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Mirian Vieira Maia
O PORTFÓLIO REFLEXIVO ELETRÔNICO NA EDUCAÇÃO MÉDICA: uma análise da
experiência do internato eletivo em Anestesiologia com base na Teoria da Aprendizagem
Significativa
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Educação em
Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como requisito
parcial à obtenção do Título de Mestre em
Educação em Ciências e Saúde.
Orientadora: Profa. Dra. Miriam Struchiner - NUTES-UFRJ
RIO DE JANEIRO
2013
Ficha elaborada pela Biblioteca de Recursos Instrucionais/NUTES
M217p Maia, Mirian Vieira.
O portfólio reflexivo eletrônico na educação médica:
uma análise da experiência do internato eletivo em
Anestesiologia com base na Teoria da Aprendizagem
Significativa / Mirian Vieira Maia. - Rio de Janeiro:
NUTES, 2013.
189 f.; 21 cm.
Orientadora: Profa. Dra. Miriam Struchiner.
Dissertação (Mestrado) -- UFRJ, NUTES, Pós-
Graduação Educação em Ciências e Saúde, Rio de Janeiro,
2013.
Bibliografia: f. 164-173.
1. Educação médica. 2. Tecnologias da informação. 3.
Aprendizagem. I. Título. II. Struchiner, Miriam.
CDD 610.7
Mirian Vieira Maia
O PORTFÓLIO REFLEXIVO ELETRÔNICO NA EDUCAÇÃO MÉDICA: uma análise da
experiência do internato eletivo em Anestesiologia com base na Teoria da Aprendizagem
Significativa
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Educação em
Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como requisito
parcial à obtenção do Título de Mestre em
Educação em Ciências e Saúde.
Aprovado em __________________________________
______________________________________________________
Profa. Dra. Miriam Struchiner – UFRJ
______________________________________________________
Profa. Dra. Evelyse dos Santos Lemos – FIOCRUZ
______________________________________________________
Profa. Dra. Victoria Maria Brant Ribeiro Machado – UFRJ
Dedico este trabalho à memória de meu pai
que, pelo seu exemplo, sempre me incentivou
a perseverar e a acreditar que tudo é possível,
quando se tem determinação.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho e,
em especial:
Ao apoio de minha família que soube compreender meus momentos de ausência e
particularmente a João Carlos, meu amado marido, por seu amor, sua paciência e confiança; a
Mariana, minha filha, sobretudo por suas contribuições nas revisões de português e inglês; a
João Victor, meu filho, por todo o carinho demonstrado ao longo deste trabalho; a minha mãe,
por estar sempre a meu lado, pronta a me ajudar, incentivando-me e fornecendo-me a
tranquilidade necessária para essa empreitada
À minha orientadora, Profa. Miriam Struchiner que acreditou nesse projeto e que, com sua
paciência, profissionalismo e competência, ensinou-me a dar os primeiros passos no meio
acadêmico.
À professora Taís Giannella e demais companheiros do Laboratório de Tecnologias
Cognitivas (LTC) que tão carinhosamente me acolheram.
Aos meus colegas anestesiologistas do HUCFF/UFRJ e do HUPE/UERJ que me ajudaram nos
momentos em que precisei ausentar-me para cumprir com minhas tarefas e compromissos do
mestrado.
Aos meus colegas da pós-graduação do NUTES, sempre dispostos a trocar experiências,
proporcionando alguns poucos, mas importantes e agradáveis, momentos de convivência, que
ajudaram a amenizar o peso da jornada.
Aos alunos de Medicina e, em especial, aos participantes desta pesquisa, que foram a
motivação para que tudo isso acontecesse.
À professora Victoria Brant por ter me apresentado os princípios da Educação e aceitado
prontamente participar de minha banca de qualificação e defesa.
À amiga Elizabeth Leher, pelo incentivo e por ser a primeira a acreditar que eu conseguiria
chegar até aqui.
À professora Evelyse dos Santos Lemos, por aceitar participar de minha qualificação, muito
contribuindo para o desenvolvimento deste trabalho e por participar, também, da banca de
defesa.
Ao professor Carlos Otávio Fiúza Moreira, por suas considerações em relação ao presente
trabalho.
―Há uma coisa pela qual estou pronto a lutar,
até onde puder, em palavras e atos: devemos
ser homens melhores, mais corajosos e mais
ativos, se acreditarmos ser correto buscar algo
que não conhecemos, do que o seríamos se
acreditássemos que não há um porque nessa
busca, já que nunca poderemos descobrir o que
não conhecemos‖ (SÓCRATES, apud
SCHÖN, 2000, p.74)
RESUMO
MAIA, Mirian Vieira. O Portfólio Reflexivo Eletrônico na Educação Médica: uma análise da
experiência do internato eletivo em Anestesiologia com base na Teoria da Aprendizagem
Significativa. Rio de Janeiro, 2013. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e
Saúde) - Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
O presente estudo constitui-se em uma pesquisa-intervenção que teve como objetivos
investigar, na perspectiva da Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) de Ausubel e
Novak (AUSUBEL, NOVAK, HANESIAN, 1978; AUSUBEL, 2000; NOVAK e GOWIN,
1998), o processo de aprendizagem, mediado pelo uso do Portfólio Reflexivo Eletrônico
(PRE) (ALVES, 2004; GRANT e DORNAN, 2001; ALVES, 2002; SILVA e SÁ-CHAVES,
2009; YANCEY, 1996) na educação médica, com base na experiência de uso da ferramenta
por dez alunos do internato eletivo em Anestesiologia do Hospital Universitário Clementino
Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nesse contexto, o
PRE consiste em narrativas elaboradas pelos alunos e que, semanalmente, são inseridas por
eles na plataforma virtual Constructore (ltc.nutes.ufrj.br/constructore), com o objetivo de
acompanhar o processo de aprendizagem. Após análises dos portfólios, são elaborados
comentários pela preceptoria, que também são inseridos na plataforma. Na pesquisa, foram
utilizados métodos qualitativos e quantitativos para investigar o papel do PRE sobre a prática
reflexiva e sobre o processo de aprendizagem, além de conhecer as percepções dos alunos
sobre o PRE e sobre como as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) contribuíram
nesse processo. Para alcançar esses objetivos, foram coletados dados dos portfólios dos alunos
e das entrevistas semi-estruturadas realizadas com eles. Os dados foram analisados com base
na metodologia da análise de conteúdo do tipo temática (BARDIN, 2009). Para investigar a
aprendizagem significativa (AS) nas narrativas, foi utilizada uma adaptação da tipologia
proposta por Vitale e Romance (2000). Ela se baseia na avaliação das articulações conceituais
feitas pelos alunos para representar e qualificar seus conhecimentos. Os resultados
encontrados sugerem que o PRE, aliado à concepção pedagógica da TAS, pode ser uma
ferramenta que possibilita a prática reflexiva, sendo adequado não só à representação, como
também ao acompanhamento do aprendizado do aluno. Além disso, o PRE permitiu
evidenciar e qualificar o processo de AS, sendo evidenciados processos de AS desde níveis
mais simples até de maior complexidade, segundo as categorias hierárquicas da tipologia de
Vitale e Romance. A ferramenta também demonstrou potencial para facilitar o processo de
AS do aluno, uma vez que foi possível identificar, nas narrativas, processos recursivos e
intencionalidade do aluno em aprender. Em relação à percepção dos alunos sobre o uso do
PRE, de modo geral, apesar de considerarem muito trabalhosa a sua elaboração, todos
perceberam variados aspectos pedagógicos positivos no uso da ferramenta, tais como:
contribuição para a aprendizagem; estímulo à prática reflexiva; avaliação individualizada do
aluno; organização da aprendizagem; demonstração da visão dos alunos sobre seu
aprendizado; melhor conhecimento do aluno pelo professor; oportunidade para os alunos
expressarem seus pensamentos. Sobre o papel das TICs, os alunos consideraram que as
atividades e recursos oferecidos contribuíram estimulando a iteratividade e a autonomia dos
alunos quanto ao seu processo de aprendizagem. Em síntese, as análises dos resultados
encontrados sugerem que a ferramenta pode facilitar a construção de um conhecimento
significativo, contribuindo para melhorar o processo educacional.
Palavras-chave: Portfólio. Reflexão. Aprendizagem Significativa. Tecnologias da Informação
e Comunicação. Educação Médica. Anestesiologia.
ABSTRACT
MAIA, Mirian Vieira. O Portfólio Reflexivo Eletrônico na Educação Médica: uma análise da
experiência do internato eletivo em Anestesiologia com base na Teoria da Aprendizagem
Significativa. Rio de Janeiro, 2013. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e
Saúde) - Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
This study consists of an intervention research that aimed to investigate, from the
perspective of Ausubel and Novak’s Meaningful Learning Theory (MLT) (AUSUBEL,
NOVAK, HANESIAN, 1978; AUSUBEL, 2000; NOVAK e GOWIN, 1998), the learning
process, mediated by the use of the Reflective Electronic Portfolio (REP) (ALVES, 2004;
GRANT and DORNAN, 2001; ALVES, 2002; SILVA and SÁ-CHAVES, 2009; YANCEY,
1996) in medical education, based on the experience in the use of the tool by ten students
from the elective internship in Anesthesiology of Hospital Universitário Clementino Fraga
Filho – Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ). REP consists of narratives
produced by students and inserted by them weekly in the Constructore virtual platform
(ltc.nutes.ufrj.br/constructore), in order to follow the learning process. After analyzing the
portfolios, the preceptory elaborates comments, which are also included in the platform. In the
research, qualitative and quantitative methods were used to investigate the role of REP on the
reflective practice and the learning process, and also to understand students’ perceptions about
the REP and how Information and Communication Technology (ICT) contributed in this
process. To achieve these goals, data were collected from the students' portfolios and the
semi-structured interviews with them. Data were analyzed using the analysis of content of the
thematic type methodology (Bardin, 2009). To investigate meaningful learning (ML) in the
narratives, Vitale and Romance’ tipology was adapted (VITALE e ROMANCE, 2000). It is
based on the evaluation of conceptual links that the students did to represent and qualify their
knowledge. The results suggest that the REP, when involved with the pedagogical concept of
MLT, can be a tool that enabled the reflective practice and is suitable not only for
representation, but also for accompanying student learning. In addition, the REP has made it
possible to highlight and qualify some students’ ML process, being evidenced ML processes
levels from the simplest to the most complex, according to the hierarchical categories of
Vitale and Romance’s typology. The tool also demonstrated potential to facilitate the
student’s ML process, since it was possible to identify, in the narratives, recursive processes
and student’s learning intentionality. Regarding students' perceptions about the use of REP in
general, although considering its preparation laborious, all students identified various positive
pedagogical aspects in the use of the tool, such as: contribution to learning; encouragement of
reflective practice; individualized assessment of the student; better learning organization;
demonstration of the students’ self perceptions of learning; better knowledge of the student by
the teacher; opportunity of the students to express their thoughts. On the role of ICT, students
felt that the activities and resources heve stimulating interactivity and students’ autonomy on
their learning process. In summary, analysis of the results suggest that PRE can facilitate the
construction of meaningful knowledge, helping to improve the educational process.
Keywords: Portfolio. Information and Communication Technologies. Reflection. Meaningful
Learning Theory. Medical Education. Anesthesiology.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AS Aprendizagem Significativa
AVA Ambiente Virtual de Aprendizagem
BIS Índice Bi-Espectral
BNM Bloqueador Neuromuscular
CAM Concentração Alveolar Mínima
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais
HUCFF Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
IOT Intubação Oro-traqueal
LCE Laboratório de Currículo e Ensino
LTC Laboratório de Tecnologias Cognitivas
NUTES Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
PNV Profilaxia de náuseas e vômitos
PRE Portfólio Reflexivo Eletrônico
RCP Reanimação Cardiopulmonar
RPA Recuperação Pós-Anestésica
SBA Sociedade Brasileira de Anestesiologia
TAS Teoria da Aprendizagem Significativa
TICs Tecnologias de Informação e Comunicação
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 O continuum aprendizagem mecânica-aprendizagem significativa 28
Figura 2 Ilustração das duas dimensões de aprendizagens 29
Figura 3 Mapa conceitual (modificado) com os cinco elementos de Novak 36
Figura 4 Modelo de Sistema de Tutoria Inteligente como arquitetura
para um Modelo de Ensino de Ciências
37
Figura 5 Arquitetura do Modelo IDEAS de Ciências 38
Figura 6 Tipologia de Avaliação para o modelo IDEAS de Ciências 40
Figura 7 Modelo geral de ensino articulando instrução e atividades 41
Figura 8 Componente do modelo de ensino com as especificações de
desempenho do aluno
42
Figura 9 Modelo do Programa do Internato em Anestesiologia 93
Figura 10 Ambiente do curso Anestesiologia para o Internato na plataforma
Constructore
97
Figura 11 Interface do formulário destinado ao portfólio no ambiente do curso 97
Figura 12 Áreas envolvidas na elaboração do portfólio 104
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Principais ênfases do Construtivismo apresentadas nos estudos 72
Quadro 2 Potencialidades das TICs citadas nos estudos 74
Quadro 3 Objetivos pedagógicos e contextos de uso do PRE identificados
nos estudos
75
Quadro 4 Temas teóricos do programa do Internato Eletivo em
Anestesiologia e atividades de ensino correspondentes
95
Quadro 5 Categorias relacionadas ao conteúdo dos portfólios propriamente
dito e seus respectivos indicadores
105
Quadro 6 Categorias relacionadas ao processo de elaboração do PRE e seus
respectivos indicadores
108
Quadro 7 Categorias relacionadas às percepções dos alunos sobre a
experiência de uso do PRE e seus indicadores
110
Quadro 8 Indícios de prática reflexiva na elaboração do PRE 113
Quadro 9 Eventos e principais articulações teóricas simples estabelecidas
pelos alunos
130
Quadro 10 Evidências de AS sugerindo prognóstico para o evento descrito 135
Quadro 11 Evidências de articulações teóricas para explicar eventos
observados pelos alunos
136
Quadro 12 Indícios de intencionalidade para aprender 143
Quadro 13 Processo de elaboração do PRE pelos alunos 144
Quadro 14 Percepções dos alunos sobre uso do PRE 145
Quadro 15 Percepções dos alunos sobre as contribuições das TICs 150
Quadro 16 Quadro analítico sobre o PRE de cada aluno 154
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Procedimentos e desempenhos dos alunos 118
Tabela 2 Desempenho individual dos alunos nos procedimentos
conforme conteúdo do PRE
120
Tabela 3 Temas teóricos abordados pelos alunos nos portfólios 122
Tabela 4 Frequência de citações nos portfólios sobre temas teóricos vivenciados
nas práticas
129
Tabela 5 Frequência de relatos de evidências de AS correspondentes a cada
categoria hierárquica
138
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 17
1.1 O PROBLEMA 18
1.2 O OBJETO DE PESQUISA 21
1.3 OBJETIVOS 22
1.4 ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA 22
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 24
2.1 O ENSINO E AS PERSPECTIVAS CONSTRUTIVISTAS 24
2.2 APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DE AUSUBEL 27
2.3 APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA SEGUNDO NOVAK 31
2.4 IMPLICAÇÕES DA TEORIA DA APRENDIZAGEM
SIGNIFICATIVA (TAS) PARA O ENSINO
34
3 EDUCAÇÃO MÉDICA 44
3.1 MODELOS DE EDUCAÇÃO MÉDICA NO BRASIL 44
3.2 O PARADIGMA DA INTEGRALIDADE E A REALIDADE DA
FORMAÇÃO MÉDICA
52
3.3AS POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA PARA A MUDANÇA NA
EDUCAÇÃO MÉDICA
59
4 O PORTFÓLIO REFLEXIVO ELETRÔNICO (PRE) 62
4.1 CONCEITUAÇÕES E ASSOCIAÇÃO ÀS TECNOLOGIAS DE
INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TICs)
62
4.2 REVISÃO DE LITERATURA SOBRE USO DO PORTFÓLIO
REFLEXIVO ELETRÔNICO NA EDUCAÇÃO MÉDICA
71
4.2.1 Princípios Norteadores 72
4.2.2 Contribuições das TICs 73
4.2.3 Possibilidades Pedagógicas de uso do PRE na Educação Médica 75
4.3 O PROCESSO DO PORTFÓLIO REFLEXIVO ELETRÔNICO
PELA PERSPECTIVA DA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA (AS)
83
4.3.1 O Portfólio como ferramenta de avaliação da AS 84
4.3.1.1 Estrutura 84
4.3.1.2 Procedimentos 85
5 METODOLOGIA 87
5.1 DESENHO METODOLÓGICO DO ESTUDO 88
5.2 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS 91
5.2.1 Análise do programa teórico-prático do internato eletivo em
Anestesiologia
91
5.2.1.1 Objetivos do programa 91
5.2.1.2 Os Conceitos Centrais 94
5.2.1.3 O Programa Teórico propriamente dito 94
5.2.1.4 Domínios de Avaliação 95
5.2.1.5 Atividades desenvolvidas pelos alunos 96
5.2.1.6 Especificações de desempenho baseadas em conhecimento 98
5.2.1.7 Evidências de aprendizagem significativa 98
5.2.2 Sujeitos da pesquisa 98
5.2.3 Procedimentos para coleta de dados 100
5.2.3.1 Momento 1 – leituras dos portfólios 100
5.2.3.2 Momento 2 – entrevistas com os internos participantes 101
5.2.4 Procedimento de análise dos dados 103
5.2.4.1 Análises dos dados dos conteúdos dos portfólios 104
5.2.4.1.1 Acompanhamento do aprendizado de conhecimentos
procedimentais
105
5.2.4.1.2 Temas e/ou eventos considerados relevantes pelo aluno 106
5.2.4.1.3 Recursividade 106
5.2.4.1.4 Evidências de aprendizagem significativa 106
5.2.4.2 Análise dos dados relacionados ao processo de elaboração
dos portfólios
107
5.2.4.2.1 Intencionalidade para aprender significativamente 108
5.2.4.2.2 Reflexão na organização para elaboração do PRE 109
5.2.4.2.3 Tempo destinado à elaboração do PRE 109
5.2.4.3 Análise dos dados referentes às percepções dos alunos sobre a
elaboração do PRE
110
5.2.4.3.1 Percepções dos alunos sobre o uso pedagógico do PRE 110
5.2.4.3.2 Percepções dos alunos sobre as contribuições das TICs 110
5.2.4.3.3 Percepções dos alunos sobre o Ambiente Virtual de
Aprendizagem (AVA)
110
5.2.4.3.4 Percepções dos alunos sobre a plataforma Constructore 111
5.2.5 Procedimentos de análise dos resultados encontrados 111
6 RESULTADOS E ANÁLISES 112
6.1 O PAPEL DO PRE SOBRE A PRÁTICA REFLEXIVA 112
6.2 O PRE COMO FERRAMENTA DE REPRESENTAÇÃO DO
PROCESSO DE APRENDIZAGEM
116
6.2.1 Aprendizado de conhecimentos procedimentais 117
6.2.2 Aprendizado teórico 121
6.2.3 Evidências de aprendizagem significativa 130
6.2.3.1 Articulação simples 130
6.2.3.2 Prognóstico 134
6.2.3.3 Articulação conceitual para explicar evento 136
6.3 PRE COMO FERRAMENTA DE FACILITAÇÃO DA
APRENDIZAGEM
139
6.3.1 Recursividade 139
6.3.2 Intencionalidade para aprender 142
6.4 O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PRE 143
6.5 PERCEPÇÕES DOS ALUNOS SOBRE A ELABORAÇÃO DO PRE 144
6.5.1 Aspectos positivos 146
6.5.2 Aspectos limitantes 149
6.6 CONTRIBUIÇÕES DAS TICs E PERCEPÇÕES SOBRE O AVA 150
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 155
REFERÊNCIAS 164
APÊNDICES 174
ANEXOS 177
17
1 INTRODUÇÃO
O grande avanço do conhecimento científico e da tecnologia foi responsável por uma
mudança no ensino médico, desviando o seu eixo para a formação de profissionais cada vez
mais especializados (ALBUQUERQUE et al, 2009). Esse desvio resultou em um modelo de
ensino verticalizado, com fragmentação do conteúdo e com a centralização do processo de
ensino/aprendizagem na figura do professor especialista (ALBUQUERQUE et al, 2009). Essa
construção do ensino médico privilegiou a excessiva especialização, o uso intensivo da
tecnologia, os altos custos de procedimentos diagnósticos e terapêuticos, mas não tem sido
capaz de atender às demandas básicas de saúde de grande parte da população brasileira. Para
Ramos (2010), esse modelo tradicional de ensino, mesmo que tenha possibilitado um
desenvolvimento científico e tecnológico na saúde, também comprometeu a organização, o
financiamento e os resultados dos serviços de saúde. Diversos são os problemas já
evidenciados no processo de ensino e de aprendizagem no contexto da educação médica.
Dentre eles, estão: formação inadequada dos professores para atividades de docência e de
investigação, produção de conhecimentos insuficiente, currículos arcaicos, carga horária
excessiva, dissociação entre teoria e prática, dissociação entre ciclo básico e o clínico,
formação que favorece a utilização indiscriminada de tecnologia e prática profissional
impessoal e descontextualizada etc (FEUERWERKER, 2002). Os problemas decorrentes
desse modelo tradicional de ensino contribuíram para a precária disponibilidade de médico
generalista, com uma visão ética, humanística e que esteja preparado para prestar cuidados de
forma contínua e resolutiva aos pacientes (ALBUQUERQUE et al, 2009).
Com base nessas considerações, inúmeros trabalhos (ALMEIDA et al, 2007; CECCIM
e CARVALHO, 2006; AMORETTI, 2005; LAMPERT, 2002, 2001; FEUERWERKER,
2002) e diversos fóruns do meio acadêmico discutem a necessidade de realizar mudanças
nesse modelo de ensino, que ainda impera em nossas universidades. Porém, para possibilitar a
transformação necessária na formação, é preciso que haja mudança não só no campo da
educação, mas também no social e na saúde (RAMOS, 2010).
Pelo exposto, percebe-se a complexidade do processo de formação médica, tornando-
se um grande desafio elaborar propostas que levem às melhorias exigidas nessa formação.
Várias escolas médicas estão implantando mudanças em seus currículos (LIMA, KOMATSU
e PADILHA, 2003; CYRINO e PEREIRA, 2004), aderindo às novas metodologias de ensino
(BRACCIALLI, 2008; CYRINO E PEREIRA, 2004), investindo em tecnologias educacionais
(PEZZI, 2008), com o objetivo de, por meio de inovações, promover as melhorias esperadas.
18
Todas essas ações são importantes, porém, são necessários embasamento científico e
comprometimento de todos os atores envolvidos no processo educacional para que possa
orientar as tomadas de decisões (MARIN, 2010). Para compreensão do fenômeno educativo, é
fundamental a integração da Educação com outras áreas do conhecimento, tais como
Psicologia, Filosofia, Sociologia, Antropologia, Genética e Medicina (LIMA, 1990).
Assim, essas considerações iniciais nortearam o desenvolvimento da pesquisa que aqui
é apresentada.
1.1 O PROBLEMA
No ano de 2010, o grupo de preceptores formado pela pesquisadora e outros três
médicos do Serviço de Anestesiologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
(HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), após concluir o curso de
formação pedagógica para o internato médico, organizado pelo Laboratório de Currículo e
Ensino (LCE) do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (NUTES) da UFRJ,
decidiu estudar a possibilidade de implantação de mudanças no processo de ensino e
aprendizagem para os alunos do Internato Eletivo de Anestesiologia.
Pela análise do Programa Pedagógico do Internato vigente àquela época e baseados
nas vivências junto aos alunos, foram identificados diversos problemas nesse contexto
educacional, tais como: falta de comunicação entre a Faculdade de Medicina e o Serviço de
Anestesiologia, em relação ao encaminhamento dos respectivos internos, o que acarretava
uma série de discrepâncias e dificuldades no acolhimento destes; desinteresse bilateral, tanto
dos internos quanto dos membros do Serviço, devido à falta de definição clara sobre quais
eram as atribuições dos alunos no contexto das atividades diárias; impossibilidade em
controlar as atividades dos internos; falta de um conteúdo programático mínimo a ser
desenvolvido, pois eram oferecidas apenas algumas aulas teóricas expositivas, que se
repetiam a cada período, praticamente sem inovações; forma de avaliação utilizada que
limitava-se a uma prova de avaliação de conhecimento, ao final do internato, que gerava uma
nota para a aprovação do interno; ausência de uma avaliação do internato eletivo por parte dos
internos. Diante dessas observações, considerou-se que aquele programa pedagógico era
insuficiente para que os alunos alcançassem uma aprendizagem adequada, no sentido de
contribuir para a formação de um perfil profissional com as características recomendadas
pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina (DCN)
(BRASIL, 2001).
19
Com base nessas considerações e no aprendizado adquirido no Curso de Capacitação
Pedagógica para Formação de Preceptores do Internato Médico, foi elaborado e
implementado um programa de intervenção para o Internato Eletivo em Anestesiologia do
HUCFF/UFRJ. Ele consiste em: nova forma de acolhimento e recepção dos alunos,
estabelecimento dos objetivos específicos para o internato eletivo, organização de um
programa mínimo que obedeça aos objetivos determinados, utilização de metodologias mais
adequadas no desenvolvimento de conteúdos e de avaliação. A organização pedagógica do
programa é apresentada no capítulo 5 do presente trabalho.
O portfólio foi adotado pelo programa como um instrumento de aprendizagem, uma
vez que ele vem sendo apontado na literatura como adequado a esse objetivo (ALVES, 2004;
ALVES, 2002; SILVA e SÁ-CHAVES, 2009; YANCEY, 1996; STRUCHINER e
GIANNELLA, 2005, DEPRESBITERIS, 2001).
Estudos também descrevem diversas vantagens na associação das tecnologias de
informação e comunicação (TICs) ao portfólio, sugerindo que podem potencializar seus
objetivos pedagógicos (PARBOOSINGH, 1996; BRIDGE e EDDY, 2006; RUIZ et al, 2009).
Portanto, como parte da estratégia pedagógica do programa implementado e com o objetivo
de dinamizar o processo ensino aprendizagem, utilizam-se atividades de ensino
semipresencial, por meio da plataforma Constructore, elaborada pelo Laboratório de
Tecnologias Cognitivas (LTC) do NUTES/UFRJ (ltc.nutes.ufrj.br/constructore). A utilização
da ferramenta virtual tem como objetivos: melhorar a interação entre os alunos, entre
preceptores e alunos e entre os próprios preceptores; disponibilizar informações que ajudem
no processo de aprendizado, facilitando o acesso dos alunos a essas informações, pois podem
consultá-las quando e onde desejarem; estimular a busca por outras fontes de informações na
Internet, por meio de links disponibilizados na ferramenta; criar fóruns de discussões que
permitam interação do aluno com preceptores e demais colegas, ampliando, dessa forma, seu
conhecimento por meio da colaboração de todos e tendo oportunidade de refletir sobre as
questões levantadas sob outras perspectivas e opiniões; facilitar o acompanhamento do
desenvolvimento do interno por meio de suas participações nas atividades propostas; facilitar
a elaboração do portfólio; facilitar a elaboração de feedback da preceptoria para o aluno;
permitir a consulta a todo material inserido e desenvolvido na plataforma, quando se desejar;
observar se o objetivo de aprender a aprender está sendo estimulado e alcançado; além de
utilizar canais para facilitação de comunicação entre os preceptores, via e-mail específico no
Constructore, permitindo que o contato possa ser até mesmo diário entre todos os envolvidos
nas atividades do internato.
20
O objetivo da implementação desse novo programa pedagógico foi contribuir para que
o aluno desenvolva habilidades, conhecimento técnico-científico e um perfil profissional mais
crítico e reflexivo. Por isso, ao final de cada semestre, passou a ser feita uma reavaliação do
programa, baseada nas percepções dos preceptores, nos desempenhos dos alunos e nas
avaliações do curso feitas pelos internos ao final do período. Com base nessa discussão,
procede-se à necessária mudança, objetivando alcançar resultados melhores no próximo
período.
Desde a adoção do programa, o uso do portfólio vem passando por mudanças
gradativas, da seguinte forma: na primeira turma (com oito alunos, de agosto a novembro de
2010) em que o novo programa foi implementado, o portfólio era escrito em papel e utilizado
mais como um instrumento de controle de frequência do aluno ao Serviço; na segunda turma
(com 10 alunos, de março a junho de 2011), o portfólio passou a ter uma forma eletrônica,
porém, continuou a ser utilizado como um instrumento de controle de frequência; na terceira
turma (com nove alunos, de agosto a novembro de 2011), o portfólio eletrônico passou a ser
utilizado como um instrumento de acompanhamento do processo de aprendizagem, sendo
solicitado aos alunos que realizassem reflexões prévias sobre como estava ocorrendo esse
processo de aprendizagem e procurassem demonstrar em suas narrativas ―como‖ e ―o que‖
eles estavam aprendendo; na quarta turma (com quatro alunos, de março a junho de 2012), o
portfólio eletrônico passou a ser proposto como uma ferramenta de facilitação da
aprendizagem, sendo os alunos orientados a selecionarem o que considerassem mais relevante
para seu próprio aprendizado, refletissem sobre a questão selecionada de sua vivência prática,
articulassem com os conceitos teóricos já conhecidos por eles e elaborassem as narrativas,
tentando evidenciar seu aprendizado e como ele estava ocorrendo. Assim, buscando-se dar
maior enfoque sobre a importância da reflexão nesse processo, esse instrumento pedagógico
passou a ser denominado portfólio reflexivo eletrônico (PRE), sendo utilizado não só para o
acompanhamento do processo de aprendizagem, como também para a mediação no
desenvolvimento do ―aprender a aprender‖, com o objetivo de facilitar a aprendizagem
significativa dos futuros médicos sobre os conhecimentos básicos para sua formação.
Ao analisar as narrativas elaboradas pelos alunos e que, semanalmente, são inseridas
por eles na Plataforma Constructore, são observados os seguintes pontos: conteúdo das
narrativas; materiais didáticos utilizados pelos alunos para elaboração das narrativas; forma de
apresentação e de organização de suas ideias; presença de articulações entre os conhecimentos
teóricos e a prática; relatos de realizações dos procedimentos técnicos básicos; falhas que
possam estar ocorrendo nesse processo de aprendizado. Em síntese, o objetivo é perceber se
21
há indícios de evolução da aprendizagem significativa e se o objetivo de aprender a aprender
está sendo alcançado. Após análises dos portfólios, são elaborados comentários pela
preceptora que também são inseridos na plataforma, pois o objetivo é que esse seja um
processo dialógico, sendo fundamental esse feedback. Dessa forma, espera-se que o
acompanhamento do aprendizado do aluno e de seu progresso possa ocorrer continuamente,
permitindo correções e auto-avaliações, ainda com o processo em curso.
A utilização do portfólio na prática do internato também foi um processo de formação
docente e que gerou na preceptora e pesquisadora alguns questionamentos em relação ao seu
uso pedagógico nesse contexto, tais como: ele pode contribuir para a melhoria do processo
educacional, particularmente dos graduandos de Medicina, frente às necessidades de
mudanças na Educação Médica, discutidas em diversos trabalhos e fóruns sobre o assunto? Se
contribui, de que forma se dá essa contribuição?
1.2 OBJETO DA PESQUISA
Diante das discussões envolvendo as necessidades de mudanças na educação médica
fica claro que devem ser criadas, durante a graduação, condições que contribuam para a
formação de um profissional com formação básica adequada, que seja crítico, reflexivo e com
conhecimento que o instrumentalize a atuar em diversas situações com os mais variados
níveis de complexidade. Para isso, é fundamental que os atores envolvidos nesse processo de
formação se apropriem de concepções pedagógicas que permitam essa transformação. É
necessário, também, que se busquem alternativas pedagógicas que estimulem o
desenvolvimento de tais características ao longo da formação profissional e que,
simultaneamente, possam permitir ao aluno a construção de um conhecimento com
significado.
Assim, assumiu-se a Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) como concepção
pedagógica norteadora para a análise do programa teórico-prático implantado no internato de
Anestesiologia que tem o portfólio reflexivo eletrônico como foco, por considerar que seus
princípios constituem um referencial essencial para o ensino e para a pesquisa. Na perspectiva
de Ausubel (2000), para que a aprendizagem seja significativa, é necessário que o conteúdo
ensinado relacione-se, de forma não arbitrária e substantiva, a conhecimentos prévios do
aluno, que este tenha a intencionalidade de aprender significativamente e seja capaz de
atribuir significado próprio ao que está assimilando, cabendo ao professor a função de
estimular que a aprendizagem ocorra.
22
Com a proposta de investigar esse processo de ensino aprendizagem pela perspectiva
da TAS, optou-se por formular o objeto da pesquisa nos seguintes termos: ―Investigação das
narrativas dos alunos e suas percepções sobre o papel do portfólio eletrônico como facilitador
da reflexão, do processo de construção da AS, e como instrumento de evidenciação da AS‖.
1.3 OBJETIVOS
Os objetivos da pesquisa são: analisar a influência do programa pedagógico
implementado, e especificamente do PRE, no desenvolvimento da prática reflexiva e no
processo de construção da AS.
Esperando-se encontrar subsídios que permitissem analisar e discutir, pela perspectiva
da TAS, as possíveis contribuições do PRE sobre a construção do conhecimento pelo aluno,
foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: a) analisar a influência dessa
ferramenta no processo de uma prática reflexiva, b) observar a possibilidade de
acompanhamento do aprendizado do aluno por meio dela, c) avaliar se a aprendizagem
significativa (AS) pode ser evidenciada pelo PRE; d) analisar seu papel na facilitação da
construção do aprendizado do aluno, e) conhecer o processo de elaboração do PRE pelos
alunos, f) conhecer as percepções destes sobre o uso do PRE e sobre as contribuições das
TICs nesse processo.
1.4 ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA
O presente trabalho está organizado da seguinte forma:
Nesse capítulo 1, é apresentado o problema que originou o interesse pela pesquisa, o
objeto de estudo e seus objetivos.
No capítulo 2, são apresentados os pressupostos teóricos que fundamentaram esse
estudo. As análises sobre as questões que permeiam esse tema conduziram o estudo para a
área da Educação, para o campo do Ensino e suas relações com outras áreas do conhecimento,
particularmente, da Psicologia da Educação. Por meio desses estudos, a visão construtivista
constituiu-se como a base para o desenvolvimento dessa pesquisa, tendo como referencial a
Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS), pela perspectiva de Ausubel (AUSUBEL,
NOVAK e HANESIAN, 1978; AUSUBEL, 2000) e Novak (NOVAK e GOWIN, 1998). São
apresentadas as implicações da TAS para o ensino e estratégias para facilitar e acompanhar o
processo de aprendizagem significativa (AS).
23
No capítulo 3, por meio de uma síntese sobre a trajetória dos modelos de Educação
Médica no Brasil, são levantadas algumas questões que evidenciam a dimensão da
complexidade do tema e que permitem se ter uma visão macropolítica da problemática. É
apresentada a realidade do internato médico em geral e do internato eletivo em
Anestesiologia. Dentre as diversas iniciativas que impulsionaram a implantação do novo
modelo proposto para a Educação Médica, estão as Diretrizes Curriculares Nacionais do
Curso de Graduação em Medicina (DCN), instituídas em 2001 pelo Ministério da Educação,
por meio do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2001), como forma de incentivar e
orientar novas formas de organização curricular e articulação entre ensino e serviços. Discute-
se, também, o que deve ser ensinado ao estudante de medicina e, diante das questões
abordadas, analisa-se como a TAS pode contribuir nesse processo de mudança.
No capítulo 4, são apresentadas as conceituações sobre PRE, suas contribuições para o
processo ensino aprendizagem, seguido de uma revisão de literatura sobre o uso desse
instrumento pedagógico no contexto da Educação Médica. Esses estudos sobre como o
portfólio eletrônico vem sendo utilizado e pesquisado no campo da Educação Médica,
permitiram observar que princípios norteadores os pesquisadores vêm utilizando, quais têm
sido as principais contribuições das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e que
possibilidades de uso pedagógico do PRE os pesquisadores têm empregado. Ainda nesse
capítulo, buscou-se explicar, pela perspectiva da TAS, como se insere a proposta de utilização
do PRE como ferramenta pedagógica que atenda às necessidades de mudanças no contexto da
educação médica, utilizando-se o modelo proposto por Vitale e Romance (2000) para o
planejamento pedagógico de uso do portfólio para avaliação da AS.
No capítulo 5, apresenta-se o desenho metodológico do estudo e os instrumentos e
procedimentos utilizados no desenvolvimento da pesquisa, tendo, como sujeitos do estudo, os
alunos matriculados nesse internato no período entre agosto de 2011 e junho de 2012; como
objeto de análise, o programa pedagógico implantado tendo como foco os portfólios
reflexivos eletrônicos elaborados pelos alunos; e, como fonte de coleta de dados, as narrativas
dos portfólios e os depoimentos das entrevistas com os internos. É apresentada, também, a
análise do programa, pela perspectiva da TAS, utilizando-se uma adaptação do modelo
proposto por Vitale e Romance (2000).
No capítulo 6, são apresentados e analisados os resultados das investigações sobre o
uso dos portfólios no contexto estudado, com base nos conteúdos dos portfólios elaborados
pelos alunos participantes da pesquisa e em seus depoimentos nas entrevistas realizadas.
No capítulo 7, são apresentadas as discussões e considerações finais.
24
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 O ENSINO E AS PERSPECTIVAS CONSTRUTIVISTAS
A educação deve ser capaz de desencadear uma visão do todo — de
interdependência e de transdisciplinaridade —, além de possibilitar a construção de
redes de mudanças sociais, com a conseqüente expansão da consciência individual e
coletiva. Portanto, um dos seus méritos está, justamente, na crescente tendência à
busca de métodos inovadores, que admitam uma prática pedagógica ética, crítica,
reflexiva e transformadora, ultrapassando os limites do treinamento puramente
técnico, para efetivamente alcançar a formação do homem como um ser histórico,
inscrito na dialética da ação-reflexão-ação (MITRE, 2008, p. 2134).
Compartilhando dessa visão de Mitre (2008) sobre a necessidade de busca de práticas
pedagógicas inovadoras, percebe-se que a contribuição da Psicologia foi muito importante,
pois representou um grande impacto para a Educação ao tratar de questões relativas à
aprendizagem e ao comportamento humano. Isso permitiu que educadores e pedagogos
adquirissem conhecimentos que muito os orientou em seus processos educacionais (LIMA,
1990).
No Brasil, segundo Lima (1990), a relação Psicologia-Pedagogia foi influenciada por
diversas correntes, desde a teoria piagetiana, as teorias sócio-interacionistas de Vygotsky, até
as mais tradicionais da Psicometria e do Behaviorismo. Lima (1990) considera relevante para
a Educação no Brasil, a questão de sua relação com a Psicologia ter surgido não da realidade
brasileira propriamente dita, e sim de modelos educacionais de outros países desenvolvidos,
com seus pressupostos teóricos constituídos em determinado período histórico. Considera
ainda que:
com o advento do modelo norte-americano de educação, nós apenas refletimos o
percurso norte-americano da influência psicológica na ação de ―ensinar e aprender‖
e que ―o advento da Psicologia soviética na Psicologia brasileira ligada à Educação não surgiu por iniciativa nossa puramente, mas reflete a recuperação de Vygotsky
pela Psicologia norte-americana da mesma forma que nossa visão piagetiana na
Educação (LIMA, 1990, p. 4-5).
As teorias de aprendizagens construtivistas defendem que a aprendizagem é um
processo social e ativo e que os aprendizes constroem seus conhecimentos por meio de suas
experiências pessoais em interação social com outros (ZHANG, OLFMAN, FIRPO, 2010).
Partindo dessa premissa é que a proposta do Portfólio Reflexivo Eletrônico se insere, como
uma ferramenta facilitadora do processo de aprendizagem dentro da perspectiva
construtivista.
25
Construtivismo significa isto: a ideia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de
que, especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo
terminado. Ele se constitui pela interação do Indivíduo com o meio físico e social,
com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; e se constitui por
força de sua ação e não por qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária ou no
meio, de tal modo que podemos afirmar que antes da ação não há psiquismo nem
consciência e, muito menos, pensamento (BECKER, 1994, p. 88-89).
Analisando etimologicamente o termo ―construtivismo‖ é possível estabelecer a
origem do verbo ―construir‖ do latim ―struere”, que significa organizar, dar estrutura
(CASTAÑON, 2005).
O psicólogo Jean Piaget foi quem primeiro introduziu o termo ―construtivismo‖ na
Psicologia, porém, abordagens teóricas relacionadas a diferentes correntes em áreas como a
própria Psicologia, a Educação, a Sociologia e outras vêm se apropriando desse termo, das
mais diferentes formas, o que dificulta uma definição básica (CASTAÑON, 2005).
Piaget considerava que
O desenvolvimento mental é uma construção contínua, comparável à edificação de um grande prédio que, à medida que se acrescenta algo, ficará mais sólido, ou à
montagem de um mecanismo delicado, cujas fases gradativas de ajustamento
conduziram a uma flexibilidade e uma mobilidade das peças tanto maiores quanto
mais estável se tornasse o equilíbrio (PIAGET, 1967, p. 12).
Já Vygotsky, além de considerar que o desenvolvimento mental é construído, defendia
que ele é resultante de um adequado aprendizado, conforme em:
...o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e
põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma,
seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e
universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente
organizadas e especificamente humanas (VYGOTSKY, 2007, p. 103).
Piaget e Vygotsky nasceram em 1896 e publicaram seus trabalhos nas décadas de 20 e
30. Porém Vygotsky morreu em 1934, enquanto Piaget continuou aprofundando sua teoria até
1980 (SOUZA e KRAMER, 1991). Ambos se opuseram à concepção empirista e racionalista
da teoria do conhecimento que influenciou os métodos tradicionais de ensino e aprendizagem
(SOUZA e KRAMER, 1991). Para uma melhor compreensão das teorias defendidas por esse
dois estudiosos, recorreu-se ao trabalho de Souza e Kramer (1991), que confronta alguns
pontos de ambas as teorias, particularmente aqueles com maior desdobramento na área da
Educação, na visão das autoras.
26
Dentre esses pontos, destaca-se a relação entre pensamento e linguagem e sua
influência na construção do conhecimento por essas duas perspectivas. Em relação aos
pressupostos filosóficos, Piaget foi orientado por uma perspectiva cognitivista-interacionista
ancorada na concepção biológica da evolução da espécie e das construções cognitivas. Ele
supunha a existência de um mecanismo evolutivo, tanto para os processos vitais quanto para
os mentais, ativado pela ação e interação do organismo com o meio, denominado auto-
regulação e que esse mecanismo era independente do contexto social e cultural. Nessa visão
―a produção do conhecimento científico se daria de forma sistemática e contínua sem as
interferências político-ideológicas e sócio-culturais geradas ao longo da história do homem‖
(p. 71).
Já Vygotsky foi orientado pela abordagem histórico-social, supondo que, ―ao longo da
história da humanidade, as estruturas do pensamento dos indivíduos modificam-se e essas
mudanças encontram suas raízes na sociedade e na cultura‖ (p.72), ou seja, o indivíduo
assimilaria os valores culturais de seu ambiente, desenvolveria uma consciência crítica sobre
eles, tornando-se capaz de se transformar para atender às novas exigências de seu contexto
social. Por essa visão, o homem produziria novas formas de comportamento a partir da
internalização dos símbolos culturais. Essa questão assumiu importância para a Educação,
pois, a análise dessas duas visões, permitiu entender como se constitui a relação entre
pensamento e linguagem, a partir de cada uma dessas perspectivas.
Enquanto Piaget priorizou as estruturas operatórias do pensamento, colocando em um
segundo plano o papel da linguagem no desenvolvimento do pensamento ou da consciência,
Vygotsky considerou esses dois elementos indissociáveis na construção do conhecimento.
Para Vygotsky (2005) o desenvolvimento cognitivo se origina pela conversão das
relações sociais em funções mentais superiores (pensamento, linguagem, comportamento
voluntário). Sendo essa conversão mediada por instrumentos e signos, entendendo-se por
instrumento aquilo que pode ser utilizado para fazer algo, enquanto signo é o que significa
alguma coisa (MOREIRA, 1999). Os tipos de signos são: os indicadores, que têm relação de
causa e efeito com o que significam, como por exemplo, a fumaça que significa fogo, porque
é causada por ele; os icônicos, que são imagens daquilo que significam; e os simbólicos, que
têm uma relação abstrata com aquilo que significam, como, por exemplo, as palavras (signos
lingüísticos), os números (signos matemáticos) (MOREIRA, 1999). As sociedades, ao longo
de sua história, criam instrumentos e signos que influenciam de forma decisiva em seu
desenvolvimento sócio-cultural. Segundo Moreira (1999), pela perspectiva de Vygotsky, à
medida que o sujeito utiliza os signos, as operações psicológicas que ele é capaz de fazer, vão
27
se modificando, o mesmo ocorrendo em relação ao uso dos instrumentos que ele utiliza.
Como os instrumentos e signos são construções sócio-culturais e históricas, o aprendiz se
apropria dessas construções por meio da interação social, ou seja, como os significados dos
signos são acordados socialmente, para que o aprendiz se aproprie desses significados e os
compartilhe, é fundamental que haja interação social (MOREIRA, 1999).
Moreira (1999) considera que é possível se construir uma analogia entre o processo de
internalização dos significados de instrumentos e signos, a partir da interação social,
defendida por Vygotsky, e o curso da aprendizagem significativa de Ausubel, em que o
significado lógico dos materiais de aprendizagem devem se transformar em significado
psicológico para que o aprendiz construa seu conhecimento de forma significativa.
Na ótica vygotskyana, a internalização de significados depende da interação social,
mas assim como na visão ausubeliana, tais significados podem ser apresentados ao
aprendiz em sua forma final. O indivíduo não tem que descobrir o que significam os
signos ou como são usados os instrumentos. Ele se apropria (reconstrói
internamente) dessas construções via interação social (MOREIRA, 1999, p. 94).
A utilização indiscriminada que se vem fazendo da expressão ―aprendizagem
significativa‖ nem sempre corresponde ao conceito adequado que foi proposto, tornando-se
relevante utilizá-la conforme sua conceituação original para que não se corra o risco de torná-
la trivial e até inútil (MOREIRA, 1999).
2.2 APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DE AUSUBEL
Considerando que a maior parte das compreensões que os alunos adquirem, dentro e
fora da escola, é mais propriamente apresentada a eles (aprendizagem por recepção) do que
descoberta por eles (aprendizagem por descoberta), Ausubel (AUSUBEL, NOVAK,
HANESIAN, 1978) considera importante a distinção entre esses dois processos de
aprendizagem. Considera igualmente importante esclarecer que a aprendizagem por recepção
verbal não é necessariamente mecânica e pode ser significativa, assim como a aprendizagem
por descoberta não garante ser significativa.
Na aprendizagem receptiva (mecânica ou significativa) o que deve ser aprendido é
apresentado ao aprendiz em sua forma final. A tarefa de aprendizagem não envolve qualquer
descoberta independente por parte do aluno. É requerido a ele somente que internalize ou
incorpore o material apresentado, que será avaliado ou reproduzido em alguma ocasião futura.
Na aprendizagem por recepção significativa a tarefa ou material potencialmente significativo
é compreendido ou torna-se significativo no processo de internalização, em que os conceitos
28
Aprendizagem
Significativa
Aprendizagem
Mecânica
A maior parte da
aprendizagem que
se dá na escola
Produção
criativa
Incorporação substantiva, não arbitrária, não
literal de novo conhecimento à estrutura
cognitiva.
Esforço deliberado para ligar o novo
conhecimento a conceitos de ordem superior,
mais inclusivos, na estrutura cognitiva.
Compromisso afetivo de relacionar novos
conhecimentos a conhecimentos prévios
Prática, exercícios e replicas reflexivas contribuem para a
aprendizagem significativa
Incorporação não substantiva, arbitrária, literal de
novo conhecimento à estrutura cognitiva
Nenhum esforço para integrar o novo
conhecimento a conceitos existentes na estrutura
cognitiva
Nenhum compromisso afetivo de relacionar novos
conhecimentos a conhecimentos prévios
c
o
n
t
i
n
u
u
m
mais relevantes e inclusivos interagem com o novo material, servindo de ancoradouro,
incorporando-o e assimilando-o, porém, ao mesmo tempo, modificando-se em função dessa
ancoragem. Na aprendizagem por recepção mecânica as novas informações são armazenadas
de forma arbitrária e literal na mente (memorização), sem interação a conceitos relevantes já
existentes (MOREIRA, 1999). É importante reconhecer que existem tipos de aprendizagem
que estão na transição entre a aprendizagem significativa e a mecânica e que têm em comum
algumas características de ambas. Além disso, ambos os tipos de aprendizagem podem
ocorrer concomitantemente na mesma atividade de aprendizagem. A figura 1 ilustra em um
mesmo continuum a aprendizagem mecânica e a significativa.
Figura 1- O continuum aprendizagem mecânica-aprendizagem significativa. (Fonte: Moreira,1999, p. 18).
Essa mesma qualificação utilizada entre a aprendizagem mecânica e significativa,
pode ser aplicada à distinção entre a aprendizagem por descoberta e por recepção. A
característica essencial da aprendizagem por descoberta é que o conteúdo principal do que
deve ser aprendido, não é dado e sim descoberto pelo aprendiz antes que possa ser
29
incorporado significativamente na estrutura cognitiva do aluno. A primeira fase da
aprendizagem por descoberta envolve um processo completamente diferente da aprendizagem
por recepção. O aprendiz pode reajustar a informação, integrá-la com a estrutura cognitiva e
reorganizar ou transformar a combinação integrada de tal forma a gerar um produto final
desejado. Após a aprendizagem por descoberta ser completada, o conteúdo descoberto pode
tornar-se significativo da mesma forma que na aprendizagem por recepção. Portanto,
aprendizagem por recepção e por descoberta são dois tipos completamente diferentes de
processos.
A figura 2 ilustra essas duas dimensões em que aprendizagem por recepção e por
descoberta estão sobre um continuum separado do representado pela aprendizagem mecânica
e significativa.
Figura 2- Ilustração das duas dimensões de aprendizagens. Fonte: adaptação de Novak (1998, p. 8)
A essência do processo da aprendizagem significativa é que ideias expressadas
simbolicamente são relacionadas de maneira não arbitrária e substantiva (não literal) àquelas
que o aprendiz já conhece (AUSUBEL, NOVAK, HANESIAN, 1978, p. 41). As
características básicas da aprendizagem significativa são a não arbitrariedade e a
substantividade.
