miolo coleção pibid volume 05 cs 6.indd 1 08/03/2016 16:03:17 · guilherme do val toledo prado...

120

Upload: lenhan

Post on 08-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 1 08/03/2016 16:03:17

CONSELHO EDITORIAL - EDIÇÕES LEITURA CRÍTICA

Ezequiel Theodoro da Silva (Coordenador), Universidade Estadual de Campinas. Carlos Humberto Alves Corrêa, Universidade Federal do Amazonas. Carolina Cuesta, Universidade Nacional de La Plata - Ar-gentina. Juan Daniel Ramirez Garrido, Universidade Pablo de Olavide - Espanha. Regina Zilberman, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rodney Zorzo Eloy, Universidade Paulista. Rubens Queiroz de

Almeida, Centro de Computação da UNICAMP.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 2 08/03/2016 16:03:17

Elaine Prodócimo Guilherme do Val Toledo Prado

Eliana Ayoub(Organizadores)

Coleção: Formação Docente em Diálogo

Volume 5PIBID-UNICAMP

Conhecimentos e saberes produzidos na

práxis educativa

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 3 08/03/2016 16:03:17

Copyright © 2016

Gildenir Carolino Santos (Bibliotecário)

200 exemplares

Formação docente em diálogo – v.5

Edições Leitura Crítica Rua Carlos Guimarães, 150 - Cambuí 13024-200 Campinas – SP E-mail: [email protected]

Catalogação na Publicação (CIP) elaborada por Gildenir Carolino Santos – CRB-8ª/5447

Impresso no Brasil 1ª edição – Fevereiro - 2016 ISBN: 978-85-64440-35-7

Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto n.º 1.825 de 20 de dezembro de 1907. Todos os direitos para a língua portuguesa reservados para o autor. Nenhuma parte da publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer meio, seja eletrônico, mecânico, de fotocópia, de gravação, ou outros, sem prévia autorização por escrito do Autor. O código penal brasileiro determina, no artigo 184: “Dos crimes contra a propriedade intelectual: violação do direito autoral – art. 184; Violar direito autoral: pena – detenção de três meses a um ano, ou multa. 1º Se a violação consistir na reprodução por qualquer meio da obra intelectual, no todo ou em parte para fins de comércio, sem autorização expressa do autor ou de quem o represente, ou consistir na reprodução de fonograma ou videograma, sem autorização do produtor ou de quem o represente: pena – reclusão de um a quatro anos e multa. Todos direitos reservados e protegidos por lei.

Proibida a reprodução total ou parcial da obra de acordo com a Lei 9.610/98.

DIREITOS RESERVADOS PARA LÍNGUA PORTUGUESA: Edições Leitura Crítica www.lercritica.com

Fone: (19) 98114-8940 - Campinas, SP - Brasil E-mail: [email protected]

C76 Conhecimentos e saberes produzidos na práxis educativa / Eliaine Prodócimo, Guilherme do Val Toledo Prado, Eliana Ayoub (orga- nizadores). - Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2016. 105 p. (Coleção formação docente em diálogo; v.5) ISBN: 978-85-64440-35-7 PIBID-UNICAMP 1. Formação de professores. 2. Saberes docentes. 3. Práxis pe- dagógica. 4. Teoria do conhecimento. 5. PIBID. I. Prodócimo, Elaine. II. Prado, Guilherme do Val Toledo. III. Ayoub, Eliana. IV. Série.

16-001 20a CDD – 370.71

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 4 08/03/2016 16:03:17

Agradecimentos

Ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

À Reitoria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e à Pró--Reitoria de Graduação (PRG), na pessoa do Prof. Dr. Luis Alberto Magna, Pró-Reitor de Graduação.

Ao Prof. Dr. Clecio dos Santos Bunzen Júnior, da Universidade Federal de Pernambuco, que prontamente aceitou prefaciar este livro.

À equipe administrativo-acadêmica, da Comissão Permanente de For-mação de Professores, representada por Marinez Bonillo e José Adailton de Oliveira, da Comissão Central Graduação da PRG e das unidades participantes do PIBID.

Aos coordenadores de área, supervisores e bolsistas de iniciação à do-cência do PIBID-Unicamp.

Às escolas participantes do PIBID-Unicamp, sua equipe de gestão, pro-fessores, estudantes e funcionários.

Aos docentes, coordenadores e diretores dos Cursos de Formação de Professores da Unicamp.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 5 08/03/2016 16:03:17

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 6 08/03/2016 16:03:17

Sumário

Prefácio - Currículos e práticas pedagógicas: uma visão de “caleidoscópios” .................................................................................................9

Clecio dos Santos Bunzen Júnior

Apresentação ..........................................................................................................13Elaine Prodócimo, Guilherme do Val Toledo Prado e Eliana Ayoub

Capítulo 1 - O currículo para o ensino de História em questão .....................17Josianne Francia Cerasoli, Néri de Barros Almeida, Lúcia Lopes da Silva,Rodolfo Cesar Mendes de Almeida e Sérgio Abreu Oliveira Junior

Capítulo 2 - Oficinas geográficas: práticas de sustentabilidade e educação ambiental “consumo, lixo e tratamento de resíduos” .....................39

Rafael Straforini, Mariana Lima Loterio, Jéssica Gomes de Jesus, Victor HugoPaiva de Oliveira e Vasco Magano Marques da Costa

Capítulo 3 - O ensino da Dança no PIBID-Unicamp: rede estendida de formações e transformações .................................................55

Marisa Martins Lambert

Capítulo 4 - Projetos de letramento, sequências didáticas e ensino de gêneros no PIBID Letras Unicamp: lógica das práticas e formação de professores ...................................................73

Márcia Mendonça

Capítulo 5 - Reflexão como caminho para repensar a educação de Filosofia ............................................................................................91

Bárbara Thaís Abreu dos Santos

Capítulo 6 - PIBID-Unicamp: impactos na formação docente no contexto de uma proposta interdisciplinar ................................................101

Elaine Prodócimo e Eliana Ayoub

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 7 20/03/2016 11:03:20

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 8 08/03/2016 16:03:17

9

PrefácioCurrículos e práticas pedagógicas:

uma visão de “caleidoscópios”

O vocábulo “caleidoscópio” é formado por palavras gregas que apontam para os movimentos de contemplação, de formação de imagens e de obser-vação. Ele nomeia um aparelho óptico através do qual o usuário é capaz de formar combinações variadas e diferentes efeitos visuais. Ao conversar com alunos em formação inicial ou professores em atuação nas escolas públicas brasileiras, procuro sempre lembrar-me do “caleidoscópio” e das múltiplas formas de combinação. Utilizo-me de tal metáfora para evitar as generalizações e fixidez e afastar-me das perspectivas que não conseguem compreender o mo-vimento rico e cotidiano das práticas culturais escolares. Ao mesmo tempo, ao contemplar o currículo dos cursos de licenciatura no cenário brasileiro, noto que há um discurso que vislumbra compreender a complexidade da prática pedagógica (concepções sociológicas, psicológicas, didáticas; objetos de ensino e de aprendizagem; materiais didáticos; tempos e espaços, avaliação; relações de ensino; currículos, gestão democrática e participativa), mas os diferentes efeitos visuais, cores, hibridismos e figuras “teórico-metodológicas” que são fabricados pelos professores em seu trabalho docente são transformados em uma imagem rígida. Ou seja, em um “arco-íris imóvel”.

O PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – constitui, nos últimos anos, um espaço-tempo em que os aprendizes das diversas licenciaturas podem refletir de forma sistemática e com diferentes lentes sobre as práticas pedagógicas e os currículos praticados, fortalecendo a relação entre as escolas públicas e as universidades. Historicamente, tal relação é bastante frágil, uma vez que os estágios supervisionados ainda não conseguiram uma

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 9 08/03/2016 16:03:17

10

articulação bem sucedida com os cursos de licenciatura. Os estágios geralmente fazem parte de momentos pontuais e são oferecidos no final dos cursos, de forma fragmentada e por poucos professores universitários. Vivenciei e escuto vários relatos de como o PIBID (de uma forma geral) tem modificado o ethos do professor em formação, uma vez que o seu discurso, o seu ponto de vista e a sua forma de apreciação do próprio curso de graduação e da realidade escolar se alteram no intuito de conseguir compreender facetas da prática pedagógica, negligenciadas por muitos projetos de cursos de licenciatura nas mais diversas áreas e contextos geopolíticos. Se tal percepção é importante, ela também é preocupante. Algo que deveria ser comum em cursos de formação de profes-sores torna-se constitutivo apenas da minoria que investe na luta política por uma formação de qualidade.

Ao ler os capítulos que compõem o volume PIBID-Unicamp: conheci-mentos e saberes produzidos na práxis educativa, percebi como as ações do PIBID-Unicamp precisam ser divulgadas e refletidas no intuito de vislumbrar--mos possibilidades de criar cursos e programas para as licenciaturas que não se ancorem nas bases de uma formação inicial que possua, implicitamente, um curso de “bacharelado” (em Física, Química, Biologia, Matemática, Letras, Filosofia, Artes, etc.) como medula espinhal de cursos de “licenciatura”. O PI-BID traz uma agenda contemporânea para pensarmos coletivamente questões da prática pedagógica, que precisam de alguma forma ser contempladas nos cursos de formação inicial. Destaco aqui dois aspectos centrais: (i) as escolhas curriculares das escolas de ensino fundamental e médio; (ii) construção de projetos didáticos autorais (BUNZEN, 2009)1 por professores da educação básica, bolsistas do PIBID e professores universitários.

As escolhas curriculares locais e globais impactam de alguma forma a construção dos projetos didáticos autorais, assim como a escolha dos ma-teriais didáticos e das formas de organização do trabalho pedagógico (aulas sequenciadas, projetos, sequências didáticas, oficinas). As avaliações oficiais do Estado (SARESP, por exemplo) ou exames nacionais (como o ENEM) impac-tam também os modos de fazer e de fabricar o cotidiano escolar. Como lidar com as estratégias dos sistemas de ensino? Como compreender, no sentido de Certeau (1994)2, as táticas dos professores e as artes do fazer dos bolsistas no cotidiano escolar durante os diferentes dias letivos, com a diversidade

1 BUNZEN, Clecio. Dinâmicas discursivas na aula de português: os usos do livro didático e projetos didáticos autorais. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.

2 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1, artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 10 08/03/2016 16:03:17

11

de sujeitos e de modos/formas de aprendizagem e de apropriação dos mais diversos conhecimentos e saberes? Os materiais didáticos produzidos pelas editoras no âmbito do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) ou pelo próprio Estado (como os Cadernos do Aluno e do Professor do Estado de SP) dão conta de tal complexidade? O que nos dizem os alunos em formação sobre suas experiências nas escolas públicas?

O planejamento do trabalho docente e da organização curricular tam-bém é uma problemática que perpassa todos os artigos do livro, visto que tal discussão implica pensar as identidades das disciplinas curriculares, o tempo destinado a cada uma, as formas de diálogo e as tensões. A possibilidade de trabalho interdisciplinar e o envolvimento dos alunos e da comunidade nas práticas pedagógicas pontuam ainda o caráter dinâmico e móvel da construção de conhecimentos na esfera escolar. Os artigos apresentam narrativas desse rico movimento de apropriação de conceitos, procedimentos e atitudes em um trabalho de parceria, tecido por redes que indiciam uma discussão reflexiva sobre a ação docente e sobre a aprendizagem dos alunos da escola pública.

As escolhas curriculares, das metodologias de ensino e dos recursos didá-ticos não são neutras. Desta forma, os cadernos, as oficinas, os vídeos, os livros de literatura, materiais produzidos e/ou escolhidos pelos docentes e os textos verbo-visuais dos aprendizes demonstram uma teia da trama que perpassa os projetos didáticos de todos os agentes envolvidos no PIBID. A eleição da produção de um mapa, da utilização de determinado texto, de determinados movimentos corporais, das temáticas contextualizadoras nas diferentes disci-plinas escolares ou da produção de uma revista de divulgação científica indicam como as práticas pedagógicas ancoram-se em diferentes teorias e concepções. Os artigos chamam atenção para uma faceta importante: como lidar com o processo de aprendizagem dos alunos da educação básica. Discute-se muito sobre “como ensinar” (em um tom geralmente de prescrição) e critica-se os modos escolares de produção do conhecimento, mas torna-se cada vez mais difícil pontuar de forma aprofundada reflexões sobre o protagonismo das crianças e dos jovens, seus modos de aprendizagem e de se relacionar com os saberes escolares. Ao discutir tais aspectos, os artigos dessa coletânea conse-guem manter um equilíbrio saudável, pois tanto apontam para elementos da elaboração didática quanto do processo de aprendizagem dos alunos.

Os depoimentos, as fotografias, as narrativas dos diferentes envolvidos e os projetos de dizer de cada artigo mostram marcas de um processo histórico recente em que programas como o PIBID podem nos ensinar como (re)orga-nizar as relações entre a comunidade escolar, as escolas das redes de ensino, as

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 11 08/03/2016 16:03:17

12

universidades e os cursos de licenciatura. Há várias lacunas, hiatos e tensões na formação inicial de professores, os quais podem ser compreendidos com lentes diferentes. As ações do PIBID relatadas aqui revelam que é possível ir além da imagem da escola como “reprodução” e apostarmos em currículos e práticas pedagógicas como “caleidoscópios”, ou seja, como processos singu-lares, subjetivos, híbridos e coletivos. E, o mais importante, produzidos por diferentes combinações e elementos culturais.

Clecio dos Santos Bunzen JúniorDepartamento de Métodos e Técnicas de Ensino

Universidade Federal de Pernambuco

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 12 08/03/2016 16:03:17

13

Apresentação

O volume 5 - Conhecimentos e saberes produzidos na práxis educativa - da Coleção “Formação Docente em Diálogo” é composto por textos que foram escritos por diferentes participantes dos subprojetos do PIBID-Unicamp, a partir de diversas experiências vividas no cotidiano das práticas pedagógicas e educacionais construídas na relação escola-universidade.

Cada um dos textos contidos neste volume dá a ver, tomando como referência as especificidades formativas de seus autores – História, Geografia, Dança, Letras, Filosofia e Educação Física –, diferentes modos de produzir conhecimentos e saberes que fazem parte da formação e da profissão docente.

O que podemos perceber, na leitura atenta dos artigos, é que seus autores procuraram evidenciar, partindo dos conhecimentos e saberes da escola e da universidade, uma reflexão constituída “no calor” destas experiências, apre-sentando uma práxis educativa fortemente alicerçada nas relações de ensino e de aprendizado entre estudantes e professores, que nos permite visualizar “caleidoscópios” singulares e coletivos, como nos instiga a pensar Clecio Bunzen Júnior no prefácio deste volume.

O primeiro texto, “O currículo para o ensino de História em questão”, de Josianne Cerasoli, Néri Almeida, Lúcia da Silva, Rodolfo de Almeida e Sérgio Oliveira Junior, coletivo de autores do subprojeto de História, expressa, com base nas práticas docentes vivenciadas por bolsistas ID, supervisores e coorde-nadores de área, as dificuldades para o estabelecimento de um currículo para o ensino de História, apontando para a necessária participação dos profissionais da educação, em diálogo com os conhecimentos históricos constituídos no debate entre historiadores e a sociedade contemporânea, como fundamental

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 13 20/03/2016 11:03:46

14

para o estabelecimento de um currículo de História atual e consequente para os estudantes da escola pública.

“Oficinas geográficas: práticas de sustentabilidade e educação ambiental ‘consumo, lixo e tratamento de resíduos’”, de Rafael Straforini, Mariana Loterio, Jéssica de Jesus, Victor Hugo de Oliveira e Vasco da Costa, é o segundo texto do livro, no qual expõe as ações pedagógicas realizadas em uma oficina que procurou problematizar, como o próprio título diz, a produção desenfreada de bens de consumo, que geram enormes quantidades de resíduos – o lixo –, inviabilizando processos de reúso e reutilização desses materiais com o intuito de promover uma vida sustentável e ecologicamente equilibrada.

O artigo de Marisa Lambert, “O ensino da Dança no PIBID Unicamp: rede estendida de formações e transformações”, do subprojeto Dança, é o terceiro artigo deste volume, que apresenta os estudos e as práticas que cons-tituíram o projeto artístico-pedagógico desenvolvido junto às escolas parceiras do subprojeto, evidenciando os resultados do entrelaçamento entre os saberes da universidade, os saberes das escolas públicas e as experiências dos docentes em formação.

O quarto artigo, intitulado “Projetos de letramento, sequências didáticas e ensino de gêneros no PIBID Letras Unicamp: lógica das práticas e formação de professores”, de autoria de Márcia Mendonça, uma das coordenadoras do subprojeto de Letras do PIBID-Unicamp, manifesta as problematizações acerca dos conceitos de letramento, sequência didática e ensino de gêneros, com base nos conhecimentos advindos da Linguística Aplicada, que foram trabalhadas nas práticas pedagógicas implementadas em uma escola pública de Campinas, acenando para possíveis contribuições em decorrência da compreensão do campo epistemológico em que se situa o professor de português e suas impli-cações para o ensino de Língua Portuguesa no cotidiano escolar.

“Reflexão como caminho para repensar a educação de Filosofia”, da bolsista de iniciação à docência do subprojeto de Filosofia, Bárbara dos San-tos, apresenta uma reflexão, a partir de suas vivências e a de seus colegas de faculdade, sobre a prática reflexiva em Filosofia e o quanto é necessário criar novas estratégias em diálogo com conceitos filosóficos – no caso, a Ética, para fomentar práticas argumentativas consistentes no debate de problemas con-temporâneos que afetam os estudantes do ensino médio, que têm a disciplina de Filosofia como parte integrante de seu currículo escolar.

Por fim, o sexto artigo, de autoria das ex-coordenadoras do subprojeto Multidisciplinar (que reunia bolsistas ID da Educação Física, Pedagogia, Mú-sica, Dança, Artes Visuais, Geografia e Ciências Sociais) e atuais coordenado-

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 14 20/03/2016 11:04:08

15

ras de gestão de processos educacionais, Elaine Prodócimo e Eliana Ayoub, intitulado “PIBID-Unicamp: impactos na formação docente no contexto de uma proposta interdisciplinar”, apresenta uma reflexão sobre as vivências que ambas tiveram quando coordenadores de área do referido subprojeto, prin-cipalmente aquelas que tiveram impacto formativo junto aos bolsistas ID e que foram tematizadas em seus relatórios finais, reconhecendo a importância do trabalho com as relações humanas em todas as dimensões da vida escolar.

Encerrando esta apresentação, ressaltamos que os conhecimentos e sa-beres educacionais, constituídos no diálogo escola-universidade, evidenciam a emergência de uma práxis educativa - porque refletida no movimento de ação-reflexão-ação - tão propalada pelo mestre Paulo Freire em sua extensa obra sobre educação, pelos diferentes atores do PIBID-Unicamp compromis-sados com o aprendizado de conceitos em suas áreas de conhecimento, mas também atentos e diligentes na consolidação de uma ética profissional que não se encerra nestas áreas.

Cada um dos artigos deste volume evidencia, a seu modo, a importância de saberes e conhecimentos que sustentam a ação profissional docente e que necessitam fazer parte dos cursos de graduação de formação de professores que têm como objetivo principal e precípuo a formação de profissionais comprome-tidos com os aprendizados de seus estudantes em quaisquer níveis de ensino.

Acreditamos que os aprendizados em relação à formação de professores manifestos nestes textos exprimem não só uma nova possibilidade de trajetória formativa dos estudantes dos cursos de formação de professores existentes na Unicamp, como também indicam à própria comunidade de professores forma-dores novas perspectivas para a formação docente em cursos desta natureza.

Elaine ProdócimoCoordenadora de Área de Gestão de Processos Educacionais do PIBID-Unicamp e

Docente da Faculdade de Educação Física da Unicamp

Guilherme do Val Toledo PradoCoordenador Institucional do PIBID-Unicamp e Docente da Faculdade de Educação da Unicamp

Eliana AyoubCoordenadora de Área de Gestão de Processos Educacionais do PIBID-Unicamp e

Docente da Faculdade de Educação da Unicamp

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 15 08/03/2016 16:03:17

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 16 08/03/2016 16:03:18

17

O currículo para o ensino de História em questão

Josianne Francia Cerasoli Coordenadora de Área do subprojeto História do PIBID-Unicamp

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Néri de Barros Almeida Coordenadora de Área do subprojeto História do PIBID-Unicamp

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Lúcia Lopes da Silva Supervisora do subprojeto História do PIBID-Unicamp

Escola Estadual José João Lourenço Rodrigues

Rodolfo Cesar Mendes de Almeida Supervisor do subprojeto História do PIBID-Unicamp

Escola Estadual Professor José Vilagelin Neto

Sérgio Abreu Oliveira Jr. Supervisor do subprojeto História do PIBID-Unicamp

Escola Estadual Vitor Meireles

Introdução

Neste artigo pretendemos, a partir do ponto de vista da prática docente atualmente em vigor nas escolas públicas do Estado de São Paulo, discutir algumas das dificuldades para o estabelecimento de um currículo para o ensi-no de História. Na medida do possível, gostaríamos também de participar de reflexões que se situam de forma propositiva diante desse cenário complexo.

Em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura de 08 de junho de 2015, o recém empossado Ministro da Educação Renato Janine Ribeiro apresen-tou o cerne da questão curricular: embora na maioria das áreas do conhecimen-to, como as Ciências Exatas e a de Códigos e Linguagens, já exista um relativo consenso sobre o quê, como e em que momento abordar os conteúdos próprios

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 17 20/03/2016 11:04:27

18

das disciplinas, há outras que estão longe desse consenso1. Como exemplo dessa situação, Renato Janine Ribeiro citou o caso da História. Em outra entrevista, concedida ao jornalista Luís Nassif, em 31 de agosto de 2015, no programa Brasilianas.org da TV Brasil, o Ministro, ao tratar dos debates sobre uma Base Nacional Comum, lembra que a História, ao lado de Geografia, Português e Biologia, constitui uma das áreas em que diferenças regionais e de abordagem são significativas. Segundo o Ministro, isso indica que não é suficiente estabelecer sequências de conteúdos, sendo preciso definir tipo de conhecimento, problemas e formas fundamentais de construção desse conhecimento2.

De fato, para se estabelecer uma base curricular comum para uma área polêmica do conhecimento sistemático como é a História são imprescindíveis muito debate e reflexão; afinal, além das diferenças regionais e de abordagem lembradas por Renato Janine Ribeiro, são distintas ideologias a fundamentar diferentes métodos, o que exige uma análise epistemológica bem estruturada para alcançarmos o consenso a que se refere o Ministro. Se tomarmos o sentido mais usualmente atribuído à palavra currículo, como o meio que permite a uma escola ou a um curso se organizar, definindo o quê, quando e como ensinar, um professor de História que tenha lecionado ao longo dos últimos 30 anos na Rede Pública do Estado de São Paulo – caso de dois dos autores deste artigo –, certamente presenciou, em diversos momentos, várias discussões, nem sempre convergentes, acerca do tema.

Concentraremos nossa atenção sobre o Ensino Médio, ciclo escolar que, de acordo com muitos analistas, experimenta uma “crise de identidade”3. Intermediário entre a Educação Básica e o Ensino Superior, o Ensino Médio, segundo a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, não cor-responderia a uma etapa de formação – tarefa do Ensino Fundamental – mas deveria conduzir ao aprofundamento e consolidação de conhecimentos adqui-ridos, preparando para o trabalho e a cidadania, para o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico, bem como para a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos. Na prática, porém, as deficiências na etapa fundamental acabam por demandar das escolas de Ensino Médio uma atuação visando suprir as defasagens de conteúdos não

1 Entrevista disponível em: http://tvcultura.cmais.com.br/rodaviva/roda-viva-renato-ja-nine-ribeiro-08-06-2015. Acesso em 16/06/2015.

2 Entrevista disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0Vx_OAs_e2Q. Acesso em 02/09/2015.

3 BRASIL. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da edu-cação nacional. Lei de Diretrizes e Bases. Título V, cap. II, seção IV.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 18 08/03/2016 16:03:18

19

apreendidos na etapa anterior. Assim, quando não está ligado a uma perspectiva profissionalizante, o Ensino Médio se torna uma etapa de formação bastante generalista e repetitiva, embora possam ser encontradas perspectivas diferentes a respeito desse nível de ensino, por exemplo, quando se aponta essa carac-terística generalizante como uma virtude, pois permitiria aos alunos, numa faixa etária na qual estão mais aptos a abstrair conceitos, o aprofundamento e a revisão de conteúdos trabalhados no Fundamental, o que poderia contribuir para sua formação integral4. Evidentemente que essa indefinição conceitual na base do sistema de ensino entrava também o avanço no estabelecimento de um currículo, sobretudo nas disciplinas de ciências humanas e sociais em que o aspecto crítico e político são estruturantes do saber.

No entanto, até 1999, quando são elaborados os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNs), a questão curricular repousava em um terreno ainda mais indefinido do que aquele que conhecemos hoje. Na ausência de uma base curricular estrita, imperava a quase total autonomia dos professores na escolha de conteúdos e métodos. Embora desde o início dos anos 1990 a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo tivesse promovido a elaboração de materiais orientadores, na prática a autonomia de cátedra manteve-se em vigor5. Conviviam várias opções curriculares, cujas abordagens variavam de acordo com a formação do professor. Para diferenciar o que era feito no Ensino Fundamental - que geralmente dedicava as quinta e sexta séries à História do Brasil e as sétima e oitava à História Geral -, daquilo que se reali-zava no Ensino Médio, os professores mais tradicionais costumavam abordar História da América na primeira série e na segunda e terceira séries geralmente retomava-se a História Administrativa do Brasil. Esta prática, de certa forma, foi impulsionada por uma Proposta Curricular de História e Geografia, publicada

4 O documento denominado “Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio”, orientador do programa de mesmo nome, instituído pela Portaria nº 1.140 de 22 de no-vembro de 2013, avalia e situa várias concepções distintas que têm sido referências para a organização desse nível de ensino. A despeito do caráter oficial, o documento não deixa de situar divergências e distintas concepções em pauta a respeito do tema. Disponível em: http://pactoensinomedio.mec.gov.br/images/pdf/pacto_fort_ensino_medio.pdf. Acesso em 12/09/2015.

5 Elaboradas pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – CENP, órgão da Secre-taria de Educação do Estado de São Paulo, as propostas curriculares para o estado foram amplamente debatidas entre 1986 e 1992. Uma análise dos processos e debates políticos que nortearam a experiência da CENP no período é apresentada em: MARTINS, Maria do Carmo. A CENP e a criação do currículo de História: a descontinuidade de um projeto educacional. Rev. Bras. Hist. vol. 18, n. 36, São Paulo, 1998. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-01881998000200003.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 19 08/03/2016 16:03:18

20

pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) da SEE, para o ensino de 2º grau, em 1978, que sugeria conteúdos de História da América para as primeiras séries e História Administrativa do Brasil para as segundas e terceiras séries6. Via de regra, esta vertente curricular adotava um viés mais positivista, enfatizando os grandes feitos dos governantes, as datas e os fatos, com nenhuma ou pouca ênfase na análise crítica e na compreensão da História como um processo social.

O final da ditadura militar no País e a abertura política contribuíram para permitir novas perspectivas e horizontes aos Cursos de Licenciatura em História. Aos poucos, professores formados numa época de democracia e maior efervescência de ideias ingressam na Rede Pública de Ensino e propõem novas abordagens e fundamentos teóricos para revisar os currículos vigentes. A partir do início da década de 1990, a História Temática – cujo ensino valorizava um eixo temático como, por exemplo, trabalho, culinária, moda, etc. – conquistou um número considerável de adeptos, mais próximos dos métodos propostos pelos seguidores da chamada Nova História ou escola dos Annales, numa perspectiva que acolhe fortemente elementos da “história problema”, da an-tropologia histórica e da história das mentalidades, que tendiam a identificar a totalidade histórica em qualquer de suas partes. Paralelamente, professores de História com uma formação mais ligada ao materialismo dialético inspirado nas elaborações marxistas tomavam como ponto de partida, no início do En-sino Médio, a crise do modo de produção feudal e, então, integravam História Geral e do Brasil, procurando abordar a disciplina como um processo que se desenrola a partir da evolução das forças econômicas e das contradições esta-belecidas entre os diferentes grupos sociais. Todas essas formas de tratamento do currículo podiam conviver, conscientemente ou não, em uma mesma escola ou, até mesmo, em um único professor, colocando o ensino da disciplina na dependência de fatores de ordem subjetiva7.

Essa fragmentação na abordagem da disciplina gerava dificuldades para os gestores das redes, que se acentuaram a partir do momento em que começou a se estruturar um processo de avaliação externa do trabalho desenvolvido pelas escolas. Para serem mais eficientes, processos avaliativos como o Sistema de

6 Uma análise do currículo proposto pela CENP neste período pode ser encontrada no artigo Ensinar História nas décadas de 1970 e 1980: conteúdos ministrados no ensino médio, de Eliane Mimesse.

7 Disponível no site da Associação Nacional de Professores de História/Anpuh. Disponível em http://www.pr.anpuh.org/resources/anpuhpr/anais/ixencontro/comunicacaondividual/ElianeMimesse.htm. Acesso em 13/09/2015.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 20 08/03/2016 16:03:18

21

Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) ou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) necessitavam de um mínimo de padroni-zação curricular. Este fator impulsionou o debate que culminou com a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) pelo Ministério da Educação.

Os PCNs introduziram uma nova maneira de tratar os conteúdos que passaram a ser vistos como secundários no processo de ensino-aprendizagem. Ao invés dos conteúdos, a ênfase passava a repousar sobre o desenvolvimento de competências e habilidades. No Estado de São Paulo, essa mudança foi acompanhada pela implantação da política de progressão continuada da Secre-taria de Educação do Estado, o que gerou o entrelaçamento problemático entre avaliação e questão curricular8. Face às dificuldades para o estabelecimento de um diálogo efetivo que pudesse aprofundar o debate e criar um consenso mí-nimo na rede pública de ensino do Estado de São Paulo em torno da questão, optou-se por uma intensa e persistente campanha publicitária – estampada nos materiais de formação e inserida nos horários das reuniões pedagógicas – com o objetivo de produzir a adesão do corpo docente à nova “filosofia”, que determinava, em última instância, a aprovação do aluno para prosseguimento dos estudos, sabendo ou não o conteúdo9.

