mídia e violência urbana. muniz sodré; luiz eduardo soares

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512 Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (4): 508-515, out/dez, 1994 Mídia e Violência Urbana. Muniz Sodré; Luiz Eduardo Soares & Ester Kosovski (Coordenadores Científicos). Rio de Janeiro: FAPERJ, 1994. 203 p. A publicação deste livro pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), a partir dos relatos do Seminário “Mídia e Violência Urbana”, realizado no Rio de Janeiro, de 1º a 2 de julho de 1993, é uma importante contribuição ao tema que vem sendo debatido por pesquisadores, jornalistas, políticos, gover- nantes e pela própria sociedade. No entanto, essa temática suscita ainda urgentes investi- gações para que se possa compreender melhor a relação mídia x violência nas grandes cida- des. O evento foi coordenado pela Faperj e contou com a participação de personalidades do Brasil e do exterior, entre cientistas, professores, profissionais da mídia, dirigentes de órgãos da segurança pública e representantes da cidadania. Na Apresentação, Fernando Pelegrino confir- ma o caráter interdisciplinar dos relatos e destaca que o problema não se restringe somen- te ao debate dos experts, e necessita da partici- pação de várias áreas da sociedade. O livro está organizado em cinco capítulos. No primeiro capítulo são apresentadas 12 conferências, realizadas em três grandes mesas temáticas: A Construção da Realidade pela Mídia; Produção e Disseminação e Democrati- zação de Informações sobre Criminalidade; Estado, Mídia e Cidadania. É a partir destes temas que procuramos traçar o “nosso” relato, considerando a dificuldade de comentar os demais relatos, cujos conteúdos trazem sintetizadas profundas análises críticas sobre o problema da violência. Na Conferência de Abertura, o então Gover- nador Leonel Brizola discute o monopólio dos meios de comunicação, em particular, a questão das concessões de canais de televisão. Compara com outros países como os EUA, onde não é permitido o controle de mais de um veículo de comunicação, como um jornal e uma televisão pelo mesmo proprietário. Brizola refere-se à sua antiga peleja com a TV Globo e afirma que a violência e a criminalidade veiculadas pela televisão influem no sistema educacional. Para o filósofo de direito da Alemanha, Ales- sandro Baratta, os delitos que mais lesam a sociedade são aqueles cometidos por indivíduos das classes sociais mais altas, os chamados “crimes do colarinho branco”. Somam-se a esses crimes, os delitos ecológicos, crimes contra a saúde pública, publicidade enganosa, corrupção etc. Mas o que prevalece na opinião pública são os crimes das classes sociais mais pobres, protagonizados pelos “criminosos” e seus estereótipos. Baratta cita a questão da privacidade no ambiente doméstico, onde os casos de lesões corporais e violência sexual ganham mais visibilidade nos bairros pobres, pois a privacidade é menor. Nos bairros ricos esses casos são mais facilmente encobertos. A mídia atua aí na condução dos fatos, enfocando certos fenômenos criminais e criando em cima da realidade uma percepção imaginária. A mudança do paradigma do pensamento crimino- lógico deu-se no momento em que se reconhe- ceu que também a criminalidade é “socialmente construída” pelos meios de comunicação. O sentimento de medo é nesse sentido “despropor- cionalmente maior que o medo de tornar-se concretamente objeto de uma ação criminal”. Baratta propõe que os cidadãos participem de processos democráticos de produção de infor- mações sobre a criminalidade e deixem de ser espectadores. O jornalista Argemiro Ferreira comenta a violência na TV dos EUA, onde é correspon- dente da imprensa brasileira e portuguesa. Na sociedade norte-americana esse debate ganha cada vez mais espaços, tanto assim que as emissoras se comprometeram a alertar os pais sobre cada programa, se este for entendido como violento. Há uma espécie de faxina na programação, como conseqüência o lixo é exportado para o Brasil e outros países. Esse fato acaba por limitar ainda mais os espaços para as produções de nossos programas. Ferrei- ra cita o especialista em mídia Ben Bagdikian, que dá a receita utilizada pelas televisões para manter o máximo de atenção dos consumidores: violência e sexo. O sexo é mostrado de um jeito ambíguo para não ferir os padrões de moralidade pública. Assim, a violência torna-se o ingrediente principal dos programas e dos noticiários. A guerra de audiência estimula mais ainda o crescimento dos programas na categoria violência. Para aquele especialista em mídia os

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512 Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (4): 508-515, out/dez, 1994

Mídia e Violência Urbana. Muniz Sodré;Luiz Eduardo Soares & Ester Kosovski(Coordenadores Científicos). Rio de Janeiro:FAPERJ, 1994. 203 p.

