“mmÓrias normalistas”: anÁlis as prÁtias pedagÓgicas … · durante o período da ditadura...

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 5116 “MEMÓRIAS DE NORMALISTAS”: ANÁLISE DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA ASSIS BRASIL DE PELOTAS-RS, DURANTE O REGIME CIVIL-MILITAR BRASILEIRO Tânia Nair Alvares Teixeira 1 Introdução Esta comunicação tem como objetivo apresentar alguns aspectos de uma pesquisa, no campo da História da Educação, que vem sendo realizada junto ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no âmbito de mestrado acadêmico. A problemática central da pesquisa busca compreender as práticas pedagógicas realizadas nas aulas de Educação Física na escola Estadual Assis Brasil, de Pelotas-RS durante o período da ditadura civil-militar brasileira, a partir da memória das ex-normalistas que estudaram nesta instituição na temporalidade indicada. Em 13 de Fevereiro de 1929 foi fundada a Escola Complementar, pelo decreto nº 4273, de 5 de Março de 1929. Sua instalação na cidade de Pelotas deve-se ao decreto 4213 de 5 de Março de 1925, que regulamentava a criação e instalação das Escolas Complementares. No ano de 1940 a Escola Complementar passou a ser denominada de Escola Complementar Assis Brasil pelo decreto nº 91, de 7 de Junho de 1940. Em 15 de Abril de 1943 foi decretado pelo governo que todas as Escolas Complementares passassem a se chamar Escola Normal pelo decreto-lei nº 248. Em 1947 o Curso Normal recebeu a denominação de “Curso de Formação de Professores Primários”, sendo que a primeira turma realizou sua formatura em 23 de dezembro de 1949. Já em 1962 a Escola Normal Assis Brasil foi transformada em Instituto de Educação Assis Brasil, através do decreto nº 13420, de 17 de abril de 1962 e em 1997 passou a ter a denominação de Instituto Estadual de Educação Assis Brasil, nome que mantém até hoje. 2 Em 23 de dezembro de 1970 o Instituto teve o seu regimento aprovado pelo parecer nº 292/70. 1 Mestranda do curso de Pós- graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas. E-Mail: <[email protected]>. Universidade Federal de Pelotas. 2 Os documentos que comprovam as trocas de nomenclatura não foram encontrados na escola, não se localizou nem no livro de pareceres, nas portarias, nos regimentos e nos decretos que regiam a instituição investigada.

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5116

“MEMÓRIAS DE NORMALISTAS”: ANÁLISE DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA ASSIS BRASIL DE

PELOTAS-RS, DURANTE O REGIME CIVIL-MILITAR BRASILEIRO

Tânia Nair Alvares Teixeira1

Introdução

Esta comunicação tem como objetivo apresentar alguns aspectos de uma pesquisa, no

campo da História da Educação, que vem sendo realizada junto ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no âmbito de mestrado

acadêmico. A problemática central da pesquisa busca compreender as práticas pedagógicas

realizadas nas aulas de Educação Física na escola Estadual Assis Brasil, de Pelotas-RS

durante o período da ditadura civil-militar brasileira, a partir da memória das ex-normalistas

que estudaram nesta instituição na temporalidade indicada.

Em 13 de Fevereiro de 1929 foi fundada a Escola Complementar, pelo decreto nº 4273,

de 5 de Março de 1929. Sua instalação na cidade de Pelotas deve-se ao decreto 4213 de 5 de

Março de 1925, que regulamentava a criação e instalação das Escolas Complementares. No

ano de 1940 a Escola Complementar passou a ser denominada de Escola Complementar Assis

Brasil pelo decreto nº 91, de 7 de Junho de 1940. Em 15 de Abril de 1943 foi decretado pelo

governo que todas as Escolas Complementares passassem a se chamar Escola Normal pelo

decreto-lei nº 248. Em 1947 o Curso Normal recebeu a denominação de “Curso de Formação

de Professores Primários”, sendo que a primeira turma realizou sua formatura em 23 de

dezembro de 1949. Já em 1962 a Escola Normal Assis Brasil foi transformada em Instituto de

Educação Assis Brasil, através do decreto nº 13420, de 17 de abril de 1962 e em 1997 passou a

ter a denominação de Instituto Estadual de Educação Assis Brasil, nome que mantém até

hoje.2 Em 23 de dezembro de 1970 o Instituto teve o seu regimento aprovado pelo parecer nº

292/70.

