métodos de investigação empírica em sociologia

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Ernest Greenwood Métodos de investigação empírica em Sociologia A estruturação da Sociologia como disci- plina científica, e não já como simples refle- xão ensaistica sobre factos sociais mal conhe- cidos, tem obrigado os sociólogos a um grande esforço de elaboração de métodos próprios e rigorosos. Mas há que distinguir entre mé- todos teor éticos e métodos empíricos., É destes últimos que o presente artigo tenta dar uma visão de conjunto. I. INTRODUÇÃO Durante o último quarto de século, a Sociologia tem progre- dido muito no caminho da conversão em Ciência empírica. A teo- rização converteu-se numa actividade disciplinada, confinada em áreas restritas da vida social e sujeita repetidamente à prova do confronto com os factos. A maior responsabilidade do novo impulso dado a esta ten- dência cabe ao desenvolvimento de um certo número de métodos empíricos de investigação, que alguns sociólogos efectuaram. Tais métodos já anteriormente existiam sob forma embrionária; mas só recentemente e em consequência de uma ampla aplicação, foram adequadamente sistematizados. Os neófitos em Socíologia, que pre- sentemente fazem a sua preparação científica, são neles corren- N. da R. — Tradução do artigo «Los Métodos de Investigación Empírica en Sociologia», publicado na Revista Mexicana de Sociologia, vol. XXV, n.° 2, de Maio-Agosto 1963, pp. 541-574. O Autor é professor na Escola de Bem-Estar Social da Universidade de Berkeley, Califórnia, E. U. A. 818

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ErnestGreenwood

Métodosde investigação empíricaem Sociologia

A estruturação da Sociologia como disci-plina científica, e não já como simples refle-xão ensaistica sobre factos sociais mal conhe-cidos, tem obrigado os sociólogos a um grandeesforço de elaboração de métodos própriose rigorosos. Mas há que distinguir entre mé-todos teor éticos e métodos empíricos., É destesúltimos que o presente artigo tenta dar umavisão de conjunto.

I. INTRODUÇÃO

Durante o último quarto de século, a Sociologia tem progre-dido muito no caminho da conversão em Ciência empírica. A teo-rização converteu-se numa actividade disciplinada, confinada emáreas restritas da vida social e sujeita repetidamente à prova doconfronto com os factos.

A maior responsabilidade do novo impulso dado a esta ten-dência cabe ao desenvolvimento de um certo número de métodosempíricos de investigação, que alguns sociólogos efectuaram. Taismétodos já anteriormente existiam sob forma embrionária; massó recentemente e em consequência de uma ampla aplicação, foramadequadamente sistematizados. Os neófitos em Socíologia, que pre-sentemente fazem a sua preparação científica, são neles corren-

N. da R. — Tradução do artigo «Los Métodos de Investigación Empíricaen Sociologia», publicado na Revista Mexicana de Sociologia, vol. XXV,n.° 2, de Maio-Agosto 1963, pp. 541-574. O Autor é professor na Escola deBem-Estar Social da Universidade de Berkeley, Califórnia, E. U. A.

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temente treinados, por forma a adquirirem familiaridade comtodos eles e a ficarem habilitados a aplicar pelo menos um. Estacircunstância representa uma grande alteração relativamente àformação sociológica no passado e exerce profunda influência sobreos modos de pensar dos sociólogos mais jovens, os quais, como re-sultado, revelam uma muito mais disciplinada capacidade de teo-rização.

A finalidade deste artigo consiste em descrever os métodosde investigação empírica frequentemente adoptados em Sociologia,bem como em evidenciar os seus traços característicos. Começa-remos, porém, por tentar esclarecer o significado de alguns termos.

Definição de termos

Considerada do ponto de vista da diferente composição dosseus dados, a investigação pode assumir duas formas: empí-rica e bibliográfica. Numa investigação empírica, os dadosconsistem nas observações registadas, isentas ainda de análise;tais dados são depois elaborados e analisados a fim de sechegar a conclusões. Numa investigação bibliográfica, os dadossão as conclusões já publicadas, sendo estas confrontadas e orga-nizadas de forma a constituir novas sínteses. Não é difícil deter-minar qual destas ópticas é preferível. Embora uma consulta me-ticulosa da literatura especializada possa proporcionar vasta in-formação, tal informação pode carecer da importância, da segu-rança ou da actualidade desejáveis. Em contrapartida, um estudoempírico pode ser dirigido por forma muito mais eficiente, e éóbvio que dele resultarão dados bem mais actualizados. Grandeparte das publicações sociológicas dos primeiros tempos foramproduto de investigação bibliográfica e consistiram em críticasou sínteses de obras anteriores. Pelo contrário, o tipo de inves-tigação mais frequente, ultimamente, em Sociologia, é predominan-temente empírico e reflecte a mencionada inversão de ênfasena preparação dos sociólogos.

Os textos metodológicos sobre investigação empírica tendema utilizar de modo equivalente as expressões «método de investi-gação» e «técnica de investigação». O que, em sentido restrito, nãoé correcto, pois existe diferença entre método e técnica.

O método pode definir-se como um dispositivo ordenado, umprocedimento sistemático, um plano geral. A técnica é a aplicaçãoespecífica do plano metodológico e a forma especial de o executar.Utilizando uma analogia, o método é, em relação à técnica, o mesmoque a estratégia perante a táctica; a técnica encontra-se assimsubordinada ao método e é-lhe auxiliar.

De acordo com o exposto, por «método de investigação» en-tende-se o plano, o esquema ordenador, a estratégia com que o

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investigador aborda os problemas que estuda. Na Sociologia actual,existem três métodos básicos de investigação empírica, a saber:o método experimental, o método de medida e o método de casos.Os seus análogos nas ciências físicas e biológicas, são os méto-dos de laboratório, epidemiológicos e de estudo de casos.

As técnicas de investigação referem-se às manipulações fí-sicas e mentais utilizadas para a recolha e a análise dos dadosrequeridos pelo estudo. O número de técnicas disponíveis paraa observação e registo de factos sociais e para a elaboração dosdados referentes a tais factos é muito grande. Por exemplo, aamostragem, a observação participante e espectante, as provasprojectivas, a entrevista estruturada ou não-estruturada, sãooutras tantas técnicas de recolha de dados. O investigador seleociona o método de investigação adaptável ao problema em questão;e escolhe também as técnicas de investigação de modo a que estasse adaptem aos requisitos do seu método de investigação.

Neste artigo serão expostas as características dos métodosexperimental, de medida e de casos, sendo também comentados,de um ponto de vista de crítica valorativa, esses métodos, bemcomo indicadas as suas interrelações.

II. O MÉTODO EXPERIMENTAL

O método experimental é um procedimento lógico destinadoà selecção de temas, à realização de observações, à recolha dedados e à organização da evidência, tendo como objectivo compro-var a existência de uma relação causal entre dois factores, pro-cedimento conforme aos cânones de indução de J. S. MUI.

Este é o método clássico da ciência, utilizado com êxito peloscientistas físicos e biólogos, muito antes de ter sido transferidopara a Sociologia.

Embora não seja o método de investigação mais frequente-mente utilizado, é contudo o que se encontra melhor codificado,sendo de resto abundante a literatura sociológica sobre o assun-to a . O presente resumo, depende, em grande parte, dessa mesma

1 CHAPIN, Stuart, Experimental Designs in Sociológica! Research, Harper

Bros, 1955; EDWARDS, Allen L., «Experimenta, Their Planning and Execution»,in LINDSEY, Gardner (ed.), Handbook of Social Psychology, Addison-Wesley,1954; FESTINGER, Leon, «Laboratory Experiments», in FESTINGER, Leon, andKATE, Daniel (eds.), Research Methods in the Behavioral Sciences, DrydenPress, 1953; FRENCH, John R. P. Jr., «Experimente in Field Setting», inFESTINGER and KATZ, op. cit; GOODEI, William J. and HATT, Paul H., Methodsin Social Research, McGraw-Hill, 1952; JAHODA, Marie, DEUTSCH, Morton,and COOK, Stuart W., Research Methods in Social Relations, Dryden Press,1953; SELLTIZ, Claire, JAHODA, Marie, DEUTSCH, Morton and COOK, Stuart W.Research Methods in Social Relations, Holt, Rinehart & Winston, 1959.

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literatura. O método experimental distingue-se operacional-mente por três características.

Características distintivas da experimentação

Qualquer experimentação requer, pelo menos, dois con-juntos de unidades, quer se trate de indivíduos, quer de grupos,organizações ou comunidades, contanto que num deles ocorraalgo que não se verifica no outro. O contraste existente pode serdeterminado, quer pela introdução de um novo factor no conjun-to sob a forma de um estímulo externo, quer pelo facto dese apresentar um novo acontecimento no primeiro mas não nosegundo conjunto de unidades. O facto ou acontecimento quesurge num dos conjuntos de indivíduos, grupos, organizações oucomunidades, mas não no outro, designa-se alternativamente por«variável independente», «exposição», «estímulo» ou «tratamen-to». O conjunto que apresenta a variável independente é designa-do como «unidade exposta», ou «unidade experimental»; o quea não apresenta, por «unidade não-exposta», «unidade de contras-te», ou «unidade de controle».

Uma segunda característica de qualquer experimentação éconsequência da primeira, e consiste no intuito de identificar asconsequências diferenciais do contraste anteriormente descrito,a fim ide as relacionar com a presença ou ausêmcia da variávelindependente nos dois conjuntos de unidades. O facto ou aconte-cimento que se segue à variável independente dènomina-se, alter-nativamente, «variável dependente», ou «efeito do estímulo ou tra-tamento». A finalidade da investigação consiste em estabelecer sea variável dependente se encontra presente, por forma semelhan-te, nas unidades experimentais, mas está ausente das de controle,ou, pelo menos, se aparece com uma frequência relativamentemaior ou com intensidade maior nas primeiras, em comparaçãocom as últimas, do que o que poderia ser atribuído a simplesacaso. Se tal acontece, existe uma presumível relação causal entreas duas variáveis. Inferir, porém, a existência de uma causalida-de, impõe que se levem em conta dois detalhes adicionais. Um delesrelaciona-se com a ordem temporal das variáveis. A variável de-pendente é verdadeiramente precedida pela variável independente?Ou a variável dependente encontrava-se já entre as unidades ex-perimentais, antes da introdução ou da aparição da independente?A prioridade temporal da variável independente pode ser estabe-lecida tentando realizar observações, tanto «prévias» como «poste-riores», das unidades experimentais, tal como das de controle. Ooutro detalhe relaciona-se com a possível influência de outras va-riáveis importantes sobre os resultados. Será possível que algumoutro factor, que não a variável independente, seja aquele que ver-

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dadeiramente determina a relação observada, sendo por conse-guinte esta, na realidade, algo de completamente fortuito?

