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Universidade Federal do Rio de Janeiro Michelle Oliveira de Castro Rio de Janeiro 2008 Papel de polissacarídeos sulfatados na fertilização de ouriços-do-mar

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  • Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Michelle Oliveira de Castro

    Rio de Janeiro

    2008

    Papel de polissacarídeos sulfatados na fertilização de

    ouriços-do-mar

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  • 2

    Michelle Oliveira de Castro

    Papel de polissacarídeos sulfatados na fertilização de ouriços-do-mar

    Tese de Doutorado submetida ao Instituto

    de Bioquímica Médica da UFRJ visando à obtenção do grau de Doutor em Química Biológica

    Orientador: Paulo Antônio de Souza Mourão Professor Titular – UFRJ Co-orientadora: Ana Cristina Espirito Santo Vilela-Silva Professora Adjunta – UFRJ

    Anexo 1: Carbohydrate-based species recognition in sea urchin fertilization: another avenue for speciation? Evolution & Development, 6:5, 353–361 (2004).

    Anexo 2: Expression of two different sulfated

    fucans by females of Lytechinus variegatus may regulate the seasonal variation in the fertilization of the sea urchin. Glycobiology vol. 17 no. 8 pp. 877–885, 2007.

    Universidade Federal do Rio de Janeiro

    2008

  • 3

    Castro, Michelle Oliveira de. Papel de polissacarídeos sulfatados na fertilização de ouriços-do-mar/ Michelle Oliveira de Castro. Rio de Janeiro, 2008.

    xvii, 127 f.: il. Tese (Doutorado em Química Biológica) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto Instituto de Bioquímica Médica, 2008. Orientador: Paulo Antônio de Souza Mourão

    Co-orientadora: Ana Cristina Espirito Santo Vilela Silva

    1. Fertilização. 2. Polissacarídeos sulfatados 3.Ouriços-do-mar

    I.Mourão, Paulo Antônio de Souza (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Bioquímica Médica. III. Papel de polissacarídeos sulfatados na fertilização de ouriços-do-mar.

  • 4

    Folha de aprovação

    Papel de polissacarídeos sulfatados na fertilização de ouriços-do-mar

    Orientador: Paulo Antônio de Souza Mourão, Prof.Titular, Instituto de Bioquímica Médica, UFRJ

    Co-orientadora: Ana Cristina Espirito Santo de Vilela Silva, Prof. Adjunta,

    Instituto de Ciências Biológicas, UFRJ Banca Examinadora

    Prof. Ana Maria Landeira-Fernandez

    Prof. Adjunta do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ

    Prof. Maria Teresa Villela Romanos, Professora Adjunta do Instituto de Microbiologia Paulo de Goés da UFRJ

    Prof. Adriane Regina Todeschini, Professora Adjunta do Instituto de Biofísica da UFRJ

    Suplente interno:

    Prof. Andrea Thompson Da Poian, Professora Adjunta do Instituto de Bioquímica

    Médica da UFRJ

    Suplente externo:

    Prof. Silvana Allodi, Prof. Adjunta do Departamento de Histologia e Embriologia do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    Essa tese começou a ser desenvolvida em 2002, no início do meu Mestrado.

    Foram 6 anos de muito trabalho, mas também de muita ajuda.

    A primeira pessoa que quero agradecer é meu orientador, Paulo Antônio de

    Souza Mourão. Pela oportunidade, paciência, dedicação e entusiasmo com cada

    experimento que dava certo.

    A minha co-orientadora, Ana Cristina Vilela-Silva, que me acompanhou em

    cada passo desde 1999, quando ela era uma aluna de Mestrado. Foi a Ana quem me

    ensinou a fazer cada experimento, a acreditar que ia dar certo, a não me deixar

    desistir nos momentos difíceis. A Ana passou de orientadora a amiga, sempre me

    escutando, mesmo quando eu não estava certa, com a maior paciência do mundo. E

    ela teve muita paciência comigo, nossa. Ana, muito obrigada, por ter me orientado da

    maneira como você me orientou, ter me ajudado tanto, e por me ajudar até hoje.

    Professora Mariana, como não agradecer a você; Me ajudou muito em tudo

    que pedi, absolutamente tudo, mesmo quando estava atolada de trabalho até o

    pescoço. Uma das poucas pessoas que a gente pode dizer o que pensa, (e vice

    versa), portanto com a melhor opinião sobre tudo.

    Professora Ana Tovar, presença indispensável no laboratório, sempre tirando

    dúvidas, ajudando em qualquer coisa. A Ana é dessas pessoas que você pergunta

    alguma coisa e ela para tudo pra te responder.

    Aos demais professores do lab, Mauro e Luís Cláudio, também sempre

    solícitos.

    A todos meus amigos do lab, Robertino, Bolo, Fabinho, Lizandra, Marianinha,

    Vítor, Bruno, Miúdo, Nelson, Celso, Cíntia, Eliene, Xalalá, obrigada a toda ajuda.

    Adriana, enquanto foi secretária do lab, quebrou vários galhos, me ajudou

    muito, super obrigada.

  • 6

    São muitas pessoas, não dá pra falar individualmente de cada uma, mas

    algumas são fundamentais:

    À Livia, meu braço direito e esquerdo. Entrou no lab pra ser minha estagiária,

    comprou todas as brigas comigo, eu sei que é só falar que ela me defende. Esteve

    do meu lado em cada experimento, gastou olhos tanto como eu no microscópio, em

    cada gráfico tem as mãos dela também. Juntas conseguimos algo inédito, fomos a

    um congresso maravilhoso (poderia até ter sido melhor não fosse o pudim de café;

    Mas tudo bem, ele estava bom mesmo!). Nos tornamos Amigas, e vamos ser pra

    sempre. Livia, torço muito por você, você não tem idéia de quanto. Obrigada mesmo,

    por tudo. Não fosse você, essa tese não seria assim.

    Clarice, e como eu tive sorte com estagiárias. Dedicada, pontual, despencava

    de São Gonçalo de ônibus e chegava mais cedo que eu...Obrigada por todas as

    vezes que você esteve ali, por tudo que você fez. Assim como a Livia, suas mãos

    estão em muitos experimentos, sua dedicação, seu empenho. E como estou

    orgulhosa de vocês duas agora!

    Rafa, a você eu tenho muito que agradecer. Tantas coletas, tantas vezes que

    você me ouviu, me ajudou, torceu por mim, esteve do meu lado. Melhor amigo eu

    não poderia ter, nunca. Eu sei que sempre vou poder contar com você, e você

    comigo. Foram muitos experimentos,aulas, RMNs, nossa, quanta coisa aconteceu.

    Obrigada por tudo, mais ainda por ser meu amigo.

    Bibi, o melhor ouvido, horas e horas ao telefone, nós duas falando muito e

    escutando muito. Obrigada por toda sua ajuda sempre, todas caronas, sugestões

    conselhos....Obrigada por ter se tornado uma amiga tão especial.

  • 7

    A todos aqueles que muitas vezes me ajudaram até sem saber, quando usei o

    fluorímetro, ou o microscópio. E eu usei muitos, então muito obrigada a todos.

    A pessoas muito especiais na minha vida;

    Meu pai, obrigada por tudo, pelo apoio, pelo orgulho que sente de mim, por

    me ouvir. Por me ajudar sempre que pôde, por tentar sempre. Amo você pai.

    Minha mãe, por sua dedicação sem fim, seu orgulho, por nunca achar que vai

    dar errado, por me incentivar sempre. A pessoa mais positiva desse mundo, a que

    não me deixou desistir nunca. Amo você

    Meu namorado, que do nada foi levado para esse meio, e hoje entende do que

    eu faço. Obrigada por estar aqui pra mim, por me fazer sentir segura, por ter orgulho,

    por ter escutado tantas e tantas vezes. Por me ajudar em tudo, por cuidar de mim,

    por fazer tudo que estava ao seu alcance para me ajudar.

    Meus irmãos, que eu sei que posso contar sempre. Meu irmão, a pessoa mais

    prestativa desse mundo; Minha irmãzinha, que tantas vezes cuidou de mim, fez

    comida quando eu estava estudando, me deu chocolate, abaixou o som...Ali do lado

    todo dia, aí que a gente vê quando alguém é importante.

    Obrigada a todos que, de alguma forma, me ajudaram a realizar esse trabalho.

  • 8

    ÍNDICE

    Lista de abreviaturas XIII

    Resumo XIV

    Abstract XVI

    Introdução 18

    1. Polissacarídeos sulfatados 18

    1.1 Polissacarídeos sulfatados em invertebrados 19

    1.2 Atividades biológicas de fucanas sulfatadas de algas e invertebrados marinhos

    20

    2) Ouriço-do-mar 23

    2.1 Estrutura dos gametas 24

    3) Fertilização 25

    3.1) Fertilização em ouriços-do-mar 26

    3.1.1) Mobilidade e quimiotaxia dos espermatozóides 28

    3.1.2 Reação acrossômica 29

    3.1.3 Espécie-especificidade na fertilização dos ouriços-do-mar 33

    3.1.4 Interação entre bindina e seu receptor na superfície do óvulo 37

    Objetivos 40

    Materiais e Métodos 41

    Resultados e Discussão 51

    Capítulo 1) A espécie-especificidade da fertilização nos ouriços-do-mar é assegurada pela estrutura de polissacarídeos sulfatados

    51

    1) A importância da sulfatação e da ligação glicosídica no reconhecimento entre gametas

    52

    1.1) As fucanas sulfatadas induzem a captação de cálcio pelos ouriços-do-mar

    62

    1.1.2 Ensaios com espermatozóides de A. lixula 64

    1.1.3) Ensaios com espermatozóides de E. lucunter 68

    1.1.4) Ensaios com espermatozóides de L. variegatus 71

    1.2) Ensaios de fertilização 74

    Conclusões capítulo 1 76

    Capítulo 2) Uma fucana sulfatada inativa de L. variegatus com expressão sazonal

    80

    Purificação e caracterização estrutural da fucana sulfatada 80

    2.1) Qual o significado fisiológico da fucana sulfatada II de L. variegatus?

    86

    Conclusões capítulo 2 90

    Capítulo 3) O ouriço-do-mar Glyptocidaris crenularis contém uma β-galactana sulfatada

    92

    Purificação e caracterização estrutural de uma galactana sulfatada de G. crenularis

    93

  • 9

    3.1) Conformações distintas das α- e β galactanas sulfatadas 101

    3.1.2) Conformação de α- e β-galactanas sulfatadas 102

    3.2) Estrutura x atividade biológica 104

    Conclusões capítulo 3 107

    Conclusões Finais 109

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 111

    Anexo 1 124

    Anexo 2 134

  • 10

    ÍNDICE DE FIGURAS

    Figura 1) Estruturas químicas dos polissacarídeos sulfatados de ouriços-do-mar. 22 Figura 2) Modelo esquemático da estrutura de um ouriço-do-mar. 24 Figura 3) Fertilização em ouriços-do-mar. 27 Figura 4) Estruturas químicas dos polissacarídeos sulfatados de ouriços-do-mar.

