migração sazonal em santa bárbara d'oeste

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EDNELSON MARIANO DOTA MIGRAÇÃO SAZONAL EM SANTA BÁRBARA D’OESTE: CONDIÇÕES DE VIDA E COTIDIANO DOS BÓIAS-FRIAS PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS, AMBIENTAIS E DE TECNOLOGIAS FACULDADE DE GEOGRAFIA Campinas 2007

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Este trabalho faz uma análise das migrações sazonais de nordestinos para Santa Bárbara d'Oeste, suas perspectivas e qualidade de vida.

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Page 1: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

EDNELSON MARIANO DOTA

MIGRAÇÃO SAZONAL EM SANTA BÁRBARA D’OESTE:

CONDIÇÕES DE VIDA E COTIDIANO DOS BÓIAS-FRIAS

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS, AMBIENTAIS E DE TECNOLOGIAS

FACULDADE DE GEOGRAFIA

Campinas

2007

Page 2: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

EDNELSON MARIANO DOTA

MIGRAÇÃO SAZONAL EM SANTA BÁRBARA D’OESTE:

CONDIÇÕES DE VIDA E COTIDIANO DOS BÓIAS-FRIAS

Trabalho de conclusão de Curso apresentado

à Faculdade de Geografia em cumprimento à

exigência para a obtenção do título de

Bacharel e Licenciado em Geografia, sob

orientação da Profª. Drª. Juleusa Maria

Theodoro Turra.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS, AMBIENTAIS E DE TECNOLOGIAS

FACULDADE DE GEOGRAFIA

Campinas

2007

Page 3: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

COMISSÃO EXAMINADORA

Presidente e Orientador Profª. Drª. Juleusa Maria Theodoro Turra

1° Examinador Prof.º Dr.º José Marcos Pinto da Cunha

2° Examinador Prof.ª Ms. Lúcia Cavalieri

Campinas, 06 de dezembro de 2007.

Page 4: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

ii

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a DEUS...

Agradeço aos meus pais, que desde os primeiros passos na vida me apoiaram,

e me mostraram o verdadeiro valor da educação e do conhecimento. Minha noiva

Sirlene, que durante esta empreitada esteve sempre ao meu lado, me apoiando e

ajudando nas horas difíceis, e ao meu irmão, sempre presente.

Aos meus amigos de sala, com os quais convivi estes últimos quatro anos, em

especial à Natália, Paula e Sabrina, grupo forte nas idéias, e companheiras do dia-a-

dia.

A todos os professores da geografia, que transmitiram parte de seus

conhecimentos para que pudéssemos nos tornar geógrafos competentes, em especial à

professora Juleusa, que me indicou os caminhos para a realização desse trabalho.

Ao Projeto de Extensão Atlas da Violência em Campinas, sob direção do

professor Lucas de Melo Melgaço, que me trouxe condições para que aprimorasse

meus conhecimentos não só em geoprocessamento, mas também no trabalho em

equipe, ao lado do Guilherme, da Cristiane e do Daniel.

Aos migrantes estabelecidos em Santa Bárbara d’Oeste, que foram tão gentis

ao abrirem seus alojamentos e concederem entrevistas que foram tão importantes para

a elucidação desse trabalho. Aos funcionários da Vigilância Sanitária, da Casa da

Agricultura e da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que auxiliaram no que

tinham conhecimento.

Enfim, a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para minha

formação como pessoa, e agora como geógrafo, meu muito obrigado.

Page 5: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

iii

DOTA, Ednelson M. Migração Sazonal em Santa Bárbara d’Oeste: Condições de

vida e Cotidiano dos bóias-frias. Trabalho de Conclusão de Curso, Graduação em

Geografia – Licenciatura e Bacharelado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas,

2007.

RESUMO

O trabalho se propõe a explicar a migração temporária nordestina, analisando

os motivos dessa migração, o quanto essa mobilidade influencia na vida daqueles que

migram, e daqueles que lá permanecem. Santa Bárbara d’Oeste, município com alta

produtividade de cana-de-açúcar é o destino desses trabalhadores rurais migrantes, os

quais chegam para trabalhar, e passar boa parte do ano. Conhecer as condições de

vida, as vivências, experiências e expectativas que estas pessoas carregam, além de

compreender quais as vontades e objetivos que os norteiam, é o conteúdo desse

trabalho.

Palavras-chave: Migração sazonal - Bóia-fria – Cana-de-açúcar

Page 6: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

iv

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................. p. 01

CAPÍTULO I: As migrações no Brasil e suas conseqüências............................................ p. 04

CAPÍTULO II: Santa Bárbara d’Oeste: da formação aos dias atuais................................. p. 14

CAPÍTULO III: Migrantes sazonais em Santa Bárbara d’Oeste.................................... p. 26

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. p. 39

REFERÊNCICAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. p. 41

ANEXOS............................................................................................................................. p. 43

Page 7: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

v

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 Brasil, imigrantes interestaduais, 1965-2000........................................................ p. 05

Tabela 2 Brasil: Trocas líquidas e saldos migratórios interestaduais, 1965 – 2000............ p. 06

Tabela 3 Ranking de municípios produtores do estado de São Paulo (ton) 2006.............. p. 22

Tabela 4 Ranking de municípios produtores do Brasil (ton) 2006....................................... p. 22

Tabela 5 Despesa média mensal familiar............................................................................ p. 31

Tabela 6 Proporção da população em situação de pobreza............................................... p. 32

Page 8: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

vi

ÍNDICE DE MAPAS E FOTOS

Mapa 1 - Região Semi-árida do Brasil......................................................................... p. 10

Mapa 2 - Santa Bárbara d’Oeste................................................................................. p. 15

Mapa 3 - Evolução da área urbanizada de Santa Bárbara d’Oeste........................... p. 17

Mapa 4 - Rodovias e área urbanizada de Santa Bárbara d’Oeste.............................. p. 18

Mapa 5 - Região Metropolitana de Campinas............................................................. p. 19

Mapa 6 - Região Metropolitana de Campinas e municípios limítrofes à Santa

Bárbara d’Oeste............................................................................................ p. 21

Mapa 7 - Localização dos alojamentos em Santa Bárbara d’Oeste........................... p. 27

Foto 1 - Alojamento.................................................................................................... p. 33

Foto 2 - Alojamento.................................................................................................... p. 33

Foto 3 - Alojamento.................................................................................................... p. 33

Foto 4 - Ônibus rural.................................................................................................. p. 33

Page 9: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

vii

ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1 -Evolução da produtividade de cana-de-açúcar em Santa Bárbara d’Oeste.. p. 24

Gráfico 2- Evolução da produtividade de cana-de-açúcar: estado de São Paulo e

Brasil............................................................................................................... p. 24

Page 10: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

1

INTRODUÇÃO

O fluxo de pessoas pelo espaço sempre foi muito comum em todas as partes

do mundo, e em todas as épocas. Desde os tempos remotos, com os povos nômades,

passando pela época relatada na bíblia, até os dias atuais, a migração constitui-se

como um dos fenômenos principais no globo.

Especificamente no Brasil, os fluxos populacionais iniciaram-se antes mesmo

do descobrimento, a partir dos costumes dos povos indígenas. Tribos como a dos

índios Guarani, que tem por características serem nômades, já viviam se deslocando

pelo território ainda “virgem”. Após 1500, a partir do desenvolvimento das grandes

navegações, chegaram ao litoral brasileiro os portugueses, que a partir daquele

momento se tornariam proprietários das terras, e dariam início ao que hoje chamamos

de Brasil.

Do descobrimento até os dias atuais, nosso país foi palco de vários e

importantes deslocamento de massas humanas. A instalação das primeiras pessoas

vindas de Portugal para as capitanias, a chegada de negros para o trabalho escravo, a

migração de nordestinos para a construção de importantes capitais como São Paulo, e

posteriormente Brasília. O êxodo rural, que tanto modificou o espaço, e os fenômenos

migratórios mais recentes, como a busca pelo Centro-Oeste, e a migração sazonal, a

qual será abordada neste trabalho.

As causas das migrações variam a partir do momento histórico, e da cultura de

cada povo. Os negros eram obrigados; enquanto os índios Guaranis migram por

costume1, objetivando encontrar Nhanderu. Por outro lado, a maior parte dos

movimentos populacionais foi motivado por um algo mais, melhores oportunidades de

trabalho, melhores condições de vida.

As condições mínimas que as pessoas buscam para a realização pessoal

muitas vezes não podem ser encontradas ou conseguidas em sua terra natal, fato que

os fazem buscar novos horizontes, que venham, mesmo que de modo parcial, a realizar

1 Afirmação construída a partir de experiência empírica, através dos trabalhos de campo realizados nas aldeias guaranis do Jaraguá e Tenodé Porá.

Page 11: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

2

seus objetivos. Desta forma, a migração mostra-se como fenômeno multifacetado, seus

fluxos abrangem desde pessoas em condições sub-humanas à procura de

oportunidades, até pessoas de classe média, buscando países como os Estados

Unidos, o leste europeu e o Japão, para, quem sabe, lá encontrar o que lhes faltam

aqui. O deslocamento espacial das populações, com suas diferentes causas é também

uma avaliação dos territórios, das possibilidades que apresentam.

Antes mesmo de ser usado como recurso pelas grandes empresas, (SANTOS,

1997) o território já era usado pela população, tanto como abrigo quanto como meio de

oportunidades. Essas oportunidades se mostram a partir da diferenciação de cada

lugar, seja em suas condições econômicas, sócias e até climáticas

“como no inverno quase nem tem chovido, a gente fica sem opção” (Francisco Souza, 35 anos)

Fato importante que colabora para a continuidade do ato de migrar é a

assimilação da mão-de-obra no local de destino. A captação dessa mão-de-obra que

possibilita a migração sazonal, específica para o trabalho, e é a falta dessa absorção

pelo mercado de trabalho que fez com que o movimento Nordeste – São Paulo tenha

diminuído sensivelmente, e que o retorno destes que vieram há algum tempo

começasse a aflorar como movimento relevante no século XXI.

Santa Bárbara d’Oeste, um dos pontos de captação dessa mão-de-obra,

recebe anualmente relevante contingente populacional de migrantes provindos do

Nordeste, que por suas particularidades necessitam do trabalho. Essa necessidade

acaba por criar uma migração sazonal, que se mostra importante tanto para os

migrantes quanto para os usineiros.