1Mestranda do curso de Pós- graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas. E-Mail: <[email protected]>. Universidade Federal de Pelotas.

2 Os documentos que comprovam as trocas de nomenclatura não foram encontrados na escola, não se localizou nem no livro de pareceres, nas portarias, nos regimentos e nos decretos que regiam a instituição investigada.

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O Instituto Educacional Assis Brasil foi inicialmente, localizado à Rua XV de

Novembro, esquina com a Rua Uruguai, ocupando, assim, posição central na cidade de

Pelotas.

Abaixo apresentamos a Figura 1, onde pode-se identificar a primeira edificação que a

instituição ocupou. Notadamente uma importante construção para a época, visto que seguia

o estilo arquitetônico dos grandes casarões do centro pelotense.

Figura 1 – Fachada do Instituto Estadual de Educação Assis Brasil, Pelotas/RS, década de 1920 Fonte: Pacheco (2012)

Apesar da escola ter fixado outros dois endereços foi somente no ano de 1942 que a

instituição se instalou na Rua Antônio dos Anjos, 296, onde permanece até os dias atuais.

Figura 2 – Edificação do Instituto Estadual de Educação Assis Brasil, Pelotas/RS, atual

Acervo da 5ª Coordenadoria Regional de Pelotas.3

3 Disponível em: http://05crepelotasrs.blogspot.com.br/2016/01/12-alunos-do-iee-assis-brasil-foram.html Acesso: 30/08/2016.

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Entre as décadas de 1960 e 1980 as escolas para normalistas Assis Brasil (mantida pelo

Estado) e a Escola São José (mantida por instituições privadas) ocuparam lugar de destaque

na formação de professoras na cidade de Pelotas.

De acordo com os pesquisadores de História da Educação Física Escolar Batista e

Gonçalves Junior (2010, p.1) foi “a partir do golpe militar de 1964, que a Educação Física

Escolar passou a ser uma ferramenta de propaganda do governo”. Ainda, para os autores, a

disciplina de Educação Física se favoreceu de um modelo que pretendia treinar os estudantes

“para variadas modalidades esportivas, a preparação física e as competições”. De modo que

esta área de conhecimento proporcionou, nos estudantes deste período, a promoção de um

desempenho esportivo eficiente e a idealização de vitórias. Observaremos mais adiante que

tais promoções também fazem parte do modelo social desejado pelo governo ditatorial

instaurado no país (CASTELLANI, 1991).

Não obstante, encontramos vários indícios que esta ocorrência também tenha se

manifestado na disciplina de Educação Física do Instituto Estadual Assis Brasil ministrada

no Curso Normal durante o regime civil-militar brasileiro. Neste sentido é que nos

propusemos investigar como foram percebidas, pelas ex-alunas e ex-professoras do Curso

Normal entre o período de 1964 e 1985, as práticas na disciplina de Educação Física.

Estamos fazendo uma pesquisa onde a principal fonte são as narrativas das ex-alunas

do curso Normal do Instituto Estadual de Educação Assis Brasil, que estudaram entre os de

1976 e 1984. Até o presente momento foram realizadas três entrevistas, durante os meses de

junho a agosto de 2016, conforme demonstra o quadro a seguir:

QUADRO 1 LISTA DAS EX-NORMALISTAS ENTREVISTADAS DO INTITUTO ESTADUAL DE

EDUCAÇÃO ASSIS BRASIL, NA CIDADE DE PELOTAS – mar./2017

Entrevistada Data Escola

Normal

Período em que estudou

Rosangela de Castro Rachinhas 16/08/2016 Assis Brasil 1976 a 1980

Mara Elaine de Lima Elias 16/06/2016 Assis Brasil 1979 a 1982

Nádia Machado 09/06/2016 Assis Brasil 1980 a 1984

Fonte: Tabela produzida pela pesquisadora para este estudo, mar.2016.

