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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL P ROCURADORIA DA R EPÚBLICA NO M UNICÍPIO DE M ARABÁ -PA EXMO(A) SR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA __ VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE MARABÁ/PA Ref.: 1.23.001.000187/2011-42 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por meio do Procurador da República que ao final subscreve, vem, com espeque no procedimento em epígrafe e com fulcro nos art. 129, III da Constituição Federal e art. 6º, VII, letra “b” da Lei Complementar n.° 75/93, vem ajuizar AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido liminar/de tutela antecipada em face d e SIDERÚRGICA DO PARÁ S/A - SIDEPAR, CNPJ nº 614.944.230/001-54, pessoa jurídica de direito privado, com sede na Rodovia PA 150, S/N, km 422, Bairro Distrito Industrial, CEP: 68501-535, Marabá/PA; MINERADORA FLORESTA DO ARAGUAIA S.A., CNPJ nº 074.050.000.001- 10, pessoa jurídica de direito privado, com sede na Estrada Vicinal S/N, Zona Rural, CEP: 68543-000, Floresta do Araguaia/PA. pelos fundamentos fáticos e jurídicos a seguir dispostos. Informação suprimida para divulgação

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA R EPÚBLICA NO M UNICÍPIO DE M ARABÁ -PA

EXMO(A) SR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA __ VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE

MARABÁ/PA

Ref.: 1.23.001.000187/2011-42

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por meio do Procurador da

República que ao final subscreve, vem, com espeque no procedimento em epígrafe e

com fulcro nos art. 129, III da Constituição Federal e art. 6º, VII, letra “b” da Lei

Complementar n.° 75/93, vem ajuizar

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido liminar/de tutela antecipada

em face d e

SIDERÚRGICA DO PARÁ S/A - SIDEPAR, CNPJ nº 614.944.230/001-54,

pessoa jurídica de direito privado, com sede na Rodovia PA 150, S/N,

km 422, Bairro Distrito Industrial, CEP: 68501-535, Marabá/PA;

MINERADORA FLORESTA DO ARAGUAIA S.A., CNPJ nº 074.050.000.001-

10, pessoa jurídica de direito privado, com sede na Estrada Vicinal

S/N, Zona Rural, CEP: 68543-000, Floresta do Araguaia/PA.

pelos fundamentos fáticos e jurídicos a seguir dispostos.

Informação suprimida para divulgação

I – INTR ÓITO

A ação civil pública é o instrumento processual hábil a tutelar o meio

ambiente, o consumidor, os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,

turístico e paisagístico, a ordem econômica e os demais interesses difusos (em sentido

amplo) e coletivos contra danos atuais ou iminentes.

No que interessa à presente, a partir do contido no ICP em epígrafe, verificou-

se um elevado fluxo de veículos de carga de responsabilidade das empresas SIDEPAR e

MINERADORA FLORESTA DO ARAGUAIA S/A. transitando com excesso de peso pela

rodovia federal BR-155, o que coloca em risco a vida de milhares de pessoas que

transitam naqueles trechos e compromete consideravelmente a vida útil do pavimento

asfáltico da rodovia federal.

A presente ação, assim, tem por fim especifico obter provimento jurisdicional

que imponha às empresas Rés obrigação de não fazer, qual seja, de não fazer transitar

ou dar saída em veículos de carga com excesso de peso de seus estabelecimentos

comerciais, além da condenação das mesmas na obrigação de indenizar o dano

material que o transporte de carga com excesso de peso causa ao pavimento da

rodovia federal.

Outrossim, é de se determinar também à Rés, através da presente ACP, a

obrigação de pagamento pelos danos morais coletivos decorrentes da conduta por elas

perpetradas, a qual coloca em risco a segurança, a integridade física, material e o bem

estar dos cidadãos, obrigados a transitar por rodovia em péssima condição de uso,

submetendo-se a riscos, transtornos e prejuízos diversos.

Ressalte-se que ambas as empresas Rés, como dito, integram um mesmo grupo

econômico. É que o produto final da atividade econômica da SIDERÚRGICA DO PARÁ S/A

– SIDEPAR é o ferro-gusa, em cujo processo produtivo insere-se, além de seu principal

insumo - o carvão vegetal 1, também o minério de ferro, este último fornecido

MINERADORA FLORESTA DO ARAGUAIA S/A.

1 Grande parte de origem ilícita e clandestina - não declarada - oriunda de carvoarias irregulares encravadas na região sul e sudeste do Pará que se utilizam de madeira fruto do desmatamento ilegal do bioma amazônico, conforme restou demonstrado no bojo de outro ICP em curso nesta PRM-MAB, que ensejou a Ação Civil Pública tombada na 2ª Vara da Subseção Judiciária de Marabá sob o nº 583-34.2012.4.01.3901.

2

A título de informação, em 2008 o Estado do Pará exportou 356 mil toneladas

de ferro-gusa. Em 2009, em meio à crise internacional, enquanto apenas a SIDEPAR e a

COSIPAR mantinham-se em operação, foi exportado entre janeiro e fevereiro o

montante de 54.726 toneladas do minério processado. Ainda, conforme documentação

apresentada pelas próprias empresas ao Ministério Público Federal em 2010, no bojo

de outro ICP 2, tem-se que a siderúrgica SIDEPAR foi responsável pela produção de

426.663,99 toneladas de ferro gusa a partir da utilização de carvão vegetal 3.

Sendo assim, a atividade produtiva da SIDEPAR recepciona continuamente as

cargas de minério de ferro transportadas da MINERADORA FLORESTA DO ARAGUAIA até

os pátios da siderúrgica pelos caminhões bi-trens de sua responsabilidade que

trafegavam (trafegam) com considerável excesso de peso na rodovia acima citada,

conforme atestado pela Polícia Rodoviária Federal e consoante adiante demonstrar-se-

á.

Desta feita, a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA objetiva promover e defender o

direito dos cidadãos e, em especial, os dos cidadãos-usuários das referidas rodovias

federais (a) à vida, à integridade física e à saúde, (b) à segurança pessoal e

patrimonial, e ainda aos também difusos e coletivos direitos (c) à preservação do

patrimônio público federal consubstanciado na rodovia federal e nos serviços de

transporte, (d) à ordem econômica e, ainda, (e) ao meio ambiente equilibrado (natural

e artificial).

II – DOS FATOS

Esta Procuradoria da República instaurou o Inquérito Civil Público n°

1.23.001.000187/2011-42 em virtude do Termo de Declaração prestado pelo agente da

Polícia Rodoviária Federal Thales Domingos Carriço junto a esta PRM-MAB, em que se

noticia a apreensão pela equipe móvel da PRF/MAB, apenas nos dias 18 e 19 de junho

de 2011, de inicialmente 06 (seis) caminhões da siderúrgica SIDEPAR que trafegavam

com elevado excesso de peso pela BR-155 carregando o minério de ferro e, logo após,

pelo mesmo motivo, de mais 08 (oito) veículos das indigitadas empresas.

2 Informações constantes do processo nº 583-34.2012.4.01.3901 (Ação Civil Pública) - 2ª Vara da Subseção Judiciária de Marabá.

3 De origem/procedência ilícita e clandestina (vide processo nº 583-34.2012.4.01.3901).

3

Outrossim, insta ressaltar que, antes do início da operação, apenas na manhã

do dia 18 de junho, conforme declarou o agente da PRF ao MPF, a Polícia Rodoviária

Federal já havia notificado administrativamente pelo menos outros 04 (quatro)

caminhões da requerente em razão do excesso de carga, haja vista que, consoante

averbou, todos os caminhões apreendidos transitavam com excesso de peso de quase

100% da carga declarada nas notas fiscais apresentadas, o equivalente a 30 – 40

toneladas em média.

Diante disso, tendo a empresa demandada desatendido as notificações da PRF,

reiterando de forma contumaz a conduta ilícita, foram lavrados 14 (catorze) autos de

infração e apreendidos os 14 (catorze) caminhões.

Ademais, importa é registrar que, na mesma ocasião, os agentes da PRF

também constataram que os motoristas condutores dos veículos apreendidos se

utilizavam de rádios PX sem a devida autorização da ANATEL, o que foi levado ao

conhecimento da Polícia Federal para as providências cabíveis. Assim é que foi

instaurado na DPF/Marabá o Inquérito Policial nº 0122/2011, com vistas a apurar os

delitos tipificados nos arts. 163 e 299 do Código Penal, art. 183 da Lei nº 9.472/97,

dentre outros.