A importância da cana-de-açúcar, presente deste a formação do município, e o

atual momento de expansão das área canavieiras pelo Brasil, a partir das questões

ambientais tão aclamadas no momento, aliada às necessidades energéticas no Brasil,

mostra que a cana é tão importante para Santa Bárbara d’Oeste, quanto o trabalho nos

canaviais paulistas se mostram essenciais para os migrantes sazonais.

Page 12: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

3

Estes migrantes, que de tão longe buscam os trabalhos nos canaviais

paulistas, passam a maior parte do ano longe de casa, da família, em busca do que não

conseguem no Nordeste, condições de comprar alguma coisa além da própria

alimentação do dia-a-dia. Homens de diferentes situações, desde os simples

empregados do campo no Nordeste, até pequenos proprietários de terras, todos

buscam esse trabalho extra, pesado, mas muito valioso para estes trabalhadores.

Esse é um movimento migratório da atualidade, um movimento que tem como

causas dificuldades de vida em uma região do país pouco desenvolvida, e por objetivo

conseguir melhores condições de vida para esta população. E é este movimento, que

há décadas se mostra relevante para a manutenção de certo padrão de vida para os

migrantes, que será abordado neste trabalho.

O trabalho está estruturado em três capítulos, com objetivo de mostrar as

condições que explicam a migração sazonal nordestina, as vivências e expectativas

destes migrantes em Santa Bárbara d’Oeste. Para tanto, foram recursos empregados

na sua produção leituras quanto às migrações, e especificamente sobre migração

sazonal, de forma que pude compreender tal processo. Entrevistas com agentes do

município, e com os próprios migrantes, compreendendo assim as relações que os

cercam; pesquisas e saídas a campo, para melhor contato com as questões dos

trabalhadores no município, e compreender seus anseios quanto ao trabalho temporário

nos canaviais do município.

Page 13: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

4

CAPÍTULO I As migrações no Brasil e suas conseqüências

O estudo dos fluxos populacionais pelo território, entitulado de migração, tem

sido tema freqüente nos estudos da geografia brasileira ao longo das décadas e é

considerado como uma área de pesquisa tradicional desta ciência2.

Segundo Santos(1994), a migração caracteriza-se como sendo o movimento

da população pelo espaço, sendo que este movimento está relacionado às

transformações políticas, sociais e econômicas dos diversos lugares onde ela ocorre.

“Por isso, dizemos que a migração é um fenômeno histórico e social.” (SANTOS, 1994,

p.7)

Históricamente, o Brasil teve como principais locais de movimentação

populacional a região nordestina e o estado de Minas Gerais, e isso se deu por diversos

fatores, muitas vezes isolados atuando conjuntamente, mas acima de tudo as

desigualdades regionais do Brasil foram o fator principal que propiciou a grande

mobilidade das pessoas.

De modo geral, as condições criadoras de deslocamentos das populações da região do Nordeste submetidas a uma situação-limite prendem-se ao contexto das relações desiguais de desenvolvimento entre as regiões/estados. (CAVALCANTI, 2000, p.02).

Essa mobilidade proporcionou um equilíbrio nos saldos populacionais das

diversas regiões, uma com excedente (Nordeste e Minas Gerais), e outra com falta

devido à crescente industrialização pela qual estava passando (São Paulo). Brito et

al.(2004) exemplifica tal equilíbrio quando citam que as principais rotas de migração

se estruturam para atender, não só as necessidades de transferência regional do excedente de força de trabalho, mas, também, [...]

2 Em levantamento realizado na base Lattes encontraram-se 23 grupos de pesquisa que estão trabalhando com o tema migração: 4 deles pertencentes à Geografia, além de 6 da Antropologia, 4 da Demografia, 3 da Sociologia, 3 da História, 2 da Educação e 1 da Economia. Esses dados demonstram a relevância dos estudos migratórios não só para a Geografia e para a Demografia, tradicionais neste tema. Outras ciências também perceberam a relevância do tema para a percepção da estruturação do espaço, e o entendimento do Brasil como é conhecido hoje. Disponível em: <www.lates.org.br> .Acesso em 25/04/2007, 15:20.

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5

articulavam os dois grandes reservatórios de força de trabalho, o Nordeste e Minas Gerais, com os estados onde ocorria o maior crescimento industrial[...]. (Brito et al., 2004,p.02)

Desta forma, uma região supria a necessidade da outra. São Paulo com suas

indústrias em expansão assimilava a grande quantidade de nordestinos, que buscavam

um emprego com o qual pudessem conquistar melhores condições de vida do que

aquela que poderia ter no Nordeste. E a busca por esse sonho movimentou milhares de

pessoas, sendo que o crescimento expressivo desses fluxos ocorre a partir da década

de 1940. A intensidade desse fluxo pode ser confirmada quando analisamos a

afirmação de que “na segunda metade da década de setenta, São Paulo tenha recebido

um terço dos imigrantes interestaduais dos quais, 41,0% eram nordestinos” (Brito e

Marques, 2002, p. 05).

Tabela 1: Brasil, Imigrantes Interestaduais, 1965-2000.

PERÍODOS

1965/70 1975/80 1986/91 1995/2000 REGIÃO OU ESTADO

ABSOLUTO % ABSOLUTO % ABSOLUTO % ABSOLUTO %

NORTE 98.228 3,37 454.447 9,49 554.085 11,03 562.644 10,71 NE. SETENTRIONAL 91.447 3,14 133.891 2,80 177.262 3,53 191.948 3,65 NE. CENTRAL 188.390 6,46 401.935 8,40 519.357 10,34 570.475 10,86 NE. MERIDIONAL 108.456 3,72 223.400 4,67 242.794 4,83 305.906 5,82 MINAS GERAIS 100.372 3,44 336.177 7,02 372.685 7,42 450.452 8,57 ESPÍRITO SANTO 48.450 1,66 103.537 2,16 135.438 2,70 130.094 2,48 RIO DE JANEIRO 418.343 14,35 394.489 8,24 254.775 5,07 323.087 6,15 SÃO PAULO 713.326 24,47 1.562.494 32,64 1.396.938 27,80 1.242.972 23,65 PARANÁ 366.239 15,56 207.792 4,34 271.667 5,41 299.946 5,71 EXTREMO SUL 89.446 3,07 206.360 4,31 285.513 5,68 315.130 6,00

CENTRO-OESTE 309.665 10,62 201.263 10,47 619.277 12,32 645.148 12,28

DISTRITO FEDERAL 383.256 13,14 260.887 5,45 195.393 6,89 216.863 4,13

TOTAL 2.915.617 100,0 4.786.671 100,00 5.025.184 100,00 5.254.665 100,00

Fonte: FIBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000 Apud Brito et al.(2004)

Em conformidade com os autores citados acima, Cavalcanti (2000) afirma que

a chegada da grande massa de nordestinos a São Paulo foi imprescindível para o

crescimento e o desenvolvimento paulista em todas as esferas, mas principalmente na

parte econômica. Supriam vagas abertas pelas novas empresas, mas eram

Page 15: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

6

empregados principalmente nos serviços de base, que preparavam as estruturas para a

instalação das novas indústrias. Dessa forma, milhares trabalhavam na construção civil,

ajudando a “girar o motor” da economia paulista. Sendo esta a principal economia do

país, e exercendo influência econômica devido à instalação dessas novas indústrias,

fazia “girar” também o “motor” da economia nacional.

Um dos principais motivos que explicam a migração como fenômeno de

gigantescas proporções, de milhares e até milhões3 de pessoas, além dos

desequilíbrios regionais (políticos e econômicos), Matos (1992) cita alguns outros

fatores que tiveram participação neste processo. Afirma que, o aumento da

concentração fundiária no Nordeste, crises na economia exportadora, secas periódicas

e o alto crescimento populacional, também contribuíram decisivamente para o

processo.

Tabela 2: Brasil, Trocas Líquidas e saldos migratórios interestaduais, 1965-2000

PERÍODO REGIÃO OU ESTADO

1965/70 1975/80 1986/91 1995/2000

NORTE 41.169 314.741 131.158 63.291 NE. SETENTRIONAL -41.929 -186.660 -200.961 -228.089 NE. CENTRAL -425.110 -571.785 -408.522 -269.734 NE. MERIDIONAL -327.324 -174.334 -269.718 -276.341 MINAS GERAIS -516.838 -237.032 -107.901 36.778 ESPÍRITO SANTO -59.665 17.114 44.289 34.006 RIO DE JANEIRO 306.114 140.756 -40.903 46.127 SÃO PAULO 427.268 1.066.976 747.023 350.623 PARANÁ 199.041 -590.405 -204.678 -40.940 EXTREMO SUL -162.862 -58.543 20.479 19.803 CENTRO-OESTE 190.241 116.063 238.256 238.478

DISTRITO FEDERAL 369.895 163.107 51.480 25.998 Fonte: FIBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000

Apud Brito et al., 2004

O aumento na concentração fundiária4 aparece como um fator de forte

importância e que explica em parte as migrações no território nacional. Existe um

3 Ver tabela 1. 4 No ano de 1985, existiam no Brasil 5.802.206 estabelecimentos rurais, que passaram a ser 4.859.865 no ano de 1995-96, uma queda de 16,24% no número de propriedades. A área média das propriedades, por sua vez, passou de 59,8 ha em 1970 para 72,8 ha no ano de 1995-96, um aumento de 21,73%. Fonte: Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 1995/96. Disponível em: <www.agricultura.gov.br> Acesso em 15/06/2007, 16:48.

Page 16: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

7

conceito que explica como a concentração fundiária continuou a crescer em certas

áreas do país, com ênfase aqui à região nordestina: a expropriação. Segundo Aurélio

Buarque de Holanda Ferreira5, o verbo expropriar significa “tirar a (alguém), legalmente,

a posse de sua propriedade, mediante indenização”, onde, muitas vezes não existe o

pagamento de indenização. Entendendo assim o significado deste termo, podemos

analisar as causas ocorridas durante as últimas décadas que propiciaram a

expropriação das terras dos camponeses.