Na intenção de responder esta problematização estamos buscando uma série de fontes,

como aquelas produzidas na própria instituição de análise e nas legislações vigentes no

período, e, sobretudo, através de entrevistas com ex-alunas e ex-professoras do Curso

Normal do Instituto Assis Brasil daquela época, onde procuramos saber como eram

construídas e ministradas estas aulas, tentando perceber também em que medida essas

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práticas pedagógicas carregam as marcas da imposição dos governos ditatoriais da época e de

suas compreensões a respeito do ensino de Educação Física nas escolas. São as memórias das

ex-normalistas que permitem compreender como eram realizadas as práticas pedagógicas de

Educação Física e quais os significados que eram atribuídos a estas práticas na Escola Assis

Brasil, de acordo com suas lembranças.

Para tanto, abordamos o estudo da memória com base em Maurice Halbwachs (1990),

Joël Candau (2014), Portelli (2016) e Weiduschadt e Fischer (2009). No que tange a História

da Educação que discute esta categoria apoiamo-nos teoricamente nos estudos de Carlos Fico

(2004), Castelanni Filho (1991), Demerval Saviani (2013), Inezil Penna Marinho (1979),

Tarcísio Mauro Vago (2010) e Vitor Marinho de Oliveira (1983).

Sendo assim, para um melhor entendimento dividimos o trabalho em dois momentos, o

primeiro trata a respeito de um breve relato a respeito do período da ditadura civil militar e

como se deram as reformas educacionais dentro deste recorte temporal e num segundo

momento nos propusemos a investigar, através do depoimento das ex- normalistas da época

e também da análise das leis e decretos promulgados, como eram planejadas e ministradas

estas aulas, buscando compreender as práticas pedagógicas realizadas nas aulas de Educação

Física. São as memórias das ex-normalistas que permitem compreender como eram

realizadas as práticas pedagógicas de Educação Física e quais os significados que eram

atribuídos a estas práticas na Escola Assis Brasil.

O ensino da Educação Física na Ditadura civil-militar

No Brasil, nos anos sessenta, começou uma série de articulações políticas e sociais que

culminaram no Regime Civil-Militar. Dentre outras implicações para o país, apontamos que

foi o período marcado pela cassação de direitos políticos, pela censura aos meios de

comunicação, pela repressão dos movimentos sociais e estudantis e pelo uso de métodos de

emenda aos opositores do regime (FICO, 2004). Para colocar esses planos em prática o

governo fez uso de Atos Institucionais. O AI-1 cassou os mandatos dos políticos opositores e

tirou a estabilidade de funcionários públicos. Já o ato denominado AI-5, instituído e

denominado o período dos anos de chumbo, foi marcado por medidas terríveis e drásticas,

visto que aposentou juízes, cassou mandatos, acabou com as garantias do habeas-corpus e

aumentou a repressão militar e policial.

Cabe explanar que neste período duas grandes reformas educacionais ocorreram, a Lei

nº 5.540/68 e a Lei nº 5.692/71. Estas reformas fizeram parte das mudanças sociais daquele

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tempo e também das feições políticas do regime de governo com características militares e

ditatoriais. Conforme nos fala Castellani (1998, p.29),

Nesse cenário, coube à Educação Física o papel de – entrando no ensino superior por força do Decreto-lei nº705, de 25 de Julho de 1969 – colaborar, através de seu caráter lúdico-esportivo, com o esvaziamento de qualquer tentativa de rearticulação política do movimento estudantil. Mas não somente á Educação Física foi destinado esse papel. Os passos dado por ela, nesse sentido, foram acompanhados pelos da educação moral e cívica, em uma demonstração inconteste de que a inclusão compulsória da Educação Física no ensino superior, veio atender a uma ação engendrada pelos ‘arquitetos’ da ordem política vigente, no intuito de aparar possíveis arestas – no campo educacional – que pudessem vir a colocar em risco a consecução do projeto de sociedade em construção.

