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MINISTRO EROS GRAU DISCURSOS PROFERIDOS NO STF, NA SESSÃO DE 25 DE AGOSTO DE 2011 POR MOTIVO DE SUA APOSENTADORIA SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASÍLIA – 2011

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MINISTROEROS GRAUDISCURSOS PROFERIDOS NO STF,

NA SESSÃO DE 25 DE AGOSTO DE 2011

POR MOTIVO DE SUA APOSENTADORIA

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

BRASÍLIA – 2011

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003), Presidente

Ministro Carlos Augusto AYRES de Freitas BRITTO (25-6-2003), Vice-Presidente

Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)

Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)

Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002)

Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)

Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006)

Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)

Ministro José Antonio DIAS TOFFOLI (23-10-2009)

Ministro LUIZ FUX (3-3-2011)

Diretoria-GeralAlcides Diniz da Silva

Secretaria de DocumentaçãoJaneth Aparecida Dias de Melo

Coordenadoria de Divulgação de JurisprudênciaAndreia Fernandes de Siqueira

Seção de Padronização e RevisãoRochelle Quito

Seção de Distribuição de EdiçõesMaria Cristina Hilário da Silva

Capa e Diagramação: Jorge Luis Villar Peres

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Supremo Tribunal Federal – Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Brasil. Supremo Tribunal Federal.

Ministro Eros Grau [recurso eletrônico] : discursos proferidos no STF, na sessão de 25 de agosto de 2011, por motivo de sua aposentadoria / Supremo Tribunal Federal. – Brasília : Supremo Tribunal Federal, 2011.

1. Ministro do Supremo Tribunal Federal, aposen-tadoria. 2. Tribunal supremo, Brasil. I. Grau, Eros Roberto.

CDD 341.419104

Ministro Eros Grau

SUMÁRIO

Discurso do Senhor Ministro Gilmar Mendes ....................... 6

Discurso do Doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos, Procurador-Geral da República ......................................... 13

Discurso do Doutor Rubens Approbato Machado, represen- tante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ........................................................................... 18

Discurso do Doutor Marcelo Cerqueira ............................... 22

Palavras do Senhor Ministro Cezar Peluso, Presidente .......... 26

Discurso do Senhor MinistroGILMAR MENDES

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O Sr. Ministro Gilmar Mendes — Em 1940, a Terra ardia, inflamada em conflagração mundial. Enquanto a maior parte da Humanidade, ameaçada e perplexa, sofria os horrores da terrível batalha entre a liberdade e a intolerância, o Brasil, agrário e modesto, encolhia-se na neutralidade, como a confirmar, ainda uma vez, a lendária inclinação para seguir dormindo em berço esplêndido.

Contudo, naquele ano de 1940, no coração do Rio Grande do Sul, mais precisamente em Santa Maria da Boca do Monte, cidade originária de acampamento militar, nascia um soldado diferente, um menino-guerreiro cuja vocação para a paz encontraria na seara do Direito as maiores e melhores armas.

Eros Roberto Grau, filho dileto de Werner e Dalva Couto Grau, herdou dos pais, além do traço magnífico da dignidade, o pendor natural do altruísmo e da liderança, marcas que o distinguiram desde a juventude. A par do raro dom da palavra – que o fez vencedor, ainda calouro, do 1º Concurso de Oratória da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie –, o amplo conhecimento nas coisas do Direito consagraria o bacharel inquieto e engajado como o melhor aluno em Direito Comercial da Turma de 1963, um ano depois de haver conquistado o Prêmio Alcântara Machado de Direito Penal.

Fácil concluir, portanto, que se avizinhava trajetória acadêmica das mais fulgurantes.

