mídia e consumo: a afirmação do consumo de cursos mba nas páginas do boa chance

96
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Comunicação Social Luiz Fernando da Silva Mídia e Consumo: a afirmação do consumo de cursos MBA nas páginas do Boa Chance Rio de Janeiro 2011

Upload: fernando-silva

Post on 17-Nov-2015

9 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

O campo de estudos da Comunicação é conhecido pela sua interdisciplinaridade, o que permite analisar objetos relacionados a outras áreas do conhecimento por meio da perspectiva em que os diferentes tipos de mídia lhes apresentam. Utilizando palavras, imagens e sons os meios de comunicação colaboram para a produção dos significados de uso e apropriação de diferentes produtos e serviços disponíveis para o consumo. Por meio de um intercâmbio com o campo de estudos de consumo e tratando de um produto oriundo do campo da Educação, os cursos de MBA, este trabalho analisa as mensagens produzidas pelo “Boa Chance”, suplemento publicado pelo jornal O Globo. Para compor o referencial foram considerados teóricos do campo da Comunicação, Consumo, Educação e Representação Social. Além de oferecerem subsídios para refletir sobre o consumo desse tipo de produto, as idéias e conceitos apresentados também colaboram para compor as categorias elaboradas para a análise das matérias publicadas. Para aprofundar um pouco mais sobre os cursos de MBA foi traçado um histórico desse tipo de ensino, desde o seu surgimento nos Estados Unidos, passando pela sua ascensão a partir da década de 1940 até a sua chegada ao Brasil. A forma como os cursos adentraram a pauta dos cadernos de emprego, em especial, do Boa Chance, também é abordada. Entrevistas com repórteres e editores que trabalharam ou que ainda estão no caderno permitiram identificar o contexto em que as pautas relacionadas a esse tema se tornaram mais frequentes. A partir disso, foi possível compreender que o assunto começou a ganhar mais espaço na mesma medida que cresce a oferta de vagas pelas instituições, no começo dos anos 2000. Para entender de que maneira os meios de comunicação abordam para esse tipo de consumo e também quais são as representações que ele produz sobre os MBAs, foram analisadas 26 edições do caderno recolhidas entre 2009 e 2010.

TRANSCRIPT

  • Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    Centro de Educao e Humanidades

    Faculdade de Comunicao Social

    Luiz Fernando da Silva

    Mdia e Consumo: a afirmao do consumo

    de cursos MBA nas pginas do Boa Chance

    Rio de Janeiro 2011

  • Luiz Fernando da Silva

    Mdia e Consumo: a afirmao do consumo

    de cursos MBA nas pginas do Boa Chance

    Orientador: Prof. Ricardo Ferreira Freitas

    Rio de Janeiro 2011

    Dissertao apresentada, como

    requisito parcial para obteno do

    ttulo de Mestre, ao Programa de

    Ps-Graduao em Comunicao,

    da Universidade do Estado do Rio

    de Janeiro. rea de Concentrao:

    Comunicao Social.

  • Luiz Fernando da Silva

    Mdia e Consumo: a afirmao do consumo

    de cursos MBA nas pginas do Boa Chance

    Aprovado em:____________________________________________________ Banca Examinadora:_______________________________________________ ______________________________________________________ Prof. Dr. Ricardo Ferreira Freitas (orientador) Faculdade de Comunicao Social da UERJ

    ______________________________________________________ Prof. Dr. Snia Virgnia Moreira Faculdade de Comunicao Social da UERJ ______________________________________________________ Prof. Dr. Tania Marcia Cezar Hoff Escola Superior de Propaganda e Marketing

    Rio de Janeiro 2011

    Dissertao apresentada, como

    requisito parcial para obteno do

    ttulo de Mestre, ao Programa de

    Ps-Graduao em Comunicao,

    da Universidade do Estado do Rio

    de Janeiro. rea de Concentrao:

    Comunicao Social.

  • DEDICATRIA

    Este trabalho totalmente dedicado minha famlia, de quem a saudade

    ressoa e que mesmo longe convive dentro em mim. Maria, Lzaro e Denise, pelos

    valores, educao, doao e esforo, que sempre deram sustentao aos meus

    sonhos e projetos. A vocs o meu mais profundo e sincero amor.

    Aos meus queridos avs, Joaquim, Maria, Paulino e Luiza, dos quais guardo

    as mais tenras lembranas.

    todos que acreditaram em mim, sobretudo, os que lutaram pela minha

    formao.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo as pessoas que acreditam na seriedade deste trabalho. A todos que

    contriburam para o seu desenvolvimento, colaborando para fortalec-lo.

    Ricardo Ferreira Freitas um grande amigo e orientador, que viu nascer o

    sonho do mestrado e contribuiu para o avano desta pesquisa. Meus sinceros

    agradecimentos por todo apoio e ateno dedicados ao longo desse tempo.

    Aos professores com os quais tive prazer em aprender e aprofundar as

    questes da Comunicao e que tambm me permitiram novos horizontes

    acadmicos: Denise da Costa Oliveira Siqueira, Mrcia Gomes Marques e Snia

    Virgnia Moreira.

    s amizades que foram conquistadas ao longo desses dois anos: Karla

    Marinho, Viviane Fernandes, Fabiane Proba, Mariana Pelegrini, Leonardo Viso, Joo

    Paulo Teixeira e Sonia Schneiders.

    Aos amigos da graduao com os quais compartilhei esse sonho e que me

    viram realiz-lo: Andria Verdlio, Fernanda Faria, Carla Gavilan, Lvia Velasco,

    Luana Schabib, Raphael Gomes e Luis Augusto Suassuna Bega.

    Aos amigos e pessoas prximas, que me acompanham no dia a dia,

    constroem comigo novos sonhos e me ajudam a torn-los possveis. Alessandra

    Aurnheimer Ferreira, Beatriz Cardoso, Daniel do Carmo Machado, Elisa Magalhes,

    Fania Rodrigues, Helena Assanti, Marco Arajo, Merlin Bandeira, Raphael Fialho

    Primos, Rogria Lemos e Tatiana Leiner.

  • O futuro pertence queles que acreditam na beleza de seus sonhos."

    Eleanor Roosevelt

    You get what you give

    New Radicals

    http://pensador.uol.com.br/autor/Eleanor_Roosevelt/

  • RESUMO

    Silva, Luiz Fernando. Mdia e Consumo: a afirmao do consumo de cursos MBA nas pginas do Boa Chance". 2011, 96f. Dissertao (Mestrado em Comunicao) Faculdade de Comunicao Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

    O campo de estudos da Comunicao conhecido pela sua interdisciplinaridade, o que permite analisar objetos relacionados a outras reas do conhecimento por meio da perspectiva em que os diferentes tipos de mdia lhes apresentam. Utilizando palavras, imagens e sons os meios de comunicao colaboram para a produo dos significados de uso e apropriao de diferentes produtos e servios disponveis para o consumo. Por meio de um intercmbio com o campo de estudos de consumo e tratando de um produto oriundo do campo da Educao, os cursos de MBA, este trabalho analisa as mensagens produzidas pelo Boa Chance, suplemento publicado pelo jornal O Globo. Para compor o referencial foram considerados tericos do campo da Comunicao, Consumo, Educao e Representao Social. Alm de oferecerem subsdios para refletir sobre o consumo desse tipo de produto, as idias e conceitos apresentados tambm colaboram para compor as categorias elaboradas para a anlise das matrias publicadas. Para aprofundar um pouco mais sobre os cursos de MBA foi traado um histrico desse tipo de ensino, desde o seu surgimento nos Estados Unidos, passando pela sua ascenso a partir da dcada de 1940 at a sua chegada ao Brasil. A forma como os cursos adentraram a pauta dos cadernos de emprego, em especial, do Boa Chance, tambm abordada. Entrevistas com reprteres e editores que trabalharam ou que ainda esto no caderno permitiram identificar o contexto em que as pautas relacionadas a esse tema se tornaram mais frequentes. A partir disso, foi possvel compreender que o assunto comeou a ganhar mais espao na mesma medida que cresce a oferta de vagas pelas instituies, no comeo dos anos 2000. Para entender de que maneira os meios de comunicao abordam para esse tipo de consumo e tambm quais so as representaes que ele produz sobre os MBAs, foram analisadas 26 edies do caderno recolhidas entre 2009 e 2010.

    Palavras-chave: Meios de comunicao. Consumo. MBA. Educao.

  • ABSTRACT

    Communications studying field is known by its interdisciplinarity, which allows analyzing objects related to other areas as they're presented by different kinds of media. Making use of words, images and sounds, the means of communication help product reasons to use and appropriation of different products and services available. Through this information exchange based on studies of consumption on an Education originated product, the MBA courses, this paper aims to analyze the messages produced by Boa Chance, a feature of the newspaper O Globo, about this type of education. Communication, Consumption, Education and Social Representation authors compose the referential background of this paper. Besides offering subsidies to reflect on the consumption of this kind of product, the ideas and concepts presented also collaborate on building the elaborated categories to analyze published issues. In order to look more deeply the at the MBA courses, it was necessary to study the history of this teaching program, since its very beginning, in the United States, followed by its rise in the 1940's up to when it landed in Brazil. The way the courses were introduced by the job newspapers features, especially by Boa Chance is also highlighted in this study. Interviews with reporters and editors that have worked or still work for Boa Chance feature articles allowed identify under which context the issues related to this topic became more frequent. Therefore, it was possible to perceive that the subject started being more published as the institutions offered vacancies, in the early 2000's. Twenty six editions of the feature were stored between 2009 and 2010, seeking understand how the means of communication approach this kind of consumption and also what are the representations they produce about this type of education. Keywords: Media. Consumption. MBA. Education.

  • TABELAS

    Tabela 1 Quantidade de menes por instituio de ensino....................... 73

    Tabela 2 Quantidade de anncios por instituio de ensino....................... 74

    Tabela 3 Espao ocupado pelos anncios..................................................... 75

    Tabela 4 Nmero de cursos citados pelas matrias..................................... 77

  • SUMRIO

    1 INTRODUO........................................................................................ 11

    2

    COMUNICAO E CONSUMO: UM CAMINHO CINTILANTE

    PARA A PS-MODERNIDADE...............................................................

    15

    2.1 Modernidade, ps-modernidade e os estudos sobre consumo........ 19

    2.2 Estudos de consumo e comunicao: aproximaes........................ 27

    2.3 Os meios como interlocutores do consumo......................................., 30

    2.4 Representaes sociais nos meios de comunicao......................... 39

    3

    MBA NA PRATELEIRA: DO SHOPPING CENTER S PGINAS DOS

    JORNAIS.........................................................................................

    42

    3.1 Histrico dos cursos de MBA e seu desenvolvimento no Brasil...... 42

    3.2 A educao como loja ncora: o MBA no shopping center............... 51

    3.3 O MBA nas pginas dos jornais: como nasceu e se

    desenvolveu o Boa Chance...............................................................

