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  • Ministrio Pblico do Estado do ParanAssociao Paranaense do Ministrio Pblico

    Associao dos Servidores do Ministrio Pblico do Estado do ParanFundao Escola do Ministrio Pblico do Estado do Paran

    TRS DCADAS DA CONSTITUIO FEDERAL DE 1988: OS NOVOS DESAFIOS DO MINISTRIO PBLICO

    22 e 23 de junho de 2017

  • 4 3

    Seminrio Estadual do Ministrio Pblico do Estado do Paran (2017 : Curitiba, PR)

    Anais ... / Seminrio Estadual do Ministrio Pblico do Esta-do do Paran._Curitiba: Associao Paranaense do Ministrio Pblico: Fundao Escola do Ministrio Pblico do Estado do Paran, 2017.

    236 p.

    Tema central: Trs dcadas da constituio federal de 1988: os novos desafios do ministrio pblico.

    Realizado de 22 a 23 de junho de 2017, no Ministrio Pblico do Estado do Paran, Curitiba.

    ISBN 978-85-68772-06-5

    1. Ministrio Pblico congressos, etc. I. Ministrio Pblico - Paran. II. Seminrio Estadual do Ministrio Pblico do Estado do Paran (2017: Curitiba). III. Ttulo.

    CDU 347.963(816.2)

    A responsabilidade dos trabalhos publicados exclusivamente de seus autores.

    Ministrio Pblico do Estado do Paran.

    Associao Paranaense do Ministrio Pblico.

    Associao dos Servidores do Ministrio Pblico do Estado do Paran.

    Fundao Escola do Ministrio Pblico do Estado do Paran.

    Projeto Grfico e Diagramao: Diviso de Editorao, Publicao e Divulga-o da Coordenao Administrativa do CEAF - Centro de Estudos e Aperfeioa-mento Funcional - do MPPR

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    S471a

    (Bibliotecria responsvel: Jussara de Mello Toledo Ramos CRB 9/292)

    SUMRIO

    APRESENTAO.....................................................9Eduardo Cambi

    1. A RESERVA LEGAL NA MATA ATLNTICA E A IN(SUSTENTABILIDADE) DA PRTICA DO MANEJO FLORESTAL.........................................................11Alexandre Gaio

    2. OS ATERROS SANITRIOS DE PEQUENO PORTE E O LICENCIAMENTO AMBIENTAL SIMPLIFICADO: A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUO CONAMA 404/2008 E DA RESOLUO CEMA/PR 094/2014......27Alexandre GaioLetcia Uba da Silveira MaraschinCassiana Rufato Cardoso

    3. O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (PA) COMO MECANISMO DE TUTELA DE DIREITOS E INTERESSES INDIVIDUAIS......................................................41Arion Rolim PereiraWillian Buchmann

    4. O REASSENTAMENTO COLETIVO E A INDENIZAO JUSTA DAS POPULAES ATINGIDAS E EXPROPRIADAS POR BARRAGENS.................................................57Ana Paula Pina Gaio

    5. O PAPEL DO MINISTRIO PBLICO NO ENFRENTAMENTO AOS DESAFIOS DA IMPLEMENTAO DO DIREITO DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS CONSULTA PRVIA, LIVRE E INFORMADA.......................................................73Ana Paula Pina GaioAna Carolina Brolo de Almeida

  • 4 5

    6. PRESCINDIBILIDADE DE INTERVENO DO MINISTRIO PBLICO EM PROCESSOS ENVOLVENDO INTERESSE INDIVIDUAL DISPONVEL DE INCAPAZ QUE NO EST EM SITUAO DE VULNERABILIDADE..............................................89Andressa Chiamulera

    7. MECNICAS MEDIEVAIS DE CONTROLE SOCIAL NO AMBIENTE ECONMICO E SUAS CONEXES COM OS ATUAIS PROGRAMAS DE CRIMINAL COMPLIANCE.....................................................101Fbio Andr Guaragni

    8. ORIGENS MODERNAS DO DIREITO PENAL ECONMICO COMO EXPRESSO DO CONFLITO ENTRE DOIS MODELOS DE PRODUO DE BENS E SERVIOS......................107Fbio Andr Guaragni

    9. A DEMOCRATIZAO DO MINISTRIO PBLICO COMO DESAFIO PARADIGMTICO....................................113Mrcio Soares BerclazJuliano Rodriguez Torres

    10. ACESSO JUSTIA E CENTRAL DE ATENDIMENTO DO MINISTRIO PBLICO.....................................123Mnica Louise De AzevedoSandra MancinoAlcides Santos Neto

    11. DESCONSIDERAO DA PERSONALIDADE JURDICA NO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E NO NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL.................................129Ciro Expedito Scheraiber Cristina Corso Ruaro

    12. MINISTRIO PBLICO RESOLUTIVO E DINAMIZAO DO NUS DA PROVA QUANTO CONDIO ECONMICO-

    FINANCEIRA DO DEVEDOR DE ALIMENTOS..............143Eduardo Cambi

    13. POSSIBILIDADES DE SOLUO EXTRAJUDICIAL DE CONFLITOS NA REA DA PROTEO AO PATRIMNIO PBLICO E DA TUTELA DA PROBIDADE ADMINISTRATIVA...............................................157Cludio Smirne DinizEduardo Cambi

    14. UMA LEITURA CONSTITUCIONAL DO CONCEITO DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL NA MODALIDADE DIFUSA.........................................171Andr Tiago Pasternak Glitz

    15. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL NA MODALIDADE CONCENTRADA: O ENFRENTAMENTO DO DESVIO DE CONDUTA POLICIAL COMO PRODUTO DA CULTURA ORGANIZACIONAL DAS INSTITUIES POLICIAIS.........................................................191Andr Tiago Pasternak Glitz

    16. A CONSUNO COMO CRITRIO RESOLUTIVO DO CONFLITO APARENTE DE NORMAS ENTRE OS DELITOS DE POSSE/PORTE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E RESTRITO.......................................211Andr Tiago Pasternak GlitzDonizete de Arruda Gordiano

    17. A PARTICIPAO DO INDICIADO/RU EM PROCEDIMENTO CIRCULAR RESTAURATIVO COMO CIRCUNSTNCIA ATENUANTE INOMINADA EM RESPEITO AO PRINCPIO CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAO DA PENA..............................229Marcelo Augusto Ribeiro

  • 6 7

    18. TRS DCADAS DA CONSTITUIO DE 1988 E O DESAFIO DE SE DEFINIR UM NOVO MODELO DE CONCURSO PBLICO PARA A SELEO DOS PROMOTORES DE JUSTIA DO SCULO XXI.............243Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini

    19. DAS CONSEQUNCIAS DO SILNCIO DO INVESTIGADO NA INVESTIGAO CVEL.................257Hugo Evo Magro Corra Urbanotalo Joo Chiodelli

    20. SEGURANA VIRIA NO ENTORNO DAS INSTITUI-ES DE ENSINO CONSTITUI DEVER PRIORITRIO DAS GUARDAS MUNICIPAIS........................................269Cssio Mattos Honorato

    21. DIRETRIZES PARA A CEDNCIA DE SERVIDORES PBLICOS ........................................................283Leonardo Dumke Busatto

    22. UMA DISCUSSO SOBRE OS CUIDADOS EM SADE MENTAL NA CENA CONTEMPORNEA: O DESCASO DE LONDRINA - PR.................................................297Paulo Cesar Vieira Tavares Marco Antonio da Rocha

    23. ATUAO DO MINISTRIO PBLICO ESTADUAL NA PROMOO E DEFESA DE DIREITOS DOS POVOS DE TER-REIRO*.............................................................315Paulo Csar Vieira TavaresMariana Seifert Bazzo

    24. PERDA DO CARGO DE MEMBRO DO MINISTRIO P-BLICO EM DECORRNCIA DA PRTICA DE CRIME E DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA................335Cludio Smirne Diniz

    25. A INOPONIBILIDADE DA GARANTIA DA INDEPEN-DNCIA FUNCIONAL S DIRETRIZES DO PLANEJAMEN-TO ESTRATGICO DO MINISTRIO PBLICO.............343Hirmnia Dorigan de Matos Diniz

    26. AUDINCIA PBLICA: INSTRUMENTO DE EFICI-NCIA E DE FORTALECIMENTO DA LEGITIMIDADE DA ATUAO DO MINISTRIO PBLICO.......................351Hirmnia Dorigan de Matos Diniz

    27.RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DECORRENTE DA NO OFERTA DE VAGA NO ENSINO OBRIGATRIO.....................................................357Hirmnia Dorigan de Matos Diniz

    28. AES POSSESSRIAS E CONFLITOS AGRRIOS COLETIVOS NA JUSTIA ESTADUAL: O PAPEL DA UNIO..............................................................365Olympio de S Sotto Maior NetoMariana Seifert BazzoJefferson de Oliveira Salles

    29. POSSIBILIDADE DE APLICAO DA SUSPENSO CONDICIONAL DO PROCESSO NOS DELITOS EM SITUA-O DE VIOLNCIA DOMSTICA E FAMILIAR E REVISO DE ENTENDIMENTO VINCULANTE DO SUPREMO TRIBU-NAL FEDERAL NA ADC N 19/DF..........................381Caroline Chiamulera

    30. DE OPERADOR DO DIREITO A GESTOR PBLICO REFLEXO SOBRE OS DESAFIOS DOS INTEGRANTES DO MINISTRIO PBLICO DIANTE DA ALTA DOSE DE IN-FORMAES, RESPONSABILIDADES E BUSCA POR RE-SOLUTIVIDADE..................................................401Murilo Cezar Soares e Silva

    31. SMART CITIES PMO.......................................411Priscila da Mata Cavalcante

  • 8 9

    32. ARTIGO 28 DA LEI 11.343/2006 NATUREZA JU-RDICA E CONSEQUNCIAS PROCESSUAIS...............429Suzane Maria Carvalho do Prado

    33. REFLETINDO SOBRE O ART. 244B, LEI 8069/1990 APURAO DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO E OU-VIDA DO INIMPUTVEL COAUTOR DO DELITO NO JUZO COMUM............................................................443Suzane Maria Carvalho do Prado

    34. PENA DE PRISO, DE BECCARIA A FOUCAULT, UM MAL NECESSRIO...............................................455Cludia Rodrigues de Morais Piovezan

    FOTOGRAFIAS

    ALESSANDRA FATIMA DE LARA ONISHI...................10VIVIANE WALERIA BAHIA DOS SANTOS...................26NLIO KOUJI ONISHI............................................40MRIO AUGUSTO JACEGUAY ZAMATARO..................56VANESSA MILENE DE SANTANA.............................72CARLA MORETTO MACCARINI...............................106ROBERTO PILOTTO..............................................156NLIO KOUJI ONISHI..........................................228TOMS EON BARREIROS......................................268CLARICE METZNER.............................................296VIVIANE WALERIA BAHIA DOS SANTOS..................314MRIO AUGUSTO JACEGUAY ZAMATARO................334CARLA MORETTO MACCARINI...............................350TOMS EON BARREIROS......................................364ALESSANDRA FATIMA DE LARA ONISHI...................381VANESSA MILENE DE SANTANA.............................428ROBERTO PILOTTO..............................................442CLARICE METZNER..............................................468

    APRESENTAOO Centro de Estudos e Aperfeioamento Funcional (CEAF) do Ministrio Pblico do Paran tem a honra de trazer a pblico o livro Trs dcadas da Constituio Federal de 1988: os novos desafios do Ministrio Pbli-co, com as 34 (trinta e quatro) teses apresentadas e aprovadas no Semi-nrio Estadual, realizado no auditrio da Procuradoria-Geral de Justia, em Curitiba, nos dias 22 e 23 de julho de 2017.