Consta, aliás, de tal procedimento investigatório criminal (anexo I), que os

rádios serviam para que os motoristas dos caminhões da “linha de frente” mantivessem

contato com o demais, informando possíveis “barreiras” de equipes de fiscalização da

PRF. Tanto que os veículos posteriormente apreendidos já se encontravam estacionados

ao longo da BR-155, tendo sido flagrados em razão da pronta atuação de equipes

móveis da Polícia Rodoviária Federal.

Tal circunstância está a revelar o elemento subjetivo – dolo - da conduta da(s)

empresa(s) demandada(s), que agia(m), portanto, com a nítida intenção de burlar a

fiscalização para transportar com elevado excesso de peso as cargas de minério,

auferindo lucros às custas de toda a coletividade.

Vale dizer: enquanto a sociedade suporta elevada carga tributária para a

manutenção das rodovias, a SIDEPAR, além de sonegar o valor do tributo equivalente

ao insumo transportado em excesso de peso - e, portanto, não declarado -, contribui

diretamente para a rápida degradação da via asfáltica da rodovia federal,

prejudicando a sociedade como um todo e especialmente os usuários da BR-155.

4

Após a apreensão dos 14 (catorze) caminhões, a SIDEPAR impetrou ações

judiciais visando a liberação dos caminhões. Não obstante, em que pese recentemente

flagrada na prática que ensejou a apreensão dos caminhões, a PRF constatou que as

empresas demandadas continuavam a reiterar a conduta, dessa feita utilizando-se de

expedientes outros na tentativa de burlar a fiscalização da Polícia Rodoviária Federal.

Assim é que as empresas do grupo SIDEPAR - mesmo após a apreensão e

manutenção dos veículos apreendidos pela Justiça Federal – continuaram praticando

as mesmas atividades ilícitas, corolário do seu pouco caso com a Lei e com as ordens

emanadas do Poder Judiciário, pois, ao que parece, os lucros obtidos parecem

compensar a continuidade das condutas criminosas.

É o que se vê do Auto de Infração e Notificação de Autuação da Polícia

Rodoviária Federal e demais documentos às fs. 67-73, referentes à apreensão posterior

do veículo SCANIA, Placa JUX 9947, conduzido por EDIMILSON MOREIRA DE OLIVEIRA e

supostamente pertencente à empresa VOTORANTIM CIMENTOS S/A, que estava

trafegando com considerável excesso de peso (calcário). Em pesquisa junto ao sistema

INFOSEG, verificou-se que o citado veículo foi registrado em Floresta do Araguaia/PA e

é da propriedade do CGC 07.405.000/0001-10, ou seja, da empresa MINERAÇÃO

FLORESTA DO ARAGUAIA, ora demandada e vinculada à SIDEPAR. Ainda, a Polícia

Rodoviária Federal apreendeu também o veículo marca VOLVO/FH 440 6X4T BRANCA,

supostamente pertencente à empresa VOTORANTIM, porém com as mesmas

características dos veículos da empresa SIDEPAR, este último conduzido por ALEXANDRE

LUIZ SOUSA.

Passados quase 03 (três) meses, a PRF, através do ofício nº 101/2011 (fs.

65/66), alertou sobre o risco da permanência dos veículos apreendidos no pátio da PRF,

devido a inadequação do pátio para guardá-los e mantê-los por muito tempo, em

função da segurança e do espaço disponível.

De todo modo, em razão da gravidade dos fatos, o d. Juízo da 1º Vara da

Subseção Judiciária de Marabá, após mantidos os bens apreendidos por mais de 03

(três) meses, acolhendo o pleito da Polícia Rodoviária Federal e o parecer do MPF,

determinou a remoção dos veículos ao pátio/depósito da SIDEPAR mediante i. assunção

expressa da condição de fiel depositária dos caminhões, ii. instalação, pela PRF, de

lacres nos caminhões para garantir que não serão de forma alguma utilizados, sob pena

de multa de R$50.000,00 por lacre rompido, e iii. registro da condição de

5

inalienabilidade dos caminhões via RENAJUD.

De fato, o excesso de peso no trânsito de veículos pela BR 155, 222 e 230, é

uma prática comumente perpetrada nessa região do país, conforme se vê da planilha

de fs. 94-98, o que não justifica, entretanto, a postura ilegal recalcitrante das

empresas ora demandadas.

Naquilo que interessa à presente ação, consoante esclarecido no Ofício nº

100/2011–3ªDEL/19ªSR/DPRF/MJ (f. 86/86-A), informou a PRF, no que pertine à

siderúrgica SIDEPAR (e Mineradora Floresta do Araguaia), que o número de notificações

de infração por transitar na BR-155 com veículo em excesso de peso, apenas em 2001,

mais especificamente até junho de 2011, era de 35 (trinta e cinco), levando-se em

consideração o Peso Bruto Total aferido (f. 86) .

A corroborar os fatos ora descritos, consta à f. 86-A mídia digital contendo os

boletins de ocorrência; autos de infração; autos de apreensão; DRV's, e planilha

indicando os percentuais de excesso de peso verificados, os percentuais de excesso

sobre os valores declarados a menor nas notas fiscais, a numeração dos autos de

infração, as especificações dos veículos, valores das multas, enquadramento, além de

outras informações pertinentes.

É o que se depreende também da análise dos autos de infração nº B

12.460.617-2, B 12.460.621-7, B 12.460.623-7, B 12.460.620-2, B 12.460.619-9, B

12.460.618-7, B 12.460.649-7, B 12.460.650-4, B 12.460.647-4, B 12.460.645-8, B

12.460.616-4, B 12.460.648-2, B 12.460.646-6 (fs. 06 a 19 – anexo I), bem como dos

Boletins de Ocorrência de fs. 20 e ss do anexo I.

Consta ainda da mídia digital de f. 86-A as fotografias encaminhadas pela PRF

à época retratando as (precárias) condições de trafegabilidade da BR-155.

Da análise dos boletins de ocorrência da Polícia Rodoviária Federal de Marabá

às fs. 20 e ss do anexo I, verifica-se que a empresa SIDEPAR, repise-se, colocava em

circulação na BR-155 veículos com 30 a 40 toneladas de excesso de peso , apesar d as

notas fiscais apresentadas pelos respectivos condutores não consignarem tais valores.

Posto isso, é de se ressaltar que, por ocasião das fiscalizações da PRF, o

percentual médio de excesso de peso transportado nos veículos apreendidos foi d e

94,43%, a revelar a gravidade da conduta perpetrada pel a empresa e o elevado grau

de degradação da via asfáltica da BR-155 (fs. 86/86 - A) .

6

Das informações prestadas pelo Departamento de Polícia Rodoviária Federal–

19ª SRPRF/PA (fs. 86 e 86-A), em agosto de 2011, tem-se que os valores consolidados

das multas aplicadas em 2011 à siderúrgica, em razão do excesso de peso, equivalem a

R$261.903,95 (duzentos e sessenta e um mil novecentos e três reais e noventa e cinco

centavos). Entretanto, tal montante não foi suficiente para dissuadir a pratica

recalcitrante da empresa, que continuou reiterando sua conduta, o que levou a PRF

então, como visto, a apreender, em junho de 2011, 14 (catorze) caminhões bi-trens

sob a responsabilidade da empresa que faziam o transporte irregular – em excesso – do

minério de ferro utilizado na produção do ferro-gusa.

Em informações complementares (f. 93), e consoante a planilha de f. 94 , a PRF

esclareceu, em outubro de 2011, que a SIDEPAR, ora demandada, foi responsável por

aproximadamente 67,44% do total de autuações já procedidas até então no ano de

2011, o que representa 29 (vinte e nove) das multas de um total de 43 multas

(quarenta e três) multas aplicadas por excesso de peso, o que bem demonstra o nexo

causal entre as precárias condições de trafegabilidade da BR-155 e justifica que a

empresa seja penalizada por sua conduta ilegal e pelos danos causados ao patrimônio

público e a toda coletividade.