    59

    4

    ESTUDO DE CASO: OS CURSOS DE MBA NAS PGINAS

    DO BOA CHANCE...............................................................................

    65

    4.1 Justificativas de consumo..................................................................... 67

    4.2 O MBA dentro e fora do texto................................................................ 72

    4.3 Ps-graduao lato sensu e stricto sensu: o pblico e o privado.... 72

    5

    CONSIDERAES FINAIS: HORIZONTES PARA

    NOVAS PESQUISAS..............................................................................

    80

    BIBLIOGRAFIA........................................................................................

    85

    ANEXOS...................................................................................................

    90

  • 11

    Captulo 1

    INTRODUO

    O projeto desta pesquisa nasceu a partir da reflexo de como os meios de

    comunicao colaboram para a produo de significados sobre bens e servios.

    Embora a participao da mdia na formao do consumo j tenha sido explorada

    sob diferentes perspectivas, pouco ainda se sabe sobre os argumentos que ela

    constri relacionados aos produtos educacionais, por exemplo. Por esse motivo, o

    presente estudo toma como ponto de partida a educao, uma rea ainda pouco

    percebida pela a tica do consumo. Fechando um pouco mais o foco chamou a

    ateno como um produto especfico desse setor, os cursos de MBA, tem ganhado

    cada vez mais espao na pauta dos meios de comunicao. Para analisar a maneira

    como a mdia faz a abordagem desses cursos foi escolhido um veculo de

    comunicao, o Boa Chance, suplemento de educao e emprego publicado aos

    domingos pelo jornal O Globo, onde alm de ser assunto constante nas matrias, os

    MBAs tambm so tema de duas edies especiais ao longo do ano.

    O interesse em aprofundar este tema tambm se deve sua exclusividade, j

    que pouco se avanou ainda no estudo da educao no sentido do consumo e da

    uma indstria em torno deles. Assim como nos demais setores, hoje ela tambm

    formada por grandes empresas, algumas de capital aberto, outras braos de

    grandes conglomerados que atuam em diferentes ramos da economia. A finalidade

    dessas empresas o resultado financeiro que podem obter com a grande oferta e

    massificao do ensino. Embora algumas empresas entendam que oferecer

    formao de qualidade pode retornar em prestgio e lucro para os proprietrios e

    investidores, j difcil apontar e assegurar com clareza alguma instituio que

    ainda respalde seus interesses, antes de tudo, na qualidade dos cursos.

    Isso se d principalmente nas instituies de ensino superior que oferecem

    cursos de graduao e ps-graduao. Os cursos de MBA so um bom exemplo

    para fazer um recorte e aprofundar esse tema. Diferentemente do ensino bsico e

  • 12

    dos cursos de graduao, cuja organizao depende do sistema de ensino de cada

    pas, o contedo, formato e durao dessa modalidade de ps-graduao muito

    semelhante ao redor de todo o mundo.

    A pesquisa que resulta nas pginas seguintes busca compreender quais so

    os recursos e principalmente quais so as justificativas discursivas que os meios de

    comunicao utilizam para interpelar o indivduo ao consumo de cursos de MBA.

    Para isso, foram analisadas as mensagens emitidas a partir das matrias e da

    publicidade que compunham o Boa Chance.

    O principal escopo deste estudo pode ser assim definido: analisar a partir do

    exemplo de um veculo, como os meios de comunicao contribuem para afirmao

    do consumo de um produto, o MBA. Outro objetivo que se busca cumprir entender

    de que modo a representao feita pela imprensa emite mensagens positivas acerca

    da apropriao desse tipo de formao. O trabalho no pretendeu debater os fins a

    que tm servido os cursos e instituies de ensino ou ainda se aprofundar na

    reflexo da educao como valor cultural. Embora esses temas apaream em

    alguns momentos, se deter e ampliar o debate em torno deles no faz parte do

    escopo principal do trabalho. A metodologia e um breve resumo de cada captulo

    ajudam a entender o caminho construdo para cumprir o objetivo da pesquisa.

    O captulo 2, Comunicao e consumo: um caminho cintilante para a

    modernidade, inicia com uma introduo do tema no contexto contemporneo,

    quando so desenvolvidos cada vez mais servios que implicam o uso de produtos

    como plataformas para sua aplicao. Em seguida, so apresentados alguns dos

    principais autores que pesquisaram o consumo e que desenvolveram estudos e

    conceitos pertinentes a este trabalho. Entre eles, Mary Douglas, Mike Featherstone,

    Don Slater, Zygmunt Bauman, Jameson, Baudrillard, Thompson, Carla Barros,

    Carmem Migueles e Lvia Barbosa.

    Posteriormente feita uma reflexo sobre alguns produtos dos meios de

    comunicao como programas televisivos novelas e jornais - e tambm de como a

    imprensa escrita ajuda a formar alicerces para o consumo. Ainda nesse sentido

    apontado o papel da assessoria de imprensa, que estabelece a relao das

    empresas com produtores de contedo para a mdia. Tambm retomado o

    conceito de servios de marcao proposto por Mary Douglas e Baron Isherwood.

    A significao desse termo associada agenda setting, expresso postulada por

  • 13

    Shaw e McCombs na dcada de 60, ainda pertinente para analisar o papel

    desempenhado pelos meios de comunicao.

    Na ltima parte desse captulo apresentado o conceito de representao

    social. A definio que Moscovici atribuiu ao termo representao social foi

    resgatada para refletir sobre o papel dos meios na construo do imaginrio coletivo.

    Durante a anlise do material isso ajudou a entender de que maneira o Boa

    Chance produz representaes coletivas sobre os cursos de MBA.

    O captulo 3: O MBA na prateleira: do shopping center s pginas dos jornais,

    comea contando a histria do MBA, como ele surgiu e se estabeleceu como um

    produto comercializado por instituies no mundo todo, inclusive no Brasil. Para

    construir uma linha que permitisse contar os principais aspectos da sua histria e,

    sobretudo, aqueles pertinentes a esse estudo, foi preciso recorrer a sites de

    instituies estrangeiras como universidades e rgos regulamentadores. J para

    entender a sua trajetria no pas foi necessrio pesquisar sobre o assunto na

    produo bibliogrfica da rea de Administrao. A maior parte dos registros

    encontrados oriundo das prprias instituies de ensino. Em arquivos do Ministrio

    da Educao h pouca informao sobre os cursos de MBA, uma vez que ainda no

    existe uma regulamentao definida exatamente para eles. Aps traar a histria

    desse tipo de educao, uma mercadoria que se tornou global, se entendeu que era

    necessrio fazer um contraponto para retomar o que esta pesquisa considera um

    dos principais objetivos da educao, o de promover a formao humana. Esse

    paralelo foi brevemente estabelecido a partir das reflexes realizadas pelo terico do

    campo da educao Istvn Mszros. partir de uma citao do autor que

    introduzido o segundo tema do captulo, a comercializao da educao em espaos

    de consumo, como os shopping centers, por exemplo.

    Nesse subtema so utilizadas diferentes fontes para constatar a entrada das

    instituies de ensino nos shoppings centers, onde em alguns casos constitui uma

    das principais lojas ncoras. Para enriquecer a argumentao foram considerados

    alguns trabalhos do pesquisador da rea de Educao Jos Rodrigues sobre os

    shoppings centers como local de atuao das instituies de ensino. O argumento

    reforado com dados que contabilizam as instituies que oferecem cursos dentro

    de shoppings centers na cidade do Rio de Janeiro.

    A ltima parte desse captulo busca entender como o MBA se tornou

    recorrente nas matrias do Boa Chance. Como no havia registros sobre isso, foi

  • 14

    necessrio procurar editores e reprteres que j trabalharam ou que ainda trabalham

    no caderno para se aprofundar. Com isso se buscou realizar entrevistas a partir de

    um roteiro pr-estabelecido para indagar os profissionais sobre o tratamento das

    pautas que envolvem o tema e a relao com as instituies de ensino. Por meio de

    algumas perguntas tambm se tentou saber como o MBA passou a ser assunto

    frequente do suplemento.

    Aps o recorte dos principais conceitos e o enquadramento do objeto

    estudado, no captulo 4, Representaes do MBA: a abordagem do Boa Chance,

    feita anlise de 26 edies do Boa Chance. Elas foram recolhidas entre 01 de

    agosto de 2009 e 28 de fevereiro de 2010. Logo no comeo do captulo so

    estabelecidas trs categorias de anlise, utilizadas para fazer a leitura desse

    material. So elas: Justificativas de consumo; O MBA dentro e fora do texto; Ps-

    graduao lato sensu e stricto sensu: o ensino pblico e privado. Elas foram

    elaboradas a partir do referencial discutido ao longo do primeiro e segundo captulo.

    Por ltimo, no captulo 5, Consideraes Finais: Horizontes para novas pesquisas,

    so apresentadas as concluses encontradas ao final do trabalho e principalmente

    aps aplicar o referencial terico ao material analisado. Em seguida, so apontados

    rumos para estudos na rea de Comunicao, Consumo e Educao, cada uma

    dessas reas separadamente, ou envolvendo objetos, que como nesta pesquisa,

    passam por todas elas.

  • 15

    Captulo 2

    COMUNICAO E CONSUMO: UM CAMINHO CINTILANTE

    PARA A PS-MODERNIDADE

    Estudar o papel da comunicao na construo do consumo contemporneo

    requer como ponto de partida a leitura de obras que formam a base da bibliografia

    sobre consumo em diferentes disciplinas das Cincias Sociais. Fortemente

    vinculado sociedade capitalista ocidental, o consumo se tornou um dos principais

    fios condutores da cultura contempornea, despertando em diferentes reas o

    interesse por compreend-lo. Por isso, antes de rever as principais fontes de

    referncia nessa rea, sero feitas algumas consideraes sobre o contexto

    histrico recente, verificando de que maneira o consumo se desenhou nos ltimos

    anos.

    O aperfeioamento do modo de produo capitalista pelos pases ricos deu

    origem a formas mais eficazes, rpidas e rentveis de gerar lucro a partir do

    consumo. Nesse estgio, denominado capitalismo tardio, as economias

    desenvolvidas aperfeioaram servios (como internet, contedo para televiso e

    celulares, softwares para computadores, servios educacionais e etc.), fazendo

    deles importante fonte de receita. Com isso, passaram a se concentrar no

    desenvolvimento de servios de alto valor agregado, enquanto as linhas de

    produo esto, cada vez mais, sendo levadas para pases em desenvolvimento.

    Nessas regies, alm de mercados ainda em expanso, encontraram tambm

    melhores condies de fabricar seus produtos, com abundncia de matria-prima e

    mo de obra barata. Essa produo a baixo custo garante s empresas

    competitividade em escala mundial e mantm distantes problemas decorrentes do

    consumo, como o lixo, por exemplo.