O último problema conduz-nos à terceira característica do mé-todo experimental, ou seja o da vigilância da influência de outroselementos susceptíveis de igualmente produzirem resultados di-ferenciais. Estes elementos relacionam-se com as característicasque apoiam ou pelo contrário inibem o efeito do tratamento asso-ciado à variável independente. Ambos os conjuntos de unidadesdeveriam, ao início, ser tão semelhantes quanto possível; semelhan-tes naquelas características designadas por anteriores investiga-ções como importantes para a variável dependente. Este objectivoé susceptível de ser atingido por meio de uma selecção prévia dasunidades a estudar, atribuindo-as seguidamente aos conjuntos ex-perimental e de controle, de modo que possa pressupor-se sem de-masiado risco, que estes conjuntos são relativamente semelhantes,ou, pelo menos, que não são sistematicamente dissemelhantes. Alémdisso, uma vez que se saiba que certas condições são susceptíveisde favorecer ou desfavorecer o aparecimento da variável depen-dente, tais condições deverão ser manejadas por forma semelhantenos dois conjuntos. Deve fazer-se também o possível para que ocondicionalismo circundante permaneça inalterado para ambos osconjuntos de unidades, durante todo o decorrer da experiência.As variáveis em atenção às quais os dois conjuntos de unidadessão controlados designam-se alternativamente como «fixas» ou«invariáveis»; como «factores de vigilância» ou como «cons-tantes».

Técnicas de controle e domínio

Um controle efectivo das unidades de estudo e do condicio-nalismo circundante da investigação constitui o cerne do métodoexperimental. A fim de controlar as unidades de estudo, o expe-rimentador tem à sua disposição as técnicas habituais de: 1) em-par elharnento, 2) controle por análise de distribuições de frequên-cias, e 3) aleatorização. O controle das condições circundantes deuma experiência não foi ainda submetido a uma sistematizaçãosemelhante.

O emparelhamento (matching or pairing), enquanto forma decontrole de precisão, requere que da totalidade das unidades dispo-níveis, se seleccionem apenas aquelas que, duas a duas, se possamconsiderar perfeitamente iguais sob o ponto de vista de todas ecada uma das características importantes para a variável dependen-te. Daí resulta uma série de pares equiparados, destinando-se ummembro de cada um desses pares ao conjunto experimental, e ooutro ao conjunto de controle.

O controle por análise de distribuições de frequências leva a

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que sejam equiparados mais propriamente os conjuntos como taisdo que as unidades que os compõem. A selecção e atribuição dasunidades a cada um dos conjuntos deve fazer-se de tal modo queas unidades experimentais, enquanto conjunto, igualem as de con-trole, enquanto conjunto também, no que se refere às caracte-rísticas colectivas pertinentes — ainda que não se dê o caso de exis-tirem duas unidades que, individualmente consideradas, sejamexactamente iguais. Isso consegue-se quando as duas colecçõesapresentam os mesmos valores médios e as mesmas variâncias eproporções estatísticas, no que diz respeito às características con-sideradas.

A aleatorização, (randomization), por seu lado, consiste ematribuir as unidades disponíveis ao grupo experimental ou ao decontrole, de acordo com um processo de carácter aleatório (comopode ser o atirar ao ar uma moeda, de modo a que uma das facesrepresente atribuição da unidade correspondente ao grupo ouconjunto experimental, e a outra ao grupo ou conjunto de controleou contraste). Dando a cada uma das unidades de que se dispõepara a experiência, oportunidades idênticas de atribuição a umou outro conjunto, a aleatorização garante que as dissemelhançasentre os conjuntos experimental e de contraste, se distribuem alea-toriamente, o que oferece segurança contra a possibilidade, quehaveria, de as unidades que possuem características favoráveis(ou desfavoráveis) ao efeito previsto, se concentrarem num sódos conjuntos.

O emparelhamento e o controle por distribuições de frequên-cias aumentam a «sensitividade» de uma experimentação; a alea-torização garante a sua validade. Uma experimentação dir-se-á«sensitiva» se permite registar pequenos efeitos directamente atri-buíveis à variável independente, efeitos que, de outro modo, se-riam obscurecidos por efeitos idênticos resultantes de outras va-riáveis. Com efeito, se as unidades são equiparáveis no que respeitaa todas as demais variáveis que poderiam contribuir para esseefeito, a parte da variável dependente que seja consequência di-recta dessas outras variáveis externas surgirá em ambos osconjuntos; portanto, qualquer diferença na variável dependenteque venha a ser registada no conjunto experimental — mesmosendo muito pequena — poderá correctamente atribuir-se tão-sóà variável independente. Uma vez que o emparelhamento produzuma melhor igualização das unidades no que diz respeito às suascaracterísticas importantes, a «sensitividade» da experiência égrande — e é maior que a obtida por distribuições de frequências.

A aleatorização, inspirada aos cientistas sociais pela obra deR. A. FISCHER

2, proporciona as bases para a obtenção de inferên-cias válidas acerca dos resultados experimentais. De facto, só quan-

2 FiSHiER, R. A., The Design of Experiments, Oliver & Boyd, 1935.

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do as unidades experimentais e de contraste diferem, entre si e noque concerne à variável dependente, mais do que o simples a^asosó por si determina, poderá atribuir-se tal diferença à correspon-dente diferença apresentada pelas mesmas em relação à variávelindependente. Ora, é possível determinar com precisão se os resul-tados diferenciais se afastam realmente do mero ajcaso, por meiode um certo número de «provas de significação» elaboradas pelostécnicos de Estatística com vistas a uma grande variedade definalidades experimentais. Estas provas pressupõem, porém, im-plicitamente, que a aleatorização das unidades de estudo precedeua introdução ou a aparição nelas da variável independente. Assim,a aleatorização, garantindo que as diferenças iniciais entre as uni-dades experimentais e as de contraste se repartem pelos dois con-juntos ao acaso, permite ao investigador estabelecer se são ou nãodevidas também ao acaso as diferenças finais registadas. O ele-mento aleatório tem de introduzir-se no início da experiência, a fimde que possa invocar-se no final como base para uma inferênciaválida. A tendência corrente para aplicar «provas de significação»sem que se verifique esta condição prévia, foi criticada porSELVIN 3 .

Das três técnicas de controle das unidades de estudo que aca-bamos de referir, o emparelhamento é a de mais difícil aplicação.Não é fácil encontrar um número suficiente de pares perfeita-mente equiparados, de modo a constituir dois conjuntos de dimen-sões apreciáveis. E quanto maior for o número de característicasque o investigador deseje igualar, menor será o número de paresde determinado tipo que conseguirá encontrar. A diferença entreo número de unidades disponíveis para uma experiência eo número das seleccionáveis por pares é designada como «desgaste»(attrition) ou «contracção» (shrinkage). Quanto mais rigorosofor o controle que se pretenda, maior será a contracção. A fimde reduzir esta última, o investigador pode recorrer ao controleatravés de distribuições de frequências, sem dúvida mais grosseiro,e, portanto, menos rigoroso que o emparelhamento. Todavia, nocaso de as unidades de observação serem colectividades, o con-trole por distribuições de frequências é o único possível, porquantosó é possível equiparar dois grupos ou duas comunidades utili-zando médias e indicadores estatísticos de dispersão. Quando serecorre à aleatorização, não existe «contracção»: todas as unida-des disponíveis são utilizadas na experiência. O ideal consiste emempregar, simultaneamente, o emparelhamento e a aleatorização.Isto implica, especificamente, dois imperativos: primeiro, que oconjunto de unidades para estudo seja muito amplo, de modo a pro-porcionar um número suficiente de pares, apesar da inevitável

3 SELVTN, Hanan C, «A Critique of Tests of Significance in SurveyResearch», American Sociological Review, vol. 22. Oct. 1957, pp. 519-527.

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«contracção»; segundo, que a atribuição dos pares aos dois con-juntos se faça de modo a que cada membro de cada par venha acaber, ou ao conjunto experimental ou ao de contraste, por meroacaso.

Tipos de experimentação

As experiências são divisíveis em dois tipos principais: oprojectado e o ex post facto. A diferença essencial entre estesdois tipos radica na relação temporal do investigador com a va-riável independente. Na experiência projectada, o investigadorencontra-se numa posição que lhe permite observar as unidadesde estudo antes da introdução ou aparição da variável indepen-dente. Deste modo, é-lhe possível trabalhar movendo-se para dianteno tempo, e presenciar os efeitos ulteriores resultantes desta úl-tima. Na experiência ex post facto, o investigador apenas podeobservar as unidades em estudo depois de a variável indepen-dente haver produzido o seu suposto efeito. Tem, por conseguinte,de trabalhar recuando no tempo e construindo o equivalente men-tal de uma experiência. Isso é-lhe possível através da compara-ção entre unidades que hajam e outras que não hajam sido ex-postas à variável independente, a fim de observar os resultadosdiferenciais de tal comparação,, no caso de os haver. O controledas unidades em estudo, quer seja por pares, quer por distri-buições de frequências, realiza-se posteriormente ao facto, ouseja, após essas unidades terem (ou não terem) estado sujeitasaos efeitos da variável independente. Frequentemente tem de efec-tuar-se a partir de registos. Assim, enquanto a experiência pro-jectada se planeia antes do facto, a experiência ex post factoplaneia-se depois do facto, e por isso se designa também como«experiência retroactiva» ou «retrospectiva». Stuart CHAPIN foio principal metodólogo da experimentação ex post facto4.

As experiências projectadas compreendem dois sub-tipos: ocontrolado e o natural. A diferença entre ambos consiste na capa-cidade do investigador para controlar os traços importantes daexperiência. Na experiência controlada, vigia-se e domina-se aselecção e atribuição das unidades de estudo aos dois conjuntos,a intensidade, duração e direcção dos estímulos, assim como o con-dicionalismo circundante da experiência. Na experiência natural, oinvestigador utiliza com fins de estudo, qualquer modificação pre-vista numa realidade social, que seja conforme com os três tra-ços essenciais de uma experiência, acima enunciados. O investiga-

4 CHAPIN, Stuart, «Design for Social Experiments», American Socio-logical Review, vol. 3, dec. 1938, pp. 786-800; CHAPIN, Stuart, ExperimentalDesigns in Sociological Research, Harper Bros, 1955.

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dor aproveita-se, pois, de um acontecimento natural, espontâneo,do qual possui, porém, prévio conhecimento, a fim de pôr à provaa hipótese de que existe, entre duas variáveis, uma conexão, aden-tro de uma cadeia causal. Exactamente como um astrónomo quese desloca ao local onde se espera seja visível um eclipse, o inves-tigador social coloca-se numa posição que lhe permita presenciara aparição, devidamente prevista, de uma variável independentee dos seus efeitos ulteriores. Pode deste modo observar uma expe-riência que lhe não seria possível provocar. Este tipo de experi-mentação é também denominado «experimentação não controlada»ou «experimentação parcial».

