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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE 9ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DOS DIREITOS DO CIDADÃO ESPECIALIZADA NA DEFESA DOS DIREITOS À SAÚDE EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA __ VARA CÍVEL DA COMARCA DE ARACAJU – ESTADO DE SERGIPE O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE, por seus presentantes em exercício na 9ª Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos do Cidadão e no Grupo de Combate à Improbidade Administrativa - GCIA, vêm, perante V. Exa., no uso de suas atribuições legais e com base nos artigos 127, 129, III e 37, caput e incisos II, III e IV da Constituição Federal, art. 25, IV, “a” e “b” da Lei n.° 8.625/93, art. 46, VI, “b”, da Lei Complementar n. º 25/98 e na Lei n.° 7.347/85, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA PELA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em desfavor de JOSÉ ALMEIDA LIMA, brasileiro, advogado, casado, natural de Santa Rosa de Lima/SE, nascido em 28/09/1953, OAB/SE 851, CPF 102.237.385-49, residente e domiciliado na Praça Theodorico do Prado Montes, nº 28, Farolândia, Aracaju/SE; e, JACKSON BARRETO DE LIMA, brasileiro, advogado, solteiro, natural de Santa Rosa de Lima/ SE, nascido em 06/05/1944, RG 111.219, SSP/SE, CPF 038.622.325-49, residente e domiciliado na Rua Gervásio de Araújo Souza, nº 613, Atalaia, Aracaju/SE, pelos substratos fáticos e jurídicos a seguir expostos. 1

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE

9ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DOS DIREITOS DO CIDADÃO

ESPECIALIZADA NA DEFESA DOS DIREITOS À SAÚDE

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA __ VARA CÍVEL DA

COMARCA DE ARACAJU – ESTADO DE SERGIPE

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE, por seus presentantes

em exercício na 9ª Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos do Cidadão e no Grupo de

Combate à Improbidade Administrativa - GCIA, vêm, perante V. Exa., no uso de suas atribuições

legais e com base nos artigos 127, 129, III e 37, caput e incisos II, III e IV da Constituição Federal,

art. 25, IV, “a” e “b” da Lei n.° 8.625/93, art. 46, VI, “b”, da Lei Complementar n.º 25/98 e na Lei

n.° 7.347/85, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA PELA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA em desfavor de JOSÉ ALMEIDA LIMA, brasileiro, advogado, casado,

natural de Santa Rosa de Lima/SE, nascido em 28/09/1953, OAB/SE 851, CPF 102.237.385-49,

residente e domiciliado na Praça Theodorico do Prado Montes, nº 28, Farolândia, Aracaju/SE; e,

JACKSON BARRETO DE LIMA, brasileiro, advogado, solteiro, natural de Santa Rosa de Lima/

SE, nascido em 06/05/1944, RG 111.219, SSP/SE, CPF 038.622.325-49, residente e domiciliado na

Rua Gervásio de Araújo Souza, nº 613, Atalaia, Aracaju/SE, pelos substratos fáticos e jurídicos a

seguir expostos.

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9ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DOS DIREITOS DO CIDADÃO

ESPECIALIZADA NA DEFESA DOS DIREITOS À SAÚDE

I- DELINEAMENTO FÁTICO. PANORAMA GERAL DOS ATOS DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA QUE ACARRETARAM OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

Lastreia-se esta ação no procedimento preparatório de inquérito civil n.º

54.18.01.0064 instaurado nesta Promotoria Especializada a partir de notícias veiculadas na

imprensa dando conta de suposta simulação na inauguração do “Centro de Nefrologia e

Hemodiálise” do Hospital de Urgência de Sergipe – HUSE, ocorrida em 05 de abril de 2018 e

promovida pelos requeridos, à época Secretário de Estado da Saúde e Governador do Estado,

respectivamente. A solenidade, ressalte-se, foi um dos últimos atos do então Governador que, no dia

seguinte, deixou o cargo para, conforme legislação vigente, desincompatibilizar-se e, assim,

concorrer a uma vaga para o Senado, fato público e notório.

Quando da inauguração, anunciada, coberta e divulgada pela imprensa local e pelo

governo do Estado, por meio da página da Secretaria de Estado da Saúde na rede mundial de

computadores, foram prometidas melhorias na capacidade de atendimento aos pacientes do hospital

que necessitam de hemodiálise, passando-se a atender o dobro de pacientes do que até então a

capacidade instalada permitia.

Ocorre que no dia seguinte à inauguração, membros do Conselho Estadual de Saúde

e a Presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe

compareceram à unidade hospitalar e se depararam com o recém-inaugurado “Centro de

Nefrologia” “totalmente desmontado”. Segundo relatório de fiscalização que consta dos autos do

procedimento (fls. 92/104), a “obra inaugurada, ainda por concluir, fiação exposta, louças

sanitárias ainda por instalar, aparelhos de ar-condicionado sendo montados”.

O fato teve imediata repercussão, o que motivou visita de inspeção por parte do

MPSE, realizada no dia 09 de abril de 2018, estando o respectivo Relatório de Visita encartado às

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fls. 53/54 dos autos do procedimento, sendo oportuno destacar das constatações que: a) o local não

estava funcionando, vez que ainda estava em obras, lá não havia nenhum equipamento de

hemodiálise e não era possível a utilização do espaço para o fim a que se destinava; b) os

equipamentos que estavam no local no momento da inauguração foram colocados para a

apresentação; c) a obra seria concluída em prazo estimado de 10 (dez) dias; os elevadores que

possuíam ligação com o espaço que em funcionaria o “Centro de Nefrologia” não estavam em

funcionamento; d) a quantidade de equipamentos de ar-condicionado instalados no local era

insuficiente para o funcionamento do setor. Foram retiradas fotografias no local, consoante mídia

acostada aos autos (fl. 20), que demonstram que o local, que dias antes fora inaugurado e entregue

como pronto, era um canteiro de obras. A título exemplificativo, algumas das fotografias tiradas na

data da inspeção, alguns dias depois da inauguração, que retratam realidade diversa da exibida no

dia da inauguração e que pode ser vista nos vídeos anexos:

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Os fatos mereceram atenção da sociedade civil organizada e da população em geral,

como asseguram os documentos que constam às fls. 42 e 51 dos autos do procedimento. Ademais,

houve ampla divulgação na imprensa local, conforme vídeos contidos nas mídias de fls. 19, 76 e

109, especialmente porque o anterior ato de inauguração foi amplamente coberto. Na véspera do

evento, em programa exibido pela TV Atalaia (mídia à fl. 109), o primeiro requerido definiu o

Centro de Nefrologia como uma “grande novidade” e informou a “instalação, a partir de amanhã,

de 35 novos leitos nesse Centro de Nefrologia”.

No dia da solenidade, após descerramento de faixa e exibição de fotografia do

homenageado que deu nome ao local, o segundo requerido afirmou que inaugurava o local e que

estavam entregando dois grandes serviços (o Centro de Nefrologia e o aparelho de radioterapia

inaugurado minutos antes).

Durante o procedimento extrajudicial foi apurado que o serviço de hemodiálise no

HUSE é prestado pela SENEFRO/DIAVERUM, contratada pela Fundação Hospitalar de Saúde. O

contrato de prestação de serviços envolve o fornecimento de equipamentos e a realização das

sessões de hemodiálise, incluído o pessoal de enfermagem. Representantes da SENEFRO

esclareceram em depoimentos prestados nos autos do procedimento que havia no hospital 16

máquinas de hemodiálise, das quais 13 eram fixos e 03 portáteis e que o “Centro de Nefrologia”

recém-inaugurado nada mais seria do que um novo espaço para acomodação de todas as máquinas

em um único lugar, o que permite a realização simultânea de mais atendimentos em cada turno com

a mesma logística já existente no local. Pontuaram, ademais, que o novo local não poderia ser

chamado de “Centro de Nefrologia”, tratando-se somente de uma nova sala onde passaria a ser feita

a hemodiálise de que necessitam pacientes do HUSE. Centro de Nefrologia traz a percepção de que

seria local para prestação de atendimento ambulatorial para o paciente renal crônico, serviço que

não é prestado pelo Hospital de Urgências.