8 A progressão continuada foi instituída por meio de deliberação do Conselho Estadual de Educação em 1997 (Del. CEE 09/97) e passa a vigorar no ano seguinte na rede estadual de ensino do Estado de São Paulo. Uma interessante pesquisa sobre o cotidiano dessa mudança na perspectiva da dinâmica escolar pode ser acompanhada em: BERTAGNA, Regiane H. Avaliação e progressão continuada: o que a realidade desvela. Pro-Posições, Campinas, v. 21, n. 3 (63), p. 193-218, set./dez. 2010. Recentemente, em 2014, a progressão continuada foi reorganizada, com a criação de três “ciclos” em substituição aos dois anteriores dentro do Ensino Fundamental: do 1º ao 3ª ano, do 4º ao 6º ano e do 7º ao 9º ano. A retenção é possível ao final de cada ciclo. A nova organização permite a retenção dos estudantes com aproveitamento insuficiente ao final de cada um dos três ciclos. Para mais detalhes, conferir a Resolução SE 53, de 2/10/2014, publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo.

9 No Centro de Referência Educacional – CRE – Mário Covas, vinculado à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, há vários materiais referentes ao tema, como aquele relacionado ao fórum promovido pela Diretoria de Projetos Especiais da Fundação para o Desenvolvimento Educacional – FDE: “Progressão Continuada: compromisso com a Aprendizagem”. Ocorrido em 2002, apresenta como referências três textos: a síntese do relatório “Os ciclos da escola primária: impactos de uma política educacional”, apresentado ao Institut National de la Recherche Pédagogique – Paris/France, sobre experiência im-plementada em 1989; “Trajetórias e desafios dos ciclos escolares no país”, por Elba Barreto e Eleny Mitrullis (publicada em: Estudos Avançados 15(42), São Paulo, USP, 2001); “A progressão continuada e a autoconfiança do aprendiz”, por Gabriel Chalita (Secretário de Educação do Estado entre 2003 e 2006). Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pro_l.php?t=001. Acesso em 10/08/2015.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 21 08/03/2016 16:03:18

22

Naquele momento, o significado do que seriam as competências e habi-lidades contidas no material elaborado pelo Ministério da Educação – MEC parece ter sido distorcido para favorecer o programa de progressão continua-da. Nessa concepção, o professor deveria levar em conta a sociabilidade, a disposição, o interesse para realizar determinadas tarefas e até mesmo aspectos disciplinares a fim de avaliar o progresso dos estudantes. Na época, repercutiu muito mal entre os docentes uma estratégia de realização de “recuperação de férias”, como foi chamada, determinada pela SEE-SP, através da qual os alunos considerados inaptos à promoção para a série seguinte foram estimulados a tirar fotografias e, por desenvolverem esta habilidade, acabaram sendo promovidos. Este é um bom exemplo de uma intervenção equivocada na base curricular para dar suporte a um programa cujos resultados, já se antevia na época, contribui-riam, no mínimo, para a desmotivação de crianças e adolescentes na busca de seu aprimoramento acadêmico e intelectual10. Sob essa política educacional, ficava evidente que o currículo já não importava muito, levando a uma frag-mentação ainda maior do que deveria ser trabalhado em sala de aula. Por um período deixou-se de se preocupar com “o que ensinar” e o foco da discussão curricular se voltou para “como ensinar”.

Diante da queda na qualidade de ensino que já se vislumbrava, de tempos em tempos surgia uma panaceia: salas-ambiente, novas maneiras de dispor as carteiras na sala de aula (a SEE-SP chegou a elaborar um manual sobre isso), introdução do computador nas aulas, utilização de multimeios, estudos basea-dos na interdisciplinaridade, ensino por projetos, entre outros. Por mais que estas inovações se disseminassem e fossem facilitadas pelo acesso às tecnologias da informação, os resultados da ação educativa não apresentavam a melhora pretendida nas recém-implantadas avaliações externas; muito pelo contrário. Ao mesmo tempo, era evidente que a piora no desempenho dos alunos não estava ligada ao uso destas ferramentas ou metodologias, e também ficava ób-vio que a sua utilização, por si só, não seria capaz de alavancar a tão esperada melhoria da Educação

Diante desse quadro, em 2008 a questão do currículo e do conteúdo volta ao centro dos debates. No início daquele ano, durante o recesso para as férias

10 Segundo a Secretaria de Educação, atualmente o sistema de recuperação é contínuo, com atendimento de um professor-auxiliar para as salas de aula. Uma análise dos programas de recuperação paralela, iniciando-se por essa modalidade de recuperação em férias, abolida em 2003, é apresentada em: BELTHER, Josilda M. Os programas de educação paralela e a qualidade de educação em São Paulo. Olhar de professor. Ponta Grossa, 8(2): 163-177, 2005. Disponível em: www.redalyc.org/pdf/684/68480212.pdf. Acesso em 02/09/2015.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 22 08/03/2016 16:03:18

23

escolares, período em que boa parte do professorado goza suas férias regulares, muitos professores da rede estadual de ensino paulista foram convidados a irem a suas escolas para debaterem e elaborarem propostas de criação de um “currículo mínimo” para as suas disciplinas. Depois de dois limitados dias de debates, as escolas tiveram de apresentar as propostas possíveis. Cerca de um mês depois, a nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo já estava publicada. Ficava evidente que as contribuições dos professores não haviam sido avaliadas e que o processo havia sido feito apenas para dar legitimidade a uma proposta que já se encontrava previamente pronta.

No ano seguinte, como parte do mesmo processo, foi divulgado o Caderno do Aluno em que as atividades didáticas eram detalhadamente pla-nejadas e preparadas previamente, para muito além do necessário, chegando a conter “orientações” para que o professor dissesse “bom dia” para a classe, por exemplo. No entanto, em 2012 foram feitas mudanças na grade curricular da educação básica na rede pública estadual paulista e o número de aulas de História foi reduzido no Ensino Médio. Cabe ressaltar que o número de aulas já estava aquém das necessidades do conteúdo, considerando-se os subsídios apresentados pelos órgãos da SEE: três aulas por semana nos primeiros, segundos e terceiros anos do Ensino Médio. Depois da mudança, professores e alunos passaram a ter duas aulas semanais para desenvolver os mesmos conteúdos de História. A despeito disso, tanto o currículo quanto o Caderno do Aluno não sofreram alterações. Para o Ensino Fundamental o número de aulas foi ampliado para 4 por semana, o que também se mos-trou insuficiente, diante da grande quantidade de conteúdos oficialmente estabelecidos.

Na Proposta Curricular do Estado de São Paulo, no documento definidor dos parâmetros curriculares atualmente em vigor nas escolas ligadas à SEE, estão definidas as competências e habilidades gerais que se espera sejam desen-volvidas pelos alunos em cada série e em cada campo do conhecimento11. Ela também estabelece o conteúdo a ser trabalhado em cada um dos bimestres, em

11 Uma análise desse processo é discutida em: MARQUES, Daniela Miranda et al. Reformas educacionais e a proposta curricular do estado de São Paulo: primeiras aproximações. 8o Seminário Nacional de Estudos e Pesquisas: História, Sociedade e Educação no Brasil. Campinas: Unicamp, 30 jun.-03-jul. 2009. Disponível em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario8/index.html. Acesso em 02/09/2015. Sobre o cur-rículo do estado de São Paulo de 2008, acompanhar: CIAMPI, Helenice et al. O currículo bandeirante: a proposta curricular de História no Estado de São Paulo, 2008. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 29, nº 58, p. 361-382, 2009.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 23 08/03/2016 16:03:18

24

cada disciplina e em cada série do Ensino Médio. Uma abordagem preliminar do documento permite identificar problemas importantes que demandam discussão. O primeiro deles é a extensão dos conteúdos a serem abordados, que vão muito além do que se poderia chamar de “mínimo”. O segundo, talvez mais relacionado às próprias concepções que norteiam o estabelecimento do currículo vigente desde 2008, diz respeito aos materiais de apoio elaborados e fornecidos pela SEE-SP para, segundo definição oficial, “unificação do cur-rículo escolar”.

Para iniciarmos uma breve análise do primeiro problema, bastaria olhar a extensão do que define a Proposta Curricular para o Ensino Médio:

1ª Série do Ensino Médio1º Bimestre: Pré-História; Civilizações do Crescente Fértil: o surgi-mento do Estado e da escrita; Civilização Grega: a constituição da cidadania clássica e as relações sociais marcadas pela escravidão; O Império de Alexandre e a fusão cultural do Oriente e Ocidente. 2º Bimestre: A Civilização Romana e as migrações bárbaras; Império Bizantino e o mundo árabe; Os Francos e o Império de Carlos Magno.3º Bimestre: Sociedade feudal: características sociais, econômicas, políticas e culturais; Renascimento comercial e urbano; A vida na América antes da conquista europeia; as sociedades maia, inca e asteca.4º Bimestre: Sociedades africanas da região subsaariana até o século XV; Expansão europeia nos séculos XV e XVI: características eco-nômicas, políticas, culturais e religiosas; A formação do mercado mundial; O encontro entre os europeus e as diferentes civilizações da Ásia, África e América.

2ª Série do Ensino Médio1º Bimestre: Renascimento e Reforma Religiosa: características cul-turais e religiosas da Europa no início da Idade Moderna; Formação e características do Estado Absolutista na Europa Ocidental.2º Bimestre: A Europa e o Novo Mundo: relações econômicas, sociais e culturais do sistema colonial; Iluminismo e Liberalismo: revoluções inglesa (século XVII) e francesa (século XVIII) e independência dos Estados Unidos.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 24 08/03/2016 16:03:18

25

3º Bimestre: Império Napoleônico; Independências na América La-tina. A Revolução industrial inglesa (séculos XVIII e XIX); Processos políticos e sociais no século XIX na Europa.4º Bimestre: Formação das sociedades nacionais e organização polí-tica e social na América e nos EUA no século XIX: Estados Unidos e Brasil (expansão para o oeste norte-americano, Guerra Civil e o desenvolvimento capitalista dos EUA / Segundo Reinado no Brasil); A República no Brasil – as contradições da modernização e o processo de exclusão, política, econômica e social das classes populares.

3ª Série do Ensino Médio

1º Bimestre: Imperialismo: a crítica de suas justificativas (cientifi-cismo, evolucionismo e racialismo); Conflitos entre os países im-perialistas e a I Guerra Mundial; A Revolução Russa e o stalinismo; Totalitarismo: os regimes nazifascistas.2º Bimestre: A crise econômica de 1929 e seus efeitos mundiais; A Guerra Civil Espanhola; A II Guerra Mundial; O período Vargas.3º Bimestre: O mundo pós-Segunda Guerra e a Guerra Fria; Movi-mentos sociais e políticos na América Latina e Brasil nas décadas de 1950 e 1960; A Guerra Fria e os golpes militares no Brasil e América Latina.4º Bimestre: As manifestações culturais de resistência aos governos autoritários nas décadas de 1960 e 1970; O papel da sociedade civil e dos movimentos sociais na luta pela redemocratização brasileira. O movimento pelas “Diretas Já”; A emergência dos movimentos de defesa dos direitos civis no Brasil contemporâneo, diferentes con-tribuições: gênero, etnia e religiões; O fim da Guerra Fria e a Nova Ordem Mundial12.

Essa matriz evidencia não ser possível dissociar a questão do currículo do tempo disponível para o trabalho junto aos alunos e para o planejamento comum com outras disciplinas, que poderia potencializar as respostas ao tra-balho docente. Quando ela foi outorgada, vale reforçar, a disciplina de História contava com três aulas de 50 minutos semanais em todas as séries do Ensino

12 Disponível em: http://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/781.pdf. Acesso em 07/09/2015.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 25 08/03/2016 16:03:18

26

Médio. A alteração da carga horária da disciplina em 2012 não poderia deixar de afetar o desenvolvimento curricular, que não sofreu no mesmo processo nenhuma alteração. Vejamos a aritmética da questão sob o ponto de vista da prática docente cotidiana: em um bimestre típico são previstas, em média, 18 aulas de História. Se levarmos em consideração a quantidade e a diversidade de avaliações internas e externas que precisam ser desenvolvidas – Avaliação de Aprendizagem em Processo, Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do estado de São Paulo (SARESP), Prova Brasil/Sistema Nacional de Avalia-ção da Educação Básica (SAEB) –, bem como a necessária devolutiva destas avaliações, as atividades de recuperação, os feriados, a agenda dos conselhos de classe e série, a programação de reuniões de pais, as atividades extracur-riculares, como estudos do meio e visitas técnicas, temos, quando muito, efetivamente 10 aulas úteis para trabalhar todo o conteúdo estabelecido no currículo13. O quadro nos leva a uma quantidade quase 50% menor de aulas disponíveis ao desenvolvimento do currículo planejado, o que evidentemente é pouco, isto sem levar em conta o tempo gasto com rotinas discentes, como o deslocamento de alunos pela escola, o momento das chamadas, as pausas para discutir questões comportamentais ou aquelas relacionadas com a dis-ciplina em sala de aula, que consomem, na prática, boa parte dos 50 minutos que cada aula deveria ter.

A necessidade de adequação do tempo ficou evidente quando a SEE deu o segundo passo na padronização do currículo no Estado de São Paulo, implantando o Caderno do Aluno. Infelizmente, este não mereceu, de ime-diato, tratamento crítico acerca de seus propósitos, mas ganhou espaço na imprensa por conter erros e imprecisões, como a palavra “ensino” escrita com “c”, ou um mapa da América do Sul onde era possível encontrar dois “Paraguais”. No caso da História, buscou-se por meio do Caderno do Aluno

13 A Avaliação de Aprendizagem em Processo é exame é aplicado duas vezes ao longo do ano letivo, em fevereiro e agosto, para alunos a partir do 2º ano do Ensino Fundamental, anos finais do Ensino Fundamental e todas as séries do Ensino Médio; o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) é aplicado pela Secretaria da Edu-cação do Estado de São Paulo com a finalidade de produzir um diagnóstico da situação da escolaridade básica paulista (alunos do 2º, 3º, 5º, 7º e 9º anos do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio). Fonte: http://www.educacao.sp.gov.br. Acesso em 03/09/2015. A Prova Brasil/Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) é uma avaliação diagnóstica desenvolvida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC) é aplicada na quarta e oitava séries (quinto e nono anos) do ensino fundamental. Fonte: portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=ar-ticle&id=210&Itemid=325. Acesso em 07/09/2015.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 26 08/03/2016 16:03:18

27

resolver a incongruência entre o que estava estipulado no Currículo e o tem-po disponível de aula. Por exemplo, o conteúdo previsto na grade curricular para ser abordado no primeiro bimestre do primeiro ano do Ensino Médio foi dividido em dois bimestres. Dessa forma, a própria SEE deixou de seguir suas determinações para o cumprimento da grade curricular por ela elabora-da – talvez um indício da necessidade, desde o momento da implementação, de um aprofundamento das discussões com a própria rede de ensino a fim de prever tais adequações.

Com essas alterações destinou-se um tempo mais adequado em sala de aula para o desenvolvimento de assuntos como Pré-História, Civilizações do Crescente Fértil, no primeiro bimestre, ou Grécia e o Helenismo, no segundo. Mas, a partir do terceiro bimestre da primeira série, o bom desenvolvimento dos temas previstos permanece impraticável. Para tentar adequar-se ao pou-co tempo disponível, a abordagem das atividades propostas no Caderno do Aluno tende a ser mais sucinta e mal contextualizada, afetando a possibilida-de de permitir ao aluno a construção paulatina do conhecimento histórico, respeitando-se a maturidade intelectual de cada faixa etária e de sua respectiva bagagem cultural. Como os Cadernos do Aluno não levam estas premissas em consideração, inclusive por seu caráter unificador, exige-se do professor o in-vestimento de muito tempo para preparar os alunos para a compreensão das atividades propostas. É o caso, por exemplo, dos trabalhos em torno da temática do Império Romano na Antiguidade. O Caderno do Aluno prevê apenas uma atividade sobre o tema, ainda assim enfocando a crise da Civilização Romana e as chamadas Migrações Bárbaras. Nenhuma palavra sobre a fundação de Roma, a sua localização geográfica, a dominação etrusca, as formas de organização política sob a monarquia, o Senado, a República, os diferentes papeis sociais de patrícios, clientes, plebeus e escravos, a expansão territorial e a formação do império, as crises que levaram ao fim da República, etc. Em suma, pode-se dizer que, na versão apresentada no Caderno do Aluno, o estudante é apresentado à crise do Império Romano antes que tenham uma ideia de como foi construí-do, o que representou ou como foi representado pela História. Para construir essa ideia são necessárias muitas aulas, que não estão previstas na execução do Caderno do Aluno e tampouco são previamente concebíveis, considerando-se a proporção entre a quantidade de aulas e os conteúdos e atividades planejados de acordo com o currículo estadual unificado.

Em outros momentos previstos no currículo, a profusão de atividades e temas torna impossível trabalhá-los com a devida qualidade. É o caso do último bimestre do primeiro ano, quando temos que trabalhar a Idade Média, com

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 27 08/03/2016 16:03:18

28

ênfase na organização do modo de produção feudal, o Renascimento Comercial, a Expansão Marítima Europeia, os povos da África Subsaariana, entre outros assuntos. Seria possível estender as observações para vários itens previstos no currículo do estado, mas nesses poucos exemplos buscamos brevemente assi-nalar a primeira questão de caráter bastante prático: a necessidade do tempo previsto para o desenvolvimento das temáticas.

O segundo problema diz respeito às concepções que norteiam o currí-culo em pauta. Tomamos novamente um exemplo para análise da questão: além dos conteúdos, competências e habilidades estabelecidos por meio do currículo oficial do estado de São Paulo e do material didático destinado ao estudo cotidiano com os estudantes, para trabalhar o Caderno do Aluno, os professores recebem uma espécie de guia, o Caderno do Professor. Nele, a aplicação da proposta está descrita, passo a passo, inclusive com as atividades que os professores devem desenvolver em sala de aula. O tempo de cada ati-vidade é cronometrado, embora tome como parâmetro para esse minucioso planejamento a situação anterior a 2012, quando havia três aulas de História por série. No começo, o Caderno determinava quantas aulas deveriam ser utilizadas para cada uma das atividades. Com a redução do número de au-las, esta informação foi suprimida embora a quantidade de atividades tenha permanecido exatamente a mesma14.

Por fim, se a preocupação com a padronização é útil para garantir um mínimo de uniformidade ao currículo que está sendo trabalhado em todas as escolas públicas do Estado de São Paulo; por outro lado, retira do professor a possibilidade de escolher, pelo menos, a abordagem que considere mais adequada para cada tópico, desestimula a seleção de textos que ache mais interessantes ou adequados, desconsidera características de cada escola, enfim, engessa de tal maneira o trabalho, que o docente se vê impossibili-tado de exercer a sua criatividade, de lançar mão de sua experiência para o enriquecimento do currículo e por conseguinte do aluno, tanto intelectual quanto social e afetivamente.

O programa denominado “São Paulo faz escola”, que abriga os dois Cadernos e os articula ao currículo estabelecido a partir de 2008, parece priorizar as relações entre a uniformização curricular e o desempenho nas avaliações institucionais diagnósticas, em detrimento das relações entre os

14 Até 2013, cada Caderno do Professor trazia o número de aulas previstas para cada situação de aprendizagem; no material editado de 2014/2017, esta previsão foi retirada (disponível no material editado e distribuído pela SEE, Caderno do Professor).

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 28 08/03/2016 16:03:18

29

conteúdos e as estratégias efetivas para viabilizar a aprendizagem dos es-tudantes. O próprio material de divulgação do programa, disponível para consulta online, orienta no sentido dessa interpretação, sobretudo quando consideramos a “linha do tempo” dos processos que visam a consolidar o currículo no Estado de São Paulo15. A cronologia destaca cinco momentos: as avaliações e as propostas curriculares de 2007; o Jornal do Aluno e os Cadernos do Professor, de 2008; o Saresp de 2008 e 2009; a consolidação do currículo em 2010; os seguidos aprimoramentos dos materiais, com detalhamentos e expansão, por exemplo, para a Educação de Jovens e Adultos. Pode-se per-ceber nessas etapas uma concepção de aperfeiçoamento guiado pela relação avaliação-currículo-desempenho.

Essa política parece ter sido definida tendo em vista os resultados do SAEB (hoje Prova Brasil), do Enem e de outras avaliações realizadas em 2007. Segundo o Programa “São Paulo faz escola” da SEE-SP, foi a aferição de tais resultados que levou à fixação do programa Educação – Compromisso de São Paulo, iniciado em 2011, que tenta estabelecer um pacto com a sociedade em prol da educação16. Para tanto, o programa instituiu e estimulou uma ação integrada e articulada, na qual a chamada Proposta Curricular tem o papel destacado de criar uma base curricular comum para toda a rede de ensino estadual e, ao mesmo tempo, de fixar os conteúdos, temas e abordagens mais apropriados ao estabelecido nas avaliações diagnósticas, sobretudo no SARESP. Segundo o mesmo Programa, o SARESP, desde 1996 realizado pela Secreta-ria de Estado da Educação, a partir de 2007 foi inteiramente atrelado à nova Proposta Curricular, e “passou a ser a base das ações de gestão da Secretaria da Educação”17. Dessa maneira, é possível notar certa inversão na concepção do currículo e, consequentemente, nas diretrizes que orientam a formulação dos materiais de apoio para o trabalho docente no Sistema de Ensino paulista: aparentemente, é o resultado da avaliação de desempenho – rankings exter-nos à escola – que determinam as escolhas curriculares, colocando o trabalho docente em segundo plano.

Com o perigo de distanciar ainda mais o trabalho docente da formulação das diretrizes curriculares, em 2015 a SEE-SP formulou projeto para o novo

15 Disponível em: http://www.rededosaber.sp.gov.br/portais/Default.aspx?tabid=1208. Acesso em 03/09/2015.

16 Disponível em: http://www.rededosaber.sp.gov.br/portais/Default.aspx?tabid=1208. Acesso em 03/09/2015.

17 Disponível em: http://www.rededosaber.sp.gov.br/portais/Default.aspx?tabid=1208. Acesso em 03/09/2015.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 29 08/03/2016 16:03:18

30

Plano Estadual de Educação18. Tal projeto, mais uma vez, surge como parte de uma política de gerência da educação distanciada da prática escolar cotidia-na. A origem desse documento está no Plano Nacional de Educação de 2014, que estabeleceu metas nacionais para os próximos dez anos (BRASIL, 2014). A partir dessas metas globais, a rede de ensino pública estadual de São Paulo propõe estratégias específicas que contemplam modificações curriculares, com maior impacto no Ensino Médio.

A modificação mais evidente e com impacto futuro amplo na reorga-nização do currículo encontra-se nas estratégias apresentadas para a terceira meta do Plano Estadual19. A primeira estratégia afirma claramente a intenção de “estimular a flexibilização dos tempos e dos espaços escolares”, com a justificativa de que este seria o caminho para “a construção de currículos e itinerários formativos que melhor respondam à heterogeneidade e pluralidade das condições, interesses e aspirações dos estudantes” (SÃO PAULO, 2015, p. 5). O problema crítico de tal formulação está no fato de que não se deixa claro o significado e as aplicações práticas da flexibilização. Em teoria, ela está em consonância com Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, aprovadas pela Resolução CNE/CEB nº 2, de 30 de janeiro de 2012, que propõe a organização curricular do Ensino Médio em quatro áreas do conhecimento (Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas). Contudo, na prática, a aventada flexibilização aponta novamente

18 O documento completo foi disponibilizado na Intranet do Servidor (http://www.intranet.educacao.sp.gov.br) neste primeiro semestre de 2015. Acesso em 22/05/2015. Junto com o documento, foi apresentada a seguinte nota: “Para garantir a ampla participação de representantes da comunidade educacional, fica aberto o processo de consulta pública aos educadores paulistas para o Plano Estadual de Educação. A proposta que contempla as Metas e Estratégias do PEE chega agora aos educadores da rede pública estadual, às escolas, às comunidades escolares, para que o processo de sua construção assegure participação e legitimidade, de tal modo que expresse o compromisso político de Estado de São Paulo que transcenda governos, promova mudanças e avanços nas políticas educa cionais”. Fonte: http://www.intranet.educacao.sp.gov.br/. Como não houve mobilização e discussão nas escolas antes da publicação do documento inicial, é potencialmente equivocado men-cionar uma ampla participação. Além disso, mesmo após sua divulgação, não ocorreram discussões das suas propostas no ambiente escolar.

19 A terceira meta do Plano Estadual, idêntica à meta do Plano Nacional, estipula “univer-salizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até o final do período de vigência deste PEE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85% (oitenta e cinco por cento)”. SÃO PAULO. Plano Estadual de Educação do Estado de São Paulo. São Paulo: 2015, p. 5. Disponível em: http://www.intranet.educacao.sp.gov.br. Acesso em 22/05/2015.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 30 08/03/2016 16:03:18

31

para uma exclusão dos professores como sujeitos ativos na construção e nas modificações do currículo.

Tal inversão pode nos colocar diante de um paradoxo em que a esfera de definição das práticas cotidianas que dão vida e experiência efetiva aos parâ-metros curriculares encontra-se, assim, inteiramente fora do mundo escolar. Disso decorre que nossa proposta para repensar as dificuldades e, ao mesmo tempo, o potencial presente na definição de um currículo tenham como ponto de partida não as políticas, mas considerações sobre o próprio cotidiano do trabalho com os Cadernos. A quantidade de conteúdos do currículo discutida acima evidencia a impossibilidade de cumpri-lo de forma satisfatória – moti-vo de grande preocupação porque conteúdos não trabalhados pelo professor e objetivos não atingidos ou suprimidos acarretam defasagens prejudiciais à formação dos alunos, aos seus estudos subsequentes e ao seu desempenho em avaliações diversas, exames e vestibulares. O currículo, tal como está elaborado, em sequência cronológica, pretende dar conta de toda a história da humanidade, de seu surgimento ao momento atual, embora o número de aulas estabelecido na grade não permita cumprir tal missão. Pode-se dizer que o sonho de todo professor de História – pelo menos para os autores desta reflexão isso é verdadeiro – é que os alunos possam aprender de forma mais significativa através de uma práxis em que sejam respeitados seu tempo de assimilação, características de maturidade e condições de abstração de cada série. Sabemos que isso não ocorre, uma vez que os professores são constante-mente obrigados a escolher o que ensinar ou aprofundar dentro do currículo devido à inadequação entre tempo de aula, conteúdo disciplinar, estratégia didática e alvos pedagógicos.

Enfim, justifica-se pensar o aumento do número de aulas de história? Essa mudança demandaria uma alteração de enfoque na organização curricu-lar, uma vez que teria de ser posto em questão o deslocamento feito em 2012 de horas de ensino de História para o aumento da carga horária de disciplinas como Filosofia e Sociologia e a grande quantidade de tempo da grade dedi-cada à Matemática e Língua Portuguesa que, segundo esta concepção, foram consideradas “disciplinas meios”, portanto necessárias à compreensão e de-senvolvimento de todas as demais20. No entanto, os resultados insatisfatórios

20 Consultar documento da Secretaria de Educação estadual a respeito: São Paulo (Estado). Secretaria da Educação. Coordenadoria de Gestão da Educação Básica. Reorganização do ensino fundamental e do ensino médio / Secretaria da Educação, Coordenadoria de Gestão da Educação Básica. São Paulo: SE, 2012. Disponível em: http://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/383.pdf. Acesso em 12/09/2015.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 31 08/03/2016 16:03:18

32

registrados pelos indicadores de avaliação externa periódica abrem espaço para que essa premissa seja posta em discussão.

Em paralelo, desde 2012, temos observado na rede estadual o aumento progressivo da chamada Escola em Tempo Integral (ETI)21 sistema que a SEE pretende estender até 2020 a todas as escolas da rede22. Tal como o projeto de ETI está formulado hoje, o currículo das disciplinas do núcleo comum é exa-tamente o mesmo de uma escola regular, em tempo parcial, pois o aumento da carga horária volta-se ao número de aulas na parte diversificada. Se essa experiência pretende apontar para o futuro, o que merece sem dúvida nosso elogio, é fundamental que não se perca a oportunidade de avanços na concep-ção curricular no que se refere ao número de aulas das disciplinas e também das atividades de estudo. Seria uma pena se conteúdos alternativos viessem a dominar um espaço já implicitamente reivindicado por demandas antigas, legitimadas pela experiência e em torno das quais, por certo, se estabeleceria rapidamente o consenso entre os professores.

Por onde quer que olhemos a questão, o currículo do ensino de história precisa ser reconsiderado. No entanto, seria uma pena se isso ocorresse sem uma visão global da formação do aluno, tornando imprescindível a participação das demais disciplinas no debate. Afinal, se por um lado Língua Portuguesa ensina os fundamentos da escrita e da leitura, bem como propõe recursos para a análise formal e semântica da língua, por outro a História coloca em ação esses mecanismos para um tipo narrativo essencial à vida do cidadão na medida em que comporta a leitura e a escrita analítica similar às das informa-ções correntes, sobretudo a dos fatos veiculados pela imprensa e demais meios de comunicação de massa. O professor de História efetivamente continua, complementa, aperfeiçoa e especializa as habilidades de escrita e leitura do aluno. Desse ponto de vista, a História é menos disciplina que se aproveita de tais habilidades e mais parceira imprescindível ao aprendizado de língua e linguagem que começa com a Língua Portuguesa e se espraia para a vida do aluno e do cidadão. O raciocínio lógico-dedutivo posto em ação no aprendi-

21 Segundo dados da SEE em 2015, entre 2012 e 2015 foram atendidas pelo programa de en-sino integral 257 escolas. Dados disponíveis em: http://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/918.pdf. Acesso em 10/09/2015.

22 Além de ambiciosa, a meta nos parece de difícil viabilização, considerando-se que a rede estadual de ensino compreende 5.300 escolas (seria necessário implantar o ensino integral em mais de 1000 escolas anualmente), bem como levando-se em conta que sempre haverá demanda diferenciada (por exemplo, alunos trabalhadores, que fazem cursos técnicos, que não têm perfil para escola integral) para a escola de meio período.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 32 08/03/2016 16:03:18

33

zado da História certamente favorece a mente no aprendizado das disciplinas exatas. Por fim, a história restitui à Química e à Biologia o quadro temporal e humano para o aprendizado da origem do universo e da vida. Dessa forma, ela potencialmente oferece ao processo de aprendizado uma base cognitiva e emocional de que as disciplinas abstratas não dispõem. Isto sem mencionar aspectos mais usualmente lembrados, como a importância de uma perspectiva histórica no aprendizado e a discussão de princípios democráticos e de cidada-nia, sistematicamente tematizados pela Sociologia e Filosofia. Desse ponto de vista, o conceito de “disciplina meio” faz pouco sentido e abre-se a possibilidade para um avanço na concepção de um currículo realmente multidisciplinar e promotor de competências e habilidades.