    Essa passagem da fabricao de produtos para a produo de servios,

    observada nos pases ricos, mostra que h uma tendncia gradativa na qual os

    servios comeam a ultrapassar os bens fsicos na capacidade de gerar lucro para

    as empresas. O aparelho de TV, o computador e o celular servem de exemplo. O

  • 16

    aparelho de televiso continua recebendo inovaes, no entanto o que mais tm se

    desenvolvido so os contedos que podem ser exibidos na programao, sobretudo

    a infinidade de canais que podem ser comprados e agregados a esse aparelho. A

    mais recente funcionalidade da televiso sua capacidade de exibir imagens em

    terceira dimenso, uma inovao aplicada ao produto, mas que depende da

    aquisio de contedo nesse formato. Embora a inveno do aparelho de TV com

    esse novo recurso tecnolgico represente continuidade na inovao do produto,

    demonstra tambm que ela no ser bem-sucedida se ele no estiver acoplado a

    uma rede de televiso por assinatura que transmita contedo em terceira dimenso.

    O computador outro exemplo de constante evoluo. Com a capacidade

    crescente de armazenagem e velocidade do processamento de dados, os seus

    componentes fsicos (hardware) j no so o produto de maior valor agregado no

    campo da informtica. Os programas (softwares) que podem ser instalados neles,

    nada mais do que servios que tornam a mquina apta a aplicaes distintas, j

    representam a maior parte das vendas nesse setor. Isso mostra que o computador,

    como produto fsico, uma plataforma que pode ser aplicada a inmeros tipos de

    servios.

    O aparelho celular tambm surge como exemplo no limite do computador e

    da TV. Quando foi popularizado no Brasil, no final da dcada de 90, tinha poucas

    funes e era utilizado basicamente para fazer e receber chamadas. Agora com os

    novos servios criados especificamente para esses aparelhos, possvel acessar a

    internet em alta velocidade, ouvir msicas, assistir TV, compartilhar arquivos, jogar,

    tirar fotos e ainda realizar videoconferncias. Tudo isso pode ser resumido na

    expresso convergncia miditica. No entanto, um aparelho que possua todas

    essas funes no custa mais do que a soma das mensalidades pagas durante o

    perodo de um ano para aceder a todos os tipos de servios. Em pouco tempo, o

    valor gasto com servios, que permitiro usufruir todas essas ferramentas, ter

    ultrapassado o preo pago pelo aparelho. Assim, reunindo funcionalidades que

    antes estavam restritas a outros aparelhos, o celular se torna um dos mais

    sincrticos e sintticos exemplos de que o modo de produo contemporneo est

    migrando o seu foco dos produtos para os servios.

    Ao utilizar a televiso, o computador e o celular como exemplos, a inteno

    mostrar que a necessidade de consumo no se encerra neles, pelo contrrio, cria

  • 17

    novos imperativos. Embora fundamentais, esses aparelhos funcionam como uma

    espcie de isca para trazer mais consumidores para o setor de servios. Dessa

    forma, esses bens se afirmam, cada vez mais, como plataformas necessrias para

    acessar aos servios relacionados a eles.

    O consumo desse tipo de produtos em pases como o Brasil, por exemplo,

    ainda est em expanso. As grandes redes de varejo, junto com os fabricantes, s

    recentemente passaram a estudar e a explorar as classes de menor poder

    aquisitivo, na qual descobriram alto poder de consumo. No entanto, flertando com as

    novidades importadas dos pases desenvolvidos h algum tempo, j se observa o

    crescimento da oferta de servios que podem ser agregados aos bens consumidos.

    No ao acaso, como j foi assinalado, aparelhos de TV, computadores e celulares

    so os produtos em torno dos quais a oferta de servios mais cresce.

    No contexto brasileiro, tambm colabora para o consumo de bens o

    crescimento do crdito registrado nos ltimos anos. Com o consumo atuando como

    a fora motriz da economia mundial, o aumento da capacidade de compra dos

    indivduos significa colocar em suas mos parte da circulao de capital. Nesse

    ciclo, alm da oferta de crdito, os meios de comunicao contribuem por meio da

    apresentao de produtos e servios nas matrias jornalsticas, marcando um

    hibridismo da informao que tambm passou a cumprir o papel de anunciante.

    Associado a isso, na publicidade das redes de varejo, que anunciam diariamente

    ofertas imperdveis, arrasadoras,1 os indivduos so estimulados a consumir agora e

    a pagar em dezenas de prestaes.

    No caso dos servios, so corriqueiras as promoes de operadores de

    telefonia, TV por assinatura, escolas e at mesmo universidades oferecendo um

    perodo de degustao ou preos mais baixos nas mensalidades iniciais. Depois de

    alguns meses, com o consumidor j habituado, os valores comeam a ser

    substancialmente elevados. Essa estratgia, utilizada para tornar os indivduos

    consumidores assduos, chamada pelos profissionais da rea de marketing como

    fidelizao de clientes.

    Assim, possvel perceber que o capitalismo, na sua fase mais recente, fez

    dos servios sua nova fonte de lucros, tornando-se esse o estgio posterior

    1 Termos encontrados na publicidade de redes de varejo como Casas Bahia, Ricardo Eletro, Insinuante e Ponto

    Frio veiculados pela mdia na regio metropolitana do Rio de Janeiro entre os dias 1 e 31 de maio de 2010.

  • 18

    produo de bens materiais que induz ao consumo oferecendo diversos tipos de

    solues para problemas cotidianos. Associados, frequentemente, a produtos de

    alta tecnologia, os servios complementam e potencializam os usos e aplicaes

    que se fazem dos aparelhos, porm, no se restringem a eles.

    Boa parte dos bens e servios disponveis surgiram da ideia de agilizar o

    tempo do homem e tambm de potencializar as suas capacidades. Avanando

    nessa reflexo, possvel afirmar que o homem tambm foi transformado em

    plataforma, mais um tipo de aparelho, apto a diferentes aplicaes, que deve ser

    treinado e atualizado constantemente. Seria nesse mbito que a educao e, mais

    especificamente, os cursos de ps-graduao MBA atuariam. Quanto mais

    habilidades o indivduo reunir para executar tarefas especficas com preciso e

    eficincia, maior tambm ser o seu valor no mercado de trabalho. Desse modo, o

    surgimento de inmeros servios educacionais, como os MBAs por exemplo, visam

    complementar a educao bsica, agindo de forma a atualizar e potencializar a

    plataforma humana.

    Essa pesquisa considera a ps-graduao MBA como um dos servios

    disponveis no mercado capaz de aprimorar e desenvolver as capacidades

    individuais. Nesse recorte especfico, ela pode ser considerada um servio a ser

    consumido, preparando uma massa de trabalhadores para se tornarem vendveis

    no mercado de trabalho.

    Retomando o comeo dessa discusso, o entendimento do consumo de

    servios como a etapa seguinte e concomitante ao consumo de bens, requer um

    maior aprofundamento na sua anlise. Esse aspecto foi abordado com o objetivo de

    introduzir os servios como novo elemento, por meio do qual o consumo est sendo

    perpetuado. Antes de passar para a discusso sobre a participao dos meios de

    comunicao na formao do consumo, parte-se para algumas consideraes sobre

    conceitos importantes e imprescindveis para as discusses nessa rea.

  • 19

    2.1 Modernidade, ps-modernidade e os estudos sobre consumo

    Entre os autores que se debruaram sobre a temtica do consumo em suas

    pesquisas no h um consenso sobre quando o tema passou a ser de fato tratado

    pela academia. mais prudente afirmar que o interesse por esse assunto comea a

    aparecer nas Cincias Sociais a partir do sculo XIX, e ganha fora aps a segunda

    metade do sculo passado. Mesmo se tratando de um fenmeno antigo, a definio

    e o reconhecimento do consumo como prtica cultural recente e ainda sofre

    contestaes. Em boa parte da bibliografia pesquisada o consumo abordado como

    o resultado das transformaes ocorridas aps a Revoluo Industrial, o que o torna

    fortemente ancorado aos conceitos de modernidade e ps-modernidade. Eles

    podem, brevemente, ser assim definidos:

    Afirma-se, de modo geral, que a modernidade surgiu com o Renascimento e foi definida em relao Antiguidade, como no debate entre Antigos e os Modernos. Do ponto de vista da teoria sociolgica alem do final do sculo XIX e do comeo do sculo XX, do qual derivamos grande parte de nosso sentido atual do termo, a modernidade contrape-se ordem tradicional, implicando a progressiva racionalizao e diferenciao econmica e administrativa do mundo social (Weber, Tnies, Simmel) processos que resultaram na formao do moderno Estado capitalista-industrial [...]

    Em decorrncia, falar em ps-modernidade sugerir a mudana de uma poca para outra ou a interrupo da modernidade, envolvendo a emergncia de uma nova totalidade social, com seus princpios organizadores prprios e distintos. [...] Frederic Jameson (1984a) apresenta um conceito de ps-moderno dotado de uma periodizao mais definida, ainda que resista a conceb-lo como uma mudana de poca, visto que, para ele, o ps-modernismo o dominante cultural ou a lgica cultural da terceira grande etapa do capitalismo o capitalismo tardio cuja origem est na era posterior Segunda Guerra Mundial. (FEATHERSTONE, 1995, p. 20).

    Apresentar, ainda que de forma sintetizada, conceitos-chave de modernidade

    e ps-modernidade acima citados importante para contextualizar e marcar o

    desenvolvimento do pensamento social at a contemporaneidade, uma vez que, em

    decorrncia da sua evoluo, os estudos de consumo passaram a ser realizados. A

    temtica do consumo j foi trabalhada por diferentes disciplinas. No caso da

    Biologia, por exemplo, entende-se o consumo como uma caracterstica dos seres

    vivos relacionada estritamente com a satisfao das suas necessidades bsicas,

    como alimentao e sobrevivncia. De acordo com essa perspectiva, todo o tipo de

    consumo que no estivesse ligado satisfao de necessidades biolgicas, passou

  • 20

    a ser classificado como suprfluo.

    No campo das Cincias Sociais, muitos pesquisadores reconheceram

    justificativas culturais nas necessidades de consumo. Ainda assim, como se ver

    mais adiante, alguns autores continuaram adotando a viso proposta pela vertente

    biolgica e econmica. Os estudos que mais proliferaram, porm, foram os que

    reconheceram nas formas vigentes de consumo de bens e servios prticas

    culturais. Assim, os usos que fazem dos produtos passaram a ser entendidos

    como estruturadores do modus vivendi, prprio da era iniciada aps a Revoluo

    Industrial. Nessa nova ordem o modo de produo fabril passou a ordenar

    diretamente o cotidiano do homem, alterando a maneira de construir a sua

    identidade, se relacionar com a cidade, a famlia, o lazer e o trabalho, e tambm

    definir suas necessidades, que agora passariam principalmente pela aquisio de

    bens e servios.