Nesse sentido, as declarações de LÍGIA DE CÁSSIA BARBOSA DO

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NASCIMENTO (mídia à fl. 36) que, indagada se o local poderia ser considerado um Centro de

Nefrologia, disse:

“para a gente não, para o prestador é uma sala onde vai ser feita a hemodiálise. Onome centro de nefrologia fica transparecendo que é um serviço ambulatorial, que épara o renal crônico, que é como existe em outras clínicas aqui dentro de Aracaju,tem outras clínicas que são para atendimento do renal crônico, que não é o objetivoe não é a função do hospital. O hospital recebe o paciente renal agudo, ou seja, queele chega no hospital, ele as vezes nem sabe que ele tem um problema renal, por umacirurgia ou alguma coisa e tal, que precise fazer hemodiálise porque o rim não estásuportando, enfim, uma série de questões médicas que eu não sei. Mas enfim é paraatender a hemodiálise intra hospitalar, para atender ao paciente renal agudo, quechega no HUSE e precisa fazer hemodiálise, não necessariamente por problema renal.Esses pacientes geralmente vêm daí ou alguma intercorrência que gerou umanecessidade de se fazer hemodiálise. (...) Então quando se coloca o nome centro denefrologia, deixou transparecer, foi uma surpresa para gente quando chegamos lá evimos esse nome 'centro de nefrologia', 'gente, não é um centro de nefrologia, é umasala de fazer diálise'. Aí houve esse trocadilho em que criou toda essa, toda essa, essaceleuma, mas enfim nós tínhamos avisado para, quando vimos o nome lá centro denefrologia, nós avisamos para o pessoal que aquilo ali deveria ter ao menos umcomplemento, botar 'centro de nefrologia intra hospitalar'. (...) Que quando vocêschegaram lá, nos encontraram lá no hospital, lá na sala, com o pessoal, com a direçãodo hospital já pontuando o que era que faltava para que a gente pudesse entrar ali. Efoi, aí foi que a gente comentou sobre esse nome do centro de nefrologia, 'olhe, vocêsdeveriam colocar intra hospitalar, para não dar a impressão de que é um centro, que éporta aberta, que todo mundo que é crônico pode chegar aqui e fazer a hemodiálise,porque não é'. Até porque o HUSE tem uma fila lá, o último conhecimento meu, achoque tinham, acho que eram 21 pacientes, que estavam morando lá no HUSE, porquenão tem renais crônicos, porque não tem vaga dentro de Aracaju para esses pacientes.Eles são atendidos porque estão no HUSE, porque eles não recebem alta porque nãotem onde fazer. Mas não é uma pessoa que recebe alta e voltar para lá e fazer, não,porque não é o objetivo nosso e não é o que está contratualizado e o hospital tambémnão pode oferecer esse tipo de serviço porque ele não é contratualizado para isso. Eletem um contrato e no rol de procedimento deles está que ele tem que prestar diálisepara paciente agudo e não para paciente crônico.(...)"

Sobre a inauguração, informou que:

“(…) foi solicitado para gente que se nós poderíamos descer com os equipamentospara botar lá, para tirar umas fotos e porque o Governador iria lá e aí a gentecolocou; não se falou claramente que seria uma inauguração para sair assim como seia, que ia já funcionar. Eles pediram para gente, que o Governador iria para fazeruma inauguração de todo o espaço, a palavra inauguração foi dita assim para fazer ainauguração de todo o espaço e que eles gostariam que a gente descesse as máquinas

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e posicionasse lá, pronto. Foram todas as máquinas. Logo depois que terminou asolenidade nós retiramos, que aí tinham que fazer. As máquinas ficaram lá de manhã,houve a solenidade de manhã, acho que tipo assim, 10 hs, 11 hs, que terminou asolenidade, nós retiramos a máquina, até porque precisávamos continuar o serviço,para não deixar nenhum paciente dialisar. Não importou nenhum prejuízo para ospacientes, de jeito nenhum, porque já tinha, é como eu lhe disse, a gente ficaesperando que o médico, a prescrição. Foi pedido isso para fazer, que era para descer,se a gente poderia descer os equipamentos para deixar lá na sala porque oGovernador iria fazer uma solenidade, tirar umas fotos para divulgar, para fazer umasolenidade de inauguração do espaço. (...) O espaço não estava pronto para funcionar.Tanto que a gente não desceu com essa intenção e não foi nos passado isso. Tanto quenós temos uma correspondência do dia 28 de março, que nós passamos para, para elescolocando o que era que faltava no espaço para que a gente pudesse funcionar. (…)Ainda faltava a questão de descer a osmose, como eu te falei, a gente precisa paradescer a osmose, nós precisamos de 02 dias e nós já fizemos todos, já avisamos aoHUSE que no momento de descer, que nós vamos parar 02 dias, mas assim semprejuízo para o paciente (...) Mas enfim não dava para mudar, para mudar, ainda nãoestava em condições de mudar, porque a osmose ainda também não tinha sidomudada.(...) E aí logo após a inauguração, nós tivemos uma reunião pontuandomais uma vez todas as coisas que nós precisávamos para mudar e que prazo, naverdade o prazo quem teria que nos dar era ele e não nós, porque precisava ter umaestrutura já adequada, dado o ok, para que a gente pudesse mudar."

Outra pessoa ouvida, SOPHIA DA FONSECA BARBOZA (mídia à fl. 36),enfermeira da SENEFRO que desempenha suas funções no HUSE, sobre a obra no local, disse que:

“algumas vezes a gente foi procurado para dar uma orientação em relação a nossanecessidade, porque como era algo específico, algo especializado, então na verdadeeles queriam saber da gente, o que a gente precisaria naquele espaço, e, para quefuncionasse de forma mais adequada. E aí a gente foi orientando. A gente viu o projetocom o arquiteto algumas vezes, mas assim a obra é do hospital, a gente só fez dar umauxílio mesmo. E aí passaram para gente que eles iam inaugurar, apresentar aestrutura física, a gente passou para eles que a gente não tinha como funcionar nasituação que estava. (...)A osmose da gente é uma estação de tratamento de água, queé uma estação fixa. Então para a gente poder descer esse equipamento da sala atualpara essa sala nova, a gente precisa de uma série de ajustes, tipo, eu preciso paralisaro serviço por um prazo de 48 horas, né que a gente até comentou no dia da visita, é, eupreciso fazer teste da água, então não é uma coisa terminou a obra agora, a gente vaidescer, né. A sala ainda não estava com ar-condicionado e o equipamento da gentenão pode rodar sem ar-condicionado, por conta de esquentar a fonte, tercomplicações com o equipamento. Então eles estavam cientes de que a gente não iriafuncionar. Que na verdade não teria condição operacional para isso. Então, pediramapenas para gente ceder as máquinas que a gente já têm, que foi o que a gente viu,para mostrar, que já existem os equipamentos, a sala, enfim.(…) na verdade não foiuma montagem, a gente só desceu os equipamentos, no mesmo dia, porque, essesequipamentos, é o que a gente utiliza no hospital (…) o pedido foi feito na mesma

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semana da inauguração, precisariam para mostrar, mas que seria informado que nãoia funcionar, que era para mostrar os equipamentos, como ficaria o layout da sala.(...)a gente colocou alguns pontos também para eles que a gente precisa para iniciar oatendimento, que a gente informou em CI e tudo, que é a liberação de uma linhatelefônica porque a gente usa internet para questão de controle de material, essascoisas, que isso já está resolvido. Existe uma questão do elevador também, paramovimentação do paciente, por ser um ambiente mais afastado, a gente solicitou aquestão do elevador, mas que a gente sabe que não é algo que vai resolver amanhã,nem na próxima semana. Se eles entregarem a obra, a gente se organiza até lá,questão da logística dos pacientes (...). Então se eles entregarem hoje, por exemplo, eunão sei como é que está o andamento, porque hoje eu ainda não fui lá para ver. Mas seeles entregarem hoje a gente pode mudar, começar a mudança amanhã à noite, porqueeu dialiso todo mundo amanhã, que precisar, e aí à noite a gente começa a fazer esseprocesso de mudança, para voltar a funcionar na terça(...)”

No tocante ao nome inicialmente dado ao local, ressaltou que:

“(…) então, na verdade, a denominação do nome é que não condiz. Na verdade eu nãosei se foi questão de assessoria, eu não sei do que foi colocado como centro denefrologia. O entendimento que a gente tem, para quem trabalha com nefrologia, é quecentro de nefrologia é algo ambulatorial, e que não é o que a gente faz, diálise depaciente agudo, que está internado. Então talvez o centro de nefrologia não seja omais adequado, talvez você pode colocar unidade intra hospitalar de nefrologia, mas,na verdade, o que a gente vai fazer lá é o que a gente já faz, que é a diálise de pacienteinternado e, de preferência, voltado para paciente agudo (...)”