O trabalho aprofundado com outras disciplinas possibilitaria, inclusive, uma experiência que favorável à reconfiguração dos conteúdos curriculares e do tempo destinado a cada um deles23. Nesse caso, uma outra solução deveria integrar-se à conjugação dos conteúdos, priorizando-se, ao invés da quantidade semanal de aulas de História, o aumento do número de horas de planejamento. Certamente, ampliar o tempo para planejar e articular melhor com as disci-plinas que possuem conteúdos afins numa certa altura do calendário letivo é muito importante para a vida da escola como um ambiente coletivo em que o aprimoramento intelectual é geral e permanente.

Pode-se dizer que havia entre os docentes uma expectativa de que isso ocorresse na escola de tempo integral, mas, até o momento, a enorme burocracia e a organização do tempo na escola geram dificuldades para tal. Portanto, do ponto de vista da organização e gestão geral do sistema de ensino, parece-nos difícil, no atual momento, vislumbrar alterações substantivas que possam ter impacto positivo sobre o currículo a curto e médio prazo. Em tal cenário é importante olhar atentamente para o cotidiano escolar a partir dos materiais disponibilizados para a rede estadual de ensino.

23 Sabemos que esse trabalho conjugado em certa medida já é feito, mesmo que de maneira pouco articulada, mas é possível assinalar que esse pode ser muito limitado se restringidos a que se deixe para a “outra” disciplina atribuições tradicionalmente de responsabilidade da “nossa”. Por exemplo, quando tratamos de Grécia Antiga, podemos conjugar a parte que trata do surgimento da Filosofia com o professor desta disciplina, mas, sem dúvida, ficamos sem abordar um tema que deixaria o estudo do período muito mais interessante; o mesmo pode ocorrer com o Renascimento, o Iluminismo, entre outros temas. A interface com Sociologia e Geografia apresenta o mesmo problema. Essa discussão multidisciplinar diz mais respeito ao “como” e “quando” ensinar do que ao “quê” que é efetivamente res-ponsabilidade de todos e de cada disciplina, no que se refere aos pontos de especificidade incontornável.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 33 08/03/2016 16:03:18

34

Na avaliação de vários docentes a partir do trabalho cotidiano, os Cader-nos mostram-se superficiais e, se trabalhados conforme a indicação apresentada, podem limitar o programa de estudos, pois não preveem o estabelecimento de conceitos e o desenvolvimento de conhecimentos prévios que possam dar significância ao tema trabalhado. Mesmo quando indicam alguns desses co-nhecimentos a serem trabalhados, não preveem tempo para estabelecê-los de forma concreta em sala de aula com os alunos. Quando não há essa intervenção do professor, os temas se esgotam mais rápido e o currículo pode ser cumprido na totalidade; no entanto, a qualidade da aprendizagem acaba prejudicada em função da quantidade, diante dessa pressão em se cumprir o currículo24. Enten-demos que os Cadernos do Aluno não seriam tão prejudiciais se tivessem sido elaborados como uma espécie de referência, de onde os professores pudessem tirar ideias para novas abordagens, textos para trabalho com alunos, atividades possíveis de serem aplicadas – e no início, de certa forma, eles foram apresen-tados com esta finalidade. No entanto, a cada ano a SEE, através da equipe de supervisão e gestão das escolas, tem insistido em sua utilização, mesmo que o professor considere que o seu uso sistemático possa comprometer a qualidade do seu trabalho.

Ao lado dessa política sistemática de inserção dos cadernos no cotidiano escolar, sem o desejável aprofundamento da discussão acerca de suas relações com o currículo, a formação, o efetivo trabalho docente e as avaliações externas, entendemos ser o maior limite do material o modo como dedica pouca atenção ao estabelecimento de conceitos preliminares para cada tema abordado. Esse limite se explicita na proposta de se sugerir a discussão em sala de aula antes do devido embasamento a partir desses conhecimentos prévios sobre os assuntos abordados, ou, em outras palavras, o domínio de conteúdo que são pré-requi-sitos à compreensão dos temas propostos. A articulação de cada temática com o desenvolvimento curricular fica, desse modo, comprometida, bem como o caráter formativo presente em cada etapa, em cada tema trabalhado. Questões similares também são passíveis de observação ao colocarmos lado a lado os dois cadernos-guias: do aluno e do professor. Vejamos a seguir um exemplo.

Ao longo dos diversos números do Caderno do Professor os diversos temas são trabalhados, de maneira geral, de forma muito similar e, em com-paração com suas versões anteriores, sofreram poucas mudanças nos últimos anos – algo que também ocorre com o Caderno do Aluno. A mudança mais

24 Deve-se observar que isso varia de acordo com a escola e a visão da gestão sobre o cum-primento do currículo.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 34 08/03/2016 16:03:18

35

claramente perceptível parece ser apenas formal: a junção dos cadernos do aluno em apenas dois volumes. Quanto à orientações, conteúdos, atividades e textos de apoio, tudo permanece sem modificação, embora conste na apresen-tação da edição 2014-2017 que estes sofreram uma reestruturação25. Tomamos como exemplo o tratamento do tema “A Crise de 1929 e seus efeitos mundiais”, presente no Caderno do Aluno nº 1, edição de 2014/201726. Certamente trata-se de um conteúdo que tem sido debatido com frequência, cobrado nas diferentes avaliações (Saresp, Enem e outras). A maneira como é apresentado prioriza a comparação com o presente, em detrimento de um aprofundamento das especificidades históricas. O material do aluno parte de um pequeno excerto sobre a crise de 2008 nos Estados Unidos, seguido de atividades envolvendo questões a serem respondidas a partir da leitura e interpretação de mais dois pequenos textos, uma imagem e um gráfico. O Caderno propicia que as ativi-dades sejam rapidamente realizadas apenas a partir da leitura desse material, seguido de orientações simples. No entanto, sabemos que a compreensão da crise de 1929, suas implicações e relações com diferentes circunstâncias histó-ricas, exigiriam o estabelecimento de conexões a partir da apropriação desses conhecimentos e que vão muito além da aplicação dessa reduzida situação de aprendizagem. Tornar essa situação de aprendizagem realmente proveitosa exigiria que o professor trabalhasse previamente com a classe o entendimento de conceitos econômicos básicos, os motivos desencadeantes da crise e ainda suas consequências mundiais, sem esquecer de estabelecer relações com os temas já estudados e a conexão do tema com a situação do Brasil e da econo-mia mundial no presente. Caso contrário, o tema será trabalhado sem muito proveito pelo aluno.

Entendemos que, ao lado do problema da adequação da proposta curricular, o tema suscitado pelo “material de apoio ao currículo do estado” coloca em pauta uma questão de fundamental importância: a necessidade de se considerar quais seriam os passos implicados no aprendizado de História. Nenhum bom professor simplesmente conta o que aconteceu mas realiza uma série de etapas que, consciente ou inconscientemente, levam em consideração o estágio cognitivo do aluno entre outros fatores, bem como o contexto espe-

25 SÃO PAULO (Governo do Estado), Secretaria de Educação. Material de apoio ao currículo do Estado de São Paulo – Caderno do Professor. História. Ensino Médio, vol. 1, São Paulo: Nova Edição 2014-2017, p. 4.

26 SÃO PAULO (Governo do Estado), Secretaria de Educação. Material de apoio ao currículo do Estado de São Paulo – Caderno do Professor. História. Ensino Médio – terceiro ano, vol. 1, São Paulo: Nova Edição 2014-2017, p. 42-46.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 35 08/03/2016 16:03:18

36

cífico de cada turma. Podemos dizer que esses estágios básicos do ensino de história relacionam-se muito mais a uma abordagem dialógica que ao simples procedimento de leituras e formulação de respostas do que reduz a experiência docente ao trabalho com o material de apoio.

É usual que o professor inicie um novo tema partindo do último estudado, buscando ressaltar a relação entre os mesmos e, de modo paralelo, estabelecen-do analogias ou relações com o momento atual. Essa abordagem inicial ainda prioriza uma contextualização e o lançamento de questões. Nessa situação, é estimulada a participação dos estudantes, e normalmente os alunos se colocam, respondem, perguntam e, nesse processo, ainda revelam conhecimentos que já possuem, mas que precisam ser articulados ao conteúdo que está em estudo. O objetivo central nessa estratégia é que eles compreendam, desde o início, a importância de se estudar o tema em questão. Na sequência, faz-se importante o uso de quadros sinóticos onde os temas são esquematizados e explicados em função de alguns quesitos considerados básicos para o entendimento dos conteúdos, tais como: registros sobre o que ocorreu historicamente, sua conceituação, sua localização (onde e quando ocorreu), suas possíveis causas ou características e, por fim, as consequências que gerou. Durante todo esse processo, habilidades e competências estão sendo desenvolvidas em conjunto com a ampliação dos conhecimentos históricos, e, a partir disso, atividades bem diversificadas podem ser aplicadas, inclusive as que estão no Caderno do Aluno, agora “ressignificadas” e contextualizadas. Nem sempre o procedimento é o mesmo, mas esse percurso é bastante usual. Certamente esses procedimentos fundamentais tomam muito tempo de aula. Ao desconsiderá-los, o “material de apoio ao currículo” pressupõe que o aluno já conheça tais conteúdos, o que não é real. Assim, o professor se depara com a impossibilidade pedagógica de concretizar o projeto.

Essas breves considerações sobre as dificuldades para o estabelecimento de um currículo para o ensino de história apontam para o fato de que o verda-deiro problema não reside na extensão curricular, mas no aspecto qualitativo da concepção curricular. Essa concepção tem de permitir ao aluno o acesso aos conteúdos e habilidades que forem considerados fundamentais independen-temente de sua quantidade. Da mesma forma, deve permitir o acesso ao saber vivo, aquele que se torna parte da pessoa e enriquece a sua experiência com o mundo, ao mesmo tempo em que lhe oferece a oportunidade de desenvolver uma relação autônoma com ele.

Tendo em vista o histórico aqui apresentado, é evidente que o diálogo entre todas as instâncias envolvidas no processo de ensino e aprendizagem é

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 36 08/03/2016 16:03:18

37

fundamental para o estabelecimento de uma experiência curricular bem su-cedida. No que se refere à História em particular, faz-se necessária a criação de estratégias de diálogo que permitam que sejam vencidos os pontos que têm obstruído o avanço do esperado consenso na concepção de um novo currículo. Entendemos como aspecto de suma importância nesse processo – diríamos, talvez, como ponto de partida fundamental – a compreensão detalhada das escolhas, justificativas e motivações que envolvem o quadro atual aqui deli-neado, de inegável desconforto em relação ao que é percebido como obstáculo ao bom desenvolvimento curricular na prática cotidiana do ensino de história. Outro aspecto associado ao que foi apontado neste artigo diz respeito ao modo de participação de professores na definição das políticas públicas relativas ao ensino, neste caso especificamente aquelas pertinentes à disciplina História e seu ensino.

Para uma conclusão propositiva, que considere o quadro delineado e permita vislumbrar possibilidades a partir dele, apontamos dois aspectos que nos parecem importantes para se avançar em relação ao tema do currículo em História. Para isso, apoiamos nossas proposições no entendimento expresso inicialmente de que são imprescindíveis muitos debates e reflexões para se estabelecer as bases curriculares para uma área polêmica do conhecimento sistemático como é a História. Parece-nos não ser suficiente estabelecer sequên-cias de conteúdos ou sintetizá-los didaticamente em cadernos ou materiais de apoio que, em última instância, passam a impressão de uma simplificação que delega papel secundário ao complexo trabalho cotidiano de professores e estudantes em sala de aula.

Por isso, entendemos ser fundamental, para se avançar nesse debate, ini-cialmente explorar de modo sistemático as estreitas relações entre os conteúdos definidos nas bases curriculares e os sistemas de avaliação que aparentemente têm papel decisivo nessa definição. A compreensão desse entrelaçamento, acompanhado neste artigo apenas em exemplos pontuais, permitiria maior clareza sobre o alcance desejado e potencial das políticas públicas nas quais se inserem o currículo e o trabalho docente. Um segundo aspecto diz respeito à efetiva construção dos materiais didáticos capazes de traduzir essas escolhas curriculares e de políticas públicas em peças significativas para os processos de ensino de aprendizagem em pauta. Dada a abrangência das temáticas tratadas pelo conhecimento histórico – desdobradas em numerosos debates historiográficos –, nossa proposta se iniciaria com a elaboração de um projeto--piloto ou caderno-piloto, no qual se partiria da escolha de um tema presente no currículo para formularmos uma proposta de trabalho pontual. Com base

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 37 08/03/2016 16:03:18

38

nas maneiras pelas quais os professores usualmente desenvolvem essa temática escolhida, buscaríamos inicialmente compreender a sua inserção nas escolhas curriculares, sua formulação atual nas versões atuais dos cadernos e outros suportes didáticos e poderíamos, então, apresentar uma proposta ao debate. Essa abordagem procura levar em conta não apenas a necessidade de se definir tipo de conhecimento, problemas e formas de construção desse conhecimento, mas também o fundamental diálogo entre aqueles que elaboram cotidiana-mente os modos de trabalho com os conteúdos curriculares, aqueles que se ocupam sistematicamente das pesquisas e discussões historiográficas e os que se preparam, no âmbito dos cursos de licenciatura, para a atuação docente no contexto dos trabalhos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência-PIBID, nomeadamente: os supervisores, coordenadores e bolsistas, mobilizados em torno desse debate.

Referências

BRASIL. Lei 13.005, de 25 de junho de 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em 12/09/2015.

SÃO PAULO. Plano Estadual de Educação do Estado de São Paulo. São Paulo: 2015, p. 5. Disponível em: http://www.intranet.educacao.sp.gov.br. Acesso em 22/05/2015.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 38 08/03/2016 16:03:18

39

Oficinas geográficas: práticas de sustentabilidade e educação ambiental

“consumo, lixo e tratamento de resíduos”Rafael Straforini

Coordenador de Área do subprojeto Geografia do PIBID-UnicampInstituto de Geociências

Mariana Lima LoterioEx-Bolsista ID do subprojeto Geografia do PIBID-Unicamp

Jéssica Gomes de JesusEx-Bolsista ID do subprojeto Geografia do PIBID-Unicamp

Victor Hugo Paiva de OliveiraEx-Bolsista ID do subprojeto Geografia do PIBID-Unicamp

Vasco Magano Marques da CostaEx-Bolsista ID do subprojeto Geografia do PIBID-Unicamp

Introdução

Segundo Vieira (2003), atualmente é extremamente necessário cristali-zar uma consciência acerca da vulnerabilidade do “Sistema Terra”, produzida pelo processo contraditório inerente a nossa “civilização tecnológica” e seu consequente consumismo, o que tem provocado aumento desenfreado por recursos naturais e energéticos em todas as etapas do processo de produção e consumo dos bens materiais (produção, circulação e descarte).

Nesse contexto, a oficina desenvolvida teve como objetivo geral1 cons-cientizar os alunos sobre a relação entre consumo, geração de lixo e problemas

1 Os objetivos específicos do projeto que fundamentou a oficina foram: i) debater com os alunos acerca da problemática do lixo gerado nas grandes cidades, de porte semelhante ao de Campinas; ii) apresentar aos alunos elementos sobre o tempo de decomposição dos materiais

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 39 08/03/2016 16:03:18

40

ambientais. Buscamos compreender o ciclo do lixo através da espacialização das etapas do consumo: a produção, a comercialização, o uso da mercadoria e o descarte, e discutir os problemas socioambientais resultantes de tal circuito. Também buscamos apresentar métodos de mitigação de tais efeitos, demons-trando aos alunos a importância da reciclagem por meio da compostagem dos resíduos sólidos, conduzindo-os a compreender na prática a importância da minimização da geração de lixo.

Para atingir esse objetivo, na perspectiva metodológica da Educação Am-biental, desenvolvemos uma oficina de produção de uma composteira a partir dos rejeitos da merenda escolar, com a finalidade de demonstrar o processo de transformação dos resíduos sólidos orgânicos em húmus com características semelhantes às do fertilizante orgânico. A oficina envolveu, além da discussão teórica, uma prática interdisciplinar como forma de exemplo de sustentabili-dade para as novas gerações, articulando conteúdos previstos nos currículos escolares de Geografia e Ciências.

Participaram da oficina alunos do sexto ao nono ano do Ensino Fun-damental da Escola Estadual Felipe Cantúsio, localizada no Parque Indus-trial, na cidade de Campinas, São Paulo. As atividades foram realizadas ao longo de todo o segundo semestre de 2013, sempre no período da manhã e no contraturno de seus participantes, que eram alunos regulares do período vespertino.

Concordamos com Francischett (2002) que a realização de Oficinas Pe-dagógicas no ensino da Geografia permite práticas de ensino-aprendizagem mais interativas, possibilitando a reflexão em torno dos conceitos da ciência geográfica para a vida cotidiana dos escolares. Acreditamos, também, ser ex-tremamente valioso para os estudantes dos cursos de licenciatura vivenciarem diversas alternativas metodológicas, sobretudo aquelas que ultrapassam a sala de aula como único espaço de aprendizagem.

Veiga (2007) nos apresenta três pressupostos básicos sobre a “demons-tração didática” como recurso metodológico, a saber: i) papel ativo do aluno no processo; ii) relação teoria prática; iii) relação entre dimensão técnica e política. Sobre o primeiro fundamento, alerta que o aluno deve ser visto como

mais consumidos, tendo em vista a incerteza sobre a destinação desse material após o des-carte; iii) esclarecer aos alunos que todo tipo de consumo gera resíduos, mas que existem práticas sustentáveis de reutilização de materiais anteriormente vistos como lixo, sobretu-do o material orgânico; iv) construir o conceito de compostagem como uma maneira de reaproveitar lixo orgânico, e a possibilidade de otimizar a fertilidade dos solos com essa prática; e v) construir uma horta suspensa.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 40 08/03/2016 16:03:18

41

um sujeito concreto, proveniente de diversos contextos sociais, carregando experiências e conhecimentos de mundo e devendo ser encarado como co--participante do processo de aprender. Nessa perspectiva, “o trabalho do professor é caracterizado por duplo movimento: continuidade de experiência trazida pelo aluno e ruptura dessa experiência, propiciando-lhe uma visão mais elaborada do conhecimento” (VEIGA, 2007, p.135). No que se refere à relação teoria e prática, a autora chama a atenção de que essa deve ser a preocupação central do professor; no entanto, sem hipervalorizar a teoria e estacionar na sua contemplação ou, ainda, que a prática não seja uma mera aplicação da teoria. Assim, “o aluno constrói, com a colaboração do professor e dos conteúdos ministrados, sua própria visão de mundo, de maneira concreta, a partir de suas experiências” (VEIGA, 2007, p.136). Por fim, o terceiro e último pressuposto, que trata da relação entre dimensão técnica e política do processo educativo, a autora chama a atenção para o fato de que há uma intencionalidade técnica e política nas atividades e que o professor não pode se furtar dela, pois as ações educacionais estão sempre inseridas num conjunto de relações sociais e são orientadas para determinadas finalidades.

Durante a oficina foram realizadas as seguintes atividades: elaboração de um mapa-múndi mostrando a origem e o destino do lixo; discussões sobre práticas sustentáveis dentro e fora da escola; a produção de uma composteira; horta suspensa; e exposição na escola dos materiais desenvolvidos pelos par-ticipantes da oficina.

O problema socioambiental criado pelos resíduos sólidos

A iniciativa do presente trabalho é discutir um dos assuntos mais perti-nentes da nossa era: a utilização dos recursos naturais e as práticas de conserva-ção dos mesmos. Nos dias atuais, a produção de resíduos sólidos apresenta-se como um problema de grande dimensão, pois faz parte do cotidiano do ser humano e é agravado devido ao contínuo crescimento da população humana e sua respectiva concentração em centros urbanos (SANTOS, 2008).

O lixo urbano é um dos maiores problemas da atualidade, sendo que o padrão consumista do atual estágio do desenvolvimento capitalista adotado pela maioria das sociedades modernas aumenta proporcionalmente o consumo e a produção de resíduos; logo, é de extrema importância conceber que esse é um dilema que deve ser abordado nas escolas, discutindo criticamente o atual padrão de consumo, bem como sua cadeia produtiva, isto é, de sua origem até o descarte final.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 41 08/03/2016 16:03:18

42

Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resí-duos Especiais (ABRELPE), no ano de 2012 mais de três mil cidades brasileiras descartaram 24 milhões de toneladas de resíduos em lugares inadequados. Esse dado é preocupante, pois segundo Santos (2008), o lixo possui uma potenciali-dade em se transformar em foco de doenças, contaminação do solo, do ar e das águas. Analisando o Quadro 1, percebe-se que o lixo é composto de materiais variados e que esses materiais possuem tempos distintos de decomposição, o que nos leva a crer que o seu tratamento pós-descarte deve ser feito de maneira diferenciada e adequada, demonstrando quão complexa é essa questão.

A questão do lixo urbano é um problema de todas as cidades, sejam elas grandes ou pequenas, pois o lixo libera gases que contribuem para o efeito estufa. O lixo é um poluidor potencial das águas, sejam elas subterrâneas ou superficiais, contribui para com a proliferação de insetos e animais peçonhentos e, consequentemente, na transmissão de doenças, e ainda um grande impacto na poluição visual.

Quadro 1: Tempo de decomposição dos materiais

Resíduo Tempo de degradaçãoJornais De 2 a 6 semanas

Cascas de frutas 3 mesesTecido De 6 a 12 meses

Lata de alumínio De 100 a 500 anosPilhas e baterias De 100 a 500 anos

Garrafa de plástico Mais de 500 anosVidro IndeterminadoPneus Indeterminado

Fonte: Adaptado de FEC/UNICAMP

Em relação à destinação dos resíduos, muitas cidades não fazem a coleta seletiva e são coniventes com o descarte irregular de lixo, geralmente em áreas de várzeas, que ao longo do tempo se tornam potenciais poluidores de lençóis freáticos e dos próprios cursos d’água. A edificação e aumento da impermea-bilidade do solo realizadas nos antigos lixões ou aterros ainda fornecem um risco explosivo, já que o gás metano gerado na decomposição do lixo explode ao entrar em contato com o ar. Assim, muitas áreas antigas de descarte, ao

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 42 08/03/2016 16:03:19

43

alcançar o limite de sua capacidade, deixam o uso dessas áreas para outras finalidades e ficam comprometidas devido à contaminação do solo e ao risco de explosão. É o caso da USP Leste, que teve as aulas suspensas por mais de um semestre, pois foi construída sobre um aterro sanitário de lixo orgânico desativado, sem as devidas correções e adaptações técnicas, correndo o risco de explosão e contaminação de seus estudantes e funcionários.

Visando minimizar os problemas gerados pelo lixo, o governo federal implementou a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) em 2010, por meio da Lei No. 12.305/10, que tem por objetivo organizar o tratamento do lixo, incentivando a reciclagem e a minimização da geração de resíduos. Entre os principais aspectos da Lei, pode-se destacar alguns pontos: o fechamento dos lixões até 2014 - somente os rejeitos (que não podem ser reaproveitados por compostagem, nem reciclagem) poderão ser encaminhados ao aterro; a elaboração de planos de resíduos sólidos nos municípios; e o prazo até 2015 para reciclagem de 20% de todos os resíduos gerados. Outro ponto importante é a responsabilidade de geração do lixo compartilhada entre os fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, cidadãos e titulares de serviços de manejo de resíduos sólidos, caracterizando a implementação da logística reversa do lixo.

Baseados nessas informações, concordamos com Medina (2000) que afirma que é de extrema importância aproximar a realidade ambiental das pessoas, de modo que elas passem a perceber o ambiente como algo próximo e importante nas suas vidas, reconhecendo assim que cada indivíduo tem um importante papel a cumprir na preservação e transformação do ambiente em que vive.

Nesse contexto, a oficina pedagógica procurou demonstrar aos alunos a dimensão do problema socioambiental gerado pelos resíduos sólidos, con-siderando desde a fase do consumo até o seu devido descarte. Desse modo, conduzimos os participantes da oficina a repensarem de maneira crítica sobre os papéis exercidos individualmente, buscando enxergar alternativas aplicáveis no cotidiano, dentro e fora do espaço escolar.

A prática da educação ambiental para o ensino fundamental

O estudo sobre o meio ambiente torna-se cada vez mais essencial devido ao contexto em que vivemos neste início de século XXI. Devido ao grande desenvolvimento e do tipo de vida levado pela humanidade nos dias atuais, grandes problemas ambientais estão surgindo; os recursos minerais estão se

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 43 08/03/2016 16:03:19

44

esgotando e é necessário que todo cidadão tenha consciência de que, mesmo que nem todos os problemas ambientais sejam causados pelo homem, eles estão acontecendo de forma mais frequente e intensa.

No atual momento do capitalismo, devemos ter em mente que o de-senvolvimento tecnológico está extremamente ligado a um consumismo desenfreado, estabelecendo novos padrões de consumo difundidos pelos canais de informação e cadeias globais de comunicação que são, de fato, os agentes fundamentais para a propagação da cultura de massa. Segundo Triano e Lombardo (2005, p.15911), “as populações estão cada vez mais envolvidas com as novas tecnologias e com cenários urbanos, perdendo, dessa maneira, a relação natural que tinham com a terra e suas culturas”. Contraditoriamen-te, alguns autores têm afirmado que as tecnologias também são e podem ser uma resposta à crise ambiental, a exemplo da afirmação de Carvalho (2008, p. 124) de que “busca reafirmar-se em certo otimismo tecnológico, que vê nas tecnologias ambientais e nos novos mercados verdes a via régia para a solução da crise ambiental”.

Uma questão importante sobre a educação ambiental na escola é a dis-cussão filosófica que ela cria, englobando vários questionamentos, a exemplo de Pelegrini e Vlach (2011, p. 195) que afirmam que “é necessário, sim, abordar nesta discussão, os aspectos sociais, políticos e ideológicos envolvidos, o que poderá resultar num questionamento a respeito das funções da escola”.

Dentre as concepções mais recorrentes que fundamentam os projetos de educação ambiental desenvolvidos nas escolas, destaca-se a concepção compor-tamental, em que a formação do cidadão deve estar relacionada com o mundo em que ele vive e sua responsabilidade sobre ele. Tozoni-Reis (2004), ao ana-lisar os discursos dos professores referentes à educação ambiental, identificou esse forte apelo comportamental, uma vez que os discursos sempre enunciam:

[...] necessidade de incorporar valores e atitudes aos conhecimentos sobre os processos ambientais para definir uma relação equilibrada dos indivíduos com o ambiente em que vivem. [...] as ideias de solidariedade e humanização aparecem relacionadas à formação do sujeito indivíduo: a consciência de si foi posta como objetivo da educação ambiental. (TOZONI-REIS, 2004, p. 71)

Para Carvalho (2008, p. 153), essa concepção está pautada sob o guarda--chuva de “boas práticas ambientais” ou dos “bons comportamentos am-bientais”. Para a autora, ao questionarmos “quem define essas boas práticas”, “sob o ponto de vista de quem são boas essas práticas” e “com base em qual concepção de meio ambiente certas práticas estariam sendo classificadas como

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 44 08/03/2016 16:03:19

45

ambientalmente adequadas”, a concepção comportamental não resistiria à crítica profunda, apresentando-se como uma concepção ingênua e romântica de educação ambiental.

Em oposição, a concepção crítica de educação ambiental fundamenta-se numa concepção de “educação como um processo socialmente situado”, ou seja, “um processo que tem como horizonte formar o sujeito humano enquanto ser social e historicamente situado”. Nesse sentido, a educação ambiental ul-trapassa a concepção individualista ou comportamental porque trata de “uma tomada de posição de respeito pelo mundo em que vivemos, incluindo aí a responsabilidade com os outros e com o ambiente” (CARVALHO, 2008, p.157).

A educação ambiental é uma forma abrangente de educação, que se propõe atingir todos os cidadãos, fazendo com que adquiram uma visão crítica perante a problemática ambiental do seu espaço imediato e de outras escalas mais longínquas, nunca deixando de estabelecer relação entre o local e o glo-bal. Dessa forma, podemos também levar as discussões geradas pela educação ambiental para sala de aula, considerando, sobretudo, o ambiente do entorno onde a escola está inserida; situando os alunos no tempo e no espaço enquanto sujeitos históricos, trabalhando de forma consciente com todos os cidadãos, formando-os como agentes transformadores da sociedade em que vivem, já que “a capacidade de mudança está presente em todo cidadão” (TRIANO & LOMBARDO, 2005, p. 15913).

Se a forma fragmentada e especializada como o conhecimento é trans-mitido aos alunos dificulta a compreensão das inter-relações que constituem nosso mundo, a educação ambiental, ao contrário, abrange diversas áreas do conhecimento2 e isso, segundo Carvalho (2008, p. 125) “desperta enorme expectativa renovadora do sistema de ensino, da organização e dos conteúdos escolares, convidando a uma revisão da instituição e do cotidiano escolar”. Da mesma forma, Libâneo (2007, p. 21) afirma que “os conteúdos científicos e culturais do ambiente são transformados em matéria de estudo por proce-

2 De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) a questão de sustentabili-dade, cidadania, a geração do lixo e das formas de tratamento de coleta é tratada tanto de 1ª a 4ª séries como de 5ª a 8º séries do Ensino Fundamental, em Ciências Naturais, meio ambiente (1º a 4ª) ou como tema transversal. Embora o Currículo de Geografia tangencie o tema, ele também não é tratado como um tema estruturante no currículo de ciência. Assim, a temática do meio ambiente, devido à sua complexidade, culmina no fato de que nenhuma das áreas do conhecimento, inclusive na Geografia, consiga isoladamente abordá-la, sendo tratada, em geral, como um tema transversal. Nesse sentido, os estudos do meio, que trabalham com temas interdisciplinares, poderiam ser um importante meio de introdução da temática da sustentabilidade e da educação ambiental na sala de aula.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 45 08/03/2016 16:03:19

46

dimentos didáticos [...] para serem aprendidos e reconstruídos pelos alunos, e convertidos em modos de ação concretos”.

A composteira como recurso metodológico no ensino de geografia

Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMPRAPA, o Brasil produz 241.614 toneladas de lixo por dia – cerca de 76% são depositadas a céu aberto, em lixões, 13% são depositadas em aterros controlados, 10% em usinas de reciclagem e 0,1% são incinerados. Do total do lixo urbano, 60% são formados por resíduos orgânicos que poderiam ser transformados em exce-lentes fontes de nutrientes para as plantas.

A compostagem é uma técnica que visa estimular o processo de decom-posição de matéria orgânica por micro-organismos, transformando resíduos orgânicos de diferentes origens em húmus que é uma substância escura, uniforme, amorfa, rica em nutrientes (COSTA & SILVA, 2011). Para o bom desenvolvimento da composteira, é necessário o controle tanto de escassez como de excesso de água. A aeração também é imprescindível, uma vez que a decomposição do material vincula-se a um processo microbiológico realizado por bactérias, fungos, actinomicetes e outros micro-organismos aeróbicos. O tempo aproximado para a transformação total da matéria orgânica em húmus é de 2 a 3 meses.

