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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS MILTON SILVA DOS SANTOS RELIGIÃO E DEMANDA: O FENÔMENO RELIGIOSO EM ESCOLAS PÚBLICAS CAMPINAS-SP 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

MILTON SILVA DOS SANTOS

RELIGIÃO E DEMANDA: O FENÔMENO RELIGIOSO EM ESCOLAS PÚBLICAS

CAMPINAS-SP 2016

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CNPq, 140137/2012-2; CAPES

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387

Santos, Milton Silva dos,

Sa59r Religião e demanda : o fenômeno religioso em escolas públicas /

Milton Silva dos Santos. – Campinas, SP : [s.n.], 2016.

Orientador: Ronaldo Rômulo Machado de Almeida. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas,

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Ensino religioso. 2. Religião. 3. Religiões afro-brasileiras. 4.

Religião nas escolas públicas. I. Almeida, Ronaldo Rômulo Machado

de,1966-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e

Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Religion and demand Palavras-chave em inglês: Religious education Religion Afro-Brazilian religions Religion in the public schools Área de concentração: Antropologia Social Titulação: Doutor em Antropologia Social Banca examinadora: Ronaldo Rômulo Machado de Almieida Maria da Graça Jacinto Setton Salomão Barros Ximenes Rui Luis Rodrigues Rodrigo Toniol Ferreira Data de defesa: 29-09-2016 Programa de Pós-Graduação: Antropologia Social

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de defesa de Tese de Doutorado, composta

pelos professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 29

de Setembro de 2016, considerou o candidato Milton Silva dos Santos aprovado.

Prof. Dr. Ronaldo Rômulo Machado de Almeida (Orientador) Profa. Dra. Maria da Graça Jacintho Setton Prof.Dr. Salomão Barros Ximenes Prof. Dr. Rui Luis Rodrigues Prof.Dr. Rodrigo Ferreira Toniol A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, conta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Para minha mama, Dona Rita. Ela sempre teve a certeza que esta tese se realizaria.

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AGRADECIMENTOS

Disse em outras situações que a realização de uma pesquisa de mestrado ou

doutorado não é um ato (ou processo) heroico. Mesmo os heróis e heroínas nunca

estão sozinhos(as) em suas jornadas e sagas heroicas.

Este trabalho não é resultado de uma epopeia, mas tem em comum o longo trajeto

percorrido, que teve seu início em 2011. De lá para cá, muitas pessoas se juntaram

a ele de múltiplas formas. É neste momento que surge o desafio de recordar cada

nome, num esforço de não esquecer ninguém.

Primeiramente, agradeço os profissionais da educação que atuam no Centro de

Referência da Educação (CRE- Mário Covas), nas Diretorias Regionais de Ensino e

nas escolas públicas estaduais de São Paulo (capital) e Campinas.

Agradecimento especial para os professores que aceitaram minha presença durante

suas aulas de ensino religioso; em especial, a Maristela Coccia, que me recebeu em

suas atividades de formação de professores de história e ensino religioso (Diretoria

de Ensino – Região Campinas Oeste), tendo me facilitado o acesso ao seu material

de trabalho, aqui tratado enquanto fonte de pesquisa.

Tal parceria também se estende a todas as editoras que, através de seus

departamentos comerciais e de divulgação, doaram as coleções de livros didáticos

de ensino religioso analisadas neste trabalho.

Quanto aos amigos, agradeço as leituras preliminares de Cris, Mafê, Ana,

Josemeire, Val, César, Fabricio, Matheus, Luan e, especialmente, Kati Shishito – a

quem sou grato pelo auxílio com as tabelas, quadros e, sobretudo, pela escuta,

estímulo e sabedoria budista nas horas difíceis de escrita.

O Vine, o Aledyson e o Astan, pelo “auxílio técnico” com a digitação de fontes e

edição de imagens.

Sempre me lembrarei do apoio, presença constante e incentivo dos amigos citados,

incluindo Jaqueline, Edilene, Marilea, Sandra e meus irmãos – em especial, Maria e

Moisés que, mesmo distantes, estiveram comigo neste processo.

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Marco Aurélio (Comitê de Ética e Pesquisa/PUC-SP), Angelita Garcia, Cristina

Sacramento, Matheus Oliva e os professores Sergio Junqueira (PUC-PR), Vera

Candido (UNIFESP), pelas indicações de leitura e envio de material bibliográfico

solicitado.

Às professoras Brenda Carranza e Ana Almeida por suas presenças, leituras e

críticas. Espero ter cumprido ao menos parte das recomendações que ambas

indicaram durante o exame de qualificação.

Sou grato aos professores Graça Setton, Salomão Ximenes, Rui Luis Rodrigues e

Rodrigo Toniol, membros da banca de defesa, pelas arguições, críticas e sugestões

recebidas.

À ONG Ação Educativa Pesquisa e Formação, onde pude apresentar os dados e

resultados preliminares desta pesquisa durante as atividades de formação

continuada que ministrei nos cursos “Educação, Relações Raciais e Direitos

Humanos”, “A Cor da Cultura” (Canal Futura), “Laicidade e Intolerância Religiosa na

Educação”, “Educação e Relações Raciais: Apostando na Participação da

Comunidade Escolar”.

À Capes e o CNPq pelos auxílios concedidos, que facilitaram a concretização desta

tese.

Agradeço a orientação paciente do Ronaldo; afinal, como ele mesmo disse durante a

defesa pública: “O Milton não é uma pessoa óbvia”.

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Provavelmente não há nada mais apropriado, mais homogéneo à história das religiões e à própria religião do que tudo aquilo que não é a história da própria ideia de religião.

Maurilio Adriani

(2000:157; itálicos no original)

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RESUMO

SANTOS, Milton Silva dos. Religião e demanda: o fenômeno religioso em escolas públicas. Campinas, 2016, 237p. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2016.

Inserido na perspectiva de um movimento mais amplo de crescimento do religioso na

esfera pública brasileira, esta tese trata da oferta obrigatória do ensino religioso (ER)

nos sistemas oficiais de ensino. Partindo da literatura produzida em diferentes áreas

das ciências humanas, tem como eixo os usos e sentidos que o conceito de religião

(enquanto fenômeno sociológico, histórico e cultural) adquire nesta polêmica

disciplina facultativa para o estudante e oficialmente desprovida de caráter

doutrinário ou catequético. Analiso a legislação que normatiza a oferta estatal do ER;

as demandas (disputas, debates ou confrontos) entre grupos favoráveis e contrários

à sua permanência na escola pública; seus modelos epistemológicos (ER

confessional, inter-religioso, fenomenológico etc.); os conteúdos oferecidos em livros

didáticos em circulação nacional; as brochuras de ER elaboradas por intermédio da

parceria entre professores e pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas

(UNICAMP) e a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE-SP); as

definições de religião presentes no material empírico/bibliográfico e o lugar (ou não-

lugar) que ele reserva para as religiões de matrizes africanas no Brasil. Neste

debate, que envolve múltiplas vozes e interesses de natureza ideológica e científica,

a noção de religião é quase sempre empregada no sentido de fenômeno

extraordinário, atemporal e identificável entre todos os povos e culturas; dimensão

imanente ao sujeito, a ponto de dispensar qualquer racionalização prévia; patrimônio

cultural composto por um arsenal complexo, que permite às religiões se identificarem

e se expressarem por meio de símbolos, objetos e liturgias diversas. Enquanto

suportes para uma disciplina que tem a diversidade religiosa como justificativa, as

fontes de pesquisa sobre o ER examinadas tendem a destacar o candomblé e a

umbanda, em prejuízo de outros modelos de culto afro. Embora compartilhem

características comuns, que permitiriam compará-las com outras formas religiosas

coexistentes no país, as religiões afro-brasileiras raramente recebem o mesmo

tratamento no material didático e nas aulas de ER observadas in loco nas escolas

públicas estaduais visitadas durante a pesquisa de campo realizada em São Paulo

(capital) e Campinas.

Palavras-chave: Ensino religioso; Religião; Religiões afro-brasileiras; Religião nas

escolas públicas.

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ABSTRACT

Inserted in a broader perspective of the growth of the religious in the Brazilian public

sphere, this thesis covers the mandatory offer of religious education (RE) in the

official educational systems. Starting from the literature produced in different areas of

Human Sciences, it has as axis the usage and sense that the concept of religion (as

sociological, historical and cultural phenomenon) acquires in this controversial

facultative discipline for the student and officially devoid of doctrinal or catechetical

character. I analyze the law that standardizes its offer by the state; its demands

(disputes, debates or conflicts) among favorable and contrary groups concerning its

permanence in the public school; its epistemological models (confessional, inter-

religious, phenomenological RE etc.); the content offered in textbooks in national

circulation; the RE brochures elaborated from the partnership of professors and

researchers of the State University of Campinas (UNICAMP) and the State

Secretariat of Education of São Paulo (SEE-SP); the definitions of religion present in

the empirical / bibliographic material and the place (or abscence of a place) that it

reserves for the religions of African origin in Brazil. In this debate, which involves

multiple voices and interests of ideological and scientific nature, the concept of

religion is almost always used in the sense of an extraordinary, timeless and

identifiable phenomenon among all peoples and cultures; dimension immanent to the

subject, to the point of exempting any previous rationalization; cultural heritage

composed of a complex arsenal, that allows religions to identify and express

themselves through symbols, objects and various liturgies. As supports for a

discipline having the religious diversity as justification, the sources of research on RE

examined tend to highlight candomblé and umbanda, in detriment of other Afro

models of cult. Besides, although sharing common characteristics that allow

comparing them to other forms of coexisting religions in the country, the Afro-

Brazilian religions rarely receive the same treatment in the didactic material and in

the RE classes observed in loco at the state public schools visited during the field

research carried out in São Paulo (capital) and Campinas.

Key words: Religious education; Religion; Afro-Brazilian religions; Religion in the public school.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – “A força negra”: Iansã. Aquarela (Carybé 1911-1997) ..........................106

Figura 2 – Ilustração da capa do livro Cultura religiosa (Edson Steel, Global).......110

Figura 3 – Encarte do disco “Macumba”..................................................................133

Figura 4 – Cortejo de Oxalufã (“Oxalá velho”) (Aquarela de Carybé, 1911-

1997)........................................................................................................................137

Figura 5 – Estátua de Iemanjá: deusa da maternidade, dos mares e oceanos..... 143

Figura 6 – Preto Velho.............................................................................................144

Figura 7 – Ogum. Escultura de Tati Moreno (Dique do Tororó, Salvador/BA)........151

Figura 8 – Mulheres em ritual de candomblé..........................................................151

Figura 9 – “Saída de iaô” (Candomblé).................................................................. 158

Figura 10 – “Limpeza ritual” (Umbanda)..................................................................159

Figura 11 – Ponto Riscado de Umbanda (Desenho de aluno de ER).....................184

Figura 12 – Símbolos cristão e islâmico (Desenhos de alunos de ER)...................185

Figura 12 – Imagem de “macumba”, com definição do termo.................................188

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Modelos de Ensino Religioso.................................................................61

Quadro 2 – Livros didáticos de ensino religioso: amostra examinada......................96

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO / 15 Fontes de dados e percurso metodológico / 19 CAPÍTULO 1 DE FIEL À CIDADÃO: CONTROVÉRSIAS EM TORNO DO ENSINO RELIGIOSO EM ESCOLAS PÚBLICAS / 29 1.1 Escola laica, mentira jurídica? / 32

1.2 O ensino religioso após a década de 1930 / 40 1.3 O ensino religioso após os anos 1980 / 45 CAPÍTULO 2 NA ENCRUZILHADA ENTRE A FÉ E A CIÊNCIA: MODELOS E FORMAS DE ABORDAGEM DO FENÔMENO RELIGIOSO / 54 2.1 Catequese na paróquia, ensino religioso na escola / 59 2.2 Modelos tipológicos de ensino religioso / 60

2.2.1 Catequético / 62 2.2.2 Teológico / 63 2.2.3 Confessional e interconfessional / 64 2.2.4 Ecumênico / 66 2.2.5 Inter-religioso (“pluralista”) / 67 2.2.6 Ciências da religião / 68 2.2.7 Fenomenológico / 70 2.2.8 Transconfessional e transreligioso / 73 2.2.9 História das religiões / 74

2.3 Modelos impuros e ambiguidade conceitual / 76 CAPÍTULO 3 PELOS MARES DA RELIGIÃO: O ENSINO RELIGIOSO VISTO A PARTIR DOS LIVROS ESCOLARES / 82 3.1 Livro escolar: de mídia de massa a objeto cultural complexo / 85 3.2 Livros didáticos em escolas do Brasil: discursos autoritários e apreensão do conhecimento / 89 3.3 Religião não é letra morta / 92

3.3.1 Coleções didáticas de ensino religioso / 95 3.4 Religião, do substrato cultural ao fenômeno social / 115

3.4.1 O nascimento da religião / 120

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CAPÍTULO 4 MACUMBA É RELIGIÃO? ABORDAGENS ESCOLARES SOBRE AS MATRIZES CULTURAIS DO MUNDO RELIGIOSO AFRO-BRASILEIRO / 131

4.1 Religiões afro-brasileiras em livros escolares de ensino religioso / 138 4.2. Religião é católica, a crença é negra / 147

4.2.1 Da “saída do iaô” ao descarrego de umbanda / 157 CAPÍTULO 5 COSTUMES, CRENÇAS E RITOS: PERCEPÇÕES SOBRE RELIGIÃO E ENSINO RELIGIOSO EM ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DOS MUNICÍPIOS DE SÃO PAULO E CAMPINAS/SP / 163 5.1 A religião no espaço público da escola / 166 5.2 Da norma legal para a prática real / 178

5.2.1 Religião sem ofensas / 181 5.2.2 Religião e seus significados / 186 5.2.3 O ensino religioso sob o ponto de vista estudantil / 194 5.2.4 “Nunca ouvi falar em umbanda”: invisibilidade e intolerância religiosa / 196

CONSIDERAÇÕES FINAIS / 205 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS / 210 LIVROS DIDÁTICOS DE ENSINO RELIGIOSO / 227

APÊNDICES A Pesquisas realizadas em Instituições de Ensino Superior (IES) / 228 B Pesquisas realizadas por ano de defesa / 229 C Pesquisas defendidas por Região, Nível e Área de Conhecimento / 230 D Roteiro de Pesquisa: Ensino religioso em escolas públicas (professores) / 231 E Roteiro de Pesquisa: Ensino religioso em escolas públicas (alunos) / 233 ANEXOS 1 Ofício da Diretoria de Ensino - Região Campinas Leste (DECLESTE) / 234 2 Informativo Tambor (ano III, nº 24, p. 2, Guararema-SP, ago.2001) / 235 3 Informativo Tambor (ano III, nº 27, p. 2, Guararema-SP, nov.2001) / 236 4 Informativo Tambor (ano III, nº 28, p. 2, Guararema-SP, dez.2001) / 237

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15

INTRODUÇÃO

Os defensores da tese da secularização, ao concordarem com os “pais

fundadores da sociologia”, afirmam que as organizações, crenças e práticas

religiosas perderam sua importância social, poder e prestígio nas sociedades

modernas. No outro extremo do debate, existem aqueles que, ao refutarem o mito da

morte ou do desaparecimento da religião, argumentam que ela ainda desempenha

um papel significativo no mundo atual, sendo um fator determinante na própria

composição e configuração do espaço público; assim, a religião não se enfraqueceu

como força simbólica e, tampouco, deixou-se declinar ou retrair-se ao silêncio dos

lares modernos e núcleos religiosos.

Na atualidade, a religião não só tem adquirido novas formas de

espiritualidade, como também sentido, relevância investigativa, visibilidade ou

mesmo legitimidade, se associada ao conjunto dos fenômenos sociais mais amplos,

como a política, o mercado, a mídia, a família, a educação, etc. – instâncias de

alguma forma unidas ou interdependentes, mas que podem ser distinguidas para fins

analíticos, como recurso didático ou metodológico. Portanto, o que se entende, hoje,

por religião depende do contexto de significação no qual esteja inserida (BRELICH,

1977) e deve ser apreendida como dimensão dotada de uma lógica própria e

distinta, mas que se relaciona com a esfera da não-religião (ALMEIDA, 2010;

POMPA, 2012).

Embora não constituam propriamente o problema central desta pesquisa,

as posições acima de alguma forma atravessam o tema aqui investigado, isto é, as

conexões entre religião, educação e sociedade. Em sentido restrito, porém inserido

na perspectiva de um movimento mais amplo de crescimento do religioso na esfera

pública (BURITY, 2001), esta tese tem como objeto o oferecimento obrigatório do

ensino religioso1 em escolas públicas brasileiras, de matrícula facultativa para o

aluno de ensino fundamental, não sendo obrigatório oferecê-lo aos estudantes do

ensino médio.

Após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

– LDBEN 9.396/1996 –, a “Educação Religiosa” foi inserida no conjunto das dez

1 Doravante, ER.

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áreas do conhecimento (Língua Portuguesa, Matemática, História etc.) previstas no

ensino fundamental, conforme Resolução CEB/CNE nº 2/1998.2 Trata-se, em

termos oficiais, de uma disciplina voltada à “formação básica do cidadão”, que visa

o ensino/aprendizagem sobre a diversidade religiosa brasileira, mas proíbe o

proselitismo e a afirmação de uma ou outra religião em sala de aula.

Para além do Ensino Religioso (ER) legalmente autorizado, a dimensão

religiosa na esfera público-escolar, constatam Moraes e Guimarães (2010), também

se revela nas experiências de construção de identidade que os alunos vivenciam em

diferentes espaços de socialização (família e comunidades religiosas), assim como

em datas comemorativas, feriados religiosos, exibição de ícones das religiões

dominantes e da cultura religiosa assumida por professores e funcionários. Embora

esta dimensão religiosa apareça frequentemente em tais contextos, preocupam-se

[...] os professores, e com certa razão, de que não possam desenvolver o tema sem ferir ou permitir que se firam suscetibilidades de alguma religião, causando mal-estar, rejeição da parte dos alunos, animosidades entre alunos e censura de pais e dirigentes escolares. No entanto (...), o tema nem por isso está ausente da sala de aula e quando surge, por conta dessa recusa de ser enfrentado, pode gerar justamente o que se tenta afastar: o conflito, a tensão surda, a manutenção dos preconceitos etc. (MORAES; GUIMARÃES, 2010, p. 137).3

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais para a Pluralidade

Cultural, a inclusão do ER no currículo das escolas públicas brasileiras exige

atenção, pois se trata de uma temática vinculada...

[...] em termos de direito, à liberdade de consciência e de crença, a presença plural das religiões no Brasil constitui-se fator de possibilidade de escolha. Ao indivíduo é dado o direito de ter religião,

2 A Resolução CEB/CNE 7/2010, em seu art. 15, usa a nomenclatura “Ensino Religioso”: “Os

componentes curriculares obrigatórios do Ensino Fundamental serão assim organizados em relação às áreas de conhecimento: I – Linguagens: a) Língua Portuguesa; b) Língua Materna, para populações indígenas; c) Língua Estrangeira moderna; d) Arte; e) Educação Física; II – Matemática; III – Ciências da Natureza; IV – Ciências Humanas: a) História; b) Geografia; V – Ensino Religioso.”Cf.<http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb007_10.pdf>. Acesso em: jan.2015. 3 Trecho do comentário referente ao texto “Religião: sistema de crenças, feitiçaria e magia em sala de

aula”, da antropóloga Paula Montero (2010), publicado em Sociologia, obra distribuída pelo Ministério da Educação (MEC) aos professores do ensino médio. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=7843-2011-sociologia-capa-pdf&category_slug=abril-2011-pdf&Itemid=30192>. Acesso em: set.2013.

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quando criança, por decisão de seus pais, ou, quando adulto, por escolha pessoal; de mudar de religião, por determinação voluntária ao longo da vida, sem restrições de ordem civil; e de não ter religião, como opção consciente. O que caracteriza, portanto, a inserção social do cidadão, desse ponto de vista, é o respeito, a abertura e a liberdade.4

Essas ponderações possibilitam levantar algumas reflexões que, de certa

forma, orientaram a elaboração desta tese: de que maneira o ER previsto na atual

Constituição Federal de 1988 vem sendo posto em execução? Em específico, qual

lugar ele ocupa, atualmente, nas escolas públicas do Estado de São Paulo? É

possível mensurar a relevância pedagógica do ER entre os professores e alunos,

tendo como ênfase a definição e a relação que os envolvidos elaboram com a

categoria religião? São estas as perguntas que se buscará responder nos capítulos

que seguem, sem perder de vista que, ao inferir a perspectiva da religião, tal como

sinalizado neste estudo, outras problemáticas apresentaram-se como fundamentais

para entender a complexidade do ER no universo escolar.

Tendo em vista a “hipótese da anterioridade do fato religioso na

sociedade brasileira”5 – que se diferenciaria de outros fenômenos sociais por ser

uma esfera mediadora que procura responder certas questões sobre o sentido da

vida e outros “aspectos primordiais da existência humana” (DINIZ; LIONÇO, 2010b,

p. 16), sinalizo as seguintes indagações que merecem um tratamento minucioso.

Ao discutirem os fenômenos religiosos que compõem a experiência social

de determinados grupos culturais, os produtores de conhecimento6 para ER buscam

enfatizar, em suas narrativas, a “essência” e estrutura específica destes fenômenos

ou procuram explicitar os contextos socioculturais nos quais eles emergiram? O que

é “religião” para eles e como definem o “religioso” que diferencia o ER – e o seu

objeto de estudo – das outras disciplinas do currículo escolar? Qual tratamento

4BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Secretaria de

Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997, p. 30-31. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro101.pdf>. Acesso: jan.2015. 5 As “verdades religiosas não se subordinariam ao julgamento de mérito, um processo corriqueiro a

todos os campos científicos” (DINIZ; LIONÇO, 2008b, p. 16). 6 No caso desta pesquisa, são eles: os autores e organizadores de livros didáticos e cadernos

pedagógicos de ER; os professores de ER atuando em escolas da rede estadual paulista e os professores-formadores que atuam exclusivamente nas oficinas pedagógicas das Diretorias Regionais de Ensino de São Paulo (capital) e Campinas/SP.

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reservam para as religiões decisivas na formação da cultura nacional não-religiosa,

como as afro-brasileiras, cujas práticas rituais não formalizadas em corpos

doutrinários sistemáticos soam estranhas para muitos brasileiros?

Cabe recordar que o estranhamento em relação às religiões afro-

brasileiras tem desembocado em práticas de intolerância e perseguição religiosas

que não são recentes na sociedade e na história do Brasil.7 Talvez o que haja de

“novo” no presente século sejam as formas de ataque, que muitos interpretam como

“cruzada” ou “guerra santa”, por vezes diretas e virulentas, multiplicadas e

intensificadas nas últimas décadas, com consequências dramáticas. Dentre os

ataques – que ultrapassam as discussões meramente verbais – podemos citar

invasões, quebras e apedrejamentos de comunidades-terreiro, agressões físicas,

etc., e até mesmo mortes de mães-de-santo que tiveram seus templos profanados e

suas reputações vilipendiadas por segmentos religiosos neopentecostais (CEERT,

2004).

Daí o espanto, por exemplo, em ver um dos autores de livros didáticos de

ER afirmar que no Brasil, o país da pluralidade e do sincretismo religioso, “convivem

pacificamente quase todas as religiões do mundo: cristianismo, judaísmo,

islamismo, hinduísta, budismo, espiritismo, candomblé, umbanda etc., além

das religiões indígenas com os seus rituais (...)”.8

É exatamente em função de um problema – isto é, da tolerância religiosa

(e do seu reverso) – que as religiões afro-brasileiras são abordadas em parte do

material didático, inclusive nas brochuras de ER descritas no capítulo final. Elas

raramente são apresentadas individualmente – tratamento mais corriqueiro para as

religiões ditas universais –, mas normalmente vinculadas com outros temas, tais

como pluralidade e diversidade cultural e religiosa. Visto que parte dos livros

didáticos selecionados neste estudo foi publicada por editoras católicas, pode-se

7 Sobre os efeitos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro, indica-se a coletânea

organizada por Silva (2007), a etnografia de Almeida (2009) sobre “A Igreja Universal e seus demônios”, bem com o artigo de Miranda e Maia (2014) sobre religião, política e controvérsias da luta contra a intolerância religiosa. 8 STEEL, Cultura religiosa, Módulo 1 (O conhecimento individual para mais consciência na vida

comunitária), “Pluralismo religioso”, p. 19; grifos em negrito no original. Os livros didáticos de ER examinados nesta pesquisa serão citados desta forma nas notas de rodapé (referências completas podem ser conferidas no final do trabalho). Com isso, os leitores poderão acompanhar os conceitos, temas e títulos escolhidos pelos autores dessas fontes de pesquisa examinadas no terceiro e quarto capítulos.

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presumir que o catolicismo hegemônico na sociedade brasileira tenha um espaço

laudatório e privilegiado nestas fontes. E qual é o espaço destinado para as

denominações religiosas minoritárias, aqui delimitadas pelas afro-brasileiras? Elas

recebem um tratamento diferenciado ou igualitário nas coleções de livros escolares

dirigidos ao ER?

Essas interrogações serão discutidas ao longo deste trabalho, que tem

por base alguns estudos existentes sobre o ER, entrecruzando-os com as

legislações nacionais e estaduais (leis, decretos, resoluções, pareceres, etc., que

têm assegurado a continuidade da oferta do ER nas escolas públicas brasileiras);

com os conteúdos veiculados em livros escolares e cadernos pedagógicos dirigidos

aos professores de ER; e com os dados registrados durante o acompanhamento

direto das aulas de ER oferecidas em escolas públicas estaduais localizadas em São

Paulo (capital) e Campinas/SP (anotações de campo, provas, planos de aulas,

slides, etc., cedidos pelos professores; trabalhos, provas e cadernos de alunos).

Este recurso metodológico permitiu não só contornar as dificuldades

encontradas em campo, cujo trabalho exigia a realização de entrevistas em

profundidade com os professores, como também ampliar os dados registrados

durante as observações diretas das poucas aulas – na rede estadual paulista, o ER

é oferecido numa única aula semanal para os estudantes do 9º ano (antiga 8ª série).

Se a “confiabilidade das evidências está no caráter espontâneo das cenas sociais”

(DINIZ; LIONÇO, 2010b, p. 26), não será desconsiderada, aqui, a possibilidade de

que as aulas observadas alteravam-se, quase sempre, com a presença do

pesquisador.

FONTES DE DADOS E PERCURSO METODOLÓGICO

A propósito do objeto de pesquisa desta tese, é preciso apresentar duas

ressalvas em relação ao título e subtítulo escolhido. A primeira refere-se ao termo

“demanda” que não deve ser lido e interpretado no sentido de demanda educacional,

demanda popular, reivindicação de um direito ou efetivação de alguma política

pública específica. O sentido pretendido tem a ver com discussão, confronto,

embate, etc., entre duas correntes de opinião antagônicas (grupos laicos e

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religiosos9) que buscam defender, na esfera pública, seus argumentos contrários e

favoráveis ao ER nas redes oficiais de ensino. A segunda ressalva refere-se ao

termo “fenômeno religioso”, que sinaliza o campo empírico da pesquisa. Não se trata

de uma análise do fenômeno religioso em si – em termos de crenças, ritos, valores,

práticas e doutrinas religiosas –, mas da maneira como este fenômeno é abordado

nas escolas públicas e tematizado no material didático coletado.

Ao propor esta investigação, não interessavam exclusivamente as

polêmicas diretamente relacionadas ao “processo de escolarização” do ER no Brasil,

que já foram suficientemente discutidas por outros autores (JUNQUEIRA, 2002;

CURY, 2004; CAVALIERI, 2007; GIUMBELLI, 2008, 2004; LUI, 2007, entre outros).

Ainda que inevitável contorná-las, o foco do trabalho são os usos, os sentidos ou os

elementos que constituíram historicamente a noção teórica de religião, identificando,

por extensão, quais representações sobre as religiões de matriz afro-brasileira têm

permeado o ER e os materiais didáticos destinados para este componente curricular.

As interrogações formuladas conduziram-me a uma pesquisa bibliográfica

que teve como objetivo mapear a produção acadêmica relativa ao ER em escolas

públicas brasileiras. Esta etapa teve como ponto de partida o levantamento de teses

e dissertações sobre religião e educação disponíveis nos repositórios do Portal

Capes10 e das bibliotecas universitárias.11 Através dos termos de busca “ensino

religioso” e “educação religiosa” foi possível localizar, entre 2012 e 2015, mais de

100 registros distribuídos em 36 acervos, incluindo uma tese de doutorado defendida

numa universidade espanhola. Ressalta-se que é impossível atingir a totalidade de

pesquisas, livros, teses, dissertações e artigos sobre o ER publicados no Brasil. As

referências citadas aqui representam uma parte dessa produção, pois certamente

existem outros estudos não registrados nos acervos/catálogos de teses e

dissertações consultados.

9 Quanto ao "Grupo do Sim” ao ER (CÂNDIDO, 2007), pode-se falar de “demanda” pelo religioso em

sentido amplo; isto inclui não somente as escolas públicas, mas também as particulares. 10

Para o catálogo do Portal Capes, ver <http://bancodeteses.capes.gov.br/>. Acessos entre 2012 e 2015. 11

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade de São Paulo (USP), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Paraná (PUC-PR), Campinas (PUCCAMP), Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Universidade Presbiteriana Mackenzie, universidades federais e estaduais com cursos de graduação e pós-graduação em ciência(s) da religião (Paraíba, Juiz de Fora, entre outras.)

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A maior parte das pesquisas encontradas foi realizada entre 1995 e 2014,

sendo que em 2012 foram defendidos 32 trabalhos de pós-graduação – detalhes

deste levantamento podem ser conferidos nos Apêndices desta tese. O Sul e o

Sudeste são as regiões brasileiras com o maior número de estudos acadêmicos

sobre o ER, realizados em diferentes áreas do conhecimento: a primeira região com

38 trabalhos e a segunda com 58.

A leitura dos resumos, das introduções, dos sumários e das conclusões das

teses e dissertações levantadas, evidencia que a maioria das pesquisas tem um

caráter nitidamente ideológico de defesa do ER.12 Nota-se a prevalência das

abordagens que, partindo de diferentes campos do conhecimento – em especial,

teologia, ciências da religião e educação –, enfatizam questões sobre a

regulamentação e a implementação do ER nos Estados brasileiros; do ER nas

Constituições federais e legislações educacionais; dos debates entre os defensores

da laicidade e os que aprovam a legitimidade do ER enquanto componente curricular

e outros enfoques. Em caráter mais abrangente, alguns trabalhos de mestrado

discutem certos aspectos de interesse para esta tese, entre os quais os modelos de

ER – confessional, ecumênico, inter-religioso etc. –, que serão retomados em outros

momentos deste estudo (LIMA, 2003; BRASILEIRO, 2010).

Verificou-se, ainda, a existência de poucos estudos sobre a efetivação do

ER nas redes de ensino de São Paulo (DERISSO, 2012; LUI, 2006; 2011).

Entretanto, são quase inexistentes investigações que tratem (para o contexto da

escola pública paulista – universo empírico desta pesquisa) dos materiais didáticos

empregados pelos professores que lecionam “religião”; dos conteúdos previstos ou

oferecidos nessa disciplina; do ensino da matriz africana na religiosidade popular

brasileira, destacando-se, por proximidade temática, apenas a tese de doutorado em

antropologia social defendida por Rachel Bakke (2011), que aborda os cultos afros

inseridos no contexto de aplicação da lei federal nº 10.639/2003.13

12

Derisso (2006) apresentou diagnóstico parecido como o nosso ao informar que teve dificuldade para localizar estudos específicos com abordagem crítica. Observou, entretanto, a recorrência de materiais de divulgação utilizados como suporte para a aplicação do ER e artigos provenientes de instituições confessionais ou de professores e intelectuais comprometidos com o ER. 13

A lei nº 10.639/2003 obriga a inclusão do ensino de história da África e da cultura afro-brasileira nos currículos escolares (artes, história, literatura, etc.) dos estabelecimentos de ensino públicos e

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Apesar da vasta literatura sobre secularização, laicidade e

“redimensionamento” da religião na esfera e no espaço público14, o ER ainda é um

nicho carente de investigações nas ciências sociais. Do total de trabalhos

acessados, apenas sete foram defendidos em programas de pós-graduação desta

área: três mestrados em antropologia social (LUI, 2006; BRAGA, 2007; SANTOS,

2013), três em ciências sociais (RANQUETAT JR., 2007; JACHELLI JUNIOR, 2011;

NUNES, 2012) e um doutorado em ciências humanas, com concentração em

antropologia cultural (LUI, 2011).

Segundo Meirelles (2012), os estudos antropológicos se ocupam da temática

educacional, mas sem fazer dela o objeto central de suas análises. Na maioria das

vezes, ela somente tangencia ou se associa a outros campos de estudo como, por

exemplo, a questão indígena e o ensino bilíngue ou a questão religiosa relacionada

à intolerância e à diferença. Em contrapartida, trata-se de uma presença intensiva

nas áreas da educação, teologia e ciências da religião. No exterior, o ER é

amplamente discutido por cientistas sociais da Europa, Estados Unidos e de alguns

países latino-americanos (RANQUETAT JR., 2007).

O “ER tem sido tema evitado pelos laicos – apenas seus defensores mais

ostensivos dele tratam”, confirma Luiz Antônio Cunha, em estudo sobre religião,

moral e civismo no Brasil (CUNHA, 2006). Religião e educação é, de fato, um

capítulo pouco visitado pela história, pela antropologia e pela sociologia das

religiões. Talvez o que ainda falta, nas ciências humanas de modo geral, é

considerar que as religiões, “enquanto produtoras de cultura” e “sistemas de

símbolos”, compõem uma das matrizes socializadoras do indivíduo contemporâneo

(SETTON, 2008, p. 16). Isto não quer dizer, como visto nesta tese, que as religiões

possam se vivenciadas no espaço da escola pública da mesma forma como são

vividas no interior das comunidades religiosas.

privados. Um dos objetivos dessa norma é estimular medidas em prol de uma educação antirracista, que repudie quaisquer formas de preconceito, racismo institucional e discriminação étnico-racial. 14

Espaço público é entendido como o campo de relações, fora do âmbito doméstico, no qual ocorrem as interações sociais. A esfera pública equivale ao universo discursivo, onde normas e ideias são difundidas e submetidas ao debate público (CARDOSO DE OLIVEIRA apud MIRANDA; MAIA, 2014, p. 82, nota 3).

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23

I

Após a etapa de levantamento jurídico e bibliográfico sobre o ER, mas

antes da ida às escolas, às Diretorias Regionais de Ensino (DREs) e aos seus

Núcleos Pedagógicos, estive na sede da Secretaria de Estado da Educação de São

Paulo (SEE-SP) em busca de variadas informações, a saber: a inserção do ER em

escolas estaduais paulistas, os critérios para a formação das turmas dessa disciplina

e se existia algum material didático de ER produzido e distribuído no âmbito

estadual. Verificando que este material existe e resulta de uma política pública para

o ER no Estado de São Paulo – a única nos últimos treze anos –, ele foi obtido junto

ao acervo do Centro de Referência da Educação (CRE-Mário Covas) e incorporado

ao material de análise. Trata-se de um conjunto de cinco “brochuras” com ênfase em

“história das religiões”, elaborado em parceria com a UNICAMP e distribuído pela

SEE-SP em 2003. Analisar os objetivos das brochuras, seus principais eixos

temáticos, principais conceitos e a maneira como o ER deveria ser desenvolvido,

impôs-se como uma etapa metodológica necessária – tópico retomado no quinto

capítulo deste trabalho.

A obtenção dos dados sobre o ER, em São Paulo, foi árdua e marcada

por algumas dificuldades previsíveis (falta de retorno das assessorias dos dirigentes

regionais de ensino, desconfiança em relação à pesquisa, desconhecimento e

dificuldade dos servidores para localizar e fornecer informações mínimas sobre as

escolas com turmas de ER homologadas). Isso ocasionou mudanças nos rumos da

pesquisa de campo que, inicialmente, abarcaria somente escolas públicas

localizadas no município de São Paulo. Algumas escolas estaduais da região de

Campinas e suas Diretorias de Ensino – Região Campinas Leste (DECLESTE) e

Região Campinas Oeste (DECOE) – foram incorporadas ao estudo. Nestas

diretorias de Campinas tive amplo acesso aos seus dirigentes regionais e aos

profissionais que atuam nos Núcleos Pedagógicos, cujos professores responsáveis

pelo ER contribuíram com planilhas contendo as relações das escolas que

homologaram, ou não, turmas de ER a partir de 2013.15

15

Após o levantamento numérico de 2013, solicitado através da Assessoria do Dirigente Regional de Ensino, foi possível verificar que das 42 escolas de 5ª a 8ª séries abrangidas pela DECLESTE, 39 encaminharam os dados sobre a formação de turmas de ER de 2003 a 2012. Desde 2009, as escolas

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Vale antecipar que apesar do número de escolas visitadas – sete em São

Paulo, seis em Campinas e duas em Valinhos16–, e do volume de material recolhido,

não foi realizado um trabalho etnográfico – ou uma etnografia do ordinário

(AHLERT, 2008) –, no sentido mais estrito do termo. Ainda que não tenha realizado

uma pesquisa exaustiva em todas as unidades escolares visitadas, não foram

descartadas as anotações diversas, entrevistas e conversas informais com os

professores de ER. Estes professores possibilitaram o acesso aos seus

planejamentos de aula e materiais didáticos, incluindo, em alguns casos, a consulta

aos cadernos e trabalhos escolares mediante consentimento dos estudantes

matriculados nas aulas de ER.

Com esse arsenal é possível ter um panorama ilustrativo do que se passa

em uma classe de ER. Afinal, como sinalizado, o intuito aqui é mapear os conteúdos

de ER abordados nas salas de aula, tendo por base as fontes de dados abaixo

selecionadas e classificadas em dois blocos: o material obtido em escolas públicas

estaduais de São Paulo (capital) e o material oriundo das escolas públicas estaduais

vinculadas à Diretoria de Ensino - Região Campinas Oeste:

São Paulo (seis escolas visitadas):17

Levantamento, leitura e registro dos Planos Políticos Pedagógicos (PPPs),

realizado ao longo do primeiro semestre de 2015;

“Para que Ensino Religioso?”, documento interno elaborado pelo Núcleo

Pedagógico da Diretoria Regional de Ensino Centro-Sul;

Cinco brochuras de ER distribuídas pela SEE-SP (SÃO PAULO, 2002);

Declarações de requerimento de matrícula, incluindo a apresentação da

disciplina e a pergunta “O aluno deseja assistir as aulas de Ensino Religioso?” – em

públicas estaduais da Região Leste de Campinas não têm homologado turmas de ER, inclusive em 2013 (ver Anexo 1). 16

As duas escolas públicas estaduais localizadas no município de Valinhos (SP) pertencem ao quadro oficial da DECOE (Diretoria de Ensino - Região Campinas Oeste). 17

O trabalho de campo nas diretorias de ensino e escolas públicas estaduais sediadas no município de São Paulo foi realizado em 2012. Em 2015, retornei em algumas escolas paulistanas para coletar dados pós-qualificação – em especial, consultas aos Planos Políticos Pedagógicos (PPPs), a fim de verificar se havia alguma referência, nestas fontes, ao ER. Voltarei ao percurso empírico no quinto capítulo.

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algumas escolas, a nomenclatura ER foi alterada para “Ética” e “História das

Religiões”;

Respostas manuscritas entregues por estudantes matriculados no ER às

questões: “O que é religião para você?”; “Qual a importância do Ensino Religioso

nas escolas?”;

Respostas manuscritas entregues por estudantes às questões: “Durante esse

ano, com as aulas de Ensino Religioso, o que você levará de aprendizado?”;

Provas bimestrais digitadas e cedidas pelo professor de ER; trabalhos

escolares sobre temas diversos (Censo IBGE 2010, intolerância religiosa,

preconceito na religião etc.); fotocópias dos conteúdos das aulas de ER reunidos em

cadernos escolares; avaliações de aproveitamento em “História das Religiões”;

Questionários semiestruturados (perguntas abertas e fechadas) respondidos

por professores de ER e profissionais da Educação atuando em Núcleos

Pedagógicos (Diretorias Regionais de Ensino).

Questionários respondidos por estudantes matriculados no ER, contendo

perguntas (abertas e fechadas) que visavam sondar se tinham ou frequentavam

alguma religião, com quem (mãe, pai, tia, avós, amigos, etc.); religiões que

gostariam de conhecer e suas percepções sobre religião e a oferta do ER em

escolas públicas.

Campinas (oito escolas visitadas):18

Levantamento, leitura e registro dos Planos Políticos Pedagógicos (PPPs),

realizado ao longo do primeiro semestre de 2015;

Material (slides, ilustrações, legislações impressas etc.,) distribuído durante as

atividades de capacitação – oficialmente denominadas de Orientações Técnicas

(OTs) – de professores de ER da DECOE, ocorridas em março de 2013 e 2014;

18

A pesquisa de campo nas diretorias de ensino e escolas públicas estaduais do município de Campinas ocorreu entre 2013 e 2015. Voltarei a isto no capítulo cinco.

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Respostas manuscritas respondidas por estudantes: atividade de aula contendo

as seguintes perguntas: “Qual é a sua religião?”, “O que é religião para você?”, “O

que acha da matéria de ensino religioso?”, “O que você levará dessa disciplina?”;

Avaliações bimestrais entregues por estudantes de ER; cadernos das aulas de

ER; trabalho manuscritos – “Opinião sobre religião”, entregues por duas alunas

umbandistas; “Preconceito na religião”, texto redigido por uma aluna do candomblé;

Diário de Classe (ano letivo 2013), contendo os resumos do conteúdo

programático e das atividades desenvolvidas no componente curricular

“Ética/Ensino Religioso”; planos de aula referentes aos anos letivos 2013, 2014 e

2105, para o componente curricular “Ensino Religioso”;

Questionários semiestruturados (perguntas abertas e fechadas) respondidos por

professores de ER;

Questionários respondidos por estudantes matriculados no ER, contendo

perguntas (abertas e fechadas) que visavam sondar se tinham ou frequentavam

alguma religião, com quem (mãe, pai, tia, avós, amigos, etc.); religiões que

gostariam de conhecer e suas percepções sobre religião e a oferta do ER em

escolas públicas.

II

A tese está dividida em cinco capítulos. O primeiro trata das “grandes

regras e princípios legais” (ALBUQUERQUE, 2004, p. 4) sobre o ER previsto num

“verdadeiro cipoal jurídico” (SOARES, 2007, p. 8) composto por dispositivos

constitucionais, decretos, portarias, resoluções, deliberações, pareceres, indicações

e outras normatizações federais e estaduais. Dentre os textos legais acessíveis em

sites do governo federal estão o Parecer nº 05/1997, co-assinado pelo relator e

conselheiro José Arthur Giannotti, e o Parecer nº 097/1999, de autoria da relatora e

conselheira Eunice Durham – os dois foram membros do Conselho Nacional de

Educação (CNE), na gestão do ex-ministro da educação Paulo Renato Souza.

O segundo capítulo discute as concepções teóricas que caracterizam os

modelos de ER – confessional, interconfessional, ecumênico, inter-religioso,

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fenomenológico etc. – sugeridos por especialistas da área, autoridades religiosas,

entidades representativas e até mesmo legisladores, que impulsionam o debate

relativo ao paradigma de ER mais recomendável para as escolas públicas do país

(PASSOS, 2007; DANTAS, 2007; JUNQUEIRA; NASCIMENTO, 2013; entre outros).

Convém antecipar que uns defendem um ER sem proselitismo, de caráter inclusivo e

mais interessado nas questões gerais e comparativas dos fenômenos religiosos, ao

passo que outros, ao rejeitarem o ER laico, propõem que:

(...) a educação religiosa nos estabelecimentos públicos de ensino fundamental não deve ser diluída em questões gerais de sociologia e de antropologia religiosa; ou reduzida ao estudo comparado de temas religiosos; nem deverá ser proposta como uma espécie de “religião genérica”, indefinida e não confessional. Tal religião não existe; ou então seria uma espécie de religião oficial oferecida pelo Estado.

19

O ensino de uma “religião genérica”, aconfessional e indefinida, seria, nos

termos de Michael Becker (2010, p. 291), a propagação de um “ateísmo

metodológico”, que potencialmente transformaria o ER em uma “cientificidade

asséptica, incapaz de atender aos interesses e às necessidades religiosas e

espirituais dos alunos”. Entretanto, a sugestão em torno de um ER desvinculado de

dogmas e teologias procura alinhar-se à laicidade do Estado brasileiro, em comum

acordo com as normas federais de educação, que reconhecem a diversidade

religiosa existente na sociedade mais ampla.

O terceiro capítulo procura discutir os diferentes significados do conceito

de “religião” presentes numa amostragem de livros didáticos de ER (exemplares

para análise do professor) publicados pelas principais editoras do país (Ática,

Paulinas, Vozes, Global e outras). Em consonância com esse propósito, o quarto

capítulo enfatiza o tratamento conceitual reservado às religiões de matrizes africanas

no Brasil na mesma amostragem de livros escolares de ER. Este tratamento é

acompanhado por vários aportes visuais (fotografias, pinturas, mapas e ilustrações

diversas), basicamente da umbanda e candomblé, em prejuízo de outras variações

regionais de culto afro-brasileiro ausentes dos manuais escolares de ER. Uma vez

19

Trecho do artigo do arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Sherer, publicado jornal O Estado de S. Paulo, 9 de maio 2009, p. A2, aspas no original. O fragmento citado foi publicado nos volumes de ER da coleção Entre Amigos, “Suplemento para o Professor de Ensino Religioso”, subitem “Ensino Religioso: direito cidadão no Estado laico” (EDITORA MODERNA, 2009, vol. 9, p. 5).

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que a religiosidade popular brasileira se desdobra numa multiplicidade de formas,

cabe dizer que, além da familiaridade com este universo de pesquisa, as religiões

afro-brasileiras foram escolhidas por serem consideradas como decisivas na

formação do patrimônio cultural e intelectual do povo brasileiro, cujas marcas são

perceptíveis em diferentes domínios socioculturais – música, artes plásticas, cinema,

literatura, festas religiosas e populares etc.

O quinto e último capítulo baseia-se na pesquisa de campo realizada,

entre 2012 e 2015, em escolas públicas estaduais paulistanas e campineiras. Ele

trata das percepções de alunos e professores sobre a oferta do ER; a nomenclatura

através da qual ele é identificado (e diferenciado) em meio às demais disciplinas

escolares; a concepção de religião vigente no ER escolar e, novamente, o espaço

reservado para as religiões afro-brasileiras no modelo de ER regulamentado pelo

Estado de São Paulo em 2001.

Ressalta-se que o foco deste trabalho está delimitado pela presença

oficial da religião na escola vinculada a uma disciplina específica – ou seja, o ER.

Mesmo sem a intenção de abarcar a escola pública em sua totalidade, não se está

desconsiderando que a religião esteja presente em outras dimensões da vida

escolar – em suas práticas pedagógicas, atividades recreativas, símbolos, imagens,

pinturas ou cartazes com motivos bíblicos e católicos publicamente visíveis no

espaço interno das escolas. Quanto a isto existem outros estudos com enfoques

variados, incluindo os conflitos de caráter religioso que extrapolam o ER escolar e

podem ocorrer, por exemplo, na disciplina de biologia, cuja teoria da evolução

diverge da cosmologia e da cosmogonia defendida por estudantes evangélicos

(CAVALIERI, 2007; MENDONÇA, 2012; MIRANDA& MAIA, 2014).

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CAPÍTULO 1

DE FIEL À CIDADÃO: CONTROVÉRSIAS EM TORNO DO ENSINO RELIGIOSO EM ESCOLAS PÚBLICAS

No ano em que a lei nº 10.783, de 2001, que regulamentou o ER nas

escolas estaduais paulistas, foi aprovada na Assembleia Legislativa de São Paulo

(ALESP)20, a Folha de S. Paulo publicou, em outubro daquele ano, a seguinte

opinião no “Painel do Leitor”:

O projeto sobre a inclusão do ensino de religião nas escolas [públicas] deveria tratar a questão da forma mais simples e democrática possível: ensinar a história das religiões – e ponto. Sem interpretações. Cada religião tem diversos desdobramentos riquíssimos na arquitetura, na música, na pintura, na escultura etc. História é história, e cada pessoa, à medida que amadurece, deve poder escolher livremente a sua crença pessoal – ou mesmo várias delas –, já que a essência de qualquer religião procura sempre desenvolver as qualidades positivas de todo ser humano.21

Embora a opinião acima remeta-nos à legislação paulista, ela pode ser

ampliada para outras regiões do país onde o ER sofreu alguma regulamentação.22

Esta opinião encerra os principais aspectos referentes ao entendimento jurídico das

controvérsias, disputas e demandas pelo “religioso” que sempre pontuaram a

trajetória do ER na educação em particular, e na sociedade brasileira de modo geral.

Refiro-me à inserção do ER como componente regular da educação básica; o ER

como ofensa aos princípios básicos que configuram a laicidade do Estado brasileiro;

a ausência de identidade acadêmica ou epistemológica que lhe caracterize enquanto

componente curricular; as disputas em relação à escolha dos conteúdos a serem

ministrados e o perfil do professor responsável em ministrá-los, que não pode

posicionar-se como catequista ou pregador da sua própria religião no espaço público

20

Projeto de lei nº 1036/1999, do ex-deputado José Carlos Stangarlini (PSDB). 21

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1110200111.htm. Acesso em: jun. 2014. Grifos meus. 22

Parte das normas, princípios, dispositivos jurídicos, etc., citados ao longo deste estudo ode ser encontrada em Junqueira, Corrêa e Holanda (2007), cujo livro-referência reúne as legislações educacionais que normatizam o ER em âmbito nacional e nos Estados brasileiros.

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da sala de aula; a liberdade de escolha de “crença pessoal” do estudante que opte

ou recuse frequentar as aulas de ER; e uma percepção socialmente difusa que vê a

religião enquanto fonte de moralidade capaz de despertar valores éticos nos

indivíduos – leia-se, as “qualidades positivas” sugeridas pela leitora da Folha de S.

Paulo. Este último aspecto tem sido recorrente nas narrativas que apoiam o

oferecimento público do ER.

Outro ponto a ser destacado é o da metodologia. É possível, conforme

sugerido na opinião acima, o ensino de história (ou sociologia, antropologia,

filosofia...) das religiões sem a interpretação dos fatos que constituem seu objeto de

estudo? E qual seria o tratamento “mais simples e democrático possível” na

abordagem dos fatos relacionados à esfera religiosa quando examinados, por

exemplo, no cotidiano de uma sala composta por jovens estudantes do ensino

fundamental?

As respostas para estas e outras questões podem ser encontradas nas

secretarias e conselhos, municipais e estaduais, de educação. Isto porque a lei

federal nº 9.475/1997 (art. 33) atribuiu a estes órgãos de gestão escolar a

incumbência de definir conteúdos e requisitos para admissão e contratação dos

professores de ER. Garantido nas Constituições federais, desde o Estado Novo, as

polêmicas em torno dessa matéria inserida no âmbito escolar nunca cessaram. Os

aspectos conflitivos que marcam sua escolarização atravessaram o último século,

ganharam novos adeptos, discursos e demandas, sendo que, pela primeira vez em

sua história, foi matéria debatida no Supremo Tribunal Federal (STF) em outubro

de 2015.23

Um dos embates que envolvem diversos atores e agências em torno da

legitimidade do ER (DICKIE; LUI, 2007), diz respeito às suas modalidades de ensino.

Este tema – tratado no próximo capítulo – mostra que os modelos vigentes ainda

carregam vestígios confessionais, contrariando, assim, a atual legislação federal,

que prevê um ER sem proselitismo ou discurso religioso. Disto decorre um dos

23

Entidades religiosas, organizações da sociedade civil, representantes dos sistemas públicos de ensino, bem como especialistas em ER, estiveram em Brasília para discutirem o Acordo entre o Brasil e a Santa Sé, decretado em 2010, que prevê o oferecimento do “ensino católico e de outras confissões religiosas” nos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. A Ação Direta de Inconstitucionalidade do Acordo (ADI 4439), proposta em 2010 pela Procuradoria-Geral da República (PGR), aguarda julgamento do ministro Luís Roberto Barroso.

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31

motivos da polarização entre os defensores do Estado laico – que propõem a

retirada do ER da escola pública, sobretudo o ER de caráter confessional – e os

militantes favoráveis ao ER, que o defendem enquanto componente curricular

necessário para a “construção de um novo cidadão”, e não apenas como conteúdo

curricular que almeja “formar” ou “confirmar” um fiel (CARNEIRO, 2004).

“O mundo jurídico é parte do mundo social e político”, escreve Ximenes

(2009a, p. 90). Talvez por isso a legislação do ER permaneça como um dos

principais assuntos presentes nas pesquisas mapeadas, cujo foco incide sobre as

normas que regulamentam o ER, suas formulações e variações em diferentes

momentos da história do país. Essa permanência também pode ser observada na

produção de materiais institucionais (cartilhas, cadernos ou apostilas para formação

continuada de professores) e até mesmo em algumas coleções de livros didáticos

também dirigidas aos professores e alunos de ER.

Independente da filiação acadêmica dos pesquisadores e das questões

que queiram investigar, qualquer estudo referente aos desdobramentos que o ER

assume na sociedade abrangente requer um conhecimento da dimensão jurídica

que norteia esta questão. Assim, o objetivo deste capítulo está centrado nas

controvérsias sobre o ER em escolas públicas, cuja obrigatoriedade da oferta

corresponde à facultatividade da frequência. Para isso é necessário um mergulho,

ainda que não muito profundo, no conjunto de leis, decretos, resoluções, etc., que

normatizam, implementam e financiam o ER em escolas públicas.24

O retorno ao contexto jurídico-legal do ER permite conhecer seus

dispositivos, diretrizes teóricas, metodológicas ou mesmo pedagógicas que

deve(riam) orientar a inserção do ER no conjunto das disciplinas oferecidas nas

redes oficiais de ensino. Considera-se tal análise relevante, uma vez que há um

desconhecimento observado in loco das legislações específicas e modalidades

teóricas de ER, inclusive entre professores e gestores dos órgãos oficias de

educação dos municípios pesquisados.

24

As referências que serviram de base para este capítulo podem ser conferidas em: Albuquerque (2004), Cury (2004), Pauly (2004), Carneiro (2004), Giumbelli e Carneiro (2006), Junqueira (2007), Giumbelli (2008), Casseb (2009), Fonaper (2009), entre outras.

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1.1 Escola laica, mentira jurídica?

Os debates jurídicos sobre a presença do ER na rede pública de educação

antecedem a primeira Constituição Republicana (1891) e avançam, “com vários

matizes, ao longo de todo o século, sendo aguçados antes, durante e após a

promulgação da Constituição Federal de 1988” (QUADROS; MIRANDA, 2004, p.

81). É possível mencionar muitos nomes, reconhecidos e desconhecidos, que se

posicionaram neste campo de disputa política e ideológica. Dentre eles, o baiano Rui

Barbosa, “o grande mestre do direito pátrio” (FRANCA, 1953, p. 90), e outros

juristas, como João Barbalho, Pontes de Miranda, Pedro Lessa, Araújo Castro,

Antonio Carlos de Andrada e Silva, Filinto Bastos, João Pandiá Calógeras, Aristides

Milton, Hermes Lima, Teixeira Mendes, Mário Lima, entre outros.25

Além destes “constitucionalistas acatados nos meios jurídicos” (FRANCA,

1953, p. 93), há ainda os intelectuais católicos que festejaram a volta do ER no início

dos anos 1930, entre os quais o citado Pe. Leonel Franca, o filósofo Jackson de

Figueiredo e o crítico literário, ensaísta e teólogo Alceu Amoroso Lima. Também

tiveram os grupos contrários à influência da religião na vida pública – protestantes,

ateus, agnósticos, positivistas, maçons, socialistas, liberais e os educadores da

Escola Nova. Dentre estes últimos estavam Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo,

Cecília Meireles e outros “Pioneiros da Educação”, movimento que agregava as

correntes políticas que exigiam a preservação do “ensino leigo” conquistado após a

instauração da República.

Ademais é preciso mencionar a atuação de representantes das

denominações religiosas então minoritárias num país hegemonicamente católico,

destacando-se, neste caso, o reverendo metodista Guaraci Silveira, deputado

federal pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), o único eleito para a Constituinte de

1933/1934, autor de emendas, discursos e artigos sobre o ER público, que

25

Considerando seus limites e propósitos, não se pretende recuperar aqui todos os debates travados entre estes personagens da história nacional, que não se limitavam, em complexidade e alcance, às discussões sobre ter ou não ter aulas de religião no ensino público. O que estava em jogo, para muitos, era a formação e a consolidação de uma sociedade brasileira secular na primeira metade do século XX.

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polemizavam, portanto, com os interesses da bancada católica paulista (ALMEIDA,

2002).26

Apesar da lista variada de interessados no tema desde o início do século

XX, pode-se atribuir ao Pe. Leonel Franca o primeiro estudo sistemático nessa

área, intitulado “Ensino Religioso e Ensino Leigo: aspectos pedagogicos, sociaes e

juridicos”27, publicado em 1931, posteriormente reeditado pela carioca Agir Editora,

em 1953. Antes disso, porém, no início da segunda metade do século XIX, o

deputado alagoano Aureliano Candido Tavares Bastos publicou, anonimamente, no

Correio Mercantil (Rio de Janeiro), as Cartas do Solitário (1862), nas quais discutiu

diversos assuntos da vida pública imperial, entre os quais, tráfico negreiro,

liberdade dos africanos, centralização administrativa, abertura do rio Amazonas à

navegação, relações entre o Brasil e os Estados Unidos, etc., e “Ensino religioso”.

Homem de ideias liberais, não poupou críticas ao Segundo Reinado e à Igreja

Católica – para a qual o governo deveria encarar com a mais profunda

desconfiança – e propunha o fim das aproximações entre os poderes temporal e

eclesiástico (TAVARES BASTOS, 1938).

Ferrenho partidário da autonomia institucional do Estado, Tavares

Bastos centra fogo no decreto ministerial sancionado em outubro de 1851, que

facultava aos bispos conceder licenças aos docentes dos seminários mantidos

pelos cofres públicos. Em resposta às acusações de reformista, anticatólico,

herético e ateísta que lhe foram dirigidas pelo Jornal do Commercio, ele rebate ao

dizer que “não era um protestante”, mas um fiel consagrado ao catolicismo. “Eu

não movo guerra ao catholicismo; combato as pretenções gothicas do fanatismo”

(TAVARES BASTOS, 1938, p. 116). Deveria o Estado ter estabelecimentos de

ensino nos quais se lecionem teologia, canto gregoriano, história sagrada, em

oposição a outros “em que se ensinam o justo e o injusto [princípios ético-

26

Mediante consulta ao amplo material bibliográfico disponível, não é presunçoso afirmar que parte razoável dos estudos acadêmicos sobre o ER em escolas públicas reserva pouca ou nenhuma atenção aos protestantes (igrejas Presbiterianas, Batista, Metodista, Congregacional e Episcopal, as igrejas de missão) que, desde as primeiras décadas do século XX, estavam preocupados, assim como os segmentos católicos, em participar mais intensamente da “intrincada teia política do país” (ALMEIDA, 2002, p. 26). Esta preocupação não se limitava às atuações parlamentares em defesa da laicidade na vida nacional, mas ambicionavam uma “participação política ampla, estendida a temas instigantes e densamente interligados” (ALMEIDA, 2002, p. 26). 27

Ortografia oficial da época, também presente noutras referências citadas neste capítulo.