Por fim, ressalte-se que os dados ora apresentados dizem respeito tão somente

ao ano de 2011, já levando-se em conta os meses durante os quais os catorze

caminhões apreendidos estavam parados, haja vista que antes disso a PRF não atuava

na rodovia BR-155, razão pela qual não há registros de sua lavra, conforme

informações à f. 93.

Outrossim, o DNIT às fs. 56-59 prestou as informações solicitadas por esta PRM-

MAB/MPF e pôde esclarecer os efeitos nocivos do excesso de peso na segurança,

fluidez e condições de trafegabilidade das vias, bem como na estrutura, obras de arte

e especialmente no pavimento da via asfáltica. Ainda, descreveu o impacto do excesso

de peso na vida útil e nos custos de manutenção/conservação das rodovias federais, o

que será melhor abordado logo adiante.

Destarte, o Ministério Público Federal não pode se omitir em face da situação

ora retratada, que coloca em risco milhares de vidas, causa considerável dano à(s)

rodovia(s) e, consequentemente, ao Erário público federal, além de importar em

sonegação tributária de outros delitos4.

4 Inquérito Policial nº 0122/2011/DPF-MAB.

7

III – DO DIREITO

III.1 - DAS PRELIMIARES

A) Da Legitimidade Ativa do MPF e da Competência da Justiça Federal

O Ministério Público é uma instituição permanente, cuja função é defender e

fiscalizar a aplicação das leis, zelar pelo respeito aos direitos constitucionais e pela

garantia dos serviços de relevância pública garantidos na Constituição Federal.

A Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Ministério Público campo de

atuação bastante amplo, incumbindo-lhe, a teor do art. 127, “a defesa da ordem

jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Entre as funções institucionais do órgão do Ministério Público, prevê o art. 129, III, a

promoção do inquérito e da ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e

social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

Também a Lei Complementar nº 75/93, em seu art. 6.º, VII, comete ao

Parquet a função de promover o inquérito civil público e a ação civil pública para a

proteção dos direitos e interesses supramencionados.

Com efeito, a presente ação insurge-se contra a prática ilícita adotada pela(s)

empresa(s) Ré(s) de dar saída e fazer transitar veículos de carga com peso muito acima

dos limites previstos nas Resoluções n° 210, 211 e 258 do CONTRAN, em clara afronta

ao art. 99 do Código de Trânsito Brasileiro.

Ademais, essa ação tem por fim último buscar a tutela da vida e da segurança

de todos os que trafegam pelo trecho citado, dando aplicabilidade aos preceitos

constitucionais que elegeram tais bens como direitos fundamentais do indivíduo.

Lado outro, busca-se, com a presente, a responsabilização das empresas Rés

pelas condutas ilegais e lesivas ao Erário e à coletividade praticadas reiteradamente

por estas, especialmente a SIDEPAR.

Assim, o Ministério Público é parte legítima para perseguir em juízo os

objetivos colimados, sendo a ação civil pública instrumento adequado à tutela

pretendida no presente caso.

De fato, nesse contexto, considerando que os fatos lesivos afetam gravemente

8

as condições de trafegabilidade de rodovia federal, a BR-155, bem como influem

decisivamente na rápida degradação de sua via asfáltica, em claro prejuízo ao Erário

federal e à sociedade como um todo, reponta nítida, portanto, a legitimidade do

Ministério Público Federal e a competência da Justiça Federal para processar e julgar a

presente demanda.

B) Da Legitimidade Passiva

A Siderúrgica do Pará S/A – SIDEPAR - cujo objeto social é a produção de ferro-

gusa, comércio atacadista de produtos siderúrgicos e metalúrgicos, com exploração

florestal a partir da aquisição de carvão de origem vegetal - deve figurar no polo

passivo da demanda, pois é a pessoa jurídica responsável pela prática ilícita de fazer

transitar veículos com excesso de peso destinados a seu estabelecimento comercial.

Com efeito, a atividade produtiva da SIDEPAR, como dito, recepciona

continuamente as cargas de minério de ferro transportadas da MINERADORA FLORESTA

DO ARAGUAIA até os seus pátios pelos caminhões que trafegam com considerável

excesso de peso na rodovia BR-155, haja vista que precisa desse insumo para a

produção do ferro-gusa.

No que concerne à Mineradora Floresta do Araguaia S/A, a qual possui como

objeto principal a extração e comercialização de minério de ferro, notadamente com a

SIDEPAR, integra ela o grupo econômico da indigitada empresa siderúrgica, o que foi

inclusive confirmado por seus responsáveis e pelos depoimentos prestados por

empregados da SIDEPAR no bojo do inquérito policial nº 0122/2011-4 (fs. 41 e 43 –

anexo I) - não tendo tal fato sido em nenhum momento contrariado pelos dirigentes da

SIDEPAR quando do ajuizamento das medidas tendentes à restituição dos bens

apreendidos -, motivo pelo qual também deverá ser responsabilizada, uma vez que,

reiteradamente, dava saída nos caminhões carregados de minério de ferro em

flagrante excesso de peso.

Como demonstrado, o produto final da atividade econômica da SIDERÚRGICA

DO PARÁ S/A – SIDEPAR é o ferro-gusa, em cujo processo produtivo insere-se, além de

seu principal insumo - o carvão vegetal, também o minério de ferro fornecido pela

MINERADORA FLORESTA DO ARAGUAIA S/A através dos caminhões que transitam

diuturnamente em excesso de peso pela BR-155.

9

Assim, conforme previsto no art. 186 do Código Civil, “aquele que, por ação

ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a

outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Desta feita, as empresas Rés embarcadoras e transportadoras das mercadorias

nos veículos de carga concorreram - concorrem - para a conduta ilícita com o fim de

maximizar seus lucros em prejuízo da vida útil do pavimento da BR-155 e da segurança

dos cidadãos-usuários, configurando, pois, partes legítimas para compor o polo passivo

da presente demanda, devendo elas responder solidariamente pelas condutas ilícitas e

lesivas em voga.

III.2 – DO DIREITO. OS FUNDAMENTOS JURÍDICOS E AS VIOLAÇÕES – DANOS -

PERPETRADAS PELAS EMPRESAS RÉS

O excesso de peso – seja do Peso por Eixo, por Peso Bruto Total (PBT/Peso

Bruto Total Combinado – PBTC) ou por Capacidade Máxima de Tração (CMT) – é causa

nociva à durabilidade do pavimento, sendo, por óbvio, principal agente da redução do

tempo útil das estradas pavimentadas e do aumento de insegurança dos usuários

destas. Além disto, o tráfego com excesso de peso viola o direito dos cidadãos e, em

especial, os dos cidadãos-usuários das rodovias federais (a) à vida, à integridade física

e à saúde, (b) à segurança pessoal e patrimonial, e ainda aos também difusos e

coletivos direitos (c) à preservação do patrimônio público federal consubstanciado na

rodovia federal e nos serviços de transporte, (d) à ordem econômica e, ainda, (e) ao

meio ambiente equilibrado (natural e artificial).

Com efeito, a Lei n. 9.503/97, que instituiu o novo Código de Trânsito

Brasileiro, dispõe que:

“Art. 1.º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do

território nacional, abertas à circulação, rege-se por este

Código.

(...)

§ 2.º O trânsito, em condições seguras, é um direito de

10

TODOS e dever dos órgãos e entidades competentes do

Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das

respectivas competências, adotar as medidas destinadas a

assegurar este direito.” (destacou-se)

Nessa ótica, em estudo denominado de “Efeitos dos Excessos de Carga Sobre a

Durabilidade do Pavimento”, o Prof. João Fortini Albano, Doutor em Engenharia Civil,

destaca que:

“Ultrapassar os limites legais de carga por eixo ou PBT constitui

uma ação criminosa que obriga o Governo a desviar pesados

recursos de outros setores para a manutenção e a restauração

viária. Privam-se os usuários do uso de rodovias em boas

condições, diminuindo o conforto, a segurança e aumentando

o tempo médio de viagem. Por último, são ainda afetados os

próprios transgressores, pois nem sempre o lucro imediato é

compensando pelo alto risco de acidentes, pela depreciação

rápida do veículo e por multas cobradas pela eventual

fiscalização por pesagem nas rodovias”5. (destacou-se)

O excesso de carga traz, indiscutivelmente, uma maximização da

produtividade e dos lucros de quem se beneficia por tal fator (em geral, o chamado

“embarcador ou expedidor”). Mas produz, por outro lado, assim como pesquisado pelo

Prof. João Fortini Albano 6, um efeito não desejável (e, acrescente-se, ilegal): a

deterioração acelerada da camada de revestimentos e da estrutura dos pavimentos da

rede viária e o aumento do risco (à segurança e à vida, principalmente) dos usuários

que dela se utilizam.