    54

    Figura 5) Sucesso na fertilização entre espermatozóides do gênero Strongylocentrotus.

    55

    Figura 6) Imagens confocais de espermatozóides. 56 Figura 7) Indução da reação acrossômica por diferentes fucanas sulfatadas em espermatozóides de S. droebachiensis, S. pallidus, S. purpuratus e S. franciscanus.

    60

    Figura 8) Indução da reação acrossômica em espermatozóides de S. droebachiensis coletados nos Oceanos Pacífico e Atlântico e em espermatozóides de S. purpuratus e S. franciscanus pela fucanas de S. droebachiensis ( fucana sulfatada I) e A. lixula.

    61

    Figura 9) Estruturas químicas dos polissacarídeos sulfatados de ouriços-do-mar.

    63

    Figura 10) Captação de cálcio em espermatozóides da espécie A. lixula.

    66

    Figura 11)Reação acrossômica observada em espermatozóides da espécie A. lixula.

    68

    Figura 12) Captação de canais de cálcio em espermatozóides da espécie E. lucunter.

    70

    Figura 13) Reação acrossômica observada em espermatozóides da espécie E. lucunter.

    71

    Figura 14) Captação de cálcio em espermatozóides de L. variegatus.

    72

    Figura 15) A- Reação acrossômica observada em espermatozóides da espécie L. variegatus e B: foto do espermatozóide reagido e não reagido, duplamente marcado para rodamina-faloidina e DAPI.

    73

    Figura 16) % de óvulos fertilizados por espermatozóides homólogos e heterólogos de três espécies de ouriços-do-mar.

    75

    Figura 17) Purificação das fucanas sulfatadas da matriz gelatinosa de óvulos de ouriço-do-mar da espécie L. variegatus .

    82

    Figura 18) Estrutura da fucana sulfatada I (P1) habitualmente encontrada na matriz gelatinosa de L. variegatus.

    83

    Figura 19) Espectro unidimensional de 1H a 600 MHz da fucana sulfatada I e da fucana sulfatada II.

    84

  • 11

    Figura 20) Estrutura da fucana sulfatada II (P2) encontrada na matriz gelatinosa de L. variegatus.

    86

    Figura 21) Indução da reação acrossômica em espermatozóides da espécie L. variegatus.

    87

    Figura 22) Purificação dos polissacarídeos sulfatados obtidos de fêmeas individuais da L. variegatus coletadas durante o inverno e no verão.

    88

    Figura 23) Análise do peso seco da matriz gelatinosa e dos polissacarídeos totais obtidos de fêmeas individuais de L. variegatus coletadas ao longo de um ano.

    89

    Figura 24) Purificação dos polissacarídeos sulfatados da matriz gelatinosa de óvulos de ouriço-do-mar da espécie G. crenularis.

    94

    Figura 25) Espectro unidimensional de 1H-RMN a 400 MHz da galactana sulfatada intacta do ouriço-do-mar G. crenularis e a mesma galactana dessulfatada quimicamente.

    95

    FIGURA 26) Tiras das regiões anoméricas (expansões entre ~ 4.5 a ~ 5.1 ppm) de COSY, TOCSY e NOESY de espectros da galactana sulfatada de G. crenularis intacta e dessulfatada quimicamente.

    97

    Figura 27) Espectro de 1H/13C HSQC da galactana sulfatada intacta de G. crenularis e dessulfatada quimicamente.

    98

    Figura 28) Estrutura da galactana sulfatada de G. crenularis. 99

    Figura 29) Descrição conformacional de galactanas. 103

    Figura 30) Reação acrossômica em espermatozóides de E. lucunter e captação de cálcio em espermatozóides de E. lucunter.

    106

  • 12

    ÍNDICE DE TABELAS

    Tabela 1) Deslocamento químico de prótons em resíduos de α-fucose dos polissacarídeos sulfatados de L. variegatus e em compostos padrão.

    85

    Tabela 2) Deslocamento químico de carbonos para resíduos de α-fucose da fucana sulfatada II de L. variegatus e em compostos padrão.

    85

    Tabela III) Deslocamentos químicos de 1H and 13C (ppm), 3JH-H e 1JC-H do espectro de RMN da α-L-galactana sulfatada de E.

    lucunter e da β-galactana sulfatada de G. crenularis

    100

  • 13

    LISTA DE ABREVIATURAS

    AgNO3 Nitrato de prata

    AMPc Adenosina monofosfato cíclico

    ATP Adenosina trifosfato

    BaCl2 Cloreto de bário

    Ca+ Cálcio

    CaCl2 Cloreto de cálcio

    CETAVLON Brometo de cetilmetilamônio

    CO2 Dióxido de carbono

    D2O Água deionizada

    DAPI 4',6-diamino-2-phenylindole,

    diidroclorido

    DMB Dimetil azul de metileno

    DMSO Dimetilsulfóxido

    EDTA Ácido etildiaminotetracético

    FURA-2 AM Marcador fluorescente para cálcio

    intracelular permeável à membrana

    GMPc Guanosina monofosfato cíclica

    K+ Potássio

    kDa Quilo dálton

    KCl Cloreto de potássio

    Na+ Sódio

    NaOH Hidróxido de sódio

    NaCl Cloreto de sódio

    MgSO4.7H2O Sulfato de magnésio heptahidratado

    p-DAB Para-dimetilaminobenzaldeído

    PBS TAMPÃO SALINA FOSFATO

    TFA Ácido trifluoroacético

    NH4OH Hidróxido de amônio

    NaSO4 anidro Sulfato de sódio anidro

  • 14

    RESUMO

    CASTRO, Michelle Oliveira de. Papel de polissacarídeos sulfatados na

    fertilização de ouriços-do-mar. Rio de Janeiro, 2008. Tese de Doutorado, Instituto de

    Bioquímica Médica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

    Os óvulos de ouriços-do-mar são envolvidos por uma matriz gelatinosa

    composta, predominantemente, por polissacarídeos sulfatados. Esta matriz é

    especializada na interação dos gametas, sendo o polissacarídeo sulfatado

    responsável pela indução da reação acrossômica de maneira espécie-específica em

    espermatozóides. Essa reação acrossômica é um evento que acontece logo após o

    contato inicial entre óvulo e espermatozóide, mais precisamente entre polissacarídeo

    sulfatado da matriz gelatinosa e seu receptor na membrana plasmática do

    espermatozóide, e se caracteriza pela emissão de um prolongamento de actina

    polimerizada. Na ponta desse processo acrossomal fica a bindina, proteína

    responsável pela interação com o óvulo. Em sua grande maioria, esses

    polissacarídeos sulfatados são formados por resíduos de fucose, sendo então

    chamados de fucanas sulfatadas.

    Neste trabalho, foi investigada a relação entre estrutura do polissacarídeo

    sulfatado versus atividade fisiológica na indução da reação acrossômica em

    espermatozóides do gênero Strongylocentrotus (provenientes do oceano Pacífico), e

    em espermatozóides de três espécies presentes no litoral do Rio de Janeiro: Arbacia

    lixula, Lytechinus variegatus e Echinometra lucunter. Foi visto que as espécies do

    gênero Strongylocentrotus mantém sua espécie-especificidade mais restrita a

    interação entre bindina e receptor na superfície do óvulo, enquanto os

    espermatozóides das espécies do Rio de Janeiro foram mais restritivos:

  • 15

    espermatozóides de L. variegatus e A. lixula somente reconheceram polissacarídeos

    sulfatados com estrutura idêntica ao presente em sua própria matriz gelatinosa,

    enquanto espermatozóides de E. lucunter reconheceram, além do polissacarídeo

    sulfatado presente em sua própria matriz gelatinosa, um segundo polissacarídeo

    sulfatado com estrutura similar a sua.

    Foi estudado o período de reprodução de L. varigatus, devido a observação de

    que um segundo polissacarídeo sulfatado é secretado em sua matriz gelatinosa em

    certas épocas do ano somente. A estrutura deste polissacarídeo foi elucidada e,

    como o primeiro, trata-se de uma fucana sulfatada. Porém, possui alterações na

    estrutura: enquanto a primeira possui unidades tetrassacarídicas repetitivas, unidas

    por ligação glicosídica 1→3, e com a posição do sulfato variando entre as posições 2

    e 4, a segunda é formada por unidades monossacarídicas repetitivas, também

    unidas por ligação glicosídica 1→3, porém com sulfato na posição 4 somente.

    Por fim, um estudo complementar permitiu demonstrar a estrutura do

    polissacarídeo sulfatado presente na matriz gelatinosa do ouriço-do-mar

    Glyptocidaris crenularis, uma espécie proveniente do Japão. Trata-se de um

    polissacarídeo sulfatado formado por unidades de galactose, sendo a segunda

    espécie já descrita com essa característica. Também tentamos fazer experimentos

    de fertilização com essa espécie, o que não foi possível devido ao pequeno tamanho

    do espermatozóide. Entretanto, determinamos a estrutura da galactana sulfatada

    presente na matriz gelatinosa, e é a seguinte: [→3)-β-Galp-2(SO4)-(1→3)-β-Galp-

    (1→]n.

  • 16

    ABSTRACT

    CASTRO, Michelle Oliveira de. Papel de polissacarídeos sulfatados na

    fertilização de ouriços-do-mar. Rio de Janeiro, 2008. Tese de Doutorado, Instituto de

    Bioquímica Médica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

    The egg jelly coat which surrounds the sea urchins eggs is mostly composed

    of sulfated polysaccharides. This jelly coat is related with gamete interaction, since its

    sulfated polysaccharide is responsible for inducing the acrosome reaction in sperm in

    a specie specific manner. This acrosome reaction is an event that happens

    immediately after the initial contact between egg and sperm, more precisely between

    the sulfated polyssacharide present in the egg jelly and its receptor in the plasma

    membrane of the sperm. It envolves the exocytosis of the acrosomal vesicle and the

    polimerizaton of actin to form the acrosomal process. In the tip of this acrosomal

    process there is a protein named bindin, that is responsible for the interaction

    between sperm and egg. In the vast majority these sulfated polysaccharides are

    formed by residues of fucose, and then are called sulfated fucans.

    In this work was investigated the relationship between structure of the sulfated

    polyssacharide versus physiological activity in the induction of the acrosome reaction

    in sperm from the gender Strongylocentrotus (from the Pacific Ocean), and in sperm

    of three species present on the coast of Rio de Janeiro: Arbacia lixula, Lytechinus

    variegatus and Echinometra lucunter.

    It was seen that the species from the genus Strongylocentrotus keep their specie-

    specific interaction between the bindin protein and its receptor in the surface of the

    egg, while the sperm of species from Rio de Janeiro were more restrictive: sperm of

    L. variegatus and A. lixula only recognized the sulfated polysaccharides with identical

    structure to the one present in its own egg jelly, while sperm from E. lucunter

  • 17

    recognized, in addition to it´s own sulfated polysaccharide, a second one witch

    structure is similar to its own.