De fato, não tardou para que tão vigoroso talento intelectual encontrasse solo fecundo no magistério universitário, trilha pela qual enveredou antes mesmo da Especialização em Economia e Teoria Geral do Estado na Universidade de São Paulo, em 1966. Logo depois, o “Professor Eros”, como até hoje gosta de ser chamado (“com orgulho e honra”), obteve o título de Doutor em Direito da Universidade de São Paulo, defendendo a tese “Aspectos Jurídicos do Planejamento Metropolitano”. Com o feito, assoma à cátedra de Direito Econômico no Largo de São Francisco. Sempre mediante concurso público, alcança a Livre-Docência; em seguida, o cargo de Professor Adjunto e, finalmente, o de Professor Titular do Departamento de Direito Econômico e Financeiro das Arcadas, a tão querida Arcadas [“ali onde mora a amizade, ali onde mora a alegria, no Largo de São Francisco, na Velha Academia”], de que tanto se envaidece e até se ufana.

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Vou à própria fonte para reverberar a voz do professor emérito, consagrado pelos pares, amado por exércitos de discípulos: “A academia é para mim o que o mar é para o peixe” – costuma afiançar o Maestro que, mesmo aposentado, generosamente permanece a disseminar ensinamentos por universidades de todo o País, ao tempo em que bem representa o Brasil lá fora.

Assim foi, por exemplo, quando da elogiável atuação na França, onde contribuiu anos a fio como professor visitante em centros de referência como Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne), Université de Montpellier I e Université Du Havre. Tais incursões renderam-lhe, em merecido reconhecimento, dois dos três títulos de Doutor Honoris Causa que possui, isso sem falar do sensível acréscimo em respeitabilidade, a elastecer o já vasto rol de admiradores.

E lá se vão quase cinquenta anos de excelência em professorado – somente fidedignamente reconhecida àqueles movidos pela insuperável convicção de que têm algo muito importante a dizer.

É deduzir, sem pejo de errar:

A energia motriz dessa peregrinação idealista, às vezes tão solitária, é a disposição para mudar o mundo, de modo a fazê-lo mais justo, mais harmonioso e, assim – tão somente dessa forma – genuinamente democrático.

À força das palavras, Eros Grau somou o poder da luta efetiva com as armas da lei e do Direito para alcançar a sonhada Justiça – sem dúvida, o melhor de todos os argumentos. Por quatro décadas fez da Advocacia a trincheira de onde torpedeou desde a ilegalidade ao normativismo vazio. Volto a citá-lo, de maneira a melhor fruir da pureza só obtida na própria fonte:

“Que me perdoem os estudiosos que tomam a norma escrita, positiva, como objeto único de suas indagações. Isso é pouco e demasiado pobre para mim. Prefiro os desafios mais amplos, ainda que irresolúveis, a ocultar-me na cidadela do normativismo.

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Uma teoria crítica supõe a concepção do Direito não apenas como norma, mas como conjunto de preceitos enraizados nas condições de vida material, preceitos que as representam de maneira deformada, ideologicamente. Uma teoria crítica é uma teoria voltada à transformação do mundo. Eis o que me motiva e me conduziu até aqui. Viemos ao mundo para marcar os nossos próprios pés na areia inexplorada.

Pensar e refletir criticamente não apenas sobre o Direito, mas sobre o mundo. Mundo em transformação, mundo que necessita, para que se possa transformar, do dinamismo de um Direito também em transformação.

Esse, o Direito instrumento de mudança social, o Direito que me cumpre ensinar, porém, mais do que isso, que me proponho estudar. Direito que há de ser resolvido em suas bases, mediante o profundo questionamento das teorias que o sustentam. Dele pouco sei. Menos, porém, por certo, do que dele saberei amanhã. O compromisso, que assumo, de perseverar a pesquisar e a refletir sobre o Direito, assumo-o comigo mesmo.”1

Eis juramento – a um só tempo clara profissão de fé – do qual jamais se afastou nem o acadêmico, tampouco o advogado, que se fez gigante na batalha desigual contra as arbitrariedades consumadas nos anos vergonhosos da ditadura militar. Vítima também desse cataclismo, nem por isso tergiversou, nem assim renegou o ideário ou a esperança no homem. Muito ao contrário, Eros Grau pagou caro o tributo da própria coerência, como se extrai do notável registro que fez por ocasião de homenagem aos noventa anos de outro gigante do Direito pátrio, o Ministro Evandro Lins e Silva:

“Sobrevivemos ao desespero. Os de ponta de minha geração marcaram seu tempo

1 GRAU, Eros Roberto. Discurso pronunciado no Salão Nobre da Faculdade de Di-reito da USP na solenidade de posse como Professor Titular, no dia 22 de agosto de 1990.