    A cultura do consumo parece a muitos algo que s se formou inteiramente na era ps-moderna, no entanto est inextricavelmente ligada modernidade como um todo. Em primeiro lugar, as instituies, infraestrutura e prticas essenciais da cultura do consumo originaram-se no incio do perodo moderno [...]. (SLATER, 2002, p.18).

    O consumo passa ento a reunir costumes, hbitos e regras que compem

    um campo maior, o da cultura do consumo. Assim, ele no apenas fruto de

    sucessivos ciclos econmicos e da evoluo da sociedade industrial, mas tambm

    pode ser caracterizado em termos das prticas sociais e dos rituais culturais

    desenvolvidos em sua funo. A sociedade contempornea celebra a cultura do

    consumo como um ritual, que muito alm de se restringir aos fatores econmicos,

    situa os indivduos, os coloca em relao uns com os outros e promove a dinmica

    social. Nesse sentido, Canclini (1999) prope uma compreenso do consumo e da

    cidadania de forma conjunta e inseparvel, tomados como processos culturais,

    encarando-os como prticas sociais que do sentido de pertencimento. Para ele, o

    consumo no mera possesso individual de objetos isolados, mas forma de

    pertencimento, apropriao coletiva por meio de relaes de solidariedade, distino

    com os outros, de bens que proporcionam satisfao biolgica e simblica e que

    servem para receber e enviar mensagens.

    Nesse caminho, tambm passa a ser importante entender como a

    necessidade de possuir ou utilizar certos produtos e servios construda

  • 21

    socialmente. Quando Barbosa (2007, p.37) afirma que as necessidades bsicas

    so aquelas consideradas legtimas e cujo consumo no nos suscita culpa, pois

    podem ser justificadas moralmente, acaba levantando a discusso sobre o que so

    necessidades bsicas. Na cultura do consumo, o conceito de necessidade se

    desvincula da noo do suprimento de insumos bsicos, indispensveis

    sobrevivncia do corpo fsico. Boa parte dos produtos e servios disponveis tiveram

    sua necessidade construda no interior da cultura e foram socializados para os

    indivduos pelas instituies sociais. O grupo de amigos, a famlia e, principalmente,

    os meios de comunicao apontam quais devem ser as suas necessidades de

    consumo, de acordo com o grupo social no qual est inserido ou para o qual se

    projeta.

    preciso que fique bem claro: as necessidades no so sociais no sentido simples de serem influncias sociais, presses sociais ou processos de socializao por meio do qual a sociedade molda o indivduo. A questo bsica diferente. Quando digo que eu preciso de uma coisa, estou no mnimo fazendo duas declaraes: em primeiro lugar, estou dizendo que preciso disso para ter um certo tipo de vida, certos tipos de relaes com os outros [...] ser um certo tipo de pessoa, realizar certas aes ou atingir certos objetivos. (SLATER, 2002, p.12).

    Nesse sentido, quando algum afirma que precisa de algo, essa simples

    asseverao sobre tal necessidade comunica aspiraes do meio em que vive e que

    podem dar sentido de pertencimento a um grupo social, por exemplo. Isso mostra

    que no so apenas as escolhas de consumo, mas antes, que as necessidades

    tambm so elaboradas a partir de ideais e projees de identidade. Nos

    argumentos criados pela publicidade, as necessidades podem ser ilustradas por

    meio de diferentes justificativas e recursos. No caso deste estudo ser verificado

    como as matrias jornalsticas racionalizam os motivos e a necessidade de consumir

    os MBAs.

    Outra importante caracterstica da cultura do consumo j bastante estudada,

    o consumismo, se caracteriza pela aquisio compulsria de mercadorias e

    servios, formando um ciclo que prepara nos indivduos um campo propcio para o

    engendramento de novos imperativos. Bauman (2008, p.45) afirma que novas

    necessidades exigem novas mercadorias, que por sua vez exigem novas

    necessidades e desejos; o advento do consumismo augura uma era de

    obsolescncia embutida dos bens oferecidos no mercado. Mais adiante ele

    completa:

  • 22

    No a criao de novas necessidades [...] que constitui [...] a principal preocupao da sociedade de consumidores. o desdm e o desprezo pelas necessidades de ontem e a ridicularizao e deturpao de seus objetos, agora passs, e mais ainda a difamao da prpria ideia de que a vida de consumo deveria ser guiada pela satisfao de necessidades que mantm vivos o consumismo e a economia do consumo. (BAUMAN, 2008, p.127-128, grifo do autor).

    A relao entre todas essas caractersticas necessidades, consumismo, etc.

    que convivem no universo do consumo resultado das pesquisas que se

    debruaram sobre o tema no campo das Cincias Sociais. Embora o debate tenha

    sido cada vez mais aprofundado, nas ltimas quatro dcadas surgiram as principais

    pesquisas nessa rea, colaborando para a definio de um campo de estudos.

    Desde ento, antroplogos, socilogos, comuniclogos, entre outros, trouxeram

    importantes contribuies para essa rea.

    Autores2 que se dedicaram a pesquisar o tema e suas transversais

    consideram a cultura do consumo como um dos produtos da Revoluo Industrial

    ocorrida no sculo XVIII, e que comeou a ganhar fora nos anos 20,3 sobretudo,

    aps a Segunda Guerra Mundial, quando inaugurado o que Jameson (2001)

    considera como a terceira fase do capitalismo, ou capitalismo tardio. Foi a partir

    desse momento que ganharam fora as pesquisas relacionadas apropriao e uso

    dos bens.

    O consumo j vinha sendo tratado muito antes por autores do campo das

    cincias econmicas, cujo objetivo de explicar o consumo se baseava no

    desenvolvimento de estratgias cada vez mais eficazes de vender os produtos e,

    consecutivamente, aumentar os lucros. Nessa rea o foco das pesquisas consistia

    em descobrir uma frmula ou modelo que permitisse explicar quais os fatores que

    determinavam a elevao do consumo de bens e servios pelos indivduos. Na obra

    2 Ver: Douglas (1979), Baudrillard (1970), Featherstone (1995), Rocha (1995), Freitas (1996), Campbell (2001),

    Slater (2002), Barbosa (2006), Bauman (2007), entre outros. 3 Segundo Slater, a dcada de 1920 foi provavelmente a primeira a proclamar uma ideologia generalizada de

    riqueza. Promoveu, sobretudo, uma ligao fortssima entre o consumo cotidiano e a modernizao. A partir da dcada de 1920, o mundo seria em parte modernizado atravs do consumo; a prpria cultura do consumo era dominada pela ideia de que a vida cotidiana podia e devia ser moderna, o que em grande medida realmente o era. Ewen (1976) e Marchand (1986), por exemplo, demonstram que a publicidade e o marketing florescentes dessa poca vendiam no s bens de consumo, mas o prprio consumismo como o caminho cintilante para a modernidade; incitavam seus pblicos a se modernizarem, a modernizar o seu lar, seus meios de transporte. Os produtos mais tpicos do perodo estavam relacionados com a mecanizao da vida cotidiana, a comear pelas prprias casas e estendendo-se sua eletrificao; a seguir bens durveis como mquinas de lavar roupa, aspiradores de p, geladeiras, telefones; finalmente o automvel, que promovia aquela impresso moderna de estar se dirigindo para o futuro e para a era do jazz. Esta a era do imvel, do crdito ao consumidor e dos carros: instrumentos modernos, adquiridos por meios modernos, instalados num lar moderno. (Ver, SLATER, 2002, p.21, grifo do autor).

  • 23

    The general theory of employment, interest and money, publicada em 1936, o

    economista britnico John Maynard Keynes, estabeleceu a abordagem do consumo

    que norteou a maior parte dos estudos sobre o tema na rea econmica. poca o

    autor resumiu a deciso de consumir ao que denomina lei psicolgica fundamental.

    The fundamental psychological law, upon which we are entitled to depend with great confidence both a priori from our knowledge of human nature and from the detailed facts of experience, is that men are disposed, as a rule and on the average, to increase their consumption as their income increases, but not by as much as the increase in their income. (KEYNES, 1936, p.96).

    4

    Ao reduzir a disposio do consumidor para comprar ao aumento da renda,

    embora no na mesma proporo em que ela elevada, a abordagem keynesiana

    do consumo no considerou os fatores sociais e culturais e se tornou uma teoria

    parcial, restrita aos interesses dos proprietrios dos meios de produo, que na

    poca de sua elaborao, tinham por objetivo encontrar maneiras de aumentar o

    consumo dos bens que fabricavam, deixando de lado a explicao de como e por

    que o consumo ocorre. Muito antes de ser uma explicao precria, que Keynes

    depois resumiu em uma frmula matemtica, os hbitos de consumo nas diferentes

    camadas sociais recebem influncias e se constroem sobre fatores que vo muito

    alm do aumento da renda do indivduo.

    Nas Cincias Sociais, o interesse em torno da temtica do consumo foi

    crescente nos Estados Unidos e na Europa a partir do final da dcada de 1970 e

    incio da dcada de 1980. Alm da Economia, da Sociologia e da Antropologia, a

    discusso sobre consumo passou a ser feita em disciplinas como Comunicao, por

    exemplo, na tentativa de caracterizar a participao da mdia na formao e na

    dinmica da cultura do consumo. A maior parte das pesquisas colaborou para

    desmistificar o argumento de que a produo determina o consumo, e de que o

    processo de escolha dependia dos bens disponveis no mercado. Para Barbosa

    (2006, p.11) at ento os consumidores tinham sido reduzidos a sujeitos passivos

    do capitalismo, do marketing e da propaganda.

    No estudo Hierarquia, escassez e abundncia materiais: um estudo

    etnogrfico no universo de consumo das empregadas domsticas, Barros (2007)

    4 O trecho correspondente na traduo : A lei psicolgica fundamental, sobre a qual temos o direito de

    depender tanto com grande confiana a priori do nosso conhecimento da natureza humana e dos fatos detalhados de experincia, que os homens esto dispostos, como regra e, em mdia, a aumentar o seu consumo medida que aumenta o seu rendimento, mas no tanto quanto o aumento na sua renda.

  • 24

    faz um resumo da trajetria dos estudos sobre consumo, registrando alguns dos

    principais autores que contriburam para o estudo do fenmeno no campo da

    antropologia do consumo.