    It was also studied the period of reproduction of L. variegatus, because wue observed

    that a second sulfated polysaccharide is secreted in its egg jelly durin certain times of

    the year only. This second sulfated polysaccharide had its structure elucidated, and,

    as the first one, is a sulfated fucan. But it has some changes in the structure: While

    the former has tetrasaccharides repeating units, with glicosidic linkage 1→3, and the

    position of the sulfate ranging between 2 and 4, the second one contains a

    homopolymer of 4-sulfated, 3-linked α-L-fucan.

    Finally, an additional study has shown the structure of the sulfated

    polysaccharide from the egg jelly of the sea urchin Glyptocidaris crenularis, a species

    from Japan. This is a sulfated polysaccharide formed by units of galactan, and it is

    the second species already described with that characteristic. We already performed

    studies involving the fertilization of this specie, but we were not able to see anything,

    since the sperm of G. crenularis is very small. However, we determined the structure

    of the sulfated galactan present in the egg jelly, and it is as follow: [→3)-β-Galp-

    2(SO4)-(1→3)-β-Galp-(1→]n.

  • 18

    INTRODUÇÃO

    1) Polissacarídeos sulfatados

    Os polissacarídeos sulfatados são um grupo de macromoléculas complexas

    com grande variedade estrutural, que se caracterizam por apresentar alta densidade

    de cargas negativas. O caráter aniônico desses polímeros provém da presença de

    ésteres de sulfato, e, em alguns casos, de um grupamento carboxila.

    Essas moléculas são amplamente distribuídas entre os seres vivos, ocorrendo

    em invertebrados marinhos como polissacarídeos simples, de estrutura linear e

    repetitiva (ALVES et al, 1997), e em algas marinhas, como estruturas complexas e

    ramificadas (MULLOY et al, 1994). Em vertebrados, esses polímeros formam

    compostos conhecidos como glicosaminoglicanos, que são heteropolissacarídeos

    lineares de natureza ácida, com unidades dissacarídicas repetitivas constituídas por

    uma hexosamina (glucosamina ou galactosamina) e um açúcar não nitrogenado

    (ácido D-glucurônico ou ácido L-idurônico), ou um açúcar neutro (D-galactose).

    Estes estão covalentemente ligados a uma cadeia protéica, constituindo os

    proteoglicanos. A única exceção é o ácido hialurônico, que não está ligado a

    proteína. Os tipos de glicosaminoglicanos encontrados em vertebrados são:

    condroitim sulfato, dermatam sulfato, heparam sulfato, heparina, ácido hialurônico e

    queratam sulfato. Eles podem se localizar tanto no interior das células, como

    grânulos citoplasmáticos, na matriz extracelular, ou como componentes da

    membrana celular. Devido a sua ampla distribuição, e ao fato de serem capazes de

  • 19

    interagir com várias moléculas, os proteoglicanos participam de diferentes processos

    celulares, sendo assim de grande importância fisiológica.

    1.1 Polissacarídeos sulfatados em invertebrados

    Os polissacarídeos sulfatados de invertebrados podem ser divididos em dois

    grupos: os homopolissacarídeos, constituídos pelas galactanas e fucanas

    sulfatadas, e os heteropolissacarídeos, que são aqueles que apresentam uma

    estrutura semelhante aos glicosaminoglicanos de vertebrados, mas com um padrão

    distinto de sulfatação, ou ramificações com outros açúcares ligados à cadeia

    principal.

    Os ouriços-do-mar são uma grande fonte desses polissacarídeos

    sulfatados, que são encontrados principalmente na matriz gelatinosa que recobre

    seus óvulos (ALVES et al., 1997; ALVES et al., 1998; VACQUIER & MOY, 1997;

    VILELA-SILVA et al.,, 1999), e no seu embrião (VILELA-SILVA et al.,, 2001). Esses

    polissacarídeos sulfatados da matriz gelatinosa apresentam uma estrutura regular,

    composta de unidades oligossacarídicas repetitivas, que variam no seu padrão de

    sulfatação, tipo de ligação glicosídica e/ou unidade de açúcar constituinte (MULLOY

    et al., 1994).

    Em nosso laboratório já foi caracterizado estruturalmente diferentes

    polissacarídeos sulfatados da matriz gelatinosa de várias espécies de ouriços-do-

    mar, e constatamos a grande diversidade estrutural dentre as espécies. Por

    exemplo, a espécie Lytechinus variegatus possui na sua matriz gelatinosa uma

    fucana sulfatada constituída por uma cadeia linear de α-L-fucopiranose, com

    sulfatação nas posições 2 e 4 na mesma unidade ou alternadas unidas por ligações

    1→3 com unidades tetrassacarídicas repetitivas (Figura 1A). A espécie Arbacia lixula

  • 20

    também possui uma fucana linear, formada por unidades tetrassacarídicas

    repetitivas de α-L-fucopiranosil, mas unidas por ligações 1→4, com sulfatação na

    posição 2 dos dois primeiros resíduos somente (Figura 1B). Echinometra lucunter

    possui, ao contrário das demais espécies, uma α-L-galactana sulfatada, unida por

    ligações 1→3 e sulfatada na posição 2 (Figura 1C) (ALVES et al., 1997). Essas três

    espécies co-habitam no litoral do Rio de Janeiro. Por outro lado, uma espécie

    proveniente do Atlântico Norte, Strongylocentrotus purpuratus, apresenta dois

    isotipos de fucanas sulfatadas estruturalmente distintos (Fig 1D e 1E).

    1.2 Atividades biológicas de fucanas sulfatadas de algas e invertebrados

    marinhos

    Fucanas e galactanas sulfatadas da matriz gelatinosa dos óvulos de ouriços-

    do-mar possuem um importante papel fisiológico: são indutores da reação

    acrossômica em espermatozóides de maneira espécie-específica (SEGALL &

    LENNARZ, 1979; ALVES et al., 1997). A reação acrossômica é uma etapa

    fundamental do processo de fertilização, que será abordada em detalhes

    posteriormente. A espécie-especificidade deste fenômeno é assegurada pela grande

    divergência estrutural entre os polissacarídeos sulfatados responsáveis pela sua

    indução. Essa diversidade é assegurada pelo tipo de açúcar constituinte, pelo

    padrão de sulfatação e pela posição da ligação glicosídica (ALVES et al., 1997;

    ALVES et al., 1998; VACQUIER & MOY, 1997; VILELA-SILVA et al., 1999).

    Outro ponto que tem sido muito estudado é o potencial efeito terapêutico de

    polissacarídeos sulfatados. Alguns polissacarídeos sulfatados, originados de

    equinodermas e de algas marrons, exibem potentes atividades biológicas em

  • 21

    mamíferos. Algumas de suas ações podem ser atribuídas a interferências nos

    mecanismos de interação célula - célula tais como a inibição da invasão de células

    por retrovírus, em especial o vírus da imunodeficiência humana (MCCLURE et al.,

    1992), herpes e citomegalovírus (BABA et al., 1988), e o vírus causador da febre

    africana (GARCIA-VILLALON & GIL-FERNANDEZ, 1991).

    Além disso, os polissacarídeos sulfatados originados de algas marinhas

    inibem a invasão de eritrócitos por merozoítas de Plasmodium falciparum e a

    citoaderência de eritrócitos parasitados às células endoteliais (XIAO et al.,1996).

    Também exercem uma função anti-angiogênica (HAHNENBERGER & JAKOBSON,

    1991), bloqueiam a ligação espermatozóide-óvulo em várias espécies de

    vertebrados (BOLWELL et al., 1979; AHUJA, 1982), têm propriedade antiproliferativa

    e antitumoral (Riou, 1996) e inibem a proliferação de fibroblastos (FERRAO &

    MASON, 1993).

    Dentre as atividades biológicas mais estudadas dos polissacarídeos

    sulfatados de algas marinhas destacam-se as ações antitrombótica e anticoagulante

    (CHURCH et al., 1989; COLLIEC et al., 1991; NARDELLA et al., 1996; FARIAS et

    al., 2000). Um estudo recente, realizado em nosso laboratório, comparou a

    atividade anticoagulante de fucanas sulfatadas de equinodermas, que apresentam

    estruturas mais simples e bem definidas, com fucanas de algas marrons, que são

    mais complexas e heterogêneas. O resultado demonstra que, não apenas a potência

    anticoagulante é diferente, mas também varia o mecanismo como é exercida essa

    atividade. Alguns polissacarídeos exercem sua ação majoritariamente via

    antitrombina e outros via cofator II de heparina. Também podem apresentar

    diferenças quanto à protease alvo (heparina ou fator Xa).

  • 22

    Figura 1 – Estruturas químicas dos polissacarídeos sulfatados de diferentes espécies de

    ouriços-do-mar.

  • 23

    Em 2002, Pereira e colaboradores compararam a atividade anticoagulante da

    fucana sulfatada de S. franciscanus (Figura 1F) e da galactana sulfatada de E.

    lucunter (Figura 1C). Esses dois polissacarídeos possuem estrutura similar, ambos

    com sulfatação na posição 2 e ligações glicosídicas1→3. A única diferença reside no

    tipo de açúcar constituinte: S. franciscanus possui L-fucose, enquanto E. lucunter,

    possui uma L-galactose. A galactana sulfatada possui atividade anticoagulante

    através da inibição da trombina e do fator Xa via antitrombina ou cofator II da

    heparina, o que não foi observado para a fucana sulfatada. Logo, a atividade

    biológica do polissacarídeo sulfatado não se dá exclusivamente por causa de sua

    carga negativa, mas também depende da estrutura química do polímero.

    2) Ouriço-do-mar

    Os ouriços-do-mar são invertebrados marinhos bentônicos, pertencentes ao

    filo Echinodermata. São animais de movimentos livres, possuindo corpo esférico,

    coberto de espinhos de tamanhos variáveis de acordo com a espécie, e com

    simetria radial. Constituem a classe Echinoidea, com cerca de 950 espécies

    descritas, sendo que elas variam em cor e tamanho, a maioria possuindo de 6 a 12

    cm de diâmetro. Os ouriços-do-mar têm distribuição mundial, sendo divididos em

    vários gêneros diferentes. São dióicos, mas em geral não apresentam dimorfismo

    sexual, sendo sua identificação (macho ou fêmea) feita através da coloração dos

    gametas. Um equinóideo regular apresenta 5 gônadas, suspensas ao longo dos

  • 24

    interambulacros (Figura 2). Um pequeno gonoduto estende-se a partir de cada

    gônada, abrindo-se através de um gonóporo. Cada gônada é recoberta por um

    peritôneo celomático e revestida internamente por um epitélio germinativo. Entre

    essas camadas encontram-se tecido conjuntivo e células musculares. Os

    espermatozóides e os óvulos são eliminados por contração da camada muscular, na

    água do mar, onde ocorre a fertilização. Um macho é capaz de produzir 1 trilhão de

    espermatozóides, enquanto a fêmea, cerca de milhões de óvulos (BARNES,1996).