Não-arbitrariedade quer dizer que o material potencialmente significativo se
relaciona de maneira não-arbitrária com o conhecimento já existente na estrutura
cognitiva do aprendiz. Ou seja, o relacionamento não é com qualquer aspecto da
estrutura cognitiva, mas sim com conhecimentos especificamente relevantes, os
Aprendizagem
Significativa
Aprendizagem
Mecânica
Aprendizagem
por recepção
Aprendizagem
por descoberta
dirigida
Aprendizagem
por descoberta
autônoma
Clarificação de
relações entre
conceitos
Aulas teóricas; livros de texto
Multiplicação; tabelas
Instrução
individualizada
bem programada
Trabalho de laboratório na escola
Aplicação de fórmulas para resolver problemas
Pesquisa científica;
criação artística
A maior parte da
―pesquisa‖ e produção
intelectual de rotina
Tentativa e erro; soluções
de ―quebra-cabeças‖
30
quais Ausubel chama subsunçores. O conhecimento prévio serve de matriz
ideacional e organizacional para a incorporação, compreensão e fixação de novos
conhecimentos quando estes ―se ancoram‖ em conhecimentos especificamente
relevantes (subsunçores) preexistentes na estrutura cognitiva. Novas ideias,
conceitos, proposições, podem ser aprendidos significativamente (e retidos) na
medida em que outras ideias, conceitos, proposições, especificamente relevantes e
inclusivos estejam adequadamente claros e disponíveis na estrutura cognitiva do
sujeito e funcionem como pontos de ―ancoragem‖ aos primeiros (MOREIRA, 2011,
p. 26).
Substantividade significa que o que é incorporado à estrutura cognitiva é a
substância do novo conhecimento, das novas ideias, não as palavras precisas usadas
para expressá-las. O mesmo conceito ou a mesma proposição podem ser expressos
de diferentes maneiras, através de distintos signos ou grupos de signos, equivalentes
em termos de significados (MOREIRA, 2011, p.26).
A aprendizagem por recepção significativa corresponde à aquisição de novos
significados, por meio do material de aprendizagem apresentado. A AS pressupõe que o
aprendiz manifeste um mecanismo de aprendizagem significativo (intencionalidade de
relacionar o novo material, não arbitrariamente e substantivamente, à sua estrutura cognitiva)
e que o material apresentado seja potencialmente significativo para ele, ou seja, que tenha
significado lógico dentro da capacidade humana de aprender e que a natureza da estrutura
cognitiva do aprendiz possua os subsunçores específicos para que haja a interação
(AUSUBEL, NOVAK, HANESIAN, 1978; AUSUBEL, 2000). Portanto, independente do
quanto o material possa ser potencialmente significativo, se a intencionalidade do aprendiz for
memorizá-lo de forma arbitrária e literal, tanto o processo de aprendizagem, quanto o
resultado da aprendizagem serão mecânicos ou menos significativos. Reciprocamente, mesmo
que o mecanismo de aprendizagem seja significativo, se a tarefa de aprendizagem não é
potencialmente significativa, nem o processo e nem o resultado da aprendizagem,
possivelmente podem ser significativos (AUSUBEL, NOVAK, HANESIAN, 1978).
A interação entre material com significado lógico (suficientemente não arbitrário e não
aleatório, que se situe dentro do domínio da capacidade humana de aprender) e as ideias
relevantes na estrutura cognitiva do aprendiz, origina significados verdadeiros ou
psicológicos. Como a estrutura cognitiva de cada aluno é única, todos os novos significados
adquiridos são, obrigatoriamente, únicos, porém com partes compartilhadas (AUSUBEL,
2000; MOREIRA, 1999).
As informações podem ser organizadas na mente humana por assimilação e interação
dos elementos mais específicos de conhecimento aos subsunçores existentes na estrutura
cognitiva do aprendiz (MOREIRA, 1999).
31
Novak (1998) destaca a perspectiva humanista do conceito de aprendizagem
significativa ao defender que ela está subordinada à integração entre pensamento, sentimento
e ação.
2.3 APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA SEGUNDO NOVAK
Novak (1998) refere que, além dos quatro elementos básicos de um evento educativo
(professor, aluno, currículo e contexto), pensamento, sentimento e ação participam de
qualquer experiência educativa. Dessa forma, ele introduz uma concepção humanista ao
conceito de AS ao defender que ela está subordinada à integração entre pensamento,
sentimento e ação (MOREIRA, 1999). Ele parte da premissa de que, como os seres humanos
pensam, sentem e agem, uma teoria de educação deve considerar cada um desses elementos,
uma vez que ―qualquer evento educativo é, de acordo com Novak, uma ação para trocar
significados (pensar) e sentimentos entre o aprendiz e o professor‖ (MOREIRA, 1999, p.35).
Novak também propõe a inserção da avaliação como um quinto elemento dentre os
constituintes básicos dos eventos educativos (MOREIRA, 1999).
A ideia fundamental da TAS proposta por Novak é que qualquer evento educativo
implica uma ação para trocar significados e sentimentos entre professor e aluno, com o
objetivo de que esse novo conhecimento seja contextualmente aceito. Para melhor
compreensão dessa ideia, ele salienta que a AS, por si só, não é garantia de aprendizagem
correta, ou seja, é possível o aluno atribuir conceitos que, para ele, são significativos, porém
são científica e contextualmente errôneos. A interação entre professor e aluno, trocando
significados é que contribuirá para a AS e correta (MOREIRA, 1999).
Outra ideia fundamental na teoria de Novak é a troca de sentimentos, pois, para ele,
experiências afetivas acompanham os eventos educativos. Conforme Ausubel já defendia,
para que a AS ocorra, uma das condições essenciais é que o aprendiz tenha predisposição para
aprender e, segundo Novak, isto está intimamente relacionado à experiência afetiva que o
aprendiz apresenta no evento educativo (MOREIRA, 1999).
―Predisposição para aprender e aprendizagem significativa guardam entre si uma
relação praticamente circular: a aprendizagem significativa requer predisposição para
aprender e, ao mesmo tempo, gera esse tipo de experiência afetiva‖ (MOREIRA, 1999, p.40).
Dentre os princípios que Moreira (1999, p.41) considera pertinentes à teoria de Novak,
destacam-se os seguintes: todo evento educativo envolve cinco elementos: aprendiz,
professor, conhecimento, contexto e avaliação; pensamentos, sentimentos e ações estão
32
interligados, positiva ou negativamente; a aprendizagem significativa requer disposição para
aprender, materiais potencialmente significativos e algum conhecimento relevante; atitudes e
sentimentos positivos em relação à experiência educativa têm suas raízes na aprendizagem
significativa e, por sua vez, a facilitam; o conhecimento humano é construído e a
aprendizagem significativa subjaz a essa construção; o conhecimento prévio do aprendiz tem
grande influência sobre a aprendizagem significativa de novos conhecimentos; significados
são contextuais e a aprendizagem significativa não implica aquisição de significados corretos;
conhecimentos adquiridos por aprendizagem significativa são muito resistentes a mudanças; o
ensino deve ser planejado para facilitar a aprendizagem significativa; a avaliação da
aprendizagem deve procurar evidências de aprendizagem significativa; o ensino, o currículo e
o contexto também devem ser avaliados.
Segundo Novak (2011), o assunto de qualquer disciplina necessita ser organizado de
forma que se apresentem primeiro as ideias principais da disciplina, facilitando assim a
aprendizagem e a compreensão dos detalhes que são lançados aos alunos, pois, do contrário,
eles não terão outros recursos senão memorizar a informação. Além disso, em qualquer
disciplina, mais do que considerar a mera informação, se deve considerar como o novo
conhecimento é criado na disciplina, o contexto social no qual a disciplina opera e avança, e o
tipo de atitude que se espera promover (NOVAK, 2011).
O papel do professor nesse processo também é discutido por Novak (2011),
considerando que, idealmente, os professores são também aprendizes e que eles ―negociam
significados‖ com seus alunos. Refere que essa é uma interação complexa em que os cinco
elementos do evento educativo deveriam estar envolvidos. Nessa perspectiva, o professor é
mais um orientador da aprendizagem do que um disseminador de informação.
Quanto ao contexto para a educação, Novak (2011) reforça que qualquer mudança no
contexto físico tem que ser acompanhada de mudanças em todos os outros elementos
requeridos para uma educação de qualidade, pois os cinco elementos são interdependentes.
Em relação à avaliação, Novak (2011) considera que, em determinadas situações, esse
é o elemento mais crucial. Pois, em muitos exemplos educacionais, em que o foco é
exclusivamente nos resultados de escores elevados em testes e exercícios sobre as
informações estudadas, nem sempre, a avaliação da compreensão e da aprendizagem
reproduzem os mesmos resultados obtidos pelos testes. Infelizmente, é muito mais fácil testar
na perspectiva da aprendizagem mecânica, usando testes objetivos, do que testar os ganhos na
compreensão do aluno sobre o assunto e acompanhar as mudanças atitudinais positivas em
33
suas apreciações da disciplina e compreensão das formas de conhecimento gerado na
disciplina.
Avaliar o aprendizado, pela perspectiva da TAS, implica em identificar evidências de
aprendizagem significativa. Essas evidências devem ser investigadas em todas as etapas
educacionais, logo, a avaliação deve permear todo o processo de ensino. Assumir a avaliação
do conhecimento como um processo evolutivo, não linear, representa assumir que a ação de
avaliar não está limitada apenas à afirmação sobre se ocorreu ou não AS e se esta é certa ou
errada (LEMOS, 2011a).
Em relação à avaliação final, que corresponde à emissão de um juízo de valor ou
mérito, esta deve ser realizada buscando perceber se os resultados obtidos estão de acordo
com os objetivos educacionais estabelecidos. Este é um aspecto fundamental na TAS, ou seja,
somente após determinação dos objetivos que se deseja alcançar é que se deve planejar uma
instrução adequada e determinar as formas de avaliação que serão utilizadas para esse fim
(LEMOS, 2011a).
Portanto, nessa perspectiva, a avaliação tem um papel central para a promoção da
aprendizagem, pois, por meio dela, é possível observar quais os conceitos que o aluno já
conhece, acompanhar e aperfeiçoar a evolução da aprendizagem, verificar se os objetivos
foram alcançados e se a forma de organização do assunto e as estratégias foram adequadas
(LEMOS, 2011a). Além disso, a avaliação pode facilitar o processo de aprendizagem, pois o
aluno, ao se preparar para o exame, tem a oportunidade de realizar a revisão, a consolidação e
a integração do assunto. A discussão sobre os resultados do exame permite que o aluno
evidencie o que deve ser melhor estudado, fazendo uma auto-avaliação sobre seu rendimento
escolar (LEMOS, 2011a).
Apesar de proposta há mais de 40 anos, a TAS apresenta conceitos e princípios
fundamentais para a atualidade. Porém, Moreira (2011) considera necessário que novas
abordagens sejam incorporadas à visão clássica proposta por Ausubel e Novak. Nesse sentido,
Moreira (2011) contribui lançando novos olhares sobre a TAS, particularmente quanto ao
caráter progressivo e crítico nesse processo.
Com base nos pressupostos de que a atribuição de significados a novos conhecimentos
é uma construção progressiva, e que a AS é dependente da captação de significados pela
negociação entre aprendiz e mediador, é fundamental que todo esse processo ocorra
lentamente, apresentando continuidades e descontinuidades. Assim, Moreira (2011) alerta
para o risco do estímulo à aprendizagem mecânica ao se tentar forçar indevidamente esse
processo progressivo.
34
Diante das demandas da sociedade contemporânea, em que o conhecimento é
construído em grande escala, passando rapidamente por mudança, Moreira (2011) defende
que a ocorrência da AS, por si só, já não é suficiente, é preciso que o aprendiz seja crítico,
questionando esse conhecimento. ―Aprender de maneira significativa e crítica permitirá ao
aprendiz lidar não só com a quantidade e com a incerteza do conhecimento, mas também com
as incertezas e mudanças da vida contemporânea‖ (MOREIRA, 2011, p. 14).
2.4 IMPLICAÇÕES DA TEORIA DA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA PARA O
ENSINO
A organização do ensino, pela perspectiva da TAS, sobre como e o que o professor
deve ensinar deve ser precedida da análise de outras questões, tais como: ―por que, para
quem, onde e com que tempo ensinar?‖ Pois, o ato de ensinar, por si só, não garante a
aprendizagem (LEMOS, 2011a).
A compreensão do significado da AS proposto originalmente por Ausubel, permite
que se identifiquem diversas questões que influenciam o processo de ensino e de
aprendizagem. Lemos (2011a) faz uma análise dessas questões, esclarecendo a influência de
cada uma delas, segundo os princípios de Ausubel. Quando a estrutura cognitiva do indivíduo
encontra-se organizada de forma lógica, realizando as ligações entre os significados
armazenados, de forma substantiva e não arbitrária, ele se torna mais capacitado para usar o
conhecimento e realizar novas aprendizagens, facilitando sua interação com e na realidade.
Por outro lado, o conhecimento obtido pela aprendizagem mecânica não capacita
adequadamente o indivíduo para que ele utilize esse conhecimento em novas situações. Dessa
forma, pode-se concluir que apenas o conhecimento pela AS possibilita autonomia intelectual
ao indivíduo, permitindo que ele consiga intervir na sua realidade. Diante disso, torna-se
essencial que o professor assuma o compromisso com a aprendizagem do aluno e este com a
sua própria aprendizagem. Nesse sentido, o professor deve: organizar seu planejamento de
ensino (selecionando, organizando e elaborando o material de ensino); verificar se os
significados compartilhados são aceitos no contexto da disciplina; reapresentar o significado
desejado de outras formas, caso o aluno não tenha conseguido ainda captá-lo. Quanto ao
aluno, este deve: captar e negociar os novos significados, além de ter a intencionalidade para
aprender significativamente. Ou seja, na situação de ensino propriamente dita, cabe ao
professor a responsabilidade de oferecer ao aluno as condições para que ele possa pensar
sobre o conhecimento, porém o ―aprender‖ do aluno independe da vontade do professor, pois,
35
essa é uma ação pessoal do mesmo que deve ter a intencionalidade para aprender
significativamente e negociar os novos significados com o professor (LEMOS, 2011a).
Lemos (2011a) reforça que o ensino é o meio pelo qual a aprendizagem do aluno é
favorecida e não a finalidade do processo educativo. É fundamental considerar que nenhuma
estratégia pedagógica garante um ensino de qualidade por si só. As decisões do professor e do
aluno, ao longo do processo, sendo orientadas por uma adequada concepção de aprendizagem
é que possibilitam a qualificação desse processo.
Considerando o caráter evolutivo desse processo de aprendizagem, Ausubel propôs
alguns princípios programáticos capazes de influenciar a estrutura cognitiva do aprendiz e
ajudar o professor a planejar o ensino de forma a promover a facilitação da AS. Esses
princípios são os seguintes (MOREIRA, 1999, p.51-52):
- Diferenciação progressiva: é o princípio segundo o qual as ideias mais gerais e
inclusivas devem ser apresentadas no início do ensino, pois é mais fácil o aprendiz captar os
aspectos mais gerais previamente aprendidos. Depois, progressivamente, essas ideias vão
sendo diferenciadas em seus pormenores e em suas especificidades.
- Reconciliação integrativa: por esse princípio, após a introdução dos conceitos mais
específicos, devem ser feitas constantes referências aos conceitos gerais, para se manter a
visão do todo e elaborar cada vez mais o geral (integração). Assim, deve-se ―descer‖ dos
conceitos gerais para os específicos e ―subir‖ novamente até os ―gerais‖.
- Organização sequencial: princípio pelo qual a compreensão de um tópico novo na
matéria de ensino é favorecida pelo entendimento prévio de um tópico a ele relacionado. Por
isso, para maximizar a aprendizagem significativa e sua retenção, devem ser utilizadas as
dependências sequenciais naturais existentes na matéria de ensino.
- Consolidação do que está sendo estudado: por esse princípio, antes que novos
materiais sejam introduzidos deve ser assegurado o entendimento do material já estudado, por
meio de práticas e exercícios, para o sucesso na aprendizagem sequencialmente organizada.
Portanto, é importante que esses princípios estejam permeando todo o ensino, pois,
para que o aluno vá consolidando gradativamente o conhecimento que está aprendendo, é
necessário que a diferenciação progressiva e a reconciliação integrativa sejam oferecidas em
diferentes momentos e situações dentro do evento educativo (LEMOS, 2011a).
Novak (1998) se dedica não só a aprofundar o conceito de aprendizagem significativa,
como também às formas de facilitação dessa aprendizagem, como, por exemplo, a estratégia
do mapeamento conceitual que é um instrumento facilitador de aprendizagem, que consiste na
construção de representações conceituais, pelo aprendiz, sobre determinado conhecimento e
36
que pode servir também para avaliar o processo de aprendizagem. Nessa proposta, os mapas
conceituais devem ser organizados de forma hierárquica, em que os conceitos mais gerais
estão no topo e os conceitos subordinados abaixo. A figura 3 ilustra um mapa conceitual
representando os elementos básicos do evento educativo proposto por Novak (MORAES,
2007).
Figura 3- Mapa conceitual (modificado) com os cinco elementos de Novak (Joseph Novak, 1998) Fonte:
Moraes, 2007.
A estratégia pedagógica que usa o mapa conceitual serve não só para explicar o
conhecimento, por meio das relações conceituais, mas também para representar o processo de
aquisição do conhecimento, por meio da reorganização contínua de novas relações conceituais
que vão sendo incluídas no mapa, à medida que estão sendo aprendidas (VITALE e
ROMANCE, 2000) permitindo assim a avaliação da aprendizagem. O mapa conceitual
também é útil no planejamento de ensino, conforme abordado na página 42.
Para Moreira (1999), as teorias construtivistas, de modo geral, são teorias de
aprendizagem e não de ensino, porém, a teoria de Ausubel, enriquecida por Novak, apesar de
ser uma teoria de aprendizagem, oferece diretrizes, princípios e estratégias que auxiliam a
prática de ensino voltada para a aprendizagem significativa. Lemos (2011b, 2005)
compartilha dessa visão sobre a TAS, acrescentando que essa teoria possui, também,
implicações importantes para a investigação no contexto educacional.
Dessa forma, têm sido desenvolvidos estudos buscando ajudar os professores na
prática do ensino e da promoção da aprendizagem significativa. Recorrendo a Vitale e
Romance (2000, 2001), encontram-se contribuições importantes nesse sentido e que servem
como base para o desenvolvimento e análise da presente investigação.
37
MODELO DE SISTEMA DE TUTORIA INTELIGENTE
Interface
Computador/ Aluno
Problema/
Tarefas de
Aprendizagem
Avaliação de
Desempenho
do Aluno
MÓDULO DE ENSINO
Seleciona
Estratégias
de Ensino
Conteúdo a ser ensinado
Conceitos centrais
Conhecimento do Currículo
Determina
Estado de
Conhecimento
do Aluno
Alvo
Deficiência de
Conhecimento
do Aluno
Domínio do Estudante
Com o objetivo metodológico de estudar a representação do conhecimento, Vitale e
Romance (2000, 2001) desenvolveram um modelo de sistema de tutoria inteligente para
computador. A arquitetura desse modelo consiste em um sistema articulado à uma base
conhecimento e essa própria base é que fornece os significados para controlar os outros
componentes educativos e de avaliação do sistema. Nessa arquitetura, as estratégias e as
tarefas de avaliação são explicitamente baseadas no conteúdo da base conhecimento
(VITALE e ROMANCE, 2000; ROMANCE e VITALE, 2001). Esses modelos estão
ilustrados na figura 4, ambos representam o papel do conhecimento como elemento central
para o ensino e para a avaliação.
Figura 4 – Modelo de Sistema de Tutoria Inteligente como uma arquitetura para um modelo de ensino de
Ciências. Ambos os modelos ilustram o papel do conhecimento como elemento central no ensino e avaliação.
Fonte: Vitale e Romance, 2000.
Determina
Estado de
Conhecimento do Aluno
MODELO DE ENSINO DE CIÊNCIAS BASEADO EM CONHECIMENTO
Envolvimento
ativo do
aluno
Tarefas de
Aprendizagem
em sala de aula
Avaliação de
Desempenho do Aluno
Conhecimentos pedagógicos
Seleciona
Estratégias
de Ensino
Conteúdo a ser ensinado
Conceitos de Ciências
Conhecimento de Ciências
Alvo
Deficiência de
Conhecimento
do Aluno
Domínio do Estudante
38
GERAÇÃO DE SEQUÊNCIAS DE ATIVIDADES LIGADAS A CONCEITO POR MEIO DA ARQUITETURA IDEAS
Conceitos
alvos
de Ciências,
Relações, Aplicações
Revisão de
Conhecimentos prévios
de Ciências
Representação do
Conhecimento /
Representações
Conceituais
Construindo mapas/
modelos conceituais
Rotinas de ensino IDEAS
Atividades de
Leitura
Atividades Ciências
Leituras extras
Atividades de
Aplicação
Formatos de Ensino
IDEAS
ATIVIDADE 1: Revisão Conhecimento Prévio
ATIVIDADE 2: Atividade Mapa Conceitual
o ATIVIDADE 3: Demonstração Professor
o ATIVIDADE 4: Atividade manual do aluno
ATIVIDADE 5: Atividade Mapa Conceitual
(continuada)
o ATIVIDADE 6: Atividade leitura de livro texto
ATIVIDADE 7: Atividade Mapa conceitual
(continuada)
o ATIVIDADE 8: Escrevendo Atividade 1
o ATIVIDADE 9: Atividade de Aplicação (Projeto)
o ATIVIDADE 10: Leitura extra
o ATIVIDADE 11: Escrevendo atividade 2
Atividades Escritas
Ao apresentar esses modelos, Vitale e Romance (2000) salientam que é necessário que
o professor desenvolva um modelo de ensino que incorpore o fundamento dessa arquitetura
para seu ambiente de prática educacional. O modelo IDEAS para o ensino de Ciências,
elaborado por Vitale e Romance em 1995, é ancorado na arquitetura baseada em
conhecimento e usa um esquema de conceitos como roteiro de ensino, servindo de foco para
múltiplas atividades usadas para implementar um ambiente de aprendizagem profunda. Esse
modelo está ilustrado na figura 5.
Figura 5 – Arquitetura do Modelo IDEAS de Ciências. Como mostrado, os conceitos de ciências servem como
foco para múltiplas atividades usadas para implementar um ambiente de aprendizagem profunda. Fonte: Vitale e Romance, 2000.
Como complementação do componente de ensino do modelo acima, foi também
criado por Vitale e Romance, em 1995, um modelo de avaliação baseada em conhecimento,
que consiste em uma tipologia representando, qualitativamente, diferentes categorias de
articulações conceituais, por meio das quais os alunos demonstram compreensão de conceitos
de ciências ao completarem suas atividades (VITALE e ROMANCE, 2000).
As categorias específicas dessa tipologia de avaliação em ciências são as seguintes
(VITALE e ROMANCE, 2000):
Observações ou registro de eventos no ambiente: a correspondência de conceitos de
ciências com eventos no mundo é necessária para compreensão significativa.
39
Predição e/ou controle manipulativo de eventos futuros: a aplicação de conhecimento
de relações conceituais para fazer predições acuradas ou controlar eventos em
situações específicas é um importante elemento de compreensão significativa.
Análises e/ou explicações de eventos ocorridos: o uso de conhecimento de relações
conceituais para explicar eventos ocorridos em situações específicas é um importante
elemento de compreensão significativa.
Construção de representações lógicas e/ou visuais de como os conceitos de ciências
estão relacionados entre eles (tal como mapa conceitual): a construção de mapas
conceituais para representar conhecimento é reconhecido como importante ferramenta
de metacognição na aprendizagem: consciência demonstrada de como conceitos de
ciências e relações conceituais são aprendidas. Um importante aspecto de ciência é
compreender o processo pelo qual a disciplina tem obtido conhecimento e como se
aplica aqueles processos para um indivíduo obter conhecimento científico.
Demonstrações de comunicações de conhecimento científico para outros: as
comunicações de conhecimento em uma variedade de formas é um importante
constituinte de compreensão científica.
A tipologia apresentada segue uma estrutura hierárquica, com ênfase inicial sobre
conceitos e relações conceituais, como elemento fundamental para que o conhecimento de
ciências seja aprendido. Uma vez que tal conhecimento seja aprendido, sua aplicação,
representação, expansão e comunicação, devem ser todos articulados para o mundo, desde que
tenha sido acompanhado de uma aprendizagem significativa (VITALE e ROMANCE, 2000).
Os elementos dessa tipologia de avaliação podem ser inseridos em várias atividades
educativas. Dessa forma, ela serve como um guia para professores avaliarem os desempenhos
dos alunos (VITALE e ROMANCE, 2000). Esse modelo, com seus diferentes níveis de
categorias de desempenho dos estudantes para demonstrar compreensão conceitual, está
ilustrado na figura 6.
40
MODELO DE ENSINO BASEADO EM CONHECIMENTO
ATIVIDADES DOS ALUNOS USANDO CONCEITOS E RELAÇÕES CONCEITUAIS
PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO DE SALA DE AULA USANDO CONCEITOS E RELAÇÕES CONCEITUAIAS
Observa
eventos no
ambiente Predizer
eventos
futuros Analisar e
Explicar
Eventos Articular conceitos a
outros conceitos Consciência de
como os novos
conceitos são
aprendidos Comunicação
de conhecimento
para outros
Figura 6 – Tipologia de Avaliação para o modelo IDEAS de Ciências. Tipologia representa categorias de
desempenho de alunos diferentes qualitativamente por meio da qual os alunos demonstram compreensão
conceitual nas atividades educativas (Vitale e Romance, 1995b; Vitale e Romance, 1998). Fonte: Vitale, 2000.
Adequado aos princípios da TAS, um modelo mais geral de ensino foi desenvolvido,
por Vitale e Romance, em 1998, como uma evolução do anteriormente descrito. Nesse
modelo, tanto as tarefas instrucionais como as de avaliação são baseadas em conhecimento.
Seus elementos são os seguintes:
Os professores identificam os conceitos centrais e as relações conceituais para serem
pensadas por tópicos ou unidades.
Os professores constroem um esquema representando os conceitos ou ideias centrais
para serem usados como um guia curricular
Professores desenham tarefas ou cenários que poderiam ser usados alternativamente,
tanto para instrução como para avaliação pela combinação de elementos dos seus
mapas conceituais com categorias da tipologia de avaliação
Professores apresentam as tarefas tanto modelando a aplicação dos conceitos de
ciências para as tarefas, e/ou determinando as tarefas como atividade dos alunos para
serem completadas com (ou sem) guia do professor, e/ou usando as tarefas para
avaliação do aluno
Professores referenciam todas as tarefas instrucionais e de avaliação ambas para o
mapa conceitual central inicial desenvolvido pelo professor ou para um mapa
conceitual desenvolvido interativamente pelos alunos com orientação do professor.
41
A figura 7 ilustra a representação desse modelo, articulando conceitos centrais com
categorias centrais de avaliação.
Figura 7 – Modelo geral de ensino articulando instrução e atividades (Vitale e Romance, 1998). Fonte: Vitale, 2000.
A característica desse modelo de ensino baseado em conhecimento é o uso do mapa
conceitual central, em conjunção com a tipologia, para gerar tarefas a serem aplicadas aos
alunos. Dessa forma, todas as tarefas são explicitamente baseadas em conhecimento. E, uma
vez geradas, as tarefas podem ser usadas pelo professor, com igual validade, como atividade
de aprendizagem ou para avaliação dos alunos. Importante notar que a articulação entre
especificações de desempenho dos alunos, tarefas e atividades deles, e o mapa conceitual
central, fornece uma estrutura com a qual professores estão aptos a organizar e refinar seus
cursos. Logo, o modelo baseado em conhecimento, fornece meios para implementação de
Mapa
conceitual do
currículo
Conceitos
centrais em
curso Exemplos em
ensino Atividades
aplicadas
aos alunos
Domínio da Avaliação
Gera
Gera
provêm estrutura baseada em conhecimento
Observa eventos
Prediz eventos futures
Analisa / explica eventos
Articula conceitos para outros
Consciência de como os conceitos aprendidos
Comunicação de conhecimento para outros
42
formas de avaliação baseadas em conhecimento (tal como portfólio), em que os professores
podem interpretar os resultados, como medidas válidas de compreensão conceitual.
A figura 8 ilustra o componente do modelo geral de ensino baseado em conhecimento,
proposto por Vitale e Romance, em 1998, mostrando as especificações sobre o desempenho
do aluno.
Figura 8 – Componente do modelo de ensino com as especificações de desempenho do aluno. Fonte: Vitale e
Romance, 2000.
Segundo Vitale e Romance (2000), na literatura educacional existem diversas
pesquisas abordando a importância da relação entre conhecimento e avaliação. Várias dessas
pesquisas mostram a importância de articular portfólio e outras formas de avaliação para o
conhecimento conceitual que se pretende avaliar.
Como uma variante do modelo geral de ensino, apresentado acima, Vitale e Romance
(2000) sugerem a elaboração de um modelo de avaliação por portfólio baseado em
conhecimento que é apresentado no capítulo 4 do presente trabalho.
A compreensão da TAS de Ausubel e Novak (AUSUBEL, NOVAK e HANESIAN,
1978; AUSUBEL, 2000; NOVAK e GOWIN, 1998; NOVAK, 2011; MOREIRA, 1999;
LEMOS, 2011a, 2011b) foi fundamental para o desenvolvimento do presente trabalho por
Atividades de
aplicação do
aluno
Conceitos
centrais em curso
Mapas
conceituais
do currículo
Domínios
de Avaliação
Especificações de Desempenho Baseado em Conhecimento
Tarefas / Atividades
Resultados tarefas / atividades
Processos/Procedimentos para fazer tarefas/atividades sucessivamente
Conhecimento prévio requerido para realizar processo/ procedimento
na forma de
Expressada como gera Oferece estrutura baseada em
conhecimento
determina
43
acreditar que seus princípios fornecem elementos que podem orientar o processo de ensino,
que busque um aprendizado efetivo, permitindo ao futuro profissional atuar em diferentes
contextos, com variados níveis de complexidade. Portanto, esses pressupostos permearam as
discussões sobre o processo educativo da graduação médica discutido no capítulo 3.
44
3 EDUCAÇÃO MÉDICA
Com o objetivo de um melhor entendimento sobre os fatores desencadeantes da crise
na educação médica, que levaram à necessidade de mudanças nesse contexto, optou-se por
traçar um breve histórico sobre a trajetória do ensino médico no Brasil. Com base nesse
estudo, é discutido o desafio do novo modelo de educação médica proposto frente à realidade
atual de formação nesse contexto. Em seguida, são apresentadas as possíveis contribuições da
TAS no processo de mudança que vem sendo construído.
3.1 MODELOS DE EDUCAÇÃO MÉDICA NO BRASIL
Durante os três primeiros séculos de colonização, a sociedade recorreu às mais
diferentes formas de cura para seus males, desde as trazidas da Europa até a medicina
indígena e as ―magias‖ dos povos africanos. Naquela época, os missionários jesuítas que já
eram os principais responsáveis pela educação colonial, assumiram o papel de curadores,
aproveitando-se muito da medicina indígena (EDLER e FONSECA, 2006a).
Aos jesuítas deve-se imputar a iniciativa de intercâmbio entre esses universos da
medicina, já que eles também absorviam o saber dos físicos, cirurgiões e boticários
aplicando-os nos precários hospitais da Santa Casa da Misericórdia (EDLER E
FONSECA, 2006a, p. 8).
Até o século XVIII, a medicina no Brasil era exercida pelos físicos1, cirurgiões
2,
boticários3 e barbeiros
4 (EDLER e FONSECA, 2006b). A partir da segunda metade do século
1 Físicos - atuavam como médicos da Coroa, da Câmara e das tropas nas principais cidades e vilas, sendo
numerosamente pouco expressivos no século XVIII, existindo em cidades como Recife e o Rio de Janeiro
somente 3 ou 4 físicos. Eles eram responsáveis pelo exame, diagnóstico e o receituário para os pacientes. 2 Cirurgiões considerados socialmente inferiores, eram responsáveis pelos ofícios manuais, que exigiam o uso
de ferros de lancetas, de tesouras, de escalpelos, de cautérios e de agulhas. Assim como os físicos, a partir da
segunda metade do século XVIII, passaram a se formar em universidades européias, alcançando posição social
mais privilegiada.
3 Boticários eram oriundos geralmente de famílias humildes e obtinham seus conhecimentos nas boticas
(farmácias). Para obtenção da Carta de Examinação, que lhes possibilitaria o exercício do ofício, submetiam-se a
um exame junto aos comissários do Físico-mor do Reino.
4 Barbeiros, além dos cortes de cabelos e das barbas, praticavam sangrias, aplicavam ventosas, sanguessugas e
clísteres, faziam curativos arrancavam dentes, etc. Da mesma forma que os boticários, os barbeiros necessitavam da Carta de Examinação para habilitá-los ao exercício de seu ofício. Os barbeiros geralmente eram portugueses e
castelhanos, muitos deles cristãos-novos, sendo que a partirdo século XVIII já incluíam-se negros e mestiços
neste ofício.
45
XVIII, os físicos e cirurgiões, já formados em universidades européias, alcançaram posições
sociais mais privilegiadas.
Com a vinda da família real para o Brasil, foi iniciado o processo de organização
profissional e regulamentação do ensino médico, com a instalação de dois cursos de cirurgia e
anatomia nos hospitais militares em Salvador e no Rio de Janeiro em 1808 (EDLER e
FONSECA, 2006c; LAMPERT, 2008). Essa época foi denominada de medicina pré-
científica, pois os textos e conhecimentos científicos vinham de fora (LAMPERT, 2006).
A partir do rompimento das relações com Portugal, ocorrido em 1822, o trabalho
médico dos físicos e cirurgiões de formação ibérica foi sendo substituído pelo dos doutores
formados nas escolas médicas nacionais, cujo modelo era influenciado pela escola francesa
(LAMPERT, 2008). Iniciou-se, assim, a tradição do médico de família que atuava como
clínico, cirurgião e conselheiro higienista (EDLER e FONSECA, 2006c). Começaram a surgir
pesquisas e estudos produzidos no Brasil, dando início à medicina científica propriamente dita
(LAMPERT, 2008). Surgiram os institutos de pesquisa Manguinhos, Bacteriológico e
Butantã. Os pesquisadores Oswaldo Cruz, Adolfo Lutz, Carlos Chagas, Vital Brasil, Pirajá da
Silva destacaram-se por suas contribuições relevantes para a saúde pública nacional
(LAMPERT, 2008). Com a reforma de 1832 as duas escolas médicas passaram a ser
denominadas por faculdades (LAMPERT, 2008).
Dessa forma, a medicina acadêmica brasileira, sob influência francesa, iniciou um
período revolucionário com o surgimento de duas correntes dicotômicas: o racionalismo,
assimilado aos grandes sistemas unificados de patologias e terapêuticas e o empirismo,
associado à observação direta dos sintomas dos pacientes vinculada à observação de lesões
patológicas dos cadáveres, o que representou uma transformação na medicina, originando as
discussões sobre etiologia5 das doenças. Surgiram novos elementos no meio acadêmico e na
prática profissional, vindos da França, tais como: a ausculta, a percussão, patologia tissular,
autópsia, ceticismo clínico e estatística. O uso do estetoscópio fez da Medicina Interna uma
disciplina separada. Para o aprendizado dos métodos de diagnóstico clínico, tornou-se
necessário um ensinamento individualizado, junto ao leito do paciente, revelando a
inadequação apenas do método de leitura até então dominante. Os hospitais, com grande
número de pacientes que poderiam ser examinados sob supervisão, passaram a ser os locais
ideais para esse treinamento e considerados fontes de conhecimentos diagnósticos e
terapêuticos (EDLER e FONSECA, 2006d).
5 Etiologia- estudo das causas das doenças
46
Nesse período histórico, em que surgiram tantos elementos importantes para o avanço
da medicina, cabe destacar o ocorrido em 16 de outubro de 1846, na sala de operações do
Hospital Geral de Massachusetts: o paciente Gilbet Abbot foi anestesiado com éter por
William Thomas Morton, que era dentista, cursando o segundo ano de Medicina na Harvard
Medical School. Isso permitiu que o cirurgião John Collins Warren realizasse publicamente,
pela primeira vez, um procedimento cirúrgico completamente indolor (MARTINS, 1999).
Tal fato foi considerado um sucesso, sendo a data considerada um marco para a Medicina,
pois a narcose por meio da inalação de gases químicos possibilitou que a dor deixasse de ser o
maior obstáculo que impedia que os tratamentos cirúrgicos pudessem ser realizados ou
quando ocorriam representavam um sofrimento de intensidade extrema para o indivíduo. Tal
fato permitiu o imenso e rápido progresso no campo de ação da Cirurgia.
No Brasil, a experiência protagonizada por Morton foi repetida apenas sete meses
depois, quando Roberto Haddock Lobo, no Rio de Janeiro, em 25 de maio de 1847, realizou a
experiência em um estudante de Medicina, que voluntariamente aceitou participar, utilizando
o éter como anestésico. Alguns dias após, dois soldados foram anestesiados com éter no
Hospital Militar da Corte (MARTINS,1999). A partir de 1848, sucederam-se diversas teses
sobre anestesia, apresentadas à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro o que permitiu a
divulgação dos conhecimentos anestésicos no meio acadêmico-científico. Porém, o ato
anestésico durante algumas décadas era realizado pelos próprios cirurgiões até o surgimento
da Anestesiologia como especialidade médica .
Apesar dos progressos citados, por volta de 1880, professores e alunos da Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro, passaram a denunciar as péssimas condições das instituições
de ensino e a precariedade do ensino. Intensificaram-se as críticas ao modelo francês, que,
além de centralizador, separava as atividades de pesquisa prática do processo de formação
médica. Isto ajudou a impulsionar a implantação das reformas do ensino médico que se
seguiram (EDLER e FONSECA, 2006e).
Ao final do século XIX, foi criada a terceira escola médica, a Faculdade de Medicina
de Porto Alegre (LAMPERT, 2008). Surgiu também nessa época, no Rio de Janeiro, a
Medicina Experimental sob a influência do modelo germânico que defendia o ensino prático e
livre (EDLER e FONSECA, 2006f).
O período republicano apresentou uma nova mudança no modelo de ensino médico. A
Constituição da República de 1891 delegou aos estados a responsabilidade sobre a
organização do ensino superior, o que gerou diversidades regionais em relação à
institucionalização do ensino médico (EDLER e FONSECA, 2006g).
47
Em 1908, Abraham Flexner foi contratado para dirigir o programa de avaliação da
educação superior nos Estados Unidos, começando pelo ensino médico. Em 1910 ele
apresentou o ―Relatório Flexner‖ como resultado desse trabalho. Esse relatório desencadeou
uma profunda reforma no ensino médico na América do Norte, estendendo-se a outras áreas
de conhecimento, consolidando a arquitetura de currículo universitário dominante nos países
industrializados e introduzindo, na prática, critérios de cientificidade e institucionalidade para
regulação da formação acadêmica e profissional no campo da saúde (ALMEIDA FILHO,
2010). No processo de restauração da educação médica, das 155 faculdades de medicina
americanas incluídas no relatório, restaram apenas 31, após 10 anos de aplicação de suas
recomendações (ALMEIDA FILHO, 2010). Foram incentivadas a adoção das seguintes
medidas pelas faculdades de medicina: ―regime de ciclos, critérios de entrada, redução do
número de alunos nas salas de aula, hospitais com enfermarias de ensino, dedicação exclusiva
e consequente proibição da prática privada dos médicos docentes‖ (ALMEIDA FILHO,
2010, p. 2237). Naquela época, esse programa recebeu duras críticas, principalmente das
faculdades mais tradicionais. Porém, com o tempo passou a ser considerado padrão mínimo
de qualidade da educação médica americana moderna (ALMEIDA FILHO, 2010).
A diferenciação desse padrão tradicional ocorreu a partir do desenvolvimento da
pesquisa biomédica, com a incorporação crescente de tecnologias. Esse esforço se
consolidou a partir dos primeiros anos do século 20, quando o famoso relatório
Flexner1, ao criticar a medicina de então, obteve grande repercussão e favoreceu o
processo que levou à expansão da medicina especializada. Exageram, entretanto, os
que condenam o relatório, por não levarem em conta o contexto em que foi escrito.
Na época, havia grande deficiência na medicina, e o relatório promoveu seu
aperfeiçoamento e o reforço das especialidades, que eram e continuam a ser
necessárias. A distorção que pode ter resultado das propostas de Flexner se deveu
em grande parte à progressão descontrolada das mudanças propostas, resultantes da expansão do complexo médico hospitalar e do interesse dos próprios médicos em
auferir as vantagens que o novo modelo oferecia. Concomitantemente, difundiu-se o
uso dos hospitais e, neles, a criação das residências, inicialmente propostas como
forma de assegurar o cuidado continuado, mesmo fora das horas de expediente
regular, porém logo adotadas como estágio ideal para a formação de especialistas
(FERREIRA, 2006, p. 41).
A reforma da educação médica preconizada no Relatório Flexner repercutiu
tardiamente no Brasil. Naquele momento, primeiras décadas do século XX, nossas faculdades
de medicina ofereciam modelos retóricos de formação e, onde havia algum dinamismo
científico, cultivavam laços com duas tradições européias antagônicas: a escola francesa, com
forte foco na clínica, e a escola alemã, marcada pela pesquisa laboratorial (ALMEIDA
FILHO, 2010, p. 2237).
48
No início do século XX, a relação do Estado com a sociedade brasileira era
essencialmente campanhista, limitando-se a implementar, com orientação dos médicos da
época, campanhas de combate às doenças em situações de epidemias ou calamidades
(LAMPERT, 2008). Na segunda metade da década de 20, somavam-se mais cinco faculdades
de medicina (LAMPERT, 2008).
A partir de 1926, em São Paulo, o modelo flexneriano foi introduzido, por meio de
financiamento da Fundação Rockefeller, com a criação do tempo integral para disciplinas,
redução para 50 vagas na faculdade de medicina, surgimento do pesquisador com dedicação
exclusiva à pesquisa e à docência e a criação do hospital-escola (Hospital de Clínicas). Essas
transformações expressaram a tendência que a formação médica brasileira sofreu, na qual a
tradição essencialmente clínica, baseada no modelo francês, gradativamente, foi sendo
substituída pela ascensão das disciplinas básicas e pelas especialidades clínicas do modelo
norte-americano (EDLER e FONSECA, 2006g).
Em 1928, foi criado o primeiro Serviço de Anestesia na Santa Casa de Misericórdia do
Rio de Janeiro, de forma a incentivar os estagiários à especialidade. Somente em 1948 foi
fundada a Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA), como forma de representatividade
da nova especialidade médica, tendo como interesse o ensino para a formação de especialistas
na área, bem como oferecer educação continuada a todos os seus membros. A partir da
segunda metade do século XX, alguns hospitais no Brasil ofereciam treinamento na
especialidade. Em 1953 o governo do Estado de São Paulo instituía bolsas para treinamento
de Anestesiologistas para custear a formação dos especialistas. No início da criação, pelo
Estado, da Residência Médica como forma de especialização, foi verificado que, em sua
maioria, era ―uma forma de mão-de-obra, sem um critério de seleção à altura do que seria
necessário para a formação dos novos especialistas‖ (MOURA, 1999). Isto levou a que a SBA
instituísse exigências a serem preenchidas pelos hospitais para funcionarem como Centros de
Treinamento em Anestesiologia. Essas resoluções incluíam diversos itens, dentre eles o tempo
mínimo para a formação e o Programa de treinamento que deveria obedecer parte clínica e
teórica incluindo prática clínica, ciências básicas, técnicas anestésicas, visitas pré e pós
anestésicas, equipamentos adequados, fichas de anestesia, seminários e reuniões do corpo
clínico.
Após a Segunda Guerra Mundial, sob influência do Relatório Flexner, algumas
especialidades se consolidaram, tais como: Higiene, Saúde Pública, Bioquímica,
Epidemiologia, Pediatria e Hematologia (EDLER e FONSECA, 2006h).
49
Nos anos cinquenta predominava a especialização precoce, em que o estudante dos
últimos anos de Medicina, em troca de aprendizado e acesso às atividades assistenciais, era
vinculado a um determinado serviço, associado ou não a algum tipo de remuneração. A
formação de cirurgiões, clínicos e especialistas em geral ocorria dessa forma. Assim, muitos
se engajavam em equipes médicas e, gradativamente, iam se incorporando aos serviços
universitários ou ao mundo do trabalho (BAFFA, 2008).
Somente a partir da Resolução número 8 de 1969, do Conselho Federal de Educação,
do Ministério da Educação, é que foi estabelecido o currículo mínimo do curso de graduação
em Medicina (BAFFA, 2008) e criado o internato médico como o período de estágio
profissional obrigatório (BRANDÃO, 2011).
A partir de 1960, com a industrialização do país e com foco na saúde do trabalhador,
novas escolas médicas foram criadas, de forma desordenada, com um aumento exponencial da
oferta de vagas para estudantes de medicina, principalmente em escolas privadas. Isto ocorreu
sem nenhum compromisso com a qualidade do ensino. Em apenas cinco anos, criaram-se 35
escolas, chegando ao final do século com 113 escolas médicas (LAMPERT, 2008, EDLER e
FONSECA, 2006j, 2006l).
A Comissão do Ensino Médico do MEC, instituída em 1971 apontou em diversos
documentos as mazelas sofridas pelo ensino: corpo docente desqualificado, com
pouca ou nenhuma experiência em pesquisa; falta de infra-estrutura para a pesquisa;
professores convidados itinerantes; falta de campo para a prática de estudantes, na
fase clínica ou de internato; isto é, cursos eminentemente teóricos sem a realização
de estágios práticos (EDLER, 2006i, p.24).
Ao analisar esta tendência, a Comissão do Ensino Médico do MEC advertia: ―Por
motivos óbvios o ensino médico não pode, em hipótese alguma, limitar-se a preparo
doutrinário dos alunos. Requer aprendizado rigoroso de habilidades psicomotoras e
adoção de determinadas atitudes em situações complexas, o que exige instrução individualizada por pessoal docente altamente qualificado e equipamento
abundante‖ (EDLER e FONSECA, 2006l, p. 26).
A despeito do consenso já existente, desde a Primeira Conferência sobre o Ensino de
Clínica Médica no Brasil, ocorrido em 1961, a respeito dos padrões mínimos eficientes do
processo ensino aprendizagem, que preconizava a formação de clínicos gerais e o combate à
especialização precoce (EDLER e FONSECA, 2006h) e das advertências da Comissão do
Ensino Médico do MEC (EDLER e FONSECA, 2006i, 2006l), a realidade sócio-política da
época, permitiu o aumento do número de escolas médicas. Alguns dados, tais como: grande
número de municípios sem médicos, pequena proporção médico/habitante, alto índice de
mortalidade infantil, aliados ao interesse das classes médias urbanas pela Medicina, como
50
uma possibilidade de ascensão social, criaram um cenário propício para esse aumento de
escolas médicas no Brasil (EDLER e FONSECA, 2006l).
Segundo Ferreira (2006), com o tempo, os efeitos negativos da excessiva
especialização começaram a ser sentidos. Estudos e debates internacionais sobre o assunto se
intensificaram tentando encontrar soluções, por meio de ações visando estimular a formação
de médicos generalistas. Diversos programas de saúde começaram a ser promovidos com o
objetivo de uma prática assistencial voltada para a comunidade. A Medicina Preventiva
começou a se destacar como uma das estratégias para atender a essa demanda. Os debates
sinalizaram para a necessidade de uma formação médica de preparação básica integral. Desde
a segunda metade do século XX, a crise na educação médica tem sido tema de debates em
diversos fóruns internacionais, sendo percebidos diversos movimentos que retratam processos
de mudança na busca por um novo modelo de educação médica.
Em 1978 a Organização Mundial de Saúde e a UNICEF promoveram a Conferência de
Alma-Ata que teve como resultado a ampliação do conceito de saúde: ―completo bem estar
físico, mental e social e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade...‖ (ALMA-
ATA, 1978, p.1) e a promulgação da Declaração pela ―saúde para todos até o ano 2000‖
juntamente com a proposição da atenção primária em saúde:
O desenvolvimento econômico e social baseado numa ordem econômica internacional é de importância fundamental para a mais plena realização da meta de
Saúde para Todos no Ano 2000 e para a redução da lacuna existente entre o estado
de saúde dos países em desenvolvimento e o dos desenvolvidos. A promoção e
proteção da saúde dos povos é essencial para o contínuo desenvolvimento
econômico e social e contribui para a melhor qualidade de vida e para a paz mundial
(ALMA-ATA, 1978, p.1).
A partir dos anos 80, os movimentos propondo mudanças na educação médica no
Brasil cresceram (FEUERWERKER, 1998). O Movimento Sanitarista ganhou força na
década de 80, influenciando as políticas públicas de saúde. Em 1986, ocorreu a VIII
Conferência Nacional de Saúde com o movimento da Reforma Sanitária. A Constituição
Federal de 1988 definiu cidadania (p.5), e garantiu a todos, o direito à saúde (p.7). A Lei
Orgânica do SUS (1990) normalizou a organização do Sistema de Saúde e seus principais
eixos: integralidade, universalidade, equidade e o institucionalizou como ordenador de um
sistema de formação em Saúde, em todos os níveis de ensino, inclusive de pós-graduação, e
de programas de permanente aperfeiçoamento (AMORETTI, 2005).
Apesar dos propósitos da Conferência de Alma-Ata não terem sido alcançados no
prazo previsto, eles influenciaram movimentos e instituições a atuarem no sentido desses
51
objetivos (AMORETTI, 2005). Com esse foco, a formação médica passou a ter uma ênfase na
prevenção, sendo importante que o aluno participasse desse contexto, discutindo e entendendo
os fatores sociais aí envolvidos.
Essa nova realidade expôs a fragilidade da formação do profissional, uma vez que este
não estava sendo capaz de atender às reais necessidades da população. O excesso de
tecnologias contrastava com a dificuldade de acesso aos recursos básicos de saúde, pela
grande maioria da população. Era necessário que o médico apresentasse um novo perfil
profissional: reflexivo e crítico em relação à sua profissão; permanentemente atualizado em
seus conhecimentos profissionais; conhecedor de Epidemiologia; participante na gestão do
sistema público de saúde; com conhecimento de comunidade, família e técnicas de grupo, de
práticas multidisciplinares e interdisciplinares necessárias ao trabalho; conhecimentos em
saúde mental e psicologia, em saúde coletiva, gestão e informação em saúde, em educação
para a promoção da saúde, de métodos de ensino aprendizagem e técnicas pedagógicas
inovadoras, dentre outras características (AMORETTI, 2005).
A formação do novo médico está condicionada à mudança na educação também dos
demais profissionais da área da saúde, de níveis superior e técnico. Este processo
deve ser simultâneo, integrado, progressivo e solidário. O foco no médico significa
que é em torno dele que se estrutura grande parte da distorção da educação atual e que a mudança na formação dos profissionais da medicina é central, embora não
exclusiva e nem suficiente para o êxito deste processo (AMORETTI, 2005, p. 143).