    Desde autores seminais como Marcel Mauss e Thorstein Veblen, passando por Mary Douglas, Marshall Sahlins, Jean Baudrillard, Colin Campbell e Daniel Miller, para citar apenas alguns dos nomes mais importantes, o campo da antropologia do consumo vem-se constituindo a partir da crtica s anlises economicistas, utilitaristas e reducionistas desse fenmeno. A preocupao nessa arena de debates sempre foi mostrar o consumo como um fato social total, um cdigo, um ndex simblico e um grande sistema classificatrio, ao mesmo tempo em que se procurava relativizar a ideia de universalidade do homem econmico e da prpria noo de indivduo por meio de diversos estudos etnogrficos. Os autores que construram o campo de saber da antropologia do consumo deixam de ver esse fenmeno como mero reflexo da produo e o transformam em objeto central de anlise capaz de produzir um discurso sobre as relaes sociais. Abandona-se, assim, a viso utilitria do consumo que prevalece no vis economicista para se dar a devida ateno ao significado cultural contido nesse fenmeno e em suas prticas (BARROS, 2007, p.102).

    Embora na sua afirmao Barros situe o incio dos estudos de consumo em o

    Ensaio sobre a ddiva, de Marcel Mauss, obra publicada pela primeira vez em 1925,

    as pesquisas dedicadas especificamente a analisar a cultura do consumo ganharam

    fora na ltima metade do sculo XX. Mesmo assim a produo terica sobre o

    assunto nas Cincias Sociais ainda precria, e se no restante do mundo ela

    insuficiente, no Brasil ela parece ser ainda mais. Os pesquisadores que escolhem

    abordar o tema em suas pesquisas tm que recorrer a uma vasta bibliografia em

    ingls e francs para saber o que tem sido produzido sobre consumo nos ltimos

    anos. O interesse registrado pelo tema na academia brasileira foi suficiente para que

    fossem traduzidas algumas obras consideradas clssicas para os estudiosos dessa

    rea, entre elas, Sociedade de consumo, de Jean Baudrillard (1970); A tica

    romntica e o esprito do capitalismo moderno, de Colin Campbell (2002); Cultura e

    consumo, de McCracken (1990); e o Mundo dos bens, de Mary Douglas e Baron

    Isherwood (1974), considerada a obra que assenta o tema do consumo para a

    antropologia, o abordando como fruto de construes culturais.

    Foi justamente na abordagem dos aspectos culturais do fenmeno que esses

    autores trouxeram sua contribuio. O tema ganhou adeptos em diferentes reas,

    mas, no entanto, foi registrado negativamente por alguns pesquisadores, que

    enxergavam no consumo alienao e expropriao da renda dos indivduos.

    Barbosa (2006, p.07) lembra que at recentemente o interesse pelo tema foi

  • 25

    pequeno e eivado de preconceitos morais e ideolgicos, no mbito das Cincias

    Sociais e da prpria sociedade contempornea, que, ironicamente, se autodefine

    como de consumo.

    Seguindo pela linha dos mais crticos, em 1970 o socilogo e filsofo francs

    Jean Baudrillard publica Sociedade de consumo, livro no qual se aprofunda

    especialmente na temtica. Nele o autor afirma que a sociedade contempornea

    conduzida estritamente pelo consumo. Dessa forma, viveramos em um contexto

    onde o consumo rege a vida das pessoas, constituindo o eixo central por onde

    passariam todas as relaes socioculturais. Seria o consumo, um alienador.

    O consumo revela-se, pois, como poderoso elemento de dominao social (atravs da atomizao dos indivduos consumidores), mas traz consigo a necessidade de coaco burocrtica cada vez mais forte sobre os processos de consumo que forosamente se ver exaltada como crescente energia como o reino da liberdade. No h sada. (BAUDRILLARD, 2008, p.100, grifo do autor).

    Embora o consumo nunca tenha possudo tanta significao, como em nosso

    tempo e seja, de fato, um dos aspectos configuradores da cultura contempornea,

    Baudrillard tendeu a um exagero na maneira como abordou a importncia do

    problema. Encarar o consumo pelo ngulo proposto pelo autor pode levar a uma

    supervalorizao dos problemas de nossa sociedade. Featherstone criticou essa

    vertente da sociologia alinhada abordagem negativa do consumo.

    A sociologia deveria procurar ir alm da avaliao negativa dos prazeres do consumo, herdada da teoria da cultura de massa. Deveramos nos esforar para explicar essas tendncias emergentes com uma atitude sociolgica mais distanciada, sem acarretar simplesmente uma celebrao populista dos prazeres de massa e da desordem cultural. (FEATHERSTONE, 1995, p. 32).

    A crescente onda de protesto contra o consumismo o pano de fundo deste livro. O consumismo vilipendiado como avareza, estupidez e insensibilidade misria. A cada ms um novo livro investe contra o consumo excessivo e sua exibio vulgar. Mas o que fazer? Talvez seja nossa responsabilidade moral viver mais austeramente, mas parecemos relutar em faz-lo. Mesmo que livrssemos nossa prpria vida da gordura excessiva e nossa aparncia no espelho do banheiro nos agradasse mais, nosso emagrecimento dificilmente corrigiria os males da sociedade. Gostaramos de saber como vivem esses moralistas, seu estilo e sua vida. Talvez distribuam seus direitos de autor entre os pobres. Ou talvez gastem judiciosamente, como colecionadores eruditos de raros manuscritos e pinturas, ou outras formas de consumo de prestgio que rendem muito como investimento. [...] a indignao moral no basta para compreend-lo. (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2009, p.19).

  • 26

    Esse ltimo trecho, parte do prefcio da primeira edio do livro O mundo dos

    bens, de Mary Douglas e Baron Isherwood, representa a insatisfao dos

    pesquisadores com a precariedade de respostas oferecidas problemtica do

    consumo. Distantes de abordagens totalizantes como a empreendida por

    Baudrillard, alguns pesquisadores fizeram diferentes reflexes sobre o tema, com

    foco em momentos distintos do processo de construo do consumo. Assim,

    ganharam fora os estudos que caracterizavam o consumo para alm do aumento

    da renda, fixando o fenmeno mais no campo da cultura do que na economia. A

    antropologia, por exemplo, foi uma das disciplinas que pouco se apegou

    abordagem do consumo como deteriorante da cultura. Ainda nesse sentido, O

    mundo dos bens foi fundamental para o direcionamento da abordagem do tema com

    enfoque nos aspectos culturais, deixando de lado determinismos biolgicos e

    econmicos que influenciaram muitos estudos. O livro se tornou um marco para o

    campo de estudos do consumo ao registrar o fenmeno como produtor de prticas

    sociais inscritas culturalmente.

    A obra, inspirada no Ensaio sobre a ddiva, de Marcel Mauss, continua sendo

    um importante referencial terico para os estudos sobre consumo. Os argumentos

    expostos no livro, publicado em 1979, ainda so bastante atuais, sobretudo queles

    que dizem respeito cotidianidade do consumo e sua forte relao com prticas

    sociais simples, em torno das quais foram desenvolvidas mercadorias sob medida.

    A perenidade da obra surpreende os prprios autores5 e, na apresentao da edio

    brasileira, Rocha (2009) destacou por que as ideias expostas perpassaram o tempo.

    O mundo dos bens argumenta que o consumo possui importncia tanto ideolgica quanto prtica no mundo em que vivemos. O consumo algo ativo e constante em nosso cotidiano e nele desempenha um papel central como estruturador de valores que constroem identidades, regulam relaes sociais e definem mapas culturais (ROCHA, 2009, p.08).

    Assim o pensamento desenvolvido em O mundo dos bens crucial por nos

    fazer perceber que a indstria desenvolveu produtos e servios em torno de prticas

    sociais e no o contrrio. Lavar roupa, por exemplo, uma prtica antiga, talvez

    milenar, em torno do qual as indstrias desenvolveram uma infinidade de produtos e

    servios. Estudar, aprimorar o conhecimento tambm anterior mercantilizao

    5 Ver: Douglas, Mary. O mundo dos bens, vinte anos depois. Revista Horizontes Antropolgicos, Porto Alegre,

    ano 13, n. 28, p. 17-32, jul./dez. 2007.

  • 27

    dos processos de ensino, assim como a necessidade de se comunicar, uma

    construo cultural para a qual foram desenvolvidos meios mais eficientes e rpidos

    de satisfaz-la. justamente nesse sentido que o campo denominado antropologia

    do consumo oferece sua maior contribuio abordagem deste trabalho, pois ela

    nos permite compreender no apenas os atos de compra, mas toda a sociabilidade contempornea, a motivao do homem no trabalho, os significados que ele cria para sua vida, a forma como ele percebe as ameaas sua famlia, a sua fragilidade no caos urbano, o modo como busca insero social, reconhecimento, prestgio, e at mesmo como se manifesta politicamente e como constri cidadania [...].

    O esforo antropolgico por compreender o consumo , portanto, um esforo por situar-se nessa complexidade [...] para ver o consumidor de um modo mais indutivo, buscando compreender quais so os sentidos que essas pessoas atribuem sua ao, qual a lgica que informa seu raciocnio, como se estruturam suas microdecises cotidianas, como elas percebem suas necessidades em meio a presses, o que consideram relevante na hora de alocar os seus recursos e o que pode ser deixado para depois. (MIGUELES, 2007, p.10-11).

    Nesse sentido, o consumo de bens e servios, seja para perpetuar rituais

    culturais ou assinalar limites sociais, passa pelos meios de comunicao. Eles

    massificam usos e aplicaes e estabelecem o vnculo entre produtos e seus usos

    socioculturais. Para aprofundar a discusso sobre o papel que os meios de

    comunicao desempenham na construo do consumo preciso entender quais

    so as pistas, mapas e estradas que eles fornecem aos indivduos.

    2.2 Estudos de consumo e comunicao: aproximaes

    Enquanto as pesquisas procuram caracterizar os fundamentos que levam os

    indivduos a adquirirem bens, pouco se tem avanado na discusso sobre a

    participao dos meios de comunicao na formao do consumo. Na bibliografia

    existente sobre esse tema no campo da Comunicao, nota-se que as pesquisas se

    dedicaram muito pouco a caracterizar a parte tocante aos meios na construo do

    consumo, fazendo com que os estudos constituam, na maioria das vezes,

    etnografias com consumidores de determinados produtos ou pertencentes a um

  • 28

    grupo social.

    importante lembrar tambm que enquanto algumas pesquisas criticavam

    ferozmente o consumo, relacionando-o apenas satisfao das necessidades

    biolgicas sem levar em considerao as necessidades sociais erigidas pela cultura,

    outras se preocupavam em demonstrar as bases culturais do consumo e seu

    enraizamento em prticas sociais anteriores existncia de diversos produtos e

    servios. A defesa para um lado ou para o outro permeou boa parte da produo

    bibliogrfica sobre consumo. Pouco espao sobrava para se aprofundar na

    construo do consumo e a participao dos meios de comunicao como um dos

    fatores que colaboram para sua formao.