O Manual de Estudos de Tráfego, elaborado pelo Instituto de Pesquisas

5 ALBANO, JOÃO FORTINI. Efeitos dos Excessos de Carga Sobre a Durabilidade do Pavimento. 2005. 231f.. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) – Programa de Pór-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal do Rio grande do Sul, Porto Alegre-RS. fl. 62.

6 ALBANO, JOÃO FORTINI. Efeitos dos Excessos de Carga Sobre a Durabilidade do Pavimento. 2005. 231f.. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) – Programa de Pór-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal do Rio grande do Sul, Porto Alegre-R S.

11

Rodoviárias (IPR), órgão vinculado ao DNIT, expõe o seguinte:

“Os excessos de peso dos veículos de carga causam sérios

transtornos à segurança, ao conforto e à fluidez do tráfego,

bem como às estruturas da via, principalmente, o pavimento

e as obras-de-arte. Estes excessos são caracterizados sob duas

formas: o excesso de peso bruto total (PBT) e o excesso de peso

por eixo”7.

Inegavelmente os efeitos advindos do excesso de peso são uma clara ameaça à

perfeita segurança dos usuários das rodovias e, consequentemente, à vida destes,

sendo premente a necessidade de obstrução deste ciclo vicioso que se formou ao longo

dos anos, bem como a responsabilização dos agentes causadores.

O aludido Manual de Estudos de Tráfego enumera as seguintes consequências

advindas do transito de veículos com excesso de Peso Bruto Total e/ou de Peso por

Eixo (respectivamente), conforme transcrito abaixo:

“Um veículo que trafega com peso superior ao peso bruto total

de projeto atenta contra a segurança sob vários aspectos:

- Compromete a segurança do próprio veículo, já que vários

de seus componentes, como eixos, molas, freios e outros, podem

não suportar os esforços produzidos pelos excessos;

- Amplia consideravelmente o risco de acidentes, devido à

fadiga dos equipamentos e componentes, que levam ao desgaste

prematuro e imprevisível;

- Passa a trafegar em velocidades menores, prejudicando o

tráfego de veículos mais rápidos, criando situações de risco;

- Afeta a capacidade da via, pela redução de velocidade que

7 BRASIL. Departamento Nacional de Infra-Estrutura e Transportes. Diretoria de Planejamento e Pesquisa. Coordenação Geral de Estudos e Pesquisa. Instituto de Pesquisas Rodoviárias. Manual de Estudos de Tráfego. Rio de Janeiro, 2006. Pág.: 187 Disponível em: <http://www1.dnit.gov.br/arquivos_internet/ipr/ipr_new/manuais/manual_estudos_trafego.pdf>.

12

provoca, sobretudo nos trechos ondulados e montanhosos com

longos aclives e rampas acentuadas;

- Compromete as estruturas das obras-de-arte, projetadas

segundo determinado trem-tipo, provocando custos de

manutenção e de recuperação bem maiores;

Por sua vez, o excesso no Peso por Eixo é indesejável sob os

seguintes aspectos:

- À semelhança do que ocorre com o excesso no PBT, também

certos componentes com a suspensão, transmissão, rodas, o

próprio eixo e, principalmente, os pneus, não são projetados

para suportar os esforços adicionais gerados pelo excesso,

estando sujeitos à quebra ou ruptura, colocando em risco a

segurança do próprio veículo e dos demais veículos na corrente

de tráfego;

- O efeito do excesso de peso por eixo sobre a vida útil do

pavimento é bastante significativo. A análise das curvas de

equivalência do método de dimensionamento do DNIT, mostra

que o efeito segue um função exponencial (um acréscimo de 20%

no peso duplica o efeito da carga no pavimento);

- O excesso de peso por eixo afeta também os custos de

conservação e manutenção;

Além disso, o excesso de carga frequentemente é

acompanhado de perdas parciais ao longo do trajeto, como

areia, pedra, produtos químicos sólidos e a granel, como

enxofre e outros, perdas essas ocasionadas por volumes

superiores à capacidade das carrocerias. Tais perdas

aceleram o processo de deterioração do pavimento pela ação

física-abrasiva, ou química, atacando o asfalto e acelerando

sua desagregação” (destacou-se).

Por tais circunstâncias, a Lei nº. 9.503/97 (Código de Transito Brasileiro), em

13

seu artigo 99, caput, prevê que “somente poderá transitar pelas vias terrestres o

veículo cujo peso e dimensões atenderem aos limites” previamente estabelecidos pelo

Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN.

Com o objetivo de regulamentar esse dispositivo de Lei, o CONTRAN expediu

as Resoluções n. 210/06, 211/06 e 258/06, que fixaram os limites de peso e as

respectivas tolerâncias a serem admitidas na circulação de veículos na via terrestre.

Nessas resoluções, tem-se como proibida a circulação, pelas vias terrestres, de

veículos cujo o peso ultrapasse:

a) aos delimitados pela Resolução CONTRAN n. 210/06, que

estabelece os limites de peso e dimensão para veículos que

transitem por vias terrestres;

b) aos expostos pela Resolução CONTRAN n. 211/06, que

estabelece os requisitos necessários à circulação de

Combinações de Veículos de Carga (CVC) e o respectivo limite

aceito, e

c) ao previsto pela Resolução CONTRAN n. 258/06, que

estabelece os percentuais de tolerâncias.

Cada modelo de veículo tem um determinado limite de peso (ou seja, os

limites de peso variam dependendo do modelo do veículo) obedecendo sempre às

indicações constantes das citadas RESOLUÇÕES CONTRAN 210/06 e 211/06.

Já a Resolução CONTRAN n. 258/06 reservou determinada faixa, acima do

limite legal estipulado pelas Resoluções CONTRAN 210/06 e 211/06, como diferença

a ser desprezada no âmbito administrativo, denominada de “tolerância”. Isto é, se

aceita um determinado valor acima do estabelecido como se fosse uma “média de

erro” do aparelho.

Tal limite de tolerância não se aplica nas hipóteses em que a medição é

procedida pela análise dos documentos fiscais, mas apenas quando a pesagem é feita

por equipamentos, justamente o caso ora sub judice:

14

“Art. 5º. Na fiscalização de peso dos veículos por balança

rodoviária será admitida à tolerância máxima de 5% (cinco

por cento) sobre os limites de pesos regulamentares, para suprir

a incerteza de medição do equipamento, conforme legislação

metrológica.”

Importa registrar que ainda que se considere o percentual legal tolerável, o

excesso de carga transportada nos veículos das empresas Rés consubstanciou montante

alarmante, de modo a suplantar, e muito, o permissivo da lei, haja vista que o excesso

médio de peso constatado (em 2011) foi de 94,43% além do permitido pelos atos

normativos citados – e do volume constante das notas fiscais.

Com efeito, a infração administrativa exposta no art. 231 do CTB ou as multas

aplicadas em razão de tais infrações, infelizmente, já não são mais empecilhos para o

fluente trânsito de veículos com excesso de peso, que já se tornou prática rotineira

das empresas brasileiras, especialmente das empresas Rés.

Como explica ALBANO, citando pesquisa realizada pela extinta Empresa

Brasileira de Planejamento de Transportes (GEIPOT) e informações publicadas pelo

próprio DNIT (DNER, 2000), “nas rodovias brasileiras os caminhões trafegam com

sobrecarga de 10 a 30%”(destacou-se).

Como visto, no caso em liça, esse percentual aproxima-se de 100%, o que é

lamentável.

> Depreende-se dos autos do ICP em epígrafe, como dito alhures, que os

valores consolidados de todas as multas aplicadas em 2011 à siderúrgica SIDEPAR, em

razão do excesso de peso, alcançou, segundo o Departamento de Polícia Rodoviária

Federal, o importe de R$261.903,95, o que não se mostrou suficiente para dissuadir a

prática. Ademais, 35 foram as notificações administrativas impostas à empresa por tais

infrações até o dia 19 de junho de 2011 (fs. 86/86-V).