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filosóficos], as linhas e os planos, os mistérios do seio da terra e os segredos dos

astros que gyram no espaço”? – (TAVARES BASTOS, 1938, p. 109).

Contrário à ingerência da Igreja em assuntos civis, ele sustenta que a

“instrução do clero” – ensino religioso teológico – deveria ser ministrada em

estabelecimentos particulares, não subvencionados pelo governo, nem

inspecionados por ele e mantidos pelos fiéis e dirigidos pelos bispos. Por trás deste

raciocínio está o princípio da liberdade de consciência e de culto, pois o que era o

Estado senão o representante de uma nacionalidade, cujas funções se limitam a

manter a ordem e distribuir a justiça?

Não se pode impor nem sustentar uma religião privilegiada ou uma

crença única. Ao constatar que a organização religiosa nos Estados Unidos

permitia o livre exercício de todas as “seitas”, mas sem auxiliar ou inspecioná-las,

Tavares Bastos ressalta, numa visão bastante atual, que a “liberdade de ensino

como todas as mais, só pode caber á egreja catholica quando ella se achar

colocada no mesmo pé de egualdade perfeita com todas as outras perante o

estado” (TAVARES BASTOS, 1938, p. 96).

Com efeito, durante o regime do Padroado, a religião católica era

componente curricular obrigatório em seminários e colégios confessionais, com

destaque para a missão jesuítica, cujo propósito visava à cristianização e

evangelização dos “gentios” e dos negros, em obediência aos acordos firmados

entre o Sumo Pontífice e o monarca de Portugal (CASSEB, 2009). A educação

religiosa mantinha o caráter catequético historicamente ligado aos interesses da

Igreja e à preservação da sua doutrina, ministrado por religiosos que pertenciam a

alguma ordem religiosa ou leiga, “vinculada a grupos ou movimentos da igreja,

serviços de catequese ou outros serviços comunitários” (GIUMBELLI; CARNEIRO,

2006, p. 4).28 Educação e catequese29 estavam, portanto, indissociavelmente

relacionadas e foram a grande obra dos missionários católicos (CORDEIRO, 2004).

28

Quanto ao domínio do pensamento religioso num determinado período da educação brasileira, Santo avalia “que o que acontece no Brasil em termos de atraso não se deve a um modelo educacional eclesiástico, mas ao descaso que a educação foi submetida tanto pelos governos coloniais, como imperial. Sem a participação da Igreja a educação estaria em condições muito pior” (2005, p. 102). 29

Para os especialistas preocupados em distinguir os termos, a catequese refere-se à “educação permanente e sistemática da fé” então seguida pelo adepto que participa espiritualmente de uma

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A determinação da modalidade confessional católica, observada ainda

hoje em certos Estados da federação, é citada no artigo 6º do próprio Decreto

Imperial de 15 de outubro de 1827, onde se lê a primeira menção ao ER e às

competências dos professores que:

[...] ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de arithmetica, pratica de quebrados, decimaes, proporções, as noções, mais geraes de geometria pratica, a grammatica da língua nacional, e os princípio de moral christã e da doutrina da religião catholica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a historia do Brasil (BRASIL, 1827).

Cabe ressaltar que, em 1824, a Constituição Política do Império do

Brazil declara o catolicismo como religião oficial do Estado, porém ignora e silencia

sobre a questão da educação – talvez o tenha feito porque o Brasil ainda não era

uma nação secularizada e pouca ou nenhuma importância havia em regulamentar

o ensino catequético, que na prática já era uma realidade. A Independência impôs

ao povo uma religião, mas negou-lhe educação e representação política. “A nação

livre nasce com um povo sem cidadania por razões econômicas, étnicas e

religiosas” (PAULY, 2004, p. 174).

As transformações desse cenário, que tanto incomodava os defensores

do liberalismo e da não intromissão da Igreja em assuntos civis, ocorreu após o

Decreto nº 119-a, de 7 de janeiro de 1890, que extinguiu o regime do padroado

com todas as suas instituições, privilégios e prerrogativas. Também neste ano, o

Ministério do Interior aboliu, por meio do aviso nº 17/1890, as aulas de catequese,

teodiceia e moral eclesiástica ministradas no tradicional Colégio Pedro II, localizado

na antiga capital federal, um dos estabelecimentos públicos mais renomados da

época. Em decorrência das demandas em favor da laicidade do Estado e do

ensino, a Igreja iniciou toda uma campanha para influenciar a Carta Magna que

logo viria, em 1891.

comunidade religiosa (CRUZ, 1997, p. 13). No entanto, a associação entre ER e catequese, para muitos considerada problemática, é frequente, seja na escola pública, em particular, seja na sociedade mais ampla. Voltarei ao ER catequético no segundo capítulo.

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Em Carta Pastoral que veio a público ainda no ano de 1890, os bispos

receavam que a jovem República seguisse os rumos da revolução francesa. A

questão era óbvia para os bispos, que utilizaram o seguinte argumento, igualmente

empregado pela Liga Eleitoral Católica (LEC) durante os debates que precederam

a Constituinte de 1934: Se a maioria da população brasileira era católica, logo a

Constituição Federal não poderia ser ateia: “Como admitir a liberdade (de todos os

cultos) garantindo o livre exercício de práticas repugnantes como essas do

ateísmo, do mormonismo, islamismo, fetichismo”, interroga o deputado Coelho e

Campos (ROMANO, 1992, p. 268).

Fato é que, após a Constituição Republicana de 1891, algumas

dimensões da vida social foram separadas do domínio religioso. Foi instituído o

casamento civil, a secularização dos cemitérios, decretou-se o fim da destinação

de verbas a qualquer culto religioso, e a liberdade de culto era permitida, porém em

local próprio e distante do ambiente escolar (ALBUQUERQUE, 2004). O poder

público não poderia estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos

religiosos. O Artigo 70 da mesma Constituição de 1891 excluía do processo

eleitoral os mendigos, os analfabetos, as “praças de pré”, exceto os alunos das

escolas militares de ensino superior, “os religiosos de ordens monásticas,

companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a

voto de obediência, regra ou estatuto que importe a renúncia da liberdade

Individual”.

Já o Artigo 72 declarava “leigo” o ensino ministrado nos

estabelecimentos oficiais de ensino. Determinação, esta, que desencadeou “muitos

debates sobre liberdade de ensino, liberdade religiosa, liberdade de consciência,

direito a um ensino que não seja ateu, respeito à consciência das famílias” (CRUZ,

1997, p. 12). Apesar dos propósitos modernizantes com vistas à consolidação da

laicidade republicana, o ensino de religião não foi extinto por completo do cotidiano

escolar, nem desapareceu das normas legais que o regulamentavam.30

30

“Em que pese esse cenário, o ensino religioso continuou sendo ministrado em alguns estados, como Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Santa Catarina, Ceará, Sergipe e Pernambuco, contando com o apoio de alguns juristas da época” (LEITE, 2011, p. 49). Em 1924 o governo de Minas Gerais autorizou sua oferta em escolas oficiais fora do horário normal; em 1928, autorizou aulas de catecismo; em 1929, expandiu o ER para as escolas primárias, secundárias e normais (OLIVEIRA, 2008, p. 114).

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Ao rever de forma crítica a oferta do ER público, resultado da forte

influência positivista, a Constituição de 1891 foi a única a assumir uma posição

secularizada, mas posteriormente derrotada pela revisão constitucional de 1926 na

“rumorosa questão do ensino religioso” (PAULY, 2004, p. 175). Além disso, a

prática religiosa não foi proibida, uma vez que a Constituição republicana

autorizava às confissões religiosas ocuparem, se assim o desejassem, o espaço

escolar fora do horário regular. Observa-se que a Constituição não nega atuação

pública às instituições clericais, nem reduz a escolha religiosa dos alunos a tema

de foro íntimo ou familiar. Assim, a Igreja Católica continuou orientando as

chamadas “aulas de Religião” na incipiente rede de escolas públicas do país.

Em sua avaliação negativa acerca dos efeitos da primeira Constituição

Republicana, o Pe. Leonel Franca argumenta que a mesma desconhecia as

condições históricas da formação nacional dos brasileiros, ao menosprezar a

“conservação das grandes realidades espirituais que alimentam, conservam e

desenvolvem a vida dos povos” (1953, p. 96). Para este padre, o ER era

[...] um direito individual intangível das consciências, é uma necessidade suprema para a vida moral do país. Se com êle se concilia a nossa Carta de 1891, tanto melhor; se não, corrija-se-lhe imediatamente este êrro fundamental”, um “vício original da causa primeira e mais profunda”, do qual “provieram todos os males” do Brasil vividos durante os quarenta anos de república (FRANCA,1953 p. 96).

Para um Brasil que se queria moderno e, por conseguinte, secularizado,

era paradoxal afirmar que a Carta Magna de 1891 fosse responsável pelos males

da nação. Se havia ou não algum erro a ser corrigido, fato é que a Revolução de

1930 “significou o momento de volta da Igreja Católica ao proscênio político em

larga escala” (CURY,1993, p. 26), tendo o presidente Arthur Bernardes recorrido à

Igreja Católica para que esta o auxiliasse na contenção da onda revolucionária e na

busca da promoção do progresso nacional.

Nesse cenário, o político articulado com a hierarquia da Igreja, Francisco

Campos, então Ministro da Educação e Saúde, reintegrou o ER nas escolas

públicas por meio do Decreto nº 19.941, assinado por Getúlio Vargas, chefe do

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Governo Provisório, em 30 de abril de 1931. Esse dispositivo, além de facultar o

ER nos estabelecimentos de ensino primário, secundário e normal, ampliou a

licença para as escolas oficiais organizarem o ER, como também permitiu às

autoridades eclesiásticas proporem os conteúdos programáticos, escolherem os

livros escolares, designarem professores e fiscalizarem sua fidelidade aos

ensinamentos e à moral da Igreja.31 Agora, “a doutrina católica não era apenas

uma doutrina religiosa, mas uma doutrina do Estado” (HORTA, 1993, p. 70).

Tristão de Athayde, pseudônimo adotado por Alceu Amoroso Lima,

apesar de discordar dos termos do decreto de 1931 – “longe de ser uma lei”, era

imperfeito e merecedor de “severas críticas” –, avaliou que tal dispositivo seria o

passo inicial no sentido de corrigir o erro da Constituição Federal de 1891. Além

disso, possibilitaria ainda corrigir a interpretação dada ao princípio da neutralidade

pública em matéria religiosa. Ao reintroduzir o ER facultativo nas escolas, o decreto

não tolhia a livre expressão das “forças de desintegração nacional” (ateus, laicistas,

protestantes e agnósticos), mas garantia a liberdade dos crentes, rebate Athayde.

As famílias, segundo ele, privadas dessa liberdade de escolha em decorrência do

“laicismo opressivo” da primeira Constituição republicana, que “eliminara Deus da

escola pública”, poderiam agora solicitar ao Estado o ensino da sua religião nos

estabelecimentos oficiais (ATHAYDE, 1931, p. 91; 92).

O Pe. Leonel Franca (1953) também avaliou negativamente o referido

decreto de 1931 – para o qual apresentava defeitos e lacunas –, mas ao reintegrar

o ER às escolas oficiais, reaproximava-se da realidade concreta, viva, orgânica.

Todos, católicos, crentes ou não crentes, deveriam “unir-se (...) para aplaudir com

unanimidade a sabedoria de uma reforma que condiciona, de modo absoluto, a

regeneração moral do Brasil” (FRANCA, 1953, p. 110). Desponta-se, neste trecho,

um recado aos “polemistas” e “opositores” 32, sendo que a “tecla mais batida” foi a

da liberdade de consciência ferida pelo novo decreto. Este dispositivo, segundo

31 “Em resposta, foi lançada a Coligação Nacional Pró-Estado Leigo, composta por representantes de

todas as religiões, além de intelectuais, como a poetisa Cecília Meireles” (Fonte: Projeto “O caráter educativo da laicidade do Estado para a esfera pública” - UMESP/USP/MPD/FAPESP). Disponível em:<http://www.bv.fapesp.br/namidia/noticia/33156/leis-brasileiras-ensino-religioso-escola/>. Acesso em: 23 nov. 2014. 32

Entre os opositores do Decreto de 1931 estavam as igrejas evangélicas que, reunidas em congresso ocorrido no Rio de Janeiro, reconheciam a “importância e necessidade do ensino religioso e moral”, porém o mesmo não deveria ser ministrado em escolas públicas, e sim nas Igrejas e escolas paroquiais (FRANCA, 1953, p. 101).

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Franca, não constrangia, mas respeitava as liberdades ou opiniões alheias à

educação católica. A intolerância partia dos adeptos do laicismo, contrários ao

decreto de 1931, cujas opiniões irreligiosas pretendiam impor opressivamente.

Um segundo protesto também mencionado por Pe. Franca refere-se à

relação oficial entre Igreja e Estado. Tanto o ER quanto a interdependência entre

os poderes temporal e espiritual eram questões distintas, baseadas em princípios

diversos. Estado e religião deveriam colaborar-se estreita, harmônica e

ininterruptamente. “Que as duas esferas sejam distintas, compreende-se; que se

devam separar, nada mais irracional” (FRANCA, 1953, p. 100; itálicos no original).

Outra objeção igualmente rebatida por Pe. Franca e Tristão de Athayde,

então convertido ao catolicismo pelo primeiro, diz respeito a um tópico ainda hoje

atual, relacionado às consequências da reintrodução do ER nas escolas das redes

públicas: tal disciplina poderia “despertar dissidências religiosas nos colégios

publicos” (ATHAYDE, 1931, p. 78) e o pluralismo de opções religiosas das famílias

poderia causar, consequentemente, “atritos e discussões entre estudantes com

perturbação da disciplina escolar” (FRANCA, 1953, p. 104; itálicos no original).

Mas, essa pluralidade, depreende-se da argumentação de Pe. Franca, restringe-se

aos judeus, católicos e protestantes.33

Pe. Franca vai mais longe ao defender o ER enquanto disciplina

formadora do caráter nacional, responsável pelo progresso e pela conservação das

nações – os “destinos de um povo se jogam nos seus estabelecimentos de

educação” (FRANCA, 1953, p. 9). Embora reconhecesse a instituição da escola e

da moral leigas, achava impossível formar homens, teórica e praticamente,

desprovidos de religião.

Antipedagógica, porque impotente para formar a personalidade humana, a escola, sem Deus, é necessàriamente antissocial, porque incapaz de conservar êste tesouro de virtudes cívicas que

33

Não se localiza no escrito do Pe. Leonel Franca nenhuma referência à organização do espiritismo, das religiões afro-brasileiras e do protestantismo dividido em diferentes denominações. Ele indaga, aliás, se era verdade que existiam, na população brasileira dos anos 1930, “grupos tão consideráveis, pertencentes a outros credos”; se houvesse, recomendou-lhes que convivessem harmônica e socialmente uns ao lado dos outros (FRANCA, 1953, p. 105). Essa “quebra da hegemonia católica” poderia fomentar a diversidade religiosa e beneficiar os adversários históricos do catolicismo, entre os quais o protestantismo brasileiro (ALMEIDA, 2002, p. 27).

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constitui o patrimônio espiritual indispensável à vida das nações (FRANCA, 1953, p. 43).

O posicionamento de Pe. Franca estava direcionado a combater as

correntes que ele considerava radicais, que reivindicavam a escola leiga. Em seu

entendimento, as instituições públicas não poderiam se revestir de uma “côr

religiosa”, sendo que “o laicismo, expressão desta neutralidade necessária,

representa a fórmula jurídica do respeito à liberdade das consciências,

indispensável à paz social” (FRANCA, 1953, p. 44). Em sua análise, a escola leiga

reivindicada pelos partidos radicais, extremistas de esquerda, socialistas,

comunistas e maçons34, não era, em verdade, uma escola neutra ou leiga, mas um

território de incredulidade, materialismos, ceticismos, indiferentismos e

sectarismos.

Em seus próprios termos, a neutralidade era “palavra vazia, um

narcótico para adormecer as consciências das almas ingênuas” (FRANCA, 1953, p.

62). Ou seja, não “há, não pode haver educação neutra: a pedagogia ou cessa de

ser pedagogia ou cessa de ser neutra” (FRANCA, 1953, p. 63). Deste modo,

também não há professor neutro, pois todos têm “suas convicções, a elas adapta

os seus atos, e por elas exerce naturalmente a sua influência” (FRANCA, 1953, p.

63).

1.2 O ensino religioso após os anos 1930

As críticas ao Decreto de 1931 partiram de diversos meios, Cecília

Meireles, como jornalista e educadora desapontada com os rumos da Revolução

de 1930, ironizou o “decretozinho do ensino religioso” e questionou os rumos da

reforma empreendida pelo então ministro Francisco Campos. Este

[...] com o seu feixe de reforma na mão. E, em cada feixe, pontudos espinhos de taxas. Foi mesmo mais uma reforma de preços, que tivemos. E esperávamos uma reforma de finalidades, de ideologia, de democratização máxima do ensino, de escola única - todas

34

Franca postulava que o projeto da “seita” maçônica era demolir a religião. “O fim explícito da maçonaria é destruir a religião nas almas, combater o catolicismo, e para este fim faccionário, lançar mão de todos os recursos do Estado” (FRANCA, 1953, p. 58; itálicos no original).

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essas coisas que a gente precisa conhecer e amar, antes de ser ministro da educação... (MEIRELES apud MORAES, 2007, p. 111-112).

Em 1932, foi criada a Liga Eleitoral Católica (LEC), com o objetivo de

articular-se com o mundo da política, que elegeu deputados, os quais influenciaram

na redação da Constituição Federal de 1934.35Ao contrapor-se às propostas

articuladas pela LEC, o constituinte e reverendo metodista Guaraci Silveira, foi

apoiado por lideranças políticas que pretendiam garantir no texto constitucional,

então debatido entre 1933 e 1934, a laicidade do ensino conquistada em 1891.

Para Guaraci Silveira, o anteprojeto constitucional relativo ao ER nas escolas

públicas poderia ser compreendido enquanto palavras “inocentes”, mas não

passava, contudo, de “uma forma de opressão à consciência das crianças”.

Afirmava que o ER facultativo então experimentado no Estado de São Paulo

revelou-se um “engodo”, visto que seus professores católicos contrariavam a

liberdade de crença ao utilizarem o espaço da sala de aula para catequizar seus

alunos (ALMEIDA, 2002, p. 30).

Sendo os protestantes minoritários no Brasil dos anos 1930, Guaraci

Silveira coloca outra ressalva contundente, que nos remete ao polêmico modelo de

ER “separado por credos”. Os protestantes não teriam como cumprir os requisitos

para atender os alunos que exigissem a presença de um religioso protestante

responsável pelas aulas de religião. Além do constrangimento ao aluno não

católico, como evitar que o ER fosse confundido com catequese e o catolicismo

entendido como a “religião oficial” das escolas públicas?

Apreensivas quanto ao “perigo da aprovação do Ensino Religioso” e

consequente fortalecimento da presença católica nas escolas, a Confederação das

Sociedades Auxiliadoras Femininas do Presbitério de Minas Gerais, “uma entidade

que agregava as mulheres protestantes da Igreja Presbiteriana daquele Estado”,

manifestou-se por meio do seguinte comunicado, que também parabenizava

Guaraci Silveira pela “oposição aos representantes católicos”:

35

Para Ghiraldelli Jr. (1991), citado em Pauly (2004, p. 175), a Carta Constitucional de 1934 era a mais progressista em “matéria educacional”, pois o Artigo 150 determinava como competência da União “fixar o plano nacional” de educação.

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42

Somos 490 mulheres, na sua maioria esposas e mães. Somos protestantes e, por conseguinte, estamos sempre em minoria. A maioria é católica. Os nossos filhos ficarão expostos ao menosprezo do mestre da religião e à zombaria dos colegas da religião da maioria (...).

[...] Nos centros urbanos mais civilizados, não haverá tanto o que temer, aí se encontram os jornais e as autoridades esclarecidas. Mas o Brasil é muito grande. Transportai-vos conosco, Exmo. Sr., para o interior de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, ou da maioria dos estados onde o sectário padre, frade ou qualquer outro beato impera com absolutismo. Aí acender-se-ão as fogueiras de martírio, e ninguém ousará gritar, e, se gritarmos, quando os nossos brados vierem a alcançar os que tudo podem, já as nossas almas terão passado pelo cadinho das mais acerbas aflições (ALMEIDA, 2002, p. 38-39).

Atento aos receios das mães presbiterianas, Guaraci Silveira propõe a

seguinte emenda publicada no periódico metodista Expositor Cristão, de 6 de

janeiro de 1934, que obviamente se contrapunha aos interesses da Igreja católica

e, por extensão da própria LEC:

Onde se diz: “A religião é matéria facultativa nas escolas, etc.”, diga-se: “Educação Moral e Cívica é matéria de ensino obrigatório nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais ou normais, de acordo com o plano e texto estabelecido pela União” (ALMEIDA, 2002, p. 31).

Entretanto, a proposta em torno de um ensino de “Moral e Cívica” só foi

oficiosamente sancionada noutro momento da história do Brasil, isto é, treze anos

após a morte do deputado Guaraci Silveira, ocorrida em 1953.36 A menção ao

“religioso” foi mantida em todas as Constituições Federais, sendo que em 1934, o

ER ultrapassou o âmbito do ensino primário e secundário, pois também constituía-

se matéria das escolas normais e profissionais, devendo ser ministrado conforme

36

O Decreto-Lei nº 869/1969 dispôs sobre a disciplina de Educação Moral e Cívica como matéria obrigatória nas escolas públicas de todos os graus e modalidades. No artigo 2º, consta como finalidade: “A defesa do princípio democrático, através da preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a inspiração de Deus”.

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43

os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada por seus pais ou

responsáveis legais.

Já na Constituição Federal de 1937, em seu Artigo 133, determina-se

que o ER “poderá ser contemplado como matéria do curso ordinário das escolas

primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de

obrigação dos mestres ou professores, nem de frequência compulsória por parte

dos alunos”. Posteriormente, com a promulgação da Constituição Federal de 1946,

ratificou-se a concepção de ER já mencionada em 1934, mas não menciona em

qual grau de ensino o ER deveria ser oferecido. O ER permanece facultativo,

integrado aos horários das escolas oficiais e ministrado conforme confissão

religiosa do aluno. O Estado não poderia estimular qualquer forma de culto, nem

proibir sua prática, assim como não “poderia obrigar o professor a ministrar o

ensino religioso em contradição com sua fé (...)” (OLIVEIRA, 2008, p. 112).

Anos depois, especificamente em 1961, foi promulgada a primeira Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a de nº 4024, que manteve o

ER “legitimado sempre como elemento eclesial no universo escolar”

(FIGUEIREDO, 1996, p. 61). Em seu Artigo 97, o ER é citado na seguinte

formulação:

O Ensino Religioso constitui disciplina dos horários normais das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado sem ônus para os cofres públicos, de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável.

1º parágrafo - A formação de classe para o Ensino Religioso independe de número mínimo de alunos.

2º parágrafo - O registro dos professores de Ensino Religioso será realizado perante a autoridade religiosa respectiva.

Essa normativa reitera os princípios já estabelecidos na Constituição de

1946. O ER permanece como disciplina inserida nos horários das escolas públicas,

de matrícula facultativa, "sem ônus para os poderes públicos", com a determinação

de que deveria considerar a identidade religiosa do aluno, dos pais ou

responsáveis legais. Trata-se de um componente curricular secundário no universo

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dos saberes escolares, fato que perdura até hoje (FIGUEIREDO, 1996). “Dá-se

abertura para o proselitismo, uma vez que o serviço voluntário é responsável pela

prática escolar, legitimado pela autoridade respectiva a cada confissão religiosa”

(BERTONI, 2009, p. 154).

Da sua parte, os ministros dos governos militares mantiveram o ER na

Constituição Federal de 1967, estendendo-o para o 2º grau: “O ensino religioso, de

matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas oficiais

de grau primário e médio”.37 A Emenda Constitucional 1/1969 reforçou a redação

do Artigo 176, que estabeleceu “o ensino como direito de todos, baseado em

princípios como a unidade nacional, ideais de liberdade e solidariedade humana”

(Constituição Federal de 1967), porém, “constituindo-se dos elementos da doutrina

militar (unidade nacional), do liberalismo (liberdade) e da doutrina social da Igreja

Católica (solidariedade)” (ALBUQUERQUE, 2004, p. 6).

Dez anos após a publicação da primeira lei da educação nacional, a

LDBEN nº 5.692, de 1971, repete, em seu Artigo 7, o dispositivo da Constituição de

1967 e da Emenda Constitucional nº 1/1969. O ER permanece nos horários

normais dos estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus, mas agora integrado à área

de estudos formada pelas disciplinas de Moral e Cívica, Artes e Educação Física.

Edilia Coelho Garcia, relatora do Parecer nº 540/1977, avaliou que a LDBEN nº

5.692/1971 resultou do “entendimento de que a escola e a família devem-se

complementar na formação integral do aluno e que a educação religiosa explica o

sentido da existência e congrega os homens levando a uma vida harmoniosa”.38 O

ER é

[...] sentido da vida [defesa também recorrente entre militantes, acadêmicos e autores de livros escolares de ER] buscando de modo condizente com a dignidade de pessoa humana e a sua natureza social, mediante liberdade de escolha que fica assegurada

37

A Reforma Capanema, realizada ao longo da Era Vargas (1930-1945), sob o comando do ministro da educação e saúde Gustavo Capanema, institui as Leis Orgânicas que criaram os ramos de ensino: primário, secundário, industrial, comercial e agrícola. 38

Parecer nº 540/1977, p. 33. Disponível no acervo de fontes do Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”, Faculdade de Educação, UNICAMP. Disponível em: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br>. Acesso em jul.2016.

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pela matrícula facultativa ao aluno e o oferecimento do ensino de vários credos.39

Contudo, em seu voto e parecer, a própria relatora admitiu a dificuldade

no cumprimento do Artigo 7, em razão do reduzido número de professores aptos e

interessados em ministrar o ER nos sistemas oficiais de ensino.

Nota-se o velho paradoxo. Concede-se liberdade de crença aos

estudantes que porventura optarem pelo ER em sua modalidade confessional, para

depois os doutrinarem através de um conjunto de princípios religiosos específicos

que impossibilitam, quase sempre, o diálogo ecumênico entre as religiões. Além

disso, o mesmo Parecer 540/1977 delegava à escola o planejamento dos seus

currículos, com exceção do ER, cuja escolha dos objetivos e conteúdos eram

atribuições das autoridades religiosas ou confessionais, e não dos Conselhos de

Educação.

Reside, aqui, a possibilidade de uma catequese mal disfarçada, visto

que “cada confissão ao assumir a condução do Ensino Religioso pode estender

para dentro da escola suas comunidades confessionais e suas reproduções

doutrinais” (PASSOS, 2007, p. 61). Aliás, ressalta Nagamine em texto sobre os

cursos de licenciatura em ER e formação docente, “não há uma teologia

aconfessional ou supraconfessional, isso porque a Teologia sistematiza

experiências religiosas e orienta o modo como os adeptos de uma denominação

religiosa devem crer e agir na organização de suas vidas” (2007, p. 92).

1.3 O ensino religioso após os anos 1980

Entre as décadas de 1980 e 1990 ocorreram vários debates,

mobilizações e discussões organizadas entre diferentes setores da sociedade civil

(professores, especialistas em ER, universidades, entidades e representantes

religiosos, políticos, etc.), que exigiam que o ER nas escolas públicas fosse

incluído em um dispositivo constitucional. No cerne dessas discussões estão a

39

Parecer nº 540/1977, p. 33.

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46

permanência da oferta do ER e a já mencionada identidade dessa disciplina. Após

“um forte lobby das igrejas cristãs” (LUI, 2007, p. 333)40, a Constituição Federal de

1988, seguindo o compasso das Constituições precedentes, ao ceder às pressões

religiosas, manteve o ER facultativo nos horários normais das escolas de ensino

fundamental. Em seu Artigo 210, consta que:

Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

Esse lobby foi intensificado por representantes de instituições cristãs e o

ER voltou ao debate público quando da aprovação da lei LDBEN nº 9.394/96 –

denominada “Lei Darcy Ribeiro”. Em sua versão original, o Artigo 33 desta lei

determinava que:

O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter: I – confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou II – interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa.

Destaca-se nesta normativa a definição de ER a ser oferecido nas

escolas públicas de Ensino Fundamental. O enunciado “confessional” agora é

associado à “opção”, pois entra em vigência a expressão preferência manifestada

40

“Participaram ativamente desse lobby: a Associação Interconfessional de Educação de Curitiba/ PR – Assintec –, o Conselho de Igrejas para a Educação Religiosa de Santa Catarina – Cier – e o Instituto Regional de Pastoral do Mato Grosso/MS – Irpamat; mas foi o esforço conjunto da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB –, Associação de Educação Católica do Brasil – AEC – e Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas – Abesc – que conseguiu juntar em uma só emenda a proposta governamental para os estabelecimentos privados visando manter o ensino religioso nas escolas públicas” (LUI, 2007, p. 334).

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47

pelo aluno ou por seus responsáveis legais. Pela primeira vez abre-se espaço para

o ensino interconfessional. Admite-se ou flexibiliza a diversidade religiosa,

favorecendo assim “a fragmentação da transmissão simbólica de sentidos

religiosos de mundo, produzidos por múltiplos agentes e agências, sejam igrejas ou

instituições religiosas” (ALBUQUERQUE, 2004, p. 16).

Contudo, o mesmo dispositivo contém duas contradições: se o Estado

brasileiro é laico – mesmo que seja uma laicidade atenuada ou flexível –, e a

preocupação da escola pública é formar o cidadão, por que a LDBEN (1996)

manteve a oferta do ER? Não seria paradoxal garantir a liberdade de crença, ou de

descrença, mas logo em seguida doutrinar os estudantes do ensino fundamental?

O que está por trás do dispositivo em exame: o ensino de religião ou a educação

da religiosidade? Intenciona formar o cidadão ou fazer seguidores? Como

entender, portanto, o ER? Tamanha contradição pode ser detectada já na

Constituição de 1934, que, desde então, tem sido referência na regulamentação do

ER nos sistemas públicos de ensino (FONAPER, 2009).

José Arthur Giannotti e João Antonio Cabral de Monlevade, relatores do

Parecer 05/1997, propõem a seguinte resposta:

A Constituição apenas reconhece a importância do ensino religioso para a formação básica comum do período de maturação da criança e do adolescente que coincide com o ensino fundamental e permite uma colaboração entre as partes, desde que estabelecida em vista do interesse público e respeitando - pela matrícula facultativa - opções religiosas diferenciadas ou mesmo a dispensa de frequência de tal ensino na escola.

[...]

Por ensino religioso se entende o espaço que a escola pública abre para que estudantes, facultativamente, se iniciem ou se aperfeiçoem numa determinada religião. Desse ponto de vista, somente as igrejas, individualmente ou associadas, poderão credenciar seus representantes para ocupar o espaço como resposta à demanda dos alunos de uma determinada escola.41 (Grifos meus)

41

Conselho Nacional de Educação, Parecer 05/1997, p. 2. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PNCP0597.pdf>. Acesso em: 13 fev. 2013.

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48

Em plena década de 1990 admite-se que o controle e a legitimidade do

ER estejam sob responsabilidade de representantes religiosos, do que pela própria

Escola. Tanto na determinação que declara que o ER deve ser ministrado por

professores ou orientadores religiosos credenciados pelas respectivas igrejas ou

congregações religiosas, quanto no segundo trecho do parecer supracitado, é

possível observar a predominância do poder religioso sobre o escolar. Como seria,

por exemplo, a associação entre as escolas públicas e as organizações civis,

constituída pelas diferentes confissões religiosas? Não são os saberes científicos42

se impondo como autoridade de reflexão acerca dos conteúdos de ER, e sim os

saberes das confissões religiosas constituídos por seus respectivos referenciais e

valores morais.

A Constituição de 1934 e as subsequentes pretendem responder essa

questão com o acréscimo do caráter facultativo da disciplina. Uma vez legalmente

resguardado o direito de não participar do ER, a liberdade de crença estaria

garantida. No entanto, na prática, a hegemonia católica manteve o privilégio de ter

seus ensinamentos contemplados na educação pública, excluindo, ao mesmo

tempo, as religiões minoritárias, ou não hegemônicas, como as afro-brasileiras.

Quanto à formulação “sem ônus para os cofres públicos”, expressa na lei

nº 9.394/96, a mesma desagradou o clero, os educadores, os militantes e as

entidades civis e religiosas favoráveis ao ER público.43 Sob a liderança do

deputado Pe. Roque Zimmerman (PT/PR) – membro da Comissão de Educação de

Cultura e Desporto –, apoiado pelo Ministério da Educação (MEC)44, foi aprovada a

lei nº 9.475/97, que alterou o Artigo 33 da lei federal nº 9.394/1996 (o único

dispositivo modificado). Para o teólogo Evaldo Luis Pauly, o lobby eclesiástico que

exigiu tamanha alteração “cometeu um erro político estratégico”, pois deu

plausibilidade à suspeita de que as igrejas não quiseram assumir os custos para a

42

Estes “que fixam os rumos das ciências e dos saberes e, a partir daí, vão disseminando o conhecimento, até este chegar ao ensino básico” (MONTEIRO, 2008, p. 100) 43

Entidades civis e religiosas que participaram deste lobby foram: CNBB, CONIC, AEC, Fonaper, entre outras. 44

Paulo Renato Souza, ex-ministro da educação (1995-2002), defendeu a revisão do artigo 33 pois a proibição do financiamento público provocaria “restrição para a atuação das diferentes denominações religiosas” (CARON, 1998, p. 59).

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implementação do ER, nem “abrir mão de eventuais vantagens que dela

presumiam receber” (PAULY, 2004, p. 172).45

A redação atual do Artigo 33 removeu expressão “de acordo com as

preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis”, eliminando,

portanto, o caráter (inter)confessional, bem como a restrição “sem ônus para os

cofres públicos”. Insiste no respeito à “diversidade cultural religiosa” do país, proíbe

quaisquer formas de proselitismo religioso (e também político46), e determina as

seguintes providências:

1º parágrafo - Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do Ensino Religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. 2º parágrafo - Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso (lei 9.394/96, Art. 33)

Além de prever a participação de entidades civis/religiosas nos

processos para implementação do ER nos Estados, o novo Artigo 33 confirma a

presença do religioso no espaço oficialmente laico da escola pública. Ao

estabelecê-lo como disciplina integrante da formação básica do cidadão, o Estado

parece assumir que ter uma religião e, logo, uma prática religiosa, é algo

necessário para a promoção da cidadania e da vida em sociedade.

A própria lei maior da educação nacional vincula o atual modelo de ER

“à cidadania, que parece ser significada no contexto desses eventos como uma

convivência regrada e pacífica entre os indivíduos no ambiente público nacional”

(SANTOS, 2012, p.12). Daí a provável conexão entre a formação integral do

45

O “poder temporal da Igreja repousa também sobre o controle de cargos que podem dever sua existência à simples lógica econômica (quando vinculados a empreendimentos econômicos propriamente religiosos, como as peregrinações, ou com dimensão religiosa, como as empresas da imprensa católica) ou à ajuda do Estado, como os cargos de ensino” (BOURDIEU, 1996, p. 195; itálicos no original). 46

Nilton de Freitas Monteiro, Procurador Geral do Estado de São Paulo, ressalta que ideologias e crenças influenciam na elaboração das leis; no entanto, um professor de ER ou de outra matéria do currículo escolar “não pode, em princípio, fazer proselitismo político em aula, em nome do socialismo e do liberalismo, pois isso romperia com o princípio da laicidade” (MONTEIRO, 2008, p. 92).

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50

cidadão e “uma certa percepção do religioso como dimensão da existência coletiva”

(CARNEIRO, 2004, p. 6).

Mas, se o ER é compreendido como componente integrante da

“formação básica” do cidadão, como sua escolha pode ser facultativa? Esta

interrogação partiu de Arthur Fonseca Filho, que, em 2001, presidia o Conselho

Estadual de Educação de São Paulo (CEE-SP). Para ele, não haveria problema em

oferecer o ER na rede pública desde que o “caráter generalista da matéria” fosse

preservado, cuja abordagem privilegie “a história das religiões, ética e cidadania”,

sem favorecer “nenhum tipo de credo”.47

Do ponto de vista ontológico, a defesa em torno da educação integral,

que, para muitos, incluiria a dimensão religiosa intrínseca, ainda põe em questão a

plena cidadania dos sujeitos que não atribuem valor algum à experiência religiosa,

que rejeitam a influência da religião na vida individual, política e social e

dispensam, deste modo, o ER oferecido nas escolas públicas ou privadas. Seriam

os indivíduos sem fé, ateus, agnósticos, etc., cidadãos de segunda classe e,

consequentemente, sujeitos de uma cidadania inferior e uma humanidade

incompleta?

Esses reveses e questões mal resolvidas que perseguem o atual

paradigma de ER parecem ser estruturais em virtude de dois aspectos já

verificados em outros estudos e textos legais. O primeiro refere-se à ausência, no

plano federal, de diretrizes nacionais para o ER e o segundo refere-se justamente

ao caráter facultativo. Ao contrário das outras disciplinas do currículo obrigatório, o

ER reformulado em 1997 não tem Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)

oficiais, que servem como uma linha de apoio e orientação para o trabalho docente

no ensino fundamental e médio. Não é por acaso que Edson Machado48, ex-chefe

de gabinete do MEC, ao constatar tal ausência, afirmou que o ER “também deve

merecer um tratamento nacional que tenha uma Base Nacional Comum”

(FONAPER, 2002, p.3-4).

47

Depoimento concedido ao jornal Folha de S. Paulo, Cotidiano, 18 de agosto de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1808200118.htm>. Acesso em: 7 abr. 2014. 48

Edson Machado foi chefe de gabinete do MEC durante o período de 1995 a 2001.

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Em relação ao segundo aspecto igualmente lembrado, isto é, a facultatividade

do ER, cabe destacar que facultativo significa não obrigatório – não é um dever e

implica o livre-arbítrio do indivíduo disposto a realizar ou recusar a execução de uma

ação ou atividade que lhe é proposta, de fazer ou não, de agir ou não. Assim, a

facultatividade do ER deve salvaguardar, “para não ofender, o princípio da laicidade”

(CURY, 2004, p. 189). Não compete ao Estado “induzir, ou deixar induzir, que os

alunos optem, explícita ou implicitamente, por ter ou não ter aulas de religião (...), de

ter ou de deixar de ter uma religião” (MONTEIRO, 2008, p. 96). Religião, tanto no

espaço interno da escola, quanto na sociedade envolvente, também é um assunto

de escolhas individuais.

Para que a facultatividade do ER se efetive, e o direito à livre escolha

seja exercido, é preciso que as instituições escolares contemplem atividades

alternativas para que os estudantes não interessados no ER não se sintam

inativos, nem apartados em locais que gerem constrangimentos (CURY, 2004).

Não há sentido, na escola pública, o ensino desta ou daquela denominação, que

leve ao convencimento de que determinada religião é a porta-voz de toda verdade

religiosa. Ao menos juridicamente, a atual redação do ER vigente na lei federal nº

9.475/1997 (art. 33) evita privilegiar qualquer confissão religiosa e volta-se para o

mundo secular enquanto área do conhecimento (BERTONI, 2009). Ainda que

concordássemos que houve um enfraquecimento do predomínio confessional no

universo escolar, as “aulas de religião” mesmo hoje conferem uma feição

problemática ao ER público.

Para evitar o vi[es catequético, impôs-se a formulação de novas

epistemologias desvinculadas do confessionalismo e voltadas à efetivação do ER

cientificamente laico ou neutro. Entidades civis e religiosas, os militantes e

educadores pró-ER propõem a criação de metodologias que auxiliem os

professores, voluntária ou involuntariamente responsáveis por essa disciplina, a se

debruçarem sobre as religiões nas sociedades contemporâneas “sem medos nem

paixões” (MORAES; GUIMARÃES, 2010, p. 137). Que possam abordá-las não

como experiência de fé, mas como objeto do conhecimento científico, de natureza

histórica, sociológica e antropológica. Que lhes possibilitem ferramentas para

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discuti-las, quer elas adentrem o espaço da sala de aula de forma inusitada, quer

elas sejam uma escolha racionalmente planejada.

As “religiões não são meramente especulativas”, elas “têm também

regras a cumprir, práticas externas a observar, não menos dignas de respeito que a

crença de que são resultado, ou a que andam anexos”, escreveu João Barbalho

em comentário sobre a liberdade de crença prevista na Constituição de 1891

(CUNHA FERRAZ, 2008, p. 59). Daí a necessidade de epistemologias alternativas,

aconfessionais, que abordem as práticas religiosas no espaço público das escolas

não como experiência de fé, mas enquanto saber científico.

Assim, de acordo com Luiz Antônio Cunha, as práticas religiosas

poderiam ser compreendidas como “objeto do conhecimento científico, portanto,

um fenômeno objetivamente observável, mediante o emprego do método científico”

que permita apreender “as religiões como fatos sociais, políticos, culturais, mentais

e civilizatórios – históricos, o que quer dizer que são produto da vida humana em

sociedade” (CUNHA, 2006, p. 1242). Dessa forma, as epistemologias alternativas

poderiam fornecer aos docentes de ER subsídio para discutir as múltiplas formas

de expressão cultural e religiosa.

Tais propostas são salutares em uma sociedade multiétnica, cultural e

religiosamente diversa como a brasileira. Entretanto, pode-se questionar se a

efetivação dessas propostas requer a existência de uma disciplina específica

(muitas vezes isolada das demais disciplinas do currículo obrigatório) ou se pode

se juntar aos demais componentes curriculares previstos na educação básica.49 Se

aceita a tese em prol de uma disciplina específica para o ER, caberiam então as

seguintes indagações: A quem compete o exercício do ER, caso exista, de fato,

algum espaço que lhe seja reservado nas redes públicas de ensino? Qual é a área

ou quais são as áreas do conhecimento mais habilitada(s) para tratar,

cientificamente, do eixo religião/religiões em ambientes escolares? É possível

ensinar algum conteúdo relacionado ao fenômeno religioso numa perspectiva

imparcial?

49

Luiz Antônio Cunha, líder do Observatório da Laicidade na Educação (OLÉ) e professor da Faculdade de Educação (UFRJ), sublinha que no caso francês, o ensino sobre o fato religioso é tratado na disciplina de história (CUNHA, 2006, p. 1242).Ver <http://www.scielo.br/pdf/es/v27n97/a08v2797.pdf>. Acesso em dez.2015.

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53

Dentre os modelos curriculares dirigidos ao ER que reivindicam a

ocupação deste nicho que se quer laicizado, mas sem ser a-religioso, bem como o

encaminhamento das respostas para as questões anteriores, destacam-se o

fenomenológico, endossado pelo Fonaper, e o das ciências da religião, aceito pela

maioria dos pesquisadores que apostam em um ER de caráter científico, não-

confessional, catequético ou teológico – registra-se que, no Brasil, parte dos cursos

de pós-graduação em ciências das religiões estão sediados em instituições

confessionais católicas. Uma vez que modelos teóricos podem se assemelhar aos

tipos ideias ou “mapas ideais extraídos da realidade a partir de práticas concretas”,

segundo definição de Passos (2007, p. 52), é recomendável observá-los não como

referências exclusivas, desprovidas de ligações e contradições.50

Nesse sentido, paradigmas ou teorias não deveriam funcionar como

“camisas de força da realidade” concreta (CONCONE, 1998, p. 136). Portanto,

considera-se mais produtivo visualizar as modalidades de ER enquanto propostas

flexíveis, que permitem aproximações ou afastamentos mútuos. Cito enquanto

exemplo, o ER baseado no ecumenismo, que se aproxima do inter-religioso, que

flerta com o fenomenológico, cujos objetivos se afastam da proposta da história das

religiões defendida por Silva e Karnal (2002) – integrantes do convênio firmado

entre a UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas) e a Secretaria de Estado

da Educação de São Paulo (SEE-SP). Este ponto será retomado adiante, em outro

momento.

O propósito do próximo capítulo é apresentar exatamente as modelos de

ER catequético, teológico, confessional, fenomenológico etc. Os conteúdos que

definem cada modelo visto a seguir estão refletidos em normatizações federais e

estaduais, materiais didáticos, e têm motivado a realização de pesquisas em

diferentes áreas do conhecimento acadêmico. Consequentemente, há uma farta

literatura, produzida sobretudo por teólogos e cientistas da religião, sobre as

diferentes possibilidades de ensinar religião ou falar “sobre” as religiões.

50

Por “paradigma” entende-se “modelo”, “esquema mental” ou “referencial” que, além de fundamentar uma visão da realidade, também orienta concepções e atitudes (CORDEIRO, 2004, p. 10).

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54

CAPÍTULO 2

___________________________________________________________________NA ENCRUZILHADA ENTRE A FÉ E A CIÊNCIA:

MODELOS E FORMAS DE ABORDAGEM DO FENÔMENO RELIGIOSO

A historicidade do ER no Brasil recente não se constitui somente por

fatos, controvérsias, disputas políticas e religiosas em torno da sua presença nas

redes oficiais de ensino, mas também pelos diferentes modelos tipológicos de ER –

catequético, confessional, interconfessional, fenomenológico etc. – que almejam

lhe conferir uma “cidadania epistemológica” (FIGUEIRA, 2012, p. 13) e consolidá-lo

enquanto área do conhecimento.

O intuito deste capítulo é apresentar esses modelos, suas tensões,

ambiguidades conceituais e desafios. Apesar das características gerais de cada

modalidade descrita a seguir, não se pode afirmar que elas surgiram, uma após a

outra, numa trajetória linear de desenvolvimento. São propostas que variam

conforme as diferentes fases e transformações pelas quais o ER passou desde

1934, cuja oferta foi mantida na Constituição Cidadã de 1988. Elas podem ocorrer

de forma combinada, sobreposta e simultaneamente de acordo com os lugares e

interesses desta ou daquela instituição de ensino.

Os parâmetros curriculares nacionais de sociologia – para citar um entre

outros exemplos possíveis – permitem-nos conhecer os critérios para seleção dos

conteúdos, as competências e os conceitos específicos desta área – sociedade,

classe social, poder, indivíduo, dominação, entre outros também relevantes para a

compreensão dos fenômenos sociais. E quanto ao ER? Qual é o enfoque do seu

objeto? Existe um formato de ER mais ajustado ao caráter laico do Estado brasileiro

que permita a execução dos objetivos deste componente curricular?

Muitos autores sustentam que o objeto de estudo do ER é a leitura e

decodificação dos sinais e expressões da religiosidade presentes nas diversas

culturas e sociedades. Tal objeto ainda se desdobra em um segundo: o estudo do

“Fenômeno Religioso enquanto Patrimônio Imaterial do povo brasileiro”,

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reconhecidamente plural em termos de pertença e práticas religiosas (CARNIATO,

2010, vol. 9. p.10).

O ER difere das outras matérias, pois é a única no interior da escola

pública que se relaciona com duas áreas: educação-ensino (escola) e religião, que

“abrange não apenas uma dimensão humana comum, mas também as

manifestações das tradições religiosas”, afirma Junqueira (2001, p. 12). No

entendimento de Maria Inês Carniato (2005), trata-se de uma disciplina diferenciada,

pois além de possuir objetivos, conteúdos, estratégias e procedimentos próprios

para a abordagem das religiões, o ER é o único componente curricular que lida com

questões humanas universais.

“É diante deste problema: o sentido da vida” – ou do “absurdo da

existência” – que Eulálio Figueira (2012, p. 2)51 sugere que o ER seja localizado,

mas em articulação “com outras disciplinas de educação, e assim contribuir para a

tarefa da formação da educação integral”. Se o campo da ciência está assentado na

busca do conhecimento factual sobre mundo natural ou empírico, do que ele é

constituído e como funciona, a religião abarcaria as questões de sentido moral,

valores éticos, origem, destino e sentido da vida, transcendência e desenvolvimento

da espiritualidade. Para Therezinha Cruz, a “Religião” envolve não somente os

aspectos de ordem afetiva ou emocional, mas também o “mistério de fé, de

liberdade de consciência, que não costuma nos preocupar quando a aula é de

Matemática ou Geografia” (CRUZ, 1987, p. 12). No entanto, religião “não é só uma

questão de opinião e sentimentos. Há fatos concretos, históricos, sobre os quais se

baseia qualquer reflexão”, completa (CRUZ, 1987, p. 12).

Essa defesa do ER enquanto conteúdo curricular que transita do “mistério

de fé” aos aspectos de ordem não religiosa aproxima-se da resposta dada pelo

jurista católico Ives Gandra da Silva Martins à consulta formulada pela

Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Ao avaliar os dispositivos que

regem o ER no âmbito federal52, ele afirma que o “ensino da religião” enquanto

“fenômeno cultural e histórico” e “manifestação cultural sociológica é obrigatório, e

51

Teólogo, professor da PUC-SP e coordenador de Grupos de Trabalho (GTs) sobre religião educação e sociedade. 52

Artigo 11 (decreto nº 7.107/2010, que rege a Concordata Brasil-Santa Sé), artigo 210 (Constituição Federal de 1988) e artigo 33 (LDBEN 9.394/96).

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está inserido nas diversas matérias em que a religião penetrou e influenciou”

(MARTINS, 2012, p. 218).

Não se pode estudar, prossegue o jurista, filosofia, sem se estudar Tomas de Aquino ou Agostinho. Não se pode (...) estudar a Idade Média, sem estudar as Cruzadas e sem examinar a sua inspiração predominantemente religiosa. Não se pode estudar sociologia, sem se pesquisar o papel da formação dos povos através da religião. Não se pode estudar Astronomia, sem referência aos estudos dos primeiros astrônomos sacerdotes – Copérnico, por exemplo. Não se pode estudar genética, sem se referir às experiências do Padre Mendel. Não se pode estudar arquitetura, sem se referir às catedrais construídas pela Igreja Católica. Não se pode estudar matemática, sem fazer referência aos grandes matemáticos da Igreja Católica. Não se pode estudar geologia, sem aludir ao Padre Nicolau Steno, que estabeleceu a maior parte dos princípios da geologia moderna e assim por diante.

Tal ensino é obrigatório e pode ser ministrado por professores não confessionais.

Facultativo é o ensino confessional. É aquele em que o professor versado na fé explica tais fundamentos a seus alunos, que completam sua formação humana com a formação religiosa. (...). (MARTINS, 2012, p.219).53

Explicitamente, o autor dessa defesa deseja convencer-nos que a ciência

moderna é caudatária do pensamento cristão, sendo impossível o

ensino/aprendizagem de qualquer conteúdo sem referência aos ícones e

pensadores ligados à Igreja católica. Além disto, sugere que se faça uma distinção

entre o conhecimento escolar proporcionado pelas diferentes áreas citadas – da

filosofia à geologia –, e o conhecimento de natureza confessional a ser transmitido

pelo “professor versado na fé”, em comum acordo com a convicção pessoal e a

religião declarada pelo aluno. O que Gandra Martins pretende é afirmar o ER como

um saber especializado, com conteúdo de teor científico, universal e secular, a ser

ministrado na escola pública. Se tal proposta fosse honestamente cumprida, os

conteúdos oferecidos no ER escolar não poderiam se confundir com os

ensinamentos de caráter (ou procedência) religioso. Tais conteúdos teriam que ser

submetidos ao “julgamento de mérito, um processo corriqueiro a todos os campos

científicos” (DINIZ; LIONÇO, 2008b, p. 16).

53Cf.<http://bdjur.tjdft.jus.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/15301/Tratado%20BrasilSanta%20S%

C3%A9.pdf?sequence=1>. Acessos em: dez. 2015; jul.2016.

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Coloca-se como uma das muitas tarefas da escola, a abordagem da

temática da “Religião” como “um dado cultural profundamente presente na

civilização em que vivemos”, sendo que ignorá-la “não é mera falta de fé; é

deficiência de cultura geral. Não se compreende o mundo em que vivemos sem uma

apreensão da história e do sentido do cristianismo”, insiste Cruz (1987, p. 11).

Autora de livros didáticos de ER, entre outros títulos publicados pela

editora FTD dirigidos à formação de professores desta área, Cruz admite, no

entanto, que escola e igreja são instituições distintas, com “clientelas”,

características e objetivos próprios. Ambas são responsáveis pela educação,

socialização e formação de crianças e jovens, mas devem atuar em áreas e

dimensões distintas. Como destacado no capítulo anterior, no espaço interno da

escola pública deve ser proibido a veiculação de princípios e valores de toda e

qualquer confissão religiosa. Seria paradoxal, portanto, o ensino de viés

confessional. Neste caso, a escola estaria assumindo o papel da igreja na formação

religiosa dos alunos, sendo que esta formação compete às comunidades religiosas.

Segundo os autores vinculados ao âmbito das ciências da religião, o ER

é a transposição didática dos saberes relacionados ao eixo religião/religiosidade54.

Por religião entende-se a organização da experiência religiosa “como sistema

simbólico, social e institucional”, ao passo que a religiosidade seria a abertura do

indivíduo “à experiência do Transcendente [“socialmente produzido”] nos termos da

fé, das expressões devocionais e das dinâmicas psíquicas que processam essa

experiência”(PASSOS, 2007, p. 30). Nas palavras da autora de livros didáticos da

editora Paulinas, a especificidade do ER afirma-se nas

[...] Ciências da Religião que têm por objetivo o estudo sistemático da religião, ou seja, das expressões culturais da religiosidade humana, em todas as suas dimensões, formas, conteúdos, práticas, significações. Por isso a sua estrutura é multidisciplinar. Diferentes

54

Dantas propõe que a “Religiosidade” está associada à “abertura do homem ao sentido radical, mais profundo de sua existência (fé em sentido amplo, abertura a tudo aquilo que lhe transcende e dá sentido à sua existência) e a “Religião” seria uma forma concreta do indivíduo “viver a sua religiosidade, o que supõe adesão a um credo e pertença a uma comunidade de fé (fé institucionalizada, pública), sujeita a todas as contingências históricas e culturais que isto implica” (2007, p. 122). Para Francisco Catão, as religiões são organizações, associações ou instituições com “finalidades religiosas”, tratadas como “pessoas jurídicas de direitos e deveres perante a lei”, que têm “suas exigências internas de ordem doutrinária, cultual, moral e disciplinar”, e que desempenham, “na sociedade, algum papel, julgado mais ou menos irrelevante (...)” (CATÃO, 1995, p. 18; 123).

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disciplinas, como Sociologia, Antropologia, História, Geografia, Filosofia, Psicologia, dentre outras, auxiliam na abordagem e compreensão desse fenômeno (CARNIATO, 2010, vol. 9, p. 7).

Pesquisadores e especialistas ocupados em formular propostas

pedagógicas e capacitar professores de ER insistem na integração efetiva desta

disciplina no currículo regular das escolas públicas “sem o pressuposto da fé (que

resulta na catequese) e da religiosidade (que resulta na educação religiosa), mas

com o pressuposto pedagógico (que resulta no estudo da religião)” (PASSOS, 2007,

p. 32).

Essa ressalva relaciona-se à distinção entre “ensino religioso”, “educação

da religiosidade”, “ensino da religião” (ou das religiões) e “ensino sobre as religiões”.

A primeira nomenclatura, abordada neste trabalho através da sigla ER, é a de uso

mais recorrente na literatura especializada, na legislação educacional, no universo

acadêmico e nos sistemas oficiais de ensino. Conforme Passos (2007, p. 33), ela

“designa o estudo da religião como componente regular dos currículos escolares”.

Há um debate em torno dessas nomenclaturas e suas possíveis

variações. Empregado como sinônimo, a expressão “Educação Religiosa”, tal como

define o Conselho Nacional de Educação (CNE), pode soar distinta para os grupos

que reivindicam o ER público. Esta distinção ocorre uma vez que a “Educação

Religiosa” pode ser associada ao âmbito privado da família e da confissão religiosa;

ao passo que o “ensino religioso” diz respeito (ou deveria dizer) ao ER secular.

Segundo este argumento, o ER tem que ser oferecido sem doutrinação e

proselitismo de nenhuma religião, mas pautado nos elementos históricos,

sociológicos, antropológicos e filosóficos, constituintes daquilo que, no Ocidente, se

convencionou chamar de “religião”.

No contexto desta tese, os campos da educação e da religião serão

vistos como universos conflitantes, mas nem sempre inconciliáveis. O processo de

ensino-aprendizagem relativo ao patrimônio religioso não deveria ter como objetivo

o aprimoramento da fé ou o cultivo da religiosidade do aluno, caso este tenha

alguma. Essa atribuição não é da escola, mas das famílias e congregações

religiosas. Considera-se, entretanto, que numa perspectiva secular, os fundamentos

teórico-metodológicos, assim como os conteúdos relacionados à abordagem das

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religiões, sejam definidos academicamente, tendo como parâmetro os estudos

cientificamente consolidados sobre o objeto religião.

Assim, o que deve ser salientado nessa discussão é que a escola é o

espaço, por excelência, de construção e aquisição do conhecimento submetido ao

debate e ao exame crítico, o que a torna diferente do espaço da espiritualidade,

onde ocorre o ensino de valores, dogmas e crenças, muitas vezes transmitidos

como verdades absolutas.

2.1 Catequese na paróquia, ensino religioso na escola

A variedade de propostas pedagógicas para o ER, detectada no Brasil

recente, decorre das etapas de sedimentação dessa disciplina no quadro maior da

educação nacional. O ER é uma área do conhecimento cuja regulamentação não

tem uma diretriz nacional, sendo atribuída aos sistemas estaduais e municipais de

ensino. Isso resultou em diversas normas jurídicas que visam regular sua oferta nos

Estados, definir sua modalidade (ou caráter), conteúdo programático, critérios para

habilitação e admissão de professores e a carga horária a ser cumprida pelo

estudante matriculado.

Para os relatores do Parecer CNE nº 97/1999, essa

[...] questão, no Brasil, tem se revelado de maneira particularmente espinhosa no que tange ao ensino religioso nas escolas públicas e o Estado tem se orientado em sentidos diversos, de acordo com diferentes constituições, [logo é] impossível prever a diversidade das orientações estaduais e municipais e, assim, estabelecer uma diretriz curricular uniforme.55

Em vista disso, quais seriam os modelos de ER possivelmente em vigor nas

escolas públicas brasileiras? O que os aproximam e o que os distanciam? Como os

paradigmas de ER confessional e interconfessional, nominalmente citados na lei nº

55

A antropóloga Eunice Durham (ex-conselheira do Conselho Nacional de Educação) foi uma das relatoras do Parecer CNE nº 97/1999. Documento disponível no banco de dados do CRE-Mário Covas. Ver: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:M1HR_QlqtSYJ:www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/diretrizes_p0596-0601_c.pdf+&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 13 fev. 2013.