Assim, os depoimentos prestados pelas funcionárias da SENEFRO, confirmaram as

informações e constatações de que no dia da inauguração do “Centro de Nefrologia” as obras da

sala ainda não estavam concluídas e, consequentemente, não havia a possibilidade de

funcionamento do serviço de nefrologia no local, já que inviável o início do processo de instalação

da central de osmose, a cargo da SENEFRO. Vale dizer, o serviço não começou a ser prestado no

local a partir da data da inauguração porque as obras de responsabilidade da Secretaria de Estado da

Saúde/Fundação Hospitalar de Saúde não estavam concluídas, e não porque estaria em curso o

processo de instalação da central de osmose.

Também foi inquirido LUIZ EDUARDO PRADO CORREIA (mídia à fl. 36),

Superintendente do HUSE à época dos fatos que, além de deixar claro que as determinações para a

inauguração partiram da Secretaria de Estado da Saúde, disse:

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“(…) na verdade, primeiro os equipamentos já existiam, são os equipamentos quefuncionam para os pacientes, na verdade o que pode ter havido é uma falha decomunicação, porque tem o próprio áudio da inauguração, o Secretário citando aoGovernador, porque estava todo mundo com muito calor, eu realmente estava todomolhado e só tinha dois ar-condicionado funcionando, que ali é inviável dois ar-condicionado e deveria ter só 18 leitos. Dos 36 só tinham os 18. E eu me lembroclaramente o próprio Secretário de Saúde avisando ao Governador e a mídiapresente, aos funcionários, às pessoas que estavam presentes 'Governador, eu estouavisando que nesse momento, vocês se contarem aí não tem os 36 leitos, tem os 35com o isolamento 36, por quê? Ainda vai ser feito uma bancada de MDF aqui nomeio, que vão ficar de 10 a 12 leitos, nessa bancada, ao redor da bancada e comotambém a instalação dos ares-condicionados restantes. Eu peço mais alguns diaspara os pacientes começarem a ser atendidos aqui'. Ou seja, um pedido foi, veio daSecretaria realmente, para quê? Para mostrar como ficaria o espaço quandoestivesse totalmente pronto. Pedimos, na verdade, foi via diretor operacional, paracolocar, entendeu, para mostrar na inauguração como ficará o espaço novo. O quepode ter havido realmente uma comunicação melhor, avisar naquele momentoquantos dias mais precisaria efetivamente para os pacientes serem transferidos paraaquele setor.(...)pode ter havido uma falha de comunicação, o que? Avisar nainauguração quantos dias mais ia precisar para os pacientes serem atendidos. Nainauguração tem, na inauguração tem o áudio. Na inauguração tem o áudio que oSecretário separou o áudio para mostrar ao Governador e a imprensa. O áudio elefalando que precisaria de mais alguns dias para os ar-condicionados e mais algunsdias para colocar o MDF no meio, uma bancada, mais 10 ou 12 leitos, que não tinhaum número suficiente de leitos ainda. Isso foi informado naquele ato. A gentecontinuou, por quê? O Governador ia sair, eu acho, naquela semana realmente. E agente queria fazer, a Secretaria, junto da radioterapia. Fizemos a da radioterapia e jáestava funcionando realmente com pacientes e a nefro já ia fazer avisando quando éque começaria a funcionar efetivamente. É isso que eu acredito, entendeu? Possa terhavido realmente uma falha da comunicação. Isso poderia ter sido mais reforçado,vamos dizer assim, para a sociedade. Agora os equipamentos têm, os equipamentossão os mesmos que a empresa usa hoje.

O primeiro requerido, antigo Secretário de Estado da Saúde, afirmou em depoimento

(mídia à fl. 64) que foi sua a decisão sobre a data da inauguração e que o segundo requerido, então

Governador do Estado, não tinha ciência quanto à situação das obras. No mais, tentou justificar o

não início do serviço com o fato de que seria necessária a instalação da central de osmose por parte

da SENEFRO, e se contradisse quanto a fato da sala estar pronta ou não:

“(…) Primeiro que você não inaugura um centro hospitalar com os pacientes dentro,do ponto de vista da saúde e da infectologia, isso não é nem permitido. Você faz umainauguração para depois funcionar. Você faz a inauguração, depois vai fazer a

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limpeza, desinfecção, todo um trabalho que normalmente se faz, para depois botarpara funcionar. E uma estrutura como aquela, que estava pronta, e colocamospacientes lá dentro 07 dias úteis depois, só Deus que fez o mundo em 07 dias. Eu nãotenho essa capacidade de pegar uma obra daquela do zero e 07 dias úteis depoisentregar funcionando, sendo uma unidade referência no país em nefrologia,hemodiálise intra-hospitalar.(…) Eu tinha dito: 'pessoal, não está concluído', atéporque naquela primeira sala, que é a hemodiálise, e eu já estava na segunda, dosleitos, nós falamos que são 35 leitos, e aqui vocês podem verificar, com a imprensapresente, essa mesma imprensa, essa mesma imprensa calhorda presente, ouviram eudizer: são 35 leitos, eu disse lá que são 35 leitos, mas vocês não vão encontrar 35leitos. Por que razão? Porque aqui na parte central ainda eu preciso colocar umadivisória de MDF, ainda cheguei ao detalhe de MDF dessa altura, porque de um ladoaqui e de outro vamos completar com os leitos e estaremos colocando no correr dasemana, exatamente, porque iremos funcionar daqui a 8, 10 dias, que era exatamentequando o planejamento iria permitir, que estava feito com a empresa SENEFRO, queestava lá acompanhando pari passu (...)”

O segundo requerido, quando ouvido (mídia à fl. 78), consignou:

“(…) como Governador de Estado eu fui ao HUSE fazer a inauguração daradioterapia e no mesmo momento o Secretário da Saúde nos informava que anefrologia estava pronta, todos os equipamentos estavam prontos e depois daunidade da radioterapia nós fomos a essa unidade de nefrologia para fazer a suaentrega e lá nós encontramos as máquinas, os equipamentos, as camas (…) Entãonós inauguramos a unidade de radioterapia, que sempre foi um grande objetivo donosso governo para o tratamento oncológico e depois da unidade de radioterapia nósfomos entregar o centro de nefrologia. Lá nós encontramos as máquinas, nósencontramos as camas, nós encontramos as informações e naquele momento foiinformado que as máquinas ainda não estavam ligadas, os equipamentos queprecisavam de um tempo. Eu estava saindo do governo e logo em seguida eu viajei.(…) No dia que fui lá para entregar, as máquinas estavam, os equipamentos, as camas,eu não entendo tecnicamente da ligação dos aparelhos e fiz a entrega que graças aDeus hoje está funcionando. Durou apenas 08 dias para complementação dostrabalhos, a ligação dos aparelhos, equipamentos e a informação que eu obtive é que08 dias após o ato da entrega os equipamentos e as máquinas estavam funcionando(…) Eu sabia que nós íamos fazer essa entrega da nefrologia, o que eu não sabia éque as máquinas e equipamentos não estavam ligadas porque eu não entendo essaparte, é uma parte mais técnica, a informação que eu tinha é de que estava lá e eufui fazer a entrega, mas esse detalhe da ligação das máquinas, dos equipamentosfuncionando, eu não tinha essas informações. A unidade de radioterapia nós vimoscom os nossos próprios olhos o seu funcionamento, já na unidade, na nova unidade denefrologia nós encontramos lá as máquinas e os equipamentos já colocados na novaárea. E como era um sonho de todos nós entregar uma área mais humanizada, eu fui láconhecer a área mas eu já sabia de antemão que essa área ia funcionar a nefrologia eque já estava com os equipamentos. Eu fui para entrega desses equipamentos mas nãosabia essa parte técnica de que depois tinha que fazer essa ligação das máquinas, que

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seu funcionamento não era feito de forma automática, até porque não podia transferiros pacientes de forma automática, que tinha ainda alguns procedimentos de ordemtécnica, essa parte eu não sabia, não sei, porque também não me competia e comoGovernador do Estado eu não tinha que saber esses detalhes.(…) E então eu fui lápara entregar o centro de nefrologia. Agora não tinha a informação técnica de quelogo, logo, após a inauguração a entrega não seria, não estaria funcionando, asmáquinas tinham que ter um prazo aí para fazer a ligação desse aparelho deequipamento. Então eu não sabia que teria uma demanda de tempo maior(...)”.