Contudo, apesar de algumas experiências inovadoras terem surgido em algumas
escolas médicas, o que vem prevalecendo é o modelo de ensino médico hegemônico,
caracterizado pela prática baseada principalmente em hospital-escola, metodologia tradicional
de ensino centrada no professor, e pela fragmentação do conhecimento devido à
especialização, impulsionada pela dinâmica do mercado de trabalho, o que influenciou na
falta de compromisso docente em projetos de ensino mais integradores (EDLER e
FONSECA, 2006l).
Feuerwerker (1998) salienta que foi a mudança do paradigma da doença pelo
paradigma da saúde que iniciou um processo de construção social da saúde.
Não se pode supor que a solução para a crise paradigmática da saúde vá surgir a
partir de projetos de mudança na educação médica. Ou que os problemas
enfrentados na implantação do SUS possam encontrar sua solução na discussão
sobre a formação de recursos humanos. Nos dois casos, a solução depende de haver
uma mudança na maneira como a sociedade enfrenta a construção da saúde. Mas o
processo de produção de alternativas ocorrerá nos dois campos: educação e prática
(FEUERWERKER, 1998, p. 55).
52
3.2 O PARADIGMA DA INTEGRALIDADE E A REALIDADE DA FORMAÇÃO
MÉDICA
O ―Paradigma6 da Integralidade‖ é o que vem sendo proposto nos diversos fóruns
nacionais e internacionais que debatem o futuro da educação médica. Este se caracteriza pelo
foco na saúde e não na doença; pelo processo ensino aprendizagem centrado no aluno; pela
formação prática em diferentes níveis de complexidade no sistema de saúde; capacitação
docente técnico-científica e didático-pedagógica para os médicos que atuam no ensino;
reflexão e crítica sobre os aspectos econômicos e humanísticos da prestação de serviços em
saúde e das questões éticas envolvidas de forma a orientar o acompanhamento da dinâmica do
mercado de trabalho médico (COSTA, 2007).
Atualmente, em relação ao campo da Anestesiologia, também tem sido proposto um
novo modelo para a sua prática, que é o da Medicina Perioperatória. Isto representa a
transformação da especialidade em um conceito mais amplo de cuidado ao paciente, que se dá
desde o momento da indicação de tratamento cirúrgico até a alta hospitalar (CAVALCANTI,
2005). Para que esse novo modelo se torne uma realidade, ainda há um longo caminho a ser
percorrido, uma vez que envolverá uma nova filosofia que implicará em novos planejamentos
administrativos, organizacionais e principalmente educacionais (CAVALCANTI, 2005). O
desafio será criar uma organização de serviços assistenciais para a medicina perioperatória,
cujo modelo é centrado no paciente e com ênfase em cuidados contínuos durante todas as
fases de seu tratamento, que se articule à uma nova proposta pedagógica centrada no aluno,
aliada ao modelo da integralidade.
A medicina perioperatória inclui a anestesia, o tratamento da dor aguda pós
operatória, a analgesia de parto, o cuidado intensivo dos pacientes cirúrgicos, a
reanimação cardio-respiratória e a medicina do trauma. Tem a finalidade de agregar
as diferentes áreas do conhecimento, numa sistemática interdisciplinar, com o intuito
de definir fatores que podem aumentar o risco perioperatório, planejar estratégias para atenuá-los ou evitá-los, possibilitando um atendimento integral ao paciente,
com melhora do curso perioperatório, imediato e tardio (CAUMO, W.; ARENSO-
PANDIKOW, H. M, p. 1).
6 Paradigma: termo definido por Kuhn (1975, p.30) como as realizações científicas que eram, simultaneamente,
suficientemente sem precedentes (para atrair um grupo duradouro de partidários) e suficientemente abertas (para
deixar toda espécie de problemas para serem resolvidos pelo grupo redefinido de praticantes da ciência). Assim
―duas condições devem ser preenchidas pelo novo paradigma: 1)resolver problemas detectados que o paradigma anterior não tenha conseguido resolver; e 2) preservar uma parte substantiva daquilo que foi construído pelo
paradigma velho‖ (LAMPERT, 2006, p.44). Apesar de saber que esse conceito não se aplica à educação médica,
por ser restrito ao mundo da ciência, ele é utilizado pelos estudiosos na área como uma metáfora que, por
similaridade, significa a mudança legitimada pela sociedade e que seja percebida como progresso.
53
A Anestesiologia é uma especialidade essencialmente interdisciplinar, particularmente
quando inserida no modelo da Medicina Perioperatória. Dessa forma, o contato com a
especialidade durante a graduação é o momento ideal para que o aluno adquira conhecimentos
fundamentais para o médico, qualquer que seja sua atuação futura. Além disso, é um
momento adequado para identificar possíveis interessados na especialidade, pois o contato e
diálogo com os especialistas e professores são muito relevantes para essa escolha. Porém, em
nível de currículo de graduação médica o contato com a Anestesiologia, e seu ensino, é
bastante variado conforme a instituição. De modo geral, o contato do graduando com essa
especialidade costuma ser muito limitado, quando comparado ao de outras disciplinas e,
algumas vezes, restringe-se a treinamentos pontuais (RAMALHO, 2012).
De acordo com o novo modelo de educação médica proposto, a formação prática deve
ocorrer em diferentes níveis de complexidade na atenção à saúde, logo, é fundamental que o
currículo de graduação médica seja capaz de permitir a prática da interdisciplinaridade.
Na última década, diversas iniciativas impulsionaram a implantação desse novo
modelo, como, por exemplo, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em
Medicina (DCN), instituídas pelo Ministério da Educação, por meio do Conselho Nacional de
Educação. Esta legislação recomenda a formação de um médico generalista, humanista,
crítico e reflexivo, pautado em princípios éticos, capaz de atuar no processo de saúde-doença,
em seus diferentes níveis de atenção, com responsabilidade e compromisso com a cidadania
(BRASIL, 2001).
O artigo 7º. das DCN recomenda que a carga horária mínima do período do internato
deve corresponder a 35% da carga horária total do curso de graduação, o que representa cerca
de dois anos de duração. O treinamento no internato deve ocorrer em serviços próprios ou
conveniados, sob supervisão direta de docentes da própria faculdade. As atividades devem
ser essencialmente práticas e a carga horária teórica não deverá ultrapassar 20% da carga
horária total do estágio. Nos três primeiros semestres (nono, décimo e décimo primeiro
períodos) o internato é denominado internato rotatório e é cumprido nas grandes áreas da
medicina (Clínica Médica, Cirurgia Geral, Ginecologia / Obstetricia, Pediatria e Programa de
Saúde da Família), sendo que no último semestre (décimo segundo período), denominado
internato eletivo, deverá ser cumprido, por opção do aluno, em uma dessas grandes áreas. Os
departamentos destas grandes áreas são os responsáveis pelo planejamento e coordenação do
programa de internato, ficando a responsabilidade pelo controle e execução a cargo da
comissão de internato, constituída por um representante de cada um dos departamentos
envolvidos, de um representante do corpo discente de cada período do internato e presidida
54
pelo coordenador de graduação da Faculdade de Medicina. O Serviço de Anestesiologia faz
parte do Departamento de Cirurgia, participando das atividades de treinamento tanto do
internato eletivo quanto do rotatório. Os alunos que optam pelo internato eletivo em Cirurgia
Geral podem escolher passar parte desse período no internato em Anestesiologia (Internato
Eletivo em Anestesiologia).
Historicamente, a prática profissional dos médicos tem sido transmitida por meio de
treinamento em serviço, combinando os conhecimentos teóricos adquiridos com a experiência
clínica (incluindo o relacionamento com pacientes). Somente a experiência adquirida na
prática pode completar a formação do médico, pois é dessa forma que o profissional assume
seu comprometimento e responsabilidade para com os doentes e pode construir, também, a
ética em suas relações com os pacientes, baseada no exemplo e na experimentação
(FEUERWERKER, 2002).
É importante destacar que, ao longo da graduação, as faculdades de medicina
oferecem poucas oportunidades para o aprendizado de habilidades psicomotoras necessárias à
prática médica. Isto pode ser evidenciado em alguns estudos realizados na área e que
destacam a contribuição que o estágio na Anestesiologia, durante a graduação, pode oferecer
nesse processo (VOTTO, 1996; ARENSON-PANDIKOW, BORDIN e MEDEIROS, 2000;
NASCIMENTO JUNIOR, HONG E CASTIGLIA, 1998; ARENSON-PANDIKOW, PLANT
E MOYES, 1995).
Segundo Votto (1996), alguns aspectos limitam o treinamento pelo aluno nessas
habilidades junto aos pacientes, podendo acarretar um sofrimento maior a esses pacientes e
que podem gerar implicações éticas, sociais e legais. A autora salienta que o estágio em
Anestesiologia oportuniza ao aluno condições de aprendizado na identificação e solução de
determinados problemas críticos, como os respiratórios, cardiovasculares, metabólicos e
sensoriais. Esse estudo propôs a utilização de procedimento anestésico-cirúrgico em animais
como uma alternativa para que os alunos possam realizar a prática dessas habilidades, tais
como: punção venosa, preparo de fármacos, hidratação, injeção de drogas, avaliação clínica,
técnicas de acesso à via aérea, monitorização não invasiva e invasiva, técnicas e equipamentos
de anestesia.
O trabalho de Arenson-Pandikow, Bordin e Medeiros (2000), desenvolvido junto aos
alunos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, evidenciou
a falha existente no aprendizado de algumas habilidades psicomotoras consideradas básicas
para o médico genaralista. Nesse estudo, foram avaliados, durante a graduação, os
desempenhos dos alunos na realização de 18 habilidades consideradas inerentes ao
55
treinamento básico de um médico geral e que eram acessíveis aos alunos do décimo período
de graduação na rotina do estágio em Anestesiologia da disciplina de Cirurgia. Esse grupo de
habilidades foi distribuído nos quatro subgrupos seguintes:
a)Infusão venosa, composto por quatro habilidades: punção venosa, instalação de
soro, administração intra-venosa de fluidos e transfusão sangüínea; b)
monitorização, constando de monitorização básica, identificação de arritmia
cardíaca, medida de pressão venosa central e estimativa de perda sangüínea; c) via
aérea, incluindo identificação de obstrução respiratória, aspiração de secreções,
colocação de cânula orofaríngea, ventilação sob máscara, intubação orotraqueal e
extubação da traquéia; e d) cuidados com o paciente inconsciente, composto por
passagem de sonda nasogástrica, administração intravenosa de drogas que agem no sistema nervoso central (SNC), identificação do nível de consciência e transporte de
paciente inconsciente.(Arenson-Pandikow et al, 2000, p. 23-24)
Os resultados desse estudo foram baseados nos relatos dos alunos no início e no final
do estágio em Anestesiologia, mostrando que o desempenho dos alunos ficou abaixo do
esperado, pois menos da metade deles relatou desempenho em 11 das 18 habilidades
avaliadas.
O trabalho de Nascimento Junior, Hong e Castiglia (1998) também defende que por
integrar o currículo médico, a disciplina de Anestesiologia pode fornecer conhecimentos
importantes para a formação de um médico generalista, salientando que um dos problemas
nessa área de ensino é a avaliação do processo ensino-aprendizagem. Consideram que,
especificamente em Anestesiologia, a avaliação do aprendizado de habilidades básicas e as
relacionadas com o manuseio de vias aéreas, de reanimação e de identificação e entendimento
de ocorrências clínicas durante o período perioperatório são de grande importância.
Os resultados do trabalho de Arenson-Pandikow, Plant e Moyes (1995, p. 183)
sugerem que o ensino da Anestesiologia na graduação, quando ―dirigido para o
reconhecimento de intercorrências clínicas no per-operatório, promove ao aluno em
treinamento uma base de aprendizado clínico raramente disponível nos demais programas de
ensino‖.
Segundo Longnecker (2002), o ensino em Anestesiologia, durante a graduação, é o
momento adequado para expor todos os alunos de medicina aos desafios da especialidade e
contribuir para que desenvolvam diversos conhecimentos, além de treinamentos práticos,
como, por exemplo, relacionados ao tratamento da dor e cuidados críticos, defendendo que o
ensino em Anestesiologia deveria ser incorporado ao núcleo do currículo médico e não ficar
restrito apenas ao período eletivo opcional.
56
De modo geral, o treinamento prático dos alunos de medicina se inicia somente no
internato médico, o que gera uma radical separação entre teoria e prática, pois durante os
quatro anos iniciais da graduação predomina a transmissão de conhecimentos teóricos, sem
relações efetivas com os problemas práticos (FEUERWERKER, 2002).
O internato médico é o momento em que o aluno precisa colocar em prática todo o
conhecimento científico adquirido ao longo dos anos anteriores para desenvolver habilidades
e competências fundamentais para o exercício de sua futura profissão. Em geral, nesse
contexto educativo, o responsável pela recepção e acompanhamento dos internos, fornecendo
oportunidades para que ele integre ensino e prática, é o preceptor.
O preceptor é o profissional que atua dentro do ambiente de trabalho e de formação,
estritamente na área e no momento da prática clínica. Sua ação se dá por um curto período de tempo, com encontros formais que objetivam o progresso clínico do
aluno ou recém-graduado. O preceptor desenvolve uma relação que exige pouco
compromisso, percebido apenas no cenário do trabalho. Tem, então, a função
primordial de desenvolver habilidades clínicas e avaliar o profissional em formação
(BOTTI e REGO, 2008, p. 370).
Porém, essas atribuições do preceptor, no contexto do internato, apesar de serem
básicas, não são facilmente colocadas em prática, pois ―não existe capacitação específica para
relação médico-aluno que aí se constrói, nem compromisso formal com a formação‖
(MISSAKA E RIBEIRO, 2009, p.1). Os internos, de modo geral, sem uma adequada
preceptoria ficam expostos à má prática formativa. Diante desse cenário, é necessário que se
estabeleçam relações pedagógicas entre preceptor/aluno, que possam contribuir para
aprendizagem prática do interno, para que ele ―aprenda a ser médico‖.
Além de suas funções básicas, muitas vezes, os preceptores não somente servem de
modelo para o desenvolvimento e crescimento pessoal dos graduandos, como, ainda, auxiliam
na formação ética deles durante determinado período de tempo (BOTTI e REGO, 2008).
Outro aspecto que precisa ser percebido é que o internato é um período repleto de dúvidas,
angústias e inseguranças a serem superadas pelo graduando. Por isso, ao chegarem aos
diversos serviços, os internos deveriam ser acolhidos verdadeiramente. Isso implicaria em
oferecer algo além de transmitir informações e conhecimentos tecnicocientíficos, sendo
necessário competência e disponibilidade para escutar e dialogar (AYRES, 2004).
Nesse sentido, Cruz (1997) enfatiza que:
O docente da escola médica deve estar ciente e preparado para perceber que sua
interação com o aluno é tão importante quanto sua relação com o paciente. E este aluno só poderá desenvolver a percepção do paciente como pessoa se ele, aluno, for
percebido e considerado como pessoa (CRUZ, 1997, p.24).
57
Acrescenta ainda:
Pontes, em 1968, afirmava: "estabeleceu-se no âmbito da escola médica o triângulo
de relacionamento das três personagens principais: professor, estudante, paciente.
Não esquecer que o estudante é a figura mais importante se quiser estabelecer uma
prioridade. Dele nascem diretamente o médico e o professor e poderá dar origem ao
paciente tanto mais direta e facilmente quanto menos se lhe preste atenção como ser
humano em formação" (CRUZ, 1997, p.24).
Portanto, uma das mudanças necessárias pelo novo paradigma é que o currículo
contenha, além das matérias que compõem o programa de estudo, atividades e vivências no
processo ensino aprendizagem de forma que o aluno viva experiências apropriadas ao
processo. Logo, é necessário que se implantem mudanças nas práticas pedagógicas que
aproximem a formação do profissional de saúde da realidade social e que sejam capazes de
motivar docentes e discentes a se envolverem em novas redes de conhecimento (MITRE,
2008). Considerando a necessidade de um aprendizado contínuo, para além da graduação,
diante das rápidas transformações de conhecimentos e de competências para a prática
profissional adequada, é fundamental que a metodologia educacional utilizada seja capaz de
contribuir na formação de um profissional ativo e apto a ―aprender a aprender‖.
Segundo Fernandes e colaboradores, o aprender a aprender na formação dos
profissionais de saúde deve compreender o aprender a conhecer, o aprender a fazer,
o aprender a conviver e o aprender a ser, garantindo a integralidade da atenção à saúde com qualidade, eficiência e resolutividade (MITRE, 2008, p. 2135).
Nessa perspectiva, o docente assume o papel de facilitador do processo ensino
aprendizagem, desenvolvendo novas habilidades como, por exemplo, a de permitir que o
discente participe ativamente de seu processo de aprendizagem (MITRE, 2008).
Diante dessa nova demanda pedagógica, diversas dificuldades precisam ser
enfrentadas e superadas. Costa (2007), por meio de uma revisão de literatura, identificou
alguns fatores docentes que limitam as mudanças em Medicina, tais como: desvalorização das
atividades de ensino e supremacia da pesquisa; falta de profissionalização docente;
desvalorização da formação docente do professor de Medicina; resistência docente a
mudanças; e individualismo da ação docente. Para Abreu Neto et al (2006), um obstáculo à
mudança necessária na educação médica é a própria formação dos professores de Medicina.
Diante disso, pode-se considerar como fundamental para o sucesso de qualquer programa
pedagógico inovador, o investimento em programa de capacitação docente, avaliação
58
contínua do processo de implantação da mudança, com participação docente e discente, para
discussão de problemas e busca de soluções.
Em relação à realidade atual da educação médica, Feuerwerker (2002) aponta outros
problemas comuns que são relacionados à avaliação da aprendizagem, entre eles: a utilização
quase exclusiva da avaliação cognitiva ao final da disciplina (com ênfase na memorização de
conteúdos); a valorização de aspectos menos importantes do conteúdo das disciplinas; a
desvalorização de mecanismos de avaliação diferentes da prova. Já no internato, muitas vezes,
não há mais provas e, sim, avaliações de desempenho, feitas de modo muito subjetivo, sem a
definição de critérios. Baffa (2008) salienta que a prática avaliativa no internato médico deve
ser democrática, dialógica, formativa e includente. Na opinião de Feuerwerker (2002), é
indispensável entender que a avaliação da aprendizagem visa coletar informações sobre o
desempenho dos alunos para aperfeiçoar o processo de ensino-aprendizagem; identificar os
interesses de cada estudante para melhor orientá-los; julgar quais experiências educacionais
são mais úteis para diversos grupos de estudantes; verificar se os programas educacionais
estão provocando reais mudanças; proporcionar elementos para que o professor possa planejar
o nível e o tipo de atividade educacional adequados.
Pelo exposto, depreende-se que esse novo modelo desejado de Educação Médica é
uma tendência, porém, como ele poderá ser alcançado? Que medidas deverão ser adotadas
para isso? E o que deverá realmente ser ensinado ao graduando e aprendido por ele?
Para Feuerwerker (2002), nos últimos 30 anos, as discussões sobre o aspecto
pedagógico na educação médica enfatizaram o desenvolvimento de materiais didáticos e
implementação de técnicas pedagógicas, ao invés de analisarem criticamente as concepções
pedagógicas predominantes nas faculdades de medicina. Pois, dependendo da concepção
adotada, haverá maior ou menor possibilidade do aluno desenvolver a iniciativa, o
pensamento crítico, o conhecimento da realidade e o compromisso social necessários nesse
novo modelo de formação que se deseja atingir. ―Compreender como se constrói o saber
médico é fundamental para propor melhores alternativas para o seu processo de educação. A
maior parte das tentativas de mudança, no entanto, passou ao largo desta discussão‖
(FEUERWERKER, 2002, p. 56).
Portanto, com base nessas considerações, foi possível perceber que os problemas
encontrados na formação médica, não estão limitados apenas ao campo da Saúde ou Educação
isoladamente. O fenômeno educativo é extremamente complexo e para compreendê-lo é
necessária a integração desses campos com outras áreas do conhecimento, tais como
Psicologia, Filosofia, Sociologia, Antropologia, Genética e Medicina (LIMA, 1990). Foi esse
59
pensamento que norteou o desenvolvimento do presente trabalho. Ou seja, inicialmente,
buscou-se compreender os princípios da TAS, apresentados no capítulo 2, para integrá-los às
questões apresentadas no presente capítulo.
3.3 AS POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DA TAS PARA A MUDANÇA NA EDUCAÇÃO
MÉDICA
Pela perspectiva de Novak (1998), os elementos básicos de qualquer evento educativo
são: o aluno, o professor, o conhecimento (currículo), o contexto e a avaliação. Portanto,
analisando-se cada um desses elementos inseridos no contexto da educação médica, pela
perspectiva da TAS, é possível entender como essa concepção pedagógica pode contribuir no
sentido da mudança desejada.
Em relação ao papel do aluno, pelo novo modelo de educação, o processo ensino
aprendizagem deve ser centrado nele que, além de adquirir os conhecimentos e habilidades
necessários à sua futura prática profissional, deverá desenvolver uma visão reflexiva e crítica
sobre ele mesmo e sobre a realidade apresentada. Pela TAS, o aluno, para aprender
significativamente, deve ter a intencionalidade de aprender e possuir algum conhecimento
prévio de forma que a nova informação seja passível de articular-se com ele. Dessa forma,
esse é um processo ativo no qual o aluno tem grande responsabilidade na construção de seu
conhecimento.
Deve- se considerar também que cada aluno possui a sua individualidade, logo, esse
processo de construção do conhecimento poderá ser incentivado e facilitado, porém, sempre
será dependente do nível de intencionalidade que cada aluno apresentar. Pelo que foi
observado, o graduando de medicina só irá completar sua formação pela experiência prática e,
uma vez que, durante a graduação, em geral, há uma separação entre a aquisição dos
conhecimentos teóricos e a prática, torna-se fundamental que se apliquem esforços no sentido
de mudanças urgentes no processo ensino aprendizagem durante o internato, uma vez que,
pela realidade da educação médica atual, somente nesse período essa experiência prática é
oferecida. Pela perspectiva da TAS, é fundamental que o interno tenha consciência de sua
responsabilidade nesse processo, que se conheça quais os conhecimentos teóricos prévios que
ele possui. Além disso, para que seu conhecimento se consolide, deve-se planejar
adequadamente as atividades pedagógicas, em ambientes de aprendizagem que sejam
favoráveis para o desenvolvimento da aprendizagem significativa, e que haja um
acompanhamento contínuo desse processo.
60
Em relação ao papel do professor, o novo paradigma preconiza que haja capacitação
docente técnico-científica e didático-pedagógica para os médicos que atuam no ensino.
Conforme já discutido neste capítulo, os estudos sobre a realidade atual da educação médica
apresentam diversos obstáculos relacionados à docência e que vêem impedindo a implantação
das mudanças necessárias nesse contexto educacional. Dentre eles, a falta de capacitação
didático-pedagógica é de grande relevância. Diante disto, também é urgente o investimento na
capacitação pedagógica dos docentes e/ou médicos envolvidos nesse evento educativo. Pela
perspectiva da TAS, o papel do professor é o de facilitador desse processo. Ele deve organizar
o planejamento de seu ensino, de acordo com os objetivos que deseja atingir, permitindo a
participação ativa do aluno na construção de seu conhecimento, promovendo atividades
adequadas, interagindo com o aluno e acompanhando continuamente esse processo.
Em relação ao currículo, para que possa atender aos princípios do novo paradigma,
este deve possuir o foco na saúde e não na doença, promover a integralidade e permitir que a
formação prática do aluno se dê em diferentes níveis de complexidade no sistema de saúde.
Conforme salientado por Feuerwerker (2002), as discussões e ações dos aspectos pedagógicos
da educação médica, em geral, ficaram limitados ao desenvolvimento de material didático e
implantação de novas técnicas pedagógicas, não sendo discutido o cerne dessa questão que é a
concepção pedagógica de aprendizagem e de ensino adotada. Nesse aspecto, a TAS oferece
elementos que podem orientar a organização de nova arquitetura curricular capaz de atender
aos princípios do paradigma da integralidade.
Em relação ao contexto, o novo paradigma preconiza que a formação se dê em
diferentes níveis de complexidade no sistema de saúde, o que sugere diferentes ambientes de
práticas educativas para o aprendizado. Porém, a realidade apresentada na educação médica,
em geral, evidencia um contexto inadequado em que a integralidade não está presente, sendo
o ensino fragmentado em disciplinas isoladas. Pela perspectiva da TAS, Novak (1998)
salienta que, como os cinco elementos do evento educativo são interdependentes, qualquer
mudança no contexto físico deve ser acompanhada de mudanças em todos os outros
elementos, seguindo a mesma concepção pedagógica.
Em relação à avaliação da aprendizagem na educação médica, diversos problemas
foram detectados, particularmente a avaliação cognitiva isolada ao final das disciplinas.
Porém, para o sucesso de qualquer evento educativo é fundamental que a avaliação esteja
permeando todo o processo. Pela perspectiva da TAS, além de identificar evidências de AS, a
avaliação tem um papel central para a promoção da aprendizagem, observando o que o aluno
está aprendendo, acompanhando a evolução desse aprendizado, verificando se as estratégias
61
pedagógicas utilizadas estão adequadas para a obtenção dos objetivos estabelecidos, e
facilitando o processo de aprendizagem, pois o aluno, ao se preparar para o exame, tem a
oportunidade de realizar a revisão, a consolidação e a integração do assunto.
Portanto, tendo por base os princípios do paradigma da integralidade proposto para a
educação médica, buscou-se analisar as principais questões envolvidas na realidade deste
contexto e relacioná-las aos princípios da TAS. Isso possibilitou o desenvolvimento da
presente pesquisa e a reflexão sobre a integração desses fundamentos com a prática
pedagógica adotada nos processos de ensino e de aprendizagem do contexto do internato
eletivo em Anestesiologia, tendo o Portfólio Reflexivo Eletrônico como ferramenta
facilitadora da AS.
62
4 O PORTFÓLIO REFLEXIVO ELETRÔNICO (PRE)
O presente capítulo procura definir e explorar as características do portfólio, de forma
a fundamentar seu uso como uma alternativa adequada às mudanças pedagógicas necessárias
no contexto da educação médica. Sendo assim, ele está dividido em três seções:
Na primeira seção é apresentada a conceituação e as características do portfólio de
consenso na literatura, buscando uma melhor compreensão sobre esse instrumento pedagógico
e a discussão sobre suas possíveis contribuições para o processo ensino aprendizagem, pela
perspectiva da TAS. É discutido também o uso das TICs na educação e sua associação ao
portfólio com o objetivo de potencializar os efeitos pedagógicos desse instrumento.
Na segunda seção, é discutido como o PRE vem sendo utilizado e pesquisado no
contexto da Educação Médica, por meio de uma revisão de literatura.
Na terceira seção, é apresentada a sugestão e orientação de Vitale e Romance (2000)
para o planejamento do processo de elaboração de um portfólio, com o objetivo de facilitar e
avaliar o processo de AS do aluno.
4.1 CONCEITUAÇÕES E ASSOCIAÇÃO ÀS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO (TICs)
O termo portfólio se originou do latim, em que o prefixo port significa transportar.
Segundo o dicionário Michaelis online, a palavra ―folio‖ significa folha de livro e o termo
portfólio é uma pasta para documentos ministeriais ou pasta para guardar amostras, álbuns,
folhetos.
Segundo Alves (2004), o portfolio é uma modalidade de avaliação originada do campo
das artes e que tem como objetivo criar novas formas de avaliação para o desenvolvimento
das inteligências artísticas. Ele é constituído por um conjunto dos trabalhos do artista, que o
utiliza para divulgar sua produção, de forma que possa ser analisado e avaliado.
A partir de 1990, universidades americanas começaram a utilizar portfólio de ensino
em avaliações formativas e somativas. No Brasil, a utilização desse instrumento para
avaliação não é uma tradição na educação superior, apenas alguns professores, especialmente
em cursos de formação docente, o utilizam como forma de registro de ações e de reflexões
(ALVES, 2004).
Para Depresbiteris (2001) o portfólio é um instrumento que pode reunir diversos
trabalhos realizados pelo aluno (resumos de textos, relatórios, anotações diversas, casos
63
interessantes, ensaios reflexivos), permitindo que ele discuta, avalie e reflita sobre como a
experiência, do trabalho ou do curso realizado, modificaram seu conhecimento.
Grant e Dornan (2001) esclarecem que o portfólio é uma coleção de trabalhos do aluno
com evidência de sua aprendizagem e que pode ser usado como proposta de avaliação, porém,
para que haja evidência de crescimento profissional as narrativas devem ser feitas pelo
próprio aluno e os registros dessas narrativas devem ser coletados no curso de uma
aprendizagem experiencial. Além disso, a aprendizagem ocorre em resposta às necessidades
identificadas pelo próprio aluno a partir de uma reflexão. Este é o ponto central do método
―portfólio de aprendizagem‖, por isso, é chamado portfólio reflexivo.
Segundo Albuquerque et al (2010, p.192), ―narrar é uma manifestação que acompanha
o homem desde sua origem, podendo ser feita oralmente ou por escrito. Refletir sobre o ato de
narrar é quase tão antigo quanto o próprio narrar‖. A narrativa é uma das formas que as
pessoas utilizam para construir e constituir uma realidade, dando um sentido às suas
experiências individuais.
A particularidade do portfólio é proporcionar, ao estudante, um espaço de reflexão
sobre sua aprendizagem, apoiar a organização de seu saber, aprimorar a habilidade de
observação, promover a reelaboração do processo de aquisição de conhecimentos, permitir
intervenções e mudanças imediatas (ALVES, 2002).
Schön (1983), considera a reflexão como componente importante na organização de
um portfólio eficiente. Para ele, a reflexão é um processo em que os sujeitos extraem
o sentido de uma situação dada, não se apoiando, particularmente, em pontos de
vista objetivos ou técnicos ou em modelos referenciais estruturados, mas, mantendo um “diálogo reflexivo‖, aberto, amplo, consigo mesmo, a respeito de uma
determinada situação (ALVES, 2004, p.4).
Segundo Schön (2000, p. 220), ―a aprendizagem de um estudante é potencializada
quando ele pode falar sobre as suas confusões, descrever elementos do que já sabe ou dizer o
que já produz a partir do que o instrutor diz e mostra‖.
A reflexão é um processo do pensamento, que ocorre após um evento, levando à nova
interpretação daquela experiência. Pela reflexão sobre os eventos da prática diária, o aluno
pode perceber dificuldades e falhas de conhecimento. Ao identificar as suas necessidades de
aprendizagem, pode buscar o melhor caminho para atendê-las. Dessa forma, inicia-se um
ciclo de aprendizagem reflexiva. Nesse ciclo, o aluno, adquirindo novos conhecimentos, os
aplica em seu ambiente de prática e reflete sobre os resultados. O portfólio reflexivo não deve
ser apenas uma descrição da experiência, pelo contrário, deve ser analítico, oferecendo
64
evidências de sua aprendizagem. Sua narrativa deve ser capaz de capturar a natureza reflexiva
(GRANT e DORNAN, 2001).
Para o filósofo John Dewey (1979) o pensamento reflexivo se distingue do
pensamento rotineiro, pois ele consiste em examinar um assunto mentalmente, fazendo
considerações sobre ele de forma ativa, persistente, cuidadosa e contínua até que esse assunto
seja compreendido profundamente. Segundo Dewey (1979), o ato de refletir conduz a uma
indagação para levar a alguma conclusão.
De acordo com Yancey (1996), a característica fundamental do portfólio é a
possibilidade de reflexão, envolvendo um processo de desenvolvimento pelo qual o estudante
relata seu aprendizado: como os relatos do portfólio são criados, como a elaboração dele
provoca mudanças, que significados esse aprendizado tem para ele. Ainda para Yancey
(1996), o portfólio escrito incorpora cinco princípios seguintes: ele é uma ―coleção‖ de
trabalhos que representa um subconjunto de um arquivo maior; o processo de criação desse
subconjunto é uma ―seleção‖ que varia de acordo com a situação de contexto do portfólio; o
aluno explica seu aprendizado por meio de um processo de ―reflexão‖; envolve um processo
de ―comunicação‖, pois serve para comunicar algo sobre o autor do portfólio; qualquer
portfólio está vinculado à ―avaliação‖, pois mostra o processo envolvido em sua criação:
como o aluno faz a seleção do conteúdo do portfólio, como ele organiza, como ele fala com os
leitores do portfólio (e com ele mesmo), como as anotações e o aprendizado estão conectados.
Com base no ciclo de aprendizagem reflexiva envolvido no processo de elaboração do
portfólio (GRANT e DORNAN, 2001) e nos pressupostos de Schön (2000; apud ALVES,
2004) e Dewey (1979), enfatizando a importância da reflexão nos processos educativos,
identificou-se aí um campo rico para investigação, aplicando-se os princípios da TAS
propostos por Ausubel e Novak (AUSUBEL, NOVAK e HANESIAN, 1978; NOVAK e
GOWIN, 1998), uma vez que a AS é necessariamente um processo ativo que exige reflexão
do aprendiz e que pode ser facilitada pelas experiências de ensino oferecidas (AUSUBEL,
2000). Dessa forma, a utilização pedagógica do portfólio reflexivo como um instrumento
com potencialidades para facilitar o processo de aprendizagem significativa se constituiu em
um objeto a ser investigado.
Conforme o novo modelo proposto de educação médica, e que é enfatizado pelas DCN
(BRASIL, 2001), para se desenvolver um profissional com perfil crítico e reflexivo é
fundamental que esse tipo de pensamento esteja permeando todo o processo de formação, de
forma a promover um conhecimento adequado para que o médico exerça suas atividades
profissionais nas mais variadas e complexas situações. Ou seja, é preciso que, durante a
65
graduação, os futuros médicos desenvolvam habilidades abrangentes, além da indispensável
capacitação técnica e científica, para que possam intervir nas mais variadas situações de
diferentes níveis de complexidade.
A prática profissional configura um encontro entre o sujeito da aprendizagem e a
realidade social. Por isso, é importante criar nos processos de formação em saúde
oportunidades de observar as situações e sistematizá-las em narrativas que
favoreçam uma reflexão sobre a prática. O trabalho pedagógico com narrativas da
prática permite inferir a possibilidade de construção de novos significados a partir de
experiências reais vivenciadas pelos estudantes. (ALBUQUERQUE et al, 2010, p.
200).
Dessa forma, acredita-se que o portfólio reflexivo possa ser um instrumento capaz de
atender a esse desafio de estimular o pensamento crítico e reflexivo do aluno de medicina e,
consequentemente, gerar as condições necessárias para facilitar o processo de aprendizagem
significativa desse aluno, além de fornecer evidências da ocorrência dessa aprendizagem.
Silva e Sá-Chaves (2008) consideram que para que o portfólio não seja apenas um
instrumento de informação para avaliação, deve-se solicitar ao aluno que elabore narrativas de
natureza crítico-reflexiva sobre suas vivências nas atividades práticas e nos processos de
formação, constituindo-se, dessa forma, o portfólio reflexivo.
Sá-Chaves, em outro trabalho, considera que o enfoque reflexivo pode apresentar
diferentes níveis: técnico, prático, crítico e metacrítico (SILVA E SÁ-CHAVES, 2008),
esclarecendo que:
O nível técnico corresponde à descrição correta e detalhada de episódios de prática
vivenciados pelo formando.O formando pode, no entanto, ser estimulado no seu
questionamento, permitindo fazer uma análise de tipo crítico, ou seja, introduzir na
narrativa outros elementos para além da mera descrição dos fatos. Neste nível o
estudante identifica as múltiplas e possíveis causas, conseqüências e os significados
dos fenômenos em estudo, reflete sobre o papel dos contextos na determinação dos
fatos, sobre as funções e papéis desempenhados, sobre as concepções que sustentam
as decisões e, ainda, sobre novas possibilidades e funções que poderão vir a ser
desempenhadas à luz de novas percepções dos problemas. É neste quadro que o
estudante pode vir a desenvolver a reflexão sobre si próprio, de nível metacrítico, questionando-se quanto aos seus desempenhos, às funções e concepções subjacentes.
(SILVA E SÁ-CHAVES, 2008, p 728).
O portfólio pode ser elaborado manual ou eletronicamente. O portfólio eletrônico pode
ser utilizado para acompanhamento e avaliação em cursos a distância, semipresenciais e
presenciais. Sua construção na Internet permite que o aluno estabeleça links com outras
fontes, podendo assim aprofundar a construção do conhecimento sobre o tema estudado
(DEPRESBITERIS, 2001).
66
Para aprofundar a discussão sobre o portfolio mediado pelas TICs, é importante
inicialmente definir o que vem a ser tecnologia. Para isso, Kenski é bastante esclarecedora:
É muito difícil aceitar que apenas o atual momento que vivemos possa ser chamado
de ―era tecnológica‖. Na verdade desde o início da civilização, todas as eras
correspondem ao predomínio de um determinado tipo de tecnologia. Todas as eras
foram, portanto, cada uma à sua maneira, ―eras tecnológicas‖. Assim tivemos a
Idade da Pedra, do Bronze... até chegarmos ao momento tecnológico atual
(KENSKI, 2008, p.19).
Para Kenski (2008), tecnologia refere-se ao ―conjunto de conhecimentos e princípios
científicos que se aplicam ao planejamento, à construção e à utilização de um equipamento
em um determinado tipo de atividade‖ (KENSKI, 2008, p.18).
A autora argumenta que a evolução tecnológica não está limitada apenas ao uso de
novos produtos e equipamentos, ela também altera comportamentos individuais e de todo
grupo social. As tecnologias são capazes de modificar as maneiras de pensar, sentir, agir,
além de transformar as formas de comunicação e de aquisição de conhecimentos (KENSKI,
2008).
Por sua vez, Levy (1993) já aborda outra perspectiva sobre tecnologia, ao defender
que nenhum tipo de conhecimento é independente do uso de tecnologias intelectuais. As
linguagens oral, escrita e digital são exemplos desse tipo de tecnologia.
Articuladas às tecnologias da inteligência, defendidas por Levy (1993), encontram-se
as TICs que, utilizando suportes de mídia, como jornal, rádio, televisão, computador etc,
permitem a veiculação de informações e todas as demais formas de ações comunicativas
(KENSKI, 2008).
Por meio do que é transmitido pela televisão, ou acessado pelo computador, as
pessoas se comunicam, adquirem informações e transformam seus comportamentos.
Tornam-se ―teledependentes‖ ou ―webdependentes‖, consumidoras ativas,
permanentes e acríticas do universo midiático (KENSKI, 2008, p.25).
Partindo dessas conceituações e visões preliminares, percebe-se a potencialidade das
contribuições que as TICs oferecem à área educacional. Uma das vantagens de seu uso nesse
contexto é muito bem descrito por Kenski (2008), ao apontar que, tradicionalmente, a
educação sempre foi oferecida em lugares determinados, como a escola. O aluno precisava se
deslocar até os ―locais de saberes‖ para aprender. Na era digital, os saberes viajam em
velocidade nas ―estradas virtuais da informação‖ e, em qualquer lugar onde o aluno esteja,
67
pode ter acesso ao conhecimento disponível nas redes, e continuar aprendendo, se assim
desejar.
Pode-se constatar que os avanços científicos e tecnológicos ocorridos em nossa
sociedade foram responsáveis pelas mudanças na produção e difusão de bens e conhecimentos
que, por sua vez, motivaram novas demandas nos processos de trabalho (STRUCHINER e
GIANNELLA, 2005). Diante disso, é necessário que os contextos de formação saiam dos
esquemas curriculares rígidos e que se tornem mais abertos e flexíveis (STRUCHINER e
GIANNELLA, 2005). Porém, é importante destacar que a qualidade pedagógica para que o
aluno atinja seus objetivos é o centro da questão, independentemente do tipo de tecnologia
utilizada.
Do ponto de vista dos alunos, além de terem acesso a conhecimentos e informações
relevantes para suas vidas pessoais e profissionais, desenvolvem competências para
a aprendizagem auto-dirigida e aperfeiçoam suas competências metacognitivas.
Transformam-se, portanto, em cidadãos mais autodeterminados, conscientes de suas
responsabilidades, necessidades, interesses, bem como das formas preferidas de aprendizagem (STRUCHINER e GIANNELLA, 2005, p.66).
Diante das necessidades atuais de mudanças nos modelos educacionais, segundo
Schank e Clery (1995), as TICs podem contribuir de forma importante nesse processo, pois
têm potencial de motivar os alunos, facilitar o acesso à informação e a comunicação, além de
possibilitar novos questionamentos e reflexões sobre as práticas educativas que podem ser
realizadas em novos cenários para o desenvolvimento das atividades de ensino e
aprendizagem. As TICs podem oferecer maior flexibilidade para o ensino e aprendizagem ao
possibilitar a organização do processo educativo em bases não lineares de conhecimento,
permitindo que o aluno tenha liberdade para resolver problemas e busque informações
conforme seu nível cognitivo, sua necessidade e seu interesse de aprofundamento sobre o
conteúdo que está sendo estudado. Dessa forma, o uso das TICs possibilita maior
independência e autonomia do aluno em formação (STRUCHINER E GIANNELLA, 2005;
VALENTE, 2002). Além disso, a integração da tecnologia possibilita a interação e
colaboração entre os participantes do evento educativo, o desenvolvimento de atividades e
estratégias que enfatizem a aprendizagem contextualizada, a solução de problemas e o
domínio do estudante sobre seu próprio processo de aprendizagem (STRUCHINER e
GIANNELLA, 2005). Essas possibilidades oferecidas pelas TICs podem constituir um campo
rico em recursos para o desenvolvimento do processo educacional pela perspectiva da TAS,
transformando-se em ferramentas cognitivas facilitadoras da construção do conhecimento.
68
A Internet, definida por Castells (2001) como um meio que permite a comunicação de
muitos com muitos, em escala global, oferece diversas ferramentas comunicacionais.
Atualmente, o professor conta com grande número de recursos que o auxiliam na construção
de materiais e atividades virtuais, não sendo necessário que ele domine habilidades ou
conhecimentos mais profundos em programação ou tecnologia da informação para
desenvolver suas próprias páginas eletrônicas. Esses recursos são os ―ambientes de autoria e
gerenciamento de cursos na web” que auxiliam os professores nos processos educacionais.
Em geral, essas ferramentas ou ambientes de autoria possuem um modelo básico de curso que
dispõe de recursos que podem ser acrescentados pelo professor (ESPÍNDOLA, 2010).
Normalmente, a montagem do curso é feita pelo preenchimento de formulários que geram as
páginas do curso. É importante enfatizar que as ferramentas de autoria não abrigam a
abordagem pedagógica e metodológica que o professor deseja utilizar, pois, cabe a ele
selecionar quais os recursos que irá disponibilizar e como eles serão utilizados, de acordo com
a abordagem pedagógica que ele planeja adotar no desenvolvimento de seu ambiente virtual
de aprendizagem (AVA) (STRUCHINER e GIANNELLA, 2005).
Portanto, apesar das TICs apresentarem grande potencialidade para a prática
pedagógica construtivista, particularmente da aprendizagem significativa, é fundamental que
o AVA desenvolvido para essa finalidade, reúna experiências de aprendizagem que facilitem
esse processo (COSTA e FRANCO, 2005; SILVA E SILVA, 2008), tais como:
- autonomia – os estudantes precisam ser responsáveis pelo seu próprio estudo,
decidem quando realizarão as tarefas solicitadas e quanto tempo poderão dedicar a elas.
Normalmente essa autonomia é limitada, uma vez que existem prazos a serem cumpridos,
regras e regulamentos e exigências curriculares;
- interatividade – os materiais de auto-aprendizagem devem conter atividades que
desafiem os alunos e favoreçam o diálogo, enquanto que os professores devem motivar o
aluno a fortalecer sua auto-aprendizagem e a colaborar com os outros alunos, para ampliar o
compromisso pedagógico;
- aprendizagem colaborativa – por meio de redes de aprendizagem em que os alunos
podem compartilhar seus conhecimentos (correio eletrônico, lista de discussão, chats etc).
Alves (2004) refere que, com o avanço das TICs, surgem novas formas de explorar a
construção dos portfólios, sendo possível a utilização de diversos formatos de material
didático, tais como imagens, vídeos, textos, gráficos, áudios, permitindo uma infinidade de
interações.
69
Os Webfólios podem guardar toda a memória do período escolar desde a Educação
Básica até a Educação Superior de um estudante, que servirá como processo de
reconstrução de suas aprendizagens e como elemento de avaliação. Finalmente, pode
apresentar-se à sociedade ou ao mundo do trabalho com o portfólio construído ao
longo da vida acadêmica (ALVES, 2004, p. 3).
A tecnologia pode ser um fator motivador na educação (BARRETT, 2004c, p. 3).
Contudo, segundo PRADO (2002), ―cabe ao professor dar vida, ou seja, dinamizar o
seu uso com os alunos‖. NIGUIDULA et al (2005, p. 3) opinam que no
desenvolvimento dos portfólios eletrônicos, a importância não está na tecnologia
(…) (apud CAMPBELL, 2007, p.5).
Ao abordar o uso educacional das TICs, é importante também discutir como professor
e aluno se inserem nesse contexto.
Em relação ao professor, Mishra e Khoeler (2006) propõem que os conhecimentos
básicos que este deve articular ao utilizar a tecnologia em seu processo educacional são: o
conhecimento de conteúdo, o conhecimento pedagógico, o conhecimento tecnológico e mais
suas inter-relações dentro do contexto de ensino.
Um dos problemas na área da saúde, também comum em outros contextos educativos,
é que, em geral, os docentes, ao exercerem suas funções como educadores, detêm apenas o
conhecimento do conteúdo, enquanto suas práticas pedagógicas são exercidas intuitivamente e
baseadas nos exemplos dos professores que participaram de sua formação.
Já Struchiner e Giannella (2005) referem que, ao utilizar a TIC como recurso de
inovação na prática de uma abordagem centrada no aluno, o professor atua como um
facilitador desse processo ao assumir a função de mediador ou orientador pedagógico,
ajudando o aluno na construção de seu conhecimento, no intercâmbio de experiências e na
criação de novas formas de participação dentro desse processo de aprendizagem.
Em relação aos métodos convencionais de aprendizagem, as TICs oferecem grandes
vantagens, pois facilitam a troca imediata de informações, permitem que estas sejam
adaptadas aos estilos individuais de aprendizagem, encorajam a exploração e a organização
dos conhecimentos, facilitam a integração e interação, agilizam a recuperação de informações,
possuem grande potencial na distribuição de informações e na comunicação em diferentes
contextos (AMEM e NUNES, 2005).
Na educação superior, mais precisamente na educação médica, observa-se a
necessidade de propiciar aos jovens condições para se desenvolverem numa
dimensão integrada do ponto de vista cognitivo, social, moral e ético. Isto
contribuiria para formar indivíduos adultos capazes de uma boa prática profissional na sociedade e aptos para dirigir sua formação por valores e atitudes em relação à
vida, ao ambiente, às relações humanas e a si próprios. Os estudantes não estão
isolados na escola; ao contrário, estabelecem complexas relações de
interdependência dentro e fora dela. O entendimento dessas relações envolve a
70
compreensão das condições físicas do meio, do modo de vida e da organização
sociopolítica e cultural. Os estudantes devem construir seus conhecimentos por meio
da interação com a realidade que os envolve. O conhecimento é dinâmico e não uma
mera simplificação do conhecimento científico. O grau e a direção do
desenvolvimento da consciência dependem, como sabemos, do ambiente cultural
(AMEM e NUNES, 2005, p. 174).
Segundo Jonassen (1996. p.70), ―se as tecnologias facilitam a transmissão de
informações, elas não mudarão a natureza destas sem mudanças fundamentais nas concepções
e métodos de ensino e aprendizagem‖, ou seja, apesar de representar uma inovação na área
educacional, o uso das TICs pode repetir os mesmos resultados ineficazes se não for
acompanhado de mudanças nas metodologias de ensino aplicadas. Ele sugere que, de
preferência, as TICs devem ser usadas para que os alunos tenham oportunidade de interagir e
trabalhar juntos em projetos e problemas. Defende também que:
Os princípios construtivistas fornecem um conjunto de diretrizes a fim de auxiliar
projetistas e professores na criação de meios ambientes colaboracionista direcionados ao ensino, que apoiem experiências autênticas, atraentes e reflexivas.
Os estudantes podem trabalhar juntos na construção do entendimento e do
significado através de práticas relevantes (JONASSEN, 1996, p. 70).
Nesse sentido, a TAS fornece princípios capazes de orientar o professor no
planejamento do ensino, de forma a utilizar os recursos tecnológicos e atividades mais
adequados para que o aluno possa aprender significativamente.
Segundo Jonassen (1996), em um processo educacional com uso das TICs a
aprendizagem significativa poderá ser favorecida, se os seguintes elementos estiverem
sinergicamente combinados no ambiente e nas atividades de aprendizagem propostas:
Atividades relevantes que permitam participação ativa do aluno na experiência
educativa;
Atividades construtivas que permitam que o aluno integre novas informações ao
conhecimento que já possui, construindo assim seu próprio significado para aquela
experiência;
Incentivo à reflexão de forma que o aluno analise suas próprias experiências, articule o
que está aprendendo com as decisões que toma, com as estratégias que usa e com as
respostas que encontra, para que tenha um melhor entendimento e que seja capaz de
transferir o conhecimento adquirido;
Colaboração favorecida por meio de atividades que permitam que a realização das
tarefas e a solução de problemas tenham a contribuição de outros participantes;
71
Intencionalidade para o aprendizado favorecida pelas tecnologias apoiando os alunos
na articulação de seus objetivos de aprendizagem, pois quando eles buscam atingir
ativamente um objetivo cognitivo, eles pensam e aprendem mais;
Complexidade da tarefa e atividade devem ser semelhantes aos problemas do mundo
real para que os alunos aprendam por meio de situações complexas e não simplificadas
para tornar mais fácil a compreensão;
Ação contextual de aprendizagem retratando as situações do mundo real para que
sejam ensinados conhecimentos e habilidades que possam ser praticados em diferentes
contextos reais;
Processo coloquial deve ser apoiado pelas tecnologias mediando a conexão dos alunos
a outros contextos sociais para que eles aprendam que existem diferentes visões de
mundo e múltiplas soluções para a maioria dos problemas.
Pelo exposto, teoricamente, pode-se perceber o potencial que o portfólio é capaz de
adquirir ao se associar o uso das TICs, com possibilidade de ser uma ferramenta adequada ao
acompanhamento e à facilitação do processo de aprendizagem significativa. Porém, com o
objetivo de obtenção de resultados práticos de seu uso pedagógico, particularmente em
relação ao contexto da educação médica, foi realizada uma revisão de literatura que é
apresentada na segunda seção do presente capítulo.
