milionário por um dia
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Reportagem publicada na Revista Primeira Impressão da Unisinos no de 2013 sobre uma pessoa que ganhou na loteria, mas foi impedida de receber o seu prêmio.TRANSCRIPT
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Milionário por um dia A história de Jair Quadro e outros 35 apostadores que
ganharam, mas não levaram o prêmio da Mega-Sena
Maria Eduarda se esforça para não errar nenhuma parte da música. São só três anos de idade,
mas ela gosta de cantar Claudinho e Bochecha. “Avião sem asa, fogueira sem brasa, sou eu assim
sem você.” O esforço é aplaudido pela mãe e pelo pai, Jadir de Quadros, 42 anos, motorista, que
enche os olhos de gosto pela caçula.
Duda nasceu em meio a uma história que até hoje não teve fim, mas que Jadir está lutando
para que tenha, e de forma feliz para a família que ainda tem mais dois membros: Bernardo, de sete
anos, e Carolina, 19, filhos da sua irmã que morreu há alguns anos de câncer de mama. Jadir os
adotou por assim dizer.
Adotou não só eles, mas também os outros 34 ganhadores “trollados” no bolão da Mega-Sena
que não foi registrado em 2010. As seis dezenas, 28, 40, 41, 51 e 58, que poderiam mudar a vida da
pequena Duda, são motivo de dor de cabeça e de esperança para um futuro melhor. É nisso que Jadir
crê: “Tenho 100% de esperança. Eu vou ganhar”.
Motorista, sem horário fixo para trabalhar – ora de madrugada, ora no raiar do dia – Jadir
resolveu fazer uma nova aposta em um bolão oferecido pela lotérica Esquina da Sorte, em Novo
Hamburgo. Ele fazia isso todo mês quando ia pagar as contas da floricultura que mantinha onde hoje
é sua residência. O estabelecimento, que fora vendido dias antes da fatídica aposta, era cliente do
local que mudaria a sua vida para sempre.
“Minha sócia me ligou perguntando quantos números eu tinha que acertar. Ela conferiu e
disse que acertamos. Aguentei aquela noite toda, quieto, matei no peito e segunda-feira estava aqui”,
conta.
Jadir estava rico. Havia mudado de patamar. Sua cabeça não parava quieta. Quantos sonhos,
quantas possibilidades a fatia de R$ 1,35 milhão do total de R$ 53 milhões poderia render. Que
futuro promissor o aguardava? “Ih, e já vieram os planos na hora. Fiquei pensando quanto custava
para reformar a casa das minhas filhas, a minha casa, ampliar minha frota.”
Porém, o destino não seria esse. “Isso foi no domingo. Segunda-feira, quando abro o jornal,
vi meu próprio bolão estampado na página e o aviso que houve erro de digitação, e o jogo não valia.”
A queda foi dura. A tristeza e a incredulidade tiveram seus momentos de vitória. Apesar
desse fato, ele se dirigiu até a lotérica para reivindicar o seu prêmio. E ouviu da boca do proprietário
do estabelecimento, José Paulo Abend, que o valor não poderia ser-lhe pago. Naquele mesmo dia, a
Caixa Econômica Federal fechou o local onde, hoje, funciona uma loja de doces. “Não tive dúvidas.
Naquele mesmo momento liguei para o advogado.”
E a história se prolonga. Jadir tomou à frente da situação. Não que ele tenha adotado os
outros apostadores. Na verdade, foi ao contrário. Ele foi escolhido como uma espécie de pai, ou
então líder daqueles que reivindicam na justiça a fatia do prêmio sorteado naquele bolão que nunca
foi registrado na Caixa.
A saga, o argumento e o combustível
“Aquele bolão nunca existiu, assim como todos os outros que participei.” Jadir e outros 14
integrantes do grupo – os demais optaram por não participar do processo, ou então tentar
individualmente o prêmio – estão processando a lotérica Esquina da Sorte e também a Caixa
Econômica Federal.
“Foi azar deles e sorte nossa que saiu o prêmio total”. Eles [lotérica] pegavam o nosso
telefone e nosso nome, com aquele papel que não valia nada. E pensava que antes de sair eles me
ligavam. Só saíam os prêmios baixos, e aí eles bancavam”.