Além disso, disse que notou o não funcionamento do sistema de ar-condicionado,

que placa de identificação do setor deve ter sido confeccionada por determinação do então

Secretário de Saúde com a direção do hospital e que a propaganda do governo que antecedeu a

inauguração deve ter sido feita pela própria Secretaria de Estado da Saúde. Esclareceu que quando

da inauguração não havia nenhum aspecto de obra, destacando que “tinha sido lavado, estava tudo

arrumado”. Acrescentou que é primo do primeiro requerido e, indagado se levaria adiante a

inauguração se soubesse de que a parte da obra que competia ao Estado não estava pronta afirmou

que não, já que “não poderia entregar uma obra sem que ela estivesse em funcionamento”.

O serviço de hemodiálise intra hospitalar no novo local foi iniciado no dia

17/04/2018, 12 (doze) dias após a “inauguração”, sendo que até aquele momento o elevador de

acesso ao local não estava em funcionamento, como consta de relatório da Vigilância Sanitária (fls.

71/73 dos autos do procedimento)

II- DO DIREITO. DA APLICABILIDADE DA LEI 8.429/92 (LEI DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA). DA OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:

O Ministério Público busca com a presente lide a condenação dos requeridos nas

penas previstas no artigo 12, inciso III da Lei de Improbidade, ante a constatação de que praticaram

ato de improbidade administrativa tipificado no artigo 11 da Lei 8.429/92.

No presente tópico, procuraremos ressaltar que as condutas do acionado deixaram

um enorme e impagável passivo de ordem imaterial.

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9ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DOS DIREITOS DO CIDADÃO

ESPECIALIZADA NA DEFESA DOS DIREITOS À SAÚDE

A Lei de Improbidade Administrativa elenca em seu art. 11 uma espécie de “tipo

subsidiário”, aplicável ainda que os atos de improbidade administrativa não importem

enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário.

A norma em exame é residual em relação às que tratam das duas outras modalidades

de atos de improbidade, pois a afronta a legalidade faz parte de sua contextura. Em síntese, pode

dizer-se que a norma do art. 11 constitui soldado de reserva, configurando-se pelo resíduo na

hipótese da conduta ilegal do agente público não se enquadrar nas duas outras categorias de

improbidade.

Nesse contexto, independentemente do reconhecimento de qualquer lesão ao erário,

tem-se que ato que implique ofensa a princípios retores da administração pública pode receber a

pecha de ato de improbidade. Não é outra a dicção do art. 11, da Lei 8.429/92.

A moralidade significa ética da conduta administrativa, a pauta de valores morais a

que a Administração Pública, segundo o corpo social, deve submeter-se para a consecução do

interesse coletivo.

Nessa pauta de valores insere-se o ideário vigente no grupo social sobre, v. g.,

honestidade, boa conduta, bons costumes, equidade e justiça. Em outras palavras, a decisão do

agente público deve atender àquilo que a sociedade, em determinado momento, considera

eticamente adequado e moralmente aceito.

Com efeito, são indissociáveis da ideia de moralidade os mandamentos de probidade,

retidão, ética e boa-fé.

No caso dos autos, a atuação dos demandados, consistente a inauguração de obra

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inacabada passou ao largo dos princípios da impessoalidade e da moralidade já que o ato teve por

objetivo satisfazer interesse de promoção pessoal, sobretudo do segundo demandado que pretende

concorrer a uma vaga para o Senado no próximo pleito, aproveitando do capital político advindo de

inauguração de mais uma obra dentro do maior hospital do Estado.

A Constituição Federal, em seu artigo 37, caput, estabelece que a administração

pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios

obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Discorrendo sobre os princípios a que devem se submeter a Administração,

notadamente os princípios da impessoalidade, da moralidade e da publicidade, JOSÉ DOS

SANTOS CARVALHO FILHO leciona:

“(…) para que haja verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-seexclusivamente para o interesse público, e não o privado, vedando-se, emconsequência, sejam favorecidos alguns indivíduos em detrimento de outros eprejudicados alguns para favorecimento de outros. Aqui reflete a aplicação doconhecido princípio da finalidade, sempre estampado na obra dos tratadistas damatéria, segundo o qual o alvo a ser alcançado pela Administração é somente ointeresse público, e não se alcança o interesse público se for perseguido o interesseparticular, porquanto haverá nesse caso sempre uma atuação discriminatória.Não se pode deixar de fora a relação que a finalidade da conduta administrativa temcom a lei. 'Uma atividade e um fim supõem uma norma que lhes estabeleça, entreambos, o nexo necessário' na feliz síntese de CIRNE LIMA. Como a lei em si mesmadeve respeitar a isonomia, porque a isso a Constituição obriga (art. 5º, caput e incisoI), a função administrativa nela baseada também deverá fazê-lo, sob pena de cometer-se desvio de finalidade, que ocorre quando o administrador se afasta do escopo quelhe deve nortear o comportamento – o interesse público.(…)O princípio da moralidade impõe que o administrador público não dispense ospreceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar oscritérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas tambémdistinguir o que é honesto do que é desonesto. Acrescentamos que tal forma deconduta deve existir não só nas relações entre a Administração e os administrados emgeral, como também internamente, ou seja, na relação entre a Administração e osagentes públicos que a integram.O art. 37 da Constituição Federal também a ele se referiu expressamente, e pode-sedizer, sem receio de errar, que foi bem aceito no seio da coletividade, já sufocada pelaobrigação de ter assistido aos desmandos de maus administradores, frequentemente na

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busca de seus próprios interesses ou de interesses inconfessáveis, relegando paraúltimo plano os preceitos morais de que não deveriam afastar-se.(…)Por oportuno, cabe ainda dar destaque ao fato de que a publicidade não pode serempregada como instrumento de propaganda pessoal de agentes públicos. De acordocom o artigo 37, § 1º, da CF, a publicidade de atos, programas, serviços e campanhasdos órgãos públicos tem por objetivo somente educar, informar e orientar. É vedado àsautoridades que se valham do sistema de divulgação de atos e fatos para promoçãopessoal, muito embora seja comum referido desvio, numa demonstração deegocentrismo incompatível com o regime democrático. Vulnerar aquele mandamentorepresenta, ao mesmo tempo, ofensa aos princípios da impessoalidade e damoralidade, como já têm decidido os nossos Tribunais, exigindo rigorosa necessidadede coibir semelhantes práticas” (Manual de Direito Administrativo. 27 ed. São Paulo:Atlas, 2014. p. 26-30.)

Referindo-se à redação do art. 11, caput, da Lei 8.429/92, colhe-se o seguinte excerto

doutrinário:

“Embora a redação do dispositivo não tenha sido a mais apropriada, pois seria demaior rigor ou precisão reiterar os princípios constitucionais basilares que informama atuação pública elencados no art. 37, caput, da Carta Magna (legalidade,impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), a circunstância de constar delea expressão violação da legalidade elucida, sem dúvidas, que o preceito compreende atransgressão dos demais princípios constitucionais que instruem, condicionam,limitam e vinculam a atuação dos agentes públicos, posto que, como já afirmado noCapítulo I, por ocasião do exame dos princípios constitucionais da AdministraçãoPública, estes ‘servem para esclarecer e explicitar o conteúdo do princípio maior ouprimário da legalidade’” (FILHO, MARINO PAZZAGLINI, op. cit., p. 112).

Não há dúvida de que os acionados cometeram ato de improbidade administrativa

que atentou contra os princípios da Administração Pública, nos termos do art. 11, caput, da Lei n°

8.429/92, ao inaugurar obra inacabada na maior unidade hospitalar do Estado, na medida em que

violaram os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições e à

população como um todo.

Uma cena foi criada com o intuito de levar a população a crer que um novo serviço

seria prestado a partir de então. Na prática, porém, nem se tratava de um novo serviço, já que o

atendimento nefrológico já era prestado a pacientes da unidade, e nem começou a ser prestado no

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novo local, já que as obras não estavam concluídas.