    O Seminrio Estadual de Teses teve o objetivo de fomentar discusses e reflexes crticas entre membros e servidores do MP-PR, preparando os integrantes da instituio para o XXII Congresso Nacional do Ministrio Pblico, ocorrido de 27 a 29 de setembro de 2017, em Belo Horizonte (MG), cujo tema central foi pensar a atuao do MP nos 30 (trinta) anos de vigncia da Constituio Federal de 1988.

    importante ressaltar que o Seminrio Estadual de Teses, de 2017, trou-xe diversas inovaes em relao aos anos anteriores, uma vez que: per-mitiu a participao dos servidores do MP-PR na condio de coautores; possibilitou consultas internas das teses por meio eletrnico, fazendo com que os interessados tivessem acesso ao seu contedo e pudessem fazer comentrios e sugestes; antes da apresentao da tese nos dias 22 e 23 de julho, foram formadas comisses temticas, com membros do MP-PR especialistas na matria, para que outras contribuies pudessem ser realizadas e o tesista tivesse oportunidade de rever seus posiciona-mentos ou incluir novos argumentos; todas as teses foram apresentadas em um nico auditrio, para ampliar o debate, bem como foi adotada a votao por meio eletrnico, com auxlio de aplicativo, aberta a todo o Estado por meio da internet.

    A obra est ilustrada com registros fotogrficos resultantes do Workshop O Centro Cvico atravs das lentes do MP, realizado pelo CEAF, no ms de maio de 2017, com a superviso do engenheiro de telecomunicaes, escritor e fotgrafo Washington Cesar Takeuchi.

    Agradeo a colaborao de todos os autores e fotgrafos, bem como a Associao Paranaense do Ministrio Pblico (APMP), a Associao dos Servidores do Ministrio Pblico do Estado do Paran (ASSEMP-PR) e a Fundao Escola do Ministrio Pblico do Paran (FEMPAR) que, ao apoiarem a publicao dessa obra, permitem que os integrantes do MP--PR exercitem o pensamento crtico, indispensvel ao aperfeioamento institucional e transformao social.

    Eduardo CambiPromotor de Justia

    Coordenador do Centro de Estudos e Aperfeioamento Funcional (CEAF)

  • 11A RESERVA LEGAL NA MATA ATLNTICA E A IN(SUSTENTABILIDADE) DA PRTICA DO MANEJO FLORESTAL10

    Alessandra Fatima de Lara OnishiAuxiliar Tcnica atuante no Centro de Estudos e Aperfeioamento

    Funcional - CEAF

    A RESERVA LEGAL NA MATA ATLNTICA E A IN(SUSTENTABILIDADE) DA PRTICA DO MANEJO FLORESTAL

    Alexandre Gaio1

    1. EXPOSIO

    O presente trabalho busca abordar, de um lado, os principais aspectos legais e ecolgicos do bioma Mata Atlntica, a sua situao atual frente ao risco de extino, continuidade do desmatamento e fragmenta-o dos ltimos remanescentes de vegetao e floresta e o regime jur-dico conferido ao bioma pela Lei Federal 11.428/2006, e, de outro lado, o tratamento atribudo Reserva Legal pela Lei Federal 12.651/2012 e a problemtica relacionada in(aplicabilidade) do manejo florestal em Reserva Legal situada no mbito de abrangncia do bioma Mata Atlntica em face da especialidade da Lei que dispe sobre a utilizao e proteo da vegetao nativa deste bioma.

    Isto porque embora a Lei Federal 12.651/2012 preveja no mbito na-cional mitigaes quanto obrigatoriedade de existncia de Reserva Legal nos imveis rurais e a ampla possibilidade de manejo florestal com enfoque comercial e utilizao de espcies exticas nesse espao ambiental protegido, a Lei Federal 11.428/2006, que possui aplicao somente no mbito de abrangncia do bioma Mata Atlntica, estabelece um regime mais rigoroso de proteo da vegetao nativa e hipteses excepcionalssimas para a realizao do manejo florestal.

    1.2. O bioma Mata Atlntica: importncia, risco de extino e prote-o jurdica

    Os levantamentos realizados h mais de uma dcada pelo INPE e SOS Mata Atlntica evidenciam que, mesmo com o histrico de destruio da Mata Atlntica a ferro e fogo e com toda a drstica diminuio de fauna e flora promovida em todos os ciclos econmicos por mais de quinhentos anos2, o desmatamento e a perda da biodiversidade 1 Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paran - UFPR. Espe-cialista em Direito Pblico pela Universidade Federal do Paran - UFPR. Mestre em Direito Econmico e Socioambiental pela Pontifcia Universidade Catlica do Paran - PUC/PR. Promotor de Justia no Ministrio Pblico do Estado do Paran desde o ano de 2003, atualmente em exerccio no Centro de Apoio Operacional s Promotorias de Proteo ao Meio Ambiente, Habitao e Urbanismo (CAOPMAHU).2 DEAN, Warren. A ferro e fogo: a histria da devastao da Mata Atln-

  • Seminrio Estadual do Ministrio Pblico do Estado do ParanTrs dcadas da Constituio Federal de 1988: os novos desafios do Ministrio Pblico12 13

    A RESERVA LEGAL NA MATA ATLNTICA E A IN(SUSTENTABILIDADE) DA PRTICA DO MANEJO FLORESTAL

    persistem em grandes escalas at os dias atuais e, ainda, sem nenhum indicativo de que a sanha das atividades econmicas e outras atividades degradadoras sejam restringidas ao menos para estancar a cessar a perda e diminuio gradativa dos remanescentes deste bioma.

    No meio rural, o agronegcio, a pecuria extensiva, a silvicultura e a implantao de centrais de produo hidreltricas vm, de modo inces-sante, captando novas reas para produo em substituio aos rema-nescentes da Mata Atlntica. Nas zonas urbanas, no h como se olvidar que a maior parte da populao brasileira se encontra nas reas de domnio da Mata Atlntica e que h forte presso no somente para a expanso urbana, mas tambm a existncia de diversos interesses eco-nmicos (comerciais, industriais, imobilirios e tursticos) que preten-dem a supresso de seus remanescentes de vegetao ainda preservados ou em fase de recuperao3.

    De fato, em levantamentos dos remanescentes de Mata Atlntica do Brasil realizado em conjunto pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espa-ciais (INPE) e pela Fundao SOS Mata Atlntica, tendo como referncia temporal os ltimos anos, constatou-se que h uma impressionante continuidade do processo de desmatamento da Mata Atlntica4, nada obstante a indicao de praticamente inexistncia de remanescentes em bom estado de conservao em alguns dos seus compartimentos.

    No obstante o porcentual de reas de remanescentes de vegetao de Mata Atlntica5 no Brasil seja mnimo (aproximadamente oito por cento tica brasileira. Traduo de Cid Knipel Moreira. So Paulo: Companhia das Letras, 1996.3 GAIO, Alexandre. Lei da Mata Atlntica Comentada. So Paulo: Editora Almedina, 2014. p. 41-49.4 Conforme os referidos levantamentos, no perodo de 2011-2012 houve o desmatamento de 23.548 hectares; no perodo de 2012-2013 houve o desmatamento de 23.948 hectares; no perodo de 2013-2014 houve o desmatamento de 18.627 hectares; e no perodo de 2014-2015 houve o desmatamento de 18.433 hectares. (FUNDAO SOS MATA ATLNTICA; INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS (INPE). Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlntica.5 A Lei Federal 11.428/2006 e o seu Decreto regulamentador 6.660/2008 (artigo 1) definiram a rea de abrangncia do bioma Mata Atlntica, de modo a contemplar as seguintes configuraes de formaes florestais nativas e ecossistemas associados: Floresta Ombrfila Densa; Floresta Ombrfila Mista, tambm denominada de Mata de Araucrias; Floresta Ombrfila Aberta; Floresta Estacional Semidecidu-al; Floresta Estacional Decidual; campos de altitude; reas das formaes pioneiras, conhecidas como manguezais, restingas, campos salinos e reas aluviais; refgios vegetacionais; reas de tenso ecolgica; brejos interioranos e encraves florestais, representados por disjunes de Floresta Ombrfila Densa, Floresta Ombrfila Aberta, Floresta Estacional Semidecidual e Floresta Estacional Decidual; reas de estepe, sa-vana e savana-estpica; e vegetao nativa das ilhas costeiras e ocenicas.

    da cobertura original), esse mnimo imprescindvel para a manuten-o de significativa biodiversidade no planeta e para a qualidade de vida e da prpria vida da maior parte da populao brasileira6.

    A Constituio da Repblica, alm de prescrever o dever genrico de defesa e preservao do meio ambiente7 e a observncia dos princpios que estatuem a primariedade do meio ambiente e a explorao limitada da propriedade8, atribuiu diversas obrigaes positivas sociedade e ao Poder Pblico, dentre elas: a) o dever de proteger os espaos territo-riais9 e seus componentes, tais como a Mata Atlntica10; b) a observn-cia da vedao de qualquer utilizao do bioma Mata Atlntica (espao territorial especialmente protegido) que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteo11; c) o dever de promover a restaurao dos seus processos ecolgicos essenciais e de prover o ma-nejo ecolgico das espcies e ecossistemas12; d) o dever de preservar a diversidade e integridade do patrimnio gentico do Pas13; e) o dever de exigir estudo de impacto ambiental para implantao de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradao am-biental14; f) e o dever de proteger a fauna e a flora, vedando-se as prticas que coloquem em risco sua funo ecolgica, que provoquem a extino das espcies ou que submetam os animais a crueldade15.

    6 Segundo estudo do IBGE, realizado em 2009, sobre o Mapa da rea de Apli-cao da Lei Federal 11.428/2006, cerca de 123 milhes de pessoas vivem em 3.410 municpios, na delimitao da Mata Atlntica. (Disponvel em: ).7 Artigo 225, caput.8 Artigos 170, VI, 182, 2, e 186.9 Na definio de Jos Afonso da Silva, espaos territoriais especialmente protegidos so: reas geogrficas pblicas ou privadas (poro de territrio nacio-nal) dotadas de atributos ambientais que requeiram sua sujeio, pela lei, a um regime jurdico de interesse pblico que implique sua relativa imodificabilidade e sua utilizao sustentada, tendo em vista a preservao e proteo da integridade de amostras de toda a diversidade de ecossistemas, a proteo do processo evolutivo das espcies, a preservao e proteo dos recursos naturais.(SILVA, Jos Afonso da. Direito ambiental constitucional, p. 230.)10 A noo constitucional de espaos territoriais protegidos abrange no so-mente as unidades de conservao, mas tambm as reas de preservao permanente, a reserva legal, as reservas da biosfera e biomas como a Floresta Amaznica, a Mata Atlntica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira, previstos no art. 225, 4.o, da CF/88. (SANTILLI, Juliana. A lei 9.985/2000, que instituiu o sistema nacional de unidades de conservao da natureza (SNUC): uma abordagem socioambiental. Revista de Direito ambiental, So Paulo, n.40, p.83, 2005.)11 Artigo 225, 1, III.12 Artigo 225, 1, I.13 Artigo 225, 1, II.14 Artigo 225, 1, IV.15 Artigo 225, 1.o, VII.

    www.ibge.gov.br

  • Seminrio Estadual do Ministrio Pblico do Estado do ParanTrs dcadas da Constituio Federal de 1988: os novos desafios do Ministrio Pblico14 15

    A RESERVA LEGAL NA MATA ATLNTICA E A IN(SUSTENTABILIDADE) DA PRTICA DO MANEJO FLORESTAL

    O dever de proteo da Mata Atlntica corroborado frente ao disposto no artigo 225, 4., da Constituio da Repblica, que atribui Mata Atlntica o status de patrimnio nacional e determinou que a sua utilizao apenas pode ocorrer, na forma da lei, dentro de condies que assegurem a preservao do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

    Aps a vigncia do Decreto Federal 99.547/90 e do Decreto Federal 750/93, que trataram do tema pelo perodo de dezesseis anos, editou--se a Lei Federal 11.428/2006, que dispe sobre a utilizao e proteo da vegetao nativa do bioma Mata Atlntica.