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9.394/96, foram definidos pelos especialistas em religião e educação?

Consideramos que as características, definições de religião, objetivos e

pressupostos teóricos (sociológico, filosófico, antropológico, histórico, teológico etc.)

relacionados às etapas de escolarização do ER resultam em posturas didáticas e

conteúdos diversos, mas, ao mesmo tempo, podem conter similitudes e não

exclusivamente oposições.

2.2 Modelos tipológicos de ensino religioso

No decorrer do “processo de evolução” teórico-metodológico do ER, é

possível localizar diversas modalidades de ER frequentemente citadas na literatura

acadêmica sobre o tema. Elas surgiram ao longo das mudanças política,

educacional e social brasileira. Estas mudanças nos levam, assim como Junqueira e

Nascimento (2013), a relacionar “o crescente pluralismo das filiações religiosas com

a consolidação da vida democrática e o desenvolvimento descentralizado das

regiões do país” (LOPES, 2013, p. 6).

Em sua descrição, Junqueira (2001) localiza três variações de ER

recorrentes: o de caráter confessional, o interconfessional e o fenomenológico.

Passos (2007) também sistematizou três modelos: o de orientação catequética, o

teológico e o das ciências da religião. Sem excluir essas variações, mas com base

em pesquisa realizada em escolas públicas estaduais da Região Metropolitana de

Belo Horizonte/MG, Dantas (2007) descreve quatro “modelos de compreensão” do

objeto desta disciplina: o confessional, o ecumênico (“irênico”), o interconfessional e

o inter-religioso (“pluralista”). Para Becker, a teologia e as ciências da religião são

áreas de referência para a maioria dos modelos de ER aqui expostos.

Para sintetizar os modelos de ER mencionados em seu livro de caráter

introdutório, Passos recorreu à “estratégia weberiana dos tipos ideais”, a fim de

justificar que os

[...] tipos são mapas mentais extraídos da realidade a partir de práticas concretas, não puras. As práticas são sempre impuras, contêm misturas de elementos diversos que a tipologia ideal não expressa em seus esquemas unívocos e simples. Contudo, os

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modelos esquemáticos visam fornecer referências para a visualização e análise das práticas concretas (2007, p. 52).

Considera-se que os modelos esquemáticos de ER almejam especificar e

legitimar os conteúdos desta disciplina. Tais modelos não são tipos puros, mas

aproximações deles. As estruturas e as dinâmicas de cada um deles podem diferir

em algum ponto, conforme visualizado abaixo:

Quadro 1- Modelos de ensino religioso

MODELO CATEQUÉTICO TEOLÓGICO CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Cosmovisão Unirreligiosa Plurirreligiosa Transreligiosa Contexto político Aliança Igreja-Estado Sociedade

secularizada Sociedade secularizada

Fonte Conteúdos doutrinais Antropologia, teologia do pluralismo

Ciências da Religião

Método Doutrinação Indução Indução Afinidade Escola tradicional Escola Nova Epistemologia atual Objetivo Expansão das igrejas Formação religiosa

dos cidadãos Educação do cidadão

Responsabilidade Confissões religiosas Confissões religiosas

Comunidade científica e do Estado

Riscos Proselitismo e intolerância

Catequese disfarçada

Neutralidade científica

Fonte: Adaptado de: PASSOS, 2007, p. 59, 63, 66.

Essa síntese “sinótica e comparativa” tem como propósito expor cada

concepção a partir da “cosmovisão religiosa” que a sustenta e do “contexto político”

no qual se coloca a relação entre Igreja e a sociedade civil; menciona-se, ainda, a

fonte dos conteúdos a serem ministrados pelo professor de ER. Também visa

apresentar o “método” adotado e as “afinidades”, ou aproximações, com certas

correntes pedagógicas. Percebe-se, ainda, que cada modelo encerra um “objetivo”,

aponta os sujeitos responsáveis por sua gestão e execução e pode esconder alguns

riscos, como observado em qualquer prática educativa (PASSOS, 2007, p. 54-55).

Embora seja uma síntese didática, nota-se a ausência de informações

mais detalhadas em relação aos critérios que conduziram Passos aos aspectos por

ele elencados no quadro. Por exemplo, a correspondência, ou “afinidade” sugerida

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pelo autor entre o paradigma teológico – uma espécie de “catequese disfarçada” – e

a Escola Nova é, no mínimo, duvidosa. Os integrantes deste movimento de

renovação da educação brasileira, ao lado de outros grupos pró-Estado leigo

(políticos, intelectuais, religiosos protestantes, etc.), militaram contra o decreto de

1931, sancionado por Getúlio Vargas, que autorizou o retorno do ER às escolas

públicas até então republicanas. Lembremos que entre as conquistas da

Constituição Republicana de 1891, destacam-se a liberdade de crença e culto e a

garantia de que seria leigo o ensino oferecido nos sistemas oficiais de ensino.

No próximo item, apresento aos diferentes modelos de ER, o que difere,

aproxima ou, ambiguamente, confunde cada um deles.

2.2.1 Catequético

“Catequese, define Cruz, é educação permanente e sistemática da fé.

Supõe que a pessoa (...) já se ligou a um grupo religioso, que faz parte de uma

comunidade de fé e ali celebra, cresce espiritualmente, participa” (1997, p. 13). O

modelo derivado dessa experiência – catequético – é o “mais antigo” de todos e

relacionado a contextos nos quais “a religião gozava de hegemonia na sociedade”,

porém ainda sobrevive “em muitas práticas atuais que continuam apostando nessa

hegemonia, utilizando-se (...) de métodos modernos” (PASSOS, 2007, p. 54).

O ER catequético baseia-a na ideia de reeligere, no entendimento do

reescolher, com o intuito de fazer seguidores e proporcionar uma formação cristã.

Também reflete a linguagem simbólica da comunidade religiosa, suas

características próprias, razões de ser, concepções, textos sagrados e doutrinários.

Adotado durante o período colonial e imperial, tinha um caráter explicitamente

confessional e católico, uma vez que Igreja e Estado ainda não eram domínios

separados.

Trata-se de um paradigma que tem a “verdade da fé como ponto de

partida” (CATÃO, 1995, p. 5), cuja cosmovisão é unirreligiosa. Assim, tem como

conteúdo e método a doutrinação das denominações cristãs, objetivando a

expansão das igrejas por meio do proselitismo, tendo por risco a intolerância

religiosa. Este modelo apresenta afinidade com a escola tradicional, caracterizando-

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se como evangelização, aula de religião e ensino bíblico. Deste modo, a

transmissão destes conteúdos cabia à Igreja por se entender que a religião é

assunto de sua competência, o que pode resultar em proselitismo religioso e

intolerância nas escolas.

Em razão da impossibilidade de efetivar-se na conjuntura moderna, na

qual a cisão entre Igreja e Estado é uma realidade, o ER catequético só poderia

subsistir através de um acordo entre esses dois poderes. Tal acordo visaria um

modo de acomodar os seus valores fundantes, mas sem que houvesse uma

“supremacia de um poder sobre o outro” (PASSOS, 2007, p. 59). A linguagem

catequética é mais comum em escolas privadas confessionais, “mas ainda é muito

utilizada por docentes de escolas públicas, o que reforça as acusações de que o

Ensino Religioso subjuga e domestica por ser ‘o braço estendido’ das igrejas cristãs

dentro da escola” (DANTAS, 2007, p. 58).

2.2.2 Teológico

Se o modelo acima deveria se restringir aos lares e comunidades

paroquiais, o teológico “procura uma fundamentação para além da

confessionalidade estrita, de forma a superar a prática catequética” (PASSOS,

2007, p. 60). Este paradigma assume a concepção de religare, significando religar

as pessoas a si mesmas, aos outros, à natureza e a Deus, visando torná-las mais

religiosas. Nesse contexto, o ER caracterizou-se como pastoral, ensino de ética e

valores. Sustenta-se na ideia da educação da religiosidade um valor antropológico,

no qual a dimensão transcendente marca o ser humano na sua profundidade,

independentemente de sua confissão religiosa.

Tendo por base uma cosmovisão plurirreligiosa, sua fundamentação

pretende superar a confessionalidade, o proselitismo e promover o diálogo com

outras denominações religiosas. Mesmo interessado na construção de um diálogo

com a sociedade secular religiosamente plural, o risco do modelo teológico é

transformar-se em “catequização disfarçada” (PASSOS, 2007, p. 64). Tal risco

decorre não tanto pela oferta dos seus conteúdos, mas pela responsabilidade e

condução atribuída às confissões religiosas. Estas, ao assumirem a execução do

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ER, podem “estender para dentro da escola suas comunidades confessionais e

suas reproduções doutrinais” (PASSOS, 2007, p. 61).

2.2.3 Confessional e interconfessional

O modelo confessional é um dos mais antigos e duradouros, presente em

colégios do Brasil desde o período colonial e assumiu “a concepção de AULA DE

RELIGIÃO” – Junqueira (2013, p. 233; destaques no original) faz uma breve menção

ao ensino da moral e doutrina católica vigente na legislação de 1827. O caráter

confessional do ER pressupõe que todos, professores e alunos, pertençam à

mesma confissão religiosa, com sua visão de mundo própria, culto, ritos, princípios

ético-morais, costumes, organização hierárquica etc. A responsabilidade pela

transmissão dos conteúdos mencionados é da autoridade confessional, a quem

ainda compete a confiabilidade e a formação dos professores credenciados em

alguma instância oficial. Nesse caso, “o ensino confessional se confundiria com

educação religiosa, semelhante àquela oferecida pelas comunidades religiosas para

a formação de membros de um determinado grupo”, avaliam Diniz e Lionço (2010b,

p. 14).

Nas escolas cristãs, não necessariamente católicas, pode ocorrer a

separação entre os credos, mas os alunos matriculados sempre estarão “sujeitos à

confessionalidade da instituição” escolhida por seus pais ou responsáveis legais

(DANTAS, 2007, p. 46). Os limites desse modelo é a proximidade com a catequese

cristã e a pressuposição de que todos os alunos cultivam uma religiosidade, tenham

uma identidade confessional exclusiva ou frequentem alguma religião; isso nem

sempre ocorre se consideradas as tendências contemporâneas do pluralismo

religioso. Mesmo após a laicização do Estado, em fins do século XIX, o ensino

confessional continua presente não somente em colégios confessionais, mas

também, formal ou informalmente, nas escolas públicas brasileiras.

Por sua vez, o modelo interconfessional, também designado como “inter-

relacional” (JUNQUEIRA, 2001), articulou, inicialmente, as confissões cristãs,

incluindo, posteriormente, outras tradições religiosas, que fizeram um acordo mútuo

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para elaboração, execução e corresponsabilidade pelo respectivo programa

curricular.

Em termos históricos, este modelo surgiu a partir do movimento

ecumênico, nos Estados do sul do Brasil após a década de 1970 e difundido para

outras regiões do país ao longo dos 1980 e década de noventa. É uma concepção

que não está mais formalmente presente na norma federal, mas quase se

consolidou na primeira versão do artigo 33 da lei nº 9.394/96, que permitia às

escolas públicas o oferecimento do ER confessional ou interconfessional.

Em tese, a proposta interconfessional não almeja catequizar o aluno ou

lecionar uma religião específica. Tem como proposta a evangelização ampla

seguindo “os valores existenciais da pessoa humana, que (...) é o sujeito e agente

de sua história, inserido em uma comunidade de fé e que dela participa e (...) deve

ser respeitado em sua consciência e em sua liberdade” (JUNQUEIRA;

NASCIMENTO, 2013, p. 235). Mesmo pressupondo que o aluno tenha uma

identidade religiosa prévia ou assumida, o objetivo a ser atingido ainda é o de fazer

seguidores. O que se quer aqui é educar a suposta religiosidade do educando,

compreendida como atitude dinâmica de abertura ao sentido radical da existência

humana.

A partir de observações concretas ocorridas na década de 1990, em

colégios católicos e redes de ensino públicas estaduais e municipais, Cruz (1997)

vai apontar as vantagens e desvantagens destes modelos. O confessional, ao

separar os alunos, impede o ecumenismo e a aprendizagem proporcionada pelo

diálogo entre as religiões – leia-se religiões cristãs. O interconfessional “evita a

discriminação entre adeptos das diversas Igrejas cristãs”, facilita “a organização do

trabalho” e auxilia no “diálogo ecumênico” (CRUZ, 1997, p. 14).

Entretanto, os riscos que se afiguram no ER interconfessional são

variados. Podemos citar o risco da intolerância cristã em relação aos adeptos de

outras religiões – como as afro-brasileiras. Também pode haver o despreparo do

professor para lidar com a diversidade de confissões religiosas, bem como a

tentativa de conversão do aluno. A subordinação dos conteúdos pedagógicos aos

interesses confessionais do professor é proselitismo, uma prática oficialmente

proibida e condenada por entidades civis e também religiosas.

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2.2.4 Ecumênico

O ecumenismo remete ao sentido de comunhão, unidade, movimento de

abertura, diálogo e “aproximação das Igrejas cristãs, em busca da aceitação mútua,

superação das divergências, partilha do patrimônio comum e construção da unidade”

(CRUZ, 1997, p. 14). Enquanto modelo curricular para o ER visa mais as

semelhanças do que as diferenças entre as confissões cristãs (católicos, ortodoxos,

batistas, presbiterianos, luteranos, metodistas, entre outros ramos do cristianismo).

Há uma ideia de que o ecumenismo procura incentivar o diálogo com diversas

religiões; no entanto, não se trata de “mistura” ou “salada mista de religiões”, explica

Cruz; tal distinção não é consensual, nem regra aceita por todos: “Há quem aplique

o termo ecumenismo a todos os casos” (CRUZ, 1997, p. 25).

A limitação dessa vertente é justamente a ênfase na matriz confessional

cristã, fundamentada “numa teologia que a considera caminho privilegiado de

relação da pessoa com o Transcendente, e modelo para os demais credos”

(DANTAS, 2007, p. 47). Quanto a este modelo, contrapõe-se também Carlos Steil –

citado por Dantas –, que defende um projeto de ER baseado na seguinte proposta

pluralista:

Quando analisamos os currículos de Ensino Religioso das escolas públicas podemos constatar que as religiões dominantes na sociedade acabam impondo suas concepções. Do mesmo modo, quando se observa a prática cotidiana da escola pública percebemos que nem todos os grupos religiosos podem expressar, da mesma forma, o que sentem e pensam. Inserida numa tradição científica de caráter racionalista, a tendência da escola é de homogeneizar a diversidade religiosa dentro de uma única ‘religião humana purificada’ que se colocaria acima das religiões e grupos religiosos concretos. Partindo da premissa de que não há um só Deus, igual para todos, procura-se reduzir as diferenças a um denominador comum. Este denominador, no entanto, geralmente se apresenta como o ‘deus’ cristão das religiões dominantes e mais racionalizadas. Para que se implante uma educação religiosa pluralista é preciso que a escola se compreenda como um projeto aberto, promotor de uma cultura de diálogo e comunicação entre os grupos sociais e religiosos que se apresentam no seu cotidiano. O pluralismo é real quando existe a possibilidade efetiva de manifestação da variedade das crenças e concepções religiosas sem restrições impostas por preconceitos e proselitismos. O Ensino Religioso tem um compromisso com a mudança de atitude e mentalidade de professores, administradores e alunos numa

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perspectiva de acolhida da diversidade religiosa que aparece no espaço escolar (STEIL apud DANTAS, 2007, p. 49-50).

2.2.5 Interreligioso (“pluralista”)

As desvantagens relacionadas ao ecumenismo dificilmente se repetiriam,

em teoria, na perspectiva interreligiosa ou “pluralista”. Dentre os modelos descritos,

ele é o “mais inclusivo” de todos, acredita Dantas (2007, p. 61), pois se aproxima da

“finalidade última da escola pública, aberta a todos, crentes e não-crentes”. Este

modelo foi concebido no sentido de “abranger as mais variadas opções e

modalidades de religiosidade, filosofias de vida, e até mesmo o agnosticismo e o

ateísmo” (DANTAS, 2007, p. 53).

Baseada no diálogo interreligioso, essa proposta visa à aproximação

entre as religiões, seja sob o ponto de vista do discurso, seja das práticas de cada

congregação, com vistas ao convívio pacífico e à solução dos problemas que

afligem a humanidade (SANCHEZ, 2010). Ela não pressupõe, portanto, que o aluno

se identifique com algum “credo” ou que pertença a uma instituição religiosa.

Baseia-se em categorias antropológicas de transcendência e alteridade, nutrindo um

diálogo com a antropologia cultural, psicologia, fenomenologia e sociologia da

religião. Para estas disciplinas o sentimento religioso e a sua institucionalização

“são expressão e sistematização das necessidades de grupos humanos,

concepções de sagrado e percepção de mundo, em determinadas épocas e

contextos históricos” (DANTAS, 2007, p. 54). Segundo Steil, o ER pautado na visão

pluralista

[...] deve apresentar uma visão positiva da diversidade religiosa, situando-a como parte de um contexto democrático onde a liberdade de pensamento e de credo pode se expressar. Neste sentido, deve estimular o diálogo e a interação entre os alunos de diferentes tradições religiosas, buscando superar os preconceitos e revelar seus pontos de convergência. Uma perspectiva histórica e sociológica das religiões pode ser importante para desvendar as razões de muitos conflitos que dividem grupos e pessoas. Muitos preconceitos e discriminações estão relacionados com fatos históricos que, uma vez analisados, permitiriam construir uma outra imagem dos grupos e pessoas que estão diretamente relacionados a

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eles. A educação religiosa deve buscar ainda internalizar nos alunos uma ética de ação e de comportamento dentro de um mundo plurirreligioso. Uma ética que deve se traduzir em práticas e atitudes apropriadas para uma convivência humana numa sociedade pluralista. Ou seja: que os impulsionem a comportar-se responsavelmente no meio cultural democrático que se apresenta em consonância com a afirmação da liberdade religiosa e respeito a outras religiões diferentes da sua (STEIL apud DANTAS, 2007, p. 54-55).

Apesar das pretensões acima, o modelo interreligioso, cujo formato

defende a existência de um suposto “denominador comum” entre as religiões, foi

criticado pela educadora Roseli Fischmann. A proposta deste ensino,

[...] dê-se a ele que nome for, traz consigo riscos de muitas violações de direitos. Por exemplo, a afirmação frequente nesses casos de que a divindade “é sempre a mesma”, esconde uma ânsia, ainda que inconsciente, de submeter o outro a certa visão de fé, que não é necessariamente a dele (FISCHMANN, 2004; aspas no original).56

2.2.6 Ciências da religião

Da mesma maneira que a concepção pluralista, as vertentes baseadas

na fenomenologia e nas ciências da religião apresentam-se como concepções

divergentes das modalidades de ER mais próximas do ideário religioso. “É bem

diferente da doutrinação. Estamos falando de uma proposta científica avançada”,

explica Afonso Ligorio Soares, ex-professor do Departamento de Ciência da

Religião da PUC-SP.57

Em razão da complexidade dos temas abordados, a descrição e análise

dos fenômenos religiosos requerem a adoção de “um conjunto sinérgico de saberes

e procedimentos intelectuais e técnicos” (JUNQUEIRA; NASCIMENTO, 2013, p.

249), que tratem a religião enquanto objeto de investigação filosófica, teológica,

histórica, antropológica e sociológica. Segundo o esquema comparativo

desenvolvido por Passos (2007, p. 54), o ER orientado pelas ciências da religião

56

Reportagem sem paginação. Disponível em: <http://www.comciencia.br/200407/reportagens/09.shtml>. Acessos em: 2015; 2016. 57

Trecho de entrevista publicada na reportagem “Jesus vai à escola”, Época, 1º de setembro de 2008 (ARANHA; MENDONÇA, 2008, p. 112).

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“fornece referências teóricas e metodológicas para o estudo e o ensino da religião

como disciplina autônoma e plenamente inserida nos currículos escolares”.

Para escapar das armadilhas da catequese, do confessionalismo e do

proselitismo, os especialistas deste campo defendem que o modelo das ciências da

religião58 é o “mais ideal” e habilitado a sustentar a autonomia epistemológica do ER.

Consideram as ciências da religião enquanto área do conhecimento “construída em

seus princípios e métodos, dentro da tradição das ciências modernas”

(MENEGHETTI, 2003, p. 94), detentora de uma episteme própria e compatível com

a educação laica. Apesar do caráter científico que lhe é atribuído, os especialistas

da área reclamam que o ER ainda não foi assimilado pelos sistemas oficiais de

ensino.

É nesse campo do saber que se devem procurar, aconselham os

cientistas da religião, os objetivos orientadores, o vocabulário e os conteúdos do ER.

Reconhecem a “a religiosidade e a religião como dados antropológicos e

socioculturais” (PASSOS, 2007, p. 65) a serem abordados nos sistemas de ensino,

mas submetidos às mesmas regras ou exigências das demais disciplinas escolares.

Isso permitiria afastar o ER da disputa entre as instituições da Igreja e do Estado,

rompendo, desse modo, com as estruturas eclesiásticas ou confessionais. Propõe-

se uma “visão transreligiosa”, que transcenda as “religiões particulares”, em busca

de uma “visão ampla capaz de abarcar a diversidade e, ao mesmo tempo, captar a

singularidade que caracteriza o fenômeno enquanto tal” (PASSOS, 2007, p. 66).

A proposta em torno do ER cientificamente neutro, tendo as ciências da

religião como modelo epistemológico, é quase hegemônica no âmbito acadêmico

58

Será adotado, neste trabalho, o termo “ciências da religião”, pois trata-se de uma nomenclatura usada para definir um dos modelos aqui apresentados (PASSOS, 2007, p. 64-67). Existem outros termos em uso. Quem opta pela “ciência da religião” tende a pressupor a existência de um método científico para um objeto unitário. Quem opta pelas “ciências das religiões” o faz por estar convencido tanto do pluralismo metodológico quanto do pluralismo do objeto, cuja estrutura é dinâmica e aberta. “Entre estes dois termos encontramos duas soluções intermediárias: os que falam de ciência das religiões ou, pelo contrário, os que preferem falar de ciências da religião” (FILORAMO; PRANDI, 1999, p. 12). No Brasil, a maioria dos cursos de bacharelado, licenciatura plena e pós-graduação, emprega a nomenclatura “ciências da religião”, ao passo que outros docentes de universidades públicas e Instituições de Ensino Superior confessionais defendem a “ciência da religião”, no singular, como área autônoma e modelo de referência para o ER. A propósito da institucionalização desse campo disciplinar em países da Europa, em especial na Alemanha, ver Frank Usarski (2007; 2013). Para o caso brasileiro, confiram as publicações de Teixeira (2007), Camurça (2008), Soares (2010) e Rodrigues (2013).

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atual, presente nas centenas de publicações especializadas e assim estimulada pelo

protagonismo de várias entidades e Instituições de Ensino Superior.59 Enquanto voz

dissonante, Becker manifesta-se veementemente contrário às ciências da religião

como área de referência para o ER. Ele considera impossível, ao professor e

pesquisador, abstrair-se do “envolvimento pessoal” com a disciplina de ER (2010, p.

295-296).

Para ele, o “modelo interteológico”, também chamado de “modelo inter-

religioso”, “autêntico”, indica a possibilidade do ER ser tematizado sob o ponto de

vista “das próprias religiões” e “responsabilizado por teólogos, membros das próprias

religiões que conhecem e valorizam sua religião” (BECKER, 2010, p. 291). Contudo,

ele próprio reconhece a impossibilidade de efetivação deste formato interreligioso;

afinal, não existem, no Brasil, docentes-teólogos para todas as matrizes religiosas –

africanas, indígenas e orientais – em número e qualidade suficientes para compor

um colegiado interteológico.

2.2.7 Fenomenológico

A abordagem fenomenológica tem como ponto de partida o fenômeno

religioso presente na sociedade e todas as ciências humanas lhe servem de

referência (JUNQUEIRA, 2001). No vocabulário das ciências humanas, fenômeno é

o que “torna manifesta uma realidade não diretamente perceptível, à qual se chega,

porém, através de suas expressões ou sinais” (CATÃO, 1995, p. 17). Parte do

subtítulo desta tese, o termo fenômeno religioso designa exatamente as

manifestações religiosas da religião. A concepção fenomenológica

[...] reconhece o valor histórico-social e cultural da religião, assim como o traço simbólico que confere aos sujeitos religiosos dispositivos para a vivência da religião, pragmática e ontologicamente, promovendo entre os educandos o conhecimento necessário para o fortalecimento de noções como o reconhecimento

59

Pontifícias Universidades Católicas (PUCs) e outras instituições de ensino confessionais; universidades públicas federais e estaduais, que oferecem cursos de ciências da religião, algumas com a oferta de licenciaturas em ER (Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade Federal de Sergipe (UFS), Universidade Estadual do Pará (UEPA), Universidade Federal da Paraíba, etc., entre outras instituições públicas).

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da alteridade e o respeito pela diferença (RODRIGUES, 2013, p. 231).

A proposta de ER baseada na fenomenologia da religião foi difundida a

partir da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Religioso-

PCNER (FONAPER, 2009). Este documento foi originalmente elaborado em 1995,

entregue ao Ministério da Educação (MEC) um ano depois, mas não

institucionalizado, nem integrado às diretrizes oficiais que orientam as disciplinas da

educação básica. Há nos PCNER uma tentativa de conferir “certo grau de

cientificidade” ao ER, porém seus conteúdos situam-se nos limites do ecumenismo

católico, avalia Tania Amaral (cf. DERISSO, 2006, p. 11; 102).

Numa orientação programática que também procura se distanciar do ER

confessional, catequético e teológico, os parâmetros do Fonaper reúnem cinco

blocos temáticos sintetizados abaixo:

a) Culturas e tradições religiosas: aspectos relacionados à função e

valores da tradição religiosa; relação entre tradição religiosa e

ética; existência histórica e destinação humana nas diferentes

culturas, etc.;

b) Escrituras Sagradas e/ou tradições Orais: registros escritos ou

orais; narrativas sagradas e seus contextos culturais;

c) Teologias: conjunto de afirmações e conhecimentos elaborados

pelas tradições religiosas, seja a respeito das “divindades”,

“verdades de fé” ou sobre “vida além da morte” (ressurreição,

reencarnação, ancestralidade ou nada após a morte);

d) Ritos: celebrações rituais, seus símbolos e espiritualidades;

e) Ethos: conjunto de valores éticos que orienta a conduta e o

comportamento dos fiéis pertencentes a uma determinada

comunidade religiosa.

Essa proposta do Fonaper (2009, p. 49-63), na qual o “Transcendente” é

o objeto de estudo do ER – defendido como “um só [mas] com muitos nomes”

(FONAPER, 2000, p. 46) – têm sido uma das principais referências para os autores

de livros didáticos e cadernos pedagógicos de ER distribuídos por órgãos oficiais de

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ensino. Além de influenciar nas definições de conteúdos e programas de ER em

diferentes regiões do país, o paradigma fenomenológico é perceptível, inclusive, nos

marcos legais de alguns Estados brasileiros. Por exemplo, a Resolução nº

197/2004, sancionada pelo governo estadual da Paraíba, afirma que o ER objetiva a

“compreensão do fenômeno religioso, presente nas diversas culturas e

sistematizado em Tradições Religiosas (...)”.60

No Decreto nº 3.882/2005, do Estado de Santa Catarina, entende-se

como objetivo do ER “possibilitar ao educando o conhecimento das diversas

culturas e tradições religiosas para maior abertura e compromisso consigo mesmo,

com o outro, com o mundo e com o transcendente (...)”.61 Essa divulgação da

concepção fonaperiana de “Transcendência” também ocorre em fóruns regionais e

nacionais, congressos, seminários, cursos de formação continuada de professores,

boletins e outras publicações.

Os pressupostos defendidos pelo Fonaper para a identidade do ER são

abrangentes do ponto de vista de uma educação que defende a abordagem da

diversidade religiosa brasileira. Entretanto, seu objeto – o “Transcendente” – é posto

de forma inequívoca, que implica o dado da fé, tal como vimos noutros modelos

descritos. Esperar que o educando, em sala de aula, seja um crente, e não um

cidadão, pode ser interpretado como um retorno à confessionalidade anteriormente

combatida.

A complexidade do fenômeno religioso tem revelado novas formas de

espiritualidade e vínculos religiosos cada vez mais individuais, autonomizados e

menos institucionalizados. O pressuposto em torno do “Transcendente” enquanto

um dado prévio “precisaria ser relativizado” (DANTAS, 2007), pois desconsidera as

atuais demandas e características do cenário social e religioso. A complexidade do

contexto contemporâneo ultrapassa os códigos, símbolos e discursos institucionais,

60

Resolução completa disponível no acervo online do GPER (Grupo de Pesquisa Educação e Religião). Ver: <http://www.gper.com.br/biblioteca_download.php?arquivoId=112>. Acessos em: 2015; 2016. 61

Ver: SANTA CATARINA (Estado). Decreto nº 3.882, de 28 de dezembro de 2005. Regulamenta o Ensino Religioso nas escolas de Ensino Fundamental da rede pública estadual. Disponível em: <http://www.edulaica.net.br/uploads/arquivo/sc_decreto_n_3882_2005.pdf.>. Acesso em: nov.2014.

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73

o que não quer dizer que tais aspectos – menos institucionalizados – não exerçam

alguma influência na sociedade.

2.2.8 Transconfessional e transreligioso

Além dos modelos descritos, existem outras concepções decorrentes de

pesquisas acadêmicas como a realizada por Marislei Espíndula Brasileiro (2010),

que propõe o modelo “transconfessional”. Esta modalidade de ensino-aprendizagem

visa ultrapassar os aspectos confessionais de cada religião, mas, ainda assim,

mantém-se presa ao termo confessional (JUNQUEIRA; NASCIMENTO, 2013).

Maria Cristina Lima (2003) aponta a necessidade de uma nova

“fisionomia” para o ER, que permita superar a confessionalidade e não exija a

pertença do aluno a nenhum “credo”. A esta “categoria” de ER, denominou

“transreligiosidade”, cuja construção recorre à leitura sociológica da condição pós-

moderna, reflexo da desregulamentação das identidades religiosas, da não-

linearidade entre elas, da descontinuidade, diferença, pluralismo religioso e

necessidade do diálogo, “marcas da Pós-modernidade” (LIMA, 2003, p. 69).

Essa perspectiva trans instaura a dúvida, aponta para a perda das

certezas postas pelas religiões hegemônicas, as “únicas depositárias da Salvação”

(LIMA, 2003, p.70). Ela não visa, contudo, o fim das narrativas religiosas, mas

descarta o caráter totalizante de tradições religiosas que querem “sequestrar o

inefável mistério de Deus, tentando reduzi-lo aos seus limites históricos e culturais”

(LIMA, 2003, p.70). Nos termos da própria autora:

As dimensões do homem religioso que o Ensino Religioso Transreligioso inclui são a confiança no Transcendente, o sentido de missão a realizar-se na relação com os outros, a compreensão da vida como manifestação do Sagrado, o equilíbrio entre valores materiais e altruístas de solidariedade e partilha, uma visão positiva diante dos acontecimentos estressantes da existência humana, como o sofrimento e a morte, uma visão positiva do mundo, apesar de todas as suas negatividades, a violência, a fome, a exploração capitalista dos fortes aos mais fracos (LIMA, 2003, p.73).

Ainda que ambicione superar as dimensões da confessionalidade, das

narrativas totalizantes, das verdades religiosas e os pressupostos que acompanham

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esta visão, Lima mantém-se presa a determinados pilares defendidos pelas

confissões religiosas que ocupam uma posição hegemônica na sociedade brasileira.

Poderíamos citar, dentre eles, a religião enquanto dimensão do “homem religioso”; a

confiança na transcendência, que pode remeter-nos à ideia de fé explicitada pelo

sujeito religioso; a vida como manifestação do sagrado (com “s” maiúsculo); e a

evocação a certos valores – solidariedade, partilha, altruísmo etc. – que podem ser

relacionados ao universo cristão, mas que não obrigatoriamente se repetem em

outras religiões populares existentes no Brasil.

2.2.9 História das religiões

Esta última vertente – uma alternativa laica quando comparada com

algumas propostas descritas – é pouco explicitada na literatura especializada e

raramente mencionada por teólogos, cientistas da religião e os que defendem uma

orientação mais fenomenológica para o ER.

A abordagem histórica baseia-se no estudo dos fenômenos religiosos

compreendidos a partir dos seus próprios contextos socioculturais. Ela tem como

ênfase as “ideias, crenças, comportamentos, literatura, arte e instituições que hoje

chamamos de religiosos” (SILVA, 2003, p. 208). Aplicada ao ER, objetiva “ensinar

religiões (e não uma religião) na Escola”, não “para defesa de uma delas, em

detrimento de outras, mas discutindo-se princípios, valores, diferenças e tendo em

vista – sempre – a compreensão do outro” (SILVA; KARNAL, 2002c, p. 8).

Ao abster-se de “juízos de valor (ou de fé)”, o estudo histórico da religião

tem como princípio básico o “autocontrole científico”, ou o “agnosticismo

metodológico”, e não deve ser pautada “pelos termos do discurso que a religião

elabora sobre si mesma” (MATA, 2010, p. 18).62 Portanto, uma noção científica e

acadêmica de religião

[...] não pode atender compromissos religiosos específicos, nem ter definições vagas ou ambíguas como, por exemplo, definir “religião” como “visão de mundo”, o que pressuporia que todas as “visões de mundo” fossem religiosas. [...] Outras definições são muito restritivas: a definição “acreditar em Deus” deixa de fora todos os

62

Para Eduardo Basto de Albuquerque: “Fazer História das Religiões não é fácil, porque exige a disposição de manter certo afastamento, se é possível isso ser feito!” (2004, p. 61).

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politeísmos e o Budismo, enquanto a crença numa realidade sobrenatural ou transcendental também não satisfaz, por não ser comum a todas as culturas religiosas (SILVA; KARNAL, 2002a, p. 18; aspas no original).

Para fins de análise, a seguinte definição de religião tem sido a mais

aceita pelos estudiosos deste fenômeno histórico, social e cultural, de acordo com

Silva e Karnal: “religião é um sistema comum de crenças e práticas relativas a seres

sobre-humanos dentro de universos históricos e culturais específicos” (2002a,p. 19;

itálicos no original). Necessário sublinhar, contudo, que existem culturas ou

civilizações (a hindu, por exemplo) onde inexistem o termo “religião”, porém existem

manifestações que no mundo ocidental seriam designadas como “religiosas” – tema

do capítulo seguinte.

A noção teórica de religião depositada na crença em “seres sobre-

humanos” parece-nos muito restritiva. Não são todas as culturas religiosas que

interagem com mundos sobrenaturais ou que creem na existência de um “Deus”,

como se verifica nas religiões ditas universais. Daí a orientação segundo a qual a

análise do fenômeno religioso deve considerar o ponto de vista

[...] da História Cultural que tem, na definição básica do historiador Roger Chartier, o objetivo central de identificar a maneira através da qual, em diferentes tempos e lugares, uma determinada realidade social é construída, pensada e lida (SILVA; KARNAL, 2002b, p. 13).

Recomenda-se, aos educadores e professores preocupados com a

intolerância religiosa, a abertura para o diálogo, respeito e compreensão mútua da

alteridade

[...] atrás de seus véus e templos, rituais e orações. Entender aspectos e a originalidade das religiões, as formas de mobilização e como se situam no tempo e no espaço, é tarefa urgente dos professores e educadores preocupados com a tolerância fundamental para o respeito em favor da Pedagogia, integrando-as aos novos programas escolares (SILVA, 2003, p. 216).

Se algumas formulações de ER têm a transcendência enquanto objeto de

estudo do ER e elemento indispensável da educação integral do cidadão, o mesmo

jamais pode ser dito em relação à perspectiva histórico-cultural das religiões. Disto

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decorre a oposição de alguns autores e militantes, entre os quais Viviane Cristina

Cândido63, para quem o ER, além de contemplar o aspecto histórico das religiões,

deveria “trazer um conhecimento e, ao mesmo tempo, a necessária reflexão sobre o

sentido da vida” (CÂNDIDO, 2008, p. 265). Em texto semelhante, embora não

mencione a história, a antropologia ou a sociologia da religião, Fernando Henrique

Cavalcante de Oliveira acredita que o “fenômeno religioso não pode ser reduzido a

um fato cultural” (2011, p. 161), enquadrado em campos específicos, como as

ciências ou filosofia da religião. Há, segundo ele, “uma experiência com o sagrado,

um universo espiritual, que essas ciências não abarcam” (OLIVEIRA, 2011, p. 161).

De fato, não são todas as áreas das ciências humanas que estão

interessadas, ou preocupadas, em fornecer respostas para certas perguntas – “de

onde viemos?”, “para onde vamos?” ou “qual o futuro da humanidade?”. Essas

interrogações estão associadas ao universo das religiões. Daí advém a recepção

crítica à proposta de ER mais laicizada que se tentou implantar nas escolas públicas

da rede estadual paulista – esta observação será discutida com mais

aprofundamento no quinto capítulo.

2.3 Modelos impuros e ambiguidade conceitual

As regulamentações do ER nos Estados brasileiros reproduzem

trechos das normatizações federais, reiterando que o ER é parte da formação

integral do educando, devendo ser inserido nos horários normais das escolas e

garantir o direito à liberdade de consciência e de crença do aluno. Ainda reafirmam o

respeito à diversidade cultural e religiosa que, em termos legais, impediria a

influência das confissões hegemônicas no interior das redes públicas de ensino. 64

Vimos que o ER possui uma variedade de modelos surgidos no decorrer

da sua trajetória enquanto área específica. Entretanto, há uma falta de unanimidade

63

Cientista da religião, ex-Assessora de Ensino Religioso da Associação de Educação Católica de São Paulo (AEC/SP). 64

Decerto, as denominações religiosas minoritárias – em especial, os grupos evangélicos – também querem exercer alguma influência no espaço público das escolas, seja por meio da participação na seleção e execução dos conteúdos de ER, seja na escolha dos responsáveis pelo desenvolvimento destes conteúdos.

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77

em torno deles, sendo isto um reflexo da “história dessa disciplina (...) dependente

da ideologia religiosa católica e de conjuntura políticas dominantes, até meados do

século XX” (DANTAS, 2007, p. 60). Além disso, “legislações de ensino antagônicas

se alternam e até convivem, não sem conflitos, num mesmo momento histórico ou

espaço físico, o que não é exclusividade do Ensino Religioso” (DANTAS, 2007, p.

60).

Os dispositivos jurídicos nem sempre auxiliam na apreensão do “caráter”

do ER escolhido pelas redes oficiais de ensino. Faltam estudos sobre a aplicação

dos marcos legais do ER nessas redes, que forneçam uma classificação mais

segura do ponto de vista empírico e classificatório. A legislação vigente nos Estados

da federação, e provavelmente no interior dos municípios brasileiros, não explicita

textualmente a modalidade de ER a ser implementada em suas escolas públicas.65

Poucos foram os Estados que procuraram defini-la, textualmente, através de leis,

decretos, resoluções etc. Este é o caso de São Paulo, que sancionou o Decreto nº

46.802/2002, no qual o ER tem caráter supraconfessional.

Na Bahia foi instituído, por meio da lei nº 7.945/2001, o ensino

“confessional pluralista”. A Portaria nº. 1.128/2010, da Secretaria Estadual de

Educação, reorganizou a matriz curricular do Estado e a “Educação Religiosa” foi

desdobrada “em atividades” desenvolvidas conforme o Projeto Político Pedagógico

das escolas. Essas atividades não preveem notas ou conceitos para efeito de

promoção do aluno e devem observar o respeito à diversidade cultural religiosa do

Brasil.66 Na Paraíba, o ER caracteriza-se através da Resolução nº 197/2004,

[...] como Educação Religiosa Escolar, tem caráter interconfessional, distinto da catequese, tanto nos seus objetivos como no seu conteúdo, devendo assegurar o respeito e tolerância à diversidade cultural-religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.67

65

Existem alguns mapeamentos das legislações nacionais e estaduais que procuraram classificar os modelos de ER (JUNQUEIRA; NASCIMENTO, 2013; DINIZ; LIONÇO; CARRIÃO, 2010; XIMENES, 2009; GIUMBELLI, 2007). Não nos coube, neste trabalho, realizar a mesma classificação, sendo preferível deter-se na nomenclatura explicitada nas legislações consultadas. 66

Ver<http://www.sec.ba.gov.br/jp2011/legislacao/PORTARIA_N__1.128_de_janeiro_de_2010.pdf>. Acesso em 12 nov. 2014. 67

PARAÍBA (Estado).Resolução nº 197/2004, de 3 de junho de 2004.Regulamenta a oferta do ensino religioso nas escolas públicas do ensino fundamental do estado da Paraíba e dá outras providências.

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78

No Espírito Santo, o ER foi disponibilizado e regulamentado pela lei nº

7.193/2002,

[...] na forma confessional, de acordo com as preferências manifestadas pelos responsáveis ou pelos próprios alunos a partir de 16 (dezesseis) anos, inclusive, assegurando o respeito à diversidade cultural e religiosa do Espírito Santo, vedadas quaisquer formas de proselitismo.68

Essa escolha pelo ensino confessional, normatizada em 2002, teve outra

compreensão após o Decreto nº 1.736-R/2006, que reconheceu, em artigo primeiro,

o Conselho de Ensino Religioso do Estado do Espírito Santo (Coneres) como

entidade civil representativa das diversas organizações religiosas do Estado para o

ER. Compete-lhe a elaboração dos programas curriculares e o credenciamento dos

professores de ER – de caráter interconfessional – que lecionam nas escolas da

rede pública estadual.69

Em Pernambuco, a Resolução CEE/PE Nº 5/2006 definiu que a oferta de

ER nas escolas públicas estaduais,

[...] tem como objeto a compreensão do fenômeno religioso presente historicamente nas civilizações e culturas, expresso em manifestações religiosas [e] terá caráter interconfessional e expressará a diversidade cultural-religiosa da sociedade brasileira, distinguindo-se da “doutrinação”, nos conteúdos e nos objetivos, excluindo qualquer conteúdo, linha ou forma de proselitismo, garantindo o respeito às crenças de cada indivíduo e o direito subjetivo de não professar qualquer credo religioso.70

Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:66-tQ2Fpf_AJ:www.gper.com.br/biblioteca_download.php%3FarquivoId%3D112+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: nov.2014. 68

ESPÍRITO SANTO (Estado). Lei Estadual nº 7.193, de 25 de junho de 2002. Dispõe sobre ensino religioso confessional nas escolas da rede pública de ensino do Estado do Espírito Santo. Disponível em: <http://www.al.es.gov.br/antigo_portal_ales/images/leis/html/LO%207193.html>. Acesso em: nov.2014. 69

ESPÍRITO SANTO (Estado). Decreto nº 1736-R, de 26 de setembro de 2006. Dispõe sobre a oferta da disciplina do Ensino Religioso nas escolas públicas Estaduais do ES. Disponível em: <http://www.gper.com.br/biblioteca_download.php?arquivoId=147>. Acesso em: nov.2014. 70

PERNAMBUCO (Estado). Resolução CEE/PE nº 5, de 9 de maio de 2006. Dispõe sobre a oferta de ensino religioso nas escolas públicas integrantes do Sistema de Ensino do Estado de Pernambuco, regulamenta os procedimentos para a definição dos conteúdos e as normas para habilitação e admissão dos professores e dá outras providências. Disponível em: <http://www.cee.pe.gov.br/wp-content/uploads/2015/08/RESOLU%C3%87%C3%83O-CEE-PE-N%C2%BA-05-2006.pdf>. Acesso em: nov.2014.

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79

Em relação às modalidades de ER confessional, interconfessional ou

supraconfessional, expressas nos dispositivos destacados, nota-se uma

“ambiguidade conceitual” nesses paradigmas, pois “todo ensino interconfessional é

também confessional em seus fundamentos” (DINIZ E LIONÇO, 2010b, p. 14). A

diferença entre eles estaria na amplitude da confessionalidade. O confessional

assemelha-se à educação religiosa praticada nos templos ou igrejas, não prevê

acordo inter-religioso, sendo ministrado por representantes religiosos credenciados

por suas respectivas confissões. A perspectiva interconfessional, embora preserve o

sentido da confessionalidade, “partiria de consensos entre as religiões, uma

estratégia educacional mais facilmente posta em prática pelas religiões cristãs (...)”

(DINIZ; LIONÇO, 2010b, p. 14-15).

Por mais científicas que sejam certas propostas pedagógicas, elas

permanecem vinculadas às denominações religiosas e/ou elaboradas a partir de um

viés confessional. Luzia Sena (2007, p. 92) recorda que “não há teologia

aconfessional ou supraconfessional”, pois “a Teologia sistematiza experiências

religiosas e orienta o modo como os adeptos de uma denominação religiosa devem

crer e agir na organização de suas vidas”.

Ainda assim, o Acordo entre o Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto

jurídico da Igreja Católica no Brasil, promulgado através do Decreto nº 7.107/2010,

reafirma o confessionalismo.71 No parágrafo único do artigo 11, consta:

O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação.72

71

Há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em tramitação junto à Procuradoria Geral da República, “instando o Supremo Tribunal Federal a se pronunciar sobre a legitimidade do modelo confessional” (GIUMBELLI, 2011, p. 262). Em outubro de 2015, mais de trinta entidades religiosas ou ligadas à educação participaram da audiência pública convocada pelo ministro Luís Roberto Barroso (STF), na qual se debateu a constitucionalidade ou não de se incluir o “ensino confessional católico e de outras confissões” no quadro das disciplinas das escolas da rede pública. 72

Sobre o Acordo entre o governo brasileiro e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, firmado na Cidade do Vaticano, ver: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7107.htm. Acesso em: ago.2016.

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80

Esse acordo, ao apontar para que o ER respeite a identidade religiosa do

aluno, abre espaço para que haja, na escola pública, diferentes “ensinos religiosos”.

A manutenção da confessionalidade, além de comprometer o princípio da laicidade

do Estado brasileiro, apresenta dificuldades de sustentação em sua prática. Este é o

caso do Rio de Janeiro, que multiplicou o número de professores então contratados

para ministrar a mesma disciplina.73 Aprovados em concurso público realizado em

2004, os professores de ER tinham que ser credenciados pela autoridade religiosa

competente e ter formação religiosa obtida em alguma instituição por ela mantida ou

reconhecida. Católicos e evangélicos foram os mais beneficiados com essa

medida.74

Além de causar embaraços entre gestores escolares e professores-

religiosos, o caráter confessional adotado no Rio impôs novas demandas para as

escolas públicas estaduais. Após a regulamentação da lei estadual nº 3.459/2000,

as escolas são obrigadas a oferecerem atividades alternativas aos alunos que

rejeitarem as “aulas de religião”. Mesmo procurando “garantir um espaço de

intervenção na sociedade (que toca na socialização de crianças e jovens)”, num

momento em que a presença católica “se vê ameaçada por outras referências,

inclusive religiosa” (GIUMBELLI, 2004, p. 11), é possível afirmar que o modelo

“conservador” instaurado no Rio de Janeiro tornou-se um corpo estranho no interior

de suas escolas públicas.

Como vimos até aqui, dispomos de muitas informações sobre as

definições legais do ER ao longo da sua historicidade na educação brasileira, no

entanto, “quase nada conhecemos sobre as condições concretas, no passado e no

presente, do ensino religioso em cada uma das escolas” (GIUMBELLI, 2004, p. 60).

Como já destacado nos poucos estudos realizados nas ciências sociais, a realidade

pode contrastar com as normatizações legais. “As práticas confessionais e

proselitistas persistem apesar da lei e das propostas curriculares definirem a

necessidade de uma educação religiosa pluralista” (RANQUETAT, 2008, p. 302).

73

A adoção do modelo confessional nas escolas públicas estaduais do Rio de Janeiro foi sancionada após a lei nº 3.459/2000. 74

“Das quinhentas vagas disponíveis, trezentos e quarenta e duas foram destinadas aos professores “católicos”, cento e trinta aos “evangélicos” e vinte e seis aos “outros credos” (MIRANDA; MAIA, 2014, p. 85).

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81

Expostas as características principais das concepções teóricas de ER,

convém verificar se elas têm alguma ressonância para além do quadro jurídico

brasileiro. Pretende-se, nos próximos capítulos, verificar se os modelos de ER estão

refletidos na produção de livros escolares e nas aulas de ER observadas em

escolas públicas paulistas. O objetivo é compreender se o material didático e a

prática docente se aproximam do modelo confessional, se dialogam com os eixos

temáticos do Fonaper (2009), com as ciências ou história das religiões ou se

mesclam estas referências. Também procura observar se, tanto os autores de livros

de ER, quanto os professores desta disciplina, reeditam a ambiguidade entre os

modelos ou se buscam uma configuração conceitual mais precisa.

No caso dos livros didáticos examinados no próximo capítulo, será que

eles reforçam o vínculo religião-confissão ou se espelham na atual legislação

propondo novas formas de abordagem do fenômeno religioso em sala de aula? O

principal intuito é perseguir os diferentes sentidos atribuídos à noção de “religião”

presentes no material empírico e bibliográfico e verificar qual é o tratamento

conferido às religiões de matriz afro-brasileira.

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82

CAPÍTULO 3

PELOS MARES DA RELIGIÃO:

O ENSINO RELIGIOSO VISTO A PARTIR DOS LIVROS ESCOLARES

A concretude ou materialidade do livro didático, ou manual escolar,

enquanto objeto material, bem como a função pedagógica que exerce no processo

de ensino-aprendizagem, não se constituem como tópicos centrais deste capítulo.

Também deixaremos para outros especialistas interessados neste campo

inexplorado, a tarefa de investigação relativa à compreensão cognitivo-escolar do

tema “religião” – isto é, o momento em que se constrói a primeira imagem, positiva

ou negativa, sobre o fenômeno religioso e suas variações socioculturais.

Sem desfazer a relevância desse enquadramento analítico mais afeito às

ciências da educação e suas práticas de ensino, interessam aqui os aspectos

conceituais relacionados ao ensino das (e sobre as) religiões.75Para isso, foi

analisada uma amostragem de livros didáticos de ER publicada entre 2009 e 2011

pelas editoras Ática, Vozes, Moderna, Paulinas, Editora do Brasil, entre outras. A

análise deste material manteve a estratégia utilizada em outro trabalho.76 O método

consistiu em capturar, numa determinada unidade, capítulo, tema ou seção, que

subdividem internamente os livros didáticos reunidos, a maneira como seus autores

ou organizadores conceituam a noção teórica de “religião” e outros termos

derivados ou indexados nesta definição primeira, tais como fé, crença e

religiosidade. Procuramos verificar se os produtores dessas fontes didáticas

dirigidas ao ER tendem a enfatizar a “essência” das religiões (os pontos em comum

nas manifestações religiosas) ou a estrutura delas a fim de descrever os

fenômenos convencionalmente associados à esfera da Religião, em particular, e

das religiões de modo geral.

75 Este capítulo discute alguns pontos debatidos durante o evento A Rede do Livro – VIII Edição do

Fórum de Editoração (USP, 2012), onde acadêmicos e editores abordaram os mecanismos de produção editorial, seus diversos gêneros, etapas da produção, uso e difusão. Uma das mesas tratou das “Editoras na sala de aula: livros didáticos e paradidáticos”, na qual pesquisadores e editores analisaram o funcionamento e a divulgação dos livros escolares direcionado a professores e estudantes, além da influência, avanços e restrições impostas pelos editais do Governo Federal na produção do livro escolar. 76

Refiro-me ao artigo onde abordo a intersecção entre corpo e religião em livros escolares de ER, parte deles compõe a amostragem de títulos presentes neste capítulo. Ver Santos e Rigoni (2015).

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83

Cabe recordar que foi Mircea Eliade, em O sagrado e o profano, quem

constatou a existência de orientações metodológicas divergentes, porém

complementares, na investigação dos fenômenos religiosos: alguns historiadores

(mas, também, sociólogos e antropólogos) concentram-se nos estudos das

estruturas específicas do fenômeno – a essência da religião. Outros, interessados

preferencialmente no contexto histórico desses fenômenos, “trabalham por decifrar

e apresentar sua história” (ELIADE, 2008, p. 13).

A religião enquanto fenômeno histórico e sociocultural é um tema

privilegiado para os produtores de materiais didáticos de ER, cujos projetos

editoriais almejam sistematizar as diferentes religiões coexistentes no mundo.

Contudo, apesar da centralidade que ocupa no processo de transposição didática

de uma disciplina escolar qualquer, o livro didático pode apresentar defasagens e

atrasos em relação às transformações do saber científico (MORAND, 2012). Dessa

forma, os conceitos cristalizados em livros escolares encontram-se muitas vezes

desatualizados, o que acarreta, entre os professores, uma postura interpretativa

que não leva em consideração as transformações do real (ZAMBONI, 1998).

Especialmente no campo de estudos das religiões existe uma vasta

literatura, não apenas antropológica, que tem procurado repensar o conceito de

religião (DERRIDA; 2000; GEERTZ, 2001; BURYTI, 2001; POMPA, 2008; ASAD,

2010; ALMEIDA, 2010; entre outros). No entanto, parece pouco provável que este

“repensando a religião” (nome de coletânea de escritos acadêmicos da editora

Paulinas) tenha ressonância imediata nos livros didáticos de ER, pois, como

descrito adiante, seus autores e organizadores tendem a reproduzir, de modo

acrítico, o pressuposto universalista e a-histórico de que existem “verdades em

toda parte – e o divino se manifesta entre todos os povos”.77

Importante ressalvar que, atualmente, os livros didáticos de ER não são

avaliados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), nem distribuídos para

as escolas públicas do país. Mas, será que eles estarão em uso nas redes públicas

de ensino nos próximos anos? Há um episódio, ainda pouco conhecido, sobre a

trajetória recente do ER: além da Concordata Brasil-Santa Sé, mencionada no

primeiro capítulo, encerrou-se, em 15 de março de 2016, a consulta pública da

77

INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, Apresentação, vol. 1 (Vidas), p. 3; itálico no original.

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84

“versão preliminar” da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)78. Esta Base

poderá valer, segundo palavras do ex-ministro da Educação (MEC), Renato Janine

Ribeiro, para todas as escolas do país.

Pela primeira vez, após efetiva participação do FONAPER, o ER está

incluído neste processo que irá resultar em uma nova BNCC, cuja previsão está

programada vigorar após 2018.79Uma vez analisado pelo já mencionado CNE

(Conselho Nacional de Educação), reencaminhado ao MEC e contabilizadas as

opiniões das “várias comunidades de pesquisadores e docentes e também da

sociedade como um todo” (RIBEIRO, 2015, p. 2), o ER poderá ter, pela primeira vez

em sua história, uma diretriz oficial para os nove anos do ensino fundamental.80

Caso isto ocorra, contrariando a militância do “Grupo do Não” (CÂNDIDO,

2007) – movimentos sociais e educacionais contrários ao oferecimento obrigatório

do ER facultativo em escolas públicas –, os livros didáticos dessa disciplina decerto

participarão dos editais públicos dos órgãos oficiais de educação. Dentre estes

editais destaca-se o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), onde serão

avaliados, aprovados ou reprovados, posteriormente distribuídos e adotados nas

redes oficiais de ensino.

Embora os livros didáticos analisados nesta pesquisa não tenham

chegado (ainda) até as redes públicas de ensino, contemplar sua formulação,

estrutura e conteúdo, é relevante, considerando-se o lugar privilegiado que este

78

Documento não analisado nesta pesquisa. Aguarda-se tanto sua aprovação e/ou reprovação pelo MEC, bem como a decisão do STF em relação ao decreto que rege a Concordata Brasil-Santa Sé. Dificilmente será decretado o fim do ER nas escolas públicas brasileiras, uma vez que se discute, no âmbito federal, a criação de uma diretriz oficial para esta disciplina. O que se espera, do STF, é a proibição do ER confessional vigente nos marcos legais de alguns Estados brasileiros. 79

Ver notícias do FONAPER em: <http://www.fonaper.com.br/noticia.php?id=1760>. Acesso: abr. 2016. 80

A Folha de S. Paulo tem uma posição publicamente contrária à oferta pública do ER. No dia em que Renato Janine Ribeiro, então ministro da educação, anunciou a consulta online da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a Folha... publicou uma breve matéria, com a seguinte manchete: “Proposta de ministério para currículo nacional faz crítica a ensino religioso”. Nota-se o modo enviesado escolhido para noticiar a proposta tramitada na esfera federal. A crítica do MEC, bem como do STF, não é em relação ao ER de modo geral, mas em relação à oferta do ER em sua modalidade confessional, que tende a resvalar para o ensino católico. Cf.<http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/09/1686895-proposta-de-ministerio-para-curriculo-nacional-faz-critica-a-ensino-religioso.shtml>. Para editoriais da Folha... sobre o ER: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0103201102.htm>. Ver também: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2108200103.htm>. Acessos em: mai.2016.

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recurso ocupa no cotidiano e no universo da cultura escolar.81Tal universo inclui,

obviamente, as instituições de ensino privadas ou confessionais que, mesmo não

sujeitas às certas regras aplicadas ao ER público, não estão acima da lei maior que

rege a educação nacional – lembremos que a lei federal nº 9.475/97, em seu artigo

33, determina o respeito à “diversidade cultural religiosa do Brasil”.82 O que se

observa, por ora, é que são os estabelecimentos de educação privada que têm

utilizado os manuais de ER em circulação nacional.

Considerando-se esse preâmbulo necessário, este capítulo está dividido

em três partes. A primeira foca nas características do livro escolar enquanto objeto

cultural veiculador de discursos e representações sociais. A segunda trata do livro

didático de ER no Brasil e indica-se a amostragem dos livros selecionados para

análise. A última parte discute a categoria “religião” explanada nos livros didáticos

apresentados a seguir.

3.1 Livro escolar: de mídia de massa a objeto cultural complexo

A bibliografia sobre a influência do livro escolar – termo usado neste

capítulo como equivalente de livro didático ou manual escolar – no quadro do

sistema educativo formal é extensa e diversificada. Existem inúmeras contribuições

sobre seus usos (e abusos), que procuram conceituar e distingui-lo de outros

gêneros bibliográficos, pois são classificados como obras de referência destinadas

ao processo de difusão da escolarização em massa que acompanhou a formação

das consciências nacionais (ROCHA; SOMOZA, 2012). Para a especialista Circe

Bittencourt (2008, p. 299), ele é um “objeto cultural de difícil definição, mas, pela

familiaridade de uso, é possível identificá-lo, diferenciando-o de outros livros”.