A publicação deste livro pela Fundação deAmparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj),a partir dos relatos do Seminário “Mídia eViolência Urbana”, realizado no Rio de Janeiro,de 1º a 2 de julho de 1993, é uma importantecontribuição ao tema que vem sendo debatidopor pesquisadores, jornalistas, políticos, gover-nantes e pela própria sociedade. No entanto,essa temática suscita ainda urgentes investi-gações para que se possa compreender melhora relação mídia x violência nas grandes cida-

des.O evento foi coordenado pela Faperj e contou

com a participação de personalidades do Brasile do exterior, entre cientistas, professores,profissionais da mídia, dirigentes de órgãos dasegurança pública e representantes da cidadania.

Na Apresentação, Fernando Pelegrino confir-ma o caráter interdisciplinar dos relatos edestaca que o problema não se restringe somen-te ao debate dos experts, e necessita da partici-pação de várias áreas da sociedade.

O livro está organizado em cinco capítulos.No primeiro capítulo são apresentadas 12conferências, realizadas em três grandes mesastemáticas: A Construção da Realidade pelaMídia; Produção e Disseminação e Democrati-zação de Informações sobre Criminalidade;Estado, Mídia e Cidadania.

É a partir destes temas que procuramos traçaro “nosso” relato, considerando a dificuldade decomentar os demais relatos, cujos conteúdostrazem sintetizadas profundas análises críticassobre o problema da violência.

Na Conferência de Abertura, o então Gover-nador Leonel Brizola discute o monopólio dosmeios de comunicação, em particular, a questãodas concessões de canais de televisão. Comparacom outros países como os EUA, onde não épermitido o controle de mais de um veículo decomunicação, como um jornal e uma televisãopelo mesmo proprietário. Brizola refere-se à suaantiga peleja com a TV Globo e afirma que aviolência e a criminalidade veiculadas pelatelevisão influem no sistema educacional.

Para o filósofo de direito da Alemanha, Ales-

sandro Baratta, os delitos que mais lesam asociedade são aqueles cometidos por indivíduosdas classes sociais mais altas, os chamados“crimes do colarinho branco”. Somam-se aesses crimes, os delitos ecológicos, crimescontra a saúde pública, publicidade enganosa,corrupção etc. Mas o que prevalece na opiniãopública são os crimes das classes sociais maispobres, protagonizados pelos “criminosos” eseus estereótipos. Baratta cita a questão daprivacidade no ambiente doméstico, onde oscasos de lesões corporais e violência sexualganham mais visibilidade nos bairros pobres,pois a privacidade é menor. Nos bairros ricosesses casos são mais facilmente encobertos. Amídia atua aí na condução dos fatos, enfocandocertos fenômenos criminais e criando em cimada realidade uma percepção imaginária. Amudança do paradigma do pensamento crimino-lógico deu-se no momento em que se reconhe-ceu que também a criminalidade é “socialmenteconstruída” pelos meios de comunicação. Osentimento de medo é nesse sentido “despropor-cionalmente maior que o medo de tornar-seconcretamente objeto de uma ação criminal”.Baratta propõe que os cidadãos participem deprocessos democráticos de produção de infor-mações sobre a criminalidade e deixem de serespectadores.

O jornalista Argemiro Ferreira comenta aviolência na TV dos EUA, onde é correspon-dente da imprensa brasileira e portuguesa. Nasociedade norte-americana esse debate ganhacada vez mais espaços, tanto assim que asemissoras se comprometeram a alertar os paissobre cada programa, se este for entendidocomo violento. Há uma espécie de faxina naprogramação, como conseqüência o lixo éexportado para o Brasil e outros países. Essefato acaba por limitar ainda mais os espaçospara as produções de nossos programas. Ferrei-ra cita o especialista em mídia Ben Bagdikian,que dá a receita utilizada pelas televisões paramanter o máximo de atenção dos consumidores:violência e sexo. O sexo é mostrado de umjeito ambíguo para não ferir os padrões demoralidade pública. Assim, a violência torna-seo ingrediente principal dos programas e dosnoticiários. A guerra de audiência estimula maisainda o crescimento dos programas na categoriaviolência. Para aquele especialista em mídia os

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custos psicológicos e sociais são grandes everifica que as crianças que vêem mais tele-visão são mais cínicas que as que pouco vêemTV.