As experiências controladas são susceptíveis, por sua vez, desubdividir-se em experiências de laboratório e experiências decampo. A diferença consiste aqui no enquadramento e, consequen-temente, no carácter da variável independente. A experiência delaboratório — como o seu nome implica — realiza-se num enqua-dramento, sob condições e implicando fenómenos, todos eles cria-dos pelo investigador, com a finalidade de adaptar-se aos requisi-tos das hipóteses orientadoras da pesquisa. A sua natureza forçadaimplica que apresente, em relação à variável independente, umaqualidade sintética. A experiência de campo, pelo contrário, en-quadra-se na vida real. Em vez de ser artificial, isto é: criadopelo investigador para os fins específicos do seu estudo, o seu en-quadramento é qualquer situação real em evolução, na qual se de-frontam problemas vitais. O investigador e os participantes nessasituação colaboram na verificação dos efeitos práticos de qualquermedida ou inovação que se introduz. Tudo o que se refere ao en-quadramento da experiência efectuada se toma como um dado,limitando-se, portanto, a actuação experimental à introdução dumanova variável. Como a experiência não se localiza no seu laborató-rio, o investigador tem de compartilhar com os participantes naprópria situação o controle e o domínio da experiência que se efec-tua. E, de facto, no caso de entrarem em conflito os imperativosda investigação e os da prática, os primeiros têm de subordinar-seaos segundos.

Temos assim quatro tipos de experimentação: o ex post facto,o natural, o de campo e o de laboratório. Estes tipos fundem-seuns nos outros. Assim, o ex post facto e o natural têm de comumo facto de que nenhum deles é controlado sob o domínio do inves-tigador, e as experiências naturais e de campo assemelham-se namedida em que ambas utilizam oportunamente uma situação realem evolução. As experiências ex post facto e de laboratório en-contram-se em oposição polar, ocupando os outros dois tipos umaposição intermédia. De facto, os quatro tipos formam «um contí-nuo», relativamente ao grau de controle e domínio que o investi-gador pode exercer sobre as unidades em estudo, a variável inde-pendente e as condições circundantes. Tal controlo e domínio são

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máximos na experiência de laboratório e mínimos na ex posífacto.

Alguns exemplos de experimentação

As primeiras investigações que empregaram, em Sociologia,o método experimental, foram realizadas, há mais de trinta anos,por P. SOROKIN, na Universidade de Minnesota, a fim de determi-nar os efeitos diferenciais exercidos sobre o rendimento do tra-balho pelas formas de remuneração individual em contraste comas colectivas 5 . Foram do tipo «experiência de laboratório» e ins-piraram-se nas experiências de «aprendizagem» dos psicólogos,impondo aos sujeitos tarefas simplificadas e algo irreais. Paraos sociólogos, o problema básico posto por tais experiências delaboratório, conduzidas sob condições sintéticas, foi o de deter-minar se seria possível, e até que ponto, extrapolar os seus resul-tados à «vida real». K. LEWIN e R. LIPPITT enfrentaram de novo,uma década mais tarde, o mesmo problema, num estudo — hojeclássico — respeitante aos efeitos comparativos sobre o comporta-mento individual de um ambiente democrático e de um ambienteautoritário 6 . As normas que prevalecem nas sociedades autocrá-ticas e democráticas foram reproduzidas em grupos de recreiodos alunos da Escola Elementar da Universidade de Iowa, modi-ficando num sentido ou no outro a atitude dos respectivos diri-gentes. Esses grupos, compostos de rapazes de dez anos, organi-zaram-se ostensivamente para um fim prático (uma «mascarada»)e tiveram assim verdadeira existência funcional. O dirigenteadulto de cada grupo gerou o ambiente experimental requerido,mediante o desempenho de um papel previamente determinado,descoberto, porém, pelos rapazes, segundo parece, apesar de a ex-periência ter sido de longa duração. A importância destas expe-riências radica no facto de se ter tentado tornar a situação delaboratório suficientemente «real» para que logicamente se jus-tifique que as inferências feitas a partir dos seus resultados setransponham para a teoria mais geral do comportamento. Uma

5 GREENWOOD, Ernest, Experimental Sociology: A Study in Method,King's Crown Press, 1945; SOROKIN, Pitirim, Mamie TANQUIST, Mildred B.PARTEN and Mrs. C. C. ZIMMERMAN, «An Experimental Study of Efficiencyunder Specified Conditions», American Journal of Sociology, vol. 35, Mareh1930, pp. 765-782.

6 LEWTN, Kurt, «Field Theory and Experiment in Social Psychology:Çoncepts and Methods», American Journal of Sociology, vol. 44, May 1939,pp. 868-894; LEWIN, Kurt, and LIPPIT, Konaíd, «An Experimental Approachto the Study of Autocracy and Democracy», Sociometry, vol 1, Jan.-April1938, pp. 292-300; LIPPIT, Ronald «Field Theory and Experiment in SocialPsychology: Autocratic and Democratic Group Atmospheras», AmericanJournal of Sociology, vol. 45, July, vol. 45, July 1939, pp. 26-49.

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outra variante de investigarão é aquela em que se permite queos sujeitos entrem na experiência imediatamente após se haveremproduzido as suas reacções ao estímulo. Como exemplo destecaso, temos a experiência mais recente — efectuada por S. W.PUTNEY e M. L. CANDWALLADER —, a fim de constatar os efeitosde uma crise social sobre o comportamento individual7. Os inves-tigadores expuseram um grupo de uma dúzia de pessoas a um es-tímulo, que consistiu numa gravação reproduzida através de umaparelho radiofónico, na qual se simulava uma série de notíciasinformando da súbita explosão de uma guerra atómica. A éticaprofissional impõe que, ao utilizar estímulos tão fortes como este,se diga a verdade aos indivíduos submetidos à experiência.

Os sociólogos recorrem cada vez mais às experiências decampo e à experimentação natural, na medida em que nestas oproblema da artificialidade das de laboratório logra superar-se.Um exemplo de experiência de campo é o Highfield Project rela-tado por Ashley WEEKS8. Como experimentação natural, temoso estudo de 'Stuart CHAPIN sobre o realojamento 9 .

Em princípios de 1950 estabeleceu-se um novo tipo de centropara detenção de delinquentes juvenis, em Highfields, New Jersey,com o objectivo de pôr à prova a potencialidade de progresso deuma forma de reabilitação intermédia entre o reformatório e a li-berdade condicional. O regime de tratamento incluía uma terapiade grupo intensiva, sessões de interacção social, trabalho remu-nerado, uma certa liberdade de movimento e licenças regulares.Depois de vários anos de observação deste programa, os seus efei-tos realibilitantes foram estudados, mediante uma comparação en-tre os «graduados» de Highfields e um grupo comparável de de-linquentes tratados da forma convencional.

No caso de Stuart CHAPIN, a oportunidade experimentalfoi criada por um plano de renovação urbana. Uma zona dos bair-ros baixos de Minneapolis foi demolida para deixar espaço livrepara novos edifícios e foram dadas, aos residentes afectados, opor-tunidades de transferência para melhores zonas de habitação. Das400 famílias afectadas, metade, aproximadamente, aproveitou aoferta, enquanto que as restantes se mudaram para outras zonasadjacentes de bairros baixos; daí resultou a existência de gruposcontrastantes. Os efeitos sociais do realojamento foram examina-dos um ano mais tarde, através do estudo das diferenças sobre-

7 PUTNEY, Snell W. and CANDWALLADER» Merwyn L., «An Experiment incrisis Interaction», Research Studies of the State College of Washington,vol. 22, June 1954, pp. 94-102.

8 WEEKS, H. Ashley, «Preliminary Evaluation of the Highfields Pro-

ject», American Sociological Review, vol 18, June 1953, pp. 280-287.9 CHAPIN, Stuart, «The Effects of Slum Clearance and Rehousing- on

Family and Community Relationships in Minneapolis», American Journal ofSociology, vol. 43, March 1938, pp. 744-763.

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vindas entre os dois grupos e da sua participação social nas acti-vidades comunitárias.

A primeira experiência ex post facto descrita na literaturasociológica foi o estudo realizado por CHRISTIANSEN em St.Paul, a fim de determinar os efeitos da educação superior sobrea subsequente adaptação ou inadaptação dos indivíduos à vidaeconómica10. Foi necessário escolher várias amostras constituídaspor indivíduos que, havendo sido colegas de curso, tinham con-cluído ou abandonado os seus estudos superiores. Os dois gruposforam emparelhados, em relação a seis variáveis capazes de afec-tar o «ajustamento» económico.

O estudo realizado por LORING em Boston, acerca da rela-ção entre o alojamento subnormal e a desorganização social é ou-tro exemplo, mais recente, de experiência ex post factoX1. Atravésdos registos dos tribunais e da polícia, LORING localizou um grupoexperimental de famílias caracterizadas por sintomas de desorga-nização, que dispôs em pares segundo diversas característicasimportantes, formando o grupo de contraste com famílias normaisextraídas da população de Boston. Foram em seguida apreciadasas características dos alojamentos dos dois grupos, utilizando paraesse efeito uma escala normalizada.

Embora ambas as experiências sejam basicamente idênticas,na medida em que ambas são experiências ex post facto, na deCHRISTIANSEN foi utilizada uma análise de causa a efeito, en-quanto que LORING efectuou uma análise de efeito a causa.

III. O MÉTODO DE MEDIDA

O método de medida implica a observação, por meio de pergun-tas directas ou indirectas, de populações relativamente vastas deunidades colocadas em situações reais, a fim de obter respostassusceptíveis de serem manejadas mediante uma análise quanti-tativa.

Em contraste com o método experimental, o método demedida é oriundo das próprias ciências sociais; mais especifi-camente, surgiu no campo dos estudos sobre o bem-estar social.As primeiras medições de carácter sociológico —denominadas«comunitárias»—foram realizadas em Inglaterra no séc. XIX pelosreformadores sociais, tendo sido empreendidas a fim de conhecer

10 CHAPIN, Stuart, «Design of Social Experimenta», Am. Social. Rev.,vol. 3, Dec. 1938, pp. 786-800; CHAPIN, Stuart, Experimental Designs inSociological Research, Harper Bros., 1955.

11 LORING, William C, «Housing Characteristics and Social Disorga-nisation», Social Problems, vol. 3, Jan. 1956, pp. 160-168.