81

A expressão “cultura escolar” designa o “conjunto de teorías, ideas, principios, normas, pautas, rituales, inercias, hábitos y prácticas (formas de hacer y de pensar, mentalidades y comportamientos) sedimentadas a lo largo del tiempo en forma de tradiciones, regularidades y reglas de juego no puestas en entredicho, y compartidas por sus actores, en el seno de las instituciones educativas” (VIÑAO apud AZEVEDO, 2011, p. 106). Ela “propicia aos indivíduos um corpo comum de categorias de pensamento que tornam possível a comunicação”, escreve Pierre Bourdieu (2007, p. 205) em sua reflexão sobre o papel de integração cultural assumido pela escola. 82

Ainda hoje se pergunta por que a reformulação do artigo 33 da citada lei federal fez desaparecer o conectivo “e”, transformando a diversidade cultural e religiosa em “diversidade cultural religiosa” (FISCHMANN, 2008, p. 213).

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86

A priori, define-se o livro didático por oposição ao paradidático83 em razão

da sua linguagem não ficcional, com objetivo pedagógico delimitado, que apresenta

e abrange os conteúdos de uma determinada área do conhecimento. Trata-se de um

objeto comunicacional, com propósito formativo, segundo valores que se deseja

perpetuar. Livros didáticos são transmissores de “conteúdos reveladores de

estratégias representacionais, que permitem ao pesquisador refletir sobre os

projetos hegemônicos de formação social” (NASCIMENTO, 2011, p. 153).

Enquanto recurso didático integrado ao universo escolar, não se pode

negar o papel que o livro didático exerce nas sociedades atuais, ou letradas,

constituindo-se como uma das mais complexas “mídias de massa”, segundo

definição de Brigitte Morand (2012, p. 69). É justamente por cumprir uma função

relevante na formação de jovens e crianças que vários autores, ao analisar os

discursos e narrativas visuais presentes em livros didáticos, “acabaram por perceber

e denunciar os graves problemas que acompanham este tipo de texto” (MEKSENAS,

2010, p. 31). Mesmo estruturados com certo rigor científico, eles podem assumir um

papel explicitamente ideológico, apresentar estereótipos84 e regionalismos,

reducionismos, lacunas teóricas ou ausência de determinados temas85, informações

errôneas, fatos e conceitos formulados incorretamente e manipulados de forma

preconceituosa.

Desse modo, os princípios éticos e os critérios de avaliação determinados

pelo PNLD86 recomendam que os livros didáticos devam retratar, adequadamente, a

diversidade e pluralidade social e cultural do país. Assim, deve-se evitar a difusão de

estereótipos de condição socioeconômica, origem regional, étnico-racial, orientação

83

O livro paradidático costuma ser adotado de forma paralela e complementar aos livros convencionais – daí o sentido do “para” (MENEZES; SANTOS; 2001). É um recurso lúdico e conceitual, que apresenta uma linguagem ficcional e “o imaginário como suporte ou manipulação do conceitual” (COELHO; SANTANA apud BAPTISTA, 2008, p. 11). 84

Estereótipos "(...) não flutuam sobre o nada. Razão pela qual eles podem nos informar de maneira bastante útil sobre as realidades concretas e afetivas que eles deformam sempre, camuflam quase sempre e, finalmente, revelam" (JEANNENEY apud MORAND, 2012, p. 85). 85

Para Azevedo as lacunas teóricas e de conteúdo de um livro didático são compreensíveis. Os autores deste gênero bibliográfico realizam suas escolhas seguindo critérios editoriais ou que julgarem mais relevantes. Alguns temas podem ser mais privilegiados que outros; “isso é plenamente aceitável, uma vez que os autores têm autonomia para proporem o que deve ser discutido” (AZEVEDO, 2005, nota 14, p. 116). 86

Ver GUIA DE LIVROS DIDÁTICOS PNLD 2012: História. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld-guia-do-livro-didatico>. Acesso em 26 fev. 2012.

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87

sexual87, idade, entre outras formas de discriminação e violação de direitos, bem

como respeitar a autonomia e a laicidade do ensino público.

O livro escolar constitui-se um “veículo poderoso de transmissão do

patrimônio cultural socialmente partilhado” e “instrumento privilegiado de

socialização” (NUNES, 2008, p. 104), pois contribui para a apropriação das

representações dominantes numa dada sociedade. Enquanto item comunicacional,

ele desempenha o papel de mediador entre a realidade e o público-leitor. Reúne,

portanto, múltiplos discursos situados em diferentes níveis de percepção e

configurados por dois códigos: o linguístico e iconográfico, que se enquadram e se

articulam, “com maior ou menor convergência e/ou coerência, com outros discursos

– educativos, institucionais (curriculares e programáticos) e científicos” (NUNES,

2008, p. 105).

Livros didáticos não são simples suportes pedagógicos, acima disso, eles

se constituem como objetos culturais que devem ser considerados em sua

complexidade. O conjunto dos elementos textuais e visuais neles veiculados como

fontes não se limitam à maneira como explicam ou apresentam um determinado fato,

mas também remete às representações sociais nele contidas.88 Como nada é

“neutro, politicamente falando, em educação” (CRUZ, 1997, p. 102), logo, não é

impossível localizar, ao longo de suas páginas, algum aspecto ou tratamento

conceitual do qual se possa discordar.

A riqueza iconográfica presente nos livros escolares transformou-os em

verdadeiros “livros de imagens”. Neles, as fotografias, mapas, cartazes, etc.,

87

A partir de uma pesquisa baseada na análise de quatro coleções de ER, Diniz afirma que o “estímulo à homofobia e a imposição de uma espécie de ‘catecismo cristão’ em sala de aula são uma constante nas publicações”. Cf. “Ensino religioso no Brasil estimula o preconceito e a intolerância”, Secom UnB (Secretaria de Comunicação da UnB), 21 de junho de 2010. Disponível em: <http://www.unbciencia.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=552%3Aensino-religioso-no-brasil-estimula-o-preconceito-e-a-intolerancia&catid=57%3Alivros&Itemid=1>. Acessos: 2015; 2016. 88

Representações são “sistemas de interpretações sociais que regem nossa relação com o mundo e com os outros, que orientam e organizam as condutas e as comunicações sociais” (JODELET, 2001, p. 22). Por "representações sociais queremos indicar, escreve Serge Moscovici, um conjunto de conceitos, explicações e afirmações interindividuais”, que equivalem, “em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais; poder-se-ia dizer que são a versão contemporânea do senso comum" (MOSCOVICI apud COSTA; ALMEIDA, 1999). Artigo originalmente publicado em periódico acadêmico, disponibilizado em online livre sem a devida paginação. Ver: <http://www.ufmt.br/revista/arquivo/rev13/as_teorias_das_repres.html>. Acesso em. nov. set. 2015.

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88

“funcionam em rede, respondem-se mutuamente e participam da elaboração de uma

‘visão de mundo’ dessa vez em seu sentido figurado (...)” (MORAND, 2012, p. 69).

Essa visão de mundo, acrescenta a pesquisadora francesa, aproxima-se muito mais

de uma narrativa mítica do que histórico-cientifica e “os manuais escolares, pelo seu

funcionamento interno, se tornaram, nos dias de hoje, uma mídia de massa”

(MORAND, 2012, p. 69).89

Objeto interlocutor entre o professor e o aluno, o livro didático é uma

“mercadoria” sujeita às influências sociais, econômicas, políticas e culturais sofridas

por qualquer item comercial que percorra o passo a passo da produção, distribuição

e consumo (PAVÃO, 2006). Sua “elaboração se dá no cruzamento de lógicas

institucionais, científicas, didáticas e editoriais” (MORAND, 2012, p. 67). Trata-se de

um item sujeito às demandas institucionais – nacionais ou provinda de uma estrutura

mais descentralizada – e diretrizes editoriais ou educativas à qual uma determinada

coleção se encontra vinculada. Além disso, pode refletir as concepções de autores

ou organizadores (publicações que envolvem autorias coletivas) sobre um

determinado universo temático. Essas situações podem interferir e modelar os textos

didáticos a partir de “considerações ideológicas, tradições didáticas ou, ainda, pela

memória individual dos autores, memória essa que guia a seleção e a interpretação

dos acontecimentos” (MORAND, 2012, p. 70).

Consequentemente, o processo de produção e consumo deste

“dispositivo de ensino” (ROJO, 2006, p. 49), mobiliza a participação de sujeitos que

não podem ser compreendidos isoladamente no decorrer deste processo: os

autores, organizadores, trabalhadores técnicos e, em especial, os professores e

alunos, consumidores finais que vivem a experiência da sala de aula. Cada qual

atribui significados variados ao livro escolar, que pode vir a ser, inclusive, uma marca

de distinção social, ou “referência de status”, principalmente para a população

estudantil economicamente desfavorecida.90

89

Essa observação poderia ser estendida aos livros escolares de história do Brasil, onde fatos reais são narrados de forma mítica, como se fossem grandes sagas ou epopeias heroicas. 90

Oliveira (2006, p. 40) reporta-se, em nota explicativa, ao estudo realizado por Circe Bittencourt. Em pesquisa realizada em escolas de São Paulo, Bittencourt comenta que para os estudantes de baixa renda, a posse individual do livro didático conferia um status social e até mesmo garantia de segurança em caso de “batidas” policiais ocorridas fora dos perímetros das escolas.

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89

O valor do livro didático incorpora, portanto, algo a mais que a

expectativa pedagógica, aparentemente a mais óbvia deste que é um dos

principais meios para a aquisição do conhecimento. Sua produção engloba

aspectos econômicos, políticos, técnicos e culturais, que uma vez observados,

podem abrir novas possibilidades de pesquisa, que ultrapassem a ênfase limitada à

“denúncia” das faltas, erros ou ideologias do livro escolar. No entanto, as pesquisas

que privilegiam unicamente a “externalidade” da sala de aula, não dialogam com a

empiria vivida nos ambientes escolares (OLIVEIRA, 2006). Neste trabalho

buscamos olhar de forma multidimensional para a questão do ensino e das práticas

escolares referentes ao ER. Esta abordagem está construída em uma trajetória que

compreende o material jurídico, passando pelos livros escolares de ER, até

alcançar o universo empírico da sala de aula.

3.2 Livro didático em escolas do Brasil: discursos autoritários e apreensão do

conhecimento

Não é novidade encontrar, hoje, certa interdependência entre as

disciplinas escolares, a prática docente e o livro didático. Apesar de alguns autores

insistirem na compra, leitura e uso de materiais paradidáticos e outros que se

apresentam como recursos alternativos, ainda assim os livros didáticos servem

como suporte e guia para a construção do conhecimento em sala de aula. Em

muitos casos, tal suporte pode ser percebido por meio da orientação de uso e de

sugestão de avaliação dos conteúdos encontrados nos livros escolares, fazendo

com que estas fontes sejam utilizadas como principal instrumento pedagógico.91

Para Heloisa Dupas Penteado, o livro didático deve ser avaliado em um

âmbito mais amplo, visto que ele é “o material disponível, e de uso generalizado em

nossas escolas, muitas vezes até por ser o único material impresso de que o aluno e

até mesmo a escola e o professor dispõem” (2010, p. 234). A “quase inexistência de

textos didáticos obriga muitos docentes a uma prática altamente criativa de

91

Ressalta-se que também existem “professores que abominam os livros escolares, culpando-os pelo estado precário da educação escolar” (BITTENCOURT, 2010, p. 71). Este repúdio ao uso do livro didático pode ser decorrente das políticas de seleção, distribuição e controle do Estado sobre a escola pública brasileira.

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90

elaboração de seus próprios textos, a partir de livros não didáticos”, afirma Paulo

Meksenas (2010, p. 30) em sua análise dos manuais de sociologia.

Mesmo disponíveis nas escolas, não há garantia que os conteúdos

reunidos nos livros didáticos cheguem de forma completa e total aos alunos – a

autonomia dos professores e as particularidades de cada realidade escolar podem

desembocar em contornos específicos (BALESTRA, 2015). Há que se considerar os

variados contextos sociais, econômicos e culturais, bem como as dificuldades ou

limitações com as quais muitos professores se defrontam cotidianamente. Tais

situações os obrigam a adotar o livro escolar como o principal ou mesmo único

recurso didático, aos quais os professores ainda subordinam seus projetos de

ensino.92 Apesar das disparidades existentes no Brasil, o livro didático não deveria

assumir o papel de protagonista na cultura escolar (CARVALHO et al., 2006).

Presença marcante na sala de aula, o livro escolar deixa de ser um

recurso auxiliar no processo de disseminação do saber, para tornar-se autoridade,

dispositivo absoluto, única fonte de informação em diferentes regiões brasileiras

onde o livro escolar é o único tipo de material escrito e ilustrado a que a população

tem acesso (MEKSENAS, 2010). Consequentemente, a autonomia dos sujeitos

frente aos discursos e às representações visuais veiculados em tais fontes continua

sendo posta e debatida entre os especialistas da área (linguistas, historiadores,

pedagogos etc.), críticos ou defensores desse prestigiado “comandante do processo”

de ensino e aprendizagem (CRUZ, 1997, p. 101).

Os desdobramentos desses debates ultrapassam o universo restrito ao

livro didático. Um deles refere-se à diversidade de sentidos em torno do que venha

ser “religião” e de como deve ser ministrado o ER, tal como esboçado no capítulo

segundo. Neste caso, mais uma vez o Estado do Rio de Janeiro é paradigmático

para entender as nuances do processo de implementação do ER nas escolas

públicas. Ao sancionar o ER “separado por credos” presumia-se que as entidades

religiosas envolvidas nesta decisão teriam garantias do controle doutrinal dos

92

Para Azevedo (2005, p. 110) é “ilusório, já que empiricamente impossível nas atuais circunstâncias, o professor pensar que ele terá condições de produzir seu próprio material didático. A dupla jornada de trabalho – em alguns casos a tripla jornada – não permite sequer que o professor prepare as aulas com outros materiais pedagógicos. Essas são as condições históricas nas quais os professores do Ensino Fundamental e Médio se encontram”.

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91

conteúdos ministrados em aula. Entretanto, as diferentes realidades presentes nas

escolas públicas fluminenses levam os professores a veicularem suas próprias

visões em relação ao que consideram importante para os alunos matriculados no ER

(CAVALIERI, 2007).

Em certos casos, essas experiências, como a relatada acima, podem

tensionar o campo das religiões (quais religiões podem e quais não podem ser

abordadas na escola pública?), com consequências e repercussões dramáticas e

inesperadas. Este foi caso Ana Luiza, umbandista declarada, professora de língua

portuguesa de uma escola pública da Prefeitura de Macaé/RJ que, ao trabalhar a

temática da história e cultura afro-brasileira, resolveu adotar o livro paradidático

Lendas de Exu, de Adilson Martins (Pallas Editora), autorizado pelo Ministério da

Educação (MEC), em conformidade com os conteúdos previstos na lei federal

10.639/2003.

Sua metodologia consistiu em trabalhar com lendas e mitos africanos,

realização de atividades em sala, onde os alunos desenharam as suas

representações de Exu, personagem central do livro escolhido. Os conflitos

começaram dois meses depois. Segundo descrição de Miranda e Maia (2014, p. 89):

Os problemas teriam se iniciado no momento em que foram passados trabalhos a serem realizados em casa pelos alunos. O diretor adjunto recebeu reclamações de pais referentes à atuação da professora em sala, pensando a princípio que se tratava de preconceito. Porém, frente às crescentes reclamações, preferiu averiguar, descobrindo que o que estava sendo trabalhado em sala não era a literatura afro-brasileira, mas o que classificou de “místico religioso”. Propôs, portanto, uma reunião com a professora. Este insistiu para que fosse substituído o livro por outro, intitulado Menina Bonita do Laço de Fita, de Ana Maria Machado, “para evitar problemas” para a professora. Na reunião, Ana Luíza se negou a trocar o livro e afirmou ter buscado desmistificar Exu durante suas aulas. A professora argumentou que não concordava com o fato de que se podia falar da mitologia grega, mas não dos mitos que compõem o panteão africano. Porém, o diretor adjunto argumentou que isto se tratava de assunto envolvendo ensino religioso – uma matéria não prevista na grade curricular da Prefeitura de Macaé – o que era incompatível com uma escola e com um Estado Brasileiro laico. A professora então responde que o diretor adjunto estava “indo contra a sua própria raça”, tendo o diretor respondido que não se

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92

tratava disso, mas que seria uma questão de “igualdade, justiça e cidadania”.93

Este fato revela que os livros adotados em contextos escolares, sejam

eles de caráter didático ou paradidático, são, antes de tudo, objetos multipolares.94

Quando integrado à cultura escolar, ele cumpre a função de promover o ensino-

aprendizagem (nem todos discordariam que Ana Luiza teve a melhor das intenções),

mas também podem escancarar as tensões muitas vezes camufladas no cotidiano

das escolas.

São as contradições, aquilo que se evidencia ou que se esconde nas

entrelinhas das estratégias discursivas, que precisam ser identificadas pelos

usuários dos recursos com finalidades educativas. Não por acaso há um

investimento das editoras na produção de “exemplares do professor” do ensino

fundamental e médio, para que este avalie as coleções de livros didáticos

disponíveis no mercado editorial. Do mesmo modo, o PNLD disponibiliza um

conjunto de resenhas que procuram orientar os professores na escolha dos livros

que melhor correspondam às suas expectativas pedagógicas e realidades

socioculturais.

3.3. Religião não é letra morta

Embora o livro escolar seja objeto de atenção entre investigadores de

diversas áreas e países, no Brasil há uma “inexistência de estudos publicados sobre

o livro didático de Ensino Religioso” (GILZ, 2009, p. 141). A despeito dessa queixa,

existe uma quantidade considerável de artigos reunidos em coletâneas diversas,

teses de doutorado e dissertações de mestrado defendidas em universidades

brasileiras. Estas publicações encontram-se disponíveis sobretudo nos repositórios

93

O dado mais notável desta descrição é que Exu, um dos principais deuses da mitologia nagô-ioruba – do qual a professora tentou remover a indevida (e “sincrética”) imagem negativa –, foi ironicamente o principal personagem da polêmica que envolveu diferentes atores e agências (a professora, seus alunos e os pais destes, a direção geral e a direção adjunta da unidade escolar e a Secretaria de Educação) e resultou no afastamento de Ana Luiza então acusada de apologia místico-religiosa. 94

Trata-se de um objeto “multipolar” no sentido em que envolve a demanda institucional, as pressões editorias e econômicas, o saber universitário, as representações sociais que modelam seus conteúdos e a transposição didática destes conteúdos (MORAND, 2012, p. 71).

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93

das Instituições de Ensino Superior (IES) confessionais, nas quais é possível

encontrar algum capítulo ou seção destinados ao livro didático, então onipresente no

processo de formação dos referenciais básicos das gerações de estudantes.

Dentre as pesquisas localizadas, duas foram realizadas em cursos de

pós-graduação em educação e orientadas por docentes favoráveis à oferta do ER

nas escolas públicas e privadas. Uma delas foi publicada em livro por Claudino Gilz,

assessor pedagógico da coleção Redescobrindo o universo religioso. Gilz escolheu

exatamente essa coleção da editora Vozes como objeto de sua pesquisa de

mestrado, na qual defende que o livro didático representa “um dos recursos de

sustentação da teia dos processos educacionais” (GILZ, 2009, p. 138).95 Essa

avaliação levou-o a investigar de que maneira o livro escolar de ER pode contribuir

para a formação do docente que atua nessa área do conhecimento.

A segunda dissertação foi realizada por Sérgio Luiz Nascimento (2009)96,

que procurou analisar os discursos sobre os segmentos raciais negros e brancos em

livros de ER de 5ª a 8ª séries publicados entre 1977 e 2007. Nascimento concentra-

se nos títulos produzidos segundo os principais paradigmas de ER presentes em

escolas brasileiras e discutidos no segundo capítulo desta tese – modelos

confessional, interconfessional, fenomenológico etc.

Especificamente no campo das ciências sociais existem poucas

referências disponíveis sobre o livro didático. A falecida antropóloga Aracy Lopes

(1949-2000) foi uma das principais incentivadoras desses estudos durante sua

permanência na Universidade de São Paulo (USP), tendo publicado uma série de

artigos e coletâneas sobre a questão indígena em sala de aula. Numa dessas

coletâneas localiza-se o texto de Mauro W. B. Almeida (1987), no qual este autor

examina o “racismo” em livros didáticos de Estudos Sociais, Moral e Civismo

publicados nos anos 1970 pelas maiores editoras brasileiras sediadas nos grandes

centros urbanos e patrocinados, na época, por órgãos oficiais de educação. Sem

desconsiderar o racismo sofrido pela população negra brasileira, o foco da reflexão

95

Gilz é pedagogo, mestre em Educação pela PUC-PR, membro do GPER (Grupo de Pesquisa Educação e Religião), professor universitário e pesquisador do CEP (Centro de Estudos e Pesquisas Bom Jesus). 96

Filósofo, mestre e doutor em Educação pela Universidade Federal Paraná. É professor de filosofia na PUC-PR.

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94

desenvolvida por Almeida concentra-se nas populações indígenas do Brasil. É deste

autor o uso da noção de “índio genérico” então presente em livros escolares, que,

ainda hoje, não contempla a diversidade existente entre povos, linguística e

etnicamente diversos, que habitam o vasto território brasileiro.

Quanto às pesquisas centradas nos livros didáticos de ER realizadas no

âmbito da antropologia é possível mencionar duas – na verdade, as únicas

encontradas durante a etapa de levantamento nos repositórios da Capes e de várias

universidades públicas e privadas, sobretudo as de caráter confessional. A primeira

pesquisa foi coordenada por Emerson Giumbelli, com participações regionais de

professores e pesquisadores do Sul, Sudeste e Norte do Brasil – Sandra de Sá

Carneiro, Carlos Steil, Raymundo Heraldo Maués, Janayna Alencar Lui, Vanda

Pantoja e Nicolas Alexandria.97 Esta equipe de investigadores procurou mapear as

legislações do ER vigentes em alguns Estados brasileiros98, levantar o material

didático e analisar os conteúdos curriculares presentes nessas fontes.

Parte dos resultados do projeto foi publicada por Giumbelli (2010), em

artigo no qual propõe analisar algumas diretrizes curriculares e dois exemplares de

ER publicados, respectivamente, pelas editoras Vozes e FTD. Inspirado na literatura

recente, que têm explorado o estatuto contestado da categoria “religião”, o propósito

desse autor é saber o que se define por religião nos “documentos” acima, como se

organiza o universo daí derivado e, sobretudo, a forma como se equaciona o que

seria comum e o que seria específico aos grupos religiosos particulares.

Em consonância com os objetivos e os questionamentos da pesquisa

descrita acima, também nesta tese interessa-nos investigar os usos e as percepções

a respeito da categoria religião. A amostragem de livros de ER examinada aqui tem

maior abrangência e atualidade em relação ao trabalho coordenado por Giumbelli.

Ela reúne títulos – listados no quadro abaixo – distribuídos por diferentes editoras,

de ampla circulação, o que permitiu reunir um maior número de definições referentes

97

Projeto de pesquisa intitulado “Mapeamento do Ensino Religioso no Brasil: definições normativas e conteúdos curriculares”, proposto pelo ISER (Instituto de Estudos da Religião) e apresentado ao Programa de Apoio a Projetos em Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (PROSARE EDITAL 2007). 98

Amapá, Pará, Alagoas, Paraíba, Piauí, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul.

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95

ao objeto “religião” e prolongar essa análise para as religiões de matriz afro-

brasileira, conforme objetivo já delimitado.

A segunda investigação mapeada foi coordenada por Debora Diniz,

antropóloga, professora da Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Anis –

Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, uma organização feminista, não-

governamental, sem fins lucrativos e de utilidade pública federal. Trata-se de um

estudo solicitado pela UNESCO, que também procurou mapear o conjunto das

regulamentações do ER nas escolas públicas brasileiras e analisar a maneira como

a diversidade cultural e social e o proselitismo religioso são tratados em algumas

publicações de ER.99 As conclusões deste estudo estão publicadas no citado livro

Laicidade e ensino religioso no Brasil (DINIZ; LIONÇO; CARRIÃO, 2010).

3.3.1 Coleções didáticas de ensino religioso

Os títulos analisados adiante foram escolhidos conforme a

disponibilidade das editoras. Através de visitas a feiras de livros, envio de cartas,

e-mails e contatos com as áreas comerciais e setores de divulgação, foram

doadas as coleções (“exemplares para análise do professor”) publicadas pela

Ática, Scipione, FTD, Moderna, Vozes, Paulinas, Editora do Brasil, Companhia

da Escola (que distribui as apostilas da Rede Salesiana), Global e Rideel.100 A

análise mais adensada dessas fontes permite conhecer, internamente, a maneira

como elas são elaboradas, os temas escolhidos, o tratamento reservado para as

diferentes religiões e se estão em acordo ou desacordo com as formulações

legais que regulamentam a oferta do ER.

Após leituras dos sumários, apresentações, contracapas, suplementos e

orientações metodológicas, geralmente localizados no final de cada exemplar,

foram selecionados os seguintes volumes, que constituem o material de análise

99

Pesquisa intitulada “O ensino religioso nas escolas públicas brasileiras: qual pluralismo?”, que teve apoio da CCR (Comissão de Cidadania e Reprodução) e do Programa de Apoio a Projetos em Sexualidade e Saúde Reprodutiva (Prosare). Diniz e Lionço (2010a) analisaram as coleções de ER das editoras FTD, Ática, Saraiva, Moderna, Vozes, Paulinas, etc., sem se aterem à noção de religião, mas com foco no proselitismo e na diversidade religiosa. 100

Parte desse acervo foi doada para a Biblioteca “Prof. Joel Martins”, Faculdade de Educação, UNICAMP.

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96

deste capítulo:

QUADRO 2

Livros didáticos de ensino religioso: amostra examinada

Fonte: Acervo disponibilizado pelas editoras, 2013, 2014. Elaboração do autor.

As editoras que trabalham com literatura religiosa são muitas, há uma

pujança de amplitude nacional neste segmento, porém não são todas que assumem

o livro didático como mercadoria principal e nem todas deveriam ser classificadas

como religiosas. De acordo com Junqueira (2010), ao refutar a classificação de

Diniz e Lionço (2010a), é incorreto afirmar que a FTD seja uma editora secular e a

Scipione seja religiosa (hoje integrada ao grupo Ática). Segundo levantamento de

Agueda Bittencourt (2014) sobre os “selos católicos” e do espaço que eles ocupam

Livro Título e autor Volume Editora/Edição Ano

De mãos dadas: ensino religioso 5ª série, 6º ano do Scipione

Avelino Antonio Correa e Amélia Scheneiders ensino fundamental (8ª edição)

Entre amigos 9º ano: Moderna

Obra coletiva e organizada pela própria editora ensino fundamental (2ª edição)

Jeitos de crer: vivendo a vida 3º ano: Ática

Dora Incontri e Alessandro Cesar Bigheto ensino fundamental (1ª edição)

Jeitos de crer: buscando Deus 4º ano: Ática

Dora Incontri e Alessandro Cesar Bigheto ensino fundamental (1ª edição)

Novo Fé na Vida: eu e os outros presentes no mundo Ed. do Brasil

Margarida Regina de Almeida e José Donizetti dos Santos (2ª edição)

Novo Fé na Vida: construindo um mundo novo vol. 5, 5º ano: Ed. do Brasil

Margarida Regina de Almeida e José Donizetti dos Santos ensino fundamental (2ª edição)

Cultura religiosa: segundo segmento do ensino fundamental: EJA Global

Edson Steel (1ª edição)

Manual compacto de ensino religioso Rideel

Ana Vasconcelos (1ª edição)

Expressões do sagrado na humanidade Paulinas

Maria Inês Carniato (1ª edição)

Diversidade religiosa no mundo atual Paulinas

Maria Inês Carniato (1ª edição)

Nossa opção religiosa Paulinas

Maria Inês Carniato (1ª edição)

Redescobrindo o universo religioso: ensino fundamental livro do professor Vozes

Viviane Mayer Daldegan vol. 1 (4ª edição)

Redescobrindo o universo religioso: ensino fundamental livro do professor Vozes

Adecir Pozzer vols. 6 e 9 (3ª edição)

Redescobrindo o universo religioso: ensino fundamental livro do professor Vozes

Marcos Sidney Pereira vols. 2, 4, 5 (4ª edição)

Todos os jeitos de crer Ática

Dora Incontri e Alessandro Cesar Bigheto (2ª edição)

Todos os jeitos de crer Ática

Dora Incontri e Alessandro Cesar Bigheto (2ª edição)

Todos os jeitos de crer Ática

Dora Incontri e Alessandro Cesar Bigheto (2ª edição)

1 2007

2 2009

7 2010

3

4 2009

5vol. 4, 4º ano: ensino

fundamental2009

6 2009

8 2010

9 2010

10 20108º ano: professor

11 9º ano: professor 2010

12

13 2011

17 2010

2011

2009

vol. 1 (Vidas)

vol. 3 (Tradições)

vol. 4 (Ideias)

vol. único

vol. único

7º ano: professor

14 2012

15 2010

16 2010

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97

no mercado editorial brasileiro, das oito editoras listadas na tabela anterior, FTD

(Grupo Marista), Vozes (Franciscanos) e Paulinas (Filhas de S.P.), são

reconhecidamente católicas.101 Quanto às demais não há informações suficientes

que possam atestar a associação com congregações religiosas, o que não quer

dizer que suas coleções de ER sejam “seculares” ou não-religiosas.

Além disso, Ática, FTD, Scipione e Moderna, têm o livro didático como

trabalho significativo em todas as áreas do conhecimento, o que inclui, portanto, o

ER; mas, este não é o caso das editoras Vozes e Paulinas, que não são

tradicionalmente voltadas ao mercado editorial didático. No geral, todas elas têm

“produtos cristãos” em seus catálogos, incluindo a editora Rideel, especialista em

literatura jurídica, mas que também publica os livros do padre carismático Cleodon

Amaral de Lima.

Passo agora aos perfis das coleções e títulos de ER que serviram de

base para a discussão relativa às noções de religião e religiões de matriz afro-

brasileira:

a) Entre amigos (Editora Moderna)

Trata-se de uma “obra de educação religiosa”, concebida em nove

volumes (1º ao 9º ano), redigida pela própria Moderna, com direção editorial de

Sônia Cunha de Souza Danelli e assessoria pedagógica de Luciana Possagnolo.102

Na apresentação de cada exemplar é reafirmado que a coleção propõe

uma aprendizagem pautada na convivência, no respeito, no diálogo com as

diferenças e na tolerância diante da diversidade e da pluralidade cultural que

caracterizam as sociedades modernas. A contracapa de cada volume informa que o

foco da coleção “está no desenvolvimento e na ampliação da Cidadania, da

101

Em seu artigo Bittencourt (2014, p. 117) trata do “livro católico”, examinando “os efeitos da circulação internacional das congregações religiosas na produção editorial no Brasil, buscando compreender as estratégias e os investimentos do clero e de leigos dedicados à produção de livros, revistas e jornais católicos”. 102

Possagnolo é pedagoga, licenciada em artes cênicas pelas Faculdades Integradas Teresa D’Avila; especialista em psicopedagogia pelo Centro Universitário Santo André; professora de ensino fundamental na rede particular de ensino.

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98

solidariedade, da fraternidade e da justiça”.103

Nos títulos destinados às séries iniciais (1º ao 5º ano), o foco recai sobre

a vida de Jesus e a origem do Cristianismo. Nas séries finais (6º ao 9º ano)

trabalha-se com conceitos oriundos da história, sociologia e da “antropologia

religiosa”, mas sem “perder o foco no ensino da doutrina e da liturgia da igreja

Católica”104, nos princípios da ética e da moral cristã, nos ensinamentos e na

doutrina social da Igreja.

Assim como as coleções concorrentes, Entre amigos tem um propósito

formativo, conta com uma assessoria pedagógica, que propõe trabalhar com

princípios morais e valores sociais: ética, justiça social, solidariedade, tolerância,

liberdade religiosa e de opinião, assegurados pela Declaração dos Direitos

Humanos, pela Constituição Federal de 1988 e pela Igreja.

Como uma espécie de pré-requisito, a equipe organizadora pressupõe

(ou quiçá espera) que os alunos do 6º ao 9º ano já tenham se preparado para a 1ª

Eucaristia e dominem alguns aspectos da vida de Jesus e outros conhecimentos

bíblicos. Em seus doze objetivos pedagógicos se repetem as palavras “Deus”,

“Jesus Cristo”, “Igreja Católica”, “fé cristã” e “cristianismo”. Quanto às capas de

todos os volumes, da educação infantil ao ensino fundamental, elas se reportam ao

universo cristão: Adão e Eva no Jardim do Éden; Noé, a arca, os animais e o

dilúvio; o nascimento do menino o Jesus; cenas do Vaticano (habemus papa na

Praça São Pedro); celebração da primeira missa no Brasil etc.

Apesar do viés religioso pretendido, uma vez que se apoia em

documentos “aprovados pelo Concílio Vaticano II e na doutrina social da Igreja”105,

não há informações no site da editora que possa atestar o vínculo com alguma

instituição de caráter religioso e/ou confessional. A despeito da ênfase no

cristianismo, os organizadores procuram abordar as religiões orientais (hinduísmo,

budismo, confucionismo e xintoísmo), as práticas dos povos antigos que veneravam

103

MODERNA, Entre Amigos, 9º ano, contracapa. 104

Ibidem, p. 2. 105

Ibidem, p. 2.

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99

“falsos deuses” (a Grécia é textualmente citada)106 e as “religiões primitivas”,

incluindo algumas práticas “animistas” de povos da África subsaariana.

Vimos no capítulo anterior que os modelos básicos de ER (confessional,

interconfessional, inter-religioso etc.) são aceitos como tipos-ideais, conforme

acepção weberiana aplicada por Passos (2007). Modelos não são realidades puras,

mas mapas aproximativos – isto dificulta não só precisar os limites conceituais de

cada modelo, bem como propor uma classificação das coleções didáticas

apresentadas neste item.

Por exemplo, se considerarmos as escolhas dos organizadores de Entre

amigos, poderíamos dizer que se trata, por um lado, de uma publicação com viés

confessional, uma vez que procuram nas “autoridades religiosas” (Concílio

Ecumênico Vaticano II) a definição dos conteúdos desenvolvidos nos volumes. Por

outro lado, ela também poderia ser caracterizada como interconfessional, visto que

há uma abrangência desta confessionalidade, que almeja apresentar a diversidade

das religiões por meio de um conteúdo supostamente comum e do consenso entre

elas.

Entretanto, essa ponderação revela outro problema, pois o sentido de

“confissão” também é utilizado, nos livros de ER, como sinônimo de religião, logo

teríamos uma Entre amigos inter-religiosa – opção da editora Ática – e/ou

interconfessional, mas sem saber precisamente a configuração que difere uma da

outra.107

Dos exemplares desta coleção, interessa o 9º volume, onde se discute o

binômio “religião e sociedade”. Neste volume as unidades selecionadas abordam os

temas centrais para os propósitos deste capítulo: “o que é religião” e o “cristianismo

contemporâneo”, cuja seção destina três páginas para os “cristianismos sincréticos”,

com ênfase no “espiritismo” de Allan Kardec e nos “cultos afro-americanos”

106

“Deus nos ama e não quer o substituamos por falsos deuses”, escrevem Correa e Schneiders (2007, p. 121), autores de outra coleção, numa nítida referência aos deuses da antiguidade, que exigiam “sacrifícios de animais” (incluindo humanos), em troca de proteção contra as “desgraças”, garantia de “pesca, caça e colheitas abundantes”. 107

“Na verdade, o que seria o modelo não confessional não designa uma configuração tão precisa quanto a primeira [a modalidade de caráter confessional]; daí a multiplicação dos termos para denominá-lo (...): interconfessional, supra-confessional, não-confessional, ecumênico, inter-religioso...” (GIUMBELLI, 2011, p. 262).

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100

(santeria cubana, umbanda e candomblé).108

b) Mãos dadas (Scipione)

“Dar as mãos é um gesto rico de significados”. Ele expressa “Amizade,

União, Respeito à diversidade, Solidariedade, Compreensão”. Esse trecho em letras

maiúsculas procura explicar o título Mãos dadas localizado, por sua vez, no

informativo eletrônico desta coleção também composta por nove volumes.109

Ao trabalhar com “temas transversais e possibilidades de

interdisciplinaridade”, Avelino A. Correa e Amélia Schneiders110, autores desta

coleção, frisam que, apesar das mudanças, a coleção manteve-se fiel ao projeto

pedagógico que a consagrou. Isto inclui abordagens de assuntos relacionados ao

fenômeno religioso, “que se manifestam em praticamente todas as culturas e

define-se pela necessidade do Transcendente (chamado Deus, Alá e outras

denominações)”. Seus conteúdos estão alicerçados em “cinco pontos básicos”

assim resumidos: “no respeito à pluralidade e diversidade cultural e religiosa, na

solidariedade, no diálogo e na preparação para a cidadania, propósito que deve ser

valorizado em todas as áreas do ensino fundamental” e, também, no “ecumenismo”

– sugere-se que tal coleção pode ser adotada por qualquer instituição escolar de

“orientação cristã”.111

De mãos dadas se aproxima das demais coleções cujos conteúdos são

explicitamente confessionais, de nítido teor cristão, como se evidencia no seguinte

texto de divulgação: “O cristianismo encerra uma mensagem de alegria, conforme

os Evangelhos: ‘Não tenhais medo, eis que vos anuncio uma boa nova que será

uma grande alegria para todo o povo: acaba de nascer, na cidade de Davi, o

Salvador (Lc, [Lucas], 2,10)’”.112

108

MODERNA, Entre amigos, 9º ano, cap. 6 (O cristianismo contemporâneo), Descobrir [seção]: Diálogo Inter-religioso: Os cristianismos sincréticos, p. 135-137. 109

Cf. <http://www.livrariacultura.com.br/p/de-maos-dadas-ensino-religioso-1-ano-ensino-fundamental-i-1-ano-42752790>. Acesso em: jun.2016. 110

Avelino A. Correa é professor de Ensino Médio, formado em Filosofia e Teologia. Amélia Schneiders é professora de Ensino Religioso no Ensino Fundamental e Médio e de Didática e Prática de Ensino nos cursos de Magistério. 111

CORREA; SCHNEIDERS, De mãos dadas, 5ª série/6º ano, Assessoria pedagógica, “Apresentação”, p. 3. 112

Ver: <http://www.jornalplaneta.com/produto/L/269012/de-maos-dadas---ensino-religioso---7o-ano---6a-serie---ensin.fundam.-amelia-schneiders-avelino-guedes.html>. Acessos em: jul.2016.

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101

Se a intenção desta coleção é, conforme informação disponível na

página da Ática & Scipione, incentivar “o respeito a todas as religiões, permitindo

que alunos de diferentes crenças possam participar da aula e compartilhar suas

experiências e vivências”113, nota-se a ausência em relação às religiões afro-

brasileiras, que não foram abordadas nos volumes do 6º ao 8º ano recebidos como

doação.

Destaca-se, no presente capítulo, a leitura e a análise do exemplar

dirigido à 5ª série/6º ano, onde Correa e Schneiders expõem as noções de “religião”

e “religiosidade”.

c) Ensino Religioso Fundamental (Paulinas Editora)

A autora dessa coleção, Maria Inês Carniato114, baseia-se no modelo

fenomenológico difundido nos parâmetros do Fonaper (2009). No texto de abertura

dos nove volumes da coleção argumenta-se que o ER não é uma “proposta de fé”,

mas a compreensão do “Fenômeno Religioso como aspecto positivo da cultura

humana”, que permite “cultivar na escola a convivência com a diversidade”, sendo

este “um dos principais objetivos do Ensino Religioso”.115

Em cada exemplar, a autora busca fornecer respostas para o “duplo

objetivo” do ER: “proporcionar conhecimento sobre o fenômeno religioso como

componente da cultura e da sociedade”, de acordo com os cinco eixos do Fonaper,

e “sensibilizar para a reverência ao mistério do sagrado que circunda a vida

113

Confira: <http://www.aticascipione.com.br/produto/de-maos-dadas-6-ano-777>. Acessos em jul.2016. 114

Carniato pertence à Congregação das Irmãs Paulinas, é bacharel em filosofia pela Universidade Estadual do Ceará, bacharel em Teologia pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção em São Paulo, mestranda em Dogmática pelo CES (Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus de Belo Horizonte) e estudante de Teologia Judaica (Confederação Israelita de Belo Horizonte). Foi membro do GRERE (Grupo de Reflexão de Ensino Religioso) da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), da equipe de reflexão pastoral do Regional Sul III da CNBB, do grupo de teólogas do CONIC (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs), do conselho editorial da editora Paulinas, e atualmente trabalha no SAB (Serviço de Animação Bíblica), com assessoria de conteúdo e metodologia para agentes de pastoral bíblica. Informações disponíveis no site da editora Paulinas, <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:U1kCyq3RCy4J:www.paulinas.org.br/editora/%3Fsystem%3Dautores_ilustradores%26action%3Ddetalhes%26autor%3D105410+&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: fev.2016. 115

CARNIATO, Nossa opção religiosa, “Convite a quem ama a educação”, vol. 9, 9º ano, p. 5 e 10.

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102

humana, a cultura e a natureza, e educar para a cidadania, a construção de um

mundo para todos e o respeito às diferenças que constituem a diversidade cultural

da sociedade brasileira”.116

Assim como as demais, esta coleção da editora Paulinas cobre os nove

anos do ensino fundamental, mas nesta pesquisa foco nos exemplares do 7º ano

(Expressões do sagrado na humanidade), 8º ano (Diversidade religiosa no mundo

atual) e 9º ano (Nossa opção religiosa). O primeiro “oferece um panorama sobre a

origem e o sentido dos principais símbolos presentes nas tradições orais e escritas

para um aprofundamento transcendente da convivência humana”; o segundo

apresenta o “conteúdo para o discernimento de sinais da religiosidade na cultura

pós-moderna e a descoberta de uma ética que leve à realização humana aberta à

transcendência”; o terceiro “contempla a possibilidade de optar [supõe-se que a

autora esteja se referindo ao leitor] por uma vida cidadã e solidária na dimensão do

transcendente”.117 Em um dos exemplares é afirmado que o brasileiro é um “povo

religioso”. Também menciona a “tradição africana ioruba” e o sincretismo presente

nas tradicionais festas de Iemanjá ocorridas em alguns litorais brasileiros.

A coleção visa atender “as expectativas de professores de todas as

regiões do País”, usuários dela “há mais de 15 anos”, e encontra-se em sua terceira

versão revisada e ampliada, de acordo com as “orientações do MEC acerca da

inclusão, da interdisciplinaridade, do currículo multicultural e das leis referentes às

culturas africana e indígena e à musica na escola”.118 Como veremos em item

específico, essa revisão é falha, sobretudo em relação aos tópicos perseguidos

nesta tese – religião e religiões afros –, e a escrita desenvolvida pela autora pode

soar inatingível para estudantes de ensino fundamental. Essa característica, que

marca os volumes do sexto ao nono ano, também foi detectada por Albuquerque

(2004).

116

Ibidem. 117

Informações divulgadas no folheto de divulgação da coleção distribuído nas filiais da livraria Paulinas. 118

Ibidem.

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103

d) Redescobrindo o universo religioso (Vozes)

Os exemplares desta coleção dirigidos ao profissional de ER (“livro do

professor”) também se apoiam nos parâmetros do Fonaper, para o qual “cada

cultura tem, em sua estruturação e manutenção, o substrato religioso que a

caracteriza” (FONAPER, 2009, p. 32).119 Assim sendo, considera que a “dimensão

transcendental sempre estará presente na vida das pessoas de uma forma ou de

outra”.120

Segundo Gilz, que assina o texto de apresentação repetido em todos os

volumes, o título Redescobrindo...está associado à ideia de “redescobrir a dimensão

religiosa do educando na perspectiva pessoal e social” ou, em termos semelhantes,

“aprofundar aquilo que é a essência do Ensino Religioso, que é trabalhar essa

dimensão de religião e religiosidade presente em cada um” (GILZ, 2009, p. 100-

101).121

Além de sabermos o porquê Redescobrindo... traz este e não outro título

qualquer, ela é uma das únicas que apresenta, em quase todos os exemplares,

alguma referência às “tradições africanas e afro-brasileiras”. Como exemplo,

podemos citar a culinária ritual (“comida de santo”); a divisão do trabalho ritual

distribuída entre homens e mulheres (que remete o leitor para a estrutura

hierárquica e a organização sociorreligosa dos cultos afros); o corpo enquanto

instrumento de expressão religiosa, que possibilita a manifestação das divindades e

entidades por meio da incorporação; a oralidade como mecanismo de

aprendizagem dos ensinamentos religiosos; a convivência entre iguais e diferentes

e sua associação à questão da tolerância e intolerância religiosas.

Quanto à ênfase depositada na religiosidade ontológica, ou “inerente ao

ser humano”, a discussão sobre a “Religião” – onde e quando surgiu, o que é,

finalidade etc. – só vem à tona nos volumes oito e nove, ambos redigidos por Adecir

119

Do latim substratu, “o que está estendido no chão, o que é essencial, o que serve de suporte ou de fundamento para alguma coisa” (GILZ, 2009, p. 100). 120

POZZER, Redescobrindo o universo religioso, vol. 8 Unidade 1 (Cultura e religiosidade), p. 13. 121

Explicar ou contextualizar o título da coleção é um recurso pertinente, porém ausente em Todos os jeitos de crer, Novo fé na vida, De mãos dadas etc. Grosso modo, esta informação tem que ser depreendida pelo leitor a partir da associação entre aportes visuais (capas e ilustrações), conteúdo e objetivos pretendidos.

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104

Pozzer.122 As manifestações tratadas como religiões nas coleções concorrentes são

referenciadas pelos autores da Vozes como “Tradições Religiosas”. Esta expressão,

quase sempre empregada em letras maiúsculas, refere-se à “religiosidade [que]

serve de base para os grupos humanos estruturarem e/ou institucionalizarem o que

conhecemos por Tradição Religiosa, religião ou outras denominações”.123

Daí o incômodo causado em Diniz e Lionço (2010a, p. 69) quando

argumentam que as “religiões afro-brasileiras” e “indígenas” não são sequer

tratadas como religiões nos livros de ER, mas como “tradições ou denominações

religiosas”. Apesar da discordância, Diniz e Lionço não explicitam qual seria o

sentido de religião empregado por elas, se as religiões afro-brasileiras são tradições

e/ou religiões e tampouco se detêm nos elementos que poderiam ajudar na

compreensão destas enquanto religiões brasileiras.

e) Todos os jeitos de crer (Ática)

Dora Incontri e Alessandro Cesar Bigheto124, autores desta coleção,

almejam “inaugurar um novo caminho para o Ensino Religioso: o do Ensino Inter-

Religioso”, que não é, repetem em todos os volumes, discutir as diferentes religiões

isoladamente, mas estabelecer um diálogo entre elas, que comportam “diferentes

maneiras de ver o mundo, mostrando paralelos, encontrando conexões”.125

122

Pozzer é mestre e doutorando em Educação pela UFSC. Bacharel em Ciências Religiosas pela PUC-PR (2002). Graduação em Ciências da Religião - Licenciatura em Ensino Religioso pela FURB (2010). Especialização em Formação de Professores para o Ensino Religioso (2006). É membro dos grupos de Pesquisa Ethos, Alteridade e Desenvolvimento (GPEAD/FURB) e Hermenêuticas da Cultura, Mundo e Educação (UFSC). Coordenador da Comissão de Currículo do Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER, 2014-2016). Assistente Técnico-Pedagógico da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (SED/SC) e Professor no Centro Universitário Municipal São José (USJ). É um dos membros da “Equipe de Assessores e Especialistas” responsáveis pelo ER incluído na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que está em tramitação junto ao MEC (Ministério da Educação). Informações disponíveis em:<http://lattes.cnpq.br/9395941287057357>. Acesso em: mai.2016. 123

POZZER, Redescobrindo o universo religioso, vol. 8 Unidade 1 (Cultura e religiosidade), p. 14. 124

Dora Incontri é jornalista, especialista em “educação espírita”, doutora e possui pós-doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), com a pesquisa Ética, filosofia, religião e artes, um projeto interdisciplinar em escola pública. Alessandro Cesar Bigheto é pedagogo, mestre em História e Filosofia da Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e membro do Histedbr/UNICAMP – Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”. 125

INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 1 (Vidas), Manual do Professor, p. 3.

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105

Embora afirmem não privilegiar nenhuma corrente religiosa, Incontri e

Bigheto empregam, explicitamente, mais citações e referências oriundas do

cristianismo. Trata-se, justificam, da “tradição cultural” na qual a maioria dos

brasileiros está inserida – conforme um dos volumes, o “Brasil é o país com maior

número de católicos no mundo”.126

Na apresentação aos “queridos alunos”, repetida nos volumes do 6º ao 9º

ano, os autores afirmam que Todos os jeitos de crer “foi elaborada com muita

reflexão, pesquisa e fé”. Pretendem aproximá-los “do que há de mais belo e elevado

nas religiões do planeta” e “ajudá-los a refletir criticamente sobre as religiões e

sobre os problemas humanos”.127

Desta coleção acompanhada por muitas ilustrações de diferentes áreas

das ciências humanas, interessa-nos sobretudo os volumes um, três e quatro. O

primeiro discute “para que serve a religião” e o “candomblé brasileiro” (vol. 1:

Vidas). O terceiro aborda a “fé brasileira” e de onde vêm as crenças (vol. 3:

Tradições). O quarto discute as religiões enquanto “manifestações da verdade” (vol.

4: Ideias).

Ainda no terceiro volume os autores introduzem, no capítulo “A Força

Negra”, uma ênfase na “religião dos orixás”. Discorrem sobre a umbanda – “uma

proposta brasileira” – e o sincretismo afro-católico. Também trabalham com a arte

contemporânea brasileira inspirada nos emblemas rituais que sintetizam os

atributos de alguns orixás – neste caso, é feita uma única referência à obra visual

do sacerdote-artista Mestre Didi (1917-2013). Relacionado aos arquétipos da força

e da bravura, esse capítulo voltado ao “conhecimento do candomblé” é aberto de

modo bastante significativo, com uma representação visual de Iansã, ou Oiá, orixá

da cor vermelha, que cospe fogo pela boca. Trata-se de uma aquarela do artista

plástico Carybé (1911-1997), também fascinado, assim como o fotógrafo e

etnógrafo Pierre Verger, pela cultura e religião afro-baianas.

Incontri e Bigheto explicam aos leitores que Iansã “dirige as tempestades,

os poderosos ventos da natureza, a beleza feminina e encaminha os espíritos dos

126

Idem, Todos os jeitos de crer, vol. 3 (Tradições), cap. 1 (Onde mora a divindade?), p. 18. 127

Idem, Todos os jeitos de crer, vol. 1 (Vidas), Apresentação, p. 3.

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106

mortos para o outro mundo”.128 Como visto a seguir, na iconografia de Carybé,

Iansã carrega um alfanje de cobre – ligeira mulher guerreira – e um eruexim, rabo

de cavalo com o qual espanta os espíritos egun, os mortos na cosmogonia de

matriz iorubana.

Figura 1 – “A força negra” Iansã

(Carybé- 1911-1997)

Fonte: INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol.3 (Tradições), p. 33

Esse universo relacionado à religião dos orixás é apresentado aos

leitores já no terceiro (“Os orixás que protegem a vida”) e quarto volumes (“Deuses

na Bahia de Todos-os-Santos”) de Jeitos de crer, coleção dirigida às séries iniciais

do ensino fundamental, também assinada por Incontri e Bigheto. Estes empregam,

ao longo dos exemplares, referências míticas extraídas do livro Mitologia dos orixás,

compilação realizada por Reginaldo Prandi (2001). Como exemplo, podemos citar o

momento no qual se discute a “compatibilidade” entre mito, religião e ciência, e é

narrado o mito ioruba da criação do mundo. Noutra passagem, Incontri e Bigheto

128

Idem, Todos os jeitos de crer, vol. 3 (Tradições), cap. 3 (A força negra), p. 37.

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mencionam as narrativas nas quais “Obatalá separa o Céu da Terra” e “Ossaim”,

divindade das folhas e dos preparados medicinais e rituais, recusa-se a “cortar

ervas miraculosas”.129

f) Novo fé na vida (Editora do Brasil)

Os autores desta coleção, Margarida Regina de Almeida e José Donizetti

dos Santos130, têm como objetivo “resgatar os valores essenciais para a formação

do ser humano”.131 Sua divisão interna não é organizada em capítulos, mas em

“Encontros”, “um momento de fé e de esperança, em que Deus se faz presente e

vai, respeitosamente, tocando no coração de cada um”.132 Deus, presume-se que

seja o cristão, é textualmente citado já na apresentação dos volumes, embora seus

autores mencionem a diversidade étnica e religiosa do país, incluindo aqueles “que

vêm de família sem nenhuma crença”. A palavra “crença” também é empregada, ao

menos em dois volumes examinados, como termo equivalente para religião.133

A fundamentação teórica dos autores baseia-se em artigo da cientista da

religião Maria Paula Rodrigues (2003), para quem o ER visa à compreensão

positiva das diversas manifestações religiosas que “interferem na realidade

humana, levando-a para além de seus limites, valorizando o pluralismo e a

diversidade cultural”.134

Essa proposta, orientada pelo modelo do Fonaper (2009), exige a

compreensão do fenômeno religioso “com base em experiências próprias do

ambiente cultural” do aluno. Assim, espera-se, segundo a proposta fonaperiana,

que o estudante matriculado no ER seja despertado para as questões existenciais

129

INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 4 (Ideias), p. 24-25; 107; 210. 130

Não foram localizadas informações sobre a autora Margarida Regina de Almeida. José Donizetti dos Santos, que assina sua página pessoal como “Professor Doni”, atua no ensino fundamental e médio lecionando “Filosofia, Educação para a Vida e Sociologia”. Possui “formação internacional avançada em hipnose ericksoniana” e especialização em “Neurociências e Psicanálise Aplicadas à Educação”, pelo Centro Universitário São Camilo. Mais informações disponíveis em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:7qONLE08VgUJ:www.profdoni.pro.br/home/index.php/a-travessia/perfil+&cd=20&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br&client=firefox-b-ab>. Acesso em: mai.2016. 131

ALMEIDA; SANTOS, Novo fé na vida, “Apresentação”, vol. 4, p. 5. 132

Ibidem, p. 5. 133

Ibidem, p. 5. 134

Ibidem, p. 6.

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ou relacionadas ao sentido da vida (“Quem sou eu?”, “De onde vim?”, “Para onde

vou?”, “Que faço aqui?”). Que ele também possa compreender o papel das diversas

religiões em seus respectivos contextos socioculturais; que possa “interpretar

construtivamente” as afirmações destas “tradições religiosas” e seja “esclarecido

sobre o direito à diferença e sobre a importância da valorização do outro para uma

sociedade baseada em valores como liberdade e justiça”.135

Segundo a orientação teórica de Rodrigues (2003), estes pontos

“constituem verdadeiro programa de ensino”, dirigido ao cultivo da paz, liberdade,

respeito mútuo, e pode ser desenvolvido entre estudantes de qualquer crença

religiosa ou mesmo não crentes.136 Tal programa reitera os cinco eixos temáticos do

Fonaper em torno dos quais também se apoiam os autores de Novo fé na vida

(culturas e tradições religiosas; escrituras sagradas e/ou tradições orais; teologias;

ritos; ética).

Dessa coleção de nove exemplares foram separados o quarto e o quinto

volumes do Ensino Fundamental I. No quarto o conteúdo é composto pelo “16º

Encontro: Sobre a religiosidade” e “17º Encontro: Sobre a comunicação com o

sagrado”. O quinto reúne o “11º Encontro: A busca do sentido da vida” e o “13º

Encontro: Liberdade religiosa: um direito de todos”.

g) Cultura religiosa (Global)

Este volume assinado por Edson Steel137 não é propriamente um livro

didático, mas é o único dirigido à Educação de Jovens e Adultos (EJA). Steel se

vale, mas sem explicações, do termo “cultura religiosa” cujo sentido de “cultura”

pode oscilar “entre ser parte ou todo”. Isto porque neste volume, o termo “cultura”

adquire o significado de “conjunto de costumes de uma sociedade, entre os quais

estariam os religiosos; mas ela [a cultura] é também a própria religião, cujas

impressões imprimem marcas no plano pessoal e coletivo” (GIUMBELLI, 2010, p.

49). Quando empregada numa determinada tarefa dirigida ao estudante-leitor

(Indique algum aspecto de sua cultura religiosa...), cultura e religião “se confundem

135

Ibidem, p. 6. 136

Ibidem, p. 6. 137

Steel é bacharel em letras, com licenciatura em língua portuguesa e inglesa pela Universidade Paulista (UNIP), revisor e produtor de textos didáticos na editora amazonense Novo Tempo.

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para designar uma vivência individual” (GIUMBELLI, 2010, p. 63). Pode-se dizer

que esta expressão sinaliza a aproximação de pessoas que partilham crenças

comuns, isto é, que se alimentam de uma cultura religiosa.

Em sua “Introdução” e contracapa, Steel afirma que o livro em análise

pretende conferir ao ER um perfil pedagógico, sem foco teológico, doutrinário ou

proselitista, mas coloca, curiosamente, “Deus em experiência no dia a dia”.138

Argumenta que o “estudo religioso” não deveria tratar exclusivamente do “caráter

histórico das religiões”, mas também “conscientizar para que todos ajam em relação

uns aos outros com espírito de fraternidade (irmãos)”.139

Ao invés de conduzir sua escrita em torno da ética, Steel opta pela

“consciência”, uma vez que suas ideias não intencionam

[...] sugerir religiões, nem mostrar “erros” ou indicar “caminhos

certos” para ninguém. Como disciplina [o “estudo religioso”]

conscientiza à moralidade e à prática de valores ensinados por

todas as crenças: praticar a justiça, a caridade, a tolerância, o

respeito... Busca, enfim, a consciência a Deus ou à fé espiritual, tão

necessária em uma sociedade cada vez mais estressada.140

Afirma ainda que, apesar do “pluralismo religioso”, que leva os indivíduos

a percorrerem “caminhos diferentes”, todos são “filhos do mesmo Deus”.141

Contudo, essa pluralidade religiosa defendida por Steel está aprisionada a uma

divindade exclusiva, a cristã. Assim como noutros exemplares de ER nos quais os

autores afirmam tratar-se de uma proposta editorial ajustada à lei federal nº

9.475/97, desprovida, portanto de “foco doutrinário”, que valoriza a diversidade

religiosa, etc., esta edição da Global contempla um maior número de citações

relativas ao cristianismo. Pode-se perceber esta tendência, a começar pela

ilustração da capa (Bíblia aberta no primeiro plano tendo ao fundo um globo

terrestre, e alguns símbolos que representam outras religiões em tamanho menor,

138

STEEL, Cultura religiosa, Introdução, p. 5. 139

Ibidem, Módulo 1 (O conhecimento individual para mais consciência na vida comunitária), “Autoconsciência”, p.12. 140

Ibidem, p. 12. 141

Ibidem, “Pluralismo religioso”, p. 20.

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110

acima do globo ao fundo).

Figura 2

Ilustração da capa do livro Cultura religiosa (Edson Steel, Global)

Fonte: Fotografia elaborada pelo autor.