    A Lei Federal 11.428/2006, editada com um formato analtico, colacio-nou princpios e objetivos em relao ao regime jurdico do bioma Mata Atlntica. Percebe-se facilmente que o propsito principiolgico da Lei Federal 11.428/2006 de conseguir, no mnimo, manter o estado de vida da Mata Atlntica atualmente existente s futuras geraes. Essa concluso confirmada integralmente no primeiro objetivo estampado no artigo 7., inciso I, da Lei Federal 11.428/2006, qual seja o de que a proteo e utilizao da Mata Atlntica deve ser realizada do modo a garantir a manuteno e a recuperao da biodiversidade, vegetao, fauna e regime hdrico do Bioma Mata Atlntica para as presentes e futuras geraes. Importante notar que o objetivo dessa lei no se restringe manuteno da biodiversidade, vegetao, fauna e regime hdrico da Mata Atlntica, mas tambm sua recuperao, o que evidencia um dever de avano e melhoria da condio ambiental desse bioma e no de retrocesso.

    Na seara do regime jurdico do bioma Mata Atlntica, a explorao e cor-te de vegetao primria e secundria nos estgios mdio e avanado de regenerao do bioma Mata Atlntica apenas permitida, em regra e de acordo com diversos pressupostos e condies, nos casos de uti-lidade pblica e interesse social previstos na Lei Federal 11.428/2006.

    1.3. A Reserva Legal na Lei Federal 12.651/2012 e a previso do manejo florestal.

    A Reserva Legal, tambm considerada um espao territorial especial-mente protegido, nos termos do artigo 225, 1, III, da Constituio da Repblica, definida pela Lei Federal 12.651/2012, como a:

    rea localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, deli-mitada nos termos do art. 12, com a funo de assegurar o uso eco-nmico de modo sustentvel dos recursos naturais do imvel rural, auxiliar a conservao e a reabilitao dos processos ecolgicos e

    promover a conservao da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteo de fauna silvestre e da flora nativa;16

    Criou-se a Reserva Legal com o intuito de proteger uma quota mnima de cobertura de vegetao ou floresta nativa em cada propriedade e, por conseqncia, assegurar a sustentabilidade ambiental da proprie-dade de acordo com a sua funo social e a preservao de um mnimo existencial de equilbrio ecolgico e de biodiversidade. Consoante ex-plica Antnio Herman Benjamin, a Reserva Legal

    encontra, de um lado, como fundamento constitucional, a funo scio-ambiental da propriedade, e do outro, como motor subjetivo preponderante, as geraes futuras; no plano ecolgico (sua razo material), justifica-se pela proteo da biodiversidade () se no preservado esse mnimo ambiental constitucional, no confere ao administrado os benefcios da segurana decorrentes do ajustamen-to perfeito ao ordenamento maior, j que, por vcio insanvel, refuta o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado17.

    A Lei Federal 12.651/2012 possui diversos dispositivos eivados de in-constitucionalidade material, conforme Aes Diretas de Inconstitu-cionalidade 4901, 4902 e 4903 ajuizadas pela Procuradoria-Geral da Repblica e em trmite no Supremo Tribunal Federal, no se podendo olvidar que a revogao da Lei Federal 4.771/65 importou em significa-tivo retrocesso ambiental e em frontal leso ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, inclusive no que concerne ao tratamento da Reserva Legal.

    Entende-se que h um claro posicionamento institucional do Ministrio Pblico em mbito nacional em relao maioria dos dispositivos ques-tionados nas referidas Aes Diretas de Inconstitucionalidade, normal-mente exteriorizado por meio do controle difuso de constitucionalidade, mas tambm reforado pelo questionamento de legislaes florestais estaduais pelos Ministrios Pblicos dos Estados por meio do controle concentrado, como o caso da recente ao direta de inconstituciona-lidade ajuizada pelo Ministrio Pblico do Estado de So Paulo.

    Um dos exemplos desses retrocessos o artigo 67 da Lei Federal 12.651/2012, que prev a dispensa da recomposio integral da Re-serva Legal em propriedades rurais com rea de at quatro mdulos fiscais, que no Estado do Paran chega a proporo de aproximadamen-te oitenta e cinco por cento das propriedades. Veja-se que a aplicao 16 Artigo 3, III, da Lei Federal 12.651/2012. A mesma Lei indica a delimita-o e o regime da Reserva Legal nos seus artigos 12 a 24.17 BENJAMIN, Antnio Herman V. Reflexes sobre a hipertrofia do direito de propriedade na tutela da reserva legal e das reas de preservao permanente. Revista de Direito Ambiental, n. 4. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 57-59.

  • Seminrio Estadual do Ministrio Pblico do Estado do ParanTrs dcadas da Constituio Federal de 1988: os novos desafios do Ministrio Pblico16 17

    A RESERVA LEGAL NA MATA ATLNTICA E A IN(SUSTENTABILIDADE) DA PRTICA DO MANEJO FLORESTAL

    do referido dispositivo da Lei Federal 12.651/2012 significaria aceitar a no recomposio de milhes de hectares de vegetao em Reserva Legal situada no bioma Mata Atlntica. Importante perceber, ainda, que o dispositivo legal em referncia permite a instituio da Reserva Legal de 1% ou 0,5% da extenso da propriedade com remanescente florestal, o que no se distancia muito da situao de ausncia absoluta de remanescente.

    Independentemente dos dispositivos da Lei Federal 12.651/2012 que afrontam a Constituio da Repblica e promovem o retrocesso na pro-teo ambiental, importante perceber que a aludida legislao prev expressamente a possibilidade de manejo florestal18 da vegetao da Reserva Legal no seu artigo 1719, seja com o propsito de consumo na propriedade, seja como o propsito comercial, conforme modalidades descritas no seu artigo 2020.

    O manejo florestal com propsito comercial pode inclusive incluir esp-cies exticas (frutferas, ornamentais ou industriais) de modo interca-lado ou consorciado com espcies florestais nativas em at cinquenta por cento da rea, na forma dos artigos 22, 54 e 66 da Lei Federal 12.651/201221, o que reitera e amplia a possibilidade anteriormente 18 Manejo Florestal Sustentvel a administrao da floresta para obteno de benefcios econmicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentao do ecossistema objeto do manejo e considerando-se, cumulativa ou al-ternativamente, a utilizao de mltiplas espcies madeireiras, de mltiplos produtos e subprodutos no-madeireiros, bem como a utilizao de outros bens e servios florestais. Disponvel em: Acesso em: 27.3.2017.19 Art. 17. A Reserva Legal deve ser conservada com cobertura de vegetao nativa pelo proprietrio do imvel rural, possuidor ou ocupante a qualquer ttulo, pessoa fsica ou jurdica, de direito pblico ou privado. 1o Admite-se a explorao econmica da Reserva Legal mediante manejo sustentvel, previamente aprovado pelo rgo competente do Sisnama, de acordo com as modalidades previstas no art. 20.20 Art. 20. No manejo sustentvel da vegetao florestal da Reserva Legal, sero adotadas prticas de explorao seletiva nas modalidades de manejo sustent-vel sem propsito comercial para consumo na propriedade e manejo sustentvel para explorao florestal com propsito comercial.21 Art. 22. O manejo florestal sustentvel da vegetao da Reserva Legal com propsito comercial depende de autorizao do rgo competente e dever atender as seguintes diretrizes e orientaes: I - no descaracterizar a cobertura vegetal e no prejudicar a conservao da vegetao nativa da rea; II - assegurar a manuteno da diversidade das espcies; III - conduzir o manejo de espcies exticas com a adoo de medidas que favoream a regenerao de espcies nativas. () Art. 54. Para cum-primento da manuteno da rea de reserva legal nos imveis a que se refere o inciso V do art. 3o, podero ser computados os plantios de rvores frutferas, ornamentais ou industriais, compostos por espcies exticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consrcio com espcies nativas da regio em sistemas agroflorestais. () Art.

    prevista na Lei Federal 4.771/65 para a prtica de explorao comercial sem a manuteno do mnimo de biodiversidade e para a descaracteri-zao da essncia da Reserva Legal. Em adio a isso, o manejo florestal eventual para consumo no imvel sem propsito comercial, independe de autorizao dos rgos competentes, devendo apenas ser declarados previamente ao rgo ambiental a motivao da explorao e o volume explorado, limitada a explorao anual a 20 (vinte) metros cbicos22.

    1.4. A in(aplicabilidade) do manejo florestal em Reserva Legal situada no mbito de abrangncia do bioma Mata Atlntica

    A Lei Federal 11.428/2006 colaciona a definio de explorao susten-tvel como a explorao do ambiente de maneira a garantir a pereni-dade dos recursos ambientais renovveis e dos processos ecolgicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecolgicos, de forma socialmente justa e economicamente vivel23, e ainda considera como de interesse social as atividades de manejo agroflorestal sustentvel praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar que no des-caracterizem a cobertura vegetal e no prejudiquem a funo ambiental da rea24.

    A mesma Lei define quais so os requisitos para a caracterizao de pequeno produtor rural em seu artigo 3, inciso I, quais sejam uma pro-priedade rural com extenso no superior a cinquenta hectares25, soma-do ao preenchimento dos seguintes requisitos: a) a sua residncia deve se localizar no prprio imvel rural; b) a explorao desse imvel rural deve ocorrer mediante o trabalho pessoal do proprietrio ou posseiro e de sua famlia; c) admite-se a eventual ajuda de terceiros, o que no se coaduna, por exemplo, com funcionrios contratados para trabalho fixo; d) a renda bruta deve ser originria, em ao menos 80% (oitenta por cento), de atividades ou usos agrcolas, pecurios ou silviculturais

    66. () 3o A recomposio de que trata o inciso I do caput poder ser realizada mediante o plantio intercalado de espcies nativas com exticas ou frutferas, em sistema agroflorestal, observados os seguintes parmetros: I - o plantio de espcies exticas dever ser combinado com as espcies nativas de ocorrncia regional; II - a rea recomposta com espcies exticas no poder exceder a 50% (cinquenta por cento) da rea total a ser recuperada.22 Artigo 23 da Lei Federal 11.428/2006.23 Artigo 3o, inciso V.24 Artigo 3o, VIII, b.25 Em adio a isso, o artigo 47, constante das disposies finais da Lei n. 11.428/2006, impe mais uma condio no fator tamanho da propriedade, qual seja: somente sero consideradas as propriedades rurais com rea de at cinquenta hecta-res, registradas em cartrio at a data de incio de vigncia desta Lei, ressalvados os casos de fracionamento por transmisso causa mortis.

    http://www.mma.gov.br/florestas/manejo-florestal-sustentvelhttp://www.mma.gov.br/florestas/manejo-florestal-sustentvel

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    ou do extrativismo rural26.