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as condições da classe trabalhadora que vivia nas grandes cida-des e lutava com a pobreza, a falta de saúde e diversos proble-mas sociais12. Charles BOOTH (que apresentou um vasto estudo doEast End de Londres) introduziu a ideia de que era necessáriaa recolha de «dados primários», por meio de entrevistas com osfuncionários públicos conhecedores da área em estudo, em vezde depender das informações contidas nos registos oficiais. See-bohm ROWNTREE, que repetiu o estudo de BOOTH (em York),acrescentou a inovação que consistiu em efectuar entrevistas casapor casa, servindo-se de uma cédula para normalizar essas en-trevistas. Mais tarde, Arthur BOWLEY, efectuando estudos aná-logos aos de Londres e York em quatro pequenas populações in-dustriais, iniciou a técnica da «amostragem» por casas. As inves-tigações sociológicas actuais que utilizam o método de medida, di-ferem das que acabamos de mencionar, na medida em que: 1.°)são estudos «focalizados»; 2.°) não são omnicompreensivas quantoao seu âmbito; 3.°) se ocupam de todos e cada um dos fenómenossociais, em vez de se interessarem apenas pelos sociopatológicos.Mais ainda, as medições que presentemente se efectuam são muitomais artificiosas, no sentido técnico, do que as que as precederam.

Na medida em que o método mensurativo é muito mais usadona investigação sociológica do que o método experimental, tem deconsiderar-se anómalo que não haja sido tão amplamente codi-ficado como este último. A literatura metodológica que lhe dizrespeito está, na verdade, longe de ser abundante. É, contudo, umaboa literatura13 e o resumo que se segue dela beneficiou larga-mente. Do ponto de vista operacional, o método de medida apre-senta três características fundamentais.

Características das medições

Em primeiro lugar, o método mensurativo impõe o estudode populações muito amplas, as quais, frequentemente, atingem

12 YOUNG, Pauline V., Sdentific Social Survey and Research, 3rd. ed.,Prentice Hall, 1956.

13 CAMPBELL, A. Angers and KATONA, George, «The Sample Survey: ATechnique for Social Science Research», in FESTINGER, Leon and KATZ. Daniel<eds.), Research Methods in the Behavioral Sciences, Dryden Press, 1935;HYMAN, Herbert, Survey Design and Analysis, Free Press, 1955; KENDALL,Patrícia and LAZARSFELD, Paul F., «Problems of Survey Analysis», in MERTON,Robert K. and LAZARSTOJLD, Paul F. (eds.), Studies in the Scope and Methodsof «The American Soldier», Free Press, 1950; MACCOBY, Eleanor E. and HOLT,Hobert, «How Surveys are made», in NEWOOMB, Theodore M. and HARTLEY,Eugene L. (eds.), Readings in Social Psychology, Henry Holt, 1947; PARTEN,Mildred B., Surveys, Polis and Samples, Harper Bros., 1950; SELLTIZ, Claire,JAHODA, Marie, DEUTSCH, Morton and COOK, Stuart W., Research Methods inSocial Relations, Holt, Rinehart & Winston, 1959.

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a escala dos milhares e por vezes se encontram, geograficamente,muito dispersas. Quando as dimensões da população impedem quesejam examinadas todas as unidades, extrai-se uma amostra damesma; neste caso, a investigação é designada como medição poramostragem. Daqui resulta que, em função da dimensão das po-pulações ou das amostras seleccionadas, o método mensurativorequer um grande número de colaboradores. Daqui resulta, tam-bém, que a utilização das técnicas de amostragem é condição essen-cial para a efectivação das medições. Quando as amostras estu-dadas são representativas e amplas, proporcionam as bases parageneralizações várias.

Uma segunda característica do método consiste em que im-plica a busca de dados primários proporcionados por informado-res individuais. Sem dúvida, certos dados primários podem obter--se por meio de outros processos de observação. Mas os dadosprimários obtidos por esta via (método mensurativo) só podemresultar do contacto com os próprios indivíduos; são as suas pró-prias características pessoais ou as de outras pessoas, grupos,comunidades ou situações conhecidas desses indivíduos, o queconstitui o objecto do estudo. Tais dados podem obter-se, querdirectamente, por meio de entrevista, quer indirectamente, pormeio de questionários. O corolário que daqui resulta é que o tipode dados, que assim se procura obter, exige que o investigadorcontacte com a situação real estudada e examine os fenómenosque se apresentam no seu contexto natural. As medições socioló-gicas realizam-se sempre «em campo», nunca no laboratório. Oinvestigador introduz-se num processo em curso e interrompe-omomentaneamente a fim de obter a informação desejada. O quedetermina que seja indispensável a cooperação dos interrogadosque servem como fontes de informação. Pressupõe-se ainda, adi-cionalmente, que estes, não só querem, como podem, proporcionaros dados de que se necessita.

Como terceira característica, os dados recolhidos por meiodeste método estão sujeitos a uma análise quantitativa, sendosempre os resultados das medições apresentados sob a forma dequadros estatísticos. A informação fornecida pelos entrevistadosé sujeita a classificação (agrupamento em categorias), contageme apresentação sob forma quantitativa rigorosa.

Deste facto primário depreendem-se dois factos secundários.A fim de que possa efectuar-se a análise quantitativa dos dadosobtidos, a informação deve ser recolhida de modo que permitaa arrumação em categorias e a contagem. Isto é, as respostasdevem ser comparáveis (e, portanto, classificáveis) e aditivas.Donde a importância, para a aplicação deste método, da unifor-mização (ou normalização) dos instrumentos recolectores de da-dos, sob a forma de uma cédula (verbete, questionário). Um outrofacto secundário consiste na importância, para o método de me-

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dida, da equipa que efectua o trabalho de classificação e contagem.Sendo muito grande o número de respostas, o volume de dadosa classificar e contar é tal que se requer a utilização de auxíliosmecânicos. Por isso, o método mensurativo apenas se revestiu dereal importância a partir do momento em que a aparição de má-quinas estatísticas e dé cálculo veio revolucionar a elaboração dosdados.

Tipos de medidas

Enquanto que as investigações experimentais se classificamde acordo com a sua aproximação de um tipo ideal (ou seja, deacordo com o grau de controle e domínio sobre elas exercido peloinvestigador), as medições sociológicas podem ser classificadassegundo os objectivos da investigação.

A literatura sobre o assunto distingue entre as medições des-critivas e as explicativas. A finalidade de uma medição explica-tiva consiste em dar conta da distribuição de um dado fenómenonuma dada população; os seus resultados consistem numa expli-cação do facto. O contraste entre os objectivos destes dois tiposde medição, reflecte-se em duas diferenças metodológicas princi-pais: a primeira respeita à natureza das hipóteses que orientama investigação, a segunda refere-se à amostra utilizada nessa in-vestigação.

Em primeiro lugar, ao passo que a medição descritiva nãoé, geralmente, orientada por uma hipótese explícita, a mediçãoexplicativa é-o sempre. De facto, se uma medição descritiva éorientada por alguma hipótese, esta consiste sempre numa pro-posição que assinala apenas determinada uniformidade social dapopulação em estudo. Os resultados concordantes de um certo nú-mero de medições descritivas assim orientadas servem para for-mular uma simples «generalização empírica». Pelo contrário, a hi-pótese orientadora de uma medição explicativa propõe uma rela-ção causal, susceptível de explicar o fenómeno em estudo. Os re^sultados de várias medições explicativas acumulam-se, constituindouma «teoria» que serve para explicar uma ou mais das unifor-midades estabelecidas. Donde o serem estas medições, cuja finarlidade consiste em explicar, designadas como «medições teóricas».

Em segundo lugar e partindo do princípio de que ambas seefectuam sobre amostras, a medição descritiva deve utilizar amos-tras representativasy heterogéneas, enquanto que a medição ex-plicativa pode utilizar amostras não-representativas, homogéneas.Com efeito, a finalidade da medição descritiva consiste em apre-ender a distribuição e em estabelecer a generalidade de uma uni-formidade social determinada, o que requer amostragem vasta,e exige que a amostra seja representativa de todas as camadas

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da população em estudo. Quanto à amostragem explicativa, o seuôbjêôtivô consiste na explicação, em termos causais, cie uma uni-formidade social; daí que o plano e o método de uma mediçãoexplicativa sejam traçados segundo os de uma experimentação.láOra, como já vimos, numa dada experiência, o investigador ex-plica um fenómeno (a variável dependente), ao estabelecer a suarelação sistemática com uma variável independente.

A fim de lhe ser possível fazê-lo, deve controlar e dominaroutras variáveis independentes susceptíveis de influir no fenó-meno, o que se consegue seleccionando as unidades de estudo demodo a que todas elas sejam semelhantes e homogéneas no que serefere às características importantes. Por forma análoga, nas me-dições explicativas, o investigador procura trabalhar com amos-tras homogéneas, uma vez que a homogeneidade, alcançada peloprocesso de manter constantes as características importantes, éuma forma de controle científico, como vimos. Mas muito frequen-temente, uma amostra homogénea não é representativa da suapopulação, a qual, regra geral, é heterogénea. Na verdade, quantomaior for o número de variáveis que o investigador queira quepermaneçam constantes, tanto mais homogénea e menos represen-tativa será a amostra. E, no entanto, só essa circunstância lhepoderá proporcionar a base para inferências válidas que relacio-nem a variável dependente com a independente.

A maioria das investigações mensurativas consiste em com-binações descritivo-explicativas. O investigador leva a cabo umamedição, tanto a fim de apreender a existência de uma pressupostauniformidade social, como para confirmar e explicar uma unifor-midade social já apreendida. Os dados de uma medição descritivade vastas proporções, que haja abarcado, quer toda uma popula-ção, quer um corte transversal representativo, muito amplo, damesma, não só proporcionarão generalizações empíricas válidas,como fornecerão ainda pistas susceptíveis de conduzir à sua ex-plicação. Os dados revelarão, inevitavelmente, uniformidades emtorno às quais é possível formular hipóteses; tais hipóteses sãoentão susceptíveis de ser comprovadas por meio de uma análisesecundária dos dados já recolhidos. Isso consegue-se extraindo daamostra em estudo uma série de sub-amostras e submetendo-asà análise mais intensiva, requerida pelas hipóteses. Tais sub-amos-tras devem, evidentemente, ser homogéneas, de modo a que certasvariáveis possam manter-se constantes. Deste modo, o controlee domínio são melhor conseguidos na fase correspondente à aná-lise dos dados do que aquando da sua recolha. Uma investigaçãoque se inicia como medição descritiva termina como medição ex-plicativa. O controle e domínio posteriores à recolha dos dados,exercidos em tais medições, constituem essencialmente uma va-

14 HYMAN, Herbert, Survey Design and Analysis, Free Press, 1955.

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riante dos que se utilizam nas experiências ex post facto. Nesteponto, dá-se a fusão entre o método de medida e o método expe-rimental.

Alguns exemplos de medição sociológica

Os capítulos do livro de Herbert HYMAN, sobre o método demedida sociológica, contêm descrições sumárias de uma grandevariedade de medições publicadas15. Cinco destas medições me-recem ser aqui mencionadas: as duas primeiras exemplificam amedição descritiva; as três restantes são exemplos de investiga-ção teórica, explicativa.