    2.1 Estrutura dos gametas

    Assim como os mamíferos, os ouriços-do-mar possuem espermatozóides e

    óvulos. Os espermatozóides são compostos da: “cabeça”, onde fica o núcleo, que

    contém material genético, e o acrossoma. “Pescoço”, que é uma parte média

    mitocondrial e “cauda” ou flagelo estrutura responsável pela mobilidade do

    espermatozóide. Todas as estruturas são recobertas pela membrana plasmática. No

    acrossoma estão presentes as enzimas que vão digerir a matriz gelatinosa do óvulo

    Figura 2 – Modelo esquemático da estrutura de um ouriço-do-mar. As gônadas estão sinalizadas com a seta.

    Fonte: http://www.dkimages.com

  • 25

    para permitir a fertilização. A função da mitocôndria é a de produzir ATP para que o

    espermatozóide se movimente (BIERMANN, 2002).

    Os óvulos também possuem uma estrutura simples, sendo recobertos por

    uma linha vitelínica e pela matriz gelatinosa. É nessa matriz gelatinosa que se

    encontra o polissacarídeo sulfatado, responsável pela indução da reação

    acrossômica (ALVES et al., 1997; ALVES et al., 1998; VACQUIER & MOY, 1997;

    VILELA-SILVA et al., 1999). Em um grande número de espécies, esse

    polissacarídeo consiste de resíduos de α-L-fucose sulfatada, e mais raramente de

    resíduos de α-L-galactose (ALVES et al., 1997). Além do polissacarídeo sulfatado,

    também se encontra nessa camada um glicoconjugado rico em ácido siálico que,

    entre outras funções, ativa os espermatozóides (SUZUKI et al., 1990).

    Recentemente, foi descoberto que esse glicoconjugado rico em ácido siálico é capaz

    de potencializar o efeito do polissacarídeo sulfatado, ao induzir o aumento do pH

    intracelular dos espermatozóides. Esse evento é fundamental para iniciar a reação

    acrossômica (ver adiante) (HIROHASHI & VACQUIER, 2002b).

    3) Fertilização

    Para que ocorra uma fertilização com sucesso, o espermatozóide precisa

    encontrar o óvulo e estar apto a se fundir com sua membrana plasmática. Em muitas

    espécies, tanto vertebrados como invertebrados, essas ações requerem, entre

    outras, a mobilidade do espermatozóide e também a reação acrossômica. A

    mobilidade do espermatozóide, seu movimento progressivo e sua velocidade são

    dependentes da atividade de um simples flagelo (GIBBONS, 1981). Em muitos

  • 26

    invertebrados a quimiotaxia ocorre em resposta a fatores associados à matriz

    gelatinosa, que são liberados quando os gametas são liberados na água do mar

    (MILLER, 1985). Mesmo em vertebrados, sabe-se que a progesterona, liberada pelo

    trato genital feminino, atua “guiando” os espermatozóides (HUNTER, 2008).

    Em muitas espécies, o mecanismo utilizado para o reconhecimento

    espermatozóide-óvulo envolve interações entre proteínas e carboidratos. Isso inclui

    tanto os glicoconjugados complexos encontrados nos tratos reprodutivos, quanto

    proteínas ligadoras de carboidratos na superfície do espermatozóide. Vários

    glicoconjugados são utilizados nas etapas de capacitação do espermatozóide

    (mamíferos), ligação deste à matriz extracelular ou linha vitelínica e indução da

    reação acrossômica (MILLER & ROY, 1989).

    3.1) Fertilização em ouriços-do-mar

    O modelo de fertilização dos ouriços-do-mar é muito estudado, especialmente

    devido à quantidade disponível de material e sua acessibilidade (ALBERTS, 1989).

    Espécies que liberam seus gametas na água do mar, como os ouriços-do-mar,

    requerem uma série de eventos para que ocorra uma fertilização bem sucedida, tais

    como:

    1º) Sincronia na liberação dos gametas por machos e fêmeas (TYLER &

    TYLER, 1966);

    2º) Mecanismos que estimulam o encontro dos gametas: Depois de liberados,

    os espermatozóides precisam ganhar mobilidade para encontrarem os óvulos, e

    também precisam ser estimulados e quimicamente atraídos para o óvulo da própria

    espécie. Presume-se que a mobilidade dos espermatozóides seja estimulada por

  • 27

    pequenos peptídeos produzidos pelos óvulos (GARBERS, 1989 e SUZUKI, 1990).

    Esses compostos se ligam à superfície dos espermatozóides, aumentam a sua

    produção de GMPc, o que estimula sua mobilidade;

    3º) Reação acrossômica: Quando o espermatozóide entra em contato com o

    óvulo deve ocorrer a indução da reação acrossômica, que foi descrita em detalhes

    por DAN (1952, 1954a e 1964). O óvulo está recoberto pela matriz gelatinosa que,

    de fato, estará mediando este primeiro contato entre os gametas. Durante o

    processo de reação acrossômica o espermatozóide entra em um processo exocítico,

    liberando proteases e a bindina. Esses compostos estão presentes na vesícula

    acrossomal na “cabeça” do espermatozóide. Ao mesmo tempo, a actina, que está

    em uma região subacrossomal, se polimeriza formando um filamento. Na ponta

    desse filamento é exposta a proteína bindina com função de adesão entre os

    gametas (BIERMANN et al., 2004) A superfície do óvulo possui receptores espécie-

    específicos para a bindina. A interação da bindina com seu receptor específico

    permite estabilizar a interação óvulo-espermatozóide. A fertilização culmina com a

    fusão da membrana plasmática do óvulo com a membrana do espermatozóide

    (FOLTZ & LENNARZ, 1993) (Figura 3).

    Figura 3 – Fertilização em ouriços-do-mar. 1)Espermatozóides se tornam ativos quando em contato com água do mar. 2)A ativação se dá por pequenos peptídeos liberados da matriz gelatinosa. 3) Indução da reação acrossômica – a) fluxo de íons, b) exocitose da vesícula acrosomal, c) polimerização da actina e d)processo de fusão das membranas mediado pela bindina.

    Fonte: NEILL & VACQUIER, 2004.

  • 28

    3.1.1) Mobilidade e quimiotaxia dos espermatozóides

    A ativação da mobilidade dos espermatozóides é um evento extremamente

    importante para o sucesso da fertilização. Os espermatozóides produzidos e

    estocados nas gônadas são imóveis, e só adquirem mobilidade quando liberados na

    água do mar, devido às mudanças iônicas que ocorrem no interior da célula. Nas

    gônadas, os espermatozóides estão sob alta tensão de CO2, o que mantém seu pH

    intracelular em 7,2 (JOHNSON et al., 1983). Nesse pH, a enzima dineína ATPase,

    responsável pelo batimento flagelar, encontra-se inativa, bem como a respiração

    celular (CHRISTEN et al., 1982, LEE et al., 1983). Quando os espermatozóides são

    liberados na água do mar a tensão de CO2 diminui, prótons são liberados, e o pH

    aumenta para 7,5-7,6. Esse aumento no pHi (pH intracelular) ativa a dineína

    ATPase, dando início à mobilidade do espermatozóide (CHRISTEN et al., 1982).

    Além da diminuição na tensão do CO2, há uma saída de K+, que causa

    hiperpolarização da membrana plasmática do espermatozóide. Se essa etapa não

    acontecer, há um bloqueio na ativação dos espermatozóides (DARSZON et al.,

    1999).

    Já a quimiotaxia é dada por pequenos peptídeos ativadores, os SAPs (small

    activating peptides), isolados da matriz gelatinosa dos óvulos de ouriços-do-mar.

    Quando são liberados na água do mar, são reconhecidos por espermatozóides da

    própria espécie, onde interagem com receptores específicos, causando uma

    ativação celular. Este é o primeiro nível de reconhecimento entre os gametas. Já

    foram descritos aproximadamente 75 SAPs de 15 diferentes espécies de ouriços-do-

    mar (SUZUKI et al., 1995).

  • 29

    A primeira espécie a ter o SAP isolado e estudado foi S. purpuratus, que

    recebeu o nome de “speract”. Nos espermatozóides de S. purpuratus existe um

    receptor protéico de 77 kDa, específico para o speract (DANGOTT & GARBERS,

    1984; DANGOTT, 1989). Após interagir com o receptor, há a ativação de uma

    guanilil ciclase acoplada à membrana, que eleva os níveis de GMPc. O aumento nos

    níveis de GMPc, por sua vez, abre um canal de K+, que leva à hiperpolarização da

    membrana (BABCOCK et al., 1992; GALINDO et al., 2000). O bloqueio dessa

    hiperpolarização abole os efeitos iniciais do SAP (HARUMI et al., 1992). Outra

    molécula que também é ativada é a adenil ciclase (AC), que leva a um aumento de

    AMPc (BELTRAM et al., 1996). Esse aumento de AMPc leva à abertura de um canal

    de cálcio, que aumenta a concentração de Ca++ intracelular. Como conseqüência

    ocorre despolarização da membrana plasmática, que se segue à hiperpolarização

    devido à saída de K+.

    Outra espécie que teve seu SAP estudado foi Arbacia punctulata, e recebeu o

    nome de resact (WARD et al., 1985b). Porém, diferentemente do speract, o resact se

    liga diretamente à guanilil ciclase ao invés de ativá-la (SHINOMURA et al., 1986).

    Também acontece um aumento na concentração de Ca++ intracelular, que é bifásico.

    Sua maior parte é devido ao aumento na concentração de GMPc, e em menor

    proporção, pelo aumento na concentração de AMPc (KAUPP et al., 2003).

    3.1.2 Reação acrossômica

    A indução da reação acrossômica é a segunda etapa de reconhecimento do

    espermatozóide pelo óvulo durante o processo de fertilização. A terceira etapa

  • 30

    envolve o reconhecimento da bindina, exposta na superfície do espermatozóide,

    pelo seu receptor específico na membrana do óvulo.

    Os primeiros estudos que observaram o processo de indução da reação

    acrossômica foram feitos por Jean Dan (1952, 1954 a, b). Essa autora observou que

    a região acrossomal de espermatozóides de ouriços-do-mar e de estrelas-do-mar se

    modificava quando exposta a uma mistura de água do mar + óvulos, emitindo um

    filamento. Depois foi demonstrado que esse filamento era actina polimerizada, o

    primeiro passo necessário para o sucesso na fertilização (TILNEY et al., 1973,

    1978).

    A reação acrossômica envolve uma série de eventos: Inicialmente a enzima

    acrosina, é secretada pelos espermatozóides, e quando entra em contato com os

    óvulos, digere parcialmente a matriz gelatinosa (LEVINE et al., 1978). Assim que o

    espermatozóide tem contato com o polissacarídeo sulfatado presente na matriz

    gelatinosa do óvulo, há uma rápida hiperpolarização de sua membrana, devido à

    entrada de Ca++ e Na+, (DAN, 1954; SCHACKMANN et al., 1978), seguido de uma

    despolarização causada pela saída de K+ e H+. (SCHACKMANN et al., 1978, 1981).

    Em 1974, Yanagimachi & Usui postularam que o influxo de cálcio representa o

    primeiro sinal de indução da reação acrossômica, uma vez que leva a uma posterior

    saída de H+, aumentando o pH intracelular no espermatozóide em cerca de 0,25

    unidades (LEE et al., 1983). Este evento ocasiona a polimerização da actina,

    formando filamentos que vão constituir o processo acrossomal, e expondo a bindina

    para se ligar ao óvulo (TILNEY et al.,1978).