    As hipteses vedadas e permissveis tanto do manejo florestal quanto de corte ou supresso de vegetao do bioma Mata Atlntica so tra-tadas de modo diferenciado pela Lei Federal 11.428/2006 consoante o tipo de vegetao e seus estgios de sucesso e regenerao e a finali-dade da interveno, dentre outros fatores.

    No tocante discusso do manejo florestal no bioma Mata Atlntica tendo como trao diferenciador os estgios de sucesso, no se vis-lumbra possibilidade de controvrsia quanto impossibilidade desta prtica em vegetao primria e secundria em estgio avanado de regenerao27, nos termos dos artigos 1428, 2029 e 2130 da Lei Federal 11.428/2006.

    A discusso, portanto, centraliza-se em relao (in)viabilidade de ma-nejo florestal nos remanescentes de vegetao secundria nos estgios mdio e inicial de regenerao do bioma Mata Atlntica, isso porque a Lei Federal 11.428/2006 prev a possibilidade legal em seus artigos 23 e 25 de autorizao emitida pelo rgo pblico ambiental competente para a

    26 Na mencionada definio de pequeno produtor rural ainda se enquadram as posses coletivas de terra considerando-se a frao individual no superior a cinquen-ta hectares.27 O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), por meio da sua Resolu-o n.o 10, de 1. de outubro de 1993, trouxe as importantes definies de vegetao primria, vegetao secundria e seus estgios de regenerao, e, nos anos seguintes, editou Resolues para detalhar os parmetros da vegetao primria e secundria da Mata Atlntica nos Estados da Federao (Resolues do CONAMA n.o 01/94 (So Paulo), 02/94 (Paran), 04/94 (Santa Catarina), 05/94 (Bahia), 06/94 (Rio de Janei-ro), 25/94 (Cear), 26/94 (Piau), 28/94 (Alagoas), 29/94 (Esprito Santo), 30/94 (Mato Grosso do Sul), 31/94 (Pernambuco), 32/94 (Rio Grande do Norte), 33/94 (Rio Grande do Sul), 34/94 (Sergipe) e 391/2007 (Paraba).28 Art. 14. A supresso de vegetao primria e secundria no estgio avana-do de regenerao somente poder ser autorizada em caso de utilidade pblica, sendo que a vegetao secundria em estgio mdio de regenerao poder ser suprimida nos casos de utilidade pblica e interesse social, em todos os casos devidamente ca-racterizados e motivados em procedimento administrativo prprio, quando inexistir alternativa tcnica e locacional ao empreendimento proposto, ressalvado o disposto no inciso I do art. 30 e nos 1o e 2o do art. 31 desta Lei.29 Art. 20. O corte e a supresso da vegetao primria do Bioma Mata Atln-tica somente sero autorizados em carter excepcional, quando necessrios reali-zao de obras, projetos ou atividades de utilidade pblica, pesquisas cientficas e prticas preservacionistas.30 Art. 21. O corte, a supresso e a explorao da vegetao secundria em estgio avanado de regenerao do Bioma Mata Atlntica somente sero autoriza-dos: I - em carter excepcional, quando necessrios execuo de obras, atividades ou projetos de utilidade pblica, pesquisa cientfica e II - (VETADO)III - nos casos previstos no inciso I do art. 30 desta Lei.

    explorao destes remanescentes florestais em formato de manejo.

    De fato, o artigo 23 da Lei Federal 11.428/2006 prev a possibilidade de explorao da vegetao secundria em estgio mdio de regenerao que no abranja reas de Preservao Permanente, quando necessrios ao pequeno produtor rural e populaes tradicionais para o exerccio de atividades ou usos agrcolas, pecurios ou silviculturais imprescindveis sua subsistncia e de sua famlia, assim como o artigo 25 da mes-ma Lei permite essa prtica, de modo mais amplo e sem as restries apontadas, em vegetao secundria em estgio inicial de regenerao.

    No entanto, a prpria Lei Federal 11.428/2006 determina, em seu arti-go 11, inciso I, alnea a, a vedao do corte de vegetao secundria em estgio mdio de regenerao quando a vegetao abrigar espcies da flora e da fauna silvestres ameaadas de extino, e a interveno puser em risco a sobrevivncia dessas espcies, assim como o Decreto Federal 6.660/200831 que a regulamenta tambm prev possibilidade de permisso para a prtica do manejo florestal somente s hipteses em que no h a incidncia das referidas espcies.

    Em adio a isso, a Portaria n 443 do Ministrio do Meio Ambiente (MMA), de 17 de dezembro de 2014, proibiu, sem excees32, o manejo de diversas espcies da flora ameaadas no bioma Mata Atlntica em remanescentes florestais. Desta forma, ainda que de modo no absolu-to, a referida Portaria corrobora a inviabilidade da prtica de manejo florestal na Mata Atlntica, ou, no mnimo, conduz interpretao de que qualquer pretenso manejo florestal, ainda que no envolva o corte de qualquer espcie florestal ameaada ou vulnervel no bioma Mata Atlntica, teria que demonstrar a ausncia de impactos negativos ao ecossistema do qual dependem as espcies ameaadas, relembrando-se que estas tm as suas sobrevivncias dependentes da interao com-plexa com as demais espcies que habitam os remanescentes florestais.

    No Estado do Paran, a experincia de manejo florestal aprovado pelo Poder Pblico em Mata Atlntica, em especial no compartimento da loresta Ombrfila Mista, mais conhecida como Mata das Araucrias, ajudou a praticamente eliminar os seus remanescentes, que atualmente se encontram em menos de 0,8% em bom estado de conservao33. De outro lado, ainda que fosse possvel estudarmos mecanismos efetivos 31 Artigos 2, pargrafo 5; 6, I; 13, I; e 36, IV.32 Entende-se que no se aplica a exceo dos 1 e 2 do artigo 2 da refe-rida Portaria aos remanescentes florestais, mas to somente aos plantios comerciais licenciados em reas degradadas.33 Dados levantados pela FUPEF/MMA no ano de 2001, devendo-se considerar a notria continuidade de desmatamento na referida regio nos ltimos quinze anos.

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    de um manejo florestal no espoliativo ou degradador e com rigoroso controle do Poder Pblico, o estado de risco de sobrevivncia da Mata Atlntica e de centenas de espcies da fauna e da floresta ameaadas de extino ou em situao de vulnerabilidade tambm no nos permite, ao menos por ora, trilhar esse caminho. A partir deste panorama, urge tambm invocar os princpios da preveno e precauo, inclusive no mbito da Lei da Poltica Nacional das Mudanas do Clima34.

    Relevante tambm destacar que no h estudos ambientais aprofun-dados que demonstrem quais os resultados do manejo florestal quanto conservao de biodiversidade levando em considerao a atual si-tuao do bioma Mata Atlntica no Brasil, que se encontra reduzido a nfimas pores e ainda em estado fragmentado e sob contnuo, atual e ininterrupto processo de desmatamento e diminuio dos seus rema-nescentes. Reitera-se que, em relao a alguns dos compartimentos do bioma Mata Atlntica, j houve praticamente a sua extino total, como o caso da Floresta Ombrfila Mista.

    Veja-se que mesmo no mbito da Floresta Amaznica, onde ainda temos uma extenso bastante superior de remanescentes florestais em rela-o ao bioma Mata Atlntica, recentes estudos tm demonstrado que o manejo florestal produz importantes impactos para a reduo da biodi-versidade, ainda que esta se situe em remanescentes florestais vizinhos no explorados35. O que se dizer ento da explorao dos ltimos e 34 Essa preocupao foi recentemente externada pelo Ministrio Pblico do Es-tado do Paran na Recomendao Administrativa n 004/2016 ao Conselho Estadual do Meio Ambiente do Paran para que qualquer pretenso ato normativo que disponha sobre o plantio florestal, explorao, manejo ou corte da espcie Araucria Angus-tifolia plantada preveja expressamente a vedao dessa prtica nos remanescentes florestais existentes no Estado do Paran.35 No estudo de doutorado Efeitos do manejo florestal na estrutura da avifau-na na floresta Amaznica de Paragominas (Par), o bilogo Miguel ngel Quimbayo Cardona avaliou o manejo e mudanas na estrutura da avifauna na floresta Ama-znica de Paragominas, no Par. Foram registradas 235 espcies de aves nas reas de manejo florestal. As informaes coletadas mostram que a Pseudastur albicollis, Gavio branco, foi contemplado pela pesquisa resposta da comunidade de aves a esses fatores de modificao da estrutura foi imediata, diz o pesquisador. Cardona afirma que a rea de manejo florestal com maior riqueza de espcies e abundncia de grupos funcionais foi a rea explorada em 2000, contraste evidenciado com a rea no explorada, que teve a menor riqueza e abundncias de grupos funcionais. Esta rea parece ter essa caracterstica em acolher as espcies devido ao fato de no ter muitos limites com outras reas de explorao e limita ao sul com a floresta matriz, que envolve a rea de manejo florestal Rio Capim, tendo mais capacidade de suporte para as espcies afetadas pelas atividades de manejo florestal, explica. O trabalho mostrou que as espcies do interior da floresta, que requerem cavidades de rvores para ninho, e os grupos funcionais insetvoros, insetvoros de sub-bosque e nectarvoros-insetvoros de sub-bosque foram os mais afetados pelo manejo florestal,

    pequenos fragmentos de remanescentes de vegetao de Mata Atlntica secundria em estgio inicial e mdio de regenerao, que claramente so mais frgeis e ainda em processo de formao?

    Frente s disposies da Lei Federal 12.651/2012, que conferem regi-me de utilizao da Reserva Legal em mbito nacional sob parmetros menos protetivos ao meio ambiente, chama-se a ateno de que Lei Federal 11.428/2006 define de modo especial e diferenciado a con-servao, a proteo, a regenerao e a utilizao da rea especfica de abrangncia do bioma Mata Atlntica. Desta forma, a aplicao das normas sobre a Reserva Legal e a tcnica de manejo florestal no mbito do bioma Mata Atlntica possui (ou deve possuir) contornos prprios e distintos trazidos pela prpria Lei Federal 11.428/2006, e portanto dotados de critrios de proteo mais rgidos.

    Uma vez que a Lei Federal 12.651/2012, embora posterior, no revo-gou36 a Lei Federal 11.428/2006, a qual igualmente lei ordinria, e que esta mais especfica em relao quela, inclusive com tipo penal prprio na Lei de Crimes Ambientais37, o critrio da especialidade que deve ser aplicado.