Ele fala sobre algo maior. Uma espécie de esquema de bolões que nunca são registrados pelas
lotéricas na Caixa. O valor de R$ 11 reais que ele pagou naquele dia 20 de fevereiro, mais o de tantos
outros esperançosos apostadores, teria ficado integralmente para a Esquina da Sorte.
“Tanto que nem temos nada contra a menina [caixa da lotérica]”, fala, sobre Diane da Silva,
que faz parte do processo, acusada de estelionato e que, segundo ele, passa por depressão e uma forte
pressão perante o quadro atual. “A partir daquela dia, a Caixa começou a espalhar cartazes para
proteger o seu jogo”, emenda.
O telefone toca uma, duas, três vezes. “Pode atender, seu Jadir.” Era um cliente. Precisava de
um táxi no dia seguinte em frente ao seu apartamento. “Pontualmente às 16h ele estará lá. Pode ficar
tranquilo.” Jadir finaliza a ligação, pensa por um momento onde a conversa havia parado. “Não
posso parar nunca”, diz.
Pois é justamente aquele que não pode parar quem está cumprindo com o seu lema. Ele não
para de lutar pelo que entende que é de direito seu. Tanto que neste momento o processo encontra-se
no Superior Tribunal Federal, após perder todas as instâncias na justiça gaúcha. A tendência é que o
caso seja julgado somente no começo de 2014.
“Teve processos perdidos porque teve gente que queria R$ 5 milhões de indenização. Nós
queremos R$ 1,35 milhão para cada um. Hoje, com correção, está R$1,5 milhão. Queremos só o que
ganhamos por direito”, explica.
Mas a luta para primeiro liderar o grupo de apostadores e depois seguir em frente pela batalha
junto de três advogados ganhou um empurrão importante, ainda em 2010. Na Câmara de Vereadores
de Porto Alegre, perante engravatados, rostos estranhos, ele teve um espaço de 20 minutos para falar
sobre o seu caso.
“Rapaz, eu não sabia o que dizer”, lembra, com a sinceridade que pode ser notada ao longo de
toda a entrevista. “E antes de descer do púlpito eu fui aplaudido”, completa, orgulhoso. “Comecei
pedindo desculpas para eles. Depois, nenhuma pergunta foi feita. Só me ouviram. E sabe como é, né?
Lá geralmente não te ouvem, ficam se abraçando, se despedido. E eu fui aplaudido”, lembra. “A
partir dali eu pensei que ninguém mais ia me segurar”, emenda. De fato, o combustível que ele
precisava.
Deboches, paciência e fé no futuro
“E aí, milionário! Ô, milionário, como tu me compra (sic) um bilhete que não vale, homem?”.
Essa é uma das frases que Jadir escuta nas ruas e lembra a toda hora. Ouve aos gritos. De alguém do
outro lado da rua que reverbera àqueles que transitam pelo local. Esses acontecimentos o
incomodam, não esconde. Mas Jadir tenta escapar de um jeito ou de outro.
“Eu retruco: ‘calma, eles ainda estão contando’”, diz e faz uma pausa silenciosa. Alguma
lembrança parece vir à mente, e Jadir para de falar por alguns segundos. Olha fixamente para uma
das tantas reportagens feitas sobre o seu caso. Folheia um caderno com recortes de jornais e revistas.
Parece não procurar nenhuma em especial, mas para os olhos e aponta. É uma reportagem da revista
Veja.
“Está vendo essa aqui? O cara me arrebentou. Entrou na minha vida. Com a passageira do
meu lado, ele atrás e me perguntou coisas que ninguém nunca perguntou. Desde que acordei, com
quem eu falei, o que eu comi.” A estranheza causada logo foi desfeita. “Isso me incomodou e eu
perguntei: ‘Mas por quê tem que saber tudo isso?’ E ele disse que quando a pessoa começar a ler as
duas primeira linhas ela vai te enxergar.”
E o que pode se enxergar, logo ao lado da mesa onde a entrevista estava sendo feita, foi a
pequena Duda, novamente na sala já no fim da conversa. Com seu vestido floreado, apontou para
uma foto do seu batizado. Tímida, espremida no canto da parede, diz. “Olha o papai careca”
Box:
Trollar
Zoar, chatear, tirar o sarro.