O ensino da Educação Física nas escolas brasileiras já era obrigatório desde o século

XIX, quando era visto como forma de ordem e progresso, sendo responsável pelo

desenvolvimento de indivíduos fortes e saudáveis para defender a nação.

A legislação inicial referente à disciplina de Educação Física surgiu em 1851, tornando-a

obrigatória nas escolas primárias da corte. Com o passar do tempo o ensino de Educação

Física foi influenciado pela área médica e militar, assim como pelos contextos políticos de

cada período histórico brasileiro (CASTELLANI, 1991). Na época da ditadura civil-militar foi

desenhada uma educação tecnocrática4 com valorização do esporte como fenômeno de

massa, valorizando-o como meio educativo e também de espetáculo. Nos anos 70, a Educação

Física foi tratada como a atividade que, por seus meios, processos e técnicas, desenvolveria e

aprimoraria as forças físicas, morais, cívicas, psíquicas, socializando o educando e

preparando-o para o movimento de representar a pátria (CASTELLANI,1991).

Consideramos que esta insipiente contextualização histórica do período da ditadura

civil-militar seja de grande relevância para esta pesquisa, uma vez que um dos seus objetivos

está em identificar as possíveis influências, marcadamente as de caráter repressor, nas

práticas educativas da disciplina de Educação Física no Instituto Estadual de Educação Assis

Brasil.

4 Dermerval Saviani (História da Ideias Pedagógicas no Brasil) nos diz que a pedagogia tecnicista buscou planejar a educação de modo que a dotasse de uma organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr em risco a eficiência. Para tanto era mister operacionalizar os objetivos e, pelo menos em certos aspectos , mecanizar o processo. Daí a proliferação de propostas pedagógicas tais como o enfoque sistêmico, o microensino, o telensino, a instrução programada, as máquinas de ensinar etc. [...]. Daí, enfim. A padronização do sistema de ensino a partir de esquemas de planejamento previamente formulados aos quais se devem ajustar as diferentes modalidades de disciplinas e práticas pedagógicas.

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As aulas de educação física na memória das ex-normalistas

Neste trabalho pretendemos compreender as práticas pedagógicas nas aulas de

Educação Física e para isso temos como objeto de análise as entrevistas com as ex-

normalistas.

Como já foi abordado o ensino da Educação Física nas escolas brasileiras tornou-se

obrigatório desde o final do século XIX, onde era visto como forma de ordem e progresso,

sendo responsável pelo desenvolvimento de indivíduos fortes e saudáveis para defender a

pátria. Com o passar do tempo foi influenciado pela área médica e militar, assim como pelos

períodos histórico e político que o Brasil passava (CASTELLANI, 1991).

Como nos demonstra as narrativas das ex-normalistas havia demonstrações de civismo

e patriotismo na escola Assis Brasil (Rachinhas, 2016),

Era Moral e Cívica, era OSPB, era cantar o hino, hasteava a bandeira, arriava a bandeira, fazia aquela posição. Uma coisa que eu acho bonito até, aprendíamos os hinos todos, mas era assim, era uma coisa forçada, tinha a hora cívica. Quando chegava ao colégio, largava as pastas e descia para a hora cívica, ficava na frente da bandeira, das bandeiras eu acho do Brasil, e também da escola eu imagino, acho que é, daí ficava na frente da bandeira naquela posição cantando o hino, hora cívica, aí voltava para a aula e começava a aula. Eu participava do coro das Mil Vozes, [...], eu gostava de cantar o hino, [...] horrivelmente machista, conservador, preconceituoso, e isso a gente aprendia como certo, como tem que ser a bandeira, não sei que Patriotismo é esse. Patriotismo ligado mesmo a Ditadura, a obedecer, ao que os governos Neoliberais, já capitalistas que eram, na época eu não entendia, mas já entendia que aquilo tava mal e a gente tinha que seguir aquilo, aquele Civismo, e sou obrigada a seguir esse Patriotismo? Tinha banda, fui da banda, fui comandante de pelotão. [...], era bom porque era tudo novo, eu adorava aquele cheirinho que a mãe comprava tudo novo para desfilar.