4.2 REVISÃO DE LITERATURA SOBRE USO DO PORTFÓLIO REFLEXIVO
ELETRÔNICO NA EDUCAÇÃO MÉDICA
Com base no pressuposto de que a utilização do portfólio reflexivo, aliado à
potencialidade das TICs, pode ser uma estratégia pedagógica inovadora e adequada para a
formação médica, foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre o uso do portfólio reflexivo
eletrônico (PRE), no contexto de Educação Médica. Esse levantamento foi realizado em 17
bases de dados eletrônicas disponíveis no Portal de Periódicos da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) (Academic Search Premier- ASP
(EBSCO), Cambridge Journals Online, Dentistry and Oral Sciences Source (EBSCO), JAMA,
Journal Ovid Full Text (Ovid), Mary Ann, Nature, Science Direct (Elsevier), SportDiscus
with Full Text (EBSCO), SpringerLink (Metapress), Wiley Online Library, Applied Science
Tech Full Text (Wilson), Gale - Academic OneFile, General Science Full-Text (Wilson),
MetaPress, OECD iLibrary, Education Full Text (Wilson). Foram utilizadas as seguintes
72
palavras-chave: ―portfólio”, “reflective”, “technology”, “medical education”, sendo as
buscas limitadas a periódicos dos últimos 20 anos, que apresentassem textos completos e com
resumos.
Dos 91 artigos encontrados foram selecionados 18, após serem submetidos aos
seguintes critérios de exclusão: PRE não era o tema central; contexto não era de educação
médica; discussão técnica e não educacional do portfólio; uso do portfólio exclusivamente
para desenvolvimento profissional e não pedagógico.
Por meio dessa revisão de literatura foi possível observar que os estudos publicados
sobre o tema, no contexto pesquisado, são relativamente recentes, sendo o Reino Unido o país
com maior número de publicações, seguido pelos EUA. As análises dos estudos selecionados
permitiram conhecer os princípios norteadores que os pesquisadores vêm utilizando para
fundamentar o uso educacional desse instrumento; as contribuições das TICs nesse processo;
e as possibilidades pedagógicas do PRE nos diferentes contextos do ensino médico.
4.2.1 Princípios Norteadores
Diferentes ênfases e perspectivas do construtivismo fundamentam o uso pedagógico
do PRE em alguns dos trabalhos selecionados (KJAER, MAAGAARD e WIED, 2006;
PARBOOSING,1996; DAGLEY e BERRINGTON, 2005; MAKRIS et al, 2010; GREEN,
REDDY e HOLMBOE, 2009; FOULKES et al, 2011), conforme representado no quadro 1.
Quadro 1- Principais ênfases do construtivismo apresentadas nos estudos
Parboosing (1996), Dagley e Berrington (2005), e Kjaer, Maagaard e Wied (2006),
referem que o sucesso dessa estratégia educacional é compreendido pelos fundamentos da
aprendizagem experiencial, tendo como principal referência o modelo proposto por Kolb, que
se baseia no princípio de que as pessoas aprendem a partir de reflexões sobre suas
73
experiências, formando conceitos e generalizações que podem ser aplicadas em novas
situações, criando uma espiral de aprendizagem. Isso requer conscientização de situações de
aprendizagem na prática diária de trabalho e tempo para refletir sobre essas experiências
(DAGLEY e BERRINGTON, 2005).
A base da aprendizagem do adulto também é apresentada como fundamentação, tanto
pelo estudo de Dagley e Berrington (2005), que cita Brookfield (1996) como referência,
quanto por Makris et al (2010), que utiliza dois trabalhos de Knowles (1984 e 1998)
considerando que, nessa perspectiva, o portfólio pode favorecer a reflexão e a autonomia.
A formação do conhecimento por meio da reflexão, tendo como principal referência a
perspectiva de Schön (1987 e 2000/1983), é abordada nos trabalhos de Parboosing (1996) e de
Green, Reddy e Holmboe (2009). Este último estudo aponta que o portfólio de aprendizagem
baseado na prática facilita a reflexão e a aprendizagem, exercendo importante influência na
mudança de comportamento e no desenvolvimento profissional. Os autores argumentam que o
aluno ao elaborar o portfólio, pode empregar três níveis de reflexão: primeiramente ele
―reflete na ação‖, quando, considerando as questões clínicas apresentadas, tenta resolver o
problema; depois ele ―reflete sobre a ação‖, ao pensar sobre o que aprendeu e como isso pode
mudar sua prática; finalmente, reflete sobre o próprio processo de aprendizagem, ao rever seu
relato de aprendizado.
O estudo de Foulkes et al (2011), aborda o papel do feedback para o adequado uso
pedagógico do portfólio, evidenciando tal importância por diversas referências da literatura
educacional e da educação médica. Os autores salientam que, quando o feedback não é
adequadamente realizado pelo supervisor, pode comprometer negativamente todo o processo
de aprendizagem.
4.2.2 Contribuições das TICs
A interatividade, a autonomia e a aprendizagem colaborativa são as principais
potencialidades das TICs citadas pelos artigos analisados, cujas principais características estão
apresentadas no quadro 2.
74
Quadro 2 – Potencialidades das TICs citadas nos estudos
Interatividade: Ruiz et al (2009) considera que a Internet expande o acesso a recursos
educacionais, permitindo maior interação com colegas e docentes, além do que o sistema de
base de dados pode armazenar uma vasta quantidade de informações, conservando-as prontas
para serem acessadas a qualquer momento, tornando mais efetivo o processo de
aprendizagem. Bridge e Eddy (2006) consideram que a mídia eletrônica permite melhor
organização do conteúdo do portfólio, além de facilitar o acesso às informações relevantes.
Parboosingh (1996), ao discutir o potencial do portfólio sobre a formação dos profissionais de
saúde, concluiu que a integração da tecnologia ao portfólio poderá produzir uma nova geração
de ferramentas de aprendizagem interativas.
Autonomia: Essa geração de ferramentas interativas, segundo Parboosingh (1996),
ajuda a preservar a autonomia do aluno, uma vez que facilita sua independência no processo
de aprendizagem.
Aprendizagem colaborativa: Bridge e Eddy (2006) consideram a capacidade de
colaboração como uma das principais potencialidades do portfólio eletrônico, criando um
portfólio ―conectado‖, que pode ser avaliado por outros, que por sua vez podem colaborar
adicionando algo, fazendo assim uma construção coletiva de informações. Isso facilita a
revisão por seus pares, as trocas de ideias e reflexões. Essa característica tem também o
potencial para aumentar e estimular o trabalho e a aprendizagem multidisciplinares.
75
Diante dessas considerações, é possível perceber que o uso das TICs na Educação
oferece um grande potencial de recursos, capazes de instrumentalizar o processo ensino-
aprendizagem e que o PRE pode ser uma dessas ferramentas promissoras.
4.2.3 Possibilidades Pedagógicas de uso do PRE na Educação Médica
Pela análise dos estudos selecionados, foi possível identificar cinco categorias de
objetivos pedagógicos para o uso do PRE, conforme apresentado no quadro 3.
Quadro 3- Objetivos pedagógicos e contextos de uso do PRE identificados nos estudos
76
Acompanhar e/ou avaliar o processo de ensino aprendizagem: Essa categoria foi
identificada em sete trabalhos desenvolvidos nos seguintes contextos: Residência
Médica em Ginecologia e Obstetrícia, Mestrado em Educação para Profissionais de
Saúde, Especialização em Medicina de Família, Educação Continuada em Medicina
Interna e Graduação.
Fung et al.(2000), descreveram o Computerized Obstetrics and Ginecology Automated
Learning Analysis (KOALA) que é um portfólio de aprendizagem baseado na Internet,
multicêntrico, inserido no programa de Residência em Ginecologia–Obstetrícia em escola
médica canadense e pesquisaram os efeitos do uso dessa ferramenta sobre as habilidades de
aprendizagem dos alunos. Os residentes documentaram na plataforma os dados relevantes de
seus atendimentos ambulatoriais. Esse programa permitia que, por meio de links na própria
ferramenta, os alunos acessassem literatura para pesquisar sobre os questionamentos gerados
por suas experiências práticas. Após um ano de uso da ferramenta, foi realizado um estudo
quantitativo sobre as habilidades de aprendizagem dos residentes, comparando as percepções
dos alunos que usaram o programa com as dos alunos de outras escolas sem o programa. Os
autores concluíram que houve um efeito positivo do programa sobre a aprendizagem e que
portfólios com recursos online poderiam contribuir para aprendizagens futuras.
O estudo de Lewis e Baker (2007), utilizou o contexto de uma das disciplinas de
Mestrado em Educação para Profissionais de Saúde, em que cada aluno, sem experiência
prévia com portfólio, desenvolveu um portfólio eletrônico, ao longo da disciplina, como
trabalho final. Eles concluíram que o processo de elaboração do portfólio eletrônico foi uma
experiência de aprendizagem válida, que encorajou a criatividade, permitiu a construção e
utilização dos conhecimentos, tanto da disciplina, quanto das estratégias para a elaboração de
portfólios, capacitando os educadores médicos para o uso da ferramenta em outros contextos
de ensino-aprendizagem.
No contexto da especialização em Medicina de Família, Foulkes et al (2011),
utilizaram, como justificativa para o estudo, o surgimento de algumas evidências sugerindo
que o uso de portfólios eletrônicos estariam prejudicando o diálogo entre alunos e
supervisores e, consequentemente, fazendo com que os alunos não valorizassem o papel da
proposta de reflexão sobre os casos e se engajassem apenas superficialmente com o processo
de escrever os portfólios. Esses autores descreveram um workshop com um pequeno grupo de
supervisores do curso de especialização, em que foram discutidas diversas questões sobre
diferentes contextos de prática como ambientes de aprendizagem e a avaliação dessa
aprendizagem, por meio do portfólio eletrônico. As principais questões levantadas foram:
77
dificuldade da prática da reflexão pelos alunos, incapacidade dos alunos em demonstrar como
a experiência se relaciona com aprendizagem e a dificuldade dos supervisores em fornecer
feedback. A participação nas atividades do workshop, permitiu que os supervisores dos
especializandos aprendessem habilidades de como elaborar feedback reflexivo, que fosse útil
para o desenvolvimento do processo de aprendizagem dos alunos.
O estudo quali-quantitativo de Kjaer, Maagaard e Wied (2006), com especializandos
de Medicina de Família, objetivou pesquisar a influência do PRE sobre o aprendizado e
concluiu que a ferramenta os ajudou no desenvolvimento de habilidades para monitorar o
próprio progresso clínico, permitindo que se concentrassem sobre os objetivos de
aprendizagem, além ser útil na construção do conhecimento e no estímulo à reflexão,
especialmente em situações clínicas complexas e difíceis.
O estudo quantitativo (survey) de Wilcock (2011), por meio de questionário
respondido por especializandos em Medicina de Família, concluiu que 2/3 dos alunos
pesquisados consideraram o PRE uma ferramenta útil para aprendizagem, porém não discute
mais profundamente esse resultado.
Green, Reddy e Holmboe (2009), desenvolveram um portfólio eletrônico para que
médicos pudessem demonstrar suas aprendizagens ao longo da vida. Por meio de uma
pesquisa quantitativa (survey), a partir da análise direta do uso dessa ferramenta, no contexto
de Educação Continuada em Medicina Interna, concluíram que os médicos consideraram a
ferramenta útil para documentar suas auto-avaliações de conhecimentos médicos e que, após
refletirem sobre suas experiências de aprendizagem com o uso da ferramenta, muitos deles
efetuaram mudanças substanciais em suas estratégias de aprendizagem.
No estudo de Deketelaere et al (2009), foi utilizada a combinação de três métodos (a
própria experiência dos autores com o uso do portfólio eletrônico na graduação como
ferramenta para acompanhamento do processo de aprendizagem dos alunos, entrevistas com
tutores e respostas de questionário por alunos), com o objetivo de investigar as condições para
o sucesso da e-tutoria de portfólios eletrônicos. Baseado na análise de seus resultados e nas
dificuldades apontadas no estudo, os autores apresentaram as seguintes recomendações para
aumentar as chances de sucesso da e-tutoria no uso do PRE: avaliar antecipadamente se a
implantação do PRE é o melhor método para atingir os objetivos propostos e se é adequado ao
currículo; não supor que e-tutoria é igual à tutoria presencial, pois o tipo de supervisão obtida
pela e-tutoria é diferente da esperada na presencial, logo, os tutores devem estar conscientes
disso e se capacitarem para o uso da ferramenta; escolher o tutor baseado em sua competência
para estabelecer uma relação de confiança com o aluno; considerar que o investimento de
78
tempo pode ser maior do que na tutoria presencial; aguardar pelo menos um ano entre a
decisão de implantar a e-tutoria e o começo dessa ação na prática, uma vez que as
possibilidades tecnológicas da ferramenta devem ser exploradas cuidadosamente e a equipe
deve ser prepara para usá-las; treinar os tutores nos aspectos da e-tutoria; discutir e esclarecer
os objetivos do feedback eletrônico; considerar um tempo adequado para o desenvolvimento
das tarefas do portfólio; oferecer suporte adequado; entender e aceitar que mudanças
necessitam de tempo; prover os tutores com feedback dos alunos; analisar custo-benefício da
e-tutoria, ou seja, a importância da e-tutoria nesse processo deve ser reconhecida por todos os
atores envolvidos.
Pelos estudos analisados é possível perceber que o PRE, em todos os contextos
estudados, é um instrumento útil para avaliar e acompanhar todo o processo ensino
aprendizagem. Ele é capaz, não só de contribuir para construção de conhecimentos
específicos, mas também de permitir o desenvolvimento de habilidades e capacitações para
aprendizagem futura de futuros profissionais. Compreende-se também a importância da
capacitação dos tutores para que eles possam, por meio de adequado feedback, contribuir para
o sucesso desse processo. Porém, conforme o estudo de Deketelaere et al (2009), é importante
considerar as possíveis limitações e dificuldades no uso desse instrumento para que se consiga
superá-las ou minimizá-las.
Avaliar habilidades clínicas: essa categoria foi identificada em dois trabalhos a nível
de gradução e especialização.
Dornan et al (2003), apresentaram um estudo de caso realizado em uma escola de
graduação médica cujo currículo utilizava metodologia baseada em problema, com ênfase na
proficiência em habilidades clínicas. O objetivo do trabalho foi apresentar um portfólio
eletrônico baseado em habilidades clínicas, elaborado com base nas habilidades exigidas pelo
currículo. Na média, a apresentação do portfólio eletrônico e de seus materiais de treinamento
foram altamente avaliados pelos alunos, enquanto que a auto avaliação e o uso do portfólio
para planejar habilidades de aprendizagem foram altamente avaliados por uma menor parcela
dos pesquisados. Poucos alunos consideraram que registrariam sistematicamente seus
progressos com esse instrumento.
Wilcock (2011), realizou um survey em que um dos objetivos era pesquisar o uso
pedagógico do PRE para avaliação de habilidades clínicas. Os alunos consideraram que a
avaliação era superficial e não conseguia avaliar suficientemente suas habilidades reais como
um médico prático.
79
Avaliar e/ou documentar competências: essa categoria foi identificada em quatro
trabalhos a nível de residência médica e especialização.
Clay et al (2007), relataram a experiência de criação e o uso piloto de um portfólio
para especialização, de uso multidisciplinar, ou seja, que poderia ser usado por diversos
programas de Residência Médica para documentar competências. A ferramenta apresentava
exercícios cujas resoluções evidenciavam aquisição de conhecimentos e interpretação de
dados sobre competências específicas.
Mamelok (2009), também apresentou um relato de experiência sobre desenvolvimento
e uso do PRE para avaliação do treinamento em serviço de pós-graduandos em Medicina de
Família.
Ruiz et al (2009), em estudo utilizando survey e grupos focais, avaliou a percepção de
especializandos em Geriatria sobre a utilidade do PRE, sendo a ferramenta considerada
relevante no treinamento dos pós-graduandos, com potencial para documentação e avaliação
de competência.
O estudo de Lewis et al (2010), comparando as avaliações globais dos residentes de
cirurgia, feitas pelos docentes antes e após a implantação do PRE, permitiu concluir que a
ferramenta era efetiva na documentação e avaliação de competências tais como: cuidado com
paciente, conhecimento médico, profissionalismo, habilidade de comunicação interpessoal,
progresso e aprendizagem baseada na experiência e da prática baseada em sistemas.
Estimular reflexão: essa categoria foi identificada em três trabalhos a nível de
graduação e especialização.
Driessen et al (2007) consideram que o uso de portfólio vem crescendo na educação
médica, não somente como recurso informativo para avaliações, mas também como
ferramenta que estimule o aluno a refletir sobre suas experiências de aprendizagem. Baseado
nisso, esses autores desenvolveram um estudo qualitativo, comparando o formato tradicional e
o eletrônico dos portfólios reflexivos elaborados por graduandos do primeiro ano médico.
Essa pesquisa permitiu observar que a qualidade dos portfólios reflexivos produzidos pela
maioria dos alunos foi muito satisfatória. Eles salientaram que seus resultados, em relação ao
uso do portfólio para reflexão, diferem de outros autores cujos estudos revelaram dificuldades
na prática reflexiva e na documentação da reflexão por meio do PRE. Porém, atribuem seus
resultados positivos, ao emprego das condições favoráveis usadas nesse estudo, tais como:
80
trabalho de mentores e estrutura de portfólio que estimulem a reflexão, além de
procedimentos de avaliação adequados.
No contexto da especialização em medicina de família, dois estudos utilizaram
portfólios que tinham, como um dos objetivos pedagógicos, favorecer a reflexão. Makris et al
(2010), realizaram um estudo qualitativo para avaliar as percepções de consultores sobre suas
experiências no uso de portfólios eletrônicos para documentar, intensificar a aprendizagem e
avaliar competências, dentro de um contexto que utilizava diversos métodos de avaliações
baseadas em experiências. Pela análise dos resultados obtidos no estudo, foram identificadas
algumas vantagens e desvantagens. A oportunidade de identificação de necessidade de
aprendizado e o foco sobre o desenvolvimento desse aprendizado, foram algumas das
vantagens, enquanto que a dificuldade na documentação de reflexão, foi uma das
desvantagens encontradas.
Utilizando esse mesmo contexto de uso do portfólio eletrônico, Wilcock (2011),
realizou um estudo quantitativo (survey) com os especializandos, sobre suas experiências de
uso do portfólio eletrônico. Observou, dentre seus resultados, que a maioria dos pesquisados
havia usado a ferramenta para auto-avaliação e reflexão.
Conforme a análise dos estudos acima é possível observar certa divergência entre eles,
em relação ao uso do PRE para estimular a reflexão. Isso pode ser justificado pela falta de
familiaridade com a prática reflexiva, conforme considerado nos trabalhos de alguns autores.
Desenvolvimento Profissional Continuado: essa categoria foi identificada em três
trabalhos que abordaram o uso do PRE com o objetivo de acompanhar, documentar e
avaliar o desenvolvimento profissional continuado.
Dornan, Carrol e Parboosingh et al (2002) desenvolveram um estudo quali-
quantitativo com médicos endocrinologistas que utilizaram, ao longo de um ano, um portfólio
de aprendizagem eletrônico para auxiliar no desenvolvimento profissional continuado
reflexivo desses profissionais. Um dos objetivos dessa pesquisa foi avaliar a aceitação e o uso
do portfólio eletrônico como auxiliar no desenvolvimento profissional continuado reflexivo.
Os autores concluíram que a ferramenta possuía potencial para a prática reflexiva, porém sua
aceitabilidade e seu uso foram influenciados pelo estilo de aprendizagem individual, pelos
recursos, treinamento e suporte técnico oferecidos.
Dagley e Berrington (2005) descreveram algumas características da avaliação
qualitativa do portfólio de desenvolvimento pessoal eletrônico, criado por eles, para uso em
educação continuada de especialistas em Medicina de Família e relatam a aprendizagem que
81
resultou desse estudo. Eles identificaram alguns obstáculos para o uso do PRE, tais como:
prioridades pessoais e profissionais, falta de compreensão para a prática reflexiva, e
resistência às mudanças. Diante de seus resultados, eles fizeram algumas recomendações, tais
como: importância da conscientização para a aprendizagem reflexiva baseada na prática,
incentivo ao uso de todos os recursos de aprendizagem, respeito ao tempo destinado às
discussões e atividades baseadas na prática, para que estas fossem mais produtivas.
Já Bridge e Eddy (2006) referem que no Reino Unido o portfólio é uma ferramenta
fundamental para o desenvolvimento profissional, pois os conteúdos selecionados formam um
perfil para garantir conformidade com os Critérios de Desenvolvimento Profissional
Continuado, a fim de manter o registro no Conselho Profissional de Saúde. Os autores,
utilizando o contexto da prática profissional da Radioterapia, objetivaram analisar as razões
para o uso da mídia eletrônica, como alternativa ao portfólio convencional, diante da
importante finalidade dessa ferramenta naquele país.
Devido à potencialidade do portfólio eletrônico, como uma ferramenta de avaliação,
vem crescendo o interesse por ele em propostas de acreditação e recertificação para
profissionais de saúde. Pois, comparando com os métodos tradicionais de avaliação, o
portfólio pode ser adequado para avaliar a qualidade de conhecimento do profissional,
inclusive em áreas diferentes de sua especialidade. Ele permite, também, avaliar a habilidade
de aprender com a prática (PARBOOSINGH, 1996).
Apesar dessa revisão de literatura não contemplar nenhum estudo no Brasil com os
critérios utilizados, tem-se conhecimento de que, no contexto brasileiro, algumas faculdades
de medicina que utilizam metodologia de aprendizagem baseada em problema (ABP)7 vêm
desenvolvendo estudos com o objetivo de analisar o uso do portfólio como instrumento de
avaliação. A Faculdade de Medicina de Marília vem utilizando o portfólio reflexivo, como
avaliação formativa no curso médico, com o objetivo de ser uma ferramenta de aprendizagem
e de avaliação dialógica, que requer um processo avaliativo diagnóstico contínuo, que indica
definições claras do que se espera, além de constantes aproximações e ajustes (MARIN,
2010). Como outro exemplo, o estudo realizado por Silva e Francisco (2009), na Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de São Carlos, objetivou identificar a percepção dos alunos
quanto ao uso do portfólio reflexivo. Os resultados desse estudo apontaram a contribuição do
7 ABP- A aprendizagem baseada em problemas é uma metodologia baseada no filósofo americano John Dewey,
que requer um trabalho criativo do professor, sendo uma proposta de reestruturação curricular, interdisciplinar,
onde o aprendizado é centrado no aluno, enquanto o professor orienta o processo de aprendizagem (MAMEDE,
2001).
82
portfólio para a formação profissional, na medida em que permite ao estudante o
acompanhamento e a organização do cuidado à saúde das pessoas, sob sua responsabilidade, e
proporciona um processo de autoavaliação e que, para o desenvolvimento da habilidade
reflexiva com seu uso, é fundamental o suporte efetivo do professor e recomendável que o
portfólio seja introduzido logo no início do processo de formação.
Com base na análise dos estudos selecionados nessa revisão, foi possível perceber que
a concepção construtivista, em diferentes perspectivas, é o fundamento utilizado pelos
pesquisadores para o uso pedagógico do PRE, que tem a reflexão como ponto central. Assim,
espera-se que a construção do conhecimento, por meio do portfólio, possa favorecer a
ocorrência de aprendizagem significativa. Wald e Reis (2010) consideram que a escrita
reflexiva é um veículo para o desenvolvimento da capacidade reflexiva e tem um papel sobre
a construção da identidade profissional, servindo como guia para o desenvolvimento de
práticas médicas, levando à formação de um profissional consciente e competente.
De modo geral, pelos estudos analisados nesse levantamento, a proposta do uso do
portfólio na educação médica pode representar uma alternativa válida, que contribua não só
para o conhecimento científico, como para o desenvolvimento das demais habilidades
necessárias para a prática dos futuros profissionais. Porém, nenhum dos estudos selecionados
utilizou ou fez qualquer referência aos princípios da TAS como princípio norteador para o uso
pedagógico do PRE. Logo, a análise desse instrumento com base nessa concepção pedagógica
pode representar uma inovação.
Dessa forma, esse estudo propôs investigar se a prática reflexiva pode ser
desenvolvida e estimulada por meio da elaboração do PRE, uma vez que a literatura aponta a
reflexão como um elemento central no uso pedagógico desse instrumento. Além disso, ao
analisar esse instrumento pela perspectiva da TAS, esperou-se observar se a elaboração do
PRE foi capaz de facilitar e evidenciar a aprendizagem significativa do aluno.
Utilizando-se os princípios da aprendizagem significativa, aliados aos modelos
propostos por Vitale e Romance (2000), apresentados no capítulo 2 do presente trabalho,
como orientações no planejamento do ensino para facilitar a aprendizagem significativa, é
apresentada, na terceira seção do presente capítulo, uma análise do programa pedagógico
implantado no Internato Eletivo de Anestesiologia, por essa perspectiva, tendo como foco o
processo do PRE.
83
4.3 O PROCESSO DO PORTFÓLIO REFLEXIVO ELETRÔNICO PELA PERSPECTIVA
DA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA (AS)
A principal proposta pedagógica do portfólio no presente trabalho é permitir o
acompanhamento e a análise do desenvolvimento do aprendizado do aluno, ao longo do curso,
de forma contínua e processual, a partir de uma desejável prática reflexiva. Por essa
característica, o portfólio pode ser visto como uma ferramenta com potencial para favorecer a
aprendizagem significativa.
Pelo exposto na primeira seção do presente capítulo, a associação das TICs nesse
processo pode oferecer grandes contribuições, dentre elas: permitir maior dinamismo, com
trocas mais rápidas de informações, favorecer maior interação entre os participantes do evento
educativo, facilitar o acesso às informações de acordo com as necessidades e estilos
individuais de aprendizagem, encorajar a exploração de informações possibilitando maior
motivação e interesse do aluno etc. Dessa forma, em tese, o formato eletrônico poderia
potencializar os efeitos pedagógicos do portfólio e facilitar o processo da aprendizagem
significativa, desde que o ensino e as atividades propostas tenham sido planejadas para essa
finalidade e que o ambiente virtual de aprendizagem ofereça os recursos adequados para tal.
Com base nos autores utilizados como principais referências no presente trabalho
(YANCEY, 1996; DEPRESBITERIS, 2001; GRANT e DORNAN, 2001; ALVES, 2002;
SCHÖN, 1983; ALVES, 2004; SILVA E SÁ-CHAVES, 2008), é possível perceber que para o
aluno elaborar seu portfólio, contendo os relatos sobre seu aprendizado, é fundamental que ele
reflita sobre esse processo e, de forma clara e organizada, explique e articule os significados
desse aprendizado, segundo seu entendimento. Dessa forma, o aluno pode comunicar ao
professor como ele selecionou e organizou o conteúdo do portfólio, como ele está articulando
o assunto estudado com os conceitos previamente aprendidos e quais são os significados que
ele está construindo nesse aprendizado. Assim, pela apropriação dos pressupostos da TAS,
pode-se inferir que a necessidade de refletir sobre seu aprendizado faz com que o aluno tenha
a oportunidade de, conscientemente, rever o que foi ensinado, encontrar em sua estrutura
cognitiva os conceitos que possam se relacionar com essas novas informações, fazer as
articulações entre seus conhecimentos prévios e as novas informações, pensar sobre os
significados desses conhecimentos anteriores e construir novos significados com base nessa
interação. Esse processo reflexivo demonstra o potencial do portfólio para que o aluno aplique
os conceitos teóricos e realize a aprendizagem integrativa (VITALE e ROMANCE, 2000).
84
Todo esse processo descrito deve estar presente para facilitar a ocorrência da AS.
Porém, apesar de, em tese, a elaboração do PRE oferecer condições, a AS só ocorrerá caso o
aluno tenha essa intencionalidade. Além disso, ele deve possuir conhecimentos prévios e
informações novas adequadas para construir os novos significados, conforme proposto por
Ausubel.
Portanto, o PRE não garante que a aprendizagem significativa ocorra, mas é possível
que ele seja um meio que facilite esse processo, se tiver sido planejado para isso e se os outros
elementos do evento educativo estiverem integrados nesse processo por essa mesma
perspectiva.
Por sua vez, o professor, ao analisar o portfólio, tem a oportunidade de: acompanhar
que tipo de relações conceituais o aluno está estabelecendo, avaliar se os significados
decorrentes desse processo são os adequados e esperados e, caso necessário, em um processo
dialógico, negociar esses significados, apontando para o aluno não só o que deve ser
modificado, mas também orientando como e por que modificar. O papel do professor como
orientador e negociador nesse processo é fundamental, por essa perspectiva (MOREIRA,
1999; LEMOS, 2011).
Ausubel e Novak (AUSUBEL, NOVAK e HANESIAN, 1978; NOVAK e GOWIN,
1998) também consideram que o planejamento de todo o ensino deve ser organizado de
acordo com a perspectiva da TAS e que a avaliação da aprendizagem significativa deve ser
realizada por meio de diversas formas capazes de evidenciar sua ocorrência.
Segundo Vitale e Romance (2000), o portfólio pode ser uma dessas formas de
avaliação da AS e sugere um processo de planejamento com um modelo de avaliação por
portfólio.
4.3.1 O Portfólio como ferramenta de avaliação da AS
A estrutura e os procedimentos desse modelo são os seguintes (VITALE e
ROMANCE, 2000, p.185)
4.3.1.1 Estrutura:
Etapa 1 – para especificar a base de conhecimento a ser avaliada utiliza-se um mapa
conceitual. Sugere que esse mapa conceitual com o conteúdo do curso seja construído
85
incluindo os conceitos centrais que se deseja enfatizar no ensino, servindo como um guia
curricular.
Etapa 2 – identificar os ambientes gerais e contextos nos quais o conteúdo será
aplicado. Sugere que os ambientes forneçam um contexto de aplicação geral para que as
tarefas do portfólio se desenvolvam e que ajudem a garantir relevância para a avaliação.
4.3.1.2 Procedimentos:
Etapa 3 – dentre os conceitos e conhecimentos do mapa conceitual da etapa 1,
selecionar os grupos ou subgrupos de conceitos que serão o foco da tarefa ou atividade de
avaliação do portfólio. Assim, essa etapa especifica o conhecimento conceitual que será
articulado à tarefa de avaliação do portfólio.
Etapa 4 – Especificar o contexto no qual a tarefa ou atividade de avaliação do portfólio
será conduzida. O ambiente fornece o contexto específico para a tarefa do portfólio e orienta
para as especificações de desempenho para o produto do portfólio. Essa etapa e a etapa 2
garantirão a relevância de instrução para avaliação.
Etapa 5 – Selecionar a forma de tarefas de avaliação do portfólio (relatórios de
pesquisa, análises de questões, artigos que demonstrem conhecimentos científicos,
documentações de apresentações elaboradas para explicar conceitos científicos para outros,
registros de reflexões, representações analíticas integrativas de conhecimentos adquiridos etc)
Nesse processo de planejamento das tarefas ou atividades de portfólio, é recomendado
que o professor tenha certeza de que não há modo do aluno completar a atividade sem aplicar
o conhecimento conceitual relevante e que, na avaliação do produto do portfólio, o foco deve
ser sobre a explicação ou interpretação da tarefa em relação ao conhecimento conceitual
relevante. Essas duas orientações possibilitam que a atividade e o produto do portfólio sejam
baseados em conhecimento, articulando conhecimentos conceituais relevantes para a tarefa e
para o produto do portfólio. Dessa forma, será fornecida fundamentação para inferência em
relação à aprendizagem significativa do aluno.
Etapa 6 – Desenvolver especificações de desempenho baseadas em conhecimento para
as tarefas e produtos dos portfólios, por meio de: descrição da atividade e tarefa do portfólio
para o aluno; definição dos requisitos que se espera encontrar no produto resultante do
portfólio; orientação sobre o processo a ser seguido pelo aluno para completar a atividade;
estabelecimento do conhecimento conceitual que é necessário para o aluno completar a tarefa
86
ou atividade. Este último elemento pode ou não ser comunicado ao aluno, dependendo se o
professor pretende interpretar o produto do portfólio, como medida de compreensão do aluno.
Etapa 7 – orientar os avaliadores do portfólio, enfatizando que a avaliação do portfólio
deve ser um julgamento clínico considerando a correta representação do conhecimento
conceitual relevante e os resultados de desempenhos especificados (etapa 6), incluindo a base
explicativa ou interpretativa pelo aluno sobre os conceitos relevantes.
A compreensão dos princípios da TAS associada às orientações dos modelos
elaborados por Vitale e Romance (2000) formam a base argumentativa que permite analisar
teoricamente o uso pedagógico do PRE por essa perspectiva construtivista. Porém, a
integração dessa relação em um evento educativo real é apresentada na presente pesquisa, por
meio da intervenção pedagógica realizada no contexto do internato eletivo de Anestesiologia,
que tem como foco o PRE.
Dessa forma, no capítulo 5 é apresentada a metodologia utilizada nesta investigação
que, segundo Minayo (1999), consiste no caminho e no instrumental utilizados para abordar
uma realidade.
87
5 METODOLOGIA
Neste capítulo é apresentada a metodologia que orientou o presente estudo, iniciando
pela caracterização do desenho metodológico utilizado, seguido da apresentação dos
instrumentos e procedimentos utilizados em cada etapa da investigação.
O projeto da presente pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do
HUCFF da UFRJ, protocolo 130/11, aprovado conforme parecer consubstanciado 738/11,
apreciado em 24/11/2012. A partir dessa aprovação, foram iniciados os procedimentos da
investigação empírica.
Os pressupostos sobre determinada realidade irão compor uma teoria sobre essa
realidade. O problema de pesquisa completará a ligação entre os pressupostos teóricos e os
dados da pesquisa, sendo que a metodologia utilizada será estruturada com base nessa teoria
(VÍCTORA, KNAUTH e HASSEN, 2000).
Segundo Leedy (1993), a natureza do problema e dos dados da pesquisa são os
elementos definidores da metodologia a ser utilizada.
Os métodos quantitativos de pesquisa são utilizados quando se deseja descrever a
tendência central de uma variável ou a frequência com que uma categoria dessa variável
ocorre em uma população maior (VÍCTORA, KNAUTH e HASSEN, 2000). Os métodos
qualitativos não são úteis para mensurar a ocorrência de fenômenos em grandes grupos, mas
são utilizados quando se pretende entender o contexto no qual algum fenômeno ocorre,
possibilitando a observação simultânea de vários elementos em um mesmo grupo. Dessa
forma, eles propiciam o conhecimento sobre um evento de forma mais aprofundada, assim
como possibilitam encontrar explicações de comportamentos (VÍCTORA, KNAUTH e
HASSEN, 2000).
A pesquisa qualitativa é uma atividade situada que localiza o observador no mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade
ao mundo. Essas práticas transformam o mundo em uma série de representações,
incluindo as notas de campo, as entrevistas, as conversas, fotografias, as gravações e
os lembretes. Nesse nível, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem naturalista,
interpretativa, para mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas
em seus cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em
termos dos significados que as pessoas a eles conferem. (DENZIN e LINCOLN
2006, p.17)
Portanto, pela natureza do problema da presente pesquisa, optou-se pela utilização de
métodos qualitativos e quantitativos. Para a investigação de questões baseadas em
interpretações de eventos, de percepções e de narrativas que pudessem conduzir a um
88
conhecimento mais profundo sobre os aspectos envolvidos na prática educacional do contexto
do internato médico, e sobre as alternativas pedagógicas propostas pelo presente estudo foram
utilizados os métodos qualitativos. Para a investigação e apresentação de resultados que
traduzissem a tendência ou a frequência da variável estudada, foram utilizados métodos
quantitativos.
Diversas estratégias e métodos podem ser utilizados em pesquisas qualitativas. Dentre
eles, o estudo de caso, a pesquisa documental, a pesquisa etnográfica, pesquisa-ação, pesquisa
participante, fenomenologia e outras (DENZIN e LINCOLN, 2006).
5.1 DESENHO METODOLÓGICO DO ESTUDO
A observação sobre o contexto educacional do internato eletivo em Anestesiologia
permitiu identificar alguns dos problemas aí envolvidos e que eram semelhantes aos
abordados em diversos estudos sobre o tema da Educação Médica. Com base nessas
informações preliminares foi elaborado e implementado um novo programa teórico-prático
para o internato em Anestesiologia, que se tornou o objeto da presente investigação,
apresentando o PRE como uma ferramenta pedagógica inovadora. Esse caminho inicial não
ocorreu de forma linear, pois alguns elementos foram considerados como possíveis limitantes
gerando na pesquisadora inquietações para o desenvolvimento da pesquisa. Primeiro, o fato
do uso pedagógico do PRE ser uma experiência recente e estar em processo de
aperfeiçoamento. Segundo, o fato de que a participação direta da pesquisadora no processo
investigado poderia comprometer a neutralidade da pesquisa, uma vez que, estava atuando,
simultaneamente, como preceptora responsável pelas análises dos portfólios e como
pesquisadora de tal processo.
O problema relativo à participação ativa das pessoas implicadas com uma pesquisa e
da interferência dos dispositivos de investigação nos processos observados só pôde
ser concebido como um problema de pesquisa com a superação das pretensões de
neutralidade e objetividade tão promulgadas pelo paradigma positivista nas ciências
(PAULON, 2005, p. 18).
Essas considerações sobre a natureza do problema e as etapas percorridas na presente
investigação apresentaram elementos que permitiram caracterizá-la como uma pesquisa-
intervenção. Esta consiste em um dos métodos de pesquisa participativa no qual o pesquisador
apresenta-se inserido na realidade investigada e o percurso da pesquisa se dá na
89
processualidade e complexidade dos acontecimentos investigados (SILVEIRA, REZENDE e
MOURA, 2010).
As pesquisas participativas surgem como um movimento frente às pesquisas
cientificistas tradicionais, trazendo pressupostos vinculados à problematização das
relações entre o investigador e o que é investigado, entre sujeito e objeto, teoria e
prática, com a perspectiva do estabelecimento de condições para captação
/elaboração da informação no cotidiano das culturas, grupos e organizações populares. Isso significa que as práticas que constituem o social e os referenciais
que lhe dão sentido vão se produzindo concomitantemente, uma vez que o
conhecimento e a ação sobre a realidade são constituídos no curso da pesquisa de
acordo com as análises e decisões coletivas, dando à comunidade participante uma
presença ativa no processo (ROCHA, 2006, p. 169).
Segundo Rocha (2006), na pesquisa participante o conhecimento é construído entre o
saber incorporado nos pressupostos do pesquisador e o fazer que produz continuamente
elementos que ajudam a organizar a ação de investigação. Ela se caracteriza pelo
questionamento de determinados parâmetros (como a verdade, a neutralidade, a objetividade e
a universalização de saberes) e pela influência das mudanças produzidas ao longo da pesquisa
sobre as transformações dos sujeitos e das práticas estabelecidas para a população participante
e/ou para os pesquisadores (ROCHA, 2006).
―A pesquisa-intervenção se caracteriza por uma intervenção psicossociológica em
nível de transformação institucional‖ (ROCHA, 2006, p. 170). Entendendo-se como
―institucional‖ não um estabelecimento ou uma estrutura organizacional e sim as práticas
sócio-historicamente produzidas, acompanhadas dos valores e das tradições, tendo como
referência as ações naturalizadas e universalizadas no cotidiano. Sendo esse cotidiano
construído pelas experiências vividas, produzindo sucessivas operações que vão se repetindo
em um processo permanente em que hábitos cristalizados ora são afirmados e ora são
desconstruídos (ROCHA, 2006).
A pesquisa-intervenção tem como referencial teórico a Análise Institucional que
surgiu com o Movimento Institucionalista na década de 60 na França e nas décadas seguintes
na América Latina.
A Análise Institucional é uma das correntes do Movimento Institucionalista, um movimento transdisciplinar que rejeita padrões e verdades préconcebidas, luta contra
toda forma de discriminação, exploração e dominação social, utiliza conceitos e
instrumentos desenvolvidos para a análise e intervenção nas instituições, visando à
autoanálise e autogestão dos coletivos envolvidos (Baremblitt, 2002; L’abbate,
2003; Pereira & Penzim, 2007) (apud SILVEIRA, REZENDE e MOURA, 2010, p.
186).
90
Rocha (2006) considera importante que, ao iniciar um trabalho de análise institucional,
o campo de análise seja construído pela organização de conhecimentos históricos, políticos e
conjunturais que estão envolvidos no cotidiano do contexto onde se busca desenvolver o
processo de investigação. O ponto de partida para a trajetória da investigação é a análise da
demanda criada pelo próprio pesquisador e das demandas gerais já existentes no local ou que
venham a surgir no decorrer da pesquisa. Uma vez estabelecido o projeto de trabalho, a
pesquisa-intervenção se inicia.
Diante das definições e caracterizações apresentadas tornou-se possível considerar o
desenho metodológico da pesquisa-intervenção como adequado à presente investigação.
De acordo com o referencial teórico-metodológico exposto, o primeiro movimento de
uma análise institucional deve ser a constituição do campo de análise. Assim, inicialmente,
buscou-se levantar as questões envolvidas com a problemática a ser investigada. Esse
levantamento conduziu a investigação para o campo da Psicologia da Educação e, por meio
dos estudos sobre o construtivismo, os princípios da Teoria da Aprendizagem Significativa
(AUSUBEL, NOVAK e HANESIAN, 1978; NOVAK e GOWIN, 1998) se constituíram na
fundamentação teórica para o delineamento da pesquisa. Paralelamente, os estudos sobre a
trajetória dos modelos de Educação Médica, desde os tempos da colonização brasileira,
permitiram a compreensão macropolítica dessa problemática, revelando as contradições
existentes entre a realidade atual desse contexto educacional e as características idealizadas
para o novo modelo de educação proposto (―paradigma da integralidade‖). Tendo como
proposta inicial de estudo, a análise do PRE alinhado aos pressupostos do novo modelo de
ensino proposto para o contexto da educação médica, foram realizados diversos estudos nesse
sentido, complementados por uma revisão de literatura sobre o tema. Dessa forma, o campo
de pesquisa foi se delineando, tendo como fundamento a TAS.
Em relação ao segundo movimento da análise institucional, o contexto do internato
eletivo em Anestesiologia do HUCFF/UFRJ se constituiu no campo de intervenção da
presente pesquisa, utilizando-se as seguintes fontes de dados, circunscritas apenas ao
segmento discente: as narrativas dos portfólios e entrevistas semi-estruturadas.
5.2 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS
Para melhor compreensão dos instrumentos e procedimentos da presente investigação,
inicialmente, é apresentada uma análise do programa pedagógico implantado no internato
91
eletivo em Anestesiologia, pela perspectiva da AS, utilizando-se adaptações dos modelos
propostos por Vitale e Romance (2000), apresentados nos capítulos 2 e 4 do presente trabalho.
5.2.1 Análise do programa teórico-prático do internato eletivo em Anestesiologia
Durante a graduação médica, conforme Feuerwerker (2002, p. 66) salienta, ―a
multiplicação e a fragmentação de conteúdos, introduzidos sem critérios de relevância,
dificultam ainda mais a hierarquização e a integração dos conhecimentos por parte dos
estudantes‖. Essa constatação aliada a curta duração do internato eletivo em Anestesiologia
(cerca de oito a dez semanas) fez com que a elaboração de um programa adequado para esse
período se tornasse um desafio.
5.2.1.1 Objetivos do programa
Inicialmente, foi estabelecido que o objetivo geral do programa seria contribuir para
que o aluno integrasse os conhecimentos teóricos adquiridos ao longo dos quatro anos da
graduação à prática médica em geral, ou seja, buscou-se definir critérios sobre que
procedimentos e conhecimentos eram mais relevantes para a formação de um médico
generalista que pudessem ser oferecidos no contexto da Anestesiologia. Portanto, a intenção
não era formar anestesiologistas, pois, para isso, aqueles que assim desejassem poderiam
optar pela Residência Médica na especialidade. Além disso, o período do internato daria a
oportunidade para que cada aluno acompanhasse a rotina diária do especialista, permitindo
que fizesse uma escolha mais consciente sobre seu futuro profissional na Medicina.
Para o estabelecimento dos objetivos específicos desse programa, foram utilizados
como base os seguintes parâmetros: a) competências e habilidades específicas para o
exercício médico presentes no art. 5 das DCN (2001), tais como, ―realizar procedimentos
clínicos e cirúrgicos indispensáveis para o atendimento ambulatorial e para o atendimento
inicial das urgências e emergências em todas as fases do ciclo biológico‖ (inciso XIV, p.2);
atuar em equipe multiprofissional (inciso XXI, p. 2); ―dominar os conhecimentos científicos
básicos da natureza biopsicosocio-ambiental subjacente à prática médica e ter raciocínio
crítico na interpretação dos dados, na identificação da natureza dos problemas da prática
médica e na sua resolução‖ (inciso VI, p. 2); b) as diretrizes para o curso de Graduação de
Medicina que constam em seu art. 12 (DCN, 2001).
Dessa forma, foram estabelecidos, pelo programa pedagógico implantado, os seguintes
objetivos específicos: permitir a prática do aluno em determinados procedimentos,
92
considerados básicos para sua futura prática profissional, independente da especialidade
médica (punção de veia periférica e instalação de hidratação, ventilação pulmonar sob
máscara, intubação orotraqueal, punção lombar durante a realização de raquianestesia);
adquirir noções teóricas e aplicações práticas sobre: avaliação pré-anestésica; avaliação de via
aérea; monitorização; anestésicos locais inalatórios e venosos; bloqueadores neuromusculares;
anestesia geral e regional; reanimação cardio-pulmonar; recuperação pós-anestésica.
Os modelos propostos por Vitale (2000) serviram de base para a análise do programa
teórico-prático proposto para o Internato Eletivo de Anestesiologia, tendo como fundamento
pedagógico a perspectiva da TAS. Assim, foi elaborado um modelo pedagógico para esse
programa, cuja adaptação está esquematizada pela figura 9.
93
Conceitos centrais
Conhecimentos Teóricos
Anatomia humana
Fisiologia Sistemas Orgânicos
Fisiopatologia
Farmacologia
Medicina Interna
Habilidades clínicas básicas
Programa do Internato
Clínicas
Cirúrgicas
Anestesiologia
Clínica Médica
e Especialidades
clínicas
I
N T
E
R
D I
S
C
I P
L
I
N A
R
I
D A
D E
Anatomia
Fisiologia
Farmacologia
Fisiopatologia
Medicina
Interna
TEMAS
-Equipamentos de
Anestesia -Vias Aéreas
-Profilaxia de
nauseas e vômitos
- Monitorização
-Anestésicos
Locais
-Anestésicos
Inalatórios -Anestésicos
venosos
-BNM
-Bloqueios Regionais
-RPA
-RCP
ENSINO e
Prática reflexiva
Aprendizagem
Significativa
Habilidades
Clínicas para cuidado
ao paciente
Domínios de Avaliação
ARTICULAÇÕES
Conhecimento Científico Habilidades Técnicas e
Clínicas
Atividades desenvolvidas pelos alunos
No Centro Cirúrgico Práticas
Aula demonstração
Aulas Teóricas Expositivas
Clube de Revista
No AVA (Constructore)
Portfólio
Narrativas e Fórum
na forma de
Especificações de Desempenho
Baseado em Conhecimento
Portfólio Eletrônico (narrativas semanais)
Fóruns
Provas objetivas (2)
Prova prática-oral
Demonstra aprendizagem significativa nas narrativas dos portfólios:
Observa eventos (articulações conceituais simples)
Faz prognósticos de eventos futuros Analisa e explica eventos (relações interconceituais)
MODELO DE ENSINO BASEADO EM CONHECIMENTO ADAPTADO AO PROGRAMA DO INTERNATO ELETIVO DE
ANESTESIOLOGIA DO HUCFF/UFRJ.
Determina
Oferece estrutura baseada em conhecimento
Figura 9 – Modelo do Programa do Internato em Anestesiologia
(Adaptado de Vitale e Romance, 2000)
94
A análise descritiva desse modelo adaptado é a seguinte:
5.2.1.2 Os Conceitos Centrais
Todos os temas teóricos do programa apresentavam relações com os conhecimentos
oriundos dos assuntos estudados ao longo do curso de graduação nas disciplinas de Anatomia,
Fisiologia dos Sistemas Orgânicos, Fisiopatologia, Farmacologia e Medicina Interna. Tais
conhecimentos foram considerados como conceitos centrais no modelo do programa,
esperando-se que estivessem presentes na estrutura cognitiva dos alunos, de forma a
possibilitar a ocorrência da AS.
Buscou-se salientar junto aos alunos, a importância da concepção de
interdisciplinaridade para a boa prática médica, especialmente na Anestesiologia.
Considerou-se, também, que as habilidades clínicas básicas, tais como anamnese e
exame físico, já eram de domínio dos alunos nessa etapa da graduação, de forma a permitir a
adequada prática médica junto ao paciente.
5.2.1.3 O Programa Teórico propriamente dito
Todos os temas articulam-se aos conceitos centrais, de forma a construir uma
integração que permita ao aluno desenvolver sua prática junto ao paciente. Esse é um ser
dinâmico, em que todas as funções orgânicas relacionam-se. A fragmentação da teoria em
temas facilita a organização do ensino, ao longo do curso básico, porém, no momento da
prática, deixa de existir, uma vez que o aluno deve ser capaz de fazer as articulações
adequadas, para desenvolver o raciocínio clínico que lhe permitirá ser um bom médico. Além
disso, esse aluno deverá entender e vivenciar a interdisciplinaridade no seu dia a dia. A
própria especialidade da Anestesiologia está intimamente relacionada à clínica médica e às
clínicas cirúrgicas, simultaneamente.
Os temas teóricos propostos pelo programa, para realização da presente pesquisa,
foram codificados por números de 1 a 12 e são apresentados no quadro 05 com as respectivas
atividades pedagógicas utilizadas em seu ensino.
95
Código
do
tema
Tema Atividade pedagógica de ensino
01 Equipamentos e Preparo
da sala para a anestesia
Aula com demonstração prática no centro cirúrgico sobre o manejo de
equipamentos importantes, sobretudo, para a segurança do paciente e da
equipe de saúde envolvida.
02 Avaliação pré-anestésica Aula expositiva sobre a importância da avaliação prévia em todo paciente
que vai se submeter a uma cirurgia e como ela deve ser realizada
03 Abordagem da via aérea Discussão de texto sobre as principais questões envolvidas na avaliação e
abordagem da via aérea do paciente, principalmente em relação à
identificação de preditores para possível dificuldade de ventilação e/ou
intubação traqueal.
04 Monitorização Aula expositiva com apresentação e indicações de uso de todos os recursos
disponíveis para a monitorização do paciente durante o ato anestésico-
cirurgico, desde os mais básicos até os mais invasivos.
05 Profilaxia de náuseas e vômitos (PNV)
Discussão de texto sobre a importância da identificação dos principais fatores de risco associados a esses desagradáveis eventos no pós
operatório, e apresentação das principais opções profiláticas e terapêuticas
disponíveis e suas indicações de uso.
06 Anestésicos Locais Aula expositiva sobre os princípios farmacológicos básicos e uso clínico
desses agentes.
07 Anestésicos Inalatórios Aula expositiva sobre os princípios farmacológicos básicos e os principais
efeitos desses fármacos sobre o organismo.