Conforme Silva (1999), a expropriação de terras no Brasil teve respaldo a partir

“dos planos de modernização edificados durante os anos 1960 e 1970, pelos governos

da ditadura militar” (p. 39). Sendo um fato legal, aos grandes proprietários e donos do

capital não foi necessária a utilização de violência expressa, mas sim, ainda segundo a

autora, “da violência escondida e legal, ou seja, da violência monopolizada pelo Estado,

com a promulgação de leis que implemetaram os projetos de modernização dessa

região”. (idem, p.27)

A expropriação das terras dos pequenos agricultores culminou com o fim do

meio de subsistência de que detinham, ficando assim impossibilitados de sobreviver da

própria terra. Levando em consideração que estes locais mostram pouco ou nenhum

desenvolvimento quanto à indústria e o comércio, fica assim a população

impossibilitada de sobreviver por outros meios que não o da agricultura, modo de

sobrevivência tradicional, mas que agora já não dá mais suporte para tal fato. E aqueles

que acreditam que os camponeses pudessem viver por um tempo com o dinheiro

ganho com a venda da terra, podem ter um claro exemplo do que a autora quer dizer

quando cita “violência legal”. Esse tipo de violência não é aquela citada no código penal

brasileiro, passível de punição, mas sim um tipo de pressão, de assédio para que o

pequeno produtor venda sua terra a preços mais baixos que o de mercado. “O medo de

ficar sem as terras fez com que os camponeses as ‘vendessem’, a qualquer preço, aos

compradores paulistas[...]” (ibidem, p. 46).

Esse processo de expropriação de terras dos camponeses, quando analisado

como fenômeno isolado, parece inexpressivo na explicação dos fluxos migratórios

nacionais. Mas abrindo o foco de análise, e levando em consideração outro fator, como

5 FERREIRA, A. B. de H. Minidicionária da língua portuguesa. Ed. Nova Fronteira, 1993.

Page 17: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

8

a quantidade de pessoas que compravam essas terras, chega-se a algumas

conclusões: “o processo de compra das terras foi acompanhado de outros elementos,

tais como a concentração da propriedade, mediante a aglutinação dos minifúndios, da

apropriação das terras devolutas[...]”. (ibidem, p. 47).

A questão fundiária brasileira é tema de grandes e constantes discussões, pois,

o país concentra o quinto maior território do planeta, que por má distribuição e falta de

políticas agrárias eficazes, não consegue solucionar o problema. Essa falta de política,

de assistência governamental é de extrema relevância quando discutimos a questão

das migrações no Brasil, pois reflete nos fluxos populacionais.

Quando se faz uma análise histórica dos donos do poder no Brasil, chega-se à

conclusão de que na maior parte do tempo a classe dominante, os donos do capital

estiveram à frente do poder6. Desta forma as políticas implantadas visavam

predominantemente satisfazer as suas necessidades, indo geralmente em direção

contrária, ou não favorável às populações mais carentes, se “esquecendo” das mesmas

na elaboração das políticas. A questão nordestina, que há séculos é muito bem

conhecida nunca teve um plano efetivo de desenvolvimento7.

A ajuda para o Nordeste não deve ser como muitas que já foram implantadas;

assistencialista como a doação de alimentos, que contribui especificamente para a

subsistência temporária da população. As políticas devem focar o desenvolvimento

regional, com o apoio para os pequenos agricultores, incentivos para as comunidades

visando o trabalho e mesmo intenções voltadas para a redistribuição das terras

improdutivas, que não são poucas na região nordestina. Com a concentração fundiária

já mencionada anteriormente, muitos perderam suas terras. E as pequenas áreas que

6 Um grande exemplo desse fato é o caso que se passou entre os anos de 1894 e 1930, época que ficou conhecida como República do Café com Leite, pois o país era dominado pelos Barões do café, que prodominantemente faziam política para defender seus interesses. 7 A SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) foi um plano governamental no sentido de ajudar no desenvolvimento na região nordestina. Tinha como objetivos a produção de alimentos na zona úmida do Nordeste, o desenvolvimento no semi-árido de uma agricultura resistente aos efeitos da seca, a colonização do Maranhão e o desenvolvimento da irrigação no São Francisco. O plano foi iniciado no governo de Juscelino Kubtscheck, em 1959, e encerrado no ano de 2001. No ano de 2003, no mês de junho foi finalizado o projeto de recriação da SUDENE, onde o “planejamento regional norteado pelos objetivos da inclusão social, do desenvolvimento sustentável e da melhoria das condições da competitividade da economia” nordestina são os objetivos desta nova fase. MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, Bases para a recriação da SUDENE: por uma política de desenvolvimento sustentável para o Nordeste, 2003. Disponível em <www.integracao.gov.br/publicacoes> Acesso em 15/06/2007, 18:40.

Page 18: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

9

ainda estão nas mãos dos camponeses, sofrem com a seca, que assola o semi-árido

nordestino. Não há modos de derrotar a seca, mas existem meios para se adaptar a

ela, e começar a produzir a partir de métodos que sanem a falta de água, como a

irrigação, que já ocorre em certas partes do Nordeste.

Em todas as partes do país a questão da seca nordestina, e da miséria do seu

povo é constantemente explorada pela mídia, sendo que a seca é que recebe a culpa

pelas grandes dificuldades enfrentadas no cotidiano dos nordestinos, quando na

verdade a responsabilidade pelas condições dessa população está na falta de

assistência, não para combater o clima, mas para aprender a produzir, a estocar água

nos períodos chuvosos, enfim, viver em harmonia com ele.

Com tantos problemas, para boa parte da população desses locais sobra

apenas uma opção para a sobrevivência: migrar. Uma migração forçada, por diversos

fatores, como as diferenças regionais, a perda de terras, ou expropriação, e

conseqüentemente a concentração fundiária que se forma, aos fatores climáticos.

Todos esses fatores citados, exceto o clima, são produzidos pela falta de assistência

governamental, pelo descaso com toda uma população, sua cultura e seus modos de

vida.

Mapa 1:

Page 19: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

10

Não havendo outra solução, ou pela rede de relações já construídas, a

população busca na migração seu sustento, o dinheiro extra para ajudar nos meses

sem qualquer renda na sua localidade de origem. É neste contexto que aparece o

migrante sazonal, que busca trabalho fora de seu local tradicional, para manter-se nos

meses em que permanecerá sem maiores ganhos.

Migração sazonal é aquela em que o migrante busca trabalho em outra área

que não seja a de sua residência normal, sendo que de modo geral os canaviais e os

laranjais do estado de São Paulo são os grandes destinos dessa mão-de-obra

temporária, contratada para o período de safra. Terminado este tempo, os migrantes

retornam para suas regiões de origem, voltando a sua vida costumeira. “O tempo,

agora, é compreendido pelo tempo da migração forçada, especialmente a temporária,

mediante a permanência nas fazendas de usinas durante quase 9 meses ao

ano.”(SILVA, 1999, p.58)

Page 20: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

11

De modo geral, os migrantes buscam um tipo de serviço igual ao que estão

acostumados a trabalhar em suas áreas, sendo que normalmente trabalham no campo,

principalmente nas lavouras das grandes usinas de álcool e açúcar e nas

processadoras de sucos industriais.

Essas migrações “forçadas” nas quais os nordestinos se inserem não refletem

apenas na vida econômica, mas influenciam, inclusive, na cultura, pois desde pequenos

já sabem que quando chegarem na idade certa, também terão de migrar.

Assim, desde muito pequenas, as crianças aprendem o verdadeiro significado de São Paulo, isto é, qualquer lugar deste estado, o lugar de destino de seus pais e parentes, mas também o lugar de onde voltam para suas terras, e ficam sabendo que, quando inteirarem a idade, seguirão a mesma rota. (SILVA, 2001, p.01)

Mesmo conhecendo sua sina desde pequenos, a idade propensa à saída dos

locais de origem é quando se tornam adultos, época em que a responsabilidade pesa e

com ela a necessidade de angariar renda para o próprio sustento. Segundo Cavalcanti

(2000), a migração é mais comum nas idades de entrada e saída da faixa

economicamente ativa, nas idades de se casar, e quando o casal gera filhos, épocas

essas em que a busca por melhores condições de vida “afloram” nas pessoas. Além

disso, migrar significa cortar a raiz com os pais, sinônimo de independência e de

mudança de vida para os jovens. (CAVALCANTI, 2000, p.15)

Entre idas e vindas, um pouco da cultura modificada, novos costumes, novas

palavras e acima de tudo um modo pouco diferente de viver, e de construir práticas

espaciais, fazem com que essas pessoas, ano a ano, incorporem novos valores e

tentem mudar seus padrões de trabalho e de vida. Ao conhecerem as diferenças dos

locais onde vivem, elaboram pensamentos em que a vontade de mudar, de sair do

comum, da vida de miséria e de dependência à qual são vítimas cresce, deixando-os

insatisfeitos com a realidade cotidiana.

Neste período de tempo fora de seus locais de origem experimentam emoções,

sensações, lugares, compras, enfim, um tipo de vida diferente daquela que estão

acostumados.

Page 21: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

12

[...]em decorrência da miséria no campo, a mudança para a cidade e o desemprego em atividades urbanas, mesmo em se tratando de atividades não qualificadas, significam ascensão para o migrante. (CAVALCANTI, 2000, p.09)

São essas sensações, experiências que pouco a pouco vão dilapidando e

mudando a forma de pensar e agir. “Depois de um tempo na cidade, os jovens que

voltam não conseguem mais adaptar-se ao trabalho tradicional” (Cavalcanti, 2000, p.15)

Essa dificuldade de adaptação ocorre pois

[...] o migrante, quando bem sucedido nas lavouras de cana do interior paulista, recebe um novo status, uma diferenciação social e cultural. Destaca-se em seu mundo tradicional quando se apropria do moderno a partir de bens simbólicos e materiais. (VETTORASSI, 2003, p.02)

Esses bens simbólicos aos quais a autora cita são objetos como boné, óculos

de sol e celular, “bens materiais típicos do modo de vida paulista e, portanto, do

‘moderno’”. (VETTORASSI, 2003, p.02) Em contrapartida, nem tudo que é do

“moderno” é assimilado pelos migrantes, que mantém vivo diversos pontos da cultura

tradicional da terra natal, pois “parecer moderno, mais do que ser moderno. A

modernidade se apresenta, assim, como a máscara para ser vista. Está mais no âmbito

do ser visto do que no viver”. (MARTINS, 2000, p.39 apud VETTORASSI, 2003, p.04)

Nesse sentido, forma-se a aparência do migrante bem sucedido, daquele que

foi em busca de melhora de vida, e conquistou seu espaço num dos lugares mais

desenvolvidos do país. O status e muitas vezes a ilusão de uma evolução na qualidade

de vida faz com que os migrantes enfrentem as dificuldades de migrar, e de viver em

um local, mantendo seu coração em outro. Dessa forma não são parte integrante nem

de um (terra natal com vínculos familiares), nem de outro (local em que buscam

trabalho, onde são apenas os migrantes temporários, os bóias-frias). (SILVA, 2001)

Bem ou mal sucedido, o migrante quando retorna geralmente não tem

oportunidades diferentes, não pode fugir do comum, ficando à mercê dos problemas

estruturais aos quais (eles próprios e os estados locais) estão intrinsecamente ligados.