A montagem da composteira foi escolhida pelo grupo por ser uma atividade educativa prática, que permitiu o aprendizado de conceitos cur-riculares de uma maneira alternativa à explanação do professor em sala de aula. O objetivo era fazer os alunos participarem ativamente da montagem e manutenção da composteira, utilizando a percepção visual e sensorial para compreender os processos biológicos e as transformações químico-físicas da compostagem. Além dos processos intrínsecos à composteira, buscamos demonstrar essa técnica como uma alternativa à destinação dos resíduos or-gânicos. O tratamento da compostagem enquanto método de educação am-biental visa à compreensão de que o reaproveitamento dos resíduos orgânicos pode minimizar a geração de lixo e a sobrecarga aos aterros sanitários, além de proporcionar um adubo orgânico que pode ser utilizado como fertilizante em jardins e áreas verdes.

A composteira foi montada dentro da escola, em uma área de pouca circulação, atrás do laboratório de ciências. A sua delimitação física foi feita por tijolos de concreto e utilizamos materiais orgânicos do próprio jardim da escola e frutas, legumes, cascas e talos descartados da merenda escolar. Obser-

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 46 08/03/2016 16:03:19

47

vamos que havia um grande desperdício de alimentos na escola, sobretudo de frutas. Assim, também buscamos a conscientização dos alunos em dois níveis: o da diminuição do desperdício e o do reaproveitamento dos resíduos gerados.

Para a manutenção da composteira, fizemos o revolvimento semanal do composto, visando aerar a matéria e, assim, acelerar o processo de decomposi-ção. A partir da segunda semana já pudemos observar a presença marcante de minhocas, importantes para o desenvolvimento do composto, pois facilitam a decomposição e aeração da matéria. Com o decorrer das semanas a maté-ria orgânica foi gradativamente se fragmentando e tornando-se mais escura, aproximando-se das características do adubo orgânico.

Acreditamos que essa atividade educativa foi enriquecedora aos que participaram do grupo de trabalho devido ao seu caráter interdisciplinar e a possiblidade de abordagem do tema em diversos conteúdos escolares. A ativi-dade prática de montagem da composteira pode ser entendida, assim, como complementar aos conteúdos ministrados em sala, permitindo a visualização de processos abstratos ensinados no Ensino Fundamental, tais como a ação de micro-organismos e mudanças físico-químicas na composição de materiais. Também pode ser trabalhado em conteúdos de Geografia, como uma alternativa sustentável à destinação dos resíduos, minimizando os impactos sobre o meio ambiente, sobretudo o urbano. Nesse sentido, podemos afirmar que a oficina pedagógica trabalhou ativamente com os três pressupostos apresentados por Veiga (2007), acima explicitados.

Metodologia da oficina

Nos meses de trabalho na “E. E. Felipe Cantúsio”, abordamos conteúdos valiosos à Geografia com os alunos participantes da oficina. Ao longo das ati-vidades refletimos com os alunos participantes a problemática do lixo, tendo em vista a produção de bens em escala internacional no mundo globalizado e sabendo de sua futura transformação em resíduo nos pontos de consumo. Um dos propósitos da discussão foi fazer ver aos participantes da Oficina que a dimensão do tema “lixo” vai muito além de cestas, garis e coleta diária/semanal, percorrendo o seu circuito espacial, da produção, passando pelo consumo dos materiais adquiridos até à gerência dos resíduos produzidos.

Desenvolvemos a oficina pedagógica em encontros semanais, sempre problematizando a questão da produção do lixo e do consumo, fazendo com que os alunos refletissem sobre suas atitudes dentro e fora do ambiente esco-lar. Assim, conversas em roda foram fundamentais para a conscientização de

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 47 08/03/2016 16:03:19

48

que consumo e geração de resíduos são inevitáveis, devido à configuração da sociedade em que vivemos. Contudo, podemos encontrar maneiras para evitar os impactos ambientais produzidos nesse processo.

Além de discussão em grupo, procuramos desenvolver práticas peda-gógicas que cativassem nossos alunos, tentando incluir o máximo possível de atividades práticas e a utilização de recursos audiovisuais. Sobre este último item, apresentamos dois vídeos sobre as consequências do descarte incorreto dos materiais (principalmente o plástico, tão essencial à vida contemporânea). Tanto o vídeo “A ilha de lixo do Pacífico”3, quanto o vídeo “Sopa plástica: o lixão do Oceano Pacífico”4, tratavam de um fenômeno peculiar de acúmulo de uma quantidade extraordinária de material descartado que, seguindo o fluxo e direção preferencial das correntes oceânicas, acabou por se acumular e formar uma gigantesca “ilha” de lixo no meio do Oceano Pacífico.

A primeira atividade prática realizada pelos alunos consistiu na confec-ção de desenhos que representassem a ideia mais ampla de “sustentabilidade” e como tal ideia (ou conceito) poderia ser aplicada no ambiente escolar, ou seja, o que viria a ser uma “escola sustentável”, o que pode ser observado nas imagens abaixo (Figura 1). Os desenhos foram elaborados, como sempre, tendo em vista uma discussão inicial e final, para podermos perceber a influência das contribuições dos participantes.

3 “A ilha de lixo do Pacífico”. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=q6IoMu-Da4GQ. Acesso em: 12/2013.

4 “Sopa plástica: o lixão do Oceano Pacífico”. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=XwvYzmk-NjY. Acesso em: 12/2013.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 48 08/03/2016 16:03:19

49

Figura 1: Compilação de fotografias dos desenhos temáticos

Fonte: PIBID Geografia Unicamp (2013)

Outra atividade prática realizada consistiu na elaboração de um grande mapa em papel vegetal pintado à mão (Figura 2) e com colagens de rótulos de marcas de produtos consumidos nas casas dos alunos participantes, como

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 49 08/03/2016 16:03:19

50

forma de demonstrar o circuito espacial do lixo, com a origem e destino desses diversos produtos. Dessa forma, ficava estampada no mapa a espacialização do consumo, de forma geral, e, grosso modo, representava a preponderância de certas empresas (as grandes corporações multinacionais) em certos países (países desenvolvidos do Hemisfério Norte). Isso era uma evidência da relação hegemônica de produção e consumo, estabelecida entre as nações centrais e periféricas atualmente. Esse não era nosso objetivo inicial com a proposta do mapa, mas mostrou-se como um debate muito rico.

Figura 2: Fotografias do Mapa-múndi – “Do luxo ao lixo”

Fonte: PIBID Geografia Unicamp (2013)

A construção da composteira (Figura 3), principal atividade desenvolvida pela oficina pedagógica, foi a atividade que demandou mais tempo, atenção e dedicação dos participantes, graças aos cuidados específicos que eram exigi-dos. Revirar o material constantemente e mantê-lo úmido para que houvesse uma decomposição adequada da matéria orgânica utilizada (no caso, restos de alimentos da cozinha da própria escola) e sua futura incorporação à terra

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 50 08/03/2016 16:03:20

51

disponível. Todo o processo de transformação da matéria orgânica em húmus fertilizante pode ser observado no conjunto de imagens a seguir:

Figura 3: Compilação de fotografias das fases da composteira

Fonte: PIBID Geografia Unicamp (2013)

Durante a construção da composteira, como pode observado nas imagens acima, uma quantidade exagerada de restos de alimentos ainda frescos e in-tactos foram descartados como lixo e enviados para utilização na composteira. Em função disso, os alunos participantes da Oficina elaboraram cartazes para conscientizar os demais alunos da escola sobre o desperdício de alimentos da merenda escolar, conforme a Figura 4.

Figura 4: Fotografia de cartazes contra o desperdício de alimentos na escola

Fonte: PIBID Geografia Unicamp (2013)

Nos últimos encontros, já tendo em vista o encerramento das atividades, montamos, com a ajuda dos alunos, uma pequena horta e jardins suspensos (Figura 5) nas dependências da escola. A horta foi produzida com garrafas PET, demonstrando um exemplo de reutilização de materiais antes tomados como lixo.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 51 08/03/2016 16:03:21

52

Figura 5: Fotografia da horta-suspensa

Fonte: PIBID Geografia Unicamp (2013)

No último encontro, foi realizada uma apresentação geral dos resultados de todas as oficinas do PIBID – Geografia na E.E. Felipe Cantúsio, nos horários da manhã e da tarde. Vale ressaltar que essa foi uma forma encontrada para os alunos participantes e os demais matriculados na escola conhecerem os trabalhos desenvolvidos ao longo do semestre.

Considerações finais

Ao longo da Oficina refletimos com os alunos participantes a proble-mática do lixo, tendo em vista a produção de bens em escala internacional no mundo globalizado e sabendo de sua futura transformação em resíduo nos pontos de consumo. Um dos objetivos da discussão foi debater com os participantes da Oficina sobre a dimensão do tema “lixo”, que vai muito além de cestas, garis e coleta semanal, percorrendo o trajeto desde o consumo dos materiais adquiridos até a gerência dos resíduos produzidos.

Discutimos também a importância da reutilização dos materiais des-cartados, em especial do lixo orgânico produzido no ambiente doméstico, que, além de ser uma prática sustentável, é também uma alternativa barata para melhorar a qualidade do solo passível de uso para plantio de pequenos vegetais. Demonstramos assim que a qualidade do solo influencia a qualidade das plantas produzidas, articulando os temas relacionados à fertilidade de solos com a botânica. Ao longo das atividades valorizamos os conhecimentos

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 52 08/03/2016 16:03:21

53

prévios dos alunos sobre tais assuntos, articulando tanto os seus conhecimen-tos já adquiridos durante a vida escolar quanto aqueles produzidos em seus contextos cotidianos familiares.

O desenvolvimento de oficinas em contraturno mostrou-se uma prática extremamente rica, sobretudo quando se desenvolve atividades práticas articu-lando conhecimentos teóricos trabalhados nas disciplinas escolares no turno regular. As oficinas também mostraram um espaço-tempo único de práticas interdisciplinares e de integração de diferentes fases de escolarização, pois não precisam estar necessariamente estruturados seguindo a seriação tradicional da escola. A vivência de alunos de diferentes anos do segundo segmento do ensino fundamental (sexto ao nono anos) não foi um problema para o desen-volvimento da oficina, configurando-se, na verdade, como uma rica experiência integradora social e cognitivamente.

Foi possível vivenciar, ao longo da oficina, o quanto é importante o ensino da educação ambiental, provocando novas questões e desafios na esfera da reso-lução de problemas, permeando tanto o ambiente escolar quanto o meio a sua volta e conectando, portanto, experiências reais de vida. Verificamos também como os alunos gostaram de participar ativamente das atividades propostas, permitindo-nos acompanhar a mudança em suas formas de pensamento e como isso ocorreu concretamente.

A única ressalva fica por conta do tempo reduzido para a evolução ade-quada do material orgânico da composteira, o que fica como uma experiência de aprendizado prático para o futuro e um novo instrumento de ensino incor-porado ao patrimônio da escola. A continuidade dessas práticas de diminuir o desperdício e melhorar e ampliar uma horta própria da escola é extremamente positivo em um contexto de pensamento sustentável local.

Para nós, bolsistas de Iniciação à Docência do Subprojeto de Geografia do PIBID-Unicamp, o tempo ocupado na Oficina permaneceu como uma experiência de aprendizado prático para o futuro, uma vez que nos permitiu entrar em contato com a realidade escolar e com um novo instrumento útil de ensino, inserindo futuros professores no ambiente da educação pública e dando uma contribuição possível para o seu progresso e desenvolvimento.

Referências

ABRELPE - Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais. Lançamento Panorama 2012. Disponível em: http://www.abrelpe.org.br/noticias_detalhe.cfm?NoticiasID=1420. Acesso em: 12/2013.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 53 08/03/2016 16:03:21

54

CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação Ambiental: a formação do sujeito ecológico. (3ª ed.) São Paulo: Cortez, 2008. (Série “Docência em formação. Problemáticas transversais”).

COSTA, André Pereira & SILVA, Wilza Carla Moreira. A compostagem como recurso metodológico para o ensino de Ciências Naturais e Geografia no ensino. Goiânia, GO: Enciclopédia Biosfera, 2011.

EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Compostagem caseira de lixo orgânico doméstico. Disponível em: http://www.cnpmf.embrapa.br/publicacoes/circulares/circular_76.pdf. Acesso em: 12/2013.

FACULDADE DE ENGENHARIA CIVIL, Arquitetura e Urbanismo - UNICAMP. Tempo de degradação dos materiais. Disponível em: http://www.fec.unicamp.br/~crsfec/tempo_degrada.html. Acesso em: 12/2013.

FRANCISCHETT, Mafalda Nesi. A prática do ensino de Geografia através de oficinas pedagógicas. Revista Faz Ciência, vol 4, no 1, 2002, p. 103-108.

LIBÂNEO, José Carlos. Pensar e atuar em educação ambiental: questões epistemológicas e didáticas. In: Anais... XI EGAL, Encuentro de America Latina, 2007. Bogotá, Colômbia, p. 1-20.

MEDINA, Nanná Mininni. Formação dos professores em Educação Ambiental. In: Textos sobre capacitação de professor em Educação Ambiental. Brasília, DF: Ministério da Educação; COEA, 2000, p. 15-22.

PELEGRINI, Djalma Ferreira & VLACH, Vânia Rúbia. As múltiplas dimensões da educação ambiental: por uma ampliação da abordagem. Sociedade & Natureza, Uberlândia, ano 23, no 2, p. 187-196, maio/ago. 2011.

SANTOS, Liz. A questão do lixo urbano e a geografia. 1° SIMPGEO/SP, Rio Claro, 2008, p. 1014-1028.

TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Educação Ambiental: natureza, razão e história. Campinas: Autores Associados, 2004.

TRIANO, Ana Beatriz Siqueira & LOMBARDO, Magda Adelaide. Contribuição da ciência geográfica na Educação Ambiental: da teoria à prática. In: Anais... X Encontro de Geógrafos da América Latina. Universidade de São Paulo, 2005.

VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Nos laboratórios e oficinas escolares: a demonstração didática. In: ________ (Org.). Técnicas de ensino: por que não? (18ª ed.) Campinas: Papirus, 2007, p. 131-146.

VIEIRA, Paulo Freire. A problemática ambiental e as Ciências Sociais no Brasil (1980-1990) - Mapeamento preliminar e avaliação crítica da produção acadêmica. Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, nº 33, 1º semestre de 1992, p. 3-32.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 54 08/03/2016 16:03:21

55

O ensino da Dança no PIBID-Unicamp: rede estendida de formações e transformações

Marisa Martins Lambert Coordenadora de Área do subprojeto Dança do PIBID-Unicamp

Instituto de Artes

Introdução

Este artigo preenche o desejo de compartilhar, ainda que brevemente, as principais ações e reflexões que orientaram a trajetória do subprojeto PIBID Dança Unicamp nos anos de 2014 e 2015. Pretende-se aqui dar aparência aos enfrentamentos, aos estudos e práticas que sublinharam esse projeto educa-tivo e relatar as proposições encampadas, reveladoras do perfil ideológico e artístico-pedagógico assumidos pelos membros envolvidos. No decorrer do percurso, tentaremos elucidar a maneira comprometida e entusiástica como o PIBID Dança vem tecendo cruzamentos formativos entre os saberes da uni-versidade (representados pelo Curso de Licenciatura em Dança da Unicamp), aqueles das escolas públicas (contextualizados no fazer das escolas parceiras do projeto) e as experiências dos docentes em formação (geridas pelas bolsis-tas desse subprojeto de iniciação à docência) –, visando mostrar uma teia em funcionamento transformativo conquistada passo a passo e a cada dia.

A redação do texto se pauta no ponto de vista da coordenadora de área, enfocando o olhar constituinte do projeto, suas fundamentações e direciona-mentos. Contudo, mais adiante na escrita, são incluídas breves citações de uma das supervisoras1 do projeto, colhidas de e-mails, registros de vídeo, cartas de apoio, a fim de contextualizar, mesmo que indiretamente, também um olhar sobre o trabalho em evolução dentro da escola. Assim, acredito ser possível

1 Agda Cristina Brigatto é parte da equipe do PIBID Dança Unicamp desde sua criação. Sua motivada atuação como supervisora tem sido fundamental para o sucesso do projeto. Agda é mestre em educação e licenciada em Artes Visuais. Desde 2008 atua como professora da disci-plina de Arte na rede estadual lecionando no ensino fundamental, ciclo I da Educação Básica.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 55 08/03/2016 16:03:21

56

dar mais espessura ao apresentado, pela justaposição de visões que compõem uma trama mais dialogada.

Considerações iniciais sobre o ensino das artes

Pode-se afirmar, sem risco, serem características do mundo de a hoje sua multiplicidade e complexidade de relações e interações. Vivemos em um ambiente que ganha significado na intersecção entre campos formativos e in-formativos, na variedade de posturas socioculturais e na diversidade de propo-sições políticas, afetivas, estéticas, humanas. Essa realidade móvel e transversal vem impulsionando transformações atinentes aos modos de aproximação do conhecimento e, portanto, gerando mudanças também nas formas de abordá--los educacionalmente.

No caso do aprendizado artístico, por exemplo, acredito ser fato para todas as áreas ou linguagens que a arte de hoje nasce de um lugar muito mais eclético e híbrido, tornando-se um evento mais criativo, mais livre de regras ou prede-terminantes expressivos do que aquela nascida em outros momentos históricos. Sua organização construtiva e, consequentemente, seus métodos de ensino, vêm deixando de lado o emprego de fórmulas ou códigos rígidos que conduzem linear-mente o aprender/fazer. Ao contrário, as novas propostas metodológicas vêm valorizando cada vez mais o esforço investigativo do sujeito-artista em contato consigo mesmo e com seu entorno, organizando-se por meio de práticas que potencializam a articulação entre conteúdos e a produção pessoal de sentido.

Os procedimentos de ensino que se afinam com a contemporaneidade baseiam-se, portanto, não mais em modelos a serem seguidos, mas na promoção de espaços criativos e reflexivos, no desenvolvimento da percepção sensível, da autonomia e alteridade, no conhecimento de princípios e elementos específicos de cada linguagem, integrados às dinâmicas do ambiente. São propostas peda-gógicas que buscam gerar uma aprendizagem significativa, própria e inovadora em cada campo, ao mesmo tempo que contextualizadas em relação aos saberes globais humanos e sobre o mundo.

Essa breve abordagem do ensino das artes para o momento atual afina-se com as reflexões de Edgar Morin (2011) sobre os saberes pertinentes à educa-ção do futuro, ao enfatizar a relevância de uma rede interativa entre conheci-mentos particulares e gerais, como proposta que auxilie a expressão engajada do sujeito e sua apreensão da complexidade dos processos do mundo. Isto é, são considerações que nos impelem a pensar em estratégias para trabalhar as aptidões específicas– no caso das artes, investigações sobre o poético, o subje-

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 56 08/03/2016 16:03:21

57

tivo, o estético, o imaginário e o criativo - integradas a uma leitura macro do ambiente, envolvendo também discussões das dimensões psíquica, biológica, econômica, social, que fundamentam a condição humana e as relações entre os indivíduos.

Partindo dessa concepção educacional ampla, criadora de elos entre parte e todo, plantou-se a semente ideológica do subprojeto PIBID Dança. Movidos pela intenção de atingir uma participação mais engajada no contexto escolar, projetou-se um trabalho com os conhecimentos específicos da Dança em co-municação com as outras artes e com o meio, cuidando para que nosso objeto conceitual ou área de especialização se inserisse na compreensão dos contextos mais abrangentes. Inspirados, portanto, por Morin (2011) e também pelas discussões sobre as competências do educador, expostas por Terezinha Rios2 (2011), firmamos como raiz de nossas ações (talvez até como sonhos) a ideia de favorecer, por meio da dança, o estabelecimento de relações mais sensíveis e éticas entre indivíduo, natureza, escola e contexto da arte na atualidade.

A dança, a música, as artes visuais, o teatro são linguagens específicas que estão dentro de uma mesma área de conhecimento3; possuem fundamentações comuns, mas conteúdos próprios. Seu ensino, pelo enfoque aqui apresentado, propõe expandir-se para além de uma lógica técnica, mecânica ou quantificável. Dançar, tocar um instrumento, encenar, desenhar ou esculpir, são aprendi-zagens que necessitam ser masterizadas em contínuo diálogo com o espaço/tempo em que vivemos, sendo por ele transformadas e até mesmo lançadas a experiências de reinvenção.

A área artística da dança e seu ensino

A partir de meados do século XX, as concepções de corpo e movimento vêm ganhando progressivamente maior plasticidade e sofrendo atualizações em

2 Em livro clássico intitulado “Ética e Competência” (2011), a conceituada mestra em Filo-sofia da Educação nos leva a refletir sobre as várias dimensões necessárias à construção da competência do educador, apontando-nos que não apenas o conhecimento técnico sustenta uma prática de qualidade. Um fazer realmente responsável socialmente envolve também os âmbitos ético, político e estético da competência, que guarda ainda – ou até mesmo – uma dimensão de utopia. Esta leitura tem sido básica para os alunos de estágio do Curso de Dança e as bolsistas do PIBID.

3 Área de Arte, conforme definido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9493/96 e apresentada nos documentos de orientação curricular Parâmetros Curriculares Nacionais – Arte, para o Ensino Fundamental (1o ciclo e 2o ciclo) e Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, para o Ensino Médio.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 57 08/03/2016 16:03:21

58

direção a uma visão da matéria corporal como produtora de conhecimento. O entendimento da arte da Dança adentra o século XXI fortalecendo seu status como área de formação cultural e pessoal, via desenvolvimento das capacidades humanas de expressão e criação.

Impulsionada inicialmente por estudos do movimento mais humanistas como, por exemplo, as pesquisas de Rudolf von Laban4 (1859-1958), impor-tante referência ainda hoje sobre como se proceder no ensino da Dança, e, em seguida, pelas tendências somáticas de conhecimento do corpo5, pautadas na noção holística de sujeito, as metodologias que estruturam o aprendizado dessa arte vêm aos poucos se renovando. Seguindo as transformações do contexto, o aprendizado contemporâneo da Dança se distancia da ideia dominante do período anterior (pensamento sócio-político positivista), do corpo pensado como instrumento de rendimento técnico; corpo-objeto educado por meio de treinamentos mecanicistas fundados em repetições imitativas de vocabulários ou na reprodução de formatos estéticos fixados. Para acompanhar a necessidade de permitir maior complexidade expressiva do corpo, nascida da escuta de si e do mundo, a dança da atualidade passa a valorizar o descondicionamento, o aprimoramento sensório-motor, a conquista de um corpo permeável à diversas influências e elementos expressivos.

O projeto de iniciação à docência e prática pedagógica na escola, com-posto pelo subprojeto PIBID Dança, procurou compactuar com essa nova aproximação. Buscando elaborar ações que construíssem pontes entre a cultura artística atual de dança e o currículo de artes da escola pública, manteve-se aten-to à necessidade de fomentar proposições que pudessem atravessar os interesses de todos os grupos envolvidos – a direção e professores das escolas parceiras, os alunos da educação básica, os bolsistas PIBID (graduandos em Dança), e ainda os objetivos formativos condutores do ensino superior em dança.

4 Rudolf von Laban (Hungria, 1879; Inglaterra, 1958) desenvolveu, na Europa expressionis ta da primeira metade do século XX, um complexo sistema de experimentação, leitura e inter-pretação da linguagem do movimento, considerado por ele com um meio de potencializar as capacidades humanas de criatividade e sabedoria. No campo do ensino da Dança, suas ideias e propostas foram pioneiras e são ainda vistas como contemporâneas e utilizadas por artistas, educadores e pesquisadores.

5 Refere-se às abordagens ou práticas corporais pertencentes ao campo disciplinar da Educação Somática, que têm como princípio comum considerar o corpo como organismo vivo, uni-dade psicofísica indivisível, fonte de experiência e conhecimento. As técnicas somáticas – a exemplo do Método Alexander, Eutonia, Método Feldenkrais, Fundamentos Corporais de Bartenieff, entre outras – investigam e formulam procedimentos de sensibilização e reedu-cação corporal, comprometidos com o autoconhecimento e ampliação da expressividade.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 58 20/03/2016 11:07:03

59

No entanto, como ponto de partida foi preciso considerar outros desafios. Apesar da expansão significativa dos cursos de licenciatura em Dança no país nas últimas duas décadas6, o que demonstra uma crescente maturação da área, e do adensamento de posicionamentos políticos dos artistas e educadores da Dança em prol do reconhecimento desse campo de saber, é de conhecimento comum para os profissionais da área que a dança nas escolas está ainda lutando para abrir seus caminhos e, portanto, sofre problemas de ordem conceitual e pedagógica. Ela aparece, geralmente, associada a projetos de entretenimento - comemorações festivas, atividades lúdicas, oficinas recreativas de contraturno -, que não são con-textos promotores de ensino. Além disso, apesar de ser legalmente reconhecida como componente curricular obrigatório pela LDB 9394/96, o Licenciado em Dança ainda é figura pouco presente em instituições de ensino regular, o que dificulta a inserção da dança na escola e a compreensão dos elementos próprios, função e contribuição educativas desse componente de ensino.

Conscientes desse panorama, para abrir portas no ambiente da escola, o subprojeto PIBID Dança decidiu trabalhar com o material de sustentação peda-gógica para o ensino das artes, idealizado pela Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP) para o 1º a 5º anos do Ensino Fundamental, que a partir de 2014 passou a ser referência didática em escolas da rede pública estadual; ano em que também se iniciaram as ações do nosso subprojeto.

A título de contextualização, esse recurso metodológico oficial foi elabo-rado no período de 2011a 2013 por um grupo de Professores Coordenadores de Arte das Oficinas Pedagógicas (PCOPs) de diversas diretorias de ensino, juntamente com a Equipe de Arte da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) e consultores especialistas em cada uma das linguagens artísticas, que se reuniu mensalmente a convite da Secretaria Estadual de Edu-cação do Estado de São Paulo. As especialistas que contribuíram com a elabo-ração do currículo de Dança, Ana Terra e Uxa Xavier7, são artistas-educadoras atuantes no cenário paulista. Suas contribuições aproximaram o entendimento da dança dos paradigmas contemporâneos, dando pertinência e consistência teórico-prática ao material.

6 Até 1995, existiam no Brasil 5 cursos superiores de Dança. Hoje são 45 cursos, sendo 10 bacharelados e 35 licenciaturas.

7 Ana Terra é Mestre em Artes e Doutora em Educação, atualmente membro do corpo docente do Departamento de Artes Corporais da UNICAMP, com pesquisa no campo da pedagogia da arte e relação arte e contexto; Uxa Xavier é coordenadora do grupo Lagartixa na Janela, que tem como proposta pesquisar e aprofundar os estudos sobre a criação e educação em dança contemporânea para crianças.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 59 08/03/2016 16:03:21

60

Nesse documento, a dança a ser ensinada na escola é concebida como:

[...] uma linguagem artística do corpo em movimento. A prática da dança possibilita o desenvolvimento da sensibilidade e da motricidade como pares entrelaçados. O domínio do movimento na dança propicia a ampliação de repertórios gestuais, novas possibilidades de expressão e comunicação de sen-sações, sentimentos, pensamentos. O refinamento do corpo em movimento encontra-se articulado à expressividade e à criatividade, envolvendo processos de consciência corporal (individual) e social (relacional), assim como, processos de memória, imaginação, concepção, e criação em dança nos âmbitos artístico e estético. (SÃO PAULO, 2014, p. 1)

Fica claro nessa abordagem que, mesmo sem ter a função de formar artistas, a aprendizagem da dança no ambiente escolar deve enfocar a amplia-ção do contato com o potencial expressivo do corpo, em sua possibilidade de realização pessoal e participação social, indo, portanto, muito além da noção de entretenimento (quase sempre presa a repertórios referendados pela mídia) ou de práticas para a promoção da saúde e bem-estar.

Contribuindo nessa direção, o subprojeto PIBID Dança acolheu como meta para as bolsistas em formação a efetivação de cinco ações principais: o estudo aprofundado desse material produzido pela SEE/SP – conhecimento e manuseio do currículo de Arte para o primeiro ciclo da Educação Básica, a partir do entendimento de suas propostas e estrutura; a inserção na escola e aproximação consciente da realidade escolar; a ação de planejamento de aula e prática docente; a preparação e condução de atividades de apreciação em dança, além da reflexão sobre a atuação do professor de arte como gestor artístico-cultural na escola. Em última instância, a finalidade desse processo seria proporcionar aos alunos participantes das escolas a oportunidade de estudar e desenvolver o seu potencial em dança – sentir, conhecer e experien-ciar criativamente o corpo em movimento –, de forma a vivenciar processos artísticos com sentido educacional e social mais expandido.

O professor de Dança e a corporalidade da criança

Após alguns meses de assistência às supervisoras do subprojeto PIBID Dança8 nas duas escolas parceiras do projeto – Escola Estadual Físico Sérgio Pereira Porto e Escola Estadual Professor Roque Magalhães de O. Barros –, e tentativas de inserção da dança nas aulas de educação artística dos grupos

8 Além da supervisora de ensino Agda Cristina Brigatto, contamos também com Nara Cybelle Savian Rey e, temporariamente, como supervisora voluntária, Maitê Lacerda.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 60 08/03/2016 16:03:21

61

de 1º ao 5º ano, tornou-se evidente para as bolsistas um contraste entre suas intenções latentes de ensino e a dinâmica diária do corpo na escola.

Por um lado, o aprofundamento no material didático do Estado refe-rente à linguagem da dança9 apontava em direção ao estudo do corpo e do movimento pela experiência sensível, a exploração e o refinamento criativo dos gestos e do mover-se. Por outro lado, o convívio cotidiano com a disci-plina corporal presente na escola – baseada na contenção do corpo nas aulas regulares e a explosão do movimento nos intervalos e atividades lúdicas pon-tuais – causou um constrangimento na atitude docente das pibidianas. A esse fato uniu-se ainda a dificuldade das bolsistas de conduzir os alunos sem im-posição de regras de controle do corpo – “todos sentados”, “comportem-se”, “quietos”, “silêncio” – modo de agir e organizar as crianças bastante presente na memória escolar das bolsistas.

Em nossas reuniões semanais de orientação, essas questões surgiram com intensidade, ressaltando a necessidade de buscarmos outros pressupostos que pudessem alicerçar e auxiliar a ação pedagógica do professor de arte. Ou seja, descortinou-se para o grupo a necessidade de rever concepções e vivências próprias, de redimensionar paradigmas sobre o corpo, a criança, a infância, a fim de ressignificar as potencialidades do espaço escolar.

