaritarismomoderno. É iminente criar uma novaordem. Que essa mudança provoqueuma efetiva transformação para umaordem mais humana. Sempre étempo de acreditar, de corrigir osequívocos e fazer valer os interessesde nossa nação.

PETER M. SENGE, no prefácio do li-vro de ARIE DE GEUS (1999:11), ensina-nos: “À medida que nos aproximamosdo século XXI, seria oportuno, outalvez crucial, que nos lembrássemosdaquilo que os seres humanos compre-enderam há muito tempo – que traba-lhar em conjunto pode realmente seruma copiosa fonte de significado devida. Qualquer coisa que estiver aquémdisso não passará de um emprego”.

O século XXI já é. A empresa dofuturo tem que ser uma grandeempresa, mas com as qualidades deuma pequena empresa. Assim comoum texto de qualidade, ela devecomunicar grandes idéias com umdiscurso significativo, mobilizar ooutro com sabedoria, concentrar-seno que é efetivamente vital. Tem quesonhar palavras e ouvir silêncios,somar pessoas e modificar hábitos.Tem que semear idéias e envolverhomens. Assim como cantou o poetaJoão Cabral de Melo Neto em”Tecendo a manhã”:

Um galo sozinho não tece uma manhã;ele precisará sempre de outros galos.De um que apanhe esse grito que elee o lance a outro; de um outro galoque apanhe o grito que um galo antes e o lance a outro; e de outros galosque com muitos outros galos se cruzemos fios de sol de seus gritos de galo,para que a manhã, desde uma teia tênue,se vá tecendo, entre todos os galos. E se encorpando em tela, entre todos,e erguendo em tenda, onde entrem todos,se entretendendo para todos, no toldo(a manhã) que plana livre de armação.A manhã, toldo de um tecido tão aéreoque, tecido, se eleva por si: luz balão.

Considerações FinaisO futuro como o reino da vontade

Em sua obra Política, Aristótelesafirma que somente o homem é um“animal político”, ou seja, social ecívico, uma vez que possui a lin-guagem, a palavra, o logos.

HJELMSLEV, lingüista russo, ensinaque a linguagem possibilita ao ho-mem modelizar seu pensamento, seussentimentos, sua vontade, seus atos.Portanto, ela carrega em si a virtua-lidade de expressar valores, está atre-lada ao conhecimento de si e do outro.

No entanto, sob o véu da alie-nação, tecido ideologicamente pelaEra Industrial, os homens esque-ceram-se de que são criadores dasociedade, da política, da cultura eigualmente agentes da História. Agrande tarefa da moderna admi-nistração é trazer à lembrança essesresíduos antigos para que se construauma nova história – desta vez, maishumana. É preciso reinventar valo-res, corrigir desigualdades, propor-semais a dividir e menos a somar. Esseé o empreendimento do nosso século.

Seguramente, esse discurso seráuma retórica vazia, um texto mortona folha de papel ou até mesmo umcapítulo a mais da velha narrativaveiculada pela mídia, a menos que seudestino alcance o chão-da-fábrica. Defato, é ali, no cotidiano caloroso dasrelações sociais, que se gestará onovo. Muito possivelmente, o vir-a-sernos chegará na partilha dialógica oudialética entre o chão e o teto. Nessevão silencioso povoado de signos,nascerá um ethos diferenciado, umanova ideologia, uma nova crençapolítica, uma nova ética. ResgatandoMILTON SANTOS (2001:148-161):

“A primazia do homem supõe queele estará colocado no centro daspreocupações do mundo, como umdado filosófico e como uma inspi-ração para as ações. Dessa forma,estarão assegurados o império dacompaixão nas relações interpessoais

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e o estímulo à solidariedade social, aser exercida entre indivíduos, entre oindivíduo e a sociedade e vice-versa eentre a sociedade e o Estado, redu-zindo as fraturas sociais, impondouma nova ética, e destarte, assentandobases sólidas para uma novasociedade, uma nova economia, umnovo espaço geográfico. O ponto departida para pensar alternativas seria,então, a prática da vida e a existênciade todos. (...), é lícito dizer que o futurosão muitos; e resultarão de arranjosdiferentes, segundo nosso grau deconsciência, entre o reino das possi-bilidades e o reino da vontade”.

O que se inscreve no papel estáinstituído, portanto, morto. Vivo é oque fica nas entrelinhas desse discur-so, o que encontra ressonância naalma, na memória, na consciência doshomens. Isso constrói o porvir. Quedesta vez seja feita a nossa vontade. !

Referências Bibliográficas

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BARRET, Richard. Libertando a alma daempresa: como transformar a organi-zação numa entidade viva. São Paulo:Cultrix, 1998.

BACCEGA, MARIA Aparecida. Gestãode processos comunicacionais. SãoPaulo: Atlas, 2002.

BERGAMINI, Cecília W. Liderança:administração do sentido. São Paulo:Atlas, 1994.

BERNARDO, Gustavo. Redaçãoinquieta. 5ª ed., Belo Horizonte:Formato, 2000.

CAHUÍ, Marilena. Convite à filosofia.São Paulo: Ática,1996.

GEUS, Aires de. A empresa viva. SãoPaulo: Publifolha, 1999.

SANTOS, Milton. Por uma outraglobalização: do pensamento único àconsciência universal. 7ª ed., Rio deJaneiro: Record, 2001.

SLATER, Robert. Liderança de altoimpacto. São Paulo: Publifolha, 1999.

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RESTRIÇÕES AO CRESCIMENTO E ÀABRANGÊNCIA DO COMÉRCIO ELETRÔNICO

ADRIAN KEMMER CERNEV

ADRIAN KEMMER CERNEV – Mestre em Administração de Empresaspela FGV – SP, Professor do Depto. de Administração do CentroUniversitário da FEI.

O presente artigo relaciona os prováveis e

possíveis fatores de restrição ao crescimento e à

abrangência do comércio eletrônico, bem como a

própria adoção da Internet tanto pelos indivíduos

quanto pelas organizações. Tem por objetivo

analisar globalmente as questões relevantes

associadas aos ambientes e negócios eletrônicos,

todavia considerando as singularidades da

realidade brasileira.

The present article relates the probable

and possible restriction factors to the growth

and the inclusion of the e-commerce, as well as

the adoption of the Internet by the individuals

and organizations. Its objective is to globally

analyze the relevant issues associated to the

electronic environments and businesses,

though considering the singularities of the

Brazilian reality.

Palavras-Chave: Internet, barreiras, comércio

eletrônico, negócios eletrônicos, restrição.

Keywords: Internet, constraints, e-commerce

(electronic commerce), e-business (electronic

business), restriction.

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 22 17

RESTRIÇÕES AO CRESCIMENTO E À ABRANGÊNCIA DO COMÉRCIO ELETRÔNICO

Introdução

O comércio eletrônico (CE) já éuma realidade em diversos setores daeconomia e representa indiscutivel-mente um novo futuro para o comér-cio mundial, sendo a Internet a suagrande plataforma. Obviamenteainda existem muitas restrições àampla adoção e ao crescimentosignificativo do CE, restrições estasque precisam ser inicialmente iden-tificadas, analisadas e compreendidasem seus diversos aspectos, para so-mente então poderem ser superadas.

Muitos especialistas, acadêmicose profissionais têm enumerado possí-veis e prováveis restrições ao cresci-mento da Internet e, mais precisa-mente, à abrangência do comércioeletrônico. Alguns fatores são bastan-te lembrados, como as questõesrelacionadas à privacidade e à segu-rança, à adoção e à usabilidade dasnovas tecnologias, ao perfil socio-econômico da população, ao acessoà informática e aos serviços de teleco-municações, entre outros. Outrosfatores, no entanto, são comumentedeixados em segundo plano, quandonão são desconsiderados, por se acre-ditar previamente que eles possamacarretar impactos menores no CE.

Entende-se que o crescimentolento do CE pode se dar em funçãoda conjunção de vários fatores aomesmo tempo, o que implicaria nanecessidade de estudos maisabrangentes e “holísticos” sobre aspossíveis restrições ao crescimento eà abrangência do CE. Este artigo tempor objetivo revisar e relacionar osdiversos fatores que podem, emmaior ou menor grau, comprometeros resultados de empreendimentoseletrônicos considerando-se princi-palmente a percepção do indivíduo,sendo este consumidor ou agenteorganizacional. Deu-se preferênciaentão à amplitude, e não à pro-fundidade, nas análises destesdiversos fatores.

Metodologia

A metodologia empregada naelaboração deste trabalho foi consti-tuída de uma revisão teórica a res-peito dos vários fatores que podeminfluenciar o desenvolvimento do CEe da Internet. Trata-se de uma pes-quisa descritiva quanto aos fins,qualitativa e bibliográfica quanto aosmeios. Foram considerados comofontes de pesquisa artigos, sites deInternet e livros, estrangeiros e na-cionais, propiciando uma maiorcompreensão da problemática queenvolve o crescimento lento do CE epermitindo a inclusão de fatorestipicamente nacionais neste estudo.

Comércio eletrônico

ALBERTIN (1999a, 1999b, 2000a,2000b e 2001) consolidou-se comouma importante referência acadê-mica brasileira sobre CE ao sugerirdefinições e conceitos bastante am-plos e abrangentes em referência aeste tema:

“Comércio eletrônico é a reali-zação de toda a cadeia de valor dosprocessos de negócio num ambienteeletrônico, através da aplicação inten-sa das tecnologias de comunicação ede informação, atendendo os objetivosde negócio. Os processos podem serrealizados de forma completa ouparcial, incluindo as transaçõesnegócio-a-negócio, negócio-a-cliente eintra-organizacional, numa estruturapredominantemente pública de fácil elivre acesso e baixo custo.” (ALBERTIN,2001, p. 10).

Do ponto de vista analítico, KEEN

et alii (2000) explicam o CE comosendo a estruturação sistemática derelacionamentos de confiança co-mercial, através de meios eletrôni-cos, baseado na gestão e redução deriscos, na construção da confiança ena consolidação dos relacionamentosentre os agentes de CE.

Apesar de todas as expectativas

positivas, comenta ALBERTIN (1999b,p. 57), “existe um grande desaponta-mento com o crescimento lento doComércio Eletrônico”: este potencialalmejado há alguns anos ainda nãofoi alcançado e seu crescimento, quese esperava ser explosivo tal como odesenvolvimento da WWW (WorldWide Web), ainda ocorre em propor-ções modestas.

Na atualidade o foco das aten-ções não está mais na discussão daexistência e/ou permanência do co-mércio eletrônico; a grande questãoé o entendimento das razões pelasquais o crescimento dos negócioseletrônicos ainda se dá de formaincipiente, frustrando os novosempreendedores, as estratégiasempresariais e negócios virtuais, asexpectativas de analistas e estudiosose também muitos milhões de usuá-rios de Internet, também conhecidoscomo internautas.

Restrições ao crescimentoe à abrangência

Algumas barreiras à expansão docomércio eletrônico pela Internettêm sido examinadas por estudiososde TI, desde as dificuldades de acessoà rede e utilização das suas ferra-mentas até a percepção da segurançae confiança existentes na Internet,restrições estas analisadas em seusdiversos aspectos, do ponto de vistaindividual e também organizacional.

Os diversos fatores de restriçãoao crescimento e à abrangência doCE serão apresentados no quadro aseguir, organizados em categorias demodo a facilitar este resumo. Devoalertar imediatamente que o leitorpode concordar ou não com as defi-nições e/ou alocações nestas catego-rias, ou mesmo verificar que algunsfatores poderiam e efetivamentedeveriam estar presentes em mais deuma das categorias a seguir mencio-nadas. Além disso, outras categoriasespecíficas poderiam ser eventual

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mente criadas. Todavia o mais impor-tante não são as categorias, mas efeti-vamente as restrições apresentadas.

Questões técnicas: Dificuldadede acesso à informática e aos serviçosde telecomunicações. Largura debanda de comunicação estreita emfunção das tecnologias mais dispo-níveis. Baixa capilaridade da bandalarga de comunicação através denovas tecnologias. Limitações técni-cas das atuais e novas tecnologias.Dificuldades relacionadas à hetero-geneidade tecnológica.

Questões econômico-financeiras:Perfil socioeconômico dos usuáriosde Internet. Distribuição de renda erestrições orçamentárias na popu-lação. Custo das tecnologias deinformação: hardware, software etreinamento. Custo total do acesso àInternet, considerando os serviços deprovimento e de comunicação. Custode oportunidade ao se dedicar orça-mento para esta atividade. Baixaadoção e utilização de cartões decrédito como meio de pagamento.Limitação de crédito a boa parcelada população. Limitação das opçõesde pagamento nos ambientes eletrô-nicos. Questões cambiais e tributá-rias nas compras internacionais.

Questões socioculturais: Poucaexperiência dos usuários e das em-presas em compras remotas. Baixaexperiência relacionada aos recursosinformática e novas tecnologias.Pouca ou muito recente experiênciade Internet dos usuários. Desperso-nalização da atividade comercial eisolamento digital dos agentes de CE.Intangibilidade associada ao produtodurante o processo de compra. Difi-culdade de se complementar os pro-cessos de compra e venda tradicio-nais pelos eletrônicos. Predominân-cia do idioma inglês na Internet.Necessidade de desenvolver estra-tégias e planos de marketing especí-ficos para o CE, dentro e fora dosambientes eletrônicos. Lançamentode novos produtos pode necessitar

dos ambientes tradicionais demarketing.

Questões relacionadas à adoção:Desinteresse pessoal ou falta deatratividade do CE. Falta de intera-ção e troca de experiências entre osconsumidores. Falta da flexibilidadenas negociações entre os usuários eas empresas na Internet. Falta deinstrumentos adequados para amensuração do CE. Conveniênciacontrovertida das compras eletrôni-cas e prazos de entrega. Experiênciaanterior mal-sucedida, desagradávelou insatisfatória relacionada aosambientes e/ou comércio eletrônicos.Custo elevado para se desenvolver emanter um ambiente de CE. Am-pliação do mercado e também daconcorrência internacional. Dificul-dade de se comprovar os benefíciose rentabilidade do CE no processo dedecisão de adoção de algumasempresas e setores específicos.

Questões relacionadas à confian-ça: Reação individual a risco etomada de decisão. Aspectos relacio-nados à segurança. Aspectos relacio-nados à privacidade. Requisitos noprocesso de construção da confiança.Existência comprovada de umgrande número de hackers e fraudeseletrônicas. Necessidade de umcadastro inicial, muitas vezes cansa-tivo, demorado ou exagerado. Impos-sibilidade de ressarcimento imediatona eventualidade de devoluções.Incidência de grande comunicaçãoeletrônica (spams) derivada dascompras eletrônicas.

Questões relacionadas à per-cepção e usabilidade: Design e nave-gação pouco aprimorados. Processode compra confuso e desestimulante.Demora relativa para se obterrespostas dos agentes de CE atravésdos meios eletrônicos. Páginas ehiperlinks inconsistentes ou quebra-dos. Falta de atualização de algunsportais ou marketplace de CE. Difi-culdades no processo de comuni-cação em função dos canais pessoais:

visual, auditivo e sinestésico. Dificul-dades para os portadores de neces-sidades especiais. Percepção porparte dos usuários relacionada àsdemais categorias apresentadas,principalmente em relação à con-fiança. Necessidade de pagarantecipado e pagar taxas de entreganas compras remotas. Compras nomundo real estão bastante associadasa lazer, prazer e socialização.

Questões jurídico-legais e éticas:Implicações trabalhistas e emprega-tícias do CE. Falta de regras e deregulamentação específicas para oambiente digital online, especifica-mente para defesa dos consumidores.Definição das responsabilidadesentre os agentes de CE. Validade evalidação das informações demarketing e dos contratos eletrôni-cos. Privacidade, confidencialidadee segurança. Propriedade intelectuale direito autoral na Internet. Inte-resse governamental em controlar efiscalizar os ambientes e as transa-ções eletrônicas. Dificuldade de selocalizar e punir os infratores eletrô-nicos. Necessidade de adequação dascaracterísticas dos produtos nascompras internacionais frente aquestões socioculturais e legaisnacionais. Responsabilidade socialde todos os agentes de CE.

Questões relacionadas à logísticae distribuição: Existência bastantelimitada da pronta entrega real nomomento das compras eletrônicas.Dificuldades nos processos de pós-venda, relacionadas a devoluções deprodutos e de pagamentos. Dificul-dades relacionadas à assistênciatécnica dos produtos adquiridoseletronicamente, muitas vezes deorigem internacional. Restriçõespara se programar e necessidade dainteração do cliente no momento daentrega dos produtos adquiridos.Limitações nos prazos de entrega dosprodutos adquiridos, especialmentequando próximo de datas especiaiscomemorativas. Distância versus

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custo de transporte agregado ao va-lor final dos produtos.

Exclusão digital: Dificuldade deadoção em função de questõesfinanceiras e da necessidade doaprendizado de novas tecnologias,acarretando a marginalização e oisolamento de muitas comunidades,produtores e mercados consumi-dores, públicos e privados.

Complexidade do ambiente deCE: Ampliação do universo de CE emdiversos ambientes pode torná-lo bas-tante mais complexo: ambientes decomunicações de dados, ambientes deprovimento, ambientes dos agentes,ambientes de segurança, ambientesde armazenamento, ambientes dastransações eletrônicas realizadasatravés da Internet e outros.

Primeiramente, é importanteressaltar as dificuldades de acesso àInternet ainda existentes no país.Desde o surgimento dos primeirosISPs (Internet Service Providers) nadécada de 1990, muitos derivados deantigos empreendimentos BBS(Bulletin Board System), o meio decomunicação mais utilizado paraconectar os usuários individuais aosprovedores de acesso tem sido a linhatelefônica tradicional. Isto porqueesta é certamente a tecnologia decomunicação com a maior capilari-dade no país, e possivelmente a maisbarata por não exigir a implemen-tação de novas estruturas e equipa-mentos. Atualmente verifica-se osurgimento e a adoção de outrosmeios de comunicação e tecnologias,mas ainda é bastante expressiva aproporção de usuários que seutilizam essencialmente das linhastelefônicas tradicionais.

Contudo, tecnicamente estatecnologia de acesso discado ébastante restrita, principalmente pornão permitir um amplo e contínuofluxo de dados (banda estreita), emfunção da conexão multiplexada emuitas vezes da qualidade do circuitoou central telefônica utilizada.

Financeiramente esta tecnologia,associada à utilização como meio decomunicação para acesso à Internet,pode ser relativamente dispendiosapois, além do valor pago ao provedorde acesso, o usuário também devepagar os pulsos consumidos àprestadora de telefonia. Segundo orelatório “Global Online Retailing”(2001) da consultoria Ernest&Young,mesmo com o surgimento dos pri-meiros provedores de acesso gratuitoà Internet no Brasil no final de 1999,o custo total do acesso, baseado nasligações telefônicas tarifadas, aindaé relativamente alto.

Com o intuito de equacionar asdificuldades de acesso à Internet elargura de banda inerentes às linhastelefônicas tradicionais, surgem nopaís no final da década 1990 asprimeiras tecnologias de banda largapara usuários individuais, dentre elasas linhas ISDN (Integrated ServiceDigital Network), xDSL (x DigitalSubscriber Line) – principalmenteADSL (Asymmetric Digital SubscriberLine), Cable Modem (conexão atravésda infra-estrutura de TV por assi-natura), Wireless (significa “sem fio”,em inglês), entre outras.

A restrição da largura de bandaestá associada às dificuldades deutilização dos recursos, ferramentase aplicações de Internet pelos usuá-rios, inclusive aquelas relacionadasao CE. Quando, por exemplo, anavegação é lenta e custosa, existeum menor interesse e prazer dosusuários em dedicar tempo à procurade produtos, serviços, novidades epromoções na Internet. CAMERON

(1999) comenta ainda a existência narede de outras dificuldades eventuaisde utilização, tais como a predomi-nância do idioma inglês, o design e anavegação pouco aprimorados, oprocesso de compra confuso edesestimulante e também a falta deatualização de alguns portais oumarketplace de CE.

No entanto, mesmo com o surgi-

mento destas novas tecnologias debanda larga, permitindo o aprimo-ramento da qualidade geral daconexão e utilização, a sua disponi-bilidade ainda está restrita aosmaiores centros urbanos do país e emdeterminadas áreas específicas decobertura local. Além disso, osvalores cobrados pelas prestadorasde banda larga ainda estão relati-vamente altos, existindo tambémalguns inconvenientes técnicos ecomerciais para a sua ampla adoção,tais como a distância máximarecomendada em relação à centraltelefônica (xDSL), a cobrança deutilização por minuto e por canal dedados (ISDN), as interferências derádio (Wireless), a necessidade deaquisição conjunta do pacote in-cluindo TV por assinatura (CableModem), entre outros.

Outra questão muito importantena análise das restrições ao cresci-mento do CE é a exclusão digitalverificada na Era da Informação.Segundo o relatório “Global OnlineRetailing” (2001) da consultoriaErnest & Young, no Brasil no ano2000, somente 6% dos domicíliospossuíam microcomputadores esomente 1% dos domicílios possuíamacesso à Internet. No entanto, esterelatório confirma que cerca de 55%dos atuais internautas brasileirosefetuaram compras eletrônicas nosúltimos 12 meses, adquirindo pelomenos um item, sendo que 89% dosatuais internautas pretendiamrealizar compras através da Internetno ano seguinte.

Por um lado, a exclusão digitaldiz respeito às dificuldades ou mes-mo impossibilidade de acesso àInternet por uma imensa parcela dapopulação, incapaz de arcar com oscustos do serviço de acesso à Internete da tarifação das linhas telefônicas.Em grande medida, esta parcela dapopulação sequer tem acesso aosistema de telefonia público e àmicroinformática, devido principal

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tributação desta nova modalidade decomércio. Além disso, outros impor-tantes aspectos legais ainda sãocontroversos e não foram completa-mente equacionados, como por exem-plo, a validade dos contratos eletrô-nicos, a questão da privacidade e apropriedade intelectual na Internet.

Outras questões relevantes po-dem ser também relacionadas comorestrições à adoção e ao crescimentodo CE. Dentre elas, a falta de instru-mentos adequados para a mensu-ração do CE, a falta de interação etroca de experiências entre osconsumidores, a falta da flexibilidadenas negociações entre os usuários eas empresas na Internet, as impli-cações trabalhistas, o perfil socio-econômico dos usuários, a baixaadoção e utilização de cartões decrédito no Brasil, determinadasquestões éticas, a conveniência dascompras eletrônicas e prazos deentrega dos produtos adquiridos, adespersonalização da atividadecomercial associada à dificuldade dese complementar os processos decompra e venda tradicionais peloseletrônicos, entre outras.

Por outro lado, alguns autores epesquisas sugerem que todas estasbarreiras anteriormente menciona-das já estão sendo normalmentesuperadas, à medida que os consumi-dores estão se tornando mais expe-rientes na Internet.

Dentre todas as restrições aocrescimento e à abrangência do CE,não seria exagero afirmar que arestrição mais analisada, controver-tida, relevante e complexa dizrespeito à segurança existente naInternet, ou melhor, à existência ounão de segurança nas comunicaçõesde dados e nas transações eletrônicasrealizadas através da Internet.

“Alguns obstáculos devem sersuperados pelo comércio eletrônicopara ser implementado amplamente,incluindo-se segurança, confiabili-dade e restrições de banda. O líder

mente a restrições financeiras eeducacionais. Por outro lado, a exclu-são digital significa a marginalizaçãoe o isolamento de muitas comu-nidades, produtores e mercadosconsumidores de produtos, serviços,informações e conhecimento, públi-cos e privados.

ALBERTIN (2001) aponta clara-mente a adoção, tanto por parte dosusuários quanto por parte dasorganizações, como o grande desafioao crescimento e à consolidação doCE no Brasil. Após o declínio dos em-preendimentos “ponto-com” obser-vado no início da presente década, ea conseqüente restrição e seleção dosnovos investimentos, esta questão setornou ainda mais essencial.

A pouca experiência dos usuáriosem compras remotas também difi-culta a adoção e o crescimento doCE. Diferentemente dos padrõesculturais e comportamento de com-pra existentes nos EUA e em muitospaíses da Europa, no Brasil o hábitode compras remotas, ou seja, com-pras realizadas a distância – porexemplo por telefone ou catálogo,ainda é pouco difundido. MIYAZAKI eFERNANDEZ (2001) comprovam queusuários com ampla experiência decompras remotas, não necessaria-mente eletrônicas, são mais propen-sos a comprar também através demeios eletrônicos como a Internet,uma vez que percebem menos riscosnesta modalidade de comércio.

Durante muitos anos o paíssofreu com a instabilidade econô-mica e com o expressivo processo emecanismos inflacionários. Nesteperíodo, tornou-se pouco prática aconfecção e divulgação de catálogosimpressos de produtos, uma vez queos preços respectivos se alteravamantes mesmo do recebimento destescatálogos pelos possíveis clientes.Com o recente advento dos catálogoseletrônicos, e com a relativa estabi-lidade econômica percebida nosúltimos anos, tal dificuldade de

atualização foi inicialmente supe-rada. Contudo, o hábito ou mesmo aexperiência de compras remotas sãorelativamente novos para grandeparte da população brasileira, o quesugere a existência de uma preocu-pação ou desconfiança naturaisdestes usuários com relação ao CE.

“Considerando que os consumi-dores que adotaram estes métodos decomunicação à distância (por exem-plo: telefone e correio), com o propó-sito de realizarem transações de com-pras, tem provavelmente percebidoníveis de riscos relativamente baixosassociados a essa forma de comércio,conclui-se que estes indivíduos teriammenos preocupações e perceberiammenos risco com relação a comprasonline (outro método de compras àdistância) que os consumidores queainda não realizaram compras portelefone ou correio.” (MIYAZAKI e FER-NANDEZ, 2001, p. 30-31).

Além da pouca experiência emcompras remotas, também a rela-tivamente nova experiência deInternet dos usuários dificulta aadoção e o crescimento do CE.Justamente por desconhecer ascomplexas estruturas e os problemasexistentes na rede, estes novosusuários evitam assumir riscos nãototalmente mensurados, como porexemplo efetuar transações eletrô-nicas na rede. Acredita-se que estarestrição possa ser rapidamente efacilmente superada, à medida queos usuários utilizarem mais asferramentas e os recursos existentesna Internet, mesmo aqueles nãonecessariamente relacionados ao CE.

Um aspecto muito importante naanálise das restrições ao crescimentodo CE é a falta de regras e de regula-mentação específicas para o ambien-te digital online. CHIDI e PERERA

(2001) sugerem que esta regulamen-tação diz tanto respeito às leis ejurisprudência específicas sobre osdiversos aspectos do CE, quanto aosinteresses governamentais e à

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entre estes desafios é a segurança, atecnologia que capacita o comércioeletrônico. As comunicações e os pa-gamentos seguros tornam possíveis astransações financeiras online.”(CAMERON, 1999, p. 22-23).

A pesquisa “GVU’S 10TH WWWUSER SURVEY” (1998), realizada peloGeorgia Institute of Technology,revelou que mais de 85% dos inter-nautas respondentes consideraram asegurança como um fator signifi-cante ou decisivo para a sua decisãode realização de negócios eletrônicosatravés da Internet.

Segundo estudo do CYBER DIALO-GUE (2001), o comércio eletrônico namodalidade negócio-a-consumidor(B2C) nos EUA acumula perdasequivalentes a US$ 6,2 bilhões aoano, em decorrência da preocupaçãodos internautas com relação àsegurança e privacidade de seusdados. Aproximadamente 27% dosentrevistados afirmaram que jáabandonaram os procedimentos decompra online por medo de teremsuas informações pessoais reveladassem autorização.

ALBERTIN (2001), comentando osresultados da “Pesquisa FGV – Co-mércio Eletrônico no MercadoBrasileiro” realizada neste mesmoano, evidencia a relevância dosaspectos de privacidade e segurançapara o CE também através daavaliação empresarial, justamentepor tais aspectos estarem direta-mente relacionados com a percepçãodos clientes.

De forma semelhante, contudodo ponto de vista dos internautas, osautores MIYAZAKI e FERNANDEZ (2000e 2001) apontam o risco percebidopelos usuários, relacionado essen-cialmente à segurança e à privaci-dade na Internet, como sendo um dosprincipais obstáculos para o futurocrescimento do CE.

“A percepção de risco dos consu-midores com relação à venda a varejoonline recebem uma atenção limitada

apesar das implicações para ocomércio eletrônico. Embora algumaspesquisas anteriores sugiram que aspercepções de risco pouco representemna adoção ou não de compras online,vários estudos recentes da indústria edo governo julgam ser a percepção derisco o obstáculo principal para ofuturo crescimento do comércioonline.” (MIYAZAKI e FERNANDEZ, 2001,p. 27).

Estes autores identificam aindaopiniões divergentes quanto àrelevância da questão da segurançapara o CE. Se por um lado muitosagentes de CE consideram que ofator tempo será capaz de minimizara preocupação dos usuários relacio-nada à privacidade e segurança nestamodalidade de comércio, por outrolado outros agentes entendem quequanto maior a experiência de Inter-net dos usuários, associada a ummaior conhecimento dos riscos en-volvidos através da expressiva divul-gação pela mídia, maior será a per-cepção de risco destes internautas.

Do ponto de vista organizacional,segundo MEAKIN (2000), diversos sãoos fatores que podem dificultar aexpansão do CE, considerando quea maioria das empresas já realizanegócios eletrônicos através da Inter-net. Dentre estes fatores, considera-dos também como necessidades, umadas mais urgentes e relevantes dizrespeito à segurança eletrônica.

Segundo VIEIRA e NIQUE (1999),em pesquisa realizada com internau-tas do Rio Grande do Sul, a seguran-ça pode ser entendida como umabarreira para o crescimento do CEpois este fator está bastante relacio-nado com as expectativas e receiosdos usuários que nunca compraramatravés da Internet.