Um dos pólos de atração desses migrantes sazonais no estado de São Paulo é

a cidade de Santa Bárbara d’Oeste, tradicionalmente conhecida pela monocultura de

Page 22: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

13

cana-de-açúcar em larga escala em sua área rural, e que anualmente utiliza-se da mão-

de-obra dos migrantes sazonais para a colheita da lavoura, provindos em sua grande

maioria da região nordestina.

O município barbarense, com uma população de 186.3088 pessoas,

distribuídas em uma área de 271 Km², sempre teve papel importante na produção de

cana-de-açúcar, sendo este o principal produto cultivado nas terras do município. Tal

importância se mostra quando se leva em consideração o jargão “Pérola açucareira”,

que a cidade recebeu pela importância da produção que ocorria em sua área rural.

O município, além de tradicional na produção sucroalcooleira, tem estreitos

laços com a migração, não só para os cuidados com os canaviais, mas também a

própria formação do município atualmente mostra que a presença de migrantes é forte

na cidade, representando boa parte da população residente no município, fato que

trataremos no próximo capítulo.

8 Projeção feita pelo Seade, para o ano de 2007.

Page 23: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

14

CAPÍTULO II Santa Bárbara d’Oeste: da formação aos dias atuais

Santa Bárbara d’Oeste, fundada em 1818, tem em seus registros históricos o

nome de D. Margarida da Graça Martins como fundadora do município. Essa senhora

na verdade era uma antiga proprietária de terras onde hoje se encontra o município,

possuia “duas léguas quadradas” de terras, que eram delimitadas a norte pelo Rio

Piracicaba e a leste pelo Ribeirão Quilombo9. Mas foi em 1817 que D. Margarida se

mudou para o local, onde enfrentando muitas tempestades, decidiu doar terras para a

construção de uma capela em homenagem a Santa Bárbara. A capela foi inaugurada

em 1818, sendo a partir de então o ano considerado de fundação do município.

Nesse período, a região onde Santa Bárbara d’Oeste está fixada passou por

um processo denominado ciclo do açúcar paulista, e que a partir do aumento da

demanda na Europa concomitantemente à desorganização da produção nas colônias

francesas, “criaram as circunstâncias externas favoráveis à exportação, [sendo que] no

começo do século XIX, a produção e exportação do açúcar já era a mais importante

atividade econômica paulista.” (SEMEGHINI, 1991, p.15)

A “alavanca fundamental” para a criação do município foi a abertura de uma

estrada de terra que ligava a freguesia de Santo Antônio de Piracicaba à Vila de São

Carlos de Campinas, em 1810. Esta foi criada com o intuito de facilitar o transporte de

açúcar entre Piracicaba e Campinas, fato que propiciou maior interesse nas terras

cortadas pela estrada, e assim atraiu sesmeiros, inclusive a fundadora do município10.

A chegada dos sesmeiros11 à região trouxe consigo uma política voltada para a

produção agrícola em grande escala, que deu importante salto após 1865, com a

chegada de imigrantes estadunidenses, fugitivos da Guerra da Secessão. Os métodos

9 As informações foram retiradas do site da prefeitura municipal de Santa Bárbara d’Oeste: <www.santabarbara.sp.gov.br> e <http://www.santabarbara.sp.gov.br/cmemoria>. Acesso em 07/07/2007, 15:30 10 CRIVELLARI, José Maria. Santa Bárbara d’Oeste – Edição Histórica. Santa Bárbara d’Oeste, Editora Focus, 1971 11 Em 1818 o sistema de sesmarias ainda vigorava como modo de distribuição de terras. No ano de 1822, a partir de uma resolução de D. Pedro foi suspensa a concessão de sesmarias, e não se admitiam novas posses. As posses anteriores a essa resolução foram reconhecidas. Disponível em: http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao02/materia02. Acesso em 10/07/2007, 16:10

Page 24: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

15

trazidos pelos americanos “foram considerados revolucionários para a região e para a

época, e que transformaram suas plantações em verdadeiras escolas de lavoura”.

(CRIVELLARI, 1971, p.14) Fundaram na área rural barbarense um vilarejo denominado

Villa Americana, que após ganhar população e importância emancipou-se, formando o

que hoje conhecemos como sendo o município de Americana.

Mapa 2: Santa Bárbara d’Oeste

Elaboração Cartográfica: Ednelson Mariano Dota

Santa Bárbara d’Oeste, seguindo a tendência da região da qual participa,

cresceu e se desenvolveu de 1818 até os dias atuais. Esse fato ocorreu principalmente

devido o município se localizar

no mais importante pólo econômico-populacional do interior do estado de São Paulo[..., sendo que] registrou nas últimas décadas a entrada de expressivos contingentes populacionais, tanto provenientes de outros

Page 25: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

16

estados brasileiros quanto, e principalmente, do próprio estado de São Paulo. (BAENINGER; MAIA, p. 01)

O expressivo crescimento populacional pode ser observado a partir da década

de 1970, época que o Brasil como um todo começa a sofrer significativas mudanças

estruturais para a industrialização, fato que São Paulo, tanto capital quanto interior, se

sobressaiu perante as outras regiões do país. “No estado, entre 1956 e 1980, enquanto

o número de estabelecimentos industriais mais do que dobra, a força de trabalho

multiplica-se por três”. (SEMEGHINI, 1991, p.133) Ainda segundo Semeghini, o Valor

Total de Investimento (VTI) nacional, atingiu em 1950, 49%, em 1960 55%, e em 1970

58% do montante total dirigido para o estado paulista. Desta forma, acabou por se

tornar um pólo de novas indústrias, que acompanharam investimentos em infra-

estrutura, como as rodovias12, por exemplo.

No caso específico do município barbarense, as taxas acompanharam as

tendências. Foi a época de intenso crescimento populacional e instalação das novas

indústrias. O que possibilitou esse incremento positivo foi a desconcentração relativa da

atividade industrial que ocorria na Região Metropolitana de São Paulo, o que propiciou

um acelerado desenvolvimento econômico e populacional em direção a Campinas,

incluindo Santa Bárbara d’Oeste. (BAENINGER, 1992, p.07)

O crescimento da população de Santa Bárbara d’Oeste a partir da década de

1970 esteve entre os maiores dentre os municípios da região de Campinas. Segundo

Baeninger(1992), em 1970 o município contava com 31.018 pessoas, passando para

76.621 em 1980. Essa foi a década com crescimento mais intenso do contingente

populacional, tendo um aumento de 45.603 pessoas, das quais 37.974 eram

provenientes de migração, buscando condições melhores de vida na região de

Campinas. Essa busca por novas oportunidades era tipicamente urbana, pois já em

1970 eram apenas 4.709 pessoas morando na área rural, fato que obrigou o município

a investir em infra-estrutura para alocação dessa população.

12 As duas principais rodovias que cortam a região de Campinas, a Anhanguera e a Bandeirantes, que ligam a capital ao interior, receberam grandes investimentos nesse período. Em 1948, a Anhanguera recebeu pavimentação no trecho de São Paulo a Campinas, enquanto a Rodovia dos Bandeirantes foi inaurada em 1978. Disponível em: <www.estradas.com.br>. Acesso em:03/08/2007.

Page 26: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

17

Mapa 3: Evolução da Área Urbanizada de Santa Bárbara d’Oeste

No ano de 1980, Santa Bárbara d’Oeste, atingiu um nível de crescimento

populacional expressivo13, fato que propiciou ao município chegar em 1990 com a

marca de 135.962 pessoas. Segundo os últimos dados da Fundação Seade, o

município contava em 2006 com 184.207 pessoas, população pequena perante certos

municípios, mas visto que, em 1950, contava com apenas 3 mil pessoas, temos um dos

municípios com crescimento mais acelerado da região de Campinas, e até do estado.

13 A taxa de crescimento entre as décadas de 1970 e 1980 ficou em 9,46% ao ano, menor apenas do que a de Sumaré (16,01%) e Nova Odessa(10,14%). (BAENINGER, 1992, p.11)

Page 27: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

18

Mapa 4: Rodovias e a área urbanizada de Santa Bárbara d’Oeste

O saldo migratório altamente positivo foi e continua sendo uma característica

da região de Campinas. Diversos fatores contribuíram e ainda contribuem para que

exista um pólo de atração de pessoas, entre as quais a desconcentração de indústrias

ocorrida inicialmente na capital, e hoje de ser o principal pólo de instalação de

empresas de tecnologia de ponta do país. Esse beneficiamento ocorrido se deu pelas

características gerais da infra-estrutura presente, pois além das rodovias já citadas,

ferrovias, mão-de-obra abundante e qualificada, centros de pesquisas renomados

formam a base regional: são características essas que possibilitam acesso fácil ao

grande mercado consumidor de todo estado de São Paulo e o escoamento de

mercadorias inclusive para exportação.

Page 28: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

19

Todos esses fatores fizeram com que se formasse uma região altamente

industrializada e relativamente populosa, observando-se inclusive o “nascimento” de

conurbações entre boa parte dos municípios. Existia então uma metrópole (Campinas),

e seus vizinhos com níveis expressivos de industrialização e urbanização.

Com o desenvolvimento regional se sobressaindo perante as outras regiões do

estado, mostrou-se necessário a formação de uma região político-administrativa em

comum. Formou-se assim a Região Metropolitana de Campinas (RMC), criada no ano

de 2000, e que agrega os principais municípios que mais se destacam no plano

econômico no entorno do município de Campinas, tendo este como metrópole regional.