    Mesmo após a reação acrossômica estar completa, o Ca++ continua a se

    acumular no espermatozóide e esse perde sua capacidade de fertilização.

    (VACQUIER, 1979).

  • 31

    Foram observadas outras mudanças fisiológicas nos espermatozóides

    durante a reação acrossômica: Em particular um aumento de dez vezes na

    concentração de inositol trifosfato (IP3) (DOMINO & GARBERS, 1988), ativação de

    AC dependente de cálcio (WATKINS et al., 1978), que leva à um aumento de AMPc

    (GARBERS & KOPF, 1980), aumento da atividade de proteína quinase A (GARCIA-

    SOTO et al., 1991) e da óxido nítrico sintase (KUO et al., 2000). Os mesmos efeitos

    foram observados durante a ativação da motilidade e quimiotaxia, porém com uma

    separação temporal e espacial bem diferente (NEILL & VACQUIER, 2004).

    Enquanto a reação acrossômica está ocorrendo, proteases que digerem a

    matriz gelatinosa continuam sendo liberadas, permitindo que o espermatozóide a

    atravesse e possa fazer contato com a superfície do óvulo. Essa superfície consiste

    de uma membrana, com componentes específicos, denominada linha vitelínica,

    onde a bindina vai se ligar a um receptor próprio (GACHE et al., 1983; NIMAN et al.,

    1984).

    Em 1984, Podell & Vacquier encontraram uma glicoproteína de 210 - kDa nos

    espermatozóides do ouriço-do-mar S. purpuratus, que se ligava ao componente

    ativo da matriz gelatinosa. Várias evidências obtidas por esses autores indicaram

    que esta glicoproteína é o provável receptor da fucana sulfatada. Anticorpos contra

    essa proteína bloqueiam a entrada de cálcio e conseqüentemente a reação

    acrossômica. Porém, foi somente em 1996 que Moy e colaboradores identificaram

    essa glicoproteína numa preparação de membranas de espermatozóides,

    caracterizando-a como uma proteína ligante de carboidratos, localizada em todo o

    flagelo e na região acrossomal. Esta proteína foi denominada como suREJ1 (“sea

    urchin receptor for egg jelly”). A utilização de anticorpos monoclonais para a suREJ1

    induziram a reação acrossômica em espermatozóides, e esse efeito foi inibido pelo

  • 32

    suREJ1 na forma solúvel. No momento que o polissacarídeo sulfatado liga-se ao seu

    receptor protéico na membrana plasmática dos espermatozóides, é induzida a

    abertura de dois canais de cálcio seqüenciais. O primeiro tem abertura transiente

    (GUERRERO & DARSZON, 1989), e o segundo, que se abre 5 s após o primeiro,

    mantém a concentração de cálcio intracelular elevada (GONZALES-MARTINEZ et

    al., 2001).

    Em 2002, Mengerink & Vacquier isolaram um receptor, denominado como

    suREJ3, presente somente na superfície da vesícula acrossomal, sugerindo seu

    envolvimento com a regulação da exocitose durante a reação acrossômica. É uma

    proteína com peso molecular elevado, possui 11 domínios transmembrana e sua

    localização indica função na reação acrossômica. Outra proteína, chamada de

    suREJ2, foi encontrada em espermatozóides de ouriços-do-mar por Galindo et al.,

    em 2004, mas não tem ligação com a reação acrossômica.

    A abertura dos dois canais de cálcio induzida pelo polissacarídeo sulfatado é

    de extrema importância para o sucesso da fertilização (DARSZON et al., 1999,

    HIROHASHI & VACQUIER, 2003). O segundo canal sozinho pode ser aberto por

    uma forma hidrolisada e de menor peso molecular do polissacarídeo sulfatado, mas

    a reação acrossômica não acontece (HIROHASHI & VACQUIER, 2002b). Esse

    polissacarídeo sulfatado com o peso molecular reduzido não induz o aumento no

    pHi, que é o sinal para a abertura do segundo canal de cálcio (NEILL & VACQUIER,

    2004). Existem evidências de que o segundo canal é do tipo “SOC” (store operated

    channels), ou seja, funciona a partir da mobilização de estoques internos de cálcio

    (HIROHASHI & VACQUIER, 2003). Por exemplo, o aumento na concentração de IP3

    (DOMINO & GARBERS, 1988), em resposta ao polissacarídeo sulfatado, leva a uma

    liberação de cálcio de estoques internos. A abertura desse canal sozinho pode levar

  • 33

    à exocitose do processo acrossomal, mas não à reação acrossômica completa

    (HIROHASHI & VACQUIER, 2003).

    Um glicoconjugado rico em ácido siálico, também um componente presente

    na matriz gelatinosa, potencializa a reação acrossômica: Sozinho esse composto

    não induz a reação acrossômica, mas pode potencializá-la junto com o

    polissacarídeo sulfatado, através da elevação do pHi, mas sem aumentar a

    concentração de Ca++. O aumento apenas do pHi não leva à reação acrossômica

    completa. Ainda não se identificou um receptor no espermatozóide capaz de ligar ao

    glicoconjugado rico em ácido siálico (HIROHASHI & VACQUIER, 2002c).

    Resumindo, a reação acrossômica em espermatozóides de ouriços-do-mar é

    induzida pelo polissacarídeo sulfatado presente na matriz gelatinosa do óvulo

    (ALVES et al., 1997; ALVES et al.,1998; VACQUIER & MOY,1997; VILELA-SILVA et

    al.,1999; VACQUIER et al., 1997) e é acompanhada pela mudança da

    permeabilidade da membrana a íons. Todas essas mudanças, assim como a reação

    acrossômica, podem ser inibidas por antagonistas do canal de cálcio, como D-600,

    verapamil e diidropiridinas (DIXON et al., 1986; NATHANS & HOGNESS 1984) e por

    bloqueadores do canal de potássio (KRIKOS et al., 1985).

    3.1.3 Espécie-especificidade na fertilização dos ouriços-do-mar

    Diferentes espécies de ouriços-do-mar vivem no mesmo habitat. Como são

    animais que lançam seus gametas ao mar, a possibilidade de ocorrer uma

    fertilização cruzada, com formação de embriões híbridos, seria muito grande. Isso

    não ocorre, ou ocorre muito raramente, devido aos mecanismos específicos de

    interação entre as moléculas dos gametas, que regulam esse reconhecimento.

  • 34

    Um nível importante de reconhecimento entre as moléculas desses gametas é

    a indução da reação acrossômica, que é o primeiro contato efetivo entre os

    gametas. Nessa etapa, a molécula responsável pela espécie-especificidade na

    fertilização é o polissacarídeo sulfatado, presente na matriz gelatinosa que recobre

    os óvulos (MULLOY et al., 1994; ALVES et al., 1997, 1998; VACQUIER & MOY,

    1997; VILELA-SILVA et al., 1999).

    Em nosso laboratório foram realizados importantes trabalhos sobre a espécie-

    especificidade na fertilização de ouriços-do-mar. Nos estudos iniciais (ALVES et al.,

    1997) foi determinada a estrutura dos polissacarídeos sulfatados de três espécies

    distintas de ouriços-do-mar, e observado que esse polímero induzia a reação

    acrossômica de maneira espécie-específica. Em todos os ensaios realizados só foi

    observada a indução da reação acrossômica em espermatozóides com o

    polissacarídeo homólogo e nunca com o heterólogo.

    Em 1998, nosso grupo relatou a existência de duas fucanas sulfatadas,

    estruturalmente distintas, na matriz gelatinosa da espécie Strongylocentrotus

    purpuratus. Ao serem testadas como indutores da reação acrossômica verificamos

    que ambas possuíam potência semelhante em induzir a reação acrossômica em

    espermatozóides homólogos. Porém, o fato de existirem dois polissacarídeos

    sulfatados aumenta o nível de complexidade no processo de reconhecimento celular

    entre os gametas de diferentes espécies de ouriços-do-mar (VACQUIER, 1997).

    Outra espécie do gênero Strongylocentrotus também teve seu polissacarídeo

    caracterizado. Trata-se da fucana sulfatada do Strongylocentrotus franciscanus, que

    também é composta por resíduos de fucose, totalmente sulfatados na posição 2,

    unidos por ligações 1→3, sendo a estrutura mais simples já descrita (Fig. 1F)

    (VILELA-SILVA et al., 1999).

  • 35

    As fucanas sulfatadas dessas três espécies - S. purpuratus, S. franciscanus e

    L. variegatus tiveram sua capacidade em induzir a reação acrossômica testada,

    tanto em espermatozóides homólogos quanto em heterólogos. Também para essas

    espécies foi verificada a espécie-especificidade da reação acrossômica, uma vez

    que não houve reação significativa em cruzamentos heterólogos. Essas

    observações comprovam que os polissacarídeos sulfatados realmente agem como

    uma barreira para evitar os cruzamentos heteroespecíficos (VILELA-SILVA et al.,

    1999).

    Posteriormente foram caracterizadas as fucanas sulfatadas das espécies de

    ouriços-do-mar Strongylocentrotus droebachiensis e Strongylocentrotus pallidus

    (VILELA-SILVA et al., 2002). A fucana sulfatada de S. pallidus é composta por

    unidades tetrassacarídicas repetitivas de fucose sulfatada, unidas por ligação

    glicosídica 1→3, sulfatada na posição 2 dos dois primeiros resíduos e na posição 4

    dos dois resíduos seguintes (Fig 1G). Já a espécie S. droebachiensis possui dois

    isotipos de fucanas sulfatadas, estruturalmente distintos. Um deles é composto por

    unidades monossacarídicas repetitivas, sulfatada na posição 2 e unidas por ligação

    glicosídica do tipo 1→4 (fucana sulfatada II) (Fig. 1G). A outra é formada por

    unidades tetrassacarídicas repetitivas de fucose sulfatada, unidas por ligação

    glicosídica 1→4 e sulfatada na posição 2 dos dois primeiros resíduos (fucana

    sulfatada I) (Fig. 1B). As fêmeas de S. droebachiensis foram analisadas

    individualmente, e cada uma possui apenas um dos dois isotipos observados.

    Notamos dois fatos muito interessantes nessa espécie. As fêmeas de ouriços-

    do-mar provenientes do Oceano Atlântico possuem apenas um dentre os dois

    isotipos observados (fucana sulfatada I), enquanto aquelas do Oceano Pacífico

    podem apresentar os dois isotipos. A fucana sulfatada I de S. droebachiensis é

  • 36

    estruturalmente idêntica à fucana sulfatada encontrada na espécie A. lixula (ALVES

    et al.,1997). Contudo, essas espécies não vivem nas mesmas regiões e ainda são

    distantes milhões de anos na escala evolutiva.