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em lutas memoráveis, assumindo posturas cora-josas, ora como réus em processos políticos – ou meramente prisioneiros, inoficiosamente –, ora como advogados desses réus. De um modo ou de outro resistimos à ditadura, nutrimos sonhos, desde os mais ousados até os comedidamente limitados à defesa do Estado de Direito.”2

Tão vasta experiência, urdida com os fios da responsabilidade social, tecida “com as tramas e entre os tramos do compromisso com a liberdade e a igualdade”3, moldada à luz de sensibilidade superior, fê-lo atingir, a par dos inegáveis méritos profissionais, o patamar máximo de cidadão exemplar, condição sem a qual não se habilita o magistrado ao excruciante ofício de julgar.

Destarte, como o rio ao mar, foi natural que a caminhada do jurista e acadêmico desaguasse nesta Suprema Corte, cujas decisões hão de “produzir humanidade”4, como Sua Excelência, ademais de ensinar, demonstrou, diuturna e concretamente, em cada qual dos votos que aqui proferiu.

Senhores,

No âmbito das homenagens àqueles que fizeram esta Casa, é tradição resgatar-lhes extratos do quanto realizaram, à guisa de ilustração da desenvoltura e contribuição do homenageado. Nada obstante, tão multíplice e densa a obra do Ministro Eros Grau – nesta Corte, nas Arcadas, na academia – jurídica e literária –, que me escuso de fazê-lo, por entender temerário resumir em exemplos totalidade das mais abrangentes. Os números superlativos – quase duas dezenas de livros publicados, centenas de artigos e outras produções bibliográficas, quase meio milhar de trabalhos apresentados em palestras e conferências – expõem de pronto a imprudência de quem se aventura a tal intento.

2 GRAU, Eros Roberto. Discurso de comemoração do aniversário de 90 anos de Evandro Lins e Silva, proferido em 27 de fevereiro de 2002.3 Idem. 4 GRAU, Eros Roberto. Discurso pronunciado no Supremo Tribunal Federal, no dia 31 de março de 2005, em solenidade de comemoração do centenário de nasci-mento do Ministro Hermes Lima.

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Em vez disso, reservo espaço dos mais preciosos para falar do ser humano admiravelmente lapidado, esculpido à força de coragem moral ímpar – um homem sem ódios, cuja cordialidade e fidalguia conseguiram superar o mais indigno dos entreveros; cuja natural generosidade revelou, às escâncaras, a grandeza de caráter evidentemente superior, à prova da malevolência ou brutalidade alheia.

Sim, escapo à práxis de citar sábios acórdãos ou bem sedimentadas teses jurídicas de Sua Excelência, estampadas em publicações veiculadas nos quatro cantos do mundo. Deixo para os anais da Casa o inventário de tantos quantos títulos honoríficos lhe atestam a dignidade e as horas dedicadas ao bem público, a fim de que a mim caiba o mister de relembrar, por exemplo, a ternura espelhada no Vovô Grau – personagem do programa “Aprendendo Direitinho”, veiculado na Rádio Justiça – que traduziu, com total fidelidade, a dimensão humanística que esteou o tempo todo o jurista célebre.

(Idealizado pelo Ministro Eros Grau para, por meio de mídia das mais populares, ensinar noções básicas de Direito e cidadania a alunos do ensino fundamental, o quadro acabou por ganhar o Prêmio Nacional de Comunicação e Justiça, na categoria “Melhor Programa de Rádio”.)

Permitam-me ressaltar o bibliófilo anônimo, cujos vinte mil títulos deleitam silenciosamente a alma e o coração, enquanto aprofundam cultura das mais eruditas. Ou o vizinho gentilíssimo, a desfilar simpatia e simplicidade nas ruas da querida Tiradentes, cidade mineira privilegiada com convívio dos mais amenos e benfazejos. E dessa espontaneidade, dessa brandura fui testemunha ocular quando lá estive, acompanhado do Presidente da Corte, Ministro Cezar Peluso, e do para sempre saudoso Ministro Menezes Direito, que desfrutava, particularmente, de estreita vinculação afetiva e intelectual com o ora homenageado.