O encontro com Marina Marcondes Machado e seu texto “A criança é performer” (2010) foi uma referência importante nesse sentido, levando--nos a refletir sobre qual é a nossa concepção de infância hoje e sobre como compreender a corporalidade10 das crianças. Com aporte fenomenológico, a autora reforça a ideia de se pesquisar as crianças partindo do seu próprio ponto de vista; olhar a criança como protagonista no coabitar no mundo, que vive seu corpo em uma situação de liberdade para criação; corpo como expressão aberta de sua existência. Sugere que abandonemos os estereótipos de forma e conteúdo estabelecidos para a idade infantil (por fases, condutas, vocabulários e faixas etárias) – molduras pré-definidas pela visão dos adultos, que ditam constructos interpretativos do comportamento delimitadores da expressão da criança a um padrão. Propõe-nos irmos ao encontro de “uma criança plástica,

9 Esse material é composto por situações de aprendizagem (propostas de conteúdos e pos-sibilidades de desenvolvimento) e expectativas de aprendizagem (orientações didáticas para construção e avaliação das propostas de arte). A preocupação do material é associar aspectos do imaginário das crianças, da sua cultura e de outras referências que focalizam o estudo da estrutura do movimento.

10 Corporalidade é uma concepção de corpo proveniente de uma visão fenomenológica que não separa o eu do mundo.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 61 08/03/2016 16:03:21

62

maleável, imaginativa, que convive conosco, mas transita por outra lógica, outros modos de pensar, sentir e agir” (MACHADO, p.119, 2010).

As crianças expressam sua existência por um modo dinâmico e em acontecimento. Para captá-las e atuar com elas é preciso aproximar-se do que elas presentificam, escutar aquilo que sinaliza seu corpo, em termos culturais, biológicos e inter-relacionais. Por estímulo ainda de Machado, a observação da criança em seus espaços próprios de ser e estar em movimento, dentro e fora da escola – praças, parquinhos, recreios –, tornou-se uma importante ferramenta de aprimoramento.

Instrumentalizadas pela metodologia Laban/Bartenieff11 de Análise do Movimento, que envolve observação, leitura e compreensão da experiência corporal vivida, apresentadas ao grupo PIBID Dança em encontros prepara-tórios, as bolsistas foram a campo em atividade de observação, munidas por seus diários de bordo para registro de suas percepções.

Assim, apoiando-se indiretamente nos procedimentos Laban/Bartenieff, esse exercício perpassou as seguintes etapas: observar, olhar para o corpo em acontecimento tridimensional, procurando receber o movimento; decodificar, destrinchar o movimento para apreciar a profundidade e riqueza interativa de seus elementos qualitativos e perceber seus nexos de sentido; interpretar, enten-dido como leitura ampliada do texto corporal, relacionando-o a um contexto expressivo (compreensão dos fios que atam sujeito/mundo, corpo/espaço), e analisar, abordagem que não tem o objetivo de controlar, justificar ou julgar um processo ou experiência, mas de abrir novos espaços e dimensões de investigação, criando novos circuitos de ação e relação. Em outras palavras, analisar como for-ma de abrir espaço de proposição de novos caminhos de ensino-aprendizagem que enfatizem a coexistência entre professor e aluno (LAMBERT, 2010).

Como resultado dessa tarefa aflorou um estado de maior tranquilidade e confiança na interação bolsistas-crianças, pela aceitação de uma presença menos intervencionista, trocada por uma condução mais generosa com a criança e o fortalecimento de uma postura de contínua pesquisa da prática docente. Isto é, instigou-se uma atitude mais fluida de participação do professor no proces-so coletivo de ensino-aprendizagem que, desprendido de constrangimentos normativos, passa a se sentir mais seguro para atualizar suas ações frente às demandas do instante.

11 Material prático-ideológico de análise do movimento corporal, resultante da união das pesquisas do coreógrafo e teórico do movimento Rudolf von Laban (1879-1958) e da bailarina e dança terapeuta Irmgard Bartenieff (1900-1982).

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 62 08/03/2016 16:03:21

63

A Semana “A Dança e seu ensino”

O desejo da equipe PIBID Dança12 de amadurecer saberes, estudar mais sobre pedagogia da arte e educação artística da dança na escola, estimulou a organização da I Semana “A Dança e seu ensino – DACO13 UNICAMP”.

Esse evento, apoiado pelo PIBID Unicamp e pelo Curso de Dança, foi um importante acontecimento formativo, que se orientou por questões, pontuadas pelas bolsistas, como provocadoras e que requeriam maior aprofundamento: a arte da dança e sua educação formal e não formal; a Dança e o material didático – o que está por aí?; Dança e as interdisciplinaridades artísticas e, ainda, o entendimento da infância e da expressão corporal da criança como fundamentos para o ensino da Dança.

A programação constou com palestras de especialistas, oficinas práti-cas, encontros com licenciados em Dança atuantes no mercado profissional, para trocas de experiências, círculo de diálogo multidisciplinar e exposição de trabalhos das pibidianas. Nos quatro dias do evento, foi possível criar novas conexões entre conhecimentos, expandir os espaços de permuta, vivências e discussão, possibilitando ao público presente entrar em contato e/ou maturar sua visão sobre as potencialidades da Dança como campo artístico de co-nhecimento. Apesar de enfocar uma das quatro áreas de arte propostas para ensino na escola, acreditamos que os assuntos abordados foram de interesse para todo arte-educador, estudantes dos cursos de licenciatura em Artes, como também para interessados de outras áreas, que atuam com educação e pensam o processo de ensino como espaço privilegiado de intercâmbio entre áreas de conhecimento.

Na tentativa de iniciar parcerias que viessem a gerar uma rede de refe-rências e suporte para o PIBID Dança, estendendo-se também para o Curso de Licenciatura em Dança, convidamos para integrar o evento profissionais renomados que estão produzindo conhecimento na área específica da dança: a artista docente Uxa Xavier e a Profa. Dra. Ana Terra, já mencionadas, vieram

12 Aproveito aqui para citar o nome das bolsistas PIBID Dança e agradecê-las, pelo seu envolvimento e força positiva de trabalho durante os dois anos do projeto: Ana Paula do Carmo, Angélica Topfstedt, Carine Shimoura, Diamila Assis Paula, Fernanda Gandara Ferreira, Gabrieli Maroso, Isadora Manssoni de Souza, Isadora Prata, Mariana Limede, Mayara Borges, Milena Pereira, Talita Terra, Tainá Mendes de Souza e Tânia Fonseca, além de Cora Laszlo e Rosely Conz, assistentes da coordenadora de área.

13 DACO - sigla para Departamento de Artes Corporais, vinculado ao Instituto de Artes da UNICAMP, que abriga os Cursos de Bacharelado e de Licenciatura em Dança dessa universidade.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 63 08/03/2016 16:03:21

64

expor o processo de elaboração do material de sustentação pedagógica criado pelo Estado, no qual ambas foram consultoras especialistas da linguagem da dança, assim como comentar sobre outras produções didáticas produzidas pela SEE/SP; a Profa. Dra. Julia Ziviani (também docente do DACO), que entre suas múltiplas atividades é diretora do Grupo Dançaberta, que pesquisa os aspectos técnicos, poéticos e o processo de criação artística em dança, foi chamada para apresentar uma de suas obras para crianças e para mediar o diálogo interdisciplinar; a professora e artista da dança Jussara Miller, que aborda em seu segundo livro, “Qual é o corpo que dança?”, uma metodologia para o ensino de dança para crianças, foi nossa parceira na proposição de uma oficina; Luciana de Carvalho, psicóloga e Mestre em Artes, Unicamp, com largo currículo em trabalhos artístico-comunitários e atualmente artista docente da Escola de Dança São Paulo, palestrou sobre a composição curricular para o ensino da Dança, e, por fim, Dafne Sense Michellepis, professora da Escola Viva em São Paulo e ex-membro do Grupo Balangandança de dança para criança, trouxe seu olhar peculiar sobre o espaço da dança na escola.

Figura 1: Registros de momentos do evento I Semana “A Dança e seu Ensino – DACO Unicamp”.

Fonte: Fotos de Cora Laszlo, assistente da coordenadora de área do PIBID Dança.

Contemplando nossas expectativas, frequentaram assiduamente a pro-gramação as supervisoras de ensino do PIBID Dança, o que promoveu uma evolução no entendimento das mesmas sobre o intuito do projeto e o sentido de

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 64 08/03/2016 16:03:22

65

como as proposições de dança podem ser incluídas no planejamento de arte e/ou trabalhadas interdisciplinarmente. Foi um momento de nutrição para todos e que repercutiu diretamente na atuação dentro da escola. A partir da Semana, flexibilizou-se a comunicação entre supervisoras e bolsistas e estratégias para se conhecer e vivenciar a expressividade do corpo foram agregadas ao trabalho de sala de aula de forma mais consciente e profunda. Acrescento aqui uma citação de apreciação ao trabalho desenvolvido, dando início à inclusão de pareceres da supervisora Agda Brigatto:

A semana foi muito importante, pois pudemos ter contato com as profissionais que produziram o material para o Estado e as experiências que nós tivemos durante a Semana, as aulas práticas nos fizeram ter contato com os conceitos da Dança e como eles são elaborados para compor um material didático. Como artista plástica, quando eu vou propor uma atividade, eu sei que conceito está por trás. Então, participar da Semana da Dança me deu essa consciência de que princípios estão por trás das atividades de corpo. (BRIGATTO, informação de vídeo14)

No mais, tendo sido o ano de 2014 um período de grande reformulação no Projeto Pedagógico da Licenciatura em Dança do DACO, foi perceptivo o resultado do evento como estímulo às discussões internas sobre reconstrução do nosso currículo de formação de professores. A Semana lançou novas pers-pectivas e reflexões quanto à definição dos conteúdos fundamentais a serem abordados nas disciplinas de maior enfoque pedagógico, na organização dos estágios supervisionados, na melhor apreensão da interligação entre os conheci-mentos artísticos e pedagógicos necessários ao professor de Dança, entre outras ponderações pertinentes. Ainda, criou-se no departamento uma atmosfera de valorização da licenciatura, forte incentivo às bolsistas e aos alunos graduandos em seu percurso formativo.

O planejamento comum PIBID Dança

Conforme apresentado, as ações efetivadas em 2014 se centraram na realização de estudos de fundamentação artístico-pedagógicos, com o intuito de redimensionar referenciais teóricos e concepções sobre a prática de ensino da Dança; um trabalho de fundação voltado para enraizar em chão fértil a formação do futuro artista-professor.

14 Gravação realizada em reuniões de avaliação posterior à Semana PIBID Dança; transcrição de trecho incorporado no vídeo que registra a trajetória do PIBID Dança em 2014 - material produzido para fins institucionais.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 65 08/03/2016 16:03:22

66

Dando sequência a essa trajetória, para o ano de 2015 objetivamos o maior desenvolvimento da ação docente das bolsistas na escola, para que pudessem experienciar um processo continuado de ensino da Dança. Propusemo-nos a criar um movimento de participação mais direta nas escolas e de valorização da cultura artística e da arte/Dança no currículo do 1º ciclo. Assim, elaboramos um “Planejamento Comum” para ser desenvolvido por todas as bolsistas, contendo a proposição de um objetivo central de ensino: o estudo das partes do corpo. A partir desse tema, definiram-se também focos específicos de conteúdos: a nomeação e mobilidade independente das partes e do corpo como um todo, a sensibilização de seus diferentes tecidos, o contato com o processo global da respiração (expandir e recolher), o conhecimento dos ossos e articulações e o jogo das relações entre as partes do corpo (relação centro-extremidade, por exemplo).

A proposta que apresentamos às escolas, para ser organizada e desen-volvida em comum acordo com o planejamento das supervisoras, subverteu a abordagem estanque das áreas artísticas que, em geral, trabalha o ensino isolado das quatro linguagens, cada uma em um bimestre do ano letivo. Sugerimos, por outra perspectiva, ocupar os primeiros dez minutos de todas as aulas de artes com um trabalho corporal e, a cada quinze ou vinte dias, ministrarmos uma aula completa de dança, entretecendo o contato com as linguagens. Nossa intenção, reforço, era de irmos além de uma vivência docente superficial, carac-terizada por ações momentâneas, em busca de uma experiência e compreensão completa do fenômeno educativo.

Estreitando relações com as supervisoras de ensino, a direção da escola e seus funcionários, as bolsistas procuraram se envolver com as várias etapas do processo de ensino-aprendizagem – planejamento, organização, execução e avaliação –, amadurecendo a percepção de interdependência entre as mesmas. Na elaboração dos nossos planos de ensino e planos de aulas, mantivemos como apoio metodológico o material de artes da SEE/SP, expandindo nossas referências sobre a Dança e seus processos de ensino com o estudo do livro “Dança educativa moderna” de Rudolf von Laban (1990). Segundo ele, a dança que nasce com os tempos modernos (e se projeta para o contemporâneo), ao contrário de uma ordenação de passos, “[...] se vale do fluxo de movimento que se estende por todas as articulações do corpo” (LABAN, 1990, p. 16). Com essa leitura, observou-se que as ideias pedagógicas de Laban priorizavam o ofe-recimento de ferramentas para a construção de danças, ao invés de apresentar vocabulários prontos. Enfatizavam o aprendizado consciente dos elementos do movimento, seus princípios e componentes básicos, e exercitavam modos de explorá-los criativamente.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 66 08/03/2016 16:03:22

67

O interesse despertado por esse material levou o grupo PIBID a organizar dois workshops sobre os conceitos Laban de dança, centrados na categoria cor-po, nosso lócus de atenção. Esses workshops, ministrados pela coordenadora de área15, auxiliaram as bolsistas a penetrar em uma percepção sensível e ampla do corpo, envolvendo suas manifestações internas e externas.

Somando a esses materiais, optamos por utilizar como recurso didático o livro infantil “Conversa de corpo”, de Priscila Freire (1983), para lançar no campo do imaginário nossas propostas e conteúdos programáticos. Conforme é possível reconhecer nas imagens abaixo, os desenhos e textos do livro tem-peraram com poesia os trabalhos de pesquisa de movimento:

Figura 2: Texto e imagens do Livro “Conversa de corpo” de Priscila Freire, recurso didático utilizado no projeto PIBID Dança.

Trago agora, como registro, trechos de um longo e-mail16 enviado pela supervisora Agda Brigatto ao PIBID Dança, nossa interlocutora, procurando

15 Marisa Lambert é especialista no sistema Laban/Bartenieff, sendo certificada como Analista do Movimento pelo Laban/Bartenieff Institute of Movement Sudies, New York, USA.

16 Mensagem enviada ao e-mail [email protected] no dia 29 de março de 2015, com assunto “Notícias”.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 67 08/03/2016 16:03:22

68

conduzir o olhar do leitor aos impactos e resultados observados de nossas ações dentro das escolas:

[...] conseguimos, nesse início de ano, elaborar o planejamento em conjunto, medida muito produtiva que proporcionou um belíssimo diálogo entre nossas propostas, coerências das atividades, organização e qualificação das aulas.[...] a postura profissional das pibidianas deu um salto muito grande em comparação ao ano passado (período em que essas estavam se apropriando do espaço escolar). A atuação das meninas ganhou autonomia e é perceptível o empoderamento das aulas que foi conquistado, inclusive ao apropriar-se de atividades e soluções por mim desenvolvidas, melhorando-as criativamente. As aulas ministradas pelas pibidianas estão ricas em conteúdos, têm instigado os alunos, além de apresentarem beleza e grande riqueza de estímulos imagéticos.Acredito que a formação específica e a vivência artística ainda é a melhor ferramenta para capacitar o professor em uma linguagem expressiva para pos-teriormente ensiná-la. Tomando-me como exemplo, no meu convívio com as bolsistas PIBID, com as propostas elaboradas e, após passar pelas experiências da Semana da Dança 2014, estou apropriando-me das atividades que elas têm apresentado aos 2ºs anos do período vespertino e multiplicando-as pelas outras salas em que leciono no período da manhã. Tudo tem sido um sucesso!

Concluindo esses dizeres preciosos, a professora supervisora ainda nos agracia com a sua generosidade:

[...] gostaria de agradecer o pique e a energia jovem que renova os espíritos, nos enche de criatividade e desfaz os ranços que o tempo de trabalho insiste em for-mar em nossas engrenagens. Estou apreciando a troca, aprendendo e renovando meus repertórios de criatividade, estímulos e imaginação. Espero que essa seja uma via de mão dupla e que eu esteja contribuindo de alguma maneira para a formação das futuras professoras. Grata, Agda.

A Semana PIBID Dança na Escola

Nosso segundo eixo de ação em 2015 pautou-se em elaborar propostas que incluíssem também as crianças não regularmente atendidas pelo PIBID Dança, expandindo a rede de formação/ação universidade-escola pública. Como já começamos a expor, almejamos transportar a arte para um outro pa-tamar dentro da escola, referendando a ideia de que existem outros modos de aprender, de se colocar e comunicar no mundo, que se processam em espaços e dinâmicas diferentes da sala tradicional de ensino, organizada com fileiras simétricas de carteiras, direcionadas para uma frente única.

Para atender a esse ideal, enveredamo-nos por mais uma grande produ-ção, a realização da “I Semana PIBID Dança na Escola” – dois dias, em cada

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 68 08/03/2016 16:03:22

69

escola parceira, completos de atividades de arte para todas as crianças, com programação de espetáculos de dança, oficina de figurino de jornal e movi-mento, mostra de vídeos de dança com crianças de diferentes culturas, vivência interdisciplinar música e dança e, ainda, espaço para apresentação cênica das crianças, resultante dos trabalhos desenvolvidos com as bolsistas.

A organização dessa proposta exigiu a intensificação do diálogo com a escola – frequentamos ATPCs, reuniões de pais –, desenvolvimento de um es-tudo logístico de ocupação do espaço da escola e também nos obrigou a buscar uma instrumentalização didática mais específica, uma vez que pretendíamos ministrar oficinas para toda a escola. Algumas de nossas proposições estavam sendo pensadas para envolver 200 crianças, outras para 100 crianças do 1º ao 5º ano, o que provocava uma certa tensão no grupo das pibidianas.

Convidamos, então, a arte-educadora e consultora pedagógica Lucia-na de Carvalho, que já havia estado conosco em 2014, para nos orientar na organização de atividades para grandes grupos. A experiência de Luciana com grupos diversos e de diferentes tamanhos foi indispensável para criar um ambiente de confiança entre bolsistas e supervisoras. Foram realizadas duas oficinas de “Condução Pedagógica”, nas quais refletimos e pratica-mos pontos fundamentais da preparação e gerenciamento das propostas de dança.

Ficou claro para a equipe a importância de se definir o objetivo maior de cada atividade, isto é, o que estava nos motivando a realizá-la e qual a nossa expectativa de aprendizagem. Em resposta, queríamos que as crianças experimentassem a dança de maneira sensível, livre e consciente. Vivessem uma experiência artística no sentido que nos apresenta Jorge Larrosa Bondia:

A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. (...) O Sujeito da experiência seria algo como um território de passagem, algo como uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo, produz algum afeto, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos. (BONDIA, 2002, p. 24)

Nosso projeto nesses workshops foi montar a oficina de fitas, a ser viven-ciada por 200 crianças em cada turno, que ocorreria após uma peça de dança na qual a artista manuseava criativamente fios de lã. Desta forma, cada criança teria seu fio ou fita para dançar. Trabalhamos com Luciana a construção do fio condutor da proposta, respeitando princípios do próprio desenvolvimen-to motor – de dentro para fora, ou de si próprio para o seu entorno, depois

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 69 08/03/2016 16:03:22

70

com o outro e com o mundo (o social). Pensamos no percurso ou desenho da proposta – o início, o ápice e seu fechamento. Definimos palavras chaves, que pudessem nos ancorar ou nos trazer de volta ao caminho desejado e, por fim, refletimos sobre o engajamento corporal na condução, gestualidades, tom e direção da voz, para estimular e favorecer a compreensão dos comandos. Só então nos lançamos na criação do que fazer com o objeto – a fita.

Tendo como exemplo essa proposta, mergulhamos na composição das outras oficinas, sem nos esquecer da importância de organizarmos a transição entre uma proposição e outra, de modo a manter a fluidez dos acontecimentos. Para esses encontros de condução pedagógica convidamos os bolsistas do PIBID Música – uma parceria nova entre os subprojetos, já que eles também contribuiriam, nas escolas, com propostas integradas de música e dança.

A realização desse evento fez com que o PIBID Dança ganhasse maior visibilidade e credibilidade de todos os profissionais das escolas, assim como das famílias e comunidade que puderam acompanhar a programação. Também se mostrou importante para a formação dos alunos. Em avaliação posterior, foi possível notar o domínio sobre os acontecimentos e o entendimento dos conceitos neles envolvidos. As apresentações possibilitaram a experiência de público, gerando uma ampliação no repertório cultural de dança, não apenas dos alunos, mas também dos professores e funcionários não habituados à fruição estética e artística.

Figura 3: Registros de momentos do evento “I Semana PIBID Dança na Escola”. Fotos da equipe PIBID Dança.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 70 08/03/2016 16:03:23

71

Compartilho, mais uma vez, as palavras da supervisora Agda Brigatto que, consciente da atual situação instável do programa, devido aos cortes anunciados no orçamento para o próximo período, redige carta de apoio17 à manutenção do PIBID, na qual relata os benefícios resultantes da atuação do PIBID Dança na escola.

A avaliação feita em outubro desse ano com as crianças da escola – acompa-nhadas diretamente ou indiretamente pelo projeto – demonstra a potência do Programa relacionando os conteúdos apreendidos, assim como o laço afetivo criado em relação às aulas. As crianças passaram a nomear conceitos abstratos e amadurecidos de Dança como objeto de cena, figurino, os ossos e regiões cor-porais, que sinalizam uma ampliação do repertório cultural e artístico. Demons-traram sensações de prazer e envolvimento durante as atividades, a construção de uma organização espacial e emocional coerentes com as propostas, assim como ganharam desenvoltura para o desenvolvimento dos exercícios corporais. Conheceram seu corpo, assim como o dos colegas criando um corpo coletivo durante as atividades de dança que possibilitaram, gradativamente, noções de respeito e afetividade para com o outro.Foi um evento com muita emoção, envolvimento corporal e, consequentemen-te, muito conhecimento e aprendizagem. [...] Ao final desse grande evento, após confecção de figurinos de jornal realizados em oficinas, cerca de cento e setenta crianças – de cada período – dançaram na quadra da escola embalados por músicas de influência africana, deixando rastros de papel picado, alegria e movimento, como em um feriado de festa de Carnaval. As crianças do Prodecad, instituição de educação informal vizinha à escola, que brincavam no parque, aproximaram-se da cerca que separa esta instituição da nossa quadra polies-portiva, e dançaram ao som ritmado do tambor. A cena que mostrou a escolha da criança que trocou o parque pela dança ilustrou para nós, profissionais da educação, a potência da arte e seu ensino e a importância do PIBID/Dança nesse contexto escolar.

Parafraseio, neste momento final, as palavras de Bondia, com a certeza que a experiência do PIBID Dança deixa experiências gravadas no corpo, “inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos” (BONDIA, 2002, p. 24), contribuindo para uma transformação em rede de todos que dele participam.

17 Carta enviada ao PIBID Dança Unicamp em 11 de novembro de 2015, assinada pela Di-retora da E. E. Físico Sergio Porto, Edivone Aparecida Ferreira, e pela Supervisora Agda Brigatto, para ser agregada ao movimento “Avança PIBID”, ação de manifestação encam-pada pelo Fórum Nacional do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (FORPIBID), que tem por objetivo reverter a política de cortes ao programa.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 71 08/03/2016 16:03:23

72

Referências

BONDIA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, n. 19, 20-28, 2002.

FREIRE, Priscila; Ilustração Benjamim. Conversa de corpo. Belo Horizonte: Miguilim; Brasília, INL, 1983.

LABAN, Rudolf Von. Dança educativa moderna. Traduzido por Maria Conceição Parahyba Campos. São Paulo: Ícone Editora, 1990.

LAMBERT, Marisa Martins. Análise do movimento. In: LAMBERT, Marisa M. Expressividade cênica pela fluxo percepção/ação: o Sistema Laban/Bartenieff no desenvolvimento somático e na criação em dança. Tese (Doutorado em Artes) Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena Universidade Estadual de Campinas, 2010. p. 169 – 172.

MACHADO, Marina Marcondes. A criança é performer. Educação & Realidade. Porto Alegre, v. 35, n. 2, p. 115 – 138, mai/ago 2010.

MORIN, Edgar. Os sete saberes para a educação do futuro. (2ª ed. revisada) São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2011.

RIOS, Terezinha Azerêdo. Ética e competência. (2ª ed. revisada). São Paulo: Cortez, 2011.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria Estadual da Educação. Orientações curriculares e didáticas de artes para o Ensino Fundamental – anos iniciais. Org. Coordenadoria de Gestão da Educação Básica. São Paulo: SEE, 2014. (versão preliminar)

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 72 20/03/2016 11:07:46

73

Projetos de letramento, sequências didáticas e ensino de gêneros no PIBID Letras Unicamp:

lógica das práticas e formação de professoresMárcia Mendonça

Coordenadora de Área do subprojeto Letras do PIBID-UnicampInstituto de Estudos da Linguagem

Introdução

É consenso entre educadores que a formação do professor, básica e continuada, constitui requisito essencial para promover uma educação de qualidade. Existem inúmeras iniciativas voltadas à qualificação profissional dos docentes para além dos cursos de licenciatura. São promovidos cursos de aperfeiçoamento, oficinas e programas mais amplos de formação, estes vin-culados a políticas públicas de âmbito federal, como o PROFA, o PARFOR, o PNAIC, o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, além do PIBID1, foco deste trabalho.

Todas essas iniciativas são perpassadas por crenças a respeito de como deva ser a formação docente e, podemos afirmar, o investimento na formação teórica, relativa à área de conhecimento do professor, tem sempre espaço garantido. É inquestionável a importância da formação técnica nas diversas áreas de saber, assim como a necessidade de nela se investir tanto na graduação, quanto ao longo da trajetória profissional. Dado que os professores atuam como especialistas em um certo campo de conhecimento (excetuando-se os profes-sores da educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental), numa instituição organizada com base nas diversas disciplinas, isso exige domínio dos referenciais teóricos da área, dos seus conceitos e também das abordagens metodológicas pertinentes a esse campo disciplinar. Dessa forma, acredita-se

1 Respectivamente, Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 73 20/03/2016 11:08:32

74

que o amplo conhecimento epistemológico da sua área de formação, associado ao domínio metodológico a ela correspondente, seja condição quase suficiente para dar conta dos desafios surgidos na sala de aula.

É esse ponto que discutiremos neste artigo, com base em dados do sub-projeto Letras do PIBID-Unicamp “Diversidade linguístico-cultural, práticas escolares e formação inicial em Letras”. Para isso, questionamos: em que me-dida os saberes de um dado campo de conhecimento, articulados sob a lógica de suas epistemologias, são suficientes para subsidiar a formação docente de forma significativa e responder a demandas surgidas no cotidiano escolar?

Nosso objetivo é, portanto, problematizar, a partir de relatos de bolsis-tas de iniciação à docência (ID), e assumindo o ponto de vista da Linguística Aplicada, aspectos das práticas pedagógicas na implementação de um projeto didático em uma escola pública de Campinas (SP), no âmbito do subprojeto Letras do PIBID-Unicamp. Para nossas reflexões, mobilizaremos os conceitos de projetos de letramento e sequências didáticas (SDs) para o ensino de gêneros.

O subprojeto Letras do PIBID-Unicamp: princípios e pressupostos

O subprojeto Letras, a partir de 20132, se constituiu com base em três eixos temáticos de trabalho: registros de linguagem e diversidade cultural nas práticas escolares; formação literária do leitor e formação docente; e gêneros do discurso, práticas escolares e formação docente. Alguns princípios da orga-nização dos projetos nas escolas, consolidados após a experiência dos anos de 2014 e 2015 (BENTES, MENDONÇA e LOPES, 2014; BENTES, MENDONÇA e LOPES, 2015), são:

Definição dos domínios/campos a serem trabalhados.Ampliação e consolidação de repertório dos alunos/bolsistas.Valorização da diversidade de gêneros do discurso e foco em algum/alguns gênero/s para o trabalho pedagógico.Conhecimento teórico sobre as práticas de linguagem exploradas.Considerações das múltiplas dimensões do trabalho com linguagem (multimodalidade, corporeidade, escritura, oralidade).

2 O subprojeto Letras do PIBID-UNICAMP existe desde 2010 e, com novo projeto aprovado em 2013, passou a ser coordenado por mim, pela Profa. Anna Bentes (IEL - Dep. de Lin-guística) e pelo Prof. Marcos Lopes (IEL - Dep. de Estudos Literários). Cada coordenador ficou responsável pela organização de projetos didáticos em duas escolas parceiras (há 6 escolas parceiras no subprojeto).

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 74 20/03/2016 11:08:52

75

Reconhecimento e exploração das marcas de autoria dos alunos nos seus textos. Reflexão sobre a linguagem a partir da emergência dos fenômenos.Elaboração de produções com e para a comunidade escolar.

Além desses princípios organizadores, um pressuposto que norteou o trabalho desenvolvido nas escolas nesse subprojeto é o de letramentos situa-dos, ou seja, o fato de que as práticas de leitura e de escrita estão fortemente influenciadas pelos contextos socioculturais e institucionais em que emergem e ocorrem (BARTON & HAMILTON, 2000). Um dos mais dominantes em nossa sociedade, até os dias de hoje, é o letramento escolar, que selecionou e estabili-zou certos modos específicos de usar a leitura e a escrita segundo as finalidades e representações elaboradas nessa instituição acerca daquilo que deve ser ensina-do/aprendido. Os denominados letramentos escolares podem ser tomados como

um conjunto de práticas socioculturais, histórica e socialmente variáveis, que possui uma forte relação com os processos de aprendizagem formal da leitura e da escrita, transmissão de conhecimentos e (re)apropriação de discursos. (BUNZEN, 2010, p.3)

Nesse sentido é que as práticas de leitura e de escrita realizadas no pro-jeto em análise foram dimensionadas como parte dos letramentos escolares e, por isso, sempre perpassadas pelas demandas dessa instituição, inclusive pelas crenças e juízos de valor elaborados em seu âmbito.