O ato encerra em si alto grau de reprovabilidade na medida não houve inauguração

para a finalidade de atendimento a um interesse público, qual seja, o efetivo início do serviço no

novo local, mas apenas para promoção pessoal dos requeridos, autoridades envolvidas e

beneficiadas pelo ato. Esse distanciamento do interesse público é ato que, além de causar repulsa no

corpo social, se qualifica como ímprobo por violar aos princípios que regem a Administração

Pública.

A questão não é inédita e, em caso análogo, decidiu-se:

“DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUSPENSÃODE OBRA (ESCOLA) E RESCISÃO AMIGÁVEL DE CONTRATO COMCONSTRUTORA POR AUSÊNCIA DE RECURSOS. RETOMADA INFORMAL DAOBRA PELA MESMA EMPRESA E CONTINUIDADE DOS PAGAMENTOS. OFENSAAOS PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE E LEGALIDADE. DANO AO ERÁRIO EENRIQUECIMENTO ILÍCITO NÃO DEMONSTRADOS. (…) .2) DIREITOADMINISTRATIVO. AFIXAÇÃO DE PLACA DE INAUGURAÇÃO EM OBRAINACABADA. PROMOÇÃO PESSOAL. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DAIMPESSOALIDADE E DA MORALIDADE. a) A fixação de placa de 'inauguração',com menção ao nome do Prefeito, em obra pública parcialmente concluída (88%)implica em ofensa ao princípio da impessoalidade e da moralidade ante a nítidaintenção de promoção pessoal. b) A afronta à moralidade, pelo inequívoco agireleitoreiro, infelizmente, faz parte da cultura política brasileira, fato que, contudo,por si só, não a isenta da pecha de improbidade. c) A prática da inauguração deobras inacabadas para a promoção pessoal de candidato - interessado em eleiçõesimediatas ou futuras - é tão comum quanto a conduta do seu sucessor que, sematribuir os créditos, ainda que parciais, a quem de direito, inaugura obras há muitoengendradas e a duras penas iniciadas, como se suas fossem, também para evidentefim de autopromoção. 3) DIREITO PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADEADMINISTRATIVA. ART. 11, CAPUT, DA LEI 8429/92.DOSIMETRIA. a)Considerando as circunstâncias do caso, da conduta, e as consequências sem maiorgravidade, é suficiente a condenação do Réu ao pagamento de multa civil no valor deR$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigido pelo IPCA desde a data da publicação desteAcórdão, acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir do trânsito em julgado.4)APELO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.” (TJPR - 5ª C.Cível - AC -1464276-7 - Cândido de Abreu - Rel.: Leonel Cunha - Unânime - J. 20.09.2016) (semgrifos no original)

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Antes de adentrar no exame da prova, cumpre já fixar que o dolo necessário para a

configuração da conduta ímproba discutida é tão somente a vontade livre e consciente de realizar a

conduta - ou seja, a consciência e deliberação de praticar o ato em contrariedade ao ordenamento.

Ressalte-se que não há necessidade de nenhum dolo específico.

Neste sentido, o STJ tem se pronunciado:

“ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA –IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA– VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – OFENSA AO ART.11 DA LEI 8.429/1992 – DESNECESSIDADE DE DANO MATERIAL AO ERÁRIO.VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS – ART. 11 DA LEI 8.429/1992 –ELEMENTO SUBJETIVO – DOLO GENÉRICO.A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o ato de improbidade porlesão aos princípios administrativos (art. 11 da Lei 8.249/1992), independe de dano oulesão material ao erário. 2. Não caracterização do ato de improbidade tipificado noart. 11 da Lei 8.429/1992, exige-se o dolo lato sensu ou genérico. 3. A utilização desímbolos e slogans da campanha eleitoral do recorrente, então prefeito, emsubstituição ao brasão oficial do ente público municipal encerra grave ofensa aosprincípios da Administração Pública e, nessa medida, configura ato de improbidadeadministrativa, nos moldes preconizados pelo art. 11 da Lei 8.429/1992.4. Recursoespecial não provido. (REsp 1182968/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDATURMA, julgado em 19/08/2010, Dje 30/08/2010)”

E a própria Corte Superior esclarece que o dolo genérico consiste na

“simples vontade consciente de aderir à conduta, produzindo os resultados vedadospela norma jurídica, ou, ainda, a simples anuência aos resultados contrários aoDireito, quando o agente público ou privado deveria saber que a conduta praticada aeles levaria, sendo despiciendo perquirir acerca de finalidades específicas” (AgRg noREsp 1.539.929/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe2/8/2016).

Discorrendo sobre o dever de probidade, Diógenes Gasparini pondera que:

“Esse dever impõe ao agente público o desempenho de suas atribuições sob pautasque indicam atitudes retas, leais, justas, honestas, notas marcantes da integridade docaráter do homem. É nesse sentido, do reto, do leal, do justo e do honesto que deveorientar o desempenho do cargo, função ou emprego junto ao Estado ou entidade porele criada, sob pena de ilegitimidade de suas ações.” (Direito Administrativo. 4ª ed.São Paulo: Saraiva, 1995, p. 51)

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Fixadas essas premissas, em relação ao primeiro requerido, extrai-se da narrativa

fática ter o mesmo praticado atos decisórios que conduziram à intempestiva inauguração do “Centro

de Nefrologia” do HUSE, inclusive promovendo pessoalmente divulgação na véspera do evento,

mesmo ciente de que as obras a cargo da Fundação Hospitalar de Saúde, necessárias e

imprescindíveis ao início dos trabalhos por parte da SENEFRO, não estavam concluídas e que

apenas findos os trabalhos de instalação da central de osmose é que teriam início as sessões de

hemodiálise no local.

Quanto ao segundo, a questão merece análise mais detalhada.

Em primeiro lugar, de acordo com a prova oral produzida nos autos do procedimento

extrajudicial, especialmente o depoimento do Superintendente do HUSE à época dos fatos, o ex-

governador tinha ciência de que as obras não estavam concluídas, ao contrário do que afirmou

quando inquirido. Com efeito, em sua inquirição, conforme arquivo audiovisual anexo, destacou

LUIZ EDUARDO PRADO CORREIA:

“(…) E eu me lembro claramente o próprio Secretário de Saúde avisando aoGovernador e a mídia presente, aos funcionários, às pessoas que estavam presentes'Governador, eu estou avisando que nesse momento, vocês se contarem aí não tem os36 leitos, tem os 35 com o isolamento 36, por quê? Ainda vai ser feito uma bancadade MDF aqui no meio, que vão ficar de 10 a 12 leitos, nessa bancada, ao redor dabancada e como também a instalação dos ar condicionados restantes. Eu peço maisalguns dias para os pacientes começarem a ser atendidos aqui'(...)”

Essa informação, frise-se, se contrapõe ao dito pelo segundo demandado ao afirmar

que não era de seu conhecimento que as obras não estavam concluídas e que “não poderia entregar

uma obra sem que ela estivesse em funcionamento”.

Ainda que assim não fosse, imprescindível não se perder de mira que cabe ao

Governador do Estado “exercer, com auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da

administração estadual” (Constituição do Estado de Sergipe, artigo 84, inciso III). Ora, não é dado

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a Governador alegar ignorância em relação a ato a que se fez presente, na companhia de

Secretários de Estado, já que este é auxiliar daquele, e não o contrário. E no caso em tela, uma

circunstância a mais deve ser considerada, o grau de parentesco entre os demandados, que são

primos, como já informado nos autos. O laço entre eles vai além da relação entre superior e

subordinado, e justifica, com pequena margem de erro, o fato de ter o primeiro requerido praticado

o ato para benefício eleitoral exclusivo para o segundo demandado.

Para além disso, e considerando o fato de que o dolo que constitui elemento

subjetivo do ato improbo é genérico e pode ser direto ou eventual, ganha corpo o entendimento de

que é admissível a aplicação da Teoria da Cegueira Deliberada no exame de ações civis públicas

em que se examinem atos de improbidade administrativa.