    Pela crena nas razes culturais que tornam o consumo ao social na

    sociedade contempornea, este estudo se junta aos que tiveram o intuito de

    demonstrar as bases culturais sobre as quais se constri esse fenmeno. Em

    complemento a essa definio possvel ainda completar e afirmar que o consumo

    cultural exatamente por que os produtos e servios so desenvolvidos em torno de

    prticas culturais. O sabo em p um produto que foi desenvolvido para lavar

    roupas. Isso quer dizer que o hbito de lavar roupas no passou a existir em

    decorrncia da existncia do sabo em p, o costume j existia e as empresas

    desenvolveram, no apenas o sabo em p, mas tambm a mquina de lavar e

    mais uma infinidade de produtos que esto no entorno da prtica de lavar roupa. O

    mesmo pode ser aplicado aos demais produtos e servios que esto disponveis no

    mercado, basta observar as gndolas de produtos e elencar as prticas sociais

    ligadas a eles. Desse modo, a afirmao de que as indstrias dominam a mente dos

    indivduos com novidades e diferentes produtos tornando-o uma mquina de

    consumir equivocada, porque nem sempre considera que os produtos e servios

    existem por causa de prticas culturais j estabelecidas muito antes de serem

    inventados.

    Uma pesquisa dessa natureza jamais poderia se distanciar da discusso em

    torno do consumo no plano da cultura. Embora as fontes de referncia mais

    consistentes para uma pesquisa sobre o tema j tenham sido amplamente

    debatidas, elas ainda nos trazem importantes consideraes, pois continuam

    oferecendo o embasamento necessrio para os estudos de consumo.

    A seguir sero identificados alguns pontos na obra de Mary Douglas e Baron

  • 29

    Isherwood e tambm em outros textos recentes que registram, ainda que de modo

    um pouco distante, a participao dos meios de comunicao na formao dos

    hbitos, ritos, necessidades e desejos de consumo.

    Considerada por muitos pesquisadores um marco da antropologia do

    consumo, O mundo dos bens ensaia alguns apontamentos sobre a participao da

    comunicao, mais precisamente da parcela tocante informao, na produo

    cultural do consumo. Os autores partem da ideia de que uma das funes essenciais

    da cultura de massa na sociedade contempornea ser a instncia que viabiliza os

    cdigos ao comunic-los sociedade. Assim, a comunicao de massa realizaria a

    dimenso ampliada desses cdigos, fazendo com que nos socializemos para o

    consumo de forma semelhante. Os sistemas jornalsticos, publicitrios e fictcios,

    constituiriam, de acordo com essa viso, o espao particularmente privilegiado, pois

    reproduzem no plano interno (no mundo apresentado pela notcia, dentro do anncio

    e pela obra ficcional) a vida social, representando ideias e servios como

    necessidades, utilizando argumentos direcionados ao pblico que desejam atingir,

    justificando e tornando o consumo de produtos e servios um meio de classificao

    e diferenciao social, ajudando a despertar nos indivduos o desejo de consumi-los.

    Assim, seria possvel outorgar cultura de massa o processo de socializao para o

    consumo, do mesmo modo como ela promove a socializao para os indivduos.

    Entre tantas instituies sociais que participam desse processo, hoje a

    complexa rede de meios de comunicao que domina e ocupa a vida dos indivduos

    uma das que mais se destaca em termos de eficcia na transmisso dos cdigos

    culturais por meio das snteses oferecidas ao pblico. Corroborando com a viso

    apresentada por Oliveira (2004, p.52), A partir do momento da falncia pblica de

    instituies-chave da modernidade como escola, famlia, poltica e Igreja, o indivduo

    passa a procurar referncias em outros locais. O consumo se torna esse lugar. Se o

    consumo o local onde o indivduo busca referncias, os meios de comunicao

    so a sua fonte direta ao apontar para os indivduos os lanamentos de bens e

    servios e ainda o status que referenciam.

    Passada a ancoragem do consumo cultura preciso se aprofundar nos

    elementos que atuam na formao do consumo em grande escala. E nisso os meios

    de comunicao tm um papel importante porque expem para milhes de pessoas

    argumentos, justificativas e necessidades, associados a prticas sociais. Situado

  • 30

    dessa forma, cabe detalhar sua participao nesse processo.

    2.3 Os meios como interlocutores do consumo

    Voltando-se para a reflexo sobre processo de produo de contedo,

    sobretudo da relao entre as mensagens propostas pelos veculos jornalsticos e

    por programas de fico seriada, possvel encontrar alguns caminhos para analisar

    como os meios de comunicao (re)produzem ideias e validam argumentos sobre o

    consumo de produtos e servios.

    Os meios de comunicao, desde o sculo passado, assumiram importncia

    fundamental na vida do indivduo, a partir deles a cultura repassada, (re)construda

    e representada. No seria mais preciso afirmar que os rituais, as regras e as leis so

    repassadas, pela Igreja, pelos livros, pelo grupo familiar ou pelas instituies de

    ensino. Elas podem ser ouvidas, lidas ou assistidas a qualquer instante nos diversos

    veculos de comunicao que compem a mdia. Assim, desde os jornais impressos,

    passando pelos programas televisivos de fico, telejornais e as redes sociais

    virtuais, possvel encontrar argumentos, justificativas que complementam e

    reforam a necessidade de consumir produtos e servios.

    No entanto, essa caracterizao dos meios de comunicao na formao do

    consumo, no adquire a supremacia de que fala Jameson:

    Essa fora suprema o consumismo, o ponto central de nosso sistema econmico e tambm o modo de vida para o qual somos todos os dias sem cessar, treinados por toda nossa cultura de massas e indstria do entretenimento, com uma intensidade de imagens e de mdias sem precedentes na histria. (JAMESON, 2001.p.07).

    Embora o autor dispare uma crtica direta ao poder dos meios de

    comunicao na formao de identidades para o consumo, preciso ponderar sobre

    o poder conferido aos meios. Apesar de ter adquirido forte presena na socializao,

    sua ao sobre o indivduo no direta. Tambm falta dizer que boa parte do

    pblico confronta os ideais de consumo propagados pela mdia com outros

  • 31

    mediadores. O processo de mediao durante a recepo de tais mensagens

    adquire importncia especial na formao do consumo. De acordo com Thompson:

    Dado o carter hermenutico da apropriao, a importncia que as mensagens da mdia tm para os indivduos e as maneiras de usar os materiais simblicos mediados dependem crucialmente dos contextos de recepo e dos recursos que os receptores tm sua disposio para os auxiliar no processo de recepo. (THOMPSON, 1998, p.155).

    Seria mais prudente afirmar, desse modo, que os meios de comunicao ao

    socializar os indivduos, alimentam a cultura com ideias e argumentos que

    colaboram na maneira como estruturam e justificam as decises que tomam no seu

    dia a dia. Assim, procura-se demonstrar que a mdia age sobre um contexto mais

    amplo, de formao dos significados dos bens, que antecede, ou engloba, os

    processos de escolha, oferecendo-lhes opes de foco e direo, como aponta

    Migueles (2007):

    O consumidor deve ser abordado como um ser dotado de conscincia e razo, que toma decises racionais, mas no no sentido utilitarista do termo. Vemo-lo inserido em um nexo complexo e relacional, de forma simbolicamente informada e socialmente situada. [...] Tal enfoque se torna fundamental para compreender essa racionalidade e as formas pelas quais os consumidores criam novos sentidos para os objetos, produtos e servios. Alm disso, permite no apenas compreender as mediaes que a cultura produz, facultando ao consumidor relativizar as mensagens da publicidade e criar novos sentidos, como sujeitos pensantes o fazem, mas tambm averiguar de que forma essa percepo do mundo e dos objetos organiza a reflexo e a ao sobre eles. (MIGUELES, 2007, p.13)

    Diante da viso proposta pela autora, possvel compreender que as

    mensagens dos meios de comunicao agem sobre a cultura, num contexto mais

    amplo, criando e elegendo desejos e necessidades de consumo. O merchandising

    no interior das reportagens, como ocorre frequentemente nas matrias publicadas

    no Boa Chance, objeto deste estudo, constitui a maneira mais gil de publicidade

    dos produtos e servios, que so abordados sob aspectos do que o indivduo pode

    vir a ser ou representar ao fazer uso deles.

    A participao da comunicao na construo do consumo j havia sido

    apontada por vrios autores, mas apenas nas ltimas duas dcadas comeou a

    ganhar fora e se tornar objeto de estudo nessa rea de pesquisa. Dos mais

    radicais, como Jameson (2001), que aponta certo poder absoluto das mensagens

  • 32

    miditicas na formao do consumo a vises moderadas como as de Migueles

    (2007), possvel perceber que a comunicao colabora para socializao do

    consumo ao indicar para os indivduos, como consumir, o que consumir e os valores

    que representam na sociedade contempornea. A mdia no onipotente e

    avassaladora da cultura, como j afirmaram os pesquisadores de correntes tericas

    como a Teoria Crtica e a Teoria Hipodrmica. preciso consider-la como parte

    integrante da cultura e dos discursos circulantes na ps-modernidade. Ela est

    incansavelmente presente no cotidiano e na vida dos indivduos que habitam os

    grandes centros urbanos, de quem requere a todo instante ateno para, ver, ouvir,

    sentir ou ler suas mensagens. E se os meios so parte tanto da realidade que

    vivida como do futuro que vai sendo tecido, a ancoragem do consumo em prticas

    sociais tambm passa por eles. Assim, dois fenmenos de origem histrica que j

    foram apontados como deturpadores da cultura, a comunicao e o consumo se

    relacionam na contemporaneidade.

    Mais do que a propaganda e o marketing, frequentemente apontados na

    literatura sobre consumo como os incitadores de desejo e dos atos de consumo,

    existem outras fontes a partir das quais o consumo se forma. Restringir a eles o

    papel de nicos propulsores do consumo guarda dois equvocos. Em primeiro lugar,

    creditar a formao do consumo como mrito da propaganda e ao marketing das

    empresas condicionar o fenmeno inteiramente ao dos meios de produo, o

    que minimiza outras influncias culturais capazes de agir nesse processo. Esse o

    argumento utilizado pelos que consideram o consumo um fenmeno restrito ordem

    econmica e que dado diretamente pelos produtores de bens e servios. Em

    segundo lugar, isso reduz a participao de outras fontes de informao e de

    formao de opinio que o indivduo partilha. Nesse sentido, preciso lembrar que

    os meios de comunicao tambm no atuam sozinhos nesse processo. Embora

    tenham se tornado muito mais presentes na formao de opinio em relao a

    outras instituies, eles ainda continuam dividindo esse trabalho com as mesmas.

    Fora o discurso circulante nessas instituies, a informao boca a boca feito em

    famlia, no grupo de amigos, na escola, ou at mesmo de desconhecidos que se

    encontram na rua, ou dentro de uma loja, tambm colabora para relacionar bens e

    servios s prticas sociais.