Os projetos didáticos no âmbito do PIBID Letras Unicamp: gêneros do discurso e sequências didáticas

Com uma das escolas parceiras, situada em Campinas, elaboramos e implementamos dois projetos em 2015 - Mundo do Trabalho e Revista de di-vulgação científica– que se interceptaram3. Ambos os projetos estiveram sob a supervisão de uma professora de Língua Portuguesa e uma de Ciências. Para o primeiro, planejamos estudos do meio no âmbito dos eventos UPA (Uni-camp de Portas Abertas) e Cotuca de Portas Abertas, este promovido pelo Colégio Técnico de Campinas (Cotuca). No primeiro, os institutos da univer-sidade recebem alunos do ensino médio que queiram conhecer mais sobre os cursos e projetos em andamento; no segundo, a escola também recepciona os

3 Depoimentos dos alunos acerca da visita à Unicamp foram publicados na revista e eles puderam conhecer cursos da área de Saúde, tema da publicação.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 75 08/03/2016 16:03:23

76

candidatos a futuros estudantes no colégio, exibindo os projetos realizados e dando a conhecer sobre os cursos ofertados. Precedendo as visitas, os alunos da escola participaram de palestras na escola sobre formas de acesso à univer-sidade e sobre caminhos de profissionalização, com ex-alunos da escola e do Cotuca e com professor da Unicamp, além de fazerem a leitura de mapas da universidade e de informações nos sites, para montar os roteiros de visitação no dia do UPA.

O segundo projeto tinha como produto final a produção, pelos alunos da escola, de uma revista de divulgação científica e cada turma ficou respon-sável pela produção de um gênero determinado. Dessa maneira, planejamos sequên cias didáticas (SDs) que previam a didatização de um gênero por parte de cada dupla de bolsistas, com vistas a que os alunos produzissem textos nesses gêneros para compor a revista. As SDs constituem um conjunto articulado de atividades – elaboradas a partir do diagnóstico do grupo classe - que se des-tinam a promover a melhor mestria de um certo gênero e de sua situação de comunicação, além de também ampliar capacidades de linguagem consideradas relevantes para compreender e para produzir esse gênero, as quais podem ainda ser transversais a outros gêneros (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004).

O planejamento das SDs pressupunha a construção de um modelo do gênero por parte dos bolsistas, a modelização didática, processo que perscruta exemplares variados de um gênero a fim de conhecer as práticas sociais de refe-rência em que emergem e perceber seus modos de produção e circulação social, a natureza da interlocução estabelecida e suas propriedades temáticas, de organi-zação composicional e de estilo linguístico (DI PIETRO e SCHNEUWLY, 2003).

Ambos os projetos estiveram inspirados na noção de projeto de letramento (PL) (KLEIMAN, 2000; 2009; TINOCO, 2008; KLEIMAN, CENICEROS e TINO-CO, 2013), que se define pela forte ancoragem da leitura e da escrita em deman-das da comunidade escolar. Tal proposta se apoia nos princípios da pedagogia de projetos pensada por Dewey no início do século XX, quanto a considerar os interesses dos alunos, a sua vida, como motes temáticos. Os PLs constituem, pois,

um conjunto de atividades que se origina de um interesse real na vida dos alunos e cuja realização envolve o uso da escrita, isto é, a leitura de textos que, de fato, circulam na sociedade e a produção de textos que serão realmente lidos, em um trabalho coletivo de alunos e professor, cada um segundo sua capacidade. (KLEIMAN, 2000, p. 238)

Disso decorre que as práticas de leitura e escrita serão tanto mais signi-ficativas quanto mais se relacionem com a realidade da escola e quanto mais

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 76 08/03/2016 16:03:23

77

contribuam para a concretização dos objetivos mais amplos do projeto em vista. A respeito da imbricação entre práticas sociais escolares e não escolares de letramento, a mesma autora afirma:

Quanto mais a escola se aproxima das práticas sociais em outras instituições, mais o aluno poderá trazer conhecimentos relevantes das práticas que já conhece, e mais fáceis serão as adequações, adaptações e transferências que ele virá a fazer para outras situações da vida real. (KLEIMAN, 2005, p. 23)

A ideia de explorar o tema do mundo do trabalho na escola partiu da constatação de que muitos dos egressos do 9º ano da escola4 não continuavam os estudos e pouquíssimos aspiravam iniciar um curso superior, conforme relataram professores e gestores em reunião pedagógica durante a etapa de mapeamento.

O projeto de produção de uma revista de divulgação científica, por sua vez, teve origem no intuito de articular interdisciplinarmente as duas áreas que contavam com supervisoras, finalidade perseguida tanto pela coordenação de área do PIBID quanto pelas docentes e pela gestão da escola. O produto final – uma revista de divulgação científica em meio eletrônico – foi sugerido pela coordenadora de área e, após discussão com bolsistas e supervisoras, acatado. A vantagem desse suporte, a revista, seria principalmente a possibilidade de abrigar diversos gêneros, desde os mais simples aos mais complexos, o que permitiria a participação ativa de turmas de todas as séries (6º ao 9º ano).

O tema saúde foi escolhido com a participação dos alunos, que se ma-nifestaram quanto às temáticas de Ciências com que desejavam trabalhar. Os subtemas (alimentação saudável, obesidade, diabetes, vigorexia, anorexia, doenças de atletas, etc.) foram sendo sugeridos e discutidos coletivamente, com a mediação dos bolsistas e da supervisora. O tema e os subtemas dos pro-jetos, portanto, emergiram apenas em parte de interesses manifestados pelos alunos, diferentemente do que é defendido para os PLs. Do nosso ponto de vista, porém, tal fato não constitui um problema, mas um dado do processo, pois a escola, sendo uma instância de formação com funcionamento e regula-ções específicos, termina por impactar a realização de atividades pedagógicas no seu espaço-tempo, o que inclui a necessidade de estabelecer e direcionar certos temas. Nesse sentido, os projetos desenvolvidos atendiam a finalidades da instituição escolar, como a realização de um trabalho interdisciplinar (no caso, com as disciplinas Língua Portuguesa e Ciências), sempre referidas em projetos pedagógicos e documentos curriculares, mas pouco concretizadas. Além disso, atendiam também a objetivos institucionais do próprio subprojeto

4 A escola oferece apenas classes do ensino fundamental, do 1o ao 9o ano.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 77 08/03/2016 16:03:23

78

Letras no ano de 2015, que selecionara duas supervisoras de duas áreas distintas, já projetando a possibilidade de um trabalho disciplinar.

Na perspectiva dos projetos de letramentos, a seleção dos gêneros dis-cursivos e a natureza de sua exploração pedagógica estariam submetidas às necessidades dos projetos. Dessa forma, os gêneros escolhidos - curiosidade científica, artigo de divulgação científica, passatempo, relato de experiência e infográfico - foram pensados para contemplar a diversidade textual encontra-da em uma revista de divulgação científica. Além disso, variavam em termos de extensão e complexidade, o que facilitou sua distribuição nas turmas dos vários anos escolares.

Do ponto de vista teórico, o trabalho com os gêneros no projeto se orga-nizou tendo por base o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), que inspirou a proposta da escola de Genebra para o ensino dos gêneros. Nessa corrente teórica, os gêneros são tomados como mega instrumentos (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p.52), uma vez que, construídos e utilizados pelos sujeitos, medeiam, dão forma e materializam as ações de linguagem. Dessa forma, tanto precisam ser ensinados para que sejam produzidos, quanto, ao serem produzidos, desenvolvem capa-cidades de linguagem. São, portanto, objeto de ensino e ferramentas da própria aprendizagem na área. No projeto desenvolvido, houve produções de gêneros que comporiam, por intercalação, um outro gênero, como, por exemplo, boxe, entrevista, enquete e infográfico, estes incluídos no gênero reportagem.

A sequência didática (SD) é o dispositivo privilegiado par o ensino nessa vertente teórica. Composta por módulos articulados que devem promover a pro-gressiva apropriação de um gênero pelos alunos, a SD inicia com a apresentação da situação de produção, seguida de um módulo de produção inicial, ao qual se sucedem módulos relativos a dimensões ensináveis do gênero, sejam elas relativas à ancoragem do gênero na situação de produção, à construção composicional, ao tema ou ao estilo; até chegar ao módulo dedicado à produção final dos textos.

Essa aproximação entre as SDs, que partem de um gênero, e dos PLs, que se orientam pelas demandas da comunidade escolar, é admitida também em Gonçalves (2011). Ao expor essas mesmas distinções entre as SDs e os PLs, o autor as aproxima na medida em que ambas as formas de organização do trabalho pedagógico “estão a serviço do desenvolvimento da leitura e da escrita em situações concretas de uso da língua e, em ambos, tais usos devem ser de utilidade para o aluno” (GONÇALVES, 2011, p. 79).

Concebidas no âmbito de um projeto de letramento e organizadas em SDs, as atividades desenvolvidas mobilizaram capacidades importantes de leitura, de escrita e de reflexão sobre a linguagem, constituindo parte relevante

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 78 08/03/2016 16:03:23

79

das práticas de letramento escolar das classes. As atividades eram, portanto, constituintes daquele corpo de

práticas socioculturais, histórica e socialmente variáveis, que possui uma forte re-lação com os processos de aprendizagem formal da leitura e da escrita, transmis-são de conhecimentos e (re)apropriação de discursos. (BUNZEN, 2010, p.101)

Vale destacar que, conforme previsto por Kleiman (2000), o desenvol-vimento dos projetos estaria submetido à análise e avaliação dos docentes segundo sua capacidade de

mobilizar conhecimentos, experiências, capacidades, estratégias, recursos, materiais e tecnologias de uso da língua escrita de diversas instituições cujas práticas letradas proporcionam os modelos de uso de textos aos alunos.(KLEI-MAN, 2000, p.16)

Foi nessa direção, da “validação” constante dos projetos quanto ao que poderiam oferecer em termos de aprendizagem e apropriação de práticas de letramento legitimadas pela instituição escolar que muitas reformulações foram operadas, conforme veremos mais adiante.

Tecnologias formativas no subprojeto Letras do PIBID-Unicamp

Ao longo dos anos de 2014 e 2015, o subprojeto Letras chegou à formu-lação de cinco princípios pedagógicos e formativos gerais:

Trabalho organizado por projetos, considerando a relevância social e pedagógica desse dispositivo.Mapeamento da realidade escolar, com elaboração de relatório e sua discussão.Planejamento colaborativo, realizado pelo supervisor, pelos bolsistas e pelo coordenador de área.Monitoramento do processo, com reuniões e seminários periódicos, além de registros dos planejamentos e dos relatos de aula, publicados em grupo fechado em rede social.Avaliações parciais e finais, em reuniões e nos seminários.

Destacou-se, entre esses procedimentos, a discussão de relatórios, pla-nejamentos ou relatos de aulas realizadas em reuniões em grupos pequenos (até 10 pessoas), com a presença de bolsistas, coordenadores e supervisor(es). Em tais ocasiões, que ocorreram em frequência ainda abaixo do que gostaría-mos, adensamos as análises acerca dos processos em andamento. Isso porque

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 79 20/03/2016 11:10:06

80

era possível realizar uma espécie de painel de discussão: partindo dos relatos acerca da atuação (ou da observação ou do planejamento) na escola naquela semana, cada integrante do projeto podia expor suas considerações e ouvir as dos demais. Tal forma de interação favoreceu ricas reflexões e contribuiu para (re)definições, uma vez que as práticas pedagógicas relatadas estiveram sob o olhar de interlocutores privilegiados e com diferentes perspectivas – bolsis-tas, supervisores e coordenadores – que respondiam e indagavam a partir das situações problematizadas.

Consideramos que esse painel de discussão se constituiu em rica opor-tunidade de formação docente, compondo o que denomino aqui uma das tecnologias formativas desenvolvidas no âmbito do subprojeto Letras, que pode e deve ser aprimorada e cuja aplicação precisa ser ampliada. Por outro lado, é surpreendente constatar que tais fóruns não pareciam gozar de muito prestígio entre alguns bolsistas. Nos seminários formais, com organização mais transmissiva e, por isso, mais próxima do enquadre cultural da dita formação teórica do ensino superior – o(s) coordenador(es) expõe(m), os bolsistas ouvem e, eventualmente, discutem – esses licenciandos faziam anotações, enquanto nos aqui denominados painéis de discussão pouco era registrado.

Vale ainda destacar um traço do modelo formativo proporcionado pelo PIBID: a natureza tutorial da relação entre formador e licenciando, composta por uma tríade na qual se associam sujeitos e papeis sociais definidos pela arquitetura do programa: o tutorado, o tutor direto e o tutor secundário, con-forme buscamos ilustrar na figura:

Figura 1: Relação entre bolsista ID, supervisor e coordenador de área.

Bolsista IDTutorado

Professor-pesquisador emformação inicial

SuperiorTutor direto

Professor-pesquisador-formador em formação

continuada

Coordenador de áreaTutor secundário

Professor-pesquisador-formador em formação

continuada

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 80 20/03/2016 11:21:43

81

Essa tríade, quando harmoniosa na promoção do adensamento das reflexões sobre a prática pedagógica, mobilizou saberes de natureza variada – disciplinares (abrigados sob diferentes epistemologias), curriculares e expe-rienciais. Essa heterogeneidade de saberes no campo do profissional docente é o tema do item a seguir.

Lógica das epistemologias e lógica das práticas na formação docente: reflexões da Linguística Aplicada e da Educação

Na Educação, o campo de estudos da formação de professores se depara também com tensões semelhantes do “duelo” entre teoria e prática, mas numa crítica ao distanciamento entre as formulações teóricas e os contextos em que ocorrem as práticas pedagógicas. Para Franco (2008), a separação entre os sujeitos e os objetos de investigação se dá também pelo uso de categorias es-tranhas à materialidade das ações humanas e sem que se operem as necessárias reconfigurações e reenquadres dessas teorias. Ela explica:

[...] os estudos científicos sobre a educação, de cunho positivista, ao uti-lizarem olhares e suportes científicos, característicos de outras ciências, separaram sujeito e objeto de pesquisa, desprezaram as subjetividades inerentes à ação humana; distanciaram os interesses entre pesquisadores e pesquisados; recortaram artificialmente o contexto da pesquisa, deixando, portanto, de apreender a essência do sentido dessas práticas, congelando interpretações fragmentadas e sem sentido. (FRANCO, 2008, p. 117)

Tal fragmentação atinge também a formação do professor, inclusive o modo como se concebem os saberes docentes, muitas vezes compreendidos de forma limitada, como uma transposição de saberes acadêmicos para os contextos de sala de aula. Para Tardif (2002), os saberes profissionais do pro-fessor se constituem “como um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais” (TARDIF, 2002, p. 36). Nesse sentido é que, na sua prática docente, o professor mobiliza muito mais que os saberes de técnicos das áreas de referência.

Ainda sobre as tensões permeando a formação inicial de professores, Franco (2008) reflete que, em relatos de professores entrevistados por ela, transparece o entendimento de que o conhecimento científico aprendido por eles não é suficiente para dar conta da imprevisibilidade da realidade educativa. Essa sensação é perceptível também entre os licenciandos da

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 81 08/03/2016 16:03:24

82

área de Letras das três universidades públicas em que trabalhamos, que se sentem à deriva em relação ao que precisam saber e fazer “na prática”, ora reclamando mais aprofundamento teórico em certas áreas, ora demandando mais orientações metodológicas para tratar esses mesmos conhecimentos. Na confluência entre saberes teóricos e práticos, a maior parte dos modelos de formação de professores fragmentam o processo formativo, dando a falsa impressão de que os futuros docentes precisam se apropriar de teorias para poder aplicá-las na prática (FRANCO, 2008) e que isso seria não só adequa-do, mas suficiente.

Na busca por compreender as razões para isso, Franco (2008, p.112) advoga que “a prática pedagógica se organiza em torno de diferentes epistemo-logias”. Desse ponto de vista, diríamos que é inócua uma análise das práticas docentes rendida a uma “vigilância epistemológica” (CHEVALLARD, 1997), posto que tais práticas são complexas, multifacetadas e também não se reduzem à mera aplicação de teorias.

A respeito de epistemologias que se caracterizam por serem moventes, dinâmicas, a Linguística Aplicada (LA) contemporânea, inclusive a desen-volvida em boa parte das instituições brasileiras de ensino e pesquisa, tem avançado nas reflexões. Já em 1998, Signorini (1998) afirmava que a LA, ainda que mobilize teorias das disciplinas de referência (ou mesmo seus objetos), reconfigura os conceitos em uma perspectiva transdisciplinar de pesquisa de acordo com o contexto de investigação e a partir do objeto de pesquisa. Nessa perspectiva, permite uma nova visão sobre o objeto, sem que as reformulações teóricas sejam “coincidentes nem redutíveis às contribuições das disciplinas de referência” (SIGNORINI, 1998, p. 99).

A Linguística Aplicada reposiciona ainda as relações entre teoria e prática de tal modo que se propõe

[...] usar a prática como próprio palco de criação de reflexões teóricas, ou seja, neste âmbito teoria e prática não são coisas diferentes. A teoria é relevante para a prática porque é concebida dentro da prática. (...) É através da vivência dentro desse mundo que nós temos que pensar, quer dizer que não há teoria que seja one side speaks all, ou seja, uma teoria pronta para qualquer situação. Toda rea-lidade, toda circunstância exige novas complexões teóricas. (RAJAGOPALAN, 2011, in SILVA et al, 2011, p. 76)

Articulando então essa relação entre prática e teoria com contextos de formação inicial de professores, como a atuação no PIBID, podemos propor reflexões abrangentes sobre as práticas profissionais dos professores, buscando

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 82 08/03/2016 16:03:24

83

compreendê-las a partir dos contextos em que ocorrem e não com base apenas em modelos teóricos exteriores a elas, oriundos de áreas de conhecimento es-pecíficas. Embora esses iluminem e ressignifiquem as práticas dos professores, sendo, nesse sentido, essenciais a sua formação, não esgotam sua complexidade.

Breves análises

Os relatos que trazemos para análise foram elaborados por bolsistas em 2015, no âmbito do projeto já referido, com frequência semanal. Cada dupla de bolsistas, responsável por uma turma, deveria relatar a aula semanal e pos-tar no grupo fechado referente ao projeto da escola em que atuava, grupo este abrigado em uma rede social. Tais relatos serviram para socializar os trabalhos em andamento, registrar o processo e interagir com o grupo todo (bolsistas, supervisoras e coordenadora), dirimindo dúvidas, trocando informações e solicitando auxílio.

No planejamento da SD correspondente, os alunos tiveram contato com o gênero em suportes variados (revistas de divulgação científica, livros de ciência, sites, etc.) para que chegassem, pela mediação das bolsistas, a uma modelização desse gênero (sempre provisória e parcial), tanto em termos das suas formas de circulação (veículos de comunicação de massa, blogs pessoais, etc.), quanto de algumas5 de suas características linguístico-discursivas. Em outras palavras, teriam de compreender o gênero no interior de suas práticas sociais de referência (ainda que transformadas pela escola no processo de didatização dos objetos de conhecimento, conforme destacam Schneuwly e Dolz (1999). Tais práticas englobam finalidades sociais, interlocutores, supor-tes, etc., sendo essa contextualização dos gêneros nas SDs um dos princípios do ensino de gêneros na escola de Genebra, para que se possa produzi-los adequadamente.

Na turma que estava produzindo curiosidades científicas, após a primeira produção do gênero, foi solicitado à turma que fizessem resumos dos textos--fonte devido às dificuldades detectadas na elaboração de textos próprios, au-torais, e não meras cópias de partes do texto-fonte. Vejamos o primeiro relato:

5 Vale lembrar que, na perspectiva do ISD, o ensino dos gêneros na escola se dá em espiral (aprendizagem em espiral): um mesmo gênero é retomado ao longo das séries escolares, abordando-se certas características a cada vez e em progressão crescente de complexidade. Não se recomenda a exploração exaustiva das dimensões ensináveis dos gêneros em uma mesma SD, tendo em vista o fato de que a apropriação de cada gênero irá variar para cada grupo classe, a depender dos conhecimentos prévios a seu respeito.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 83 08/03/2016 16:03:24

84

Relato 1

Oi, pessoal!Estamos em fase de produção com o 7º #6. Pedimos que, depois que eles

coletassem os dados nas pesquisas, fizessem um resumo dos textos que usaram como fonte. Nessa primeira tentativa, o retorno não foi muito bom. Os alunos não entenderam muito bem o que foi proposto e acabaram respondendo à per-gunta muito sucintamente, ignorando várias partes importantes do texto-fonte.

A ideia de elaborarem um resumo e não a curiosidade imediatamente foi pensando em trabalhar a leitura dos textos de uma maneira mais abrangente. Fazendo o resumo, acreditamos que eles exercitariam mais a compreensão do texto, e não somente a decodificação e cópia para responder à pergunta, pois precisaram ler, reler, destacar as partes mais importantes e produzir um texto com as próprias palavras. Na semana passada tivemos um problema com a internet, então não conseguimos progredir na reescrita do resumo. Criamos um arquivo no Google Docs para cada grupo com o link do texto fonte, a primeira versão do resumo, comentários e grifos meus e da # e um espaço para redigirem a nova versão. Hoje, com a internet normalizada, conseguimos que cada grupo abrisse seu documento e começasse o processo de reescrita. Não conseguimos ver o de todos ainda, mas o da maioria progrediu bastante! Na aula que vem, levaremos a nova versão corrigida para que eles façam as alterações necessárias. Se tudo der certo, já começamos a elaborar as curiosidades na próxima semana.

Estive pensando em fazer uma etapa de socialização, na qual cada grupo apresentaria os resultados de sua pesquisa para o resto da turma. Isso contri-buiria tanto para um melhor aprofundamento no assunto pesquisado quanto para compartilhar o conhecimento. Na opinião de vocês, é interessante fazer isso agora ou só no final?

Abraços e bom fim de semana a todos!

As bolsistas buscam ensinar uma estratégia de leitura/estudo – a escrita de resumo – para sintetizar as informações principais de um texto-fonte e, então, verificar a compreensão de leitura. Não prevista inicialmente na SD, a produção dos resumos, para além de sua função escolar, configurou-se como mecanismo de coerção, para evitar o “corte-cole”, o “CTRL-C+CTRL-V” da-queles que estivessem pouco empenhados no trabalho.

6 As indicações das turmas e o nome dos envolvidos foram trocados pelo símbolo #, para garantir o sigilo.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 84 08/03/2016 16:03:24

85

Entre as funções do resumo escolar apontadas por Souza, Corti e Mendonça (2012, p.56), compreendido como prática de letramento escolar, encontra-se “Reunir dados de vários textos-fonte para produzir um outro texto, que não é um resumo (por exemplo, o roteiro de um seminário, um relatório de pesquisa, etc.)”, isso quando o leitor são colegas que estudam o mesmo texto-fonte. Além dessa, é elencada a função de relembrar os conteúdos principais do texto estudado no caso do estudo individual do texto, quando o leitor do resumo é o próprio aluno. No entanto, evitar a cópia de trechos dos textos pesquisados, que é uma prática de letramento escolar não legitimada, não dominante7 nessa instituição, e, portanto, passível de punição, não é apontada como uma das funções da escrita de resumos.

A emergência da demanda pela escrita do resumo não tem relação direta com a organização epistemológica do ISD, especificamente das SDs para o en-sino de gêneros, mas sua pertinência se define justamente na articulação com as práticas docentes. No contexto daquela sala de aula real, a bolsista, no papel de mediadora, considerou necessário alterar o planejamento e inserir mais um gênero “intermediário”8 ou regulador das ações de escrita/dos alunos, no caso, o resumo. E as funções coercitivas e didáticas das práticas docentes se sobrepõem – evitar a cópia e ensinar a sintetizar informações - sendo difícil distingui-las.

Ou, como diria Batista (1997, p.132-133),

o professor exerce sua prática sob um regime de constrições; que ele é também por ela formado; que, mais que exercer sua prática de acordo com concepções teóricas conscientes, o professor a exerce de acordo com um senso prático, um senso de necessidade e urgência; que para os problemas práticos que enfrenta ele necessita, efetivamente, de respostas práticas.

Dessa perspectiva, a visada da lógica das práticas pode situar tais ações e ressignificá-las produtivamente para a formação docente, como ações legí-timas e circunstancialmente necessárias para responder à demanda específica em jogo naquela classe.

7 Os letramentos dominantes são aqueles que gozam de prestígio social e, para Hamilton (2002), estão associados a letramentos escolares, pois estes estão relacionados à cultura letrada e são institucionalizados e padronizados.

8 Distintamente das SDs, a perspectiva dos circuitos de gêneros prevê o trabalho, “em um curto espaço de tempo, com vários gêneros textuais que circulam em ambientes discursivos diversos, com um grupo de estudantes para quem o contato com esses gêneros serviria como uma forma de, não só reconhecer a variedade dos gêneros com os quais interagimos, como também experimentar sua produção, mobilizando os conhecimentos necessários para tanto.” (BALTAR, 2006)

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 85 08/03/2016 16:03:24

86

Vale destacar ainda a abertura para as decisões em grupo na postagem (“Na opinião de vocês, é interessante fazer isso agora ou só no final?”), possibi-litadas pelo planejamento colaborativo do projeto e pelas reuniões coletivas de acompanhamento. Nesse sentido, vale refletir sobre os formatos que assumiram os eventos de formação no âmbito do subprojeto Letras (ver item anterior).

Vejamos o segundo relato.

Relato 2

Quinta-feira, 01 de outubro. Eu e a # tivemos mais um dia de atuação no 9o X, em que demos conti-

nuidade ao processo de reescrita dos Artigos Científicos sendo que alguns alunos ainda estavam terminando.

Como tinha quatro grupos com o mesmo tema e os artigos ficaram muito parecidos, optamos por juntá-los, pois assim a revista não fica repetitiva. Então, esses alunos sentaram junto e montaram um novo texto diante dos dois que havia.

Sobre os que estavam na rescrita, fomos individualmente os auxiliando para que eles pudessem perceber os erros e ir arrumando. Após isso, pedimos para que os grupos trocassem os artigos entre si e fizessem pequenos comentários quando encontrassem algum problema no texto, fazendo realmente o papel de um professor numa correção, ou seja, realizamos uma troca de papel com eles. Na próxima aula, vamos dar continuidade ao processo de reescrita, mas abor-dando diferentes táticas!

Nesse relato, a bolsista remete a um fato não previsto no planejamento da SD para produção dos artigos: a semelhança entre os textos elaborados pelos alunos, provavelmente originada pelo tema igual, além da ausência de uma delimitação que diferenciasse as abordagens nos textos e, talvez pelo uso das mesmas palavras-chave ou mecanismo de busca, o que pode também tê-los direcionado às mesmas fontes/sites. A semelhança das informações dos dois artigos, no entanto, só desemboca na fusão em um só por causa do objetivo de publicar os textos na revista eletrônica. Dessa forma, é a publicização dos textos nesse suporte específico, e não apenas a similitude entre as produções, o que gera desconforto por parte das bolsistas e, portanto, a nova proposta. A fusão dos dois textos em um só é a alternativa encontrada para driblar o inesperado e aproveitá-los para a revista.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 86 08/03/2016 16:03:24

87

Considerações finais

Além da formação docente que se realiza em tempos e espaços muito distintos daqueles do fazer docente propriamente dito, como aquelas que to-mam corpo nas graduações e nos cursos de aperfeiçoamento, é preciso refletir sobre as demandas que emergem nas salas de aula e que nela precisam ser respondidas, considerando a urgência e todas as incertezas a elas inerentes, já aludidas por Perrenoud (2001). Em experiências formativas como a do PIBID, as escolas não podem ser consideradas campos experimentais abertos a qualquer proposta, inclusive as dos subprojetos, mas um espaço de atuação profissional sobre o qual incidem forças variadas – de caráter institucional, pedagógico, interpessoal, teórico-metodológico, etc. – num mosaico de refração de visões de mundo e de educação que influenciam as práticas docentes. Nessa direção, Machado (2007, p.31) já apontava a necessidade de se investigar

não só o que é efetivamente realizado, mas também as diferentes injunções ex-ternas, os artefatos materiais e simbólicos que são disponibilizados ou não para o cumprimento das prescrições oficiais, as dificuldades, impedimentos e conflitos que o professor enfrenta, a distância entre os conhecimentos científicos e as reais condições externas e internas que os professores têm para transformá-los em conhecimentos efetivamente ensinados e o modo como eles mesmos, atuando como atores responsáveis por seu trabalho, encontram soluções criativas para vencer esses impedimentos e conflitos.

Também para Franco (2008, p.111-112), é preciso

compreender as lógicas das práticas para transformá-las em possibilidades for-mativas que, na sua relação, constituem-se em saberes orientadores do fazer que não se deixa render exclusivamente à cultura escolar de orientação tecnicista e dá ao professor a possibilidade de munir-se de um conjunto de elementos que po-dem responder, criativamente, aos problemas enfrentados no cotidiano escolar.

Dessa maneira, acreditamos que uma formação docente de natureza tutorial, como a que toma corpo no PIBID, que leve em conta tanto a lógica das práticas, mobilizando saberes abrigados em diferentes epistemologias, mas sem precedência de um sobre o outro, pode impactar positivamente as práticas pedagógicas. E pode desestabilizar certezas advindas de formulações acadêmicas, pondo em xeque, no bom sentido, formatos e princípios de cursos de formação de professores. Nesse movimento, pode-se impulsionar revisões curriculares nas licenciaturas e novos designs para iniciativas de formação con-tinuada nas redes de ensino, de forma a reorganizá-las, considerando as lógicas profissionais e não apenas as lógicas disciplinares dos campos de referência.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 87 08/03/2016 16:03:24

88

Referências

BALTAR, Marcos; NARDI, Fabiele Stockmans FERREIRA, Luciane Todeschini; GASTALDELLO, Maria Eugênia. Circuito de gêneros: atividades significativas de linguagem para o desenvolvimento da competência discursiva. Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, v. 6, n. 3, p. 375-387, set./dez. 2006.

BARTON, David & HAMILTON, Mary. “Literacy practices”. Situated literacies: Reading and writing in context. London; New York: Routledge, 2000, p. 7-15.

BATISTA, Antônio Augusto. Aula de português. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

BENTES, Anna; MENDONÇA, Márcia; LOPES, Marcos. Relatório parcial do subprojeto Letras do PIBID-Unicamp: ano de 2015. Campinas, SP: Unicamp, 2015.

. Relatório parcial do subprojeto Letras do PIBID-Unicamp: ano de 2014. Campinas, SP: Unicamp, 2014.

BUNZEN, Clecio. Os significados do letramento escolar como uma prática sociocultural. In: VÓVIO, Cláudia; SITO, Luanda; DE GRANDE, Paula. Letramentos: rupturas, deslocamentos e repercussões de pesquisa em Linguística Aplicada. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2010, p. 99-120.

CHEVALLARD, Yves. La Transposicion Didactica: del saber sabio al saber enseñado. Argentina: La Pensée Sauvage, [1991] 1997.

DI PIETRO, Jean-François & SCHNEUWLY, Bernard. Le modèle didactique du genre: un concept de l’ingénierie didactique. Les cahiers THÉODILE, no 3, janvier, 2003, p. 27-52.