O termo segurança é incrivel-mente vago e abrangente. Segurançana Internet, então, é um conceitopraticamente místico. Segurança seconfunde facilmente com privaci-dade, ao mesmo passo em que a falta

de segurança se confunde com risco.Segurança muitas vezes é entendidacomo confiança, e vice-versa. Segu-rança envolve aspectos técnicos ejurídicos, mas segurança pode serentendida como um aspecto basica-mente subjetivo de percepção. Apercepção da segurança, por sua vez,pode ser analisada sob o ponto devista corporativo e, alternativamente,sob o ponto de vista dos internautas.Ainda, segurança pode estar relacio-nada com a própria concepção daInternet e sua infra-estrutura, ouestar restrita aos meios de pagamen-to e transações eletrônicas.

Do ponto de vista organizacional,a segurança poderia ser entendidacomo um substantivo, sendo compos-ta pela combinação de diversosrecursos tecnológicos, políticasempresariais, treinamento, preven-ção, entre outros fatores, caracteri-zada então como uma atribuição oumissão específica de determinadodepartamento.

“A segurança é uma combinaçãode práticas de gerenciamento, conhe-cimento, políticas e treinamento comtecnologia que pode reforçar medidasde segurança. A tecnologia sozinha éinsuficiente para responder aosdesafios que a Internet apresenta.”(CAMERON, 1996, p. 24).

Do ponto de vista dos internau-tas, a segurança poderia ser enten-dida como um adjetivo, relacionadaà percepção de risco ou então àconfiança dos usuários em relaçãoaos ambientes, tecnologias e agentesde CE. Obviamente, esta análiseenvolve também o reconhecimentoda segurança como um aspectotécnico ou de infra-estrutura, mas deresponsabilidade dos agentes de CE.

Existe uma observação napesquisa “GVU’S 10TH WWW USER

SURVEY” (1998), realizada peloGeorgia Institute of Technology, am-pliando a compreensão do termosegurança para os internautas, nestecaso, incluindo também os signifi-

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negativo para os internautas, apesarda percepção positiva da segurança,quando desvinculada de controle.Verifica-se então um conflito entresegurança e privacidade, quandoestas questões estão relacionadas acontrole.

“A privacidade significa queaquele (indivíduo ou entidade) a quemse refere a informação pode participarno controle da informação. [...]Portanto, a privacidade requer meca-nismos, políticas e tecnologia de segu-rança para proporcionar o controle dainformação. [...] A ironia commecanismos de segurança é suacapacidade de prevenir a privacidadegarantindo que o indivíduo ou enti-dade a quem se refere a informação nãotenha nem controle ou conhecimentoda utilização dessa informação. [...] Osriscos da privacidade provêm daassociação da informação com apessoa. [...] Portanto, o anonimatogarante a privacidade. Naturalmente,o anonimato pode levar a condutascondenáveis. [...] O anonimato e aintegridade aqui pode estar emconflito.” (KEEN et alii, 2000, p. 63).

Para muitos usuários e algumaspesquisas, o termo “segurança” com-preende também “confiança”, princi-palmente quando analisada apercepção inconsciente dos usuárioscom relação à segurança e priva-cidade. Contudo, KEEN et alii (2000)invertem esta relação, ao sugeriremque “confiança” significa muito maisdo que segurança, privacidade oumesmo a percepção destas questões.Para os autores, confiança pode serdefinida tanto como comportamentoou atitude quanto como percepção,e compreende vários aspectos taiscomo segurança, privacidade,honestidade, reputação, marca, leisde proteção ao consumidor etc.

“Começamos com uma definiçãodireta e sincera de confiança: credi-bilidade na relação comercial.Estendemos esta definição paraincluir algumas definições de risco e

concentrando nas relações que sãorealizadas diretamente através decomputadores e telecomunicações.Juntos, criam e mantém o elo deconfiança: segurança, proteção,honestidade, leis de segurança aoconsumidor, contratos, privacidade,reputação, marca, interesse mútuo emuitos outros fatores.” (KEEN et alii,2000, p. 2).

Estes autores sugerem ainda quea construção da confiança estácondicionada à compreensão eminimização de riscos para oestabelecimento de relacionamentosduradouros e confiáveis, indispen-sáveis principalmente no CE, umavez que não existe contato face a facena interação entre os agentes de CE.

MIYAZAKI E FERNANDEZ (2000 e2001), por sua vez, relacionam orisco à segurança e privacidade naInternet, seja este risco existente oupercebido pelos consumidores. Destaforma, estes autores e BHATNAGAR

(2000) evidenciam a percepção derisco dos usuários como o principalfator de restrição à futura adoção doCE, e analisam a importância dosrelacionamentos desta percepção derisco com a experiência de Internetdos usuários e o seu comportamentode compra.

Contudo, o risco não é necessa-riamente uma restrição ao CE oualgo pejorativo. NEGROPONTE (2000)argumenta que o risco pode sertambém uma característica cultural,e que assim a percepção de riscopode ser tanto positiva quantonegativa. Em outras palavras, riscopode tanto inibir quanto fomentar ocrescimento do CE. “Um outro efeitocolateral do mundo digital é que riscoé freqüentemente celebrado, e nãominimizado.” (NEGROPONTE, 2000, p.417).

KOVACS e FARIAS (2000) relacio-nam em sua pesquisa bibliográficasobre o assunto as seguintes formasde risco existentes: risco financeiro,social, psicológico, de tempo, de

cados de privacidade, confiden-cialidade e prova de identidade.

A questão da privacidade, porsua vez, está intimamente relacio-nada com a questão da segurança e,por este motivo, muitos internautase até mesmo agentes de CEconfundem os seus significados eimplicações. Justamente por existiresta inter-relação, os aspectos daprivacidade também são reconhe-cidos como alguns dos maioresobstáculos para o crescimento do CEe, conseqüentemente, de toda aeconomia.

Por um lado, privacidade signi-fica anonimato, na medida em queas informações existentes e coletadassobre determinada pessoa ouorganização não possam ou nãodevam ser compartilhadas comoutras pessoas, governos ou organi-zações, sem o expresso conhecimentoe consentimento de todos os en-volvidos. Por outro lado, privacidadediz respeito aos direitos dos usuáriose organizações de não serem desti-natárias de correspondências não-solicitadas, eletrônicas ou não, e denão terem a sua navegação naInternet direcionada, conduzida oumesmo monitorada por qualquertecnologia de personalização.

Os aspectos da privacidade nãodizem respeito somente às questõestécnicas e legais, mas também àsquestões éticas e econômicas, na me-dida em que influenciam a percepçãode risco dos usuários. SegundoMIYAZAKI e FERNANDEZ (2000 e 2001),aparentemente a percepção de riscocom a ausência de privacidade naInternet influencia negativamente adecisão de compra dos internautas.

Privacidade requer, entre outrosaspectos, a adoção de mecanismos etecnologias de segurança paragarantir o controle da informação. Sepor um lado os aspectos da seguran-ça propiciam este controle, por outrolado o controle exercido pelosagentes de CE parece ter um aspecto

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não teve por objetivo mensurá-loscomparativamente, mas sim iden-tificá-los com partes de uma questãomais abrangente, pois somenteconhecendo todos os obstáculos emsuas diversas particularidades e emconjunto é que então será possívelsuperá-los.

Implicações e contribuições

Como esta pesquisa deu prefe-rência à amplitude, e não à profun-didade, na análise dos diversos fatoresde restrição, surgem como oportu-nidades os estudos referentes justa-mente à profundidade destes fatoresapresentados, ou seja, uma análisedetalhada e mais profunda sobre cadaum destes fatores isoladamente.

Seria também bastante relevanteum estudo que mensurasse e classi-ficasse os diversos fatores apresen-tados em função da sua importânciarelativa a esta questão, tanto doponto de vista corporativo como tam-bém individual. Esta classificaçãopermitiria aos agentes de CE o desen-volvimento e o aprimoramento dassuas estratégias de negócios eletrô-nicos na Internet e, possivelmente,também a superação ou minimizaçãode algumas das mais relevantesrestrições ao crescimento do CE,prioritariamente.

A principal contribuição destetrabalho foi relacionar sistematica-mente tanto as potenciais restriçõesao crescimento e à abrangência docomércio eletrônico quanto algumasrespectivas referências bibliográ-ficas, atualizadas até uma certa data,de modo a facilitar pesquisas e tra-balhos posteriores que fizerem refe-rência a esta questão.

Uma versão ampliada desteartigo, com diversas outras referên-cias acadêmicas, transcrições etraduções, poderá ser obtida noseguinte endereço eletrônico:http://www.adrian.cernev.com.br/pu-blica.htm. !

futura oportunidade perdida, físico,de satisfação, de performance / fun-cional, inerente e risco manipulado.No meio virtual, os autores sugeremque os riscos mais prováveis sejam:financeiro, social, de performance,de satisfação e de tempo.

Em uma análise posterior, osmesmo autores compararam a per-cepção de risco entre o grupo deinternautas que já compraram e ogrupo de internautas que nuncacompraram através da Internet,constatando que existe uma diferençade percepção significativa entre osdois grupos. Esta percepção de riscoaparentemente teria uma relaçãoinversa com as compras eletrônicasrealizadas através da Internet.

Outros fatores são também im-portantes e relevantes nas análisesdas restrições ao crescimento e àabrangência do CE, conformequadro anteriormente apresentado.

Considerações sobre a pesquisa

Aparentemente, existe um “sensocomum” que considera questõesrelativas à segurança na Internetcomo a maior restrição para o cresci-mento do CE, independentemente deestar baseada em fatos ou na per-cepção dos usuários. Muitas vezesconsidera-se que a segurança naInternet é o único grande obstáculopara a consolidação dos negócioseletrônicos, uma vez que os usuáriosde Internet não compram simples-mente porque não se sentem segurosnesta forma de comércio e principal-mente nas transações eletrônicas. Osdemais fatores seriam relativamentemenos importantes. A segurança naInternet passou a ser, então, o “bodeexpiatório” que justifica as previsõesfrustradas de muitos estudiosos e osinsucessos de inúmeros empreendi-mentos na Internet.

Todavia entende-se que outrosfatores de restrição são também rele-vantes nesta análise. Esta pesquisa

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Referências Bibliográficas

RESTRIÇÕES AO CRESCIMENTO E À ABRANGÊNCIA DO COMÉRCIO ELETRÔNICO

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2224

O ÍNDICE PREÇO-LUCRO (P/L) E SUA RELAÇÃOCOM O RISCO E O RETORNO DE CARTEIRAS DEAÇÕES NA BOLSA DE VALORES DE SÃO PAULO

MARCO AURÉLIO VALLIM R. DA SILVA

Palavras-Chave: Eficiência do mercado, anomalias do

efeito P/L e modelo de apreçamento de ativos (CAPM).

Keywords: market efficiency, price-earnings (P/E)

anomaly and CAPM - Capital Asset Pricing Model.

MARCO AURÉLIO VALLIM REIS DA SILVA – Mestre em Economia pelaPUC-SP, Professor do Depto. de Administração do CentroUniversitário da FEI, Consultor de Investimentos.

O objetivo deste artigo foi verificar empirica-

mente a existência da anomalia do efeito preço-

lucro (P/L) na Bolsa de Valores de São Paulo, no

período compreendido de março de 1992 a

fevereiro de 1997. Procuramos comprovar que esta

anomalia se verifica no mercado acionário

brasileiro, isto é, carteiras de ações formadas com

baixos índices P/L tendem a apresentar rentabi-

lidades maiores que as carteiras com elevados

índices P/L, mesmo em se ajustando ao risco

sistemático, medido pelo Capital Asset Pricing

Model (CAPM). Desse modo, tal evidência

compromete a hipótese de eficiência do mercado

acionário a partir da utilização do CAPM como

modelo de equilíbrio de mercado.

The objective of this article was to

empirically determine the existence of the

price-earnings ( P/E) anomaly on the São

Paulo Stock Exchange, from March 1992

to February 1997. We sought to show

that that anomaly can be traced in the

Brazilian Stock Market. That is, stock

portfolios with low P/E ratios tend to

present higher yields than those with high

P/E ratios even when adjusted to

systematic risk as measured by the

CAPM – Capital Asset Pricing Model.

Thus such evidence goes against a

hypothesis of stock market efficiency

based on the CAPM.

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 22 25

normal, teremos uma evidênciacontra a eficiência do mercado acio-nário ou uma anomalia do mercado.Entre as principais anomalias encon-tradas destacam-se: o efeito janeiro, oefeito tamanho, o efeito P/L, o efeitoCotação/Valor patrimonial, o efeito dadivulgação de splits, anomalia do nívelde endividamento e etc.

As conseqüências de um merca-do ser ineficiente são várias. Assimpor exemplo, a análise fundamen-talista poderia ser lucrativa, uma vezque existiriam diversas ações queestariam sendo negociadas por preçosabaixo de seu valor intrínseco eoutras, por preços superiores a seuvalor potencial de venda, proporcio-nando lucros nas transações; tambémpoderiam ser obtidas vantagens naanálise gráfica, pois as informaçõessendo absorvidas de forma defasadairiam permitir o ajuste mais demo-rado das ações, fato que possibilitariaa visualização em gráficos dessatendência e a obtenção de operaçõeslucrativas. Uma outra implicaçãoseria a invalidação dos modelos dediversificação de ativos e da Teoria doMercado de Capitais, pois estes estãocentrados em hipóteses que pressu-põem mercados eficientes.

A anomalia do efeito preço lucro (P/L)

Um dos primeiros trabalhosempíricos sobre a anomalia do índicepreço-lucro (P/L), levando-se emconsideração o risco, foi feito porBASU (1977). O estudo foi realizadono período de abril de 1957 a marçode 1971, com ações da Bolsa deValores de Nova York. As suas prin-cipais conclusões apontaram que osportfolios formados com ações combaixos índices P/L, proporcionaram,na média, retornos maiores e commenor risco sistemático, medido peloíndice beta, que os portfolios comaltos índices P/L. As informações

contidas no índice P/L não estavamtotalmente incorporadas nos preçosdos ativos de maneira instantânea,como se postula na hipótese de eficiên-cia semiforte, possibilitando, dessamaneira, a obtenção de retornosextraordinários pelos investidoresque adoram a estratégia de formarcarteiras com baixos índices P/L .

REINGANUM (1981) pesquisou arelação empírica entre a rentabi-lidade, o índice L/P (inverso do índiceP/L) e o efeito tamanho, no períodocompreendido entre 1962 a 1975 naBolsa de Valores de Nova York.Analisou inicialmente os efeitos deforma separada e, posteriormente, deforma conjunta. O seu objetivo foiverificar se estes efeitos eram inde-pendentes. Suas observações aponta-ram que as carteiras com maioresíndices L/P apresentaram retornosexcessivos maiores que as carteirascom menores índices L/P. O índicebeta, por outro lado, foi maior nascarteiras com menores índices L/P. Deacordo com os dados obtidos dainteração entre dos dois efeitos, oautor concluiu que houve evidênciasda presença do efeito valor demercado quando se controla o níveldo índice L/P, enquanto o inverso,controlando o nível de valor demercado, não não acusou diferençassignificativas no índice L/P.

Em um novo trabalho, BASU

(1983) procurou reexaminar a inte-ração entre o índice L/P (inverso doP/L), o tamanho da firma e a lucra-tividade das ações ordinárias. Operíodo analisado foi de dezembro de1962 a dezembro de 1978, na Bolsade Valores de Nova York. Primeira-mente as lucratividades das carteirasforam analisadas separadamente emfunção do índice L/P e tamanho dafirma. A medida do risco foi feita pelodesvio padrão das lucratividades epelo CAPM. No caso do desvio padrãodas rentabilidades, as carteiras com

Introdução

A busca de prever antecipada-mente as oscilações de preços domercado acionário, e com isso obtermelhor retorno, é o objetivo de muitosinvestidores. Dessa forma, um assun-to muito tratado na área de Finançastem sido a hipótese de eficiência domercado acionário. Tal concepçãoparte da premissa de que um inves-tidor não poderia obter um retornoextraordinário, ajustado ao risco, nomercado de ações. No entanto, mui-tos estudos empíricos têm compro-vado o contrário, ou seja, a partir dealgumas estratégias de investimentosé possível obter retornos maiores comum menor nível risco.

Os testes de eficiência de mercadosão atualmente classificados deacordo com a nova proposta de FAMA

(1991) em três grupos principais: ostestes de previsibilidade de retornos,estudos de eventos e testes de informa-ção privada. Os testes empíricos deprevisibilidade de retorno baseiam-sena análise da aleatoriedade temporalde taxas de rentabilidade das ações eprocuram verificar a eficiência fracado mercado. Os estudos de eventosestão relacionados à divulgaçãopública de informações e correspon-dem aos testes de eficiência semiforte.E por último, os testes de informaçãoprivada, que examinam informaçõesprivilegiadas e correspondem aostestes de eficiência forte. Os testes deeficiência do mercado podem serajustados ou não ao risco. Os testesajustados ao risco utilizam, namaioria das vezes, o Capital AssetPricing Model – CAPM1 como modelode mercado. Assim, partindo dapremissa de que o modelo de preci-ficação esteja correto, ou seja, espelheo equilíbrio de mercado, não deve-riam existir retornos extraordináriosajustados ao risco dos títulos. Entre-tanto, caso ocorra retorno acima do

1 Esse modelo permite encontrar o valor esperado de uma ativo de risco em função do seu risco sistemático, chamado índice beta (!) que é a medida de volatilidade dos retornosde um título com relação aos retornos do mercado como um todo.

O ÍNDICE PREÇO-LUCRO (P/L) E SUA RELAÇÃO COM O RISCO E O RETORNO DE CARTEIRAS DE AÇÕES NA BOLSA DE VALORES DE SÃO PAULO

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2226

maiores índices L/P obtiveram renta-bilidades maiores e com menoresriscos que as carteiras com menoresíndice L/P. Sua conclusão final dainteração entre as anomalias apontouque ao efeito L/P se mantém, mesmoquando se controla o valor de mer-cado. O inverso, entretanto, contro-lando o índice L/P, o efeito valor demercado praticamente desapareceu.Dessa forma, para BASU, o efeito L/Pdomina o efeito valor de mercado,resultado que se contrapõe aos acha-dos de REINGANUM (1981).

COOK & ROZEFF (1984) analisaramas interações entre as anomalias doefeito janeiro, efeito L/P e efeito valorde mercado. Como os trabalhos ante-riores apresentavam-se contradi-tórios em relação às interações dessasanomalias, principalmente tamanhoe P/L (o efeito tamanho domina oefeito P/L ou vice-versa?), o objetivodo estudo foi o de verificar estasinterações. De uma maneira geral, asprincipais conclusões foram: Os trêsefeitos observados separadamenteforam confirmados. Os efeitos valorde mercado e índice P/L são obser-vados em todos os meses do ano.Entretanto, cerca da metade de cadaefeito ocorreu em janeiro e a outrametade nos demais meses do ano.Sendo assim, as interações entre osefeitos valor de mercado e mês dejaneiro e entre índice L/P e mês dejaneiro mostraram-se mais significa-tivas. Não houve interação significa-tiva entre valor de mercado e índiceL/P. Como se vê, os achados dosautores contrariaram os estudosanteriores de interações entre o valorde mercado e índice L/P.

DOWEN & BAUMAN (1986) exami-naram três anomalias: o efeitotamanho da firma, o efeito P/L e oefeito negligência. Este último estáassociado aos retornos anormais quegeralmente são proporcionados pelasações que não fazem parte dascarteiras dos grandes investidoresinstitucionais. As principais conclu-

sões dos autores foram: o efeito tama-nho foi muito consistente durantetodo o período analisado; o efeitonegligência foi dominado pelo efeitotamanho e o efeito P/L apresentou-seindependente das outras duas anoma-lias, isto é, do efeito tamanho e do efeitonegligência. Além disso, concluem nãohaver retornos significantes quandoestes efeitos são adotados comoestratégia anual, ou seja, a formaçãode portfolios que empreguem um oumais desses efeitos somente conse-guem obter maiores sucessos deretornos quando são empregados emperíodos maiores de tempo.

O estudo de JAHNKE, KLAFFKE &OPPENHEIMER (1987) teve como obje-tivo comparar a performance de car-teiras baseadas na seleção de ativosconforme os índices P/L, eliminandoo efeito tamanho, e analisar a condu-ta dos investidores institucionaisdiante desta estratégia, levando-se emconsideração as suas metas e os seusobjetivos. De acordo com os autores,os administradores institucionaisparecem não estar convencidos deque a estratégia de formar carteirascom baixos índices P/L tende a pro-porcionar retornos acima do normal.Os autores concluem que os resulta-dos obtidos foram consistentes comas evidências anteriores: portfolioscom elevados P/L não produzemmelhores performances que os portfo-lio com baixo índice P/L. Esta evidên-cia continuou mesmo após a elimina-ção de pequenas firmas que poderiamter retornos extraordinários.

JAFFE, KEIM & WESTERFIELD (1989)reexaminam os efeitos do índiceLucro/Preço (L/P), tamanho da firmae efeito janeiro. O objetivo foi o deverificar as interação entre os efeitos,uma vez que os estudos anteriorescontinuavam a apontar divergências.Em conseqüência, a análise compre-endeu um período maior de tempo,foi de 1951 a 1986, evitando dessaforma, a formação de tendências. Osautores incluíram na amostra empre-

sas que apresentaram prejuízo.Foram incluídas firmas da Bolsa deValores de Nova York e da AMEX. Oefeito L/P foi significante no mês dejaneiro e também nos outros onzemeses. Os retornos dos portfolios comelevados L/P, de uma maneira geral,foram superiores aos portfolios combaixo índice L/P. Quanto ao risco,medido pelo índice beta, estes tende-ram a diminuir quando se caminhoudo portfolio de menor índice L/P parao de maior índice L/P. Suas principaisconclusões foram: o efeito L/P foisignificante no mês de janeiro etambém nos outros onze meses. Osretornos dos portfolios com elevadosL/P, de uma maneira geral, foramsuperiores aos portfolios com baixoíndice L/P. Quanto ao risco, medidopelo índice beta, estes tenderam adiminuir quando se caminhou doportfolio de menor índice L/P para ode maior índice L/P. A carteira for-mada com empresas que apresenta-ram prejuízo demonstrou um riscosuperior que as demais carteiras. Ointeressante foi que esta carteirasuperou a lucratividade de muitascarteiras com índices L/P positivos.Nos dois períodos analisados, o efeitotamanho foi significante no mês dejaneiro, mas não nos demais mesesdo ano. Entretanto, quando analisadoo período total, ele foi significante. Osautores sugerem que os resultadosanteriores dos estudos conflitavamem razão de os efeitos terem ocorridoem períodos específicos.

O trabalho de HAZZAN (1991)realizado no mercado acionáriobrasileiro objetivou analisar asanomalias do efeito P/L e do efeitotamanho da firma no períodocompreendido entre junho/1981 atémaio de 1988. As conclusões geraisde seu trabalho foram: As carteirascompostas de ações com P/L baixotenderam a proporcionar melhordesempenho do que as de P/L alto,mesmo em se levando em conta osriscos total e sistemático. Dessa

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 22 27

forma, o autor rejeitou a hipótese daeficiência do mercado e do CAPMcomo modelo de mercado. As car-teiras formadas com empresas debaixo valor de mercado apresentarammelhor desempenho que as carteirascom elevado valor de mercado,também levando-se em consideraçãoo risco total e sistemático. Quanto àsinterações entre as anomalias, houveindícios de que o efeito P/L domina oefeito tamanho.

O estudo de FULLER, HUBERTS &LEVINSON (1993) teve como objetivoinvestigar se a estratégia de formarportfolios com elevados L/P (inversodo P/L) tende a proporcionar retor-nos anormais, e, no caso afirmativo,quais seriam os motivos. Como aquestão inicial foi confirmada, isto é,as carteiras com elevados índices L/Pproporcionaram retornos anormais,alfas positivos, enquanto as carteirascom baixos índices L/P geraramcoeficientes alfa negativos, os autoresprocuraram investigar quais osfatores que poderiam explicar estaanomalia. Inicialmente procuramsaber se estes retornos anormaisestariam associados com as taxas decrescimento dos lucros futuros.Posteriormente, analisaram os errosde projeções de analistas e por último,se este retorno anormal estariarelacionado com as omissões defatores de risco. O estudo cobriu operíodo de abril de 1973 a março de1991. Os autores concluíram que ocrescimento dos lucros futuros, oserros das projeções dos analistas e orisco não puderam explicar osretornos anormais proporcionadospela estratégia de formar carteirascom altos índice L/P. Eles finalizamo estudo afirmando que “o efeito L/Pcontinua a ser um enigma”.

Como pudemos observar a maiorparte dos estudos realizados parece

comprovar o fato de que a estratégiade compor carteiras com baixo índiceP/L ou elevado índice L/P (inverso doP/L) conduz a retornos acima damédia quando comparados aosretornos das carteiras com elevadosíndices P/L ou baixos índices L/P. Osestudos que procuraram demostrar asinterações entre os efeitos tamanho,P/L e janeiro têm produzido resul-tados contraditórios. Algumas vezeso efeito P/L domina o efeito tamanhoe outras vezes ocorre o contrário.Além disso, em outros trabalhos estesefeitos são distintos. A maioria dascontrovérsias relaciona-se aosmétodos empregados e aos períodosanalisados. Apesar desses problemas,uma questão praticamente fica clara:os estudos do efeito P/L, ou seu inver-so, índice L/P, demostraram retornosanormais, quando ajustados ao riscomedido pelo CAPM. Este efeitocompromete a hipótese de eficiênciado mercado utilizando-se o CAPM co-mo modelo de equilíbrio de mercado.

Coleta de dados e metodologia

O estudo foi realizado com asações negociadas na Bolsa de Valoresde São Paulo no período compreen-dido de março de 1992 a fevereiro de1997. O critério de seleção foi feitopelo volume de negócios no exercíciode 1996. Assim, fizeram parte da amos-tra 98 ações que apresentaram umvolume negociado superior a US$ 27milhões, em 1996. As séries históricasdas cotações das ações e do ÍndiceBovespa foram obtidas no banco dedados da ECONOMÁTICA – Sotwarede Apoio a Investidores e da LAFIS –Informações e Pesquisa de Investi-mentos em Ações na América Latina.

Para eliminar o efeito inflacioná-rio utilizamos como deflator o dólaroficial de venda. Desta maneira, as

cotações ajustadas e o índice Bovespado último dia de cada mês foramdivididos pelo dólar oficial de vendada respectiva data.

A metodologia utilizada para aformação das carteiras foi semelhantea de HAZZAN (1991:70-83). Em cadaperíodo anual foram calculados osíndices P/L com base na cotação defechamento, sem ajustes, e transfor-mados em dólar de março2 de cadaano, dividido pelo lucro líquido poração em dólar (quantidade de açõesno mês de março) do balanço dasempresas encerrado no final de cadaano. Somente compuseram ascarteiras as ações que apresentavamíndice P/L positivos.

Com base nesse indicador foramconstituídas, inicialmente, quatrocarteiras A, B, C e D em ordem cres-cente. Assim, a carteira A foi consti-tuída com aproximadamente 25% dasações da amostra (em alguns períodosisto não foi possível), que apresen-tavam os menores índices P/L. Acarteira B, com os 25% seguintes, acarteira C com os próximos 25%,enquanto a carteira D com os 25% deações restantes, que apresentaram osmaiores índices P/L. Anualmente, nomês de março, as carteiras foramreavaliadas, mantendo-se o mesmoprocedimento da sua constituição. Namédia as carteiras foram compostaspor 17 ações.

Como as carteiras foram forma-das com igual ponderação, suas ren-tabilidades foram obtidas por meio damédia aritmética das rentabilidadesdas ações, ajustadas e em dólar, quea constituíram.

Na avaliação do risco sistemáticoda carteira foi utilizado o índice betado CAPM – Capital Asset PricingModel, obtido por regressão linear daslucratividades mensais de cadacarteira. Utilizamos como carteira de

2 A razão de termos calculado o índice P/L com base na cotação do mês de março e não do fechamento de dezembro, como é mais amplamente difundido, foi porque asempresas publicam os seus balanços alguns meses após o encerramento do ano. Desse modo, como a maior parte das companhias publica os seus resultados no mês demarço, optamos por calcular o índice com as cotações desse mês, de tal forma que as informações contábeis estariam disponíveis para os investidores, evitando assim,algumas valorizações/desvalorizações causadas pela divulgação dos lucros.

O ÍNDICE PREÇO-LUCRO (P/L) E SUA RELAÇÃO COM O RISCO E O RETORNO DE CARTEIRAS DE AÇÕES NA BOLSA DE VALORES DE SÃO PAULO

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registrou a pior rentabilidadeacumulada 129,83% no período,resultado 33,53% inferior que oÍndice Bovespa. A rentabilidademédia mensal equivalente da carteiraA foi de 3,62% enquanto das carteirasB, C e D foram respectivamente2,29%, 2,23% e 1,42%. Assim, deacordo com os dados obtidos, ficaevidente que a estratégia de comporcarteiras com menores índices P/Lproporciona rentabilidades melhoresquando comparadas às carteiras comíndices P/L maiores.

Quanto ao risco sistemático, me-dido pelo índice Beta do Capital AssetPricing Model (CAPM), a carteira commenor índice P/L, carteira A, curio-samente, não apresentou o maiornível de risco, contrariando a hipó-tese da formulação do modelo. Éinteressante observar que, de umamaneira geral, os graus de riscos,medidos pelo índice beta das car-teiras, não foram muito diferentes. Acarteira A apresentou no período umíndice beta de 0,63, menor que o dascarteiras B e D, espelhando um nívelde risco menor. A carteira C obteve o

menor grau de risco.A fim de verificar a adequação da

regressão linear para se obter o índicebeta foi feito o estudo dos resíduos daregressão. Para isso, utilizamos o testede Durbin-Watson, que verifica aexistência de autocorrelação nosresíduos da regressão. Neste teste, acarteira A foi a única que apresentouautocorrelação dos resíduos. Parasuperar este problema utilizamos omodelo auto-regressivo de primeiraordem (AR1). O coeficiente beta apre-sentado a partir da nova equação deregressão foi de 0,629, praticamenteo mesmo apresentado anteriormente.

