simpÓsio 7 - língua e literatura na ação escolar · para a sociologia tradicional do tempo...

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SIMPÓSIO 7 - Língua e literatura na ação escolar Práticas de leituras de professores em seu tempo livre - Ernani Terra - PUC-SP Resumo: Neste Simpósio apresentamos resultados de pesquisa que investigou práticas de leituras de professores de língua portuguesa de ensino médio da região metropolitana de São Paulo em seu tempo livre. Procuramos responder a duas questões, que nortearam a pesquisa: I. O professor de língua portuguesa é um professor-leitor, ou apenas um leitor de textos que utiliza em situações de ensino? II. As leituras que os professores de língua portuguesa fazem em seu tempo livre são levadas para situações de ensino? Palavras-chave: práticas de leituras; prática docente; tempo livre Neste Simpósio apresentamos resultados de pesquisa que investigou práticas de leituras de professores de língua portuguesa de ensino médio da região metropolitana de São Paulo em seu tempo livre. Procuramos responder a duas questões, que nortearam a pesquisa: I. O professor de língua portuguesa é um professor-leitor, ou apenas um leitor de textos que utiliza em situações de ensino? II. As leituras que os professores de língua portuguesa fazem em seu tempo livre são levadas para situações de ensino? Tivemos por objetivos: 1. identificar o que os professores leem em seu tempo livre; 2. verificar se essas leituras resultam ou não da livre escolha dos docentes. Procuramos demonstrar que a autonomia dos professores de língua portuguesa em decidir o que querem ler em seu tempo livre não é plena, pois é determinada por compromissos institucionais. O trabalho desenvolveu-se a partir de pesquisa bibliográfica e revisão crítica da literatura concernente à matéria tratada, o que serviu de base para a análise e interpretação dos dados gerados por meio de pesquisa quantitativa e qualitativa. A abordagem analítica fundamentou-se em dois pilares independentes, mas relacionados pelo tema geral: 1. análise das características e propriedades do tempo livre e das atividades de ócio e lazer; 2. análise dos modos de agir de professores e suas práticas pedagógicas relativamente à leitura. O referencial teórico adotado para o item 1 recaiu nos trabalhos de Theodor W. Adorno, Joffre Dumazedier e Frederic Munné. O item 2 teve como arcabou teórico as pesquisas de Pierre Bourdieu, Michel de Certeau, Marisa Lajolo e Regina Zilberman. Os resultados da pesquisa revelaram que, para os professores-informantes, as leituras que fazem no tempo em que eles estão liberados do trabalho e dos afazeres domésticos estão ancoradas em sua prática docente e em seu desenvolvimento profissional. Os resultados obtidos mostram que a principal atividade praticada pelos professores em seu tempo livre é a leitura (86% da respostas) e que a maioria (79%) lê por prazer. As obras e autores mencionados nas respostas ao inquérito permitem concluir que os professores- informantes usam pelo menos parte do tempo liberado do trabalho para ler obras ligadas ao exercício profissional, sendo aquelas exigidas pelos vestibulares das universidades públicas as mais citadas. Leituras que, em princípio, poderiam ser consideradas como de fruição, como as obras literárias, não são feitas com essa finalidade, vale dizer, não decorrem do ócio ou lazer. A representação que os professores-informantes fazem das leituras é, basicamente, que se trata de forma de conhecimento e prazer. Os dados gerados pela pesquisa mostraram que não há, no universo dos professores pesquisados, uma clivagem muito marcada entre trabalho e tempo livre, de sorte que aquilo que entendem por tempo livre não é definido por oposição a trabalho. Tempo livre é, para os professores-informantes, tempo de trabalho, sobretudo destinado à leitura com fins pragmáticos.

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SIMPÓSIO 7 - Língua e literatura na ação escolar

Práticas de leituras de professores em seu tempo livre - Ernani Terra - PUC-SP Resumo: Neste Simpósio apresentamos resultados de pesquisa que investigou práticas de leituras de professores de língua portuguesa de ensino médio da região metropolitana de São Paulo em seu tempo livre. Procuramos responder a duas questões, que nortearam a pesquisa: I. O professor de língua portuguesa é um professor-leitor, ou apenas um leitor de textos que utiliza em situações de ensino? II. As leituras que os professores de língua portuguesa fazem em seu tempo livre são levadas para situações de ensino? Palavras-chave: práticas de leituras; prática docente; tempo livre Neste Simpósio apresentamos resultados de pesquisa que investigou práticas de leituras de professores de língua portuguesa de ensino médio da região metropolitana de São Paulo em seu tempo livre. Procuramos responder a duas questões, que nortearam a pesquisa: I. O professor de língua portuguesa é um professor-leitor, ou apenas um leitor de textos que utiliza em situações de ensino? II. As leituras que os professores de língua portuguesa fazem em seu tempo livre são levadas para situações de ensino? Tivemos por objetivos: 1. identificar o que os professores leem em seu tempo livre; 2. verificar se essas leituras resultam ou não da livre escolha dos docentes. Procuramos demonstrar que a autonomia dos professores de língua portuguesa em decidir o que querem ler em seu tempo livre não é plena, pois é determinada por compromissos institucionais. O trabalho desenvolveu-se a partir de pesquisa bibliográfica e revisão crítica da literatura concernente à matéria tratada, o que serviu de base para a análise e interpretação dos dados gerados por meio de pesquisa quantitativa e qualitativa. A abordagem analítica fundamentou-se em dois pilares independentes, mas relacionados pelo tema geral: 1. análise das características e propriedades do tempo livre e das atividades de ócio e lazer; 2. análise dos modos de agir de professores e suas práticas pedagógicas relativamente à leitura. O referencial teórico adotado para o item 1 recaiu nos trabalhos de Theodor W. Adorno, Joffre Dumazedier e Frederic Munné. O item 2 teve como arcabou teórico as pesquisas de Pierre Bourdieu, Michel de Certeau, Marisa Lajolo e Regina Zilberman. Os resultados da pesquisa revelaram que, para os professores-informantes, as leituras que fazem no tempo em que eles estão liberados do trabalho e dos afazeres domésticos estão ancoradas em sua prática docente e em seu desenvolvimento profissional. Os resultados obtidos mostram que a principal atividade praticada pelos professores em seu tempo livre é a leitura (86% da respostas) e que a maioria (79%) lê por prazer. As obras e autores mencionados nas respostas ao inquérito permitem concluir que os professores-informantes usam pelo menos parte do tempo liberado do trabalho para ler obras ligadas ao exercício profissional, sendo aquelas exigidas pelos vestibulares das universidades públicas as mais citadas. Leituras que, em princípio, poderiam ser consideradas como de fruição, como as obras literárias, não são feitas com essa finalidade, vale dizer, não decorrem do ócio ou lazer. A representação que os professores-informantes fazem das leituras é, basicamente, que se trata de forma de conhecimento e prazer.