Estas contradições e vieses encontrados nos livros didáticos de ER

podem levar qualquer estudioso das religiões a se perguntar: O que os autores e

organizadores de livros escolares de ER entendem por “doutrinação” e “proselitismo

religioso”?

Em relação às normas federais e estaduais que regulam o ER, nota-se

que elas não apresentam uma definição explícita de proselitismo. Este conceito

encerra uma forma de dogmatismo, que “parte da certeza de verdade única no

campo religioso e ignora a diversidade” (DINIZ; LIONÇO, 2010b, p. 29). No âmbito

do governo estadual paulista, onde está sediada a maioria das editoras de livros

didáticos do país, determina-se que o ER não seja

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[...] um aglomerado de conteúdos que visam evangelizar ou procurar seguidores de doutrinas, nem associado à imposição de dogmas, rituais ou orações, mas um caminho a mais para o saber sobre as sociedades humanas e sobre si mesmo.142

Se existe uma pergunta em aberto, ao menos uma tentativa foi realizada.

Do autor de Cultura religiosa – Edson Steel – não houve retorno das mensagens

referentes às perguntas acerca da participação dele na edição final do livro e na

seleção das imagens; se ele também era responsável pelas ilustrações, a fim de

melhor examinar os conteúdos reunidos no exemplar analisado. Deste volume,

retive os capítulos “Religare”, “Gênese: origens das religiões”, “Candomblé” e

“Umbanda”.

As religiões afro-brasileiras aparecem em último lugar no segundo

módulo de Cultura religiosa (“Autoconhecimento: necessidade fundamental para a

compreensão da existência”). Nesta parte do trabalho Steel sintetiza os aspectos

históricos de algumas religiões do Brasil e do mundo. Sua intenção é fornecer aos

leitores o conhecimento das origens de cada religião presente no índice do livro, e

que eles possam, gradualmente, compreender a variedade do fenômeno religioso.

h) Manual compacto de ensino religioso

Este manual editado em formato de bolso, de Ana Vasconcelos143, autora

dos manuais compactos de sociologia e filosofia da mesma editora Rideel, também

não se caracteriza como livro didático. Entretanto, na contracapa lê-se que ele

veicula, de forma concisa e linguagem acessível, as principais religiões do Brasil e

do mundo e os conteúdos programáticos escolares vigentes e atuais do ER.

De acordo com seus editores, a escolha dos textos e dos conteúdos

142

Ver Indicação CEE-SP, nº 07/2001, disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:DQEujf0zWloJ:www.regiaolapa.org.br/educacao/index.php%3Foption%3Dcom_phocadownload%26view%3Dcategory%26download%3D17:cartilha-do-educador%26id%3D2:apostila-de-ensino-religioso%26Itemid%3D12+&cd=3&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br#12>. Acesso em abr.2016. 143

Não foram localizadas informações sobre a qualificação acadêmica ou inserção profissional de Ana Vasconcelos. Raramente esses dados são publicados nos livros didáticos.

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segue os pressupostos dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino

Religioso (FONAPER, 2009), do Referencial Curricular Nacional, além das matrizes

curriculares do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) – essas

referências não estão arroladas na bibliografia citada por Vasconcelos.

A cada final de capítulo, Vasconcelos propõe um conjunto de exercícios

(“Teste seu saber”), com perguntas em formato de múltipla escolha, num estilo

semelhante às apostilas de cursos pré-vestibular. Tais exercícios visam sistematizar

os conteúdos abordados, possibilitando a aplicação prática dos mesmos. Alguns

exercícios são perguntas retiradas de gabaritos de concursos públicos para

professores de ER ocorridos em municípios do Paraná, Santa Catarina, Amapá e

Rio Grande do Norte.

No final de cada “Teste seu Saber” os leitores deparam-se com um box

intitulado “Descomplicando o ensino religioso”, com perguntas, resolução e

comentários. Deve-se perguntar, por exemplo, de que maneira um curto texto de

história do Brasil, com ênfase no “trabalho escravo” de indígenas e africanos,

poderia “descomplicar” o já complicado ER.

Desse Manual compacto...foram selecionados os capítulos “O sagrado na

vida humana”, que trata da transcendência, do divino e da noção de religião

baseados no Fonaper, e “No caminho da tolerância”, capítulo onde estão

localizados os temas “religiões de origem africana”, diversidade religiosa e um box

(“Saiba”) reservado ao espiritismo.

***

Considerando os materiais de ER apresentados acima, restam discutir

dois pontos. O primeiro refere-se ao manejo da bibliografia especializada utilizada

nos livros escolares – é sabido que a referência à bibliografia confere maior

credibilidade ao texto didático, acadêmico ou de outra natureza. Esse manejo, no

entanto, é variável. Pode ser “uma mistura e o nível muito acima do nível dos alunos

para os quais os livros são indicados”, avalia Albuquerque (2004, p. 14) em sua

análise dos cadernos de catequese da Diocese de Osasco e dos exemplares de ER

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113

da editora Paulinas.

Nem todos os autores separam um item para a listagem das fontes

consultadas (obras acadêmicas, literárias, jurídicas, catequéticas ou teológicas).

Este é o caso de Cultura religiosa, assinado por Steel, e dos exemplares da editora

Ática, nos quais as citações se encontram distribuídas no corpo do texto. Nos

capítulos de Todos os jeitos de crer há uma seção – “Bebendo na fonte” – que visa

oportunizar ao leitor entrar “em contato direto com os textos originais dos autores e

dos livros citados”.144 Esta estratégia pode ser mais atraente para o leitor, mesmo

porque este “contato direto” se faz mediante texto e imagem – em termos de

“requinte visual”, a coleção da Ática pode ser apontada como a melhor da

amostragem referenciada.

Em contraste, os títulos distribuídos pela Moderna, Vozes, Rideel,

reservam, sempre, uma seção final para a bibliografia e sites consultados. As

referências citadas refletem os objetivos da “educação religiosa” e podem ser

divididas em três blocos. O primeiro deles é o bloco “entender as religiões”, que visa

o aprofundamento do conteúdo temático abordado nos livros– história, tradições,

fundamentos das religiões ou “crenças” existentes no mundo. O segundo volta-se

ao aprimoramento da prática religiosa – aqui entram as referências bibliográficas de

catequese e doutrina lançadas por selos católicos. O último bloco reúne obras de

caráter mais acadêmico sobre o ER na escola – incluindo referências sobre etapas

do desenvolvimento cognitivo (Walon, Piaget e outros teóricos da educação) e

legislação do ER, também citada pelos autores dos manuais descritos.

A lista do primeiro bloco é seletiva e quase restrita às “religiões da

humanidade” – catolicismo, islamismo, judaísmo – e às “religiões tradicionais” –

budismo, hinduísmo, taoísmo, confucionismo e xintoísmo; as indicações de obras

sobre as religiões afro-brasileiras são raras. Num ou noutro exemplar de

Redescobrindo o universo religioso são citadas as obras de Rudolf Otto, Emile

Durkheim, Joseph Campbell, Jean Delumeau, dos teólogos Wolfang Gruen, Hans

Küng e Leonardo Boff. Quanto às religiões de matriz afro menciona-se o livro

Orixás, de Pierre Fatumbi Verger, e o homônimo Orixás, escrito pelo médium e

144

INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 1 (Vidas), “Por dentro do seu livro", p. 4.

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114

escritor Rubens Saraceni.

Na bibliografia única de Entre amigos, repetida nos quatro exemplares

das séries finais, estão listadas as obras de Mircea Eliade, Marcello Massenzio,

Filoramo Giovanni, sem nenhuma referência relativa às “religiões afro-americanas”

abordadas no nono volume. Convém destacar que no “Suplemento para o

professor” consta o excerto de um artigo do cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom

Odilo Scherer.145 Nele, o cardeal defende o acordo sobre o ER confessional

(católico e de outras confissões) nos estabelecimentos públicos assinado entre as

autoridades oficiais do Vaticano e do Brasil.

O segundo e último ponto a ser compartilhado refere-se à circulação

desse material, sobre a qual também discutem Diniz e Lionço (2010a). Quanto a isto,

Felipe Furtado (Gerente Comercial da Ática & Scipione) respondeu que

[...] as secretarias estaduais e municipais não têm adquirido as coleções de Ensino Religioso do grupo Ática & Scipione. As informações que temos é que as secretarias produzem o próprio material para trabalho em sala de aula, são reportagens de jornais, revistas e outros veículos de informação. Vale uma pesquisa mais aprofundada sobre o tema para saber se realmente estão atuando nesta direção.146

A Paulinas Editora informou que

[...] a Coleção Ensino Religioso Fundamental I e II tem sido vendida basicamente para as escolas particulares. As escolas da rede pública até nos procuram solicitando como cortesia a fim de conhecerem a proposta da coleção, porém, nas esferas das Secretarias Municipais e Estaduais não houve compra para a rede de escolas.147

O “basicamente” presente na informação acima citada pode sugerir que

as redes públicas adquiriram, no passado, os títulos de ER da Paulinas. De fato, as

145

Dom Odilo Scherer. Estado laico e Ensino Religioso. O Estado de S. Paulo,9 de maio de 2009, p. A2. Citado em: MODERNA, Entre amigos, vol. 9, Suplemento para o professor, p. 5. 146

Correspondência digital por e-mail de Felipe F. Furtado recebido em 18.02.2013. Outras editoras apresentadas no quadro 2 também foram contatadas mas não retornaram com as repostas solicitadas. 147

Correspondência digital por e-mail de Celmo Carlesso (Supervisor de Divulgação) recebido em 18.02.2013.

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115

informações oriundas desta editora se contradizem. Segundo Carniato, autora, vale

repetir, dos livros didáticos de ER,

[...] esta coleção [de ER] existe desde a década de 1990 e já passou por três revisões e ampliações, conforme foram ocorrendo avanços nas Diretrizes Curriculares da Educação e também no Ensino Religioso. A última versão é a de 2010, que inclui o Ensino Fundamental de 9 anos, a nova ortografia e as leis sobre a inclusão da música e da cultura afro-brasileira e indígena na escola. Esta coleção, em seus quase 20 anos de existência foi adotada parcial ou totalmente por diversas secretarias municipais148, como também a Diálogo - Revista de Ensino Religioso, mas infelizmente, com as trocas de partidos nos governos, os cortes de verbas e a mudança de pessoas referências nas equipes técnicas das secretarias, as adoções não são permanentes. Existe também o grande problema da multiplicação indevida do material no âmbito das próprias secretarias. Os livros são adotados com mais frequência e estabilidade por colégios particulares.149 (grifos meus)

Não há garantia formal de que tal compra seja efetuada diretamente pelos

órgãos estaduais ou municipais de educação. Faltam dados que possam comprová-

la. O único registro desta tentativa de compra ocorreu no Estado do Rio de Janeiro,

aponta Junqueira (2010): trata-se de uma coleção produzida pela Arquidiocese do

Rio de Janeiro/Vozes, de caráter explicitamente confessional, seguindo o modelo de

ER “separado por credos” vigente nas escolas públicas fluminenses.150

3.4. Religião, do substrato cultural ao fenômeno social

O que é ou não é uma religião? O que é designado por esse nome?

Existe um denominador comum para os diversos fenômenos religiosos que permite

148

O setor de divulgação da Paulinas não retornou e-mail sobre quais secretarias adquiriram, no passado, as coleções de ER (grifos meus). 149

Correspondências digitais por e-mails: 18.01.2013; 21.01.2013. 150

Ver comentários de Sérgio Junqueira em: Editorial do GPER, Grupo de Pesquisa Educação e Religião, de 4 de julho de 2010. Disponível em: <http://www.fonaper.com.br/noticia.php?id=966>. Acessos: abril; maio; junho/2016.

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defini-los como tais? Mas com quantos, ou quais, elementos se produz uma religião?

Quem decide sobre isso?151

A definição de religião “é ela mesma o produto histórico de processos

discursivos” (ASAD, 2010, p. 264). Enquanto fenômeno sociológico, não pode haver

uma definição transcultural, trans-histórica ou universal de religião. Os elementos

que lhe constituem, bem como suas relações, são historicamente específicos,

sinaliza Asad (2010) em ensaio no qual examina a teoria da religião proposta pelo

“eminente antropólogo” Clifford Geertz (1989).

Propor essas questões em pleno século XXI talvez pareça absurdo para

muitos que, no calor da hora, não hesitariam em propor alguma resposta a respeito

deste que é considerado um dos principais fenômenos da humanidade. Se,

conforme Geertz (2001, p. 151), existem “coisas demais a que se quer dar o nome

de ‘religiosas’”, alguns talvez arriscassem dizer que a religião é um fenômeno

“natural”, estranho ao devir, cujos significados (ou pressupostos) a ele atribuídos

seriam isentos da revisão ou submissão crítica. Outros poderiam concebê-la como

sinônimo de crença ou fé em alguma divindade distante e onipresente ou talvez

mencionassem a adesão às atividades cerimoniais, rituais e a frequência aos cultos

e reuniões de uma congregação religiosa qualquer (POMPA, 2008; ALMEIDA,

2010).

Apesar da multiplicidade de respostas possíveis, vale incorporar a esse

debate a distinção operacional entre Religião e religião com “r” minúsculo. “São duas

coisas completamente diferentes”, argumenta David Steindl-Rast, em diálogo com

Fritjof Capra e Thomas Matus, no qual discutem as fronteiras da ciência e da

espiritualidade. A Religião com um R maiúsculo serve para distingui-la das várias

religiões. “Traduzida para a vida do dia-a-dia, Religião torna-se espiritualidade;

institucionalizada torna-se uma religião” (STEINDL-RAST, 1998, p. 26; itálico no

original). A diferenciação proposta pelo monge beneditino Steindl-Rast encontra

abrigo em Pannikar, que compara

151

Os manuais de introdução aos estudos das religiões geralmente se detêm em cinco elementos supostamente universais: origem histórica das religiões, doutrina, culto, ética, livro sagrado (se houver). Este roteiro também se repete nos livros didáticos de ER.

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[...] a Religião com a Linguagem. Os humanos têm uma Linguagem, mas ninguém pode falar a Linguagem; você tem de falar uma língua. (...). Você não pode ter Religião exceto na forma de uma religião. Você não pode ter apenas Religião pura, assim como você não pode falar a Linguagem pura (PANNIKAR apud STEINDL-RAST, 1998, p. 26; itálicos no original).

No Ocidente, recorda Giddens (2005), a maioria das pessoas relaciona a

religião ao cristianismo. Ora, se a história de uma palavra está ligada à história de

uma língua, a da palavra “religião” está vinculada justamente à expansão do

cristianismo (AMADO, 1989). No Brasil, a propósito, não é incomum a íntima

associação entre religião e catolicismo, que foi a religião oficial do Estado até o fim

do Império. Mas, nem mesmo a busca das “filiações ou genealogias histórico-

semânticas” garante um porto seguro aos estudiosos do fenômeno religioso, uma

vez que a noção teórica de “religião” apresenta diferentes concepções e ao menos

“duas fontes” etimológicas possíveis (DERRIDA, 2000, p. 51-55).

A primeira fonte, que remonta aos primeiros cristãos (Lactâncio e

Tertuliano), é religare (reatar, ligar), “aquilo que é capaz de religar, de estabelecer

uma ponte entre deuses e homens” (MATA, 2010, p. 126). A segunda “filiação

semântica e formal comprovada” é relegere (de legere, colher, juntar, congregar) e

se apoia nos textos do orador romano Cícero (De natura deorum), de onde provem a

etimologia religio, expressão latina que designa algo realizado com “a atenção

escrupulosa, o respeito, a paciência, inclusive o pudor ou a piedade” (DERRIDA,

2000, p. 52).

Para os romanos, ser religiosus era sinal de “escrúpulo” em relação ao

culto e observação adequada dos ritos. Segundo Émile Benveniste, somente após “a

vitória do cristianismo é que se impõe à palavra religio a ideia de uma “ligação” entre

o praticante e o objeto do culto” (BENVENISTE apud MATA, 2010, p. 126). Derrida

designa esta imposição cristã-latina como “mundialatinização” da religião, ao refutar,

ironicamente, as interpretações de Benveniste como “inconsequência lógica ou

formal” (DERRIDA, 2000 p. 53).

Antes de qualquer apriorismo que almeje uma definição última para o

termo “religião”, aconselha-se delimitar um sentido mais seguro e amplo para este

conceito, que ultrapasse a referência sedimentada exclusivamente no

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cristianismo.152 Quanto a isto, é o próprio Giddens (2005), baseado em autores

clássicos do pensamento sociológico (Marx, Weber e Durkheim), quem sugere uma

alternativa diversa daquela observada no senso comum das religiões. Em seus

próprios termos, uma das formas para se evitar as armadilhas de um pensamento

culturalmente tendencioso e, portanto, etnocêntrico, é tratar, primeiro, do que não é

religião.

Essa dimensão da vida social não deveria ser identificada com os

monoteísmos, pois há religiões com diversos deuses ou seres espirituais e religiões

sem nenhuma divindade reconhecida ou cultuada. Mesmo portadoras de preceitos

morais, existem religiões nas quais os deuses não estão interessados no modo

como os humanos se comportam ou conduzem suas vidas na esfera mundana. Além

disso, nem toda religião se ocupa “em explicar como o mundo acabou se

transformando no que é hoje” (GIDDENS, 2005, p. 427; itálicos no original) – há

registros de religiões com mitos de origem – cosmogônicos –, mas essa explicação

não está presente em todas as religiões.

A religião também “não pode ser identificada com o sobrenatural”

(GIDDENS, 2005, p. 427; itálico no original). O confucionismo, por exemplo, não está

preocupado em descobrir se existem verdades que ultrapassem “o domínio dos

sentidos”, e sim na “harmonia natural do mundo” (GIDDENS, 2005, p. 427). Convém

recordar que antes de Giddens, Durkheim abriu este campo de debate em As

Formas elementares da vida religiosa, ao mostrar que a religião não tem por

fundamento essencial a ideia da existência de Deus ou de outro ser divino,

sobrenatural e misterioso, mas a distinção entre o sagrado e o profano.

Se as religiões são “espécies do mesmo gênero” e comparáveis entre si

(DURKHEIM, 2003, p. 150), quais seriam os elementos essenciais que lhes são

comuns? Todas elas estão enredadas em um “conjunto de símbolos” (GIDDENS,

2005, p. 427; itálico no original) que pode provocar sentimentos de temor ou

reverência, e estão vinculados a cerimônias ou rituais apropriados (rezas, cânticos,

152

Dentre os aspectos relacionados ao cristianismo está a “crença em um ser supremo, que (...) ordena um comportamento moral na terra, prometendo uma vida após a morte” (GIDDENS, 2005, p. 427). Sobre o fideísmo cristão, que pautou a cultura ocidental, recomenda-se o texto de Pompa (2008, p. 153), onde o conceito de religião é submetido “à mesma revisão crítica sofrida pelo conceito de cultura”.

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canções, a ingestão de certos de alimentos etc.) que podem sofrer variações e exigir

a celebração coletiva ou a experiência isolada e solitária.

Apesar das ponderações sugeridas pelo sociólogo britânico, os debates

sobre a natureza (ou origem, como preferem outros) da religião são recorrentes e

recolocados de múltiplas maneiras. Quais seriam as evidências do “religioso” que

permitiriam uma terminologia a priori de religião, seja como categoria analítica, seja

enquanto conceito didático ou metodológico? Seja qual for a solução apresentada,

ela não elimina o problema porque a multiplicidade religiosa no mundo

contemporâneo é imensa, a ponto de não convir um único referencial, que seja

amplamente aceito e empregado para denominar realidades cultural e

religiosamente diversas.

Estamos, portanto, em face de um objeto nomeado de múltiplas formas,

desde os sentidos atribuídos pelo senso comum às nuanças que lhes conferem os

especialistas de diversas áreas. No entanto, elas remetem, quase sempre, à relação

do sagrado com o profano, dos deuses com os homens, dos mortos com os vivos e

deste com o outro mundo – tema perene das reflexões sobre o que nomeamos de

“religião” (DAMATTA, 1991). O fato de não possuir uma definição a priori, universal,

“é um defeito”, admite o cientista da religião Hans-Jürgen Greschat (2005, p. 21),

“mas não uma catástrofe, uma vez que o objeto permanece e a qualidade de

palavras inventadas ou a serem inventadas atinge o objeto apenas marginalmente”.

Ao basear-se nas contribuições de Thomas Luckmann, Mata (2010) propõe

um sentido no qual a possibilidade da experiência religiosa (seja ela individual ou

massificada, como as peregrinações) possa ocorrer mesmo onde não haja um apelo

ao mundo sobrenatural. Ele sugere uma conceituação de religião que possa

comportar, inclusive, sistemas tradicionalmente vistos como filosóficos, por exemplo,

o budismo e o confucionismo. Nestes termos, a religião seria “uma forma

universalmente difundida de prover o homem de mecanismos psicológicos e sociais

capazes de equacionar o problema da contingência” (MATA, 2010, p. 128). Por

serem históricas, as religiões são cultural e temporalmente variáveis e podem

assumir características diversas, conforme os contextos onde tenham se

desenvolvido.

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Instituída através das práticas de um grupo territorialmente circunscrito, a

religião – nem sempre deísta ou povoada por entidades sobrenaturais153 – visa a

organização de certos “pontos cruciais” da existência individual e coletiva

(MERCIER, 1974, p. 131). Vista por esse ângulo, alguém poderia sugerir que esta

esfera a qual reconhecemos como “religiosa” é localizável em toda parte, tão

universal quanto “a linguagem e o manejo das ferramentas” (SAPIR apud POMPA,

2008, p. 169). Mas, o que pensar das “sociedades onde a esfera do religioso não

adquiriu uma autonomia nítida em relação aos demais momentos e campos da vida

social”? – o autor refere-se às sociedades negro-africanas, em especial a Ioruba

(RISÉRIO, 1996, p. 58).154

Nota-se a desconfiança em torno do conceito demasiadamente estreito de

religião. De acordo com Mata, onde não se observa a “referência explícita a um

além-mundo, experiência do sagrado e uma noção qualquer de ‘salvação’, não

haveria religião” (MATA, 2010, p. 81; grifado no original).

Daí o retorno à hipótese posta inicialmente: parece pouco provável que tanto

as crises do conceito de religião, quanto a sua revisão crítica alcancem as coleções

de livros didáticos de ER. A visão essencialista em torno desse conceito pode se

intensificar segundo o perfil dos autores (formação universitária, militância e

participação em entidades civis ou religiosas vinculadas à implementação do ER) e a

intencionalidade das coleções (e das editoras, é claro!).

3.4.1 O nascimento da religião

Grosso modo, as coleções de ER constituintes da amostra desta pesquisa

exploram o tema Religião/religiões em três níveis principais: a religião enquanto 1)

fonte de sentido da (e para a) vida; 2) aspecto universal da cultura, presente em

todas as sociedades sobre as quais temos alguma notícia; e 3) linguagem composta

por mecanismos que permitem às diferentes religiões se identificarem e se

153

Por exemplo, o budismo, que já foi citado por Durkheim, embora não negue a “existência de seres divinos”, é ateu, pois não está interessado no problema de saber se existem ou não existem deuses (AUGÉ, 1994, p. 180). 154

Um “dos marcos da vida tradicional [africana] é a extensão em que as crenças, atividades, hábitos mentais e comportamentos em geral são perpassados pelo que os europeus e norte-americanos chamariam de “religião”’ (APPIAH, 1997, p. 156; grifado no original).

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expressarem religiosamente por meio de emblemas simbólicos, vestes e adornos

corporais, cultos e ritos propiciatórios que favorecem a comunicação com as “forças

divinas”.

Esses três níveis de compreensão do conceito de religião são recorrentes

nos livros de ER examinados; entretanto, a significação conceitual sobre o que é,

afinal, religião, nem sempre é posta de maneira direta aos potenciais leitores

estudantis e se diluem, muitas vezes, nas muitas páginas que compõem cada

coleção.

Num dos volumes de Redescobrindo o universo religioso (Vozes), lê-se, por

exemplo, que as

[...] expressões religiosas são o conjunto de manifestações referentes à relação das pessoas com seus Antepassados, Ancestrais e o Transcendente. Existem expressões religiosas que são manifestadas nos rituais em cada tradição, que acontecem nos Espaços Sagrados específicos. Há outras expressões que vão além dos locais de culto, por estarem associados à maneira de ser, agir e viver de cada pessoa ou grupo humano155.

Quanto à afirmativa na qual a religião é uma experiência atemporal, ou

fenômeno identificável em qualquer circunstância, Correa e Scheneiders não apenas

defendem que “todos os povos são religiosos, e sempre o foram em todos os

tempos”, como creem que a religião é “um dos fenômenos mais extraordinários da

história” e “um dos grandes patrimônios universais da humanidade, assim como a

inteligência e a vontade, a linguagem e os costumes”.156 Para fundamentar esta

visão, os autores recorrem a Plutarco – uma das estratégias frequentes nos livros

didáticos é o emprego de referências e ilustrações relacionadas à antiguidade

clássica:

‘Lançai um olhar por toda a superfície da terra’, diz Plutarco, historiador grego (aproximadamente 50-120 d.C), ‘e podereis achar

155

POZZER, Redescobrindo o universo religioso, vol. 8, Unidade 3 (O jovem e a religiosidade), cap. 1 (O jovem e as expressões religiosas), p. 36. 156

CORREA; SCHENEIDERS, De mãos dadas, 5ª série/6º ano do ensino fundamental, cap. 8 (Religiosidade), p. 63

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cidades sem trincheiras, sem letras, sem magistrados, sem habitações, sem uso de dinheiro, mas um povo sem deus, sem orações, sem rito religioso, sem sacrifícios, não encontrareis’.157

Se “onde quer que tenha existido ou existam povos, existiu, existe e

existirá religião”158, Ana Vasconcelos vai mais adiante a ponto de indicar,

geograficamente, as regiões do globo onde o fiat lux – faça-se a religião – teria se

concretizado: “na Polinésia, Europa, América, Índia, enfim, em todos os cantos do

mundo”.159 Baseada na proposta do Fonaper (2009), ela reitera que “a crença em

algo divino, a fé em um ser superior”, pode ser observada desde “os tempos mais

longínquos, em todas as épocas, em todos os povos”.160 Sempre houve, “ao longo

da história da humanidade, (...) diferentes e variadas manifestações de substratos

religiosos, consideradas vitais para os seres humanos”.161

Lembremos que o sentido de “substrato” difundido em documentos e

publicações do Fonaper remonta ao termo latino substratu – algo concebido como

essencial, suporte ou fundamento de certo fenômeno; os “conhecimentos religiosos”

(cultura religiosa) estariam na base do “substrato cultural presente em todos os

povos da humanidade” (FONAPER, 2009, p. 8).

Em um dos capítulos de Entre amigos no qual se trata dos “sistemas de

crença, fé e ateísmo”, é dito que os estudiosos de diversas áreas – linguistas,

filósofos, sociólogos, teólogos, incluindo São Tomás de Aquino, no século XIII – se

debruçaram sobre o melhor significado para o latino termo “religião”. Ele foi definido

ora como “fenômeno”, ora como “movimento social de massa”, composto pelos

seguintes “fatos sociais” compartilhados entre grupos religiosos: “um sistema de

crença; um código de práticas, rituais e celebrações; um código de comportamento

moral e uma rede de instituições atuantes e visíveis na sociedade”.162

157

Malba Tahan citado em CORREA; SCHENEIDERS, De mãos dadas, 5ª série/6º ano do ensino fundamental, cap. 8 (Religiosidade), p. 63. 158

VASCONCELOS, Manual compacto de ensino religioso, cap. 2 (O sagrado na vida humana), p. 29. 159

Ibidem, p. 29. 160

Ibidem, p. 28. 161

Ibidem, p. 29. 162

MODERNA, Entre amigos, 9º ano, Unidade 1 (Religião e sociedade), cap. 1 (Sistemas de crença: fé e ateísmo), p. 33.

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123

Em razão disso, segundo avaliação dos organizadores de Entre amigos, é

impossível compreender a história de qualquer civilização, povo ou país, sem ater-se

ao “sistema de crença religiosa que embasa sua vida social”.163 Assim, conhecer as

religiões, é o mesmo que compreender e “identificá-las como parte de uma cultura

mundial”.164

De fato, em diferentes períodos da história, os estudiosos do fenômeno

religioso buscaram responder como surgiu a religião, o que ela é e qual a sua

finalidade, escreve Pozzer, que assina especificamente as obras do 6º ao 9º ano da

editora Vozes. Numa escrita que se aproxima, em alguns capítulos, da linguagem

das ciências sociais da religião – cita Durkheim, Frazer, Tylor e, indiretamente, Marx

–, esse autor propõe um jogo de “Caça-palavras” que, preenchido, fornece os

seguintes pontos de vista sobre o que é “Religião”:

a) Há os que defendem que a Religião é o anseio do ser humano abatido pela desgraça, a alma de um mundo sem CORAÇÃO. Ao mesmo tempo em que ela alivia a dor, torna o ser humano indolente, sem vontade de mudar. b) Outros dizem que a Religião é o conhecimento dos nossos DEVERES exigidos pelas divindades. c) Há aqueles que entendem que ela é o CULTO dos homens. d) Para outros, ela é um sistema de crenças e práticas referentes às coisas SAGRADAS, em que seus adeptos formam uma comunidade. e) Há os que concordam que ela é DESLUMBRAMENTO frente ao Sagrado. f) Outros ainda a definem como sendo um VÍNCULO, ou seja, espaço em que o ser humano mantém uma profunda relação com algo ou alguém que o transcende.165

Não satisfeito, Pozzer, ex-coordenador da Comissão de Currículo do

Fonaper, recorre aos parâmetros deste fórum, que define religião como “conjunto de

atitudes e atos pelos quais o ser humano manifesta sua dependência em relação a

potências invisíveis consideradas sobrenaturais”.166 Considera, no entanto, que a

163

Ibidem, cap. 2 (Religião e sociedade), p. 57. 164

Ibidem, cap. 1 (Sistemas de crença: fé e ateísmo), p. 10. 165

POZZER, Redescobrindo o universo religioso, vol. 9, cap. 2 (Religião: como surgiu, o que é e para quê?), p. 20; destaques em letras maiúsculas no original. 166

Ibidem, p. 20.

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[...] maneira como o ser humano lida com essas potências nas diferentes Tradições Religiosas, por meio dos seus ritos e cultos, pode se tornar positiva e benéfica, ou também prejudicial, à medida que leva pessoas ao fundamentalismo, gerando atitudes discriminatórias e preconceituosas em relação ao Outro.167

As “potências invisíveis” evocadas nessa passagem podem ser associadas

ao “mistério” sobre o qual escreve Carniato. Para esta autora das edições da

Paulinas, a religião é a consequência da tentativa humana de compreender “o

significado da existência no mistério transcendente e no ser criador que as tradições

religiosas chamam Deus”.168

Além do componente misterioso – “Deus e mistério” –, para que haja

“religião” ainda são necessários dois elementos: o sagrado e as atitudes religiosas,

completam os organizadores da coleção da editora Moderna. Atitude pode remeter-

nos à ação, logo, a religião seria um “fato ou experiência humana”, cujos indivíduos

acatam “a existência de uma realidade suprema, que dá sentido ao universo, à vida,

à história coletiva e individual da humanidade”.169

Existem, como visto, diferentes maneiras de se definir o que é a religião,

da mesma forma, existem muitas religiões no mundo. Porém, de acordo com Ana

Vasconcelos, que assina o Manual compacto de ensino religioso, todas as religiões

sinalizam a ideia de aproximação com o sagrado, que fornece “sentido à vida”. Sem

nenhuma menção à clássica definição de Durkheim, a autora acrescenta que a

religião é concebida enquanto “sistema solidário de crenças e de práticas que se

ligam às coisas sagradas”.170 Na coleção da Ática, a referência ao sagrado é

exclusivamente remetida à obra de Eliade (2008), também citado em outros textos

didáticos de ER.

Enquanto “fato universal”, “fato social”, “parte da cultura” ou “movimento

social de massa”, a religião (também) se expressa, conforme escrito em Entre

167

Ibidem, p. 20. 168

CARNIATO, Diversidade religiosa no mundo atual, Unidade 2 (O caminho da montanha), 8º ano, p. 23. 169

MODERNA, Entre amigos, 9º ano, Unidade 1 (Religião e sociedade), cap. 1 (Sistemas de crença: fé e aeísmo), p. 11. 170

VASCONCELOS, Manual compacto de ensino religioso, cap. 2 (O sagrado na vida humana), p. 29. Cito Durkheim (2003, p. 32), que definiu a religião como “um sistema solidário de crenças e de práticas relacionadas com coisas sagradas, isto é, separadas e interditas, as quais unem numa única comunidade moral, chamada Igreja, todos aqueles que a elas aderem” (itálicos meus).

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amigos, no domínio pessoal – por decisão ou conversão do próprio crente; nos

espaços e atuação dos grupos de adeptos, como templos, grupos de leigos, meios

de comunicação (livros, revistas, jornais e outras mídias de massa); nas normas de

conduta que os orientam; e na sociedade global, onde se constata a ocorrência de

diversas manifestações religiosas.171

Dentre alguns fatores listados no volume da editora Moderna, as religiões

desempenham não só “funções individuais e coletivas, como movimentos de massa

de grande importância social”, mas ao mediar “as instâncias do sagrado e do

profano”, terminam por fornecer “aos seus fiéis uma explicação do mundo e da vida

de forma transcendente, o que lhes oferece um horizonte de esperança”.172

Nas muitas páginas escritas pelos autores dos livros escolares de ER,

cada religião tem seus rituais, suas celebrações, suas doutrinas, seus símbolos e

suas crenças. “Se existe algo em que há diferenças, é precisamente nas

religiões”173, entretanto, todas elas, argumenta Vasconcelos, “objetivam orientar

moralmente o ser humano, religando-o ao Criador”.174 Esta grafia do termo Criador

oscila do “C” maiúsculo ao “c” minúsculo, mas a baliza comparativa é sempre a

mesma: o Deus do cristianismo, onipresente em todas as coleções examinadas.

Os autores de Novo fé na vida defendem que as palavras fé – do grego

pistia e do latim fides (“confiança firme, convicção”) – e religião – derivada do tronco

latino religare – estão presentes na vida de milhares de pessoas espalhadas pelo

mundo.175 Se, por um lado, o sentido de religare encontra-se bastante difundido no

material analítico, por outro, a vinculação entre religião e relegere não é citada. A

propósito, o uso do verbo relegere indica, segundo Adriani (2000, p. 160), “que a

religião deveria entender-se “releitura”, “reeleição”, “revisão”, levando à identificação

e à escolha positiva do soberano Poder divino” (aspas no original).

Na contramão da sugestão vista inicialmente, que recomenda evitar que a

religio seja identificada com o sobrenatural (ou supraempírico), reitera-se justamente

o contrário no volume de Entre amigos. É dito aos leitores que o denominador

171

MODERNA, Entre amigos, 9º ano, Unidade 1 (Religião e sociedade), cap. 1 (Sistemas de crença: fé e ateísmo), p. 33. 172

Ibidem, p. 34 173

Ibidem, p. 10. 174

VASCONCELOS, Manual compacto de ensino religioso, cap. 2 (O sagrado na vida humana), p. 30. 175

“Fé não é apenas confiar, mas confiar e acreditar com afeição, com amor naquilo que acredita, confia e aposta” (ALMEIDA; SANTOS, 2010, vol. 4, p. 120).

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comum entre as religiões é precisamente “a crença no mundo sobrenatural”, com o

qual é possível estabelecer algum contato mediante a prática religiosa.176 Os autores

de Todos os jeitos de crer seguem neste mesmo compasso: “todas as religiões

cultuam alguma divindade”; nem o budismo escapou dessa generalização; segundo

Incontri e Bigheto, ainda que não acreditem “num Deus criador”, os budistas

“veneram Buda e os seres que atingiram a iluminação”.177

As relações entre o mundo empírico e supraempírico podem ser

mediadas por fatores diversos, que compreendem um “conjunto de crenças” (Deus,

supremo, transcendência), de “ritos”, que permitem o contato com o transcendente,

e “obrigações”, que condicionam o agir e o pensar. Esta mediação é acrescida por

instituições que visam a tornar a religião visível, ou seja, os “templos e o

sacerdócio” (“o conjunto de ritos que tornam a religião um fato social”) e a

“hierarquia sacerdotal”.178

Apesar de reconhecerem as diferenças entre as religiões, Almeida e

Santos, da coleção Novo fé na vida, também postulam que existe algo de universal

nelas, como certos valores que, mesmo nomeados de maneiras diferentes,

expressam sentimentos comuns: amor, respeito, justiça, fraternidade, solidariedade,

amizade etc.179 As “religiões são muitas”, reforça Steel, contudo, elas buscam,

através de suas doutrinas e ensinamentos, “levar as pessoas à compreensão dos

assuntos referentes a Deus”.180 Se os rituais e orientações morais são diferentes, “o

objetivo é sempre o mesmo: praticar sempre o bem para o crescimento espiritual”.181

A caracterização do que venha a ser “religião” nas fontes analisadas

articula-se a outros fatores que podem ser evidenciados, se observarmos as noções

temporais explicitadas. Em suas explicações sobre a origem ou nascimento das

religiões, parte dos autores não se arrisca em estabelecer um momento exato para

isso; no entanto, eles mobilizam interpretações baseadas em tempos remotos, onde

176

MODERNA, Entre amigos, 9º ano, Unidade 2 (As religiões do passado e presente), cap. 3. (A religião na Antiguidade), p. 59. 177

INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 3 (Tradições), cap. 1 (Onde mora a divindade?), p. 10. 178

MODERNA, Entre amigos, 9º ano, Unidade 2 (As religiões do passado e presente), cap. 3. (A religião na Antiguidade), p. 56; destaques em negrito no original. 179

ALMEIDA; SANTOS, Novo fé na vida, vol. 4, 16º Encontro (Sobre a religiosidade), p. 120. 180

STEEL, Cultura Religiosa, Módulo 1 (O conhecimento individual para mais consciência na vida comunitária), “Religare”, p. 26. 181

Ibidem, p. 26.

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as “raízes das religiões” estão perdidas em um passado imemorial ou na pré-história

da humanidade. Neste período, considera-se que os humanos acreditavam “na

transcendência e explicava o mundo de forma mágico-religiosa”.182 Tal explicação,

acrescenta os organizadores de Entre amigos, pode ser deduzida a partir da análise

da forma como o homem (“animal religioso”) sepultava seus mortos, realizava suas

pinturas, esculturas e monumentos de pedra lascada.

Posteriormente, outros povos como astecas e maias, adoraram astros e

acreditaram em deuses celestes. Cidades e templos foram construídos e dedicados

aos deuses considerados pagãos. Antes disso, porém, a religião existiu nas

“sociedades menos complexas”, nas “primitivas” ou “tribais”, onde, assim como nas

atuais, observava-se a existência de crenças religiosas e valores morais que

orientavam a vida em sociedade.

Em outras ocorrências, a religião é posta como dimensão intrínseca, pois

é entendido que não há ser humano desprovido de algum tipo de religião: “Deuses,

espíritos, forças da natureza – em todos os tempos, a humanidade acreditou em

alguma coisa”.183 Os autores de Todos os jeitos de crer, em exemplar destinado ao

8º ano, são mais enfáticos ao afirmarem que a religião é a forma de saber

[...] mais antiga de conhecimento humano. Antes de existir a filosofia, antes que a ciência fosse praticada, antes que o direito político fosse estabelecido, o ser humano já possuía práticas de devoção aos deuses e aos espíritos, rituais de invocação e adoração das forças da natureza. Nunca houve uma cultura que não tivesse alguma forma de religiosidade.184

É possível extrair ao menos duas percepções do material analisado. A

primeira diz respeito à crença segundo a qual desde que o mundo é mundo a

humanidade sempre foi religiosa. A religião – e, por suposto, o sentimento dela

oriundo – seria derivada da mais íntima e profunda necessidade dos “seres

religiosos” se relacionarem com as forças invisíveis através de alguma forma de

182

MODERNA, Entre amigos, 9º ano, Unidade 2 (As religiões do passado e presente), cap. 3. (A religião na Antiguidade), p. 59. 183

INCONTRI; BIGHETO, Todos os Jeitos de crer, vol. 1 (Vidas), cap. 1 (Cada um com a sua crença), p. 12. 184

Idem, Todos os Jeitos de crer, vol. 3 (Tradições), cap. 1 (Onde mora a divindade), p. 10.

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culto ou adoração.185 Reafirma-se, assim, a universalidade da religião, mas a torna

relativa, pois se existe algo no qual haja diferença, este algo é a religião: “Há

diversos modos de encararmos as religiões. Eis a mais tradicional: conhecemos

apenas a nossa religião e achamos que só ela está com a verdade”.186

Nesta lógica, os seres humanos d’agora seriam herdeiros de uma

religiosidade ancestral, incluindo os indivíduos que não atribuem importância alguma

à vida religiosa, que recusam toda e qualquer visão divinizada do mundo. Mesmo

que o dogma do inatismo187 fosse admitido, não seria descabido indagar novamente:

a “necessidade do sagrado” é uma “invariante da condição humana” (PIERUCCI,

1997, p. 110)? A transcendência está “na raiz de toda criação cultural”

(FIGUEIREDO, 2001, p. 19-20)? Sem considerar estes questionamentos, é possível

que os produtores de ER continuem a afirmar em uníssono que a religião é uma

constante da espécie humana, a ponto de dispensar toda e qualquer racionalização

prévia.

Posta de maneira axiomática e imanente, a religião essencializa os

indivíduos e sua função é preencher o “vazio” – ou “buraco” –, a “falta”, a “carência”,

espantar a tristeza, evitar a solidão e o isolamento social.188 Entretanto, os sujeitos

modernos têm se voltado, cada vez mais, para “novas formas de religião”, deixando-

se conduzir pelos prazeres mundanos – moda, diversão, consumismo, culto ao

corpo etc. –, em prejuízo da “espiritualidade” e abandonam “virtudes tão necessárias

no dia-a-dia”. Resultado: “muitos choram”, lamenta Steel.189

Esta mensagem, que se aproxima do tom religioso de uma pregação ou

homilia, é frequentemente elaborada por meio de frases e termos amenos, que

visam a acolher aqueles que procuram auxílio espiritual e alívio dos estados de

185

Ainda nos termos de Steel, a “religião é a “ponte” entre o sobrenatural e as pessoas, ou a “ligação” entre o ser humano e o Ser supremo, do qual imaginamos depender e ao qual reverenciamos de acordo com o nosso entendimento” (STEEL, Cultura Religiosa, Módulo 1 (O conhecimento individual para mais consciência na vida comunitária), “Autoconsciência”, p. 25). 186

INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 4 (Ideias), cap. 1 (Onde está a verdade?), p. 10. 187

Para uma abordagem crítica do inatismo religioso em Jung, por exemplo, ver Dalgalarrondo (2008). 188

“(...) o vazio, um “buraco”, manifesta-se no coração pela ausência de uma coisa bem mais simples que qualquer um pode dar: afeto!” (STEEL, Cultura Religiosa, Módulo 1 (O conhecimento individual para mais consciência na vida comunitária), “Autoconsciência”, p. 13). 189

Cultura Religiosa, Módulo 1 (O conhecimento individual para mais consciência na vida comunitária), “Autoconsciência”, p. 26.

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aflição causados pela modernidade secular. Os incrédulos, aqueles que desdenham

o fato religioso, ainda não tocados pelo “beliscão do destino”, jamais poderão

compreender o sentido da vida – cujo significado deste sentido é mais poetizado que

propriamente conceituado pelos autores citados. Assim, estes incrédulos saem

mundo afora “em busca de soluções extremas, como o uso de drogas, de álcool e

outros riscos à saúde e à vida”.190 Para que a vida tenha algum sentido, o recado

dado pelos manuais de ER é que existe, sim, uma luz no fim do túnel; no entanto,

para que haja luz, defende-se o engajamento religioso.

A segunda percepção foi, de certa forma, antecipada por Albuquerque

(2004) durante simpósio temático ocorrido numa das reuniões anuais da Anpocs.191

Em sua exposição a respeito das conexões entre “Estado e ensino religioso” no

Brasil, ele foca em alguns cadernos de catequese distribuídos pela Diocese de

Osasco (São Paulo) e nos livros didáticos de ER do 6º ao 9º anos publicados em

2001 pela editora Paulinas.192 Argumenta que as edições de ER da Paulinas

apresentavam narrativas erradas, superficiais e enviesadas; assuntos religiosos

retirados dos respectivos contextos e tratados de maneira desconexa e deslocada.

Das quatro ocorrências apresentadas pelo autor, o cristianismo “é

explicado como bem simples”, entretanto, “se busca tornar difícil a compreensão das

outras religiões, apesar da forma diplomática” (ALBUQUERQUE, 2004, p. 16). O

budismo é interpretado numa linguagem teísta: “(...) subitamente ele [Buda]

compreendeu que o sofrimento não é a vontade de Deus, mas é o resultado das

ações erradas das pessoas que prejudicam os outros ou a si mesmos” (CARNIATO

apud ALBUQUERQUE, 2004, p. 14). Em resumo: apresentar as várias religiões

coexistentes no mundo contemporâneo não necessariamente contribui para o

190

MODERNA, Entre amigos, 9º ano, Unidade 1 (Religião e sociedade), cap. 1 (Sistemas de crença: fé e ateísmo), p. 35. Cito trecho literal: “Segundo pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp-SP): “[...] estudos realizados em diferentes contextos socioculturais demonstram que em populações de estudantes adolescentes e jovens verifica-se a associação entre não ter religião [...], ter pouca crença religiosa, não frequentar igreja e cultos e maior uso de álcool e drogas”’ (MODERNA, 9º ano, 2009, p. 35). 191

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. 192

Desde as primeiras publicações da coleção da Paulinas passaram-se mais de dez anos. Apesar das alterações nas edições mais recentes, o conteúdo severamente criticado por Albuquerque, em 2004, permanece quase inalterado. As edições da mesma editora incluídas na amostra deste capítulo são mais recentes e foram publicadas em 2010.

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aprendizado delas; ao contrário, pode reforçar a fixação e a banalização de

estereótipos étnico-religiosos.

Albuquerque enfatiza que, além da “linguagem infantilizada”, responsável

por transformar as crianças em seres “imbecis”, em contraste com o “nível

sofisticado” da bibliografia citada nos volumes redigidos por Carniato, há um enorme

desperdício de espaço em tratar de formas religiosas temporalmente distantes de

nós. Este desperdício ocasiona um prejuízo ao não se abordar as religiões de

grupos étnicos ou nacionais mais próximos de nós, tais como coreanos, bolivianos,

africanos de diversas partes do continente, haitianos etc. Estes grupos estão

presentes, sobretudo, mas não apenas, nas grandes capitais brasileiras. Dessa

forma, “seria extremamente importante mostrar seus usos, costumes e crenças

religiosas, de modo a contribuir para a cidadania que conhece o outro”

(ALBUQUERQUE, 2004, p. 14).

Seguindo nessa linha, nos questionamos também quanto à religiosidade

de matriz afro-brasileira, esta “outra” que sempre esteve muito próxima de nós,

presente em diferentes domínios da cultura nacional. Quais elementos são

invocados na abordagem conceitual dos cultos afros cujas cosmovisões e

ritualísticas soam estranhas para muitos brasileiros? Voltarei a este assunto no

próximo capítulo seguinte.

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131

CAPÍTULO 4

MACUMBA É RELIGIÃO? ABORDAGENS ESCOLARES SOBRE AS

MATRIZES CULTURAIS DO MUNDO RELIGIOSO AFRO-BRASILEIRO

A consciência religiosa deve, primeiramente, processar o encontro dissonante, do ponto de vista cognitivo, com outras confissões e outras religiões.

Jürgen Habermas (2002)

Nenhum pai evangélico aceitará que seu filho assista aulas que falem de espiritismo ou umbanda.

(Pr. Ciro Melo)193

Em razão da hegemonia que ocupa na sociedade brasileira, bem como

noutras regiões do globo, é sabido que o cristianismo dito universal tem sido,

histórica e culturalmente, o modelo padrão de definição e classificação do que é

considerado religião. Cabe então observar quais são os parâmetros empregados na

abordagem conceitual das religiões afro-brasileiras. Uma vez que essas religiões

recobrem uma variedade de ritos (nações) e são caracterizadas por um arsenal

complexo, que envolve conceitos, símbolos, objetos, liturgias diversas etc., como

elas são explanadas nos livros didáticos de ER?

Antes de prosseguir com esta interrogação, é necessário situar que o

título que serve de inspiração a este capítulo decorre de uma “brincadeira” feita por

um aluno matriculado na “aula de Religião” ministrada em uma escola pública

estadual localizada na “periferia” de Campinas/SP. Ao recordar sua expressão facial,

é possível assegurar que tal indagação continha certo “espanto” ou mesmo uma

desconfiança – “Como assim, macumba é religião?!”.

193

Convenção Nacional das Assembléias de Deus no Brasil (ARANHA; MENDONÇA, 2008, p. 114).

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132

Esta indagação, seja por recato ou diplomacia, não é posta naqueles

termos nos livros escolares de ER reunidos na amostragem deste e do capítulo

anterior. A expressão macumba194 sequer é citada mesmo quando se discute a

(in)tolerância religiosa que afeta as religiões afros. É sabido que a extensão do

significado dela pode variar segundo a perspectiva e a intencionalidade do emissor

do discurso. No contexto escolar registrado, ela veio à baila com sentido de pecha

ou jocosidade.

A palavra macumba é geralmente empregada com este tom pejorativo

quando os emissores do discurso desejam se referir às oferendas, ou despachos,

que os afro-religiosos depositam em locais específicos (encruzilhadas, matas,

cachoeiras, praias etc.). Além desta associação, a macumba encerra outro sentido

relacionado aos demais: “a ação e o efeito da manipulação de entidades de

esquerda por uma pessoa sobre ou contra outra” (BRUMANA; MARTÍNEZ, 1991, p.

346; itálicos no original). Nessa acepção, ela equivaleria a “trabalho”, “feitiço”, “coisa

feita”, “coisa mandada”, prática mágica com finalidade nefasta. O que se percebe é

que a mesma expressão transita da religião à magia e desta para a primeira, uma

vez que as religiões afro-brasileiras são conhecidas (e combatidas) em razão do

aparato mágico-religioso a elas associado – o “arsenal da macumba”, segundo

Yvonne Maggie (2005, p. 36).

Mas, antes do surgimento da umbanda195, nos anos 1920, a designação

macumba era usada de forma genérica, nem sempre depreciativa ou acusatória,

para nomear o conjunto das religiões mediúnicas afro-brasileiras. Destacam-se,

neste conjunto, de modo mais restrito, a própria umbanda e o candomblé também

praticado pelas camadas populares das grandes cidades, sobretudo do Rio de

Janeiro (ISAIA, 2006).

Ao discorrer sobre os usos e o histórico da palavra, eis que localizo o

encarte de uma gravação musical, de 1955, coincidentemente intitulada Macumba,

194

A procedência etimológica pode ser o termo banto makuba – “reza” ou “invocação” – encontrado nas línguas Kikongo e Kimbundo (CASTRO, 2005). 195

A origem da palavra umbanda vem da raiz banto mbanda, “tabu”, “coisa sagrada”, “súplica” ou “invocar os espíritos” (CASTRO, 2005, p. 347).

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do músico, compositor, pintor naïf e fundador de escolas de samba do Rio de

Janeiro, Heitor dos Prazeres.

Figura 3 – Encarte do disco “Macumba”

Fonte: Fotografia elaborada pelo autor.

Heitor dos Prazeres era frequentador das macumbas de Tia Ciata, João

Alabá, João Abedé e outros “tios” e “tias” baianas que migraram de Salvador/BA

para a antiga capital federal. No precioso e colorido encarte (uma pintura do próprio

Heitor dos Prazeres), que vai do didático ao artístico, a palavra macumba nomeia

[...] na linguagem popular (...) uma dansa de origem Africana, cujo ritual é de Angola e com fundo religioso. As suas canções representam orações que eleva, com o som de seus batuques e ritmo, espiritualmente, as preces aos Orixás, que são seus protetores. Por exemplo: Jesus Cristo – OXALÁ; N.S. da Conceição – OXUM; Santa Bárbara – INHANSSAM; S. Jorge – OGUM; S. Jerônimo – XANGÔ, etc. O pai de Santo é um sacerdote, homem ou mulher, com conhecimentos profundos do ritual, sendo acatado é conhecido. O pai de Santo tem como seus auxiliares os cambônos e as sambas. Cambônos são os seus tocadores de Atabaques, que

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são os tambores, enquanto que as Sambas são suas auxiliares atendentes.196

É possível extrair deste encarte ao menos três elementos característicos

dos cultos afro-cariocas, que não foram identificados por um juiz federal – sobre o

qual voltarei ainda neste capítulo. Ele apresenta a liturgia dansada nos terreiros

(cantigas, batuques, preces e orações), passando pelo paralelismo ou similitude

entre santos e orixás e, por último, os diferentes níveis da estrutura hierárquica dos

cultos afros. O encarte menciona pais, mães, sambas – equivalente às iaôs do

candomblé – e cambonos – posto masculino, porém ocupado, na prática

umbandista, conforme autonomia de cada terreiro, podendo ser, indistintamente,

desempenhado por homens e mulheres de qualquer idade. O cambono é o que está

mais próximo do posto ritual do ogã na hierarquia do candomblé que, ao contrário da

umbanda, veda às mulheres a percussão dos atabaques.

Os elementos explicados acima poderiam ser citados pelo professor de

ER da turma de Campinas, quando foi questionado se “macumba era religião”. Ele

foi surpreendido, durante sua aula, com uma questão referente a um tema tratado

quase sempre, para não dizer, literalmente, como tabu no universo escolar –

retomarei este ponto no capítulo seguinte. Tal digressão serve de pré-texto para este

capítulo e permite-me prosseguir neste “pantanoso tema do que venha ser religião”

no Brasil, segundo despacho do juiz da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Eugênio

Rosa de Araújo.

Ao julgar uma ação pública na qual indeferiu o pedido do MPF (Ministério

Público Federal) para que o Google excluísse quinze vídeos ofensivos aos cultos

afros postados pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), o citado magistrado

resolveu ditar, em poucas linhas, o que seria ou não uma religião.197 Em sua

196

Macumba. Heitor dos Prazeres e sua gente (Long Play). Rádio Serviços e Propaganda Ltda. Rio de Janeiro-RJ, 1955. A aproximação entre santos e orixás foi originalmente destacada, no encarte, em letras maiúsculas. 197

Quatro dias após a primeira declaração, em 20 de maio de 2014, o juiz reconheceu publicamente, diante do “forte apoio dado pela mídia e pela sociedade civil”, que os cultos afros eram, ou melhor, são religiões. Reportagem completa, incluindo íntegra do texto no qual o “juiz volta atrás” em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/05/juiz-federal-volta-atras-e-afirma-que-cultos-afro-brasileiros-sao-religioes.html>. Cobertura parcial realizada pela imprensa paulista (Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo), que menciona a participação de fiéis e pastores evangélicos, mas não informa aos leitores que os vídeos foram postados no site Youtube pela IURD – “bispo Macedo

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decisão, ele afirmou que “macumba, umbanda, candomblé ou quimbanda” não eram

religiões. A contradição perceptível nesta decisão – que passou despercebida pela

imprensa, comentaristas e pareceristas que surgiram de todos os cantos – é que ao

se referir aos “cultos afro-brasileiros”, o juiz empregou a expressão “manifestações

religiosas centenárias” (itálico meu), para negar-lhes, em seguida, o qualificativo

“religiosas” anteriormente atribuído.

Segundo o mesmo juiz, as religiões afro-brasileiras não apresentavam os

“traços necessários” de uma religião: um livro sagrado que sistematize suas práticas,

um quadro sacerdotal e um Deus único a ser venerado por seus adeptos. Essa visão

classificatória das religiões está em desacordo com tradições ou culturas religiosas

que não têm um ser transcendente – Deus –“como o seu horizonte último” ou que

não possuem “uma teologia elaborada que defina uma identidade para esse Divino,

ou seja, Deus não é um dado evidente, uma realidade indiscutível, mas um conceito

equívoco” (DANTAS, 2007, p, 52).

Em relação ao livro sagrado ou à “Escritura” divinamente

produzida/interpretada (ASAD, 2010), Deotins Roberts escreve que, ao contrário das

religiões semíticas, asiáticas e do Oriente Médio, as de origem africana não são

religiões do Livro, ou do Verbo, sendo impossível compreendê-las recorrendo à

lógica ou à metafísica ocidental (AMADO, 1989). Quanto às religiões de matrizes

africanas praticadas em território brasileiro, elas se mantêm culturalmente vivas, de

fato, através de práticas que se apoiam na transmissão oral, mas sem rejeitar a

escrita. Admite-se o uso interno de cadernos de fundamento onde os fiéis registram

o conhecimento paulatinamente acumulado por meio da experiência religiosa

individual e coletiva – rezas, cantos, ritmos rituais; técnicas divinatórias (jogo de

búzios); classificação, manipulação e utilidade das folhas sagradas; a linguagem

litúrgica, cujo vocabulário de uso religioso difere de uma nação para outra, entre

outros elementos raramente (re)conhecidos por aqueles que produzem materiais

didáticos para o ensino escolar das (e sobre as) religiões.

Não obstante a convergência entre as afro-religiões brasileiras, elas são

internamente diversificadas. Como exemplos, podemos citar a crença num conjunto

entrevista ex-pai-de-santo que o desafiou”. Vale destacar que o mesmo juiz também classificou a Igreja Universal como não-religião. Ver <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/05/1455758-umbanda-e-candomble-nao-sao-religioes-diz-juiz-federal.shtml>. Acessos em: abr./mai.2016.

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variável de orixás, inquices, voduns, guias ou encantados, os repertórios específicos

de coreografias rituais, que se relacionam com a música vocal e instrumental; o

calendário festivo, que sofre algumas variações regionais e organiza as cerimônias

sacras distribuídas ao longo do ano; a hierarquia religiosa, que distribui as funções e

atividades rituais baseadas na senioridade – tempo de iniciação – e no sexo/gênero

enquanto aspecto (de)marcador das tarefas atribuídas aos homens e às mulheres.198

Tais religiões ainda comportam uma explicação de mundo ou cosmovisões que se

pautam em um patrimônio de mitos e ritos que tem o efeito de produzir um conjunto

de crenças partilhadas entre os adeptos.

Quanto à ausência de um “deus criador”, segundo entendimento do juiz

Eugenio Rosa, cito uma narrativa cosmogônica corrente no candomblé de matriz

nagô-ioruba199, cuja procedência geográfica remete-nos ao Oeste da atual Nigéria,

centro e sul da República da Benin. Não se pretende, com a narrativa abaixo, querer

reivindicar, para o candomblé ou outras variações rituais e regionais de culto afro-

brasileiro, uma configuração ocidental-cristã de “religião”, a fim legitimá-las como

“religiões”. O importante é demonstrar que as cosmovisões africanas associadas às

religiões afro-brasileiras não são baseadas em uma concepção binária de mundo

(bem versus mal, por exemplo), e sim na noção de equilíbrio. Em certos casos,

tamanho equilíbrio pode ser consequência de uma batalha entre seres espirituais ou

daquilo que chamarei, a seguir, de discórdia mítica.