Durante a Segunda Guerrra Mundial, o governo dos EstadosUnidos empreendeu o estudo da extensão e dos determinantes doabsenteísmo dos trabalhadores das indústrias-chave. De cada umadas 18 unidades industriais seleccionadas para representar umconjunto de indústrias, obteve-se uma amostra de cem trabalha-dores, os quais foram entrevistados. Os dados resultantes permi-tiram estabelecer correlações entre as características dos indiví-duos e as suas taxas de absenteísmo. Mais tarde, pouco depoisdo fim da Guerra, dois organismos de investigação soiciológicarealizaram, para o Conselho de Investigação em Ciências Sociais,um inquérito à opinião pública sobre a bomba atómica e seusefeitos sobre os problemas internacionais. A amostra — que,quanto à sua amplidão, foi nacional — abarcou aproximada-mente quatro mil indivíduos; e as entrevistas cobriram uma vastagama de assuntos relacionados com a bomba e com o controlee domínio sobre ela exercido.

A fim de identificar as predisposições da personalidade quesão favoráveis ao preconceito em geral e ao antisemitismo em par-ticular, o Comité Judeo-Americano financiou um estudo de apro-ximadamente duas mil pessoas, realizado por um grupo de cien-tistas sociais. A informação foi recolhida por meio de questioná-rios escritos; surgiram dados que, simultaneamente, desvendaramtraços básicos da personalidade e tornaram possível a distinçãoentre os mais e os menos eivados de preconceitos. A mediçãolevada a cabo por Richard CENTERS sobre a consciência de classenos Estados Unidos da América constitui uma excelente contri-buição para a teoria da estratificação social16. Mil e duzentaspessoas, representativas da população masculina, adulta, branca,foram entrevistadas, a fim de se determinar se a função desem-

15 Idem, Ibidem.16 CENTERS, Richard, «The American Class Structure: A Psychalogical

Analysis», in NEWCOMB, Theodore M. and HARTLEY, Eugene L. (eds.), #««-dings in Social Psychology, Henry Holt, 1947.

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penhada por um indivíduo na actividade económica gera umaconsciência de pertença a uma dada classe social e de que ma-neira o faz. Um outro exemplo digno de menção é o estudo deWilliam H. SEWELL, que procurou pôr à prova uma série de hi-póteses derivadas da teoria psicanalítica, referentes às experiên-cias infantis e suas consequências na formação subsequente dapersonalidade17. Entrevistas com as mães de 162 crianças dosexo masculino, de cinco anos de idade, forneceram dados que per-mitiram a SEWELL separar as crianças em dois grupos, em funçãodas formas contrastantes como haviam sido criadas desde ainfância. Tal forma — a variável independente — foi então rela-cionada com uma série de indicadores acerca da personalidadedas crianças e do seu grau de adaptação social geral. A fim decontrolar e dominar os efeitos de outras variáveis susceptíveis deafectar a personalidade e o grau de adaptação social, seleccionou--se, para os fins deste estudo, uma amostra homogénea no que serefere à ocupação, etnia, residência e nível cultural dos pais. O lei-tor poderá constatar que o plano do estudo de SEJWELL em nadadifere do de uma experiência ex post facto.

As medições citadas por Herbert HYMAN foram todas elasrealizadas antes de 1950. Aos exemplos anteriores, por ele refe-ridos, podemos, acrescentar um outro mais recente: a mediçãode LAZARSFELD-THIELEND, levada a cabo a fim de estudar o impactoexercido sobre os cientistas sociais pelo ambiente de restrição in-telectual que teve lugar nos Estados Unidos, após a SegundaGuerra Mundial. Os anos do após-guerra caracterizaram-se, efec-tivamente, por uma intensa preocupação com a segurança nacio-nal, sofrendo, a população em geral e os intelectuais em parti-cular, uma apertada vigilância das suas opiniões privadas, con-sideradas índice da sua lealdade nacional. Daí resultaram tensõesna atmosfera universitária e certa insegurança nos professoresde ciências sociais, que tinham de ocupar-se de temas controver-sos. A medição (realizada aproximadamente a meio dos anos 50,quando o ambiente se encontrava já um pouco menos carregado)procurou determinar as reacções, atitudes e sentimentos dos cien-tistas sociais perante essas pressões externas perturbadoras. Umaamostra nacional de 2 451 cientistas sociais, obtida em 165 es-colas superiores e universidades, submeteu-se à entrevista, efec-tuada por meio de um questionário contendo aproximadamenteuma centena de rubricas.

17 SEWELL, William H., MUSSEN, Paul H. and HARRIS, Chester W.,«Relationships among Child Training Practices», American Sociological Re-view, vol 20, April 1955, pp. 137-148.

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IV. O MÉTODO DO ESTUDO DE CASOS

O método de estudo de casos consiste no exame intensivo,tanto em amplitude como em profundidade, e utilizando todas astécnicas disponíveis, de uma amostra particular, seleccionada deacordo com determinado objectivo (ou, no máximo, de um certonúmero de unidades de amostragem), de um fenómeno social, or-denando os dados resultantes por forma a preservar o carácterunitário da amostra, tudo isto com a finalidade ultima de obteruma ampla compreensão do fenómeno na sua totalidade.

A unidade de observação pode ser representativa de qualquernível da realidade social. Pode ser um indivíduo (por exemplo,um doente), um grupo (tal como um bando de rapazes), umacomunidade (por exemplo, os ocupantes de uma prisão), uma or-ganização burocrática (como qualquer iserviço público), uma asso-ciação (um partido político, por exemplo), um processo (como oda adaptação à cegueira), uma instituição (como a cerimónia ma-trimonial), um acontecimento (um acidente, por exemplo), ou,inclusivamente, uma cultura (como pode ser o caso de uma comu-nidade primitiva). Quando a unidade de observação é uma comu-nidade ou uma sociedade simples, o método designa-se como estudode campo. O método de estudo de casos tem a sua origem nas prá-ticas clínicas e a psiquiatria a ele recorre com frequência máxima.

Dos três métodos de investigação empírica utilizados pelossociólogos, este é o que se encontra menos codificado. A muitoescassa bibliografia disponível sobre o assunto18 foi utilizada napreparação da descrição que se segue. As características funda-mentais do estudo de casos são três.

Características *do estudo de casos

Como característica mais notável, temos a sua intensidade.Neste aspecto, trata-se de um método que ultrapassa tanto a ex-

18 GOODB, William J. and HATT, Paul K., Methods in Social Research,

McGraw-Hill, 1952; JAHODA, Marie, DEUTSCH, Morton and COOK, Stuart W.Research Methods in Social Relations, Dryden Press, 1953, KATZ, Daniel,«Field Studies», in FESTINGER, Leon and KATZ, Daniel (eds)., Research Me-thods in the Behavioral Sciences, Dryden Press, 1953; MCKINNEY, John C,«Methodology, Procedures and Techniques in Sociology», in BECKER, Howardand BOSKOFF, Alvin (eds.), Modern Sociological Theory in Continuity andChange, Dryden Press, 1957; SELLTDZ, Claire, JAHODA, Marie, DEUTSCH, Mor-ton and COOK, Stuart W., Research Methods in Social Relations, Holt, Rine-hart e Winston, 1959; WALLIN, Paul, «The Prediction of Individual Behaviorfrom Case Studies»» in HORST, Paul (ed.), The Prediction of Personal Adjust-ment, Social Science Research Council, 1946; YOUNG, Pauline V., ScientificSocial Surveys and Research, 3rd. ed., Prentice-Hall, 1956.

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perimentação como as medições sociológicas. O carácter intensivoadvem-lhe da grande amplitude e da profundidade da inquirição.A amplitude atinge-se pela observação de tantos aspectos do casoem estudo, quantos seja possível. Uma vez que a finalidade doestudo é uma ampla compreensão, não existem restrições que limi-tem o investigador quanto ao número de facetas a explorar. É-lhepossível seguir — e assim acontece — todos e cada um dos fiosda meada, até onde quer que eles o conduzam. Pois, quanto maiorfor a multiplicidade de aspectos da inquirição e maior o grau deinformação obtido por seu intermédio, melhor lhe será possívelcompreender o caso. Deste modo, um estudo de casos apropriado,referente a um indivíduo, compreenderá observações efectuadasem diferentes níveis: o social, o psicológico e até mesmo o fisio-lógico. Deverá visar também a obtenção de dados completos acercado meio socio-económico no qual se encontra a unidade em estudo,limitando o investigador a investigação apenas segundo o seupróprio critério. Seja qual for a unidade de investigação — querse trate de uma pessoa, quer de uma cultura, etc. — os dados abuscar deverão sempre cobrir um campo vasto. Isto confere ao es-tudo de casos as características de um método com grande liber-dade de movimento; o investigador pode alterar livremente a orien-tação do seu estudo, bem como o tipo de dados que haja de recolher,de acordo com novas facetas reveladas por uma compreensão pro-gressiva do caso. O que contrasta com a maior rigidez, quer daexperimentação, quer da medição sociológica.

Para além da sua amplitude, o estudo de casos é, sob o pontode vista temporal, uma investigação em profundidade. Não sóo estado do caso é examinado em todas as suas ramificações numadeterminada conjuntura, como o mesmo exame se desloca aindaao passado, a fim de apreender a «história» que determinou aforma actual do caso. Todos os fenómenos sociais apresentamo que Robert PARK designou, com grande propriedade, «uma his-tória natural», ou seja, uma sequência de fases, susceptíveis deserem reconhecidas, cada fase tendo na sequente o seu prolonga-mento e constituindo toda a série um mesmo processo de desen-volvimento. Reconstituir este processo é a finalidade que se im-põe ao estudo em profundidade. Melhor, porém, do que recons-tituir a história de um fenómeno social é realmente observá-la,o que, quando possível, se prefere. Um estudo de casos que im-plique a observação de uma sequência em desenvolvimento — emparte, ou na sua totalidade— denomina-se estudo longitudinal.É importante sublinhar que a finalidade de tal estudo consistemenos em proporcionar um relato factual de sucessivas trans-formações, por muito valioso que seja, do que em fornecer umaanálise do próprio processo evolutivo.