    Veja-se que a Lei Federal 11.428/2006 atende a comando especfico da Constituio da Repblica, qual seja o artigo 225, pargrafo 4, que declara a Mata Atlntica como patrimnio nacional e determina que a sua utilizao e proteo se deve dar na forma prevista em lei, que atualmente a Lei da Mata Atlntica. Ademais, o artigo 1o da Lei Federal 11.428/2006 corrobora a sua especialidade e sua relao de complementariedade com a Lei Federal 12.651/2012 (que revogou a Lei

    especialmente na rea no explorada que teve atividades de pr-explorao e a rea explorada em 2003 que foi afetada por distrbios naturais antes da amostragem de campo. A resposta a esse distrbio natural por parte da comunidade de aves na rea explorada em 2003 foi similar rea no explorada. Ou seja, o comportamento da avifauna tem um padro semelhante quando acontecem fatores de modificao an-trpicos ou distrbios naturais, conclui. O estudo, orientado pela professora Teresa Cristina Magro, do Departamento de Cincias Florestais (LCF), avaliou a comunidade, a riqueza e a abundncia de espcies e de grupos funcionais de aves na Amaznia. Mediante observaes diretas e identificaes auditivas em pontos fixos, foi amostra-da a avifauna em seis reas de manejo florestal, sendo cinco exploradas em diferentes anos, 1997, 2000, 2003, 2006 e 2009, e uma no explorada. As amostragens de campo foram desenvolvidas nas temporadas de seca e chuva. Impactos do manejo florestal na vida das aves na Amaznia. Disponvel em: Acesso em 27.03.2017.36 Ao contrrio, no seu artigo 81 alterou a redao do artigo 35 da Lei Federal 11.428/2006. 37 Artigo 38-A da Lei Federal 9.605/98.

    https://observatorio-eco.jusbrasil.com.br/noticias/100207157/impactos-do-manejo-florestal-na-vida-das-aves-na-amazoniahttps://observatorio-eco.jusbrasil.com.br/noticias/100207157/impactos-do-manejo-florestal-na-vida-das-aves-na-amazoniahttps://observatorio-eco.jusbrasil.com.br/noticias/100207157/impactos-do-manejo-florestal-na-vida-das-aves-na-amazonia

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    Federal 4.771/65) ao estabelecer que a conservao, a proteo, a re-generao e a utilizao do Bioma Mata Atlntica, patrimnio nacional, observaro o que estabelece esta Lei, bem como a legislao ambiental vigente, em especial a Lei n 4.771, de 15 de setembro de 1965.

    Sobre a necessria adoo das normas especializantes do bioma Mata Atlntica na ordem jurdica florestal, sempre sob o enfoque de respeito Constituio da Repblica, veja-se a Jurisprudncia do Superior Tri-bunal de Justia:

    A ordem jurdica florestal, no cotejo com a ordem jurdica ambiental , to s uma entre vrias que no corpo desta se alojam, prisioneira aquela de inescapvel vocao de unidade e coexistncia harmnica com os microssistemas-irmos elementares e temticos (faunstico, hdrico, climtico, de Unidades de Conservao, da Mata Atlntica), tudo em posio de subservincia aos domnios da norma constitu-cional e da nave-me legislativa ambiental a Lei da Poltica Na-cional do Meio Ambiente , que a eles todos se sobrepem e contra eles todos prevalecem. Dispensvel, nesse diapaso, advertir que a possibilidade de conflito somente se coloca entre duas normas que se encontrem, hierarquicamente, em p de igualdade38.

    Em relao ao tema manejo florestal e espcies exticas, a Lei Federal 11.428/2006 deve ser interpretada em conformidade com a Constitui-o da Repblica39 e com a Conveno sobre Diversidade Biolgica40, que estabelece a responsabilidade de cada um dos Estados em promover a proteo da biodiversidade preferencialmente in situ e, ainda, com a adoo de medidas de combate s espcies exticas41. De fato, a inser-38 PET no REsp 1240122/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TUR-MA, julgado em 02/10/2012, DJe 19/12/2012.39 Art. 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv- lo para as presentes e futuras geraes. 1 Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Pblico: () II - preservar a diversidade e a integridade do patrimnio gentico do Pas e fiscalizar as entidades dedicadas pesquisa e manipulao de material gentico; () VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as prticas que coloquem em risco sua funo ecolgica, provoquem a extino de espcies ou submetam os animais a crueldade. (...)40 Artigo 8 - Conservao In situ - Cada Parte Contratante deve, na medida do possvel e conforme o caso: a) Estabelecer um sistema de reas protegidas ou reas onde medidas especiais precisem ser tomadas para conservar a diversidade biolgica, (...) d) Promover a proteo de ecossistemas, habitats naturais e manu-teno de populaes viveis de espcies em seu meio natural, (...) h) Impedir que se introduzam, controlar ou erradicar espcies exticas que ameacem os ecossistemas, habitats ou espcies, (...) 41 Ademais, h centenas de estudos que demonstram o impacto da invaso biolgica na biodiversidade da Mata Atlntica, o que, no mnimo, obriga-nos a apli-car o princpio da precauo. A ttulo de exemplo: SAMPAIO, A. B.; SCHMIDT, I. B.

    o de espcies exticas geram a invaso biolgica, a qual , segundo a Conveno sobre Diversidade Biolgica, uma das causas centrais para a perda da biodiversidade nos ecossistemas.

    Alis, a prpria Lei Federal 11.428/2006 evidencia a necessidade de controle e combate s espcies exticas, tanto que prev como prtica preservacionista a atividade tcnica e cientificamente fundamentada, imprescindvel proteo da integridade da vegetao nativa, tal como controle de fogo, eroso, espcies exticas e invasoras42. Essa preocupao se repete na aludida Lei, pois ao tratar da coleta de subprodutos florestais e uso indireto do bioma Mata Atlntica43, o artigo 29, inciso V, do Decreto Federal 6.660/2008, veda a introduo de espcies vegetais exticas44.

    Se em qualquer remanescente de vegetao do bioma Mata Atlntica j h clara preocupao quanto aos impactos negativos da insero de . Espcies Exticas Invasoras em Unidades de Conservao Federais do Brasil. Bio-diversidade Brasileira, v. 3, p. 32-49, 2013; FABRICANTE, Juliano Ricardo;ARAUJO, Kelianne Carolina Targino de; ANDRADE, Leonaldo Alves de;andFERREIRA, Jssi-ca Viviane Amorim.Invaso biolgica deArtocarpus heterophyllusLam.(Mora-ceae) em um fragmento de Mata Atlntica no Nordeste do Brasil: impactos sobre a fitodiversidade e os solos dos stios invadidos.Acta Bot. Bras.[online]. 2012, vol.26, n.2, pp.399-407. ISSN 0102-3306. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-33062012000200015; Catharino, E.L.M. & Silva, V.S. 2007. Anlise preliminar da con-taminao biolgica para manejo e conservao de trs Unidades de Conservao da regio metropolitana de So Paulo. In: Barbosa, L.M. & Santos-Junior, N.A. (Orgs.). A botnica no Brasil: pesquisa, ensino e polticas pblicas ambientais. So Paulo: Sociedade Botnica do Brasil, p. 400-405; Ziller, S.R. & Dechoum, M.S. 2007. Degra-dao ambiental causada por plantas exticas invasoras e solues para o manejo em Unidades de Conservao de Proteo Integral. In: Barbosa, L.M. & Santos-Junior, N.A. (Orgs.). A botnica no Brasil: pesquisa, ensino e polticas pblicas ambientais. So Paulo: Sociedade Botnica do Brasil, p. 356-360; MACHADO, D. N. S.;BARROS, A. A. M.. Invaso biolgica na Mata Atlntica como resultado do processo histrico de ocupao no Morro das Andorinhas, Niteri (RJ).. In: 2 Simpsio Internacional de Histria Ambiental e Migraes., 2012, Florianpolis, SC. 2 LABIMHA - Simpsio Internacional de Histria Ambiental e Migraes., 2012. p. 29-50. 42 Artigo 3, IV.43 Art. 18. No Bioma Mata Atlntica, livre a coleta de subprodutos florestais tais como frutos, folhas ou sementes, bem como as atividades de uso indireto, desde que no coloquem em risco as espcies da fauna e flora, observando-se as limitaes legais especficas e em particular as relativas ao acesso ao patrimnio gentico, proteo e ao acesso ao conhecimento tradicional associado e de biossegurana. (Lei Federal 11.428/2006)44 Art. 29. Para os fins do disposto noart. 18 da Lei no11.428, de 2006, ressalvadas as reas de preservao permanente, consideram-se de uso indireto, no necessitando de autorizao dos rgos ambientais competentes, as seguintes ativi-dades: () V- pastoreio extensivo tradicional em remanescentes de campos de alti-tude, nos estgios secundrios de regenerao, desde que no promova a supresso da vegetao nativa ou a introduo de espcies vegetais exticas.

    http://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edlibrary&format=iso.pft&lang=i&nextAction=lnk&indexSearch=AU&exprSearch=FABRICANTE,+JULIANO+RICARDOhttp://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edlibrary&format=iso.pft&lang=i&nextAction=lnk&indexSearch=AU&exprSearch=ARAUJO,+KELIANNE+CAROLINA+TARGINO+DEhttp://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edlibrary&format=iso.pft&lang=i&nextAction=lnk&indexSearch=AU&exprSearch=ARAUJO,+KELIANNE+CAROLINA+TARGINO+DEhttp://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edlibrary&format=iso.pft&lang=i&nextAction=lnk&indexSearch=AU&exprSearch=ANDRADE,+LEONALDO+ALVES+DEhttp://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edlibrary&format=iso.pft&lang=i&nextAction=lnk&indexSearch=AU&exprSearch=FERREIRA,+JESSICA+VIVIANE+AMORIMhttp://www.scielo.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edlibrary&format=iso.pft&lang=i&nextAction=lnk&indexSearch=AU&exprSearch=FERREIRA,+JESSICA+VIVIANE+AMORIMhttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-33062012000200015&lng=pt&tlng=pthttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-33062012000200015&lng=pt&tlng=pthttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11428.htm#art18

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    A RESERVA LEGAL NA MATA ATLNTICA E A IN(SUSTENTABILIDADE) DA PRTICA DO MANEJO FLORESTAL

    espcies exticas, com ainda mais razo esse cuidado deve ser adotado no mbito da Reserva Legal situada neste bioma. No por acaso que a Lei Federal 11.428/2006 prescreve em seu artigo 35 que a conservao de remanescente de vegetao do bioma Mata Atlntica, em qualquer estgio sucessional, cumpre funo social e de interesse pblico, podendo, a critrio do proprietrio, as reas sujeitas restrio de que trata esta Lei ser computadas para efeito da Reserva Legal e seu exce-dente utilizado para fins de compensao ambiental ou instituio de Cota de Reserva Ambiental CRA. A interpretao ao contrrio senso deste dispositivo legal conduz impossibilidade de que a Reserva Legal no mbito de abrangncia do bioma Mata Atlntica seja tambm inte-grada por espcies florestais exticas.

    Desta forma, para que a Reserva Legal na Mata Atlntica cumpra a con-dio de espao territorial especialmente protegido com a funo de garantir o mnimo de proteo biodiversidade, integridade do patri-mnio gentico e fauna e flora, deve-se garantir a aplicao especial das regras protetivas da Lei Federal 11.428/2006 e sua interpretao conforme a Constituio da Repblica e a Conveno sobre a Biodiver-sidade, de modo restritivo no tocante s pretenses de sua explorao e considerando o princpio da precauo e o elevado ndice de espcies da fauna e da flora ameaados de extino, assim como a subordinao da Lei Federal 12.651/2012 especialmente quanto ao manejo florestal.