08 Anestésicos venosos Aula expositiva sobre os tipos e as principais ações farmacológicas dessas
drogas
09 Bloqueadores
neuromusculares (BNM)
Aula expositiva sobre os tipos de BNM, suas ações, a monitorização do
bloqueio e sua reversão.
10 Bloqueios regionais Aula expositiva sobre as principais técnicas, suas indicações, cuidados e
complicações mais frequentes.
11 Recuperação pós-
anestésica (RPA)
Aula expositiva sobre os principais cuidados e complicações mais
frequentes no pós operatório imediato.
12 Reanimação cardio-
pulmonar (RCP)
Aula expositiva apresentando os protocolos de conduta atualizados sobre o
assunto
Quadro 4 - Temas teóricos do programa e atividades de ensino correspondentes
Além do programa teórico, foram oferecidas aos alunos atividades práticas no centro
cirúrgico como oportunidades para vivenciarem a assistência e o cuidado ao paciente, não só
do ponto de vista anestesiológico, mas principalmente como médico generalista. É esperado
que, pela observação e/ou realização de determinados procedimentos, considerados essenciais
à prática médica, e pelo exercício do raciocínio clínico no per-operatório, o aluno desenvolva
seu aprendizado. Porém, este só se consolidará, se for construído com base em um ensino
planejado que consiga despertar no aluno a intencionalidade de aprender, por meio de uma
prática reflexiva que favoreça a aprendizagem significativa.
5.2.1.4 Domínios de Avaliação
Espera-se que a estruturação planejada para esse programa descrito ofereça uma base
de conhecimentos que permita ao aluno estabelecer as adequadas articulações entre esses
conhecimentos teóricos e as habilidades práticas e clínicas em desenvolvimento ao longo do
96
internato. Por sua vez, essas articulações estabelecidas podem oferecer as evidências de
domínios que se deseja avaliar no aluno. Dessa forma, acredita-se ser possível validar a
avaliação de uma aprendizagem significativa, sendo necessário, para isso, que o aluno
demonstre articulações entre os conceitos teóricos e os eventos observados, mas ainda não
vivenciados na prática clínica.
5.2.1.5 Atividades desenvolvidas pelos alunos
Os conceitos gerais selecionados, o programa pedagógico planejado e os domínios a
serem avaliados servem de base para o planejamento das atividades a serem aplicadas aos
alunos, de forma a atingir os objetivos estabelecidos. Dessa forma, foram planejadas diversas
atividades e tarefas para o desenvolvimento do programa, tais como: aulas teóricas
expositivas, discussões de textos, aula demonstração e práticas no centro cirúrgico. Essas
atividades servem como subsídios para a elaboração das narrativas dos alunos em seus
portfólios e para suas participações nos fóruns de discussões do ambiente virtual de
aprendizagem criado na plataforma Constructore8 (http://ltc.nutes.br/constructore) .
As figuras 10 e 11 ilustram o ambiente virtual inicial do curso e o formulário
destinado à inserção do portfólio, respectivamente.
8 A Constructore é uma ferramenta de autoria desenvolvida no Laboratório de Tecnologias Cognitivas do
NUTES-UFRJ, com o objetivo de facilitar o desenvolvimento de atividades educativas utilizando recursos da Internet pelos docentes universitários, sem que precisem ter o domínio da programação computacional ou
recorrer ao auxílio de profissionais de informática. A atual versão da Constructore contempla uma página inicial
e três ambiente internos principais: o ambiente do professor, o ambiente de criação do curso e o ambiente do
curso. Seu endereço na web: http://ltc.nutes.br/constructore
97
Figura 10- Ambiente do curso Anestesiologia para o Internato na plataforma Constructore. Fonte: http://ltc.nutes.br/constructore
Figura 11- Interface do formulário destinado ao Portfólio no ambiente do curso. Fonte:
http://ltc.nutes.br/constructore
98
5.2.1.6 Especificações de desempenho baseadas em conhecimento
As atividades e tarefas planejadas para os alunos, se bem desenvolvidas, devem
permitir que eles demonstrem conhecimentos específicos que serão avaliados por meio de
provas teóricas objetivas, prova prática, participações nos fóruns e também pelos portfólios
eletrônicos.
5.2.1.7 Evidências de aprendizagem significativa
Espera-se que os portfólios elaborados pelos alunos possam demonstrar a ocorrência
de AS. Para isso, buscou-se analisar o que as narrativas informavam sobre o conhecimento
dos alunos, construído durante o desenvolvimento das atividades práticas. Buscou-se
observar, também, que elementos, contidos nas narrativas dos portfólios, podem ser
considerados evidências de AS, representadas pelas articulações entre os eventos práticos e os
conceitos teóricos.
Como forma de classificar hierarquicamente tais articulações, foram definidas as
seguintes categorias: articulações simples de conceitos teóricos para explicar os eventos
observados na prática; articulações entre teoria e prática que demonstrassem a previsão de
algum prognóstico para o evento observado; articulações entre diversas relações conceituais
teóricas para explicar eventos observados na prática.
Para fins da presente investigação, as participações dos alunos nos fóruns de discussão
e seus desempenhos nas provas objetivas não foram analisados, uma vez que o foco desta
pesquisa é o PRE.
A compreensão dos princípios da TAS associada às orientações dos modelos
elaborados por Vitale e Romance (2000) formam a base argumentativa que permite analisar
teoricamente o uso pedagógico do PRE nessa perspectiva construtivista. Porém, a integração
dessa relação em um evento educativo real é apresentada na presente pesquisa, por meio da
intervenção pedagógica realizada no contexto do internato eletivo de Anestesiologia, que tem
como foco o PRE.
5.2.2 Sujeitos da pesquisa
Todos os alunos matriculados no Internato Eletivo de Anestesiologia que participaram
da experiência de uso do portfólio eletrônico como ferramenta de reflexão foram convidados a
participar da pesquisa. Logo, os alunos do internato nos períodos de agosto de 2011 a
99
novembro de 2011 (grupo 1), e de março de 2012 a junho de 2012 (grupo 2) participaram da
pesquisa. A faixa etária dos alunos participantes variou entre 24 e 28 anos, em que 50% deles
(n=5) tinham 25 anos de idade, sendo sete do sexo masculino e três do feminino.
A seleção dos sujeitos da pesquisa se baseou no pressuposto de que, na pesquisa
qualitativa o critério para a seleção da amostra a ser estudada é sua capacidade de objetivar o
objeto empiricamente, em todas as suas dimensões, e não o critério da representatividade
numérica que possa possibilitar generalizações dos conceitos teóricos que se deseja testar. Por
isso, define-se como sujeitos da pesquisa o grupo social que seja mais relevante para refletir a
totalidade nas suas múltiplas dimensões (MINAYO, 1999).
No início de cada período, todos os internos foram acolhidos em um encontro
preparado especialmente para isso, com a presença do grupo de preceptores do Serviço de
Anestesiologia, envolvidos mais diretamente no programa. Esse grupo era constituído por
quatro médicos, incluindo a pesquisadora. Apenas um dos preceptores acumula também a
função docente na UFRJ, enquanto os outros três possuem apenas o vínculo de médicos e
haviam realizado o já citado curso de formação de preceptores. Todos do grupo trabalham na
instituição há mais de 20 anos. Nesse momento, além das apresentações pessoais, foram
esclarecidas as seguintes questões: os objetivos do internato eletivo, as atividades pedagógicas
para o desenvolvimento do programa teórico-prático, suas responsabilidades no serviço em
termos de horário, tarefas, compromissos e as formas de avaliação que seriam utilizadas,
incluindo o portfólio.
Em um segundo encontro, a proposta do portfólio eletrônico foi mais detalhadamente
apresentada, sendo enfatizados os seguintes pontos: objetivos pedagógicos para o processo de
ensino aprendizagem no contexto do internato; a autonomia do aluno na seleção do conteúdo
do portfólio, a partir do que cada um vivenciasse na prática em serviço e considerasse mais
relevante como aprendizado; a importância da reflexão e da articulação entre conhecimento
teórico adquirido e sua aplicação na prática para a elaboração do portfólio; os critérios que
seriam observados na avaliação das narrativas. Foi salientado o reconhecimento, por parte da
preceptoria, sobre a possível dificuldade que os alunos poderiam encontrar em realizar essa
tarefa, devido à falta de familiaridade com ela e devido ao tempo necessário para sua
execução. Ainda nessa ocasião, eles eram informados sobre esse estudo empírico, seus
objetivos e a importância da participação de cada um deles para essa pesquisa acadêmica.
Ao final de cada período do internato eletivo correspondente, cada aluno foi
convidado individualmente a participar da pesquisa que foi a ele esclarecida. Ao concordar
em participar, a entrevista com ele era agendada, em local e data convenientes para o aluno e
100
para pesquisadora. Antes de iniciada a entrevista, o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, era lido e assinado pelo interno, concordando em participar da pesquisa e
autorizando a utilização de suas falas nas entrevistas, dos conteúdos de seus portfólios e de
suas participações nos fóruns no estudo, com a garantia de que sua identificação não seria
revelada.
No primeiro grupo, dos nove (n=9) internos matriculados naquele período e que
haviam manifestado concordância em participar, apenas seis (n=6) efetivamente participaram,
enquanto no segundo grupo todos os quatro internos (n=4) matriculados participaram. No
total, então, a pesquisa foi realizada com dez alunos participantes (n=10) distribuídos em dois
grupos. Cabe informar que no período relativo ao primeiro grupo, houve vários desencontros
decorrentes dos problemas estruturais enfrentados pela instituição e que impossibilitaram seu
funcionamento. Como consequência, algumas entrevistas agendadas não puderam ser
realizadas e, com a descontinuidade das atividades na instituição houve grande dificuldade em
novos reagendamentos para as entrevistas. Provavelmente, essa questão pode ser considerada
como uma das causas que justifique a não participação na pesquisa de todos os alunos
matriculados naquele período.
Todos os alunos participantes da pesquisa foram codificados pela letra ―A‖, seguida
do número (n) correspondente à sequência de ―1 até 10‖.
5.2.3 Procedimentos para coleta de dados
A presente investigação foi desenvolvida exclusivamente com informações fornecidas
pelos alunos, sujeitos da pesquisa, cujos dados foram coletados dos portfólios elaborados e
das entrevistas realizadas com eles. Essa etapa da investigação ocorreu em dois momentos:
5.2.3.1 Momento 1 – leituras dos portfólios
Os formulários para inserção das narrativas semanais que compunham os portfólios
dos alunos foram identificados pela letra ―F‖, seguido de seu número representativo no
registro na ferramenta Constructore.
Todos os portfólios dos internos foram impressos de forma a facilitar as leituras e
manipulação do material. Os conteúdos dos portfólios, de todos os internos participantes,
foram analisados, individualmente.
101
5.2.3.2 Momento 2- entrevistas com os internos participantes
As entrevistas, em pesquisas qualitativas, permitem ao pesquisador tentar entender
algo do ponto de vista dos sujeitos e revelar o significado de suas experiências (KVALE,
1996).
...se forem bem realizadas, elas permitirão ao pesquisador fazer uma espécie de
mergulho em profundidade, coletando indícios dos modos como cada um daqueles
sujeitos percebe e significa sua realidade e levantando informações consistentes que lhe permitam descrever e compreender a lógica que preside as relações que se
estabelecem no interior daquele grupo, o que, em geral, é mais difícil obter com
outros instrumentos de coleta de dados (DUARTE, 2004, p.215).
Por meio da entrevista podem ser obtidos dados objetivos (estatísticas, censos,
variados registros etc) e dados subjetivos, que se referem ao nível mais profundo da realidade
dos indivíduos entrevistados, tais como suas atitudes, valores e opiniões. Portanto, esse
momento de coleta de dados não é um campo neutro, pois dois aspectos importantes precisam
ser valorizados e entendidos como pontos de conflitos e contradições (MINAYO,1999). São
eles:
Os critérios de representatividade das falas
A fala pode revelar condições estruturais, valores, normas, símbolos e,
simultaneamente, transmitir as representações de um determinado grupo sob condições
específicas do ponto de vista histórico, sócio-econômico e cultural. Por meio da comunicação
verbal, as pessoas refletem e retratam conflitos e contradições próprios de seu ambiente.
Portanto, a fala do indivíduo pode ser representativa da cultura de uma sociedade. Porém,
como cada ator social tem sua participação específica e relação diferenciada com a cultura
dominante, sua comunicação verbal também pode falar por si mesmo.
Interação social
A interação entre pesquisador e pesquisado é um aspecto essencial na abordagem
qualitativa, pois a entrevista não é simplesmente um trabalho de coleta de dados, mas um
momento em que as informações dadas pelos sujeitos podem ser profundamente afetadas pela
natureza da interação estabelecida entre ambos.
Em relação a esse aspecto, Minayo (1999) refere-se às considerações de Michelat,
sobre os seguinte pontos: a) quanto mais profundo for o nível da entrevista, mais rico será o
102
material produzido para a pesquisa; b) a afetividade e a experiência influenciam mais os
comportamentos do que a racionalidade da intelectualidade; c) quanto menos estruturada for a
entrevista, melhor será a comunicação no nível sócio-afetivo-existencial. Para o êxito da
pesquisa qualitativa é fundamental que esse nível de comunicação seja alcançado. Minayo
(1999) ressalta ainda que cada dado específico de cada entrevista é importante, porém, é do
conjunto de todas as informações, de todas as entrevistas, que o pesquisador irá compor seu
quadro de dados para análise. Outra questão levantada é sobre a importância da relevância do
tema para o pesquisado, para que ele emita sua opinião, pois, caso contrário, mesmo sendo
estimulado, o tema não será explicitado pelo entrevistado.
Segundo Duarte (2004), diante da gama de informações obtidas pela entrevista, cabe
ao pesquisador atribuir um sentido a essas informações, tendo como alguns dos referenciais os
seus pressupostos teóricos e os objetivos da pesquisa. Porém, é preciso também que o
pesquisador tenha consciência de que muitas vezes o pesquisado ―encena um personagem‖ (p.
223) e responde à entrevista de acordo com o que ele considera que o pesquisador deseja que
ele seja ou com o que ele acredita que o pesquisador gostaria de ouvir. Portanto, é importante
que essas informações sejam confrontadas com outros olhares e com a prática observada pelo
pesquisador no campo da pesquisa (DUARTE, 2004).
Em relação à sua estruturação, as entrevistas podem ser: a) estruturadas ou fechadas,
são frequentemente utilizadas em pesquisas quantitativas e experimentais, as perguntas são
padronizadas e as opções de respostas são limitadas; b) semi-estruturadas, comumente usadas
nas pesquisas qualitativas, com um roteiro de tópicos ou perguntas mais gerais; c) não-
estruturadas, também comuns em pesquisas qualitativas, em que o tema da pesquisa é
introduzido pelo entrevistador e o entrevistado discorre livremente sobre esse tema.
No presente estudo, foi utilizada entrevista semi-estruturada para investigar os
seguintes pontos: a) conhecer como ocorreu o processo de elaboração do portfólio; b)
compreender como os alunos perceberam e vivenciaram a experiência de utilização do
portfólio reflexivo eletrônico, ao longo do processo de aprendizagem durante o período do
internato eletivo; c) conhecer suas percepções sobre o uso do ambiente virtual de
aprendizagem e sobre possíveis vantagens e desvantagens dessa atividade.
Cada entrevista ocorreu em local privativo e silencioso, transcorrendo sem
interrupções e foi baseada em um roteiro (apêndice 1), que serviu apenas como orientação
para que os principais temas fossem abordados (avaliação, portfólio como instrumento de
avaliação, o processo de elaboração do portfólio e uso do ambiente virtual de aprendizagem).
103
A conversa fluiu de forma livre, buscando ouvir o entrevistado com calma e sem interrupções.
O tempo médio de entrevista foi em torno de 40 minutos.
Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas pela pesquisadora para serem
analisadas posteriormente.
As entrevistas foram codificadas utilizando o mesmo código do aluno (An).
5.2.4 Procedimento de análise dos dados
Para o tratamento dos dados coletados foi utilizada a Análise de Conteúdo que,
segundo Bardin (2009), é um conjunto de técnicas de análise de comunicação. É um método
empírico, que depende do tipo de fala que se deseja analisar e do tipo de interpretação que se
tem como objetivo.
Para Bauer (2002, p.189), ―os textos, do mesmo modo que as falas, referem-se aos
pensamentos, sentimentos, memórias, planos e discussões das pessoas, e algumas vezes nos
dizem mais do que seus autores imaginam‖.
A finalidade do método é a inferência de conhecimentos relacionados às condições de
produção do conteúdo analisado. Para inferir deve-se recorrer a indicadores que podem ser
quantitativos ou não (BARDIN, 2009). A inferência é o procedimento intermediário entre a
descrição do texto (primeira etapa) e a interpretação (última etapa) e que pressupõe a
comparação de dados (BARDIN, 2009; FRANCO, 2008).
Para organizar as análises é preciso definir as unidades de amostragem e de registro de
texto.
Para realizar a análise de conteúdo, da unidade de amostragem ou registro selecionada,
é necessário um referencial de codificação ou sistema de categorias, que deve ser criado
teoricamente e refletir o objetivo da pesquisa (BAUER, 2002). Segundo Franco (2008), essas
categorias podem ser criadas de duas formas: categorias criadas a priori que são pré-
definidas, em função da busca do investigador por uma resposta específica; categorias não
definidas a priori que emergem do discurso, após constantes análises do material.
Segundo o modelo elaborado por MsAskill em 2002 (apud RODRIGUES, 2009), é
possível se individualizar três variáveis componentes do portfólio: o conteúdo do portfólio, o
processo de elaboração do portfólio e a percepção sobre a realização do portfólio, conforme
ilustrado na figura 13.
104
Figura 12- Áreas envolvidas na elaboração do portfólio (Fonte: RODRIGUES, 2009)
MsAskill (2002) apresenta um modelo de utilização do portfólio para promover a
reflexão (percepção) e as decisões dos alunos em sua construção. O autor salienta
que essa modalidade de registro fornece informações e documentação significativa
sobre as capacidades dos estudantes, o que eles aprenderam e o que são capazes de fazer (FRISON, 2008, P. 215)
Essas variáveis foram adaptadas para a presente investigação e serviram de base para
analisar os dados coletados nos dois momentos descritos.
Dessa forma, a investigação sobre o PRE foi dividida em três etapas de acordo com a
natureza da categoria temática analisada: conteúdo dos portfólios propriamente dito; processo
de elaboração do portfólio e percepção dos alunos sobre o PRE.
5.2.4.1 Análises dos dados dos conteúdos dos portfólios:
Conforme os objetivos definidos pelo programa teórico prático implantado, era
esperado que, ao final do período do internato eletivo em Anestesiologia, o aluno conseguisse
adquirir conhecimentos tanto de natureza procedimental, quanto cognitiva. Logo, para que
fosse possível acompanhar esse processo de aprendizado, por meio do conteúdo do PRE,
foram definidas quatro categorias de dados para análise: a) referência à realização dos
procedimentos técnicos pelos alunos (procedimental); b) temas e/ou eventos do programa
selecionados como relevantes pelos alunos (cognitivo); c) recursividade; d) evidências de
aprendizagem significativa. O quadro 5 sintetiza essa etapa da investigação apresentando as
categorias utilizadas, seus respectivos indicadores, o método de coleta dos dados e o
procedimento de análise realizado.
PROCESSO
Decisões sobre o portfólio
PRODUTO
Conteúdo do portfólio
PERCEPÇÃO
Reflexão sobre os
objetivos e sobre o trabalho realizado
105
Unidade
temática
Categorias Indicadores Método
de
coleta
Procedimento de
análise
CONTEÚDO
DOS
PORTFÓLIOS
Conhecimento procedimental
(DCN, 2001; VOTTO, 1996; ARENSON-
PANDIKOW, BORDIN e MEDEIROS, 2000;
NASCIMENTO JUNIOR, HONG E CASTIGLIA,
1998; ARENSON-PANDIKOW, PLANT E
MOYES, 1995; Programa teórico/prático para o
curso Internato em Anestesiologia do HUCFF/UFRJ)
Referência à
realização de
procedimentos
técnicos
Registro
na plataforma
Constructore
Análise Temática
de Conteúdo
(BARDIN, 2009;
BAUER, 2002;
FRANCO 2008) Temas relevantes
(DCN, 2001; VOTTO, 1996; ARENSON-
PANDIKOW, BORDIN e MEDEIROS, 2000;
NASCIMENTO JUNIOR, HONG E CASTIGLIA,
1998; ARENSON-PANDIKOW, PLANT E
MOYES, 1995; Programa teórico/prático para o
curso Internato em Anestesiologia do HUCFF/UFRJ)
Referência a temas
teóricos vivenciados
na prática
Recursividade
(LEMOS, 2005, 2011; SIQUEIRA, 2009)
Frequência de
citações dos temas
estudados
Registro na
plataforma
Constructore
Análise Quantitativa
Evidências de AS
(VITALE e ROMANCE, 2000)
Articulações simples
entre teoria e prática
Registro na
plataforma
Constructore
Análise Temática
de Conteúdo
(BARDIN, 2009;
BAUER, 2002;
FRANCO 2008)
Prognóstico
Articulações de
relações conceituais
para explicar eventos
ocorridos
Quadro 5 – Categorias relacionadas ao conteúdo dos portfólios propriamente dito e seus respectivos indicadores
5.2.4.1.1 Acompanhamento do aprendizado de conhecimentos procedimentais
O desenvolvimento de habilidades na realização de determinados procedimentos
básicos, considerados importantes para a prática profissional, era um dos objet ivos do
programa. Os alunos recebiam supervisão da equipe de anestesiologistas responsável pelo
acompanhamento dos variados procedimentos cirúrgicos, agendados diariamente no centro
cirúrgico. Simultaneamente, ocorriam em média cerca de dez cirurgias, logo tornava-se difícil
que o mesmo preceptor pudesse acompanhar, de perto, o desempenho de cada aluno na
realização e/ou acompanhamento desses procedimentos. Por isso, foi considerado que o
portfólio poderia ser um instrumento útil no acompanhamento desse aprendizado técnico.
Assim, foram considerados como indicadores dessa categoria de conhecimento, os relatos dos
alunos com referências aos seguintes procedimentos práticos realizados no paciente pelo
aluno: punção de veia periférica, ventilação do paciente sob máscara facial, intubação oro-
traqueal (IOT), punção subaracnóidea lombar (para raquianestesia). A seleção desses
indicadores teve como base as habilidades consideradas por diversos autores (VOTTO, 1996;
ARENSON-PANDIKOW, BORDIN E MEDEIROS, 2000; NASCIMENTO JUNIOR,
HONG E CASTIGLIA, 1998; ARENSON-PANDIKOW, PLANT E MOYES, 1995) como
inerentes ao treinamento de um médico geral, conforme apresentado no capítulo 3, as
orientações das DCN e os objetivos estabelecidos pelo programa teórico-prático do internato
em Anestesiologia.
106
5.2.4.1.2 Temas e/ou eventos considerados relevantes pelo aluno
O aluno era autônomo para selecionar o que considerasse mais relevante, com o
objetivo de demonstrar seu aprendizado, por meio de sua narrativa. Dessa forma, esse também
foi um ponto considerado importante a ser analisado, permitindo observar como os diversos
temas abordados pelo programa teórico estavam sendo compreendidos pelo aluno. Os
indicadores usados para analisar essa categoria foram as referências nos relatos dos alunos
sobre os temas teóricos vivenciados na prática. Os temas utilizados como indicadores nessa
categoria foram selecionados pelos mesmos critérios utilizados na seleção dos indicadores
para acompanhamento do aprendizado de conhecimentos procedimentais.
5.2.4.1.3 Recursividade
De acordo com Houaiss (2007, p. 2406), recursividade é ―propriedade daquilo que se
pode repetir um número indefinido de vezes‖, e sua etimologia traz como origem dessa
palavra o adjetivo recursivo, algo que pode ser repetido, que apresenta recursividade.
Recursivo, por sua vez, tem como origem recurso, que apresenta como significado ―ato ou
efeito de recorrer‖, ou ainda ―invocação de auxílio‖, e que provém do latim recursus, ou seja,
―possibilidade de voltar, caminho para voltar, volta‖. (SIQUEIRA, 2009, p. 11)
A aprendizagem significativa é progressiva, os significados vão sendo captados e
internalizados pouco a pouco, de forma não linear. Nessa progressividade, o erro é comum e
sua superação leva à aprendizagem. Aprende-se a partir do erro. Seres humanos assim
procedem e aprendem. Nesse sentido, a recursividade é um elemento importante, pois permite
que o aluno refaça as tarefas de aprendizagem, aproveitando o erro como fator de
aprendizagem (MOREIRA, 2011b)
Na presente pesquisa, a recursividade foi investigada pela identificação da frequência
de citações, nas narrativas de cada aluno, sobre cada tema teórico estudado.
5.2.4.1.4 Evidências de aprendizagem significativa
Nessa categoria buscou-se estabelecer um controle metodológico que assegurasse a
validade das inferências feitas pela pesquisadora sobre as evidências de AS presentes nas
narrativas dos alunos, conforme defendido pela perspectiva da TAS. Por isso, tendo-se como
base as categorias de desempenho baseadas em conhecimento, propostas por Vitale e
107
Romance (2000), foram estabelecidos os seguintes indicadores para a análise do PRE como
um meio de evidenciar AS:
Articulação simples entre teoria e prática: os trechos das narrativas que foram
interpretados, pela pesquisadora, como evidências de articulações simples entre os
conceitos teóricos (que tenham sido ou não diretamente abordados ao longo do
programa) e os eventos observados na prática do interno foram consideradas
evidências de AS relacionadas ao nível de complexidade mais simples de acordo com
as categorias hierárquicas adaptadas daquelas propostas por Vitale e Romance (2000).
Prognóstico: foram consideradas como um nível aprofundado de aprendizagem
significativa, as narrativas interpretadas como demonstrações de capacidade de prever
algum prognóstico, com base na articulação adequada entre o evento observado na
prática e o conhecimento teórico apresentado.
Articulações de relações conceituais para explicar eventos ocorridos: nessa categoria
foram incluídas as informações das narrativas que foram interpretadas como
evidências de articulações adequadas, entre variados conceitos teóricos, para explicar
eventos ocorridos na prática. Nessa investigação essa categoria foi considerada como
evidências de AS de maior complexidade.
5.2.4.2 Análise dos dados relacionados ao processo de elaboração dos portfólios
Após leituras dos portfólios e das transcrições das entrevistas foram definidas três
categorias de análise quanto aos dados relacionados ao processo de elaboração do PRE:
intencionalidade para aprender significativamente; forma de organização e elaboração do
PRE, tempo destinado à elaboração do portfólio.
O quadro 6 sintetiza essa etapa da investigação, apresentando as categorias, seus
respectivos indicadores, métodos de coleta dos dados e o procedimento de análise realizado.
108
Unidade
Temática
Categorias Indicadores Método de
coleta
Procedimento de
Análise
PROCESSO DE
ELABORAÇÃO
DO
PORTFÓLIO
Intencionalidade para
aprender
significativamente
(AUSUBEL, 2000)
Tipo de narrativa (descritiva
ou analítica)
(SILVA E SÁ-CHAVES,
2008)
Registro na
plataforma
Constructore
Análise Temática
de Conteúdo
(BARDIN, 2009;
BAUER, 2002; FRANCO
2008)
Pensamento crítico/reflexivo
(DEWEY,1979; MEDINA,
2004)
Reflexão para organização
da elaboração do PRE
Referência ao emprego de
reflexão para a elaboração do
portfólio
Entrevista
Tempo destinado à
elaboração do PRE
Referência ao tempo gasto na
elaboração do PRE
Entrevista
Quadro 6 – Categorias relacionadas ao processo de elaboração do PRE e seus respectivos indicadores
5.2.4.2.1 Intencionalidade para aprender significativamente
Conforme discutido no capítulo II, pela perspectiva da TAS, proposta por Ausubel,
para que a AS ocorra, é necessário que o material de ensino seja potencialmente significativo
e que o aluno possua os conhecimentos prévios adequados que permitam que a nova
informação se transforme em aprendizado significativo, porém, nesse processo, é
fundamental que o aluno possua a intencionalidade para aprender, uma vez que sem ela esse
aprendizado poderá ser apenas mecânico, se assim o aluno desejar. Por isso, para investigar se
o PRE é um instrumento capaz de demonstrar e/ ou facilitar essa intencionalidade do aluno
utilizou-se os seguintes indicadores:
tipo de narrativas (analíticas ou descritivas)
Ao longo do internato foi solicitado a todos os alunos que elaborassem suas narrativas
para os portfólios com base em reflexões sobre suas vivências práticas, e que fizessem
articulações entre estas experiências e os conceitos teóricos envolvidos. Dessa forma,
esperava-se que o processo de elaboração de narrativas, baseado em análises reflexivas sobre
suas vivências de aprendizagem, pudesse facilitar a construção de conhecimentos pelos alunos
de forma significativa.
Conforme Alves (2002), o aluno, ao elaborar a narrativa para seu portfólio, tem a
oportunidade de refletir sobre sua aprendizagem, apoiar a organização de seu saber, aprimorar
a habilidade de observação, promover a reelaboração do processo de aquisição de
conhecimentos, permitir intervenções e mudanças imediatas. Por acreditar que a elaboração
de narrativas com base nessas reflexões pudesse representar a intencionalidade do aluno em
aprender, esse elemento foi utilizado como um dos indicadores dessa categoria.
109
Utilizando-se como referência as definições para os tipos de reflexões de Sá-Chaves
(2000), apud Silva e Sá-Chaves (2009), estabeleceu-se que as narrativas descritivas foram as
que se limitaram apenas às descrições dos fatos ou eventos observados, enquanto as narrativas
analíticas foram as que apresentaram outros elementos, além das descrições, interpretados
como reconsiderações do aluno sobre outras questões envolvidas ou não diretamente no
evento observado.
presença ou não de pensamento crítico/ reflexivo
Considerou-se que o pensamento crítico envolve avaliação de argumentos para a
defesa ou não de alguma ideia.
Pensamento Crítico: Este pensamento envolve o estudante para realizar uma
reorganização dinâmica do conhecimento aprendido no pensamento básico, dando-
lhe um significado para ser usado. Esta reorganização é feita com base na análise, na
avaliação e na conexão do conhecimento aprendido com outros conhecimentos
(MEDINA, 2004, p. 37).
Segundo John Dewey (YANCEY, 1996), o pensamento reflexivo é definido como
aquele que se constitui em considerações e reconsiderações, de forma ativa, persistente e
cuidadosa sobre determinado assunto em mente. Esse pensamento impele à interrogação.
Nesse sentido, ao analisar as narrativas dos portfólios dos alunos, pretendeu-se
identificar a presença ou não de pensamento crítico/reflexivo, buscando-se indícios de
interrogação ou de questionamento sobre o evento observado, ou sobre outras questões
daquela realidade vivenciada pelo aluno, que pudessem ser interpretados como uma reflexão
direcionada para compreender algo ou para fazer algum julgamento.
5.2.4.2.2 Reflexão na organização para elaboração do PRE
Pelas leituras dos depoimentos dos alunos, em relação à temática do processo de
elaboração do portfólio, buscou-se por referências sobre como se deu esse processo e que tipo
de reflexão o aluno fazia.
5.2.4.2.3 Tempo destinado à elaboração do PRE
110
Foram investigadas, pelos depoimentos dos alunos, as referências quanto ao tempo
que cada um destinou para a elaboração do portfólio.
5.2.4.3 Análise dos dados referentes às percepções dos alunos sobre a elaboração do PRE
Utilizando-se os dados coletados pelos depoimentos dos alunos em suas entrevistas
foram pré-definidas três categorias relacionadas às percepções dos alunos quanto: ao uso
pedagógico do PRE; às contribuições das TICs no processo; ao ambiente virtual de
aprendizagem utilizado e/ou à plataforma Constructore.
O quadro 7 sintetiza essa etapa da investigação apresentando as categorias utilizadas,
os respectivos indicadores, o método de coleta de dados e o procedimento de análise
realizado.
Unidade
Temática
Categorias Indicadores Método
de
coleta
Procedimento de
análise
PERCEPÇÕES DOS
ALUNOS SOBRE O USO DO PRE
Quanto ao aspecto
pedagógico envolvido na
elaboração do PRE
Referências nos depoimentos
dos alunos sobre suas opiniões
em relação à utilização do PRE
Entrevista
Análise Temática
de Conteúdo
(BARDIN, 2009;
BAUER, 2002;
FRANCO 2008)
Contribuições das TICs (JONASSEN, 1996)
Referências nos depoimentos
dos alunos sobre as
contribuições das TICs
Utilização do AVA Vantagens e desvantagens
observadas pelos alunos
Percepções sobre a
plataforma Constructore
Opiniões e sugestões dos alunos
Quadro 7 – Categorias de análises relacionadas às percepções dos alunos sobre a experiência de uso do PRE e
seus indicadores.
5.2.4.3.1 Percepções dos alunos sobre o uso pedagógico do PRE
Em relação ao uso do PRE no processo ensino aprendizagem, foram investigadas, por
meio das entrevistas, as percepções dos alunos sobre a experiência de uso desse instrumento
no contexto do estudo. Com base nas interpretações da pesquisadora, os resultados foram
divididos em dois grupos: aspectos positivos e os considerados limitantes pelos alunos na
utilização do PRE.
5.2.4.3.2 Percepções dos alunos sobre as contribuições das TICs
Investigou-se quais foram as contribuições das TICs no processo de elaboração do portfólio.
5.2.4.3.3 Percepções dos alunos sobre o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA)
111
Foram investigadas, pelos depoimentos dos alunos, as principais vantagens e
desvantagens sobre a utilização de um AVA, no contexto do estudo.
5.2.4.3.4 Percepções dos alunos sobre a plataforma Constructore
Buscou-se conhecer as opiniões dos alunos sobre o uso dos recursos oferecidos pela
plataforma Constructore.
5.2.5 Procedimentos de análise dos resultados encontrados
Os resultados encontrados pelos métodos e procedimentos descritos permitiram a
análise individual do perfil dos portfólios de cada aluno nesse processo investigativo. Assim,
os resultados foram organizados e analisados de acordo com os objetivos estabelecidos na
presente pesquisa.
Essas análises são apresentadas no capítulo 6 e serviram de base para a discussão e
considerações finais apresentadas no capítulo 7 da presente pesquisa.
112
6 RESULTADOS E ANÁLISES
Considerando que o ponto central para a elaboração do portfólio é a reflexão, a
presente investigação se baseou no pressuposto de que a elaboração do PRE poderia estimular
a prática reflexiva e contribuir para a construção do conhecimento pelo aluno de forma
significativa. Para a investigação foram propostas as seguintes questões: A elaboração do
PRE pode facilitar a reflexão do aluno? As informações contidas no PRE podem representar o
aprendizado do aluno de forma a permitir o acompanhamento desse processo pelo professor?
O processo de AS pode ser evidenciado por meio dessa ferramenta? O PRE pode facilitar a
construção do aprendizado do aluno? Como se deu o processo de elaboração do PRE pelos
alunos? Quais as suas percepções sobre a experiência de uso do PRE? De que forma as TICs
podem ter contribuído nesse processo de aprendizagem?
Os resultados dessa investigação foram obtidos por meio da análise de conteúdo
(BARDIN, 2009) dos dados coletados dos portfólios elaborados pelos alunos e pelos
depoimentos transcritos das entrevistas realizadas com eles, de acordo com a natureza das
categorias temáticas definidas. Após relacioná-los aos objetivos da pesquisa, eles foram
organizados para serem apresentados e analisados neste capítulo, conforme as questões
norteadoras propostas para o estudo.
6.1 O PAPEL DO PRE SOBRE A PRÁTICA REFLEXIVA
Após realizada análise de conteúdo das narrativas e dos depoimentos de cada aluno, as
interpretações inferidas como relativas ao processo reflexivo foram organizadas em três
grupos: declaração nas entrevistas sobre realização de reflexão para a elaboração do PRE;
indícios de pensamentos críticos e/ou reflexivos nas narrativas; tipo de narrativa predominante
no PRE.
O quadro 8 sintetiza os resultados das investigações relacionados à prática reflexiva.
Pela análise dos depoimentos dos alunos foi possível observar que 70% (n=7) deles
(A3, A4, A5, A7, A8, A9, A10) referiram refletir sobre as ações vivenciadas na prática para
fazerem articulações com os conceitos teóricos estudados, enquanto 30% (n=3) (A1, A2, A6)
não referiram reflexão para a elaboração do PRE.
113
Alunos
A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A10
Reflexão para elaborar
PRE
Não Não Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim Sim
Pensamento crítico e/ou
reflexivo
Não Não Sim Não Sim Não Sim Sim Sim Sim
Tipo de narrativa* Desc. Desc. Anal. Desc. Anal. Desc. Anal. Anal. Desc./Anal Anal.
*Desc.-descritiva
Anal.- analítica
Quadro 8- Indícios de prática reflexiva na elaboração do PRE
O seguinte depoimento de A2, assumindo não realizar reflexão nesse processo,
contrasta com depoimento de A5 que exemplifica um processo de elaboração de portfólio
baseado em reflexão: ―Eu tinha tudo anotado, então eu abria o email,[...]aí eu copiava, colava
no Word, fazia a correção ortográfica, dava uma lida geral para fazer algumas correções [...]
Eu não fazia uma reflexão mais profunda‖. (A2)
Na verdade todo dia eu escrevia os casos do centro cirúrgico. Eu escrevia
resumidamente numa folha. Eu descrevia os casos e o que eu tinha pensado, mas de
forma resumida. Todo dia para não esquecer. E num determinado dia da semana, na quinta-feira, que foi o dia que eu determinei para fazer isso, eu sentava e
desenvolvia cada caso e ia desenvolvendo as reflexões e as bases teóricas. Enfim,
todos os dias eu fazia uma coisa resumida para eu não esquecer e num dia eu
desenvolvia cada um dos itens. Era basicamente isso o que eu fazia. (A5)
Na investigação sobre indícios de pensamentos críticos e/ou reflexivos, buscou-se
interpretar os trechos das narrativas que sugerissem interrogação ou questionamento sobre o
evento observado, ou sobre outras questões daquela realidade vivenciada pelo aluno, que
pudessem representar reflexão direcionada para compreender algo ou para fazer algum
julgamento, segundo os pressupostos de Dewey (1979) e Schön (2000).
Nas narrativas dos alunos A3, A5, A7, A8, A9 e A10 foi possível identificar indícios
de pensamento crítico/reflexivo de naturezas distintas, sendo que os pensamentos
relacionados ao conhecimento sobre o conteúdo estudado foram os mais frequentes. Não
foram encontrados indícios de pensamentos crítico/reflexivos nas narrativas dos alunos A1,
A2, A4 e A6.
O questionamento da aluna A5, em relação à indicação de técnica anestésica para a
situação prática apresentada, demonstra que, baseada em seus conhecimentos até aquele
momento, estava reconsiderando os benefícios daquela indicação feita pelo anestesiologista
responsável: ―[...] ao final do procedimento, fiquei com dúvida em relação aos benefícios de
realizar tal procedimento apenas com bloqueio peridural e sedação.‖ (A5)
114
Comparando os dois grupos de alunos, foi possível perceber que todos os do segundo
grupo (A7, A8, A9, A10) evidenciaram algum tipo de pensamento crítico/reflexivo.
Na investigação sobre o tipo de narrativa do aluno, foram utilizadas as definições de
tipos de reflexões com base em Silva e Sá-Chaves (2008) e que foram apresentadas no
capítulo 4 (p 66) e capítulo 5 (p.110).
Dessa forma, foi possível observar que, para o primeiro grupo, de modo geral, apenas
os alunos A3 e A5 apresentaram indícios de reflexões, com articulações entre os eventos
práticos e conhecimentos teóricos que permitiram caracterizar suas narrativas como analíticas.
Os demais alunos desse grupo mantiveram um padrão descritivo em todas as suas narrativas,
com pouca ou nenhuma informação que pudesse ser interpretada como aprendizado.
O aluno A1 apresentou o mesmo padrão descritivo, com poucas informações sobre
suas experiências práticas e as reflexões que lhes são inerentes, demonstrando pouco
aprendizado. O aluno A2 manteve um padrão descritivo e resumido em todas as suas
narrativas, praticamente sem informações que pudessem evidenciar aprendizados. O seguinte
relato é um exemplo de sua narrativa essencialmente descritiva:
Quinta: colecistectomia video-laparoscópica. Puncionei veia periférica. Fentanil para
indução, intubação com broncofibroscópio. Antibioticoprofilaxia com cefazolina.
Efedrina feita após hipotensão durante a ventilação com O2. Extubação 5 min após
termino da cirurgia com boa saturação de O2 e bom controle voluntário da
respiração (A2).
O aluno A3 apresentou narrativas analíticas ricas em informações, demonstrando
entender o que observava, evidenciando raciocínio clínico, organização e clareza de ideias,
conforme pode ser observado no seguinte relato:
A intubação foi difícil devido à protrusão da arcada superior da paciente... Foi
realizada na 3ª tentativa, sendo feita de forma seletiva, havendo necessidade de
reposicionamento do tubo-orotraqueal. Após cerca de 5 minutos, quando já havia
sido realizada a desinfecção, a paciente evoluiu com dificuldade de ventilação. As
curvas do ventilador mostravam ascensão lenta na inspiração, indicando aumento da
resistência nas vias aéreas (provável broncoespasmo). Não havia histórico de asma
nem de alergia por parte da paciente. Não havia sido administrada dipirona nem
antibiótico, diminuindo a possibilidade de reação alérgica. Ao passar a ventilação
para o manual, o aumento da resistência podia ser percebido. O murmúrio vesicular
estava praticamente abolido. Foi verificada a posição do tubo, não havendo nenhuma
irregularidade. Foi administrado beta-2-agonista e mantida a ventilação manual. Em
poucos minutos houve melhora significativa da ventilação, com o murmúrio apresentando-se normal, sem mesmo apresentar sibilos. Foi administrada também
hidrocortisona venosa (A3).
115
O aluno A4 manteve um padrão descritivo dos eventos práticos, assim como de alguns
de seus entendimentos sobre as aulas teóricas. Apresentou narrativas confusas em vários
momentos, com muitas críticas em relação tanto ao contexto da instituição, quanto aos
externos a ela. A presença de algumas informações e conclusões incoerentes também foi outro
fato observado, possivelmente devido a entendimentos errados sobre o que observava,
conforme pode ser exemplificado pelo seguinte trecho de uma de suas narrativas, em que
relaciona, erroneamente, o fentanil ao grupo dos benzodiazepínicos: ―...como conclusões a
partir deste dia, pude ver que a traqueostomia pode ser realizada com a utilização de um
benzodiazepínico (fentanil), um hipnótico (propofol) e um bloqueador neuromuscular
(atracúrio)‖. (A4)
A aluna A5 manteve um portfólio com padrão analítico, por meio de narrativas
reflexivas, relacionando os eventos observados aos conceitos ou ideias teóricas envolvidas, o
que pode ser exemplificado pelo seguinte relato:
O procedimento ocorreu sem intercorrências e no final não foi feita reversão do
bloqueador neuromuscular, pois o tempo de ação já havia passado e a paciente respirava bem. Porém ao chegar na RPA, a paciente iniciou queixa de dispnéia e não
conseguiu sustentar a cabeça ao ser solicitada alegando fraqueza, sendo então
realizada imediatamente a reversão do bloqueador neuromuscular com atropina e
neostigmina. Pude aprender que pode ocorrer ação residual do bloqueador
neuromuscular sendo importante ficar atento quanto à necessidade de sua reversão.
(A5).
O aluno A6 manteve um portfólio com padrão descritivo em todas as narrativas, sem
demonstrações de reflexões e de aprendizados, como pode ser demonstrado pelo seguinte
trecho: ―[...] segunda cirurgia era uma revisão cirúrgica de peritoniostomia. Menina de 19
anos com doença de Chron, muito semelhante a cirurgia anterior. Foi feito exatamente o
mesmo procedimento para induçao anestésica por sequência rápida‖. (A6)
Quanto ao segundo grupo, todos apresentaram indícios de características analíticas. As
narrativas da aluna A7 caracterizaram-se por serem ricas em informações e
predominantemente analíticas. O seguinte relato demonstra reflexão e análise sobre evento
observado:
Achei muito interessante essa cirurgia, pois pude perceber como é possível reduzir
um altíssimo valor de PA apenas reduzindo a dor do paciente e se utilizando dos
próprios ―efeitos colaterais‖ dos agentes anestésicos, sem precisar lançar mão de
agentes hipotensores propriamente ditos. (A7)
116
O aluno A8 manteve um padrão predominantemente analítico. A9 apresentou um
padrão analítico/descritivo, com certo predomínio descritivo. A aluna A10 manteve um
padrão predominantemente analítico.
O segundo grupo apresentou um resultado mais uniforme na realização dessa tarefa.
Foi possível observar uma compreensão maior sobre os objetivos do portfólio e sobre a
importância da reflexão para a realização adequada da atividade. Isso pode ser evidenciado
pelo predomínio de narrativas analíticas nos portfólios de A7 e de A10 e, também, pela
evolução na qualidade das narrativas de A8 e A9, que foram predominantemente descritivas,
no início, assumindo, progressivamente, uma natureza mais analítica.
O PRE foi uma ferramenta na qual a maioria dos alunos conseguiu documentar a
reflexão, tanto por meio de narrativas interpretadas como analíticas (60%, n=6, dos alunos -
A3, A5, A7, A8, A9, A10), como por demonstrações de pensamentos crítico/reflexivos (60%,
n=7, do total de alunos - A3, A5, A7, A8, A9, A10). O aluno A4 foi o único que referiu
realizar reflexão na elaboração do PRE, mas não conseguiu documentar tal reflexão em suas
narrativas.
Os resultados encontrados sugerem que a elaboração do PRE apresentou tendência à
facilitação da prática reflexiva, pois 60% (n=6) dos alunos (A3, A5, A7, A8, A9, A10)
referiram refletir ao elaborar o PRE e documentaram reflexão em suas narrativas.
6.2 PRE COMO FERRAMENTA DE REPRESENTAÇÃO DA APRENDIZAGEM
Segundo Ausubel (1978), todo o processo educacional deve ser acompanhado, de
forma a observar se os objetivos estão sendo alcançados e se está sendo necessária alguma
intervenção ainda com o processo em curso. Nesse sentido, investigou-se o papel do PRE
como uma ferramenta para acompanhar de forma contínua o processo educacional estudado,
conforme os objetivos estabelecidos pelo programa do internato de Anestesiologia. Para isso,
foram pré-definidas as seguintes categorias de análise, de acordo com a natureza do
aprendizado (procedimental e teórico) que se desejava alcançar: referência à realização dos
procedimentos técnicos pelos alunos (procedimental); temas e/ou eventos do programa
selecionados como relevantes pelos alunos (teórico); evidências de aprendizagem significativa
(teórico).
117
6.2.1 Aprendizado de conhecimentos procedimentais
Diante das limitações para a prática de procedimentos técnicos pelos alunos, ao longo
da graduação, e das dificuldades para a avaliação de desempenho dos alunos nessas
habilidades psicomotoras (VOTTO, 1996; ARENSON-PANDIKOW, BORDIN e
MEDEIROS, 2000; NASCIMENTO JUNIOR, HONG E CASTIGLIA, 1998; ARENSON-
PANDIKOW, PLANT E MOYES, 1995), torna-se importante a busca de alternativas capazes
de acompanhar tal aprendizado.
O PRE tinha como um de seus objetivos acompanhar se esses procedimentos estavam
sendo realizados e/ou observados pelos alunos, uma vez que, dentro da dinâmica de prática no
centro cirúrgico, era impossível aos preceptores responsáveis acompanhar diariamente esse
processo de perto junto aos alunos.
Como indicadores para essa categoria de análise foram utilizados os registros nas
narrativas dos internos sobre a execução e/ou acompanhamento, pelo aluno, de tais
procedimentos. Cabe salientar que a ausência de registro nos portfólios dos alunos sobre a
realização e/ou participação na execução de determinado procedimento não significava que
ele deixou de executar ou participar do mesmo, uma vez que existia a possibilidade de que o
aluno tivesse participado, porém não tivesse relatado. Dessa forma, o resultado apresentado
no presente trabalho, sobre a frequência de realizações e/ou acompanhamentos dos
procedimentos, pode representar o mínimo praticado por cada um deles. Os relatos sobre
tentativas de realizações de procedimentos sem sucesso também não foram contabilizados
como executados pelos alunos.
A tabela 1 apresenta uma síntese dos procedimentos envolvidos na aprendizagem da
prática de anestesiologia investigados e o desempenho dos alunos em relação a cada
procedimento, de acordo com o conteúdo dos seus portfólios.
118
Tabela 1- Procedimentos e desempenho dos alunos
Venóclises periféricas: em relação à realização de venóclises periféricas, foi observado
que todos os alunos relataram a execução desse procedimento com sucesso, sendo que a
frequência (f) de relatos de venóclises entre os alunos, em ordem crescente, foi a seguinte:
uma (A7), duas (A2, A3), três (A6), quatro (A4, A8 e A9), sete (A5), dez (A10) e onze (A1).
Observou-se também que o grau de dificuldade na realização desse procedimento foi variável,
conforme descrito nessas duas situações distintas: ―pude puncionar o acesso venoso periférico
desse paciente, sem grande dificuldade‖ (A5); ―realizei a venóclise na segunda tentativa‖.
(A3)
Ventilação sob máscara facial: em relação à ventilação do paciente sob máscara facial,
70% (n=7) relataram ter executado tal procedimento, sendo A1 e A10 (quatro relatos); A8
(três relatos); A4 e A6 (dois relatos); A5 e A7 (uma relato), enquanto 30% (n=3) apenas
mencionaram a observação desse procedimento com uma frequência muito pequena (A2, A3
e A9). Em relação a esse fato, pode-se considerar que as observações sobre a realização desse
procedimento devem ter sido em número maior do que o registrado, diante da grande
quantidade de relatos sobre acompanhamentos de induções de anestesias gerais em que a
ventilação sob máscara normalmente ocorre. Ou seja, provavelmente esses três alunos
acompanharam a realização desse procedimento, porém não relataram.
119
Intubação oro-traqueal (IOT): em relação à IOT de paciente, o aluno A3 apresentou
registros apenas de observações de tal procedimento em seis ocasiões diferentes, sem relato
de sua execução por ele, enquanto que 90% dos alunos (n=9) relataram sua realização, sendo
A2, A4, A5, A6, A7 e A9 (um relato); A1 (dois relatos); A8 e A10 (quatro relatos).