Bem como nos relata também (Elias, 2016),

Mais na época da Semana da Pátria que a escola parava para gente fazer toda essa questão da Bandeira. Hasteamento da bandeira, arreamento da bandeira, a questão dos desfiles, isso aí era bem cobrado e sempre que tinha aniversário da escola também, sempre que tinha alguma coisa alusiva às questões de feriado nacional, a escola tinha que prestar homenagem. Então eu sentia mais nessa época, aí todas as disciplinas eram voltadas para aquilo ali, inclusive a Educação Física. Nós não tínhamos Educação Física, tínhamos ensaio de marcha, por exemplo, das dez ao meio dia nós íamos ensaiar para a Semana da Pátria. Os ensaios começavam bem antes da Semana da Pátria. A escola parava e ficava voltada para semana da pátria.

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Nesta figura abaixo podemos visualizar um desfile na Semana da Pátria, onde a banda

da escola Assis Brasil é constituída somente de alunas, todas usando um uniforme

padronizado e enfileiradas assemelhando-se com a formação militar.

Figura 4 – Desfile na Semana da Pátria do Instituto Estadual de Educação Assis Brasil Acervo da escola Assis Brasil.

Por volta de 1961 houve um grande debate a respeito do ensino brasileiro, entre o final

do Estado Novo e a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB n.5692/71)

onde ficou determinada a obrigatoriedade da Educação Física no ensino primário e

secundário.

Durante o período da Ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985), a influência deste

modelo tecnocrata foi determinante nas aulas de Educação Física Escolar. Torna-se aqui

importante ressaltar, segundo as ex-normalistas da instituição Assis Brasil que já foram

entrevistadas, a existência de dois importantes aspectos influenciados pelo modelo de

educação repressora marcado no período da ditadura. O primeiro foi na forma disciplinar, a

qual as entrevistadas destacaram ser muito rígida e, o segundo, percebemos que as ex-

normalistas indicaram haver naquele período uma super valorização das práticas de

competição, tanto individuais como, ainda ou mais, nos esportes coletivos.

Conforme narra a ex-normalista Mara Elaine de Lima Elias que estudou no período de

1979 a 1982 (Elias, 2016),

Era um período muito difícil em termos políticos, porque era na época da ditadura. Então tudo tinha que funcionar de acordo de acordo com as normas da escola, onde era estimulada essa questão da competição, a

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competição no sentido assim de esportes. A escola era chamada para diversas competições, tanto aqui em Pelotas como fora do município.

Segundo Rosangela de Castro Rachinhas que cursou de 1976 a 1979 (Rachinhas, 2016),

Não podia fazer nada, não podia opinar, e eu sou muito de opinar. Eu sou sempre fui e sempre serei. Eu era criança e sempre tive opinião, [...] eu sempre fui de esquerda, [...] não gostava da coisa imposta. Eu lembro quando [...] O exército assumiu, quando era o Médice, o Figueiredo, presidentes e tal... E na escola refletia isso na gente sim, [...]. Então, eu que era muito de falar as coisas recebia muita represália, [...] a gente NÃO TINHA LIBERDADE PARA SE EXPRESSAR... NÃO TINHA... NÃO PODIA... Era assim eles mandavam e a gente obedecia, sabe?

Quanto as aula de Educação Física ela relata que (Rachinhas, 2016):

Era trabalhado os esportes assim, todos os esportes, eu me lembro [...] de correr no quartel porque eu treinava o tentaclo também, atletismo, então era bem trabalhado os esportes, [...] eu corria cem metros, corria mil e quinhentos metros, salto em distância, em altura não porque eu tinha medo de cair, me machucar, e a gente jogava todas as modalidades, aprendia todas as modalidades basquete, , handebol, voleibol, futebol...eu não me lembro se tinha futebol, [...]. Tinha aquela exigência, parece que eu to me vendo com aquele uniforme, [...] a gente vinha com o uniforme direitinho, minha camisetinha tinha número por causa do time e eu fazia colinha para jogar, era bem trabalhado, eu acho que eram três aulas semanais, como é até hoje eu acho, não me lembro agora, mas era bom, eu fazia bastante coisa.