Que os biógrafos se ocupem da tarefa honrosa de revisitar minudentemente os episódios de existência tão produtiva e venturosa, mercê de tantos e tão multifacetados dons. A propósito e en passant, lembro que a Academia Brasileira de Letras não tarda a reconhecer, com alvíssaras, o talento literário que pulsa cada vez mais forte sempre que o Eros amante das letras e dos livros lança

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mão da pena para dizer poeticamente da vida e dos mistérios que a acometem.

Como magistrado, professor e cidadão brasileiro, escolho saudar, em agradecimento obsequioso, a serenidade do jurista dedicado “ao artesanato da paz e da harmonia social”, ofício erigido desde muito cedo como missão de toda a vida. Louvo sobretudo o amigo leal, de temperamento suave e aguda inteligência, cuja inata bonomia cuidou de conduzir, inapelavelmente, à trilha grandiosa do perdão, de maneira a seguir trançando laços, numa inconclusa jornada de infinito querer bem.

Senhores, o testemunho de tudo quanto agora afirmo encontra na família notável que Sua Excelência construiu expressão vivaz e concreta. Tania – eleita companheira inseparável, amiga e confidente inconteste –, Werner Neto e Karin – os filhos exemplares que lhe garantiram, por meio dos netos Ana Christina, Roberto e Beatriz, mais do que a continuação patronímica, a expansão de todo o patrimônio afetivo bem consolidado – atestam, com fidedigna autoridade, ademais de nós outros, seus pares e amigos, o sentimento de afeto e admiração que Sua Excelência a todos inspira.

Homem que sempre amou “o Longe e a Miragem, mas com os pés plantados no chão”, o Ministro Eros Grau há de seguir construindo “a ordem normativa do nosso tempo, mas também o direito de um mundo mais justo, que há de vir”5. O Brasil, que invariavelmente se agiganta à luz de filhos de tamanha envergadura, em uníssono agradece e com sincera estima solenemente o reverencia.

Muito obrigado a todos.

5 GRAU, Eros Roberto. Discurso de comemoração do aniversário do Instituto dos Advogados do Brasil, proferido em 29 de agosto de 2011.

Discurso do DoutorROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS

Procurador-Geral da República

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O Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos (Pro-curador-Geral da República) — Excelentíssimo Senhor Presiden-te do Supremo Tribunal Federal, Ministro Cezar Peluso; Excelen-tíssima Senhora Ministra Cármen Lúcia; Excelentíssimos Senhores Ministros de hoje e de sempre da Corte; Senhores Presidentes e Ministros dos tribunais superiores; Senhora Procuradora-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios; Colegas do Ministério Público; Senhores magistrados; Senhores advogados, que peço licença para cumprimentar nas pessoas dos eminentes oradores desta tarde; familiares do homenageado, servidores da Casa e do Ministério Público, Senhoras e Senhores.

Lembrei, noutra oportunidade, palavras do Ministro Nelson Jobim ao apresentar, como Presidente do Supremo Tribunal Federal, em 2006, a coleção Memória Jurisprudencial:

“Conhecer a história do SUPREMO é conhecer uma das dimensões do caminho político que trilhamos até aqui e que nos constituiu, como cidadãos brasileiros, em um regime constitucional democrático.

Entretanto, ao contrário do que a comunidade jurídica muitas vezes tende a enxergar, o SUPREMO não é – nem nunca foi – apenas um prédio, um plenário, uma decisão coletada no repertório oficial, uma jurisprudência.

O SUPREMO é formado por homens que, ao longo dos anos, abraçaram o munus público de se dedicarem ao resguardo dos direitos dos cidadãos e à defesa das instituições democráticas.

Conhecer os vários ‘perfis’ do SUPREMO.

Entender suas decisões e sua juris-prudência.