Punção de dura-máter: quanto à realização de punção de dura-máter, durante a
raquianestesia, o padrão do desempenho dos alunos se modificou quando comparado aos
procedimentos anteriormente descritos. Pois, a maioria deles, 60% dos alunos (n=6), relatou
apenas o acompanhamento de tal procedimento, sendo A8 (um relato), A1, A3, A4 e A6 (dois
relatos), A9 (quatro relatos), enquanto 40% deles (n=4) registraram a oportunidade de
executá-lo, sendo A2, A7 e A10 (um relato) e A5 (dois relatos) ao longo de todo o período. A
menor frequência de realizações desse procedimento em relação aos outros, possivelmente,
ocorreu devido à maior complexidade envolvida em sua execução, o que pode ter limitado a
oportunidade dada pela equipe para que o aluno o realizasse. Os seguintes trechos
exemplificam respectivamente a observação e a realização da punção pelos alunos:
―acompanhamos um procedimento anestésico que ainda não tínhamos visto durante o
internato eletivo: a raquianestesia‖ (A8); ―[...] tive a oportunidade de realizar a raquianestesia
desse paciente sob orientação da residente e staff que me ajudaram no posicionamento da
agulha‖ (A5).
Considerando que esses relatos correspondem ao que ocorreu na realidade, algumas
condições podem ter contribuído para a o pequeno número de realizações de procedimentos
por alguns dos alunos, tais como: dificuldade de interação entre o aluno e a equipe de
anestesiologistas; competição pela execução do procedimento entre o aluno e os médicos
residentes, principalmente com os do primeiro ano de treinamento (R1); falta de interesse do
aluno nessa prática; número reduzido de cirurgias devido a frequentes problemas de ordens
estruturais na instituição que impediram o funcionamento do centro cirúrgico por diversas
vezes ao longo do internato.
Contudo, é importante observar que, mesmo diante da pequena quantidade de práticas
na execução desses procedimentos, todos esses alunos tiveram a oportunidade de adquirir as
noções básicas para tal realização, o que poderá representar uma menor dificuldade técnica no
desempenho futuro dessas habilidades em suas práticas.
Os relatos dos alunos sobre suas experiências foi muito importante, permitindo que a
preceptora acompanhasse de forma contínua a evolução do desempenho dos alunos na
realização dos procedimentos. O registro desses relatos na plataforma facilitou o
acompanhamento a distância do processo de aprendizado do aluno pelo portfólio, pois, foi
120
possível observar como cada aluno estava evoluindo e dialogar com cada um por meio dos
comentários sobre seu portfólio, inseridos pela preceptora na plataforma, conforme o seguinte
trecho do comentário feito ao aluno A8: ―Não fique chateado pelo seu primeiro insucesso na
tentativa de IOT. Com certeza, se foi o primeiro, não será o último, pois isso só acontece com
quem faz e já ocorreu com todos nós.‖.
Portanto, os resultados apresentados nessa etapa da presente investigação sugerem que
o PRE pode ser uma ferramenta adequada a esse objetivo, uma vez que, por meio do conteúdo
dos portfólios de cada aluno, foi possível acompanhar e analisar o desempenho individual dos
alunos em cada procedimento, conforme sumarizado na tabela 2.
Tabela 2- Desempenho individual dos alunos nos procedimentos, conforme conteúdo dos portfólios Procedimentos Frequência de citações nos portfólios dos alunos sobre realizações
ou apenas acompanhamentos de procedimentos
A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A10 Venóclise Realizou 11 02 02 04 07 03 01 04 04 10
Observou Ventilação
sob
máscara
Realizou 04 02 01 02 01 03 04 Observou 01 01 01
IOT Realizou 02 01 01 01 01 01 04 01 04 Observou 06
Punção dura-
máter
Realizou 01 02 01 01 Observou 02 02 02 02 01 04
Quantidade
de tipo de
procedimento
executado
03 03 01 03 04 03 04 03 02 04
O portfólio do aluno A1 demonstrou que ele executou venóclises (11 citações),
ventilação sobre máscara (quatro citações), IOT (duas citações) e apenas acompanhou a
punção de dura-máter (duas citações).
O portfólio do aluno A2 demonstrou que ele executou venóclises (duas citações), uma
IOT, uma punção de dura-máter e apenas acompanhou a ventilação sobre máscara (uma
citação).
O portfólio do aluno A3 demonstrou que ele executou venóclises (duas citações) e
apenas acompanhou os procedimentos de ventilação sobre máscara (uma citação), IOT (seis
citações), punção de dura-máter (duas citações).
O portfólio do aluno A4 demonstrou que ele executou venóclises (quatro citações),
ventilação sobre máscara (duas citações), IOT (uma citação) e apenas acompanhou o
procedimento de punção de dura-máter (duas citações).
121
O portfólio da aluna A5 demonstrou que ela executou venóclises (sete citações),
ventilação sobre máscara (uma citação), IOT (uma citação) e punção de dura-máter (duas
citações).
O portfólio do aluno A6 demonstrou que ele executou venóclises (três citações),
ventilação sobre máscara (duas citações), IOT (uma citação) e apenas acompanhou a punção
de dura-máter (duas citações).
O portfólio da aluna A7 demonstrou que ela executou venóclise (uma citação), IOT
(uma citação), IOT (uma citação) e punção de dura-máter (uma citação).
O portfólio do aluno A8 demonstrou que ele executou venóclises (quatro citações),
ventilação sobre máscara (três citações), IOT (quatro citações) e apenas acompanhou a
punção de dura-máter (uma citação).
O portfólio do aluno A9 demonstrou que ele executou venóclises (quatro citações),
IOT (uma citação) e apenas acompanhou a ventilação sob máscara (uma citação) e a punção
de dura-máter (quatro citações).
O portfólio da aluna A10 demonstrou que ela executou venóclises (dez citações),
ventilação sob máscara (quatro citações), IOT (quatro citações) e punção de dura-máter ( uma
citação).
Esses resultados permitiram observar que todos os alunos relataram, em seus
portfólios, a execução e/ou acompanhamento de todos os procedimentos investigados. Porém,
somente as alunas A5, A7 e A10 relataram a execução de todos os procedimentos analisados.
Apesar da variação no desempenho dos alunos em cada um dos procedimentos, foi possível
constatar que os principais aprendizados procedimentais estão representados nos portfólios
dos alunos, ou seja, os portfólios propiciaram a representação dessas experiências de
aprendizado.
6.2.2 Aprendizado Teórico
O programa teórico do internato eletivo foi composto de alguns temas que foram
apresentados aos alunos por meio de atividades como aulas expositivas, demonstrações e
discussões de textos. Esperava-se que a abordagem desses temas fosse complementada pela
prática dos internos no centro cirúrgico. Uma vez que todos os alunos foram orientados a
elaborar seus portfólios com o que considerassem mais relevante para seus aprendizados,
alguns dos temas apresentados em atividades teóricas, e que estiveram representados nos
eventos descritos por eles, foram utilizados como indicadores nessa categoria.
122
A observação dos temas que os alunos consideraram relevantes em suas narrativas foi
importante para o acompanhamento do processo ensino aprendizagem, pois permitiu perceber
que praticamente todos os temas abordados nas atividades teóricas foram complementados
por suas experiências nas práticas.
A tabela 3 representa uma síntese desses resultados, com base nos dados obtidos nos
conteúdos dos portfólios dos alunos.
Tabela 3- Temas teóricos abordados pelos alunos nos portfólios
TEMAS
Subtemas
Alunos
Frequência
Total de Alunos
(10)
Citações Total
citações
Alunos Frequência %
Equipamentos de anestesia
(tema 1)
Verificação das válvulas de O2 A3 01 01 01
05
50
Cal sodada
A3
A4
A8
A9
A10
01
01
02
02
01
07
05
Avaliação pré-operatória
(tema 2)
Alergia A1
A4
01
01
02 02
07
70
Estado físico (ASA)
A6
A7
A8
A9
A10
06
26
13
12
24
81
05
Exames pré-operatorios A4
A7
01
01
02 02
Medicações em uso A4
A7
01
01
02 02
Jejum pré-operatório A4 01 01 01
Vias Aéreas
(tema 3)
Preditores de dificuldade IOT
A1
A3
A5
A8
A10
01
01
03
05
01
11
05
05
50
Monitorização
(tema 4)
Capnografia
A3
A5
A7
A8
A9
A10
02
02
01
05
02
02
14
06
09
90
Monitorização invasiva
A1
A2
A5
A7
A8
A9
A10
03
02
01
01
02
01
03
13
07
Tromboelastograma A5 01 01 01
123
ECG A5
A6
A7
02
01
01
04 03
BIS
A3
A7
A8
A9
A10
01
01
01
04
01
08
05
Oximetro de pulso A9 01 01 01
PNV
(tema 5)
Anti-eméticos/ Fatores de risco
A3
A4
A5
A7
A8
A9
A10
02
01
02
01
06
02
07
21
07
07
70
Anestésicos locais
(tema 6)
Latência A5 03 03 01
04
40 Dose tóxica A5 01 01 01
Lidocaína A7
A10
02
01
03 02
Ropivacaína A8
A10
02
02
04 02
Bupi A10 01 01 01
Anestésicos inalatórios
(tema 7)
Efeito sobre a PIC A2 02 02 01
05
50 N2O A4
A9
01
01
02 02
Efeitos hemodinâmicos A4
A9
01
01
02 02
CAM A7
A8
A9
01
02
02
05 03
Anestésicos venosos
(tema 8)
Opióides
A1
A3
A5
A7
A8
A9
A10
02
01
03
03
01
01
01
12
07
07
70
Hipnóticos A5
A8
02
01
03 02
Quetamina A3
A10
01
01
02 02
Ação residual
A3
A5
A10
01
01
01
03 03
Liberação de histamina A3
A10
02
01
03 02
124
BNM
(tema 9)
Monitorização
A3
A5
A7
A8
A9
A10
02
01
01
01
02
03
10 06
06
60
Reversão
A5
A7
A9
A10
01
01
01
02
05 04
Tipos A9
A10
01
01
02 02
Metabolização A10 02 02 01
Bloqueios regionais
(tema 10)
Raquianestesia
A1
A3
A5
A6
A9
A10
03
03
05
01
02
01
15
06
08
80
Diferenças entre raquianestesia e
peridural
A4 01 01 01
Bloqueios periféricos A5 01 01 01
Complicações
A6
A8
A9
A10
01
01
01
01
04 04
Peridural
A1
A5
A9
A10
01
01
01
01
04 04
Efeito hipotensor A9 01 01 01
Plexo braquial
A1
A5
A10
01
01
01
03 03
Equipamentos de anestesia: em relação a esse tema os alunos apresentaram um total de
sete citações sobre o uso do filtro de cal sodada (A3, A4 e A10 com uma citação cada; A8 e
A9 com duas citações cada), cuja principal função prática é realizar a absorção do CO2
expirado pelo paciente e impedir sua reinalação. O aluno A3 fez uma citação sobre a
importância da verificação do correto funcionamento da válvula de oxigênio.
Avaliação e preparo pré-operatório: a avaliação pré-operatória dos pacientes foi um
dos assuntos do programa abordado pelos alunos, com base em suas vivências práticas no
internato, por meio de diferentes representações em suas narrativas. Sobre esse tema os
alunos abordaram quatro aspectos diferentes, tais como: Alergia ao látex (relatado pelos
alunos A1 e A4 em uma citação de cada um); Estado físico do paciente (relatado por cinco
alunos em um total de 81 citações, sendo A6 com seis citações, A7 com 26 citações, A8 com
125
13 citações, A9 com 12 citações e A10 com 24 citações); Exames pré-operatórios (relatados
por A4 e A7, com uma citação cada um); medicações em uso (A4 e A7 apresentaram uma
citação cada um sobre o aspecto de suspensão ou não das medicações que os pacientes estão
em uso antes da cirurgia); jejum pré-operatório (citado uma única vez pelo aluno A4).
Vias aéreas: Sobre esse tema, houve um total de 11 citações, por cinco alunos (A1,
A3, A10, com uma citação cada; A5 com três citações e A8 com cinco citações) relataram a
presença de preditores para possível dificuldade de IOT nos pacientes que eles
acompanharam. Como no seguinte exemplo: ―Dados da visita pré-anestésica observados antes
da cirurgia: possibilidade da intubação ser difícil devido à pequena abertura de boca, pescoço
curto e índice de Mallampati 3‖. (A8)
Monitorização: este tema foi bastante abordado pelos alunos, porém os seguintes
recursos de monitorização foram os que os alunos mais destacaram em seus relatos: oxímetro
de pulso (A9); eletrocardiograma (A5 com duas citações; A6 e A7 com uma citação cada);
capnografia (A7 com uma citação; A3, A5, A9, A10 com duas citações cada e A8 (com cinco
citações); monitorização biespectral (BIS) (A3, A7, A8 e A10 com uma citação cada e A9 em
quatro citações); tromboelastograma (A5); monitorização invasiva (A5, A7 e A9 com uma
citação cada, A2 e A8 com duas citações cada, A1 e A10 com três citações cada).
Profilaxia de náuseas e vômitos (PNV): esse deve ser um importante cuidado para
evitar a ocorrência dessa complicação no pós-operatório do paciente. Os resultados
apresentados, 21 citações no total (A4, A7 com uma citação cada, A3, A5 e A9 com duas
citações cada, A8 com seis citações e A10 com sete citações), sugerem que os alunos
conseguiram perceber a importância do tema e as indicações de uso dos diferentes tipos de
medicações, de acordo com os fatores de risco presentes em cada caso.
Anestésicos locais: esse tema foi representado pelos alunos, em diferentes aspectos,
em um total de 12 citações (A7 com duas citações, A8 com duas citações, A5 com três
citações, A10 com uma citação).
Anestésicos inalatórios: esse tema teve um total de 11 citações nos portfólios dos
alunos, sendo abordados principalmente os aspectos sobre o conceito de concentração
alveolar mínima desses agentes (A7 com uma citação, A8 e A9 com duas citações cada); o
uso e efeitos do protóxido (A4 e A9 com uma citação cada); efeitos desses anestésicos sobre a
pressão intracraniana (A2 com duas citações) e os seus efeitos hemodinâmicos em geral (A4 e
A9 com uma citação cada). Como exemplo de entendimento desse tema, tem-se o relato de
A9: ―após algum tempo de cirurgia o paciente fez hipotensão, com isso foi diminuído o
isoflurano e feito efedrina, a CAM ficou em 0.4 e o BIS em 59‖ (A9).
126
Anestésicos venosos: com um total de 17 citações, esse tema foi abordado pelos
alunos principalmente em relação aos seguintes subtemas: uso e efeitos dos opióides (A1, A3,
A8, A9 e A10, com uma citação cada; A5 e A7 com três citações cada), seu antagonismo (A1
com uma citação); uso e efeitos dos hipnóticos etomidado (A5 com uma citação) e propofol
(A5 e A8 com uma citação cada); uso e efeitos da quetamina (A3 e A10 com uma citação
cada). O seguinte relato da aluna A10 exemplifica o entendimento desse tema: ―o efeito do
remifentanil é de curta duração por causa da sua metabolização por esterases plasmáticas‖
(A10).
Bloqueadores neuromusculares (BNM): os alunos apresentaram um total de 25
citações sobre esse tema relatando principalmente os seguintes aspectos: ação residual no pós
operatório (A3, A5 e A10 com uma citação cada); liberação de histamina (A3 com duas
citações e A10 com uma citação); monitorização da função neuromuscular (A5, A7, A8 com
uma citação cada; A3, A9 com duas citações e A10 com três citações); reversão do BNM (A5,
A7, A9 com uma citação cada e A10 com duas citações); diferença entre os BNM
adespolarizantes e o despolarizante (A9 e A10 com uma citação cada); metabolização (A10
com duas citações).
[...] aprendemos a classificação e diferença de mecanismo de ação entre os agente
despolarizantes e adespolarizantes, as vantagens de cada agente (tempo de inicio de
ação, duração da ação, forma de metabolização, sendo importante levar todos esses
fatores em consideração na hora de escolher o agente mais indicado para cada
procedimento/paciente). Alem disso, aprendemos o funcionamento da monitorização
do bloqueio neuromuscular, feita principalmente pelo TOF. E por fim, a necessidade
de realizar a reversão da ação desses agentes com neostigmina (e atropina) para
evitar a recurarização (A5).
Bloqueios regionais: esse tema foi relatado pelos alunos com um total de 29 citações,
sendo citados principalmente os seguintes subtemas: raquianestesia (A6 e A10, com uma
citação cada; A9 com duas citações cada; A1 e A3 com três citações cada, e A5 com cinco
citações); peridural (A1, A5, A9 e A10 com uma citação cada), diferença entre essas duas
técnicas (A4 com uma citação), ênfase sobre o efeito da hipotensão arterial (A9 com uma
citação), complicações (A6, A8, A9, A10 com uma citação cada), bloqueios periféricos (A5
com uma citação), bloqueio de plexo braquial (A1, A5 e A10 com uma citação cada). O
seguinte relato de A5 exemplifica a abordagem sobre o tema:
[...] pude aprender a importância de saber detalhadamente a anatomia da coluna
vertebral, as diferenças de técnica/agulha/dose entre a anestesia peridural e
subaracnóide (raque), suas possíveis complicações e respectivos tratamentos. Além
disso, os fatores que influenciam na determinação do nível do bloqueio em cada uma
das técnicas (A5).
127
Foram observadas citações nos portfólios dos alunos sobre alguns temas que não
foram apresentados no conteúdo teórico do programa, mas que estavam relacionados aos tipos
de procedimentos cirúrgicos que eles presenciaram. Pelos relatos, foi possível perceber que
alguns desses temas despertaram muito interesse nos alunos, tais como: bloqueio peribulbar
para oftalmologia (A1, A4), anestesia pediátrica (A1, A3), anestesia para cirurgia cardíaca
(A1, A5), intubação endobrônquica (A3).
Conforme apresentado na tabela 3, os temas do programa foram abordados na seguinte
ordem decrescente de incidência, em relação ao total de alunos participantes da pesquisa: 90
% dos alunos (n=9) abordaram o tema monitorização; 80% (n=8) os bloqueios regionais; 70%
(n=7) a avaliação pré-operatória; 70% (n=7) a profilaxia de náuseas e vômitos; 70% (n=7) os
anestésicos venosos; 50% (n=5) os BNM; 50% (n=5) a abordagem da via aérea; 50% (n=5) os
anestésicos inalatórios; 40% (n=4) os anestésicos locais; 50% (n=5) os equipamentos de
anestesia.
Contudo, foi observado que dois temas do programa teórico não foram citados pelos
alunos em seus portfólios. Foram eles: Recuperação pós anestésica (RPA) e Reanimação
Cárdio Pulmonar. Em relação à ausência do primeiro desses temas, isso pode ser explicado,
possivelmente, pela preferência dos alunos no acompanhamento do ato anestésico-cirúrgico
propriamente dito, uma vez que o tempo reservado para essa prática era pequeno, pois eles
tinham que cumprir outras tarefas do internato em Cirurgia, logo, buscaram priorizar o que
consideraram que poderia contribuir mais para seus aprendizados. Possivelmente, nos futuros
grupos de internos, tal observação deverá ser reconsiderada e, provavelmente, serão
programadas atividades que insiram os internos na sala de recuperação pós-anestésica, como
mais um ambiente de aprendizagem prática. Em relação ao segundo, pela particularidade
desse assunto, ele só poderia ter sido experienciado pelos alunos, se eles tivessem presenciado
evento com parada cardiorrespiratória, e isso, ―felizmente‖, não ocorreu ao longo do período
em que estiveram no internato. Diante dessa realidade, torna-se necessário o planejamento de
alternativas pedagógicas que oportunizem aos alunos a prática das condutas preconizadas para
esse tipo de emergência médica, como por exemplo, as técnicas de ensino por meio de
simuladores.
É importante salientar que os conhecimentos dos alunos sobre esses dois temas não
contemplados nos portfólios foram avaliados por meio de provas objetivas durante o período
do internato.
Pelo exposto, foi possível perceber que, utilizando-se apenas os conteúdos do PRE
registrados na plataforma, conseguiu-se conhecer como os temas teóricos estavam sendo
128
vivenciados pelos alunos em suas práticas, atendendo assim às expectativas quanto ao seu uso
como instrumento para o acompanhamento desse processo, uma vez que, como já citado, a
dinâmica do trabalho no centro cirúrgico não permite que esse aprendizado do aluno possa ser
acompanhado de perto e de forma individualizada pelos preceptores responsáveis. Porém, o
uso do PRE como ferramenta pedagógica permitiu maior integração entre alunos e preceptora,
o que pode ter influenciado o aprendizado desses alunos, conforme pode ser demonstrado
pelos seguintes trechos do ―diálogo‖ entre a preceptora e o aluno A8, por meio do PRE:
―percebi que não lembro muita coisa sobre os opióides, como seus efeitos adversos
individuais e gerais, características farmacocinéticas, interações e indicações. Terei que
estudar esse tema. Teremos alguma aula sobre os opióides? Espero que sim.‖ (A8)
Comentário da preceptora:
Quero salientar que não precisa ficar esperando a aula para sanar suas dúvidas. O
grande objetivo deste portfólio é que você, ao se deparar com alguma situação prática, perceba lacunas teóricas existentes em seu aprendizado e busque ativamente
construir seu conhecimento. Não queremos que você fique passivo, esperando as
informações chegarem até você. Daqui a alguns meses você será médico e terá que
continuar aprendendo ou revendo o que já aprendeu. Você tem que continuar
estudando e aprendendo ao longo de sua vida profissional. O internato é um período
para aprender a caminhar de forma autônoma. A Educação Continuada e
Permanente deverão ser uma realidade para você. Em relação às dúvidas sobre
opióides, você pode ir buscar as informações, afinal você não teve Farmacologia na
Graduação?
Resposta de A8 em seu portfólio seguinte:
Obrigado pela resposta, professora. Não estou pensando em esperar as aulas para
tirar possíveis dúvidas. Não estou esperando um aprendizado passivo tanto que reconheci que precisava estudar o assunto, apenas perguntei da aula por perguntar
mesmo e por achar que sempre a aula nos traz um ―algo a mais‖ mesmo que seja
aspectos relativos à experiências daqueles que lecionam.
Quantos aos opióides, fui sim em busca das informações que queria. Como são
usados em todas cirurgias é importante reconhecer suas características. Pude na
prática observar o rápido efeito da morfina IV acontecendo em menos de 1 minuto.
Fui atrás das suas características farmacocinéticas e lembrei das diferenças entre as
vias oral, IM e IV; do efeito de primeira passagem no fígado: pela metabolização
hepática, é até 50% menor a concentração da droga no SNC; os principais efeitos
adversos: depressão respiratória, bradicardia, sedação, hipotensão.
Agora vou querer saber mais a fundo as diferenças dos opióides usados na indução
anestésica: quando usar o remifentanil, fentanil, ou alfentanil, por exemplo. (A8)
A análise desses resultados, obtidos pelo conteúdo dos portfólios, sugerem que o PRE
pode ser uma adequada ferramenta de acompanhamento do aprendizado teórico do aluno.
Além disso, os exemplos apresentados sugerem que a elaboração do PRE e a interação entre
129
preceptora e aluno, possivelmente, podem influenciar e estimular a reflexão deste sobre seu
aprendizado.
Os resultados apresentados na tabela 3, permitiram analisar e traçar o perfil de cada
aluno sobre o estudo dos temas teóricos e suas associações aos eventos vivenciados por eles
em suas práticas no centro cirúrgico, conforme sumarizado na tabela 4.
Tabela 4- Frequência de citações nos portfólios dos alunos sobre os temas teóricos vivenciados nas práticas
Frequências de citações sobre temas teóricos no portólio de
cada aluno
Códigos dos temas estudados A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A10
1 - - 02 01 - - - 02 02 01
2 01 - - 04 - 06 26 13 12 24
3 01 - 01 - 03 - - 05 - 01
4 03 02 03 06 01 04 08 08 06
5 - - 02 01 02 - 01 06 02 07
6 - - - - 03 - 02 02 - 04
7 - 02 - 02 - - 01 02 04 -
8 02 - 02 - 05 - 03 02 01 03
9 - - 05 - 03 - 02 01 04 10
10 05 - 03 01 08 02 - 01 05 04
Total de temas associados aos eventos
práticos por aluno
05 02 07 05 07 03 07 10 08 09
A análise desses resultados possibilitou traçar o seguinte perfil individual dos alunos
quanto à quantidade de temas teóricos que cada um deles associou aos eventos práticos: os
portfólios do aluno A8 foram os que apresentaram associações com maior número de temas
(associações com dez dos 12 temas estudados), seguidos pelos portfólios dos alunos A10
(associações com nove temas), A9 (associações com oito temas), A3, A5 e A7 (associações
com sete temas), A1 e A4 (associações com cinco temas), A6 (associações com três temas) e
A2 (associações com apenas dois temas).
Dessa forma, por meio das narrativas de seus portfólios os alunos conseguiram
representar como os conteúdos do programa foram estudados e complementados por cada um
deles em suas vivências nas experiências práticas no centro cirúrgico.
A análise desses resultados evidenciou que o PRE foi uma ferramenta que possibilitou
o acompanhamento individualizado do aprendizado dos alunos no contexto do estudo,
permitindo inferir o comprometimento de cada um deles com seu próprio aprendizado.
130
6.2.3 Evidências de aprendizagem significativa
Pelo exposto, o PRE parece ser uma ferramenta que permite o acompanhamento do
aprendizado do aluno e que também pode exercer certa influência sobre esse aprendizado.
Porém, será possível identificar, pela análise do conteúdo do PRE, se esse aprendizado está
sendo significativo?
Para responder a essa questão, esta investigação buscou encontrar evidências de AS
nos conteúdos dos portfólios dos alunos. Para isso, foram utilizadas três categorias de
análises, com base nas categorias hierárquicas de aprendizagem significativa propostas por
Vitale (2000): articulação simples entre teoria e prática; prognóstico e articulações conceituais
para explicar eventos observados.
6.2.3.1 Articulação simples
A articulação simples entre eventos observados e conceitos teóricos envolvidos no
evento foi considerada como uma evidência mais básica de AS. O quadro 9 apresenta uma
síntese desses resultados.
Articulação simples entre prática e teoria
Aluno Evento (portfólio) Teoria associada pelo aluno
A3
Broncoespasmo Monitorização (curva capnografia). Possíveis causas para o evento
Adrenalectomia para feocromocitoma Anestésicos venosos (cuidados na seleção de drogas usadas devido a seus efeitos
farmacológicos)
Anestesia geral BNM (Monitorização - indicações de uso e interpretação do resultado)
Colocação de tampão no faringe do
paciente para evitar deglutição de sangue
PNV
Raquianestesia (indicação da via de
acesso)
Bloqueios regionais (associação com alterações anatômicas do idoso, como calcificações
do ligamento supra-espinhoso)
A5
Insuficiência respiratória em pós-
operatório imediato
BNM (ação residual e importância da reversão)
Broncoespasmo Monitorização (curva da capnografia e aumento resistência de vias aéreas)
Anestesia geral para cirurgia cardíaca Anestésicos venosos (indicação do Etomidato)
Via aérea (preditores de dificuldade de IOT)
Monitorização invasiva (tipos e indicações)
Anestesia para RTU de bexiga Bloqueios regionais (Raquianestesia -associação da velocidade de injeção com o nível de
bloqueio sensitivo)
Anestesia geral para cirurgia de fratura
de úmero
Anestésicos venosos (Observou a necessidade de altas doses de opióides pela não
realização de bloqueio de plexo braquial). Discutiu a melhor indicação dentre os opióides
com base na diferença da meia vida entre Fentanil e Alfentanil (Anestésicos venosos)
Bloqueio de plexo braquial Anestésicos locais (tempo de latência da ropivacaína e dose tóxica)
131
A7
Anestesia geral para traqueostomia Anestésicos venosos (efeito hipotensor do fentanil)
Anestesia para Prostatectomia radical Avaliação pré-operatória (Estado físico do paciente pela classificação da ASA)
Anestesia geral para fasciotomia Anestésico local (lidocaína por via endovenosa)
Anestesia para cirurgia cardíaca) Avaliação pré-operatória (Medicação pré-anestésica -indicações)
Suspensão de medicações (discute necessidade ou não da suspensão do AAS)
Anestesia geral para gastrectomia Anestésicos inalatórios (efeitos hipotensores)
Avaliação pré-operatória (Exames pré-operatórios)
A8
Anestesia geral para laminectomia Monitorização (capnografia)
Equipamentos de anestesia (Efeito da cal sodada sobre a diminição do CO2 expirado)
Anestesia geral para prostatectomia
radical
Via aérea (Identificou preditores para dificuldade de ventilação sob máscara)
Anestesia geral para cirurgia de
Aneurisma de Aorta
Monitorização invasiva (PAM permitindo acompanhar episódios de hipotensão e seu
tratamento)
Anestesia geral para colecistectomia por
videolaparoscopia
Monitorização (capnografia – acompanhamento de aumento do CO2 expirado pós
pneumoperitônio; uso do BIS no acompanhamento do despertar do paciente)
Anestesia geral para colectomia Via aérea (Preditores para dificuldade de IOT)
PNV (fatores de risco)
Anestesia geral para colecistectomia por
videolaparoscopia
PNV (fatores de risco e medicações indicadas)
BNM (ação residual e necessidade de reversão)
Anestesia geral para cirurgia
endoscópica nasal
Via aérea (Preditores de IOT difícil)
A9
Anestesia geral para laminectomia Monitorização (capnografia mostrando retenção de CO2 expirado e necessidade da troca
da cal sodada)
Anestesia geral para cirurgia ressecção
tumor uterino
BNM (monitorização e reversão)
A10
Anestesia geral para laminectomia PNV
Anestesia geral para rinoplastia BNM (escolha da droga em paciente asmático)
Anestesia geral para retirada de nódulo
mamário
BNM (indicação do uso e ação da succinilcolina)
Anestesia geral para colecistectomia BNM (efeito residual e reversão)
Quadro 9 – Eventos e principais articulações teóricas simples estabelecidas pelos alunos
O aluno A3 articulou o evento de broncoespasmo observado durante a anestesia de um
paciente às alterações na monitorização (curva da capnografia) que levaram a suspeitar desse
diagnóstico e discutiu as possíveis causas envolvidas nessa complicação. Ele apresentou as
razões farmacológicas para excluir o uso de determinadas drogas (morfina, succinilcolina,
pelo risco de liberação de histamina e catecolaminas e da clonidina pelo risco de hipotensão
importante após retirada de tumor) durante anestesia para adrenalectomia bilateral em
paciente com feocromocitoma. Ele detalhou as indicações e como devem ser feitas as
interpretações do uso da monitorização do bloqueio neuromuscular. Com base na observação
de colocação de tampão em faringe do paciente, em cirurgia nasal, para diminuir o risco de
deglutição de sangue, ele articulou com a necessidade de profilaxia de náusea e vômitos
132
discutida em atividade teórica. Ele também articulou a escolha da via de acesso para a
raquianestesia (paramediana) às alterações anatômicas e fisiológicas em pacientes idosos,
como a calcificação do ligamento supra-espinhoso.
Acompanhei um caso interessante de adrenalectomia bilateral devido a um
diagnóstico de feocromocitoma em um paciente de 25 anos. Ele havia feito preparo
com alfa-bloqueadores, seguido de beta-bloqueadores previamente à cirurgia. Em
relação à escolha dos medicamentos pude perceber como a escolha de quais agentes
usar pode ser complicada nestas situações. Foi excluída a possibilidade do uso de
morfina devido a liberação de histamina, que promoveria liberação de
catecolaminas. O uso de succinilcolina (despolarizante) deve ser evitado (também
pela liberação de histamina), dando preferência aos não-despolarizantes como o
pancurônio. A clonidina também não foi usada pelo risco de hipotensão importante
após a remoção do tumor. (A3)
A aluna A5 observou o caso de insuficiência ventilatória no pós-operatório em
paciente submetida à mamoplastia, em que foi utilizado atracúrio como BNM e articulou ao
efeito residual do bloqueio sendo necessária sua reversão. Observou evento diagnosticado
como broncoespasmo com base em alterações na curva de capnografia (―elevação lenta e
queda rápida‖) e na alta resistência de via aérea à ventilação. Com base na anestesia geral para
cirurgia cardíaca, ela abordou os temas: preditores para possível dificuldade de IOT
apresentados pelo paciente (―micrognata e pescoço curto‖); indicação de uso do hipnótico
etomidato em pacientes cardiopatas e os tipos e indicações de monitorização invasiva.
Salientou a influência da velocidade de injeção do anestésico local hiperbárico em
raquianestesia sobre o nível de bloqueio sensitivo a ser atingido. Observou o caso de anestesia
geral para cirurgia de fratura de úmero, percebeu a necessidade de altas doses de anestésicos e
discutiu a indicação da escolha do tipo de opióde utilizado, com base no conceito
farmacológico de meia vida da droga. Observou o bloqueio de plexo braquial utilizando o
anestésico local ropivacaína e relacionou a demora da instalação do bloqueio à latência da
droga, levantando também a importância do cálculo da dose tóxica para a segurança da
técnica. O seguinte relato exemplifica uma de suas articulações: ―pude fazer a injeção de
12mg de bupivacaína no espaço subdural, (proporcionando bloqueio anestésico no nível de
T10), o que me permitiu aprender sobre a velocidade certa da injeção e a influência desse
fator na determinação do nível anestésico‖. (A5)
A aluna A7 observou o efeito de hipotensão arterial e relacionou ao uso do opióide
fentanil e discutiu a classificação de estado físico segundo a classificação da ASA. Ao
observar o uso de anestésico local endovenoso em indução anestésica, ela fez uma pesquisa
133
sobre essa indicação e descreveu seu aprendizado com base no observado. Relatou o
acompanhamento de anestesia para cirurgia cardíaca, destacando a importância do uso da pré-
medicação anestésica e suas indicações e discutiu a necessidade de suspender ou não o uso de
AAS (ácido acetil salicílico) antes da cirurgia, com base no aprendizado de aula. Ela registrou
suas observações, durante anestesia geral para gastrectomia, sobre os efeitos hipotensores dos
anestésicos inalatórios e sobre a necessidade de exames pré-operatórios que permitam avaliar
as condições clínicas do paciente para uma cirurgia de grande porte, de acordo com a aula
sobre o tema.
A indução foi feita com propofol, fentanil e lidocaína. O uso do anestésico local por
via endovenosa decorre da sua capacidade de minimizar os efeitos de taquicardia e
hipertensão arterial (essas atenuações podem trazer especial benefício a pacientes
com doença isquêmica coronariana), além disso ela reduz a reatividade brônquica
em pacientes asmáticos, reduz a necessidade do uso de anestésicos no
intraoperatório, reduz a resposta inflamatória sistêmica ao ato cirúrgico, favorece a
alta hospitalar precoce e aumenta o tempo de ação de bloqueadores neuromusculares
(li essas informações no artigo ―Efeitos da utilização de 2 mg/ kg de lidocaína
endovenosa na latência de duas diferentes doses de rocurônio e na resposta
hemodinâmico à intubação traqueal‖. (A7)
O aluno A8 observou a importância da capnografia no diagnóstico de retenção de CO2
e do uso da cal sodada na diminuição da fração expirada de CO2. Em outro paciente ele
identificou preditores para dificuldade de ventilação sobre máscara. Relatou o
acompanhamento das alterações hemodinâmicas por meio da monitorização invasiva da
pressão arterial média (PAM) e seu tratamento durante cirurgia para ressecção de aneurisma
de aorta. Observou a retenção de CO2 pelo capnógrafo após pneumoperitônio para cirurgia de
colecistectomia por videolaparoscopia e nessa mesma anestesia acompanhou os valores da
monitorização pelo BIS, durante o despertar do paciente. Identificou os preditores para
dificuldade de IOT. Relatou os fatores de risco que determinam a seleção de drogas para
profilaxia de náuseas e vômitos; a ação residual de BNM e a necessidade de reversão.
Para profilaxia de náuseas e vômitos foi feito dexametasona e bromoprida no início
da cirurgia e ondansetron apenas no final. O uso de várias medicações foi necessário
devido aos muitos fatores de risco apresentados pela paciente como: cirurgia
abdominal, sexo feminino, não fumante. Alias a escolha de não usar o protóxido
também se deu pelo fato dele contribuir para distenção abdominal e aumentar
náuseas em pós operatório. (A8)
O aluno A9 relatou a necessidade e troca da cal sodada baseado na observação do
capnógrafo indicando retenção de CO2. Salientou a necessidade de reversão do BNM com
base na monitorização do bloqueio pelo TOF.
134
Após esse evento ainda notou-se uma fração expirada elevada de CO2 próximo a
50mmHg, portanto suspeitou-se que a cal sodada estava ―velha‖ e então foi realizada
troca e realmente os valores da fração expirada reduziram consideravelmente. (A9)
A aluna A10 relatou os fatores de risco para indicar o tipo de profilaxia para náuseas e
vômitos e discutiu vários aspectos sobre BNM, tais como, bloqueador mais indicado em
pacientes asmáticos, a indicação de uso e a ação da succinilcolina e o efeito residual, assim
como a necessidade de reversão. Como exemplo de um desses relatos, tem-se: ―o rocurônio
foi utilizado porque a paciente era asmática e o atracúrio libera histamina podendo causar
broncoespasmo‖. (A10)
Esses resultados permitiram observar que 60% dos alunos (n=6), A3, A5, A7, A8, A9
e A10, conseguiram demonstrar, pelos conteúdos de seus portfólios, evidências de
articulações simples entre conceitos teóricos e os eventos vivenciados por eles na prática, o
que nessa investigação foi considerado um nível mais básico de evidências de AS.
6.2.3.2 Prognóstico
Foram incluídas nessa categoria as informações presentes nos conteúdos das narrativas
dos alunos interpretadas como demonstrações de capacidade de prever algum prognóstico,
com base na articulação adequada entre o evento observado na prática e o conhecimento
teórico prévio do aluno. Nesse sentido, esse tipo de articulação foi considerada uma evidência
com um grau maior de complexidade que a simples articulação entre prática e teoria analisada
anteriormente.
Nas análises dos portfólios dos alunos foi possível encontrar algumas informações que
puderam ser interpretadas como evidências de AS dessa categoria. Cabe salientar que essas
narrativas que foram identificadas como possíveis articulações dessa categoria, apesar de
estarem relacionados a conceitos de Farmacologia, Anatomia, Fisiologia ou Fisiopatologia,
provavelmente estavam associadas às informações recebidas ou relembradas recentemente
durante o internato (memória recente). Porém, como estavam organizadas em articulações
bem elaboradas, foram consideradas como evidências de AS.
As evidências dessa categoria de AS são apresentadas no quadro 10.
135
Quadro 10 - Evidências de AS sugerindo prognóstico para o evento descrito
A aluna A7 relatou o caso de um paciente cardiopata que iria ser submetido à
revascularização do miocárdio e apresentou taquicardia. Seu comentário sobre esse episódio
foi interpretado como um indício de previsão de prognóstico relacionado à articulação desse
evento com seus prováveis conhecimentos prévios de fisiopatologia cardiovascular:
[...] o paciente apresentou taquicardia, quando então se lançou mão do esmolol (beta
bloqueador eficaz no tratamento e prevenção da taquicardia durante eventos
cirúrgicos). Lembrando, é claro, que um paciente coronariopata deve ter frequência
bem controlada, já que a mesma aumentaria o consumo de oxigênio, o que pode ser
bastante comprometedor para a fibra miocárdica. (A7)
A aluna A5 demonstrou entendimento sobre as alterações anatômicas que podem
representar dificuldade para a realização de IOT e o que deve ser feito para minimizar esse
risco: ―a paciente era obesa e apresentava via aérea com preditivos de intubação difícil
(pequena abertura de boca e pescoço curto), sendo inicialmente fundamental colocá-la na
posição correta‖. (A5)
A aluna A10 demonstrou entendimento sobre o que pode ocorrer em caso de
interrupção súbita da infusão de remifentanil, devido à sua rápida metabolização.
O remifentanil, por ser metabolizado por esterases plasmáticas tem o seu efeito
cessado rapidamente após a suspensão da infusão, caso o paciente apresente queda
pressórica significativa o efeito desse opióide é rapidamente interrompido com o
término da infusão. No entanto tem o risco de causar hiperalgesia de rebote, dessa
forma, para evitar esse efeito colateral foi utilizada cetamina que possui efeito
sedativo e analgésico (A10)
136
Esses resultados permitiram observar que apenas 30% dos alunos (n=3), A5, A7 e
A10, conseguiram evidenciar em seus portfólios um nível mais profundo de AS, conforme os
critérios estabelecidos nessa investigação.
6.2.3.3 Articulação conceitual para explicar evento
Essa representa a terceira categoria na ordem hierárquica de complexidade de
evidências de AS estabelecida nessa investigação, pois a utilização de conhecimento para
explicar eventos é um bom indicador de um processo de AS. O quadro 11 representa uma
síntese desses resultados.
Quadro 11- Evidências de articulações teóricas para explicar eventos observados pelos alunos
Nas análises dos portfólios dos alunos foram identificadas algumas evidências desse
tipo de articulação apenas nos portfólios das alunas A7, A10 e do aluno A8, conforme os
seguintes exemplos:
Evento 1: ―observou-se um agudamento do episódio de hipotensão (51X26).... Foi
realizada infusão de efedrina e rebaixamento da cabeceira e nova infusão de efedrina, a
pressão chegou a 89X49 e assim se manteve estável até o fim do procedimento‖. (A7)
Explicações para as condutas realizadas (posição de céfalo-declive e uso de efedrina,
respectivamente) como tratamento de episódio de hipotensão arterial descrito no evento:
Essa manobra consiste em rebaixar a cabeceira do paciente, em decúbito dorsal, até
atingir 40º em relação ao solo. O objetivo nesse caso foi para aumentar a pressão de
perfusão cerebral com auxílio da gravidade, já que o paciente havia apresentado uma
137
queda brusca da pressão arterial, reduzindo, assim, a chance de hipóxia cerebral.
(A7)
A efedrina é uma amina simpaticomimética, com ação em receptores alfa e beta
adrenérgicos e estimula, ainda a liberação de estoques de epinefrina para os nervos.
Isso gera efeito inotrópico positivo, cronotrópico positivo, causa vasoconstricção
periférica. Esses mecanismos causam o aumento do débito cardíaco e da pressão
arterial. Dessa forma, a efedrina é usada em momentos de hipotensão no tempo cirúrgico para elevar a pressão arterial, prevenindo danos que a hipóxia pudesse vir a
causar. (A7)
Evento 2: ―Após o término da cirurgia, foi realizada a descurarização com atropina e
neostigmina‖. (A7)
Explicação para o uso de neostigmina e atropina na reversão do bloqueio
neuromuscular na recuperação da anestesia geral:
Durante o processo de indução anestésica é optado por realizar relaxamento
muscular importante. Com esse objetivo é procedida a curarização que se utiliza de
relaxantes muscular potentes como pancurônio, vecurônio. Ao obter o relaxamento
desejado, sabe-se que todos os músculos, inclusive o diafragma irão perder o seu
poder de contração. Dessa forma, nesse momento o paciente não consegue ventilar
espontaneamente e então, é realizada a intubação. Ao fim da cirurgia, é necessário
realizar o processo inverso, de descurarização, para evitar que o paciente
tardiamente volte a parar de ventilar por ação remanescente da droga na placa
motora. Para tal fim são utilizados: neostigmina (aumenta o tempo de degradação da
acetilcolina, por inibir reversivelmente a acetilcolinesterase, dessa forma gera efeito
parassimpático pelo aumento da quantidade de acetilcolina na placa motora, estimula os receptores muscarínicos e nicotínicos, aumentando elevando o tônus
muscular e a possibilidade de contração) e a atropina (é um antagonista muscarínico,
revertendo os efeitos parassimpáticos nas terminações nervosas). Em conjunto os
dois deixam o processo de descurarização mais seguro e harmônico. (A7)
O aluno A8 apresentou também evidências de articulação conceitual desse tipo ao
explicar as razões farmacológicas para os efeitos do anestésico local ropivacaína:
Ainda em relação à ropivacaína, observei que sua ação é mais longa devido à sua
alta ligação protéica. Além disso, como seu PKa é relativamente próximo ao pH normal do sangue, seu início de ação demorou não muito tempo: em mais ou menos
10 minutos já observávamos as alterações hemodinâmicas.(A8)
A aluna A10 explicou porque a temperatura no filtro de cal sodada é um sinal de que a
reação não está ocorrendo levando ao aumento de CO2 expirado:
No início da cirurgia foi percebido que o CO2 expirado estava alto (55) e ao
examinar a cal sodada do aparelho de anestesia verificou-se que esta estava fria,
sendo que a absorção do dióxido de carbono é uma reação química exotérmica. A
cal sodada é um absorvedor de CO2 no sistema respiratório do aparelho de anestesia
permitindo a utilização de baixo fluxo de gases frescos para reduzir o consumo de anestésico inalatório, manter a temperatura corporal do paciente, conservar a
umidade das vias aéreas e evitar poluição na sala de cirurgia. Além disso, são
138
utilizadas pequenas quantidades de substâncias indicadoras que mudam de cor (ex:
violeta) quando o pH diminui. Depois de trocada a cal sodada o valor de CO2
expirado estava na normalidade (35). (A10)
Esses resultados permitiram observar que 30% dos alunos (n=3), A7, A8 e A10,
conseguiram evidenciar em seus relatos dos portfólios o nível mais profundo de AS utilizado
como referência nessa investigação.
Pelos resultados gerais em relação às evidências de AS, foi possível observar que 60%
(n=6) dos alunos investigados apresentaram em seus portfólios tais evidências, e que estas
ocorreram, principalmente, por articulações mais simples entre os eventos práticos e os
conceitos teóricos. Em relação às categorias hierárquicas de evidências mais complexas de
AS, houve uma frequência muito menor, quando comparada à categoria anterior, o que pode
ser observado pelos dados apresentados na tabela 5.
Tabela 5 - Frequência de relatos de evidências de AS correspondentes a cada categoria hierárquica
A análise desses resultados, utilizando os dados coletados apenas dos conteúdos dos
portfólios elaborados pelos alunos, demonstrou que foi possível evidenciar a ocorrência de AS
pelas narrativas dos alunos e permitiu observar que as alunas A7 e A10 apresentaram em seus
portfólios as três categorias hierárquicas de evidências de AS.
Entretanto, é preciso salientar que, apesar de acreditar que o portfólio possa ter
facilitado esse processo, apenas a análise do conteúdo do portfólio evidenciando AS, não é
suficiente para afirmar se houve influência direta do portfólio sobre o processo de construção
de AS pelo aluno. Para estabelecer tal relação, é necessária a análise de outros elementos
envolvidos nesse processo como, por exemplo, a presença da intencionalidade do aluno em
aprender significativamente.
139
6.3 PRE COMO FERRAMENTA DE FACILITAÇÃO DA APRENDIZAGEM
Segundo Lemos (2011), para facilitar o processo de construção do conhecimento pelo
aluno, um elemento que deve estar presente durante todo o processo é a recursividade da
aprendizagem. Por isso, esse aspecto também foi investigado por meio da análise das
narrativas dos portfólios de cada aluno.
A investigação sobre a possível influência do processo de elaboração do portfólio na
qualidade das narrativas e no aprendizado dos alunos utilizou como base os seguintes
pressupostos: o princípio da importância da reflexão sobre a qualidade do processo de
aprendizagem do aluno, defendido por estudiosos como Dewey (1953) e Schön (2000); os
princípios da TAS, pela perspectiva de Ausubel(1978) e Novak (1998); e os diversos estudos
enfatizando o papel central da reflexão para a elaboração do portfólio (GRANT e DORNAN,
2001, ALVES, 2002, ALVES,2004, MAMEDE, 2001, YANCEY, 1996, DEPRESBITERIS,
2001, SILVA e SÁ-CHAVES, 2009).
Conforme já discutido no capítulo 2, pela perspectiva da TAS, proposta por Ausubel
(1978), para que a aprendizagem significativa ocorra, é necessário que o material de ensino
seja potencialmente significativo e que o aluno possua os conhecimentos prévios adequados
que permitam que a nova informação se transforme em aprendizado significativo. Porém,
nesse processo, é fundamental que o aluno possua intencionalidade para aprender
significativamente, uma vez que sem esta, esse aprendizado poderá ser apenas mecânico, se
assim o aluno desejar.
Com base nessas considerações, estabeleceu-se, como indicadores para investigar a
possível facilitação da aprendizagem pelo PRE, a recursividade e a intencionalidade em
aprender.
6.3.1 Recursividade
O planejamento do programa teórico-prático estudado possibilitou que o processo
recursivo pudesse ser vivenciado pelos alunos em diferentes situações das práticas diárias no
centro cirúrgico. Para investigar esse processo utilizou-se, como indicador, a frequência de
citações repetidas no portfólio de cada aluno sobre o mesmo tema estudado, com base nos
resultados apresentados na tabela 4 (p.130).
Esses resultados, obtidos pela análise dos conteúdos dos portfólios dos alunos,
permitiram observar quais os temas em que cada aluno demonstrou utilizar o processo de
recursividade.
140
Para fins dessa investigação foram considerados como processos recursivos a
frequência de citações maior que uma (f > 01), sobre cada um dos temas, sendo que as
maiores frequências representaram processos de maior recursividade. Para caracterização
desse processo de recursividade foram estabelecidos os seguintes critérios, pela pesquisadora:
baixa recursividade (de duas a cinco citações por tema); média recursividade (de seis a dez
citações por tema); alta recursividade (acima de dez citações por tema).
De acordo com os resultados apresentados foi possível perceber que os portfólios de
todos os alunos demonstraram algum grau de processo recursivo. A utilização dos critérios
descritos permitiu identificar nos portfólios dos alunos variados processos recursivos e traçar
o seguinte perfil individual dos alunos quanto a esse processo.
O portfólio do aluno A1 demonstrou um processo de baixa recursividade em relação
aos temas bloqueios regionais, monitorização e anestésicos venosos.
O portfólio do aluno A2 demonstrou processo de baixa recursividade em relação aos
temas monitorização e anestésicos locais.
O portfólio do aluno A3 demonstrou processo de baixa recursividade em relação
BNM, monitorização, bloqueios regionais, equipamentos em anestesia, PNV e anestésicos
venosos.
O portfólio do aluno A4 demonstrou processo de baixa recursividade em relação aos
temas monitorização e anestésicos inalatórios.
O portfólio do aluno A5 demonstrou processo de média recursividade em relação aos
temas bloqueios regionais e monitorização; e de baixa recursividade em relação aos temas
anestésicos venosos, via aérea, anestésicos locais, BNM e profilaxia de náuseas e vômitos.
O portfólio do aluno A6 demonstrou processo de média recursividade em relação ao
tema avaliação pré-operatória e de baixa recursividade quanto ao tema bloqueios regionais.
O portfólio do aluno A7 demonstrou processo de alta recursividade em relação ao
tema avaliação pré-operatória e de baixa recursividade em relação aos temas monitorização,
anestésicos venosos, anestésicos locais e BNM.
O portfólio do aluno A8 demonstrou processo de alta recursividade em relação ao
tema avaliação pré-operatória; média recursividade em relação aos temas monitorização,
PNV; e de baixa recursividade em relação aos temas via aérea, equipamentos de anestesia,
anestésicos locais, anestésicos inalatórios e anestésicos venosos.