Vem ao encontro dessa lembrança, a narrativa a da ex- normalista (Elias,2016),

Sem uniforme não podias fazer, mas ao mesmo tempo ele conversava, ele encaminhava pra ser conversado. Essa parte do uniforme era bem rígida. Era abrigo, uma calça de moletom. A gente tinha que comprar, nada era doado, também podia usar uma blusa branca e uma bermuda azul marinho ou uma calça azul marinho e uma blusa branca. Na Educação Física tu tinhas que usar uma colinha, se o teu cabelo fosse longo. Mais pro final do curso eles permitiram que as alunas viessem de calça então era uma calça azul marinho, porque antes era saia.

Percebe-se que a entrevistada Machado também teve exigência quanto ao uso do

uniforme (Machado, 2016),

Era obrigatório, abrigo, tênis e moletom, tinha que ter para fazer as aulas. Não podia fazer as aulas de calça de brim, não podia fazer as aulas de sandálias, saltos. Era abrigo comum, era uniforme, eu não me lembro se tinha uniforme na escola em si, isso eu não lembro mesmo, apaguei da minha memória, mas eu sei que tinha que ter abrigo e tênis para fazer as aulas.

Para Castellani Filho (1991), o governo militar, através de decreto, arquitetou uma

Educação Física Escolar esportivizada com o intuito de que os valores implícitos à prática

esportiva, como, por exemplo, a competição atenderiam as necessidades de um sistema

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econômico que buscava consolidação no Brasil - o capitalismo – e, em concomitância com as

políticas educacionais norte-americana, que exerceram forte influência na forma de

concebermos a educação nacional.

Como nos mostra as fotografias, as meninas normalistas jogavam vôley de saia, o que

nos leva a perceber que ao mesmo tempo em que elas deveriam ser competitivas também

deveriam estar alinhadas, pois o significado de mulher/adolescente na época era outro, ou

seja, elas precisavam ter postura de moças recatas e bem comportadas.

Figura 4 – Competições de vôlei no Instituto Estadual de Educação Assis Brasil Acervo da escola Assis Brasil.

Nesse aspecto as práticas relativas ao ensino da Educação Física podem ser entendidas

como eficientes meios para garantir a disciplina e a obediência dos alunos, bem como de

garantir o sucesso de subserviência discente ao patriotismo escolar e social que se instaurava.

Desse modo, as lembranças das experiências das ex-normalistas selecionadas para

entrevistas relatando como eram as práticas das aulas de Educação Física podem representar

também as lembranças de todo o grupo, uma vez que resultam das suas relações com o

referido grupo.

Segundo Halbwachs (1990, p.45),

No primeiro plano da memória de um grupo se destacam as lembranças dos acontecimentos e das experiências que concernem ao maior número de seus membros e que resultam quer de sua própria vida, quer de suas relações com os grupos mais próximos, mais frequentemente em contato com ele.

Evidência que podemos constatar na fala de uma ex-normalista entrevistada Mara

Elaine de Lima Elias, (Elias, 2016),

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Trabalhávamos a questão da lateralidade, da coordenação, também com histórias infantis, tu tinhas que contar com movimentos, da motricidade ampla. Porque nós tínhamos Educação Física e tínhamos didática de Educação Física, então nós tínhamos a nossa educação física que trabalhava a questão do corpo, dos esportes, a questão até dos circuitos, a corrida e tinha a parte da Didática da Educação Física onde trabalhávamos depois com as crianças. Então era trabalhado assim, eu me lembro bem.

E também constatamos no relato da ex-normalista Rosangela de Castro Rachinhas,

(RACHINHAS, 2016),

Eu amava tudo, eu jogava vôlei fui capitã do time do colégio por alguns anos, participava de todas as atividades tirando o handebol porque eu tinha medo de me machucar, mas eu jogava tudo, eu gostava da Ed Física eu sempre adorei... E jogava vôlei pelo colégio fui capitã do time uns anos, [...], a gente tem um grupo e era bom... era bem legal... eu gostava. [...] tinha o pavilhão, sempre foi bom aquele pavilhão e a gente usava muito aquele palco, eu me lembro da gente dançar ali, de fazer peças de teatro.