Como segunda característica do método de estudo de casostemos a sua flexibilidade metodológica. Os métodos experimental

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e mensurativo caracterizam-se pela utilização de técnicas auxilia-res de investigação específicas, que se empregam de acordo comuma sequência bem definida. Pelo contrário, empreender um es-tudo de casos e seguir o carácter amplamente livre do método nãoimplica a utilização dfc um conjunto determinado de técnicas decolheita de dados. A fim de alcançar a máxima amplitude e pro-fundidade, o investigador utiliza qualquer técnica de investigaçãoe qualquer sequência, desde que as considere adequadas parauma maior compreensão do caso. Na sua aplicação real, certastécnicas adaptam-se, porém, melhor a certos tipos de estudo decasos. Quando o objecto de estudo é uma comunidade, a experiên-cia demonstra a utilidade das técnicas de observação-partici-pante ou de observação pura de espectador, acrescidas ou em al-ternativa com a entrevista informal. Quando o objecto da inves-gação é um indivíduo, um processo normal de iniciar o estudo docaso consiste no registo de uma «história vital» ou biografia. Estaproporciona, com efeito, uma orientação preliminar, susceptívelde tornar mais eficaz a subsequente colheita de dados. Quandoo sujeito é acessível de modo fácil e constante, como no caso deinternados numa instituição, é possível realizar uma observaçãocontrolada pelo investigador. A autobiografia também constituiuma fonte útil no estudo de casos individuais. Quando a unidadeem estudo é uma organização burocrática, a «análise de conteúdo»das actas de reuniões de serviço e dos «memorandos» internospode constituir um primeiro passo para a obtenção da necessáriainformação de base, que deverá anteceder as entrevistas e o re-gisto de observações.

Tendo em conta a variedade de técnicas que utiliza e a inten-sidade da investigação, o metodólogo do estudo de casos acumula,inevitavelmente, dados muito volumosos. A inquirição ou pesquisatende a expandir-se, desde o início, de forma imprevisível, umavez que não defronta limites predeterminados, como os outrosclois métodos empíricos de investigação. É evidente que a quan-tidade de dados recolhidos pelo estudo de casos não iguala a enor-me massa de dados obtidos numa medição sociológica realizada emgrande escala; há que considerar, porém, o número relativo deunidades de observação examinadas nestas duas formas de inves-tigação. Na realidade, alguns estudos de casos igualam, em am-plitude, as investigações mensurativas típicas; assim sucede, porexemplo, com o estudo de uma prisão ou de um partido político.Acontece, no entanto, que nem a experimentação, nem a medição,produzem tanta informação, acerca de coda unidade de observa-ção em particular, como a que fornece um estudo de casos. É pre-cisamente o amplo volume de dados resultantes de um estudo decasos que determina a exiguidade do número de unidades de amos-tragem que podem ser estudadas através deste método. Na ver-

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dade, alguns dos estudos clássicas deste tipo giraram em tomoa um só caso.

Uma terceira característica do método de estudo de casosradica nos seus processos heterodoxos de análise dos dados. Astécnicas normais ide conversão de dados em conclusões, utilizadasna experimentação e nas medições sociológicas, revelam-se aquiinadequadas. A utilização, nos estudos de casos, de todo um con-junto de processos de recolha de informação, produz um conjuntode dados extraordinariamente variado e rico. Esta vantagem temo seu lado negativo, pois, e pela mesma razão, os dados resultan-tes não são comparáveis quanto à sua natureza, não sendo assimtambém susceptíveis de análise através dos processos normaisde classificação e ordenação. Sem dúvida que existem processospara classificar os dados obtidos mediante observação, bem comopara manejar os resultantes de entrevistas. O mesmo ocorre noque diz respeito à documentação. Não existem, porém, processosnormalizados para relacionar entre si os dados de observação, osdados procedentes de entrevistas e os dados documentais, nemé provável que venham a desenvolver-se num futuro próximo. Umavez que não existem técnicas operacionais susceptíveis de orien-tar o investigador através de todo o processo analítico, o tra-balho de analisei sobre estes materiais deve ser, necessariamente,em parte ordenado e sistemático e, em parte, impressionista e in-tuitivo. A utilização simultânea dos numerosos e variados dadosprocedentes do estudo de casos aumenta as exigências postas aoinvestigador no que diz respeito à sua capacidade de integra-ção, quando a investigação incide sobre a análise dos dados. Poreste motivo se considera o estudo de casos como um estudo quali-tativo.

Embora o procedimento para a atingir possa carecer de ca-racterísticas que o tornem plenamente comunicável, a finalidadedo estudo ide casos é contudo susceptível de ser descrita. Consisteem alcançar uma interpretação do caso enquanto totalidade inte-grada, enquanto entidade unitária. O que significa, especificamente,que é necessário identificar os factores que contribuem para ofenómeno tal e como se encontra representado pelo caso em estudo;descrever a interacção destes factores de modo a que o caso possaser enquadrado numa rede de relações; captar a história do fenó-meno como um processo em desenvolvimento; e destacar o padrãoou tema central que caracteriza a unicidade do caso. O objectivoconsiste, por outras palavras, na compreensão global do fenóme-no, tal como se manifesta no caso. O que explica que, na fase decompilação dos dados, estes sejam focados nas suas múltiplasfacetas e a diversos níveis, e justifica a necessidade de uma am-pla familiaridade com o fenómeno, que apenas pode obter-se atra-vés de uma estreita ligação do investigador com o caso.

O estudo de casos impõe pesadas responsabilidades e exige

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mais esforço da parte do investigador que os outros dois métodosempíricos de investigação. A óptica de análise do metodólogo doestudo de casos é comparável à de um diagnosticista experimen-tado. O estudo de casos difere ,da experimentação e da mediçãosociológica, não tanto no que se refere à recolha de dados, quantono que diz respeito aos objectivos e processos que caracterizama sua análise dos dados 19, O resultado final de um estudo decasos realizado adequadamente consiste numa decrição compreen-siva e integrada do caso, enquanto totalidade.

Alguns exemplos de estudo de casos

Como ilustração, apresentaremos três estudos sociológicossobre casos: uma família de delinquentes, um bairro pobre e umacomunidade rural.

O extinto Clifford SHAW, inovador nos métodos de investi-gação sobre delinquência juvenil, efectuou uma série de três es-tudos de casos, cada um dos quais focando um aspecto do fenó-meno 20. O terceiro desses estudos gl refere as carreiras delinquen-tes de cinco irmãos, filhos de pais nascidos fora do país e criados,em condições de extrema pobreza e privação, em Chicago, nosprimeiros anos deste século. O contacto de SHAW com os rapazesmanteve-se durante um período de 16 anos, ao longo dos quaisvárias agencias públicas e privadas trabalharam sem êxito nasua reabilitação. Teve, consequentemente, oportunidade de obser-var o processo segundo o qual os cinco irmãos passaram de umasérie de actos impulsivos e imorais aos pequenos furtos do delin-quente juvenil e daí aos assaltos premeditados e planeados, re-querendo já o artifício próprio do criminoso adulto. O estudo tinhapor finalidade documentar a tese de que as histórias destes in-divíduos foram condicionadas pelo seu ambiente social. A fim decompletar o seu conhecimento pessoal dos cinco irmãos, SHAWobteve informações adicionais sobre eles, a partir dos registosdas agências sociais, dos tribunais, das instituições correccionaise das clínicas psiquiátricas, bem como através de entrevistas comamigos e parentes dos investigados e das extensas autobiografiasque estes mesmos lhe forneceram.

Na sequência de Louis WIRTH, que uma geração antes havia

is GOODE, Wil l iam J . and H A T T , P a u l K., Methods in Social Research,McGraw-Hil l , 1952.

20 S H A W , Clifford R., The Jack-Roller: A Delinquent Boyys Own Story,Univers i ty of Chicago Press , 1930; Idem, The National History of a Delin-quent Career, Univ. of Chicago Press , 1931; Idem, Brothers in Crimes, Univ.of Chicago Press , 1938.

21 Brothers in Crimes, cit.

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descrito o Ghetto de Chicago22, William F. WHYTE estudou a or-ganização social, na mesma cidade, de um bairro de imigrantesitalianos, imediatamente antes da Segunda Guerra Mundial. Focouesse bairro como uma estrutura hierárquica de relações sociaisentre líderes e seguidores e como uma rede complexa de gruposgrandes e pequenos. As unidades de observação foram os «bandosdas esquinas», constituídos por jovens que se reuniam regular-mente e centravam as suas actividades nos locais de cruzamentode ruas, com as suas barbearias, os seus bares, as suas farmáciase os seus bilhares. Durante três anos e meio, WHYTE viveu no bair-ro, estudou-o e dominou suficientemente o italiano a ponto de lheser possível falar com a geração de mais idade que conhecia malo inglês. Obteve acesso a um certo número de «grupos das esqui-nas», participando nas suas actividades e observando os seus«movimentos»; uma vez aceite, completou as suas observaçõescom entrevistas. O seu estudo representou um avanço, tanto téc-nica como conceptualmente, sobre o do seu predecessor.

Na fronteira entre a Sociologia e a Antropologia Cultural,WHITERS, sob o pseudónimo de James WEST, efectuou um estudode casos numa pequena povoação, na qual se estabeleceu parafins de estudo123. A povoação, que designou ficticiamente comoPlainville, era uma comunidade de 275 habitantes, localizada naregião agrícola dos Estados Unidos, e centro comercial e socialda área rural circunvizinha. A sua população era altamente ho-mogénea quanto à religião, raça, ocupação e classe social. O objec-tivo do estudo consistia em determinar o destino de Plainville sobo impacto de duas novas forças: a agricultura científica e a estra-da. WHITERS estudou a história, a economia e a estrutura socialde Plainville, com as suas formas de comunicação e seus sistemasde socialização. Uma vez aceite pelos habitantes, entrou plena-mente na vida do povoado, completando a sua observação partici-pante por meio de entrevistas e de autobiografias solicitadas.

V. INTER-RELAÇÕES DOS MÉTODOS

Considerando o que acima foi exposto, pouco será porventuranecessário para convencer o leitor de que o domínio completo dostrês métodos empíricos não é tarefa para uma vida humana. E,na realidade, os sociólogos têm-se ocupado e adquirem experiên-cia num ou outro destes métodos, conforme as exigências meto-dológicas dos problemas que lhes interessam. Surge assim, inevi-tavelmente, um certo partidarismo em torno a estes métodos. Osque se sentem mais ligados à medição consideram-na como o mé-

22 W I R T H , Louis , The Ghetto, Univers i ty of Chicago P res s , 1928.23 WIEST, James, Plainville, U. S. A., Columbia Univ . P r e s s , 1945.

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todo de investigação sociológica por excelência e muito pobres asperspectivas das pesquisas experimentais em Sociologia. Por ou-tro lado, os adeptos do método de estudo de casos intensivo con-sideram o método de medição como uma observação superficial deproblemas sociológicos significativos e importantes. A verdadeencontra-se, sem dúvida, algures, a meio-caminho entre estas po-sições extremas. Cada um dos métodos ide investigação empíricapermite diversas aplicações, de acordo com suas qualidades e ãe-feitos; estes (determinam que cada método seja adequado a deter-minados objectos de estudo e não o seja a outros. É deste últimoaspecto do tema que nos ocuparemos na parte final do presenteartigo.