Para a análise da estabilidade doíndice beta, utilizamos o teste deChow, que consiste em avaliar a esta-bilidade dos parâmetros do modelo,tendo em vista possíveis mudançasque podem ocorrer na série. De acor-do com os dados obtidos, podemosaceitar a hipótese de estabilidade dosbetas nos dois períodos, para todas ascarteiras.

Para a análise conjunta do retor-no e do risco das carteiras foramcalculados os índices de Sharpe,

mercado o Índice BOVESPA, que éuma carteira teórica baseada nanegociabilidade das ações e não novalor de mercado das companhias.

A taxa livre de risco utilizada nomodelo foi de 0,5% ao mês, uma vezque é a taxa real mensal que remu-nera a caderneta de poupança nomercado brasileiro.

Não foram levadas em conside-ração as despesas com corretagem,pois decorrem do volume negociado,e nem a tributação sobre o ganho decapital, pois varia de acordo com otipo de investidor.

Análise empírica do desempenhode carteiras em relação ao

índice Preço-Lucro (P/L)

O índice Bovespa apresentou noperíodo compreendido de março de1992 a fevereiro de 1997, 59 meses,uma valorização em dólar de245,77%, representando uma renta-bilidade média mensal de 2,12%.Nesse período, a média aritmética dastaxas mensais em dólares do índiceBovespa correspondeu a 2,96% e odesvio padrão em torno dela foi de13,03%.

Estas taxas de lucratividade sãobrutas, ou seja, não levam em consi-deração os custos de transações eimpostos (cf. quadro ao lado).

Quanto à rentabilidade das car-teiras, verificamos, de uma maneirageral, que avançando da carteira A,menor índice P/L, para as carteirassubseqüentes, índices P/L maiores, arentabilidade vai diminuindo. Acarteira A, menor índice P/L, apre-sentou uma rentabilidade de 713,62%no período de março/92 a fevereiro/97, demonstrando uma valorizaçãosuperior ao Índice Bovespa em135,20%. As carteiras B e C, apresen-taram um desempenho inferior ao dacarteira A e uma valorização ligei-ramente superior ao Bovespa, 10,14%e 6,68%, respectivamente. A carteiraD, maior índice P/L, por outro lado,

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 22 29

Treynor e Jensen. Percebe-se que alucratividade média das carteiras(média aritmética das lucratividades),vai decrescendo à medida que cami-nhamos da carteira A para D. Poroutro lado, o risco total das carteiras,medido pelo desvio padrão daslucratividades, de uma maneira geral,cresce, apesar de esses desvios serempequenos. A exceção ficou com acarteira B, que apresentou o maiordesvio padrão. Assim, o índice deSharpe diminuiu ao se passar dacarteira A para D, indicando quequanto menor o índice P/L melhor foio desempenho apresentado pelascarteiras. Em razão da carteira B terapresentado uma lucratividade e umdesvio padrão maior do que a carteiraC, os índices de Sharpe dessas duascarteiras ficaram muito próximos.

O índice de Treynor, obtido peloretorno médio da carteiras menos oretorno médio dos ativos livres derisco dividido pelo índice beta,acompanhou o mesmo resultadoobtido pelo índice de Sharpe. Àmedida que vamos da carteira A paraa carteira D, ele vai diminuindo.

Em relação ao índice de Jensen,que mede os retornos extraordinários,a carteira A foi a que obteve o melhorresultado, coeficiente alfa foi maiorque zero. A carteira D, por outro lado,foi a única que apresentou coeficientealfa negativo, indicando um desem-penho ruim.

Para testar a eficiência de mercadoutilizamos o CAPM como modelo. Paraisso, partimos da seguinte equação:

Ep,t = Rp,t – [RF,t + !p,t (Rm,t – RF,t)],sendo:

Ep,t = retorno extraordinário da carteiraRp,t = retorno da carteiraRF,t = título livre de riscoRm,t= retorno da carteira de mercado!p,t = índice beta da carteira

Supondo a veracidade deste

modelo, as carteiras não deveriamproporcionar retornos extraordináriosajustados ao risco. Entretanto, de acor-do com os testes estatísticos, a cartei-ra A apresentou lucro extraordinário3,diferente de zero. A carteira D, poroutro lado, composta pelas ações commaiores índices P/L, foi a única queapresentou rentabilidade negativa.

Conclusões

A anomalia do efeito Preço-Lucro(P/L) foi confirmada. As carteiras queapresentaram baixos índices preço-lucro tenderam a proporcionarrentabilidades superiores quandocomparadas às carteiras com índicesP/L maiores.

Quanto ao risco sistemático me-dido pelo índice beta do Capital AssetPricing Model (CAPM), era de se suporque as carteiras que apresentassemmelhor rentabilidade deveriam termaior grau de risco. Entretanto, odesempenho da carteira com menoríndice P/L, curiosamente, não apre-sentou o maior nível de risco,contrariando a hipótese da formu-lação do modelo. O teste para aanálise da estabilidade do índice betadurante o período estudado não foirejeitado. Na análise conjunta doretorno e risco, os índices de Sharpe,Treynor e Jensen, demostraram quea carteira com melhor desempenho,carteira A, foi a que apresentou amelhor relação risco/retorno.

A carteira A, com menor índiceP/L, apresentou rentabilidade extra-ordinária levando-se em considera-ção o risco medido pelo CAPM.

De acordo com os resultadosobtidos, o mercado mostrou-se inefi-ciente quando utilizamos o Modelo dePrecificação de Ativos – CAPM comomodelo de equilíbrio de mercado, umavez que a carteira com menor índiceP/L proporcionou rentabilidade extra-ordinária quando comparada àscarteiras com maiores índice P/L. !

Referências Bibliográficas

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3 Mesmo utilizando a Taxa Referencial (TR) como deflator, a carteira A continuou a apresentar retorno extraordinário.

O ÍNDICE PREÇO-LUCRO (P/L) E SUA RELAÇÃO COM O RISCO E O RETORNO DE CARTEIRAS DE AÇÕES NA BOLSA DE VALORES DE SÃO PAULO

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2230

AUTO-ATENDIMENTO VERSUS ATENDIMENTOPESSOAL NO SETOR BANCÁRIO:um estudo exploratório sob a ótica dos estudantesuniversitários

WILSON PIRES

Palavras-Chave: Marketing, serviço, banco,

satisfação, cliente.

Keywords: Marketing, service, bank, satisfaction,

customer.

WILSON PIRES – Mestre em Administração de Empresas pelaFECAP, Professor do Departamento de Administração do CentroUniversitário da FEI.

This is an exploratory study of the section of

services, more specifically of the bank section where we

tried to verify, through quality dimensions (Physical

Appearance, Reliability, Speed of Answer, Safety and

Empathy), the satisfaction in relation to the self-service

and the personal service rendered in this section.

This work was accomplished getting up 16 types

of bank services, that they are quite common, for terms

an idea of the relationship of each one with the

preference and the respondents’ satisfaction, examining

which you/they are the reasons that the bank

customers (acted by a sample of academical students)

they opt for an or other service form, we could

understand and to explain important factors inserted

in this specific branch of service. And the satisfaction

not necessarily, is related with the preference of the

persons, what induce us to deduce that the insistence

for the use of the self service did with the users belive

that it be the best way of service, declaring satisfied.

Este é um estudo exploratório do setor de serviços, mais

especificamente do setor bancário. Nele procuramos

levantar e mensurar, por meio de dimensões de qualidade

(Aparência Física, Confiabilidade, Rapidez de Resposta,

Segurança e Empatia), a satisfação em relação ao auto-

atendimento e o atendimento pessoal prestados neste setor.

Este trabalho foi realizado levantando-se 16 tipos de

serviços bancários, que são bastante comuns, para saber-

mos a relação de cada um com a preferência e satisfação

dos respondentes, examinando quais são os motivos que

levam os clientes bancários (representados por uma amostra

de estudantes universitários) a optar por uma ou outra

forma de atendimento. Pudemos compreender e explicar

fatores importantes inseridos neste ramo de serviço. Nota-

mos também que a satisfação não está necessariamente

relacionada com a preferência das pessoas, o que nos levou

a deduzir que a insistência para a utilização do auto-aten-

dimento fez com que os usuários acreditem que este seja o

melhor dos meios de atendimento, declarando-se satisfeitos.

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 22 31

Introdução

Com a experiência adquirida nosetor bancário, pareceu-nos impor-tante compreender melhor as formascom que os bancos têm disponibili-zado o atendimento aos seus clientes.Por volta de dez anos atrás, as filasnas agências bancárias eram bastan-te grandes. Para se ter uma idéia, na-quela época, as agências bancáriasfechavam às 16h30 e não era difícilexistir clientes dentro da agência umahora e meia após o fechamento dasportas, situação esta, que era bastanteagravada nos chamados “dias depico” onde existia uma concentraçãonos pagamentos e recebimentos.

Nestes anos pudemos presenciarum forte investimento por parte dasinstituições financeiras, em equipa-mentos e sistemas que proporcio-nassem a automação de transaçõesrotineiras e, também, disponibili-zassem uma forma alternativa deatendimento, na qual os própriosclientes passariam a executar astarefas que antes eram realizadaspelos funcionários. Podemos atéafirmar que, em grande parte doscasos, os clientes foram “transfe-ridos” para uma nova forma deatendimento, sem a sua concordân-cia, o que, de início, gerou uma sériede reclamações devido, acreditamos,ao rompimento dos hábitos adqui-ridos pelos clientes e às dificuldadesnormais enfrentadas no uso e opera-ção de um novo tipo de tecnologia.

A tendência atual dos bancos éaumentar os investimentos nosserviços de auto-atendimento, poisgeram menos custos e transmitemuma imagem de modernidade.Entretanto, é interessante examinaraté que ponto os clientes sentem-sesatisfeitos com este tipo de serviço.Será que todos os serviços a seremdisponibilizados pelos bancos podemser operacionalizados pelo auto-atendimento? Será que os clientesnão mais necessitam de um atendi-

mento pessoal com um funcionáriodo banco para a realização de umserviço bancário?

O objetivo deste artigo é inves-tigar e comentar a preferência deuma determinada amostra declientes bancários, “pessoas físicas”,com seus devidos graus de satisfaçãoem relação às formas disponíveis deatendimento prestado por este setor,que são: o atendimento pessoal(prestado por um funcionário dainstituição) e o auto-atendimento(não existe o contato direto com umapessoa representante do banco).

Esta pesquisa foi delimitada nacidade de São Paulo por meio de umaamostra de conveniência compostade estudantes universitários e abordaalguns serviços bancários colocadosà disposição pelos bancos.

Considerando um dos princípiosbásicos de marketing, que é entenderas necessidades dos clientes e, perce-bendo o irreversível aumento daautomação dos serviços disponibili-zados aos consumidores bancários,estaremos verificando, por meio depesquisa de campo, a preferência dosclientes quanto ao tipo de serviço.Esta mensuração do grau desatisfação dos clientes “pessoafísica”, baseia-se nas dimensões dequalidade, retiradas de PARASURAMAN

et alii (1988): confiabilidade, respon-sividade, segurança, empatia etangibilidade, sendo:" Confiabilidade – Verificar o reco-

nhecimento do cliente, quanto àcredibilidade do banco como umtodo, transmitindo tranqüilidadena realização de algum serviço.

" Responsividade – Verificar a con-cepção dos clientes quanto àdisposição dos funcionários e/ouequipamentos em disponibilizarrespostas satisfatórias às suassolicitações.

" Segurança – Verificar a concep-ção dos clientes quanto ao nívelde proteção que eles sentem nosequipamentos e/ou funcionários

que os assistem em suas tran-sações bancárias.

" Empatia – Verificar se os funcio-nários ou equipamentos dos ban-cos oferecem atenção personali-zada, são agradáveis de se rela-cionar/operar, e se suprem às suasnecessidades.

" Tangibilidade – Verificar a concep-ção dos clientes quanto à qualida-de das instalações das instituições,dos equipamentos e/ou a aparên-cia dos funcionários que os atendem.

Serviços em Marketing

TOLEDO (1978, p. 17) fala sobre aadministração de marketing nocampo dos serviços. Para o autor, estadeverá estar preocupada com trêsgrupos de problemas e decisões,assim resumidos:1. [...] caracterizar os mercados

atuais e futuros para serviços eselecionar os mercados que serãoatendidos, identificando as neces-sidades dos clientes dentro deles;

2. traduzir essa demanda emtermos de requisitos de serviçoou de linha de serviços; e

3. desenvolver e implantar um planopara tornar o serviço disponível eque informe os clientes potenciaissobre a capacidade do serviço emresolver seus problemas.KOTLER (2000, p. 450-454) cita

quatro características como prin-cipais no entendimento de serviços.São elas: Intangibilidade; Insepa-rabilidade, caracterizando o serviçocomo sendo produzido (por umequipamento ou pessoa) e consumidono mesmo momento, e ambos, ocliente e o fornecedor de serviço, afe-tam o resultado; Variabilidade, des-crevendo as variações do serviço pres-tado em relação a quem o fornece,além de quando e onde é fornecido e,finalmente, a Perecibilidade, onde osserviços não podem ser estocados,eles são gerados e consumidos em ummesmo momento.

AUTO-ATENDIMENTO VERSUS ATENDIMENTO PESSOAL NO SETOR BANCÁRIO

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2232

LOVELOCK & WRIGHT (2001, p.5) for-necem duas definições. A primeira é:

Serviço é um ato ou desempenhooferecido por uma parte à outra.Embora o processo possa estar ligadoa um produto físico, o desempenho éessencialmente intangível e normal-mente não resulta em propriedade denenhum dos fatores de produção.

E a segunda mostra que:Serviços são atividades econômi-

cas que criam valor e fornecembenefícios para clientes em tempos elugares específicos como decorrênciada realização de uma mudançadesejada no – ou em nome do –destinatário do serviço.

Entretanto, GRÖNROOS (1995, p.36) e RAMOS (1998, p. 33), contradi-zem esses autores, oferecendodefinições muito parecidas sobreserviço. Para eles, serviço deve serentendido como uma atividade ouuma série de atividades de naturezamais ou menos intangível – que nor-malmente, mas não necessariamente,acontece durante as interações entrecliente e empregados de serviço e/ourecursos físicos ou bens e/ou sistemasdo fornecedor de serviços – que éfornecida como solução aos proble-mas dos clientes, e que podem ou nãoestar relacionadas à comercializaçãode bens ou produtos físicos.

Pode-se perceber que, apesar dasdiversas definições sobre serviçooferecidas pelos autores, todos elesargumentam, de forma direta ouindireta, que a intangibilidade é oprincipal fator que caracteriza umserviço.

Sobre a qualidade dos serviços,SCHLESINGER & HESKETT (1997, p. 17)afirmam que, por mais de quarentaanos, as empresas de serviçosseguiram o modelo da tradicionalprodução em massa que leva àdegradação da qualidade dos serviçosque uma empresa pode oferecer,trazendo, com isso, conseqüênciasdanosas aos funcionários, clientes,acionistas e país.

Os autores prosseguem dizendoque um novo modelo está surgindopara substituir o modelo anterior deindustrialização de cada elemento donegócio e as empresas:" Valorizam os investimentos em

pessoas tanto quanto os investi-mentos em máquinas, e às vezes,mais em pessoas.

" Utilizam tecnologia para darapoio aos esforços de homens emulheres da linha de frente, nãosomente para monitorá-los ousubstituí-los.

" Tornam o recrutamento e o trei-namento de vendedores e super-visores tão importantes quanto osde gerentes e altos executivos.

" Interligam a remuneração aodesempenho para funcionáriosde todos os níveis, não apenaspara os mais graduados.SCHLESINGER & HESKETT (1997, p.

23), complementam dizendo quenenhuma empresa atingiu este novomodelo, mas sua lógica interna jáestá ficando clara: funcionárioscapazes, que sejam bem treinados ebem remunerados, fornecem melho-res serviços, precisam de menossupervisão e têm maior probabili-dade de permanecerem no cargo e,como resultado, os clientes provavel-mente ficarão mais satisfeitos,retornarão mais vezes e talvez atécomprem mais do que fariam emcondições diferentes.

FITZSIMMONS & FITZSIMMONS (2000,p. 248), introduzindo o tema dequalidade em serviços, dizem queserviço “com um sorriso” costumavaser o suficiente para satisfazer amaioria dos clientes. Porém, nos diasatuais, algumas empresas de serviçosse diferenciam dos concorrentesoferecendo uma “garantia do ser-viço”. Ao contrário da garantia deproduto, que promete reparar ousubstituir o item defeituoso, garan-tias de serviço oferecem ao clienteinsatisfeito, reembolso, descontos ouserviços grátis.

PARASURAMAN et alii (1988), a partirdas cinco dimensões de qualidade,desenvolveram o que eles chamaramde SERVQUAL – A Multiple-ItemScale for Measuring Consumer Percep-tions of Service Quality, tornando-seum importante instrumento paraavaliação da qualidade de serviçosonde os clientes avaliam essas dimen-sões comparando o serviço esperadoe percebido. As pesquisas realizadaspor estes autores apontaram que adimensão mais importante indicadapelos respondentes foi a confiabi-lidade. O SERVQUAL foi aplicado emvários segmentos de serviços como:reparo de eletrodomésticos, serviçosbancários, corretora de seguros,companhias de cartão de crédito,entre outros.

Para MARCHETTI (2001, p. 58), aavaliação da satisfação do con-sumidor e da qualidade percebidapode ser realizada mensurando-se asexpectativas para cada atributo con-siderado relevante num projeto depesquisa. Outro componente a sermedido nesse paradigma é a per-formance percebida, capturadanormalmente com uma escala deavaliação do desempenho de cadaatributo relevante, ou seja, avaliam-se os mesmos atributos mensuradosnas expectativas, só que agora comuma escala de desempenho. Asatisfação do consumidor, assimcomo a qualidade percebida é obtidaa partir da subtração entre o escorede performance percebida e o escorede expectativas. Quanto mais positivofor esse resultado, mais satisfeitosestarão os consumidores. Por outrolado, quanto mais negativo, maisinsatisfeitos estarão os consumidores.

Considerando a satisfação declientes, LOVELOCK & WRIGHT (2001,p. 113-117), dizem que os clientesexperimentam vários níveis de satis-fação ou descontentamento apóscada experiência de serviço, deacordo com a medida na qual suasexpectativas foram atendidas ou ul-

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 22 33

trapassadas. Considerando que asatisfação é um estado emocional,suas reações pós-compra podemenvolver raiva, insatisfação, irrita-ção, indiferença ou alegria.

Os autores também tratam darelação entre satisfação e fidelidade,enfatizando que os clientes marginal-mente satisfeitos estão mais pro-pensos a serem conquistados pelosconcorrentes, enquanto que osclientes satisfeitos ou encantadospermanecem fiéis. Para melhorar osníveis de satisfação do cliente aempresa precisa, primeiro, saberquais são os fatores importantes parasua satisfação e depois, medir oquanto eles estão satisfeitos ouinsatisfeitos nestes fatores.

FITZSIMMONS & FITZSIMMONS (2000,p. 249) dizem que, em serviços, aavaliação da qualidade surge aolongo do processo da prestação, quegeralmente ocorre no encontro entreo cliente e um funcionário da linha-de-frente, e a satisfação do clientecom a qualidade do serviço pode serdefinida pela comparação dapercepção do serviço prestado coma expectativa do serviço desejado.

Em um estudo publicado porMARCHETTI (2001, p. 57) o autor afir-ma que, atualmente, é lugar-comumreconhecer que satisfazer as neces-sidades do consumidor é um dosobjetivos centrais das organizações.O reconhecimento desse princípiobásico de gestão vem tornando cadavez mais importante o monitora-mento da satisfação do consumidorcomo forma de avaliar o desempenhoglobal das organizações, quer visemao lucro ou não. Em um mundo ondea concorrência é grande e o consu-midor está mais informado e exigente,a avaliação constante da satisfaçãotraz excelentes benefícios como for-ma de realimentar e controlar oesforço de uma empresa sob o pontode vista de seus clientes.

Sobre o contato humano emserviços, COSTA FILHO (1996, p. 25)

afirma que, muitas vezes, a únicaligação entre o cliente e uma empresade serviço é a pessoa que prestaatendimento, representando, assim,a imagem da empresa, e os clientesnão lembram mais nada além domodo como foram tratados durantea realização do serviço.

FITZSIMMONS & FITZSIMMONS (2000,p. 70) dizem que o grau de personali-zação permitido na prestação doserviço, por menor que ele seja,caracteriza e se percebe como umapersonalização e citam o exemplodos hotéis, que descobriram que osclientes respondem satisfatoriamenteao serem cumprimentados pelos seusnomes. LOVELOCK & WRIGHT (2001, p.33) acreditam que a personalizaçãoconsiste em elaborar característicasdo serviço para atender às neces-sidades e preferências específicas decada cliente.

Serviços Bancários

Segundo TOLEDO (1986, p. 92), ointeresse pelo marketing bancário apartir de uma análise mais profundado ambiente, surgiu somente após asLeis da Reforma Bancária, em 1964,e a Lei do Mercado de Capitais, em1965, as quais representaram umaalternativa de solução técnica paramobilização de poupanças e a suacanalização no sentido do financia-mento do processo de expansão daeconomia, passando o governo aintervir com maior intensidade,causando grandes alterações noambiente dos negócios. TOLEDO (1986,p. 96) ainda complementa, dizendoque talvez tenha sido aí, neste mo-mento, que os executivos dos bancospassaram a observar com maisatenção a mudança neste ambiente eque, mesmo inconscientemente, pas-saram a adotar a visão do marketing.Alguns elementos importantes doambiente competitivo passaram a serobservados e analisados, principal-mente a concorrência e legislação.

XAVIER (1992, p. 56) comenta queo marketing do setor bancário édiferente daquele que é utilizado emoutros setores, mesmo considerandoas áreas do setor de serviços. Os fato-res que contribuem para essa espe-cificidade são:" A própria natureza dos produtos

e serviços bancários." A típica divisão de poder entre o

cliente e o banco." A dinâmica do comportamento

individual em sua relação com odinheiro.

" A tecnologia de gestão ainda for-temente voltada para o processodominante nas instituições ban-cárias.ROSA (2001, p. 144) faz uma

classificação para melhor entendi-mento dos tipos de canais de atendi-mento em bancos, dividindo-os emdois critérios diferenciados – o localde acesso e o tipo de uso. O critériodo local de acesso define o canal co-mo presencial ou remoto. Pelo crité-rio do tipo de uso são encontradosapenas dois ambientes em bancos –tradicional e o eletrônico.

Os canais presenciais exigem queo cliente dirija-se à infra-estrutura naqual detém a conta, para ser atendido,podendo ela ser tradicional – agênciasou eletrônica – ATM (Automated TellerMachine – máquinas que possibilitamo auto-atendimento bancário, exe-cutando saques, depósitos, paga-mentos, entre outros serviços) naagência. Os canais remotos permitemque o cliente acesse o banco adistância, de qualquer local, e são, emsua maioria, eletrônicos como, porexemplo, as ATM fora da agência ouquiosques, o PC Banking e o InternetBanking, podendo também existiralternativas tradicionais, tais como osserviços de courier.

O canal tradicional é represen-tado pelas agências ou postosbancários, onde o atendimento érealizado com o suporte de pessoas.O canal eletrônico consiste nas diver-

AUTO-ATENDIMENTO VERSUS ATENDIMENTO PESSOAL NO SETOR BANCÁRIO

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2234

quisa utilizado é restrita devido aocaráter exploratório da pesquisa decampo, a qual teve como foco estu-dantes universitários de algunsbairros da cidade de São Paulo, edentro desses, foi extraída a amostranão probabilística. De acordo comMATTAR (1996), esse tipo de amostra-gem depende do julgamento do

pesquisador, e não tem como objetivofornecer estimativas com precisão dapopulação. Portanto a validade dosresultados obtidos pela pesquisa estárestrita à amostra analisada.

Esta amostra foi selecionada paraum estudo localizado na cidade deSão Paulo, no período de outubro adezembro de 2002. O campo estudadoé o de clientes de bancos múltiplosno segmento de varejo, que dispõemde atendimento em agências bancá-rias e/ou em qualquer outra forma deatendimento como: Home Banking(banco em casa via microcomputa-dor), Call Center (centrais de atendi-mento por telefone), Internet Banking(rede de comunicação eletrônicamundial), Caixas Eletrônicos, etc.

A amostra deste estudo foi com-posta de 105 estudantes e clientes debancos na cidade de São Paulo nosbairros do Ipiranga (31), Santana(28), Vila Mariana (24) e Parque SãoJorge (22).

Para coleta de dados utilizamosfontes primárias ou diretas (pesquisa

de campo por meio de questionáriosdistribuídos e recolhidos pessoalmen-te pelo pesquisador), pois conformeMALHOTRA (2001, p. 127) e MATTAR

(1999, p. 62), são estas fontes asportadoras de dados brutos, ou seja,dados que nunca foram coletados,tabulados e analisados. Estes dadosprimários são gerados por um pesqui-sador para a finalidade específica desolucionar o problema em pauta.

Como instrumento de coleta dedados, foi utilizado na pesquisa umquestionário aplicado aos respon-dentes, com a presença física dopesquisador.

Este questionário foi dividido emtrês partes. A primeira apresenta seuobjetivo e fornece uma série de ins-truções de preenchimento, inclusivecom um exemplo, para facilitar o en-tendimento dos respondentes. A se-gunda parte é composta por uma listade serviços onde os respondentesdevem optar pelo auto-atendimentoe/ou atendimento pessoal e, em segui-da, atribuir letras que correspondamaos motivos que levaram os respon-dentes às suas opções. Na terceiraparte, escolhem um banco que elesutilizam e marcam a forma de atendi-mento disponibilizada, atribuindonotas de zero a dez (escala de onzepontos) para cada um dos 16 serviços.Foram selecionados estes itens porcompreenderem a grande parte dosserviços responsáveis pelas interaçõesdos clientes com os bancos.

O questionário foi composto deperguntas fechadas, limitando a pre-tensão de respostas, porém, abrimosum espaço para comentários. Esteespaço não foi utilizado por nenhumdos respondentes.

Apresentação e Discussãodos Resultados

Excluindo-se os respondentes queparticiparam do pré-teste, obtivemos111 questionários respondidos, dosquais 6 deles foram excluídos devido

Quadro 1 – Classificação do local de acesso e tipo de uso dos canais de atendimento em bancos

Fonte: Elaborado pelo autor baseado em ROSA (2001, p.144)

sas infra-estruturas intensivamentebaseadas em tecnologia de informa-ção, tais como redes próprias ouconveniadas de ATM, Phone Banking,PC ou Home Banking.

O Quadro 1 resume as caracterís-ticas e exemplos dos tipos de canaisde atendimento em bancos, relacio-nando o local de acesso e o tipo de uso.

Considerando o contato humanonos serviços bancários, RAMOS (1998,p. 42-43) aborda o papel dos recursoshumanos nos serviços como um desa-fio para a atual administração dasempresas, pois envolvem diretamentea satisfação e o desempenho daspessoas. Afirma ainda que, mesmoquando o contato é feito por umainterface tecnológica – e cita umexemplo de auto-atendimento paraclientes bancários, inclusive por com-putadores pessoais – as pessoas têmo serviço limitado pelas habilidadespessoais, neste caso, dos própriosclientes. Continua o autor com suaargumentação, dizendo que existemdiversos clientes que preferem ocontato pessoal, ver pessoas, rela-cionar-se com elas, fazer negócio comelas. Pessoas em que possam confiare que representem aos clientes a ajudaque a organização pode oferecer.

Metodologia

A validade do método de pes-

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 22 35

à extrema displicência no seu preen-chimento. Por este motivo, utilizare-mos 105 questionários para a apre-sentação e discussão dos resultados.

A primeira parte do questionário(primeira folha de respostas) nos deua informação da opção dos respon-dentes pela(s) forma(s) de atendi-mento e identificação da/as razão/õesde suas escolhas.

O Quadro 2 apresenta os resulta-dos obtidos na segunda folha de res-postas do questionário, onde os res-pondentes (105) atribuíram notas aosmesmos serviços pesquisados naprimeira folha de respostas.

Para cada serviço foi calculada amédia aritmética simples das notasatribuídas. Os itens que ficaram semresposta devido ao fato de o respon-dente nunca ter utilizado o tipo deserviço oferecido, foram excluídosdos cálculos a fim de não prejudicara avaliação.

Considerando o Primeiro Ques-tionário (Preferência), pudemos cons-tatar que os serviços corriqueiros dosbancos (pagamentos diversos, emis-são de DOC, talões de cheques,depósitos de baixo valor, retirada dedinheiro, etc.) foram os que tiveramos maiores índices de preferência peloauto-atendimento, além de todos elesapresentarem a alternativa C (rapidezde resposta) como a principal razãoda escolha pelo auto-atendimento.

Por outro lado, os serviços espo-rádicos que exigem uma maior apre-ciação por parte dos clientes(contratação de seguros, abertura decontas, financiamentos, ordem depagamento e compra de títulos decapitalização) foram os que tiveramos maiores índices de preferênciapelo atendimento pessoal.

Não poderíamos deixar deobservar, também, a peculiaridadedo ramo de atividade em que estáinserida a pesquisa (instituiçõesfinanceiras), e perceber que, tanto noauto-atendimento como no atendi-mento pessoal, as alternativas B e D

(confiabilidade e segurança) foram asque mais se destacaram em quasetodos os serviços pesquisados.

Os respondentes quase não in-dicaram (como preferência) o auto-atendimento para serviços que osbancos ainda não disponibilizamdesta forma, como por exemplo, aabertura de conta corrente (0,95%).Acreditamos que eles não consigamimaginar que isto é possível, ou pre-firam não mudar um velho hábito.

Um outro fator bastante interes-sante, foi o baixíssimo número derespondentes que optaram por am-bos os tipos de atendimento paracada serviço. Acreditamos que sejapelo fato de as pessoas estarem“acostumadas” a optar por uma ououtra alternativa.