Assim o referido discurso retoma nas lembranças as práticas das aulas. Dessa forma

Candau (2014, p. 122) destacou que:

As “lembranças encontram sua justificativa não apenas em assegurar uma continuidade fictícia ou real entre o passado e o presente [...] o ato de memória [...] se manifesta no apelo à tradição” e “consiste em expor, inventando se necessário, ‘um pedaço de passado moldado às medidas do presente’”.

Desse modo, as lembranças das ex-normalistas serão perpassadas e moldadas pelo

presente, possibilitando inclusive que indiquem, por exemplo, a ausência de uma

interferência do regime militar nas práticas pedagógicas nas aulas de Educação Física. Essa

“ausência” da influência das práticas militares instaurada durante o regime da ditadura civil-

militar brasileira pode ser percebida na fala de outra ex-normalista, Nádia Machado que

estudou bem no final do período da ditadura civil militar concluindo o estágio em 1984 e por

isto não sentiu reflexos da repressão. De acordo com a entrevistada (MACHADO, 2016),

Não percebia influência da ditadura civil militar, ninguém comentava nada. Nós tínhamos centro cívico bem ativo, nós tínhamos um civismo, eu era do centro cívico, nós tínhamos o grêmio estudantil, participei do grêmio estudantil, mas não era uma coisa solta, em que os alunos decidiam por conta. Nós tínhamos o professor que nos orientava, que nos acompanhava e era o responsável, e não era o aluno mais popular, era retirado o aluno que tinha condições de levar um trabalho a sério para desenvolver como todos, tinha uma proposta de trabalho, tinha local específico pra eles, assim como tinha o círculo de pais e mestres. Tínhamos dentistas, era muito bom, hoje não tem nada, mas naquela época tinha.

Nesses relatos, foram reveladas lembranças da vida escolar. Nas pesquisas que

envolvem narrativas através da História Oral, essas experiências vivenciadas algumas vezes

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se mostram como verdade absoluta, por isso o pesquisador necessita analisar os fatos e

avaliá-los através do cotejo com as fontes. Nesse sentido Portelli (2016, p.46) observa:

Acima de tudo, porém, caberia apontar que, se é verdade que o excesso de memória pode sufocar a imaginação, também é verdade que com a falta de memória corre-se o risco de esquecer que certas coisas ocorreram no passado – e, portanto, de repetir o passado crendo-se estar inventando algo novo ou novíssimo [...]. Tanto o peso da memória quanto a leveza do esquecimento vão contra o estabelecimento de uma relação crítica e consciente com o passado – e com o presente.

Considerações Finais

Este trabalho mostrou os objetivos de uma pesquisa que está sendo desenvolvida junto

ao programa de pós-graduação em Educação da UFPEL que busca compreender as práticas

pedagógicas realizadas nas aulas de Educação Física na escola Estadual Assis Brasil, de

Pelotas-RS com as alunas do curso Normal durante o período da ditadura civil-militar

brasileira, a partir da memória das ex-normalistas.

Diante disso nos propusemos a investigar, através do depoimento das ex-alunas e ex-

professoras da época e também da análise das leis e decretos promulgados, como eram

construídas e ministradas estas aulas, buscando perceber também em que medida essas

práticas pedagógicas carregam as marcas da imposição dos governos ditatoriais da época e de

suas compreensões a respeito do ensino de Educação Física nas escolas. São as memórias das

alunas ex-normalistas que permitem compreender como eram realizadas as práticas

pedagógicas de Educação Física e quais os significados que eram atribuídos a estas práticas

na Escola Assis Brasil, de acordo com as lembranças das ex-alunas e ex-professoras

entrevistadas.

Cabe salientar que estamos contextualizando a constituição da disciplina de Educação

Física, nos aspectos históricos e nas correntes teóricas que influenciaram esta disciplina.

Mediante o cotejo das fontes com as narrativas das ex-normalistas percebemos até o

momento que no período da ditadura civil a repressão foi sentida na forma de uma disciplina

rígida e também de uma valorização de jogos e competições nas aulas de Educação Física.

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Referências

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

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Entrevistas

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