O mito informa a crença em um ser supremo, todo-poderoso, chamado

Olorum ou Olodumaré. Este ser criador incumbiu os orixás, “entidades obreiras”, de

conduzir o mundo e as ações humanas. O velho Obatalá é quem ocupa o lugar

primordial na narrativa – tido como “o grande orixá”, sempre apoiado em seu cajado

198

Quer cultuem um único Deus (monoteísmo), quer celebrem inúmeros deuses (politeísmo), as instituições religiosas necessitam de especialistas preparados para lidar com a(s) força(s) divina(s). No candomblé, assim como em outras denominações próximas, não é diferente. Suas relações de poder são hierarquicamente ordenadas mediante laços de parentesco ritual (famílias-de-santo) expressos em termos africanos: abiã, primeiro degrau, pessoa não-iniciada, aspirante, que participa de algumas cerimônias, sobretudo públicas; iaô, filha ou filho-de-santo iniciada(o); ebomin, adepta(o) que cumpriu suas obrigações de sete anos de iniciada(o); babalorixá e ialorixá, pai e mãe-de-santo, os postos mais elevados na hierarquia sacerdotal dos terreiros. Há, ainda, os postos auxiliares ocupados pelas equedes (mulheres que cuidam dos orixás manifestados e de seus objetos rituais) e pelos ogãs (homens responsáveis pelos cânticos, toques de atabaques e outras atividades masculinas) (SANTOS, 2012). 199

A civilização nagô, ou ioruba, é composta por vários subgrupos étnico-culturais – oyó, ijexá, ketu, entre outros. Sobre a etnogênese Ioruba, recomenda-se a leitura de Matory (1998).

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ancestral, representado na aquarela do artista Carybé (1911-1997), que ilustra um

mito sobre a separação entre o “céu e terra” narrado na coleção Todos os jeitos de

crer.200

Figura 4 – Cortejo de Oxalufã (“Oxalá velho”)

(Aquarela de Carybé)

Fonte: INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 4 (Ideias), p.107.201

Obatalá foi o primeiro ser criado por Olorum– o dono do Orum, espaço

infinito202 –, de quem recebeu a missão de criar a Terra. Entretanto, ao se descuidar

das oferendas de Exu – senhor do movimento –, Obatalá é acometido por uma sede

inumana, embriaga-se de vinho de palma e cai num sono profundo. Oduduwa, outro

lendário ancestral dos Ioruba, rapidamente recolheu o saco que continha a terra

primordial e lançou-a sobre o mundo inacabado. Plantou uma palmeira de igiopé –

dendezeiro – e uma galinha d’angola ciscou e espalhou a terra. Esta Terra recém-

criada mais tarde seria batizada de Ilê-Ifé, centro difusor da cultura iorubana. A

iniciativa de finalizar a criação do mundo gerou uma discórdia entre Obatalá e

Oduduwa. Com isto, Olorum conferiu ao primeiro (Obatalá dirigiu-se ao ser supremo

200

INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 4 (Ideias), cap. 8 (O paraíso onde fica?), p. 107. 201

No centro da ilustração (cortejo) encontra-se Oxalufã acompanhado por: 1) Ogum (deus guerreiro de espada na mão), em seguida, 2) Obaluaiê (de capuz de palha, orixá da cura), atrás dele, no canto, 3) Ossaim, o deus das folhas rituais e medicinais; ao seu lado, 4) Oxum, a deusa do amarelo, do ouro e da beleza; 5) outro Obaluaiê (de capuz de palha) e, a sua frente, 6) Xangô, orixá da justiça, que carrega um machado duplo (a justiça, enquanto princípio, tem, no mínimo dois lados). 202

“Devemos pensar que o Orum, o lugar de Olodumaré e de onde partiram Odudua e Obatalá, é lido não como céu, mas como o outro lado, o longínquo” (ARNAUT; LOPES, 2005, p. 32; itálicos meus).

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a fim de expor sua queixa) o poder de criar, através da lama ancestral, a

humanidade e todos os seres vivos que habitariam o aiê, a terra firme.

Essa narrativa cosmogônica reproduzida nos terreiros pode sofrer

alterações, mas reúne os principais elementos que permitem-nos debater com o juiz

Eugênio Rosa, que negou ao candomblé o estatuto de religião pela suposta falta de

um deus supremo. Alguns reconhecem o candomblé como religião politeísta, ao

passo que outros o defendem enquanto tradição monoteísta, uma vez que se admite

a existência de um ser supremo, criador do universo. Assim como em outras

cosmogonias, este ser afasta-se de sua obra sem exigir culto de louvor ou adoração,

tendo delegado às entidades menores – orixás – o ordenamento e o governo da vida

na terra.

E quanto ao que foi exposto acima, o que diriam os autores dos manuais

voltados ao ensino das religiões? Como definem ou classificam as religiões de

matrizes africanas no Brasil? Seriam elas politeístas ou monoteístas? Seitas,

crenças ou tradições culturais?

4.1 Religiões afro-brasileiras nos livros escolares de ensino religioso

É comum os autores das coleções examinadas insistirem que um dos

pilares do ER é o respeito à pluralidade cultural e religiosa e o reconhecimento de

outras religiões. Longe “de excluir ou desprezar qualquer experiência ou pertença

religiosa”, completa a autora da Paulinas, o ER “valoriza os diferentes

conhecimentos vivências e modos de crer, presentes na sala de aula, na escola e na

sociedade”.203

Entretanto, são poucas edições que tratam, com mais profundidade, das

religiões afro-brasileiras em comparação com outras formas de religiosidade

coexistentes no país. Após observar a amostragem reunida, considerando sua

totalidade e abrangência, percebe-se, por contraste, o espaço diminuto destinado

para as religiões afros, muitas vezes centrado no sincretismo religioso afro-brasileiro,

sem propor outros desdobramentos. Como sinalizado anteriormente, sem

desconsiderar que as “tradições” afro-religiosas compartilham características

203 CARNIATO, Nossa opção religiosa, 9º ano (professor), “Convite a quem ama a educação”, p. 5.

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comuns, que permitem contrastá-las com outras religiões praticadas pelos

brasileiros, são raras as ocasiões nas quais elas são abordadas isoladamente – por

exemplo, “no Candomblé...”, “na Umbanda” etc.

Os exemplares da coleção Redescobrindo o universo religioso (Vozes)

destinados aos professores de ER contêm, sempre, alguma referência, mesmo

superficial, sobre as “tradições africanas” e “afro-brasileiras”. Isto é, “grupos culturais

religiosos de matriz africana”, com destaque para o candomblé e uma única

referência aos demais cultos afros, como o “Tambor de Mina, a Umbanda, Xambá,

Catimbó, Omolocô, Batuque”.204 Nota-se, nos volumes de Redescobrindo..., a

terminologia genérica – “cosmologias africanas”, “Tradições africanas”, “religiões

africanas” – associada a outros termos empregados para se referir às “Tradições

Religiosas Afro-brasileiras”.

À revelia da variedade de cultos que constitui o complexo religioso afro-

brasileiro, os autores de livros didáticos de ER concentram-se nas variações mais

conhecidas no país: o candomblé e a umbanda. Ocorrências sobre essas variações

rituais são mais frequentes nas coleções da Ática e Vozes, porém visivelmente

escassas nas edições da Paulinas, Scipione e Editora do Brasil. Nota-se, inclusive, o

tratamento diferenciado conferido aos líderes das “grandes religiões” em prejuízo

das lideranças religiosas afro-brasileiras. Dentre os mais citados nos livros didáticos

examinados encontram-se Jesus, Gandhi, Martin Luther King, Dalai Lama, Madre

Teresa de Calcutá, papas católicos, entre outros. Mãe Menininha do Gantois (1894-

1986) é uma das únicas “belas vidas” lembradas num dos títulos da editora Ática.205

Da Bahia, que tem um “povo moreno e bonito”, “muita religião” e “muita arte”,

também são citados os músicos Caetano Veloso, Gilberto Gil e o escritor Jorge

Amado.206

Candomblé e umbanda são apresentados aos estudantes-leitores

seguindo-se uma temporalidade histórica na qual a formação do primeiro antecede o

surgimento metropolitano da segunda. A umbanda seria uma “nova religião” que se

espalhou pelo Brasil a partir do Rio, tendo desembarcado nos países do

204

POZZER, Redescobrindo o universo religioso, vol. 8, Unidade 4 (O jovem: diferenças e discernimento), cap. 2 (Discernimento e Tradições Religiosas), p. 54. 205

INCONTRI; BIGHETO, Jeitos de crer, 3º ano, cap. 4 (Os orixás que protegem a vida), p. 42-43. 206

Idem, Jeitos de crer, 4º ano, cap. 4 (Deuses na Bahia-de-Todos-os-Santos), p. 58.

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MERCOSUL e da Europa, onde é praticada por sujeitos de múltiplas nacionalidades

e classes sociais, dispostos a vivenciar a “técnica” do transe mediúnico e outras

práticas rituais das religiões afro-brasileiras. Segundo Bastide (1971), ela é o

resultado último do que se tornaram as “religiões africanas” ao perderam seus

valores e características tradicionais, no meio urbano e industrializado do Sudeste

brasileiro.

O “mito” relacionado à sua origem informa que o primeiro templo

umbandista foi fundado pelo comerciante Zélio Fernandino de Morais (1891-1975),

em Niterói/RJ, no dia 15 de novembro de 1908. Daí nascera a Tenda de Umbanda

Nossa Senhora da Piedade, local onde Zélio, ‘“o anunciador” da nova religião, pôde,

a partir de então, cultuar as entidades afro-brasileiras banidas dos centros e

associações que pregavam o espiritismo kardecista e desprezavam as tradições

herdadas do continente africano (SANTOS, 2012). Resultado de uma discordância

com a doutrina de Kardec, ainda assim os umbandistas não abandonaram certos

princípios, como a ideia de hierarquia astral (entidades agrupadas em “superiores” e

“inferiores”), evolução espiritual, reencarnação e prática de caridade. Talvez se

possa afirmar que a umbanda já nasce como religião reformada. Uma reforma,

assim como uma religião, não se inicia do zero. A “constituição de uma religião nova

é algo essencialmente histórico e progressivo”.207

Apesar da ênfase depositada no candomblé e na umbanda, escapa aos

autores de livros escolares de ER, a base linguística dos termos que poderiam

ilustrar o elo cultural desses cultos com o continente africano. A palavra

“candomblé”, explica a etnolinguista Yeda Pessoa de Castro (2001, p. 196), é

oriunda de kandombele, termo africano de raiz banto, que significa “rezar”, “invocar”

ou “pedir ajuda dos deuses”. De uso corrente na sociedade brasileira, ela nomeia

tanto as nações de candomblé208, quanto o espaço sagrado (templo, terreiro, roça,

207

ZUBIRI, Xavier. El problema filosófico de la historia de las religiones, Madrid: Alianza, 1993, in MODERNA, Entre amigos, 9º ano, 2009, p. 58. 208

O conceito de nação, outrora político e associado às origens geográficas, étnicas e culturais das religiões de matriz africanas, transformou-se numa categoria teológica e classificadora do padrão ritual que distingue as variações de candomblé (“nações”) existentes no Brasil, cujas crenças, práticas e liturgias subdividem-se em angola (banto), jeje (ewe-fon) ou queto (nagô-ioruba). Para Raul Lody (1994, p. 2), as nações de candomblé “caracterizam cada terreiro como uma África em miniatura”. No entanto, os candomblés não são sistemas religiosos fechados em si mesmos, do tipo exclusivista, pois os processos de mudança fizeram surgir, em diversas regiões do país, terreiros que podem ser identificados, simultaneamente, como queto-angola-caboclo (PARÉS, 2006). Para revisão do conceito

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ilê axé, etc.) onde são realizadas as cerimônias públicas. Entre os candomblés mais

antigos, estão aqueles que foram fundados na Bahia (Engenho Velho da Federação,

Alaqueto, Bogum, Gantois, de Mãe Menininha, Axé Opô Afonjá, Bate Folha etc.) e

noutros Estados do Brasil onde as religiões afro-brasileiras são reconhecidas como

patrimônio histórico-cultural.

Sem se ater à contextualização etimológica sugerida, Steel, autor do título

Cultura religiosa (Global), escreve que o candomblé é uma religião afro-brasileira

surgida no Brasil entre os séculos XVI e XIX, e aqui desembarcada com os

“escravos africanos”.209 Escreve que ao lado do “deus supremo Olodumaré”, criador

dos orixás, são cultuados apenas dezesseis orixás de um total de mais de duzentos

existentes em solo africano. Comenta que nessa religião, os orixás são consultados

por meio do jogo de búzios ou da incorporação dos filhos-de-santo (iaôs); que suas

cerimônias ocorrem em terreiros, onde as preparações para os “trabalhos” são

fechadas, envolvem sacrifícios animais e os rituais são acompanhados de danças ao

som de atabaques, cujos ritmos variam conforme o orixá festejado.

Steel acrescenta que os “cultos dessa religião” foram reprimidos pelos

colonizadores portugueses, visto que eram julgados como práticas de feitiçaria,

bruxaria, charlatanismo, etc., pelas autoridades eclesiásticas, civis e militares,

motivo, esse, que teria levado à associação (ou disfarce) entre os orixás e os santos

da Igreja. Para sobreviver, os supostos feiticeiros negros “misturavam” o culto aos

santos da Igreja e elementos indígenas à religião dos orixás, surgindo dessa “fusão”

o que chamamos de sincretismo religioso. Como consequência deste fenômeno,

Steel menciona São Sebastião, correspondente a Oxóssi, Santa Bárbara/Iansã, São

de “nação”, ver Vivaldo da Costa Lima (1976) em texto que completou 40 anos, mas sua relevância não se apagou com o passar dos anos e avanços dos estudos afro-brasileiros. 209

A grafia “escravos africanos” empregada por Steel (2010, p. 144) e demais autores de livros didáticos de ER, incorre num erro primário em relação à empresa escravista. Os africanos eram capturados em suas terras, transformados primeiramente em cativos pelos traficantes (que contavam com a ajuda e interesse comercial das realezas africanas ou chefias locais) e posteriormente vendidos como escravos para a realização de trabalho compulsório no “Novo Mundo”. Portanto, o correto seria o inverso, africanos escravizados. Ressalva semelhante vale para as populações indígenas também escravizadas em territórios do Brasil – indígenas escravizados, e não índios escravos (ALMEIDA, 1987).

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Lázaro/Omolu.210 Entre as festas mais conhecidas dos brasileiros, o autor menciona

a de Iemanjá, ocorrida, em Salvador/BA, no dia 2 de fevereiro.211

Se tivéssemos que (re)conhecer os elementos estruturais ou fundantes do

candomblé – também presentes em outras afro-religiões –, seguindo o resumo en

passant traçado por Steel, diríamos que o autor percorre os seguintes pontos.

Primeiro, destaca a crença num deus criador, cita o sistema oracular (jogo de

búzios) e o culto aos dezesseis orixás, mas sem indicar quem são esses orixás ou

as particularidades de cada um deles. Também discorre sobre os “trabalhos”

incluindo os sacrifícios rituais, que visam à preparação dos terreiros para os dias de

festa ou cerimônias públicas.

Além desses, existem ao menos dois aspectos não abordados por Steel e

pelos demais autores, exceto Pozzer, que assina os exemplares da editora Vozes.

Um destes aspectos refere-se ao processo iniciático (feitura do santo) nas

comunidades-terreiro, que estabelece o vínculo e o pertencimento religioso. Esta

iniciação implica em um estágio de recolhimento por um período de dias, durante o

qual o neófito vivencia uma série de rituais. O segundo, decerto o aspecto mais

controverso de todos, diz respeito à ausência do orixá Exu no material examinado –

a exceção fica por conta da coleção Jeitos de crer (Ática) –, mas trata-se uma

ilustração (desenho), sem informações adicionais.

Mesmo ligeira, a síntese relativa ao que venha a ser o candomblé, nos

termos escolhidos por Steel, é ilustrada com uma litorânea estátua de Iemanjá, de

feição mestiça, morena, com as palmas das mãos abertas, de onde podem brotar

pérolas ou gotas d’água, que contracenam com o mar azul do fundo da imagem,

tendo sob seus pés oferendas de velas e flores também azuis.

210

Steel escreve “Omolum”, mas o termo êmico é Omolu, orixá também conhecido como Obaluaiê – do ioruba obá, rei, e ayê, terra, “o rei ou o dono da terra” –, associado à varíola, à cura desta e de outros males, não só os do corpo, mas também os espirituais. 211

STEEL, Cultura religiosa, Módulo 2 (Autoconhecimento: necessidade fundamental para a compreensão da existência), “Candomblé”, p. 144 – todas as citações sublinhadas entre aspas foram extraídas desta mesma página referenciada.

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Figura 5 – Estátua de Iemanjá:

Orixá da maternidade, dos mares e oceanos

Fonte: STEEL, Cultura religiosa, “Candomblé”, p. 144.

Esta ilustração abre passagem justamente para a umbanda, apresentada

através de uma narrativa igualmente sintética que poderia ser comparada com um

verbete de um dicionário de religiões. A escolha pela representação de Iemanjá é

plena de sentido uma vez que ela é o “orixá feminino dos lagos, mares e fertilidade,

mãe de muitos orixás”212, e cultuada na maioria das religiões afro-brasileiras, não

somente nas duas modalidades afro-religiosas destacadas pelos autores dos livros

escolares em análise.

Se o candomblé “surge” com o desembarque de africanos escravizados

vindos da África do Oeste, do Congo e Angola, a umbanda, por sua vez, é apontada

como uma religião brasileira. Essa explicação consolidada na literatura acadêmica

se repete nos livros escolares de ER.

212

Ibidem, p. 144.

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144

Figura 6 - Preto Velho

Fonte: STEEL, Cultura religiosa, “Umbanda”, p. 145.

Ao lado da ilustração de um preto-velho – sobre o qual não há maiores

informações, a não ser que ele é uma entidade espiritual –, Steel descreve a

umbanda rapidamente em três parágrafos, que exponho a seguir:

Religião brasileira nascida no início do século XX (por volta de 1920), no Rio de Janeiro. Também é uma mistura de crenças e cerimônias (rituais) africanos e indígenas. Tem suas raízes em duas religiões vindas da África: a cabula, dos bantos, e o candomblé, dos nagôs. A umbanda imagina o mundo povoado de entidades espirituais (caboclos, pretos velhos e o espírito dos antepassados). Estes servem de “guias” e aconselham os fiéis, por meio dos médiuns que os incorporam. Entre eles, por exemplo, está a pombajira, uma das figuras mais conhecidas dos umbandistas. A mistura com elementos do catolicismo resulta numa identificação de orixás com santos. Sofre influências do espiritismo, rituais indígenas e mágicas europeias (sincretismo religioso). Segundo o Censo de 2000, há 397 mil seguidores, o que representa uma redução em comparação aos anos 1990, em que eram cerca de 542 mil.213

O que sobressai nesta definição, isto é, o que há de novo, é a referência

à redução do número de adeptos da umbanda, segundo estatísticas citadas, bem

como a menção indireta a Exu – espírito das encruzilhadas, em sua manifestação

213

STEEL, Cultura religiosa, Módulo 2 (Autoconhecimento: necessidade fundamental para a compreensão da existência). “Umbanda”, p. 145; itálicos meus.

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umbandizada ou na vertente mais conhecida como quimbanda. Afinal, no trecho

acima citado, eis que surge a sua contraparte feminina: a transgressora “pombajira,

uma das figuras mais conhecidas dos umbandistas”214 e, certamente, a mais

controvertida.

Observa-se, também, que entre as religiões constituintes da umbanda,

segundo definição de Steel, o candomblé figura não mais como elemento que

“surgiu” no Brasil durante a escravidão. Num abrir e fechar de olhos, ele deixa de

ser um culto afro-brasileiro para tornar-se uma religião vinda da África, tendo

desembarcado no Brasil com os africanos de origem nagô, que, ao lado da cabula

de raiz banto, serve de matriz para a umbanda.

Quanto aos nagôs, os autores de Jeitos de crer seguem com a mesma

interpretação ao afirmarem que o candomblé e a umbanda são “duas religiões de

influência africanas” no Brasil; imediatamente, no mesmo box, dizem que a

umbanda é brasileira, ao passo que o “candomblé chegou ao Brasil” com os

“primeiros escravos de origem africana trazidos pelos portugueses”.215 Vale recordar

que Incontri e Bigheto afirmam que foram os portugueses que trouxeram a “cultura”

e a “religião católica”. Se alguma coisa chegou por aqui durante a empresa

escravista, ela “chegou” de que forma? Veio pronta? Em estágio processual ou

inacabado?

Ambiguidades dessa natureza se repetem no material analítico. Apesar

disso, alguns estudiosos acreditam que a umbanda deriva, de fato, da extinta

cabula, culto de origem banto, cujas reminiscências podem ser encontradas nas

denominações sincréticas do Sudeste. Para alguns pesquisadores foi a cabula

quem originou a macumba carioca que, por sua vez, finalizou na umbanda

(CONCONE, 1987). Mary Karasch, historiadora citada por Sergio Ferretti (2001),

associa a prática umbandista com as religiões curativas de Angola, região de onde

saíram inúmeros cativos destinados ao Brasil.

214

Ibidem, p. 145. O autor emprega o “j” e não com “g” – pombagira –, forma também encontrada na literatura acadêmica e doutrinária. A escrita com “j” remete erroneamente, segundo discurso religioso, ao inquice (nkisi, equivalente a orixá no candomblé angola) Pambu Njila ou Nzila, cujo arquétipo se aproxima do orixá Exu, sendo igualmente associado aos caminhos, fronteiras, encruzilhadas e à mediação entre humanos e inquices. 215

INCONTRI; BIGHETO, Jeitos de crer, 3º ano, cap. 4 (Os orixás que protegem a vida), p. 42.

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146

Entre os dirigentes reunidos no Primeiro Congresso do Espiritismo de

Umbanda, ocorrido em 1941, no Rio de Janeiro, foi defendida a curiosa tese na qual

a umbanda teria surgido na Índia – do sânscrito “aumbhanda” –, de onde teria sido

levada para o continente africano. Se esta tese tivesse vingado, a umbanda teria um

ingrediente a mais em sua mixagem à moda brasileira (ISAIA, 2006). Uma das

finalidades do congresso era uniformizar o ritual e a doutrina umbandistas, no

entanto isto não ocorreu. A “Umbanda difere de Estado para Estado, de cidade para

cidade, de município para município, de vila para vila e de tenda para tenda”, diz

Dom Cirilo Folch Gomes (1976, p. 29).216

Seguindo a presumível direção tomada por outros autores, nos volumes

de Todos os jeitos de crer (Ática), a umbanda reaparece como “proposta brasileira”.

Continua a ser tratada como exemplar do vigor sincrético, síntese das culturas

africana, indígena e europeia, “carregada de valores e qualidades, representados

nas suas personagens” também “presentes nos cultos do candomblé”.217 Ainda

nessa coleção, é dito que alguns terreiros optam em fazer uma “mistura”, de onde

surgiu uma terceira modalidade de culto: “a umbandomblé”, terreiros mistos de

candomblé com culto aos seres espirituais dos “ritos da umbanda”.218

Resultado do “grande número de religiões, o sincretismo religioso

acabou-se tornando comum”, sendo decorrente desta diversidade religiosa, avalia

Ana Vasconcelos, que assina o Manual compacto de ensino religioso.219 Este

processo, prossegue a autora, é utilizado normalmente para nomear o “cruzamento

religioso” que resulta da “fusão de duas ou mais crenças religiosas”.220 No Brasil,

exemplifica, ocorreu a “fusão das religiões africanas, europeias e ameríndias”.221

Fenômeno comum em todo o país, ainda assim, a Bahia de Todos-os-Santos,

conhecida e reconhecida como a Roma negra, meca tradicional do candomblé,

216

Citação extraída do opúsculo Macumba, publicado pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com intuito de “encarar com discernimento a situação criada pelo sincretismo religioso”, de modo a “encontrar pistas para um equilibrado aproveitamento de elementos da religiosidade popular em nossa vivencia eclesial” (ISNARD, 1976, p. 5). 217

INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 3 (Tradições), cap. 3 (A força negra), p. 40. 218

Ibidem, p. 40. 219

VASCONCELOS, Manual compacto de ensino religioso, cap. 2 (O sagrado na vida humana), p. 30; grifado em negrito no original. 220

Ibidem, p. 30. 221

Ibidem, p. 30.

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continua sendo o exemplo de sincretismo religioso afro-brasileiro mais citado nos

livros examinados.

Em sentido literal, o sincretismo poderia ser o tal cruzamento entre

religiões distintas, mas Vasconcelos acrescenta o vocábulo “fusão” em sua

formulação, que mais parece um sinônimo de “cruzamento” do que propriamente

uma consequência ou efeito deste. Isso aponta para a multiplicidade de expressões

empregadas para explicar o mesmo fenômeno ou processo. Nessa definição, as

religiões africanas são apresentadas de forma genérica, assim como a religião dita

“ameríndia”, que, segundo nota de Vasconcelos, refere-se “à religião dos nativos do

continente americano em substituição à palavra indígena”.222

4.2. Religião é católica, a crença é negra

Apesar do que foi exposto acima, pode-se ir além da tese relativa ao

sincretismo afro-católico em apoio à tese da dupla pertença religiosa: ainda que os

orixás tenham relações simbólicas e funcionais com os santos da Igreja, isto não

quer dizer que eles se fundem; o que resulta dessa realidade é o paralelismo entre

ambos. O devoto ou filho de Ogum sabe que este não é São Jorge, ou Santo

Antônio, mas os dois serão alvos de culto em momentos e locais específicos: uma

vela para o santo, outra para o orixá – sem esquecer o caboclo! Esta tem sido a

prática devocional daqueles que vivenciam a aproximação entre o catolicismo

popular e o mundo religioso afro-brasileiro.

No Brasil, o “mecanismo sincrético” é genérica e frequentemente

relacionado ao universo das religiões afro-brasileiras em razão da situação de

desigualdade à qual essas práticas foram submetidas ao longo da nossa história

(ALMEIDA, 2009). No entanto, os livros didáticos de ER não informam aos seus

leitores que o sincretismo nem sempre resulta de um processo harmonioso e

ausente de conflitos – isto é, ele envolve muito mais que “mistura” entre elementos

culturais heterogêneos. O fenômeno sincrético, cabe recordar, “significa também o

fenómeno do encontro e do confronto das religiões”, sendo este um capítulo de

excepcional importância nos estudos das religiões (ADRIANI, 1988, p. 132).

222

Ibidem, p. 30.

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Mesmo a contragosto, muitos antropólogos, sociólogos, historiadores,

cientistas da religião, etc., brasileiros costumam recordá-lo enquanto categoria social

para explicar a composição afro-luso-ameríndia, portanto, sincrética, dos cultos

afros. Ferretti (1995, p. 91), por exemplo, ao realizar uma ampla revisão da

bibliografia do tema, enumera, com base em pesquisas etnográficas no Maranhão,

três variações de significados para este termo: “mistura, junção ou fusão”,

“paralelismo ou justaposição” e “convergência ou adaptação”. Pode haver uma

convergência entre as ideias africanas e de outras religiões a respeito da concepção

de Deus ou paralelismo (e não necessariamente hierarquia) nas relações entre os

santos do catolicismo e os seres espirituais dos cultos afro-brasileiros.

As variações sugeridas por Ferretti não se reduzem à leitura e

interpretação das matrizes culturais que constituem as religiões afro-brasileiras. “O

cristianismo também é múltiplo em suas várias denominações”, explicam os

organizadores da coleção Entre Amigos.223 Parte das “religiões e seitas hoje

existentes mesclam conhecimentos e liturgias variados” oriundos “de dois ou mais

sistemas religiosos que produzem um novo sistema”, como “a santería, de Cuba,

que misturam elementos das religiões tradicionais iorubás (África Central) (...), com o

catolicismo e elementos da cultura indígena local”.224

Para além dos exemplos descritos, é importante observar que o uso mais

alargado da noção de sincretismo tem sido empregado para descrever e explicar as

práticas de outras denominações religiosas. Isto pode ser observado na vertente

carismática e no catolicismo popular e devocional – uma “leitura subalterna” do

catolicismo romano, diriam Brumana e Martínez (1991). A mesma observação pode

ser estendida para o novo pentecostalismo, Santo Daime ou as religiões japonesas

no Brasil (NOVAES, 2001).

A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), por exemplo, incorporou em

seus cultos, elementos rituais e uma legião de espíritos ou entidades supostamente

223

MODERNA, Entre amigos, 9º ano, cap. 6 (O cristianismo contemporâneo), Descobrir [seção]: Diálogo Inter-religioso: Os cristianismos sincréticos, p. 135. 224

Ibidem, p. 135. Há um erro de localização geográfica no trecho destacado. Os povos de origem Ioruba não estão localizados na África Central, e sim na África Ocidental. Durante o tráfico negreiro, eles provinham da antiga Costa dos Escravos, área correspondente aos litorais do Togo, Benin e Nigéria.

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“malignas” oriundas dos cultos afros. Almeida chamou este processo de inversão

simbólica, baseado numa chave estritamente negativa, de “sincretismo às avessas”

(2009, p, 123). A “síntese elaborada [pela IURD] buscou no polo negativo da

religiosidade cristã – o diabo – o elemento equivalente às entidades” – leia-se os

seres supostamente malignos da umbanda e do seu reverso, a quimbanda

(ALMEIDA, 2009, p. 123).

Observamos, assim, o emprego da ideia de equivalência, uma expressão-

chave para a compreensão do sincretismo, mas que pode “disfarçar-se com

sinônimos mais elegantes”, mais ou menos “conflituais”, como “pastiche, patchwork,

marronização, híbrido, mélange, mulatismo, aculturação: todos ligados ao jogo, por

excelência ambíguo, da chamada contaminação” (CANEVACCI, 1996, p. 13; itálicos

no original). Em consonância com as suas dinâmicas, variações e diversas

configurações, o “trabalho sincrético” também pode se realizar enquanto

“bricolagem, reinterpretação, ressemantização, “misturas”, transferências de

matrizes a matrizes, deslizamentos e novas construções” (SANCHIS, 2001, p. 47).

A múltipla identidade religiosa do brasileiro não escapa aos organizadores

de Entre amigos quando afirmam que os praticantes do espiritismo também

“consideram-se cristãos, apesar da Igreja acusarem-nos de rejeitar a Bíblia, os ritos

e a teologia”.225 Não é possível afirmar se há uma acusação por trás deste trecho

entre aspas (consideram-se cristãos, mas praticam o espiritismo!) ou se os autores

ignoram o ethos e a dinâmica religiosa vivida pelos brasileiros.226 Umbandistas e

candomblecistas, por exemplo, também se batizam na Igreja católica e praticam os

sacramentos desta, incluindo os de casamento e morte. Acrescenta-se, ainda, que o

processo iniciático na religião dos orixás é finalizado, em muitos terreiros, com a ida

do neófito (iaô) à missa, sem a qual tal processo ritual permaneceria incompleto.227

225

Ibidem, p. 135. 226

Dentre os “elementos mínimos” constituintes da religiosidade popular brasileira, segundo Lísias Nogueira Negrão, citado em artigo no qual Pierre Sanchis discute os “percursos do sincretismo no Brasil”, estão a “crença em Deus e nos espíritos, a manipulação destes últimos e das demais figuras sagradas intermediárias entre Aquele e os homens, dentro de um contexto moral cristão (...)” (SANCHIS, 2001, p. 19). 227

Além da romaria dos neófitos às Igrejas, da identificação entre santos e orixás, há outros aspectos do sincretismo afro-religioso: o modo de festejar os santos católicos sincretizados; a superposição dos calendários religiosos; a ressignificação dos dias da semana (sexta-feira é dia do Senhor do Bonfim e de Oxalá também); a lavagem das escadarias de Igrejas e de outros espaços públicos; as missas rezadas em memória dos mortos etc. (CONSORTE, 2004).

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O sincretismo também é citado, no mesmo volume de Entre amigos, como

constituinte das “práticas cristãs" condenadas, ao longo de sua história, pela Igreja

como “heresia” e “desvios de fé”, tais como a rosa-cruz (“uma seita de origem cristã”)

e a maçonaria, que “desenvolveram um sistema religioso mesclado com astrologia,

magia e cabala judaica”.228 O mesmo fraseado é empregado durante a explanação

dos “ritos” surgidos com a expansão do cristianismo nas Américas, Ásia e África,

cujas populações adaptaram suas tradições locais aos “rituais cristãos”. Dos

resultados oriundos deste processo está o mencionado “catolicismo popular”

amalgamado por “diversos ritos da cultura local [ou regional], aceitos pela Igreja

depois do Concílio Vaticano II”.229

Dentre muitas alternativas tidas como sincréticas, os organizadores de

Entre amigos ainda decidem analisar dois exemplos de “sincretismo cristão”: o

primeiro deles resultado da imigração europeia nos EUA – os mórmons da Igreja de

Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias; e o segundo refere-se ao candomblé,

religião de “origem negra, criada pelos afro-americanos descendentes de escravos

trazidos para o nosso continente”.230

Interessa-me o segundo exemplo – candomblé – seguido por três

ilustrações. A primeira é uma litografia do século XIX – escravos numa fazenda de

cana-de açúcar. A segunda é uma escultura do orixá da guerra – Ogum

empunhando sua espada – instalada no Dique do Tororó (Salvador/BA), cujo artista

plástico, Tati Moreno, não é mencionado no texto que o acompanha.231

228

MODERNA, Entre amigos, cap. 6 (O cristianismo contemporâneo), Descobrir [seção]: Diálogo Inter-religioso: Os cristianismos sincréticos, 9º ano: ensino fundamental, p. 135. 229

Ibidem, p. 135. 230

Ibidem, p. 135. 231

Ibidem, p. 135.

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Figura 7 – Ogum

Escultura de Tati Moreno (Dique do Tororó, Salvador/BA)

Fonte: EDITORA MODERNA. Entre amigos. São Paulo: Moderna, p. 135.

A terceira é uma fotografia de um grupo de “mulheres em ritual de

Candomblé”, também em Salvador, conduzida pela mãe-de-santo que segura o adja

(campânula de metal, um símbolo de poder e chamamento dos orixás),

acompanhando uma filha-de-santo incorporada.

Figura 8 – Mulheres em ritual de candomblé

Fonte: EDITORA MODERNA. Entre amigos. São Paulo: Moderna, p. 136.

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Assim como na imagem de Ogum, cuja legenda assinala a

correspondência entre este orixá e São Jorge ou Santo Antônio, os organizadores

de Entre amigos repetem informações previsíveis: a chegada dos africanos

escravizados ao Brasil, a preservação das suas “religiões” e “traços de identidade”, o

batismo e a adoção do catolicismo obrigatório. Também citam que os africanos

recém-chegados enxergavam seus deuses ancestrais “por trás das imagens dos

santos católicos”, que receberam atributos dos orixás. Disto decorre a associação

entre São João e Xangô, Santa Barbara e Iansã, Nossa Senhora e Iemanjá.232

Numa escrita da qual se extraem novos equívocos é dito, no mesmo

capítulo de Entre amigos, que “as duas maiores religiões afro-brasileiras são o

candomblé, trazido por escravos iorubás, jejes e bantos, entre os séculos XVI e XIX”

– criminalizado como “bruxaria pela Igreja e autoridades civis” –, e a umbanda, “de

criação mais recente”, forjada através da união de elementos diversos. Nenhuma

referência é feita ao indígena brasileiro, associado ao orixá Oxóssi e aos espíritos

caboclos, sem os quais dificilmente algum adepto reconheceria a umbanda como

uma genuína “proposta brasileira”.233 Observa-se, ainda, que os organizadores de

Entre amigos tinham a prática umbandista como “seita” ou “ramo”; mas agora, na

mesma seção reservada às “formas de sincretismo cristão”, ela passa de “sistema

religioso” autônomo para vertente do “espiritismo” (de umbanda) ou “espiritismo

sincrético de origem afro-brasileira”.234

Quem aponta outra percepção a esse respeito são os autores de Todos

os jeitos de crer quando avaliam que a aproximação entre umbanda e espiritismo

pode ofender os seguidores da “doutrina” de Kardec. É que a matriz francesa do

kardecismo não apresenta nenhum parentesco ou proximidade cultural com os

“rituais afro-brasileiros”, apesar de espíritas e umbandistas reconhecerem a

mediunidade – “capacidade de se comunicar com o mundo invisível” – enquanto

elemento comum de suas práticas religiosas.235 Vale recordar que após a

proclamação da primeira República e do Código Penal Brasileiro de 1940,

232

MODERNA, Entre amigos, cap. 6 (O cristianismo contemporâneo), Descobrir [seção]: Diálogo Inter-religioso: Os cristianismos sincréticos, 9º ano: ensino fundamental, p. 137. 233

INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 3 (Tradições), cap. 3 (A força negra), p. 39. 234

MODERNA, Entre amigos, cap. 6 (O cristianismo contemporâneo), Descobrir [seção]: Diálogo Inter-religioso: Os cristianismos sincréticos, 9º ano: ensino fundamental, p. 135. 235

INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 3 (Tradições), cap. 3 (A força negra), p. 40.

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empregava-se o termo “baixo espiritismo” como designativo para os cultos

mediúnicos marginalizados, que criminalizavam as práticas de curandeirismo e

charlatanismo (CEERT, 2004).

É inegável o desconforto em relação ao sincretismo religioso afro-

brasileiro justamente porque há adeptos religiosos que não admitem “que as

diferentes correntes [modelos de candomblés] usem elementos do espiritismo ou do

catolicismo”, ao passo que outros defendem não só o uso como também a “mistura”

de elementos religiosos provenientes da diversidade e pluralidade étnico-cultural

brasileira.236 Para estes, o sincretismo “é próprio do Brasil e um fator positivo de

tolerância e popularização das crenças”.237

Este mito de criação da nação brasileira por meio do sincretismo religioso

entre os três grupos que a compõem é uma estratégia discursiva recorrente nas

fontes em análise. Porém, “não há igualdade de representação nesse que poderia

ser um espaço rico para se explorar o sincretismo ou a convivência entre os grupos

religiosos no país”, assinalam Diniz e Lionço (2010a, p. 83). No entanto, a

convivência não pode ser sinônimo de pacificidade. Frente aos resultados positivos

ou negativos, o fenômeno ou processo sincrético comporta, e encobre, outra face: a

do conflito entre iguais e diferentes.

Quanto a isso, recordam Incontri e Bigheto que, ao desembarcarem no

Brasil, os portugueses encontraram os índios238, que “tinham suas próprias crenças

e rituais” e “donos de uma cultura riquíssima”; os colonizadores do Brasil trouxeram

a “cultura do europeu” e “a religião católica com os missionários jesuítas”.

Posteriormente, chegaram os “negros” ou “africanos”, que trouxeram seus “costumes

e crenças”, suas “culturas ricas e variadas”. Não obstante a “influência poderosa dos

portugueses, a cultura dos colonizadores não conseguiu apagar a dos índios e dos

africanos. Na verdade, ela se misturou a essas culturas”.239

236

Ibidem, p. 40. 237

Ibidem, p. 41. 238

Para Diniz e Lionço (2010a, p. 83), a função dos índios nos livros de ER é meramente retórica, uma vez que representam, assim como os povos e culturas africanas, o elemento não-cristão da matriz religiosa brasileira. Os indígenas do Brasil, escreve um dos autores da coleção Redescobrindo o universo religioso, “são animistas, ou seja, tudo tem alma, Deus está em tudo, nas árvores, nas pedras...” (PEREIRA, 2012, p. 36). 239

INCONTRI; BIGHETO, Jeitos de Crer, 5º Ano (Mudando o mundo), cap. 3 (Os povos precisam se unir), p. 41.

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Estas citações merecem o devido destaque. Um dos resultados da

pesquisa de Diniz, Lionço e Carrião (2010) revela a discrepância em relação ao

espaço de representação que os livros didáticos de ER reservam para as religiões

não-hegemônicas. Consequentemente, esta desigualdade fortalece o predomínio

cristão, notadamente em sua vertente católica. Em meio a isto, as religiões afro-

brasileiras nem sempre são citadas como religiões, e sim “costumes e crenças”

herdadas de antigos africanos, sem nenhum registro sobre suas particularidades

rituais, hierarquias, lideranças religiosas etc. Isto impede, inclusive, que o estudante-

leitor descubra o dinamismo próprio das comunidades-terreiro, que as mesmas

nunca estiveram alheias às transformações ocorridas no mundo secular, mas que

vêm garantindo, mesmo assim, a continuidade das variações regionais de culto afro-

brasileiro.

Outra ocorrência de fundamental importância, também observada por

Diniz e Lionço, diz respeito à existência de uma superposição entre raça, etnicidade

e pertencimento religioso que age “como uma camada corporal à cultura e à etnia –

negros representam o candomblé, muçulmanas usam véu e indianas, sari” (DINIZ;

LIONÇO, 2010a, p. 85). Essa linearidade entre religião e pertença étnico-racial num

único sujeito, numa só individualidade ou corporalidade, é explicitamente perceptível

nas ilustrações dos exemplares da Ática, Paulinas e Vozes. Em Jeitos de crer, há

[...] uma turma de crianças brasileiras de variadas origens étnicas que estudam numa escola diferente [baseada na Escola da Ponte] viaja no tempo e no mundo para conhecer diversas culturas e diversas formas de fé, aprendendo a lição de que todos fazemos parte da vida humana.240

Muhamed, Davi, Mirela, Susi, Uirá e Bantinho sãos os viajantes da

“Escola da Tia Sofia”. Como “bons brasileiros”, eles “descendem de povos

diferentes, mas se dão muito bem, porque se respeitam e se gostam!”.241 Algumas

páginas adiante do primeiro volume, há uma ilustração desses personagens infantis:

Uirá, o índio do grupo, gosta da natureza “verde colorida, cheia de sons e de vida”,

toma banha de rio, tendo ao fundo uma floresta; Bantinho, o viajante negro da turma,

240

Idem, 1º ano (Sendo gente), contracapa. 241

Idem, Apresentação, p. 3.

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diz ter “uma vida boa”, que adora “música e dança”, ouve música num fone de

ouvido; Susi, a oriental, abraça um coração e, num ato de devaneio, vê-se adulta,

casada e carregando um bebê nos braços; Mirela (branca) tem um livro aberto sobre

as mãos; Davi (branco) está diante de um computador, visto que “adoro aprender,

saber de tudo, pesquisar e matar a curiosidade”; Muhamed estuda numa

escrivaninha, ama “poesia” e “as palavras bonitas e rimadas”.242

Quanto a Bantinho, nota-se que o nome escolhido para este personagem

mirim é um diminutivo de banto: povos da África Central, em especial das regiões do

Congo e Angola, aqui desembarcados durante os séculos de tráfico negreiro.

Presume-se que a escolha deste nome para o único personagem negro da turma

não tenha sido aleatória. Ora, Bantinho é neto de “Pai Oru”, um “senhor negro, muito

velho e muito simpático”, um “pai-de-santo”, mas que fala somente “em nome da

tradição iorubá” (lembremos, ele fala nestes termos para um público infantil), tem

cabelo branco, suas vestes também são brancas e foi à escola conversar com as

crianças “sobre os orixás, os deuses da religião africana [ou melhor, do candomblé

nagô-queto]”.243

Nesta mesma direção, nos exemplares do 1º ao 4 ano de Redescobrindo

o universo religioso, o equivalente negro da turma chama-se Rodrigo, apresentado

aos leitores no capítulo “Um mundo tão diferente”, composto por continentes, países,

estados, cidades e outras localidades onde “moram muitas famílias”.244 Uma delas é

a própria família do Rodrigo – apenas sua mãe e a irmã Letícia, negras e praticantes

do candomblé.

Essa percepção difundida nos livros didáticos de ER impede que as

religiões afro-brasileiras sejam mostradas enquanto religiões de conversão universal,

praticadas por adeptos não-negros. No entanto, não há pais ou mães-de-santo

brancos nessas publicações, nem mesmo as tentativas de positivação da

diversidade, a fim de inseri-la em um diálogo inter-religioso, “o resultado pode ser um

esquadrinhamento da ordem social onde cada grupo deve ter a sua religião de

acordo com sua inserção étnica ou nacional” (DINIZ; LIONÇO, 2010a, p.85).

242

Idem, cap. 1 (Viver é muito bom!), p. 10-11. 243

Idem, 3º ano (Vivendo a vida), cap. 4 (Os orixás que protegem a vida), p. 37. 244

DALDEGAN, Redescobrindo o universo religioso, vol. 1, cap. 1 (Um mundo tão diferente), p. 11.

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Outro aspecto relevante de certo modo atrelado ao que foi dito tem a ver

com outro fenômeno muitas vezes colado ao sincretismo: o trânsito inter-religioso de

sujeitos que deambulam pelo campo religioso, desenvolvem um interesse por

práticas religiosas diversas, mas não se alienam em relação a nenhuma delas.

Sobre isto, num dos volumes de Jeitos de crer, é possível ler que “uma pessoa

[pode] ser católica, mas também frequentar um centro espírita; outra vai a um culto

evangélico, mas se interessa pelo estudo do budismo, e assim por diante”.245

Esse trecho, presente em um volume destinado aos estudantes de nove

anos de idade, sinaliza a ideia de pertencimento: a pessoa pode ser católica, mas

frequentar duas, três ou mais religiões próximas ou distintas, pouco importa. Em

segundo lugar, indica que religião não é somente prática, mas também “estudo”. Não

é qualquer religião a ser estudada por qualquer agente religioso, e sim por alguém

que “vai a um culto evangélico” (este “vai” mantém-se ancorado à ideia de trânsito),

mas que se interessa pelo “budismo” descrito nos livros de ER como “religião” ou

“sistema filosófico”. Mesmo com finalidade espiritual, o ato de filosofar requer, por

suposto, algum estudo e reflexão, sendo o budismo caracterizado por orações,

meditações e outros ensinamentos que visam à “superação do sofrimento com o

objetivo de atingir o nirvana através de disciplina, mente e vida correta”.246

Posto isso, alguém poderia indagar se esse movimento revelador de

novos comportamentos e adesões religiosas pouco institucionalizadas ou

exclusivistas, resultaria, inevitavelmente, na criação (e também recriação) de novos

sincretismos. Será possível manter o trânsito entre religiões diversas – nem sempre

díspares ou totalmente desconexas –, sem que haja algum grau de fusão entre

elas? Sobre isso, também indaga Regina Novaes: “(...) para que a ‘mistura’ possa

dar lugar a algum tipo de sincretismo, (...) basta que haja encontros e elementos

culturais disponíveis?” (2001, p. 200). Em outros termos, até que se prove o

contrário, é pouco provável que, mesmo em terra de sincretismo, a ida evangélica a

um templo budista possa resultar num buddhismevangelical.

245

INCONTRI; BIGHETO, Jeitos de crer, vol. 4 (Buscando Deus), cap. 4 (Deuses da Bahia-de-Todos-os-Santos), p. 48. 246

VASCONCELOS, Manual compacto de ensino religioso, cap. 3 (Religiões universais), “Budismo”, p. 56.

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157

4.2.1 Da “saída do iaô” ao descarrego de umbanda

Em razão do conteúdo organizado conforme os cincos eixos do modelo

fonaperiano (culturas e tradições religiosas; oralidade e textos sagrados; teologias;

ritos; ethos), os volumes de Redescobrindo o universo religioso (Vozes) reúnem

novos conteúdos relativos à religião dos orixás, incluindo o processo de iniciação

nas comunidades-terreiro. Os conteúdos discorrem sobre a culinária e oferendas

rituais; a liderança religiosa exercida por mães e pais-de-santo, que agem como

conselheiros e mediadores; o senso de pertencimento à comunidade, dos laços

entre o grupo e os ancestrais.

Num dos títulos encontram-se trechos sobre os ritos mortuários nos

candomblés, acompanhados por citações míticas que se reportam a Iansã, orixá

feminino “responsável por levar o espírito dos que morrem ao Orum, considerado o

lugar onde habita o criador”.247 Além disso, a mesma Redescobrindo...destaca,

ainda, a oralidade como forma de aprendizagem dos valores, preceitos e

conhecimentos necessários à experiência religiosa (danças litúrgicas, ritmos e

cantos de cada orixá etc.), recebidos e retransmitidos por meio da prática interna.

Esta “pedagogia religiosa” teria como “base a integração homem/natureza,

indivíduo/comunidade, comunidade/sociedade”.248

Redescobrindo... é a única coleção que aborda, com recurso visual, o

fenômeno da possessão no candomblé: “modo de se encontrar com os Orixás (...)

por meio da música tocada, cantada e dançada ao som de atabaques”.249 O volume

quatro, cujo tema de um dos capítulos é a “Iniciação na comunidade religiosa”, trata,

ao lado de exemplos oriundos de outras religiões, da cerimônia ritual na qual o(a)

neófito(a) no candomblé é publicamente apresentado para a comunidade religiosa

na qual um dia se filiou como filho ou filha-de-santo.

A figura 9 apresenta uma ilustração fotográfica em que mostra dois iaôs

usando vestes e colares rituais, com seus corpos estirados no chão, batendo palmas

247

POZZER, Redescobrindo o universo religioso, vol. 9, Unidade 4 (Após a morte a vida continua?), cap. 1 (Niilismo, ancestralidade indígena e africana), p. 52; itálicos no original. 248

Idem, Redescobrindo o universo religioso, vol. 8, Unidade 4 (O jovem: diferenças e discernimento), cap. 2 (Discernimento e Tradições Religiosas), p. 54. 249

DALDEGAN, Redescobrindo o universo religioso, vol. 1, Unidade 2 (Aprendendo grades lições), cap. 2 (Encontro com o sagrado), p. 28.

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(paó) no centro do terreiro – local onde, geralmente, estão plantadas as substâncias

rituais associadas a cada um dos orixás cultuados no candomblé.250

Figura 9 – “Saída de iaô” (candomblé)

Fonte: POZZER, Redescobrindo o universo religioso, vol. 9, p. 15.

Trata-se de uma cerimônia pública, de caráter conclusivo do rito de

iniciação, no qual o iniciado (iaô), em estado de possessão pelo seu orixá,

ritualmente paramentado com vestes e colares rituais, é apresentado para a

comunidade religiosa e convidados em dia de festa. Na etapa que antecede a saída

pública, o crânio do iniciado é raspado e pintado com cores simbólicas, bem como

“outras partes do seu corpo também marcadas com incisões (curas) que, além de

permitir a passagem do orixá, estreitam, na carne, o vínculo com a África mítica”

(SANTOS; RIGONI, 2012, p. 290).

Ainda relacionado ao tópico anterior, o fenômeno da possessão ritual,

considerado o ápice das liturgias afro-brasileiras, reaparece em outro volume de

Redescobrindo... onde é dito aos leitores que os orixás incorporam em seus filhos

(ou duplos) no mundo terreno “para fortalecer o axé (energia vital) que protege os

terreiros e seus membros”.251 É dito que na umbanda, os médiuns incorporam o

espírito de alguma entidade espiritual “para fazer consultas e dar passe” – gestual

realizado através da imposição das mãos ou pelo estalar dos dedos em volta do

250

PEREIRA, Redescobrindo o universo religioso, vol. 4, Unidade 1 (Sou religioso?), cap. 1 (A iniciação na comunidade religiosa), p. 15. 251

POZZER, Redescobrindo o universo religioso, vol. 6, Unidade 4 (Textos sagrados na formação religiosa das comunidades), cap. 2 (Práticas religiosas), p. 48.

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corpo do consulente, cuja finalidade pode ser tanto a “movimentação das energias

do universo onde a pessoa se dirige ao espírito”, quanto um ritual de limpeza ou

purificação.252

Esse é o caso da representação abaixo, então veiculada num dos títulos

de ER da católica Editora Paulinas.

Figura 10 – “Limpeza ritual” (umbanda)

Fonte: CARNIATO, Maria Inês. Nossa opção religiosa, 8º ano, p. 51.

Diante desta imagem é impossível esquecer que não existe neutralidade

em matéria de educação. Isto vale para o processo de escolha dos recursos

iconográficos que objetivam expandir a leitura de um texto didático. A representação

visual encerra uma mensagem denotativa e conotativa. A primeira consiste na

percepção dos elementos gráficos ou visuais que a compõem e este exercício situa-

se ao nível da descrição literal do conteúdo representado ou retratado. A segunda

leitura corresponde às evocações ou associações que ultrapassem o sentido

expresso nos elementos retidos durante a fruição estética – essas experiências

estéticas, incluem, obviamente, o livro didático enquanto “mídia de massa”

252

Ibidem, p. 48.

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responsável pela veiculação de discursos e representações visuais (MORAND,

2012).

A explicação proposta por Maria Teresa Alvarez Nunes, aqui rapidamente

resumida, é nítida! Segundo a autora, a imagem tem a façanha de esconder e

revelar-se ao mesmo tempo e sucessivamente. A seleção de uma imagem envolve

visões de mundo, crenças, vivências pessoais, pressupostos teóricos, valorativos e

éticos, os quais, por si só, já determinam a escolha e o próprio direcionamento

pretendido. Esse processo pode condicionar e orientar “a construção, a percepção, a

interpretação e a atribuição de sentido à imagem” (NUNES, 2008, p. 106).

Se admitido que num livro didático a imagem não pode ser meramente

decorativa, mas que deve encerrar funções cognitivas, incluindo a de despertar

emoções e atitudes, fornecer subsídios que agucem o interesse do leitor etc., o que

reter, portanto, da ilustração que revela o rito de purificação umbandista (leia-se

também rito de descarrego) agora retomado? Ela apresenta alguma “analogia” com

o texto abaixo sublinhado, que lhe serve de complemento?

Decisão pela vida

As tradições religiosas procuram lidar com os mistérios da liberdade e do sofrimento. Vários símbolos e analogias aparecem nos textos sagrados orais e escritos, em relação à origem e às consequências dos males. Algumas tradições falam em deuses da morte, opositores do Criador, empenhados na destruição. Outras falam de espíritos e de entes cujo trabalho é provar as pessoas, para que exercitem a liberdade nas opções pela vida e pelo caminho de Deus. É impossível compreender com clareza o sentido do mal, da dor, do sofrimento, e da morte. [...] O mal pode atingir o íntimo de uma pessoa, mas, ao mesmo tempo, faz parte da condição humana a capacidade de lutar contra a tendência ao mal, o egoísmo, a injustiça, ganância, o ódio e tudo o que prejudica a si e aos outros. As tradições religiosas ensinam que Deus quer a libertação da pessoa [...].253

Como ressaltado por Albuquerque (2004, p. 145), os livros didáticos da

Paulinas expõem certos “rituais e festas de maneira a torná-los repugnantes, como

os ritos de iniciação”. No rodapé da imagem apresentada acima há uma legenda que

253

CARNIATO, Nossa opção religiosa: 8º ano, professor. São Paulo: Paulinas, p. 51; grifos meus.

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informa a batalha contra os “espíritos negativos” comandada por uma velha

madrinha de santo254 num dia de festa para Iemanjá. Entre os detalhes da cena

fotografada, percebe-se o barco diminuto usado para transportar as oferendas da

deusa marítima antecedido por garrafas de champanhe – bebida ritual da linha das

pombagiras.255 Observa-se, por um lado, o uso de uma linguagem pretensamente

compreensível para o leitor adolescente; por outro, em nenhum momento este

mesmo leitor, que pode ser inteiramente leigo no assunto, é auxiliado durante sua

interação com os elementos visuais da cena religiosa retratada versus o texto que

lhe acompanha – registra-se que é pouco provável que algum umbandista empregue

a expressão “lavagem” como sinônimo de limpeza e/ou purificação espiritual.

Livros didáticos não se transformam em instrumentos pedagógicos do

nada, uma vez que existem justificativas ou motivações que precisam ser

identificadas – por exemplo, a diretriz editorial ou educativa a qual uma determinada

coleção encontra-se vinculada (AZEVEDO, 2005). Sem abandonar a discussão

anteriormente desenvolvida, e reconhecendo os limites impostos ao livro escolar

enquanto objeto cultural complexo, reitera-se que este capítulo não deve ser lido

como empreendimento de denúncia. Ele está mais para diagnóstico a respeito do

que se veicula nas fontes descritas do que propriamente uma caça às bruxas.

Contudo, não se pode negligenciar a crítica aos erros e desatenções

conceituais presentes em livros didáticos de modo geral, não exclusivamente nos

manuais de ER. Em relação ao material bibliográfico examinado, há, quiçá, uma

recusa ou mesmo desinteresse deliberado entre os autores em não se obter

informações menos genéricas sobre as religiões afro-brasileiras. Informações que

ultrapassem o estilo dicionaresco para mostrá-las como religiões vivas e sociedades

254

Expressão registrada durante diálogo com uma velha senhora umbandista, cujo Templo do Caboclo Pele Vermelha está localizado na Zona Leste de São Paulo, próximo ao Cemitério da Vila Formosa. Ela rejeitava qualquer associação entre umbanda e candomblé, por isso preferia o termo “madrinha”, ao invés de mãe-de-santo, que remete ao segundo. A diferença entre ambos é mínima, pois se originam de mater – mãe em latim –, sendo a madrinha uma espécie de segunda mãe. No âmbito dos terreiros, independente da modalidade praticada – umbanda ou candomblé –, tanto a mãe-de-santo quanto a madrinha exercem papeis rituais semelhantes, de liderança religiosa. 255

Os umbandistas “cultuam, além dos orixás e santos católicos, inúmeros guias, espíritos ou entidades que, segundo discurso religioso, tiveram vida terrena, mas que retornam ao mundo dos homens incorporando em seus médiuns para orientar, aconselhar ou guiar através de seus poderes e conhecimentos mágico-curativos. Eles são agrupados em linhas, falanges ou legiões (de espíritos) lideradas por um orixá ou um santo católico que, ao atuar dentro de uma determinada faixa ou corrente vibratória, desempenham funções específicas” (SANTOS, 2012, p. 15; itálicos no original).

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religiosas reelaboradas na diáspora, nunca fixas ou estáticas. Afinal, é deste modo

que elas têm interagido, ao longo dos séculos, com as transformações histórico-

sociais advindas de fora, mas sem perder o elo com o passado fundador.

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CAPÍTULO 5

COSTUMES, CRENÇAS E RITOS:

PERCEPÇÕES SOBRE RELIGIÃO E ENSINO RELIGIOSO EM ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DOS MUNICÍPIOS DE SÃO PAULO E CAMPINAS/SP

Este capítulo discute dados coletados em trabalho de campo que teve

como objetivo investigar como o modelo de ER legalmente regulamentado no Estado

São Paulo tem sido implementado em sua rede pública de ensino fundamental. A

pesquisa foi desenvolvida em escolas que homologaram turmas de ER entre 2012 e

2015. Essas escolas estão geograficamente localizadas em áreas onde residem

majoritariamente populações de baixa renda dos municípios de São Paulo e

Campinas/SP.