É oportuno observar que, para o

atendimento bancário duas das cincodimensões da qualidade apresentadasanteriormente não representamimportância relevante na percepçãoda qualidade do serviço, pois os entre-vistados quase não indicaram as alter-nativas A e E (Aparência Física e Em-patia) como razões de suas escolhas.

No segundo questionário, consi-derando a média total, os respon-dentes indicaram que estão maissatisfeitos com o auto-atendimento(7,1 para o atendimento pessoal e 8,1para o auto-atendimento).

Excluindo-se os serviços que osbancos ainda não disponibilizam pormeio do auto-atendimento que são:Abertura de Conta Corrente e Ordemde Pagamento / Cheque Administra-tivo, dos demais serviços (14 tipos),somente dois (Aplicações Financeiras

Quadro 2 – Grau de Satisfação com cada Serviço

* Sem avaliação, pois a forma de auto-atendimento não estava disponível.

AUTO-ATENDIMENTO VERSUS ATENDIMENTO PESSOAL NO SETOR BANCÁRIO

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2236

e Depósitos de Valores Elevados)apresentaram uma média com umgrau de satisfação superior para oatendimento pessoal, assim mesmocom valores muito próximos. Issonos leva a concluir que esta amostraestá mais satisfeita com os serviços,prestados pelos bancos, por meio doauto-atendimento.

O quadro 3 mostra, os três itensque tiveram as maiores diferenças nasnotas, com uma superioridade para oauto-atendimento com relação às no-tas atribuídas ao atendimento pessoal(em ordem de diferenças das médias):

Os resultados deste levantamentoindicam que apenas dois serviçosapresentaram notas superiores parao atendimento pessoal, assim mesmo,com uma pequena diferença entresuas médias. Estes dois serviços nãosão tão comuns e envolvem uma certaanálise por parte do cliente, o que po-de ter determinado esta preferência.

Podemos observar que os trêsitens que apresentaram maioresdiferenças, com superioridade parao auto-atendimento (quadro 3) fo-ram, exatamente, serviços bastantecomuns do dia-a-dia dos clientes, queexigem a necessidade de um atendi-mento rápido, sendo que os bancosjá vêm trabalhando há algum tempona migração da forma convencionalpara o auto-atendimento. Verificandoas respostas do primeiro questioná-rio, estes três serviços apresentarama Rapidez de Resposta comoprincipal motivo da escolha.

Por outro lado, os dois únicosserviços que apresentaram médias desatisfação superiores para o aten-dimento pessoal (quadro 4) tiveramtambém, em sua preferência, aindicação das variáveis Confia-bilidade e Segurança como princi-pais motivos da escolha, sendo:" Aplicações financeiras (CDB,

Fundos, Ações, etc.) com 42,85%para Confiabilidade e 37,13% pa-ra Segurança, totalizando quase80% para estas duas variáveis;

" Depósitos de valores elevadoscom 42,39% para Confiabilidadee 39,40% para Segurança, totali-zando quase 82% para estas duasvariáveis.Considerando o primeiro ques-

tionário, dos 16 tipos de serviçospesquisados, 10 apresentaram umapreferência maior pelo atendimentopessoal. Já, no segundo questionárioos respondentes demonstraram ummaior grau de satisfação pelo auto-atendimento (com médias de 7,1 parao atendimento pessoal e 8,1 para oauto-atendimento). Apresentamos aseguir, algumas possíveis justifica-tivas para o ocorrido:" As pessoas preferem o atendi-

mento pessoal, muitas vezes, pelacomodidade de ter um funcioná-rio para executar os serviços emseu lugar, porém com uma de-mora maior no atendimento aca-bam ficando insatisfeitas;

" Os atendimentos automatizadossão, na maioria dos casos, muitomais rápidos e com uma maiorflexibilidade de horários, o que nãoocorre com o atendimento pessoal,

gerando uma satisfação maiorcom o auto-atendimento, emboraprefiram o atendimento por meiode um funcionário;

" Se os bancos disponibilizassemfuncionários suficientes paraatender aos clientes em tempossimilares ao do auto-atendimen-to, possivelmente o grau desatisfação não seria o apresen-tado nesta pesquisa;

" Os bancos, em horários de aten-dimento, chegam a “provocar”filas nos guichês de caixa paraforçar os clientes a utilizarem oauto-atendimento, gerando umasuposta satisfação.Pudemos perceber, com os resul-

tados, que a amostra selecionadaprefere o atendimento pessoal,embora esteja mais satisfeita com oauto-atendimento devido, acredita-mos, à insistência por parte dosbancos à utilização das formas deauto-serviço, “forçando” a migraçãode seus clientes. Podemos constatarisso pela própria disposição física dasagências bancárias, onde a primeiracoisa com que o cliente se depara éuma série de máquinas colocadas naentrada das agências. Ele só terácontato com um funcionário do ban-co se não conseguir realizar seusserviços nos caixas automáticos e seestiver disposto a tentar passar pelaporta giratória de segurança (“PortaPanda”). Estas são maneiras de se ten-tar “vencer pelo cansaço” os clientes.

As médias finais apresentadas natabela 1 (7,1 para o atendimento pes-soal e 8,1 para o auto-atendimento)nos mostram que os clientespesquisados estão, na média, maissatisfeitos com o auto-atendimento.

É importante lembrar que asconclusões obtidas no presente es-tudo não podem ser generalizadas,embora possam dar indicações sobrea preferência dos consumidoresbancários quanto ao tipo de atendi-mento que eles preferem e por quaismotivos.

Quadro 3 – Serviços com maior diferença entregraus de satisfação (superioridade para o auto-atendimento)

Quadro 4 – Serviços com maior diferença entregraus de satisfação (superioridade para oatendimento pessoal)

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 22 37

Referências Bibliográficas

Com base nos resultados apre-sentados nesta pesquisa, os bancospoderiam oferecer serviços diferen-ciados para este público (universi-tários), com maiores opções de aten-dimento pessoal, mesmo que haja umacréscimo nos valores das tarifas aserem pagas.

Se para esta amostra (jovens cur-sando nível superior) a preferência,na maioria dos serviços pesquisados

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é pelo atendimento pessoal, acre-ditamos que para outros grupos declientes, esta preferência seja aindamais acentuada Esta suposição podeservir de base para estudos pos-teriores.

A pesquisa mostra, claramente,que uma forma de atendimento nãoexclui a outra e devemos encará-lascomo complementares, sempre obje-tivando a satisfação do cliente. !

PARASURAMAN, A; ZEITHAML, V.A.;BERRY L.L. “SERVQUAL: A Multiple-ItemScale for measuring Consumer Perceptionsof Service Quality”, Jounal of Retailing,vol. 64, n.1, p. 12-40, primavera de 1988.

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AUTO-ATENDIMENTO VERSUS ATENDIMENTO PESSOAL NO SETOR BANCÁRIO

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2238

ESTRATÉGIA DE SERVIÇOS E VALOR PARA OCONSUMIDOR EM RESTAURANTES FINOS

THEODORO A. PETERS FILHO

THEODORO A. PETERS FILHO – Coordenador do Curso e Chefe doDepartamento de Administração do Centro Universitário da FEI;Doutor em Administração de Empresas – EAESP-FGV.

A entrega de valor ao cliente – como fator

estratégico de vantagem competitiva – e sua inserção

na formulação da estratégia de negócios é o foco

central deste estudo, examinando o construto valor

percebido pela ótica do administrador e sua

consideração na estratégia de marketing das

empresas. Quer-se saber se a proposição conceitual

do construto valor, e sua relevância estratégica, se

justificam na prática de negócios na cidade de São

Paulo. Com este fim, por meio de estudo exploratório,

vai-se levantar a posição de gestores de restaurantes

finos desta cidade com relação ao que é valor

percebido pelo consumidor, e sua consideração na

formulação da estratégia de negócios (se ocorre e de

que forma). A partir de contribuições da literatura de

estratégia e marketing, e de entrevistas qualitativas

com administradores de restaurantes busca-se

ampliar o conhecimento no campo destes construtos

quanto à sua utilização na arena de negócios.

Consumer value delivery – as a strategic

competitive advantage factor – and its insertion in

business strategy formulation is the main focus in

this study, covering the perceived value construct

from management point of view and its

consideration in companies marketing strategy. It’s

intended to know if the value construct conceptual

proposition, and its strategic relevance, are justified

in business practice in the city of Sao Paulo. With

that goal, through exploratory study, it’s discovered

the fine restaurants managers position in this city

related to what is perceived value by the consumer,

and its consideration in formulating the business

strategy (if it occurs and in what way). From

strategy and marketing literature contributions, and

qualitative interviews with restaurant managers, is

intended to broaden the knowledge in the field of

these constructs in the sense of their use in the

business arena.

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 22 39

Introdução

A estratégia adotada pelas empre-sas é tema de vital importância nasúltimas décadas nos mais diversosmercados do mundo, por força doacirramento da competição gerandoentre suas consequências a necessida-de de aprimorar as ações de marke-ting para se garantir maiores condi-ções de sobrevivência às empresas(PORTER, 2001; HAMMEL, 2000).

O território competitivo estámudando com tanta rapidez quechega a tornar a experiência irrele-vante ou perigosa: não se usamvelhos mapas para descobrir novasterras; em vez disso é preciso rein-ventar-se a si mesmo e ao setor emque se atua, fomentar a inovação,imaginar o futuro com criatividadee curiosidade. Sob pena de se in-correr no risco de se definir pelo quefaz e produz, incorrendo na miopiade marketing, em vez de se conhecerpelo que sabe e possui, pelas suascompetências e ativos essenciais(HAMMEL, 2000).

A atividade de marketing, já hálongo tempo, reconhece a impor-tância de se procurar medir qualidadee valor percebidos pelos consu-midores e sua interdependência coma satisfação (ZEITHAML, 1988). Daí,resultam benefícios mercadológicosà atividade empresarial, traduzidosem termos de lealdade do consu-midor, particularmente relevante emum período como o atual de intensacompetição, justificando a preocu-pação com a percepção de valor doconsumidor por parte dos empre-sários e sua inserção nas estratégiasde marketing dos seus estabele-cimentos (CRONIN, BRADY E HULT, 2000;HOLBROOK, 1999; WOODRUFF, 1997).

É preciso enriquecer a teoria devalor para o consumidor e apro-fundar o conhecimento no campo douso dos produtos em suas diferentessituações – como os consumidoresformam preferências que refletem o

valor desejado, explorar a ligação en-tre as preferências do consumidor porvalor desejado, as avaliações de valorrecebido e os sentimentos de satisfa-ção global do consumidor, dentro deuma estrutura de hierarquia de valordo consumidor (WOODRUFF, 1997).

Entre as direções para pesquisano campo de valor, pode-se apontara busca de uma melhor compreensãode como os consumidores percebemvalor em diferentes contextos, cri-térios utilizados e sua importânciarelativa; eis que o interesse estraté-gico na retenção de consumidoreslevanta necessariamente uma ques-tão de contexto. E ao mesmo tempodeve-se salientar a necessidade denovos métodos de coleta e análise dosdados que se relacionem a aspectosparticulares de valor do consumidor(WOODRUFF, 1997).

Complementarmente, podem serpropostos estudos que ampliem apesquisa conceitual e empírica – emprofundidade, qualitativa, longitudi-nal – de valor para o consumidorsobre fatores contextuais, tais comoa natureza do produto (p.ex., entrebens e serviços) e o tipo de consumi-dor (p. ex., novo e antigo). Ao mesmotempo em que é preciso se desenvol-ver medidas psicométricas consisten-tes do construto, tendo-se em vista acomplexidade e riqueza do construtocomo um desafio à sua completaoperacionalização e ao desenvolvi-mento de uma escala padrão capazde englobar todas suas nuances(PARASURAMAN, 1997).

Examinando-se as inter-relaçõesentre qualidade, valor, satisfação eintenções comportamentais compro-va-se que é necessário medir todasestas três variáveis, dado seu efeitocomplexo e compreensivo sobre asintenções de comportamento. O quevem demonstrar a significância prá-tica de cada uma destas variáveis e anecessidade de se ter uma abordagemholística da literatura, eis que qualida-de e valor estão fortemente integrados

em seus efeitos sobre as intenções(CRONIN JR., BRADY E HULT, 2000).

A teoria sobre valor percebidopelo consumidor envolve em relaçãode inter-dependência qualidade,custo, sacrifício, satisfação e temconsequências sobre o comporta-mento do consumidor em termos deatitudes, intenções comportamentais,comunicação espontânea e lealdade(CRONIN JR., BRADY E HULT, 2000;ENGEL, BLACKWELL E MINIARD, 1995;HOLBROOK, 1999; OLIVER, 1997 e 1999;PARASURAMAN, 1997; WOODRUFF, 1997;ZEITHAML, 1988). Vem crescendo emimportância para estudiosos epraticantes de marketing nas duasúltimas décadas, particularmente,nos últimos anos. Ampliar o conhe-cimento acerca do construto valorpercebido – em sua aplicação naprática de negócios como fatorestratégico de diferenciação – passa,portanto, a ser altamente relevantetanto para a teoria quanto para aprática gerencial.

É possível efetuar mensuração devalor percebido pelo consumidoratravés de modelos apresentados pelaliteratura de marketing, e reconhecera sua importância em estratégias demarketing das empresas, através dasações destas empresas em relação acomo os consumidores percebem valorno cenário de serviços (CRONIN JR.,BRADY E HULT, 2000; HOLBROOK, 1999;OLIVER, 1999; PARASURAMAN, 1997;WOODRUFF, 1997; ZEITHAML, 1988).

Para tal, os administradores pre-cisam reconhecer a importância doconstruto valor percebido peloconsumidor, interpretá-lo correta-mente, e aplicá-lo em sua estratégiade marketing. Estas iniciativasdevem reverter em ganhos de mar-keting e lucro para as empresas.Portanto, é de se supor que os geren-tes de serviços, especificamente dosetor de restaurantes, expostos a forteconcorrência, que oferece amploleque de opções diferenciadas aosconsumidores, considerem o cons-

ESTRATÉGIA DE SERVIÇOS E VALOR PARA O CONSUMIDOR EM RESTAURANTES FINOS

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2240

truto valor percebido pelo consumi-dor em sua estratégia e ações demarketing.

Particularmente no Brasil, aintensificação da competição nosanos recentes não permite maisrepasse de custos aleatoriamente, aomesmo tempo em que se nota umconsumidor mais exigente, comacesso a mais e melhores opções(COBRA, 2003).

O setor de restaurantes apresentacaracterísticas muito atraentes aoestudo do valor percebido e estra-tégia, tendo em vista a participaçãoe o envolvimento do consumidor noprocesso de entrega do serviço, cominerente percepção de risco elevada,tornando mais complexa a operacio-nalização e o controle da qualidadee do valor (LOVELOCK E WRIGHT, 1999).

Uma parcela da oferta dosrestaurantes consiste de serviços –ambiente, instalações, atendimento,leque de opções, facilidades – e umaoutra parte de produtos – a refeição,a localização, o estacionamento(KOTLER, BOWEN E MAKENS, 1998).Adicionalmente, ocorre a interaçãodo consumidor com os funcionáriosde atendimento e com os demaisclientes, a incerteza inerente àescolha da refeição, a avaliaçãocaracterizada em grande parte poratributos de experiência, fazendocom que as expectativas fiquemaliadas a uma percepção de riscorelativamente elevada (LOVELOCK E

WRIGHT, 1999).Com estas premissas, este

trabalho busca observar se há o re-conhecimento, por parte dos gestoresde restaurantes na cidade de SãoPaulo, da importância do construtovalor percebido, como ocorre, se éreconhecido na estratégia de marke-ting dos restaurantes, de que forma.O problema detectado é, de maneirageral, enunciado como: o valor per-cebido pelo consumidor é consi-derado na estratégia de marketing derestaurantes; de que forma?

Sua utilidade é servir para estu-diosos do tema de valor e de estraté-gia, como um avanço de análisedestes construtos, na esfera de restau-rantes, principalmente tendo em vistao reduzido número de estudos nestaárea de marketing que têm por objetoeste ramo de atividade de negócios.

A aplicação da teoria demarketing, em particular na esferadeste construto de forte componentepsicológico, e a adaptação de mode-los de mensuração do comporta-mento do consumidor é essencial aodesenvolvimento do conhecimentode marketing, procurando gerarpadrões que possam ser aplicados ànossa realidade, fomentando evolu-ção na operação dos negócios.

Para o setor de restaurantes ofe-rece vantagens e avanços no sentidode procurar reconhecer uma exigên-cia premente de se conseguir maiorcompreensão do cliente, através dovalor percebido e sua inserção naestratégia de marketing, neste tipo deempreendimento, oferecendo umlevantamento e uma proposta decaminho, incentivando a crítica e areflexão, e com isso, o aprimora-mento das técnicas e ferramentas degerenciamento, através da padroni-zação da administração do valor noâmbito de restaurantes.

O problema central de pesquisaé saber como a percepção de valordo cliente é interpretada pelos em-presários de restaurantes, e como étrabalhada em termos de estratégiade marketing nestes estabele-cimentos. Vai-se examinar em quemedida, e de que forma, este conheci-mento gerencial a respeito de valorpercebido pelo consumidor é consi-derado estrategicamente relevante eaplicado à realidade de negóciospelos administradores de restau-rantes finos da cidade de São Paulo.

Com este fim, as questões depesquisa envolvem um mapeamentodo ambiente geral de negócios nosetor, passando pelo que o adminis-

trador considera ser valor percebidopelo consumidor, e se considera valorpercebido pelo consumidor estrate-gicamente relevante e o insere nasações estratégicas do estabeleci-mento e de que forma, a saber:1. Como anda o ambiente de negó-

cios no ramo? Com o fim de detec-tar e situar as condicionantes con-corrência, clientela, fornecedores,ameaças e oportunidades.

2. O que o administrador consideraser valor percebido pelo consu-midor?

3. O construto valor percebido é con-siderado estrategicamente relevan-te? O construto valor percebido éinserido na estratégia de negóciosdo restaurante? Como é inserido?Por meio de quais ações?Pretende-se responder a estas

questões mediante estudo explora-tório baseado em entrevistas emprofundidade com administradores –proprietários ou gerentes – de restau-rantes finos, servindo-se para tantode roteiro semi-estruturado comquestões abertas.

Uma pesquisa exploratória obje-tiva fornecer uma visão e umacompreensão do problema emanálise; é utilizado em situações emque se precisa de uma definição maisprecisa do problema, ou da definiçãode alternativas relevantes de ação, ouobter-se conhecimentos adicionaisantes que uma abordagem sejaadotada. A informação necessária édefinida genericamente e o processode pesquisa adotado é flexível e não-estruturado. É o caso de entrevistaspessoais com especialistas de umsetor, como ocorre no presente estu-do. A amostra, selecionada com o fitode gerar o máximo de abordagens, épequena e não representativa. Osdados primários são qualitativos pornatureza e devem ser analisadosdentro desta perspectiva. Os resul-tados de uma pesquisa exploratóriadevem ser entendidos como tenta-tivos ou como base para pesquisas

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Mesmo assim, as empresas têm secolocado cada vez menos com umaorientação estratégica e cada vez maisestão voltando-se para a administraçãodos problemas imediatos. A evoluçãoda concorrência tem levado grandeparte das empresas a uma descon-fiança a respeito da utilidade de seadotar um posicionamento estratégicobem elaborado e definido. Muitosacreditam que no ambiente atual,nenhuma vantagem competitiva sejasustentável. Baseados nessa crença,passam a ver a adoção de um posicio-namento estratégico como processoque irá diminuir a flexibilidade daempresa e torná-la mais vulnerável.

Muitos profissionais têm falhadoem distinguir eficiência operacionale estratégia. Os ganhos de eficiênciaobtidos pelas empresas através dasmais diversas técnicas gerenciais, taiscomo reengenharia de processos,downsizing, benchmarking, incorpo-ração de novas tecnologias e outras,podem ser fácil e rapidamente copia-das pela concorrência. Já as vanta-gens obtidas através de um posicio-namento estratégico bem elaboradoe consistente dificilmente podem sercopiadas pelas demais empresas(PORTER, 2001).

É recomendável que se procureestudar a história das empresas paradescobrir quais de seus clientes sãorealmente felizes e traçar um mapasegmentado do setor com os diferen-tes serviços oferecidos, visando de-tectar brechas em que se possa atuar.Um exemplo de que não se devedeixar ser ludibriado por idéias enoções de estratégia que não semostram fundamentalmente corretasé a internet, onde as iniciativas em-presariais demonstraram não terconsistência e seguir apenas umatendência, um modismo, resultandoem fracasso e perda de muito dinhei-ro, simplesmente porque elas não pos-suíam uma estratégia (PORTER, 2001).

A criação de uma nova curva devalor é um fator decisivo na adoção

de uma estratégia. O sucesso de umaempresa ao diferenciar-se de seus con-correntes através de uma estratégiaprópria e inovadora depende, emgrande parte, de entregar aos seusclientes produtos e/ou serviços quesejam percebidos como portadores deum maior valor intrínseco, ou seja, aadoção de uma estratégia precisa serum processo de agregação de valor pa-ra trazer benefícios para a empresa.

Como se nota, a definição e im-plementação de estratégia de formacoerente e consistente, é tarefa extre-mamente complexa e abrangente,devendo ser muito bem compreen-dida por toda organização de modo ase tornar eficaz. O construto estra-tégia comporta diversos ângulos,cada um deles explicando uma partedo todo (PORTER, 1986):– é a criação de um posicionamento

único e valioso, envolvendo umadiferente gama de atividades;

– é fazer escolhas frente à compe-tição. A essência da estratégia éescolher o que não fazer;

– é criar integração entre as ativi-dades da empresa. O sucesso daestratégia depende de se fazerbem muitas coisas – não apenasalgumas – e fazer a integraçãoentre elas.Estabelecer uma estratégia para

ser aplicada por uma empresa requerum processo estruturado que faciliteo entendimento da realidade em quea empresa se insere. Um conceitoimportante com esse objetivo é o decadeia de valor.

Para ser competitiva uma empre-sa tem que identificar quais são asnecessidades e as expectativas dosseus clientes com relação ao seu pro-duto. Dessa forma pode oferecer aoconsumidor exatamente aquilo queele deseja a um custo competitivo.

A maioria das pessoas teriadificuldade em responder qual o valormáximo que estaria disposta a pagarpor determinado bem ou serviço. Aose deparar com uma oferta efetiva,

adicionais. Tipicamente este tipo depesquisa é seguido por pesquisaadicional, exploratória ou conclusiva.(MALHOTRA, 1999, 83-4).

A opção de entrevistas com 14empresários representativos no setorde restaurantes foi feita tomando porbase critérios de consistência naaplicação e de representatividade dossujeitos em sua área de atuação: todoseles exercem papel de destaque emseu setor e atuam há mais de umadécada com sucesso em seus empre-endimentos. As entrevistas foramregistradas com máximo rigor quantoà fidelidade, e transcritas com foconos construtos em exame, para serfeita análise de conteúdo das respos-tas. Assim, o questionário está emba-sado em aspectos de valor percebidoe estratégia a serem conhecidos combase em método de análise qualitativo(MALHOTRA, 1999). A seguir será apre-sentada a fundamentação teórica deonde deriva este trabalho.

Estratégia e Valor

As empresas que estabelecemobjetivos de médio e longo prazos eagem no sentido de buscar estesobjetivos, posicionam-se no mercado,invariavelmente, de maneira maisconsistente do que aquelas que en-frentam as condições do ambienteexterno baseadas nas necessidadessurgidas no cotidiano.

Ao mesmo tempo, elaborar umaestratégia para uma empresa nãopode ser apenas um ato formal, nemtampouco improvisado. Posicionaruma empresa estrategicamente nomercado requer reflexão a respeito deimportantes etapas envolvidas naconstrução e estruturação de umprojeto e sua consequente transfor-mação em um negócio consistente,em termos de competitividade no lon-go prazo, o que passa pela definiçãoconsistente de uma visão, a missão donegócio, seus objetivos e ações ineren-tes para se atingir estes objetivos.

ESTRATÉGIA DE SERVIÇOS E VALOR PARA O CONSUMIDOR EM RESTAURANTES FINOS

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2242

custos não monetários como o tempoe o esforço. Enfim, valor é funçãopositiva do que se recebe e funçãonegativa do que se sacrifica, comouma função de:

Valor = f (Recebimentos/Sacrifícios)

HOLBROOK (1999, 5 a 12) definevalor como uma experiência de prefe-rência relativa interativa (interactiverelativistic preference experience),referente a uma avaliação de algumobjeto por um indivíduo. Isto envolveo inter-relacionamento de intera-tividade, relativismo, afetividade euma base na experiência de consumo.A interação se dá entre sujeito eobjeto, o que incorpora objetividadee subjetividade caminhando juntas, evalor vai depender das característicasde um objeto físico e mental associadocom o envolvimento de um sujeito queaprecia estas características. Estaexperiência é relativa por ser compa-rativa – envolvendo preferênciasentre objetos pelo mesmo indivíduo– pessoal – variando de um indivíduopara outro – e situacional – específicaao contexto em que o julgamento ava-liativo é feito. É um julgamento depreferências, o que traduz uma sériede significados tais como afeto (pra-zer versus desprazer), atitude (gostaversus não gosta), avaliação (bomversus ruim), predisposição (favorá-vel versus desfavorável), opinião (proversus contra), tendência de resposta(aceitação versus aversão) e valência(positiva versus negativa), entreoutros, representando ordenação depreferências. E, por fim, é uma expe-riência no sentido de que o valor parao consumidor não está no produtoadquirido, nem na marca escolhidaou no objeto possuído, mas na expe-riência de consumo que daí deriva.

Decorrente deste papel central devalor para o consumidor dentro doconceito de marketing, ocorre o seuinter-relacionamento e influênciasobre diversos aspectos relevantes na

formulação de estratégia de marke-ting, como o posicionamento – umaforma de obter uma posição ótima noambiente de mercado, onde estão asposições percebidas das marcasconcorrentes e as posições ideais paraos diversos segmentos de clientes deinteresse da empresa (CRONIN, BRADY

E HULT, 2000; HOLBROOK, 1999;PARASURAMAN, 1997; WOODRUFF, 1997).

OLIVER (1999, 43-62), comenta asmuitas interpretações possíveis parao termo valor relacionadas comqualidade e satisfação e referentes agraus de excelência. Com relação àstrês fases de comportamento doconsumidor – o período pré compraconduzindo à escolha, o ato deconsumo propriamente dito, e operíodo pós compra – o consumo é operíodo ativo enquanto o pré e o pósconsumo são fases reativas à infor-mação. O julgamento de valor poderáocorrer antes ou após a compra;quando aferido no período précompra é o valor desejado, o valor depreferências, ou valoração; após acompra é o valor entregue, valorjulgado, ou avaliado. Assim como asatisfação, valor é uma resposta decomparação, baseada em um padrãode valoração, de cunho cognitivo,podendo ser feita sem a obrigato-riedade do componente afetivo.

Da comparação entre os resul-tados em termos de desempenho –entendidos como qualidade – com ossacrifícios – entendidos como valorcom base em custos – surge um dosantecedentes da satisfação. Ou seja,o que se recebe comparado com ossacrifícios é uma das operaçõescomparativas no julgamento póscompra, em paralelo com outrascomparações formadoras da respostado consumidor quanto a satisfação(ZEITHAML, 1988).

E, da mesma maneira, satisfaçãotambém pode ser entendida comoantecedente de valor, ou seja, partedo valor derivado do consumo podeestar baseado na satisfação. Satis-

entretanto, ocorre um processo decomparação segundo o qual a pessoadecide se o produto vale ou não ocusto que deverá ser incorrido paraa sua aquisição.

Dado que esse processo de com-paração entre o valor e o custo dosprodutos é um fator determinantepara a decisão de compra do consu-midor, podemos concluir que a obten-ção de uma vantagem competitivasustentável tem como um compo-nente importante a capacidade de aempresa oferecer o valor que o clientedeseja ao menor custo possível. Ummodelo que pode auxiliar as empresasnessa tarefa é chamado de cadeia devalor (PORTER, 1986).

Partindo-se do pressuposto daescola de marketing gerencial em quea atividade de marketing é vista comoum processo gerencial preocupadocom a facilitação e consumação detrocas (SHETH, GARDNER E GARRETT,1988), e definindo como troca a tran-sação entre duas partes, em que cadaparte entrega algo de valor parareceber algo de maior valor (ZEITHAML,1988), imediatamente nota-se a im-portância estratégica que o construtovalor para o consumidor desempenhaneste campo de conhecimento e, por-tanto, para estudiosos e profissionais(HOLBROOK, 1999; OLIVER, 1999;WOODRUFF, 1997).

ZEITHAML (1988) elaborou ensaiobuscando contribuir para a concei-tuação de valor percebido em quesurgem os aspectos a ele relacionadosde preço, obtenção do que se quer,qualidade comparada com preço, e oque se recebe em relação ao que sesacrifica. Mais adiante, buscando ummodelo para o conceito, valor édefinido como função positiva dequalidade, atributos extrínsecos comofuncionalidade, atributos intrínsecoscomo prazer, abstrações de nívelelevado como os valores pessoais, ecomo função negativa de sacrifíciopercebido, aqui entendido tanto pelosdispêndios monetários quantos pelos

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 22 43

de negócios. Para tanto procura co-brir as questões de pesquisa mencio-nadas na Introdução, servindo-se deroteiro de entrevista a saber:“1. Como anda o ramo (concorrência,

fornecedores, comportamento daspessoas, dos clientes, a econo-mia...)?

2. O que é mais importante para ocliente (percepção de valor docliente a respeito dos serviços dorestaurante)?

3. Custo e qualidade: o que entraaqui, na avaliação do consumidor,

e qual o peso para o cliente? Variaconforme o tipo de pessoa econforme a situação?