Representando a Polícia Militar do Rio deJaneiro, o Comandante Cerqueira propõe aabertura de um canal de diálogo entre Estado ecidadãos, para identificar qual a “imagem docrime” e as possibilidades de administrar aprevenção do mesmo. A tortura, tema abordadoem outras Conferências, nunca deixou de serpraticada, segundo o Comandante, mas napercepção da classe média, ela foi mais crueldurante a ditadura militar. Essa indiferençaatual se dá porque essa classe não se sente maisameaçada, por não estar entre aqueles “autoriza-dos” a morrerem e a serem torturados. Os“bandidos”, os “criminosos” comuns podem esofrem torturas. Além disso, há uma crença doespectador, do jornalista e do policial de queprendendo o “bandido” está se prevenindo acriminalidade. Uma idéia sugerida por ele é adivulgação de programas de prevenção primáriaou mesmo secundária a serem adotados pelamídia, como o programa de educação nasescolas, para prevenção do uso de drogas.

Em uma outra conferência, o ComandanteDavid Gascon, da Polícia de Los Angeles(EUA) apresenta uma visão sobre os aconteci-mentos daquela cidade, em abril de 1992.Naquele ano, policiais brancos espancaram onegro Rodney King e as cenas foram filmadaspor um cineasta amador. Logo depois, o vídeofoi exibido nas TVs americanas e do resto domundo. No relato do Comandante Gascon, amídia explorou as imagens de forma implacá-vel. Um ano depois, uma onda de novos distúr-bios ocupava as ruas de los Angeles, após aabsolvição dos policiais envolvidos no caso.Para o Comandante, a mídia colaborou com osdistúrbios, insuflando contra a discriminaçãoracial nos EUA. O que teria também contribuí-do para agravar os fatos foi que, na época, acidade tinha um chefe de polícia que não eramuito popular nos meios de comunicação eentre alguns governantes.

Gilberto Dimenstein, jornalista da Folha deSão Paulo, questiona “até que ponto a imprensapropriamente, está comprometida com essahipocrisia política, social, econômica e cultu-ral”. Procura revelar o que estaria por trás dessa

“engenharia de informação”, ao comparar duasnotícias de um mesmo jornal, de julho de 1993.Uma matéria de quase página inteira sobre ocaso PC (Paulo César Farias) e outra nota nofinal de página sobre o assassinato de criançasno Rio de Janeiro que teria crescido 50%.Dimenstein confronta os 321 assassinatos decrianças nos últimos meses com as 300 mortesde crianças na guerra de Israel contra os pales-tinos, nos últimos cinco anos e meio. O que sechama lá intifada ocorre aqui a cada cincomeses. O autor de A Guerra dos Meninos, AsMeninas da Noite, A República dos Padri-nhos, Conexão Cabo Frio recebeu prêmios noBrasil e no exterior por suas pesquisas sobreassassinatos de crianças, prostituição infantil eoutras.

A “desrealização” do mundo provocada pelamídia foi o tema da conferência do filósofofrancês Henri Pierre Jeudy. “O princípio damídia é construir um efeito de fascinação e aomesmo tempo reproduzir um efeito de contami-nação das imagens em nível infinito”, afirmaJeudy. Esse efeito vertiginoso das imagensimpossibilita de se distinguir a imagem do real.A veiculação da violência pelos mass media sedá através desse processo mediático. “Na mídiaa imagem não é representação: a imagemrepresenta apenas a si mesma”, sintetiza Jeudy.O sentimento de insegurança e medo parececrescer e tornar-se um círculo, exatamentequando todos reivindicam o tempo inteiro maissegurança em um processo que chama de“vitimização generalizada”. Jeudy fala da “tele-vigilância” que já existia no metrô de Paris,mas que passou como no bigbrother, da ficçãopara as ruas, onde a realidade é vigiada pelastelas de fiscalização. Confunde-se nesse proces-so o real e o imaginário, o que pode levar a“morrer de imagem”. Jeudy não acredita em ummoralismo da mídia que implique no retornodos bons valores burgueses. Mas revela o seuparadoxo ao dizer que é a partir do imoralismoda mídia que pode surgir uma nova ética.