A pesquisa de campo teve duas dinâmicas. A primeira foi o

acompanhamento das aulas de ER para um contato mais direto com os professores

e estudantes matriculados nesse tipo de ensino. A segunda foi o registro das

percepções de diretores, vice-diretores, coordenadores pedagógicos, professores e

estudantes, a respeito do ER inserido no horário normal das escolas públicas da

rede estadual paulista.256 Nesse sentido, a investigação teve como foco reunir as

opiniões sobre o caráter facultativo e o designativo “religioso” que distingue o ER das

matérias do currículo básico (português, matemática, história...). Também busca

compreender a concepção de religião que permeia o ER e qual lugar este

componente curricular reserva para as religiões não hegemônicas, aqui

representadas, repito, pelas religiões afro-brasileiras.

A seleção das escolas, tanto em São Paulo quanto em Campinas, teve

por base alguns parâmetros, dentre os quais a confirmação da existência de turmas

de ER nas unidades visitadas, autorização do grupo gestor para a execução da

pesquisa, aceite do(a) professor(a) responsável pela disciplina, localização, horário

256

Por “horário normal”, leia-se que o ER é oferecido durante o período de permanência do aluno na escola. Alguns servidores afirmaram que o horário normal é o período de funcionamento integral da escola. A Deliberação CEE nº 16/2001 permite o ensino confessional em escolas estaduais paulistas, porém ministrado fora do horário normal, sob execução das autoridades religiosas, mediante autorização prévia da gestão escolar, após avaliação do conteúdo pelo Conselho de Escola e autorização expressa dos pais ou responsáveis. O artigo 244 da Constituição do Estado de São Paulo (1989) também determina que o ER público tenha caráter facultativo.

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das aulas.257 Sendo o ER paulista restrito aos alunos do 9º ano (antiga 8ª série),

com apenas uma aula semanal, frequentemente “prejudicada” (expressão usada nas

secretarias) por motivos diversos (feriados, falta de professores, aula preenchida

com atividades de outra matéria etc.), optou-se pelas escolas que apresentaram ao

menos duas aulas consecutivas de ER (“dobradinhas”) no mesmo dia e,

preferencialmente, no mesmo turno.

Antes da chegada às escolas nas quais o trabalho de campo foi realizado,

alguns levantamentos preliminares foram feitos, tais como o acesso aos websites da

SEE-SP (Secretaria de Estado da Educação), incluindo suas Diretorias Regionais de

Ensino de São Paulo (capital) e Campinas. Estes levantamentos iniciais

possibilitaram localizar as escolas com turmas de ER formadas nos últimos anos nos

dois municípios.

Em 2012, início da pesquisa empírica, o levantamento obtido nas 13

Diretorias Regionais de Ensino da capital paulista informava que 70 escolas

estaduais apresentaram aulas de ER.258 Destas escolas, 38 estavam localizadas em

distritos do extremo Sul de São Paulo; 19 na Zona Leste; cinco em bairros da região

Centro Sul (Ipiranga, Cambuci, Vila Moraes, Arapuá e Jardim Patente); cinco na

Zona Norte (Jardim São Paulo, Vila Guilherme, Casa verde, Chora Menino, Jardim

Peri) e três na região Centro-Oeste (Rio Pequeno, Lapa Vila Sonia).259

Partindo desse mapeamento, a pesquisa prosseguiu selecionando duas

destas escolas, relativamente próximas, ambas localizadas na Zona Norte de São

Paulo. Uma delas foi sugerida pela diretora do Núcleo Pedagógico da diretoria de

ensino local. A escola havia sido indicada, numa ocasião anterior, para um canal de

televisão paulista que realizou uma série de reportagens sobre Religião e Estado

laico. Numa das pautas estava o ER em escolas públicas.

257

Em cumprimento ao anonimato acordado entre pesquisador, professores, alunos e equipes de gestão escolar, as identidades dos sujeitos e os nomes das escolas serão preservados. Dentre os documentos utilizados em campo, estão uma carta de apresentação geral da pesquisa (assunto, objetivos, recorte empírico, metodologia etc.) e um termo de consentimento de entrevista. 258

Diretorias de Ensino de São Paulo (capital): Centro, Centro Oeste, Centro Sul, Leste 1, Leste 2, Leste 3, Leste 4, Leste 5, Norte 1, Norte 2, Sul 1, Sul 2 e Sul 3. 259

Importante ressalvar que a confirmação desses números não foi concretizada por todas as diretorias de ensino, em especial as diretorias das regiões Sul 1 (32 escolas) e da Leste 1 (13 escolas), cujos números despontam em relação às demais áreas citadas.

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A partir de 2013 o trabalho de campo foi iniciado no município de

Campinas, então composto por duas Diretorias de Ensino citadas anteriormente – a

Região Leste (DECLESTE) e a Região Oeste (DECOE).260 Somente as escolas

abrangidas pela segunda registraram turmas de ER nos últimos anos. Em 2013

foram oito escolas registradas. No ano seguinte, esse número diminui para sete. A

ocorrência do ER em escolas públicas estaduais campineiras tem ocorrido,

sobretudo, em bairros de afastados da região central. A pesquisa se concentrou em

duas unidades escolares da região Oeste.

Não se pode afirmar, contudo, que o ER seja uma demanda exclusiva do

alunado campineiro, dos pais ou responsáveis legais. Em certos casos, pôde-se

concluir que o grupo gestor (direção e vice-direção) parecia tomar a decisão de

inserir o ER no horário das turmas do 9º ano, pautado na aposta de que tal

disciplina tem como propósito a transmissão de valores éticos e morais. Ou seja, o

ER poderia minimizar o quadro de violência e indisciplina escolares. Essa

percepção difusa tende a reforçar a crença na religião enquanto “solução ou

antídoto para os males sociais” e instituição capaz de exercer um controle social

sobre os “jovens de hoje” – “desorientados”, “sem valores”, “sem referências”

(CAVALIERI, 2007, p. 312).

A escolha pelo trabalho de campo também em Campinas ocorreu em

virtude do Núcleo Pedagógico da DECOE oferecer, há mais de dez anos,

Orientações Técnicas (OTs) exclusivas para o aperfeiçoamento dos professores de

ER.261 Os participantes dessas atividades de caráter formativo e permanente são

convocados mediante envio de “Ofícios” encaminhados às escolas, sendo essas

convocações publicadas no Diário Oficial do Estado de São Paulo – fonte de dados

também consultada durante a fase anterior à chegada às escolas.

260

Encaminhei uma solicitação para a Assessoria de Gabinete da DECLESTE, onde perguntei sobre os motivos desta diretoria não ter escolas com turmas de ER nos últimos anos – as últimas turmas foram formadas em 2009. Havia algum motivo que explicasse esse “desinteresse” pelo religioso? Não obtive retorno da Assessoria e a situação permanece sem explicação. Procurei alguma pista pessoalmente, no primeiro semestre de 2015, durante as conversas informais com os supervisores de ensino da DECLESTE, que ficaram confusos e tampouco souberam fornecer uma informação mais segura, apesar de cada um deles ser responsável por um número determinado de escolas, as quais acompanham e supervisionam ao longo do ano letivo. 261

Trata-se de um diferencial em relação às trezes diretorias de ensino paulistanas, nas quais não obtive nenhuma informação sobre atividades de formação continuada dirigida aos professores de ER.

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Durante a pesquisa empírica, tive a oportunidade de acompanhar as OTs

ocorridas na DECOE em dois anos consecutivos, nos meses de março de 2013 e

2014. Isto possibilitou que eu me aprofundasse no conhecimento da legislação

estadual que regulamenta a proposta de ER paulista, bem como dos conteúdos

específicos e cuidados exigidos do professor que assume essa disciplina. Os

principais cuidados são relacionados à visão de mundo dos professores, sua

perspectiva moral e religiosa. Em tais ocasiões também foi possível obter os dados

necessários à continuidade do trabalho de campo: endereço das escolas com salas

de aula de ER constituídas, turnos, horários e professores que assumiram as aulas

de ER no período informado. Assim, foi possível decidir quais professores entrevistar

e reunir dados referentes às suas trajetórias na rede estadual de ensino e o que

pensavam sobre o ER de caráter público.

Posto isso, apresento a seguir uma explanação geral, necessária ao

entendimento da regulamentação do modelo de ER adotado em São Paulo. Foram

utilizados os dados de campo obtidos em normatizações estaduais e circulares

emitidas em diretorias de ensino orientando a formação de turmas de ER. Para

conhecer os conteúdos previstos na legislação paulista que regula o ER, e saber se

eles estavam sendo implementados, consultamos as brochuras de ER da SEE-SP,

os planejamentos de aulas e diários de classe disponibilizados pelos professores

entrevistados, e analisamos as informações obtidas através de conversas informais

e aplicação de questionários com docentes e gestores escolares.262 Este é o trajeto

de pesquisa desenvolvido a seguir.

5.1. A religião no espaço público da escola

Vimos na abertura desta tese que há um vasto repertório de legislações e

referências bibliográficas que ajudam a compreender os embaraços

262

Somando os dois municípios investigados, 14 professores de ER foram entrevistados, sendo 6 em São Paulo (capital) e 8 em Campinas. A entrevista ocorreu por meio de aplicação de questionário e, em alguns casos, através de conversas gravadas preservando-se o mesmo roteiro do questionário (ver Apêndice D). Do total citado, 9 professores eram licenciados em história, 2 em filosofia, 1 em geografia, 1 em teologia, 1 em Recursos Humanos. Este último entrevistado, especializado em Logística (curso também realizado na Universidade Paulista (UNIP), onde trabalhou no setor de recursos humanos), estava desempregado ao efetuar o cadastro para contratação temporária de professores da rede estadual de ensino. Mesmo sem formação específica em ciências humanas, no ano letivo 2014, ele assumiu as aulas de história e ER na mesma unidade estadual localizada na região Oeste de Campinas.

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epistemológicos, políticos e religiosos referentes aos processos de regulamentação

do ER em diferentes regiões do Brasil. Isto vale, portanto, para o Estado de São

Paulo, cuja implementação da nova proposta de ER teve início em março de 2001.

Ao referendar as normas federais, a Assembleia Legislativa paulista

promulgou a lei estadual nº 10.783/01 e instituiu o ER nos horários normais das

escolas públicas estaduais, assegurando o respeito à diversidade religiosa, a

proibição do proselitismo e o estabelecimento de qualquer primazia entre as

religiões.263 A mesma lei também estabeleceu que a definição do conteúdo

programático de ER teria a participação do Coner-SP (Conselho de Ensino Religioso

do Estado de São Paulo) e de outras entidades civis representativas das diferentes

denominações religiosas.264 Entretanto, ao invés de ouvir as “entidades civis”265 ou

representações religiosas, a SEE-SP firmou convênio com uma equipe de

professores da UNICAMP – instituição laica de ensino superior –, que ficaram

responsáveis pela capacitação docente e redação das brochuras de ER retomadas

neste capítulo.266

No mesmo ano, o Conselho Estadual de São Paulo (CEE-SP) aprovou a

Indicação CEE nº 07/2001 e a Deliberação CEE nº 16/2001.267 Estes dispositivos

estaduais indicam que nas séries iniciais, permitem aos portadores de licenciatura

em Pedagogia lecionar ER como tema transversal – essa orientação é problemática,

pois retira o caráter facultativo do ER, diluindo seus conteúdos em todos os

conteúdos oferecidos no 1º ao 5º ano do ensino fundamental. Em relação aos anos

finais, o ER deve ser oferecido exclusivamente aos estudantes do 9º ano (antiga 8ª

263 Cf. <http://governo-sp.jusbrasil.com.br/legislacao/132260/lei-10783-01>. Acesso em: jul.2016.

264 O Projeto de lei nº 1.036/1999, do deputado José Carlos Stangarlini (PSDB), mencionava apenas

a participação do Coner-SP quanto à escolha dos conteúdos de ER (LUI, 2007). Os Coners são conselhos criados nos Estados brasileiros como entidades civis que, ao menos oficialmente, procuram reunir diversos grupos religiosos com o propósito de auxiliar as escolas na escolha dos conteúdos de ER. 265

Coner-SP, Asper-SP (Associação de Professores do Ensino Religioso do Estado de São Paulo), CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), AEC-SP (Associação de Educação Católica de São Paulo) e outras. 266

Capacitação dirigida aos supervisores de educação e aos antigos ATPS (Assistentes Técnicos Pedagógicos) que atuaram como multiplicadores das “ações de capacitação” para o ER em escolas da rede estadual paulista. Eliane Moura, Leandro Karnal e uma equipe de estudantes do Programa de Pós-Graduação em História (IFCH-UNICAMP) realizaram as ações no período de 2002 a 2003, sob coordenação de Paulo Miceli, docente do mesmo instituto e coordenador geral do projeto. Detalhes sobre este convênio, que excluiu a participação de entidades civis/religiosas, podem ser conferidos em Dickie & Lui (2007) e Lui (2007). 267

Os dispositivos jurídicos deste capítulo podem ser acessados em: <http://deadamantina.edunet.sp.gov.br/legislacao/delib_CEE_16_2001.htm.>Acessos em: mai.2016.

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série) e ministrado por licenciados em história, filosofia e ciências sociais (ou

sociologia). Por conta das graduações que realizaram, supõe-se que tenham

“formação para abordar os conteúdos da forma como foram propostos, ou seja,

vinculados às demais áreas de conhecimento” (Indicação CEE 07/2001, III –

Professores Habilitados).268

Além de insistir que as entidades civis sejam ouvidas durante a seleção

dos conteúdos específicos, o CEE-SP orienta que o ER esteja fundamentado no

respeito à alteridade, nos princípios da cidadania e das práticas a ela pertinentes,

em valores éticos como honestidade, justiça, amor ao próximo, bondade e

solidariedade. Mesmo específicos a um determinado grupo social e religioso, tais

valores são apresentados como universais e assim devem ser considerados na

organização dos temas de ER.

Vista sob o enfoque histórico-cultural, o que a orientação do CEE-SP

pretendia, era fazer do ER uma disciplina que promovesse o reconhecimento das

diferenças entre grupos sociais e estilos de vida, mas sem nenhuma forma de

discriminação ou hierarquização entre eles. Isso inclui, por suposto, a rejeição a toda

e qualquer expressão de proselitismo e doutrinação. Em comum acordo com as

perspectivas contemporâneas inter e transdisciplinares, recomenda-se que se “deve

cuidar da articulação entre os saberes, priorizar a rede entre os conhecimentos e a

polivalência das informações” (Indicação CEE-SP 07/2001, I - Considerações Gerais

sobre o ensino religioso e sua implementação). A articulação entre diversas áreas do

conhecimento é posta enquanto alternativa ao conhecimento dividido em

compartimentos estanques, quase sempre incomunicáveis.

Das normas consultadas, entre diretrizes e leis estaduais e federais sobre

o ER, a indicação do CEE-SP é a mais longa de todas. Nela há um subitem que

define as religiões como

268

As aulas de ER podem ser atribuídas como carga horária suplementar aos professores titulares, não efetivos ou aqueles contratados temporariamente, portadores de licenciatura plena nas três áreas informadas (Resolução SE nº 5, de 2016, artigo 10, inciso 3). Enquanto hipótese, a pouca frequência de licenciados em ciências sociais e filosofia ministrando ER nas escolas públicas estaduais talvez se explique em razão dessas disciplinas serem oferecidas apenas no ensino médio. Em sua maioria, os professores de ER são licenciados em história. Nos Núcleos Pedagógicos das diretorias de ensino, os Professores Coordenadores de Núcleo Pedagógico (PCNPs) responsáveis pelas atividades de formação do ER também são licenciados em história. Há uma queixa frequente em relação à sobrecarga de trabalho, que também acomete as demais áreas e seus respectivos professores-formadores.

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[...] corpos doutrinais de construção histórica, têm contextos vinculados à etnologia, história social, geografia, arte, política, economia etc. Conhecê-las e desvendá-las significa ampliar a rede de conhecimentos dos estudantes sobre o patrimônio cultural humano e, ao mesmo tempo, propiciar-lhes suporte emocional e social do ponto de vista do binômio: autoconhecimento/alteridade (aprender a ser/aprender a conviver). (Indicação CEE-SP 07/2001, I – Considerações Gerais sobre o ensino religioso e sua implementação)

Uma vez estudadas a partir de uma dupla perspectiva – não apenas

histórica, mas também antropológica –, as diretrizes de São Paulo apostavam no

estudo das religiões enquanto fenômenos capazes de promover, por meio do

conhecimento, o respeito e a valorização das identidades culturais. Nesse sentido,

as religiões seriam

[...] uma porta de acesso para outros valores e práticas culturais, identificáveis na arte de seus templos, nos cantos e nos rituais, nos textos sagrados (no caso das sociedades letradas), nas concepções de tempo que as orientam, nas permissões e proibições estabelecidas, entre tantas outras possibilidades. (Indicação CEE nº 07/2001, II – O conteúdo)

Visto que o discurso oficial pró-ER insiste que os alunos conheçam novas

formas de religiosidade e os elementos que as constituem, em junho de 2002 foi

promulgado o Decreto nº 46.802. Essa normatização ratifica que o ER, mantido no

quadro curricular das escolas públicas estaduais paulistas, seria oferecido na

modalidade

[...] supraconfessional, devendo assegurar o respeito a Deus, à diversidade cultural e religiosa, e fundamentar-se em princípios de cidadania, ética, tolerância e em valores universais presentes em todas as religiões. (Decreto 46.802/2002, Art. 2; itálico meu)

Essa normatização pretendia estabelecer um conteúdo comum para o ER,

que transcendesse os limites de cada confissão religiosa (daí o sentido de

“supraconfessional”). Tal medida se mostra aparentemente coerente em um país

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religiosamente diverso, embora cultural e profundamente influenciado pelo

cristianismo, ou melhor, pelo catolicismo de Portugal. Em consequência dessa

influência notam-se as menções expressas a Deus presentes tanto no decreto acima

quanto no preâmbulo da Constituição Federal de 1988, posta “sob a proteção de

Deus” (LEITE, 2014, p. 308). Ao deixar transparecer essa visão teísta e etnocêntrica,

pois projetada para a totalidade das religiões, o modelo de ER escolhido em São

Paulo compromete o pretendido tom relativista (DICKIE; LUI, 2007).

Observa-se, ainda, que a noção de cidadania presente nas normas

citadas apoia-se em valores éticos e religiosos associados ao cristianismo. Mesmo

não se reconhecendo “como devedor do credo cristão”, o Estado de São Paulo fez

do ER um “mecanismo de regulação da Religião na esfera pública” (LUI, 2007, p.

347). A interpretação da lei que prevê o ER público tende a reforçar a ideia do “bom”

cidadão, como se apenas os alunos “mais religiosos fossem efetivamente capazes

de exercer a cidadania!” (LUI, 2007, p. 340).

Ressalta-se, no entanto, que meses antes da promulgação do decreto

supracitado, a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), órgão

vinculado à SEE-SP, por meio de um comunicado expedido em 26 de fevereiro de

2002, solicita das autoridades em epígrafe (órgãos e gestores estaduais de

educação) cuidado especial no desenvolvimento dos conteúdos de ER. Também era

solicitado que fosse observado o cumprimento dos princípios e dos fundamentos que

lhes caracterizam.

O Comunicado do CENP define a seguinte ordenação temática formulada

a partir da Indicação CEE nº 07/2001: para as séries finais do ensino fundamental,

recomenda que os eixos temáticos (abaixo) sejam trabalhados de maneira

contextualizada e interdisciplinar, em articulação com outras áreas – geografia,

antropologia, sociologia, literatura e arte. O texto pressupõe que estas áreas possam

facilitar, articuladamente, o desenvolvimento dos seguintes eixos do ER:

Histórico, em que os projetos [pedagógicos] deverão assegurar oportunidades de reflexão sobre valores e princípios éticos e de conhecimento da história das grandes religiões, seus corpos doutrinais, os milenarismos e as religiões do Brasil.

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Sociológico, em que os princípios da diversidade, da pluralidade, da ética, do direito à cidadania, e da tolerância como expressão do respeito à pessoa humana, devam ser destacados ao se tratar de comunidade e sociedade; religião e instituições estabelecidas (igrejas e seitas), e das relações entre religião e política Antropológico, em que o eixo condutor das atividades programadas deverá enfocar a relação religião/subjetividade com ênfase no sentido antropológico-cultural da morte. Cultural, em que em que as atividades programadas, estimulando reflexões coletivas, deverão privilegiar os ritos, mitos e símbolos e dar conta de enfoques que abordem as relações entre a religião e a natureza/ecologia, a religião e a arte e a religião e a memória (SÃO PAULO, 2002, p. 49; destaques em negrito no original).

Os termos “seitas” e “grandes religiões”, presentes no eixo sociológico

citado, divergem das ideias propostas nas brochuras O Ensino Religioso na Escola

Pública do Estado de São Paulo.269 No primeiro volume deste material assinala-se

que um dos valores mais importantes do exercício da cidadania é o respeito à

diversidade cultural e religiosa. Por conseguinte, seria incorreto afirmar que existem

seitas, grandes ou pequenas religiões; do mesmo modo, seria incorreto afirmar que

esta ou aquela religião é superior, mais verdadeira, pura ou impura do que outra.

Todas as religiões expressam “uma visão de um grupo e cada uma teve e tem seu

valor específico, exatamente por serem diferentes” (SILVA; KARNAL, 2002c, p. 9).

Se admitido que existam grandezas em termos de religião, poderíamos

tratar dessa mensuração em termos quantitativos ou qualitativos. Pode ser que a

grandeza atribuída a uma determinada religião se refira aos seus milhares de

adeptos espalhados pelo mundo e/ou à importância cultural a ela conferida. Em

ambos os casos, as “grandes religiões” que mais predominam nas ementas e aulas

de ER são as religiões ditas universais – logo “grandes religiões”. Esse fato

supervaloriza o lugar de destaque conferido ao judaísmo, cristianismo, islamismo e,

com algumas exceções, budismo e hinduísmo. A explicação dada por um professor

de ER entrevistado em São Paulo revela esta visão sobre as grandezas religiosas:

269

O texto de abertura de cada brochura é assinado por Gabriel Chalita, ex-secretário de educação de São Paulo (2003-2007). Em seus termos, o “ensino religioso tem de ser uma ponte que conduza os estudantes ao caminho do bem, aos valores humanistas construídos com as bases sólidas do amor, da fraternidade, da bondade, da honestidade, da humildade e, principalmente, do respeito àqueles cujas opiniões divergem das nossas” (CHALITA, 2002, vol. 1, p. 5-6).

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Falamos de Judaísmo... É que a base do Cristianismo tá lá trás, na religião Judaica. Não deixei de falar no Velho Testamento, tudo... Você acaba abordando tudo isso. Depois eu falei dos muçulmanos, daí, eu peguei tratei ... Tratei até da questão de formarem... De formar religiosidade de boa parte dos seres humanos. São as duas religiões que formam toda a bagagem... A formação de... praticamente quase toda a humanidade tá aí, dentro dessas duas religiões.

[...]

No segundo bimestre, eu fiz, eu percebi isso na prática. No segundo bimestre eu percebi o preconceito muito grande com relação ao Islã, pela mídia. Me devo atentar a essas coisas todas. Aí, no segundo bimestre, eu praticamente trabalhei só o Islã. Falei da Xaria, falei da questão da mulher, entendeu? Falei da aplicação, oh inclusive aqui oh, o senso comum ocidental e a realidade da mulher muçulmana. Trabalhei uma aula, porque nosso senso comum é que ela se sente oprimida, mas tá na cultura dela. Toda mulher muçulmana quer ser igual a uma mulher ocidental? Sabe, eu levantei essas questões sobre eles. E se você correr está todinho ligado ao roteiro... [o professor aponta para o planejamento de aula submetido à coordenação pedagógica].270

São essas religiões, com suas questões de ordem interna, como a

situação da mulher muçulmana, que têm determinado a seleção dos temas e

recursos didáticos utilizados em sala de aula. Se estatísticas oficiais em relação ao

número de adeptos de algumas religiões conferem certa hegemonia a estas, e,

justificam certas escolhas pedagógicas, o que dizer, então, das religiões afro-

brasileiras? A importância delas não se mede numericamente (0,3% de adeptos no

Censo IBGE 2010), e sim em termos de significado e representação simbólica, visto

o peso e a influência que exercem em diferentes domínios da cultura nacional não-

religiosa (língua, música, literatura, artes etc.), além de valores sociais,

representações místicas e concepções religiosas forjadas a partir da chegada dos

povos africanos aqui desembarcados ao longo dos séculos de escravidão.

Questões como essa são tratadas, ainda que pontualmente, nas

brochuras de ER citadas. A ênfase na história das religiões que orientou a

elaboração deste material cumpre, segundo Dickie e Lui (2007, p. 241), “o papel de

270

Professor, 57 anos, formado em história pela extinta Universidade São Marcos (Santana). Efetivo. Leciona história, com carga suplementar em ER na mesma escola estadual localizada na Zona Norte de São Paulo. Declarou-se católico não praticante. Entrevista realizada no 2º semestre/2012.

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ensinar sobre religião sem que nenhuma religião fique de fora e principalmente sem

que haja qualquer tipo de proselitismo nas aulas” (grifado no original).

Consequentemente, o conteúdo desenvolvido nos cinco volumes desse material

segue em direção oposta ao ER dogmático, exclusivista ou concebido sob o ponto

de vista da confessionalidade. O material trata de temas clássicos e centrais,

seguindo uma visão transdisciplinar, que relaciona as contribuições de diferentes

campos do conhecimento interessados no estudo dos fenômenos religiosos.271

Chama atenção, entretanto, que a terceira brochura é integralmente dedicada ao

cristianismo, sem contar os capítulos e itens dos outros volumes que, de alguma

forma, tratam desta vertente religiosa.

O índice dos exemplares, abaixo, fornece-nos uma visão geral das

temáticas escolhidas:

1) Brochura 1: Religião e diversidade; História e religiosidade; Função e

valores culturais religiosos; Diversidade religiosa como parte da

cultura; Tradição Religiosa e Ética;

2) Brochura 2: Textos sagrados, com dois subitens (Imagens,

linguagens e comunicação; Os Livros Sagrados); História e Narrativas

Sagradas; Textos e Contextos (Torá, os Evangelhos e o Corão);

Análise dos textos sagrados;

3) Brochura 3: O Pluralismo Religioso e Cristão; Origens do

Cristianismo; O Cristianismo no início da Idade Média; A Contra-

Reforma Católica no século XVI, incluindo subitem referente ao

Concilio de Trento; Diversidade cristã: a Reforma, com subitem sobre

A expansão do protestantismo;

4) Brochura 4: Tolerância: uma ação afirmativa; Uma raiz profunda, com

dois subitens (O candomblé; Reconhecer as diferenças); A questão da

tolerância; Pluralismo e diversidade; A tolerância como prática ativa e

afirmativa; Exclusivismo, Inclusivismo e Pluralismo; A Força das

mudanças;

271

Cada brochura tem, em média, cinquenta páginas.

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5) Brochura 5: este exemplar reúne um conjunto de atividades que

relaciona arte e religião, com destaque para imagem religiosa,

simbolismo, iconografia e arquitetura sagrada. No fim dos cinco

volumes, há uma lista com verbetes e a bibliografia consultada.272

Para os autores desses volumes, o “Ensino de religiões, estudo de

diversidades, exercícios de alteridade podem ser conteúdos trabalhados na Escola

pública” (SILVA; KARNAL, 2002c, p. 9). O que se propõe é que o fenômeno religioso

seja metodologicamente abordado de forma não catequética ou confessional. A

“diferença entre ensinar religião e ensinar sobre religiões mudou a maneira de se

abordar esta polêmica questão, o que não evitou o surgimento, crítico e propositivo,

de novas questões” (SILVA; KARNAL, 2002d, p. 11; itálicos no original).

Essa perspectiva histórico-cultural inibe, ao menos em tese, a prática do

proselitismo religioso em sala de aula. Ainda assim, ela não foi amplamente aceita

em São Paulo. Para a Associação de Professores do Ensino Religioso do Estado de

São Paulo (Asper-SP), “falar de história das religiões faz parte da disciplina “História”

e não da disciplina ‘Ensino Religioso’” (LUI, 2007, p. 24). Ainda conforme a Asper-

SP, o conteúdo do ER deveria ser autônomo e baseado nos Parâmetros Curriculares

Nacionais - Ensino Religioso (PCNER), então definidos pelo já citado Fonaper. Para

este Fórum, a finalidade do ER é

[...] subsidiar o conhecimento através do tratamento didático de eixos de conteúdos que incluem: culturas e tradições religiosas; escrituras sagradas e/ou tradições orais; teologias; ritos e ethos, para ir sensibilizando para o mistério, capacitando para a leitura da linguagem mítico simbólica e diagnosticando a passagem do psico-social para a metafísica/Transcendente (DICKIE; LUI, 2007, p. 242).

Oficialmente, é possível dizer que os parâmetros do Fonaper não fazem

parte do modelo de ER legalmente adotado no Estado de São Paulo. Entretanto,

pode-se dizer que, extraoficialmente, eles estão presentes nas escolas. Ao tratar dos

272

Os participantes da capacitação realizada em 2003 receberam um CD com as imagens ilustradas neste volume, que ainda contém indicação de bibliografia básica, informações sobre vídeos e recomendações sobre como trabalhar com websites de instituições religiosas.

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elementos históricos associados ao ER, afirma-se que toda cultura apresenta um

“substrato religioso que a caracteriza” (FONAPER, 2009, p. 32). Numa terminologia

parecida, o excerto abaixo, extraído do documento “Para que Ensino Religioso?” –

obtido em uma Diretoria Regional de Ensino da Zona Sul de São Paulo –, afirma que

“um povo” é identificado por “cultura” e que as “Tradições Religiosas” são o

“elemento forte” dessa cultura.

O Ensino Religioso reforça e sustenta a cultura religiosa de cada educando. (...).

O Ser Humano é um ser religioso por natureza. No Ensino Religioso respeita-se a fé dos alunos, seja qual for sua crença. O objetivo do “Ensino Religioso na escola é proporcionar ao aluno experiência, informações e reflexões que o ajudem a cultivar uma atitude de abertura ao sentido mais profundo de sua existência em comunidade, e a encaminhar, assim, a organização responsável do seu projeto de vida”.

O papel do educador é (...) mostrar que as diversas culturas religiosas são maneiras diferentes de se viver a religiosidade e que se pode, também, viver a religiosidade sem seguir qualquer religião. (...) A escola precisa ensinar o jovem a condição humana, enfim, a descobrir o verdadeiro sentido da vida. (...) o século XXI nos convoca como educadores à formação de uma cidadania terrestre.273

Seguindo o que foi defendido acima, um “Professor de História das

Religiões”274, vinculado à mesma diretoria da Zona Sul, elaborou um detalhado

“Plano de Ensino” para o ano letivo de 2012. Este mesmo plano foi mantido até

2014, quando encerrou suas atividades como professor de ER. Em seus termos:

Os conteúdos a serem administrados não levam em consideração a crença ou a fé religiosa do aluno. Os mesmos têm a finalidade de promover dentro e fora da sala de aula o entendimento e a vivência de valores universais, éticos, morais, religiosos e de cidadania. Dentro deste contexto se insere: respeito ao outro, amor ao próximo, tolerância, honestidade, justiça, bondade, solidariedade. Todos estes elementos devem estimular formas voluntárias e autônomas de

273

Texto sem autoria reconhecida – inclusive o trecho entre aspas –, consultado no Núcleo Pedagógico da Diretoria Regional de Ensino Centro-Sul (São Paulo-SP). 274

Professor, 37 anos, graduou-se em história numa universidade no interior de São Paulo. Curso incompleto em filosofia. Efetivado em história, mas com carga suplementar de ER na mesma unidade escolar da Zona Sul de São Paulo. Nascido em família católica. Foi seminarista, mas resolveu abandonar o sacerdócio e recomeçar a vida na capital paulista. Declarou-se “católico apostólico romano”, identidade religiosa manifestada em um visível crucifixo preso ao pescoço.

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participação e de exercício de cidadania; devem integrar o conhecimento das principais religiões mundiais e brasileiras, como corpo doutrinal de construção histórica, contextualizada à etnologia, história social, geografia, arte, política e economia. Inspirado nestes valores, as aulas de História das Religiões, direcionada ao público do 9º ano do Ensino Fundamental II, tem como uma de suas premissas o respeito, a liberdade de crença e as tradições religiosas de cada aluno. Por fim, ao estudarmos as mais variadas religiões, daremos certa ênfase ao Cristianismo, que moldou e forjou de forma muito direta, o pensamento da civilização Ocidental.275

Em consulta aos diários de classe preenchidos pelo professor, que

também lecionava história na mesma escola, pôde-se confirmar a quantidade de

vezes nas quais o Cristianismo foi enfatizado, em prejuízo de outras religiões

coexistentes no Brasil e no mundo. No caso das religiões afro-brasileiras, estas são

lembradas em dois diários enquanto conteúdo ministrado no final do ano letivo.

Entretanto, não localizei, junto ao material disponibilizado pelo professor, nenhuma

atividade, prova, referência, etc., relacionada à religiosidade afro-brasileira, suas

origens, características ou tradições rituais. A única exceção pode ser feita em

relação ao verbete “sincretismo religioso”, cujo significado foi cobrado numa

avaliação bimestral. Nas anotações do professor, o significado desse termo nada

tem a ver com a ideia de mistura entre religiões diversas, mas com a prática de “uma

pessoa que frequenta várias religiões ao mesmo tempo”. Esse sentido relaciona o

sincretismo ao trânsito religioso que já vimos no capítulo anterior.

Também preocupado em cumprir o estabelecido na legislação estadual, o

diretor de uma escola localizada na Zona Norte de São Paulo redigiu, em novembro

de 2012, com o auxílio do professor de ER, um termo intitulado “Critérios para a

oferta de Ensino Religioso nas escolas do Sistema Educativo”, no qual os pais ou

responsáveis deveriam autorizar (ou desautorizar) a participação de seus filhos nas

aulas de ER oferecidas no ano seguinte – em 2013. Neste documento, que tive

acesso na primeira visita à escola, repete-se que o ER, além de assegurar o respeito

275

O uso da expressão “História das Religiões” foi estabelecido pela diretora da unidade escolar visitada, mas nem sempre lembrado pelos alunos, visto que parte deles registrou o nome “Aula de Religião” ou apenas “Religião” em seus cadernos, provas e trabalhos escolares. O plano de aula do professor citado não contém nenhuma referência bibliográfica, legislação federal ou estadual sobre o ER. Parte do argumento utilizado por ele foi originalmente publicado na Indicação CEE nº 07/2001. Mantive o trecho citado conforme o texto original, incluindo as palavras grifadas em negrito. Os itálicos no final a citação são meus.

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à diversidade religiosa e a todas as crenças individuais, pretende ajudar o aluno a

compreender que o fenômeno religioso está “presente nas diversas culturas e

sistematizado por todas as tradições religiosas”.276 Assim, ele deveria ter o mesmo

tratamento conferido às demais matérias da educação básica.

Nota-se o seguinte erro de interpretação: se o ER é facultativo para as

escolas públicas estaduais, logo ele não é igual e, portanto, não tem o mesmo

tratamento (e prestígio) concedido aos demais componentes do currículo obrigatório.

O próprio termo informava que as avaliações de aprendizagem de ER não seriam

consideradas para fins de promoção do aluno matriculado.

A fim de auxiliar o aluno durante sua decisão, o termo apresentava quatro

eixos temáticos da disciplina – é nítida a semelhança com os parâmetros do Fonaper

vistos no segundo capítulo desta tese. O primeiro eixo aqui resumido refere-se à

“Antropologia das Religiões”, que entende o fenômeno religioso enquanto

“construção cultural da humanidade, manifestada por meio de crenças e religiões,

que interagem com o cotidiano por ela vivido e produzido”. Do conhecimento

antropológico passa-se para a “Sociologia das Religiões”, onde o mesmo fenômeno

seria estudado a partir dos “aportes e conflitos civilizatórios, criados por sociedades

humanas, formados por experiências de diferentes crenças”. Da sociologia segue-se

para a “Filosofia das Religiões”, que trata o fenômeno religioso enquanto

“manifestação ética da humanidade” e “forma de compreensão do vivido, assim

como da destinação humana, por meio das divindades, dos textos sagrados, das

espiritualidades”. O último eixo enfatizava a “Literatura sagrada” e os símbolos

religiosos das religiões monoteístas e as referências “orais, culturais e simbólicas,

dos cultos de matriz africana e dos indígenas brasileiros” – esses eixos encontram-

se sequenciados na primeira folha do termo que apresenta os “Critérios...” para o

oferecimento do ER formulados pela gestão escolar.

Uma última observação sobre este documento. A Resolução SE nº

21/2002, que orienta os critérios referentes à atribuição de aulas de ER nas escolas da

rede estadual paulista, determina que a matriz curricular dos alunos do 9º ano (antiga 8ª

276

Em nenhum momento os documentos relativos ao ER formulados internamente nas escolas visitadas mencionam os alunos ateus, agnósticos ou sem religião. Apesar da pouca idade, encontrei alunos campineiros, matriculados em turmas do 9º ano, na faixa dos 13 aos 15 anos, que não declararam pertencimento religioso. Alguns afirmaram que frequentavam as aulas de ER por imposição da diretoria, uma vez que a escola não tinha atividades pedagógicas alternativas.

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série) seja acrescida de uma aula semanal para o desenvolvimento dos conteúdos de

“História das Religiões”. Apesar disso, nenhum dos eixos descritos no termo formulado

pela escola supracitada menciona este conteúdo programático oficialmente adotado

pelo Estado de São Paulo. Outro ponto a ser destacado é que a mesma Resolução SE

nº 21/2002 encerra uma ambiguidade reproduzida no ambiente escolar: Afinal, o que

deve ser oferecido aos alunos da rede pública estadual? Aulas de “ensino religioso” e/ou

de “história das religiões”?

5.2. Da norma legal para prática real

Embora o principal objetivo desta pesquisa tenha sido o levantamento dos

conteúdos veiculados durante as aulas de ER, outras questões vistas desde o

princípio sobre o tema ressurgem a todo instante. Dentre as situações observadas in

loco nas escolas paulistanas e campineiras, em coerência com os registros de

campo e informações coletadas por meio de entrevistas, questionários e conversas

informais, muito se falou sobre:

1) a facultatividade do ER – alguns professores, sem perceber, se

contradiziam durante suas falas ao se referirem ao ER como uma “disciplina como

outra qualquer”, para, em seguida, dizerem que ela é facultativa para o aluno.

2) a curta duração da aula desta disciplina (45 minutos), que impede o

aprofundamento do conteúdo, sem esquecer que ele é ministrado numa única aula

semanal.

3) as normas legais descumpridas em relação à habilitação exigida do

professor de ER, que nem sempre corresponde ao determinado na legislação

estadual paulista.

4) a estratégica mudança do nome “ensino religioso” como forma de se

evitar possíveis conflitos entre gestores escolares, pais e alunos – procedimento tido

como incorreto, pois quem o pratica evita explicitar que o ER, além de não ser

obrigatório, não tem caráter reprovativo.

Partindo da análise dos materiais coletados em campo observa-se que o

ER, com raras exceções, não tem sido ofertado conforme as normas legais já

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conhecidas. Os motivos para isso não são diferentes dos encontrados no Rio de

Janeiro ou em uma escola pública do Sul do Brasil – fato esse que mostra a

existência de certos problemas relacionados ao ER que se repetem

independentemente da localidade geográfica.

De acordo com uma professora277, favorável ao ER público, responsável

por essa disciplina ha quase duas décadas em duas escolas da Zona Norte da São

Paulo, se os gestores escolares perguntassem aos alunos se eles queriam ER, ela

acredita que muitos diriam que sim. Mas, prossegue:

E aqueles que não ficariam, e seriam a maioria, ficariam em que lugar da escola? Você viu a estrutura da escola? Não tem um pátio. Tem a quadra, as escadas, corredores. Eles não têm espaço. Não teria sala... Eles ficariam fazendo o quê? Então, se eles estão ali [nas aulas de ER], estão vendo, estão escrevendo, estão fazendo uma atividade. Se tiver opção [escolha do aluno] vai ficar com três gatos pingados na sala. Se a mãe falar: “Não autorizo”, eles vão ficar lá fora, vão perturbar. Então nós optamos por falar para eles: é uma aula de história a mais, ninguém vai ofender ninguém aqui. (Itálicos meus)

A saída pela tangente, isto é, pela história das religiões, também foi a

solução posta em prática por um grupo de três professoras, todas com carga

suplementar de ER durante o ano letivo de 2012. Uma delas lecionava geografia e

as outras eram professoras de história, todas efetivadas na mesma unidade escolar

– lembremos que a legislação paulista proíbe aos licenciados em geografia

assumirem a regência de ER. Durante uma conversa informal, gravada, com

participação das três professoras, uma delas informou que:

Nos primeiros dias de aula colocamos qual era o fundamento... Eu lembro que eu discuti com eles a religião, se eles tinham religião. No que eles acreditavam. Porque quando você chega na sala e fala assim: “Eu vou dar aula de ensino religioso”.

“Ah! Religião não professora, pelo amor de Deus. (risos). Religião?! Tô fora! Eu vou pedir pra minha mãe vim aqui me tirar”.

277

Professora, 62 anos, licenciada em história pela PUC-SP. Aposentada pela rede de ensino do Estado de São Paulo. Em 2012, era professora contratada na “categoria O” (contrato temporário) para lecionar ER na última escola da Zona Norte onde trabalhara. Declarou-se católica.

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“Olha professora eu não quero participar. Eu sou obrigado a participar?” Eles perguntavam. Eu falei: “Mas por que você não quer participar, qual o motivo?”.

A gente tinha que falar qual que era a proposta.

Eles têm uma resistência... Os pais tinham uma certa resistência também porque acreditavam que a gente ia levar a questão da religião. Por exemplo, dentro do cristianismo, se eu sou evangélica, vou levar o aluno para a religião evangélica, ou vice-versa. Aí não teve nenhuma preparação do Estado, absolutamente nada depois... Acho que depois de 2002, 2003... Depois que surgiram as reuniões OT [Orientação Técnica] para quem tivesse essas aulas.

[...] a gente fala a história das religiões, a gente nem usa a linguagem ensino religioso aqui. Por que isso? Porque quando isso foi inserido aqui na escola, ou em todas as escolas, mas aqui particularmente, a comunidade não queria porque aí a direção na época... Ela mandou um aviso que seria optativo pro aluno – sim ou não? (Professora de ER e história). (Itálicos meus)

Agora, outra coisa que eu acho que dificultou também foi o horário. Nós escolhemos o horário, e era de sexta-feira, e tinha muitos feriados. Teve eleição. (Professora de ER e geografia)278

Para contornar a rejeição ao ER, a alteração da nomenclatura “ER” tem sido

frequente, eliminando, assim, a má impressão causada pelo adjetivo “religioso” que

o acompanha. Segundo percepções dos professores, tal adjetivo “mais desqualifica

que qualifica, mais atrapalha que ajuda” na oferta pública do ensino “religioso”.

Como alternativa, entre os professores de São Paulo e Campinas favoráveis à

continuidade do ER no quadro curricular, surgiram os seguintes termos substitutivos,

aqui ordenados por proximidade ou complementaridade:

a) Filosofia para a Vida; Filosofia Religiosa;

b) Ética; Ética e Cidadania; Ética, Cidadania e Valores; Religião e Cidadania;

Educação Social;

c) Religiões; Estudo das Religiões; História das Religiões;

d) Diversidade Cultural; Multiplicidade e Diversidade Cultural; Orientação

Ecumênica;

278

Estive com as duas professoras citadas numa única ocasião, na qual a conversa informal foi registrada.

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e) E, os mais inusitados de todos: Falando de Deus279, Antropologia

Teológica e Reflexão Cristã. O primeiro sugerido por um vice-diretor, o

segundo por uma diretora e o terceiro por uma professora de ER.

É pouco provável que os três últimos, assim como os demais que

preservaram o adjetivo “religioso”, solucionem algo na hora da oferta do ER e da

consulta, por escrito, entre os pais ou responsáveis legais. Vale insistir que mudar a

nomenclatura “ensino religioso” visa, da parte do aluno, a aceitação de um ensino

visto como problemático. Isso não quer dizer que todos o recusem enquanto matéria

curricular. Em um estudo efetuado em três escolas públicas estaduais localizadas na

região Leste da capital paulista280, dos vinte e oito alunos que participaram dos

grupos focais conduzidos por Oliveira (2006), doze afirmaram que a disciplina

“Educação Religiosa” era importante. As argumentações favoráveis ao ER se

justificavam uma vez que tal disciplina era voltada ao convívio social e ao respeito à

religião do “outro”. Porém, temas como o ensino da Bíblia também foram apontados

pelos alunos.

Posto isso, o que ensina numa aula que aposta no convívio pacífico entre

diferentes religiões? O que se aprende numa disciplina frequentemente associada à

catequese e ao ensino confessional cristão? Quais conteúdos são repassados aos

alunos? Quais recursos são empregados para implementá-los?

5.2.1 Religião sem ofensas

Numa das escolas que acompanhei na Região Norte da capital paulista, o

tema da aula daquela manhã – 2º bimestre de 2012 – era simbologia religiosa. A

escola funcionava em três turnos diários (manhã, tarde e noite) e atendia alunos do

ensino fundamental e médio residentes, em sua maioria, no entorno. Em seu Plano

279

Ao responder “sim” para a oferta do ER em escolas públicas, a diretora que sugeriu a nomenclatura “Falando de Deus” manteve esta sugestão ao concluir que “é necessário que falemos de DEUS para os jovens, muitos cultivam esse amor no coração” (termo “Deus” destacado em letras maiúsculas no questionário recebido através de correspondência digital (e-mail) do Núcleo Pedagógico/DECOE). 280

Pesquisa nacional realizada no âmbito do projeto “Afro-brasileiros e Religiosidade no Ensino Médio”, da atual Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), na época SECAD (OLIVEIRA, 2006).

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Político Pedagógico constava que não existiam por ali “redes de lojas e serviços

diversos”, como posto policial, hospital, outras escolas públicas ou particulares,

cartório, áreas de lazer/cultura e transporte coletivo. Quanto ao transporte, na

verdade, o bairro era servido por lotações e duas linhas de ônibus: uma delas

conduzia os passageiros até uma estação de metrô da Linha Azul (Zona Norte); a

outra seguia em direção à região central da cidade, cujo trajeto levava, no mínimo,

uma hora de viagem.

Durante o período no qual a pesquisa foi realizada – isto é, no penúltimo

bimestre de 2012, com dois retornos em anos posteriores –, a escola contava com

uma professora e um professor de ER. A professora era licenciada em história, com

a qual estive em duas ocasiões apenas. Ao longo do ano ela se ausentou em

períodos de licença médica. A coordenação pedagógica não incentivou que a

pesquisa fosse realizada com essa docente: ela não tinha apresentado, no início do

ano letivo, o plano de aula solicitado.

O segundo professor, aqui identificado como Allan, lecionava história e

ER para algumas turmas do 9º ano matriculadas no turno da manhã – todas as suas

aulas de ER ocorriam nesse mesmo turno. Allan, 57 anos, autodeclarado branco,

licenciado em história, concursado e efetivado na rede estadual de ensino, também

era comerciante. Tinha uma barraca, localizada no centro comercial do bairro onde

morava. Nela vendia eletrônicos e outros objetos importados da China adquiridos na

região da rua 25 de Março.

Em questionário cujo fim era conhecer o perfil dos professores de ER,

Allan assinalou que os membros de sua família eram católicos, não-praticantes, e

que frequentavam o espiritismo de Kardec. Curiosamente, quando chegou a vez de

informar sua pertença religiosa, caso tivesse alguma religião – definida por ele como

uma “construção cultural” da humanidade – ele assinalou todas as alternativas

listadas: católica, evangélica(s), protestante(s), espiritismo, islamismo, umbanda,

candomblé, budismo etc. Assinalou, inclusive, o item “outras religiões”, mas sem

especificar qual – talvez porque já estivessem contempladas no rol de religiões

indicadas. Deixou em branco apenas as opções “sem religião”, “ateu” e “agnóstico”.

No entanto, durante uma de nossas conversas, Allan frisara que era “ateu” e

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“anarquista”. Eis a sua explicação posterior enviada por correspondência digital (e-

mail), quando retomei contato com ele:

Eu sabia que daria um "nó" em sua cabeça. Sou católico, não recebo hóstia, mas aceito os preceitos da Igreja. Politicamente o anarquismo tem minha simpatia, adoto posturas ideológicas desse movimento. Quanto à religiosidade, frequento sim, todas essas religiões, mas no intuito de conhecê-las e ter subsídios significativos junto aos alunos, por fim, não sou ateu, mas não dou crédito às religiões, vejo-as como produtos culturais; embora sou convicto que o universo tem um propósito isso não quer dizer que sejamos os protagonistas desse propósito. Eu, como professor de ER, tenho minha subjetividade, como meio para conviver com o ‘outro’. Eu não respeito, mas também não chuto macumba. (Allan, professor de ER e história, São Paulo-SP). (Grifos meus)

Se uma das queixas frequentes nos dados coletados referia-se à falta de

recurso, apoio didático e formação específica oferecida pela SEE-SP, talvez faça

algum sentido a intenção do professor em percorrer diferentes religiões, sem aderir a

nenhuma delas, apenas com o intuito de entendê-las em seus próprios termos e

posteriormente ensiná-las aos seus alunos. Vale recordar, conforme visto no item

anterior, que, ao menos legalmente, o modelo de ER regulamentado em São Paulo

não se vincula a nenhuma confissão religiosa, pois deve ser desenvolvido sob a

perspectiva da história das religiões. Essa orientação dispensa, oficialmente, o

ensino de dogmas e verdades explicitadas pelas várias denominações religiosas.

Dentre os objetivos gerais reunidos nos “Planejamentos de Ensino”

organizados por Allan para quatro bimestres de ER (2012 e possivelmente mantidos

nos anos posteriores), todos eles aprovados pela direção escolar, constavam

diversas passagens que distanciavam o ER da perspectiva da história das religiões.

Dentre elas, cito algumas: 1) auxiliar o aluno a “refletir sobre o sentido da atitude

moral” associado ao fenômeno religioso; 2) “perceber que as representações de

cada tradição religiosa se constituem no valor supremo de uma cultura”; 3) “a

dimensão religiosa como um compromisso diante do Transcendente”; 4) “conhecer o

sentido da vida sustentado pelas doutrinas, crenças, normas e formas de

relacionamento com o Transcendente, com o cosmo, com os outros e consigo

mesmo”. Nota-se, dessa forma, que esses objetivos programáticos mais se

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aproximam da modalidade defendida pelo Fonaper, que se baseia na ideia de

transcendência enquanto substrato presente em todas as culturas.

Para cumprimento dos objetivos específicos, Allan programou algumas

aulas para discussão dos “múltiplos símbolos religiosos culturais”, que permitiria aos

alunos conhecerem a associação entre os símbolos e suas respectivas culturas.

Essa atividade possibilitaria, em suas palavras, “apresentar a amplitude da

diversidade religiosa e sua importância cultural”. Para isso usou textos diversos e

imagens iconográficas relacionadas ao cristianismo, taoísmo, islamismo, budismo e

um ponto riscado de umbanda.281

Figura 11 – Ponto Riscado de Umbanda (Desenho de aluno de ER)

Fonte: Fotografia elaborada pelo autor.

A exposição do professor Allan sinalizou para a diversidade das religiões

e as escolhas feitas pelos alunos ao trabalhar com os símbolos de várias delas. Ele

tinha como propósito leva-los a conhecer algumas representações por meio da

projeção de slides, que auxiliariam em suas escolhas.

Oh, tá vendo, tem vários símbolos religiosos, diferentes... O símbolo da umbanda, quase ninguém quer fazer. Hoje eu imprimi um pra uma

281

Conforme explicitado no próprio nome, ponto riscado é um “desenho riscado no chão e composto por sinais cabalísticos, mágicos e simbólicos, que, assim como as nossas assinaturas, visam identificar cada um dos guias [espíritos] manifestados” (SANTOS, 2012, p. 16).

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aluna... Aqui tem o símbolo cristão, o Terço da Virgem Maria, a Estrela, o Menorah. Tá vendo? O Buda...Eu vou dando, eu vou passando pra eles. Olha, são diferentes símbolos, a Roda da Lei. Aí, eu coloco aqui. Olha! O Budismo. Daí você pergunta: “Esse aqui é o Buda da Índia? Do Japão?” Daí eles falam, da Índia, do Japão ou aí eles falam: “É da Índia!” Eles identificam, eles sabem que é o Buda indiano. Aí eu venho pra cá, ponho outro. Aí eu falo: “Vocês estão errados, esse é o Buda na Indonésia.” Aí, eu falo sobre aquelas populações pra eles perceberem a extensão da religiosidade Budista. Aí eu falo: “E no Brasil tem Budista?”. Aí, eles vão: “Tem!”. Eu falo: “De que linha será que eles são? Será que eles são da linha indiana, da linha japonesa ou mais dessa linha da região das ilhas do cinturão de Koga?”. E eu falo sobre essa questão, eu vou pra um pouquinho de geografia, aquelas várias influências que nós temos do Budismo ali, pra eles identificarem. Eu sempre pergunto: “Existe Budista só na Índia? Só no Japão? Não tem no Brasil?” Para eles verem com essa identificação. Eu vou ver se eu pego lá agora pra você o material que ela [a professora que lecionava ER] me deu [um livro didático de ER da coleção Vozes]...

[...]

Oh, aqui eu trabalho as diferentes suásticas pra eles perceberem que elas estão presentes em todas as religiosidades. Aí como tá em inglês, eu vejo se eu encontro esse material em português na internet. Aí eu vou traduzindo, eu falo da suástica cristã, nós temos aqui, cadê? ... A suástica cristã, até os judeus trabalharam, que foram perseguidos sob esse símbolo, eles têm a sua prática, a de Bali, a céltica, na Índia, eu trabalho pra desmistificar também essa ideia, né? (Allan, professor de ER e história, São Paulo-SP).

Figura 12 – Símbolos cristão e islâmico (Desenhos de alunos de ER)

Fonte: Fotografia elaborada pelo autor.

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Durante as aulas observadas, os alunos tinham que escolher um dos

símbolos e depois desenhá-los. Nem todos souberam explicar, na aula posterior, o

significado do símbolo e o motivo dessa escolha. Numa sala apertada, com

aproximadamente trinta e cinco alunos agitados – alguns mais interessados no

chaveiro em formato de canivete exibido pelo professor –, somente uma aluna

escolheu o símbolo referente à umbanda. Disse ela, mas fora da sala, que sua tia

frequentava um “centro”. Essa tia poderia ser, quem sabe, ela mesma ou alguém do

seu núcleo familiar mais próximo.

5.2.2 Religião e seus significados

Se, de acordo com o professor Allan, a religião é uma construção cultural,

logo, humana, os demais professores a definem de maneiras diversas, porém não

tão diferentes. Nos planejamentos e aulas ministradas, avaliações e trabalhos para

recuperação e complemento de nota, etc., percebe-se a presença de conceitos

vistos durante a análise dos livros didáticos de ER descritos nos capítulos anteriores.

Algumas definições indicam que “Religião é uma necessidade humana. O

humano criou Deus”. Ela seria um “caminho para a religiosidade, um meio para se

entrar em contato com a divindade”. A “crença em um ser superior”, “uma força

maior que move o mundo”, respondeu outra professora. Força a qual se pode

acessar através de “rituais, sons, palavras, mantras, cheiro de incenso, velas que

criam um clima propício para o contato com o eu interior e com o Eu cósmico”, disse

um diretor empolgado com o tema desta pesquisa.

Numa direção não muito simpática, uma das respostas obtidas afirma que

“religião é uma instituição para orientar ou disciplinar seus fiéis”. Uma espécie de

“instrumento, um freio capaz de moldar o ser humano para o bem, criar na

consciência humana um mundo mais civilizado e justo”. Afinal, “ela é feita de

normas e regras que devemos seguir a partir de uma filosofia que acreditamos”.

A religião seria, também, uma forma de “conhecimento passado através da

família”, da “convivência com a prática ou até mesmo na escola, onde se aprende

sobre o tema”; um jeito de “aprender a se encontrar no caminho da vida e definir

metas para alcançar no logo mais” (leia-se como algo a ser alcançado sem demora).

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Religião que “permite religar a alma ao seu Criador. O encontro do ser consigo, com

o próximo, com uma força cósmica (Deus) que rege o universo”.

Ao serem indagados sobre os aspectos facilitadores ou as dificuldades

para se trabalhar o conceito nuclear do ER – “religião” –, um professor, católico,

sempre com uma visível cruz pendurada no pescoço, logo respondeu: “Já parto do

princípio da imparcialidade e quando emito uma ideia, um juízo, deixo bem claro

para o aluno: “Está é a ideia do professor”. Deixo ele à vontade para construir seu

próprio raciocínio e opinião”. Uma professora sinalizou que este tema deveria ser

abordado no ensino médio, onde “o aluno tem maior capacidade de compreensão e

crítica, inclusive para argumentar e comentar o aprendizado com seus familiares”.282

Tal sugestão seria mais coerente com a própria legislação paulista, uma vez que o

ER é oficialmente atribuído aos licenciados em filosofia e ciências sociais, ambas

ministradas somente no ensino médio.

Como presumido, as religiões de matriz afro-brasileira são sempre as

mais citadas em relação às dificuldades de abordagem do fenômeno religioso. Elas

“sempre causam, inicialmente, algum preconceito”, confirmou uma professora de

ER. Os alunos, disse outra, “associam essas religiões com práticas de macumba,

trabalho em encruzilhadas, velas, sacrifícios de animais”. Eles “acreditam que são

algo ruim. Minha estratégia foi um livro que eu trouxe sobre mitologia africana” – pela

descrição, “livro grosso de capa amarela”, pode ser o próprio Mitologia dos orixás, de

Reginaldo Prandi (2001).

Ainda assim, há um consenso no qual é dito que as religiões de matrizes

africanas são culturalmente importantes para se entender o Brasil, mas polêmicas,

ao mesmo tempo. Em razão disso, surgiram alternativas para que fossem abordadas

nas disciplinas já existentes, tais como história, sociologia, filosofia, artes e, até

mesmo, nas ciências naturais.

O ponto a ser destacado é que a escola da professora que usou o livro

sobre a mitologia dos orixás poderia ser espacialmente identificada, segundo

282

Em depoimento à revista Época, Luiz Antônio Cunha, professor Emérito da UFRJ e líder de pesquisa do Olé (Observatório da Laicidade na Educação), fez uma sugestão semelhante: “Essa coisa de ensino religioso científico na escola não existe. Quem quer das Antropologia da Religião, que o faça no ensino médio, com alunos que podem entender” (ARANHA; MENDONÇA, 2008, p.114; itálicos meus).