4. Como o restaurante vê e quais asações para enfrentar esta si-tuação?

5. O que o restaurante faz para ocliente vir e permanecer? O que éfeito para atrair e para manter orelacionamento com o cliente?Por fim, muito obrigado pela suacolaboração, seu tempo e sua boavontade. Por favor, há algumasugestão ou comentário que possafazer? Agradeço muito.”Por restaurante fino, entende-se

neste estudo aquele restaurantediferenciado pela oferta dirigida a umpúblico que busca sensação deexclusividade, traduzida em refeiçãode primeira qualidade por meio decardápio sofisticado, seguida deaparelhos distintos à mesa – toalha,guardanapo, talheres, pratos, com-plementos – acompanhada de serviçoirretocável em todos os momentos decontato com o cliente, em ambiente

condizente com um padrão deconsumo dirigido a um perfil deconsumidor que busca distinguir-se.Este padrão de consumo se traduz nabusca de serviço impecável, comidade alto nível e diferenciada – via deregra por meio de “chef de cuisine”renomado e de gabarito internacio-nal – em ambiente exclusivo, seja pelafreqüência – público usuário –decoração, mobiliário, arquitetura,localização ou outro aspecto quepossa chamar a atenção do cliente.

Foram entrevistados 14 adminis-tradores de restaurantes finos da cida-de de São Paulo, todos com mais de10 anos de experiência no setor, equi-tativamente distribuídos entre tipo decomida – brasileiro/carne, francês,italiano, variados – e tipo de ambiente– clássico, familiar, moderno, social.

A seguir são listados os pontos emcomum surgidos ao longo das entre-vistas, evitando-se redundância e re-petição dos dados, e preparando ainformação que servirá de base pararesposta às questões inicialmentepropostas pelo trabalho, conduzindona seqüência aos resultados – apu-rados a partir da confrontação entreos dados e a teoria – e aos comen-tários finais do estudo.

a. Concorrência– é um setor muito competitivo e

em constante mudança;– muito mais competitivo do que

era no passado;– as opções oferecidas ao cliente

são cada vez maiores;– há poucos fatores limitantes à

entrada; à primeira vista nãoapresenta complexidade opera-cional, não requer grandes somasde capital, nem tecnologiaespecífica. Na realidade, é extre-mamente dinâmico; em umsegundo momento, as coisasmostram-se bem diferentes, ondeo grande desafio está no conhe-cimento e aprimoramento contí-nuo da operação.

fação e valor, apesar de relacionados,são conceitos diferentes, e satisfaçãonão é uma variante de valor. (HOL-BROOK, 1999; OLIVER, 1997 e 1999).

OLIVER (1999, 58-59), conside-rando estas relações entre estes doisimportantes construtos, envolvendouma rede de outros construtos, comoqualidade, valor baseado em custo,satisfação e outros aspectos de consu-mo de ordem mais alta, elabora a re-presentação, a seguir adaptada, pro-curando traduzir a rede nomológicade conceitos de valor no consumo:

Com base nas referências concei-tuais apresentadas acima, vai-seprocurar levantar a posição deadministradores de restaurantesfinos da cidade de São Paulo quantoà percepção de valor do consumidore sua consideração na estratégia denegócios destes estabelecimentos.

A metodologia escolhida deanálise de conteúdo das entrevistasutilizará as teorias de valor percebidoe estratégia de negócios em mar-keting, adotadas por base desteestudo, buscando-se inferências querevelem ações e pontos de vista dosempresários que traduzam osconceitos-alvo do trabalho.

Entrevistas

Dados obtidosO presente estudo exploratório

vai entrevistar gerentes de restau-rantes finos buscando levantar comoestes sujeitos vêem o construto devalor percebido pelo consumidor ecomo o trabalham em sua estratégia

(Fonte: Oliver, Richard L., 1999, p.59)

ESTRATÉGIA DE SERVIÇOS E VALOR PARA O CONSUMIDOR EM RESTAURANTES FINOS

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2244

b. Comportamento do Consumidor– há poucos dados sobre o público

do setor: qual o seu perfil, quaisas suas motivações, o que é valo-rizado;

– com o passar das décadas recen-tes, mudaram em muito os valo-res das pessoas: senso mais agu-çado de consumo, há preferênciapor restaurantes com status eprestígio;

– o grau de exigência do clienteaumentou completamente nosúltimos anos, exigindo que todosos detalhes sejam muito bemcuidados;

– o público muda completamenteconforme o período: entre o diae a noite, ou entre um dia útil e ofim de semana;

– fruto da mudança ocorrida nosclientes, a natureza do negóciotambém se modificou;

– o indivíduo (a lazer ou a traba-lho) e a família brasileira estãocom o orçamento limitado.

c. Valor para o Consumidor– em restaurantes resume-se à per-

cepção individual do consumidornas frentes de ambiente (ouatmosfera, ou instalações, ou tan-gíveis), serviço (ou atendimento),cardápio (ou produto, ou refei-ção) e preço;

– trabalhar com produtos de qua-lidade é o básico, mas qualidadesozinha não garante a frequênciado cliente hoje; qualidade sozinhanão enche a casa hoje;

– há uma expectativa; é precisoconhecer bem o seu segmento edefinir bem a sua proposta;

– está relacionado à imagem per-cebida do restaurante, fruto dacombinação de uma série defatores analisados pelo cliente,por exemplo, se é caro, a quali-dade da comida, o ambiente seragradável, o serviço ser ótimo, opreço ser bom, as facilidades ofe-recidas (como estacionamento e

segurança); além disso, há umasérie de detalhes, como ilumina-ção e som; não pode haver falha;

– exige redução de custos, semperda de qualidade; hoje há várioscustos para o cliente, dificultandoa sua frequência aos restaurantes,tais como segurança, custo delocomoção, estacionamento;

– varia conforme o tipo de pessoa,o momento e a necessidade quemotivou a pessoa a ir ao res-taurante;

– depende da pessoa, do segmentoque se atende e da situação (o queele busca quando vai ao restau-rante: tipo de comida, preferên-cias, conveniência, atendimentopessoal ou impessoal, formal ouinformal, ambiente formal oudescompromissado, tranquilo oumovimentado).

d. Estratégia de Marketing– é preciso conhecer o cliente e

suas motivações;– fidelização, hoje, não se consegue

só com atendimento bom, pois éconsiderado uma obrigaçãooferecer qualidade, rapidez e seratencioso; ademais, é precisomesclar com promoção (umdesconto, um “drink”, enfim, daralgo para atrair o cliente);

– trabalho contínuo nas três fren-tes: refeição, ambiente e atendi-mento, calibrado com a promo-ção, visando comunicar a propos-ta do seu restaurante a fim deatrair clientes;

– a casa tem que ter uma proposta;o ponto comercial e todos os itenscomponentes da oferta devemestar de acordo com a propostada casa;

– acompanhar as tendências emdecoração e cardápio;

– requer criatividade, estar sempremodificando, inovando, gerandoum atrativo, sem perder a tra-dição do ponto;

– administração de custos é muito

importante para se conseguir sercompetitivo, o que exige princi-palmente a busca permanente deredução de custos, insumos compreços mais baixos, sem perda dequalidade, negociação intensacom fornecedores, opções decardápio com alternativas sazo-nais, promoção para atrairclientes novos, além dos fiéis;

– falta mão de obra capacitada nosetor.A confrontação dos dados forne-

cidos pelos empresários com a teoriaé a base para tentar-se responder àsquestões sugeridas neste estudo. Aseguir vai-se fazer esta comparaçãoe procurar as inferências que sãotrazidas da análise.

Comparação dos dados com a teoria

As questões abertas utilizadasnas entrevistas, relativas a valorpercebido pelo consumidor, visamsaber qual o ponto de vista doempresário acerca daquilo que ocliente valoriza. Há diversos aspectosda teoria sobre percepção de valorem serviços que aparece nasrespostas dadas pelos empresários,como é salientado nos próximosparágrafos.

LOVELOCK E WRIGHT (1999) colo-cam o valor entregue ao cliente comoum saldo entre o valor total e o custototal para o cliente, envolvendo todosos aspectos relacionados à obtençãodo serviço. A operação de serviçosem restaurantes compreende asimportantes e distintas frentes deambiente, serviço, cardápio e preço.Fazendo um paralelo com o modelode PARASURAMAN, BERRY E ZEITHAML

(1985), explicitado e ampliado emZEITHAML, PARASURAMAN E BERRY

(1990), confirma-se que o marketingde serviço em restaurantes apresentadificuldade adicional por envolvertangíveis (produtos: a refeição,comunicada através do cardápio),intangíveis (serviços: o atendimento

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 22 45

do cliente pelo pessoal de contato) ea administração de evidências físicas(o ambiente: as instalações físicas, aatmosfera do restaurante, o estilo, adecoração, o som, a iluminação; e opreço).

Parte destes itens da operação derestaurantes está no numerador (oque se recebe) da equação de valorde ZEITHAML (1988) – o ambiente, oatendimento e a refeição – e parte estáno denominador (o que se dá) damesma equação – preço. Através dorastreamento dos entrevistados,complementou-se este componente”preço objetivo” com outros custosimportantes ao consumidor atual-mente, dificultando a frequência dosclientes aos restaurantes de modogeral: segurança, custo de locomoção,estacionamento, que podem serentendidos como uma evidência de“preço não monetário percebido”. Apartir do “preço objetivo” se chega ao“preço monetário percebido” e,adicionado o “preço não monetáriopercebido”, tem-se o “SacrifícioPercebido”, conforme pesquisaqualitativa de ZEITHAML (1988).

Com base no modelo sugeridopor ZEITHAML (1988), a percepção dequalidade é formada por atributosintrínsecos – aqueles relativos ao pro-duto, ao físico, ao visível, ao tangível– na refeição, no ambiente físico, naaparência das pessoas e dos outrosfrequentadores, nos uniformes, nadecoração, nos utensílios, nas insta-lações – e atributos extrínsecos – aque-les referentes ao produto/serviço masexternos a eles, não consumidos juntocom eles, como são o preço, o nome(a marca) do restaurante, o nivel depropaganda e promoção, a imagem.Esta dicotomia entre pistas intrín-secas e extrínsecas para a qualidadedo serviço é apenas uma tentativa, eisque há dificuldades de conceituação,dependendo de interpretação, comodestaca ZEITHAML; no entanto é impor-tante constatar aqui a sua existênciae influência sobre a percepção de

qualidade e, portanto, sobre valor.Com esta complexidade, dados osdiversos atributos formadores dapercepção de qualidade, esta pode servista como uma abstração de nívelelevado – aqui entendida, dentro deuma abordagem de cadeia meios-fimde compreensão da estrutura cogniti-va do consumidor, com níveis de abs-tração desde o mais objetivo/físico aoextremo oposto do mais emocional/abstrato (ZEITHAML,1988). Esta per-cepção de qualidade vai, por sua vez,influenciar, juntamente com outrasabstrações de nível elevado, a per-cepção de valor. Isto se deduz dasentrevistas e corrobora a teoria sobreestes construtos (CRONIN JR, BRADY E

HULT, 2000; HOLBROOK, 1985 e 1999;OLIVER, 1999; ZEITHAML, 1988) e sobrea sua percepção pelo consumidor emrestaurantes, como pode ser tradu-zido na declaração de valor comosendo a imagem que o consumidortem do restaurante: se é caro ou se opreço é bom, a qualidade da comida,o ambiente ser agradável, o serviçoser ótimo, as facilidades oferecidas,o estacionamento, a segurança.

Outra relação entre os construtosapontada nas entrevistas, é a de quea qualidade está fortemente rela-cionada com valor, sendo elementodecisivo na percepção do cliente,consubstanciando conclusão deestudo de CRONIN JR., BRADY E HULT

(2000), também mencionada porWOODRUFF (1997) e PARASURAMAN

(1997). Tanto mais fica reforçada estarelação na esfera de restaurantes,pelo fato de, além das característicaspesquisáveis e experienciais, pode-seafirmar que a qualidade de umacomida também possui caracte-rísticas credenciais, à medida em quenão se vê a sua preparação, nem amatéria-prima utilizada e parte dapercepção de sua qualidade se dámais pela sensação do organismoapós o consumo. No entanto, comreflexos para a estratégia dos restau-rantes, trabalhar com mercadoria de

qualidade é básico, mas qualidadesozinha não enche a casa hoje. Esteaspecto reforça a dimensão estraté-gica de valor percebido, e de quali-dade como pressuposto essencialpara a percepção de valor, mas nãogarantidor.

A percepção de valor varia con-forme o tipo de pessoa/segmento, omomento/situação e a necessidadeque motivou a pessoa a buscar aqueletipo de restaurante, o que ele buscaquando vai ao restaurante: tipo decomida, preferências, conveniência,atendimento pessoal ou impessoal,formal ou informal, ambiente formalou descompromissado, tranquilo oumovimentado. O público muda com-pletamente, conforme o período (diae noite; dia útil e fim de semana)

É mencionado que o indivíduo aoir e ao entrar em um restaurante temuma expectativa; de onde se deduz serpreciso conhecer bem o seu segmen-to e definir bem a sua proposta. Estaexpectativa é formulada a partir dotipo de restaurante, o tipo de comida,a localização, o perfil da região. Estesdados confirmam o paradigma dadesconfirmação de expectativas comoum fato relevante e complexo a serconsiderado em serviços, dada assuas características distintas dos bensfísicos, com reflexos a serem levadosem conta quando da definição do mé-todo de mensuração de valor perce-bido, ou mesmo de qualidade e satis-fação, em pesquisas quantitativas.

Nota-se que há uma harmoniaentre a concepção de valor percebidopelo consumidor e a necessidade desua inserção na estratégia de negó-cios dos restaurantes, pela óticadestes administradores.

Considerações Finais

Inicialmente, importa salientar oque foi unânime na afirmação detodos os entrevistados quanto ao ce-nário competitivo em que se desen-rola a atividade de restaurantes,

ESTRATÉGIA DE SERVIÇOS E VALOR PARA O CONSUMIDOR EM RESTAURANTES FINOS

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2246

constatando-se ser um setor emconstante mudança, muito maiscompetitivo do que era no passado,com um número muito maior deopções sendo oferecidas aos clientes.Clientes estes que passam, assim, adispor de um espectro maior dealternativas de escolha e refinam oseu critério de avaliação, reforçando,com isso, este ciclo concorrencial eexigindo dos restaurantes a buscaconstante de vantagem competitivaem suas estratégias de marketing.

Digna de nota também é adeclaração de que se abrem muitosrestaurantes com proposições ino-vadoras e tentadoras aos clientes(dadas as relativamente reduzidasbarreiras de entrada, imagina-se serfácil, porém é difícil manter orestaurante aberto, com qualidade,bom atendimento e boa relação custo-benefício para o cliente), o que, ape-sar de muitos não perdurarem noramo ao longo do tempo, termina poraumentar a concorrência, realimen-tando o ciclo apontado no parágrafoanterior e a necessidade de os restau-rantes serem muito competitivos parasobreviverem com lucratividade.

Há poucos fatores limitantes àentrada, como se depreende da espe-cificação de barreiras de entradaaludidas por PORTER (1986): nãorequer grandes somas de capital, outecnologia específica, ou economiasde escala, ou necessidade de elevadadiferenciação do produto/serviço, ouacesso aos canais de distribuição, oudesvantagens de custo independentesde escala, ou decorrentes de políticagovernamental, e não há custos demudança para o consumidor. Mas, éum setor extremamente dinâmico, emque o grande desafio está no domínioe desenvolvimento dinâmico daoperação. Esta dimensão do setorserve de alerta tanto aos novos em-presários em potencial quanto àque-les de maior tradição e experiência,como indicativo da importância deorientação para o mercado na

definição estratégica, onde se insereo valor para o consumidor.

Quanto à estratégia propriamentedita, esta deve atacar as frentes deoperação em que o restaurante foidefinido pelos empresários – ambien-te, atendimento, refeição – adiciona-das ao preço e demais custos extrínse-cos, conforme ZEITHAML (1988), ecalibradas com promoção focada aopúblico alvo, de modo a comunicar oposicionamento definido.

Os empresários apontaramtambém que a estratégia deve serbasicamente centrada na redução decustos sem perda de qualidade. Nota-se aqui semelhança com a estratégiagenérica proposta por PORTER (1986)de liderança em custos como alterna-tiva de estratégia competitiva. Pormeio de negociação forte com forne-cedores, opções de cardápio comalternativas sazonais, promoção paraatrair clientes novos, além dos fiéis.Enfim, as condições ambientais deconcorrência obrigam à redução decustos, com muita criatividade. Noentanto o setor não permite queda dequalidade pois o produto trata-se decomida, em que não há como ofere-cer produto que não seja bom, emperfeitas condições de manuseio econsumo. Apenas a liderança emcustos não representa auto-suficiên-cia para obtenção de vantagemcompetitiva; as duas outras estra-tégias genéricas de diferenciação eenfoque sâo também necessárias,como será visto mais adiante.

A retenção é outra ameaça; hojenão se consegue atrair e reter o clientesó com qualidade na refeição e noatendimento. O que reitera aimportância de atenção com o valorpara o consumidor e os inúmerosaspectos envolvidos, com a adoção demecanismos que fomentem orelacionamento com os clientes,como recurso de diferenciação efomento da sua percepção de valor.

Dadas as condições de compe-tição e a dinâmica do setor, apontadas

pelos entrevistados, em que as pes-soas procuram distração, momentosde tranquilidade, ambiente agradável,é necessário conhecer o cliente e suasmotivações. Já não existe mais aquelecliente que valoriza um restauranteapenas pela boa comida e o bom aten-dimento. Uma série de outros quesitospassou a entrar nesta equação devalor para este consumidor de hoje.As pessoas passam a valorizar omomento de lazer com dimensõesmais abstratas e subjetivas, como asmencionadas por HOLBROOK (1985 e1999) em sua tipologia de valor parao consumidor, englobando tiposdistintos de valor na experiência deconsumo centrados em eficiência,excelência, status, estima, jogo,estético, ética e espiritualidade.

Em decorrência, conformemencionado pelos entrevistados, oposicionamento estratégico torna-sefundamental, definindo qual aproposta do restaurante ao seupúblico-alvo. Daí a importância desegmentação criteriosa, procurandodetectar oportunidades no mercado.Neste contexto, o cliente já não temmais o mesmo comportamento deuma geração atrás, e mesmo dealguns anos atrás. O que faz com quemude a natureza do negócio. Emoutras palavras, a percepção de valoré dinâmica e exige resposta conso-nante por parte dos restaurantes emsua definição estratégica. Vai de en-contro ao conceito amplamente di-fundido de posicionamento do produ-to/serviço perante a mente dos consu-midores potenciais, como forma deser criativo e se alcançar o sucesso.

Estar continuamente acompa-nhando as tendências é um aspectoessencial à atividade, responsávelpelo fechamento de boa parte decasas tradicionais no setor. É precisoinovar e ter criatividade, o que con-firma grande parte das observaçõesde HAMMEL (2000): ainda que o setornão seja de alta tecnologia, não hácomo prescindir de inovação e

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 22 47

criatividade para se atingir o objetivoestratégico de entregar valor para oconsumidor.

A observação de que há carênciade mão de obra capacitada no setordemonstra um ponto fraco e umaameaça à sobrevivência dos restau-rantes, dado o peso deste fator noencontro de serviços. Se constituiuma ameaça, é também uma grandeoportunidade em estratégia de dife-renciação para entrega de valor aocliente, a requerer liderança, capaci-dade de empreender e inovação, dan-do margem a rica fonte de pesquisa.

A nota de que o indivíduo e afamília brasileira estão com orça-mento limitado, se parece óbvia, éporém necessária de ser explicitada,dado seu impacto sobre a formulaçãode estratégia, realçando a impor-tância de controle rigoroso de custose a extrema sensibilidade a preço porparte do consumidor dentro do com-posto de marketing, o que reforça arelevância do construto valorpercebido pelo cliente.

Como se pode notar, cada aspectorelevante às atividades de estratégia ede marketing, incluindo o valor perce-bido pelo consumidor, é passível deexame na esfera de restaurante finos,com possibilidade de contribuir efeti-vamente para o aprimoramento geren-cial e a ampliação do conhecimentonestes campos. Ademais, as condiçõesde ambiente de mercado que envolvemo ramo – econômicas, sociais e deconcorrência – também se mostramfecundas para análise, dada a faltaabsoluta de informações criteriosa-mente tabuladas e sistematizadas.

Fica clara a oportunidade da se-quência em estudos no âmbito destesconstrutos, com a perspectiva de seconhecer os fatores relacionados aestes importantes conceitos de marke-ting pela ótica do consumidor, de modoa permitir melhor prática de adminis-tração dos estabelecimentos, em am-biente de crescente exigência por partedos competidores e da clientela. !

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Referências Bibliográficas

ESTRATÉGIA DE SERVIÇOS E VALOR PARA O CONSUMIDOR EM RESTAURANTES FINOS

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RELAÇÕES HUMANAS – Nº 2248

DIVERSIDADE HUMANA NAS ORGANIZAÇÕES:A PERCEPÇÃO DO OUTRO NOS PROCESSOSSELETIVOS

RENATO LADEIA OLIVEIRA

Palavras-Chave: Gestão de pessoas, ações afirmativas,

raça e discriminação.

Keywords: Human resources, affirmative actions, race

and discrimination.

RENATO LADEIA OLIVEIRA – Mestre em Administração de Empresaspela UMESP, Doutorando em Ciências Sociais pela PUCSP eProfessor do Departamento de Administração do CentroUniversitário da FEI.

This article intends to contribute for the

discussion of the racial subject in Brazil

starting from selective entrance processes in

companies and the discriminatory mechanism

used. The existence of racial problems in Brazil

is proven by classic studies such as those by

Fernandes, Bastide, Cardoso and Ianni, but

there are no specific works regarding business

organizations. This study is based on the

history of human resource professionals who

act or acted directly in the activity. The

narrative of these speakers is very rich in

information, what can indicate ways for

companies to restrain from those practices.

Este artigo pretende contribuir para a discussão da

questão racial no Brasil a partir dos processos seletivos

para ingresso nas empresas e os mecanismos

discriminatórios utilizados. A existência de problemas

raciais no Brasil é comprovada através de estudos

clássicos como Florestan Fernandes, Roger Bastide,

Fernando H. Cardoso e Otavio Ianni, mas não há

trabalhos específicos com relação às organizações

empresariais. Esse estudo está baseado na história de

vida de profissionais de recursos humanos que atuam ou

atuaram diretamente nessa atividade. A narrativa

desses interlocutores é bastante rica em informações, o

que pode indicar caminhos para que as empresas possam

coibir essas práticas.

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Page 49: Mobile Banking: fenômeno de inclusão bancária no Brasil

RELAÇÕES HUMANAS – Nº 22 49

Introdução

A temática desse artigo está dire-cionada para o processo seletivo depessoas nas empresas, atividadeinerente ao setor de Recursos Huma-nos e que trata do recrutamento,triagem e avaliação de candidatospara os seus quadros funcionais. Osprofissionais que atuam nesta áreatêm, a rigor, um poder limitado naaprovação dos candidatos às opor-tunidades de emprego oferecidaspelas empresas, pois seu papel élimitado na aprovação de candidatosàs oportunidades de emprego ofere-cidas pelas empresas, se restringindo,em geral, a indicação do melhor oudos melhores profissionais para opreenchimento das vagas disponíveis.Essa atividade está dividida em duasetapas principais: Recrutamento,como uma série de atividades quetrata dos estudos e contatos com omercado de trabalho, assim como daprimeira convocação de candidatos(TOLEDO, 1992). A seleção propria-mente dita, já se refere a um processo,normalmente, mais complexo, emque são envolvidas tecnologias psico-lógicas como baterias de testes, entre-vistas, dinâmicas de grupo, dramati-zação etc. TOLEDO (1992:67), explicaque “é preciso ter sempre em mente quea boa seleção visa unir um indivíduoa uma função, e que, assim sendo, épreciso conhecer profundamente nãosó o indivíduo como também a função,sem o que não teremos o verdadeiroajustamento”. Em geral, a decisãofinal cabe sempre a um gerente ouchefe que receberá o novo funcio-nário. O selecionador pode, natural-mente, desqualificar uma pessoanegra ou de outra etnia que a seucritério, considera inadequada parao cargo. Caso o requisitante sejapreconceituoso com relação a outrasetnias, o selecionador tende a assu-mir o papel de fantoche, descartando

“Acontece que a variabilidade hu-mana é enorme: as diferenças indivi-duais entre as pessoas, tanto no planofísico (como estatura, peso, complei-ção física, força, acuidade visual e au-ditiva, resistência à fadiga etc), comono plano psicológico (como tempera-mento, caráter, inteligência, aptidões,habilidades mentais etc.) levam as pes-soas a se comportar diferentemente, aperceber situações de maneira diferentee a se desempenhar diferentemente,com maior ou menor sucesso, nasorganizações” (1999:107).

As chamadas diferenças indivi-duais citadas pelo autor não men-cionam a cor, diferentemente do queocorria até meados dos anos 40 nosanúncios de emprego publicados nopaís, de acordo com DAMASCENO

(2000), quando essa característicafenotípica era explicitada. Entretanto,o processo seletivo dispõe de um enor-me arsenal de elementos que podemdificultar o acesso de pessoas àsorganizações sem a necessidade deexposição de comportamentos discri-minadores. Num outro momento, esseautor afirma que “a seleção passa a serconfigurada basicamente como umprocesso de comparação e de decisão”(CHIAVENATO, 1999:107). Portanto, aobjetividade dos processos seletivospode ficar na dependência, única eexclusiva, dos profissionais que estãoà frente dessas funções nas orga-nizações, pois elas podem dispor deinúmeros mecanismos subjetivos fun-dado numa ideologia racionalista paraformular a recusa de um profissionalpor preconceitos ou discriminação.

Algumas questões teóricas

A utilização do conceito de raçaé relativamente recente na culturaocidental, pois seu significado ori-ginal estava mais relacionado a umgrupo de pessoas interligadas poruma origem comum, conforme

os “indesejáveis”, apresentando asdesculpas de praxe para não assumirnenhum tipo de responsabilidade,bem como não comprometer os seuspares ou superiores hierárquicos. Aexpressão “conhecer profundamentea função” envolve, não somente osaspectos funcionais, técnicos, mastambém com quem o funcionário vaitrabalhar. Ao unir o indivíduo a umafunção, o selecionador deverá ter emmente que está realizando umtrabalho eficiente, adequando oindivíduo às características do chefee da equipe. Assim, esse profissionalé um técno-burocrata, que deve serpreciso, rápido, discreto e eficiente(WEBER, 1974). Portanto, o desafioprincipal do recrutamento é agregarvalor à organização e às pessoas(CHIAVENATO, 1999). Dessa forma, umfuncionário não adequado à empresa(ou ao chefe), não estaria agregandovalor. Caso o selecionador seja pre-conceituoso, ele pode assumir por suaprópria conta, a responsabilidade nadiscriminação de pessoas que con-sidera com “perfil” inadequado, massempre utilizando discursos de con-teúdo evasivo, como por exemplo: nãoatende ao perfil solicitado. Essa lógicaestá implícita no pressuposto de queele deve agregar valor à organizaçãoao contratar um funcionário. Numaperspectiva de hierarquização das“raças”, é evidente que suas açõesserão preventivas, eliminando can-didatos que considera inadequadosaos objetivos organizacionais, mesmoque os eventuais chefes que estãorecrutando os profissionais não dis-criminem pessoas em função daorigem étnica.

CHIAVENATO, um conhecido edifundido autor de manuais sobreRecursos Humanos e habitualmenteadotado em escolas de Administraçãode Empresas, relata as razões pelasquais algumas pessoas são preteridasou não para vagas nas empresas:

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afirma BANTON (1994:264), e não sereferia necessiamente a populaçõescom características fenotípicas dife-renciadas. De qualquer forma, já épatente no âmbito das ciências so-ciais, notadamente na antropologia,que biologicamente o conceito deraça não existe no sentido em que éutilizado, sendo o termo irrelevantepara a ciência. Admite-se, no entanto,que a expressão tem um interessemaior no campo sociológico do quena biologia ou na antropologia físicasendo, por isso, considerado comouma construção social, engendrada apartir das relações sociais numa reali-dade concreta. (BERGER E LUCKMANN,1983). Neste sentido, raça pode sertambém entendida como uma ideo-logia construída a partir de elementosda realidade, cujo objetivo é mascararesta mesma realidade em função deinteresses sociais, políticos e econô-micos. HANEY LOPEZ (1994), afirmaque os conceitos de raça são total-mente ilusórios, como conceitos bio-lógico e social. Assim, não havendonenhuma conexão entre aparência eraças, então a conexão não existe.Vários pesquisadores como BANTON,1975, MILES, 1982 e REX, 1986, têmdemonstrado que raça é na biologiaum conceito errôneo (ROCHA, 2001).

Para LEVI-STRAUSS (1960), o pe-cado original da antropologia foi aconfusão entre a noção puramentebiológica de raça e as produçõessociológicas e psicológicas das cultu-ras humanas. Aliás, esta noção, mes-mo pretendendo uma objetividadecientífica, foi amplamente contestadapela genética.

Por sua vez, a teoria da evoluçãode CHARLES DARWIN através da Origemdas Espécies, serviu como fundamentoideológico para a formulação deteorias sobre raças. Não que tenha sidoesta a intenção, mas sua obra foiutilizada para dar a base “científica”sobre a hierarquização dos diversos

grupos humanos. As leis da seleçãonatural, da sobrevivência dos maisaptos, foram saudadas pelos europeuscomo um forte argumento parajustificar a exploração dos povos con-siderados inferiores como os negrosafricanos e os indígenas. A teoria bio-lógica de Darwin, após um processode rude simplificação e distorção deacordo com os interesses políticos eeconômicos, foi transformada nodarwinismo social.

Para LEVI-STRAUSS (1978), a mentehumana, apesar das diferenças cultu-rais entre as diversas frações dahumanidade, é em toda a parte umasó, e a mesma coisa, com as mesmascapacidades. O que efetivamente dife-rencia os homens em suas váriasetnias, grupos, tribos é o uso que sefaz da mente para atender as suas ne-cessidades cotidianas. Temos assimalgumas habilidades desenvolvidas,que atendem as demandas da vidamoderna numa sociedade industriale extremamente complexa. Por outrolado, numa sociedade tribal, sãodesenvolvidas algumas habilidadespara as quais nos julgamos totalmenteincapazes.