Analisar as circunstâncias políticas e sociais que envolveram determinado julgamento.

Interpretar a história de fortalecimento da instituição.

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Tudo isso, tudo isso passa por conhecer os seus membros, os valores em que acreditavam, os princípios que seguiam, a formação profissional e acadêmica que tiveram, a carreira jurídica ou política que trilharam.”

Sábia é, portanto, a previsão regimental de que a Corte preste homenagem a seus Ministros por motivo de afas-tamento definitivo do seu serviço – se é que é possível, aos que cumpriram a elevadíssima missão de integrar a Corte Suprema, afastar-se definitivamente.

De minha parte, com os olhos nos Ministros de sempre do Tribunal, que honram com suas presenças esta sessão solene, não tenho dúvida de que continuam a serviço do País, prestando, ainda que em posições diversas, valiosa contribuição ao Brasil.

Diante da incumbência extremamente honrosa de, em nome da Procuradoria-Geral da República, em nome do Ministério Público, dizer estas breves palavras a respeito do Ministro Eros Grau, um primeiro desafio se impôs: que aspectos abordar de um brasileiro, grande brasileiro, com atividades de múltiplas faces, tão intensamente variadas?

Logo desisti da imprudência – atrevimento mes-mo, diante da modéstia dos meus pincéis – de tentar esboçar um retrato minimamente completo do homenageado.

Deixei, assim, a oradores mais qualificados as re-ferências à magnífica formação acadêmica e à intensa atividade no magistério, seja no País, seja no exterior; a menção das numerosas láureas acadêmicas conferidas no Brasil e em outros rincões e da volumosa – muito volumosa – e diversificada produção intelectual; o relato dos longos anos da advocacia e da contribuição valiosa dos seus votos para o Supremo Tribunal Federal e para o País.

Optei, Senhor Presidente, por deter-me, singela e despretensiosamente, na pessoa formidável com quem tive o privilégio de conviver durante grande parte do tempo em que Sua Excelência integrou o Supremo Tribunal Federal.

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Pessoa certamente modelada pelos exemplos inspiradores de Dalva e Werner; ele, “alto funcionário”, como se dizia outrora, do Ministério da Fazenda e um dos idealizadores do Serviço Federal de Processamento de Dados, o Serpro, e da Escola Superior de Administração Fazendária, a Esaf.

As andanças do servidor público Werner Grau cedo levaram o gaúcho de Santa Maria da Boca do Monte ao Mato Grosso e ao Rio Grande do Norte e, depois, a São Paulo, começan-do a delinear o Eros Grau de muitos lugares, cidadão do mundo, igualmente à vontade no Largo de São Francisco, em Paris, em Tiradentes ou na Normandia.

Cosmopolita e também protagonista. Sim, jamais Eros Grau se deu o direito de ser mero espectador, por mais con-fortável que isso seja. Ao contrário, esteve sempre no proscênio, militante das grandes causas a vida toda, o que, naturalmente, lhe ocasionou graves dissabores e plenamente justificado orgulho.

Este o homem que, como consagração de sua trajetória de vida, passou a compor o Supremo Tribunal Federal.

Na dimensão humana a que me apeguei nestas palavras, são traços marcantes – e o eminente Ministro Gilmar Mendes já o destacou – o trato cordial dispensado aos Colegas como ao mais modesto funcionário; o apuro no vestir, um certo ar de conselheiro do Império; a alegria, evidenciada pelo sorriso farto, que facilmente desaparecia se um Colega aparteava seu voto ou se alguém invocava, como princípios, a razoabilidade e a proporcionalidade.

As conversas informais, agradabilíssimas, reve-lavam a cultura multiforme e sólida, a fina ironia e a irreverência. Irreverência saudável, que o homenageado cultiva juntamente com a ousadia – talvez faces da mesma moeda, presentes na vida e até na literatura produzida.

Nessas conversas informais, transbordava, em pa-lavras e atos, a paixão pela família. O sempre amoroso telefonema, que jamais faltava no primeiro minuto do intervalo das sessões, para Tania; o orgulho indisfarçado dos filhos, Karin e Werner; a rendição incondicional aos encantos dos netos, Ana Christina, Ro-berto e Beatriz; e muito mais.