    No caso dos meios, possvel perceber outras maneiras de divulgao dos

  • 33

    produtos, alm da publicidade. Vejamos, por exemplo, um jornal ou revista que

    publica um novo produto ou servio que passar a ser oferecido por uma empresa e

    que considerado um avano ou um marco no mercado no qual est inserido.6 A

    matria pode apresentar tanto as inovaes tecnolgicas que o produto guarda,

    como tambm pode oferecer detalhes de onde e a que preo o produto pode ser

    comprado. Ali esto justificadas e valorizadas todas as etapas do processo de

    produo e dissecada toda a tecnologia e o conhecimento empregados, produzindo

    status sobre produtos e servios. A promessa do consumo est literalmente escrita e

    oferece ao indivduo o embasamento para que ele fundamente a sua necessidade

    perante outras pessoas e a inscreva no seu modo de vida. Esse mesmo exemplo

    vlido tambm para os jornais de televiso e rdio que, com frequncia, produzem

    matrias dessa natureza.

    No caso do Boa Chance, em que a maioria das notcias ligada a mercado

    de trabalho e formao profissional, possvel afirmar que ocorre um tipo de

    merchandising. Instituies de ensino, como a Fundao Getulio Vargas (FGV) e a

    Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), devido grande

    quantidade e variedade de cursos de ps-graduao MBA que oferecem, esto

    entre as mais encontradas no interior das matrias.

    Alm disso, possvel adiantar trechos da anlise e afirmar que os cursos

    no so apenas citados. Sua realizao justificada em alguns casos pelo

    crescente nmero de vagas de emprego existentes na rea a que os cursos esto

    voltados. Assim, se uma matria trata da crescente oferta de empregos no setor

    sucroalcooleiro, vem junto com essa informao uma relao de instituies que

    oferecem cursos para o indivduo se especializar nessa rea. Para reforar o

    argumento, frequentemente as fontes entrevistadas so geradores de emprego, que

    informam qual a formao e o perfil do profissional que buscam para sua empresa.

    Junto deles so entrevistados coordenadores e professores dos cursos de ps-

    graduao, cuja fala vai, coincidentemente, ao encontro do que disseram os

    empregadores.

    Desse modo, sem refutar a importncia da publicidade e das mensagens que

    6 A esse respeito, ver, por exemplo, as matrias publicadas: Steve Jobs apresenta iPad, o aguardado tablet da

    Apple, Folha de So Paulo, Informtica 27/1/2010; FGV online abre inscries para cursos de MBA e especializao, O Globo, Boa Chance, 29/3/2010; Universidade de Pittsburgh lana novo curso de liderana no Brasil, poca Negcios, Carreira & Educao Executiva, 31/5/2010.

  • 34

    ela sintetiza, importante deslocar o olhar e perceber outros espaos por meio dos

    quais passa a formao do consumo. A propaganda e os produtos jornalsticos

    requerem do indivduo o reconhecimento de cdigos lingusticos amplamente

    utilizados. No entanto, a publicidade tambm utiliza como artifcio cores, linhas, entre

    outros elementos grficos, criando situaes em torno do produto, que nem sempre

    podem ser decodificadas no primeiro contato. Ao estarem fundadas na linguagem

    coloquial, as produes jornalsticas e as obras de fico seriada, como as

    telenovelas utilizam referenciais frequentes ao repertrio dos indivduos, o que

    facilita o reconhecimento pelo pblico.

    Os produtos jornalsticos j foram abordados sob a tica da distribuio e

    representao de papis sociais, mas a sua contribuio para a formao do

    consumo ainda bastante desconhecida. Como j foi apontado, esse um

    fenmeno dinmico e ao mesmo tempo em que est sendo formado no boca a

    boca cotidiano, nos grupos de amigos, nas redes sociais, no ambiente familiar e

    pela publicidade, tambm est sendo abordado nas matrias jornalsticas. Atentar

    para a contribuio de outros produtos da mdia na formao do consumo pode

    oferecer bases importantes para analisar como as necessidades so construdas e

    os produtos e servios so ancorados culturalmente em prticas sociais. Essa

    abertura de foco pode ajudar a entender melhor tambm como as necessidades so

    fundadas.

    No caso da cultura brasileira as telenovelas possivelmente so uma das

    maiores ventiladoras de necessidades, ideais de consumo, comportamento, desejos,

    alm de locais e situaes em que o consumo est em evidncia. Fora a

    representao que feita voluntariamente pela prpria narrativa, existem ainda as

    inseres comerciais pagas. Esse tipo de merchandising, diferentemente daquele

    anunciado pelos apresentadores durante programas de auditrio, representa

    situaes em que os personagens destacam as qualidades e vantagens do que est

    sendo consumido na cena. A cmera fecha o foco na marca da empresa, no nome

    do produto e junto da imagem vem o texto publicitrio, encaixado no contexto da

    trama, emprestando a ele uma insero na vida dos personagens. Colocado

    estrategicamente durante momentos de felicidade, onde se expressa satisfao, o

    merchandising empresta ao pblico a sensao de que o xtase, a alegria e a

    prosperidade experimentados na fico tambm podem ser comprados e

  • 35

    experimentados por quem assiste.

    Em um simples zapping pelos telejornais, uma breve leitura dos jornais

    impressos, ou assistindo ao captulo de uma telenovela, possvel verificar que o

    discurso favorvel do consumo j deixou de ser privilgio da publicidade. O

    jornalismo e os produtos de fico constituem espaos ideais para a insero de

    hbitos e representao do status do consumo de produtos e servios. Por outro

    lado, enquanto algumas matrias evidenciam o consumo, ou reclamam a falta dele

    em algumas camadas da populao, nas telenovelas os personagens passam por

    situaes em que consumo dominante, seja pela sua abundncia ou pela

    ausncia.

    Por trs dos produtos e servios que nos so bombardeados pelos diversos

    canais de comunicao existe uma estrutura complexa e dinmica, que relaciona os

    veculos de comunicao e as empresas produtoras de bens e servios. O uso

    desse aparato, composto principalmente por assessorias de imprensa, parte

    integrante da rotina de produo de produtos jornalsticos e ficcionais em mdias

    como rdio, TV e impresso. Para estabelecer e manter o contato entre empresas e

    os meios esto as assessorias de imprensa. A rotina tpica da assessoria de

    imprensa inclui a ronda dos veculos, editores e reprteres procura de pautas onde

    possam ser inseridos os produtos ou servios do assessorado. A divulgao

    acompanhada de algumas estratgias que incluem encontros com editores e

    reprteres, releases, sugestes de pautas para rdio, TV, sites de informao e

    jornais impressos, notas para colunas, tudo isso feito com o objetivo de ressaltar ou

    abordar positivamente os produtos ou servios oferecidos.

    Os assessores de imprensa tambm so encarregados de manter o bom

    relacionamento da empresa com a mdia. So utilizadas diferentes estratgias para

    cultivar e manter saudvel esse elo. Brindes, garrafas de usque, vinhos, almoos,

    jantares e convites para viagens com objetivo de conhecer melhor os negcios da

    empresa, fazem parte da ttica para manter uma relao saudvel e duradoura com

    os produtores de contedo. No entanto, a discusso dessas relaes eticamente

    questionveis, precariamente explorada no campo da Comunicao, e isso talvez

    se deva ao fato de que sejam consideradas prticas antigas do mercado. Embora o

    aprofundamento nesse tema no faa parte do escopo deste trabalho impossvel

    no cit-lo quando se procura entender a atuao dos meios de comunicao, mais

  • 36

    especificamente de veculos jornalsticos, na construo do consumo. A chegada

    dos produtos e servios por diversos canais de comunicao aos consumidores

    passa antes pelo relacionamento entre empresas e meios de comunicao, que

    tornam os produtos conhecidos para os indivduos.

    Nesse contexto, em que os meios de comunicao popularizam produtos e

    servios, a experincia de consumo passa a ser um dos principais argumentos

    utilizados por profissionais do marketing e da propaganda. V-los representados em

    programas de fico seriada ou publicados em jornais, contribui para o enraizamento

    do consumo.

    A cultura vigente integra produtos, servios, meios de comunicao, tradies

    culturais, instituies e regras sociais, elementos que podem ser experimentados

    todos ao mesmo tempo, em experincias reais, virtuais ou fictcias. A promoo da

    experincia de consumo e da experincia de marca constitui o foco de muitas

    empresas, que no desenvolvem mais produtos ou servios, mas produzem

    experincias. Para Silverstone:

    A mdia essencial a esse projeto reflexivo no s nas narrativas socialmente conscientes da novela, no talk show vespertino ou no programa de rdio com participao do ouvinte, mas tambm nos programas de notcias e atualidades, e na publicidade; como que atravs das lentes mltiplas dos textos escritos, dos audiotextos e dos textos audiovisuais, o mundo apresentado e representado: repetida e interminavelmente atravs de experincias. (SILVERSTONE, 2002, p.22).

    So justamente essas experincias que tentam ser transmitidas nas matrias

    e durante o merchandising das telenovelas. Assim, importa o contato e a

    consumao do servio (ou produto) onde esto envolvidas diversas estratgias

    para o que chamado de fidelizao de clientes. Porm, seria equivocado afirmar

    que os meios atuam sobre os indivduos em mo nica, em um s sentido. Antes de

    ganhar uso por meio de prticas sociais e se tornarem experincias reais, as

    mensagens veiculadas pela mdia so mediadas pela cultura na qual o indivduo

    est inserido. Nesse sentido:

    [...] as decises de consumo se tornam a fonte vital da cultura do momento. As pessoas criadas numa cultura particular a veem mudar durante suas vidas: novas palavras, novas ideias e maneiras. A cultura evolui e as pessoas desempenham um papel na mudana. O consumo a prpria arena em que a cultura objeto de lutas que lhe conferem forma. [...] Em vez de supor que os bens sejam em primeiro lugar necessrios subsistncia e exibio competitiva, suponhamos que sejam

  • 37

    necessrios para dar visibilidade e estabilidade s categorias da cultura. (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2009, p.104-105).

    Para falar sobre a cultura e o consumo, Mary Douglas e Baron Isherwood

    desenvolveram pesquisas importantes que fixaram o consumo no plano da cultura,

    para alm da abordagem economicista. Integrante dessa cultura, os meios de

    comunicao atuam no processo de formao do consumo. Nesse sentido, eles

    prestam o servio de marcao7 para os diversos rituais de consumo. Nesse

    caso, se nos ativermos s notcias ao longo de um ano veremos que os temas se

    repetem de acordo com nossas marcaes culturais. No entanto, essas marcaes

    so ampliadas pelos meios de comunicao. Lembremos, por exemplo, algumas

    delas.