Enfim, a questão da diversidadehumana é extremamente complexa,envolvendo aspectos biológicos e,principalmente, sociológicos, antro-pológicos e psicológicos, tornando-sepor isso, impossível o consenso arespeito do tema. A questão relevante,no entanto, é que a dificuldade deaceitar o outro, desemboca fatal-mente no ódio, na intolerância e“trata-se, em primeiro lugar, da apa-rente incapacidade de se constituircomo si mesmo, sem excluir o outro;em seguida, da aparente incapacidadede excluir o outro sem desvalorizá-lo,chegando, finalmente, a odiá-lo”.Neste enfoque, o racismo pode servisto como uma incapacidade huma-na em aceitar o diferente (CASTO-RIADES, 1992:32).

A história de vida como método

A definição de história de vida deDOLLARD, apud NOGUEIRA (1977), érelevante, indicando-a como uma ten-tativa deliberada para definir o desen-volvimento de uma pessoa num meiocultural e lhe dar um sentido teórico,compreendendo os documentos auto-biográficos com os biográficos.

A opção pelo método da históriade vida de profissionais que atuam ouatuaram por longo tempo na área deRecursos Humanos, em organizaçõesnacionais e internacionais, tem, evi-dentemente, razões de natureza an-tropológica e sociológica, pois sebusca não um conjunto de dadosquantitativos para serem analisadose comparados, mas a riqueza da infor-mação obtida através dos relatos devivência de indivíduos, compartilha-dos ou não, por outros. “Pelo recursoà memória é possível também captaros sentimentos experimentados, pois alembrança do acontecimento vivido fazcom que aflorem o ódio, o amor, aalegria, a tristeza, o conformismo, arevolta” (BERNARDO, 1998).

A narrativa parte da experiênciaconcreta, vivida e também daquelacontada pelos outros. Essa formaartesanal da comunicação humananão tem a intenção de transmitir umconteúdo puro como a notícia. Pelocontrário, diz BENJAMIN (1975),“imerge essa substância na vida donarrador para, em seguida, retirá-ladele próprio”. A narrativa revelarásempre a marca do narrador, da mes-ma forma como é revelada a mão doartista na cerâmica.

Durante a vida profissional aspessoas vão acumulando memóriassobre fatos, conflitos, sucessos e fra-cassos. Essas memórias, de naturezaindividual ou coletiva, preservam vi-vências pessoais ou aquelas vividaspelo grupo a que a pessoa julga per-tencer (POLLACK, 1999). Alguns

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profissionais que atuam ou atuaramna área de Recursos Humanos emalgumas empresas paulistas, foramconvidados para prestar depoimentossobre os casos de discriminação racialnas empresas em que trabalharam ouainda trabalham. A primeira reaçãomanifestada pela maioria deles é quenão se lembravam de situações dediscriminação racial nas empresas.Entretanto, à medida que começaramdesfiar a teia da memória, foram serecordando de fatos e situações quenunca chamaram a atenção, mas queperceberam, à medida que foram nar-rando histórias de vida profissional,que testemunharam casos de discri-minação. Os nomes das organizaçõese das pessoas foram omitidos porsolicitação dos depoentes, conside-rando a delicadeza do tema.

Entre os depoentes, alguns atua-ram na área chegando ao topo dahierarquia como gerentes ou superin-tendentes. Os demais atuam ouatuaram na coordenação de proces-sos seletivos, recrutando e selecio-nando candidatos, entrevistando,desenvolvendo dinâmicas de grupo eindicando os mais adequados, deacordo com a percepção de cada um,para as vagas disponíveis nas res-pectivas organizações.

Dessa forma, a partir da históriade vida desses profissionais foipossível identificar situações de dis-criminação racial nas organizaçõesem que desenvolveram suas ativi-dades profissionais. As lembranças, àsvezes, são vagas, mas sempre há umcaso para ser resgatado, no fundo dobaú da memória humana. Há casosque nunca foram pensados comodiscriminatórios, mas vieram à tonano momento dos depoimentos. Todoseles, de uma forma mais explícita ouapenas por suposição, se lembraramde situações que evidenciam situa-ções de discriminação em relação aonegro ou a outras etnias.

Para HALBWACHS (1972), a expe-

riência para ser real precisa servivida, construída na memória doindivíduo e quando essas lembrançassão confrontadas por outros, aumentaa crença de que se está reconstruindoa própria experiência. Assim, amemória precisa ser colocada em umcontexto grupal, do qual o indivíduofaz parte, supondo acontecimentoscomuns, reais, vividos em comum.Daí a validade dessa experiência, poisela foi compartilhada por outros e, decerta forma, também vivida pelonarrador ao sentir na pele aquilo quesomente é contado por aqueles queforam vítimas.

Há uma enorme fronteira entreo dizível e o indizível, o confessável eo inconfessável, que separa umamemória coletiva subterrânea da so-ciedade civil dominada ou de gruposespecíficos, de uma memória organi-zada que resume a imagem que umasociedade majoritária ou o Estadoque a representa deseja passar eimpor. A história oral tem aí um papelrelevante no resgate dos que vivem àmargem da história oficial.

Discriminação racial nosprocessos seletivos

O processo de seleção dos em-pregados tem uma importância pri-mordial na investigação do racismonas organizações, pois é o primeirocontato com a empresa, podendoresultar numa experiência positiva ounegativa, na contratação ou não.Mesmo as empresas mais abertas àdiversidade podem ter em seusquadros funcionários que agem deforma preconceituosa com relação aooutro, pois eles quase nunca se revelamou assumem suas posições comrelação ao diferente. Como já foi dito,os critérios de racionalidade adminis-trativa não são tão abrangentes quepossam inibir elementos de subje-tividade no momento de avaliar umcandidato. Os selecionadores tendem

a decidir pelos candidatos que apre-sentam maior nível de conformidadecom determinados padrões decomportamento, principalmenteaqueles baseados nos modelosapregoados na mídia (CARVALHO E

GRISCI, 2003). Se o selecionador jáconhece o estilo do gerente para o qualserá encaminhado o candidato,provavelmente ele deverá barraraquele que não esteja ajustado ao perfilsolicitado, mesmo que tenha compe-tências relevantes.

Os depoimentos seguintes mos-tram o nível de subjetividade que per-meia todo o processo em que aspessoas são selecionadas para seremcontratadas pelas organizações priva-das. E, no caso das organizações pú-blicas, os critérios de impessoalidadesão muito mais efetivos, pois dependedo desempenho dos candidatos nasprovas escritas, e essas garantem paraaqueles que obtiveram as melhoresnotas, o direito assegurado pela cons-tituição de ingressar no serviço pú-blico ou numa empresa pública.

L.H.L., 39 anos, branca, psicó-loga e consultora de Recursos Huma-nos admite a existência de subjeti-vidade ao afirmar que o preconceitodepende das pessoas que estãoentrevistando os candidatos e não daempresa em si, conforme relata:

“Acho que depende muito de quementrevista, de quem recebe as pessoas.Se a pessoa é preconceituosa, ela vaiagir ali e nunca ninguém vai ficarsabendo. Eu acho muito difícil ocorrer,primeiro porque nenhuma organiza-ção vai ter essa política de não contra-tação de negros ou outras raças. Eununca vi isso dos requisitantes”.

No início do seu depoimentoL.H.L. deixou bem claro que nãopercebeu, em nenhuma situação desua vida profissional, um só caso depreconceito ou discriminação contrapessoas negras desde 1985, quandocomeçou a trabalhar como psicólogaem seleção de pessoal. Seu discurso

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procura passar uma racionalidadeprofissional, na qual os melhores, osmais aptos eram aprovados com basenos perfis estabelecidos pelas orga-nizações (WEBER,1974). Para ela, ape-nas um fato se tornou marcante em suatrajetória: quando foi acusada deracismo por uma candidata que sesentiu discriminada por ser negra.L.H.L. conseguiu provar que agiu pro-fissionalmente, mas afirma que ficoucom dúvida se a moça agiu por má-féou por se sentir mesmo discriminada.

“Ela não havia sido reprovada pelacor, mas por não ter as característicasda requisição, por exemplo: tom de voz,comunicação verbal, que eram coisasimportantes no atendimento ao pú-blico. O banco usou isso comojustificativa. Eu não sei se ela entroucom isso maldosamente ou se elamesma achava... Quer dizer: o racismocomeça também com os negros. Temesse lado também. Tanto é que lá nobanco tem vários negros”. (L.H.L.)

Esta construção indica uma inver-são de papéis, em que o negro teriaum sentimento de superioridade emrelação aos demais. Essa idéia tem osentido absurdo de que o oprimido ésuperior ao opressor. A construção doracismo está fundamentada na per-cepção de que uma população huma-na é superior às demais. Portanto, nãofaz sentido aquele que é percebidocomo inferior ter atitudes racistas. Osentimento de revolta contra a exclu-são pode estar sendo usado comojustificativa para os mecanismos dediscriminação do outro. IANNI (1960)entende que o comportamento derevolta é uma contra-ideologia que visaatenuar os efeitos subjetivos negativosdos padrões de comportamento inter-racial herdados do passado em umaordem social dominada pelos brancos(p. 232 e 233). Para IANNI (1960), aideologia de que os negros são respon-sáveis pelas posições inferiores queocupam na sociedade, faz parte destaconstrução ideológica. Neste caso, se

transfere para o nível da origem a cul-pa pelo fracasso social (ENRIQUEZ,1978), invertendo os papéis.

Na fala seguinte L.H.L. relativizaa questão com base na sua expe-riência, defendendo que algumasempresas nacionais praticam maisdiscriminação, citando o banco emque trabalha.

“As multinacionais não são tãopreconceituosas assim, dependendo dopaís onde elas entram. Mas algumasempresas nacionais acabam tendomaior discriminação. Por exemplo, obanco em que trabalho. Um bancoextremamente formal, que discriminaa idade, a aparência, mas nuncaproblemas de cor. Nunca um requi-sitante falou, assim, abertamente: nãoquero negro, não quero japonês, nuncaaconteceu isso”. (L.H.L.).

O exemplo do banco, que adotapolíticas discriminatórias em relaçãoà idade e à aparência, pode ser umcaso de camuflagem do preconceito.Não é difícil entender o significadode boa aparência, quando não sãovistos gerentes ou atendentes negros.A boa aparência pode ser uma senhapara o preconceito numa sociedadeque há séculos pratica a discrimi-nação. A metáfora da boa aparência,historicamente, passou a ser utilizadano final dos anos 40 (DAMASCENO,2000), pois até então os anúncios dejornais destacavam a cor desejada nascontratações. Para as funções quehavia invisibilidade a cor não eramencionada ou chegava-se até adestacar a preferência por negros oupardos. Entretanto, quando o empre-gado tinha uma função visível ourelacionamento direto com os supe-riores ou a família do contratante, acor branca era preferida. A exigênciada fotografia é outra forma até hojeainda utilizada por alguns anuncian-tes, pois evita o contato com candida-tos considerados “diferentes” para asvagas. Ou seja, a combinação da corcom a boa aparência vai aos poucos

sendo substituída pela segunda.Assim os negros não teriam vez, poisna visão racializada, as pessoas quemantêm contato direto com o públicoprecisam ser claras e bonitas. A per-cepção estética de uma sociedadeideologicamente branca, sem neces-sariamente sê-lo, é imposta hegemo-nicamente e quem estiver fora dessepadrão é considerado feio, portantoexcluído (BASTIDE, 1972).

L.H.L. narra que a questão é maiscomplexa e está ligada à questãosocial do negro no Brasil. Ela entendeque o problema se vincula à desi-gualdade de oportunidades e enfatizaainda, que não é apenas a formaçãoescolar, é a formação familiar, é oconhecimento geral. Na pesquisarealizada por BASTIDE E FERNANDES em1955, essa questão já era colocada.Afirmava-se que os negros não dis-punham de técnicas e conhecimentosadequados para participar dos testespsicológicos, diferentemente dosbrancos (BASTIDE, 1972). Com oarsenal de técnicas de apresentaçãodesenvolvidas mais recentemente, oscandidatos podem se preparar comoum produto para ser vendido duranteas entrevistas (CARVALHO e GRISCI,2003). Pode-se concluir que esse tipode recurso ainda não é disponívelpara grande parte dos negros pela suacondição de excluído no plano sócio-econômico.

Em seguida, L.H.L. transfere aculpa da desigualdade e do senti-mento de inferioridade para negros.Esse sentimento é patente, mas elanão percebe que está relacionado aoracismo, que leva os negros brasi-leiros a terem baixa auto-estima,colocando-os numa situação de infe-rioridade nas dinâmicas de grupo dosprocessos seletivos, em que seconfrontam com brancos, quandonecessitam se posicionar, discutir equestionar. Essa questão é examinadapor HASENBALG (1979) que, ao contrá-rio de outros estudos, questiona se,

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desconhecer as políticas do bancocom relação ao tema, a depoenteexpôs as contradições existentes nasorganizações ao lidarem com profis-sionais conscientes de sua condiçãoe da existência de discriminação. Aoquestioná-la, o candidato quis saberse valeria a pena concorrer numasituação em que as cartas estariampreviamente definidas. Provavelmen-te, sua experiência de vida competin-do com brancos num mercado bas-tante restrito, já lhe havia proporcio-nado uma visão de sua situação. Aresposta da bancária foi, obviamente,que não havia este tipo de problemano banco, para evitar maiores com-plicações; mas intimamente tinhadúvidas, o que a levou a questionar aempresa e outros colegas de trabalho.O espírito de corpo, conforme afirmaMERTON (1999), que está presente nocomportamento burocrático levou aprofissional a preservar seus superio-res, pares, enfim a organização. Apresença de negros em condições deconcorrer a posições de nível maisalto dentro das hierarquias dasempresas é tão incomum no Brasil,que pode gerar situações surpreen-dentes como a descrita.

E.J.S, 50 anos, branco, bacharelem Ciências Sociais, trabalhou todasua vida numa empresa alemã,atuando como supervisor do Depar-tamento de Seleção e Treinamento.Ele relata várias situações vividas naempresa sobre as relações raciais. Noseu caso, também, não aparecia deforma explícita a existência deracismo por parte da direção daempresa, constituída, em sua maioria,por alemães. Ele lembra que nos anos70 um gerente recusava com fre-qüência a maioria dos candidatosencaminhados. Questionado elerespondeu: “Se o sujeito nasceu do Riode Janeiro para cima, não manda ocandidato para mim”. Segundo odepoente, esse gerente tinha umimenso preconceito contra a mistura

temente contratou um gerente negroindicado por um diretor. Como odiretor já havia trabalhado com oprofissional negro, ele fez questão decontratá-lo. Havia outro candidatoem iguais condições que também foiencaminhado, mas não foi aprovado.A questão que se coloca é: ela teriaefetivamente encaminhado o candi-dato para entrevista, se não houvessea indicação do diretor? A resposta é,possivelmente não, pois a prática éencaminhar o candidato com o perfilmais adequado à organização e umnegro, na visão da depoente, poderianão ter essa condição, pois é umdiferente, destoante do padrãosocialmente construído de umexecutivo de um grande banco.Percebe-se isso quando ela afirma:“Entrevistei um candidato branco quetinha uma formação melhor do que onegro, e com experiência que vinha aoencontro das necessidades da área”.

M.I.G. 40 anos, economista egerente de Recursos Humanos em umbanco multinacional iniciou seudepoimento sendo taxativa quanto aofato de nunca ter presenciado umcaso discriminação nas empresas nasquais trabalhou. Mas acabou lem-brando de uma história em que opróprio candidato cobrou umadefinição da empresa quanto a suaposição frente à diversidade racial.Ele colocou a seguinte questão: “Obanco é racista? Se for nem darei conti-nuidade ao processo”. Essa situaçãocolocou em cheque os valores daprofissional, levando-a a questionara si mesma, outras pessoas da empre-sa e mesmo a própria organização,pois não se sentia em condições decontinuar o processo de seleção, semuma definição sobre como o candi-dato negro seria considerado, mesmotendo um excelente currículo.

Esse caso também reflete aausência evidente de políticasafirmativas dentro da organizaçãocom relação à discriminação. Ao

de fato, o tempo relativamenterecente do fim do regime escravo sejaum fator determinante na desi-gualdade atual. Ele tem razões paraafirmar que não, pois a desigualdadeé fruto da discriminação, não somen-te após a abolição, mas tambémanteriormente a ela, pois havia cercade 74% dos não-brancos no Brasil emliberdade e apenas 10% da populaçãonegra estava ainda em regime escravona assinatura da lei Áurea em 1888.

Como já foi mencionado, as orga-nizações, através dos seus dirigentes,jamais assumiriam uma política dediscriminação, mas as pessoas queestão dentro delas, podem agir deforma a discriminar pessoas poretnia, sexo, religião, cultura, etc.Como os critérios de avaliação podemconter uma dose significativa desubjetividade, é impossível ter umcontrole efetivo sobre a prática. A “boaapresentação”, a depoente afirma isso,“nunca foi muito explícita” e, talvez porisso, ela perceba poucos negros traba-lhando nas empresas, principalmenteem cargos administrativos e de nívelmais alto.

L.H.L. acredita que a legislaçãomais severa contra o racismo faz comque as pessoas sejam mais sutis, poisninguém assume o seu racismo deforma explícita. Ela sugere que deveter acontecido alguma vez de terencaminhado vários candidatos e nãoserem aprovados por serem negros;mas realmente nunca sentiu que foipor causa da cor.

“A coisa é meio implícita, comouma boa apresentação, nunca foi mui-to clara. O que eu percebo, é que exis-tem realmente poucos negros traba-lhando nas empresas. E dependetambém da área. Se é numa indústria,nota-se bastante negros, mas na fábrica.Para cargos de assistentes tambémexistem alguns negros, mas quando vaisubindo o nível, já vai diminuindo acontratação de negros”. (L.H.L.)

Ela também relatou que recen-

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converte-se o sentimento de racismopara outros grupos ou etnias,independentemente se são brancos ounão. ESTRELA (2003:81), afirma que aidentidade social é um produto dasrepresentações, mantendo umestreito vínculo entre, por um lado,as condições para a construção dasidentidades e os elementosarticulados nestas representações e,por outro lado, as condições de exis-tência, a cultura e as relações sociais.Dessa forma, são atribuídas caracte-rísticas estereotipadas para todos osnordestinos, criando-se para eles umtipo de identidade associada à pobre-za, à ignorância, ao machismo, àviolência, etc. (ESTRELA, 2003).

Num outro momento E.J.S. narraa história de uma nutricionista negra,com um excelente currículo, que eleenviou para entrevista com o diretorde Recursos Humanos, cuja origemera japonesa. Ele afirma que o diretornão quis contratar a moça por sernegra e chegou a fazer o seguintecomentário: “Essa moça é muito boa,mas se aparecer um fio de cabelo nacomida, eu vou ser alvo de críticas”.

Ele partia do pressuposto de queos negros não são limpos, mas ele nãoassume explicitamente a posição. Opreconceito seria do diretor ou dosalemães? Ele se justificava através domedo de ser responsabilizado por umpossível acidente na cozinha, comodeixar um fio de cabelo na comida. Ese o cabelo fosse loiro, não haveriaproblema? A explicação possível é queos executivos brasileiros em posiçãosubalterna nas multinacionais assu-mem a expectativa de que os estran-geiros (europeus e norte-americanos)possam ser, necessariamente precon-ceituosos e os protegem contra aque-les que CHOMSKI denomina de ”raçasperigosas” (1996). Na realidade, oscontatos mantidos com váriasorganizações pelo autor, sugerem queo estrangeiro tem uma percepçãomais racionalista das relações do

trabalho e se coloca de forma maisimpessoal. Para ele o que importa é aprodutividade, resultados e eficiência.O “colonizado” tem pouca importân-cia para as suas relações pessoais foradas organizações, ele se isola dentroda sua comunidade, com escolas eclubes segregados da comunidadebrasileira.

Em seu depoimento E.J.S. citatambém um advogado negro, cujocurrículo foi muito apreciado pelomesmo diretor, pelo menos até o mo-mento da entrevista. Como o candi-dato preenchia todos os requisitos davaga, o diretor foi explícito e con-fessou que não ficaria bem um negronesta posição. Ao exercer funçõesmais sofisticadas do que um simplesserviçal, o negro nega em seu com-portamento as representações quedele são feitas (CARDOSO, 2003), masassumir uma posição em que serianão somente um igual, mas estariaentre aqueles mais iguais do que atéoutros (brancos), seria um acinte.

Para o narrador, o diretor brasi-leiro de origem japonesa represen-tava o papel que ele acreditava queos alemães queriam que represen-tasse ou ele mesmo assumiria por suaconta, o possível racismo dos alemãesno Brasil. Esse comportamento podeparecer estranho, pois os descenden-tes de japoneses também sofremdiscriminação no país, mesmo sendomais sutil. É provável que o discri-minado busque na discriminação dooutro, a aceitação de si mesmo pelogrupo hegemônico. Esse fenômenoocorre também com negros que, paraserem aceitos pelos brancos, criticamo comportamento dos demais negroscomo se não fosse um deles. Os nipo-brasileiros, na realidade, apesar deserem chamados de japoneses, mes-mo os de terceira e quarta geração,foram assimilados do lado branco dabipolaridade de status “branco/negro”, herdada da escravidão (GUI-MARÃES, 1999:54 e 55). O que é sur-

de raças, recusando, além de candi-datos negros, também os mestiços.

A história do depoente comprovaque a decisão pelas contratações nãoera dele e de nada resolveria ignoraro gerente e continuar enviando can-didatos negros, mestiços ou mesmonordestinos, que todos seriam repro-vados. Ao cobrar uma definição dogerente, este assumiu o racismo deforma explícita. Como ele comandavauma área de grande importância paraa empresa e gozava de muito prestígioe poder, a solução foi atendê-lo paraevitar maiores problemas. A posiçãodo narrador, evidentemente, foi tentarser neutro, evitando dificuldades quepudessem ameaçar o seu emprego oumesmo o bom desempenho de seusetor. Isso evidencia que “Ao longo dahistória, as organizações têm sidoassociadas a processos de dominaçãosocial nos quais os indivíduos ougrupos encontram formas de impor arespectiva vontade sobre os outros”(MORGAN, 1996:281). Na época dorelato (anos 70), o país estava atraves-sando um significativo crescimentoeconômico e como o departamentodesse gerente era estratégico para aorganização, não podia faltar mão-de-obra de acordo com o perfil solicita-do. O contrário implicaria em transfe-rir para a área de Recursos Humanos,a responsabilidade pelo não cumpri-mento das metas do departamento e,por conseqüência, da empresa.

Outro aspecto interessante dodepoimento de E.J.S. está relacio-nado também ao preconceito emrelação aos nordestinos, quando elediz: “Do Rio de Janeiro para cima nãoenviar candidato”, “a discriminaçãoem relação aos nordestinos, verificadaem São Paulo, manifesta-se através devários meios, contudo, o que maissobressai é a linguagem” (ESTRELA,2003:180). Na realidade, ocorre umprocesso de racialização das relações,pois nem todos os nordestinos sãonegros ou mulatos. Nesse processo,

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preendente é que os descendentes dejaponeses e, sendo eles também, decerta forma, discriminados, cultuemo preconceito contra os brasileiros.

A discussão com relação ao pre-conceito dos estrangeiros é bastantefecunda. BASTIDE e FERNANDES (1972)em pesquisa realizada em São Pauloem 1958, identificaram que os negrosacreditavam que os estrangeirosaprenderam o racismo aqui, atravésdas antigas famílias brasileiras. Terpreconceito era uma forma de seelevar socialmente. Outros defendiama posição de que os estrangeiros,principalmente os italianos, foram osresponsáveis pela exasperação dasidéias racistas. Como foi mencionado,o diretor era de origem japonesa, umaetnia que também chega a ser discri-minada em certos setores de nossasociedade, apesar de bastante valori-zada pela sua capacidade de trabalho.Ao assumir a posição do estrangeiroem cargo de comando nas organi-zações, pode-se comparar como oesmagamento do colonizado, quandoeste inclui os valores dos coloniza-dores, adotando a sua própria conde-nação. Esse fenômeno é semelhanteà negrofobia do negro ou ao anti-semitismo do judeu (MEMMI, 1989).

J.A.V., 52 anos, economista econsultor de Recursos Humanos,lembrou-se de uma história quenunca chegou a pensar que pudesseser um exemplo de racismo ou discri-minação. Ele trabalhava em umaempresa italiana e estava contratandoum gerente para uma área de pro-dução. Como na época havia umagrande demanda por profissionaisespecializados, havia poucas opçõesde candidatos e o melhor era umnegro. Ele comentou que foi difícilconvencer a diretoria a contratá-lo,mas acabou prevalecendo a suaopinião. Segundo ele, essa foi umaexcelente contratação para a empre-sa. Entretanto ele lembrou que foi

visitar o candidato em casa, conhecersua família, onde e como morava,além de uma profunda investigaçãosobre a sua vida passada. Essa práticanão era aplicada para executivosbrancos e aí ficou evidenciado o tra-tamento diferenciado. Pressupõe-seque um profissional nesse nível queseja branco tem uma credibilidademaior, dispensando qualquer tipo deinvestigação.

Em outro momento ele explicitasuas posições com relação às possi-bilidades de mobilidade social dosnegros.

“As pessoas que estudam, se prepa-ram, ocupam um espaço. À medida queas pessoas se propõem a vencer, elasvencem. À medida que os negros sepropõem a vencer e vêem isso como umdesafio, eles vencem. (...) Então oproblema é o indivíduo se posicionar,acreditar que ele pode, então ele vaivencer. Ele precisa provar que é capazpara poder vencer. Se for mulher enegra então, é bem mais difícil paravencer o preconceito” (J.A V.).

Ele finaliza de forma contra-ditória ao afirmar que o negro precisaprovar que é capaz para vencer. Obranco não precisa disso, mas o negroprecisa provar que é mais capaz. Aoafirmar que se a profissional for mu-lher e negra, é mais difícil, reafirmaa existência do preconceito racial ede gênero. Assim, historicamente“parece provável que os esforços feitospor pessoas não-brancas para cobri-rem uma certa distancia social fossemmaiores do que os exigidos por pessoasbrancas” (HASENBALG, 1979).

Na mesma linha de raciocínio,J.A.V. continua enfatizando a idéia deque o sucesso profissional depende,fundamentalmente, do indivíduo,como se houvesse espaço para todos,inclusive para os brancos bem edu-cados. Essa percepção faz parte domodelo ideológico disseminado peloneoliberalismo, em que basta ter força

de vontade e competência paravencer na selva competitiva do capi-talismo moderno. Os estudos de Pagèe seus colaboradores (MOTTA, 1992)sobre a mobilidade em grandesempresas francesas identificam queos cargos no topo da pirâmide dasorganizações são sempre ocupadospor descendentes de famílias aristo-cráticas ou muito influentes. Apesardas diferenças de mobilidade dentrodas organizações brasileiras emrelação às francesas, o discurso dodepoente indica contaminação pelaideologia dominante.

As contratações de profissionaisnem sempre obedecem a critériosseletivos em função do nível funcio-nal, mas ocorrem também em ativi-dades de chão-de-fábrica, como relatao depoente R.F.O 49 anos, branco,administrador de empresas e con-sultor de RH. Ele relata que numaempresa americana bastante tradi-cional, um supervisor de um setor emque trabalhavam muitas moças comoauxiliares de produção, ele erataxativo: “Escurinhas, nem adiantamandar para entrevista”. Nas épocasem que o volume de produçãodemandava um número maior deempregadas, ele era obrigado a acei-tá-las, mas quando a demanda seestabilizava, eram as primeiras aserem demitidas. Esse fato indica querealmente o padrão de discriminaçãoestá associado, também, aos interes-ses do capital, que são mais relevantesquando afetam os níveis de acumu-lação (IANNI, 1972).

Não seria correto afirmar que asorganizações são racistas ou discri-minadoras, mas sim os indivíduos queas constroem e aqueles que propagame conservam a cultura organizacio-nal. Portanto, as organizações fazemparte da realidade social construídapelo homem e como tal, representama ideologia hegemônica presente nasociedade mais ampla (BERGER e

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LUCKMAN, 1973). O racionalismoburocrático numa perspectiva webe-riana, busca a impessoalidade dosprofissionais como um fator de efi-ciência organizacional. A atribuiçãode funções é feita pela qualificaçãotécnica, determinada por procedi-mentos formais e impessoais. Oprincípio fundamental da burocraciaé a divisão do trabalho, baseada naespecialização de tarefas, conheci-mento fragmentado das respon-sabilidades, etc. que garante a ma-nutenção de padrões e evita que hajaintromissão indevida de um profis-sional nas atribuições de outro.(MERTON, 1979).

O R.F.O., observa que não havianegros nos escritórios dessa empresae admite que havia uma orientaçãogeral neste sentido. Essas orientaçõesnão são públicas e, se questionadas,os representantes das empresasjamais admitirão publicamente umapostura de discriminação ou deracismo. Para DAMASCENO (2000) eHASENBALG (1979), o negro precisaficar invisível nas empresas, pois nosescritórios eles teriam visibilidade,prejudicando o relacionamento comclientes e consumidores. Neste sentido,haveria a discriminação de negros emulatos não somente pela qualifica-ção, mas também por não serem esteti-camente adequados. “Nos escritóriosnão havia negros, mas não havia nadaexplícito contra, ou melhor, havia sim.O gerente geral pedia que se evitasse,pois o diretor achava que poderia daralgum problema (caso de uma multi-nacional americana)” (R.F.O.).

Em outra parte do depoimentoele lembra um caso em que por faltade opção, o gerente geral, um bra-sileiro, aceitou contratar um candi-dato negro, mas com algumas res-salvas. Ele precisa provar que nãorepresentaria nenhum risco para aorganização. Os antecedentes fami-liares, ao contrário dos brancos, tor-

nam-se muito relevantes na contrata-ção de um profissional negro. OTAVIO

IANNI, em seu estudo sobre precon-ceito racial em Curitiba, concluiu quenuma situação de forte demanda porempregados, o preconceito em rela-ção aos negros diminui, pois a racio-nalidade do capital supera o racismo.O mesmo ocorreria numa situação deexcesso de mão-de-obra no mercado.Neste caso haveria um acirramentodo racismo, excluindo os negros domercado de trabalho (IANNI, 1972).