DOLZ, Joaquim & SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita: elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). In: ________ (Orgs.). Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004, p. 41-70.

DOLZ, Joaquim, NOVERRAZ, Michèle e SCHNEUWLY, Bernard. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: DOLZ, Joaquim & SCHNEUWLY, Bernard (Orgs.). Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004, p. 95-128.

FRANCO, Maria Amélia Santoro. Entre a lógica da formação e a lógica das práticas: a mediação dos saberes pedagógicos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 34, n. 1, p. 109-126, jan./abr. 2008.

GONÇALVES, Adair. Projetos de letramento: sequência didática de gêneros como alternative para o ensino da língua. In: GONÇALVES, Adair & PINHEIRO, Alessandra (Orgs.). Nas trilhas do letramento: entre teoria, prática e formação docente. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2011, p. 75-100.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 88 08/03/2016 16:03:24

89

HAMILTON, Mary. Sustainable literacies and the ecology of lifelong learning. In: HARRISON, R. R. F.; HANSON, A.; CLARKE, J. (Orgs.). Supporting lifelong learning. V. 1: Perspectives on learning. London: Routledge; Open University Press, 2002, p. 176-187.KLEIMAN, Angela B. Projetos dentro de projetos: ensino-aprendizagem da escrita na formação de professores de nível universitário e de outros agentes de letramento. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 13, n. 24, p. 17-30, 1º sem. 2009. . Preciso “ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler e a escrever? Campinas, SP: CEFIEL/MEC, 2005. . O processo de aculturação pela escrita: ensino da forma ou aprendizagem da função? In: KLEIMAN, Angela B. & SIGNORINI, Inês (Orgs.) O ensino e a formação do professor: alfabetização de jovens e adultos. Porto Alegre: Artmed, 2000, p. 223-243. , CENICEROS, Rosana; TINOCO, Glicia. Projetos de letramento no ensino médio. In: Múltiplas linguagens para o ensino médio. São Paulo: Parábola, 2013, p. 69-86.PERRENOUD, Philippe. Ensinar: agir na urgência e decidir na incerteza. (2ª ed.) Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.SIGNORINI, Inês. Do residual ao múltiplo e ao complexo: o objeto da pesquisa em linguística aplicada. In: SIGNORINI, Inês & CAVALCANTI, Marilda (Orgs.). Linguística Aplicada e transdisciplinaridade: questões e perspectivas. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1998, p. 99-110. SILVA, Kléber A.; SANTOS, Leandra I. S.; JUSTINA, Olandina D. Entrevista com Kanavillil Rajagopalan: ponderações sobre linguística aplicada, política linguística e ensino-aprendizagem. Rev. de Letras Norte@mentos – Ver. de Estudos Linguísticos e Literários. Edição 08, Estudos Linguísticos 2011/02, p. 75-81. Disponível em: http://sinop.unemat.br/projetos/revista/index.php/norteamentos/article/view/812/566. Acesso em 20/08/2015.SCHNEUWLY, Bernard & DOLZ, Joaquim. Os gêneros escolares: das práticas de linguagem aos objetos de ensino. Revista Brasileira de Educação, mai/jun/jul/ago, n. 11, 1999.SOUZA, Ana Lúcia Silva; CORTI, Ana Paula; MENDONÇA, Márcia. Letramentos no ensino médio. São Paulo: Parábola, 2012.TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.TINOCO, Glícia. Projetos de letramento: ação e formação de professores de língua materna. Tese de Doutorado em Linguística Aplicada. Campinas: Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 2008.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 89 08/03/2016 16:03:24

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 90 08/03/2016 16:03:24

91

Reflexão como caminho para repensar a educação de Filosofia

Bárbara Thaís Abreu dos Santos Bolsista ID do subprojeto Filosofia do PIBID-Unicamp

Introdução

Pensar um projeto de iniciação à docência no Brasil torna-se urgente, dado o atual modelo educacional nas universidades e escolas públicas. Por um lado, torna-se urgente como problemática para os graduandos, que têm ausência – ou pouca ciência – da dificuldade de construir uma didática ou, de maneira mais concreta, um plano de aula, pois estão mergulhados no meio acadêmico. Por outro lado, torna-se urgente como forma de repensar a docên-cia na educação no ensino médio, dado que esta tarefa necessita de constante reflexão, posta a resistência criada tanto nos procedimentos quanto nos ma-teriais didáticos em sala de aula. Pensar tal projeto relacionado à disciplina de Filosofia, aos nossos olhos, ganha ainda mais urgência por carregar também uma função: assumir a responsabilidade de buscar uma forma de reconstruir a possibilidade de reflexão e argumentação dos alunos – tanto graduandos, quanto do ensino médio –, para além dos preconceitos e dificuldades carre-gados pela história da disciplina de filosofia no Brasil. De tal modo que isso seja efetivado de maneira significativa com idas às escolas públicas estaduais, juntamente com reuniões semanais que funcionam como espaço para propor, repensar e compartilhar o andamento do subprojeto.

Material e métodos

A atual proposta do subprojeto PIBID de Filosofia da Unicamp tem duas metas principais a serem realizadas semestralmente: (i) a criação de planos de aulas, que pensem uma problemática por meio da área da Ética,

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 91 08/03/2016 16:03:24

92

com um conjunto de cinco a sete aulas que, ao final, serão desenvolvidos na escola vinculada com o projeto para obter a “experiência ativa” da atividade de docência; e (ii) a gestão de um “laboratório educacional” que tem como objetivo, aos cuidados do PIBID, dar a oportunidade para que alunos da graduação deem aulas e recebam uma resposta objetiva do público – respos-ta esta que será obtida pelo PIBID por meio de formulários relacionados à didática e ao conteúdo da aula.

A primeira meta, que é também a proposta inicial do subprojeto, surge a partir da reflexão do que é ensinar filosofia hoje. Esta meta perpassa discus-sões sobre se o foco que se compreende da disciplina deve ser a transmissão de conteúdos históricos, desde os filósofos pré-socráticos até aos mais atuais contemporâneos, encontrando assim o problema da escassez de tempo e da grande quantidade de disciplinas que compõem o currículo do ensino médio, correndo o risco de proporcionar uma inversão e se transmitir a história dos filósofos e não da Filosofia ou do pensamento filosófico. Por outro lado, passa também pela discussão se tal tarefa se configura em subdividir a Filosofia em grandes temas e ensinar estes grandes temas não se atendo à contextualização e ao período histórico de cada autor e, consequentemente, cada escrito, estando sob ameaça de criar “caixotes” de assuntos que não se comunicam, ou ainda, sob ameaça de tabelar, de forma superficial, autores em pensamentos (coisa que claramente não cabe à Filosofia e à sua história). Portanto, a proposta que se apresenta como saída para nosso grupo é tentar, talvez de maneira até “pré--filosófica”, introduzir os alunos no debate argumentativo, buscando referências comuns, cotidianas a eles com vistas de elevá-los a grandes discussões, ou, dito de outro modo, procurando partir do simples ao mais complexo. Desta maneira, acreditamos conseguir no final do cronograma adentrar o mundo dos tão abstratos e difíceis conceitos filosóficos e textos consagrados, sem que estes se apresentem de forma cansativa e sem sentido diante da realidade do aluno do ensino médio.

No decorrer do projeto, criou-se, por meio de tentativas, um “modelo” que nos parece ser eficaz e significativo. Este modelo consiste em primeiramente determinar que todo tema que será trabalhado no conjunto de aulas sempre será um problema quase aporético e relacionado ao campo da ética. Um exemplo seria a oposição entre autodeterminação e predeterminação. Consideramos que assim não só a argumentação é aguçada por meio da necessidade de po-sicionamento, mas também se torna mais fácil a aproximação com as ações cotidianas dos alunos.

A partir disso, a organização dos encontros foi assim pensada:

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 92 08/03/2016 16:03:24

93

1. primeiro encontro consiste em apresentar o problema de forma inicial por meio de exemplos cotidianos, seja um recorte de jornal, de filme, de música, de tal modo que os alunos se posicionem, falem e assumam partido entre as posições possíveis sobre o problema.

2. As duas próximas aulas têm função de elucidar cada posição e con-ceito, sendo elas mais expositivas, passando por pequenos textos ou fragmentos de Filosofia para esclarecer cada posição e levá-las para além do senso comum.

3. A aula seguinte, então, assume o caráter de um debate somente entre os alunos, de tal modo que eles, ao adotarem uma posição, devem de-fendê-la de forma coerente e argumentativa durante toda a atividade, ao passo que a nossa tarefa como bolsistas é apenas mediar o debate. Esse debate está estruturado também com a função de fornecer um retorno para nós, bolsistas, a partir do qual conseguimos perceber, por meio da fala dos alunos, o que compreenderam ou não da ex-posição feita nas aulas anteriores. Da mesma forma, possibilita aos alunos assimilarem a carga argumentativa envolvida na experiência de assumir uma posição inicial e levá-la adiante durante um debate.

4. Nas aulas seguintes, propõe-se aos alunos a construção de uma dis-sertação argumentativa, para que, depois do debate, posicionem-se e defendam sua posição, agora de forma escrita. Cabe, então, a nós bolsistas, em duas ou três aulas, a tarefa da explicação do que é, como se constitui e o que se escreve em um texto filosófico argumentativo.

E, como forma de finalização do conjunto de aulas, recebemos os textos, corrigimos e os devolvemos com uma correção comentada aos alunos, encer-rando assim a atividade.

A segunda meta, que é uma nova tarefa criada pela atual composição do PIBID, configura-se na criação de um “laboratório educacional” no nosso próprio instituto (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCH). Este seria um espaço para a realização de experiências educacionais, que assumem sempre o intuito de serem experiências de didática para os próprios graduandos em Filosofia. Esta proposta surge a partir da constatação de duas carências na nossa formação: a primeira que diz respeito à impossibilidade de expandir as vagas do PIBID para todos os alunos matriculados no Curso de Licenciatura, dado que o número de bolsas é restrito; segundo lugar, ela desponta da constatação e acordo do nosso grupo de que, em alguma medida, é impossível pensar a criação teórica de propostas didáticas, pois essas são adquiridas, moldadas e

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 93 08/03/2016 16:03:24

94

aperfeiçoadas na prática educacional. Assim, surge a proposta de, por meio do cuidado dos bolsistas, abrir este laboratório no qual seja possível gerar um exercício de reconhecimento como formação educacional e pessoal, dado que, mesmo que o graduando não pretenda ser um professor de educação básica, a docência na área superior também exigiria um preparo. Propõe-se, portanto, o exercício da docência por parte dos bolsistas entre pares em formação, tanto do subprojeto quanto demais interessados na temática. O público presente nas atividades deve responder a formulários de análise da aula dada – tanto em relação às propriedades de didática, de clareza, quanto conteudísticas –, com o objetivo de que este material sirva como resposta avaliativa para o graduando que der a aula. Este procedimento viria a possibilitar igualmente, para o grupo do PIBID, a construção de um acervo documentado de problemas e comentá-rios sobre aulas elaboradas e ministradas, sistematizando uma documentação sobre métodos didáticos e formas educacionais. Essa documentação poderá ser posteriormente ordenada e disponibilizada para os próximos graduandos que ministrarão aula ou que desejarem consultá-la com outros propósitos.

Além das duas atividades que são regulares e constantes no desenvolvi-mento do subprojeto do PIBID, nosso grupo, em conjunto com o Prodocência1 IFCH, realizou um evento com vistas à reflexão do ensino de Filosofia (Figura 1). Este evento apresentou-se fundamentalmente como uma forma de renovar a perspectiva segundo a qual o grupo observa e constrói o subprojeto conjun-tamente com a proposta de possibilitar a conversa de pessoas que pesquisam e atuam diariamente na área do ensino em geral ou especificamente de Filosofia. A partir do evento, que foi realizado com sucesso, tivemos a possibilidade de refletir sobre a fala de importantes pesquisadores que estiveram presentes e o testemunho de grandes experiências diárias sobre o ensinar filosófico. Além disso, o evento permitiu ao grupo refletir criticamente acerca das ideias que foram criadas e debatidas durante nossas reuniões, de modo a reposicioná-las na continuidade do projeto.

1 Prodocência é um programa da Capes, de consolidação das licenciaturas, “cuja finalidade é o fomento à inovação e à elevação da qualidade dos cursos de formação para o magistério da Educação Básica, na perspectiva de valorização da carreira docente.” Informações obtidas no site http://www.capes.gov.br/educacao-basica/prodocencia.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 94 08/03/2016 16:03:24

95

Figura 1: Folder do evento realizado pelo subprojeto de filosofia da Unicamp em conjunto com o Prodocência IFCH

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 95 08/03/2016 16:03:26

96

Desenvolvimento

Atualmente, o ensino de Filosofia – principalmente nas escolas públicas - é concretizado como disciplina obrigatória somente no ensino médio. Esta disciplina tem se caracterizado em transmitir o conteúdo de Filosofia por meio de dois métodos principais: (i) o caráter histórico e (ii) o caráter enciclopédico.

O método que assume o caráter histórico se configura na transmissão do conteúdo de Filosofia numa perspectiva histórica, de modo que as apostilas e métodos didáticos perpassam panoramicamente todos os principais autores da história da Filosofia, de tal forma que sejam ao menos citados seus nomes e pensamentos. Entretanto este método, em função da realidade do ensino médio, só é possível de ser realizado quando os conteúdos se tornam rasos demais, ou são dissolvidos em história pessoal e biográfica dos filósofos, não do pensamento filosófico. Isso ocorre devido ao grande número de disciplinas de que é composto o currículo do ensino médio e o pouco espaço que ocupa o ensino de Filosofia neste cenário.

Em contraposição ao método de caráter histórico de transmitir o con-teúdo de Filosofia, há o método enciclopédico, o qual, para não correr o risco de se tornar raso, ou de dissolver o conteúdo em aulas sobre filósofos, assume de partida uma divisão do conteúdo em temas do pensamento filosófico. Um exemplo seria o agrupamento do pensamento empirista, contendo filósofos como Aristóteles, Locke, Hume, entre outros. Assim, agrupam-se pensamentos filosóficos em temas e o transmitem. Esse método é muito eficaz na resolução do problema de inversão de pensamento por biografia; entretanto, se cria uma aparência de que a Filosofia não foi desenvolvida através de uma história em que problemas eram passados de autores para autores e eram resolvidos de acordo com o pensamento de cada época. Ou melhor, descontextualiza, tanto histórica quanto filosoficamente, um pensamento de seu tempo e torna-o isolado, e de algum modo vazio em relação aos que o antecederam e sucederam, além de criar temas homogêneos de pensamentos complexos não tão homogêneos por serem desenvolvidos em momentos históricos diferentes.

Desse modo, para nosso grupo, pensar o ensino de Filosofia na perspec-tiva de uma educação que não restringe sua didática a métodos de livros de caráter histórico ou enciclopédicos é um desafio que movimenta e transfigura a proposta de refletir sobre a educação. A proposta que encontramos para lidar com este desafio – de forma que as decisões tomadas fossem objetivas, compartilhadas e não retirassem em última instância, a autonomia dos bol-sistas como futuros professores – consiste em repensar, como construção de

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 96 08/03/2016 16:03:26

97

propostas didáticas, o ensino de Filosofia por meio da abordagem de prob-lemas concretos, aparentemente aporéticos, e cuja discussão deve ser realizada argumentativamente de modo que os problemas, as consequências e o rigor argumentativo sejam estritamente filosóficos. Pretendemos, desta maneira, que estas aulas não sejam reduzidas a aulas de redação, nem conduzidas de modo abstrato, retirando assim o interesse e conforto dos alunos que já estão inseridos na realidade do ensino médio.

Ao assumir essa posição diante do debate e da problemática da educação, nosso grupo adota um compromisso que ultrapassa a tentativa de preparar alunos para o vestibular ou o mercado de trabalho, pensando o espaço da es-cola na vida do aluno como um espaço de transfiguração e aprimoramento das potências já existentes no discurso e na fala de cada aluno que, desde que seja estimulado e guiado para tal feito, é capaz de defender um argumento coerente e válido em sua vida, ultrapassando o limite da sala de aula.

Quando nós bolsistas, em alguma medida, vamos, após pensarmos e repensarmos a proposta de uma aula em reuniões fechadas, para a sala de aula e proporcionamos aos alunos um espaço de voz, percebemos quão po-tente é o seu discurso argumentativo. Fica-nos clara, assim, a dificuldade da tarefa que é agir neste momento de construção e reafirmação de caráter no qual eles se encontram. Entretanto, essa ação respalda bruscamente em nós, transformando-nos como sujeitos, na medida em que entramos em outro mundo, composto por outras regras, onde nós, por mais que estejamos com uma proposta em mãos, temos que nos adequar, ouvir e falar, sobre tamanha potência de pensamento que se explicita na voz dos alunos. É deste modo que cada atividade, ao ser desenvolvida, torna-se, surpreendentemente, uma atividade que transborda as especulações criadas em reunião, possibilitando, assim, a partir desta “sobra”, entre proposta formal pensada em grupo e res-posta dos alunos na atividade em sala de aula, repensar o que chamamos de plano de aula e de didática educacional dentro do nosso grupo e trazendo à tona, portanto, uma nova possibilidade de pensar a educação como “sobra”. Sobra esta que se dá entre método e resposta dos alunos, pois na resistência da imposição de conteúdo pela realidade de cada indivíduo é possível se despertar a promessa de mudança e ação como sujeito capaz de liberdade que sempre foi depositada como tarefa e dever da educação. Entendemos que, por meio do pensar refletido sobre a educação, um pensar que estrutura um método quase pré-filosófico e pouco conteudista, é possível reavivar como uma espe-rança iminente esta tarefa que parecia tão distante de se tornar exequível no campo da educação.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 97 08/03/2016 16:03:26

98

Isto posto, é possível refletir, em último caso, que repensar a educação por meio da proposta que, como grupo, atualmente buscamos construir, ultra-passa os limites educacionais tradicionais de alunos e professores. E tenta, em alguma medida, pensar a potência latente que está contida no alumnus (sem luz) que não pode ser suprida por um professor (como alguém que professa verdades). Mas, que por outro lado, tende a ser dissolvida em senso comum se não despertada e aguçada por meio de problemas objetivos, tornando-nos claro aos olhos, portanto, também a problematização da nossa função como agentes na educação em processo de formação inicial. Nesse processo ocorre um despertar de perguntas como: Qual nosso objetivo ao nos vincularmos ao projeto de iniciação à docência? E, indo mais além, Qual o nosso papel como futuros educadores? Questões que obrigam-nos assim, ainda mais, a refletir e reafirmar nosso dever de despertar a possibilidade de liberdade potente em cada ser humano2, tornando-nos responsáveis pela tarefa de encorajar, com meios objetivos, sem ditar regras, cada aluno em sua realidade própria, a ser capaz de fazer uso público da sua razão de maneira crítica, visando sempre, por meio da clareza e da boa argumentação, levar uma vida mais ética e significativa em relação ao mundo onde vive e age.

Como diria Paulo Freire, “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade, não pode fugir à discussão criadora sob pena de ser uma farsa” (FREIRE, 1999, p.104).

Permitimo-nos, portanto, repensar a possibilidade de ação do nosso grupo em um movimento que assume a “sobra” que é gerada a partir do desenvolvimento de um método didático educacional surgido de reuniões a uma realidade diferente da vida acadêmica; e nos utilizando desta “sobra” para repensar um novo modelo para a próxima atividade. Uma vez que não aceitamos como dado que há um modelo fixo, indubitável, mas que, a partir dessa “sobra”, assume-se que toda reflexão do nosso grupo é sempre passível de movimento, podendo assim refletir e repensar, constantemente, qual o modo mais ético e significativo para lidar com tamanha dificuldade que é pensar a ação na vida de pessoas por meio da educação.

2 Que pode ser teorizada e inspirada na forma de maioridade kantiana (KANT, 2005), do cuidado de si como dizia Michel Foucault (FOUCAULT; GROS, 2010), ou ainda da noção de amigo como vem nos mostrar Giorgio Agamben (2009) em sua filosofia. Pode-se pensar como qualquer outra forma de ser dita essa meta como tarefa, que assume, entre tantos outros conceitos na história da filosofia, uma urgência e um dever para quem pensa a educação – pensá-la com vistas à liberdade.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 98 08/03/2016 16:03:26

99

Considerações finais

As duas propostas que atualmente estão vigentes como metas e atuações do subprojeto PIBID de Filosofia da Unicamp foram pensadas e estruturadas a partir das reuniões e experiências passadas pelo grupo como um todo. Tanto os projetos de criação de planos de aula para a atuação em escolas estaduais, como a proposta do laboratório, surgem do aprimoramento de experiências anteriores que são refletidas em conjunto de forma comunicativa. Buscamos, assim, assumir o compromisso de construir uma forma mais ética e significa-tiva de progredir como grupo e como agentes de intervenções na sociedade. Não restringimos esse compromisso às reuniões, mas os reafirmamos como fundamentais na nossa formação como futuros professores. Em tal processo, temos sempre como pressuposto a ideia de em nenhum momento nos esque-cermos de que a educação formadora de pessoas críticas, assim como a vida, parte exatamente do caráter histórico e da historicidade dos seres humanos; parte da noção de que somos seres inacabados em um mundo inacabado, onde a possibilidade de ação é sempre latente e a oportunidade de mudança sempre potente, sendo isto fundamental para as reflexões e ações educacionais de nosso grupo.

Referências

AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo e outros ensaios. Traduzido por Vinicius Nicastro Honesko. Chapecó: Argos, 2009.

FOUCAULT, Michel & GROS, Frederic (Ed.). A hermenêutica do sujeito: curso dado no Collège de France (1981-1982). (3ª ed.) Direção de François Ewald, Alessandro Fontana. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. (23ª ed.) Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.

KANT, Imamnuel. Resposta a pergunta: que é esclarecimento? Textos Seletos. (3ª ed.) Traduzido por Floriano de Sousa Fernandes. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 63-71.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 99 08/03/2016 16:03:26

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 100 08/03/2016 16:03:26

101

PIBID-Unicamp: impactos na formação docente no contexto

de uma proposta interdisciplinar1

Elaine ProdócimoCoordenadora de Área do subprojeto Multidisciplinar do PIBID-Unicamp

Faculdade de Educação Física da Unicamp

Eliana AyoubColaboradora na coordenação de Área do subprojeto Multidisciplinar do PIBID-Unicamp

Faculdade de Educação da Unicamp

Introdução

Estudos e pesquisas sobre a inserção na carreira docente apontam que “Os primeiros anos de exercício profissional são basilares para a configuração das ações profissionais futuras e para a própria permanência na profissão” (PAPI; MARTINS, 2010, p. 43).

O professor iniciante, ao iniciar sua profissão, depara-se com muitos desafios e dificuldades: como transpor para a vivência diária os conhecimentos construídos ao longo da formação inicial, como garantir o aprendizado dos alunos, como planejar, ministrar uma aula, avaliar, entre tantos outros. Para muitas dessas questões, encontram-se livros, artigos, textos didático-pedagó-

1 Este artigo é uma versão revisada do trabalho intitulado “PIBID-Unicamp: um olhar sobre as relações humanas na escola”, o qual foi apresentado no XVII ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (realizado de 11 a 14 de novembro de 2014, na cidade de Fortaleza, Ceará) como parte do painel “PIBID: aprendizagens construídas a partir do diálogo entre universidade e escola”, organizado em parceria com as professoras doutoras Jarina Rodrigues Fernandes, Heloisa Chalmers Sisla e Renata Maria Moschen Nascente, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e Elizabeth Miranda de Lima e Franciana Carneiro de Castro, da Universidade Federal do Acre (UFAC). O texto completo do trabalho foi publicado no ebook do evento. (PRODÓCIMO; AYOUB, 2015)

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 101 20/03/2016 11:24:07

102

gicos etc., que auxiliam em sua prática pedagógica, porém, um dos grandes desafios que os docentes têm encontrado, para além desses mencionados, está em como trabalhar com as relações humanas na escola: como lidar com os conflitos, com as agressões, com o desrespeito, com as violências que ocorrem cotidianamente em muitos espaços escolares. Em relação a essas dificuldades, infelizmente, não encontramos uma ampla bibliografia disponível.

Muitos professores queixam-se que, em sua formação inicial, apesar de terem sido preparados para lidar com os conteúdos específicos de sua área, não o foram para enfrentar as questões de convivência que dificultam demasiada-mente o trabalho no dia-a-dia. Diante desse quadro, propusemos o subprojeto Multidisciplinar do PIBID-Unicamp, com o tema das relações humanas, tendo como finalidade melhorar a convivência e minimizar os casos de violência na escola. O termo “multidisciplinar” foi indicado pelo sistema da Capes, quando inserimos uma proposta envolvendo vários cursos de formação de professores. Entretanto, a perspectiva de ação por nós adotada alinha-se com a concepção de interdisciplinaridade discutida por Pombo (2005).

Esse subprojeto teve início em abril de 2010 e término em janeiro de 2014. Recebeu estudantes de diversos cursos de formação de professores da Unicamp: Educação Física, Pedagogia, Danças, Música, Artes Visuais, Geografia e Ciências Sociais. Nesse período, passaram pelo subprojeto 65 bolsistas ID. Foi realizado na Escola Estadual Guido Segalho, de Ensino Fundamental segundo ciclo e Ensino Médio em Campinas/SP. As atividades realizadas objetivavam um trabalho interdisciplinar com ênfase nas relações humanas por meio de propostas que atendessem aos interesses dos alunos e propiciassem possibi-lidades de ação e reflexão sobre o tema. Tais atividades ocorreram tanto nas aulas como em espaços extracurriculares, abarcando práticas corporais, oficinas temáticas, dinâmicas de sensibilização, “frentes de atuação”, palestras e ofici-nas com convidados, filmes, produção de textos, cartazes, criação de esquetes, cenas, paródias, desenhos, entre outras, tendo como finalidade contribuir para a construção de um contexto escolar acolhedor que pudesse propiciar maior confiança e responsabilidade entre os sujeitos que nele se inserem.

O presente artigo tem como objetivo analisar os impactos na formação docente no contexto da proposta interdisciplinar desenvolvida no subprojeto, a partir das reflexões dos bolsistas ID sobre o cotidiano escolar, com base nos relatórios finais elaborados pelos bolsistas ID em janeiro de 2014.

Para análise dos dados, mergulhamos nos relatórios dos bolsistas ID a fim de conhecer as experiências vividas cotidianamente na escola. Baseamo-nos no paradigma indiciário, proposto por Ginzburg (1989). Nessa perspectiva, nosso

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 102 08/03/2016 16:03:26

103

esforço foi no sentido de encontrar indícios, pistas, sinais, que pudessem nos ajudar a compreender as contribuições do subprojeto para o processo de for-mação docente dos bolsistas ID e, igualmente, para o aprendizado dos alunos da escola no que diz respeito às relações humanas.

Os relatórios foram elaborados pelos grupos que atuaram em conjunto na escola. Os grupos eram compostos por bolsistas de diferentes cursos de for-mação e foram agrupados de acordo com as disponibilidades de horários. Cada grupo, ao final do ano, entregou um relatório final com descrição e comentários sobre as atividades realizadas durante o ano, reflexões sobre o cotidiano escolar e sobre a profissão docente, dificuldades encontradas e contribuições do pro-grama para a formação. Foi solicitado que, além das considerações feitas pelo grupo, cada bolsista manifestasse no relatório suas reflexões pessoais sobre o PIBID, levando em conta as contribuições do Programa para a sua formação docente, dificuldades encontradas, desafios enfrentados e sugestões.

Violência na escola

Para Michaud (1989, p.10-11),

Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais.

Estudos têm sido realizados buscando refletir sobre o que ocorre nas esco-las em termos de manifestações de violência. Segundo Prodócimo et al (2010), os comportamentos violentos mais frequentemente observados no contexto escolar sob o ponto de vista tanto das vítimas, quanto dos observadores ou dos agressores, tanto dos rapazes quanto das garotas, envolvem as humilhações e os xingamentos. Ainda no mesmo estudo, realizado numa escola de ensino fundamental segundo ciclo e ensino médio, a sala de aula é apontada como local com maior frequência de ocorrências.

Em outra pesquisa realizada por Prodócimo et al (2013), com 2.793 alunos de 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio de 17 escolas públicas brasileiras de 8 Estados da Federação, 22,13% do total foram considerados vítimas de diferentes formas de violência, sendo que a maior parte são alunos do ensino fundamental. Quanto aos agressores, foram apontados principalmente os colegas do mesmo gênero. Um dos problemas apontados por Abramovay (2005), relacionado ao convívio com a violência, diz respeito a

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 103 08/03/2016 16:03:26

104

uma banalização da mesma : acostuma-se a viver em meio a ameaças e passa-se a considerar que esse estado é o normal, deixando-se de questioná-lo.

Por outro lado, a situação da violência escolar gera medo e leva a alterna-tivas repressivas e de controle, como instalação de sistemas de segurança com câmeras ou policiamento nas escolas. Esse clima de medo tem sido intensificado pela mídia e, como afirmam Gonçalves e Sposito (2002, p.134), ele interfere na “[...] imagem que o mundo adulto escolar constrói sobre crianças e jovens que frequentam a escola pública radicada nos bairros periféricos”.

Como consequência disso, juntamente com outros fatores, temos pre-senciado uma diminuição na demanda pela carreira docente e um alto índice de desistência da mesma logo nos primeiros anos de atuação profissional. Carlotto (2002), em estudo sobre a Síndrome de burnout entre professores, aponta o relacionamento entre professor e aluno como uma das suas princi-pais causas. Esse mesmo estudo, pautado nos autores Wisniewskie e Gargiulo (1997), afirma que a formação de professores tem sido deficiente no que diz respeito à preparação para tratar das questões dos relacionamentos pessoais tanto com alunos quanto com pais, administradores e demais envolvidos no contexto escolar. Esse ponto do despreparo para lidar especificamente com a violência nas escolas também é enfatizado por Gomes e Pereira (2009), que tratam da questão do “choque de realidade” para elucidar a situação em que muitos professores recém-formados se encontram ao iniciar a carreira docente. Críticas são postas sobre a característica muito “teórica” dos cursos de formação, em detrimento de experiências diretas de atuação profissional. Nessa perspectiva, mudanças na formação docente, em que mais experiências concretas na escola sejam efetivadas, vêm sendo discutidas e propostas, e o PIBID pode ser considerado como um programa que vai ao encontro dessa perspectiva, ao mobilizar ações que colocam em interlocução a formação na universidade e o contexto escolar.