    Para uma análise mais detalhada do mecanismo específico de

    reconhecimento espermatozóide-óvulo, foram feitos experimentos observando a

    indução da reação acrossômica entre espécies de diferentes gêneros que possuem

    fucanas sulfatadas com cadeias sacarídicas unidas por ligação 1→3, e apresentam

    diferenças pouco expressivas no padrão de sulfatação (VILELA-SILVA et al., 1999).

    Uma das espécies utilizada foi S. franciscanus, cuja fucana é constituída por

    unidades totalmente sulfatada na posição 2 e unidas por ligações 1→3, Nos testes

    de indução da reação acrossômica em espermatozóides de S. franciscanus, usando

    a fucana sulfatada homóloga ou heterólogas, observou-se uma especificidade

    variável de acordo com a extensão de sulfatação na posição 2 (VILELA-SILVA et al.,

    1999). Quando se utilizava espermatozóides de S. purpuratus, notou-se uma

    especificidade bem mais restrita, dependente do grau de sulfatação na posição 4.

    Assim, a potência em induzir a reação acrossômica depende claramente da

    extensão de sulfatação nas posições 2 e 4 dos resíduos de fucose.

    Portanto, a estrutura do polissacarídeo sulfatado, incluindo a posição da

    ligação glicosídica, o sítio de sulfatação e o tipo de açúcar constituinte são requisitos

    importantes para o reconhecimento entre os gametas. As variações nessas

    estruturas caracterizam uma barreira que limita os cruzamentos inter-específicos.

    Porém, não podemos excluir que outras moléculas também estejam envolvidas no

    processo de fertilização e contribuam para a espécie-especificidade da fertilização

    nesses invertebrados.

  • 37

    3.1.4 Interação entre bindina e seu receptor na superfície do óvulo

    A bindina é uma proteína de aproximadamente 30,5 kDa localizada nos

    grânulos acrossomais dos espermatozóides de ouriços-do-mar. Foi isolada

    inicialmente de espermatozóides de S.purpuratus (VACQUIER & MOY,1977). Essa

    proteína têm muitas funções na fertilização, especialmente promovendo a ligação do

    espermatozóide ao óvulo através de um receptor transmembrana. Na forma solúvel,

    a bindina induz a fosforilação de resíduos de tirosina da porção citoplasmática do

    receptor, e medeia a fusão entre os gametas (GLABE, 1985 a, 1985 b; METZ et al.,

    1994). A clonagem e o seqüenciamento da bindina de diferentes espécies

    mostraram que ela possui um domínio central conservado, circundada por domínios

    carboxi-terminal e amino-terminal, que são altamente divergentes entre as diferentes

    espécies (HOFMAN & GLABE, 1994). Uma região de 18 aminoácidos desse core

    (denominada como B18) consegue fundir vesículas lipídicas in vitro, sugerindo que

    essa região deve ser a responsável pela fusão das membranas (ULRICH et al.,

    1999). A bindina só foi encontrada em equinóides. Nenhuma molécula homóloga foi

    identificada em outro organismo (VACQUIER, 1998). Em contraste com o core, o

    restante da molécula é bem variável entre as espécies, inclusive no tamanho da

    molécula. O ouriço-do-mar Diadema antillarum possui a bindina com maior peso

    molecular, constituído por 418 aminoácidos. A espécie Encope stokesii

    (popularmente conhecido como bolacha do mar), possui a bindina com o peso

    molecular mais reduzido, constituído por 193 aminoácidos (ZIGLER & LESSIOS,

    2003). Acredita-se que essa variação na estrutura da bindina é resultante da seleção

    natural e da diversidade entre as espécies. A bindina existe há 250 milhões de anos

    (ZIGLER & LESSIOS, 2003).

  • 38

    Após a indução da reação acrossômica, essa proteína é exposta na superfície

    do espermatozóide e se liga a um receptor presente na superfície do óvulo. Alguns

    trabalhos mostraram que a bindina se liga também a polissacarídeos sulfatados de

    uma forma espécie-inespecífica. Essa proteína interage igualmente com fucanas

    sulfatadas e com glicosaminoglicanos, tais como heparina e condroitim sulfato

    (GLABE et al.,, 1982), além de interagir com um polímero sintético de polivinil

    sulfato, que não apresenta estrutura de carboidrato (ROBERTS et al., 1986).

    Portanto, esses resultados indicam que a presença de éster sulfato é fundamental

    para a interação da bindina com polissacarídeos sulfatados, mas sem requisitos

    estruturais específicos.

    Muitos estudos já foram realizados na tentativa de determinar a estrutura do

    receptor para a bindina. Por exemplo, em 1977, Vacquier & Moy isolaram uma

    glicoproteína da superfície dos óvulos de S. purpuratus, que se ligava à bindina,

    inibindo a fertilização. Posteriormente observou-se que esse “receptor” era de fato

    um glicoconjugado de alto peso molecular, com propriedades semelhantes a um

    proteoglicano (ROSSIGNOL et al., 1981, 1984b). A purificação dessa molécula era

    difícil devido a sua baixa solubilidade. A solução foi remover alguns componentes,

    reduzindo os glicoconjugados de alto peso molecular a glicopeptídeos. Os

    fragmentos obtidos se ligavam aos espermatozóides de diferentes espécies que

    haviam sofrido reação acrossômica (ROSSIGNOL et al., 1984b). Os autores

    concluíram que o teor de carboidratos presente nesse receptor age como elemento

    adesivo, enquanto a cadeia polipeptídica confere a espécie-especificidade de fato

    (RUIZ BRAVO & LENNARZ, 1986,1989).

    Em 1995, Ohlendieck & Lennarz caracterizaram um receptor para

    espermatozóides nos óvulos de S. purpuratus. Essa molécula contém um pequeno

  • 39

    domínio citoplasmático carboxi-terminal, um ou mais domínio transmembrana, e um

    domínio extracelular relativamente grande, onde se localiza a região de ligação à

    bindina (FOLTZ & LENNARZ, 1993). A glicoproteína intacta é composta de

    aproximadamente 70% de carboidratos, consistindo de galactosamina, galactose,

    glucosamina, manose e fucose (OHLENDIECK et al., 1993). As cadeias

    oligossacarídicas são sulfatadas, algumas N- ligadas e outras O- ligadas à cadeia

    protéica.

    Provavelmente, a interação entre a bindina dos espermatozóides e seu

    receptor na superfície do óvulo envolva duas etapas. Inicialmente, ocorre uma

    interação eletrostática da bindina com seu receptor, mediada pelas cadeias

    oligossacarídicas sulfatadas, seguida por uma interação altamente específica,

    envolvendo a cadeia polipeptídica (OHLENDIECK & LENNARZ, 1995). A ligação

    estável dessas moléculas requer a manutenção de altos níveis internos de ATP no

    espermatozóide (HIROHASHI & LENNARZ, 1998). Isso explica a perda da

    capacidade de fertilizar do gameta logo após a indução da reação acrossômica.

    Em 1996, Ohlendieck & Lennarz observaram que, logo após a ligação do

    espermatozóide ao óvulo, o receptor da bindina era rapidamente degradado.

    Simultaneamente uma isoforma solúvel era liberada no espaço perivitelínico durante

    a reação cortical, sendo subseqüentemente degradada. Assim, logo após uma

    fertilização bem sucedida, o rápido decréscimo do receptor pode complementar o

    bloqueio da poliespermia, iniciado pela despolarização da membrana. A ligação do

    excesso de espermatozóides ao receptor na forma solúvel, no espaço perivitelínico,

    previne a interação entre os gametas na membrana plasmática do óvulo, abolindo

    assim a poliespermia.

  • 40

    Objetivos

    O enfoque dessa tese está no estudo dos polissacarídeos sulfatados de

    ouriços-do-mar. Assim, pretendemos:

    1) Analisar o efeito das fucanas e das galactanas sulfatadas, presentes na

    matriz gelatinosa que envolve os óvulos de ouriços-do-mar, como indutores da

    reação acrossômica. Pretendemos estabelecer os requisitos estruturais que

    influenciam o reconhecimento entre os gametas.

    2) Caracterizar estruturalmente um novo polissacarídeo sulfatado sazonal da

    matriz gelatinosa de L. variegatus.

    3) Caracterizar o polissacarídeo sulfatado presente na matriz gelatinosa da

    espécie Glyptocidaris crenularis, proveniente de Noheji Bay, Japão. Trata-se de uma

    espécie distinta de ouriço-do-mar, que habita águas profundas.

  • 41

    MATERIAIS E MÉTODOS

    Materiais

    Os ouriços-do-mar das espécies E. lucunter, L. variegatus e A. lixula foram

    coletados na Praia Vermelha, situada na Urca, Rio de Janeiro, Brasil.

    As espécies S. droebachiensis, S. pallidus, S. purpuratus e S. franciscanus

    foram coletadas em Friday Harbor, W.A., U.S.A, através de colaboração com a Dra

    Christiane Biermann de Friday Harbor Laboratories, University of Washington. Os

    experimentos de fertilização envolvendo espermatozóides dessas espécies foram

    realizados pela Dra Christiane H. Biermann. A espécie G. crenularis foi coletada em

    Noheji Bay, Japão, através de colaboração com o Dr. Noritaka Hirohashi.

    Os seguintes materiais foram utilizados:

    Agarose, acetato de sódio, ácido sulfúrico, ácido acético, AgNO3, albumina

    sérica bovina, azida sódica, azul de toluidina, BaCl2, borohidreto de sódio, butanol,

    CaCl2, cisteína, CETAVLON, D2O, DAPI (SIGMA), DEAE-celulose, Dimetil azul de

    metileno (DMB), DMSO, Dowex 50W, EDTA, etanol absoluto, faloidina (Alexa 488

    Molecular Probes), fenol, FURA-2 AM (Molecular Probes), gliceraldeído, glicina,

    Hepes, inibidor de tripsina de soja, KCl, membrana de diálise, L-galactose e D-

    galactose (SIGMA), metanol, NaOH, NaCl, MgSO4.7H2O, NH4OH , papaína, p-DAB,

    papel de cromatografia 1mm DE-52 da Whatman, paraformaldeído, PBS (SIGMA),

    piridina, 1,3 diaminopropano, rodamina (R415 Molecular Probes), TFA, Tris,

    vermelho de cresol.

  • 42

    Métodos

    1) Extração da matriz gelatinosa dos óvulos de ouriços-do-mar

    Os ouriços-do-mar foram coletados e colocados sobre placas de Petri, com a

    porção ventral voltada para cima. Em cada invertebrado foram injetados 0,5-1 mL de

    KCl 0,5 M para induzir a liberação dos gametas. Os machos e as fêmeas

    identificados através da coloração dos gametas liberados. Os óvulos foram então

    recolhidos, e tiveram sua matriz gelatinosa - o "egg jelly" - separados através de um

    choque de pH e liofilizados (VACQUIER & MOY,1997). Os espermatozóides eram

    coletados e mantidos em tubos de vidro em gelo, sem diluição até o momento de

    serem usados.