    O perodo que antecede e se estende at o carnaval marcado por notcias

    que preparam para a festa, como locais para passar o feriado, fantasias e adereos

    para os folies se fantasiarem. Na Pscoa a vez das matrias divulgando

    comparativos de preos de ovos de chocolate, do bacalhau e de vrios outros

    produtos consumidos tipicamente nessa ocasio. No Natal, a melhor data para o

    comrcio varejista mundial, transbordam opes de presentes, receitas culinrias e

    decorao. Se tudo isso j era tradio na sociedade ocidental e mais propriamente

    no contexto brasileiro, as inseres que os meios de comunicao fazem pela

    ocasio dessas festividades mostram que eles esto prestando um servio de

    marcao para o ritual de consumo que envolve cada um desses momentos. Tudo

    isso se enquadra no agenda setting dos media. Tambm conhecida como teoria do

    agendamento, suas ideias bsicas so atribudas ao trabalho de Walter Lippmann,

    jornalista norte-americano que, em 1922, props a tese de que as pessoas no

    respondiam diretamente aos fatos do mundo real, mas que viviam em um

    pseudoambiente composto pelas imagens em nossas cabeas. A mdia teria papel

    importante no fornecimento e gerao dessas imagens e na configurao desse

    pseudoambiente. Ao estudarem a forma como os veculos de comunicao cobriam

    campanhas polticas e eleitorais, Shaw e McCombs (2000) verificaram que o

    principal efeito da imprensa pautar os assuntos da esfera pblica, dizendo s

    7 Os termos servio de marcao e rituais de consumo tambm foram utilizados por Mary Douglas e Baron

    Isherwood em O mundo dos bens. O primeiro trata de marcaes culturais da nossa sociedade, o casamento, o velrio, a formatura e os rituais de consumo seriam os gastos que envolvem esses eventos. Um casamento pode requerer um sapato novo; o funeral, roupas escuras segundo algumas tradies; a formatura, uma roupa de gala.

  • 38

    pessoas no o que pensar, mas em que pensar. Desse modo, a imprensa

    colabora para o consumo realizando essa mesma marcao para produtos e

    servios que so tipicamente consumidos pela ocasio de determinadas datas ou

    pocas do ano.

    Outro ano se passou, um novo comeo; vinte e cinco anos, um jubileu de prata; cem, duzentos anos, uma celebrao de centenrio ou bicentenrio; h um tempo de viver e um tempo de morrer, um tempo de amar. Os bens de consumo so usados para marcar esse intervalo. Sua variao de qualidade surge a partir da necessidade de estabelecer uma diferenciao entre o ano do calendrio e ciclo da vida. (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2009, p.19) Os mass media, descrevendo e precisando a realidade exterior, apresentam ao pblico uma lista daquilo sobre o que necessrio ter uma opinio e discutir. O pressuposto fundamental que a compreenso que as pessoas tm de grande parte da realidade social lhes fornecida, por emprstimo, pelos mass media. (E. Shaw in Wolf, p.145, 1999)

    A mdia especializada em decorao, por exemplo, presta um servio de

    marcao constante aos ditames arquitetnicos e decorativos s pessoas

    interessadas ou ligadas a esse assunto seja pela sua profisso como arquitetos,

    engenheiros e decoradores, seja pela ocasionalidade da compra ou reforma do

    imvel. O surgimento da mdia especializada produziu experts, que nada mais so

    do que revistas, encartes de jornais especializados em fornecer para os indivduos

    informaes precisas em relao a determinados assuntos, muitos deles passando

    pelo consumo de bens de servios e produtos.

    No caso da nossa pesquisa justamente esse tipo de mdia que est sendo

    estudada. No apenas pela ocasio que antecede o incio do perodo letivo, ou

    esporadicamente ao longo do ano, mas durante todo o ano existem meios de

    comunicao (revistas, jornais, encartes, sites, blogs) especializados em educao

    que recriam o servio de marcao e estimulam o ritual de consumo desse tipo de

    servio, fazendo comparaes entre mensalidades e elencando as instituies que

    os oferecem.

    O Boa Chance, publicado aos domingos no segundo maior jornal de

    circulao diria nacional, o exemplo desse tipo de mdia que presta um servio de

    marcao em vrias das suas edies publicadas ao longo do ano. Fora isso, duas

    vezes ao ano o caderno edita um especial tratando apenas de cursos de ps-

    graduao MBA. Assim, possvel retomar e perceber que a mdia no atua apenas

    na formao do consumo de rituais marcados e localizados em pocas especficas

  • 39

    do ano. Eles passaram a se fazer presentes, sobretudo pelos meios especializados,

    durante todo o ano, socializando uma apropriao constante.

    Desse modo os meios de comunicao produzem nessa interseo entre a

    prestao dos servios de marcao e o agendamento de temas, a representao

    sobre diferentes tipos de assuntos e situaes. No caso do Natal, por exemplo, uma

    matria sobre o que servir na ceia contm esses trs elementos, ou seja, traz o tema

    tona, colocando-o nas rodas de dilogo entre os indivduos, marca o perodo do

    ano e ainda constri no imaginrio a representao do que deve conter a refeio

    iniciada meia-noite. No caso do Boa Chance, por exemplo, a edio especial

    sobre MBA, publicada no dia 27 de novembro de 2009, ajuda a incluir o tema no

    debate da profissionalizao da mo de obra e marca o perodo do final do ano,

    quando se abrem as matrculas para o ano seguinte.

    2.4 Representao social nos meios de comunicao

    Embora o conceito de representao social seja transdisciplinar, neste estudo

    ele encarado como elementos coletivos, comunicados repetidamente e

    distribudos igualmente numa determinada formao social (SPINK, 1993). Ainda

    que parea estar associado a representaes coletivas postuladas por Durkheim, a

    noo que trabalhada aqui difere, pois considera os movimentos ocorridos no

    interior das representaes. As representaes sociais, sendo produzidas e

    apreendidas no contexto das comunicaes sociais, so necessariamente estruturas

    dinmicas (SPINK, 1993).

    Autor que se debruou sobre o tema das representaes sociais, Serge

    Moscovici, interessou-se no estudo de como, e por que as pessoas partilham o

    conhecimento e desse modo constituem sua realidade comum, de como eles

    transformam ideias em prticas [] (MOSCOVICI apud DUVEEN,1995 p. 8). O

    estudo da relao entre grupos, atos e ideias pode ser visto na sua tese de

    doutorado defendida em 1961, e logo mais tarde em 1976, quando o trabalho foi

  • 40

    reeditado e publicado com o ttulo de Psychanalyse, son image et son publique.

    Por meio dessa pesquisa, Moscovici resgata o conceito das representaes

    coletivas, proposto por Durkheim, para estudar as diversas maneiras pelas quais a

    psicanlise era percebida, representada e difundida ao pblico parisiense. Segundo

    (OLIVEIRA, 2003, p. 181) pela discusso profcua sobre a relao entre linguagem

    e representao, as concluses deste trabalho fizeram escola.

    Nesse estudo o autor assinala trs dimenses para as representaes

    sociais: informao, campo representacional e atitude. A primeira consiste no

    conhecimento organizado em torno do assunto. J o campo representacional define

    a imagem, o modelo social, as opinies e os juzos formulados, ou seja, essa

    segunda instancia considera que a representao no era a mesma para todos os

    indivduos. E por ltimo, a atitude reflete as orientaes negativas ou positivas em

    relao ao objeto socialmente representado. Para ele a atitude a mais frequente

    das trs dimenses das representaes sociais.

    Moscovici definiu a formulao de novas representaes por meio de dois

    processos, amarrao (ancoragem) e objetivao. A amarrao, que posteriormente

    foi postulada como ancoragem, realiza a classificao do desconhecido por uma

    aproximao do que conhecido. O termo ancoragem indica que se no

    conhecemos alguma coisa e ouvimos falar dela, tendemos a relacion-la com algo

    que j conhecemos, e, desse modo, ela passa de estranha a familiar.

    J a objetivao o autor define como (MOSCOVICI, 1978 p. 111) reabsorver

    um excesso de significaes materializando-as (e adotando assim certa distncia a

    seu respeito). tambm transplantar para o nvel de observao o que era apenas

    inferncia ou smbolo. Nesses termos, objetivao o mtodo pelo qual os

    indivduos ou grupos acoplam imagens reais, concretas e compreensveis, retiradas

    de seu cotidiano, aos novos esquemas conceituais que se apresentam e com os

    quais tm de lidar (OLIVEIRA, 2003, p. 182).

    O conceito de representaes sociais aplicado a esse estudo nos permite

    compreender que na sociedade contempornea as significaes que construmos,

    so, em parte, formuladas a partir da nossa convivncia com os meios de

    comunicao, nas suas mais diferentes variedades. Fechando um pouco mais o foco

    sobre os cursos de MBA, possvel afirmar que parte das representaes que se

  • 41

    formulam deles, vem da maneira como a mdia os representa.

    As trs instncias propostas por Moscovici podem ser aplicadas

    representao dos cursos de MBA da seguinte forma. As instituies de ensino

    detm o conhecimento organizado em torno dos cursos, a informao. As ideias,

    conceitos, definies que as pessoas, grupos e os meios de comunicao Boa

    Chance tm elaboradas desse tipo de ps-graduao compem o campo

    representacional. E, por fim, a atitude aponta o posicionamento negativo ou positivo

    dos indivduos em relao ao perfil de formao oferecido por esse tipo de ensino.

    No Boa Chance, a representao sobre cursos de MBA construda de

    diferentes maneiras, o que ser aprofundado no Captulo 4. Porm, j foi possvel

    antever que os depoimentos de profissionais que j passaram pelo curso e se

    tornaram bem-sucedidos, um dos argumentos explorados que fomentam a atitude

    positiva sobre esse tipo de curso. Isso colabora para compor no imaginrio do

    indivduo a representao do que um curso de MBA e tambm dos benefcios que

    a sua realizao pode trazer.

    Nesse sentido, a representao que construmos vem da experincia que

    apreendemos, seja em situaes cotidianas ou por meio de relatos que nos

    deparamos em materiais impressos, como jornais, assistidos na telenovela, no

    cinema. Interessa neste estudo entender de que maneira um veculo de

    comunicao, participa e ajuda a elaborar a representao dos cursos de MBA,

    verificando se a perspectiva construda estimula o consumo desse tipo de ensino.

    Vejamos a seguir, no nvel da informao como dimenso da representao

    postulada por Moscovici e no sentido de um servio que passou a ser amplamente

    consumido, como as instituies de ensino constituram o conceito dos cursos de

    MBA e qual foi o desenvolvimento at que ele se tornasse um servio oferecido ao

    consumo ao redor de todo o mundo.

  • 42

    Captulo 3

    O MBA NA PRATELEIRA: DO SHOPPING CENTER S PGINAS DOS JORNAIS

    3.1 Hi