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Senhor Presidente, Senhora Ministra, Senhores Ministros: eis o mínimo da rica personalidade do Ministro Eros Grau, a quem poderiam ser dirigidas as mesmas palavras lapidares do Ministro Rezek a respeito de Baleeiro: personalidade “marcada mais que tudo por aquele senso profundo de humanidade, único fator capaz de imunizar o saber jurídico à implacável erosão do tempo”.

Com estas palavras, a Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público presta sua reverência e sua home-nagem ao Ministro Eros Grau.

Muito obrigado pela atenção.

Discurso do Doutor RUBENS APPROBATO MACHADO,

Representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

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O Dr. Rubens Approbato Machado (pelo Con-selho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil) — Excelen-tíssimo Presidente deste colendo Supremo Tribunal Federal, Ministro Cezar Peluso; Excelentíssima Senhora Ministra; Excelentíssimos Senhores Ministros que compõem esta Suprema Corte de Justiça deste País; Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República, em nome de quem saúdo todos os membros do Ministério Públi-co; dignas autoridades aqui presentes; advogadas, advogados, Senhoras e Senhores.

Pretendo fazer uma breve manifestação, como se estivesse aqui presente o Ministro e Professor Eros Grau. Por isso eu saúdo os seus familiares, Tania Maria, esposa, filósofa; os filhos Karin, doutora em Direito, e Werner Neto, advogado e mestre em Direito Internacional; nora; genro; netos.

Meu querido amigo, professor, ex-Ministro Eros Roberto Grau, que é homenageado nesta sessão.

O caráter do ser humano tem dois grandes traços: a atividade de prestar serviços – o que prova generosidade – e o silêncio sobre os serviços prestados. Essa lição universal, de autoria do historiador francês Paul Perisson, expressa sem retoques o conjunto de ações, atitudes e exemplos que se enxergam na figura do professor Eros Roberto Grau. E é para que sejam reconhecidos os valores e as qualidades desse ser, que emoldura a galeria dos perfis que dão brilho à história da Justiça e do Direito em nosso País, que a Ordem dos Advogados do Brasil se faz representar na pessoa deste advogado.

O Dr. Ophir Cavalcante Júnior, Presidente do Conselho Federal da OAB, por impossibilidade absoluta de se fazer presente nesta solenidade, designou-me para representar a entidade, designação essa que entendo ter sido feita não por méritos do designado, mas por sua antiguidade no exercício da advocacia, sempre com ânimo de levar a voz nos espaços institucionais e a erguer a histórica bandeira da OAB.

Abro a minha expressão lembrando que tive a oportunidade de conhecer – e já foi mencionado aqui – o saudoso pai do homenageado, Werner Grau, pessoa que deixou marcada indelevelmente a sua passagem pelos relevantes cargos exercidos no Ministério da Fazenda. Recordo-me que foi por seus ideais que o

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Brasil aderiu à fórmula que perdura até hoje da não cumulatividade dos impostos.

Do idealismo do pai, a carga energética nos deu a operosidade engenhosa do filho. Eros ilustrou sua trajetória com os traços indeléveis que emprega o grande caráter: a humildade, a inteligência, a probidade, o compromisso com o fazer e com o dever – sentimentos nobres que realçam a personalidade do homem, do advogado, do professor, do ministro. De sobra, uma qualidade inexcedível: o atendimento respeitoso que os seres humanos merecem. Em suma, o duro emerge ainda a tintura do idealista combativo em defesa do seu ideário socialista. Está sempre procurando elevar aos céus da pátria a régua da igualdade dos direitos e da justiça para todos, do resgate dos milhões de brasileiros afogados nas margens sociais.

Respeito, eis outro conceito do qual tem sido um fiel seguidor. Obediente às mensagens do filósofo grego Pitágoras, pratica em todas as suas ações o preceito “respeita-te e será nobre o seu espírito”.