Mapa 5:

Page 29: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

20

A Região Metropolitana de Campinas14 (RMC) tem uma posição de destaque

no cenário nacional, sendo uma das regiões metropolitanas com maior diversificação na

produção industrial, principalmente em setores dinâmicos e de alto input

científico/tecnológico, sendo que as diversas rodovias facilitam a fluidez tanto para a

capital quanto para o interior, fato que atraiu muitas empresas. A mão-de-obra

qualificada atende a demanda das grandes empresas de alta tecnologia, ficando

praticamente independente da capital em todos os setores necessários ao pleno

funcionamento da empresa.

A RMC conta com uma população de aproximadamente 2.338.148 habitantes,

sendo formada por 19 municípios15, dentre os quais Santa Bárbara d’Oeste se destaca,

juntamente a Paulínia, Sumaré, Americana e Campinas, principalmente no setor

econômico: industrial e agrícola.

No setor agrícola, o município barbarense está entre os que mais se destaca,

pela sua enorme produção de cana-de-açúcar. No ano de 2006, a produção nacional do

produto foi de 457.245.516 toneladas de cana, sendo que destes o estado de São

Paulo foi responsável por 69,89% do total, com 269.134.237 toneladas. Santa Bárbara

d’Oeste, que neste ano produziu 960.00016 toneladas, respondeu por 0,20% da

produção nacional, e por 0,35% da produção estadual de cana-de-açúcar. Isso aponta

que a cultura de cana-de-açúcar tem grande relevância na economia do município

barbarense.

14 As informações referentes à Região Metropolitana de Campinas foram retiradas do site da Agência Metropolitana de Campinas (AGEMCAMP). Disponível em: <www.agemcamp.sp.gov.br>. Acesso em: 02/07/2007. 15 Americana, Arthur Nogueira, Campinas, Cosmópolis, Engenheiro Coelho, Holambra, Hortolândia, Indaiatuba, Itatiba, Jaguariúna, Monte Mor, Nova Odessa, Paulínia, Pedreira, Santa Bárbara d’Oeste, Santo Antônio de Posse, Sumaré, Valinhos e Vinhedo. 16 Em 2006 houve redução da área plantada da cana-de-açúcar no município, que passou de 13.439 para 12.800 hectares. Essa diminuição da área reduziu também a produção, que em 2005 havia sido de 1.016.886 toneladas, representando 5,92% de queda para 2006. Fonte: IBGE

Page 30: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

21

Mapa 6:

Analisando os dados sobre a produção das lavouras temporárias nos solos

barbarenses, no ano de 200517, temos que das 1.018.349 de toneladas produzidas,

nada menos que 99,85%18 foi de cana de açúcar, que foi responsável por 1.016.886

toneladas. Neste mesmo ano, dos 14.139 hectares utilizados na produção das lavouras

temporárias, a cana-de-açúcar ocupou 13.439, ou 95,04%19 do total das áreas

disponíveis. O rendimento médio total dessas lavouras ficou em R$ 96.114.000, sendo

que desse montante, a cana-de-açúcar respondeu por 78,72%20 do total, com um

rendimento médio de R$ 75.666.000.

17 Dados mais recentes publicados. Fonte: Instituto de Economia Agrícola. Disponível em: <www.iea.sp.gov.br> Acesso em: 25/10/2007, 14:30. 18 Dentre os outros 0,15% restantes, estão 90 toneladas de arroz em casca, 330 toneladas de batata-inglesa, 139 toneldas de feijão em grãos e 904 toneladas de milho em grãos. 19 Dos 4,06% restantes, estão o arroz em casca com 100 hectares, a batata-inglesa com 20 hectares, o feijão com 190 hectares e o milho com 390 hectares de plantação. 20 Dos 21,28% restantes, o arroz rendeu R$ 900.000, a batata-inglesa ficou com R$ 165.000, o feijão “abocanhou” o montante de R$ 731.000 e o milho teve um rendimento de R$ 2.317.000.

Page 31: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

22

A produção de cana-de-açúcar tem uma importância histórica no município,

mantendo-se à décadas como o produto que mais ocupa as áreas agricultáveis do

município. Neste sentido, a análise dos prós e dos contras da cana-de-açúcar nas

terras barbarenses mostra-se importante, pois o grande predomínio de uma

monocultura pode ser fato de desenvolvimento no setor agrícola ou mesmo atraso para

o desenvolvimento do município como um todo. Mais importante do que se especializar

em determinada atividade é ter uma produção dinâmica, abrangendo diversos tipos de

produto, para que em período de crise de um deles, o município mantenha-se sem

muitas perdas e reflexos negativos.

Tabela 3: Ranking de municípios produtores do estado de São Paulo (ton)

2006

Tabela 4: Ranking de municípios produtores do Brasil (ton) 2006

1 Morro Agudo - SP 7.835.267 1 Morro Agudo - SP 7.835.267 2 Jaboticabal - SP 3.600.000 2 Campos dos Goytacazes - RJ 3.815.145 3 Paraguaçu Paulista - SP 3.500.000 3 Jaboticabal - SP 3.600.000 4 Batatais - SP 3.272.500 4 Paraguaçu Paulista - SP 3.500.000 5 Barretos - SP 3.270.300 5 Batatais - SP 3.272.500 6 Piracicaba - SP 3.200.000 6 Barretos - SP 3.270.300

Olímpia - SP 3.150.000 7 Piracicaba - SP 3.200.000 7 Valparaíso - SP 3.150.000 Olímpia - SP 3.150.000

9 Jaú - SP 2.962.500 8

Valparaíso - SP 3.150.000

99 Santa Bárbara d'Oeste - SP 960.000 140 Santa Bárbara d'Oeste - SP 960.000 Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal Fonte: IBGE - Produção Agrícola Municipal

Organização: Ednelson Mariano Dota Organização: Ednelson Mariano Dota

A cana-de-açúcar teve diversos momentos desde a sua implantação no Brasil

até os dias atuais. Começou como um dos principais produtos exportados na época do

Brasil colonial, com produção em larga escala na zona da mata nordestina, utilizando-

se do rico solo massapê. Posterior a zona da mata nordestina, a produção de cana

encontrou espaço no estado do Rio de Janeiro e logo depois no estado de São Paulo,

encontrando no solo fértil terra roxa todas as condições para seu pleno

desenvolvimento.

Até esse momento praticamente toda a produção de cana-de-açúcar era

voltada para o abastecimento dos mercados internos e externos de açúcar e destilados.

Mas foi no ano de 1975, com o surgimento do Programa Nacional do Álcool

Page 32: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

23

(Proálcool)21, que a cana-de-açúcar novamente ganhou espaço. Teve a partir deste

programa bases de sustentação para o aumento da produção e mercado consumidor

garantido.

Da época de sua implantação até o ano 2000, o Proálcool viveu certo

equilíbrio, não conseguindo manter o crescimento expressivo observado até o ano de

1985. Após o ano de 2000, com o aumento exacerbado do preço do barril de petróleo

no mercado internacional, ocorrido como reação pela guerra do Iraque, os combustíveis

alternativos novamente ganharam destaque e foi lançado, em março de 2003, os

motores flex fluel22, que dominaram as vendas a partir desta data, e alavancaram

novamente a venda do álcool combustível no Brasil.

A importância dos motores bicombustíveis e a retomada da expansão das

lavouras canavieiras não tiveram o mesmo estímulo nas terras barbarenses. Tendo

como base o PIB (Produto Interno Bruto) do município, observa-se que a agricultura

teve um crescimento expressivo até o ano de 2002. A partir de 2003 (ano de

lançamento dos motores flex fluel e início da nova expansão da cana-de-açúcar),

contraditoriamente ao que se chamaria de normal para um município com mais de 90%

das áreas agricultáveis tomadas pela cana, Santa Bárbara sofre uma retração no PIB

agropecuário que também pode ser observado no ano seguinte.

Todo o movimento observado em nível internacional com relação aos

biocombustíveis, apontados como uma das soluções para os problemas ambientais ao

redor do globo, têm incentivado o aumento da produção do álcool combustível, e

conseqüentemente o aumento das áreas ocupadas pela cana-de-açúcar. Segundo

estimativa do IEA (Instituto de Economia Agrícola), a previsão para a safra 2007 é

12,2% superior à 2006, chegando a atingir uma área de 4,8 milhões de hectares

ocupados23.

O aumento da produção brasileira acompanha o movimento global pró-

ambiente, através da política externa brasileira, que tem por objetivo o aumento da

21 O Programa Nacional do Álcool (Proálcool) foi criado em 14 de junho de 1975, através do decreto de nº 76.593, tendo como objetivo estimular a produção de álcool para o setor de combustíveis automotivos. Fonte: <www.biocombustivel.br> . Acesso em: 19/07/2007, 14:20. 22 Segundo estimativas da ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), em 2013 o número de veículos Flex Fluel deve chegar a 15 milhões, representando 52% dos veículos em circulação no Brasil. Disponível em: <www.anfavea.com.br> Acesso em: 26/10/2007, 15:02. 23 Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/OUT/verTexto.php?codTexto=9039. Acesso em 17/09/2007.

Page 33: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

24

exportação do álcool. Essa política nacional visa o aumento das vendas tanto do álcool

anidro (que se mistura à gasolina, variando de 20 a 25% do total), quanto o álcool

hidratado (utilizado em veículos movidos 100% a álcool).

Gráfico 1: Evolução da prudutividade de cana-de-açúcar em Santa Bárbara d'Oeste

800000

850000

900000

950000

1000000

1050000

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

Ano

Qu

anti

dad

e (t

on

elad

as)

Fonte: Instituto de Economia Agrícola Organização: Ednelson Mariano Dota

Gráfico 2: Evolução da produtividade de cana-de-açúcar: estado de São Paulo e Brasil

0

100000000

200000000

300000000

400000000

500000000

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

Ano

Qu

antid

ade

(to

nel

adas

)

Brasil

São Paulo

Fonte: Instituto de Economia Agrícola Organização: Ednelson Mariano Dota

O país se mostra hoje como o maior centro mundial de produção de cana-de-

açúcar, tendo diversas frentes, centros de pesquisas particulares, de universidades e

institutos voltados para o desenvolvimento de novas técnicas e produtos derivados da

Page 34: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

25

cana. Dentre esses produtos, o que leva maior destaque é o álcool combustível, que no

dia 07 de maio de 2004 estreou como commodity no mercado internacional. As

commodities tem por objetivo controlar os preços e garantir o abastecimento do

mercado mundial, funcionando como um mecanismo regulador, assim como acontece

com outros produtos, como o açúcar, o café e o petróleo, que também são

commodities.