Apreciação do método experimental

A virtude primordial deste método consiste em que é possívelconfiar na experimentação, a fim de determinar a relação ciausalentre uma variável independente e uma variável dependente; sobeste ponto de vista, é superior à medição e ao método de estudo decasos. Isto resulta da sua capacidade única para confirmar se arelação observada corresponde aos dois critérios fundamentais deatribuição de causalidade, ou seja, a sequência temporal das variá-veis e a exclusão de outras causas possíveis. Que a variável indepen-dente, preceda realmente, em sentido temporal, a variável depen-dente, é algo relativamente simples de estabelecer em todas as expe-riências, exceptuando talvez as do tipo ex post facto, pois o próprioinvestigador pode determinar, mediante observação, ao início daexperiência, se a variável dependente se encontra, com absolutacerteza, ausente, antes que surja a independente. É-lhe possívelobservar — e, ocasionalmente manejar — a exposição diferencialdas unidades à variável dependente, e ele próprio pode deter-minar, mediante observação (ao finalizar a experiência) a subse-quente aparição da variável dependente, em relação com a inde-pendente. No que se refere ao segundo critério de atribuição decausalidade, o método experimental possui a potencialidade (quenão possuem os outros métodos) de excluir, ou pelo menos refrear,outras variáveis importantes que pudessem chegar a operar porforma semelhante para produzir o efeito. Isso consegue-se selec-cionando as unidades de observação e atribuindo-as ao conjuntoexperimental ou ao de contraste, de modo a que sejam relativa-mente semelhantes, ou, pelo menos, de modo a que não sejam sis-tematicamente dissemelhantes no atinente a tais variáveis. Con-segue-se, ainda, controlando as condições circundantes, que: oupermaneçam estáveis durante a experiência ou se a mutação éincontrolável, que as alterações sofridas afectem uniformementeos grupos experimental e contrastante. Por estas razões, o inves-

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tigador que haja de enfrentar o problema de comprovar uma hi-pótese causal — no caso de lhe ser possível escolher — não poderáfazer melhor escolha que a do método experimental.

Sendo claras as características específicas do método experi-mental e bem definida a sequência das suas fases, talvez seja esteo mais operacional dos três métodos empíricos. Qualquer experi-mentação se torna, assim, relativamente fácil de descrever e, con-sequentemente, susceptível de se avaliar segundo normas esta-belecidas. Estas características contribuem para o rigor do mé-todo e para a confiabilidade dos seus resultados. Por forma se-melhante, contribuem para a sua repetitividade, de modo que,desde que as circunstâncias o permitam, uma experimentação poderepetir-se no espaço e no tempo.

Simultaneamente, o método experimental é dotado também deuma certa versatilidade. O investigador que decide empregar estemétodo, tem à sua disposição várias formas alternativas de o uti-lizar, das quais pode escolher a que lhe pareça mais realista.Assim, se um fenómeno é demasiado complexo e pouco manejávelpara que o investigador possa realizá-lo em laboratório, podeser estudado mediante a experimentação de campo.

Se, no entanto, o fenómeno pertence ao passado e é pouco pro-vável que volte a ocorrer no futuro imediato, o investigador poderecorrer à experiência ex post facto, desde que existam regis-tos adequados disponíveis. O investigador paciente pode tambéminiciar as suas experiências com o fenómeno seguindo um planoex post facto, mas, uma vez obtida uma melhor compreensãodo mesmo, poderá empreender uma experimentação de campo.O objectivo último seria, sem dúvida, estudar o fenómeno, notodo ou em parte, sob condições de laboratório.

O principal defeito — se assim pode chamar-se — do métodoexperimental consiste em que, na sua forma mais rigorosa, eportanto, mais desejável, é o de mais difícil aplicação. Rara é asituação que permite ao investigador efectuar a experimentaçãona sua forma mais pura e obter do método os seus benefícios má-ximos. Daí que, com tanta frequência, a sua utilização enfermede transigências inevitáveis que prejudicam o seu rigor.

Alguns dos mais difíceis problemas que acompanham a apli-cação rigorosa do método experimental podem mencionar-se bre-vemente.

Em primeiro lugar, investigar experimentalmente os proble-mas verdadeiramente cruciais da conduta humana e sua motiva-ção, exigiria que os indivíduos e os grupos fossem expostos aestímulos e a circunstâncias que poderiam afectá-los de mododeletério.

Em segundo lugar, quando tal perigo não existe, ou se tornapossível evitá-lo, subsiste o problema da cooperação e da tomadade consciência do indivíduo. Se a sua cooperação, enquanto pes-

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soa submetida a experimentação, é solicitada pelo investigador,a sua recusa a participar na experiência é sempre possível, e talpossibilidade seria suficiente para truncar os planos do investiga-dor. Se, pelo contrário, os indivíduos submetidos à experiênciaestão de acordo em participar, a sua tomada de consciência deque estão sujeitos a uma situação experimental (portanto, artifi-cial e transitória) pode influir indevidamente nos resultados daexperiência. Por outro lado, na suposição de que uma experiên-cia significativa e importante pudesse ser efectuada sem a coope-ração e a consciencialização dos indivíduos a ela submetidos, seriamoralmente lícito levá-la a cabo, ainda que fosse nula a possibi-lidade de resultados nocivos?

Em terceiro lugar, surge a circunstância de que em labora-tório (onde o controle susceptível de exercer-se é máximo) é difícilproduzir estímulos tão potentes quanto os da vida real. Não épossível ao laboratório reproduzir, em todo o seu vigor, as forçassocio-psicológicas que normalmente actuam sobre as pessoas. Omundo real caracteriza-se por conflitos, crises, movimentos e re-trocessos que não podem encontrar réplica adequada num ambienterestrito24. Donde a dúvida perene de que enfermam os resultadosde todas essas experiências, ou seja, a de se a extrapolação dosresultados laboratoriais ao mundo social externo ao laboratórioserá ou não válida.

Deste modo, o investigador que efectue determinada experiên-cia no condicionalismo ideal do laboratório obterá, sem dúvida,resultados dignos de confiança, sem que, porém, lhe seja possí-vel garantir a sua validade extra-laboratorial .

Deve finataiente chamar-se a atenção para o facto de queo êxito da utilização de qualquer dos processos experimentais serelaciona directamente com a clara compreensão do problema emestudo e com a especificidade com que hajam sido formuladas ashipóteses da investigação. Ninguém pode realizar uma experiên-cia sem previamente definir as variáveis independente e depen-dente que causalmente hajam que vincular ̂ e entre si, e sem queas variáveis a controlar hajam sido identificadas. Estes requisitosimpõem um amplo contacto com o fenómeno em estudo. Por estemotivo, a experimentação é um método inadequado à fase explo-ratória de uma investigação, quando a compreensão dos proble-mas a estudar é ainda escassa. Mesmo nas circunstâncias maisfavoráveis, uma experimentação é sempre difícil de realizar; de-ve, portanto, ser precedida por um dos outros métodos de inves-tigação e só se iniciar num estádio relativamente avançado dapesquisa.

24 KATZ, Daniel, «Field Studies», in FESTINGER, Leon and KATZ, Daniel

(eds.), Research Methods in tine Behaviorcd Sciences, Dryden Press, 1953.

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Apreciação do método dê medida

A primeira vantagem do método de medida consiste na suaextensão. Partindo do princípio de que a aleatoriedade haja sidorespeitada, as amostras muito amplas utilizadas para as mediçõessociológicas oferecem resultados que permitem formular generali-zações. De facto, nenhum dos outros dois métodos proporcionaidêntica base para a elaboração de inferências empíricas, susceptí-veis de serem generalizadas a populações estatísticas mais amplas.Donde ser, indiscutivelmente, a medição o processo mais dignode confiança para enunciar uniformidades sociais.

Outra das suas vantagens consiste no facto de que, ao prefe-rir a medição à experimentação, o investigador evita muitas di-ficuldades características desta última. A mais importante é, semdúvida, a da artificialidade de que se reveste toda a experimenta-ção, por melhor controlada que seja. O investigador que recorreao método de medida não tem de se preocupar com tal questão,uma vez que ele mesmo se introduz no processo social real, masapenas na medida necessária para o observar e sem propriamentenele interferir. Por outro lado, o método de medida adapta-se in-discutivelmente melhor à comprovação de certos tipos de hipóte-ses do que a experimentação. Por exemplo, a hipótese de SEWELL,segundo a qual os diferentes métodos de educar as crianças produ-zem diferenças na estrutura da sua personalidade, não poderiater sido posta à prova através de experimentação normal, pois estateria requerido uma sujeição aleatória das crianças, na sua in-fância, a diferentes processos de educação, o que, como é óbvio,não seria possível na nossa sociedade. Para estas e outras hipóte-ses causais semelhantes, o método de medida representa a únicaóptica de investigação possível. Sendo assim, poderá talvez afir-mar-se que o método de medida é mais versátil do que a experi-mentação e, portanto, aplicável a uma maior variedade de proble-mas sociológicos25.

Em contrapartida, a maior lacuna do método de medida con-siste na sua falta de intensidade. Dois factos contribuem para queassim seja. Em primeiro lugar, tendo em conta que são centenas,e por vezes, milhares, os indivíduos interrogados nas pesquisasmensurativas, o contacto do investigador com os inquiridos é ne-cessariamente breve e superficial; no caso de se utilizarem ques-tionários enviados pelo correio, nem sequer chega a haver con-tacto. Tal não se verifica em certas pesquisas ocasionais, que re-querem entrevistas prolongadas e repetidas; mas estas, devido aoseu custo proibitivo, não constituem regra. O facto puro e simples

25 CAMPBELL, A. Angus and KATONA, George, «The Saniple Survey:A Technique for Social Science Research», in FESTXNGER, Leon and KATZ,Daniel (eds.), Research Methods in the Behavioral Sciences, Dryden Press,1953.

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é que, nos típicos estudos de medida, o exame intensivo dos inquiri-dos não é possível. Em segundo lugar, uma vez que as respostas aobter se destinam a uma análise quantitativa, há tendência a fazerapenas perguntas que possam ser facilmente codificadas e sujeitasa contagem. Ora, pode suceder que tais perguntas não sejam asmais penetrantes; de facto, apresentam, em princípio, o carácteroposto. Por outro lado, sem dúvida que ocasionalmente se incluemnos questionários rubricas que permitem respostas «abertas»; masum questionário constituído principalmente por um conjunto derubricas deste género suscitará problemas analíticos tremendos.Regra geral, as perguntas de tipo mensurativo terão, por conse-guinte, de ser um tanto superficiais. Por este motivo, o métodode medida adapta-se mal ao estudo dos fenómenos psicossocioló-gicos, cuja dinâmica é profunda e complexa, requerendo umaobservação intensiva, ou seja: íntima e prolongada.