    2) Extração dos polissacarídeos da matriz gelatinosa dos óvulos dos

    ouriços-do-mar

    A matriz gelatinosa liofilizada de cada espécie de invertebrado foi hidratada

    com tampão de digestão (acetato de sódio 100 mM, 5 mM cisteína, 5 mM EDTA pH

    5,0), durante 24 h a 4°C. Logo após, adicionou-se papaína (Merck), na proporção de

    10% do peso seco inicial, incubando a mistura por 24 h a 60°C, em um recipiente

    vedado. Esse material foi então centrifugado por 10 min a 3500 rpm; o sobrenadante

    foi recolhido e o precipitado ressuspendido em água destilada para nova

    centrifugação nas mesmas condições. Esse novo sobrenadante foi adicionado ao

    primeiro. Logo após, os polissacarídeos presentes nos sobrenadantes foram

    precipitados com 3 volumes de etanol, mantendo-se o material a - 20°C por 24 h. O

  • 43

    precipitado foi recolhido por centrifugação, e seco a vácuo por 24 h (ALBANO &

    MOURÃO, 1986). Esse material foi denominado como “polissacarídeos totais”.

    3) Purificação dos polissacarídeos sulfatados

    Cerca de 50 mg dos polissacarídeos totais, extraídos da matriz gelatinosa de

    cada espécie de ouriço-do-mar, foram solubilizados em acetato de sódio 0,05 M pH

    5,0, e aplicados numa coluna DEAE celulose, e eluídos através de um gradiente

    linear de NaCl, variando entre 0-3,0 M e 0-4M de NaCl, dependendo da espécie.

    Foram coletadas frações de 2,5 mL, sendo todas monitoradas por metacromasia

    com DMB, que permite determinar a presença de polissacarídeo sulfatado, e pela

    reação para ácido siálico (KABAT & MAYER, 1971). A concentração de NaCl foi

    estimada por condutividade.

    Também usamos outra coluna de troca iônica, uma Mono-Q acoplada a um

    sistema de FPLC (HR5/5) equilibrada em tampão Tris-HCl 20mM, pH 8.0. Foram

    coletadas frações de 0,5 mL, e analisadas por metacromasia com DMB, reação de

    Erlich para ácido siálico (Kabat & Mayer, 1971) e dosagem de hexoses totais pelo

    método do fenol/ácido sulfúrico (Dubois, 1956). A concentração de NaCl foi estimada

    por condutividade. A preferência por uma coluna ou outra se deve às vantagens de

    cada uma. A Mono-Q permite um resultado mais analítico, enquanto a DEAE-

    celulose permite a purificação de uma quantidade maior de polissacarídeos

    sulfatados.

    4) Hidrólise ácida forte

  • 44

    Os polissacarídeos sulfatados (1 mg) foram solubilizados em 200 µL de água

    destilada e então misturados com o mesmo volume de TFA, para obter uma

    concentração final de 6 M. Os tubos vedados foram colocados a 100°C por 5 h.

    Terminada a reação, o material foi lavado três vezes com 400 µL de água destilada,

    no evaporador rotativo, e seco em dessecador a vácuo.

    5) Eletroforese em gel de agarose

    As amostras de polissacarídeos sulfatados foram analisadas por eletroforese

    em gel de agarose. Para esta metodologia, os polissacarídeos sulfatados purificados

    foram diluídos em água destilada (5 mg/mL) e amostras de 5 µL foram aplicadas em

    gel de agarose 0,5% , preparado em 1,3-propilenodiamino-acetato 0,5 M (pH 9,0)

    (Vieira,1991; Alves,1997). Após a eletroforese por 1 h a 100 V numa cuba horizontal,

    os polissacarídeos no gel foram precipitados com uma solução a 0,5 % de

    CETAVLON em água. O gel foi então seco e corado com azul de toluidina 0,1 % em

    ácido acético: etanol: água (0,1:5:5, v/v).

    6) Cromatografia de açúcares em papel

    As amostras obtidas da hidrólise ácida (cerca de 10 µg de açúcar) foram

    aplicadas em uma folha de papel Whatman 1MM, juntamente com padrões de

    fucose, glucose, galactose e manose. O cromatograma foi colocado em uma cuba

    descendente, com 200 mL de butanol: piridina: água (3:2:1,5 v/v ) como solvente.

    Após 48 h, o cromatograma foi seco, em capela ventilada por 24 h, e revelado com

    AgNO3.

  • 45

    7) Detecção dos isômeros de açúcares (D e L)

    Foram utlizados cerca de 1 mg de cada açúcar analisado para configuração D

    ou L, que foram: padrão de D galactose, padrão de L galactose e o polissacarídeo

    sulfatado purificado de G. crenularis. Cada amostra foi dissolvida em uma gota de

    TFA e 0,5 ml de octanol, sendo então colocados em banho quente a 130° C por 24

    h. Após esse tempo as amostras foram evaporadas em evaporador rotatório e

    acetiladas.

    Acetilação de açúcares reduzidos para análise em cromatografia líquida em

    fase gasosa

    Cerca de 100 µg de monossacarídeos derivados do polissacarídeo sulfatado

    foram misturados com 2 ml de NH4OH 0,5 M e 10mg de borohidreto de sódio, por 1

    h à temperatira ambiente. Foi adicionado ácido acético glacial à reação e então o

    material foi seco e lavado três vezes com 1 ml de metanol e mantido por 30 min. em

    dessecador. Em seguida, foram adicionados 0,5 ml de anidrido acético: piridina (1:1,

    v/v), mantendo a 100°C por 1 h. A reação foi interrompida com a adição de 2 ml de

    clorofórmio e lavado três vezes com 2 ml de águas destilada. O extrato desse

    material foi passado em coluna de NaSO4 anidro, com aproximadamente 8 cm de

    altura. O material foi seco e mantido a vácuo por 24 h para análise por cromatografia

    em fase gasosa (Tinjetor = 230°C; Tdetector = 250°C; T0 = 110°C; Tf =250°C; V =

    2°C/min

    8) Dessulfatação

  • 46

    O polissacarídeo sulfatado obtido de G. crenularis foi submetido ao processo

    de dessulfatação, como descrito por Nagasawa (1979). A primeira etapa do

    procedimento consta da preparação do sal piridinum. A amostra foi dissolvida em

    água destilada. A esta solução foi adicionado DOWEX 50 W X 8 (H=, 50-100 mesh)

    a 4°C, até atingir o pH 1,0. Após a decantação da resina, o sobrenadante foi

    neutralizado com piridina e liofilizado, originando o sal piridinum. Esse sal foi

    dissolvido em 3 mL de DMSO, contendo 10% de metanol, e a solução mantida a

    80°C por 5 h. Em seguida, os tubos foram colocados em banho de gelo, diluídos

    com 3 mL de água destilada e o pH ajustado para 9,0-9,5 por adição de NaOH 1N. A

    mistura foi dialisada contra água destilada por aproximadamente 20 h e depois

    liofilizada.

    9) Ressonância Magnética Nuclear

    Os espectros foram obtidos em um espectrômetro Bruker DRX 600 MHz,

    utilizando um probe de ressonância tripla de 5 mm. Utilizou-se de 1,5 a 10 mg de

    amostra de polissacarídeos dissolvidos em 0,5 a 0,7 mL de D2O 99,9%. Os

    experimentos foram realizados a 60° C, com supressão de HDO por pré-saturação.

    Os experimentos realizados foram o espectro unidimensional (detecção direta de 1H

    ou 13C), espectro bidimensional HMQC (“Heteronuclear Multiple Quantum

    Coherence”) editado para 13 C, 1H/1H TOCSY (“Total Correlation Spectroscopy”),

    COSY (“Correlation Spectroscopy”) e NOESY (“Nuclear Overhauser Enhacements

    Spectroscopy”).

  • 47

    10) Ensaios de Fertilização

    Os ensaios de fertilização usando as espécies S. droebachiensis, S. pallidus e

    S. purpuratus foram realizados em colaboração com a Dra Christiane Biermann, de

    Friday Harbor Laboratories. Os ouriços-do-mar foram induzidos a liberar seus

    gametas através de injeção intra-celômica de KCl 0,55 M. O esperma foi coletado,

    sem diluição, e guardado em banho de gelo. Os óvulos foram guardados em água

    do mar filtrada, à temperatura ambiente. Para obter a matriz gelatinosa, os óvulos

    foram colocados em um filtro Nitex, e lavados diversas vezes. Esse procedimento

    separa a matriz gelatinosa, que fica precipitada. A diluição inicial dos

    espermatozóides foi de 1:10000, sendo então subseqüentemente diluídos na

    proporção de 1:4 por mais 4 vezes. Depois da diluição, os espermatozóides foram

    adicionados a uma solução contendo água do mar e a matriz gelatinosa (volume

    final 500 µL). O sucesso da fertilização foi determinado através da contagem de

    óvulos que estavam clivando, ou através da visualização do aumento do envelope

    vitelínico. Para cada análise foram observados de 200 - 300 óvulos.

    Os ensaios de fertilização usando as espécies E. lucunter, A. lixula e L.

    variegatus foram realizados com espermatozóides das três espécies e óvulos de

    cada uma das três espécies. Os ouriços-do-mar eram induzidos a liberar os gametas

    (ver item 1 métodos), e estes eram coletados sem diluição. Ambos eram guardados

    em tubos de ensaio de vidro, no gelo, e utilizados poucos minutos após a liberação.

    Para cada ensaio eram usados 400 µL da suspensão de óvulos + 100 µL de

    espermatozóides + 3,0 mL de água do mar artificial, pH 8,0. A mistura era deixada

    no gelo, sendo agitada em vórtex a cada 2 min. Após 8 min., retirava-se 30 µL da

    solução espermatozóides+óvulos que era aplicada em lâmina de microscopia,

  • 48

    fechada com lamínula. Procedia-se então a observação por microscópia óptico com

    aumento de 20X. Em cada lâmina eram contados entre 200-300 óvulos.

    11) Ensaios de reação acrossômica

    Os espermatozóides das espécies do gênero Strongylocentrotus foram

    diluídos 1:10 em tampão HEPES 10 mM, pH 7,9, a 9°C. 50 µL da solução de

    espermatozóides eram adicionados a 100 µL de solução teste (matriz gelatinosa ou

    fucana sulfatada purificada). A reação era interrompida após 5 min. com a adição de

    750 µL de paraformaldeído. Após 30 minutos os espermatozóides eram lavados com

    500 µL de PBS (Sigma) e mantido sob agitação por pelo menos 30 minutos com 1

    unidade de faloidina (Alexa 488, Molecular Probes). Depois eram adicionados 20 µL

    da solução de anticorpo anti-bindina, obtido de coelho (fornecido pelo Dr. Victor

    Vacquier). Os espermatozóides eram então lavados por duas vezes, tendo seu

    precipitado final ressuspendido em 20-50 µL de PBS, e montados em lâminas de

    vidro, cobertas por lamínula. A observação das lâminas foi realizada em um

    microscópio confocal (Nikon 60x PlanApo 1.4 NA), utilizando simultaneamente

    canais de luz verde (faloidina) e vermelho (anti-bindina).