    2. CONCLUSES ARTICULADAS

    2.1 A Lei Federal 12.651/2012, que permite em mbito nacional a realizao de manejo florestal em Reserva Legal, inclusive com prop-sito comercial e utilizao de espcies exticas, no pode ser aplicada incondicionalmente no mbito de abrangncia do bioma Mata Atlntica, que possui regramento prprio (Lei Federal 11.428/2006) com parme-tros ambientais mais restritivos e proporcionais sua condio de risco de extino e que exige a aplicao do critrio da especialidade frente ao conflito aparente de normas, alm dos princpios da precauo e da vedao ao retrocesso ambiental;

    2.2 No tocante discusso do manejo florestal no bioma Mata Atlntica tendo como trao diferenciador os estgios de sucesso, no se vislumbra possibilidade de controvrsia quanto impossibilidade desta prtica, inclusive em rea destinada Reserva Legal, nas hipte-ses de existncia de vegetao primria e secundria em estgio avan-ado de regenerao, nos termos dos artigos 14, 20 e 21 da Lei Federal 11.428/2006;

    2.3 No mbito das excepcionais hipteses de permisso de manejo florestal na Mata Atlntica em Reserva Legal, ainda que no envolva o corte de qualquer espcie florestal ameaada ou vulnervel, o rgo pblico ambiental deve exigir a realizao de estudos e levantamentos que demonstrem a ausncia de impactos negativos ao ecossistema do qual dependem as espcies ameaadas, uma vez que estas tm as suas sobrevivncias dependentes da interao complexa com as demais es-pcies que habitam os remanescentes florestais;

    2.4 Ainda na seara das excepcionais hipteses de permisso de ma-nejo florestal na Mata Atlntica em Reserva Legal, deve-se entender como vedada a insero de espcies de vegetao extica nas reas de Reserva Legal situadas na abrangncia do bioma Mata Atlntica;

    3. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BENJAMIN, Antnio Herman V. Reflexes sobre a hipertrofia do direito de propriedade na tutela da reserva legal e das reas de preservao permanente. Revista de Direito Ambiental, n. 4. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

    DEAN, Warren. A ferro e fogo: a histria da devastao da Mata Atlntica brasileira. Traduo de Cid Knipel Moreira. So Paulo: Com-panhia das Letras, 1996.

    FUNDAO SOS MATA ATLNTICA; INSTITUTO NACIONAL DE PESQUI-SAS ESPACIAIS (INPE). Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlntica. Disponvel em: Acesso em: 27.03.2017.

    GAIO, Alexandre. Lei da Mata Atlntica Comentada. So Paulo: Editora Almedina, 2014.

    OBSERVATRIO ECO. Impactos do manejo florestal na vida das aves na Amaznia. Disponvel em: Acesso em 27.03.2017.

    SANTILLI, Juliana. A lei 9.985/2000, que instituiu o sistema nacional de unidades de conservao da natureza (SNUC): uma abordagem socio-ambiental. Revista de Direito ambiental, So Paulo, n.40, p.83, 2005.

    SILVA, Jos Afonso da. Direito ambiental constitucional. 4. ed. So Paulo: Malheiros, 2002.

    https://www.sosma.org.br/tag/atlas-dos-remanescentes-florestais-da-mata-atlantica/https://www.sosma.org.br/tag/atlas-dos-remanescentes-florestais-da-mata-atlantica/https://observatorio-eco.jusbrasil.com.br/noticias/100207157/impactos-do-manejo-florestal-na-vida-das-aves-na-amazoniahttps://observatorio-eco.jusbrasil.com.br/noticias/100207157/impactos-do-manejo-florestal-na-vida-das-aves-na-amazoniahttps://observatorio-eco.jusbrasil.com.br/noticias/100207157/impactos-do-manejo-florestal-na-vida-das-aves-na-amazonia

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    Viviane Waleria Bahia dos SantosAssessora Jurdica atuante no 3 Grupo da Procuradoria de Justia

    Criminal

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    Alexandre Gaio1

    Letcia Uba da Silveira Maraschin2

    Cassiana Rufato Cardoso3

    1. EXPOSIO

    A problemtica dos aterros sanitrios e dos seus impactos socioambien-tais uma constante no pas, o que demonstra a importncia de regu-lares processos de licenciamento ambiental para a adequada anlise de sua viabilidade locacional e ambiental, assim como da hgida instalao e operao dessas atividades dotadas de significativo potencial degra-dador, independentemente da quantidade de toneladas de resduos a serem recebidas diariamente.

    A presente exposio discute a (i)legalidade e (in)constitucionalidade da dispensa de EPIA/RIMA para a instalao e ampliao de aterros de pe-queno porte (at 20 toneladas/dia) prevista na Resoluo 404/2008 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e na Resoluo 094/2014 do Conselho Estadual do Meio Ambiente do Paran (CEMA/PR).

    1 Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paran - UFPR. Espe-cialista em Direito Pblico pela Universidade Federal do Paran - UFPR. Mestre em Direito Econmico e Socioambiental pela Pontifcia Universidade Catlica do Paran - PUC/PR. Promotor de Justia no Ministrio Pblico do Estado do Paran desde o ano de 2003, atualmente em exerccio no Centro de Apoio Operacional s Promotorias de Proteo ao Meio Ambiente, Habitao e Urbanismo (CAOPMAHU).2 Mestre em Desenvolvimento de Tecnologia (PRODETEC). Engenheira Am-biental pela Universidade do Vale do Itaja (UNIVALI). Engenheira Ambiental (Assis-tente 1 C) do Centro de Apoio Operacional s Promotorias de Justia de Proteo ao Meio Ambiente e de Habitao e Urbanismo.3 Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paran (UFPR). Assessora Jurdica do Centro de Apoio Operacional s Promotorias de Justia de Proteo ao Meio Ambiente e de Habitao e Urbanismo.

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    1.1. Do Licenciamento Ambiental dos Aterros Sanitrios: a Exigncia Constitucional e Legal de Estudo Prvio de Impacto Ambiental e Rela-trio de Impacto Ambiental

    O licenciamento ambiental um dos principais instrumentos da Lei da Poltica Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), previsto em seu artigo 9, inciso IV, cujo objetivo precpuo agir preventivamente para a proteo do meio ambiente. Assim, a construo, instalao, amplia-o e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradao ambiental dependero de prvio licenciamento ambiental4.

    O licenciamento ambiental reflete o exerccio do poder de polcia5 do Poder Pblico em relao aos empreendimentos e atividades potencial-mente poluidoras, com fundamento nos artigos 5, XXIII, 170, VI, 182, 186 e 225 da Constituio da Repblica, que tratam do condiciona-mento do direito de propriedade sua funo social, da livre iniciativa econmica proteo ambiental, bem como do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

    No caso de instalao de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradao ao meio ambiente, nos termos do artigo 225, 1, inciso IV, a Constituio da Repblica impe ao Poder Pbli-co, como forma de assegurar a efetividade do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a exigncia, na forma da lei, de EIA (Estudo de Impacto Ambiental), a que se dar publicidade6.

    4 Artigo 10, caput, da Lei 6.938/81.5 O artigo 78 do Cdigo Tributrio Nacional define poder de polcia como ati-vidade da administrao pblica que, limitando ou disciplinando direito, intersse ou liberdade, regula a prtica de ato ou absteno de fato, em razo de intresse pblico concernente segurana, higiene, ordem, aos costumes, disciplina da produo e do mercado, ao exerccio de atividades econmicas dependentes de concesso ou autorizao do Poder Pblico, tranqilidade pblica ou ao respeito propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.6 Herman Benjamin e Milar bem sintetizam a funo do EIA: Por isso, cor-reto dizer que a tarefa principal do EIA , exatamente limitar, no mbito do licencia-mento ambiental, este resduo de liberdade da Administrao Pblica. A imposio legal de novos critrios apreciativos, por esse enfoque, nada mais que uma forma moderna de controle da discricionariedade administrativa sob um pretexto recente: a proteo do meio ambiente. Alm disso, procura-se, com sua adoo, reverter arraigado e peculiar hbito de nosso povo de apenas correr atrs dos fatos, no se antecipando a eles - a tranca s colocada na porta depois de arrombada! (MILAR, dis; BENJAMIN, Antonio Herman V. Estudo prvio de impacto ambiental: teoria prtica e legislao. So Paulo : Revista dos Tribunais, 1993. p. 89-93).

    A Resoluo CONAMA 1/86, em seus artigos 1.7 e 2.8, respectivamen-te, conceitua impacto ambiental e define, em rol meramente exemplifi-cativo9, as hipteses em que a significncia de tal impacto presumi-da para fins de exigibilidade de EPIA/RIMA. Mesmo nas hipteses no expressamente previstas na Resoluo CONAMA 1/86 ou em outro ato normativo federal, estadual ou municipal, mas que o empreendimento ou atividade tenha significativo potencial degradador do meio ambien-te, a apresentao do EIA/RIMA se torna obrigatria, no tendo o Poder Pblico, autorizao constitucional para dispens-lo10.7 qualquer alterao das propriedades fsicas, qumicas e biolgicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matria ou energia resultante das ativi-dades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I a sade, a segurana e o bem-estar da populao; II as atividades sociais e econmicas; III a biota; IV as condies estticas e sanitrias do meio ambiente; V a qualidade dos recursos am-bientais. 8 Depender de elaborao de estudo de impacto ambiental e respectivo relatrio de impacto ambiental - RIMA, a serem submetidos aprovao do rgo es-tadual competente, e do IBAMA em carter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como: I - Estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento; II Ferrovias; III - Portos e terminais de minrio, petrleo e produtos qumicos; IV - Aeroportos, conforme definidos pelo inciso 1, artigo 48, do Decreto-Lei n 32, de 18.11.66; V - Oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissrios de esgotos sanitrios; VI - Linhas de transmisso de energia eltrica, acima de 230KV; VII - Obras hidrulicas para explorao de recursos hdricos, tais como: barragem para fins hidreltricos, acima de 10MW, de saneamento ou de irrigao, abertura de canais para navegao, drenagem e irrigao, retificao de cursos dgua, abertura de barras e embocaduras, transposio de bacias, diques; VIII - Extrao de combustvel fssil (petrleo, xisto, carvo); IX - Extrao de minrio, inclusive os da classe II, definidas no Cdigo de Minerao; X - Aterros sanitrios, processamento e destino final de resduos txicos ou perigosos; Xl - Usinas de gera-o de eletricidade, qualquer que seja a fonte de energia primria, acima de 10MW; XII - Complexo e unidades industriais e agro-industriais (petroqumicos, siderrgicos, cloroqumicos, destilarias de lcool, hulha, extrao e cultivo de recursos hdricos); XIII - Distritos industriais e zonas estritamente industriais ZEI; XIV - Explorao econmica de madeira ou de lenha, em reas acima de 100 hectares ou menores, quando atingir reas significativas em termos percentuais ou de importncia do pon-to de vista ambiental; XV - Projetos urbansticos, acima de 100ha. ou em reas consi-deradas de relevante interesse ambiental a critrio da SEMA e dos rgos municipais e estaduais competentes; XVI - Qualquer atividade que utilize carvo vegetal, em quantidade superior a dez toneladas por dia.9 Trata-se de rol meramente exemplificativo, eis que, como bem observou Jos Afonso da Silva: qualquer que seja a obra ou a atividade, pblica ou particular, que possa apresentar riscos de degradao significativa do meio ambiente fica sujeita sua prvia elaborao (...) porque a Constituio no admite limitao taxativa dos casos de estudo de impacto ambiental. (SILVA, Jos Afonso da. Direito Ambien-tal Constitucional. 4 ed. So Paulo: Editora Malheiros, 2002. p. 289).10 Veja-se, neste teor, o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal: Ao direta de inconstitucionalidade. Art. 182 3., da Constituio do Estado de Santa Catarina. Estudo de impacto ambiental. Contrariedade ao art. 225, 1., IV, da Carta da Repblica A norma impugnada, ao dispensar a elaborao de estudo prvio de