H.L. outro depoente, 48 anos,branco, administrador e gerente deRecursos Humanos se contradiz aolembrar de uma empresa cujosproprietários eram franceses.

“Lá não tinha muita discrimina-ção, mas como os proprietários eramfranceses (e a gente conhece mais ou me-nos como é a cultura francesa...). Nãoera uma coisa explícita, mas procurava-se evitar contratações que não fossemdentro dos padrões que os donos estabe-leciam. Não havia uma orientaçãoexplícita, mas quando se apresentavamcandidatos com este tipo de perfil (ne-gros), eles eram preteridos”. (L.H.L.)

Inicialmente ele declara que nãohavia muita discriminação, masdepois assume que sim e coloca aculpa nos franceses. A frase sobre acultura francesa pode revelar o pre-conceito que os brasileiros acreditamque os estrangeiros têm em relaçãoaos diferentes (negros). É possível queos franceses dessa empresa nuncatenham se manifestado a esterespeito, mas os brasileiros podem terassumido o preconceito em nomedeles. Os brasileiros se envergonhamdos seus compatriotas negros emestiços, procurando escondê-los sobo tapete da invisibilidade. Como opreconceito permeia a nossasociedade, os executivos brasileirosprocuram proteger os seus patrõesestrangeiros daqueles que elesconsideram “perigosos ou feios”, pois

apesar de se sentirem “europeus” e,ao mesmo tempo brasileiros, incor-poram o mesmo estigma do coloni-zado, mas transferindo para os outros(os negros e mestiços) a inferioridade.Como “colonizado, não procuraapenas enriquecer-se com as virtudesdo colonizador em nome daquilo quedeseja vir a ser, empenha-se em empo-brecer-se, em arrancar-se de si mesmo”(MEMMI, 1989:107). Numa outraperspectiva, a pesquisa de BASTIDE

(1972) nos anos cinqüenta, identificouna população de São Paulo a per-cepção de que os franceses não ti-nham preconceito, mas ao convivercom as elites paulistanas, assimi-lavam a elegância e a discriminação.

H.L. afirma que não haveriapossibilidade de discriminar pela cor,desde que o candidato estivesse numacondição favorável em termos decompetência, experiência e formaçãoescolar, mas admite que nas mesmascondições em relação a um branco,ele estaria em desvantagem, confor-me relata: “Acredito que para os negrosque estão numa condição melhor, nãohaveria justificativa para reprovardiretamente. Eu nunca vivenciei essetipo de coisa. Mas nas mesmascondições sim”. (grifo do autor).

Isso significa que mesmo tendoacesso a melhores níveis educacio-nais, dificilmente teriam condições deigualdade nos processos seletivos,pois, como afirmou o depoente, nasmesmas condições de um branco nãohaveria chance de romper a barreira.Seria preciso apresentar habilidadese competências substancialmentesuperiores para superar o preconceitoem relação ao outro “diferente”. Tal-vez o setor público apresente as me-lhores condições para superação dasdesigualdades, pois, como foi mencio-nado, o processo seletivo está baseadoem provas objetivas e embora existamos processos psicológicos, os resulta-dos são incontestáveis. Resta saber se

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deliberadas e não partem de políticasou filosofias empresariais, mas estãopresentes na herança cultural de todauma sociedade, em todos os níveis eclasses sociais. As organizações em-presariais em seus estatutos ou polí-ticas formalmente escritas não expli-citam tais atitudes, mas as pessoasque as dirigem ou mesmo aqueles“pequenos” burocratas que detêmalgum poder respaldado pelas pró-prias normas organizacionais, cujainterpretação lhes assegura algumnível decisório, podem, em algummomento, utilizar critérios pessoaisque resultam em discriminação.

Os depoimentos ilustram clara-mente o que foi afirmado. As em-presas nas quais os depoentestrabalharam ou trabalham, nuncadeixaram claro que esperavam delesesta ou aquela atitude. Talvez poromissão, talvez por serem conside-radas desnecessárias. As práticasrelatadas explicitam de modo ine-quívoco a presença na sociedade deuma herança cultural repleta depreconceitos, percepções equivoca-das e petrificadas sobre a existênciade uma hierarquia entre os gruposhumanos. Outro dado que merecedestaque é a percepção de que oestrangeiro compactua com esteestado de coisas, quando pode serapenas um preconceito transferidopara o outro, ou a idéia de proteger ooutro contra aqueles que sãoconsiderados indesejáveis. Um dosdepoentes afirmou: “Você sabe comosão os franceses...”, em relação à idéiade que os franceses são etnocêntricose que não gostavam de pessoasnegras. Outro se preocupava com apossibilidade de os diretores alemãesnão aceitarem a possibilidade de umacozinheira negra cuidando da suacomida. Esses preconceitos, estariam,na mente dos próprios brasileiros,contaminados por séculos de discri-minação do outro, em decorrênciade um passado escravista. Eviden-

haveria possibilidade de mobilidadefuncional posteriormente. Bem, aí jáé uma outra história.

M.S., psicóloga, negra, consul-tora de Recursos Humanos, sentiu napele a discriminação, mesmo go-zando de algum poder dentro dasorganizações em que trabalhou. Elanarrou que numa empresa estatal,quando trabalhava como selecio-nadora de pessoal, um supervisorpediu que ela não enviasse negrospara entrevista. “Ele não me conhe-cia e eu perguntei para ele: O senhorsabe qual é a minha cor?”. Num outromomento de sua narrativa ela contaque ao discutir uma questão pro-fissional com uma gerente do mesmonível, esta lhe respondeu: “Coloque-se no seu lugar sua...!”. Qual é o lugardos negros? Na senzala? A culturabrasileira ainda é permeada decomponentes da velha aristocraciarural que parece não ter aindaassimilado, mesmo depois de mais decem anos, o fim do trabalho escravo.

Os recortes dos depoimentosinseridos no artigo representam ape-nas parte dos casos de discriminaçãonarrados pelos profissionais entrevis-tados e ficaram restritos aos aspectosrelacionados aos processos de in-gressos de profissionais nas organi-zações. Outras formas de discrimi-nação estão ligadas à mobilidadeprofissional nas empresas e podem sertratadas em outra oportunidade. Osdados relatados são contundentes erevelam as sutilezas de um sistemasocial que segrega “amigavelmente” odiferente, evitando a exposição dosalgozes aos ditames da lei.

Considerações finais

Mesmo considerando as limi-tações implícitas neste trabalho cujanatureza é ainda exploratória, háfortes indícios da existência de prá-ticas discriminatórias com relação aooutro, o diferente. As práticas não são

temente, não se tem a pretensão deexcluir os estrangeiros de qualquerpossibilidade de práticas racistas,mas considerando a lógica empre-sarial e os pressupostos da racionali-dade administrativa, parece possívelque essas questões seriam poucorelevantes para os resultados organi-zacionais em um outro país.

Em princípio, pode-se descartara relação entre práticas discrimi-natórias e a origem da empresa,mesmo que isso possa ocorrer deforma isolada. Alguns depoentesconsideram que algumas empresasmultinacionais têm apenas um dis-curso de ação afirmativa, mas, naprática, pouco fazem para a concre-tização dessa política. Outro entendeque as empresas brasileiras são maisabertas do que as multinacionais, nãocriando obstáculos à contratação deafro-descendentes em seus quadros,mas admite em outro momento dodepoimento que em alguns setoresmais tradicionais da economia, issonão se concretiza.

Outra questão relevante que foidiscutida é a “boa aparência”, umametáfora que pode estar ocultandoum profundo preconceito comrelação ao outro. Seria ilusório pen-sar que o selecionador de pessoal aoreceber uma solicitação de funcioná-rio que mencionasse “boa aparência”consideraria a possibilidade de con-tratar o diferente, o “outro”. Os meiosde comunicação impõem um padrãoestético à sociedade, que mesmosendo multi-étnica, acaba incorpo-rando esses valores.

Entretanto, é preciso ressalvar,que muitas organizações vêm ado-tando ações afirmativas, principal-mente as grandes corporações multi-nacionais que, por estarem instaladasem várias partes do globo e frente afrente com a diversidade cultural eétnica, consideram essas ações comonecessidade estratégica para sobre-vivência num mercado globalizado. !

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Referências Bibliográficas

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DOS DILEMAS MODERNOS

RITA PAIVAMAURO ROVAI

Este artigo pretende abordar o modo pelo

qual o ideário moderno, cujos elementos residem

no poder atribuído à razão, encontra em Kant um

de seus mais importantes representantes. Nesse

aspecto, discute-se primordialmente a proble-

mática da moral, da liberdade e do progresso na

filosofia kantiana. Como conclusão, interroga-se:

em nossos dias, ainda é pertinente nos reco-

nhecermos como modernos e como herdeiros do

pensamento deste autor?

This article addresses how the

modern idea system, which is based on

power due to reason, has Kant as one

of its most considerable represen-

tatives. So it examines mainly the

conceptions of moral, freedom, and

progress in his philosophy. Finally it

questions if it is still appropriate to

regard ourselves as modern and heirs

of Kant´s thought.

Palavras-Chave: Modernidade, moral, liberdade,

civilidade, guerra, heteronomia.

Keywords: Modernity, moral, freedom, civility, war,

heteronomy.

RITA PAIVA – Doutora em Filosofia pela USP, Professora doCentro Universitário da FEI.MAURO ROVAI – Doutor em Sociologia pela USP e Pós-

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nomas – fundadas no mito ou natradição. O segundo, acenou com oprogresso constante das condiçõesmateriais. De um lado, a aposta narazão permitiu a idealização de so-ciedades justas e igualitárias, politi-camente emancipadas e autônomas,nas quais os indivíduos poderiam edeveriam se reconhecer como senho-res de seus destinos, tanto no âmbitocoletivo como no privado. De outro,propiciou o avanço científico e conse-qüentemente a ampliação do domí-nio da natureza que garantiu o au-mento crescente da capacidade deprodução de riquezas. Nesse futuroauspicioso, a razão humana deveriaassumir o papel de grande artífice.

É de conhecimento geral que afilosofia de KANT nos legou umacomplexa e inesgotável reflexão naqual a moral, a liberdade e a históriasão profundamente tematizadas soba égide dos valores que configurarama modernidade. A seguir, procurare-mos destacar, primeiramente, omodo pelo qual essas questões foramproblematizadas pelo autor, de modoa, posteriormente, interrogar até queponto somos ainda herdeiros desseideário produzido no limiar dostempos modernos.

A autonomia moral comoobra da razão prática

Ao nos determos sobre as trêsgrandes questões que permeiam aobra de KANT – O que posso saber? Oque devo fazer? O que posso esperar? –,somos conduzidos a uma reflexãomuito mais abrangente, porquanto oque está em jogo não é apenas oconhecimento científico-racional dosfenômenos ou de como deve ser aconduta moral e ética dos homens.Está em jogo também um questiona-mento sobre o futuro da humanidadeou, se se quiser, sobre a possibilidadedo progresso do gênero humano. Écom a reflexão acerca da naturezahumana que iniciamos nossa dis-cussão.

Em KANT, como em ROUSSEAU, ohomem está dividido entre suanatureza – regida por motivaçõesfísicas e psíquicas, nas quais seinscrevem os sentimentos, as pai-xões, os desejos –, e a sua dimensãomoral. Sujeitar-se ao mundo sensível,das paixões, equivale a ser guiadopor uma lei heterônoma, pelos desíg-nios de nossos interesses pessoais.Estes podem nos iludir de que agimoslivremente, mas o homem não é livre,ético ou moral quando não estáemancipado de seus afetos ou dosdesmandos de sua irracionalidade. Éinequívoco que a natureza que desejahabita o mesmo homem que age porvontade livre. A primeira associa-seà vontade e tem caráter objetivo; asegunda, tem a dimensão da subje-tividade. A regra que deve orientar aprática humana, enquanto dever, éproduto da razão e não dos desejos:“Por tudo isto é que um ser racionaldeve considerar-se a si mesmo comointeligência (portanto não pelo ladodas suas forças inferiores), não comopertencendo ao mundo sensível, mascomo pertencendo ao mundo inteli-gível; tem por conseguinte dois pon-tos de vista dos quais podeconsiderar-se a si mesmo ereconhecer as leis do uso das suasforças e portanto de todas as suasações: o primeiro, enquanto pertenceao mundo sensível, sob leis naturais(heteronomia); o segundo, comopertencente ao mundo inteligível, sobleis que, independentes da natureza,não são empíricas, mas fundadas narazão.” (KANT, 1994:102). Configura-se, assim, o conflito. Por um lado, anatureza nos estimula aos atosegoístas, à busca de prazer, à perse-cução dos desejos; por outro, a razãoexige que priorizemos nosso sermoral e superemos o egocentrismo ea impulsividade. Desse conflito surgea possibilidade da liberdade, a qualentra em cena unicamente quando oagir por dever estiver sobreposto àconduta regida pelos interesses par-ticulares e passionais.

Considerações Introdutórias

Se as duas grandes guerras, apolarização entre os Estados Unidose a (ex) União Soviética e o esfacela-mento da geopolítica do lesteeuropeu marcaram o século XX, aguerra entre os Estados Unidos e oIraque, em 1991, pareceu apontarpara uma nova modalidade deconflito, na qual uma só nação, depoderio inexpugnável, assume opapel de polícia mundial, decidindoo momento adequado de colocarordem nos sucessivos conflitosregionais.

O atentado ao World Trade Cen-ter, a guerra contra o Afeganistão, acaçada interminável ao Osama BinLaden e a capitulação de SaddamHussein colocaram na ordem do diaa reflexão sobre a moral, a liberdadedos povos, a publicidade da razão ea prevalência do império da guerradiante da lei.

O intuito deste texto não é entrardiretamente no debate acima deli-neado. Pretende-se ir aos fundamen-tos teóricos da crença moderna porexcelência, segundo a qual a razãopode oferecer uma opção segura eaprimorada diante do império danatureza, da força e da intolerância.Em virtude dessa opção metodoló-gica, o texto privilegiará uma neces-sária passagem, pelas questõeslevantadas por KANT, pensador quefoi leitura de autores consagrados,como DURKHEIM e WEBER, na Socio-logia, FREUD, na psicanálise,FOUCAULT, na filosofia, e que suscitou,e ainda suscita, interrogações emargutos observadores contempo-râneos, como JÜRGEN HABERMAS eFRANÇOIS LYOTARD, por exemplo.

As transformações que fundarama modernidade vieram acompanha-das de um ideário singular. A crençanas potencialidades da razãohumana esboçaram dois horizontesque inicialmente revelaram-se inter-dependentes. O primeiro, apontoupara o refluxo das explicações heterô-

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se torne uma lei universal” (KANT,1985:138). A lei, assim estabelecidapela razão prática, propicia ao ho-mem uma regra universal de condutainflexível a exceções quaisquerporque “A moral é já por si mesmauma prática no sentido objetivo,enquanto totalidade de leis queordenam incondicionalmente, deacordo com as quais devemos agir,sendo um evidente absurdo alguém,depois de ter admitido a autoridadedeste conceito de dever, querer dizerque não se pode realizá-lo. Porqueentão este conceito cai por si mes-mo” (KANT, 1985:131). Nesta pers-pectiva, o ato moral caracteriza-sepela liberdade que lhe correspondee por sua capacidade de universa-lização. Escreve G. DELEUZE: “A leimoral não se apresenta como umuniversal comparativo e psicológico(por exemplo: não faças aos outros,etc.) A lei moral ordena-nos que pen-semos a máxima da nossa vontadecomo “princípio de uma legislaçãouniversal” (1994:35). Se a universa-lidade deve ser alcançada exclusiva-mente pela razão, a regra, em seuestatuto racional, só pode ascenderà objetividade e à universalidade seestiver emancipada do contextoacidental ou pessoal nos quais seinserem os homens e se for válidapara todos os seres dotados de razãoe vontade.

Acontece que se a liberdade é afundadora do reino moral, é precisoobservar que ela não nos é desven-dada por instinto. Alerta-nos KANT:não se pode dizer que a razão estáno homem assim como o instinto noanimal. Se fosse função da razãogarantir nossa conservação e sobre-vivência, ela jamais nos lançaria noreino prático, no qual exercemos nos-sa autonomia. Escreve o autor, naMetafísica dos Costumes: “.... se numser dotado de razão e vontade averdadeira finalidade da naturezafosse a sua conservação, o seu bem-estar, numa palavra a sua felicidade,

mui mal teria ela tomado as dispo-sições ao escolher a razão da criaturapara executora destas intenções”(KANT; 1985:24). À razão competenão a nossa conservação, masexplicitar a nossa condição de sereslivres. Ao atuar, ela nos eleva acimade toda condição sensível, da natu-reza inscrita em nossa humanidade,ao mesmo tempo que nos inserenuma ordem acessível unicamente aoentendimento, ou seja, o universo deleis morais produzidas pela própriarazão, às quais o homem se subor-dina sem que deixe de ser súditoapenas de si mesmo. A autonomiaconstitui, na moral kantiana, oâmbito da dignidade humana, pois“... se não nos déssemos a lei denenhuma maneira, isso significariaque apenas a sofreríamos, assimcomo nosso ser sensível sofre a lei danatureza, o que, precisamente, defi-niria uma heteronomia” (GUILLERMIT,1981:56). A razão viabiliza a atri-buição de leis universais a toda ahumanidade. Por sua vez, a humani-dade exerce sua dignidade ao pres-crever tais leis ao mesmo tempo emque a elas se submete. Assim, “Umavontade livre deve poder ao mesmotempo harmonizar-se de maneiranecessária, segundo as leis universaiscom aquilo ao qual tem o dever desubmeter-se.” (KANT, 1994:161).Torna-se, pois, imperativo que cadahomem, ao reconhecer nele próprioo legislador das leis morais, imponhaa si mesmo a absoluta necessidade denormatizar autonomamente suaconduta. O contrário disso seriasubmeter suas escolhas ao império danatureza ou colocá-las sob a juris-dição de autoridades transcendentes,o que configuraria a heteronomia.

Porém, se, conforme diz KANT, “Atodo o ser racional que tem umavontade temos que atribuir-lhe neces-sariamente também a idéia de liber-dade, sob a qual ele unicamente podeagir.” (KANT, 1985:96), é competênciada razão legislar sobre a faculdade

Na perspectiva kantiana, osobjetos do desejo ou do querer coadu-nam-se com a realidade empírica naqual cada homem, em sua particu-laridade e em sua natureza, almeja afelicidade. Se permanecessem cir-cunscritas à realidade empírica, asleis práticas subverter-se-iam. Dese-nha-se, desse modo, a incompatibi-lidade entre ética e felicidade. Esta,persecutória de fins materiais, écorrelata do prazer e do amor de si,e depende substancialmente dasingularidade: “Toda felicidade estáligada à satisfação, ao prazer docorpo, todo desejo tende, pela possedo seu objeto, ao bem estar do corpo.A razão não é fonte de desejo nosentido em que levaria o ser para umobjeto, ela só deseja a si mesma; elasó deseja o que ela constitui.” (KANT;1985:35). Por superestimar os inte-resses pessoais ou os desejos singu-lares que concernem à esfera dasubjetividade, a felicidade, como fimabsoluto, pode conduzir a um estadode guerra em que o homem se perso-nifique como lobo do homem. Ondecada homem privilegia o amor a si eo seu próprio prazer, a instrumen-talização dos outros em nome de seuspropósitos está na ordem do dia. Poressa razão “KANT julga que gozo efelicidade não podem existir emestado solitário; eles implicam umarelação com outrem que tende, natu-ralmente, a gozar do outro, a utilizá-lo, a transformá-lo em puro meio”(CRAMPE-CASNABET, 1994:79).

A moral kantiana remete-nos auma natureza humana universal,regida de forma autônoma por leiscategóricas e inflexíveis. A vontadeque se deixa guiar pela lei formal, enão pelas exigências empíricas, éaquela que consuma a ação livre.Logo, a lei que rege a vontade, disso-ciando-a da natureza e inscrevendo-a no âmbito da liberdade, é formal ecorresponde a um imperativo categó-rico: “Age em conformidade apenascom a máxima que possas querer que

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qual a emancipação é conquistada,quando o homem, graças ao uso darazão, desvencilha-se do estado demenoridade. Exercer a autonomia,assumir a responsabilidade pelasescolhas morais e delinear os pró-prios caminhos exige o exercíciopleno da condição de sujeito e de sualiberdade. Trata-se aqui da liberdadede manifestar-se sem restrições sobretodas as questões, fazendo o uso pú-blico da razão. “Para este esclareci-mento, porém, nada mais se exigesenão a liberdade.” (KANT; 1985:104)

Contudo, como a universalizaçãodo esclarecimento e a constituição deuma sociedade que pense por simesma só podem ser encontradosonde a publicidade do pensamentonão é interditada, KANT estabeleceuuma distinção entre o uso público eprivado da razão. Trata-se do seu usoprivado quando, por exemplo, umcidadão, na circunscrição de umcargo ou da legislação pública,exerce uma função em prol da comu-nidade, obedecendo e pautando seucomportamento pelas limitações eexigências impostas pela posiçãoocupada. Nós devemos nos submeteràs leis que normatizam a ordem civi-lizacional e que garantem a justiça,sobretudo quando nos encontramosnuma posição que nos impõe aaceitação de certas regras, seja nacondição de militar, cidadão, sacer-dote, etc. Sem dúvida, o autor teceum elogio ao estado de direitoquando afirma que “Em casos tais,não é sem dúvida permitido racio-cinar, mas deve-se obedecer” (KANT,1985:106). Se a obediência à ordemcivilizacional parece restringir o usoprivado da razão, isso ocorre paraevitar que os desejos individuaiscomprometam a conduta universal-mente esperada. Por outro lado, o usopúblico da razão deve ser amplo emaximizado, de modo a combater aadesão ilimitada às prescriçõesinstitucionais, cuja conseqüêncianefasta é uma tutela generalizada.

Isso significa que qualquer insti-tuição que desenvolva mecanismospara obstruir o florescimento dacrítica, cerceando o aparecimento deavaliações contraditórias a seusprincípios, não apenas interdita o usopúblico da razão como, fundamen-talmente, perpetra um crime contraa humanidade. Por quê? Porque atutela exagerada das instituiçõessobre seus membros os submetemnão apenas à heteronomia, masobstrui-lhes o acesso à moralidade eao seu potencial de desenvolvimento.Apenas com o exercício público dacrítica é que a luta contra o obscu-rantismo pode ser profícua, atuandoem prol da melhoria dos homens eda reforma das instituições. Se apublicidade da crítica for cerceada,esse produto civilizacional chamado“instituição”, criado pelos homensem nome de ideais que todos deve-riam respeitar e aos quais deveriamsubmeter-se, pode, em vez de cola-borar para a melhoria da vida emsociedade, escravizar quem vive nela.

Observe-se que a disposição parao aperfeiçoamento humano exige opressuposto de que os homens, ser-vindo-se de seu próprio entendimen-to, reconheçam-se como seres capa-zes de escolher e de se responsabi-lizarem pelos caminhos que elesmesmos traçaram. KANT postula quea convivência entre os homens afastacada vez mais os impulsos anti-civili-zacionais quando norteada pormecanismos que valorizam a liber-dade de pensamento: “Serve deexemplo para isso o fato de numregime de liberdade a tranqüilidadepública e a unidade da comunidadenão constituírem em nada motivo deinquietação. Os homens se despren-dem por si mesmos progressiva-mente do estado de selvageria,quando intencionalmente não serequinta em conservá-los nesseestado” (KANT, 1985:116). Notemosque a barbárie, indicativo damenoridade, é fruto da prevalência

de desejar, pois só assim pode serconfigurada uma vontade autônomaque, emancipada das condiçõessensíveis, afirma-se como vontadelivre, regida pela lei moral de caráteruniversal, a única circunstância emque a liberdade, expressão objetivada razão prática, é exercida em suaobjetividade. A ação autônoma,orientada pela lei moral, constitui oespaço privilegiado da liberdade. Emconseqüência disso, “(...) quando arazão legisla no interesse prático, elalegisla sobre seres racionais e livres,sobre a sua existência inteligívelindependente de toda a condiçãosensível. É pois o ser racional que seatribui a si mesmo uma lei pela suaRazão” (DELEUZE, 1994:39).

Os homens são livres não porqueregidos por uma vontade autônoma,mas porque ao se submeterem à leimoral o fazem sem que se macule seuestatuto de seres livres, uma vez quese sujeitam à lei que sua própriarazão engendrou. Isso lhes dá tantoas prerrogativas pertinentes ao sú-dito quanto ao legislador. Como sujei-to da moralidade universal, o homempode encontrar sentido para seu lu-gar no mundo e reconhecer-se comosenhor de si mesmo. Só se é livrequando se age de acordo com osmandamentos da razão.

O exercício desta liberdade, emseu sentido pleno, associa-se, inex-trincavelmente, a uma cultura queaflora no decurso da história huma-na. A perspectiva kantiana, ao apon-tar para o exercício da liberdade ima-nente à condição humana, colocou areflexão acerca da liberdade de pen-samento e do aperfeiçoamento moralda humanidade como aspectos in-trínsecos da modernidade.

Da liberdade e do esclarecimentocomo fundamentos da modernidade

Em seu clássico texto Resposta àpergunta: O que é o esclarecimento?,KANT o define como o processo pelo

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da preocupação exagerada doshomens com sua própria privaci-dade, vale dizer, com seus interessesegoístas. Isso significa que ocerceamento da crítica, comuns emgovernos autoritários, antes degarantir a paz, força os indivíduos àmenoridade, à selvageria, pois osimpedem de ser moralmente livres.A falta de incentivo à crítica reduz ohomem à sua dimensão privada,muito próxima da natureza, proi-bindo-lhe de agir moralmente, e,simultaneamente, contribuindo parao declínio do seu interesse nas ques-tões públicas.

Aperfeiçoamento e indeterminaçãona história humana

É importante ratificar que, paraKANT, a civilização só pode aper-feiçoar-se quando a humanidade nãose encontra em estado de menori-dade, mas quando, servindo-se de seupróprio entendimento, revela-secapaz de escolher e responsabilizar-se pelos caminhos traçados por elamesma. É esse o comportamento quedelineará a singularidade dos temposmodernos. O instrumento para talaperfeiçoamento consiste exclusiva-mente no uso público da razão, ouseja, liberdade de pensamento. E afilosofia tem aí papel precípuo.Diferenciando-se da filosofia produ-zida em outros momentos, a peculia-ridade do pensamento filosóficomoderno, como ressalta FOUCAULT, éinterrogar sua própria atualidade eextrair de si mesmo seus critériosnormativos: “A Aufklärung é umperíodo, um período que formula elepróprio sua divisa, seu próprio pre-ceito, e que diz o que ele tem a fazer,tanto em relação à história geral dopensamento, com relação ao seupresente e às fórmulas de conheci-mento, de saber, de ignorância, delesão nas quais ele sabe reconhecersua situação histórica” (FOUCAULT,1984:106).

procurar em certos acontecimentoshistóricos, extraordinários, os indí-cios do aprimoramento. Trata-se deperscrutar o signo num aconteci-mento histórico específico.

Segundo MICHEL FOUCAULT, emseu texto O que é o Iluminismo?, osigno ao qual KANT se refere é o“Signo da existência de uma causa,de uma causa permanente que portoda a história (...) guiou os homensno caminho do progresso. Causaconstante que deve então mostrarque (...) agiu outrora, que (...) ageagora, que (...) agirá em seguida. Oacontecimento por conseguinte quepoderá nos permitir decidir se háprogresso, será um signo” (FOUCAULT,1984:107). Por isso “Importa, poisindagar um acontecimento que apon-te, de modo indeterminado quanto aotempo, para a existência de semelhan-te causa e também para o ato da suacausalidade no gênero humano, e quepermita inferir a progressão para omelhor, como conseqüência inelu-tável (...)” (KANT, 1993:101). Esseacontecimento deve ter um caráterrememorativo, demonstrativo eprognóstico, de modo a demonstrarque a história sempre agiu assim, age,e continuará a mover-se do mesmomodo, evidenciando que a causali-dade do progresso não se manifestaesporadicamente, mas é constitutivada marcha da história humana.

Esse acontecimento – que se pre-sentifica na “forma como os expecta-dores pensam as grandes revo-luções.” (TERRA, 1986:9) – seriaaquele que expressasse uma cir-cunstância peculiar, na qual o pen-samento de uma época se traíssepublicamente, ultrapassando a suadimensão fatual, almejando vislum-brar o liame entre a atualidade e auniversalidade. Em KANT, sustentaFOUCAULT, o acontecimento signorefere-se a uma revolução moral.Para ele, mesmo que esse aconteci-mento exija altos custos e acarreteconseqüências muitas vezes antagô-

Nesse sentido, KANT é um autên-tico iluminista. Justifica-se assim ainquietação permanente em seustextos, que problematizam a suaatualidade e a idéia de progressointerrogando acerca da inexorávelmelhoria do gênero humano. Estaquestão recebe atenção majorada nostextos reunidos sob o título Conflitodas Faculdades. Neles, o autor refletesobre o devir histórico, expressandouma preocupação peculiar de seuséculo e que torna proeminente aconcepção linear do tempo emdetrimento da concepção cíclica.KANT discorre, assim, sobre o pro-gressivo aprimoramento moral dahumanidade no decurso histórico, ehá nesta pretensão a intenção dedesdenhar tanto uma “concepçãoterrorista da história”, segundo aqual os homens estariam a caminhodo auto-aniquilamento, quanto umaconcepção que vislumbra, apesar dosavanços, o retorno constante da hu-manidade para o mesmo ponto.Entretanto, o autor reconhece que aexperiência não pode nos propiciaratestados quaisquer do progresso,cuja indeterminação decorre de“...lidarmos com seres que agemlivremente, aos quais se pode porven-tura, ditar de antemão o que devemfazer, mas não predizer o que fa-rão...” (KANT, 1993:99). Apenas oolhar da providência, que ultrapassaos horizontes de qualquer saberhumano, poderia prescrever o agirhumano em sua liberdade. Nãoobstante, o filósofo não renuncia àtese do aprimoramento do gênerohumano. O que lhe permite acreditarnela? KANT está em busca de um sen-tido para a história que se ajuste auma teleologia racional. No intuitode substancializar seu otimismo,propõe um outro olhar sobre aexperiência, visto que esta, por simesma, não pode atestar o progresso.Não se trata de fazer um levantamen-to dos dados empíricos, e a partir daíesboçar uma futurologia, mas de

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nicas aos ideais da revolução moral– como o itinerário que levou a Revo-lução Francesa do jacobinismo aoterror –, sua condição de aconte-cimento signo permite desnudar oentusiasmo e o desejo de uma épocaem relação à emancipação e àliberdade não apenas dos homens deseu tempo, mas de toda a huma-nidade. Eis aí os indícios que atestamo progresso da humanidade.