Discorrendo sobre a teoria em questão, esclarece VALMIR COSTA MAGALHÃES1:

“A teoria da cegueira deliberada (willful blindness), também conhecida comodoutrina das instruções de avestruz (ostrich intructions), e doutrina da evitação daconsciência (conscious avoindance doctrine), consiste em construção jurisprudencialassemelhada à formulação do dolo eventual e por meio da qual se afigura possível oenquadramento, por lavagem de dinheiro, daquele que, mesmo ciente da elevadaprobabilidade de procedência ilícita dos recursos, assume o risco de produzir oresultado ao agir, ainda assim, de modo indiferente a este conhecimento.Desta forma, embora seja possível checar a natureza dos bens, o indivíduo que detémo dever de impedir o resultado (ex.: compliance officer ou agente econômico-financeiro) opta pela ignorância confortável, comportando-se como o avestruz queenterra a cabeça para não ver a luz do sol. Em bom português, o garante ou quem seencontre nesta posição faz 'vista grossa' e 'ouvidos de mercador', viabilizando,dessarte, a ocultação de patrimônio ilícito pelo que responderá por lavagem dedinheiro, ainda que com base em dolo eventual.

1 MAGALHÃES, Valmir Costa. Breves notas sobre lavagem de dinheiro: cegueira deliberada e honoráriosmaculados. Revista Emerj. Rio de Janeiro, v. 17, n. 64, p. 164-186, jan-abr. 2014. Disponível em:<http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista64/revista64_164.pdf>. Acesso em 21 de julho de2018.

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Já em tratamento específico quanto à aplicação da teoria na apreciação judicial de

atos de improbidade administrativa, discorrem EVANDRO AUGUSTO DELL AGNELO SANTOS

e DIANE FERNANDES FORNACIARI2:

“(…) Assim, ao se admitir condenações de agentes pela prática de atos deimprobidade administrativa, não só praticado com dolo direto, mas, também mediantedolo eventual, com apoio na Willful Blindness Doctrine, o caminho a ser percorridopara demonstração do elemento subjetivo entre a apresentação da ação em Juízo, atéo decreto condenatório, torna-se mais viável.Isso porque, a teoria em tela, mediante sua linha argumentativa, visa apoiar acondenação de atos praticados por aqueles que agem, deliberadamente, fingindo nãoperceber determinada situação de ilicitude para, a partir daí, alcançar a vantagempretendida.E isso quer dizer que esta teoria poderá extirpar muitos argumentos de agentespúblicos e/ou políticos que auferiram benefícios próprios ou os direcionaram aterceiros, agindo em desconformidade com o ordenamento jurídico, mas que, antesdo ato ilícito praticado, intencionalmente, criaram barreiras capazes de evitar oconhecimento de indícios do ilícito.Destarte, ao se tolerar a aplicação da teoria em tela em sede de ação civil pública porato de improbidade administrativa, passar-se-á a responsabilizar tanto os indivíduosque, manifestamente, praticaram atos ímprobos com pleno conhecimento da ilicitude,bem como em face de indivíduos outros que tinham consciência da possível ilicitude doato praticado, mas, deliberadamente, criaram mecanismos que o impediam deaperfeiçoar sua representação sobre o tipo objetivo do caso em concreto.E neste último caso, afirma-se ser mais viável o autor da ação obter a condenação dopolo passivo, pois não se fará necessário perquirir o dolo direto do agente edemonstrar, exaustivamente, que o transgressor praticou determinada conduta agindointencionalmente e querendo alcançar o resultado ilícito. Diferente disto, caberá aparte autora demonstrar que não obstante inexistir provas do dolo direito do agente,todas as circunstâncias contidas nos autos demonstram, cabalmente, que o sujeitoativo evitou tomar conhecimento do ilícito, criando barreiras para aperfeiçoar suarepresentação sobre os elementos objetivos do ilícito praticado. Isto é, o transgressortapa os olhos para ilegalidade e finge desconhecer a situação de ilicitude, atuandocom indiferença, e, após, aufere benefícios ou os direciona a terceiros.(...)”

Assim, mediante a aplicação dos postulados da teoria da cegueira deliberada, é

possível a punição, nos termos preconizados pela Lei de Improbidade Administrativa, ao agente

público que, não obstante não apareça como o executor do ato e quanto a ele alegue ignorância,

2 SANTOS, Evandro Augusto Dell Agnelo, e FORNACIARI, Diane Fernandes. Da aplicação da teria da cegueiradeliberada nas ações de improbidade administrativa. Revista Jurídica do Ministério Público do Estado doParaná. Curitiba, ano 3 – nº 5, p. 121-155, dezembro/2016. Disponível em<http://www.ceaf.mppr.mp.br/arquivos/File/Biblioteca/RevistaJuridicaMPPR_5.pdf>. Acesso em 21 de julho de2018.

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tenha participado de sua consecução e dele tenha auferido benefícios. Essa, exatamente, a situação

no tocante ao segundo demandado.

Esse entendimento já foi aplicado judicialmente, como assegura o aresto adiante

ementados:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Ofensa aos Princípios da Administração Pública,devidamente confirmada pelas provas produzidas – Criação indevida de cargoscomissionados que já havia sido declarada inconstitucional pelo Órgão Especial,como também em relação a anterior condenação do ex-Prefeito por ato deimprobidade, porém, num desrespeito à Constituição Federal (art. 37, II) e as decisõesjudiciais, houve a contratação direta das mesmas pessoas físicas, agora porintermédio de contratação de EMIs (microempreendedores individuais) ou novacontratação comissionada, em relação aos cargos que deveriam ser providos porconcurso público – Reincidência do ex-Prefeito na mesma prática ímproba, porintermédio de subterfúgios - Aplicação da Teoria da Cegueira Deliberada - Ato deimprobidade administrativa devidamente comprovado – Procedência parcial da açãomantida, porém em maior extensão, agora com a condenação da corré ROSEMARYGOMES DOS SANTOS, que não pode se escusar de cumprir a Constituição Federal eas decisões judiciais anteriormente exaradas pelo Poder Judiciário, conformeconsiderado pelo art. 3º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro –Dosimetria das penalidades formuladas individual e proporcionalmente, sem qualquerabuso, inclusive a multa civil, que não pode ser reputada como inconstitucional –Apelação do Ministério Público provida em parte, e não provida a do corréuOSMAR.” (TJSP; Apelação 0001223-11.2014.8.26.0159; Relator (a): Rebouças deCarvalho; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Cunha - VaraÚnica; Data do Julgamento: 27/11/2017; Data de Registro: 27/11/2017)

Do corpo do voto condutor do acórdão acima ementado, fundamentando a aplicação

da teoria aos ilícitos administrativos, se extrai:

“(…) Guardadas as devidas proporções, é evidente, em tempo de exposição pública enotória pelo julgamento televisionado ao vivo da Ação Penal 470 pelo Plenário doSupremo Tribunal Federal, em que de forma corajosa e destemida o Poder Judiciárionão se encolheu, frente aos muitos interesses envolvidos, na condenação de criminososque estavam a praticar infrações penais (corrupção passiva, ativa, lavagem dedinheiro) e, nesta ocasião, uma determinada teoria foi suscitada pelo sempre profundoMinistro Celso de Mello, e que poderá ser agora aventada neste caso concreto, qualseja TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA ou DA IGNORÂNCIA DELIBERADA,também conhecida como DOUTRINA DA CEGUEIRA INTENCIONAL, TEORIA DASINSTRUÇÕES DE AVESTRUZ ou DOUTRINA DO ATO DE IGNORÂNCIA

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CONSCIENTE, criada pela Suprema Corte Norte Americana (willful blindnessdoctrine), cuja síntese diz respeito à tentativa de se afirmar ignorância deliberada efingida acerca da situação de ilicitude, com vistas a objetar uma determinadavantagem.(…)Ainda que esta teoria tenha sua incidência e aplicação na prática de ilícitos penais,mais especificamente em relação ao crime de lavagem de dinheiro, tal como fez oeminente Ministro CELSO DE MELLO em recente julgamento acima mencionado, jáfoi ela também reconhecida em relação aos crimes eleitorais, bem como naquelefamoso caso do furto ao Banco Central em Fortaleza.Por outro lado, é, em relação ao ilícito administrativo praticado neste caso concreto,perfeitamente adequada a sua incidência, na medida em que a corré fingiu nãoperceber que a assunção de determinados cargos só podem ocorrer medianteprovimento efetivo, e não comissionado ou de forma contratada como pessoa jurídica,não havendo agora como se beneficiar da própria torpeza. (...)”