Page 35: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

26

Capítulo III Migração sazonal em Santa Bárbara d’Oeste

Na imensa área ocupada pela cana-de-açúcar em Santa Bárbara d’Oeste,

estima-se que a mecanização seja responsável por aproximadamente 35% da

colheita24. Quem responde pelos outros 65% da colheita são os trabalhadores rurais,

popularmente conhecidos como bóias-frias. Segundo Puschinelli (2007), a mecanização

é pouco presente no município, pois a maior parte dos canaviais estão nas mãos dos

pequenos proprietários, sem condições de investir na mecanização.

As máquinas que colhem estão nas áreas de plantio das próprias usinas, que

de qualquer forma dependem da mão-de-obra migrante para as áreas de maior

declividade, local em que as máquinas não alcançam.

A partir de 2006, a denominação bóia-fria deixou de se encaixar com o perfil

dos cortadores de cana. As constantes denúncias por maus-tratos acabaram por

intensificar a fiscalização por parte do ministério público, que realizou parcerias para

viabilizar a melhoria da qualidade de vida. Uma dessas parcerias, realizada com a

Vigilância Sanitária prioriza a visita aos alojamentos, analisando as condições dos

prédios, e a infra-estrutura. “A vida por aqui melhorou muito nesses 9 anos que venho

pra cá” relatou João Francelino Bezerra25, 35 anos. Dentre os benefícios conquistados

nos últimos anos, além da melhora dos alojamentos, está a obrigatoriedade de receber

as refeições fornecidas por terceiros. Desta forma, estando na roça ou no alojamento,

recebem marmitex quente (fato pelo qual o termo bóia-fria não lhes cabe mais).

Os fiscais da VISA (Vigilância Sanitária) seguem algumas normas que ditam as

características dos alojamentos (NR 24), aquelas sobre os riscos no ambiente de

trabalho (NR 9), e a que trata da saúde dos trabalhadores rurais, antes e durante o

trabalho na usina (NR 7). Mostrando preocupação com a melhora das condições dos

trabalhadores, a VISAT (Vigilância em Saúde do Trabalhador) lançou o curso

Capacitação em Vigilância em Saúde do Trabalhador do Setor canavieiro, o qual tem

por objetivo “Capacitar as equipes de vigilância em saúde para o desenvolvimento de

24 Segundo Jesuína Puschinelli Carneiro, Engenheira Agrônoma da Casa da Agricultura de Santa Bárbara d’Oeste, em entrevista realizada no dia 11/09/2007. 25 Foram entrevistados 11 trabalhadores rurais nordestinos estabelecidos em Santa Bárbara d’Oeste nos dias 11 e 12 de agosto de 2007.

Page 36: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

27

ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT) do Setor Canavieiro dos

municípios-sede de usinas/destilarias, lavouras de cana-de-açúcar e habitações

coletivas das respectivas Regiões de Saúde”26.

Mapa 7: Alojamentos de migrantes cadastrados na VISA

A VISA de Santa Bárbara d’Oeste mantém um cadastro atualizado dos

alojamentos existentes dentro dos limites municipais [ANEXO I], os quais são utilizados

para visitas de inspeção. Segundo Eliane Franco Wiesel Salvador27, Coordenadora

Técnica da VISA, “não são todos os alojamentos que estão cadastrados, pois para isso

o responsável pelo alojamento deve ter firma aberta”. Salienta também que “aqueles

26 “Eliminar, minimizar e/ou controlar os riscos à saúde do trabalhador do setor canavieiro paulista” é o objetivo-geral do curso. Informações disponíveis em: <www.cvs.saude.sp.gov.br> Acesso em: 17/08/2007. 27 Entrevista realizada em 14/08/2007, com a Coordenadora Técnica e com o Fiscal Sanitário Vitor Rodrigues Junior.

Page 37: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

28

que se cadastram é porque estão ciente de suas responsabilidades, [...] se não fossem

cumprir com os deveres, certamente não cadastrariam seus alojamentos.”

Segundo esse cadastro da VISA, o município conta hoje com 11 alojamentos

cadastrados, abrangendo um total de 378 trabalhadores rurais. Esses alojamentos

estão espalhados por todo o município, sendo que se observa uma pequena

concentração na zona leste, área em que os valores de aluguéis são considerados

médios28.

Os trabalhadores rurais cortadores de cana estabelecidos em Santa Bárbara

d’Oeste são na sua maioria migrantes sazonais, ou seja, aqueles que se estabelecem

no município por certo período de tempo. Este tempo constitui-se como sendo a época

de colheita, que se inicia em maio, e tem seu término no mês de novembro. Estes

trabalhadores migrantes são maciçamente de origem nordestina, e buscam o campo

barbarense como saída para os meses em que não conseguem produzir no Nordeste.

Dentre os trabalhadores, existe uma considerável amplitude de idades, sendo

que observa-se pessoas desde os 18 até os 51 anos de idade. Segundo informações

dos próprios trabalhadores, a idade limite comum é por volta dos 45 anos de idade, pois

“o serviço é muito pesado, e depois dos 40 a gente começa arriá”, afirma Cícero Alves

de Souza, 39 anos. No dia da visita ao alojamento, Cícero apresentava luxação no

ombro esquerdo, com o qual manuseia o facão, e por isso estava há 4 dias sem

trabalhar. “O turmeiro disse que eu tô recebendo, vamos ver”, salienta, com certo receio

quanto ao pagamento dos dias em que estava parado.

Trabalhar com a terra é a vida dessas pessoas, pois no Nordeste alguns são

arrendatários de terras, outros prestam serviços para terceiros, e alguns poucos são

pequenos proprietários. A maior parte é casada, e permanecem metade do ano longe

de suas famílias, sendo que a vontade de voltar impera dentre os trabalhadores.

“Se chovesse mais lá, eu nunca viria pra cá. É muito difícil ficar longe da esposa, da família. O que ajuda um pouco agora é que esse ano meus dois

28 A maior parte dos alojamentos estão no Bairro Planalto do Sol, cujo preço médio do aluguel de uma casa com 5 cômodos e 1 banheiro é de R$ 400,00. Nos bairros mais carentes, como Parque Zabani e o Jardim Nova conquista, residências nessas mesmas condições custam por volta de R$ 300,00. Outros bairros, como Cidade Nova e Jardim Pérola, mais estruturados, o preço do aluguel sairia por volta de R$ 500,00 a R$ 600,00 mensais.

Page 38: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

29

moleques também vieram, mas também deixaram as mulheres lá.” (João Francelino Bezerra, 35 anos)29

O trabalho nas lavouras paulistas se mostra como necessário para esta

população, mas não pela simples e pura busca pela sobrevivência. Nos depoimentos

colhidos fica claro que o objetivo fundamental dessa jornada de trabalho é a

conquista/manutenção de certo poder aquisitivo, que cria condições para aquisição de

determinados objetos que em situações de vida normal se tornam improváveis no

Nordeste. Santos, cita que

[...]as migrações brasileiras, vistas pelo ângulo da sua causa, são verdadeiras migrações forçadas, [...] migrações ligadas ao consumo e à inacessibilidade a bens e serviços essenciais. (SANTOS, 1988, p. 44)

Esses objetos, segundo os trabalhadores são imóveis, carros, motos,

aparelhos eletrodomésticos, que acabam por compensar todas as dificuldades de se

viver metade do ano longe de casa.

“se não for assim nóis num tem nada, só faz pra come, e mesmo assim com muita dificuldade, porque lá no inverno só tem chovido 3 mês, então você planta, colhe e depois vive com o que conseguiu [...]” (João Francelino Bezerra, 35 anos) “no campo a gente consegue planta milho, que é mais rápido, mas alguns também produzem arroz, feijão. Os que tem um pedacinho de terra também tem algumas cabeça de gado.” (Cícero Alves de Souza, 39 anos) Tão importante quanto o trabalho para o migrante, é o migrante para os

usineiros. Enquanto existir o corte manual de cana, a relação migrante/cana continuará

sendo indissociável, pois ambos (migrantes e usineiros) estão sendo favorecidos nesta

relação. Quando a análise da relação é externa – feita por agentes não incluídos nos

processos -, cria-se uma visão de grandes lucros para usineiros, em contrapartida de

29 Para melhor caracterização das entrevistas, as transcrições são feitas conforme a fala dos entrevistados, mantendo inclusive erros de português.

Page 39: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

30

depreciação/exploração dos migrantes. Mas o que ocorre, na verdade, é a

complementação, pois “o interesse do capitalista e do operário é, portanto, o mesmo

[...]. E de facto! O operário soçobra se o capital não o emprega. O capital soçobra se

não explora a força de trabalho”. (MARX, 1849)30

O migrante necessita do trabalho, e o usineiro da mão-de-obra barata que o

migrante tem a oferecer. Apesar dessa “dualidade”, cabe ressaltar que não existe

equivalência entre os dois, mas sim a exploração do trabalho dos migrantes por parte

dos usineiros. A lei da oferta e da procura, tão utilizada quando o assunto é o consumo

e as questões do mercado capitalista, é facilmente adaptada aos canaviais. Existe uma

grande quantidade de pessoas no Nordeste interessadas no trabalho oferecido pelas

usinas, maior do que a procura, ou seja, o número de vagas que a usina tem a oferecer.

Isso provoca uma desvalorização do preço do trabalho do migrante: salários baixos

para os trabalhadores, lucros altos para os usineiros.

“a maior parte quer vir, só que os mais animados sempre são os mais jovens, querem ganhar pra comprar, pra ter as coisas” (Francisco Bezerra da Silva, 31 anos) Segundo relato dos trabalhadores, o número de pessoas interessadas em

trabalhar nos canaviais é grande, superando o número de oportunidades. Os mais

jovens, em busca do novo, ansiosos por novas e diferentes oportunidades, fora do

campo nordestino, são os que mais buscam esse tipo de vaga.

Não há vaga para todos, desta forma cria-se uma seleção. Esta não ocorre de

modo formal, tal qual as empresas realizam: priorizam algumas características que nem

sempre são levadas em consideração quando uma empresa é o agente empregador. O

bom comportamento nas atitudes diárias e o prévio conhecimento do selecionador é o

que conta no momento de ser selecionado. Tudo é levado em consideração para que

não haja problemas entre os trabalhadores, e que os selecionados cumpram as

obrigações, e compensem o investimento prévio com transporte, que é feito pelas

usinas.