O caráter sígnico deste aconte-cimento não decorre propriamentedo drama a ele inerente, mas de suacapacidade de contagiar, entusias-mar e motivar os que dele não parti-cipam, mas atuam com expectadores.Dito de outro modo, importa menosse os fatos atingem ou não os seusfins. O que vale é o abalo e as expecta-tivas que eles são capazes de engen-drar no âmbito das idéias, ou seja, a“meditação moral” que dele decorre:“O que constitui o acontecimentocom valor rememorativo, demons-trativo e prognóstico não é propria-mente o drama revolucionário, nãosão os feitos revolucionários nem agesticulação que o acompanha. Oque é significativo é a maneira pelaqual a Revolução faz espetáculo, é amaneira pela qual ela é acolhida aoredor pelos expectadores que nãoparticipam mas que a consideram,que assistem e que, para o melhor oupara o pior, se deixam arrastar porela.” (FOUCAULT, 1984:108). A revo-lução moral não coincide com oprocesso revolucionário, propria-mente. O que atesta o progressoinelutável da humanidade é o quecircunda o fato: “uma simpatia deaspiração que beira o entusiasmo”.Neste sentido, o que garante a pro-gressão do gênero humano é omovimento que o evento desencadeiana esfera da moral e do pensamentohumano. O atestado do presumíveldo progresso da humanidade se pre-sentifica no entusiasmo, nas idéiaspropiciadas pelo acontecimentosígnico que desperta o desejo ou a

disposição para o aperfeiçoamentomoral.

KANT localiza nessa disposiçãoduas reivindicações a ela coexten-sivas: primeiro, o direito de um povode dar-se a si mesmo suas leis, semque tenham que recebê-las deoutrem; segundo, o fim e o dever deque a constituição – necessariamenterepublicana –, seja legítima e moral-mente apreciável, na medida em quese mostra capaz de obstar a guerraofensiva, alicerçando assim as basesda vida civilizada. Tais exigências ouideais atestariam, apesar da fragi-lidade humana, a tendência para oaperfeiçoamento inequívoco do gê-nero, que é alargado e objetivadocom a constituição das leis e doestado de direito. Sob esse prisma,além de republicana, a constituiçãode um estado deve ser pacifista. Maisclaramente: na medida em que cau-ciona radicalmente o afastamentodos homens em relação à guerra,contribui para a emancipação doestado de natureza e, portanto, daheteronomia, garantindo o agir livre.Por conseguinte, a disposição moralao aprimoramento visa à realizaçãodo direito. Delineia-se, assim, aconotação moral que a políticaadquire, visto que ela se subordinaàs leis da razão prática. Este vínculoserá preservado pela publicidade,pois que “... a ‘publicidade’ em KANT

deve ser considerada como aqueleprincípio a garantir o acordo dapolítica com a moral. Ele consideraa publicidade como sendo, ao mesmotempo, princípio da ordenação emétodo iluminista.” (HABERMAS,1984:128).

Sempre que uma época possibi-lita realizações em prol da humani-dade, perseguindo ideais em defesada liberdade e da emancipação, emdetrimento de interesses exclusiva-mente imediatos, contagiando oshomens em seu entusiasmo e em suasaspirações, ela se evade da menori-dade. Isso porque sua principal

realização está no impulso com quefaz os homens se moverem em di-reção à autonomia, a saber, a faze-rem uso público da razão, a perseve-rarem na luta pela liberdade depensamento: “Com efeito, semelhan-te fenômeno não mais se esquece nahistória da humanidade porquerevelou na natureza humana umadisposição e uma faculdade para omelhor...” (KANT, 1993:105). Há aqui,note-se, uma celebração da sociabili-dade que, por meio da constituiçãorepublicana, identifica o alarga-mento da ordem civilizacional àmedida em que a publicidade darazão afasta os homens de seusproblemas imediatos, lançando-os àpreocupações que envolvem ointeresse público. O contrário disso,ou seja, o prevalecimento do usoprivado da razão em detrimento dopúblico, engendra a negação damoral e da liberdade, visto quecontribui para a ascensão e para odomínio das inclinações sensíveis, asaber, a heteronomia. Nesse sentido,conclui GUILLERMIT que “A publici-dade é, com efeito, o antídoto ao malque afeta inevitavelmente o homemno mais profundo do seu ser: oegoísmo que o leva à dissimulação(...). Tomar a licença de retirar-seassim em seu foro interior constituia falsificação por excelência daautonomia.” (1981:26). Tal falsifica-ção coincidiria com o fim da política,do espaço público e de seus sujeitos.Se agir moralmente é agir por dever,não por heteronomia, mas autono-mamente, a liberdade só se presen-tifica quando se faz uso público darazão, impedindo os homens deregredirem à menoridade, contri-buindo, assim, para o aperfeiçoa-mento moral da humanidade. Eis aaposta kantiana.

É fundamental ratificar que adisposição moral para um aprimora-mento, tal como pensada por KANT,implica uma tendência, cujo destinopode ser realizado, ou não. Sua

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emancipação, ao uso da razão, àevasão da menoridade? Na perspec-tiva clássica, a modernidade teriasido pensada como a antítese daantigüidade, como a postura a sertomada perante a autoridade(interrogando qual modelo seguir ouque autoridade aceitar, comparando-se sistematicamente com os modelosantigos, buscando neles, comumentesuas referências normativas). Nareflexão kantiana – em vários outrospensadores modernos –, a moderni-dade adquire outra conotação. Trata-se de extrair de si própria os critérios,a normatividade que regulará oshomens, como se estivesse surgindo“... uma nova maneira de colocar aquestão da modernidade, não maisnuma relação longitudinal com osantigos, mas no que se poderiachamar uma relação ‘sagital’ comsua própria atualidade. O discursotem que tomar em conta sua atuali-dade, de um lado, para reencontraraí o seu lugar próprio, de outro ladopara dizer o sentido disso, enfim,para especificar o modo de ação queele é capaz de exercer no interiordesta atualidade.” (FOUCAULT,1984:105)

Assim, torna-se plausível susten-tar, como fez KANT, que a moderni-dade incrementa, como nenhumaoutra época foi capaz, as possibili-dades de esclarecimento. Faz issoporque rompe com a tradição, comos modelos heteronômos, e buscaradicalizar o exercício da liberdade,perquirindo a si própria e edificando,a partir dela mesma, seus critériosde normatividade. Enfim, a moderni-dade configura-se como o tempo emque os homens são chamados a fazeruso de seu próprio entendimento, asair da menoridade, para construira sociedade ancorados única eexclusivamente no esclarecimento eno uso público que fizerem da razão,que é instância soberana através daqual podem pensar o significado deseu próprio papel na atualidade e, em

realização vai depender da formapela qual a liberdade humana seráexercida e do modo pelo qual a hu-manidade lidará com suas inclina-ções naturais. O destino a ser cum-prido pelos homens depende doexercício da racionalidade, dos valo-res transmitidos pelas gerações quese sucedem. Conforme observouRicardo Terra, “Os homens podem ounão realizar sua destinação. E se têmelementos para realizá-la é maisprovável que o façam, mas não há aíuma afirmação dogmática, ou umconhecimento científico de leisnaturais necessárias da história.”(TERRA, 1986:61) Tal devir está direta-mente associado à conduta adotadapelos homens enquanto seres racio-nais e, portanto, morais.

A modernidade kantiana

Convém precisar que com essasreflexões KANT alude ao governo desua época. Entretanto, isso não fazdele apenas um homem de seu tem-po, mas alguém refletindo sobre suaprópria temporalidade. São signifi-cativas as palavras de MICHEL FOU-CAULT a esse respeito, comentando otexto citado acima O que é o esclare-cimento. Diz o autor: “A questão queme parece surgir pela primeira vezneste texto de KANT é a questão daatualidade: que é que se passa hoje?Que é que se passa agora? E o que éeste “agora”, no interior da qual esta-mos uns e outros; e quem define omomento em que escrevo?”(FOUCAULT, 1984:103).

Destarte, há no texto de KANT

uma inquietude concernente ao seupróprio tempo, o que faz desseescrito um discurso da modernidadee sobre a modernidade, e no qual oesclarecimento se delineia comoalternativa plausível. E por quê? Oque diferenciaria este tempo de umoutro qualquer, que peculiaridadesteria ele para erradicar o obscuran-tismo, para ser mais favorável à

conseqüência, de erigir autonoma-mente os critérios de conduta. Naspalavras de FOUCAULT, “Qual é a mi-nha atualidade? Qual é o sentidodesta atualidade? E que é que eu façoquando falo desta atualidade? É nistome parece, que consiste uma interro-gação nova sobre a modernidade.”(FOUCAULT, 1984:105).

Como já foi assinalado poralguns, ler textos de filosofia não con-siste apenas em interpretar os filóso-fos, enveredar por universos teóricosde pensadores de temporalidadesoutras para experienciar especula-ções teóricas ou estéticas multiface-tadas, mas também – e sobretudo –em abordá-los a partir de questõesque nos sejam contemporâneas,atualizando o que neles permanecedesde sempre virtual. Nesse particu-lar, é elucidativo interrogar a credibi-lidade kantiana na razão humana.Este otimismo em relação a umamelhoria do gênero humano, perspec-tivado a partir de um olhar atual, nãodeixa de ser intrigante. Teria essadisposição para o aperfeiçoamentomoral se manifestado nestes doisséculos que nos separam de suaprodução filosófica?

KANT é um autor inequivocamen-te moderno. Seus textos prenunciamjustamente este ethos definidor damodernidade enquanto tempo que,instaurando cesuras com a tradição,busca extrair de si mesma seuscritérios de conduta e cujo projetoprimordial objetiva consumar aemancipação da espécie humana. F.LYOTARD observa: “O pensamento e aação dos séculos XIX e XX sãogovernados pela idéia de emanci-pação da humanidade. (...) Oprogresso das ciências, das técnicas,das artes e das liberdades políticasemancipará a humanidade inteira daignorância, da pobreza, da incultura,do despotismo e não fará apenashomens felizes, mas, nomeadamentegraças à escola, cidadãos esclare-cidos, senhores de seus próprios

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destinos.” (1986:101) Referindo-setambém a esta perspectiva de futurofundante do imaginário moderno, J.HABERMAS reitera esta análise, consi-derando que a cultura ocidentalplasmou-se no final do século XVIII– momento em que a reflexão kan-tiana emerge – sob uma nova cons-ciência de tempo. O novo, o tempoda bonança, não é mais aquele daeternidade como advoga o cristia-nismo. O tempo moderno é o fluxoininterrupto para o novo, onde aprópria atualidade é viabilizadacomo um novo tempo: “A atualidadeconcebe-se recorrentemente comouma passagem para o novo, ela vivena consciência da transitoriedadedos acontecimentos históricos e naexpectativa de outra configuração defuturo.” (HABERMAS; 1987:105) Esseé o perfil em que a modernidade sedesenhou enquanto transcrição deum tempo em que os homens, crian-do seus próprios valores normativospoderiam alçar um futuro pleno depossibilidades. A razão atuaria comoelemento catalisador de tais futurospotenciais, preconizando o investi-mento num ideal a ser perseguido, noqual não apenas o desenvolvimentocivilizacional do ponto de vista dautilidade e do prazer seriam apri-morados, mas, prioritariamente, ospadrões de sociabilidade, resultandonuma humanidade mais perfeita emais civilizada. Enfim, subjaz a taisprojeções um desejo em relação aofuturo norteado por uma liberdadeuniversal, pela idéia de uma humani-dade absolvida em sua unanimidade.

Sonho moderno que para HABER-MAS não naufragou, apenas não seconsumou ainda e permanece ina-cabado, à espera de renovação e efe-tiva consecução. Em sua apreciação,à razão caberia ainda o papel pro-pulsor de uma possível progressãomoral da humanidade, o que nãoteria ainda se realizado em virtudeda fragmentação do saber e da proli-feração das especialidades. Estas

teriam gerado os tecnocratas que, aose apropriarem do espaço público,teriam solapado justamente os pré-requisitos para o projeto, ou seja, ouso público da razão pelos cidadãos,enquanto premissa geradora da vidapolítica. Os especialistas teriam ba-nalizado e obstruído a participaçãono espaço público com o discurso dacompetência, relegando os cidadãosunicamente ao uso privado da razão.Obstáculos que se erradicariam comuma reunificação do saber e comuma sociedade comunicacional. Nãocabe aqui enveredar pelas propo-sições deste autor, mas cumpreressaltar que ao defender a eman-cipação progressiva por meio darazão, HABERMAS atua como um dosúltimos baluartes de uma tradiçãoque se inicia no século das luzes e doqual KANT é um dos expoentes inte-lectuais mais ilustres.

A postura delineada por autoresdesignados pós-modernos é outra.Eles recusam tal credibilidade edenunciam os horrores que estamesma razão foi capaz de produzir.Uma razão que ao gerar possibili-dades de controle, conhecimento,ciência e tecnologia, escravizou oshomens confinando-os mais radical-mente ao estado de menoridade de-nunciado pelo pensamento kantiano.A idéia de um futuro a se realizar –atinente aos fins últimos da razão,aos quais alude a filosofia kantiana -corresponde ao projeto universal damodernidade que, para um autorcomo LYOTARD, adquire um carátermítico, faz parte das grandes narra-tivas geradas pela modernidade.Argumenta o filósofo: “As metanarra-tivas (...) são aquelas que marcarama modernidade: emancipação pro-gressiva da razão e da liberdade,emancipação progressiva ou catas-trófica do trabalho (...) enriqueci-mento da humanidade inteira atravésdos progressos da tecnociência capi-talista (...)” (LYOTARD, 1993:31). Nesteviés, as narrativas de libertação,

embora não sejam norteadas por umato original fundador, ao modo dosmitos, visam a legitimar instituições,práticas sociais e modos de pensarpor intermédio do prognóstico de umpromissor advir, numa idéia a serperseguida e concretizada. Na pers-pectiva deste autor essas narrativasnão se encontram inacabadas àespera da consumação, mas literal-mente destruídas.

Ainda que o controle da naturezaproporcionado pelo desenvolvimentocientífico tenha se consumado, sur-preendendo-nos a cada dia comnovos e inimagináveis avançostecnológicos, tal desenvolvimentonão contribui para o alargamento daautonomia e da liberdade ou para umfortalecimento da atuação humanano espaço público. Assim, na pers-pectiva dos críticos da modernidade,particularmente LYOTARD, o projetomoderno de emancipação que tem narazão seu elemento propulsor, revelasua falência mesmo quando triunfa.A tecnociência cujo poder é hojeincontestável, consuma o projeto decontrole, domínio do sujeito sobre anatureza, desenvolvimento da razãocientífica e, simultaneamente, dene-ga a consecução desse projeto quan-do não associa a tais trunfos o alar-gamento da liberdade, uma melhordistribuição de renda, ou, o que émais crucial, a universalização daeducação pública e seu correlato, apublicidade da razão, que conduziriaà república enquanto humanidade ci-dadã, tal como vislumbrado por KANT.

Para KANT, a saída da menorida-de associava-se ao uso público darazão cujas prerrogativas redunda-riam na consecução da civilidade eda política com a república, asse-gurando assim o progresso humano.Como entender, então, o refluxo sofri-do hoje pela coisa pública, cujoslimites com a vida privada são cadavez menos perceptíveis? Somoscontemporâneos de um tempo emque o que entusiasma os homens não

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é um espetáculo que provoca uma“meditação moral”, levando-os aalmejar a mudança das instituiçõese a reivindicações em prol do gênerohumano. Ademais, uma moral regidapelas leis da razão, as quais afastemos indivíduos dos reclames de suanatureza sensível, parece cada vezmais distante. O que os move é apromessa das sensações continuadas,dos prazeres efêmeros, o elogio aoimediato. Antagonizando com o ho-mem público emancipado da meno-ridade e preconizado por KANT, proli-feram os chamados indivíduosnarcísicos que não perspectivam obem comum, não reivindicam oexercício de uma liberdade secun-dada pelo uso público de sua razão e,conseqüentemente, não se interessampela consecução ou melhoria dasinstituições. Inversamente, voltam-seunicamente para sua própria subje-tividade, para o júbilo que podemextrair do uso privado de sua razão,negligenciando qualquer compromis-so com perspectivas de futuro. Estecomportamento denuncia a subsun-ção aos imperativos da naturezasensível, designada por KANT comoheteronomia. Sintomas que parecemantagonizar profundamente com apreocupação kantiana em relação aum futuro concernente a toda a hu-manidade e às possibilidades de umaemancipação generalizada.

Considerações finais

Como foi mencionado anterior-mente, KANT assevera que o reconhe-cimento de um sentido para o devirhistórico pode motivar os homens aagir moralmente. É certo que a cren-ça kantiana no futuro não conjecturaainda uma realização utópicadeterminante como o fariam asutopias sociais posteriormente cons-truídas, mas seu prognóstico éperpassado por tal credibilidade eveicula uma figuração altamentepositiva para o futuro dos homens.

Ora, não é justamente isto que sepulverizou? Malgrado a força dohorizonte futuro desnudado peloimaginário moderno, não há hojeperspectivas universalizantes de umdevir plausível ou promissor para ahumanidade. A contemporaneidadeencontra-se eivada de uma letargiaavassaladora que, em decorrência dodesgaste de suas representações futu-ras, obstrui as energias sociais capa-zes de prenunciar novas perspectivaspara o amanhã ou de atribuir sentidoao mundo. Conseqüentemente, oshomens se refugiam e se deleitam emestado de menoridade, o que nos levaa contemporizar com a constataçãohabermasiana: “Quando secam osoásis utópicos, estende-se um desertode banalidade e de perplexidade.”(HABERMAS, 1987:114).

É preciso esclarecer que não háaqui o intuito de contemporizar comestes diagnósticos um tanto pessi-mistas que a chamada pós moder-

GUILLERMIT. Louis, Emanuel Kant ea Filosofia Crítica. In: Chatelet, F. AFilosofia e História, Volume 5, Riode Janeiro: Editora Zahar, 1981.

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Referências Bibliográficas

nidade produziu. Pretende-se apenasobservar que KANT, como homem deseu tempo, ao produzir sua filosofiamoral, com sua insistente esperançaneste aprimoramento futuro da hu-manidade, evidencia seu pertenci-mento ao um imaginário que sedelineou no limiar da modernidadee que permeou suas realizações. Nãoobstante, a nós que hoje nos debru-çamos sobre as complexas reflexõeskantianas, compete interrogar se amultiplicidade de acontecimentosque nos atingem tornam procedentea idéia de uma historia universal dahumanidade, em constante estado deaprimoramento. Por outro lado, cum-pre indagar se o legado que recebe-mos neste limiar de um novo séculonos permite estabelecer ou nãoalguma cumplicidade com o olharque este filósofo das luzes lançousobre as questões que serão hoje esempre fundamentais: a moral, aliberdade, a história. !

FOUCAULT, M. O que é oiluminismo? In: ESCOBAR, CarlosHenrique (org .). Michel Foucault(1926-1984 – o Dossier – últimasentrevistas), Rio de Janeiro: LivrariaTaurus Editora, 1984.

_________________ A novaintransparência. Novos EstudosCebrap, São Paulo 18 (1) : 103-114,setembro, 1987.

KANT, Immanuel. Fundamentaçãoda Metafísica dos Costumes, Lisboa:Edições 70, 1994.

_________ O Conflito das Facul-dades, Lisboa: Edições 70, 1993.

_______________ Textos Seletos,Petrópolis: Editora Vozes, 1985.

DOS DILEMAS MODERNOS

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POR RENATO LADEIA

A História do Curso de Administraçãono Brasil está ligada à visão de

futuro de um Jesuíta

Com essas idéias e uma forte intui-ção, ele foi a Harvard, nos EUA, paraconhecer o que a academia estavafazendo em termos de inovação degestão e trouxe para o Brasil as novida-des dos pesquisadores sobre adminis-tração, para dar os primeiros passospara a criação da primeira escola deadministração de negócios do país.Assim, num modesto prédio na RuaSão Joaquim, no Bairro da Liberdade,em 1941, surgia a ESAN, Escola Supe-rior de Administração de Negócios,hoje parte integrante do Centro Univer-sitário da FEI, com um curso com doisanos de duração e mais um ano deespecialização. Para cursá-lo, não eranecessário ter concluído o cursosecundário, pois a educação, mesmo asecundária, era um privilégio aindapouco acessível naqueles tempos.

Foi o primeiro passo de um dosmais significativos empreendimentoseducacionais do país, construído aduras penas através de doações deempresários e amigos que acreditaramna visão de futuro do Pe. Roberto Sabóiade Medeiros, que percebeu o potencialeconômico do país. Atualmente o Brasiljá conta com mais de 500 mil adminis-tradores formados por escolas públicase privadas e ainda há demanda paramais profissionais, não somente parareposição do mercado de trabalho, mastambém para atender os novos em-preendimentos, sem contar as muitasorganizações que ainda não têm em seusquadros profissionais de administração.

Na passagem dos cem anos do nas-cimento do jesuíta Roberto Sabóia deMedeiros e dos cinqüenta de seu faleci-mento, todas as homenagens dificilmen-te farão justiça aos méritos do patronodo ensino da Administração no Brasil.Além da sua determinação em construiruma instituição de ensino coerente comos seus ideais progressistas, ele semprevalorizou a importância do humanismoe da postura ética na condução dosnegócios. Nem sempre a história é justacom aqueles que a constroem, mascomo disse Halbwachs3: “Não é nahistória aprendida, é na história vividaque se apóia a nossa lembrança”. !

Em 1941 o mundo estava em plenaguerra, o maior conflito armado jávivido pela humanidade. As economiasnacionais em grande turbulência. OBrasil era governado por um regimeditatorial chefiado por Getúlio Vargas,que recentemente havia promulgadouma nova legislação trabalhista, decaráter paternalista, inspirada na CartaDel Lavoro do fascismo italiano, poisbuscava, sobretudo, cooptar os traba-lhadores brasileiros, neutralizandopoliticamente os sindicatos, quepassaram a ter um papel meramenteassistencialista. Mas a economiabrasileira, favorecida pela guerra quedificultou o acesso a produtos indus-trializados importados dos países emguerra, teve seu processo de substitui-ção de importações impulsionado.Paralelamente, o governo passou ainvestir em indústrias de base para darsuporte ao crescimento industrial, comrealizações inovadoras como o PlanoQüinqüenal com a criação de umausina siderúrgica, uma usina hidroelé-trica, estradas de ferro e de rodagem.A concessão de facilidades de financia-mento de créditos a juros subsidiadosatravés do Banco do Brasil foi também

um fator decisivo no processo deindustrialização do país. No planopolítico, o Brasil abandonara aposição dúbia em relação ao confrontomundial e se integrou à órbita dosaliados contra os países do eixo.1

Neste contexto de oportunidadese, ao mesmo tempo, de apreensão eincertezas, o padre jesuíta RobertoSabóia de Medeiros com larga visão defuturo, percebeu que a indústria e ocomércio necessitavam de profissio-nais especialistas em gestão empresa-rial. Naquela época eram apenas osadvogados e engenheiros que se ocupa-vam destas tarefas, mas sem estaremdevidamente familiarizados com asnovas tecnologias de gestão organiza-cional. Enquanto isso, nos EUA, oTaylorismo-Fordismo, como organiza-ção produtiva, já era amplamentequestionado, não somente pelossindicatos e críticos do capitalismo,mas pelos próprios trabalhadores nochão-de-fábrica. A escola de RelaçõesHumanas já completaria seus quinzeanos a partir das experiências de EltonMayo em Hawthorn e já sofria críticasna academia2. Enquanto isso, no Brasil,ainda estávamos engatinhando emrelação à administração racional denegócios. Sendo a administração umaatividade multidisciplinar, o Pe. Sabóiapercebeu que não bastava a presençade competentes técnicos de visão carte-siana para o sucesso dos empreendi-mentos. Era preciso pensar no serhumano e sua complexidade para o su-cesso empresarial. Além disso, o Pe.Sabóia de Medeiros percebeu tambémque era preciso formar, além de bonstécnicos, com conhecimentos para en-frentar as incertezas do mundo empre-sarial, cidadãos com uma visão ética nosnegócios, de acordo com a doutrinasocial da Igreja, da qual o Pe. Sabóiaera autêntico arauto.

1 Fausto, Boris – História do Brasil; Carone, Edgar – Asegunda República.

2 Motta, Fernando Prestes – Introdução à Teoria dasOrganizações.

3 Halbwachs, Maurice – Memória Coletiva.Pe. Sabóia de Medeiros

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Impulsionadas pelas novas tecnologias, mudanças velozes e marcantes ocorrem emtodos os setores e são bem evidentes no ambiente empresarial. Por isso, para

proporcionar aos estudantes uma formação com qualidade na área de gestão denegócios, o Centro Universitário da FEI oferece o curso de Administração de Empresas.

Com estrutura curricular especialmente direcionada às necessidades e tendências domercado, o curso forma profissionais – executivos e consultores – preparados para gerir

desde uma pequena unidade de negócio até um conglomerado de empresas.

Os campi, com instalações amplas, funcionais e notável infra-estrutura propiciam aosestudantes um ambiente apropriado para o desenvolvimento da vida acadêmica e

fortalecimento das atividades culturais.

campus São Bernardo do CampoAv. Humberto de Alencar Castelo Branco, 3972

B. Assunção – São Bernardo do Campo – SPCEP 09850-901 – Tel.: (11) 4353.2900

campus LiberdadeRua Tamandaré, 688 – Liberdade – São Paulo – SP

CEP 01525-000 – Tel.: (11) 3207-6800

www.fei.edu.br

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ARQUIVOS PERMANENTES - TRATAMENTO DOCUMENTALHeloísa Liberalli Bellotto, Editora FGV

O arquivista hoje desempenha um novo e importante papel, atuando como gestor deinformação estratégica, presente desde sua criação até todos os seus usos possíveis, colabo-rando para que os fluxos informacionais ocorram de maneira plena.

O tratamento correto da documentação histórica nos arquivos permanentes é funda-mental para que se preserve e se transmita a informação neles contida. Daí a importânciadesta obra, fundamental para os alunos dos cursos de arquivologia, para profissionaisresponsáveis pela organização de arquivos permanentes e para pesquisadores usuários defontes primárias em seus estudos.

APRENDIZAGEM TECNÓLOGICA E PERFORMANCE COMPETITIVA

Paulo N. Figueiredo, Editora FGV

No momento em que as empresas brasileiras precisam inovar cada vez mais seus produtos,serviços, processos de produção e sistemas organizacionais, para serem mais competitivasnos mercados interno e externo, o autor examina como as estratégias de aprendizagem e deacumulação de competências tecnológicas podem acelerar (ou não) o aprimoramento da suaperformance técnica e econômica.

O livro contém medidas que permitem identificar tipos e níveis de capacidades tecnológicasna empresa. Permitem também entender como os vários processos de aprendizageminfluenciam a maneira e a velocidade com que a empresa acumula suas próprias competênciasrotineiras e inovadoras e, por sua vez, como tais competências influenciam o aprimoramentoda performance competitiva da empresa.

O HOMEM, O ARCO E A FLECHA: EM DIREÇÃO À TEORIA GERAL DA ESTRATÉGIALuiz Fernando da Silva Pinto, Editora FGV

Em O homem, o arco e a flecha: em direção à teoria geral da estratégia, título que simbolizatoda a arte da estratégia, o autor nos faz ver a importância do bom estrategista nos dias dehoje. Seu objetivo é auxiliar o leitor a enfrentar o desafio da acirrada competitividade, que exigecada vez mais qualificações especiais para que pessoas, famílias, grupos, instituições, organi-zações e setores possam se ajustar à velocidade de mudança característica da era atual.Compreender essas necessidades e a elas se ajustar é o grande desafio do profissional de hoje.

O grande diferencial deste livro no campo dos estudos estratégicos está no indicador dematuridade estratégica (Mature). Desenvolvido a partir da larga experiência do autor nouniverso da estratégia, o indicador é útil na gestão pública e privada, em corporações, empresas,instituições, organizações internacionais e ONGs na avaliação de ações, projetos, empreen-dimentos e investimentos.

PRINCÍPIOS DE MARKETING DE SERVIÇOS - CONCEITOS, ESTRATÉGIAS E CASOSK. Douglas Hoffman; John E. G. Bateson, Editora Thomson

O mundo dos negócios exige, além do conhecimento tradicional de negócios, oaprimoramento da competência do profissional para satisfazer o cliente, a qualidade doserviço e do atendimento ao cliente, habilidades essenciais para a sustentação da base declientes existente.

O objetivo principal de Princípios de Marketing de Serviços é oferecer textos que nãosomente apresentem ao estudante a área de marketing de serviços, mas também o familiarizemcom problemas específicos de serviços ao cliente.

Aplicações: texto básico para a disciplina marketing de serviços dos cursos de Administraçãode Empresas e Publicidade e Propaganda. Indicado também como texto complementar paraoutras disciplinas desses cursos.

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