O portfólio do aluno A9 demonstrou processo de alta recursividade em relação ao
tema avaliação pré-operatória; de média recursividade em relação ao tema monitorização e de
141
baixa recursividade em relação aos temas anestésicos inalatórios, BNM, bloqueios regionais,
equipamentos de anestesia e PNV.
O portfólio da aluna A10 demonstrou processo de alta recursividade em relação ao
tema avaliação pré-operatória; média recursividade em relação aos temas BNM, PNV,
monitorização e de baixa recursividade em relação aos temas anestésicos locais, bloqueios
regionais, anestésicos venosos.
Esses resultados permitiram observar que os portfólios dos alunos evidenciaram a
presença do processo recursivo dos temas estudados, o que pode ter facilitado o processo de
aprendizagem significativa dos alunos. Alguns trechos de relatos de A5 sobre o
acompanhamento de raquianestesia em diferentes momentos exemplificam esse processo
recursivo e a construção ampliada de conhecimentos sobre o tema pela aluna:
[...] porém, pude fazer a injeção de 12mg de bupivacaína no espaço subdural,
(proporcionando bloqueio anestésico no nível de T10), o que me permitiu aprender
sobre a velocidade certa da injeção e a influência desse fator na determinação do
nível anestésico. (A5)
Nesse trecho de sua narrativa, A5 relata o acompanhamento de raquianestesia
observando a influência da velocidade de injeção do anestésico na determinação do nível do
bloqueio anestésico.
Em seguida, tive a oportunidade de realizar a raqueanestesia desse paciente sob
orientação da residente e staff que me ajudaram no posicionamento da agulha,
inicialmente fizemos um botão anestésico com lidocaína e em seguida após punção
por via paramediana injetamos 15mg de bupivacaína no espaço subdural que
proporcionou um bloqueio no nível de T10. Foi muito interessante conseguir
perceber a diferença de densidade dos planos percorridos pela agulha durante a
punção e a consistência diferente durante a perfuração da dura-mater. (A5)
Nesse trecho ela relata outro momento em que realizou a raquianestesia percebendo a
consistência da dura-máter ao perfurá-la. Em um outro relato ela aborda a diferença no tempo
de ação entre dois anestésicos utilizados em raquianestesia: ―...foi interessante, pois aprendi que
a raquianestesia feita com bupivacaína isobárica proporciona analgesia por tempo mais prolongado
que a bupivacaína hiperbárica‖ (A5)
A análise desses resultados sugere que os processos de recursividade presentes nos
portfólios dos alunos representaram oportunidades para que os alunos refletissem, aplicassem
e articulassem os conceitos teóricos em diferentes situações práticas de forma a ampliar seu
entendimento sobre o tema e compreendê-lo em níveis mais profundos de complexidade.
142
Dessa forma, como a recursividade da aprendizagem pode promover e facilitar a construção
do conhecimento pelo aluno, é possível considerar que, ao elaborar seu portfólio com
narrativas recursivas, o aluno apresente maior tendência para construir um aprendizado com
significado.
6.3.2 Intencionalidade para aprender
De acordo com Belmont e Lemos (2012), não existe ainda descrita na literatura uma
metodologia específica para identificar a intencionalidade do aluno em aprender, pois este não
é um aspecto tradicionalmente investigado. Por isso, para investigar a possibilidade de
evidenciar a intencionalidade para aprender a pesquisadora optou por analisar a qualidade dos
portfólios apresentados pelos alunos. Para isso, foram utilizados alguns indicadores indiretos,
tais como o tipo de narrativa apresentada pelo aluno (analítica ou descritiva) em seus
portfólios e os indícios de pensamento crítico/reflexivo nessa narrativa. A seleção desses
indicadores se baseou nas considerações de Alves (2002) sobre as oportunidades de reflexão e
de organização do saber que são oferecidas ao aluno no momento da elaboração do portfólio.
Os indícios de pensamentos críticos e/ou reflexivos foram considerados adequados com base
no pressuposto defendido por Dewey (YANCEY, 1996) sobre o papel fundamental da
reflexão no processo de aprendizagem. Portanto, nessa investigação foram considerados bons
indicadores da intencionalidade do aluno em aprender significativamente, tanto as narrativas
evidenciando análise da situação vivenciada, como também os indícios de pensamentos
críticos e/ou reflexivos nessas narrativas.
Em relação à intencionalidade em aprender, os resultados demonstraram que 60%
(n=6) dos alunos (A3, A5, A7, A8, A9, A10) apresentaram forte tendência na
intencionalidade em aprender, uma vez que eles apresentaram em seus portfólios os dois
indicadores, ou seja, tanto narrativas analíticas, quanto indícios de pensamento
crítico/reflexivo (quadro 12).
143
Quadro 12 – Indícios de intencionalidade para aprender
O seguinte relato de A7 exemplifica um processo de reflexão e análise sobre o evento
observado:
Achei muito interessante essa cirurgia, pois pude perceber como é possível reduzir um altíssimo valor de PA apenas reduzindo a dor do paciente e se utilizando dos
próprios ―efeitos colaterais‖ dos agentes anestésicos, sem precisar lançar mão de
agentes hipotensores propriamente ditos. (A7)
Esses resultados permitiram concluir que, por meio dos portfólios foi possível
encontrar evidências de processos recursivos e identificar, pelo tipo de pensamento e
narrativas apresentados, quais alunos evidenciaram intencionalidade em aprender. Dessa
forma, os resultados encontrados sugerem que o PRE é uma ferramenta que apresenta
condições que podem facilitar o processo de construção do conhecimento, uma vez que
oportuniza ao aluno tanto a prática reflexiva, como a possibilidade para o desenvolvimento de
processos recursivos.
6.4 O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PRE
A leitura dos depoimentos permitiu delinear o processo de elaboração do portfólio,
conforme sintetizado no quadro 13.
De modo geral, os alunos enfatizaram que a atividade de elaboração do PRE foi
trabalhosa, sendo que apenas A2 e A8 estimaram terem gasto cerca de uma e três horas por
semana, respectivamente, para a elaboração de cada narrativa semanal.
144
Resultados dos
depoimentos
Alunos
A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A10
Tempo destinado à
elaboração do PRE
NE Cerca de
1h/sem
Uma
tarde
NE
trabalhoso
NE
trabalhoso
NE NE
trabalhoso
Cerca de
3h/sem
NE
trabalhoso
NE cansativo
e trabalhoso
Elaboração
semanal (S) ou
diária (D) dos
portfólios
D
S
S
S
S
S
S
S
S
S
Referiu reflexão
para elaborar o
PRE
Sim (S)
Não (N
N N S S S N S S S S
NE –não especificado
Quadro 13 – Processo de elaboração do PRE
Realmente demora um tempo. É um trabalho. Mas é melhor ter um trabalho e você
aprender do que ir empurrando com a barriga como acontece em muitos internatos,
em que você fica meio jogado. Você não está jogado, você tem o compromisso de
escrever, então você presta atenção (A7).
Apenas A1 declarou que elaborava suas narrativas diariamente, enquanto todos os
outros alunos referiram que as elaboravam em um determinado dia da semana, com base nas
anotações resumidas que faziam diariamente durante suas atividades práticas no centro
cirúrgico.
Conforme já apresentado, 70% dos alunos declararam uma prática reflexiva ao
elaborarem o PRE. O depoimento de A7 exemplifica um processo de elaboração de portfólio
baseado em reflexão.
Aí depois que eu anotava tudo da semana, num sábado ou domingo, mais no
domingo, eu sentava e ia escrever. Eu mandava ou no domingo ou na segunda. E aí
eu começava a refletir. Se o paciente era ASA 2, eu relembrava porque eu tinha
colocado ASA 2. Às vezes eu ficava na dúvida, se era ASA 2 ou ASA 3, aí eu
entrava no site, procurava artigos, relembrava toda a classificação. No início eu tinha
muita dificuldade, agora é que está ficando mais fácil de entender. (A7)
6.5 PERCEPÇÕES DOS ALUNOS SOBRE A ELABORAÇÃO DO PRE
De acordo com os estudos analisados na revisão de literatura sobre o uso do PRE na
educação médica, apresentada no capítulo 4, foram identificadas quatro categorias de uso
pedagógico no contexto de formação: acompanhar e/ou avaliar aprendizagem (FUNG et al,
2000; LEWIS e BAKER, 2007; KJAER, MAAGAARD e WIED 2006; FOULKES et al,2011;
WILCOCK, 2011; GREEN et al, 2009; DEKETELAERE et al 2009); avaliar habilidades
145
clínicas (DORNAN et al, 2003; WILCOCK, 2011); avaliar e/ou documentar competências
(CLAY et al, 2007; MAMELOK, 2009; RUIZ, 2009; LEWIS et al, 2010); estimular a
reflexão (DRIESSEN et al, 2007; MAKRIS et al, 2010; WILCOCK, 2011). Esses estudos
foram utilizados como referências para comparar os resultados encontrados na presente
pesquisa, quanto ao uso pedagógico do PRE.
Com o objetivo de conhecer as percepções dos alunos sobre os aspectos pedagógicos
envolvidos na elaboração do PRE, no contexto estudado, foram analisados os depoimentos
dos alunos relacionados a essa questão e, de acordo com a interpretação realizada, os
resultados encontrados foram distribuídos por duas categorias identificadas pela pesquisadora:
aspectos positivos e limitantes quanto ao uso do PRE na opinião dos alunos. O quadro 14
sintetiza esses resultados.
Quadro 14 – Percepções dos alunos sobre uso do PRE
Por essa análise foi possível perceber as diversas finalidades pedagógicas de uso do
PRE, na opinião dos alunos. Dentre elas foram identificadas as seguintes: avaliar, ensinar e
contribuir para a aprendizagem simultaneamente (A1, A2, A3, A5, A8, A9); conhecer melhor
cada aluno (A1); demonstrar o aprendizado na visão do aluno (A5); oferecer oportunidade
para reflexão (A3, A5 e A10); facilitar a organização do processo de aprendizagem (A4, A7);
permitir que o aluno expresse seus pensamentos (A1); avaliar de forma individualizada (A5,
A6 e A10).
146
Quanto aos aspectos limitantes, o aluno A1 considerou demorado o tempo de uma
semana para obter a resposta do preceptor. O aluno A6 considerou que, como esse processo
dependia muito da prática, em determinados momentos os alunos ficaram sem assunto para
narrar, devido aos problemas de falta de atividades no centro cirúrgico, o que dificultou a
elaboração do PRE.
6.5.1 Aspectos positivos
Apesar da ênfase sobre o aspecto do trabalho e do consumo de tempo destinado à
realização da atividade, os alunos perceberam diversos aspectos positivos em relação ao uso
pedagógico do PRE. Alguns exemplos desses aspectos positivos percebidos pelos alunos são:
Contribuir para a aprendizagem (A1, A2, A3, A5, A6, A8, A9)
E além do mais exige que o aluno corra atrás das informações teóricas sobre aqueles
assuntos. Porque não adianta nada a gente ver aquilo na prática e ficar com as
dúvidas e nada levar a gente a procurar na teoria o porquê daquilo. Eu acho que o portfólio acaba sendo um instrumento que ajuda a gente a fazer isso. Obrigar a gente
a fazer isso. Porque a gente pra escrever tem que ter um embasamento teórico, a
gente acaba tendo que procurar aquelas informações. Então acho que é um método
válido (A5).
Para 60% (n=6) dos alunos, o PRE foi uma ferramenta que contribuiu para a
aprendizagem. Ao comparar essas percepções com as evidências de aprendizagem
apresentadas pelos alunos, observou-se que, dentre os que perceberam essa contribuição do
PRE, A8, A3, A5, A9 conseguiram evidenciar um bom processo de aprendizagem, A3, A5,
A8, A9 demonstraram algumas evidências de AS, enquanto A1 e A2 demonstraram um
processo de aprendizagem regular. Porém, A7 e A10, apesar de demonstrarem bons processos
de aprendizagem, não declararam perceber tal contribuição do PRE.
Essa contribuição sobre a aprendizagem também foi demonstrada nos trabalhos de
Fung et al (2000), Lewis e Baker (2007), Kjaer, Maagaard e Wied (2006), Foulkes et al
(2011), Wilcock (2011), Green et al (2009), Deketelaere et al (2009) que, apesar de utilizarem
contextos de formação médica e metologias diferentes dos utilizados nesta pesquisa,
concluíram que o PRE é uma ferramenta que pode oferecer variadas contribuições em
diversos processos de aprendizagem.
147
Oferecer oportunidade para a reflexão do aluno (A3, A5 e A10): ―E um portfólio para abrir
ao aluno uma oportunidade de refletir sobre as dúvidas dele, de correr atrás das informações‖
(A5).
Para 30% (n=3) dos alunos, o PRE estimulou a prática reflexiva. Esses três alunos
declararam ter realizado processo reflexivo ao elaborar o PRE e conseguiram evidenciar
reflexão por meio de seus portfólios. Porém, A7, A8 e A9, que também declararam reflexão
ao elaborar seus portfólios e conseguiram apresentar evidências dessa reflexão, não
perceberam esse aspecto como uma contribuição do PRE nesse processo.
O aspecto reflexivo também foi discutido nos trabalhos de Driessen et al (2007);
Makris et al (2010) e Wilcock (2011), analisados na revisão de literatura desta pesquisa.
Avaliar de forma individualizada (A5, A6 e A10)
Primeiro porque você percebe exatamente quais alunos estiveram presentes nas
atividades e quais não estiveram. Quais alunos estiveram prestando atenção no que
estava acontecendo e quais não estavam. Aqueles que precisam de mais apoio para
aprender alguma coisa e quais não precisam. Então acho que dá pra ter uma
avaliação mais individualizada de cada aluno. Acho que é um método muito útil
para isso. (A5)
Para 30% (n=3) dos alunos, o PRE permitiu a avaliação individualizada do aluno. Esse
aspecto pode ser demonstrado pelo desenvolvimento da pesquisa, uma vez que, por meio da
avaliação e análise dos portfólios, foi possível caracterizar o processo de aprendizagem de
cada aluno. Porém esse aspecto não foi discutido pelos trabalhos da revisão de literatura.
Organizar o processo de aprendizado (A4 e A7)
...eu achei muito legal. Primeiro porque eu sou uma pessoa um pouco desorganizada,
então era uma forma de eu rever tudo o que eu tinha aprendido. Porque, na prática, é
mais difícil você avaliar isso. Você vive aquela situação e aquilo se perde no tempo
e no espaço, e quando você anota, você está revivendo aquilo. ―É, realmente, aconteceu isso e tal...‖ Pra mim, pro meu estudo, porque eu sou pouco organizada e
tenho uma memória meio relapsa, foi muito legal. Ah! É, realmente, isso aconteceu‖
e eu nunca teria parado para pesquisar porque isso aconteceu, se eu não tivesse
anotado. Eu sei que tem outras pessoas com uma opinião diferente da minha, mas eu
achei muito legal (A7).
Para 20% (n=2) dos alunos, o PRE auxiliou na organização do aprendizado. Enquanto
A7 conseguiu demonstrar essa organização por seu PRE, o aluno A4, apesar de ter tal
percepção, não conseguiu demonstrá-la por meio de suas narrativas.
Esse aspecto também não foi analisado pelos estudos apresentados na revisão de
literatura.
148
Demonstrar aprendizado pela perspectiva do aluno (A5): ―Quando você me avalia por
portfólio, eu estou te mostrando o que aprendi. Você não está me perguntando o que você
quer que eu aprenda‖. (A5).
Para 10% (n=1) dos alunos, o PRE consegue informar sobre o aprendizado na visão do
aluno e, não necessariamente, o que o professor deseja que o aluno aprenda. Esse aspecto
abordado por A5 corrobora com a proposta do PRE no sentido do desenvolvimento da
autonomia do aluno nesse processo, cabendo ao professor o planejamento adequado do ensino
para garantir que o aluno alcance os objetivos pedagógicos desejados. Porém, nos estudos da
revisão de literatura esse aspecto também não foi analisado.
Permitir ao professor maior conhecimento sobre o aluno (A1):
Acho justo e acho muito interessante para o aluno. O professor conhece mais o seu
aluno. Por mais que eles tenham uma vivência prática, às vezes no internato com 15
alunos e com 30 staffs, cada médico pode nem conhecer os alunos. Agora, vendo os
portfólios, pode conhecer o que aquela pessoa pensa, qual a ideia dela de
Medicina.... Essas coisas só podem ser vistas numa análise reflexiva e subjetiva e não numa análise escrita com perguntas e respostas (A1).
Para 10% dos alunos, o PRE permitiu que o professor conhecesse melhor o aluno. Este
é um aspecto relevante, pois um dos objetivos do PRE é aproximar o professor do aluno, para
que ele possa conhecer melhor as possíveis limitações e dificuldades do aluno e o ajude a
superá-las. Porém, esse aspecto também não foi analisado pelos estudos da revisão de
literatura.
Possibilitar ao aluno expressar seus pensamentos (A1): ―Seria a possibilidade primeiro de se
expressar, de falar, não ter que marcar uma opção que nos foi dada. A gente pode dizer o que
a gente pensa e, principalmente, ver a resposta...‖ (A1).
Para 10% (n=1) dos alunos, o PRE permitiu que o aluno expressasse seus
pensamentos. Essa percepção de A1 sobre o PRE representa o aspecto central do portfólio,
pois é por meio de seus pensamentos que o aluno poderá refletir sobre seu processo de
aprendizagem. Apesar de manifestar tal percepção, A1 não conseguiu evidenciar seus
pensamentos reflexivos por meio do PRE.
Esse aspecto também não foi analisado pelos estudos da revisão de literatura.
6.5.2 Aspectos limitantes:
149
Foram mencionados nos depoimentos de 30% (n=3) dos alunos, alguns aspectos
considerados limitantes nesse processo, tais como:
Demora para a resposta do preceptor (A1): ―a única desvantagem é que não é uma conversa
tão dinâmica, porque eu via uma coisa e demora. Até o professor conseguir responder tudo
leva uma semana‖. (A1)
Avaliar pelo portfólio (A3)
[...] só que tem que ter um critério bem estabelecido. Se ele for usado como
avaliação, ele tem que ter a parte em que você cobre a prática e a parte braçal do
estudo...Essa é a parte mais difícil do portfólio. Acho que, no final, a desvantagem é
só isso. No momento, a dificuldade é sobre avaliar. (A3)
O aluno A3 considerou, como um aspecto negativo do PRE, o seu uso pedagógico
como instrumento de avaliação do conhecimento do aluno, defendendo que, para esse fim, é
necessário que sejam bem estabelecidos os critérios a serem utilizados para avaliar tanto o
aprendizado teórico, como o prático. Essa percepção de A3 foi pertinente, uma vez que os
estudos que objetivam investigar esse aspecto de uso do PRE estabelecem critérios bem
definidos para serem avaliados (DORNAN et al, 2003; WILCOCK, 2011; CLAY et al, 2007;
MAMELOK, 2009; RUIZ, 2009; LEWIS et al, 2010).
Dependência das atividades práticas (A6)
Eu acho que é... Aconteceu um pouco com a gente, teve uma hora que ficou um
pouco, meio que, sem assunto. Porque a gente não tinha como ver. E ficou uma
coisa que a gente não tinha o que falar. É exatamente isso, o portfólio depende do
funcionamento do serviço, Depende muito da parte prática. (A6)
O aluno A6 considerou a dependência de atividades práticas para a elaboração dos
portfólios como uma dificuldade, devido aos momentos em que tais práticas não puderem ser
realizadas, por motivos alheios à vontade do aluno.
A demora do feedback e a dependência das atividade práticas não foram aspectos
abordados pelos estudos da revisão de literatura.
6.6 CONTRIBUIÇÕES DAS TICS E PERCEPÇÕES SOBRE O AVA
Conforme apresentado no capítulo 4, segundo Jonassen (1996), para que o uso das
TICs possa favorecer o processo de AS, algumas condições devem ser oferecidas pela
150
atividade pedagógica, pois o uso das TICs, por si só, não é suficiente para contribuir em tal
processo.
Portanto, tendo esse princípio como base, essa pesquisa buscou investigar como as
TICs podem ter contribuído no processo de ensino aprendizagem estudado. Para isso, foram
utilizados os depoimentos dos alunos sobre suas percepções em relação às possíveis
contribuições das TICs no contexto do estudo.
Cabe salientar que só foram considerados os dados referentes ao uso das TICs que
tinham relação com o processo de uso do PRE, logo, os dados referentes às percepções quanto
ao fórum de discussão não foram analisados.
Essas possíveis contribuições, identificadas nos depoimentos dos alunos são as
seguintes e estão sumarizadas no quadro 15:
Contribuições das TICs pelas percepções dos alunos Alunos
Facilidade de comunicação A1,A3,A5, A6,A8, A10
Armazenamento de informações e material didático A1,A3, A5, A6, A8 , A10
Facilidade de acesso A2, A6, A7 e A9
Maior disponibilidade de tempo para desenvolver outras atividades A4
Quadro 15- Percepções dos alunos sobre as contribuições das TICs
Facilidade de comunicação e de armazenamento de informações e material didático (A1, A3,
A5, A6, A8, A10)
Eu achei o Constructore um avanço muito grande no internato. Às vezes no internato as coisas ficam muito largadas. Nem sempre as pessoas vêem o e-mail, às vezes não
consegue responder para todos os alunos e na Constructore tá tudo guardado ali
(aviso, fórum , material didático...). Por exemplo, às vezes recebe um arquivo com
quatro artigos, é muito pesado. Na Constructore fica tudo guardado, é só baixar e
guardar. Achei a ferramenta muito interessante. É uma boa ferramenta para o
internato (A1).
Foi possível observar que a facilidade de comunicação e o armazenamento de
informações e de material didático foram as contribuições percebidas por 60% (n=6) dos
alunos (A1,A3,A5, A6,A8, A10). Essas percepções constituem algumas das características da
interatividade que é uma das principais contribuições das TICs no processo de aprendizagem.
Segundo diversos autores referenciados nesta pesquisa, tais como, Jonassen (1996),
Struchiner e Giannella ( 2005), Ruiz et al (2009); Bridge e Eddy (2006), Parboosingh (1996),
Costa e Franco (2005); Silva e Silva (2008); Amem (2006), a interatividade possibilita o
aumento do diálogo entre os envolvidos no processo educativo, a motivação dos alunos na
busca por informações de acordo com seu nível de conhecimento, suas necessidades e
151
interesses, contribuindo, assim, na facilitação do processo de construção do conhecimento
pelo aluno.
Facilidade de acesso de qualquer lugar e a qualquer momento (A2, A6, A7, A9): ―Acesso de
qualquer lugar. Fica mais livre‖ (A7)
Eu acho que é uma facilidade, é. Assim, o mérito é esse. Na verdade é que você
escreve no computador e escreve pra te entregar, dá no mesmo. A diferença é a
praticidade. Você pode encontrar um momento, ir no computador e fazer isso.
Chegar em casa, descansado e fazer isso. Se tivesse que escrever e te entregar, daria
um pouco mais de trabalho. Tem que te encontrar no dia que você tá lá, e eu também
tenho que arranjar tempo. Acho que isso é a praticidade. (A9)
Poder, justamente, trocar informação de qualquer lugar. De casa, tranquilo. Às
vezes, os horários não batem com o professor. Você tem plantão no dia que o
professor dá a aula, mas aí ele manda a aula pra algum lugar e discute a aula depois.
E, independente do tempo e do dia, eu posso chegar em casa e ver. Acho que, pra
esse problema de bater horário, é muito bom. (A6)
A facilidade de acesso de qualquer lugar e a qualquer momento foi outra contribuição
percebida por 40% (n=4) dos alunos (A2, A6, A7 e A9). Segundo os trabalhos citados, essa
facilidade permite que o aluno tenha liberdade de decidir quando e onde realizará as tarefas
solicitadas e quanto tempo dedicará à sua execução. Essa maior flexibilidade permite o
desenvolvimento da autonomia do aluno sobre o seu próprio processo de aprendizagem.
Aumenta a disponibilidade de tempo para outras atividades (A4)
Embora seja contraditório o que eu vou falar, eu acho assim, ainda que o portfólio
consuma mais tempo, o fato de você ter uma ferramenta virtual, te dá muito mais
tempo para fazer outras coisas, para se dedicar ao que realmente interessa, do que
gastar tempo com coisas desnecessárias (A4)
O aumento da disponibilidade de tempo para o desenvolvimento de outras atividades
foi uma contribuição percebida pelo aluno A4, podendo ser considerada como uma vantagem
oferecida pelas TICs, no sentido de otimização do tempo de estudo do aluno dentro do seu
processo de aprendizagem.
Em relação à utilização de um ambiente virtual para o desenvolvimento de parte do
processo de ensino aprendizagem desenvolvido no contexto do estudo, os alunos, de modo
geral, consideraram vantajoso, ser for utilizado como recurso pedagógico complementar,
como pode ser exemplificado pelos seguintes trechos dos depoimentos de alguns alunos (A1,
A2, A4, A5 e A6):
152
―Acho que é bom desde que se mantenha o presencial também [...]. A EaD é bom para
a parte didática, acho que junto com a parte prática, vai chegando mais perto do que a gente
considera de ensino mais perfeito. ―Xerocar‖ material didático é muito antigo‖. (A1)
―Eu acho que é um complemento a parte. Não exclui a pessoa de estar presente
fisicamente... Integrado à prática, eu acho que funciona pra melhorar o curso, pra melhorar o
aprendizado ainda mais. E acho que é pra qualquer curso‖. (A2)
―Porque o contato a gente continua tendo com o professor, fisicamente. Se fosse
exclusivamente à distância, seria desvantajoso‖. (A4)
―Assim, eu não acho que educação a distância seja solução para nada, mas eu acho que
complementa. Como complemento eu acho válido‖. (A5)
―Eu acho que a forma como é empregado o ambiente dá certo, não tem desvantagem.
Só não pode achar que vai contar só com o virtual, não vai adiantar. Mas completando…
Difícil ter alguma desvantagem‖.(A6)
Em relação à plataforma Constructore, todos os alunos consideraram de fácil
navegação e muito úteis todos os recursos oferecidos, com exceção do aluno A2, que foi o
único a fazer crítica à plataforma. Apesar de considerar sua proposta como a melhor que ele
viu ao longo da faculdade, declarou que seu manual de uso era pouco didático.
Quanto às possíveis limitações da plataforma Constructore, 40% (n=4) dos alunos
(A7, A8, A9 e A10) consideraram a dificuldade do acesso em determinados momentos,
conforme exemplificado pelo seguinte depoimento de A9: ―A desvantagem é que, de vez em
quando, fica fora do ar‖.
Como contribuição para melhorias em relação à plataforma Constructore, o aluno A1
sugeriu que houvesse possibilidade do aluno inserir comentários sobre os avisos recebidos e o
aluno A2 sugeriu que houvesse a possibilidade de realizar buscas para pesquisas adicionais
por meio da própria plataforma.
A análise dos resultados da investigação sobre as contribuições das TICs no processo
estudado, com base nos depoimentos dos alunos, permitiu observar que a atividade do
portfólio pelo AVA foi bem aceita pelos alunos, representou uma inovação pedagógica, em
relação ao que foi oferecido a eles ao longo da graduação. De modo geral, os alunos
consideraram que o uso do AVA facilitou o processo de aprendizagem, sugerindo que este
recurso deveria ser utilizado em outros contextos do internato. Porém, ao se comparar os
resultados encontrados neste estudo, com as discussões sobre o assunto apresentadas por
outros autores e, principalmente, com as considerações de Jonassen (1996) apresentadas no
153
capítulo 4, percebe-se que seu uso foi bastante limitado, pois deixou de oferecer outras
potencialidades desse recurso apontadas pela literatura, como a aprendizagem colaborativa,
por exemplo.
Diante dos resultados descritos e de suas análises, foi possível traçar o perfil individual
de uso do PRE por aluno, procurando analisar seu uso como instrumento de facilitação da
prática reflexiva, facilitação da AS, documentação de reflexão, acompanhamento do
aprendizado do aluno, evidenciação da AS, e conhecer as percepções dos alunos quanto ao
uso do PRE e às contribuições das TICs no contexto do estudo. O quadro 16 apresenta uma
síntese do processo de investigação sobre o portfólio, com o panorama do PRE de cada aluno.
154
A
L
U
N
N
O
S
CATEGORIAS DE ANÁLISE DO PRE E INDICADORES
Facilitar
reflexão
Documentar
reflexão
Facilitar AS Acompanhar
Aprendizado
Evidenciar AS Percepções sobre PRE
Percepções sobre
TICs
Referiu
reflexão
ao
elaborar
PRE
PRE
analí-
tico
Pensa
m.
reflexi
vo
Recursi
vidade.
Intencio-
nalidade.
Procedi
mental
Teóri-
co
B
I
A
Positivas
Limitan-
tes
A1
Não Não Não B Não 3/4 5/12 - - - Contribui
aprendiz.;
Melhor
conhecimen
to do aluno;
Expressar
pensamento
Demora
resposta
preceptor
Facilitar comu-
nicação;
Armazenamento
de informações
A2 Não Não Não B Não 2/4 2/12 - - - Contribui
aprendiz.
Facilita acesso
A3
Sim Sim Sim B Sim 1/4 7/12 05 - - Contribui
aprendiz.;
Reflexão
Avalia-
ção
Facilitar comu-
nicação;
Armazenamento
de informações
A4 Sim Não Não B Não 3/4 5/12 - - - Organiz.
Aprendiz.
Otimização do
tempo do aluno
A5
Sim Sim Sim M/B Sim 4/4 7/12 06 01 - Contribui
aprendiz.;
Reflexão;
Avaliação
individual
Aprend.
visão do
aluno
Facilitar comu-
nicação;
Armazenamento
de informações
A6
Não Não Não M/B Não 3/4 3/12 - - -
Avaliação
individual
Depen-
dência da
prática
Facilitar comu-
nicação;
Armazenamento
de informações;
Facilitar acesso
A7 Sim Sim Sim A/B Sim 4/4 7/12 05 01 02 Organiz.
Aprendiz.
Facilitar acesso
A8
Sim Sim Sim A/M/B Sim 3/4 10/12 07 - 01
Contribui
aprendiz.
Facilitar comu-
nicação;
Armazenamento
de informações
A9 Sim Sim Sim A/M/B Sim 2/4 8/12 02 - - Contribui
aprendiz.
Facilitar acesso
A10
Sim Sim Sim A/M/B Sim 4/4 9/12 04 01 01 Reflexão;
Avaliação
individual
Facilitar comu-
nicação;
Armazenamento
de informações
Recursividade – codificação da caracterização do processo recursivo sobre temas teóricos apresentado nos portfólios: Alta – A; Média - M; Baixa –B.
Acompanhamento do aprendizado procedimental: quantidade do tipo de procedimentos executados por cada aluno/4(quantitativo de tipos de procedimentos
analisados no estudo).
Acompanhamento do aprendizado teórico: quantidade de temas teóricos abordados nos portfólios de cada aluno / 12(quantidade total de temas teóricos do
programa)
Evidências de AS: quantidade de evidências de cada categoria identificada nos portfólios de cada aluno: B (baixa complexidade)- articulação simples; I
(complexidade intermediária) -prognóstico; A (alta complexidade) -explicação de eventos.
Quadro 16 – Quadro analítico sobre o PRE de cada aluno
Portanto, esses resultados e suas análises forneceram subsídios para a discussão e
considerações finais apresentadas no capítulo 7 da presente pesquisa.
155
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão central que norteou esta pesquisa foi o processo de aprendizagem mediado
pelo Portfólio Reflexivo Eletrônico (ALVES, 2004; GRANT e DORNAN, 2001; ALVES,
2002; SILVA e SÁ-CHAVES, 2009; YANCEY, 1996) na perspectiva da Aprendizagem
Significativa de Ausubel e Novak (AUSUBEL, NOVAK, HANESIAN, 1978; AUSUBEL,
2000; NOVAK e GOWIN, 1998) e as percepções dos alunos sobre suas experiências de
aprendizagem com o uso desta ferramenta pedagógica. Assim os principais objetivos foram:
a) analisar a influência dessa ferramenta no processo de uma prática reflexiva, b) observar a
possibilidade de acompanhamento do aprendizado do aluno por meio dela, c) avaliar se a
aprendizagem significativa (AS) pode ser evidenciada pelo PRE; d) analisar seu papel na
facilitação da construção do aprendizado do aluno, e) conhecer o processo de elaboração do
PRE pelos alunos, f) conhecer as percepções destes sobre o uso do PRE e sobre as
contribuições das TICs nesse processo.
Buscando responder a estas questões, recorreu-se aos estudos sobre a trajetória da
educação médica, que permitiram entender a complexidade do tema e perceber que os
problemas observados na prática da preceptoria, no contexto do internato eletivo de
Anestesiologia, eram semelhantes aos evidenciados e discutidos no meio acadêmico por
diversos autores (AMORETTI, 2005; ALMEIDA et al, 2007; CECCIM e CARVALHO,
2006; LAMPERT, 2001; FEUERWERKER, 2002). Diante da necessidade de se encontrar
alternativas capazes de contribuir para as mudanças na educação médica, inseridas no novo
paradigma da integralidade, foram fundamentais os estudos sobre a Educação em geral, o
Ensino, e particularmente, sobre a Psicologia da Educação. Esses estudos conduziram a um
maior conhecimento sobre a Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) e a apropriação de
seus princípios, aliado aos estudos e orientações de Vitale e Romance (2000), contribuíram
para fundamentar e nortear as etapas da presente investigação.
O programa elaborado e implementado por meio de uma intervenção pedagógica, com
ênfase na utilização do portfólio reflexivo eletrônico, constituiu o objeto dessa pesquisa e foi
analisado pela perspectiva da TAS. Por outro lado, o maior conhecimento sobre o uso
pedagógico do portfólio, e das possíveis contribuições das TICs para potencializar este
processo, despertou o interesse em conduzir a investigação baseada no seguinte pressuposto: o
PRE, elaborado pelo aluno com base no desenvolvimento de uma prática de estudo reflexiva,
pode se constituir em uma ferramenta que, não só permite o acompanhamento do aprendizado
156
pelo aluno, como também contribui para a aprendizagem significativa, como o proposto por
Ausubel (2000, 1978) e Novak (1998).
Portanto, para analisar o programa pedagógico pela perspectiva da TAS, foram
adotados os princípios da teoria e uma adaptação do modelo de Vitale e Romance (2000) para
o planejamento do processo de ensino por meio do portfólio, objetivando evidenciar a
aprendizagem significativa construída pelo aluno sobre temas teóricos abordados ao longo do
internato em Anestesiologia. Dessa forma, a análise dos resultados encontrados na presente
pesquisa permitiu levantar algumas discussões e considerações com base no contexto
estudado.
Pela perspectiva da TAS, é fundamental que o professor assuma o compromisso de
favorecer a ocorrência de aprendizagem significativa pelo aluno. Assim, torna-se básico que
ele oriente suas ações buscando encontrar e entender os significados que os alunos estão
construindo, avaliar se esses significados estão de acordo com os desejados, negociar esses
significados com os alunos de forma a que atendam aos objetivos educacionais propostos.
Assim, o professor deve procurar garantir que o aluno construa seus conhecimentos, com foco
nos significados estabelecidos cientificamente e que essa construção ocorra em variados
momentos e situações envolvidas no evento educativo em que ele está inserido (NOVAK,
2011; MOREIRA, 1999; LEMOS, 2011a, 2011b).
Segundo Dewey (1979), a reflexão é indispensável no desenvolvimento do ato
educativo. Para analisar o papel do PRE sobre a prática reflexiva, investigou-se os elementos
associados à reflexão que estavam presentes nos portfólios. Para isso, foi realizada a análise
de conteúdo (BARDIN, 2009) das narrativas dos alunos e de seus depoimentos, buscando-se
identificar a presença de elementos relacionados ao processo reflexivo. Nesse sentido,
primeiramente, foi observado que tipo de narrativa cada aluno apresentou, tendo como
referência as definições de reflexões apresentadas por Sá-Chaves (SILVA e SÁ-CHAVES,
2008), que permitiram considerar as narrativas analíticas como intrinsecamente relacionadas
ao processo reflexivo. Um segundo elemento investigado foram os indícios de pensamentos
críticos/reflexivos, entendendo como críticos os pensamentos que envolvem avaliação de
argumentos para a defesa ou não de alguma ideia e como reflexivos os pensamentos
relacionados à indagações na busca por alguma conclusão, baseados nos pressupostos de
Schön (2000) e Dewey (1979). Um terceiro elemento foi investigado nos depoimentos dos
alunos, buscando-se por declarações sobre realização de reflexão para elaboração do portfólio.
Esses procedimentos metodológicos permitiram analisar os resultados encontrados e
sumarizá-los numericamente. Portanto, essa investigação sugere que o PRE foi uma
157
ferramenta que possibilitou a prática reflexiva, pois 70% (n=7) dos alunos investigados
apresentaram indícios de pensamentos crítico/reflexivos, sendo que, desses, 85,7% (seis dos
sete alunos) conseguiram evidenciar reflexão em suas narrativas, segundo os critérios
utilizados nesta investigação. Além disso, cerca de 30% dos alunos declararam na entrevista
que consideravam como uma das vantagens do PRE o estímulo à reflexão, sendo que todos
esses realmente conseguiram evidenciar a reflexão em seus portfólios. No processo de AS a
reflexão é essencial, logo se torna fundamental que sejam utilizadas atividades que consigam
estimular essa prática. Os resultados encontrados se aproximam daqueles de Driessen et al
(2007) que consideraram que o PRE estimula os alunos à reflexão sobre suas práticas
educativas. Esses autores atribuem seus resultados à utilização de condições favoráveis de
ensino para possibilitar a reflexão. Logo, no presente estudo, pode-se considerar que tais
condições também foram oferecidas, conforme exemplificado pelo depoimento de A5:
Na verdade todo dia eu escrevia os casos do centro cirúrgico. Eu escrevia
resumidamente numa folha. Eu descrevia os casos e o que eu tinha pensado, mas de
forma resumida. Todo dia para não esquecer. E num determinado dia da semana, na
quinta-feira, que foi o dia que eu determinei para fazer isso, eu sentava e
desenvolvia cada caso e ia desenvolvendo as reflexões e as bases teóricas. Enfim,
todos os dias eu fazia uma coisa resumida para eu não esquecer e num dia eu
desenvolvia cada um dos itens. Era basicamente isso o que eu fazia. (A5)
Em relação à investigação do PRE como uma ferramenta que possibilite o
acompanhamento do aprendizado do aluno, foram observados os relatos dos alunos
relacionados a: realização e/ou acompanhamento dos procedimentos estabelecidos como
básicos pelo programa, as citações sobre os temas/conceitos teóricos que eles estavam
vivenciando em suas práticas e as evidências de AS. Assim, o estudo demonstrou que o PRE,
apesar da variação nos desempenhos individuais dos alunos em cada um desses elementos
investigados, propiciou a representação dessas experiências de aprendizado, pois todos os
portfólios conseguiram evidenciar a realização e/ou participação do aluno em todos os
procedimentos técnicos, bem como evidenciar a aplicação prática de diversos conceitos
teóricos estudados, conforme resultados apresentados nas tabelas 1 (p.118), 2 (p.120), 3
(p.122) e 4 (p.129). O seguinte relato, também de A5, exemplifica os registros sobre a
realização de procedimentos que puderam ser acompanhados pelo PRE:
Pude puncionar o acesso venoso periférico desse paciente. Em seguida, foi iniciada a
indução anestésica e tive a oportunidade de ventilar o paciente sob máscara facial,
inicialmente tive certa dificuldade, entretanto após ajuda do residente consegui acoplar adequadamente a máscara facial e realizar a ventilação. (A5)
158
A investigação das evidências de AS permitiu não só elucidar esse processo como
também qualificá-lo. Isto porque foram evidenciados processos de AS desde níveis mais
simples até de maior complexidade, utilizando-se como base as categorias hierárquicas de
evidências de AS, propostas por Vitale e Romance (2000). O seguinte relato de A7
exemplifica uma articulação de nível intermediário de complexidade, evidenciando
elaboração de um prognóstico para o caso em questão sobre a possibilidade de lesão
miocárdica em vigência de taquicardia não controlada em paciente coronariopata:
O paciente apresentou taquicardia, quando então se lançou mão do esmolol (beta
bloqueador eficaz no tratamento e prevenção da taquicardia durante eventos
cirúrgicos). Lembrando, é claro, que um paciente coronariopata deve ter frequência
bem controlada, já que a mesma aumentaria o consumo de oxigênio, o que pode ser
bastante comprometedor para a fibra miocárdica. (A7)
Portanto, pelos critérios adotados nesta pesquisa, pode-se considerar o PRE uma
ferramenta adequada não só à representação, como também ao acompanhamento do
aprendizado do aluno, Estes resultados corroboram a perspectiva da AS (AUSUBEL,
NOVAK, HANESIAN, 1978). Os autores defendem que todo o curso do processo
educacional deve ser acompanhado e avaliado, de forma a observar se os objetivos
estabelecidos estão sendo alcançados, e se está sendo necessária alguma intervenção
pedagógica ainda com o processo em curso.
A presente pesquisa partiu da premissa de que a recursividade pode facilitar o
aprendizado (LEMOS, 2011a, 2011b; SIQUEIRA, 2009) e que a intencionalidade do aluno é
fundamental para favorecer a AS (AUSUBEL, NOVAK, HANESIAN, 1978; AUSUBEL,
2000; NOVAK, 1998; MOREIRA, 1999; LEMOS, 2011a, 2011b). Os resultados indicaram
que o PRE foi uma ferramenta que favoreceu a recursividade para todos os alunos, o que pode
ser evidenciado pelas frequência de citações maior que uma (f > 01), sobre cada um dos
temas, nas narrativas de todos os alunos. Isto sugere que o PRE ofereceu oportunidade para
que eles refletissem, aplicassem e articulassem os conceitos teóricos em diferentes situações
práticas. Conforme salientado por Siqueira (2009), a importância da recursividade nesse
processo é no sentido do aluno ampliar seu entendimento sobre o tema e compreendê-lo em
níveis mais profundos de complexidade, promovendo a possibilidade do aluno mobilizar o
novo conhecimento na resolução de outros problemas e situações. Corroborando com essa
ideia, os resultados do presente trabalho sugerem que, ao elaborar seu portfólio com narrativas
recursivas, o aluno adquire melhores condições de construir um aprendizado significativo.
159
Em relação à intencionalidade em aprender, este princípio foi investigado pela
identificação, nas narrativas dos alunos, da presença simultânea dos dois indicadores
utilizados (a presença de pensamentos crítico/reflexivos e de narrativas analíticas), o que
permitiu observar que 60% dos alunos evidenciaram sua intencionalidade por meio do PRE.
Portanto, com base nos referenciais utilizados e nos resultados obtidos pelos
procedimentos metodológicos adotados, foi possível demonstrar os variados processos
recursivos em 100% dos portfólios e evidenciar, nas narrativas, a intencionalidade em
aprender em 60% dos alunos, além de observar que todos os alunos que demonstraram
intencionalidade em aprender também evidenciaram AS em variados níveis de complexidade.
Dessa forma, pode-se concluir que o PRE é uma ferramenta com potencial para facilitar o
processo de aprendizagem significativa do aluno.
A leitura dos depoimentos permitiu delinear o processo de elaboração do portfólio,
observando como se dava essa elaboração, qual o tempo destinado à atividade e referência à
reflexão nesse processo. De modo geral, os alunos enfatizaram que a atividade de elaboração
do PRE foi trabalhosa, cansativa, sendo que 60% deles declararam refletir para realizar a
tarefa.
Apesar da ênfase sobre o aspecto do trabalho e do consumo de tempo destinado à
realização da atividade, todos os alunos perceberam diversos aspectos positivos em relação ao
uso pedagógico do PRE, tais como: contribuição para a aprendizagem (60% dos alunos);
estímulo à prática reflexiva (30% dos alunos); avaliação individualizada (30% dos alunos);
organização do aprendizado (20% dos alunos); demonstração da visão do aluno sobre seu
aprendizado (10% dos alunos); melhor conhecimento do aluno pelo professor (10% dos
alunos); oportunidade para o aluno expressar seus pensamentos (10% dos alunos). Diante
disso, pode-se considerar que, nas percepções dos alunos, os benefícios pedagógicos,
justificam seu uso e superam os poucos aspectos limitantes percebidos por eles. Comparando-
se os benefícios elencados pelos alunos, com os resultados dos estudos apresentados na
revisão de literatura (capítulo 4), foi observado que houve discussão nos estudos da revisão
em relação à contribuição do PRE sobre a aprendizagem (FUNG et al, 2000; LEWIS e
BAKER, 2007; KJAER, MAAGAARD e WIED, 2006; FOULKES et al, 2011; WILCOCK,
2011; GREEN et al, 2009; DEKETELAERE et al, 2009) e ao estímulo à prática reflexiva
(DRIESSEN et al, 2007; MAKRIS et al, 2010 e WILCOCK, 2011). Entretanto, os outros
aspectos abordados pelos participantes do presente estudo não foram discutidos nos trabalhos
da revisão. Por outro lado, o uso pedagógico do PRE como ferramenta de avaliação da
aprendizagem foi investigado em diversos trabalhos da revisão e só foi apontado por um dos
160
alunos participantes, como um aspecto limitante para o uso da ferramenta, por considerar a
dificuldade de estabelecer-se critérios adequados para esse fim por meio do PRE, o que é
relevante, pois os estudos da revisão, que se propuseram a investigar esse uso do PRE,
utilizaram critérios bem definidos para serem avaliados (DORNAN et al, 2003; WILCOCK,
2011; CLAY et al, 2007; MAMELOK, 2009; RUIZ, 2009; LEWIS et al, 2010).
Em seus depoimentos todos os alunos consideraram que as TICs contribuíram nesse
processo de uso do PRE. As principais contribuições elencadas pelos alunos foram: facilidade
de comunicação (60%); armazenamento de informações e de materiais didáticos (60%),
facilidade de acesso (40%); otimização do tempo do aluno (10%). As percepções sobre a
facilidade de comunicação e de armazenamento de informações e de materiais didáticos,
constituem características da interatividade que é uma das principais contribuições das TIcs
no processo de aprendizagem. Segundo diversos autores (RUIZ et al, 2009; SILVA e SILVA,
2008; AMEM e NUNES, 2006; BRIDGE e EDDY, 2006; COSTA e FRANCO, 2005;
STRUCHINER e GIANNELLA, 2005; JONASSEN,1996; PARBOOSINGH, 1996), a
interatividade possibilita o aumento do diálogo entre os envolvidos no processo educativo, a
motivação dos alunos na busca por informações de acordo com seu nível de conhecimento,
suas necessidades e interesses, contribuindo, assim, na facilitação do processo de construção
do conhecimento pelo aluno. Em geral, os alunos consideraram que o uso das TICs facilitou o
processo de aprendizagem, sugerindo que este recurso deveria ser utilizado em outros
contextos do internato médico, sobretudo por oferecer oportunidades de interatividade e
desenvolvimento da autonomia dos alunos sobre seu próprio aprendizado. A utilização da
ferramenta Constructore (STRUCHINER, 2006) contribuiu muito nesse processo, uma vez
que os alunos declararam que ela apresentou facilidade de uso e recursos adequados ao
desenvolvimento do programa. Comparando-se os resultados encontrados com as
considerações sobre as TICS, compartilhadas pelos diversos autores referenciados, percebe-se
que o programa do internato não explorou todas as potencialidades possíveis desses recursos,
como, por exemplo, a aprendizagem colaborativa.
Pelo exposto, é possível evidenciar que o PRE, aliado à concepção pedagógica da
TAS, oferece a oportunidade ao aluno de construir um conhecimento com significado,
contribuindo, assim, para melhorar o processo educacional e para o desenvolvimento das
características estabelecidas pelas DCN para o novo perfil profissional.
Entretanto, realizando uma análise crítica do presente estudo, algumas limitações
puderam ser levantadas.
161
A análise do programa do internato pela perspectiva da TAS considerou como
subsunçores necessários para o aprendizado dos alunos os conceitos gerais estudados em
Anatomia, Farmacologia, Fisiologia, Fisiopatologia e Medicina Interna ao longo da
graduação. Porém, esses subsunçores não foram efetivamente pesquisados ou
individualizados entre os alunos, partindo-se da premissa de que todos possuíam uma mesma
base de conhecimentos, a partir do curso de graduação. Esse fato pode ser considerado uma
falha nesse processo de pesquisa, porém, poderá servir como um alerta para a importância
dessa etapa ser inserida nos planejamentos para as futuras turmas de internato. Contudo,
acredita-se que essa questão não influenciou diretamente a investigação sobre a utilização
pedagógica do PRE.
As principais limitações para o planejamento do programa voltado para a ocorrência
do processo de AS e que podem ter comprometido os resultados nesse sentido foram: o pouco
tempo destinado ao desenvolvimento do programa teórico-prático (quatro manhãs por aluno,
por semana, ao longo de oito a dez semanas); o contexto selecionado corresponder ao último
período do curso da graduação médica; a falta de familiaridade dos alunos e dos preceptores
(incluindo a pesquisadora) com a prática educacional reflexiva, com o uso do portfólio, com o
uso das TICs e com a abordagem pedagógica da TAS; a realidade do curso de graduação
médica ainda baseado no modelo tradicional de ensino, incentivando a memorização de
conteúdo; e a priorização dos alunos quanto ao concurso de residência médica, cujo modelo
de provas é configurado para atender à competição, beneficiando aos que detêm um maior
quantitativo de conhecimentos dos ―detalhes teóricos‖ sobre os que dominam a prática
médica junto aos pacientes.
Como, para aprender significativamente, é necessário que o aluno tenha a
intencionalidade de fazê-lo, uma vez que sua prioridade costuma ser a memorização dos
detalhes solicitados na prova de residência, dificilmente o aluno disponibilizará o tempo
necessário para aprender significativamente, uma vez que para isso é essencial que ele
perceba a informação que recebeu, a interprete e represente mentalmente os significados que
ele construiu. Na presente investigação, esses significados deveriam ser representados por
meio da elaboração de narrativas sobre o aprendizado e o tempo destinado a esse processo,
em geral, foi visto pelos alunos como um aspecto limitante diante da proximidade do
concurso da residência. Como pode ser exemplificado pelo seguinte depoimento de A1:
Toda essa ideia de no último ano, prova de residência, tem que ficar estudando para
fazer múltipla escolha, a gente acaba não aproveitando o que a gente poderia
aproveitar muito mais...Por falta de tempo... e, isso, eu acho que a maior perda que o
162
aluno teve nos últimos anos foi a criação de cursinhos, tudo isso... e o aluno no
último ano ter que só pensar na residência. (A1)
Esta constatação em relação ao tempo para elaboração do PRE, é abordada em alguns
estudos e particularmente por Dagley e Berrington (2005) que recomendam que esse tempo
deve ser respeitado e valorizado para o efetivo uso da ferramenta.