    Para os espermatozóides das espécies A. lixula, E. lucunter e L. variegatus

    foram feitas algumas alterações do método anterior. Os espermatozóides foram

    coletados e guardados no gelo, sem diluição. No momento do experimento eram

    diluídos 1:5 em tampão HEPES (10 mM, pH 7,9) preparado em água do mar

    artificial. 25 µL da suspensão de espermatozóides eram adicionados a 50 µL de

    solução contendo matriz gelatinosa, fucanas ou galactanas sulfatadas, cujo teor de

    hexose havia sido determinado previamente pelo ensaio de fenol-ácido sulfúrico

  • 49

    (Dubois, 1956). Após 5 min. no gelo, os espermatozóides eram fixados com 350 µL

    de paraformaldeído 3,7% preparado em água do mar artificial. Após 30 min, os

    espermatozóides eram lavados duas vezes seguido de centrifugação a 5000 g por 5

    min. com PBS. Posteriormente os espermatozóides foram marcados com 1U

    rodamina (Molecular Probes R415, Invitrogen Corporation, Carlsbad, CA) por duas

    horas, em uma solução 0,1 M de glicina, 1mg/mL albumina sérica bovina, azida

    sódica, 0,02% pH 7,4. As células eram então lavadas duas vezes com 500 µL de

    PBS, incubados por 6 min com 30 µL de DAPI 0,5%, lavados mais duas vezes com

    500 µL de PBS e ressuspendidos em uma solução 30% de gliceraldeído 70% em

    PBS. As lâminas eram montadas, e cobertas por lamínula. Os espermatozóides

    foram contados usando um microscópio Zeiss Axioskop 2 plus fluorescente. As fotos

    foram adquiridas com um microscópio confocal Zeiss LSM 510 Meta (Jeha,

    Alemanha). Foram observados simultaneamente os canais vermelho (faloidina) e

    azul (DAPI).

    12) Medida da captação de cálcio

    Os ouriços-do-mar foram coletados e induzidos a liberar seus gametas

    através da injeção intra-celômica de KCl 0,55 M, como descrito no item 1 dessa

    seção. Os espermatozóides foram recolhidos sem diluição, e lavados por duas

    vezes com água do mar artificial. Logo após foram diluídos 5x com água do mar

    artificial + inibidor de tripsina de soja + FURA-2 AM (Molecular Probes) a uma

    concentração final de 12 µM. A solução foi incubada por 4 h, no escuro e a 4°C.

    Após a incubação, os espermatozóides foram novamente lavados 2x com água

    do mar artificial. Esses procedimentos nos permitiram obter amostras de

  • 50

    espermatozóides de ouriços-do-mar preenchidos com o “probe” FURA-2 AM.

    Essas amostras (50 µL) foram diluídas com 1,5 mL de água do mar artificial, e

    foram analisadas em um fluorímetro, da seguinte maneira: 50 µl da solução final

    de espermatozóides + 1,5 ml de água do mar. Alguns segundos após o início da

    leitura de fluorescência da solução de espermatozóides marcados, a solução

    teste era adicionada (concentração final de hexose 100 µg/mL para todos os

    polissacarídeos sulfatados testados), e observava-se a alteração do sinal de

    fluorescência. O aumento é indicativo da entrada de cálcio no espermatozóide,

    portanto indica o reconhecimento do espermatozóide pelo polissacarídeo

    sulfatado. As espécies A. lixula e E.lucunter foram analisadas em um fluorímetro

    FP-6300 da Jasco, enquanto L. variegatus foi analisado em um fluorímetro F-4500

    Hitachi. Essa diferença se deu somente por questões técnicas. O método usado

    foi ligeiramente modificado de Hirohashi &Vacquier, 2002a.

    A metodologia usada permite monitorar o aumento da concentração interna

    de cálcio que ocorre nos espermatozóides antes da reação acrossômica induzida

    pelos polissacarídeos sulfatados. A leitura era feita com excitação em 340 nm e

    emissão em 500 nm.

  • 51

    Resultados e Discussão

    Capítulo 1) A espécie-especificidade da fertilização nos ouriços-do-mar é

    assegurada pela estrutura de polissacarídeos sulfatados

  • 52

    1) A importância da sulfatação e da ligação glicosídica

    no reconhecimento entre gametas

    Em trabalho prévio realizado pelo nosso grupo (VILELA-SILVA et al., 2002),

    caracterizamos as estruturas das fucanas sulfatadas presentes na matriz gelatinosa

    dos óvulos das espécies de ouriços-do-mar S. droebachiensis e S. pallidus.

    Na espécie S. droebachiensis observamos a presença de dois

    polissacarídeos estruturalmente distintos. Ambos são formados por resíduos de

    fucose sulfatada, unidos por ligação glicosídica 1→4, sendo que um deles é formado

    por unidades tetrassacarídicas repetitivas, com sulfato na posição 2 dos dois

    primeiros resíduos (fucana sulfatada I, Fig. 4); o outro é formado por unidades

    monossacarídicas repetitivas, unidas por ligação 1→4 e sulfatadas na posição 2

    (fucana sulfatada II), (Fig. 4). Analisando a matriz gelatinosa das fêmeas coletadas

    no Oceano Pacífico verificamos que cada uma delas possui um dos dois isotipos

    descritos, enquanto na população proveniente do Oceano Atlântico só observamos

    um deles.

    A espécie S. pallidus também possui um polissacarídeo formado por resíduos

    de fucose sulfatada, contendo unidades tetrassacarídicas repetitivas, formadas por

    ligações do tipo 1→3, com sulfato na posição 2 dos dois primeiros resíduos e na

    posição 4 dos dois seguintes (Fig. 4).

    Como já foi mencionado na Introdução dessa tese, o polissacarídeo sulfatado

    presente na matriz gelatinosa do óvulo dos ouriços-do-mar é o responsável pela

    indução da reação acrossômica, evento fundamental para que o espermatozóide se

    ligue e possa se fundir ao óvulo. Como são animais que liberam seus gametas na

  • 53

    água do mar e diferentes espécies coabitam o mesmo ambiente, é fundamental que

    haja um mecanismo que impeça o cruzamento heterólogo. Já foi demonstrado que a

    estrutura desses polissacarídeos sulfatados é fundamental para a espécie-

    especificidade da fertilização (ALVES et al., 1997; ALVES et al.,1998; VACQUIER &

    MOY, 1997; VILELA-SILVA et al., 1999). Contudo ainda não foi estabelecido qual o

    principal componente estrutural da molécula que é responsável pela regulação da

    indução da reação acrossômica. Seria o padrão de sulfatação, o tipo de ligação

    glicosídica ou o açúcar constituinte?

    Para avaliar essa questão estudamos a fertilização entre três espécies

    correlacionadas, S. droebachiensis, S. pallidus e S. purpuratus. Nos cruzamentos

    homólogos foi observado um alto índice de fertilização, como era esperado. Nos

    cruzamentos heterólogos notamos alta espécie-especificidade (Fig. 5A).

    Os espermatozóides das três espécies foram posteriormente incubados com

    a matriz gelatinosa homóloga, e então colocados em contato com óvulos

    heterólogos (Fig. 5B). Com isto, os espermatozóides encontram-se previamente

    reagidos, ultrapassando a etapa de reconhecimento da reação acrossômica.

    Surpreendentemente, houve fertilização cruzada entre as espécies S.

    droebachiensis e S. pallidus, mas não com S. purpuratus. O que podemos concluir

    desse experimento é que a reação acrossômica induzida pela matriz gelatinosa das

    espécies S. droebachiensis e S. pallidus é fundamental para a espécie-

    especificidade entre estas duas espécies, mas não para S. purpuratus. Neste caso,

    mesmo quando os espermatozóides foram pré-reagidos com a própria matriz

    gelatinosa, não conseguiram fecundar óvulos heterólogos. Provavelmente essa

    especificidade deve estar relacionada com a interação bindina-óvulo.

  • 54

    Figura 4 – Estruturas químicas dos polissacarídeos sulfatados de ouriços-do-mar.

  • 55

    Com o objetivo de confirmarmos esses resultados, incubamos os

    espermatozóides dessas espécies com a matriz gelatinosa homóloga e heteróloga, e

    usamos microscopia de fluorescência para observar a ocorrência de reação

    acrossômica. Esse experimento foi possível usando a dupla marcação com

    anticorpos anti-actina e anti-bindina, duas proteínas expostas após a indução da

    reação acrossômica. Como só observamos dupla marcação dos espermatozóides

    quando incubados com a própria matriz gelatinosa, podemos concluir que o evento

    de indução da reação acrossômica é realmente espécie-específica e limita a

    fertilização heteróloga (Fig. 6).

    Figura 5 – Sucesso na fertilização entre espermatozóides do gênero Strongylocentrotus antes (A) e após (B) a indução da reação acrossômica pela matriz gelatinosa homóloga.

  • 56

    Foram então realizados experimentos semelhantes com as fucanas

    sulfatadas purificadas da matriz gelatinosa que envolve o óvulo de ouriços-do-mar

    do gênero Strongylocentrotus e espermatozóides de quatro diferentes espécies: S.

    droebachiensis, S. pallidus, S. franciscanus e S. purpuratus. Esses polissacarídeos

    sulfatados diferem no padrão de sulfatação e no tipo de ligação glicosídica. Por

    exemplo, as fucanas sulfatadas de S. franciscanus e S. pallidus, ambas com ligação

    glicosídica 1→3, diferem no padrão de sulfatação: S. franciscanus é composta por

    unidades monossacarídicas repetitivas sulfatadas na posição 2 (Fig. 4), enquanto S.

    pallidus é formada por unidades tetrassacarídicas repetitivas sulfatadas na posição 2

    dos dois primeiros resíduos e na posição 4 dos dois resíduos seguintes (Fig. 4). A

    Figura 6) Imagens confocais de espermatozóides de S. droebachiensis (A e B) e de S. pallidus (C e D), após incubação com a matriz gelatinosa de S. droebachiensis ( A e C) e com a de S. pallidus (B e D). A reação positiva, indicativo de que o espermatozóide apresentou a reação acrossômica, é assegurada pela dupla marcação com o anticorpo anti-actina (em verde) e anti-bindina (em vermelho).

  • 57

    fucana II de S. droebachiensis é similar à de S. franciscanus, porém suas unidades

    são unidas por ligações 1→4, enquanto a de S. franciscanus é 1→3 (Fig. 4). S.

    purpuratus também possui dois isotipos de fucanas sulfatadas, ambas com ligação

    glicosídica 1→3, porém com padrão de sulfatação distinto. Um dos isotipos é

    constituído por unidades monossacarídicas totalmente 2-sulfatadas, mas com sulfato

    variável na posição 4. Outro isotipo é formado por unidades trissacarídicas com

    padrão regular de sulfatação (Fig. 4).

    O uso dessas fucanas sulfatadas nos permite testar a importância dos

    diversos componentes estruturais na regulação da reação acrossômica. Assim,

    espermatozóides de S. droebachiensis, S. pallidus e S. purpuratus foram incubados

    com diferentes fucanas sulfatadas purificadas, e a indução da reação acrossômica

    foi avaliada pela metodologia d