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    Veja-se que a Resoluo CONAMA 01/86 continua em vigncia e estabe-lece expressamente em seu artigo 2, inciso X, que:

    depender de elaborao de estudo de impacto ambiental e respec-tivo relatrio de impacto ambiental - RIMA, a serem submetidos aprovao do rgo estadual competente, e do IBAMA em carter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio am-biente, tais como: X - Aterros sanitrios, processamento e destino final de resduos txicos ou perigosos;

    o EPIA/RIMA o instrumento legal prprio para a aferio da viabili-dade socioambiental do empreendimento cujo potencial poluidor seja significativo havendo presuno normativa de tal potencial poluidor pois este o documento ambiental prprio, em razo de seu contedo obrigatrio, a teor do disposto nos artigos 5 e 6 da Resoluo CONA-MA 1/86 para a avaliao completa de seus aspectos socioambientais, dentre eles, no mnimo11: o diagnstico ambiental da rea de influncia do projeto, com a descrio e anlise dos recursos ambientais e suas interaes, considerando o meio fsico, o meio biolgico e os ecos-sistemas naturais (fauna e flora), o meio socioeconmico; a anlise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas locacionais e tecnolgicas, confrontando-as com a hiptese de no execuo do projeto (opo zero) atravs de identificao, previso da magnitude e interpretao da importncia dos provveis impactos relevantes, dis-criminando os impactos positivos e negativos (benficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a mdio e longo prazos, temporrios e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulati-vas e sinrgicas; a distribuio dos nus e benefcios sociais; a defini-o das medidas mitigadoras dos impactos negativos e a elaborao do programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos.

    No se resume o EPIA/RIMA mera tcnica formal de apreciao dos impactos ambientais de um determinado projeto, devendo por isso re-percutir diretamente no contedo e qualidade da deciso administrativa final. somente a sua exigncia, com um contedo profundo e abran-gente o bastante para permitir o perfeito conhecimento das condies socioambientais preexistentes ao empreendimento, das reais dimenses impacto ambiental no caso de reas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais, cria exceo incompatvel com o disposto no mencionado inc. IV do 1. do art. 225 da CF/1988. Ao julgada procedente, para declarar a inconstitucio-nalidade do dispositivo constitucional catarinense sob enfoque (Supremo Tribunal Federal (STF). ADIn 1.086-7/SC, Seo I, rel. Min. Ilmar Galvo, DJ 01.10.2001).11 O rgo pblico ambiental pode e deve estabelecer aspectos adicionais a serem contemplados no EIA/RIMA de acordo com a tipologia do empreendimento e as alternativas locacionais apresentadas, o que deve ocorrer a partir de um termo de referncia com todas as exigncias necessrias.

    dos impactos que este pode causar e da eficcia das medidas preventi-vas e mitigadoras propostas, que ensejar ao rgo ambiental um qua-dro de informaes tcnicas completas e precisas acerca de todas essas circunstncias, somente a partir das quais lhe ser possvel concluir pela viabilidade ou inviabilidade ambiental do projeto e, portanto, por seu licenciamento, ou no. Veja-se, ainda, que a mesma Resoluo do CONAMA prev a participao, na discusso do EPIA/RIMA, dos setores pblicos e privados interessados e da populao em sede de audincias pblicas12

    Desta forma, entende-se que os rgos pblicos ambientais no pos-suem discricionariedade para dispensar a exigncia de EPIA/RIMA, na medida em que Resoluo CONAMA 01/86 a determina expressamente, justamente em obedincia ao comando da Constituio da Repblica. Deve-se lembrar, ademais, que a exigncia de realizao do EPIA/RIMA tambm se situa no mbito das Constituies Estaduais, tais como a do Estado do Paran13.

    Os nossos Tribunais assentaram Jurisprudncia sobre a obrigatoriedade de realizao de EPIA/RIMA no licenciamento de aterros sanitrios:

    Ao civil pblica. Implantao de aterro sanitrio. Dispensa do estudo prvio de impacto ambiental devido baixa quantidade de resduos domiciliares produzidos. Ilegalidade. Elaborao de estu-do para as obras potencialmente poluidoras exigido pela legislao federal. Irrelevncia da quantidade de lixo produzido e da dispensa autorizada pelo Instituto Ambiental do Paran. Necessria a elabo-rao do estudo, ainda que posterior ao incio das obras, para que se prevejam os possveis danos e para que se adotem medidas prvias para ameniz-los, se necessrio. Determinao para a apresentao do estudo populao em 90 dias, sem embargo das atividades do aterro sanitrio, sob pena de multa diria. Ao procedente. Apela-o e reexame necessrio. Desprovimento.14 APELAO CVEL. DIREITO AMBIENTAL. LICENCIAMENTO DE ATERRO SANITRIO FEITA COM DISPENSA DE EIA/RIMA. SENTENA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE A PRETENSO DEDUZIDA NA INICIAL APENAS A FIM DE ANULAR AS LICENAS (PRVIA E DE INSTALAO) J CONCEDIDAS. (...) DESARMONIA ENTRE AS

    12 Artigo 11 da Resoluo CONAMA 01/86.13 Constituio do Estado do Paran - Art. 207- (...) 1 - Cabe ao Poder Pbli-co, na forma da lei, para assegurar a efetividade deste direito: (...) V - exigir a reali-zao de estudo prvio de impacto ambiental para a construo, instalao, reforma, recuperao, ampliao e operao de atividades ou obras potencialmente causadoras de significativa degradao do meio ambiente, do qual se dar publicidade;14 Tribunal de Justia do Estado do Paran. 2 C.Cvel. Apelao Cvel n 136340-4. Rolndia. Rel.: ngelo Zattar. J. 30.04.2003.

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    NORMATIVAS ESTADUAIS E O ARTIGO 225, 1, IV, DA CONSTITUIO FEDERAL. ATOS NORMATIVOS QUE CRIAM VERDADEIROS ESPAOS DE NO INCIDNCIA DE NORMA CONSTITUCIONAL. REGRAS ESTADUAIS QUE IMPLICAM EM UMA MITIGAO DOS PARMETROS DE PROTEO AMBIENTAL DEFINIDOS CONSTITUCIONALMENTE. RECURSO COM TRMITE SUSPENSO. INSTAURAO DE INCIDENTE DE DECLARAO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI.15 16

    1.2. Dos aterros sanitrios de pequeno porte e da antijuridicidade do seu licenciamento simplificado: uma anlise da Resoluo CONAMA n 404/2008

    O Conselho Nacional de Meio Ambiente, por meio da Resoluo 404, de 11/11/2008, estabeleceu critrios e diretrizes para o licenciamento ambiental de aterro sanitrio de pequeno porte de resduos slidos ur-banos, com o intuito de simplificar o procedimento de Licenciamento Ambiental.

    Expe em seu artigo 1, 1, que aterros sanitrios de pequeno porte so aqueles com disposio diria de at 20 t (vinte toneladas) de resduos slidos urbanos17, limitado a uma nica unidade por sede mu-nicipal ou distrital e no artigo 2, afirma que para esse tipo de empre-endimento no ser exigida a apresentao de EIA/RIMA, a no ser que o rgo ambiental competente verifique que o aterro proposto po-tencialmente causador de significativa degradao do meio ambiente.

    Ainda, segundo o art. 3 desta Resoluo, nesses aterros sanitrios admitida a disposio final de resduos slidos domiciliares, de resduos de servios de limpeza urbana, de resduos de servios de sade, bem como de resduos slidos provenientes de pequenos estabelecimentos 15 Tribunal de Justia do Estado do Paran. (TJPR). 4 C.Cvel. Apelao Cvel. 949676-0. Rio Branco do Sul - Rel.: Maria Aparecida Blanco de Lima. Unnime. J. 05.03.2013.16 Neste sentido tambm os seguintes julgados: Tribunal de Justia do Estado do Paran (TJPR). rgo Especial. Agravo de Instrumento n 1490576-5. Curitiba. Rel.: Ana Lcia Loureno. Unnime. J. 05.09.2016. Tribunal de Justia do Estado do Paran (TJPR). 5 C.Cvel. Apelao Cvel n 1400148-4. Regio Metropolitana de Ma-ring. Foro Regional de Marialva. Rel.: Carlos Mansur Arida. Unnime. J. 22.09.2015. Tribunal de Justia do Estado do Paran (TJPR). 4 C.Cvel. Agravo de Instrumento n 480088-6. Palmeira. Rel.: Albino Jacomel Guerios. Unnime. J. 29.11.2011.17 Essa definio ratificada pela norma tcnica ABNT NBR 15849:2010 que define aterro sanitrio de pequeno porte como aterro sanitrio para disposio no solo de resduos slidos urbanos, at 20 t/dia ou menos, quando definido por legis-lao local, em que, considerados os condicionantes fsicos locais, a concepo do sistema possa ser simplificada, adequando os sistemas de proteo ambiental sem prejuzo da minimizao dos impactos ao meio ambiente e sade pblica. Esta norma ainda define critrios tcnicos para a construo e operao destes empreen-dimentos.

    comerciais, industriais e de prestao de servios, desde que no sejam perigosos, conforme definido em legislao especfica, notadamente a norma tcnica ABNT NBR 10.004:2004, e que tenham caractersticas similares aos gerados em domiclios, bem como aos resduos de servi-os de sade que no requeiram tratamento prvio disposio final, conforme Resoluo da Diretoria Colegiada da ANVISA n 306/2004 e Resoluo CONAMA 358/2005.

    O artigo 5 da mesma Resoluo enfatiza que o rgo ambiental competente poder definir os procedimentos complementares para o licenciamento ambiental, os quais devero ser aprovados pelo respectivo Conselho de Meio Ambiente.

    No mbito do Estado do Paran, partindo desta premissa, o Conse-lho Estadual do Meio Ambiente, atravs da Resoluo CEMA 094/2014, estabeleceu diretrizes e critrios orientadores para o licenciamento e outorga, projeto, implantao, operao e encerramento de aterros sa-nitrios, assim como disps, em seu artigo 4, que os aterros sanitrios com disposio diria de at 20 toneladas de resduos slidos urbanos devem apresentar, no mbito do requerimento de Licena Prvia18, um Relatrio Ambiental Preliminar, dispensando-se tambm o EPIA/RIMA.

    Entretanto, a aplicao da Resoluo CONAMA 404/2008 e da Resolu-o CEMA 094/2014 afronta claramente o art. 225, 1, inciso IV, da Constituio da Repblica de 1988, que obriga do Poder Pblico exigir, na forma da lei, para instalao de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradao do meio ambiente, estudo prvio de impacto ambiental (...).

    Deveras, a Resoluo CONAMA 01/86, que regulamenta o EPIA/RIMA, prev expressamente o aterro sanitrio como empreendimento de im-pacto ambiental, estabelecendo, assim, uma presuno da existncia de impacto deste tipo de atividade, independentemente da sua capacida-de. Desta forma, a Resoluo CONAMA 404/2008 enfraquece a garantia 18 Conforme artigo 8 da Resoluo CONAMA 237/97: Art. 8 - O Poder P-blico, no exerccio de sua competncia de controle, expedir as seguintes licenas: I - Licena Prvia (LP) - concedida na fase preliminar do planejamento do empreen-dimento ou atividade aprovando sua localizao e concepo, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos bsicos e condicionantes a serem atendidos nas prximas fases de sua implementao; II - Licena de Instalao (LI) - autoriza a instalao do empreendimento ou atividade de acordo com as especificaes cons-tantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante; III - Licena de Operao (LO) - autoriza a operao da atividade ou empreendimento, aps a verificao do efetivo cumprimento do que consta das licenas anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operao.