Ao analisarmos esses dois pontos mencionados - a falta de preparo para lidar com as relações pessoais e a distância entre a formação universitária e a atuação docente –, vemos a necessidade de unirmos esforços para enfrentá-los, levando em conta os atores participantes dos distintos contextos, no sentido de aproximar os estudantes universitários em formação docente da realidade escolar, abordando múltiplos temas presentes nessa realidade, entre eles, as relações interpessoais.

Essas lacunas na formação docente, associadas à polissemia que envolve o conceito e as manifestações de violência, entendida como um fenômeno multidimensional e socialmente construído, faz com que haja uma dificuldade

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 104 08/03/2016 16:03:26

105

por parte dos professores em compreender a violência escolar, em diferenciá-la de outras manifestações indisciplinares. Souza e Ristum (2005) abordam esse tema em estudo realizado a partir de relatos de professores de escolas públicas e particulares e concluem que os sujeitos apontam para os alunos como causa-dores da violência escolar, mas não reportam, de maneira geral, aos próprios atos repressivos como violentos; há uma banalização da violência e ações que poderiam – ou deveriam – ser consideradas violência são incorporadas ao cotidiano de modo naturalizado; ações repressivas por parte dos professores, como castigar fisicamente, são consideradas medidas educativas necessárias.

Sobre as formas de lidar com o tema na escola, segundo Abramovay (2005), uma educação preocupada com as artes, a estética, a ética e a criativi-dade, voltada ao sensível e comprometida com a humanidade, poderia contri-buir para a diminuição da violência. Foi acreditando nessa possibilidade que propusemos, em parceria com os supervisores (que atuavam na coordenação pedagógica e direção da escola) e bolsistas ID, um conjunto de ações de iniciação à docência com ênfase em atividades corporais e artísticas, para abordarmos os temas da violência, preconceito e bullying.2

Experiências vividas no cotidiano da escola

Com a intenção de auxiliar na formação dos bolsistas ID em relação ao tema em questão, como dissemos anteriormente, elaboramos um subprojeto com ênfase nas relações humanas, que teve como objetivo refletir sobre a con-vivência escolar com os alunos, melhorar o convívio, diminuir a violência entre pares e abordar essa temática na formação inicial docente, buscando suprir a lacuna apontada em estudos relacionados ao assunto.

Durante o ano de 2013, as atividades foram realizadas semanalmente com todas as turmas da escola, em horário cedido pelos professores, em for-ma de rodízio, a fim de não prejudicar o conteúdo programático de nenhuma disciplina. A organização desse rodízio demandou dos supervisores do PIBID na escola a montagem de um verdadeiro “quebra-cabeça” para que todas as turmas participassem do processo sem prejudicar os acordos estabelecidos com os professores. Grupos de 3 a 4 bolsistas ID atuavam toda semana em 3 turmas da escola, proporcionando um aumento do vínculo com os alunos devido à sua presença frequente. Ao todo, foram 16 turmas participantes, do

2 Bullying é uma forma de violência em que um aluno (vítima ou alvo) sofre agressões por outro aluno, ou grupo de alunos (agressores ou autores), de forma repetitiva, por um período prolongado de tempo, e em que há desequilíbrio de poder.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 105 08/03/2016 16:03:26

106

6º ano do ensino fundamental segundo ciclo ao 3º ano do ensino médio. Os grupos estão identificados no presente estudo como:- Grupo 1, atuação com duas turmas de 6º ano, uma de 6ª série e uma de 7ª série.3 - Grupo 2, atuação com três turmas de 8ª série. - Grupo 3, atuação com três turmas de 1º ano do Ensino Médio.- Grupo 4, atuação com três turmas de 2º ano do Ensino Médio. - Grupo 5, atuação com uma turma de 1º ano e 2 turmas de 3º ano do Ensino Médio.

As ações eram organizadas nas reuniões periódicas realizadas na universi-dade entre as coordenadoras de área, supervisores e bolsistas ID e de acordo com os interesses, necessidades e características das diversas turmas. Foi percebido pelos bolsistas ID uma falta de espaço para atividades mais dinâmicas, envolven-do com maior intensidade o corpo, o gesto e a expressão, especialmente com os alunos do ensino fundamental. Diante desse quadro, e considerando a possível contribuição de atividades corporais e artísticas para a abordagem do tema das relações humanas e violência, foram desenvolvidas propostas que propiciaram oportunidades de trabalho coletivo cooperativo, de forma prazerosa e divertida para os alunos, aumentando sua noção de pertencimento e desejo de permane-cer na escola. Cabe destacar que não se tratou de propor atividades para “gastar energia”, deslocando aquelas que seriam gastas em manifestações violentas, como alerta Colombier et al (1989), mas de criar espaços de convivência em que o diá-logo fosse oportunizado, em que os alunos pudessem manifestar-se de maneira aberta e serem ouvidos, em que suas ideias fossem discutidas e valorizadas.

Dentre as atividades realizadas, destacam-se os jogos de caráter coopera-tivo como: siga o mestre, pula cela, bola ao centro, choque, nó das mãos, futebol e handebol em duplas, futebol com as mãos dadas, queimada do escudo, trem cego, casa-inquilino-terremoto, imagem e ação, entre outros. Foram realizadas, igualmente, atividades corporais e artísticas como: ritmo e consciência corporal, cantigas em roda, qual é a música, elaboração de cenas e esquetes, grafitagem do muro da escola, confecção de painéis, produções com técnica de stencil, etc.

Todas essas propostas tinham como princípio fundamental uma pers-pectiva dialógica, na qual se proporcionam espaços de conversa, discussão e reflexão sobre as percepções, sentimentos e compreensões dos alunos, em busca de novas possibilidades de vivência das relações humanas. Para Freire

3 A escola passava pelo processo de mudança de séries para anos e mantinha, ainda, algumas turmas do ensino fundamental segundo ciclo como séries.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 106 08/03/2016 16:03:26

107

(1997), “ensinar exige saber escutar”, “ensinar exige disponibilidade para o diálogo”, dentre os tantos saberes necessários à prática educativa. Pensamos, nesse sentido, em relações educativas que se tecem num diálogo ético no qual se faz necessário e imprescindível escutar os educandos.

Escutar é obviamente algo que vai mais além da possibilidade auditiva de cada um. Escutar, no sentido aqui discutido, significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro. Isto não quer dizer, evidentemente, que escutar exija de quem realmente escuta sua redução ao outro que fala. Isto não seria escuta, mas auto-anulação. A verdadeira escuta não diminui em mim, em nada, a capacidade de exercer o direito de discordar, de me opor, de me posicionar. Pelo contrário, é escutando bem que me preparo para melhor me colocar ou melhor me situar do ponto de vista das idéias. Como sujeito que se dá ao discurso do outro, sem preconceitos, o bom escutador fala e diz de sua posição com desenvoltura. Precisamente porque escuta, sua fala discordante, em sendo afirmativa, porque escuta, jamais é autoritária. (FREIRE, 1997, p.135)

Nem sempre foi fácil para os bolsistas ID esse exercício instigante e de-safiador de escuta e de construção do diálogo. Por vezes, os bolsistas passavam por sérias dificuldades com as turmas, sobretudo do ensino fundamental, desde situações de indisciplina ou desinteresse por parte dos alunos, até problemas de insegurança dos próprios bolsistas ID na condução das atividades. Porém, quando essas propostas eram vividas de forma intensa, sem preconceitos, com respeito e abertura para compreender, concordar ou mesmo discordar das ideias do outro, os alunos da escola recorrentemente afirmavam que sentiam falta de espaços como esses em outras disciplinas ou contextos. Do ponto de vista dos alunos, esse era um dos aspectos que valorizava o PIBID na escola, mas que, por outro lado, causava alguns desconfortos nos professores que tinham dificuldades em dialogar com seus alunos.

Esse desconforto pôde ser percebido tanto pelos bolsistas ID em si-tuações cotidianas, como por nós, coordenadoras, em alguns momentos de visita à escola para a participação nas reuniões coletivas dos professores. Ao apresentarmos as propostas do subprojeto a fim de ouvir as impressões, ob-servações e sugestões dos professores, havia professores que acreditavam nas nossas propostas, mas também professores que demonstravam descrédito, afirmando que era muito difícil fazer algo diferente com os alunos. Ora de modo mais explícito, ora nas entrelinhas, nós (bolsistas ID e coordenadoras) íamos percebendo que o incômodo de alguns docentes mostrava, igualmente, visões bastante cristalizadas a respeito dos alunos da escola e que vinham, geralmente, carregadas de preconceitos.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 107 08/03/2016 16:03:26

108

Reflexões e aprendizados

A partir dos relatórios entregues pelos grupos de bolsistas ID e do registro de suas reflexões pessoais, foi possível analisar os impactos do programa para a formação docente, bem como para os aprendizados dos alunos da escola em relação à proposta de trabalho pautada nas relações humanas. Elegemos os as-suntos mais marcantes trazidos pelos bolsistas ID, os quais foram organizados em dois conjuntos de impactos: 1. no contexto escolar e nas relações humanas (importância da comunicação, ambiente acolhedor, confrontação com a violên-cia); no contexto da formação docente (experiência enriquecedora, o trabalho interdisciplinar, para além da sala de aula e críticas ao sistema da educação).

1. No contexto escolar e nas relações humanas1.1. Importância da comunicação Esse ponto foi evidenciado e registrado pelos bolsistas ID, os quais per-

ceberam que falhas na comunicação entre a própria equipe gestora e os pro-fessores interferem no trabalho docente e na relação entre professor e aluno. Segundo os bolsistas ID do Grupo 3: “[...] é fato que há uma enorme falha de comunicação entre os membros da equipe escolar; informações desencontra-das, desatualizadas e falta de informação; isso interfere de forma negativa na atuação dos profissionais e no rendimento dos alunos que de forma geral são sempre os últimos a serem informados sobre as decisões da escola.”

E também falhas na comunicação entre a escola e a equipe do PIBID, como constatado pelos bolsistas ID, que alertaram para dificuldades de comu-nicação entre os funcionários e a direção em relação à sua presença na escola, dificultando em parte o desenvolvimento das ações planejadas: “Essa falta de comunicação dificultou a nossa atuação na escola” (Grupo 4).

Esse ruído ocasionado na comunicação pode influenciar o clima esco-lar e pode ser um potencial gerador de conflitos e violências, como aponta Debarbieux (2006). Informações desencontradas, desatualizadas ou mesmo a falta delas foram aspectos mencionados em relatórios e que influenciaram no desenvolvimento das atividades e na convivência.

Sobre a questão da importância do diálogo no contexto educativo, tem sido abordada com frequência, na atualidade, a necessidade de se “dar voz” aos alunos, de se criar oportunidades para que os alunos se manifestem, expressem-se e tenham suas posições valorizadas. Para nós, mais do que uma questão de “dar a voz”, enfatizamos que é preciso “escutar a voz” dos alunos,

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 108 08/03/2016 16:03:26

109

pois não basta apenas possibilitar um espaço para que os alunos falem se não há espaço de escuta. Novamente recorremos a Paulo Freire, quando destaca que “ensinar exige saber escutar”, combatendo as formas autoritárias de ensino em que a palavra é dada “de cima para baixo” de maneira impositiva e não se fala com o aluno. É por meio do diálogo que os conflitos podem ser resolvidos e a convivência melhorada. Nas palavras do próprio autor,

[...] quem tem o que dizer deve assumir o dever de motivar, de desafiar quem escuta, no sentido de que, quem escuta diga, fale, responda. É intolerável o direito que se dá a si mesmo o educador autoritário de comportar-se como o proprietário da verdade de que se apossa e do tempo para discorrer sobre ela. [...] Sua fala, por isso mesmo, se dá num espaço silenciado e não num espaço com ou em silêncio. (FREIRE, 1997, p.132)

No contexto educacional, o diálogo revela-se como fundamental, tanto no âmbito das relações entre professores e alunos, quanto entre professores e também com a equipe gestora.

1.2. Ambiente acolhedorFoi ressaltado nos relatórios que, muitas vezes, o ambiente da escola deixa

de ser acolhedor, estando, de certa forma, descuidado, com vidros quebrados, papéis de bala espalhados pelo chão, denotando uma falta de zelo por parte também dos alunos que frequentam o espaço e de ausência de pertencimento ao contexto vivido (Grupo 1). Essa falta de cuidado e de engajamento pode levar, do mesmo modo, a atitudes de resistência quanto à própria permanência do aluno na escola. Essa apresentação do espaço físico muitas vezes reflete o que ocorre igualmente nas relações pessoais e, a exemplo dos alunos, alguns professores também não desejam estar ali (COLOMBIER et al, 1989).

Foi percebida uma gestão limitada dos espaços da escola, com locais potencialmente interessantes para trabalhos externos às salas de aulas sendo subutilizados (Grupo 3). Esse ponto foi apresentado por Marriel et al (2006) como uma das formas de violência da própria instituição escolar em relação aos alunos, ou seja, a restrição ao convívio em sala de aula. Mesmo havendo possibi-lidades espaciais para trabalho em ambiente externo, as atividades centravam-se quase que exclusivamente na sala de aula. Essa situação pode gerar descontenta-mento por parte dos alunos, que não têm suas necessidades e interesses valoriza-dos, sentindo-se desconsiderados e num ambiente que não os atrai.

Outro aspecto mencionado por um dos grupos de bolsistas ID foi a alta rotatividade de alunos na escola e uma consideração realizada foi a de que “Os

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 109 08/03/2016 16:03:26

110

alunos não são levados em consideração, parece que eles não são o foco da escola” (Grupo 3) e continuam: “[...] os alunos não se sentem parte da escola e são acolhidos de uma forma muito superficial. Eles apenas são ‘aceitos’ na escola, mas não se sentem parte dela” (Grupo 3).

Essa situação apontada nos relatórios pode ser observada em pichações que foram feitas pelos alunos nas dependências da escola. Guimarães (2005) analisa essas ações como atos de resistência, como expressão de um querer-viver continuamente cerceado pelo contexto escolar homogeneizante e do dever-ser.

1.3. Confrontação com a violênciaOs bolsistas ID puderem reconhecer pessoalmente as questões da vio-

lência sobre as quais os professores comumente se queixam. Observaram casos de bullying, de ofensas “gratuitas”, de desrespeito aos colegas e também aos funcionários e professores (Grupo 1).

Demonstraram, a exemplo do que ocorre com os professores, dificul-dades de lidar com os problemas na prática docente. Em alguns momentos, as atividades eram interrompidas e eram realizadas conversas com os alunos sobre os comportamentos manifestados (Grupo 1).

Embora tenha sido notado pelos bolsistas ID uma melhora nos rela-cionamentos entre os alunos durante as atividades propostas no subprojeto (Grupo 5), eles ponderaram que o mesmo não se refletiu nas relações entre alunos e professores no cotidiano, havendo um certo “distanciamento afetivo” (Grupo 3).

Uma atitude necessária para lidar com a situação de violência é buscar compreendê-la, o que a desencadeia, o que ela representa. No contexto esco-lar, muitas vezes seu significado está no fazer-se ver, fazer-se ouvir, fazer-se reconhecer como sujeito único, como ato de resistência contra um sistema que sufoca necessidades e desejos dos sujeitos que dele fazem parte. Colombier et al (1989) propõem uma pedagogia do desejo, em que o desejo se manifeste pela palavra e que supõe, outrossim, uma aproximação afetiva maior entre professor e aluno. Para os autores (COLOMBIER et al, 1989, p.101),

Responder à violência através de uma pedagogia do desejo é ver nela outra coisa além dos atos destrutivos através dos quais ela se manifesta. É escutar o que nela se diz de um desejo de satisfação imediata, total, é procurar o que permitirá passar desta violência selvagem para um comportamento socialmente aceitável, sem com isso sufocar a energia que esta violência subentende.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 110 08/03/2016 16:03:26

111

2. No contexto da formação docente2.1. Experiência enriquecedoraOs bolsistas ID relataram que a experiência foi rica e bastante significativa

para sua formação docente. De acordo com o Grupo 5, “Essa experiência foi muito enriquecedora para nossa formação, pois o convívio com o cotidiano escolar nos aproximou muito do ‘ser docente’ e acreditamos que por ainda ser-mos ‘estudantes’ conseguimos analisar como é estar dos dois lados da história. Também pudemos vivenciar a situação atual da escola pública brasileira, seus desafios e suas fragilidades [...]”.

Ainda outros aspectos como reconhecer as idades com maior afinidade para o trabalho e interação, experimentar o cotidiano escolar de forma mais concreta e aprofundada, conhecendo suas entrelinhas, e não apenas a sua obviedade, permitiu aos bolsistas ID deixar de “romantizar a realidade”, possi-bilitando uma compreensão mais complexa do cotidiano escolar e do trabalho docente, o que nem sempre ocorre nos estágios supervisionados obrigatórios dos cursos de formação de professores, conforme relataram os bolsistas ID (Grupos 1, 3 e 4).

Temos presenciado frequentes discussões que traçam paralelos entre o PIBID e os estágios supervisionados, seja nos encontros periódicos da equipe do PIBID-UNICAMP, seja em diversos congressos do campo da educação e também em fóruns de discussão sobre formação de professores e sobre o próprio PIBID. Considerando essas discussões e nossa experiência como professoras de estágio supervisionado e coordenadoras do PIBID, podemos afirmar com tranquilidade que a qualidade da aproximação com a realidade escolar e dos aprendizados no contexto do PIBID, devido aos seus objetivos e característi-cas, tem sido, via de regra, mais profunda e significativa do que no âmbito do estágio supervisionado.

2.2. O trabalho interdisciplinarA troca de experiências e integração de saberes decorrentes de um traba-

lho realizado por estudantes de diferentes cursos de formação de professores foi outro aspecto ressaltado nas reuniões de planejamento e avaliação, reconhe-cendo a dificuldade de se realizar um trabalho conjunto, mas, por outro lado, a riqueza resultante desse processo. Essa forma de ação, em que cada bolsista ID colaborava com os conhecimentos específicos de sua área para a constru-ção do planejamento, foi ressaltada recorrentemente como uma importante contribuição para a formação docente.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 111 08/03/2016 16:03:26

112

O depoimento de uma bolsista do Grupo 4 revela esse desafio: “Graças ao projeto, percebi como as minhas aulas podem se relacionar com as outras disciplinas e que, apesar de todo o trabalho que é organizar uma intervenção multidisciplinar, os resultados alcançados são muito interessantes para todos os envolvidos.”

Discutimos em várias oportunidades com os bolsistas ID e supervisores os limites e possibilidades da realização de ações interdisciplinares, uma vez que toda nossa formação escolar e, igualmente, no âmbito universitário, pauta-se por uma perspectiva disciplinar e de especialização científica. Nesse sentido, o desafio da interdisciplinaridade acompanhou todo o percurso do nosso subprojeto, numa constante busca por uma atitude de partilha, curiosidade e cooperação como enfatiza Pombo (2005, p.13):

Finalmente uma última palavra para dizer que a interdisciplinaridade se deixa pensar, não apenas na sua faceta cognitiva - sensibilidade à complexidade, capacidade para procurar mecanismos comuns, atenção a estruturas profundas que possam articular o que aparentemente não é articulável - mas também em termos de atitude - curiosidade, abertura de espírito, gosto pela colaboração, pela cooperação, pelo trabalho em comum. Sem interesse real por aquilo que o outro tem para dizer não se faz interdisciplinaridade. Só há interdisciplinaridade se somos capazes de partilhar o nosso pequeno domínio do saber, se temos a coragem necessária para abandonar o conforto da nossa linguagem técnica e para nos aventurarmos num domínio que é de todos e de que ninguém é proprietário exclusivo. Não se trata de defender que, com a interdisci-plinaridade, se alcançaria uma forma de anular o poder que todo saber implica (o que equivaleria a cair na utopia beata do sábio sem poder), mas de acreditar na possibilidade de partilhar o poder que se tem, ou melhor, de desejar partilhá-lo.

2.3. Para além da sala de aulaFoi percebido pelos grupos que atuaram com os alunos do ensino funda-

mental que havia uma demanda grande por atividades fora da sala de aula; con-tudo, na mesma proporção, havia uma dificuldade da turma em comportar-se de maneira adequada em outros espaços, havendo grande agitação, dispersão, dificultando o trabalho dos bolsistas ID para desenvolver as propostas e con-versar com os alunos, provavelmente fruto da falta de experiência na realização de atividades em espaços extraclasse (Grupo 1).

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 112 20/03/2016 11:24:50

113

Já os grupos que atuaram com o ensino médio descreveram dificuldade em trabalhar com práticas corporais, pois, nas palavras de uma bolsista ID do Grupo 4 “[...] os alunos do Ensino Médio não se movimentam e têm dificuldade de tocar os colegas”. Contudo, os alunos dos 3os anos relataram que um dos pontos que mais gostaram nas propostas do grupo do PIBID foram as atividades realizadas fora da sala de aula, como a realização de jogos diversos (Grupo 5).

Esse aspecto trazido pelos bolsistas ID em seus relatórios remete a refle-xões mais gerais sobre os modos de ensinar e aprender em diferentes disciplinas, os quais estão associados, normalmente, a uma concepção restritiva de pro-dução de conhecimento. Estamos diante de mais um desafio a ser enfrentado.

Para ensinar, estudar, conhecer, aprender... não precisamos nos limitar a determinados espaços, não precisamos estar sempre sentados e em silêncio. Precisamos romper com visões restritivas que impõem regras rígidas sobre os processos de ensino-aprendizado dos diferentes conhecimentos escolares. Por que não ensinar matemática na quadra e educação física na sala de aula? Essa é uma provocação para pensarmos outros modos de ensino na escola, sem desconsiderar as especificidades de cada área do conhecimento. No entanto, é importante reconhecer que temos alimentado concepções extremamente fechadas sobre como lidar com as diferentes disciplinas no contexto escolar. (AYOUB, 2005, p.6)

2.4. Críticas ao sistema da educação Foi ressaltado pelos bolsistas ID um certo desapontamento em relação

à atual situação da educação pública brasileira e uma necessidade urgente de ações que possam alterar esse quadro (Grupo1). Professores desanimados, estruturas precárias, alunos desinteressados (Grupo 4). Embora percebam que muitos docentes para fazer um bom trabalho, eles esbarram em situações cotidianas que acabam por gerar desânimo, como salas com número excessivo de alunos, jornada de trabalho extensa e às vezes em mais de uma escola, o que compromete o tempo para preparação de materiais e para estudo, e mesmo a falta de diálogo entre os professores sobre questões pedagógicas, que faz com que cada um desempenhe “seu” trabalho, ministrando “seu” conteúdo sem discussões coletivas.

Sampaio e Marin (2004) apontam que era comum em décadas anterio-res a troca de experiências entre professores mais experientes e professores iniciantes, situação que se perdeu ao longo do tempo. Nesse mesmo artigo, as autoras destacam outros aspectos ligados à precarização do trabalho docente como: a formação inicial básica, pois em nosso país nem todos os professores

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 113 08/03/2016 16:03:26

114

são habilitados para a profissão; os baixos salários; as condições de trabalho com altas cargas horárias de docência; o número excessivo de alunos por tur-ma; a alta rotatividade e itinerância, com professores tendo de atuar em várias escolas e mesmo redes de ensino diferentes simultaneamente; entre outros.

Além desses pontos apresentados, Oliveira (2004) afirma que o profes-sor, muitas vezes, deve desempenhar outras funções como assistente social, enfermeiro, psicólogo, o que leva a uma perda de identidade profissional e a uma desprofissionalização, que acaba por desqualificar o trabalho docente.

Diante desse breve quadro apresentado, não é de se estranhar o desa-pontamento dos bolsistas ID sobre a situação geral da escola. No entanto, nosso esforço ao longo do desenvolvimento de todo o projeto foi o de pensar conjuntamente com eles e os supervisores formas de atuação para enfrentar tais dificuldades, tendo com mote a máxima de Paulo Freire (1997, p.88): “mudar é difícil, mas é possível”.

Considerações finais

Iniciamos nossas considerações finais com alguns relatos de bolsistas ID, que sinalizam alguns de seus aprendizados:

- “Durante a graduação, estar em contato com a escola é uma grande oportunidade para vivenciar o cotidiano escolar, todas as dificuldades e os momentos que nos causam surpresas” (bolsista Grupo 1).

- “[...] de modo positivo essa experiência também me despertou para o poder transformador do educador e de como pequenas reações e realizações dos alunos fazem valer a pena todo o esforço” (bolsista Grupo 1).

- “[...] possibilitar frequentar a sala dos professores com naturalidade, podendo realmente ver como se comportavam os professores longe dos alunos e da coordenação, nem poder conviver com os funcionários de uma forma que eles se sentissem à vontade para conversar conosco” (bolsista Grupo 4).

- “As nossas percepções da realidade escolar foram confrontadas du-rante o período de participação no PIBID, nos deparamos com dificuldades, muitas dificuldades, com conflitos, mas também partilhamos bons momentos, momentos de alegria e de aprendizado. Percebemos que ser professor não é apenas ter conhecimento dos conteúdos, mas criar uma relação com cada um dos alunos, respeitando as dificuldades, limites de cada um” (Grupo 3).

Esses relatos e os tantos outros dos bolsistas ID (e também dos supervi-sores) levam-nos a afirmar com segurança que são marcantes as contribuições

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 114 08/03/2016 16:03:26

115

do PIBID para a formação docente. Na visão dos bolsistas ID, a participação no subprojeto proporcionou a oportunidade de conhecer de modo mais apro-fundado o contexto escolar e o funcionamento da escola, de experimentar a prática docente, de relacionar-se de forma mais intensa com os alunos, com os professores e funcionários. Todos partilharam a visão da importância do PIBID em sua formação.

Por outro lado, problemas foram percebidos no cotidiano escolar e tra-zidos em seus dizeres. Os mesmos problemas como falhas na comunicação, aproveitamento inadequado dos espaços escolares, desinteresse dos alunos, desânimo na prática docente, falta de apoio e estrutura na educação pública, entre outros, são, inclusive, relatados pelos próprios professores.

Sobre o contexto das relações humanas, os bolsistas ID reconheceram a dificuldade e complexidade do assunto, mas também a urgência de se trabalhar com essa temática no dia-a-dia. Perceberam fatores que podem influenciar agravando conflitos e mesmo as manifestações de violência, como por exemplo a falta de consideração das necessidades e interesses dos alunos. Relataram, igualmente, que há pouco espaço para manifestações na escola que os alunos são pouco ouvidos por parte dos docentes.

Embora tenham registrado as várias dificuldades encontradas durante a experiência na escola, os bolsistas ID reconheceram a importância do PIBID para sua formação docente, como afirmamos acima, e os impactos positivos na instituição escolar no que diz respeito aos aprendizados dos alunos da escola.

Por fim, ressaltamos novamente que a complexidade das relações huma-nas que se constroem na escola será sempre um desafio a ser enfrentado por nós.

Referências

ABRAMOVAY, Miriam (Coord.). Cotidiano das escolas: entre violências. Brasília: UNESCO, Observatório de Violências, Ministério da Educação, 2005.

AYOUB, Eliana. Memórias da educação física escolar. In: Anais do XIV Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte e I Congresso Internacional de Ciências do Esporte. Porto Alegre, 2005.

CARLOTTO, Mary Sandra. A Síndrome de burnout e o trabalho docente. Psicologia em estudo, v. 7, n. 1, p. 21-29, jan./jun. 2002.

COLOMBIER, Claire; MANGEL, Gilbert; PERDRIAULT, Marguerite. A violência na escola. São Paulo: Summus, 1989.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 115 08/03/2016 16:03:26

116

DEBARBIEUX, Éric. Violência na escola - um desafio mundial? Lisboa: Instituto Piaget, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. (2ª ed.) Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: ________ . Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 143-179.

GOMES, Candido Alberto & PEREIRA, Marlene Monteiro. A formação do pro-fessor em face das violências das/nas escolas. Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 136, p. 201-224, jan./abr. 2009.

GONÇALVES, Luiz Alberto O. & SPOSITO, Marília P. Iniciativas públicas de redução da violência escolar no Brasil. Cadernos de Pesquisa, n. 115, p. 101-138, mar/2002.

GUIMARÃES, Áurea M. A dinâmica da violência escolar. Conflito e ambiguidade. (2ª ed.) Campinas: Autores Associados, 2005.

MARRIEL, Lucimar C.; ASSIS, Simone G.; AVANCI, Joviana Q.; OLIVEIRA, Raquel V. C. Violência escolar e auto-estima de adolescentes. Cadernos de Pesquisa, v. 36, n. 27, p. 35-50, jan/abr. 2006.

MICHAUD, Yves. A violência. São Paulo: Ática, 1989.

OLIVEIRA, Dalila A. A reestruturação do trabalho docente: precarização e flexibilização. Educação e Sociedade, v. 25, n. 89, p. 1127-1144, set./dez. 2004.

PAPI, Silmara de Oliveira Gomes; MARTINS, Pura Lúcia Oliver. As pesquisas sobre professores iniciantes: algumas aproximações. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 26, n. 03, p. 39-56, dez. 2010.

POMBO, Olga. Interdisciplinaridade e integração dos saberes. Liinc em Revista, Rio de Janeiro/RJ, v. 1, n. 1, março 2005, p. 3-15.

PRODÓCIMO, Elaine & AYOUB, Eliana. PIBID-UNICAMP: um olhar sobre as relações humanas na escola. In: FARIAS, Isabel Maria Sabino de et al. (Orgs.). Didática e a prática de ensino na relação com a formação de professores. Fortaleza, CE, EdUECE, 2015, p. 05459-05470. (recurso digital)

PRODÓCIMO, Elaine; SILVA, Rosiane G. C.; MIGUEL, Rebeca S.; RECCO, Kethylin V. Meninas também agridem? Estudo sobre agressão entre escolares. Educação em Foco, v. 15, n. 1, p. 59-78, mar/ago. 2010.

PRODÓCIMO, Elaine; FARENZENA, Rosana C.; COSTA, Raquel R., SILVA, Rosiane G. C., MATTOSINHO, Paulo Vitor B. Os adolescentes brasileiros e a violência entre pares na escolas; o fenômeno visto de dentro para fora. Interacções, n. 25, p. 202-225, 2013.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 116 08/03/2016 16:12:46

117

SAMPAIO, Maria das Mercês F. & MARIN, Alda J. Precarização do trabalho docente e seus efeitos sobre as práticas curriculares. Educação e Sociedade, v. 25, n. 89, p. 1203-1225, set./dez. 2004.

SOUZA, Liliane Viana & RISTUM, Marilena. Relatos de violência, concepções de violência e práticas escolares de professoras: em busca de relações. Paideia, v. 15, n. 32, p. 377-385, 2005.

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 117 08/03/2016 16:03:26

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 118 08/03/2016 16:03:26

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 119 08/03/2016 16:03:26

Miolo_Coleção PIBID volume_05_CS 6.indd 120 08/03/2016 16:03:26