30 MARX, Karl. “Trabalho Assalariado e Capital”, Editorial “Avante!”, 2006.

Page 40: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

31

“a pessoa responsável pela seleção sempre avisa como é aqui; deixa bem claro que o trabalho é duro, pesado, cansativo e que não tem muito descanso. O que não pode acontecer é a pessoa chega e não querer trabalhar, né?” (Francisco Bezerra da Silva, 31 anos) “pra este alojamento (26 pessoas) eu é que escolho as pessoas. Tento ajudar a família e os conhecidos, então trago meu moleques, os vizinhos. Não adianta eu querer ganhar sozinho, a gente tem que dividir o pão, não é mesmo? [...] mas pra selecionar não ganho nada não, e faço isso porque já tenho mais experiência. Aqueles que ficam bagunçando, os que não gosta de trabalhar a gente não traz, porque aqui não vai render, só vai atrapalhar. (João Francelino Bezerra, 35 anos) O trabalho nos canaviais paulistas é apontado como solução financeira para as

famílias do semi-árido nordestino, sendo que o fato de conseguir este trabalho significa

melhora nas condições de vida dessas pessoas. Isso ocorre pela insuficiência da

estrutura produtiva dessa área no Nordeste, que não dá condições para sua população

manter um nível de vida satisfatório, em que possam consumir produtos além dos

alimentos necessários à subsistência.

Essa insuficiência da estrutura produtiva do Nordeste fica clara quando

analisamos que “em 2004, nada menos que 56,7% da população do Nordeste era

considerada pobre (26,6 milhões de pessoas)” (IPEA, 2006)31. Além de ter o maior

número de pessoas consideradas pobres do Brasil, a região, que sofre com grandes

disparidades sócio-econômicas, também se destaca no quesito de possuir “oito dos dez

estados brasileiros com menor rendimento domiciliar per-capita médio, [...sendo eles]

Alagoas, Maranhão, Piauí, Ceará, Bahia, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte”.

(IPEA, 2006)

Deste modo, a região nordestina fica marginalizada perante as outras: menos

condições de vida para a população, menor poder de compra e de consumo, que por

final acaba por “forçar” essa população às migrações.

31 IPEA, Radar Social – 2006: Condições de vida no Brasil. Brasília, 2006

Page 41: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

32

Tabela 5: Despesa média mensal familiar BRASIL 1465,31 CENTRO-OESTE 1433,61 NORDESTE 978,58 NORTE 1115,93 SUDESTE 1757,15 SUL 1564,85

Fonte: IBGE - Pesquisa de Orçamentos Familiares 2003

Tabela 6: Proporção da população em situação de pobreza 2001 2002 2003 2004 BRASIL 33,3 33,0 33,9 30,1 CENTRO-OESTE 28,4 27,7 29,2 23,3 NORDESTE 57,2 57,1 58,2 53,7 NORTE 40,8 42,7 43,9 36,9 SUDESTE 21,4 21,1 22,2 19,3 SUL 21,4 20,1 19,8 16,9

IPEA 2006

A migração sazonal começa com a seleção dos trabalhadores. Em seguida, a

viagem, que dura alguns dias é feita em ônibus fretado pelas usinas, levando os

trabalhadores até Santa Bárbara d’Oeste, prontos a ficarem longe da família e realizar o

trabalho nas lavouras paulistas. Cada trabalhador, responsável pela seleção dos

trabalhadores no Nordeste, monta uma turma, que quando em Santa Bárbara d’Oeste

ocupará o mesmo alojamento. Estes alojamentos podem ser na área rural, como os que

estão registrados no nome da usina Cosan com 144 trabalhadores, e o alojamento da

usina Furlan, com 75 trabalhadores.

Além destes 2 alojamentos, estão cadastrados na VISA do município outras 9

residências coletivas (alojamentos dentro da área urbana), que juntas somam outros

179 trabalhadores. Quanto às condições destes alojamentos, pode-se verificar que em

2005 e 2006, não houveram registros de reclamações, fato diferente dos anos

anteriores.

Page 42: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

33

Foto 1: Alojamento Foto 2: Alojamento

Foto: Ednelson Mariano Dota Foto: Ednelson Mariano Dota

Foto 3: Alojamento Foto 4: Ônibus rural

Foto: Ednelson Mariano Dota Foto: Ednelson Mariano Dota

A partir de buscas realizadas nos jornais que cobrem o município, foram

encontradas diversas reportagens sobre os migrantes alojados no município, dentre as

quais aquelas que citam as condições inapropriadas dos alojamentos. Dentre as

reportagens que cita maus-tratos aos trabalhadores, duas são do ano de 2002, uma de

2003 e mais duas de 2004. Após esse período, a imprensa escrita que cobre Santa

Bárbara d’Oeste não registrou nenhum fato novo, principalmente pela intensificação da

fiscalização por parte do ministério do trabalho, a partir da VISA.

Page 43: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

34

Segundo a VISA32 de Santa Bárbara d’Oeste, após o início das inspeções nos

alojamentos, observou-se melhora progressiva nas condições oferecidas aos

trabalhadores. Essas melhoras, obtidas a partir de inspeções regulares, foram obtidas

em todos os âmbitos da vida dos migrantes em terras barbarenses, não só no caso dos

alojamentos, mas na alimentação, que obrigatoriamente deve ser servida por terceiros,

e nas próprias condições de trabalho, onde todos são registrados como funcionários

das usinas.

O transporte dos trabalhadores dos alojamentos para a roça é feito através dos

ônibus rurais, notadamente em más condições. Estes ônibus são de propriedade do

empreiteiro responsável pelos alojamentos dos trabalhadores, e pelo transporte diário

dos mesmos até o canavial. Há registros jornalísticos de acidentes ocorridos devido à

precariedade dos meios de transporte dos trabalhadores. A precariedade dos veículos

não recebe importância por parte dos empreiteiros, pois “o Brasil, é o único país onde

existe preconceito com trabalho do campo, com os trabalhadores rurais. Não se dá a

importância merecida a esses trabalhadores”33, e por isso, independente da situação,

chegar ao trabalho, e depois retornar ao alojamento é o que importa para estas

pessoas.

Quando da vinda dos migrantes para Santa Bárbara d’Oeste, pouco trazem de

objetos, sendo que apenas as roupas para o dia-a-dia e o garrafão de água,

acompanham essas pessoas até as terras paulistas. Além disso, por aqui pouco se

compra, sendo que de modo geral as guloseimas são as preferidas.

“a gente procura não gastar muito aqui. A maioria aqui é casada, então deposita no banco pra mulher se manter por lá. Do dinheiro que pega, metade fica aqui mesmo, porque tem que pagar a cantina34, água e força da casa, segura um dinheirinho pra comprá umas bolachas, tomar uma cervejinha, compra cartão pra ligar pra esposa, e o resto guarda.” (Elton Moraes de Souza, 26 anos)

32 Entrevista realizada no dia 03/11/2007, com Eliane Wiesel Salvador, Coordenadora Técnica, há 08 anos no cargo, e Vitor Rodrigues Junior, Fiscal Sanitário, há 04 anos no cargo. 33 Jesuína Puschinelli Carneiro. 34 Cantina é como se referem à cobrança feita pelos empreiteiros, no valor de R$ 220,00 mensais, para custeio de alimentação e o transporte até a lavoura. Os custos com a água e energia consumidos nas casas também são pagas pelos trabalhadores.

Page 44: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

35

Além da preocupação com a família que permaneceu no Nordeste, alia-se a

questão do custo de vida, que segundo os trabalhadores, são bem diferentes nas duas

regiões.

“o preço das coisas aqui é muito alto, por isso a gente só gasto o necessário. Esses dias fui no mercado com o empreiteiro nosso, fazer umas compras pra ele levar pra turma que manda nossa comida. Ele falou pra eu pegar o que achava que daria pra 1 mês, então peguei 20 sacos de arroz, bastante feijão, as carne e hora que passo no caixa, deu 480 reais. Todo esse dinheiro pra pouca coisa, porque lá no Nordeste, com 400 reais você vai no armazém e manda vim uma caminhonete carregada de coisas, que dá pra você passa com a sua família uns par de mês.” (João Francelino Bezerra, 35 anos) A questão do custo de vida diferenciado entre Santa Bárbara d’Oeste e o

nordeste, especificamente na área onde residem, é de fato fator que chama a tenção

entre os trabalhadores estabelecidos em Santa Bárbara d’Oeste. Enquanto João

Francelino me citava essa experiência da visita ao supermercado com o empreiteiro,

outro trabalhador rural do mesmo alojamento aproximou-se e citou comparação

interessante, da própria experiência adquirida no município. Ele, casado há 15 anos no

Nordeste, pai de 2 filhos, acabou por conhecer uma mulher em Santa Bárbara d’Oeste,

e estava morando com a mesma em uma residência em separado, próximo ao

alojamento dos amigos.

“lá, com 500 reais por mês, você vive tranqüilo, pagando ainda o aluguel. Uma casinha boa custa 50 reais por mês, a água a gente não paga, então só tem que pagar a força. Aqui a coisa é bem diferente: pra sustentar uma família aqui, tem que ganhar uns 1000 reais, porque o aluguel é caro, tem que pagar água, força e ainda fazer compra. Só to morando com a Maria porque não gasto com comida, e pago metade do aluguel” (Guilherme Castro dos Santos, 37 anos) Segundo Guilherme, sentia-se muito carente, motivo pelo qual “juntou-se” com

Maria, e relatou também que o fato de ainda poder enviar dinheiro para a família no

Nordeste foi imprescindível, pois “por mais coisas erradas que faça, nunca me esqueço

dos filhos”. Essa questão das carências, das saudades do Nordeste explicam

Page 45: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

36

determinadas compras realizadas no município, especialmente as influências causadas

na feira-livre central, ocorrida nas manhãs de domingo, na área central do município.

Essa feira é tradicional, recebendo inclusive visitantes de outros municípios

como Americana e Capivari. Teve início nos anos 60, mas a partir de 2004, observou-se

o início de um fato interessante, tendo como agente causador os migrantes sazonais

alojados no município. Dentre as mais de 70 barracas presentes na feira, 3

comercializam produtos de origem ilícitas, como CDs e DVDs piratas. Essas barracas

tocam seus CDs desde o início da manhã, e, através de observação a campo, pode-se

constatar que, das 4 horas na qual foram reproduzidas músicas, aproximadamente 3

horas foram especificamente para Forró, tipo de música originariamente nordestina.