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descrição dos alunos, como a escola na encruzilhada de Exu. É sabido que os

adeptos dos cultos afros depositam as oferendas do orixá mensageiro nos

cruzamentos entre ruas e estradas. A escola ocupa um quarteirão inteiro, onde se vê

esquinas em todos os extremos. Esquinas que os alunos precisavam atravessar

diariamente. Disseram que de manhã era comum (fui conferir, mas nada vi!)

encontrar por ali oferendas ainda frescas, as macumbas e feitiços citados durante os

relatos.

Figura 13 – Imagem de “macumba”, com definição do termo

Fonte: Fotocópia entregue aos professores durante “Orientação Técnica: Ensino Religioso”. DECOE (Diretoria de Ensino - Região Campinas Oeste), Núcleo Pedagógico, março/2014.

Na escola havia uma aluna, das quatro turmas de ER, a única

autodeclarada adepta de culto afro – era umbandista e “roqueira”, sempre vestida de

preto, cor rejeitada por umbandistas porque associada à linha da esquerda, que

cultua exus e pombagiras. Essa mesma aluna comentara, na ocasião, que os

colegas tinham “curiosidade”, queriam saber o motivo ou a finalidade das oferendas.

Mas o professor, membro da Igreja Messiânica, não acolheu o pedido e não

abordou, em suas aulas, o tema das religiões afro-brasileiras, o que a deixou

frustrada. Havia entre a aluna e o professor um mal-estar anterior, porque ele tinha

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dito, durante uma aula, que “umbanda não era religião” – informação confirmada

pela coordenadora pedagógica. Em conversa comigo, ele negou.

Fato é que, durante o período em que acompanhei as aulas desse

professor, em nenhuma delas as religiões afros foram abordadas; constatação que

procurei conferir em alguns cadernos de alunos. Os apontamentos localizados em

cadernos incompletos tratavam do perfil religioso do povo brasileiro (Censo IBGE

2010), budismo e biografia de Sidarta Gautama, islamismo, sikhismo na Índia e

atentado terrorista contra um templo sikh nos Estados Unidos. Um dos materiais de

apoio usado pelo professor era um caderno de geografia produzido pela própria

SEE-SP.

Alguns dos temas apresentados abaixo também foram trabalhados por

outros professores, sendo possível agrupá-los em dois eixos temáticos: o primeiro

mais atinente à história das religiões; o segundo relacionado a temas de ordem mais

geral, secular, ainda que, em certos casos, permeados por valores de fundo

religioso.283 Essas classificações podem ser organizadas a partir de algumas

palavras-chave, como segue:

Eixo temático de história das religiões:

a) Religião definida como: origens; fenômeno universal e atemporal;

religiões na Antiguidade; etimologia (religio e religare); tipos de religiões;

finalidades da religião; práticas religiosas; calendário (Páscoa e Natal);

noções de sagrado e profano; monoteísmo; politeísmo; marxismo e niilismo;

religião e cidadania; religião e política; religião e ecumenismo; cura/milagre;

ser humano, um ser religioso; religião enquanto experiência individual e

coletiva; conversão; religião e sentido da vida; religião e direitos humanos.

283

Trata-se de um diversificado material reunido ao longo da pesquisa de campo nas escolas: cadernos de alunos, trabalhos e avaliações bimestrais; reportagens (jornais e revistas); livro didático de Geografia; verbetes obtidos em sites específicos; Revista Despertai! (Igreja Testemunha de Jeová); folheto do Pr. Juarez Subirá (Igreja do Nazareno/Campinas); “Mentoreando Jovens com sucesso” (cartilha sem autoria/referência); fotonovela (cartilha realizada pelo Instituto Avon) e outras fontes de pesquisa.

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b) Cristianismo (origem; símbolos; Gênese (Bíblia); Deus (concepção

cristã); perseguições; expansão (África; Ásia; América Latina).

c) Catolicismo (origem; doutrina; sacramentos; religião oficial (Brasil

Império); calendário católico; santos (hagiografia); personalidades (Madre

Teresa de Calcutá, papas e outros); número de católicos no Brasil e no

mundo.

d) Islamismo (origem; pilares; doutrina; situação da mulher muçulmana;

terrorismo; fundamentalismo; ciência islâmica).

e) Judaísmo (diáspora; origem; livro sagrado).

f) Religiões orientais (Ásia: berço das religiões; budismo; Sidarta

Gautama (biografia); xintoísmo; hinduísmo; sikhismo).

g) Brasil: Diversidade religiosa. Estado laico, laicidade (definições).

Constituição Republicana de 1891 (cisão entre Estado e Religião;

secularização; liberdade de crença e culto). Perfil religioso (Censo IBGE

2010). Sincretismo e trânsito entre religiões diversas.

h) Religiões afro-brasileiras (conceito; origens; candomblé; umbanda;

preconceito, intolerância religiosa e discriminação religiosa. Sincretismo

religioso afro-brasileiro).

i) Marcha para Jesus.

j) Conflitos religiosos (Egito; Nigéria; Irlanda do Norte; Irã; Brasil).

Eixo temático de ensino de valores, aspectos existenciais e questões de

interesse mais gerais:

a) Identidade (“Quem sou eu?”); adolescência (“Adolescente não é

aborrecente!”); juventude.

b) O que aprendi no ER? (avaliação discente).

c) Valores (justiça; partilha; solidariedade; caráter (atitude); bondade;

honestidade.

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d) Meio ambiente e questão hídrica no Brasil recente.

e) Violência doméstica contra a mulher: como agir e procurar ajuda

(folheto de uma delegacia de polícia feminina).

São os conteúdos escolhidos pelos docentes que permitem conformar, ou

confirmar, as modalidades de ER. Quanto à proposta escolhida pelo governo

estadual de São Paulo, em nenhuma das fontes de dados os professores e os

gestores citaram a legislação apresentada nesta tese. Este é um terreno

desconhecido para a maioria.

No questionário encaminhado aos gestores (diretores e vice-diretores) de

escolas de ensino fundamental da região Oeste de Campinas constava uma

pergunta sobre o “tipo” de ER em vigor nas escolas estaduais campineiras. Em

alguns casos, essa pergunta (aberta) foi mal interpretada e alguns gestores não

souberam respondê-la. Isso não causou espanto, visto que não há um

acompanhamento pedagógico efetivo das aulas. Ao menos nas escolas visitadas

durante a pesquisa pôde-se notar que realmente as equipes gestoras estão

distantes dos conteúdos ministrados no ER. Das respostas recebidas, uma parte

delas pode ser agrupada na forma abaixo, e apontaram que o ER tinha as seguintes

características (vide modelos de ER descritos no capítulo dois):

1) católico;

2) catequético; católico e catequético; catequético, que abrange conceito,

objetivo, conteúdo e história; catequético/confessional-religioso;

3) confessional; confessional-religioso; confessional-religioso, voltado para o

cristianismo, ignorando as religiões afro-brasileiras e orientais;

4) não confessional;

5) “acredito que ensina história das religiões”; História das religiões, sem

foco numa determinada religião; História das religiões, sem caráter

confessional; “existe uma diversidade muito grande abrangendo várias

religiões”;

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6) “creio ser uma combinação de diversas religiões, que resvalam em alguns

dogmas e geram celeumas”;

8) “não sei responder” (cinco gestores), um respondeu citando literalmente

um trecho do Artigo 33 (LDBEN/1996).

O ER de “caráter supraconfessional” sancionado em São Paulo não

apareceu em nenhuma resposta dos gestores escolares, embora este modelo esteja

oficial e literalmente explicitado no decreto estadual de 2002. Por sua vez, a

expressão “história das religiões”, enquanto termo substitutivo, orientador do

conteúdo e da esperada postura neutra em sala de aula, foi lembrado em diferentes

ocasiões. Segundo um professor de filosofia e ER numa escola da Zona Leste de

São Paulo, era impossível classificar o modelo paulista como confessional, “pois ao

se trabalhar conceitos gerais da religião ou da história da religião, não seria possível

uma abordagem que não fosse ecumênica”. Vale recordar que o termo ecumenismo

também é citado como vertente que procura ir além das confissões cristãs, num

sentido mais próximo ao diálogo interreligioso.

O conhecimento relativo ao quadro legal que regulamenta o ER paulista

fica por conta, quem sabe, dos professores de ER que participaram das orientações

técnicas ocorridas na diretoria de ensino da região Oeste de Campinas. Nessas

ocasiões, a professora-formadora apresentou excertos das brochuras escritas por

Silva e Karnal (2002), dispositivos constitucionais, legislação educacional e, no caso

específico do Estado de São Paulo, exibiu trechos literais da Resolução SE-21/2002.

Procurou, a partir desses subsídios, mostrar quais eram os objetivos do ER:

promoção da cidadania; reconhecimento dos múltiplos grupos sociais e

pertencimentos religiosos; tolerância, combate à ignorância, discriminação e

hierarquização entre as diferentes formas de vida; definição de religião segundo

ponto de vista histórico cultural.284

284

A professora responsável pela orientação técnica cita, num dos slides, um trecho do livro De religiões e de homens, de Jean Delumeau e Sabine Melchior-Bonnet, presente na primeira brochura de ER redigida por Silva e Karnal (2002c, p. 9): “Esclarecer para compreender e aceitar os outros: essa viagem pelo universo religioso de ontem e de hoje, na verdade, só se justifica se levar à tolerância e, portanto, a atitudes pacificadoras. As religiões não são intolerantes por natureza; mas nas mãos dos homens podem vir a sê-lo e muitas vezes o foram, é precisamente a diversidade que faz sua riqueza (...)”.

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Além desses pontos, foram citados os cuidados com o ER, que não

poderia ser um amontoado de conteúdos voltados à evangelização, procura por

seguidores, nem imposição de dogmas, rituais ou orações. Em resumo: a busca por

prosélitos é oficialmente proibida. Em linguagem jurídica, em conformidade com as

normas federais ou estaduais, a percepção referente à proibição do proselitismo é

mais presumida que propriamente conhecida dos professores de ER. Sobre isso,

argumenta uma professora da Zona Norte de São Paulo:

Existem várias possibilidades de religião, é você falar um pouco sobre cada uma (...) e não direcionar pra nenhuma. Esse é o papel do professor de filosofia. É falar que existem várias. Falar da importância de se ter fé independente de qualquer religião ou não. Esse seria o papel do ensino religioso. Só que a gente não pode trabalhar isso porque não é muito bem entendido. Então o que a gente tem trabalhado no ensino religioso? Cidadania que é a matéria da antiga educação moral e cívica, que a gente tinha no nosso tempo... E quando você vai falar de ensino religioso, que você vai falar sobre as possibilidades de religiões que existem, a gente encontra problemas com pais que não entendem que a gente está só colocando, que existem outros tipos de religião a não só a dele. Então não é muito aceito. Teve um pai ligou aqui para a escola uma vez, dizendo que eu estava influenciando o filho a questionar a religião dele, e não era nada disso.

[E qual era a religião do pai?]

Evangélico.

Disse que eu estava questionando, ensinando o filho a questionar a religião dele, a não aceitar os dogmas da religião. Não é nada disso. Então a gente enfrenta alguns problemas... Nas outras escolas tive orientação, mas nessa... “Não se toca em religião! Fala sobre cidadania, bullying, racismo, qualquer coisa. A importância seletiva da coleta de lixo”.

Todos esses assuntos eram abordados na aula de ensino religioso, mas, propriamente dito, a questão da fé, de instrução de vários tipos de religião que existem, que você possa conhecer, isso não tinha. Nunca teve! (Professora de filosofia e ER, São Paulo-SP)

Esse comentário destaca um dos principais aspectos associados ao ER: o

papel que ele desempenha ou qual importância exerce em meio ao rol dos saberes

escolares. Neste quesito, aqueles que visualizam o ER enquanto disciplina que tem

uma função a cumprir, com uma episteme que o particulariza, o fazem como

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entusiastas dessa disciplina. Sobre isso, comentou um professor afastado da

regência para assumir o cargo de vice-diretor: “(...) o ER ajuda na formação integral

do aluno”, pois “agrega valores à sua formação, abrange a parte emocional, a

personalidade e o caráter do indivíduo. O ensino religioso não é uma catequese”.

Entretanto, não é incomum encontrar gestores escolares que avaliam a

inserção do ER como problemática e os motivos apontados são variados. Entre os

que responderam o questionário entregue em Campinas, dentre as críticas, seguem

as principais:

a) O Estado é laico e a religião deveria se restringir ao domínio privado;

b) Resistência e dificuldade dos familiares em compreender para que

serve o ER;

c) Desinteresse dos alunos; docentes despreparados e inabilitados para

lidar com a diversidade religiosa;

d) Conteúdos de ER podem ser atendidos pelas matérias de sociologia e

filosofia, evitando que resvale para o cristianismo, catequese, gerando

preconceito de cunho religioso;

e) A maneira como está implantado no Estado não funciona;

f) Deveria ser substituído pelo acréscimo de uma aula de história, não de

matemática, conforme orientação da Coordenadoria Geral de

Educação Básica.285

5.2.3 O ensino religioso sob o ponto de vista estudantil

Os resultados dos questionários aplicados entre estudantes revelam

maior número de evangélicos que católicos.286 Apenas dois estudantes

285

Comunicado CGEB, de 18-1-2012, orienta que a não opção pela matrícula facultativa em ER, seja substituída pelo acréscimo de uma aula de matemática ou língua portuguesa. Cf.: <http://desaocarlos.edunet.sp.gov.br/publicacoesdoe/2012/janeiro/doe_19_01.htm>. Acessos: 2015; 2016.

286 Foram aplicados 113 questionários entre alunos matriculados exclusivamente nas aulas de ER

oferecidas em escolas estaduais da região Oeste de Campinas e 62 entre os alunos de escolas estaduais da capital paulista. Por esse motivo, o número total de respostas pode apresentar alguns desníveis. É um número pequeno se considerarmos que, em cada escola visitada – 15 ao todo – há,

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identificaram-se como umbandistas e um espírita, de um total de 133 respostas

válidas. Em uma questão aberta, ao avaliarem a oferta do ER, 30 alunos a

consideraram uma matéria desnecessária (“perda de tempo”, “não serve pra nada”,

“não ajuda entrar em escola boa”); 23 avaliaram positivamente como boa ou legal;

22 achavam importante e interessante; 17 afirmaram não gostar em razão da

dificuldade em compreender os temas das aulas, seguidos de uma variedade de

opiniões que não ultrapassavam dois ou três alunos por resposta.

Sobre o que levariam consigo em relação ao ER, a maioria dos

entrevistados mencionou o aprendizado sobre a diversidade das religiões, seus

ensinamentos, o respeito por elas. No entanto, conforme verificado após consultas

aos planejamentos de aula, aos diários de professor, aos cadernos de aluno e às

avaliações bimestrais, posso afirmar que se trata de uma diversidade religiosa

balbuciante, pois limitada ao próprio Cristianismo em suas múltiplas denominações

(PIERUCCI, 2006). Ainda foram citados os aprendizados sobre a Bíblia (livro

sagrado); hierarquia religiosa (padres, pastores e bispos); história do Brasil

(desembarque português, catequese e expansão do catolicismo); outras religiões

(budismo, islamismo, espiritismo, umbanda (uma menção apenas); relação entre

religião e Estado.

Quanto às religiões que gostariam de aprender, por ordem de preferência

temos a seguinte ordenação: catolicismo, citado 21 vezes; em segundo lugar,

budismo (11), igreja evangélica (11) e espiritismo(11); candomblé (7), judaísmo (6),

umbanda (5), islamismo (5), Igreja Messiânica (4), ateísmo (3), Igreja Batista (3);

cristianismo, metodista, Mórmon, Testemunhas de Jeová, religiões satânicas, Deus

é Amor, com apenas uma ocorrência cada. No total foram 94 respostas.

no mínimo, três salas de 9ª ano em cada uma delas, com aproximadamente 35 alunos em cada uma, o que alcançaria um total de quase 1.600 alunos. O questionário proposto, a fim de que pudesse ser respondido em um curto período, não podia exceder uma folha (frente e verso). Foram respondidos durante os intervalos, espaços físicos fora das salas, aulas vagas, jornadas inteiras no interior da escola. Em certas situações, os professores resolveram aplicá-lo como atividade pedagógica. Alguns adotaram o mesmo instrumento, com pequenas modificações, para coletar as opiniões dos alunos sobre as aulas que ofereceram – avaliações ocorridas no final de 2014. A pesquisa de campo se beneficiou dos resultados de uma sondagem docente, realizada no início de 2013, na qual os alunos tinham que escrever uma “Opinião sobre religião” – retomarei estas opiniões adiante.

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No que diz respeito às concepções de religião aprendidas em aula287, que

podem ser justapostas com as percepções, positivas ou negativas, a respeito do ER,

as respostas revelaram a associação deste fenômeno social ao ato coletivo e

individual de crer em algo extra-humano, externo a esse mundo. Dentre as

definições sugeridas, a religião enquanto dimensão vinculada à ideia de “crença” –

sobretudo o ato de crer em algo além deste mundo – foi a mais frequente entre os

estudantes, ao passo que noutras respostas essa relação foi com as palavras “fé,

adesão, aliança, união, conexão, ligação ou comunicação do homem com Deus”. O

termo “Deus” também foi citado como “pai eterno, pai sagrado” ou apenas “pai”.

Em outros casos, o fenômeno religioso foi relacionado ao hábito de

frequentar uma igreja; prática ou experiência (orar, cantar, pregar, ler a Bíblia); uma

doutrina (seguir a “regra” estabelecida por uma igreja); cultura, costumes, ideologia,

estilo de vida e respeito pela religião do outro.

Noutra ponta aparecem as relações entre religião e salvação da vida na

Terra, “forma de afastar as pessoas daquilo que não presta”, “tira (sic) várias

pessoas do mundo das drogas”. Religião ainda é vista enquanto “forma de

conhecimento”, ensinamento moral, que permite aprender “as coisas de Deus e de

Jesus Cristo”, como também uma possibilidade de obter respostas para questões

existenciais, não solucionadas pela ciência – “de onde viemos”, “quem somos”,

“existe vida após a morte?”.

5.2.4 “Nunca ouvi falar em umbanda”: invisibilidade e intolerância religiosa

No que diz respeito aos interesses temáticos dos estudantes em querer

aprender sobre outras religiões, para além daquelas que praticam em seus lares e

comunidades religiosas, nota-se, na seção anterior que, juntos, umbanda e

287

A pergunta era “para você, religião é...?”, que foi mal compreendida por alguns entrevistados mesmo após receberem orientações adicionais do pesquisador. Acharam que se tratava de uma avaliação da disciplina de ER. Essa confusão entre as nomenclaturas indica, para nós, que o ER pode, no cotidiano da escola pública, ser literalmente confundido com aula de “religião”.

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candomblé totalizam doze ocorrências. Foram doze estudantes “curiosos” em saber,

afinal, o que são as religiões afro-brasileiras.288

Uma destas alunas respondeu que gostaria de aprender sobre candomblé

e umbanda, pois sua avó praticava uma delas – ela não soube dizer qual delas, pois

nunca tinha ouvido falar sobre umbanda; não sabia, portanto, distinguir as

variedades de culto afro-brasileiro. Outra estudante, cujo professor havia feito a

distinção entre umbanda e candomblé, fez a seguinte declaração: “Eu amo Ensino

Religioso (...), tinha muito preconceito sobre a religião do candomblé e foi na aula de

Ensino Religioso que esclareci minhas dúvidas”.289

Durante as conversas informais, percebe-se o interesse em obter mais

informações relativas aos cultos afros, mas isso nem sempre é explicitado. Um aluno

perguntou-me se podia escrever “candomblé” no local onde era perguntado qual

religião/quais religiões gostaria de aprender no ER. Esse interesse pode estar

associado ao fato das religiões de matriz afro serem rodeadas por mistérios e

segredos que, não raro, despertam sentimentos meio confusos, que podem ir do

medo ao fascínio ou vice-versa.

O material empírico mostra que as religiões afro-brasileiras praticamente

não foram abordadas no geral das escolas acompanhadas, esta invisibilidade já foi

sinalizada anteriormente nesta tese e também em outros estudos. Alguns

professores alegaram que haviam trabalhado essa temática, mas não havia registros

que confirmassem as experiências. A exceção fica por conta de duas escolas

campineiras, cujos professores de ER manifestaram interesse nas religiões afro-

brasileiras para além dos limites da escola. Não eram praticantes, nem

frequentadores assíduos, mas tinham uma “simpatia” por elas.

288

Ainda que não seja uma curiosidade universal da parte dos alunos, a antropóloga Marilu Márcia Campelo (2005) percebeu algo semelhante em seus dados coletados numa pesquisa realizada em escolas públicas estaduais dos municípios de Belém e Ananindeua/PA. Durante as conversas informais, a autora notou que grande parte os estudantes das séries iniciais do ensino médio tinham curiosidade em saber mais sobre a cultura e a religiosidade afro-brasileira. 289

A didática do professor citado pela aluna foi negativamente avaliada pela turma. Consistia em ditados, que os alunos tinham que copiar, muitas vezes interrompido em razão do término da aula, sem retomada ou finalização na aula seguinte. Lembremos da equação do caso paulista: ER = 1 aula semanal = 45 minutos de duração. Essa queixa não se restringe ao ER, ouvi relatos semelhantes em relação ao método do professor de artes da mesma escola.

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Numa das escolas290, no início de abril de 2013, o professor solicitou aos

alunos uma “Opinião sobre religião”.291A atividade foi acolhida, mas de maneira

diversa daquela pretendida pelo professor, pois eles passaram a discorrer sobre

suas próprias religiões. Das opiniões que li uma tratou do assunto de uma forma

mais ampla:

Bom no meu modo de ver as coisas Religião e futebol não se discute pois só da confusão.

Mas na minha opinião Religião é aquela que cada um tem a sua, independente de qual for, católica, evangélica, na [sic] importa. Cada pessoa acredita naquilo que crê, mas para mim existe apenas um Deus aquele que criou o Céus e a Terra.

Bom mas isso não é o mais importante a ser lembrado, e sim do respeito que as pessoas em geral deveriam cumprir com suas obrigações e além disso respeitar cada uma das religiões não importa qual seja, pois para mim Deus e o respeito são as coisas que eu mais AMOOO... (Aluna do 9º ano, Campinas-SP). 292

Do volume entregue ao professor, de uma sala de 30 a 35 alunos ou

talvez mais, apenas duas opiniões mencionaram a religiosidade afro-brasileira – uma

delas estava com o papel bem dobrado, como se fosse uma carta a ser entregue. As

autoras eram umbandistas, brancas – uma delas tinha sobrenome de origem italiana

– e presume-se, frequentadoras do mesmo “centro”, pois finalizaram suas

apreciações sobre o assunto com o seguinte lema: “A Umbanda é paz e amor. É a

força que me dá vida”. Seguem as transcrições literais das opiniões registradas

pelas alunas:

1ª Opinião:

Olá, hoje eu vou falar sobre a “umbada” [sic]. Pois Umbanda como todos já sabem é uma religião que tem seus direitos a serem respeitados.

290

Uma ialorixá baiana, há décadas instalada em Campinas, atuante na lavagem das escadarias da Catedral, informou que no bairro onde fica a escola existem muitos terreiros da nação angola – culto afro de matriz banto predominante no município. Essa informação sobre a quantidade de terreiros no bairro da escola não foi mencionada durante as conversas com o professor de história e ER. 291

Para Antonio Viñao, uma das formas de aproximar-se dos alunos é estudando o “produto de seus trabalhos” (2008, p.17). Essa produção inclui uma variedade de registros escritos (exames, cópias, redações, ditados, deveres escolares etc.), aqui concebidos como “documentos” que podem ser usados como fontes de informação (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2001, p. 169). 292

As transcrições preservaram literalmente os grifos, aspas, letras maiúsculas, etc., dessas fontes, conforme originais fotografados.

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Na Umbanda tem que ter respeito com os “guias”... Guias são almas que precisam de luz para conseguirem entrar no Céu...

Na Umbanda tem dois lados a Esquerda [aluna escreveu em vermelho] e a direita [idem]. Na esquerda tem Pombagiras e Exús [sic], já na direita são guias de luz como Baianos, Caboclos, Pretos velhos, Iemanjá, Cosmi-Damião [sic], Boiadeiro, Marinheiro... Esses fazem parte da direita cada um deles como espíritos tem uma missão para ser cumprida para poderem ir pro Céu...

Irá fazer 13 anos que eu frequento a Umbanda e nunca tive preconceito.

Eu admiro muito o trabalho deles, gosto de cada um deles, e nem por isso irei criticar a religião dos outros.

A Umbanda é

paz e amor

É a força que

me da vida.

2ª Opinião:

Bom, professor nem sei como começar, mas vamos lá né eu consigo!

Eu não gosto de criticar a religião dos outros, porque a partir do momento que Reencarnamos já temos o Livre Arbítrio; e cada um tem o direito de escolher sua religião!

Sei também que tem muitas pessoas, que criticam a minha religião Umbanda, como falando várias coisas tipo: Sai isso é coisa do... [diabo?], mas eu não to nem ai porque é uma coisa que ta no meu sangue, nas minhas raízes. Tem muitas pessoas que são assumidas, vão em centro recebe e são pessoas muito boas!

[Aluna desenhou uma estrela de Davi]: “A umbada [sic] é paz e amor é força que nos da [sic] vida...”.

Fim.

Há um fato notável a ser apontado. Os alunos, que assinalaram, durante a

aplicação do questionário, que desejavam obter mais informações sobre alguma

religião específica, queriam, muitas vezes, aprender mais sobre suas próprias

religiões. Em contrapartida, ao ler as opiniões das alunas umbandistas – escritas no

calor da hora, sem acesso a sites de pesquisa e outras mídias –, nenhum adepto ou

estudioso dos cultos afro-brasileiros duvidaria que elas possuem um conhecimento

sofisticado sobre a cosmovisão umbandista. As respostas dessas alunas revelam

um conhecimento sobre o funcionamento da cosmovisão umbandista – legiões de

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espíritos hierarquizados que atuam numa determinada faixa ou corrente vibratória –

e ainda mencionam as matrizes da umbanda – candomblé (representado por

Iemanjá), espiritismo (“almas que precisam de luz”, segundo doutrina de Kardec) e

catolicismo popular (Cosme e Damião, santos associados aos espíritos infantis, os

eres ou ibejis). É esse conhecimento, aprendido cotidianamente nos terreiros,

conforme escreve Stela Guedes Caputo, em Educação nos terreiros (CAPUTO,

2012), que a escola pública resiste em reconhecer.

Não se pode esquecer que a escola, além de ser uma “instituição formal

instrucional” (SETTON, 2008, p. 15), é também um espaço de integração cultural.

Sua estrutura compreende “não apenas as relações ordenadas conscientemente

mas, ainda todas as relações que derivam da sua existência enquanto grupo social”,

ensina o clássico texto “A estrutura da escola”, de Antônio Cândido (1974, p. 197).

A escola em seu espaço interior, mas sem perder a ligação com a

sociedade extramuros, “deve circular os conhecimentos de formação pessoal e

humana do indivíduo”, justifica o jovem professor de filosofia293 em seu projeto de

atividades para um semestre de ER numa escola campineira. Ao justificar que o

Brasil é um país religiosamente plural, ele propôs, em 2015, a realização de

palestras, com a finalidade de propiciar o conhecimento sobre as várias religiões

mediante o contato direto entre alunos e representantes religiosos. Dentre as

religiões que compunham o projeto estavam o cristianismo, o catolicismo, o

protestantismo, o islamismo, o hinduísmo, o judaísmo, o candomblé e a umbanda –

em especial, as duas últimas em consideração às particularidades culturais do país.

Intitulado “O Paradigma da Religião: Vivências diferentes do mesmo

fenômeno” constava na “Introdução” do projeto que:

[...] a religiosidade está presente no homem dês de (sic) sua tomada de consciência de que na natureza existem coisas que fogem de seu controle e de sua capacidade de conhecer e dominar todos os seus efeitos, outro fato que se torna fundamental, para o surgimento de uma manifestação religiosa, foi o reconhecimento da morte, como

293

Licenciado em Filosofia (PUC-Campinas), 28 anos, com especialização em libras. Trabalhava, mediante aprovação em concurso interno, como tradutor e intérprete temporário na UNICAMP. Homossexual assumido na “vida lá fora” e no interior da escola também. Não se declarou religioso, porém tinha um interesse especial (e amigos iniciados) pelo candomblé. Tema que resolveu “encarar” com o apoio da diretora, sem objeções da coordenadora pedagógica, publicamente evangélica.

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algo independente de sua vontade e longe de seu controle. Com isso a ideia de um Ser Superior, que orquestraria todas as ações no mundo se faz necessária para o alivio de sua angustia frente ao desconhecido, o qual se torna palpável através da experiência do sagrado.

Além do tom relativista presente no título – mesmo fenômeno, porém

vivido de diferentes maneiras –, o projeto defendia que a vivência religiosa permite o

restabelecimento da ligação com o “Ser Supremo Espiritual”, com o mundo “além da

morte”, o que obriga o “respeito ou culto aos mortos, sanando a inquietação humana

frente à sua concepção do desaparecer”. Conforme este argumento, sagrado e

profano seriam dimensões responsáveis pelo “encantamento do mundo”, capazes de

desenvolver “valores, éticas e vivencia moral que são difundidas na cultura e em

suas expressões, de seus seguidores”.294

A palestra sobre o candomblé foi realizada por uma amiga do próprio

professor, branca, iniciada na religião dos orixás, também professora do ensino

fundamental em um município vizinho. Vale recordar que este tema – religiões afros

– é apresentado num dos volumes de ER da SEE-SP, no qual é possível ler que o

candomblé “é o nome dado na Bahia” – leia-se, em todo território brasileiro – “aos

cultos, mitos e grupos que representam, para seus adeptos, as tradições dos

antepassados vindos da África” (SILVA; KARNAL, 2002d, p. 12). Ainda segundo os

autores, “os rituais do candomblé são uma liturgia que obedece a uma articulação

lógica, rica e profunda”, pois “reatualizam um sentido de natureza, da relação dos

homens com o meio e ressignificam os papéis de gênero, já que abrigam em seu

panteão divindades masculinas e femininas” (SILVA; KARNAL, 2002d, p. 14).

Ao ler o material entregue pelos alunos após a realização da palestra – 14

opiniões em formato de redações –, pude verificar que o conteúdo resumido, sem

muitas variações, aproximava-se do que já vimos nos livros didáticos de ER.

Destacam-se, entretanto, alguns acréscimos, sendo um deles a referência ao

sacrifício ritual no candomblé, corretamente registrada pelos alunos (algumas partes

294

“Projeto: O Paradigma da Religião: Vivências diferentes do mesmo fenômeno”, Campinas, 2015, p. 1.

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dos animais sacrificados são reservadas aos orixás e o restante consumido pelos

fiéis e convidados em dias de festa pública).

Os alunos adotaram uma sequência expositiva quase sempre iniciada

com as matrizes culturais, geográficas e rituais do candomblé (nagô, jeje e angola);

citam a expressão macumba enquanto termo a ser evitado; o conjunto dos orixás

cultuados, seus domínios naturais, atividades humano-culturais, cores, etc.; liturgia

(canto, dança e possessão ritual); hierarquia; redistribuição do axé (energia vital),

comensalidade entre orixás e humanos e as quizilas (euós) alimentares; perseguição

policial aos terreiros durante um longo período da história do Brasil; sincretismo afro-

católico, com destaque para o Estado da Bahia; diferença entre umbanda e

candomblé (a primeira cultua “espíritos” e, a segunda, “as manifestações da

natureza, que eles chamam de orixás”); processo iniciático (“feitura do santo”),

reclusão, “estudo e dedicação no ilê”(casa) e, por fim, a presença do candomblé no

“folclore” e na cultura brasileira de modo geral.

Esses itens constituem um repertório temático relativo ao universo das

religiões afro-brasileiras que foi sintetizado pelos alunos presentes na palestra do

professor campineiro. Eles puderam acompanhar, com a projeção de slides em

Power Point, algumas questões de ordem histórico-cultural, fugindo das nuances

relativas à experiência religiosa mais restrita aos iniciados na religião dos orixás.

No entanto, se estivesse viva, Sandra Medeiros Epega – Iyá Sandra

Epega de Xangô –, uma das principais lideranças dos cultos afro-brasileiros em São

Paulo, talvez aprovasse a intenção, mas reprovasse a metodologia pretendida pelo

professor.295 Ela integrou a comissão liderada por Roseli Fischmann, onde

discutiram a regulamentação do ER paulista, em 1995, antes mesmo da aprovação

da atual LDBEN/1996. Caso o ER fosse

[...] realmente implantado, queremos, exigiu Epega, ser contemplados em igualdade de condições. Não importando (...) se

295

Sandra Epega transitava por diferentes espaços, da academia ao universo político, mas sem vinculação partidária. Na década de 1990, integrou o Conselho de Participação da Comunidade Negra do Estado de São Paulo. Publicou artigos (EPEGA, 1999), reportagens, apresentou comunicações orais em eventos acadêmicos etc. Estivemos juntos, por coincidência, pela última vez, durante o evento de 18 anos da Diálogo – Revista de Ensino Religioso (Paulinas), comemorado com o seminário “Ensino Religioso: O que ensinar? Como ensinar?” (São Paulo, de 22 a 23 de agosto de 2013). Ela faleceu logo depois, em dezembro de 2013.

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nossas Religiões são majoritárias, minoritárias, discriminadas ou vistas através de uma ótica preconceituosa secular, religiosa e racial, com a qual estamos tendo uma coexistência difícil e dissimulada, dentro do mito brasileiro da paridade e tolerância democrática racial (EPEGA, 2001a, p. 2).

Essa reivindicação foi originalmente publicada em um manifesto contra o

ER nas escolas públicas de São Paulo, posição mantida por Epega nos três

editoriais do Informativo Tambor, periódico criado por ela e distribuído nos

candomblés de São Paulo (ver Anexos 2,3 e 4 no final desta tese). Para essa

militante dos direitos humanos, que se identificava como “sacerdotisa da Tradição do

Orìsà” e rejeitava os termos “terreiro”, “mãe-de-santo” e “candomblé”, as

Aulas magnas [palestras em escolas], professadas eventualmente por sacerdotes das mais diversas Religiões, são por nós consideradas perigosas, porque existe, é fato e não adianta querer negar, o hábito do proselitismo em determinadas Religiões, e nossas crianças não devem estar expostas a conhecimentos religioso específico que não o nosso, principalmente ainda em tenra idade, cursando o primeiro grau. (...). (EPEGA, 2001a, p. 2).

Epega também recomendava que os professores de ER fossem

“recambiados” à Academia para uma “reciclagem mínima de dois anos” em filosofia,

psicologia e história das religiões. Que retornassem às escolas, após a reciclagem

acadêmica, “com uma visão plural religiosa, para lecionar, não Ensino Religioso,

mas Filosofia Religiosa, uma História Mundial das Religiões, sem privilégio de

nenhuma, por mais forte e majoritária que ela seja no país” (EPEGA, 2001a, p. 2).

Que não fossem vinculados a nenhuma confissão religiosa, proibidos de

evangelizarem, cujos sentimentos religiosos não fossem radicalizados em sala de

aula.

Contrária à realização de palestras de caráter religioso ministradas em

escolas públicas – que poderiam configurar uma associação espúria entre Estado e

religião –, durante intervenção realizada na I Audiência Pública do Ensino Religioso,

promovida pelo CEE-SP, em 12 de novembro de 2001, Sandra Epega se dispôs a

conversar com professores de ER e demais funcionários escolares, a fim explicar-

lhes as complexidades das religiões afro-brasileiras. Com isso, poderia auxiliá-los na

resolução de conflitos ou situações de intolerância ocasionados por preconceito ou

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discriminação religiosa (EPEGA, 2002, p. 82). Essa disposição, ou abertura ao

diálogo inter-religioso, foi mantida nos três editoriais aqui mencionados e anexados.

Reunindo todos esses elementos vistos até aqui, é possível dizer que este

capítulo se beneficia da ampla discussão empreendida neste trabalho. Primeiro

porque retoma a historicidade jurídica dessa disciplina na escola pública, em

particular na paulista. Segundo, porque ele atravessa o debate sobre a classificação

dos modelos de ER citados, direta ou indiretamente, nos marcos legais federais, nos

Estados e na literatura especializada. Este percurso facilitou a chegada ao modelo

supraconfessional do tipo paulista. Ele é o único do país que apresenta uma

proposta de ER que, em teoria, deve ser desenvolvida sob o ponto de vista histórico-

cultural, e não sob o viés confessional, catequético e proselitista.

Falar “sobre” as religiões, ao invés do ponto de vista teológico, ou

estritamente “religioso”, que caracteriza cada uma delas, talvez contornasse a

rejeição escolar ao ER. No entanto, o caráter supraconfessional em si não soluciona

as querelas em torno dessa área do conhecimento, pois a perspectiva confessional

permanece presente. Se forem consideradas as religiões afro-brasileiras como

exemplo de conteúdo raramente abordado nas aulas de ER suspeita-se que a

aprendizagem sobre costumes, crenças e ritos, associados aos diferentes

fenômenos religiosos permanecerá limitada, nas escolas públicas, ao ensino das

religiões hegemônicas. Com isso, perdem as religiões “menores”, também

constituintes das matrizes culturais e religiosas do povo brasileiro.

Se a oferta do ER nas escolas públicas paulistas permanecer como está,

será urgente repensar o modelo em vigor e, se possível, alterar normativamente a

nomenclatura “ensino religioso” para “história das religiões”. Essa medida teria que

contemplar, efetivamente, a diversidade religiosa dos educandos. Todavia, entre a

norma legal e a prática real, mesmo o termo substitutivo “história das religiões” não

seria capaz de impedir que o ER ministrado nas escolas públicas nada fique a dever

ao “ensino religioso” ministrado numa escola confessional qualquer.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se pôde acompanhar nos capítulos precedentes, este trabalho

revela um percurso estruturado em quatro momentos. O primeiro trata do plano

jurídico, que normatiza o ER na esfera pública federal e nas leis que regem a

educação nacional. Na sequência, ainda relacionado a este capítulo inicial, vimos os

diferentes modelos epistemológicos surgidos ao longo das fases e das

transformações históricas do ER, que vai do paradigma catequético e teológico às

propostas baseadas na fenomenologia, ciências e história das religiões. Um terceiro

momento refere-se ao exame dos livros didáticos dirigidos à operacionalização dos

conteúdos relativos ao ensino das (e sobre) as religiões. O último capítulo apresenta

os resultados da investigação empírica realizada em escolas públicas estaduais dos

municípios de São Paulo e Campinas/SP.

A pergunta que norteou esta tese inicialmente referia-se à maneira como

o ER, constitucionalmente previsto, vem sendo desenvolvido nas escolas públicas

brasileiras, em especial nas escolas da rede pública do Estado de São Paulo. Com

isso, também interessava saber qual a importância desse componente curricular

entre os professores e alunos, tendo como ênfase a noção de religião e a relação

que eles elaboram com esta categoria que nomeia e distingue o ER.

Numa segunda frente de pesquisa, mas entrelaçada ao exposto acima,

procurei reunir os olhares sobre fenômeno religioso presentes numa variedade de

fontes e quais seriam as percepções sobre a religião, então considerada como um

dos principais fenômenos históricos da humanidade. No caso específico dos livros

escolares, interessava ver se as narrativas (unidades, capítulos, seções etc.)

privilegiavam uma espécie de “essência” da religião – a estrutura específica deste

fenômeno – ou se procuravam explicitar os contextos socioculturais nos quais as

muitas religiões emergiram.

Essas duas orientações estão presentes nas abordagens dos autores dos

livros escolares de ER, mas ambas são empregadas de maneira diversa daquela

mais afeita às ciências humanas dedicadas ao estudo científico das religiões. No

âmbito acadêmico exige-se, dos pesquisadores, uma coerência nas escolhas

teóricas e metodológicas, porém, o mesmo não se observou entre os autores e

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organizadores dos livros didáticos de ER. A partir da análise das coleções

apresentadas, foi possível verificar que eles buscaram convencer crianças e jovens

estudantes que a noção de vida boa exige alguma religião e pautaram suas

argumentações na ideia de religião enquanto dimensão intrínseca ao sujeito e de

necessário cultivo.

Se o intuito deste trabalho foi perseguir os usos e sentidos do conceito de

religião presentes nas fontes jurídicas, didáticas e bibliográficas examinadas,

considerou-se relevante incorporar neste debate o lugar reservado às religiões afro-

brasileiras, ainda hoje mal compreendidas em diferentes segmentos da população.

Vimos que os conteúdos de ER visualizados no conjunto de dispositivos normativos,

nos livros escolares, documentos de diretorias de ensino, material do professor, etc.,

refletiram, em alguma medida, os elementos característicos das religiões que

formaram a cultura Ocidental, sobretudo o cristianismo. Essa visão, quando presente

em aulas de ER, sobreleva as denominações hegemônicas em prejuízo da

multiplicidade de filiações religiosas dos brasileiros – fato, este, que deveria inibir o

uso de concepções absolutas ou universalizantes, como reafirmado em diferentes

momentos.

Enquanto área específica reconhecida pelos órgãos federais e estaduais

de educação, os setores favoráveis ao ER o defendem como uma forma de

conhecimento que possibilita ao professor e ao estudante uma compreensão

pluralista do fenômeno religioso. Isto poderia contribuir para a efetivação de uma

sociedade brasileira democrática, na qual o direito à liberdade de crença e culto seja

efetivamente respeitado. Entretanto, a despeito do posicionamento em prol da

pluralidade religiosa, vimos que nem mesmo alguns dispositivos legais zelam pelo

princípio de laicidade – refiro-me, especialmente, ao embaraçoso decreto do ER

paulista que menciona o respeito a Deus.

O ER é tido como componente curricular que proíbe o proselitismo em

respeito à diversidade religiosa e cultural do Brasil. Embora isto sirva de justificativa

para sua oferta obrigatória nas escolas públicas, o ER não tem sido tematizado tal

como preveem s normas legais promulgadas após a LDBEN/1996. Sobre este

ponto, autores e organizadores de livros didáticos insistem em convencer seus

leitores que suas respectivas coleções de ER obedecem às normativas federais,

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que não intencionam privilegiar nenhuma denominação religiosa; no entanto, eles

empregam, intencionalmente, uma infinidade de referências e aportes visuais

relacionados ao Cristianismo. O catolicismo, conforme destacado no terceiro

capítulo, é apresentado como “tradição cultural” da maioria dos brasileiros e,

portanto, o “Brasil é o país com maior número de católicos no mundo”.296

Se a diversidade das religiões fosse efetivamente abordada nas aulas de

ER das escolas visitadas, as alunas campineiras que escreveram suas opiniões

sobre a religião, a fim de relativizar e explicar as características centrais de suas

pertenças religiosas – a umbanda –, não estariam sozinhas neste processo de

desconstrução de estereótipos e preconceitos causados por um sentimento de

“negrofobia” (SILVA, 2005, p. 121). Este sentimento atinge de maneira contundente

as religiões de matrizes africanas e todo o universo mítico que elas evocam.

Lembremos que em suas respectivas opiniões, citadas no final do

capítulo cinco, as alunas umbandistas sinalizaram o preconceito que os adeptos das

religiões afros vivem nas escolas públicas. Decerto elas não são as únicas

estudantes que escondem, ou omitem, suas participações em comunidades-terreiro

por temor de represálias e discriminação religiosa, seja da parte dos professores,

alunos e demais membros da comunidade escolar. Quanto a isso, existem várias

pesquisas que o demonstram, incluindo a Relatoria do Direito Humano à

Educação297, que tem como um dos eixos a intolerância religiosa nas escolas

públicas.

Em relação aos professores, a transmissão dos valores cristãos também

é frequente. O que leva Oliveira (2006, p. 229) a interrogar: se a “educação religiosa

é algo considerada como algo individualizado”, porque ela tem que induzir os alunos

ao “padrão cristão”?

Como sabido, o universo das religiões é plural, multifacetado, comporta

uma variedade de correntes religiosas, que estimula o percurso religioso entre

denominações diversas. Assim, cabe questionar qual o valor pedagógico do ER

296

INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 3 (Tradições), cap. 1 (Onde mora a divindade?), p. 18. 297

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escolar que insiste tratar as religiões como se elas fossem experiências culturais

isoladas, e não como fenômenos socioculturais que se relacionam com outras

dimensões da vida social. Ou que ainda insista no ensino de cosmovisões

religiosas, valores éticos ou questões existenciais sobre o “sentido da vida”. É essa

perspectiva que tem orientado as narrativas dos livros escolares, bem como os

programas e aulas de ER dos municípios pesquisados. Realidade, essa, que

provavelmente se repete em outras regiões do país.

Vimos que a oferta do ER é posta como obrigatória em todo o território

nacional. No caso específico de São Paulo, essa obrigatoriedade restringe-se ao

ensino fundamental, mas especificamente para as turmas do 9º ano. No entanto, ao

regulamentar o que está previsto nas normas federais, a rede estadual paulista

estendeu o ER para as séries iniciais, retirando-lhe o caráter facultativo legalmente

estabelecido. Outro fato a ser lembrado é que o Estado de São Paulo atribui o

magistério do ER aos licenciados em áreas das ciências humanas ministradas

exclusivamente no ensino médio – sociologia e filosofia, com exceção do ensino de

história ministrado a partir do ensino fundamental.

Admite-se, portanto, que existem áreas do conhecimento consolidadas e

epistemologicamente aptas ao oferecimento dos conteúdos relativos à “história das

religiões”. Nesta direção, teria que se pensar qual motivo em se manter uma

disciplina que, decorrido mais de dez anos da promulgação da lei paulista de 2001,

tem se mostrado limitada em sua abordagem da diversidade religiosa nas escolas

públicas estaduais de São Paulo.

Em pesquisas de natureza qualitativa há sempre perdas e ganhos.

Assumo, portanto, que não acompanhar apenas uma escola pública estadual, mas

também outras simultaneamente, proporcionou-me uma visão mais geral a respeito

da inserção do ER nas regiões investigadas, seu entendimento enquanto disciplina

escolar, com alguma chance desses arranjos se repetirem em diferentes unidades

da rede estadual paulista. Reconheço, contudo, os limites dessa pressuposição,

pois existem poucos estudos sobre o ER na capital e no interior do Estado. Trata-se

de uma disciplina desprestigiada para muitos alunos e professores, cuja oferta

obrigatória – e matrícula nem sempre facultativa – permanece inalterada no

conjunto dos componentes curriculares oferecidos na educação básica.

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Posto isso, reitero que este trabalho não teve como propósito dar a

solução para as questões diretivas propostas, pois trata-se de um campo de

estudos ainda por ser explorado. Conhecemos experiências de pesquisas

desenvolvidas nos grandes centros urbanos – sobretudo nas capitais do Sul e do

Sudeste –, mas ainda resta muito por descobrir em relação ao ER que se processa

nas escolas públicas (e também nas instituições particulares confessionais e não-

confessionais) de outras regiões do país, onde, quiçá, o ensino confessional católico

reina soberano.

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______. Uma raiz profunda... O ensino religioso na escola pública de São Paulo. (Revisão Crítica: Paulo Miceli). São Paulo: Secretaria de Estado da Educação: CENP-Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas; UNICAMP-Universidade Estadual de Campinas, 2002d. (vol. 4)

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Religión, cultura y política en las sociedades del siglo XXI. Buenos Aires: Biblos Editora, 2013. STEINDL-RAST. Pertencendo ao universo: explorações na fronteira da ciência e da espiritualidade. São Paulo: Cultrix, 1998. TAVARES BASTOS, Aureliano Candido. Cartas do Solitário. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1938. TEIXEIRA, Faustino. Ciências da religião e “ensino religioso”. In: SENA, L. (org.). Ensino religioso e formação docente: ciências da religião e ensino religioso em diálogo. São Paulo, Paulinas, 2007. USARSKI, Frank. Ciência da Religião: uma disciplina referencial. In: Sena, L. (org.). Ensino religioso e formação docente: ciências da religião e ensino religioso em diálogo. São Paulo, Paulinas, 2007. ______. História da Ciência da Religião. In: PASSOS, J. D; USARSKI, F. (orgs). Compêndio de ciência da religião. São Paulo, Paulinas, 2013. XIMENES, Salomão Barros. O ensino religioso nas escolas públicas brasileiras: do direito à liberdade de crença e culto à prestação estatal positiva. In: RANIERI, N. B. S. (coord.); RIGHETTTI, S. (org.). Direito à educação: aspectos constitucionais. São Paulo: Edusp, 2009a. ______. O ensino religioso obrigatório nos sistemas de ensino e sua relação com os direitos humanos. In: Encontro Anual da ANDHEP, 5., 2009, Belém. Anais... Belém, ANDHEP, p. 1-18, 2009b. Disponível em: <http://www.andhep.org.br/anais/arquivos/vencontro/gt9/gt09p07.pdf>. Acesso em: ago.2016. ZAMBONI, Ernesta. Representações e linguagens no ensino de história. Revista Brasileira de História, v. 18, n. 36, p. 89-102, 1998. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-01881998000200005>. Acesso em: nov.2015. WILLAIME, Jean-Paul. Pour une définition sociologique de la religion. In: Sociologie des religions. Paris: PUF, 1998.

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227

LIVROS DIDÁTICOS DE ENSINO RELIGIOSO CARNIATO, Maria Inês. Expressões do sagrado na humanidade, 7º ano: professor. ed. rev. e ampl. São Paulo: Paulinas, 2010. ______. Nossa opção religiosa, 9º ano: professor. ed. rev. e ampl. São Paulo: Paulinas, 2010. ______. Podemos entender sinais, 3º ano: professor. e. rev. e ampl. São Paulo: Paulinas, 2010. ______. Somos um povo em comunicação, 5º ano: professor. ed. rev. e ampl. São Paulo: Paulinas, 2010. DALDEGAN, Viviane Mayer. Redescobrindo o universo religioso: educação fundamental; livro do professor, vol. 1, 4ª ed. atual. Petrópolis: Vozes, 2011. EDITORA MODERNA. Entre amigos: ensino religioso: 9º: ensino fundamental. 2º ed. São Paulo, 2009. INCONTRI, Dora; BIGHETO, Alessandro Cesar. Deuses na Bahia de Todos-os-Santos. In: Jeitos de crer: buscando Deus. Ensino fundamental, 4º ano. São Paulo: Editora Ática, 2010. ______. Os orixás que protegem a vida. In: Jeitos de crer: vivendo a vida. Ensino fundamental, 3º ano. São Paulo: Editora Ática, 2010. ______. Todos os jeitos de crer: ensino inter-religioso, 6º ano, vol. 1 [Vidas]. 2ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2010. ______. Todos os jeitos de crer: ensino inter-religioso, 7º ano, vol. 2 [Valores]. 2ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2010. ______. Todos os jeitos de crer: ensino inter-religioso, 8º ano, vol. 3 [Tradições]. 2ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2010. ______. Todos os jeitos de crer: ensino inter-religioso, 9º ano, vol. 4 [Ideias]. 2ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2010. PEREIRA, Marcos Sidney. Redescobrindo o universo religioso: educação fundamental; livro do professor, vols. 2-5, 4ª ed. atual. Petrópolis-RJ: Vozes, 2011. POZZER, Adecir. Redescobrindo o universo religioso: educação fundamental; livro do professor, vols. 6-9, 3ª ed. atual. Petrópolis-RJ: Vozes, 2011. STEEL, Edson. Cultura religiosa: segundo segmento do ensino fundamental: educação de jovens e adultos-EJA. São Paulo: Global, 2010. VASCONCELOS, Ana. Manual compacto de ensino religioso. São Paulo: Rideel, 2010.

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APÊNDICE A

Fonte: Banco de teses de dissertações (Portal Capes e IES-Instituições de Ensino Superior)

Pesquisas realizadas em Instituições de Ensino Superior (IES)

Instituições Universitárias

EST 18

PUC-SP 25

PUC-PR 8

UFPB 8

UNIDA 6

UFRJ 4

UNICAP 4

PUC-GO 3

PUC-MG 3

UNESP 3

PUC-RS 2

UERJ 2

UFC 2

UFJF 2

UFSC 1

UnB 2

UNICAMP 2

UPM 2

USP 2

FURB 1

PUC-RJ 1

UCP 1

UEL 1

UEM 1

UEPA 1

UFPR 1

UFS 1

UFSC 1

UFSCAr 1

ULB 1

UMESP 1

UNILASALLE 1

UNISANTOS 1

UNISINOS 1

UNISUL 1

* UNIVERSIDAD

COMPLUTENSE DE

MADRID (Espanha)

1

TOTAL 116

n° de estudos sobre ensino religioso

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229

APÊNDICE B

Fonte: Banco de teses de dissertações (Portal Capes e IES-Instituições de Ensino Superior)

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230

APÊNDICE C

Fonte: Banco de teses de dissertações (Portal Capes e IES-Instituições de Ensino Superior)

Pesquisas defendidas por Região, Nível e Área do Conhecimento

REGIÃO n° de trabalhos defendidos

Sudeste 58

Sul 38

Nordeste 13

Centro-Oeste 5

Norte 1

*Exterior (Espanha) 1

total 116

NÍVEL

Doutorado 20

Mestrado 96

Total 116

ÁREA DO CONHECIMENTO

Educação 37

Teologia 45

Ciências da Religião 23

Ciências Sociais 3

Direito 2

Antropologia e Sociologia 2

Antropologia Social 1

Educação, Arte e História da Cultura 1

Filologia e Língua Portuguesa 1

Filosofia 1

Total 116

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APÊNDICE D

(Roteiro) Pesquisa: Ensino religioso em escolas públicas estaduais (Municípios de São Paulo e Campinas/SP) QUESTIONÁRIO DO PROFESSOR NOME: ESCOLA: DATA:

BLOCO I

1. Formação universitária: ( )Bacharelado ( )Licenciatura Plena 2. Onde estudou (Instituição de Ensino Superior)? 3. Curso(s)(Pode assinalar mais de uma resposta): ( ) Filosofia ( ) Geografia ( ) História ( ) Sociologia ( ) Outro (Qual): 4. Pós-Graduação: ( ) sim ( ) não. Curso: 5. Participou de alguma formação continuada, capacitação, aperfeiçoamento, extensão cultural, etc., sobre “ensino religioso” ou temas afins? 6. Leciona qual disciplina: ( )História ( )Sociologia ( )Ensino Religioso ( )Filosofia ( )Outra (Qual): 7. Qual é a sua religião? (Pode assinalar mais de uma resposta): ( ) Budista ( ) Candomblé ( ) Católica ( ) Espírita ( ) Evangélica Pentecostal ( ) Evangélica Neopentecostal ( ) Judaica ( ) Islâmica/Muçulmana ( ) Protestante ( ) Umbanda ( ) Sem religião

( ) Ateu ( ) Agnóstico

( ) Outra (Qual): 8. Qual nível de ensino leciona atualmente? (Pode assinalar mais de uma resposta) ( ) Ensino Fundamental I

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( ) Ensino Fundamental II ( ) Ensino Médio ( ) EJA - Ensino Fundamental ( ) EJA - Ensino Médio

BLOCO II

9. Qual é a sua opinião sobre a oferta obrigatória do ER em escolas públicas? 10. Trata-se de uma disciplina inserida no horário normal de aulas? Como as turmas de ER são formadas e homologadas nas escolas públicas estaduais de São Paulo? 11. Como foi a recepção dos alunos do 9º ano (antiga 8ª série) em relação ao ER? 12. Qual é a sua opinião sobre a nomenclatura “Ensino Religioso”? Mudaria ou manteria o nome desta disciplina? Qual nome escolheria? 13. O que é religião para você?

BLOCO III

14. Quais recursos didáticos/pedagógicos você utilizou para planejar e ministrar suas aulas de ER? 15. Quais conteúdos de ER você trabalhou até agora? 16. Teve alguma facilidade e/ou dificuldade em abordar alguma religião específica durante suas aulas de ER? Sim ( ) Não( ). Fale dessa experiência. 17. Críticas, comentários, relatos, etc., sobre o objeto desta pesquisa?

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APÊNDICE E

(Roteiro) Pesquisa: Ensino Religioso em escolas públicas estaduais (Municípios de São Paulo e Campinas/SP) QUESTIONÁRIO DO ALUNO

DATA: NOME: ESCOLA: IDADE: BAIRRO ONDE MORA: 1. Em relação à sua COR, como você se considera? ( ) Amarelo(a) ( )Branco(a) ( )Preto(a) ( )Pardo(a) ( )Indígena 2.Qual é a sua religião? ( ) Budista ( ) Candomblé ( ) Católica ( ) Espírita ( ) Evangélica Pentecostal ( ) Evangélica Neopentecostal ( ) Judaica ( ) Islâmica/Muçulmana ( ) Protestante ( ) Umbanda ( ) Sem religião

( ) Ateu ( ) Agnóstico

( ) Outra (Qual): 3. Você frequenta UMA ou MAIS DE UMA religião? ( ) Uma ( ) Mais de uma (Quais): 4. O que você acha da matéria de “ensino religioso”?

5. Você lembra sobre o que aprendeu nas aulas desta matéria ao longo deste ano? 6. O que é religião para você? 7. Existe alguma religião que você gostaria de aprender na aula de ER? Qual (ou quais)?

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ANEXO 1

Diretoria de Ensino - Região Campinas Leste (DECLESTE) SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DIRETORIA DE ENSINO DA REGIÃO DE CAMPINAS LESTE GABINETE DO DIRIGENTE REGIONAL DE ENSINO NÚCLEO DE APOIO ADMINISTRATIVO Rua Rafael Sampaio, 485 – Vila Rossi – Campinas – SP – CEP. 13023-240 Telefone: 3741.4110 – 3741.4112 – 3741.4114 – FAX. 3741.4111 E-mail: [email protected] Campinas, 18 de março de 2013. Assunto: Ensino Religioso no Ensino Fundamental Caríssimo Professor Milton S. Santos: Informamos-lhe que a disciplina Ensino Religioso consta da matriz curricular do 9º ano do Ensino Fundamental e é obrigatória para as escolas estaduais, conforme Resolução citada abaixo. No entanto sua adesão é facultativa ao aluno. Dessa forma, nossas escolas oferecem, mas não tem tido demanda para formação de turmas há, aproximadamente, cinco anos. A Resolução SE nº 81, de 17 de dezembro de 2011, estabelece diretrizes para a organização curricular do Ensino Fundamental e do Ensino Médio nas escolas estaduais: Art. 7º: o Ensino Religioso, obrigatório à escola e facultativo ao aluno, será oferecido aos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, se houver demanda, na conformidade do que dispõe a Resolução SE nº 21/2002. Esperamos, com essas informações, que tenhamos esclarecido suas dúvidas e nos colocamos à disposição para outros esclarecimentos que venham a contribuir com seus estudos.

Nivaldo Vicente RG 19.124.239-1

Dirigente Regional de Ensino

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ANEXO 2 Informativo Tambor (ano III, nº 24, p. 2, Guararema-SP, ago.2001)

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ANEXO 3 Informativo Tambor (ano III, nº 27, p. 2, Guararema-SP, nov.2001)

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ANEXO 4 Informativo Tambor (ano III, nº 28, p. 2, Guararema-SP, dez.2001)