Na visão freudiana, sob o olhar do psicanalis-ta Jurandir Freire Costa, uma das tarefas cen-trais da cultura é “organizar o aparelho culturalou o aparelho civilizatório, de modo a regrar, adominar a crueldade”. Essa tarefa, em todas associedades e culturas com poder, Estado ehierarquia tem sido a de limitar e organizar a

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manifestação da crueldade, para que esta nãocoloque em risco o restante do corpo social. Aforma até então conhecida, segundo FreireCosta, tem sido a de “desumanização” dodiverso, ou daqueles considerados diferentes. Osque não correspondem às regras e aos modelosde conduta moral passam a ser vistos comonão sujeitos ou semi-sujeitos. No entanto, o queestá mudando é que esses excluídos passarama reivindicar o ingresso no clube dos privilegia-dos, afirma Freire Costa. Para esse autor odesenvolvimento da cultura resume-se em trêstraços fundamentais: lei do mercado; o hábitodo consumo e a avidez pelo sucesso publicitá-rio. Esses três eixos têm promovido uma revo-lução com conseqüências nefastas para a orga-nização da vida social. Por outro lado, a violên-cia mostrada pela mídia, seja através das nove-las de TV ou da propaganda de cigarros passoua desumanizar as elites, fazendo desaparecer osparâmetros de julgamentos moral e ético. Énesse lado cruel da “modernidade” que FreireCosta identifica o cinismo e a barbárie.

Na conferência da Senadora venezuelana,Lolita Aniyar de Castro, duas questões sãoapontadas: qual é a opinião pública sobre aviolência? E se existe uma opinião realmente“pública”. Para a Senadora, quem faz essadistinção são as autoridades legitimadas, ospolíticos, os candidatos que informam sobre oque acontece. Os meios de comunicação orien-tam a atenção do público seletivamente, segun-do as diferentes classes sociais. “O aconteci-mento cotidiano e o que sucede é um grandefato, dramatizado pelos meios de comunicação”,comenta a Senadora. A notícia esvazia qualquerconteúdo social e fragmenta a realidade. Ocolapso dos hospitais públicos e demais servi-ços estatais são citados para ilustrar a dissol-vição do conceito de Estado-nação, diminuindoa presença deste e abrindo para a entrada dosinteresses do capital estrangeiro.

O texto do ex-Secretário da Polícia Civil doRio de Janeiro, Nilo Batista, analisa os princí-pios que regem a cobertura policial jornalísticano Brasil hoje. De acordo com Nilo Batista nãose pode pensar a questão da liberdade de im-prensa hoje, sem articulá-la ao modelo idealistaliberal de informação “neutra”, a formação deuma opinião pública operada pela mídia e a

subordinação dos veículos de comunicação àsleis do mercado. Alguns desses princípioscontribuem para a contextualização do textojornalístico. A primeira notícia sobre um fatocriminal passa a ser o fio condutor de outras.Assim, sucessivamente, se constrói uma sériede fatos violentos, que vendem mais que aviolência individualizada. Na “mais-valia daviolência impune”, observa Nilo Batista, anotícia vende mais do que a violência punida.

Na opinião de Paulo Sérgio Pinheiro, sociólo-go, professor da Universidade de São Paulo ecoordenador do Núcleo de Estudos da Violên-cia, não existe sociedade pacífica. “A sociedadebrasileira sempre foi intensamente violenta, comou sem mídia dando espaço para a violência”,declara. Para ele não há qualquer evidência parasustentar a hipótese de que a violência natelevisão tem contribuído para estimular aagressividade nas crianças. Ele também nãoidentifica nenhuma ligação entre os programasque dão “bom exemplo” e a formação de “bonscidadãos”. A violência intrafamiliar contribuimuito mais para o aumento da agressividadenas crianças. O critério sugerido para controlara violência é a lei, aplicada pelo poder público.Pinheiro desacredita não só da censura, comotambém dos discursos que reclamam a falta demoral e a decadência dos costumes. Em contra-partida à individualização propagada pela mídiaeletrônica, Pinheiro prevê a possibilidade deconstrução de “uma nova solidariedade”.

Rosa Cardoso, advogada, criminóloga, entãoSubsecretária de Justiça do Estado do Rio deJaneiro faz uma distinção da mídia eletrônica eda mídia impressa. Na sua opinião a mídiamuda os seus pontos de vista, dependendo domomento político que acena. Neste caso, tantoela pode apoiar um regime autoritário, cita aRede Globo, como depois defender a bandeiradas Diretas. O que acontece na mídia impressaé o que Rosa Cardoso chama de “traição recor-rente” na relação entre o jornalista e o entre-vistado e entre o jornalista e o seu personagem.Trata-se da forma como o jornalista reconstituio relato do entrevistado, dando a sua versão edeturpando muitas das vezes as declarações doentrevistado. Para Cardoso, a atuação de uma“mídia alternativa” pode se contrapor ao mono-pólio das informações da grande imprensa,

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como, por exemplo, a produção de um progra-ma sobre o Comando Vermelho, mostrando ascrianças das favelas que participam como“aviões” e os filhos de classe média nos “pubs”,onde consomem drogas.