Jamais esqueceu suas origens de advogado, que passou a exercer desde 1963 até sua nomeação de posse, em 2004, nesta mais alta Corte de Justiça do Brasil. Sempre colocou nos seus ombros mais deveres do que direitos, deveres com a Nação brasileira e seu povo.

No que se refere à sua primeira casa, a OAB, reiterou em um voto a sua convicção pessoal de que “a Ordem dos Advogados do Brasil é, em verdade, entidade autônoma, porquanto autonomia e independência são características próprias dela, que, destarte, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. Ao contrário deles, a Ordem dos Advogados do Brasil não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas, mas, nos termos do art. 44, I, da lei, é iniludivelmente finalidade institucional e não corporativa” (voto na ADI 3.026-4, do Distrito Federal).

Não é necessário dizer mais. A lição do voto sintetiza sua visão sobre a Ordem dos Advogados do Brasil.

No magistério, deixou um rastro de grandeza. Sempre exibiu com orgulho a sua condição de professor, tendo

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chegado a titular, antigamente denominado de “catedrático”, da velha e sempre nova Academia do Largo de São Francisco, lá em São Paulo, lecionando Direito Econômico e Financeiro.

Seu DNA carrega o sangue aguerrido do professor, ciente e consciente de que a escola é uma atriz onde se amoldam os cidadãos e se estabelecem as diretrizes, os princípios, os valores culturais que formam e sedimentam as bases da comunidade política e social.

Apesar da ordem que a si próprio se impôs para o exercício profissional de suas atividades, traz consigo o amor pela poesia. É de sua autoria o pensamento que expressou no Instituto dos Advogados Brasileiros em cerimônia comemorativa a Teixeira de Freitas, em outubro de 2001, dizendo do fundo de sua alma que: “Tanto quanto o Direito, sempre tive ao meu lado a poesia, até porque, para os primeiros povos, a língua da religião e das leis era a língua poética”. E confessa, ao final dessa mensagem: “Fiz da poesia minha companhia de viagem”.

Por tais sentimentos é que estou certo de que, com a sua aposentadoria do cargo de Ministro, o poeta, advogado, professor Eros Roberto Grau irá atravessar, com o vigor de sempre, a ponte que o traz de volta à sua casa.

Cumprem-se, assim, as sábias lições de Zaratustra, o profeta de Nietzsche, que diz: “O homem é uma ponte, e não um ponto de chegada. Cabe-lhe dizer-se feliz do seu meio-dia e crepúsculo, como o caminho para novas auroras.”

Meu caro amigo, colega, professor Eros Roberto Grau, homem reto e coerente, solidário e generoso, feito duma peça só, sólido, maciço, receba deste velho advogado, em meu nome e no de todos os advogados brasileiros, um abraço mais que fraterno, e por que não, também com jeito de abraço paternal.

Seja feliz!

Discurso do Doutor MARCELO CERQUEIRA

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O Dr. Marcelo Cerqueira — Estimado professor Cezar Peluso, Presidente desta egrégia Corte; Senhora Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha; Senhores Ministros de hoje e de sempre; Senhor Procurador-Geral da República; Senhor Ministro da Advocacia-Geral da União; Senhoras e Senhores serventuá-rios; Presidente Rubens Approbato Machado; Colegas, Senhoras e Senhores.

Não me cabe aqui falar do jurista e do juiz. Ele aqui trabalhou durante seis anos, aprendendo e ensinando, porque sabe que é o social que dá validade ao Direito e à compaixão.

Eros Grau nasceu em Santa Maria da Boca do Monte e, sucessivamente, acompanhando o seu pai, a quem reverencia e cultua, viveu no Brasil central e no nordeste para, depois, radicar-se, ou melhor, radicalizar-se em São Paulo, onde eu o conheci em meados dos anos sessenta, já no Consulado do General Castelo Branco.

Eros Roberto Grau, naquela época, usava o codinome de Rogério e combatia o bom combate: combate pelo socialismo, pela liberdade e pela democracia, que nunca, em sua vida, dele se afastou.