Ademais, a PRF apontou, nesse período, o percentual médio de excesso de

peso transportado - nos veículos de responsabilidade das empresas – de 94,43%, bem

como informou que as ora demandadas foram responsáveis, em 2001, por 67,44% do

total de autuações, totalizando 29 multas (do total de 43) por excesso de peso.

15

De acordo com informações prestadas pelo DNIT (fs. 56-59), o excesso de peso

causa sérios danos segurança, fluidez e condições de trafegabilidade das vias, além de

comprometer sobremaneira a estrutura e especialmente o pavimento da via asfáltica.

Segundo o DNIT, o impacto do excesso de peso na vida útil e nos custos de

manutenção/conservação das rodovias federais é considerável. Um veículo que trafega

com seu Peso Bruto Total de projeto (que deve ser aprovado pelos órgãos competentes)

atenta contra a segurança e a vida útil do pavimento de uma rodovia, vindo a causar

efeitos diretamente danosos sobre a plataforma da rodovia, agredindo e deteriorando

os revestimentos asfálticos, sendo que o mesmo ocorre em relação ao excesso de Peso

Por Eixo.

Conclui o DNIT que os efeitos da sobrecarga (excesso de peso) não se

desenvolve de forma linear, mas segundo uma função exponencial – um acréscimo de

20% no peso, por exemplo, produz um efeito equivalente 100% superior. Diante do

excesso de peso, não apenas a destruição do pavimento, mas também os custos de

manutenção/conservação ocorrem forma exponencial.

Em conformidade com a tabela de f. 57, se não há excesso, a vida útil da

rodovia é de aproximadamente 10 (dez) anos. Se o percentual de excesso dos veículos

que nela trafegam é de apenas 10%, a vida útil da rodovia é 56% menor, ou seja, de 4,4

anos. Assim, sem combater o excesso de peso (de 10%), o recapeamento da via, que

ocorreria normalmente em 10 anos, deve acontecer, em média, a cada 4 a 5 anos, a

depender da demanda de tráfego.

Já com 30% de excesso de peso, a vida útil da rodovia cai para

aproximadamente 2,3 anos. O que dizer então dos casos, como o dos presentes

autos, em que o excesso é de quase 95%? O dado é alarmante!

No tocante à trafegabilidade, informa o DNIT, a sobrecarga produz o fenômeno

do baixo desempenho físico, prejudicando o tráfego, pois os veículos são obrigados a

trafegar em velocidades reduzidas, ocasionando uma situação de grave risco, qual

seja, a de tráfego de veículos com diferença de velocidade muito acentuada. Desse

modo, além do risco à vida e à integridade física, os transtornos e prejuízos são

incalculáveis.

A sobrecarga prejudica toda a malha rodoviária. Com efeito, a ruptura dos

pavimentos é usualmente causada por fadiga, que, por sua vez, é provocada, por

16

cargas repetitivas, sendo que quanto mais pesada for a a carga, menor é o número de

repetições necessárias para atingir as mesmas condições de ruptura. Aliás, ressalta

ainda o DNIT, que quando o pavimento é fino e a carga muito elevada, como no caso

dos autos, “é possível que as rodas do veículo” – no caso, bi-trens gigantescos com

aprox. 95% de excesso de peso – “rompam o pavimento numa única passagem ”

Nesse contexto, “ultrapassar o limite e suas tolerâncias no leito estradal

constitui uma ação criminosa que obriga o governo a desviar pesados recursos de

outros setores para a manutenção/recuperação das rodovias ...” (f. 58).

Em seguida, sobre os custos médios normais para a conservação/manutenção

das rodovias brasileira, traz o DNIT a tabela de f. 58, em que se verifica valores de

custos, em média, entre R$53.000,00 a R$1.225.000,00 por KM, a depender do tipo de

pista e de serviço.

No entanto, releva destacar é que tais custos normais são multiplicados, de

acordo com o DNIT, quando se apresentam condições de sobrecarga. Assim, para

ilustrar, uma sobrecarga de 10% enseja um fator de multiplicação dos custos normais

equivalente a 2,24. Se há 30% de sobrecarga, multiplica-se o custo normal médio por

3,08.

O que dizer se a sobrecarga for de quase 95%? Talvez o DNIT ainda não tenha

calculado, mas poderá fazê-lo.

Ao final, arremata o DNIT que estudo do CENTRAM mostrou que, “apenas na

malha rodoviária federal, o excesso de peso resulta em prejuízo de 1,5 bilhões de reais

por ano ao erário público federal”.

> DAS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS À VIDA, À INTEGRIDADE FÍSICA E À SAÚDE

Conforme intuitivamente se percebe, a conduta das Rés de trafegar

dolosamente com excesso de peso (obtendo lucros abusivos às custas do erário e de

toda a sociedade) viola o direito dos cidadãos-usuários das rodovias federais (a) à vida,

à integridade física e à saúde.

Tal conduta adotada pelas Rés (i) aumenta o número de acidentes, inclusive os

com vítimas fatais e (ii) a gravidade das lesões, dado que os veículos com excesso de

peso tem o seu sistema de frenagem absolutamente comprometido e ainda sua massa

exponencialmente elevada. A baixa velocidade com que trafegam nas subidas e a alta

17

velocidade nas descidas aliada à dificuldade de frenagem (que fazem com que forcem

passagem – “empurrem” – os motoristas de carros menores que trafegam em

velocidade normal) geram ainda (iii) estresse aos demais motoristas que trafegam na

rodovia.

> DAS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS À SEGURANÇA PESSOAL E PATRIMONIAL

Também é facilmente perceptível que a conduta das Rés viola o direito dos

cidadãos-usuários das rodovias federais à segurança pessoal e patrimonial.

Tal conduta adotada pelas demandadas, além de aumentar os acidentes e

também os riscos de acidentes, (i) diminuindo a própria segurança e também o

conforto gerado pela sensação de segurança, em especial a pessoal, (ii) aumenta os

prejuízos materiais contra o patrimônio (veículos, mercadorias e bagagens e bens) dos

cidadãos-usuários das rodovias federais, quando da ocorrência dos acidentes.

Além disto, a baixa velocidade com que trafegam nas subidas e os danos

causados ao pavimento asfáltico (buracos) que forçam os motoristas a trafegarem, em

certos trechos, em velocidades muito baixas, (iii) facilitam a atuação de ladrões que

furtam e roubam cargas e pertences pessoais de passageiros, o que se verifica

comumente nessa região do país.

> DAS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS À PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO FEDERAL E

AOS SERVIÇOS DE TRANSPORTE

Igualmente, como já supra explicitado, a conduta das Rés afronta também o

direito dos cidadãos-usuários das rodovias federais e de todos os cidadãos em geral à

preservação do patrimônio público federal - consubstanciado na rodovia federal - e à

boa prestação de serviços de transporte.

A conduta adotada pelas empresas ora demandadas, portanto, (i) deteriora o

piso asfáltico da rodovia e causa-lhe danos imediatos (buracos, fissuras, lombadas e

depressões, imperfeições no escorrimento das águas), (ii) deteriora o acostamento que

passa a ser utilizado como pista de rolamento (tráfego), (iii) diminui

consideravelmente o tempo de vida útil do piso asfáltico da rodovia e também do

acostamento, especialmente se considerado o percentual de excesso de peso

identificado, no caso, de quase 95%. Além disto, pelas péssimas condições em que

18

deixam a rodovia, (iv) torna o serviço público de transporte interestadual e

intermunicipal bem mais lento, gerando atrasos, estresses, danos nas bagagens e

mercadorias transportadas e toda sorte de contratempos, transtornos e prejuízos aos

cidadãos-usuários das rodovias federais, in casu, da BR-155.

> DAS VIOLAÇÕES À ORDEM ECONÔMICA E À ORDEM TRIBUTÁRIA

A conduta das Rés viola ainda o direito dos cidadãos-usuários das rodovias

federais e de todos os cidadãos em geral à ordem econômica tal qual

constitucionalmente e legalmente prevista.