No Capítulo Dois são apresentados trêsrelatos especiais. No relato do professor DarcyRibeiro, ele aponta uma visão de um “genocídiocalado”, onde a população brasileira vem de-crescendo. “Gastamos seis milhões de índios,... 12 milhões de negros... milhões de europeus.O Brasil sempre viveu como uma máquina tre-menda de moer, faminta de mão-de-obra”. Oque acontece neste momento é um excedente demão-de-obra, e todo esse desemprego drásticodesencadeia a violência que está matando apopulação.

No relato do Cel. Jorge da Silva, na épocasubsecretário de Estado da Polícia Militar doRio de Janeiro, que trabalhou na Segurança daECO 92, diz que os meios de comunicação têmum papel na sociedade, na produção de segu-rança e na prevenção da criminalidade. Compa-ra os destaques que a mídia dá aos seqüestroscom as quase inexistentes notícias sobre açõesde extermínio contra a população pobre.

Para o jornalista Percival de Souza, um dosmais antigos repórteres de polícia do País, épreciso especificar qual é o veículo, quando setratar de acusar de erro. Sua experiência, tam-bém como representante da sociedade civil emórgãos que trabalham em interface com o PoderJudiciário, com o Conselho de Entorpecentes eoutros. Desse modo, entende que é precisosomar esforços em função do interesse maior dapopulação. Na ação policial, diz que é necessá-rio acabar com as divergências entre corpo-rações, para que os mecanismos institucionaisfuncionem.

No Capítulo Três são apresentados os textosdos coordenadores científicos do Seminário.

Muniz Sodré, ensaísta e coordenador da pós-graduação da Escola de Comunicação da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro, fala davisibilidade não só da violência das ruas, mastambém da insegurança econômica e psíquica— “que é a insegurança típica do modo deorganização social violentamente excludente damaioria”. Segundo Sodré, é preciso reorientaros modos de organização do espaço social eavaliar corretamente a questão da violência para

se medir a insegurança produzida pela mídia.Mais ainda nesses tempos de desmobilização daeducação e da saúde, a mídia parece acentuar ximperar sozinha e acentua a violência.

Luiz Eduardo Soares, coordenador do Progra-ma de Estudos sobre a violência do Iser, profes-sor do Iuperj e da Universidade Estadual do Riode Janeiro tenta refletir sobre a violência emduas dimensões: a “objetiva”, e a “subjetiva”: acriminalidade, a violência e os seus desdobra-mentos no imaginário coletivo. Portanto, atemática violência merece enfoques diversos, eque como a economia, a inflação, esse fenôme-no deve ser analisado de maneira racional,observando sua estrutura e o seu desenvolvi-mento histórico.

No depoimento de Ester Kosovski, criminólo-ga e professora da Escola de Comunicação daUFRJ, ela fala da Constituição dos EstadosUnidos, que tem 206 anos, e é respeitada,mesmo sofrendo algumas revisões. A nossaConstituição, lembra Kosovski, fica longe deser um modelo, principalmente nos incisos quedizem respeito à privacidade e à dignidadepessoal, constantemente invadidas pela impren-sa. É importante impedir os excessos de liber-dade de imprensa e reafirmar que “normalidadenão é palavrão”, mas pode ser reformada.

O Capítulo Quatro, chamado Retratos sobre

a Cidade surpreende pela força e pelo desejoexpressos em poucas palavras pelos conferen-cistas, quando solicitados a fazer os portraits desuas cidades. Alguns relatos livres emocioname deixam registrados uma esperança na possibi-lidade de convivência nas grandes cidades.

O Capítulo Cinco, Clipes, Flashes & Bre-

ques finaliza com toda a poesia que os grandescentros urbanos ainda inspiram.

Cabe, talvez, ainda algumas reflexões sobreos mecanismos de sedução que a mídia exercesobre os próprios jornalistas, particularmente osda mídia eletrônica. Este fato, associado aocomprometimento desses profissionais com opoder político dos veículos de comunicação, osinteresses dos patrões e com a própria imagem,esvazia um espaço de crítica do papel do jorna-lismo.

Kathie NjaineEscola de Comunicação

Universidade Federal do Rio de Janeiro