Nessa toada, as circunstâncias do caso concreto, especificadas linhas atrás, levam à

conclusão de que o segundo requerido, então Governador do Estado, teve ciência do que se passava

em relação àquela obra, não lhe sendo lícito, agora, alegar ignorância quanto ao ocorrido com o

objetivo de se furtar à aplicação das sanções previstas em lei, sobretudo porque se trata de pessoa

afeta à vida pública há vários anos.

Nessa esteira de argumentação, estão preenchidos, no presente caso, todos os

requisitos caracterizadores dos atos de improbidade que importaram ofensa aos princípios da

Administração Pública, cabendo a imposição, aos requeridos, das sanções previstas no artigo 12,

inciso III, da Lei 8429/92.

III- DO DANO EXTRAPATRIMONIAL COLETIVO. CABIMENTO. VASTO

POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO E PRECEDENTES JUDICIAIS:

Hodiernamente, a indenização por dano moral no Brasil encontra ampla aceitação.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 pacificou-se a questão da aceitabilidade da tese de

reparação integral da ofensa moral, pois, de forma expressa, nossa Lei Maior (art. 5º, incisos V e X)

alçou a status constitucional a proteção aos bens imateriais.

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Nesse contexto, pode-se afirmar que o fenômeno da globalização, a modernização

da sociedade e os novos valores insculpidos na Carta Maior impuseram uma intensa modificação no

modo de pensar o Direito (fenômeno da repersonalização3), que, por sua vez, passou a dar mais

importância à coletividade que ao indivíduo em si. Em consequência disto, as normas de ordem

pública – que traduzem interesses gerais e comuns na busca do bem social – ganharam relevo e,

dentro desse novo panorama, desenvolveu-se o direito à compensação aos danos morais coletivos4.

Diante destas premissas, é inegável que a ação do s requeridos configura o dano

moral a merecer reparação. O ato de improbidade apontado nesta ação coletiva macula a

respeitabilidade do poder público, estimula a prática de atos divorciados dos princípios da

impessoalidade, da moralidade e da boa-fé, além do dever de lealdade e respeito às regras jurídicos

previstas no ordenamento, em suma, propiciando uma verdadeira desobediência civil, a qual acaba

por sabotar os valorosos propósitos da República previstos no art. 3º de nossa Lei Maior.

A inauguração do inacabado “C entro de Nefrologia ”, bem como a propaganda que

antecedeu e sucedeu o ato, causaram grande sentimento de repulsa no meio social, atingindo

sobretudo pacientes em grave situação de saúde que necessitam dos serviços pela rede estadual no

Hospital de Urgências. Uma legítima expectativa foi criada para um grande número de cidadãos

que, pouco tempo depois foram atingidos com a realidade de que o ato não passou de um engodo.

Sustentando a necessidade de reparação pelo dano moral causado ao ente público,

tem-se:

3 “A escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental deerradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão doparágrafo 2° do art. 5°, no sentido da não-exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desdeque decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela epromoção da pessoa humana, tomada como valor máximo do ordenamento” (TEPEDINO, Gustavo. Temas de DireitoCivil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p 48).4 “Dano moral coletivo é o resultado de toda ação ou omissão lesiva significante, praticada por qualquer pessoa contrao patrimônio da coletividade, considerada esta as gerações presentes e futuras, que suportam um sentimento de repulsapor um fato danoso irreversível, de difícil reparação, ou de conseqüências históricas” (PEREIRA, Marco AntônioMarcondes. Dano moral contra a coletividade: ocorrências na ordem urbanística. Dano Moral e sua Quantificação.Caxias do Sul: Plenum, 2007.1 CD-ROM. ISBN 978-85-88512-18-4).

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“As pessoas jurídicas de direito público, com maior razão do que as direito privado,devem ser ressarcidas dos danos morais que venham a sofrer. A AdministraçãoPública tem por fim a persecução do bem comum e todo ato praticado por seusagentes deve ter em foco o interesse público. Assim, temos que o ato de improbidadeadministrativa pode ferir também um interesse moral do ente público, traduzido nasua honra objetiva, na confiança e respeito que as pessoas devem devotar-lhe, nãohavendo motivo plausível para a recusa de ressarcimento. Nesse sentido, Figueiredoassinala que, no conceito de lesão ao patrimônio público, ‘por certo, está englobada anoção de lesão moral, porque no conceito de perda patrimonial, cremos, estáenglobada a ideia de prejuízo moral, dano moral. Ademais, a lesão ao patrimôniomoral sempre será dimensionada sob o aspecto econômico. Em suma, não existe‘perda patrimonial’ apenas sob a ótica econômica, ainda que recomposta a partirdesse critério.”(José Jairo Gomes, Apontamentos sobre a Improbidade Administrativa,in Improbidade Administrativa – 10 anos da Lei 8.429/92, ed. Del Rey, p. 265).

Com efeito, observe-se ainda que há expressa previsão legal acerca da reparação por

dano moral no artigo 1° da lei n° 7347/85.

Neste ponto, avulta-se necessário enfocar que, originariamente, a Lei 7347/85 (Lei

da Ação Civil Pública) limitava-se a fazer referência à responsabilidade por danos. Todavia, a Lei

8884/94 deu nova redação ao artigo 1º da Lei da Ação Civil Pública, introduzindo os adjetivos

morais e patrimoniais ao mencionado preceptivo.

Como facilmente se nota, esta alteração legislativa guardou perfeita harmonia

normativa com o perfil constitucional relativo ao dano moral, porquanto a Constituição não fez

nenhuma distinção entre danos morais individuais e coletivos, apesar de que, para o intangível

mestre José dos Santos Carvalho Filho, “a redação anterior, referindo-se a danos, já ensejaria a

interpretação de que o termo abrangeria também o dano moral”.

Não obstante, para dirimir eventuais questionamentos, decidiu-se inserir

expressamente no dispositivo a qualificação morais ao substantivo “danos”5.

5 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação Civil Pública – comentários por artigo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2007, p. 13.

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Prosseguindo seu raciocínio sobre a vexata quaestio, o mencionado jurista ensina:

“(...) que o dano moral se caracteriza pela ofensa a padrões éticos dosindivíduos, no caso em foco dos indivíduos componentes dos grupos sociaisprotegidos. Sendo assim, pode-se afirmar que não apenas o indivíduo,isoladamente, é dotado de determinado padrão ético. Os grupos sociais,titulares de direitos transindividuais, também o são. Assim, se for causadodano moral a um desses grupos pela violação a interesses coletivos oudifusos, presente estará o interesse de agir para a propositura da ação civilpública.Tribunais e doutrinadores (...) têm avançado na aplicação da normacondenatória que permite a obrigação de indenizar no caso de dano moralcoletivo. Na Justiça do Trabalho, por exemplo, há decisões que adotaramesse entendimento contra empregadores que se prevaleciam dessa condiçãopara obter vantagens ilícitas à custa dos empregados6 ou, o que tem sidomais comum, que mantêm empregados em situação análoga à de escravos –o trabalho-escravo, que, sem dúvida, causa ofensa à dignidade de toda asociedade. Por sua precisão, vale a pena ver os termos da ementa doseguinte acórdão:DANO MORAL COLETIVO – POSSIBILIDADE – Uma vez configuradoque a ré violou direito transindividual de ordem coletiva, infringindonormas de ordem pública que regem a saúde, segurança, higiene e meioambiente do trabalho e do trabalhador, é devida a indenização por danomoral coletivo, pois tal atitude da ré abala o sentimento de dignidade, faltade apreço e consideração, tendo reflexos na coletividade e causando grandesprejuízos à sociedade.7

Na doutrina, vários estudiosos têm advogado a necessidade de aplicaçãoda norma que prevê o dano moral coletivo. Em nosso entender, asdificuldades na configuração do dano moral quando há ofensa a interessescoletivos e difusos devem ser cada vez mais mitigadas, de forma a serimposta a obrigação indenizatória como verdadeiro fator de exemplaridadee de respeito aos grupos sociais, sabido que a ofensa à dignidade destes temtalvez maior gravidade que as agressões individuais. Daí ser correta aafirmação de que o dano moral coletivo é a injusta lesão na esfera moral deuma dada comunidade, ou seja, a violação antijurídica de um determinado

6 TRT – 12ª Região, 1ª Turma, RO nº 931/98-SC, Rel. Juiz GILMAR CAVALHERI, julg. em 22/09/98.

7 TRT – 8ª Região, RO 5.309/2002-PA, Rel. Juiz LUÍS DE JOSÉ JESUS RIBEIRO, julg. em 17/12/2002.

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círculo de valores coletivos”.8 9