Apesar das limitações e dificuldades encontradas, em essência, a presente pesquisa
planejou descobrir se o PRE poderia estimular o desenvolvimento de uma prática reflexiva e
se poderia ser utilizado como uma ferramenta para facilitar e evidenciar a aprendizagem
significativa. Nesse sentido, a pesquisa conseguiu demonstrar ser possível a utilização do PRE
com essas finalidades. Além disso, foi possível identificar algumas outras contribuições do
presente trabalho.
Inicialmente, uma das contribuições desta pesquisa foi a aprendizagem significativa da
própria pesquisadora sobre as questões de ensino, de aprendizagem e sobre a ação de
pesquisar propriamente dita. Esta constatação demonstra possíveis implicações que a
apropriação de novas concepções pedagógicas pode representar para a formação de
preceptores em serviço, gerando novas abordagens de trabalho e mesmo um melhor
reconhecimento do preceptor como ―educador‖. Tais implicações são salientadas por vários
autores (BOTTI e REGO, 2008; MISSAKA e RIBEIRO, 2009; AYRES, 2004; MITRE,
2008) que discutem, por diferentes perspectivas, o papel e a importância do preceptor, diante
da necessidade de uma formação profissional mais voltada para a prática, a ética, a
comunidade e demais aspectos sociais visando a melhoria da qualidade da atenção em saúde.
Outra possível contribuição do presente trabalho é ajudar a difundir os princípios da
TAS, no contexto da educação médica, para que eles se tornem um conhecimento que possa
enriquecer o desenvolvimento de ações educacionais nesse campo. Pois, conforme salientado
por Feuerwerker (2002), é necessária uma discussão mais profunda sobre que concepções
pedagógicas devem ser adotadas pelas faculdades de medicina, para que busquem alcançar o
modelo de formação profissional defendido pelo novo paradigma para a educação médica.
No contexto do estudo, os resultados encontrados nesta investigação poderão
contribuir para orientar novos ajustes no planejamento do programa, com o objetivo de
melhorar esse processo.
Finalmente, espera-se que o compartilhamento da análise dos resultados do uso do
PRE, pela perspectiva da TAS, encoraje o uso dessa ferramenta em futuras pesquisas e que
contribua para que os profissionais ligados às atividades docentes persistam na busca por uma
163
educação de melhor qualidade e menos conservadora em outros campos de conhecimento e
níveis de ensino.
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174
APÊNDICE 1
Roteiro para entrevistas dos alunos
1- O que pensa sobre avaliação?
2- Como foram suas experiências ao longo da faculdade em relação às avaliações?
3- Já havia trabalhado com portfólio antes desse internato?
4- Qual sua opinião sobre portfólio reflexivo eletrônico como método avaliativo?
5- Quais as principais vantagens?
6- Quais as principais desvantagens?
7- Considera justo o processo de avaliação de habilidades por meio da elaboração de
portfólio?
8- Considera que a elaboração do portfólio contribuiu para aumentar seu aprendizado?
9- Como foi o seu processo de elaboração do portfólio?
10- Já havia utilizado a ferramenta Constructore e/ou outro ambiente virtual de
aprendizagem (AVA) antes desse internato?
11- Especificamente no internato em Anestesiologia qual foi sua opinião sobre a utilização
dessa ferramenta?
12- Quais as principais vantagens?
13- Quais as principais desvantagens?
14- O emprego de um AVA facilitou seu processo de aprendizagem?
15- Em relação ao estudo do programa teórico, considerou importante a utilização da
ferramenta?
16- Como foi a utilização da Constructore? Qual sua opinião sobre os recursos que ela
disponibiliza?
17- Teria alguma sugestão de mudança na utilização da ferramenta virtual?
18- Gostaria de falar algo mais?
175
APÊNDICE 2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CLEMENTINO FRAGA FILHO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O Portfólio Reflexivo Eletrônico: uma inovação na forma de avaliar habilidades no
Internato em Anestesiologia
Por meio de entrevista individual, realizada pela pesquisadora, você está sendo convidado (a)
a participar voluntariamente do projeto de pesquisa de Mestrado Acadêmico em Educação em
Ciências e Saúde, desenvolvido no Laboratório de Tecnologias Cognitivas (LTC) do Núcleo
de Tecnologia Educacional para a Saúde (NUTES) da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), intitulado “Portfólio Reflexivo Eletrônico: Uma Inovação na Avaliação de
Habilidades no Internato em Anestesiologia‖, que tem como objetivo pesquisar
qualitativamente o uso do portfólio reflexivo eletrônico, como instrumento de avaliação das
habilidades desenvolvidas durante o Internato Eletivo em Anestesiologia, do qual você
participou.
Termo de esclarecimento:
Sua participação nessa pesquisa se dará por meio de entrevista semi estruturada, que será
gravada em áudio e cujas respostas serão posteriormente transcritas e analisadas por mim e
pela minha orientadora, Profa. Miriam Struchiner, para comporem os resultados desse estudo.
O acesso e a análise dos dados coletados serão exclusivamente utilizados por mim e não será
permitido acesso a terceiros. Serão respeitadas todas as normas éticas destinadas à pesquisa
envolvendo seres humanos da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP – MS). Os
objetivos da pesquisa são estritamente acadêmicos e os dados poderão vir a ser publicados e
divulgados, mas sempre mantendo o sigilo quanto a sua identidade. Comprometo-me também
a manter a guarda de todo material pesquisado (questionários, entrevistas gravadas e
transcrições) por um período de cinco anos; após esse prazo todo o material será destruído.
Sua participação nessa pesquisa é isenta de qualquer despesa ou benefício. Os possíveis riscos
que poderão ocorrer dizem respeito a desconfortos gerados por algumas respostas
constrangedoras. A maneira de minimizar esse risco será garantindo o direito do entrevistado
em recusar-se a responder questões que considere inapropriadas ou, em caso de ocorrência de
qualquer desconforto e/ou constrangimento, garantindo a manutenção da confidencialidade
dos sujeitos da pesquisa, bem como evitando qualquer referência pessoal na análise dos
dados. Você terá direito a se manter atualizado (a) sobre os resultados parciais e finais da
pesquisa, que sejam do conhecimento da pesquisadora, e também tem o direito de retirar, a
qualquer momento, o consentimento para sua participação nessa pesquisa.
Garantia de acesso:
Em qualquer etapa do estudo, você terá acesso a mim ou à minha orientadora no endereço
Rua Prof. Rodolpho Paulo Rocco, Ed. CCS, Bloco L, sala55, subsolo, Cidade Universitária,
ou por meio dos telefones e e-mails abaixo:
-Dra. Mirian Vieira Maia (pesquisadora responsável), médica do Serviço de Anestesiologia do
HUCFF / UFRJ: telefones 25622663 e cel. 99480660, e-mail: [email protected]
-Profa. Miriam Struchiner: 25626627, e-mail: [email protected]
Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em contato com
o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/
176
HUCFF/UFRJ – R. Prof. Rodolfpho Paulo Rocco, 255 – Cidade Universitária – sala 01D-46/
andar térreo; telefone 25622480, de segunda a sexta-feira, de 08 às 15 horas ou pelo e-mail
CONSENTIMENTO
Acredito ter sido suficientemente informado (a) a respeito das informações sobre o estudo
acima citado que foram lidas por mim. Discuti com a Dra. Mirian Vieira Maia, sobre a minha
decisão em participar desse estudo. Ficaram claros para mim quais são os propósitos do
estudo, os procedimentos a serem realizados, as garantias de confidencialidade e de
esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que minha participação é isenta de
despesas e riscos. Concordo voluntariamente em participar deste estudo e poderei retirar o
meu consentimento a qualquer momento, antes ou durante o mesmo, sem penalidades ou
prejuízo ou perda de qualquer benefício que eu possa ter adquirido, no meu ensino nesta
Instituição. Autorizo que o conteúdo de minhas falas das entrevistas, dos textos dos portfólios
e de minhas participações no ambiente virtual da plataforma Constructore, sejam utilizados
nesse estudo e em futuras publicações, com a garantia de que minha identidade não será
revelada. Eu receberei uma cópia desse Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE), ficando as demais com o pesquisador responsável por essa pesquisa. Além disso,
estou ciente que eu e a pesquisadora responsável deveremos rubricar todas as folhas e assinar
a última página desse TCLE.
____________________________________________________
Nome do Sujeito da Pesquisa
____________________________________________________
Assinatura do Sujeito da Pesquisa
Data ___/___
/___
Mirian Vieira Maia
Pesquisadora Responsável
Assinatura da Pesquisadora Responsável
Data ___/___
/___
178
ANEXO 2
Portfólio da Aluna A7
Formulário 1
Vocês deverão inserir nesse formulário suas narrativas sobre o que aprenderam nesse
período (de 12/03 a 23/03) e como está ocorrendo esse aprendizado. Lembrem-se que
devem fazer uma reflexão antes da elaboração desse portfólio, de forma que selecionem
o que consideraram mais relevante nesse período, sempre fazendo articulações entre
teoria e prática. Procurem relatar suas experiências no Centro cirúrgico de uma forma
analítica e não apenas descritiva. Sejam sinceros e verdadeiros. BOAS REFLEXÕES!
1) Paciente V.A.S, 66 anos, HAS, portadora de DPOC e artrite reumatóide (em uso de
imunosupressores). No momento, internada no CTI devido a choque séptico de origem
pulmonar, complicado por EAP desenvolvido durante a internação.
Cirurgia proposta: Traqueostomia.
A paciente chegou lúcida e orientada, (PA= 120X69, SatO2= 96%, Fc= 102 bpm),apenas com
―dripping‖ de fentanil para analgesia. A traqueostomia foi indicada pelo fato de ser esperado
que a paciente ficasse dependente de ventilação mecânica por longo período, além disso,
havia uma historia de intubação difícil e tal procedimento facilitaria a extubação
posteriormente. Como a paciente já veio do CTI, não houve muitos procedimentos que
pudessem ser realizados por mim. A monitorização já veio acompanhando a paciente, além de
já haver um acesso venoso adequado para infusão de drogas e logicamente, um TOT que já
tinha sido posicionado, há 6 dias. A partir de sua chegada, foi feita indução anestésica venosa,
com midazolam e propofol, seguida por anestesia inalatória com isoflurano. Foi realizado
bolus de fentanil, depois do qual observou-se um agudamente episodio de hipotensão
(51X26), que a staff relacionou a infusão rápida do fentanil. Foi realizada infusão de efedrina
e rebaixamento da cabeceira e nova infusão de efedrina, a pressão chegou a 89X49 e assim se
manteve estável até o fim do procedimento. A traqueostomia foi realizada com sucesso, 15
minutos após a entrada do cirurgião.
Aprendizado: esse procedimento foi bom para aprender as indicações de traqueostomia em
paciente em CTI e os importantes efeitos hipotensores do fentanil, principalmente em
pacientes previamente hipertensos.
2) Paciente C.B.B, 69 anos, HAS, portador de câncer de próstata.
Cirurgia proposta: Prostatectomia radical.
Anestesia: geral
ASA II (doença sistêmica controlada por remédios). Embora a classificação dada pela
residente tenha sido essa, eu questionei. Penso que o câncer por si só, ainda que sem
metástase já torna o paciente mais grave. Segundo a classificação ASA, o paciente ASA III
seria aquele com alteração sistêmica intensa, relacionado com patologia cirúrgica ou
enfermidade sistêmica. Eu achei que essa seria a melhor cassificação para ele.
O paciente ao chegar na sala, foi posicionado na mesa e deu-se inicio a monitorização básica:
colocado o cardioscópio (por mim!), esfigmomanômetro e oxímetro de pulso. Em seguida,
realizada venóclise. Logo após, procedeu-se a realizado de posicionamento de cateter
peridural para controle da analgesia pós-operatória. O paciente foi colocado em decúbito
lateral direito, a residente posicionou o cateter e infundiu lidocaina. Depois, foi realizada a
infusão de midazolam e fentanil para indução anestésica, seguida de ventilação sob máscara
de O2 (8L/min), por alguns minutos. Nesse momento, foi iniciada tentativa de TOT que foi
bem sucedida. Porém, ao pesquisarmos ruídos em bases pulmonares percebemos que o tubo
179
estava seletiva, pois a base esquerda estava reduzida em ruído. Então a residente regrediu um
pouco o tubo, resolvendo o problema. Após intubado, foi realizada cateterização de artéria
radial para aferição de PAM. Terminado isso, foi iniciado procedimento cirúrgico. O paciente
permaneceu estável, mas eu não vi até o fim porque fui pro seminário da c.geral.
Aprendizado: Essa cirurgia foi boa porque me fez pensar sobre a classificação ASA. Comecei
também a ajudar na monitorização do paciente. A questão da PAM e suas indicações também
foi levantada. Nesse caso, o paciente era hipertenso previamente e iria
ser submetido a uma cirurgia que poderia trazer importantes repercussões hemodinâmicas. E
também teve esse evento diferente, da seletivação do tubo, seu diagnostico e conduta.
3) Aula sobre monitorização com professorX. Excelente aula na qual foi explicita a
importância de cada tipo de monitorização para o sucesso do ato anestésico e
conseqüentemente, da cirurgia.
4) Paciente 52 anos, sem doenças sistêmicas, portadora de adenocarcinoma de reto localmente
avançado.
Cirurgia proposta: Sigmoidostomia
Anestesia: geral
ASA II
Iniciamos a monitorização, após chegada da paciente à sala de cirurgia, com cardioscópio,
oxímetro de pulso e esfigmomanômetro (eu que fiz!). Depois foi efetuada a venóclise pela
residência, seguida de infusão de fentanil 200 mg+ lidocaína 80 mg+ propofol (200 + 40
mg)+ atracúrio 25 mg. Depois iniciamos ventilação sob máscara O2 8L/min (eu que fiz, com
a staff me ajudando, ai ela foi me mostrando as curvas como é que tem que ser, qual a pressão
que deve exercer, como ver se está tendo escape). Logo, após foi realizada a intubação sob
laringoscopia na 1ª tentativa (eu que fiz, novamente), fixação do tubo, proteção ocular e
passagem de sonda orogástrica (também por mim). Foi feita a infusão de hidrocortisona no
soro, pois a paciente era corticóide dependente. Iniciou-se a cirurgia. Durante o procedimento,
a residente foi me ensinando a fazer a ficha de avaliação anestésica, ver os parâmetros no
monitor e completar a ficha com os mesmos. Mais para o final da cirurgia, foi feita infusão de
dexametasona e droperidol (prevenção de náuseas e vômitos) e dipirona e cetoprofeno
(analgesia preemptiva). A staff me explicou que se faz a dexametasona com o paciente sedado
porque eles observaram que as pacientes apresentavam queixa de prurido vaginal após a
infusão da mesma. Após o termino da cirurgia, foi realizada a descuralização com atropina e
neostigmina. Fiz q extubação e retirada da sonda orogástrica. Paciente encaminhada a RPA,
eu fui junto e vi o preenchimento da ficha pós anestésica.
Aprendizado: para mim essa foi a melhor cirurgia que presenciei porque além de fazer vários
procedimentos legais, vi o preenchimento da ficha, fui perguntando da ação das drogas,
aprendi efeitos colaterais que desconhecia e principalmente, achei importante ter assistido a
cirurgia até o fim, inclusive acompanhando até a RPA.
5) Paciente H.F.L, 70 anos, sem comorbidades, portador de estenose uretral
Anestesia: raquianestesia
ASA I
Essa cirurgia demorou muito a começar devido a falta de material esterelizado. Era um
paciente idoso com queixa de estenose uretral pós procedimento de ressecção prostática via
uretral. Ao chegar na sala o paciente foi monitorizado, feita a venóclise, colocada máscara de
O2 100% 10L/min. Depois o paciente foi colocado em decúbito lateral esquerdo e realizada
anestesia raqui, com injeção de bupivacaína. Alem disso, foi feito midazolam IV, para
sedação do paciente. O paciente manteve-se homodinamicamente estável e a cirurgia
terminou com sucesso e sem intercorrencias.
6) Nos reunimos com o professor Yque falou sobre as propriedade dos anestésicos locais.
7) Com o professor Y tivemos uma atividade em uma das salas do centro cirúrgico na qual
180
aprendemos a ligar e conferir toda a máquina da anestesia, verificar os gases, os níveis de
anestésicos, testar o funcionamento da maquina, preparar a mesa com os itens para intubação.
Comentário:
A semana, apesar da pouca disponibilidade de salas apropriadas para vocês (sem R1), foi um
período que permitiu bastante aprendizado. Ao analisar o portfólio são levados em
consideração alguns elementos, tais como: demonstração de aprendizado, tipo de narrativa
(descritiva ou analítica-reflexiva), que elementos didáticos foram utilizados em seu
aprendizado, organização, poder de síntese, se há articulação entre teoria e prática, se está
havendo a prática de procedimentos básicos, relação interpessoal com os membros da equipe
anestésico-cirúrgica e as atitudes dos alunos frente às diversas situações que se apresentam na
prática diária. Pode-se observar que você foi capaz de refletir sobre como os eventos do
período ocorreram, o que representou aprendizado, demonstrou um perfil crítico ao questionar
a classificação do estado físico de um paciente, dado pelo residente da anestesia. Ë clara,
organizada e objetiva em sua narrativa, realizou alguns procedimentos propostos. Apesar de
não estar relatado, parece ter havido uma boa interação com os membros da equipe. Porém,
houve pouca articulação entre teoria e prática, possivelmente devido a pouca atividade teórica
realizada até o momento. Como forma de provocá-la na busca de aprendizado, qual foi o
objetivo do ―rebaixamento da cabeceira‖ (posição de Trendelenburg), durante o episódio de
hipotensão arterial apresentado pela primeira paciente? Qual o mecanismo de ação da efedrina
nesse episódio? O que é a descurarização? Por que usar neostigmine e atropina na
descurarização?
Você começou muito bem seu primeiro portfólio. Continue nesse caminho. Tente encontrar as
respostas para os questionamentos acima e responda no próximo portfólio. Reitero que não
existe o portfólio certo ou errado. O importante é o que está sendo aprendido enquanto ele
está sendo elaborado. Procure também informar quais anestesistas participaram dos
procedimentos descritos.
Formulário 2
Vocês deverão inserir nesse formulário suas narrativas sobre suas experiências de
aprendizado até o momento e como isto está ocorrendo. Leiam seus portfólios anteriores
e os comentários feitos por mim. Façam suas reflexões antes da elaboração desse
portfólio. É importante que façam articulações entre teoria e prática. Analisem também
os dados clínicos dos pacientes que sejam relevantes para o manejo anestésico.
1) Qual o objetivo do staff ao realizar o ―rebaixamento da cabeceira‖ (posição de
Trendelenburg‖)?
Essa manobra consiste em rebaixar a cabeceira do paciente, em decúbito dorsal, até atingir 40º
em relação ao solo. O objetivo nesse caso foi para aumentar a pressão de perfusão cerebral
com auxílio da gravidade, já que o paciente havia apresentado uma queda brusca da pressão
arterial, reduzindo, assim, a chance de hipóxia cerebral.
2) Qual o mecanismo de ação da efedrina, nesse episódio?
A efedrina é uma amina simpaticomimética, com ação em receptores alfa e beta adrenérgicos
e estimula, ainda a liberação de estoques de epinefrina para os nervos. Isso gera efeito
inotrópico positivo, cronotrópico positivo, causa vasoconstricção periférica. Esses
mecanismos causam o aumento do débito cardíaco e da pressão arterial. Dessa forma, a
efedrina é usado em momentos de hipotensão no tempo cirúrgico para elevar a pressão
arterial, prevenindo danos que a hipóxia pudesse vir a causar.
181
3) O que é descurarização e porque é usada a atropina e neostigmina?
Durante o processo de indução anestésica é optado por realizar relaxamento muscular
importante. Com esse objetivo é procedida a curarização que se utiliza de relaxantes muscular
potentes como pancurônio, vecurônio. Ao obter o relaxamento desejado, sabe-se que todos os
músculos, inclusive o diafragma irão perder o seu poder de contração. Dessa forma, nesse
momento o paciente não consegue ventilar espontaneamente e então, é realizada a intubação.
Ao fim da cirurgia, é necessário realizar o processo inverso, de descurarização, para evitar que
o paciente tardiamente volte a parar de ventilar por ação remanescente da droga na placa
motora. Para tal fim dão utilizados: neostigmina (aumenta o tempo de degradação da
acetilcolina, por inibir reversivelmente a acetilcolinesterase, dessa forma gera efeito
parassimpático pelo aumento da quantidade de acetilcolina na placa motora, estimula os
receptores muscarínicos e nicotínicos, aumentando elevando o tônus muscular e a
possibilidade de contração) e a atropina (é um antagonista muscarínico, revertendo os efeitos
parassipáticos nas terminações nervosas). Em conjunto os dois deixam o processo de
descurarização mais seguro e harmônico.
4) Paciente I.R.M, 48 anos
Essa paciente tinha sido submetida a um procedimento prévio de fasciotomia devido a uma
cirurgia de revascularização de complicou com síndrome compartimental. Após a
fasciotomia, houve complicação no pós operatório tardio com infecção do sitio cirúrgico.
Dessa forma a paciente retornou ao centro cirúrgico para ser submetida a um procedimento de
limpeza e desbridamento da ferida, sob anestesia.
ASA II
Cirurgia proposta: desbridamento cirúrgico de fasciotomia.
Anestesia proposta: anestesia geral
Ao chegar na sala, foi realizada a monitorização e venóclise. A indução foi feita com
propofol, fentanil e lidocaína. O uso do anestésico local por via endovenosa decorre da sua
capacidade de minimizar os efeitos de taquicardia e hipertensão arterial (essas atenuações
podem trazer especial benefício a pacientes com doença isquêmica coronariana), além disso
ela reduz a reatividade brônquica em pacientes asmáticos, reduz a necessidade do uso de
anestésicos no intraoperatório, reduz a resposta inflamatória sistêmica ao ato cirúrgico,
favorece a alta hospitalar precoce e aumenta o tempo de ação de bloqueadores
neuromusculares (li essas informações no artigo ―Efeitos da utilização de 2 mg/ kg de
lidocaína endovenosa na latência de duas diferentes doses de rocurônio e na resposta
hemodinâmico à intubação traqueal‖. Após a indução foi realizada a intubação orotraqueal
com máscara laríngea. O uso da máscara laríngea pode ser feito pelo fato dessa cirurgia
especificamente ser relativamente rápida, já que a essa ferramenta não deve ser preferida ao
tubo se o tempo de permanência for longo. A cirurgia seguiu sem instabilidades
hemodinâmicas ou qualquer outra intercorrência significativa. A paciente recebeu de
analgesia preemptiva dipirona e morfina via endovenosa.
5) Paciente, 60 anos
ASA III
Cirurgia proposta: Correção de aorta abdominal e a ilíaca devido a disseção aórtica.
Essa cirurgia foi bem rica em procedimentos realizados pela equipe da anestesia. Ao chegar
na sala foi realizada monitorização e venóclise. Após isso, foi realizada colocação de cateter
peridural, primeiramente em nível torácico. A tentativa foi mal sucedida e a staff explicou que
essa colocação é mais dificil pelo espaço peridural torácico ter o tamanho bastante inferior ao
espaço peridural lombar (cerca de 2X menor). Assim, o residente acabou realizando a
colocação no espaço lombar mesmo. Esqueci de ver qual o agente utilizado (vou prestar mais
atenção no próximo bloqueio para poder falar sobre o agente e o tipo de anestesia). Em
seguida, indução com fentanil e propofol e realização de intubaçao orotraquel bem sucedida
182
na primeira tentativa. Com a paciente foram realizados três procedimentos bem legais de
associar com a aula do prof X(monitorização). Foi cateterizada artéria radial direita para
pressão invasiva. E alem disso, foi puncionada veia jugular interna para infusão de drogas e
volume e colocação de cateter de Swang Ganz. Essa monitorização mais invasiva, segundo a
aula do prof. X é realizada para termos um controle mais estreito dos parâmetros
hemodinâmicos e poder corrigir qual intercorrência bem rapidamente. Até onde eu vi, a
cirurgia transcorreu sem nenhum problema, só que os anestesistas trabalharam muuuuito (rs).
6) Aula com a senhora sobre os agente halogenados. Achei ótima e essa semana vou tentar
buscar mais bibliografia sobre eles.
Comentário:
Apesar da semana não ter sido tão proveitosa em realização de procedimentos, houve um bom
aprendizado. Você apresenta boa articulação entre teoria e prática. O importante é que você
entenda tudo que é feito pelo anestesista. Não fique com dúvidas. Busque as
informações.Tente identificar a equipe de anestesistas presentes em cada procedimento para
que possamos acompanhar a interação dos colegas com vocês. Muito boa sua narrativa!
Formulário 3
Vocês deverão inserir nesse formulário suas narrativas sobre suas experiências de
aprendizado até o momento e como isto está ocorrendo. Leiam seus portfólios anteriores
e os comentários feitos por mim. Façam suas reflexões antes da elaboração desse
portfólio e percebam o que vocês consideram que precisam conhecer mais e busquem
suas respostas nas fontes que considerarem mais apropriadas. Por exemplo, todos já
tiveram Fisiologia e Farmacologia, portanto, se perceberam que algumas informações
que tiveram já foram esquecidas e são importantes para entenderem o que tem sido
observado nas atividades práticas, retornem aos seus livros não só para relembrar, mas
sim para construir seu aprendizado baseado em suas experiências reais. É importante
que façam articulações entre teoria e prática. Analisem também os dados clínicos dos
pacientes que sejam relevantes para o manejo anestésico.
1) Paciente VSC, 55 anos
ASA III (HAS e coronariopata trivascular)
Cirurgia proposta: Revascularização miocárdica
O paciente deu entrada na sala, procedeu-se a monitorização não invasiva, monitorização por
(BIS- no próximo portfólio dou uma aprofundada nesse assunto!) seguida de venóclise. Na
véspera, o paciente havia recebido 15 mg de midazolam VO (isso foi legal de ver porque
tínhamos discutido, em aula, a importância da medicação pré-anestésica, não só para
ansiólise, como também para reduzir doses de agentes anestésicos no intra-operatório,
reduzindo, assim, chances de efeitos colaterais dose-dependente dos mesmos). Outro ponto
que notei é que o AAS foi suspenso uma semana antes e, embora isso seja quase uma rotina,
eu me perguntava se esse procedimento era realmente necessários, já que o que seria pior?
Um hematoma ou uma trombose coronariana? Hoje tivemos uma aula sobre avaliação pré
anestésica, na qual o prof. X explicou justamente isso. A conduta de suspender a aspirina é
exclusivamente do cirurgião, pois sua presença no ato cirúrgico não é um empecilho para que
a anestesia aconteça. Enfim, a indução anestésica foi iniciada, com propofol, fentanil e
midazolam, bem como bloqueio neuromuscular, seguido de intubação orotraqueal. Enquanto
a residência realizava acesso arterial para posicionamento de PAM o paciente apresentou
taquicardia, quando então se lançou mão do esmolol (beta bloqueador eficaz no tratamento e
prevenção da taquicardia durante eventos cirúrgicos). Lembrando, é claro, que um paciente
coronariopata deve ter frequência bem controlada, já que a mesma aumentaria o consumo de
183
oxigênio, o que pode ser bastante comprometedor para a fibra miocárdica. A droga foi feita
três vezes. Nesse momento, eu sai da sala, pois já estava a algum tempo lá dentro e fiquei com
medo da exposição aos agentes anestésicos.
2) Paciente portadora de hepatite autoimune, que já tinha sido transplantada pela doença,
perdeu o órgão novamente.
ASA IV
Essa procedimento foi um tanto complicado de agente poder participar muito porque eles
estavam com pressa já que o órgão deve ser colocado no corpo em até 12 horas. Observamos
de longe, mas foi uma experiência legal porque os acessos profundos foram colocados
guiados por US, sendo possível perceber que isso torna o procedimento muitas mais fácil (rs)
e reduz o risco de lesões iatrogênicas. Além disso, a paciente contou com um
ecotranesofágico intracirurgico, que ficaria ali tempo o tempo cirúrgico para detectar
possíveis anormalidades cardíacas. Foi muito bom ter visto, ainda que de longe, um trabalho
mais intensivo dos anestesistas.
3) Paciente portadora de lesão intraepitelial de alto grau de colo de útero
Cirurgia proposta: conização
ASA II
Essa cirurgia foi relativamente simples. A paciente foi colocada em decúbito lateral esquerda
e procedida anestesia peridural com lidocaína. O cateter foi deixado posicionado para
analgesia pós operatória. Foi feita sedação com midazolam.
Comentário:
Em relação ao primeiro caso apresentado você demonstra aprendizado, fazendo articulação
entre teoria e prática, quanto à influência da medicação pré-anestésica sobre a diminuição da
CAM. Demonstra também crítica pertinente em relação à necessidade de se suspender ou não
o AAS antes da cirurgia. Em relação a esse ponto (uso de AAS antes da cirurgia), saberia
explicar que tipo de influência poderia haver sobre a conduta anestésica a ser adotada, caso o
paciente tivesse que ser submetido, por exemplo, a uma cirurgia ortopédica de membro
inferior?
Você não tem conseguido realizar procedimentos? Sei que com a redução no número de salas
tem sido difícil oportunidade para que vocês realizem procedimentos, porém sempre tem uma
ou duas salas sem R1. Os anestesistas não estão permitindo? Você não tem identificado as
equipes de anestesistas em seus portfólios
Na avaliação dos portfólios que fizemos na quinta (6/4) solicitei que vocês procurassem
avaliar os pacientes previamente (fazer uma anamnese dirigida), tentando identificar, por
vocês mesmos, dados pré-operatórios (clínicos, laboratoriais, uso de drogas...) que fossem
relevantes para o manejo anestésico. Esse exercício irá fazer com que vocês possam avaliar
clinicamente o perfil de cada paciente e articular com o que vocês já vivenciaram e pensar
sobre os cuidados e condutas que estão observando na prática. Isso permitirá que vocês
ampliem seus aprendizados.
Formulário 4
Vocês deverão inserir nesse formulário suas experiências de aprendizado até o momento
e como isto está ocorrendo. Reflitam sobre os dados clínicos pré-operatórios, medicações
em uso, observações sobre as condutas anestésicas observadas, intercorrências
ocorridas. Façam uma avaliação global de todos esses elementos,observem eventuais
lacunas no aprendizado de cada um, busquem as respostas nas diversas fontes teóricas
que dispõem e façam suas narrativas evidenciando o que efetivamente aprenderam até
184
aqui. Citem que fontes teóricas utilizaram para auxiliar na construção dos novos
conhecimentos adquiridos. Encarem esse momento não como uma obrigação apenas,
mas como uma oportunidade real de aprendizado para suas vivências profissionais
futuras.
1) Monitorização Biespectral (BIS): Consiste em um tipo de monitorização não invasiva, que
analisa através do eletroencefalograma a atividade cerebral, correlacionando com o nível de
consciência. Dessa forma, é possível analisar de maneira mais segura se a quantidade de
anestésico está sendo suficiente para manter desejado plano anestésico. Tem como vantagens:
reduzir memória sobre eventos intra-operatórios, reduzir necessidade de hipnóticos, despertar
mais rápido após a cirurgia, recuperação mais rápida, diminuir risco de doses excessivas e
qualificação mais rápida para alta da RPA.
2) Paciente, 83 anos, portador de HAS controlada e adenocarcinoma gástrico.
Cirurgia proposta: gastrectomia subtotal
ASA III
O paciente chegou ao centro cirúrgico e foram colocadas monitorização e linha venosa. Logo
após, posicionado o cateter peridural. Iniciada indução com midazolam e fetanil, associado a
prevenção de êmese com dexametasona. Além disso, relaxamento muscular. Feita IOT.
Colocado cateter arterial para PAM. Durante a cirurgia, observou-se aumento considerável da
pressão arterial. A staff pensou dever-se a dor, então foi feita nova infusão de anestésico pelo
cateter peridural e aumento da quantidade de agente inalatório e aumento da dose de propofol.
Cabe lembrar que esses esforços foram feitos de maneira escalonada até ser obtivo um valor
de PA mais desejável. Achei muito interessante essa cirurgia pois pude perceber como é
possível reduzir um altíssimo valor de PA apenas reduzindo a dor do paciente e se utilizando
dos próprios ―efeitos colaterais‖ dos agentes anestésicos, sem precisar lançar mais de agentes
hipotensores propriamente ditos. Um tempo após esses esforços, no sentido de reduzir a PA, a
mesma caiu de maneira importante. Deveu-se tal fato, provavelmente, segundo a staff, pelo
efeito da analgesia peridural no controle da dor. Nesse momento, optou-se pelo uso da
efedrina para novo controle pressórico. A partir daí o paciente manteve-se
hemodinamicamente estável. Nessa cirurgia, foi usado o colóide no lugar de cristalóide,
perguntei ao residente se tinha um motivo especifico e ele me explicou que na verdade, tanto
faz, porem o colóide tem um efeito um pouco mais permanente dentro do vaso, mantendo o
volume intravascular por mais tempo. Dei uma olhada no prontuário e observei que foram
solicitados como pré operatórios Rx de tórax, ECO e teste de esforço. Achei interessante
observar isso porque durante essa semana tivemos aula com professor Leonel sobre quais
exames pré operatórios devemos pedir e qual a sua importância, dependendo da cirurgia. Esse
paciente, por se tratar de um paciente idoso, com possibilidade de evento isquêmico agudo,
era importante avaliar antes se ele agüentaria a carga hemodinâmica dessa cirurgia.
3) Paciente 60 anos, portadora de câncer de mama, sem mais comorbidades.
Cirurgia proposta: ressecção da mama.
ASA III
A paciente chega a sala, é realizada monitorização mais venóclise. Começa a indução
anestésica com fentanil e propofol. Realizada a IOT. Iniciado agente inalatório. Durante essa
cirurgia a paciente manteve-se hemodinamicamente estável e a mesma trancorreu sem
problemas.
4) Aula com professor Y sobre agentes anti-eméticos.
185
5) Aula com professor X sobre exames pré-operatórios.
Comentário:
Continua sem realizar procedimentos?
Em relação à sua observação sobre a necessidade de uma boa avaliação pré-operatória
articulada com a proposta cirúrgica, o que você observou especificamente nesse caso? Como
estavam os resultados dos exames daquele paciente? Mostravam que ele ―agüentaria a carga
hemodinâmica dessa cirurgia‖?
Formulário 5
Procurem relatar nesse portfólio considerações sobre a percepção de vocês em relação
ao manejo anestésico que deveria ser adotado para cada paciente, baseado nos dados
pré-anestésicos e com o que já aprenderam até aqui.Comparem com o que foi realizado
em sala e discutam sobre as possíveis diferenças observadas e porque ocorreram.
Tentem se ver como um clínico, com conhecimento em Anestesiologia,que está avaliando
um paciente para cirurgia e que depois acompanha esse mesmo paciente no per-
operatório. O que ocorreu era o que vocês esperavam? O que foi diferente? Por quê foi
diferente? Façam suas reflexões e críticas!
1) Paciente 77a, hipertensa (não faz tratamento), portadora de Ca de canal anal. ASA 3.
Cirurgia proposta sigmoidostomia. Encontrava-se hipertensa ao inicio da cirurgia, com
normalização após indução com fentanil, lidocaína, propofol. Usado rocurônio para
relaxamento muscular e isoflurano para manutenção em plano anestésico. A medicação
antiemética foi dexametasona e droperidol. Analgesia preemptiva com dipirona. Apesar de ser
uma paciente bastante idosa e já debilitada pela doença consuptiva, a cirurgia correu sem
intercorrências importantes.
2) Paciente 38ª, sem comorbidades, portador de fistula de canal anal. ASA 1. Cirurgia para
correção da fistulas (fistulectomia). Nesse paciente foi realizado bloqueio (raquianestesia,
com uso de bupivacaina). Foi feita clonidina como adjuvante. O midazolam foi usado para
conferir ansiolise e maior conforto ao paciente, durante a cirurgia. Questionei ao residente o
porque de não ter sido feita anestesia peridural com manutenção de caterer para analgesia
posterior. O mesmo explicou que o paciente teria alta brevemente por ser uma cirurgia
simples e que, portanto, manter o cateter atrasaria sua alta. Também perguntei o porquê de
não colocar morfina na raquianestesia. Foi explicado que a morfina demandaria colocação de
sonda vesical e que isso retardaria a recuperação.
3) Paciente 50 a, diabetes e HAS compensadas. ASA 2. Cirurgia de extração de cisto de
mandíbula. Essa cirurgia foi no mesmo anestésico que as demais com anestesia geral, de
interessante nela que eu pude acompanhar foi a tentativa de intubação nasotraqueal com
auxilio de laringoscópio equipado com uma câmera. Essa ferramenta facilita bastante a
intubação orotraqueal, pois facilita a visualização da glote. Porém, não foram bem sucedidos
ao tentar fazer a intubação nasotraqueal, pois ficou dificil mobilizar o tubo e coloca-lo na
traquéia sem visualização direta. O resto da cirurgia transcorreu sem problemas.
4) Paciente 24ª, sem comorbidades. ASA 1. Retirada de cisto de maxila . A cirurgia também
transcorreu sem problemas, sendo que essa intubação pode ser orotraqueal mesmo. Eu que fiz
a venóclise.
5) Paciente 71a, DPOC e doença arterial. ASA 3. Cirurgia de by pass poplíteo. Indução
186
anestésica transcorreu sem problemas. Foi colocada uma PAM no paciente. O procedimento
ocorreu sem que o paciente apresentasse repercussões hemodinâmicas significativas.
6) Aula de Ressuscitação cardiopulmonar.
Obs: Professora, achei que o padrão do portfolio dessa semana fosse semelhante aos que fiz
anteriormente. Só depois que digitei tudo no word é que vi. Na semana que vem eu faço com
esse novo padrão. Desculpe.
Formulário 9
1-Procurem relatar nesse portfólio considerações sobre a percepção de vocês em relação
ao manejo anestésico que deveria ser adotado para cada paciente, baseado nos dados
pré-anestésicos e com o que já aprenderam até aqui.Comparem com o que foi realizado
em sala e discutam sobre as possíveis diferenças observadas e porque ocorreram.
Tentem se ver como um clínico, com conhecimento em Anestesiologia,que está avaliando
um paciente para cirurgia e que depois acompanha esse mesmo paciente no per-
operatório. O que ocorreu era o que vocês esperavam? O que foi diferente? Por quê foi
diferente? Façam suas reflexões e críticas! Não esqueçam de relatar as experiências
dessa semana e da anterior.
1) Paciente 15 anos, ASA 1E. Apendicectomia de urgência. Essa cirurgia foi legal porque o
acesso venoso não foi fácil de obter, então o anestesista acabou pegando a veia jugular
externa. Além disso, quem fez todo o processo de pré oxigenação e intubação orotraqueal
fui eu, então foi bem válido.
2) Paciente 70 anos, ASA 3. Desbridamento de ferida. Essa cirurgia foi bastante legal
porque quem fez a raquianestesia fui eu. Orientada pelo professorY, realizei a assepsia e
depois a raquianestesia.
3) Paciente 50 anos, ASA 2. Essa cirurgia a intubação foi realizada com a técnica de
intubação com paciente acordado. A princípio a indicação foi a prevenção de
broncoaspiração. Porém após a intubação percebemos que a região cervical do paciente
―flutuava‖. Não havia relato na história de espondilite aquilosante, mas essa parecia ser
uma comorbidade do paciente e ter feito a intubação acordado acabou sendo ótimo,
porque a via aérea dele já era difícil. Fiz uma punção arterial para colheta de gasometria
arterial.
4) Paciente 59 anos, ASA 2. Colecistectomia eletiva. Cirurgia trascorreu sem grande
complicações.
5) Paciente 55 anos, ASA 2. Ressecção de cisto de maxila. Intubação orotraqueal.
Cirurgia sem intercorrências.
6) Paciente 26 anos, ASA 1. Fratura de rádio. Essa cirurgia achei interessante pois foi
feito um bloqueio de plexo braquial, que eu ainda não tinha visto.
7) Paciente 66 anos, ASA 3. Derivação biliodigestiva. Eu que intubei esse paciente,
porém não pude assisti-la até o fim porque havia algum compromisso na cirurgia geral.
187
ANEXO 3
Entrevista com aluna A5, em 09-11-11
P: Queria saber, você já decidiu mesmo pela anestesia. Sem dúvida? Aí queria que você me
relatasse como é que foi essa sua escolha pela especialidade.
A5: Medicina foi uma coisa que eu sempre quis. Desde que eu me entendo por gente, eu
sempre quis medicina. Meus pais são médicos. Minha mãe e meu pai são médicos. Meu pai é
cirurgião e minha mãe é anestesista. Então eu sempre fiquei nesse meio. Só que entre cirurgia
e anestesia, eu entrei na faculdade sem saber o que eu gostava mais. Aí eu entrei na faculdade
e durante a faculdade acabei me envolvendo com a anestesia no sentido de fazer PINC no
ambulatório de anestesia, fazer eletiva de dor, clínica de dor e essas coisas. E aí acabou que
durante a faculdade vendo, me envolvendo com essas coisas, decidi por anestesia. E como eu
já conhecia o ambiente por causa da minha mãe, aí pesou mais anestesia, por isso que eu
decidi.
P: Legal. E assim, ao longo da sua faculdade aqui, em relação a todas as disciplinas por que
você passou, como é que você vê a questão avaliação. Das avaliações, provas...
A5: No ciclo básico que eu acho que é tudo muito aquele jeito de colégio. Tem as aulas
teóricas, tem a provinha e só. Não acho que seja uma forma de avaliar justa ou pelo menos
não espelha exatamente nem o que o professor ensina e muito menos o que o aluno aprende,
porque são só aquelas provinhas ou múltipla escolha ou discursivas e que não avaliam tanto.
Já quando começa o ciclo profissional da faculdade, a minha turma em si teve vários
problemas durante a faculdade porque não tivemos muitas provas práticas. Em vários
momentos em que normalmente as turmas têm provas práticas, minha turma não teve por
problemas estruturais do hospital. Sempre tinha algum problema e a gente não tinha prova
prática. Então acabou que no ciclo profissional a nossa avaliação também se baseou muito em
provas teóricas. E no ciclo profissional mais ainda, prova em múltipla escolha e nesse sentido
aquelas provinhas bem simplificadas, que eu também acho que não seja a melhor forma de
avaliar. Durante o internato, no internato de clínica, também é só prova, e cirurgia também só
prova. Aí no internato de ginecologia teve uma avaliação no estilo portfólio, que a gente teve
a oportunidade de usar esse estilo, que eu acho que é válido. E nos outros internatos é tudo
igual, é só prova teórica, mas discursiva, o que eu acho que é melhor.
P: Então você falou que já tinha trabalhado com portfólio na ginecologia. Assim, comparando
com o que a gente fez aqui, tem diferença? Como é que era isso?
A5: Tem diferença, mas eles são bem parecidos. A única diferença é que lá eles pediam pra
gente dar um embasamento mais teórico e aqui a gente fez um embasamento mais reflexivo,
apesar de também ser cobrado um embasamento teórico, o que é muito válido. Eu acho que a
única diferença é basicamente essa. Lá ele não cobrava muito essa reflexão. Era só pegar e
escrever o caso e descrever a teoria. A gente não pensava muito sobre aquilo, só pegava o
caso, via na teoria e transportava. Aqui teve a oportunidade de a gente descrever as coisas que
a gente pensava sobre o assunto. Porque lá, não. Apesar de você pensar, porque na hora de
escrever, mal ou bem, você tem que pensar, aqui a gente pôde mostrar isso. Essa análise
reflexiva sobre os casos.
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P: E qual a sua opinião sobre usar esse instrumento do portfólio com reflexão para avaliar?
A5: Acho bem válido. Primeiro porque você percebe exatamente quais alunos estiveram
presentes nas atividades e quais não estiveram. Quais alunos estiveram prestando atenção no
que estava acontecendo e quais não estavam. Aqueles que precisam de mais apoio pra
aprender alguma coisa e quais não precisam. Então acho que dá pra ter uma avaliação mais
individualizada de cada aluno. Acho que é um método muito útil para isso. E além do mais
exige que o aluno corra atrás das informações teóricas sobre aqueles assuntos. Porque não
adianta nada a gente ver aquilo na prática e ficar com as dúvidas e nada levar a gente a
procurar na teoria o porquê daquilo. Eu acho que o portfólio acaba sendo um instrumento que
ajuda a gente a fazer isso. Obrigar a gente a fazer isso. Porque a gente pra escrever tem que ter
um embasamento teórico, a gente acaba tendo que procurar aquelas informações. Então acho
que é um método válido.
P: Então, assim, as vantagens você já falou. Agora o que você vê de desvantagem no
portfólio?
A5: No portfólio em relação aos outros? Em relação aos outros métodos?
P: Não, em relação ao portfólio em si. Você acha alguma desvantagem em ter que fazer o
portfólio?
A5: Não. Na parte dos alunos fica mais trabalhoso. Mal ou bem a gente perde muito mais
tempo fazendo isso do que fazendo só uma provinha. Mas, para o avaliador, a desvantagem
seria não direcionar as perguntas. Quando você me avalia por portfólio, eu estou te mostrando
o que aprendi. Você não está me perguntando o que você quer que eu aprenda. Então eu acho
que as duas coisas de repente têm que ser combinadas. Tem que ter uma avaliação teórica
para isso, para o professor perguntar exatamente aquilo que ele quer saber. E um portfólio
para abrir ao aluno uma oportunidade de refletir sobre as dúvidas dele, de correr atrás das
informações.
P: Em relação a você, como era esse processo de elaborar o portfólio? Como é que você
fazia? Você tinha uma rotina?
A5: Na verdade todo dia eu escrevia os casos do centro cirúrgico. Eu escrevia resumidamente
numa folha. Eu descrevia os casos e o que eu tinha pensado, mas de forma resumida. Todo dia
para não esquecer. E num determinado dia da semana, na quinta-feira, que foi o dia que eu
determinei para fazer isso, eu sentava e desenvolvia cada caso e ia desenvolvendo as reflexões
e as bases teóricas... Enfim, todos os dias eu fazia uma coisa resumida para eu não esquecer e
num dia eu desenvolvia cada um dos itens. Era basicamente isso o que eu fazia.
P: Eu percebi que o seu portfólio sempre foi muito dentro do que a gente esperava desde o
início. Todos se queixaram que depois de muito tempo foram ver que tinha comentários. Você
também não viu esses comentários desde o início?
A5: Eu não vi os comentários desde o início. Eu vi só depois também. O que me chamou a
atenção foi quando você postou dos comentários é que a gente foi procurar realmente. Mas eu
não sei. Eu fazia naquele estilo e acho que mantive o mesmo estilo sempre. Depois que eu vi
nas correções que era aquilo que você queria mesmo, aí eu mantive.
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P: E em relação a trabalhar num ambiente à distância, o Constructore, você já tinha feito isso
ao longo da faculdade? Alguma disciplina usou esse recurso, uma ferramenta virtual para
ajudar na aprendizagem?
A5: É, na ginecologia eles têm uma coisa no Constructore. Mas aquilo não é utilizado com a
frequência que a gente utilizou. A questão do fórum... tudo isso era mais um veículo para
vincular a questão dos artigos, um ou outro texto que eles queriam que a gente lesse. E até o
próprio portfólio era feito por e-mail mesmo. Não era feito pela ferramenta. Só usei de fato
todas as ferramentas aqui, no internato de vocês.
P: E o que você achou do uso de uma ferramenta virtual para ajudar nesse processo de
aprendizagem?
A5: Acho válido. Acho válido por isso, pela questão dos textos, que fica muito mais fácil de
vocês vincularem para a gente. Disponibilizar pela Internet os textos que a gente tem que ler.
E a questão do fórum, que apesar de a gente ter ficado muito no início, deu para ter uma ideia
de que funciona. A única coisa que limita um pouco esse tipo de coisa é a questão do tempo
de acesso, porque cada um entra num tempo diferente então acaba que a discussão fica
fragmentada. É diferente de você sentar numa sala e discutir todo mundo junto, sabe? Fica um
pouco fragmentado. Mas eu acho que é válido. Assim, eu não acho que educação à distância
seja solução para nada, mas eu acho que complementa. Como complemento eu acho válido.
P: É uma forma de você poder até se comunicar com o seu preceptor a toda hora. É à
distância, mas aproxima. Às vezes você só ia poder falar comigo na outra semana...
A5: É, facilita muito nesse sentido, até para tirar dúvidas.
P: E você achou difícil manipular o Constructore?
A5: Não, bem fácil. É tudo bem auto-explicativo lá. Não achei difícil não. A ferramenta é
rápida, as coisas são acessadas de forma rápida.
P: De alguma forma você achou que esse ambiente virtual ajudou no seu processo de
aprendizagem?
A5: Ajudou. Acho que sim. Primeiro, só o fato de a gente ter feito os portfólios já ajudava.
Me ajudou com certeza, porque eu fui buscar as informações de muita coisa que eu não tinha.
E segundo foram os textos que vocês colocaram para a gente ler através do virtual. Acho que
ajudou sim, sem dúvida.
P: Então você já acabou de responder o que a gente quer saber em relação ao programa
teórico. Você também acha que ajudou, né?
A5: É, ajudou também. Porque mal ou bem é mais uma fonte de teoria que a gente tem.
P: Você teria alguma sugestão a dar em relação à ferramenta? Alguma dificuldade que você
tenha tido?
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A5: Acho que, coisas a mais, eu não senti falta de nada não. Acho que de repente deixar o
fórum melhor. Acho que a única coisa que poderia ser feita melhor é isso mesmo. Os
portfólios eu achei perfeitos, nada a mudar. Só o fórum que podia ser mais dinâmico.
P: Em relação ao internato em si, o que você achou? Uma avaliação global.
A5: Em termos de parte práticas, apesar dos pesares, de a gente ter passado pelo fechamento e
tudo isso, eu acho que foi bom. Porque mal ou bem eu consegui fazer o que eu achava que eu
iria, que estava dentro das minhas possibilidades de fazer dentro de um centro cirúrgico que
tem um monte de gente, em que a concorrência é grande. Mas eu acho que foi bom. Eu
sempre tive os preceptores do meu lado, os residentes sempre me ajudaram. Toda vez que eu
tinha alguma dúvida eles se mostravam sempre disponíveis para responder. Então eu acho que
a parte prática não tenha ficado devendo em nada, não. Na parte teórica eu acho que a gente
conseguiu discutir bastantes coisas, a gente teve algumas aulas muito boas. Acho que poderia
ter tido mais, com certeza. Aulas de todos os temas que no início a gente tinha se proposto a
ver e acabou que não teve todas. Mas foram problemas estruturais mesmo, não de
coordenação. Acho que a ideia da coordenação está muito bem feita. Acho que se
conseguirem colocar em prática tudo o que está sendo pensado, acho que funciona muito bem.
É um internato muito bom.
P: E em relação para a próxima turma que vem, você acha que a gente deveria modificar mais
alguma coisa além dessas que você já colocou, tentar organizar melhor a parte teórica e o
fórum também?
A5: Acho que não. Acho que o modelo é bom. Acho que o modelo está bem colocado.