Sendo provavelmente a medição sociológica o método praticávelpara comprovar certas hipóteses causais, não é contudo o processoideal para estabelecer a relação causal. De facto, quando se em-prega o método de medida, torna-se difícil obter dados que res-pondam aos dois critérios básicos de atribuição de causalidade:a sequência temporal das variáveis e a exclusão de outras causaspossíveis. Nas medições típicas, o investigador efectua as suas en-trevistas já depois de a variável dependente ter aparecido e pro-cura estabelecer a prioridade cronológica da variável independentepor meio de respostas a perguntas retrospectivas acerca de acon-tecimentos passados. Não é, porém, possível depositar total con-fiança nesta técnica, pois assenta numa dupla suposição (que fre-quentemente não oferece garantias) de que o interrogado é sem-pre capaz de recordar o passado, e de que, no caso de poder re-cordá-lo, quererá divulgar o que recorda.

Inclusivamente, mesmo partindo do princípio de que se encon-tra indivíduos dispostos a cooperar totalmente ícom o investiagador e possuindo memórias infalíveis, subsiste o problema docontrole sobre as variáveis que possam favorecer ou desfavorecera aparição do fenómeno em estudo. Nas investigações conduzidassegundo o método de medida, este problema aparece sob a formada auto-selecção. Com efeito, uma medição explicativa requere en-trevistas com amostras contrastantes, das quais façam parte —num dos casos — interrogados que hajam tido e — no caso con-trastante— interrogados que não hajam tido, uma determinadaexperiência (ou seja, que tenham ou não sido sujeitos a certo es-tímulo). Espera-se, deste modo, que o contraste proporcione achave para a atribuição da causalidade. Ora bem, a auto-selecç|Loresulta das inclinações pessoais dos indivíduos em estudo querpara se aproximarem do estímulo, quer para se afastarem dele. Oinvestigador deverá, portanto enfrentar sempre a probabilidadede que um número indeterminável dos inquiridos prefira sofrer

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ou deixar de sofrer a experiência, o Que afecta os resultados do

seu trabalho. A auto-selecção é, por conseguinte, uma variávelque favorece ou desfavorece — conforme o caso —, a apariçãodo fenómeno em estudo. Nas medições sociológicas onde esta va-riável não é controlada — e acontece que, na maioria dos casos, éincontrolável — os resultados são, assim, inevitavelmente preju-dicados. O controle exercido posteriormente à recolha de dados,por muito preciso que seja, não compensará este defeito. As me-dições sociológicas não podem, portanto, satisfazer o segundo cri-tério de atribuição de causalidade. Nas experimentações, pelo con-trário, a auto-selecção pode ser controlada mediante uma selecçãoprévia adequada dos indivíduos em estudo e ida sua atribuição alea-tória a cada um dos grupos contrastantes. Apenas as experimen-tações ex post facto — as menos rigorosas — não permitemtal controle; é provável que, por consequência, também elas so-fram os efeitos da auto-selecção. Em suma: como método de in-vestigar a causalidade, o mais rigoroso dos processos mensurativosé inferior ao menos rigoroso dos processos experimentais.

Apreciação do método de estado de casos

A virtude primordial do estudo de casos consiste, como já vi-mos, em permitir a compreensão profunda do fenómeno enquantototalidade. Por não ter de dispersar-se por uma multiplicidade deunidades de observação e poder restringir o número de factores aobservar, o investigador pode concentrar a sua atenção num pe-queno número de casos e considerar, com grande minúcia, todase cada uma das facetas susceptíveis de esclarecê-lo. Nenhum dosoutros dois métodos de investigação permite obter um tal grau deamplitude e profundidade. Uma tão completa absorpção do inves-tigador nos seus casos condu-lo, portanto, inevitavelmente, a umacompreensão ampla e profunda da sua. dinâmica interna. Pos-suindo um conhecimento detalhado e altamente diversificadoacerca de muitos factores, encontra-se em melhores condições dereconhecer o modelo, a configuração, na qual se interrelacionamtodos estes factores. O fenómeno é assim encarado na sua totali-dade.

Seja qual for o fenómeno analisado, o estudo de casos per-mite ao investigador considerá-lo como um todo, pois a únicacaracterística do método consiste na sua intenção de preservaro carácter unitário do que é observado. O contraste com o métodode medida é, assim, flagrante. Este último requer a recolha deinformações referentes a uma série de propriedades particularesde um vasto número de casos. A informação assim reunida con-verte-se então em unidades contáveis que são codificadas e re-duzidas a quadros numéricos. No processo de tal conversão, os

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ôasos que constituem a fonte original de observação perdem-áêde vista: o investigador encarregado da pesquisa mensurativa passaa ocupar-se com a «análise de características», mediante a utiliza-ção de fichas perfuradas. Atingido este ponto, as fichas e carac-terísticas encontram-se já separadas dos casos aos quais, em últimaanálise, se referem26. Por outro lado, no método do estudo decasos o investigador nunca perde de vista o contacto íntimo como objecto central do seu estudo. O caso é visto como um todo, tantodurante a recolha de dados como idurante a sua análise. Dado queeste método requer um exame íntimo e preciso de uma totalidade,adapta-se especialmente bem ao estudo longitudinal da dinâmicada evolução social.

Ainda dentro dos aspectos positivos do estudo de casos, deverámencionar-se a sua extrema validade como método «exploratório»,para o investigador que tenta iniciar-se na compreensão de um fe-nómeno que lhe não é familiar. Ao ser utilizado num campo relati-vamente inexplorado, onde não haja investigação prévia capaz defornecer uma certa orientação inicial, o método de estudo de casosé especialmente fecundo na produção de revelações úteis. Estasserão seguidamente utilizadas como hipóteses a comprovar pormeio de experimentação ou medição. Mesmo os sociólogos maisorientados para o quantitativo estão de acordo quanto à utilidadedos estudos de casos como meio de proporcionar pistas, revelaçõese indícios acerca de problemas pouco conhecidos. Donde poder de-duzir-se que a utilização prévia do estudo de casos é condição de-sejável para obter uma utilização maximamente eficiente dos ou-tros dois métodos.

Quanto aos aspectos negativos, duas objecções, ambas bemfundadas, são apresentadas pelos sociólogos ao método de estudo decasos. A primeira relaciona-se com a falha de rigor que caracterizaa fase analítica do método e com a sua excessiva dependência dacapacidade integrativa do investigador, que fica, na verdade, res-ponsável pela ordenação de uma massa de dados muito vasta. Issolevou certo crítico a referir-se a este método em termos de umaespécie de técnica projectiva em grande escala27. Para os outrosdois métodos de investigação, os processos analíticos encontram-sesuficientemente formalizados, de modo que os seus resultados po-dem ser comprovados e um investigador pode transferir os seusdados para as mãos de um colega, a fim de que este os registee reelabore. No estudo de casos, pelo contrário, o elemento maisimportante, ou seja, o conhecimento íntimo que o investigadorpossui do fenómeno, é muito escassamente transmissível. É sobreele que têm de basear-se tanto o investigador como os seus colegas.

26 GOODE, William J. and HATT, Paul K., Methods in Social Research,McGraw-Hill, 'l952.

27 JAHODA, Marie, DEUTSCH, Merton and COOK, Stuart W., ResearchMethods in Social Relations, Dryden Press, 1953.

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Ora, um conhecimento íntimo — ainda que desejável — pode sei*enganoso para um observador Que não se encontre bem atento28.Pode dar ao investigador um falso sentimento de certeza, acres-cido da tentação ide deslizar inconscientemente para uma conclu-são que a outros possa parecer falha de garantias. Pois que ha-verá a rectificar, sendo ele quem conhece o caso melhor queninguém?

Mas admitindo mesmo que são dignas de confiança a descriçãodo investigador e as suas interpretações, permanece problemática ainferência, a partir do caso, para a classe de que o caso é apenas umexemplo. O que nos conduz à segunda crítica ao método de estudode casos. O estudo de um caso, ou mesmo de um pequeno númerode casos, não pode proporcionar bases para uma generalização.O investigador que haja reunido uma enorme quantidade de dadospode confundir volume com representatividade. A verdade é queum pequeno número de casos — e não importa como hajam sido se-leccionados quanto ao seu carácter típico — não permite inferên-cias que atinjam classes mais amplas. Tais inferências dependemde amostras que sejam, simultaneamente, amplas e aleatórias eestes requisitos não podem ser preenchidos pelo estudo de casos.A incapacidade para generalizar, característica idos estudos de ca-sos, encontra-se em grande parte na origem do debate acerca daadequação deste método à Sociologia científica.

Comentários finais

De tudo o que acima se encontra exposto, resulta que os de-feitos e qualidades dos três métodos representam faces opostasda mesma moeda. As (desvantagens do método experimental de-pendem do seu próprio rigor; a superficialidade do método de me-dida deve-se à sua extensão; a incapacidade para generalizar,característica do estudo de casos, está ligada ao seu carác-ter intensivo. Tornarse óbvio que a maneira como os defeitose qualidades idos três métodos se encontram distribuídos é tal quecada um possui precisamente o que falha aos outros dois. Os trêsmétodos deveriam considerar-se, assim, não como competitivos,mas como complementares; ou seja: deverão ser utilizados, quersucessiva, quer simultaneamente.

Deste modo, as conclusões de um estudo de casos poderão en-gendrar uma hipótese para experimentação, e os resultados desta,por sua vez, poderão conduzir à formulação de questões a investi-gar por meio de medições que conduzam, finalmente, ao cerne doproblema em estudo. Aliás, os resultados de uma medição socio-

28 GOODE, William J. and HATT, Paul K., Methods in Social Research,

McGraw-Hill, 1952.

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lógica podem suscitar problemas insuspeitados que imponham, poi*sua vez, o retorno a um estudo de casos, antes da realização denovas medições. Ocasionalmente, devem, porém, utilizar-se doismétodos simultaneamente. É exemplificativo desta hipótese o es-tudo realizado em Cincinnati, a fim de comprovar a eficácia de umacampanha educativa de publicidade das Nações Unidas29. O planoda investigação consistia numa combinação de experimentação decampo e de medição. A fim de determinar a eficácia dos estímulosna alteração das atitudes dos habitantes da cidade em relação àOrganização, realizaram-se medições de opinião «antes» e «depois»,com um intervalo de seis meses, abrangendo cada uma 750 inter-rogados.

Presentemente, impõe-se efectuar mais investigações que uti-lizem dois ou mais métodos ide investigação, suficientemente do-cumentados para permitirem uma análise metodológica subse-quente. Tornar-se-á, deste modo, possível aumentar a nossa com-preensão das potencialidades desses métodos e das suas inter-re-lações.

(Tradução de Mcúria de Fátima Sedas Nunes)

29 STAR, Shirley A. and HUGHES, Helen McGill, «Report on an Educa-tional Campaign: The Cincinnati Plan for the United Nations», AmericanJournal of Sociology, vol. 55, January 1950, pp. 389-400.