Perfilham igual pensamento nossos Tribunais, de que é exemplo eloquente o seguinte

julgado do STJ:

“ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DANO AOERÁRIO. MULTA CIVIL. DANO MORAL. POSSIBILIDADE.PRESCRIÇÃO. 1. Afastada a multa civil com fundamento no princípio daproporcionalidade, não cabe se alegar violação do artigo 12, II, da LIA pordeficiência de fundamentação, sem que a tese tenha sido anteriormentesuscitada. Ocorrência do óbice das Súmulas 7 e 211/STJ. 2. "A normaconstante do art. 23 da Lei nº 8.429 regulamentou especificamente aprimeira parte do § 5º do art. 37 da Constituição Federal. À segunda parte,que diz respeito às ações de ressarcimento ao erário, por carecer deregulamentação, aplica-se a prescrição vintenária preceituada no CódigoCivil (art. 177 do CC de 1916)" – REsp 601.961/MG, Rel. Min. João Otáviode Noronha, DJU de 21.08.07. 3. Não há vedação legal ao entendimentode que cabem danos morais em ações que discutam improbidadeadministrativa seja pela frustração trazida pelo ato ímprobo nacomunidade, seja pelo desprestígio efetivo causado à entidade públicaque dificulte a ação estatal. 4. A aferição de tal dano deve ser feita nocaso concreto com base em análise detida das provas dos autos quecomprovem efetivo dano à coletividade, os quais ultrapassam a merainsatisfação com a atividade administrativa. 5. Superado o tema daprescrição, devem os autos retornar à origem para julgamento do mérito daapelação referente ao recorrido Selmi José Rodrigues e quanto à ocorrênciae mensuração de eventual dano moral causado por ato de improbidadeadministrativa. 6. Recurso especial conhecido em parte e provido tambémem parte. (REsp 960.926/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA,SEGUNDA TURMA, julgado em 18.03.2008, DJe 01.04.2008)” (grifosnossos)

Em arremate, pode-se invocar como fundamento legal para o ressarcimento do dano

imaterial coletivo as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor nos art. 6º, VI e VII ,

cuja aplicação à presente lide coletiva decorre da simbiose entre as ações em defesa dos direitos

8 BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro. In: Revista de Direitodo Consumidor nº 12, out/dez/94. 9 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. Cit.

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coletivos e difusos ( Lei da Ação Civil Pública, Ação Popular, CDC, ECA, Estatuto do Idoso, dentre

outras ), formando o que se convencionou chamar de microssistema10 de direito processual coletivo.

Em ambos os incisos faz-se menção expressa à tutela inibitória e ressarcitória ao

dano moral coletivo, sem olvidar que o CDC, por conduto de seu art. 117 aplica-se, no que couber,

à Lei da Ação Civil Pública, que, conforme já dito compõe um mosaico a formar o chamado

processo coletivo, de que é parte integrante a Lei de Improbidade Administrativa.

IV – DOS REQUERIMENTOS FINAIS:

Ex positis, e à luz dos argumentos expendidos, o Ministério Público do Estado de

Sergipe requer:

a) A notificação dos requeridos para, querendo e no prazo de Lei previsto no artigo

17, § 7º, da Lei n.º 8.429/92, oferecerem manifestação prévia por escrito;

b) Seja a petição inicial recebida com a citação dos demandados para, querendo, no

prazo de quinze dias, contestarem a presente ação, sob pena de revelia;

c) A notificação do Estado de Sergipe, caso queira, para integrar a lide, nos termos

do artigo 17, § 3º, da Lei Federal 8.429/92;

d) Sejam condenados JOSÉ ALMEIDA LIMA e JACKSON BARRETO DE

LIMA incurso nas penalidades previstas no artigo 12, III da Lei 8.429/92, dentre as quais perda

da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 3 (três) ao 5 (cinco) anos,

10 Reconhece-se na doutrina, v.g. Emerson Garcia, in Improbidade Administrativa, Nelson Nery, in Código de ProcessoCivil Comentado, e em nossos Pretórios, verdadeira simbiose entre as ações de cunho coletivo, as quais nas palavras doeminente Ministro do STJ Luiz Fux, a partir da normatização constitucional “ criou um microsistema de tutela deinteresses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação CivilPública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos (...) ( REsp. no.401.964/RO, un., julgado em 22/10/02).

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pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e

proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou

creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio

majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos;

e) Sejam condenados os demandados, improbus agenti, a indenizar os DANOS

MORAIS COLETIVOS (danos extrapatrimoniais difusos), por força dos arts. 1º, caput, e inciso IV,

da Lei da Ação Civil Pública, e 6º, incisos VI e VII, do Código de Defesa do Consumidor, causados

pela violação aos princípios da Administração Pública, cuja quantificação (quantum debeatur)

deverá ser levantada durante a instrução. Requer-se, ainda, que o valor da indenização seja revertido

em favor do Fundo do artigo 13 da Lei 7347/85;11

g) Condenação dos Demandados ao pagamento das custas e demais despesas

processuais;

Pretende e requer provar o alegado por todos os meios de prova em Direito

admitidos, especialmente, com a documental produzida com a inicial e que faz parte do Inquérito

Civil Público, depoimento pessoal dos Requeridos, audição de testemunhas, juntada de novos

documentos e perícia contábil para dimensionar o dano ao erário.

11 Registre-se o entendimento do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS sobre os DANOS MORAISCOLETIVOS: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. DANO PATRIMONIAL E DANO MORALCOLETIVO. REPARAÇÃO. PROCEDÊNCIA. (...) 3. O advento do novel ordenamento constitucional – no que concerne à proteção ao dano moral – possibilitou ultrapassar a barreira do indivíduo para abranger o dano extrapatrimonial à pessoa jurídica e à coletividade . O meio ambiente integra inegavelmente a categoria de interessedifuso, posto inapropriável uti singuli. Dessa forma, a sua lesão, caracterizada pela diminuição da qualidade de vida dapopulação, pelo desequilíbrio ecológico, pela lesão a um determinado espaço protegido, acarreta incômodos físicos oulesões à saúde da coletividade, revelando lesão ao patrimônio ambiental, constitucionalmente protegido, ensejando a reparação moral ambiental causada a coletividade , ou seja, os moradores daquela comunidade. 4. Sentençareformada. Condenação da requerida/apelada a recuperar e compensar os danos ambientais, socioeconômicos e à saúdepública, bem como em dano moral coletivo . Apelo conhecido e provido.” (TJGO. 5ª Turma Julgadora da 3ª CâmaraCível – votação unânime. Apelação Cível nº 108156-4/188 (200700552663). Comarca de Itumbiara. Relator Juiz G.Leandro S. Crispim. J. 28/07/2007). Anote-se, da mesma forma, o teor da SÚMULA nº 03, do Conselho Superior doMinistério Público do Estado de São Paulo: “O Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública visando à contrapropaganda e responsabilização por danos morais difusos .”

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Por fim, o Ministério Público do Estado de Sergipe ressalta que a presente petição

inicial poderá ser aditada a qualquer momento para nela incluir no polo passivo da demanda novos

requeridos cuja participação seja apurada após a deflagração da presente ação civil pública.

Segue em anexo íntegra do Procedimento Administrativo Preparatório de Inquérito

Civil nº. 54.18.01.0064.

Dá-se à presente causa o valor de R$100.000,00 (duzentos mil reais) em atendimento

ao disposto no artigo 292 do NCPC para os fins legais.

Pede deferimento.

Rol de testemunhas:

1. LUIS EDUARDO PRADO CORREA, qualificado à fl. 28 dos autos do procedimento;

2. LÍGIA DE CASSIA BARBOSA DO NASCIMENTO, qualificada à fl. 29 dos autos doprocedimento;

3. SOPHIA DA FONSECA BARBOZA, qualificada à fl. 32 dos autos do procedimento.

Aracaju/SE, 27 de julho de 2018.

Francisco Ferreira de Lima JúniorPromotor de Justiça

Bruno Melo MouraPromotor de Justiça

Jarbas Adelino Santos JúniorPromotor de Justiça

Luciana Duarte SobralPromotora de Justiça

Maria Helena Moreira Sanches LisboaPromotora de Justiça

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