É claro que, naquela altura, ou é provável, Eros não soubesse ainda a poesia do José Régio, que hoje declama, com voz de declamador, escandindo as sílabas, o Cântico Negro:

“Vem por aqui – dizem alguns com olhos doces,Estendendo-me os braços, e seguros De que seria bom que os ouvisse(...)Eu olho-os com olhos lassos (...) e cansadosE cruzo os braços,E nunca vou por ali...(...) Só vou por onde Me levam os próprios passos...”

E os próprios passos, firmes, próprios passos do camarada Grau, ao longo de uma belíssima vida e brilhante carreira de advogado, jurista, professor e escritor, o trouxeram a esta Casa, que ele soube honrar e que nela foi honrado.

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Eros Roberto Grau, hoje cidadão do mundo, a gen-te nem sabe onde ele está. Será que está em Paris dando classes na Sorbonne? Ou participando de uma corte de arbitragem? Honfleur, Munique? Ou dando uma palestra no Recife? Ou refugiado na sua biblioteca, sua linda biblioteca em Tiradentes? Ou elaborando um parecer em São Paulo? Não sei. Acho que ninguém sabe.

Sei que, na magia desta tarde, depois de ouvir tão belas palavras, tanto dos oradores que me precederam, do Procurador-Geral, do Ministro que o saudou, do Colega Approbato, acho que é tempo de ler um poema de Jorge Luis Borges:

“Pela madrugada, sou eu que se ocultava nas naves da biblioteca de Clementium. Um bibliotecário de óculos pretos perguntou: o que buscas? Busco a Deus. O bibliotecário disse: Deus está em uma das letras de uma das páginas dos cem mil livros de Clementium.”

E, agora, fala o Borges:

“Meus pais e os pais dos meus pais procuraram essa letra e eu me tornei cego buscando-a.”

Eros Grau não precisou ficar cego para conhecer Deus quando trabalhava aqui nesta Egrégia Corte.

Esta é uma tarde muito bonita, nesta homenagem que dá vida, que dá expressão, nessa liturgia, a uma vontade dos poetas da minha Estação Primeira, que não se conformavam que as homenagens fossem apenas limitadas ou confinadas ao gurufim. Queriam homenagem em vida.

Então, Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito cantaram:

“Me deem as flores em vida; o carinho, a mão amiga, para aliviar meus ais. Depois que eu me chamar saudade, não preciso de vaidade, quero preces e nada mais.”

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A liturgia deste Tribunal transformou a esperança daqueles sambistas numa realidade objetiva, nesta homenagem que é prestada ao brasileiro Eros Roberto Grau, um doce bárbaro.

Muito obrigado.

Palavras do Senhor MinistroCEZAR PELUSO,

Presidente

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O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente) — Os discursos proferidos, dignos do homenageado, ficarão registrados nos anais do Tribunal.

Agradeço a presença dos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal de hoje e de sempre; do Senhor Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, em nome de quem cumprimento os demais membros do Ministério Público; do Senhor Ministro João Oreste Dalazen, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho; do Senhor Ministro Luiz Inácio Lucena Adams, Advogado-Geral da União; dos Senhores Conselheiros do Conselho Nacional de Justiça; do Dr. Rubens Approbato Machado, Presidente do Conselho Federal da OAB; dos Senhores Ministros dos Tribunais Superiores; do Senhor Yves Edouard Saint-Geours, Embaixador da França; de Dom Lorenzo Baldisseri, núncio apostólico; da Senhora Dra. Adriana Queiroz de Carvalho, Procuradora-Geral da Fazenda Nacional; da Senhora Dra. Cláudia Márcia Ramalho Moreira Luz, Procuradora-Geral da Justiça Militar; da Senhora Dra. Eunice Pereira Amorim Carvalhido, Procuradora-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios; do Senhor Desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, representando o Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região; do Senhor Desembargador Rogério Arédio Ferreira, Presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás; do Senhor Desembargador José Mário dos Martins Coelho, representando o Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará; dos Senhores Presidentes de Associações; dos Senhores magistrados; dos Senhores advogados; dos Senhores servidores desta Casa; das Senhoras e dos Senhores.

Declaro encerrada a primeira parte desta sessão.