Além de ferir princípios constitucionais da ordem econômica (art. 170, III, IV,

VI e VIII da CR/88) ao (i) desrespeitar a função social da propriedade (no caso da

propriedade pública e coletiva consubstanciada na rodovia federal), (ii) a livre e leal

concorrência, (iii) o meio ambiente, e (iv) diminuir os empregos pela diminuição

artificial e ilegal do número de viagens a serem realizadas para o transporte de uma

mesma carga, a conduta das empresas Rés ainda (v) provoca desequilíbrios na ordem

econômica, pois que, dentre outros fatores, acarreta concorrência desleal para com

aqueles empresários que transportam suas cargas e/ou adquirem produtos

transportados dentro dos limites estabelecidos na legislação.

Ainda, certo é que, como visto, tal prática tem o condão de sonegar/suprimir

o tributo devido seja pela renda oculta, seja, principalmente, pela circulação da

mercadoria ocultada (em excesso) pelas notas fiscais que omitem a sobrecarga ilegal.

> DAS VIOLAÇÕES AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

A conduta das Rés, enfim, afronta o direito dos cidadãos-usuários das rodovias

federais e de todos os cidadãos em geral ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

(natural e artificial).

É incontroverso, pois, que a conduta adotada pelas requeridas (i) aumenta o

consumo de combustíveis fósseis não-renováveis (dentre eles, é o diesel o mais

poluente) e a (ii) liberação de fumaça e de gás carbônico. Além disto, tal conduta (iii)

torna necessário o consumo prematuro de novos materiais para recuperar a rodovia

que tem sua vida útil diminuída consideravelmente.

19

Isso para não falar dos danos – passivo – ambientais decorrentes da atividade

fim da empresa SIDEPAR, consistente na produção de ferro-gusa a partir da utilização

de carvão vegetal, sendo grande parte deste de origem ilegal e não declarada, fruto do

desmatamento desautorizado do bioma amazônico.8

Todas estas condutas, por fim, também geram danos morais à coletividade, o

qual deve ser amplamente indenizado para que o ressarcimento seja adequado e

integral, conforme impõe a CF/88, os princípios e as leis pertinentes (vide tópico a

seguir).

III.3 - DO DANO MATERIAL E MORAL COLETIVO

Efetivamente, tem-se que o transporte de carga além do limite permitido pelo

Código de Trânsito Brasileiro causa tanto dano material, quanto dano moral coletivo.

No que se refere ao dano material, vale se reportar ao tópico anterior (item

III.2). Como visto, se não há excesso, a vida útil da rodovia é de aproximadamente 10

(dez) anos. Se o percentual de excesso dos veículos que nela trafegam é de 30%, a vida

útil da rodovia cai para aproximadamente 2,3 anos.

Quanto aos custos de manutenção/preservação da rodovia, registrou-se que

com 30% de sobrecarga, multiplica-se o custo normal médio por 3,08, sendo que que,

na espécie, a sobrecarga média identificada, em 2011, alcançou o percentual de 95%.

No mais, ressaltou-se que a conduta das Rés viola, a um só tempo, o Meio

Ambiente, a Ordem Econômica e Tributária, os direitos dos cidadãos-usuários da

rodovia e da coletividade, bem como lesiona o Patrimônio Público Federal (Erário) e os

Serviços de Transportes, causando-lhes sérios danos. Como já mencionado, a conduta

das Rés ofendeu os direitos dos cidadãos e, em especial, os dos cidadãos-usuários das

rodovias federais (a) à vida, à integridade física e à saúde, (b) à segurança pessoal e

patrimonial, além dos direitos difusos/coletivos (c) à preservação do patrimônio

público federal, (d) à ordem econômica e, ainda, (e) ao meio ambiente equilibrado.

Ademais, restou também evidenciado que a atividade econômica das Rés,

8 Conforme restou demonstrado no bojo de outro ICP em curso nesta PRM-MAB, que ensejou a Ação Civil Pública tombada na 2ª Vara da Subseção Judiciária de Marabá sob o nº 583-34.2012.4.01.3901, e culminou na assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta e Recomposição de Passivo com o MPF-PRM/MAB.

20

desempenhada nesses moldes, consubstancia prática que há de ser recriminada, qual

seja: a de auferir abusivos lucros às custas do prejuízo social de toda comunidade –

maximização dos lucros e socialização dos ônus e prejuízos -, suportando a sociedade,

portanto, a elevada carga tributária que custeia (a) a reparação/manutenção da

rodovia, (b) a prestação dos serviços de saúde referentes aos acidentes gerados, e,

ainda, (c) os furtos e roubos facilitados pelo tráfego lento dos veículos, decorrente da

má conservação do piso asfáltico ou da lentidão excessiva dos caminhões com excesso

de peso.

Sendo assim, nota-se que a conduta das empresas Rés causa danos diretos ao

patrimônio da União, afetando também toda a coletividade, pelo que afigura-se

razoável, portanto, sejam as requeridas condenadas pelos danos por elas causados, em

montante a ser melhor apurado/definido em sede de instrução processual/liquidação

por cálculo/perícia procedido pelo DNIT.

Pertinente ao dano moral, Carlos Alberto Bittar assenta que:

“o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma

dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um

determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em

dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o

patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou

menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira

absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer

isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura,

em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano

moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova

de culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato

da violação (danum in re ipsa)”.(RT, 12/44, p. 55/59).

Com efeito, não se pode olvidar que o dano ao patrimônio público representa

lesão a direito difuso, de interesse de toda a coletividade, protegido

constitucionalmente para o uso comum do povo, daí porque a obrigação de indenizar o

dano pela degradação de rodovias federais.

21

Sucintamente, a reparabilidade do dano moral pode ser dividida em três fases.

A primeira teoria, conhecida como não indenizabilidade, propugnava pela

impraticabilidade da reparação pecuniária quando da constatação do dano moral, sob

a justificativa de seria impossível converter em dinheiro algo que não é suscetível de

valoração pecuniária. Ademais, pleitear indenização com base no sofrimento

experimentado seria imoral, eis que o indivíduo estaria vendendo seu próprio

sofrimento. A segunda teoria supera a fase negativista, e é denominada como da

indenizabilidade condicionada, cujo objeto central da reparação consistia na concreta

constatação do dano material como derivação do dano moral. Assim, danos morais

poderiam ser suscetíveis de reparação, desde que devidamente comprovados pelos

danos materiais, jamais se admitindo a indenização pelos danos morais puros.

Por fim, atualmente, há a terceira teoria, conhecida como indenizabilidade

ampla, que viabiliza a possibilidade de requerer indenização por danos exclusivamente

morais. Iniciou-se, por assim dizer, a teoria da responsabilidade civil por danos morais

puros, afastando-se a ideia da necessidade de repercussão objetiva do ato no

patrimônio físico da pessoa.

Além dos prejuízos materiais, indene de dúvidas que a conduta das Rés

também traz prejuízos imateriais a toda coletividade, eis que os bens jurídicos ora

tutelados possuem natureza transindividual.

Sensível a isso, o legislador ordinário, através da Lei nº 8.884/94, modificou o

caput da Lei nº 7.347/85 para inserir expressamente a reparação moral no caput do

artigo 1º.

A jurisprudência, aliás, admite a condenação pelo dano moral coletivo do

infrator, senão vejamos:

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. DANOS AMBIENTAIS PRATICADOS E REITERADOS.1. "Não é apenas a agressão à natureza que deve ser objeto de reparação, mas a privação, imposta à coletividade, do equilíbrio ecológico, do bem-estar e da qualidade de vida que aquele recurso ambiental deve compreender, também, o período em que a coletividade ficará privada daquele bem e dos efeitos benéficos que ele produzia, por si mesmo e em decorrência de sua interação (art. 3°, I, da Lei 6.938/81). Se a recomposição integral do equilíbrio ecológico, com a recomposição da situação

22

anterior ao dano, depender, pelas leis da natureza, de lapso de tempo prolongado, a coletividade tem direito subjetivo a ser indenizada pelo período que mediar entre a ocorrência do dano e a integral reposição da situação anterior." (Francisco José Marques Sampaio, citado por Paulo Afonso Leme Machado, in Responsabilidade Civil e Reparação de Danos ao Meio Ambiente, Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 1998, p. 107).2. A implementação de medidas que visem adequar a atividade empresarial às normas ambientais não tem o condão de elidir todo o dano ambiental provocado ao longo de mais de 10 anos.3. Apelação improvida.”(TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO - AC - APELAÇÃO CIVEL - 200272010026839 / SC - TERCEIRA TURMA - D.E. DATA:14/03/2007 – Relator(a) CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ)

De seu turno, insta frisar que também é objetiva a responsabilidade extra-

patrimonial, na forma do quanto sustentado pelo doutrinador RODOLFO MANCUSO em

sua obra (Ação Civil Pública, 9ª edição, 2004, RT. pág. 448).