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    de EPIA/RIMA na medida em que dispensa sem qualquer fundamento tcnico o estudo em alguns casos, indo de encontro previso consti-tucional e infraconstitucional.

    Neste particular, no se pode olvidar que em eventual conflito norma-tivo entre duas legislaes ambientais vigora o princpio in dubio pro natura, segundo o qual deve prevalecer a norma que melhor protege o meio ambiente.

    Consoante raciocnio de Paulo Jos de Farias Leite:

    pelos j citados 1 e 4 do art. 24, pelo art. 225 da Constituio, bem como pela indefinio do que seja norma especial, deve-se, fortiori ratione, fixar como diretriz exegtica que os eventuais con-flitos, nos quais a noo de norma geral e especial no seja sufi-ciente, devem ser resolvidos pela prevalncia da norma que melhor defenda o direito fundamental tutelado, por tratar-se de preceito constitucional (lei nacional) que se impe ordem jurdica central ou regional (in dubio pro natura). Assim, o princpio in dubio pro na-tura deve constituir um princpio inspirador da interpretao. Isto significa que, nos casos em que no for possvel uma interpretao unvoca, a escolha deve recair sobre a interpretao mais favorvel ao meio ambiente19.

    Observa-se ainda que, em se comparando as duas normas do CONAMA (01/86 e 404/2008), h evidente violao da proibio de retrocesso ambiental, insculpido no caput do artigo 225 da CR/88 no tocante preveno dos impactos dos aterros sanitrios, vez que a nova Reso-luo enfraquece sobremaneira a proteo antes dada com a avaliao e mensurao destes impactos por meio de EPIA/RIMA. E a Resoluo CEMA/PR 094/2014 acaba por ecoar este retrocesso.

    De fato, alm de gerar significativos riscos ao ambiente, haja vista a dispensa de EPIA/RIMA para tratar de empreendimento da envergadura de aterros sanitrios, mesmo estes sendo de pequeno porte, a aplica-o da Resoluo CONAMA 404/2008 e da Resoluo CEMA 094/2014 acaba por flexibilizar todos os cuidados necessrios para a anlise de viabilidade locacional e ambiental, assim como para a sua instalao e operao, dando azo a promoo de danos socioambientais irrevers-veis. Salienta-se que, dependendo dos hbitos e do sistema de gesto adotado, esta disposio diria de resduos slidos equivale a uma po-pulao de 25 a 30 mil habitantes.

    Os impactos relativos ao gerenciamento dos resduos slidos, indepen-dente do porte do aterro sanitrio, esto relacionados principalmente 19 FARIAS, Paulo Jos Leite. Competncia federativa e proteo ambiental. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, p. 356.

    s emisses atmosfricas do aterro (CO, CO2, CH4, H2 S, HC, NH3, etc.), emisso de material particulado e consequente alterao da qualidade do ar, gerao de lixiviado20, podendo causar contaminao da gua e do solo, gerao de odor, danos propriedade (uso e ocupao de solo), proliferao de vetores transmissores de doenas, reduo da disponibilidade de recursos naturais, dentre outros.

    Evidencia-se, deste modo, que a capacidade do aterro sanitrio no se mostra como o parmetro mais preciso para a aferio do impac-to ambiental, uma vez que qualquer aterro, por menor que seja, gera significativo impacto ambiental e, se no houver gerenciamento ade-quado, poder causar tambm contaminao. Embora o impacto varie conforme a quantidade de tonelada/dia, a capacidade do aterro mais determinante para a verificao da vida til do aterro que propriamen-te a mensurao do seu significativo impacto, que sempre ocorrer, mesmo que em diferentes magnitudes. Veja-se, em mero ttulo de ilus-trao, que um aterro sanitrio que recebe 20 toneladas dia, receber 7.300 toneladas ano e 73.000 toneladas em uma dcada, ao passo que um aterro sanitrio que recebe 40 toneladas dia, receber as mesmas 73.000 toneladas em um quinqunio, o que gera significativos impac-tos e degradaes equivalentes, embora com diferentes tempos de vida til. Assim, fica clara a fragilidade do critrio estabelecido pela legisla-o (Resolues CONAMA 404/2008 e CEMA 094/2014) para a dispensa do Estudo de Impacto Ambiental.

    Alm disso, a norma NBR 15849:2010, apesar de estabelecer condies para proteo dos corpos hdricos superficiais e subterrneos, ar, solo, sade e bem-estar das populaes vizinhas, dispensa em alguns casos21 de modo temerrio o revestimento de impermeabilizao de fundo para proteo do subsolo e do lenol fretico contra a infiltrao do lixiviado (item 5.3.1, tabela), mesmo para subsolo com permeabilidade de cerca de 10-4 cm/s, valor tpico de solo arenoso, o que pode provocar impac-tos ambientais significativos a longo prazo. Mais, a referida NBR ainda exime indevidamente o empreendedor da obrigao de instalar o siste-ma de drenagem de gases se a altura final do aterro no ultrapassar trs metros ou a frao orgnica for menor que 30%. (item 5.3.3, tabela), sem qualquer previso de mecanismos de controle ambiental. Apesar de a NBR 15849:10 visar simplificao da tecnologia de disposio final

    20 Lixiviado: lquido resultante da infiltrao de guas pluviais no macio de resduos, da unidade dos resduos e da gua de constituio de resduos orgnicos liberada durante sua decomposio no corpo do aterro sanitrio.21 A depender das condies climticas, da profundidade do nvel fretico e da frao orgnica dos resduos.

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    OS ATERROS SANITRIOS DE PEQUENO PORTE E O LICENCIAMENTO AMBIENTAL SIMPLIFICADO: A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUO CONAMA

    404/2008 E DA RESOLUO CEMA/PR 094/2014.

    Seminrio Estadual do Ministrio Pblico do Estado do ParanTrs dcadas da Constituio Federal de 1988: os novos desafios do Ministrio Pblico36

    de resduos slidos, tais pontos tergiversam a obrigatoriedade de pro-teo mnima da qualidade ambiental e no mnimo so questionveis junto ao meio tcnico-cientfico, pois as variveis analisadas no so suficientes para a avaliao da realidade de todos os municpios bra-sileiros, e no h restries quanto evoluo da gerao de resduos slidos urbanos no aterro licenciado.

    Nesta toada, importante observar que a Resoluo CONAMA 404/2008 no parte de pressupostos de natureza tcnica para estabelecer a dispensa de EPIA/RIMA para aterros de pequeno porte. Com efeito, uma anlise detida dos considerandos desta Resoluo denota que a permisso de no realizao do EPIA/RIMA se funda substancialmente [n]as dificuldades que os municpios de pequeno porte enfrentam na implantao e operao de aterro sanitrio de resduos slidos, para atendimento s exigncias do processo de licenciamento ambiental22 do que propriamente em uma demonstrao tcnica da suposta ausncia de impacto ambiental deste tipo de empreendimento.

    Este aspecto apenas refora a afronta direta ao comando da Constitui-o da Repblica acima mencionado (art. 225, 1, inciso IV), vez que no h na Resoluo CONAMA 404/2008 qualquer indicativo tcnico para elidir a presuno de significativo impacto ambiental do aterro sanitrio constituda pela Resoluo CONAMA 01/86 e, por sua vez, afastar a exigncia do EIA/RIMA.

    A Resoluo CEMA 094/2014 e a NBR 15849:10 tampouco suprem essa ausncia de fundamentao tcnica para a dispensa do EPIA/RIMA; pelo contrrio, apenas reiteram as disposies da Resoluo CONAMA 404/2008 e desvirtuam a essncia e os parmetros mnimos de controle do licenciamento ambiental de uma atividade dotada de significativo impacto poluidor.

    1.3. Da ilegalidade das ampliaes dos aterros sanitrios de pequeno porte.

    sabido que no somente as atividades potencialmente poluidoras de-vem passar pelo processo de licenciamento ambiental, mas tambm os processos de ampliao das instalaes ou do empreendimento que possam causar degradao ambiental.23

    22 BRASIL. Ministrio de Meio Ambiente. Resoluo CONAMA 404/2008. Es-tabelece critrios e diretrizes para o licenciamento ambiental de aterro sanitrio de pequeno porte de resduos slidos urbanos. Dirio Oficial da Unio, Braslia, DF, 12 de novembro de 2008.23 FARIAS, Talden. Licenciamento Ambiental: aspectos tericos e prticos. Belo Horizonte: Frum, 2015. pg. 53.

    Com efeito, o artigo 1, inciso I, da j mencionada Resoluo CONAMA 237/97 coloca a ampliao de empreendimentos dentre as atividades que esto sujeitas ao licenciamento ambiental.24 Da mesma forma, o artigo 10 da Lei Federal 6.938/81 prev a necessidade de licenciamento da ampliao do empreendimento previamente licenciado, assim con-signando: A construo, instalao, ampliao e funcionamento de es-tabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradao ambiental dependero de prvio licenciamento ambiental.

    No caso da ampliao de aterros de pequeno porte, a Resoluo 404/2008 do CONAMA omissa em relao ao procedimento de licen-ciamento da ampliao do aterro ou eventual existncia de requisitos para a sua realizao, embora tal prtica seja comum na experincia paranaense. H to somente a previso no 1 2 de que nas locali-dades onde exista um incremento significativo na gerao de resduos pela populao flutuante ou sazonal, esta situao deve ser prevista no projeto, o qual dever contemplar as medidas de controle adicionais para a operao do aterro. Entretanto, no especifica quais so estas medidas de controle, nem qual o valor desse incremento. Da mesma forma, nem a NBR 15849:10 nem a Resoluo CEMA 094/2014 preveem o incremento de gerao de resduos, seja por meio de consrcio com outro municpio ou pela populao flutuante ou sazonal, o que possi-bilita que o municpio ou empreendedor realize ampliaes no aterro sem a apresentao do Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo Relatrio de Impacto Ambiental.

    No se pode deixar de notar, todavia, os enormes riscos que desacon-selham essa postura, sobretudo se considerados os aspectos j mencio-nados.

    Deveras, da mesma forma que o licenciamento de aterros de peque-no porte sem a realizao de EPIA/RIMA j configura, por si s, uma afronta legislao ambiental e Constituio da Repblica de 1988 e um risco socioambiental, a ampliao dos aterros atualmente em fun-cionamento se apresenta como uma perpetuao desta ilegalidade e de suas consequncias ao meio ambiente. Conforme j foi evidenciado,

    24 Art. 1 - Para efeito desta Resoluo so adotadas as seguintes defini-es: I - Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o rgo ambiental competente licencia a localizao, instalao, ampliao e a operao de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efe-tiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradao ambiental, considerando as disposies legais e regulamentares e as normas tcnicas aplicveis ao caso. ()

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    OS ATERROS SANITRIOS DE PEQUENO PORTE E O LICENCIAMENTO AMBIENTAL SIMPLIFICADO: A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUO CONAMA

    404/2008 E DA RE