“a gente toca mais forró porque os nordestinos procuram bastante, então nós testamos os cds e colocamos o que chega de novo pra eles ouvirem” (Ronaldo Rocha Ribeiro, 19 anos)35

De modo geral, gastam mais no último mês de permanência, quando compram

produtos para presentear a parentela que na origem permaneceu. Os gastos feitos em

Santa Bárbara d’Oeste está condicionado a um fator principal, que é ser casado ou

solteiro. Os casados, que carregam maior responsabilidade consigo, são os que gastam

menos, pois procuram depositar a maior quantia possível para a mulher e os filhos que

no Nordeste permaneceram. O objetivo é poupar, para melhorar de forma geral as

condições nos meses em que retornarem. Quanto aos solteiros, esses tem objetivos

diferentes: sem a necessidade de enviar dinheiro para o Nordeste, ficam mais livres

para gastarem seus salários, consumindo produtos muitas vezes com valor expressivo,

como aparelhos de som e vídeos-game, observado nos alojamentos.

O não-trabalho dos migrantes se mostra bem caseiro, com poucos momentos

de lazer, e muito repouso para agüentar a pesada vida nos canaviais. Costumam sair

muito pouco, freqüentando geralmente apenas bares, para confraternizar com os

amigos.

35 Entrevista realizada em 28/10/2007.

Page 46: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

37

“a gente sai muito pouco. Como quase não conhecemos a cidade, não sabemos onde ficam os lugares bons, e onde é perigoso freqüentar.” (Elton Moraes de Souza, 26 anos) Os migrantes então, vivendo em Santa Bárbara d’Oeste, acabam por construir

suas interações espaciais com o lugar, isto porque escolher os “lugares bons e ruins”

são interações criadas a partir das experiências já consolidadas na origem, e que são

moldadas para se adaptar à forma de vida que levam em Santa Bárbara d’Oeste.

Segundo Corrêa, as práticas espaciais são “um conjunto de ações espacialmente

localizadas que impactam diretamente sobre o espaço, alterando-o no todo ou em parte

ou preservando-o em suas formas e interações espaciais”. (CORRÊA, 2003, p.68)

Os migrantes escolhem os locais a freqüentar, e esse processo de escolha, ou

de seletividade espacial, ocorre quando alguém “decide sobre um determinado lugar

segundo este apresente atributos julgados de interesse de acordo com os diversos

projetos estabelecidos” (CORRÊA, 2003). Como o projeto para o tempo em solo

barbarense é trabalhar e poupar capital, o lazer e conseqüentemente visitas a lugares

desconhecidos que possam oferecer determinados riscos aos trabalhadores ficam em

segundo plano.

O uso do território é para o migrante seu modo de vida, sendo que a constante

locomoção está intrinsecamente ligada às condições de vida desta população. Santos

cita que

No começo da história, o território era os dois, para todos... Ele era abrigo e era recurso. As pessoas tiravam dele a sua sobrevivência e eram também protegidas por ele. A história da humanidade é a história da dissociação dessas duas condições, que agora chegou ao ápice com a produção das chamadas redes. As redes são formadas de pontos bem tratados, bem equipados no território, facilitando a vida das grandes empresas globais. Essas grandes empresas instalam-se nesses pontos.[...] Elas tratam o território apenas como recurso, mas são muito pouco numerosas. No caso do Brasil, esse percentual é ínfimo. A maioria esmagadora, a quase totalidade das empresas tem o território como abrigo. (SANTOS, 1997, p.22)

Milton Santos trata do uso do território pelas empresas, e aqui, sua teoria será

aplicada aos migrantes, que tiram sua sobrevivência no território, e que dele dependem

Page 47: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

38

integralmente. Guardadas as devidas proporções, os migrantes utilizam-se do território

assim como as empresas, sendo que fazem isso por completo, ou seja, preenchem as

duas saídas existentes.

O território como recurso é aquele que os migrantes utilizam para tirar o seu

sustento caracterizando-se como as plantações de Santa Bárbara d’Oeste. É recurso

pois tem o significado de trabalho, de angariar renda, que por fim é enviado para o

Nordeste. Outros significados típicos da vida humana não existem nessa relação, pois

suas raízes estão no Nordeste, ficando Santa Bárbara d’Oeste como o meio encontrado

de suprir suas necessidades.

Mesmo sendo o modo de fuga encontrado pelos migrantes para os problemas

nordestinos, Santa Bárbara d’Oeste também é abrigo para estes trabalhadores. É

abrigo pois apesar do objetivo específico ser o trabalho, eles tem que se estabelecer, e

dessa forma acabam por criar as interações espaciais com o lugar, como aqueles

citados anteriormente. Durante o dia, horário de trabalho nos canaviais, o território é

recurso, e durante a noite, quando descansam nos alojamentos, o território acaba por

se tornar abrigo.

Page 48: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

39

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A elaboração desse trabalho, feito a partir de análises na bibliografia citada,

permitiu-nos chegar a algumas conclusões, e acabou também por criar novas e

interessantes inquietações, os quais num futuro trabalho poderão ser abordados.

O crescimento da produção canavieira nacional está em franca expansão, a

partir das questões ambientais, que hoje recebe os holofotes em todas as partes do

mundo. Esse crescimento, que engloba desde o estado de São Paulo, maior produtor

nacional, até novas frentes no Centro-Oeste, tem em cada local características

diferentes. Estas características, em Santa Bárbara d’Oeste acabam por chamar

atenção.

Enquanto a maior parte da produção no país se concentra nas mãos das

grandes usinas, no município esta produção está concentrada em pequenas

propriedades, fato que acaba por inviabilizar a mecanização agrícola. Desta forma,

necessitando da colheita manual, a mão-de-obra migrante acaba por suprir a essa

demanda.

As migrações, verificadas desde o início das civilizações, sempre estiveram

ligadas às necessidades de cada povo. Desta forma, cada povo, em cada momento

histórico, sempre buscavam novas oportunidades em outros locais, o que certamente

continuará existindo. Um desses movimentos pelo território ocorre atualmente, tendo

como autor os camponeses nordestinos estabelecidos na zona semi-árida, que por não

terem condições de plantar durante boa parte do ano, buscam oportunidades em outros

locais.

A migração nordestina existe por um fator bem definidos: a insuficiência do

área semi-árida do Nordeste, que não consegue construir uma estrutura na qual sua

população possa produzir sem tanta dependência do clima, fato que cria a necessidade

de migrar. A partir dos relatos dos próprios migrantes, a necessidade é de consumir

produtos além daqueles que seriam utilizados para alimentação, algo além da própria

subsistência. Desta forma, a migração não aparece como opção, mas como única

saída.

Page 49: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

40

O movimento é importante para todos os agentes do processo, por isso é tão

forte, e sem perspectivas de estar em vias de arrefecer. Mas outros fatores ameaçam

essa supremacia da mão-de-obra migrante, como a mecanização. Apesar dela estar

crescendo ano a ano, essas máquinas não alcançam terrenos com determinadas

declividades, fato que favorece o trabalho migrante.

De qualquer forma, a mecanização continuará avançando e cobrirá boa parte

dos terrenos. Qual serão as opções para estas pessoas se o trabalho nos canaviais

paulistas não estiverem mais acessíveis? Estas e outras questões devem receber mais

atenção, e certamente estes fatores acarretarão grande impacto social no Nordeste,

onde a parte das famílias que ficam recebem as economias adquiridas em São Paulo,

sendo imprescindível para as condições de vida dessa população.

O que certamente fica evidente é que se as oportunidades nos canaviais

paulistas diminuírem, os migrantes encontrarão outras formas de suprir as

necessidades. Outros destinos ganham importância, como a busca pelas novas áreas

do Centro-Oeste, no Norte, e no próprio Nordeste, como o oeste da Bahia, por exemplo.

Esta é a única afirmação que se mostra evidente, pois as decisões de

investimento, para possibilitar uma vida com boas condições em conformidade com o

que o semi-árido possibilita, não tem recebido a devida importância pelo poder público,

fato que não ajuda a população a vencer as dificuldades da seca, e tornar a região

auto-suficiente, não precisando assim buscar na migração o sustento da família.

Page 50: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

41

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Page 51: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

42

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VETTORASSI, Andréia. “Vivendo e aprendendo a jogar: formas de sociabilidade entre migrantes temporários no interior paulista”, 2003

Page 52: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

43

Anexo I

Conforme solicitado, segue a relação de alojamentos / moradias de trabalhadores rurais cadastradas nesta

VISA no ano de 2007.

- COSAN S/A Indústria e Comércio São Francisco;

End: Fazenda Areia Branca, s/nº

Quantidade de trabalhadores: aproximadamente 144

- Clodoaldo Medina ME;

End: Rua Natal, 1404, Planalto do Sol

Quantidade de trabalhadores: aproximadamente 15

- Clodoaldo Medina ME;

End: Orlando Cerchiare, 318, Vila Rica

Quantidade de trabalhadores: aproximadamente 26

- Walter Venâncio Morato;

End: Rua Terezina, 1082, Planalto do Sol

Quantidade de trabalhadores: aproximadamente 18

- Walter Venâncio Morato;

End: Rua Olinda, 669, Planalto do Sol

Quantidade de trabalhadores: aproximadamente 24

- Usina Açucareira Furlan S/A;

End: Rod. SP 304, 5, Alambari

Quantidade de trabalhadores: aproximadamente 75

- Alberto Medina;

End: Av. São Paulo, 2724, Cidade Nova II

Quantidade de trabalhadores: aproximadamente 20

- Newton Deale M. K. Junior e Outros;

End: Av. São Paulo, 2496, Cidade Nova

Quantidade de trabalhadores: aproximadamente 20

Page 53: Migração Sazonal em Santa Bárbara d'Oeste

44

- Claudinei R. de Carvalho ME;

Rua Lituânia, 155, Jd. Europa IV

Quantidade de trabalhadores: aproximadamente 12

- Claudinei R. de Carvalho ME;

Rua Lituânia, 479, Jd. Europa

Quantidade de trabalhadores: aproximadamente 12

- Claudinei R. de Carvalho ME;

Rua Assis Brasil, 26, Pq. Residencial Frezarin

Quantidade de trabalhadores: aproximadamente 12