“Também nos parece ser de natureza objetiva a responsabilidade pelos danos morais (extrapatrimoniais) infligidos ao meio ambiente, nesse sentido de que esse dever de reparar decorre da configuração, no caso concreto, de binômio dano-nexo causal.”

Esses prejuízos morais - que seguem paralelos ao dano material –, portanto,

têm que ser ressarcidos, conforme previsto no inciso V do art.1º da Lei n.º 7.347/85.

O Código de Defesa do Consumidor, por seu turno, também contempla a

indenização por dano moral, nos incisos VI e VII, do art. 6º, escudado pela previsão da

Carta Política de 1988, na dicção do inciso V do art. 5º.

Vale destacar, ainda, o escólio do d. Procurador Regional da República André

de Carvalho Ramos, que, analisando o dano moral coletivo, ponderou:

“Assim, é preciso sempre enfatizar o imenso dano moral coletivo causado pelas agressões aos interesses transindividuais. Afeta-se a boa-imagem da proteção legal a estes direitos e afeta-se a tranquilidade do cidadão, que se vê em verdadeira selva, onde a lei do mais forte impera” (A Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo - Direito do Consumidor, vol. 25–Ed. RT, pg. 83).

23

Atualmente, basta demonstrar a ingerência injusta sobre os direitos subjetivos

da pessoa - ou da coletividade - para que se admita a devida reparação do dano, ainda

que difícil seja a prova do dano, mas inequívocas a agressão e a sua autoria.

Quanto à determinação da indenização, MARIA HELENA DINIZ preceitua que

“na reparação do dano moral o juiz determina, por equidade, levando em conta as

circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá

corresponder à lesão e não ser exatamente equivalente, por ser impossível tal

equivalência”.

Sendo assim, nem sempre o valor arbitrado pelo juiz na sentença revelará a

justa recompensa para a dor ou a para a perda psíquica do ofendido. Mas isso não

justifica que os danos extrapatrimoniais deixem de ser reparados por insuficiência de

meios matemáticos, devendo-se tal estipulação ser confiada ao bom senso e ao

prudente convencimento do juiz.

Do exposto, podem ser retiradas as seguintes premissas: a) o dano, ainda que

exclusivamente moral, deve ser indenizado; b) para reconhecer a obrigação de

indenizar, basta que restem demonstradas a agressão e sua autoria, ainda que difícil

seja a demonstração específica do dano; e c) para mensurar o quantum indenizatório,

à falta de meios matemáticos idôneos, deve-se recorrer à prudente avaliação do

magistrado, que deverá fixar a indenização por equidade.

Corroborando o acima esposado, confira-se, por exemplo, recente

entendimento do c. STJ, exarado no bojo do RESP 1057274/RS, cuja ementa está

vazada nos seguintes termos:

(...)

2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da

comprovação de dor, de sofrimento e de abalo

psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do

indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e

coletivos.

(...)

(REsp 1057274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON,

SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe

24

26/02/2010)

Estabelecidas tais premissas, presente se afigura, na hipótese, o cabimento da

indenização pelos gravames morais causados à coletividade.

Eventual dificuldade em mensurar o quantum do dano moral difuso, repise-se,

não é justificativa para impedir o reconhecimento desta modalidade de dano moral.

Para reconhecer a obrigação de indenizar, basta que restem demonstradas a agressão e

sua autoria, que, no caso vertente, são patentes. Daí porque a fixação do quantum

indenizatório, à falta de meios matemáticos idôneos, deve decorrer de prudente

avaliação deste d. magistrado, que fixará a indenização por equidade. É o que se

requer.

No mesmo sentido, o cabimento do damo moral difuso, já assente na doutrina

mais abalizada (e agora também na jurisprudência), foi recentemente ratificada pelo

c. Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL - DIREITO AMBIENTAL -

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL –

IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL –

PEDIDO GENÉRICO – ARBITRAMENTO DO QUANTUM DEBEATUR

NA SENTENÇA: REVISÃO, POSSIBILIDADE - SÚMULAS 284/STF

E 7/STJ.

(...)

3. Reparação pelos danos materiais e morais,

consubstanciados na extração ilegal de madeira da área

indígena.

4. O dano ambiental além de atingir de imediato o bem

jurídico que lhe está próximo, a comunidade indígena,

também atinge a todos os integrantes do Estado,

espraiando-se para toda a comunidade local, não indígena e

para futuras gerações pela irreversibilidade do mal

ocasionado.

5. Tratando-se de direito difuso, a reparação civil assume

grande amplitude, com profundas implicações na espécie

25

de responsabilidade do degradador que é objetiva, fundada

no simples risco ou no simples fato da atividade danosa,

independentemente da culpa do agente causador do dano.

(...)

11. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.

(REsp 1120117/AC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA

TURMA, julgado em 10/11/2009, DJe 19/11/2009)

Tal entendimento, aliás, supera posição retrógrada deste mesmo r. Tribunal,

que vinculava anteriormente a constatação do dano moral difuso à confirmação da dor

e sofrimento individuais, o que é incompatível, por óbvio, com a tutela coletiva dos

interesses transindividuais, calcada na ética intergeracional e em principiologia

especialmente peculiar.

Nesse quadro, os fatos narrados deixam claro que a conduta das Rés ocasiona

sofrimento moral a todos aqueles que trafegam nas rodovias federais danificadas pela

sobrecarga, razão pela qual o dano moral causado deve ser reparado.

Destarte, considerando que as Rés infringiram o Código de Trânsito Brasileiro e

os demais atos normativos pertinentes, danificando rodovia federal e causando, com

isso, lesão ao patrimônio público, bem de uso comum do povo, por certo devem

sujeitar-se às penalidade correspondentes, seja no que concerne ao dano material ou

ao dano moral coletivo suportado pela coletividade, especialmente os cidadãos-

usuários.

IV – TUTELA DE URGÊNCIA - A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. NECESSIDADE DE

CONCESSÃO - PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS .

Com fundamento no art. 273, I, do Código de Processo Civil, bem assim no

permissivo legal expresso no art. 12 da Lei nº 7.347/85, o MINISTÉRIO PÚBLICO

FEDERAL vem requerer a concessão da antecipação de tutela, uma vez que se

encontram presentes seus requisitos autorizadores.

À unanimidade, a doutrina e a jurisprudência têm salientado que, a partir da

Constituição de 1988, o Estado brasileiro assumiu o dever de assegurar, de forma

26

efetiva, os direitos. Daí porque o princípio da inafastabilidade da Jurisdição (art. 5 o,

XXXV) já não pode ser compreendido apenas como garantia do acesso à justiça, com o

consequente direito à sentença.9

O garantia constitucional do acesso à justiça, entendida como acesso à ordem

jurídica justa, envolve o correto manejo de inúmeras figuras de apoio à sua efetivação.

Dentre estes institutos que visam amplificar a prestação jurisdicional encontra-se o

mecanismo processual da “tutela de urgência” e da “tutela do direito evidente”.

Realmente, de nada adiantaria garantias formais sem os mecanismos

necessários para determinar a concretude dos direitos. Nesse mister, encontra-se a

figura jurídica da “tutela de urgência”, que nada mais é senão mais um instrumento de

aceleração do provimento jurisdicional, considerada a forma como a demanda se

apresenta.

Desse modo, tem-se que o decurso do tempo, ausente resposta ao direito,

representa nova lesão, o que se revela injusto. É o que ora se procura evitar.

A tutela urgente – antecipada – de direitos que apresentam certo grau de

evidência e verossimilhança reclamam a concessão de provimento imediato,

satisfativo. Destarte, nesses casos, há uma verossimilhança preponderante, a impor, ao

cabo, a adoção das técnicas de antecipação da tutela.

Nesse enfoque, concebendo-se o acesso à justiça como acesso à ordem

jurídica justa, busca-se, com o manejo adequado das técnicas de tutela, conferir

prontidão ao provimento jurisdicional, no contexto de um processo civil de resultados,

distribuindo-se o ônus do tempo no processo de forma equânime entre as partes.

Em suma, a tutela de urgência está encartada na garantia constitucional do

acesso à justiça mediante "tutela adequada e processo devido", a par do dever de o

juiz prestar uma rápida solução dos litígios, dispensando-se prolongamentos

desnecessários, à luz da efetividade, toda vez que se verifique que o direito, pela

forma como se apresenta, reclama provimento imediato, urgente.

Conclui-se, assim, que a tutela de urgência (ou de evidência) são

técnicas/regras in procedendo a serem observadas pelo aplicador do direito, que não

9 Nas palavras de Marinoni, “não há dúvida de que o direito de acesso à justiça, assegurado pela nossa Constituição Federal, garante o direito à adequada tutela jurisdicional e, por conseqüência, o direito à tutela preventiva. (...) Admitida a existência de um direito constitucional à tutela preventiva, fica o legislador infraconstitucional obrigado a estabelecer os instrumentos adequados para garanti-la, sob pena de descumprir o preceito constitucional consagrador do direito de acesso à justiça” (Tutela Inibitória, RT, 1998, p. 66/67).

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deve estar atrelado apenas à "lógica formal", mas sim à percepção dos fatores

axiológicos e éticos inerentes à concretização jurisdicional do direito.

De acordo com o art. 273, caput, do CPC, há dois principais requisitos para a

concessão da tutela antecipatória – a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação

–, e dois requisitos alternativos, elencados, respectivamente, nos incisos I e II, quais

sejam: fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e abuso do direito

de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

A prova inequívoca significa que deve haver certeza (relativa) quanto à

verossimilhança dos fatos alegados, o que se deduz dos diversos documentos públicos

acostados aos autos (BO's, Autos de Infração, Notificações de Autuação, Autos de

Apreensão, planilhas) e das informações prestadas pelo DNIT e especialmente pela

Polícia Rodoviária Federal, em que se verifica que as Rés, dolosa e reiteradamente, no

âmbito de suas atividades, davam saída e faziam transitar pela BR-155 veículos com

elevado excesso de peso, conforme demonstrou-se alhures.

A verossimilhança da alegação exprime a relevância ou probabilidade dos

fundamentos de direito. No caso posto sub judice, a verossimilhança reside no fato de

que as Rés descumpriram, de forma recalcitrante, os limites regulamentares de peso

previstos nas Resoluções n° 210, 211 e 258 do CONTRAN, e, dessa forma, violaram a

norma do art. 99 do Código de Trânsito Brasileiro, dentre outras, causando inúmeros

danos ao Patrimônio Público (Erário) e à coletividade, consoante fartamente

comprovado na presente ação.

Quanto ao requisito alternativo, a tutela antecipada justifica-se pelo receio

de dano irreparável. O thema decidendum é repassado de sensibilidade e graveza – o

trânsito de veículos com excesso de peso afeta a qualidade da malha viária e coloca

em risco a incolumidade física dos cidadãos.

A demora em se observar rigorosamente o limite de peso e responsabilizar os

infratores, ou a tutela insuficiente dos interesses em voga, acabarão por acarretar

funestos efeitos, como a continuidade e agravamento da lesão ao Erário, das violações

aos direitos do cidadão/usuário, ou mesmo a morte de inocentes, que é, de todos os

danos capazes de afetar o ser humano, o mais irreparável.

Por todo o exposto, estão presentes os requisitos legais para o deferimento da

antecipação do provimento jurisdicional, que se constitui a medida mais justa para

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exigir do Judiciário, tão pronto possível, a eficaz intervenção na defesa dos

supracitados bens jurídicos.

V - DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

O art. 21, da Lei nº 7347/85, ao expressar que “aplicam-se à defesa dos

direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos

do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”, admite a

incidência supletiva do CDC.

Por sua vez, o art. 6º, inciso VIII, do Código Consumerista dispõe que “a

facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu

favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando

for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.

In casu, é perfeitamente cabível a inversão do ônus da prova, uma vez que,

consoante sobejamente demonstrado, se está diante de alegações notadamente

verossímeis e fortemente amparadas pelo direito.

É dizer, as demandadas agora é que devem fazer prova em contrário. Ou seja, uma vez

preenchidos os requisitos legais e em face das razões de fato e de direito ora enunciadas, cabe às

demandadas provar que vêm se comportando de forma escorreita e em obediências as ditames

normativos acima explicitados, pelo que é de se determinar, nos termos da lei, a inversão do ônus

da prova no particular.

VI - DOS PEDIDOS

Ex positis, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer a concessão liminar e

inaudita altera parte da antecipação dos efeitos da tutela para que se determine às

empresas Rés:

(a) que se abstenha m de promover a saída ou de fazer transitar

mercadoria e/ ou veículos de carga de seus estabelecimentos

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comerciais, ou de estabelecimentos de terceiros contratados a

qualquer título, com excesso de peso, em desacordo com a

legislação de trânsito;

(b) a cominação de multa no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta

mil reais) por cada veículo de carga que for flagrado transitando

com excesso de peso a partir do ajuizamento da presente ação,

em desrespeito à decisão liminar;

(c) que comprovem, também nestes autos, o integral

cumprimento da decisão judicial à f. 82 do processo nº 5414-

62.2011.4.01.3901, que determinou, dentre outras coisas, a não

utilização ou alienação dos caminhões com excesso de peso

apreendidos pela PRF em junho de 2011.

Ao final, o MINISTÉRIO PÚBICO FEDERAL requer a V. Excelência que confirme

a r. decisão liminar de concessão da antecipação dos efeitos da tutela, determinando-

se:

(d) após a antecipação dos efeitos da tutela, a citação das Rés,

nos endereços constantes desta inicial, para, por meio de seus

representantes legais, contestarem a presente, sob pena de

revelia e confissão;

(e) a intimação do DNIT/União para manifestarem interesse em

integrar o polo ativo da presente lide;

(f) a condenação das Rés à abstenção, definitiva, de promover a

saída ou o trânsito de mercadoria e veículos de carga de seus

estabelecimentos comerciais, ou de estabelecimentos de

terceiros contratados a qualquer título, com excesso de

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peso/sobrecarga, em desacordo com a legislação de trânsito;

(g) a condenação das Rés ao pagamento do dano material

causado ao patrimônio público federal (consubstanciado na

rodovia federal - gasto prematuro de novos recursos materiais

para a manutenção/reparação do pavimento), entre outros bens

jurídicos, cujo montante deverá ser arbitrado por este d. Juízo,

levando-se em conta o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para

cada operação com excesso de peso realizada desde o ano de

2011 e constatada pela PRF até então, valor este que poderá ser

melhor apurado em sede de instrução processual/liquidação por

cálculo/perícia procedido pelo DNIT, o que desde já se requer;

(h) a condenação das Rés ao pagamento do dano moral coletivo

causado à vida, à integridade física, à saúde e à segurança dos

cidadãos-usuários das rodovias públicas federais, cujo valor

pede-se seja fixado, por arbitramento, em, no mínimo,

R$350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais);

(i) a cominação de multa no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil

reais) por cada veículo de carga que for flagrado transitando com

excesso de peso, em descumprimento à decisão judicial

definitiva;

Os valores decorrentes da condenação deverão ser revertidos em benefício do

Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos do art. 13 da Lei 7.347/85 c/c Decreto

1.306/94.

Embora já tenha apresentado prova pré-constituída dos fatos, o MINISTÉRIO

PÚBLICO FEDERAL, por fim, pugna, sem prejuízo da inversão do ônus da prova que ora

se requer, comprovar o alegado por todos os meios de provas judicialmente permitidos,

especialmente pela produção de prova documental, testemunhal, pericial e tudo que

se fizer necessário ao pleno conhecimento dos fatos, inclusive no transcurso do

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contraditório que se vier a formar com a apresentação de contestação.

Dá-se à causa o valor de R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais).

Nestes termos, pede deferimento.

Marabá/PA, 15 de junho 2012.

TIAGO MODESTO RABELO

Procurador da República

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