Os dados gerados pela pesquisa mostraram que não há, no universo dos professores pesquisados, uma clivagem muito marcada entre trabalho e tempo livre, de sorte que aquilo que entendem por tempo livre não é definido por oposição a trabalho. Tempo livre é, para os professores-informantes, tempo de trabalho, sobretudo destinado à leitura com fins pragmáticos.

A pesquisa possibilitou também concluir que a leitura é parte importante da formação dos entrevistados, uma vez que constatamos altos índices de leituras de obras teóricas voltadas à capacitação profissional. Ressaltamos, no entanto, que essas leituras não decorrem da livre opção dos professores, mas são, sobretudo, resultantes de imposição e / ou sugestão de terceiros (professores, coordenadores, colegas). Trata-se, pois, de leituras heterocondicionadas, confirmando nossa hipótese de que a autonomia dos professores em decidir o que leem sofre restrições em função de sua atividade docente e de compromissos institucionais. Ademais, se não resultam da livre escolha do professor, não podem essas leituras ser consideradas de tempo livre, mas leituras de trabalho e que, portanto, devem ser categorizadas como pertencentes ao tempo socioeconômico. Paralelamente à formação profissional, a leitura é considerada pelos informantes uma atividade prazerosa. Se pudéssemos resumir numa equação como os professores participantes da pesquisa veem a leitura, essa equação é: Leitura = formação + prazer. Os professores-informantes destinam parte do tempo em que não estão dando aulas para ler basicamente dois tipos de obras: 1. aquelas que serão usadas em sala de aula com seus alunos (leituras como instrumento de prática docente); 2. obras que têm por finalidade aquisição e atualização de conhecimentos relativos à sua profissão (leituras como instrumento de formação docente). No primeiro grupo, estão as obras que leem (ou releem) por exigência do vestibular e aquelas que, embora não estejam na lista dos vestibulares, fazem parte do programa oficial do Ensino Médio, vale dizer, a leitura até mesmo de obras literárias apresenta alto grau de heterocondicionamento. O professor deixa de ler o que quer ou gostaria, para ler o que é obrigado a ler. Como o tempo livre é escasso, ele se vê obrigado a fazer escolhas e o dever se sobrepõe ao lazer.

Obras constantes da lista de leituras obrigatórias do vestibular da USP e Unicamp foram mencionadas como lidas pelos entrevistados. Todos declararam ter lido Iracema e Vidas secas. Treze leram Dom Casmurro; doze, Auto da barca do inferno; onze, Memórias de um sargento de milícias. Não podemos afirmar, no entanto, que essas leituras foram feitas em função do vestibular, já que, em nossa pesquisa, limitamo-nos a verificar o que os informantes leem em seu tempo livre sem indagar deles a causa e a finalidade de tais leituras. Apenas em casos em que as respostas quebraram nossa expectativa de audição, formulamos perguntas a fim de esclarecer os motivos que lhes levaram a ler a obra declarada. A informação de que professores de língua portuguesa de ensino médio da região metropolitana de São Paulo tenham lido Iracema, Vidas secas, Dom Casmurro, Auto da barca do inferno, Memórias de um sargento de milícias está absolutamente dentro da margem de previsibilidade de nossa pesquisa, por fazerem parte dos programas oficiais.

No segundo grupo, estão obras como: Gêneros orais e escritos na escola, de Dolz e Scheneuwly; Gramática ensino plural, de Luiz Carlos Travaglia; Do mundo da leitura para a leitura do mundo, de Marisa Lajolo, entre outras, que também estavam dentro de nossa expectativa de audição, uma vez que constam de bibliografias de cursos de aperfeiçoamento, de pós-graduação e de material didático distribuído pelo governo aos professores. Evidentemente, leituras feitas com o fito de completar a formação profissional poderiam ser consideradas leituras realizadas durante o ócio. O que vai determinar se pertencem a essa categoria não é o tema da leitura, nem a finalidade dela, mas se decorre de livre escolha (leitura autocondicionada), ou de imposição do trabalho (leitura heterocondicionada). O ócio não é um não fazer nada, não é inatividade. Também não é um tempo destinado apenas a repor energias para se voltar ao trabalho. É, sobretudo, um tempo de liberdade voltado à formação e desenvolvimento da pessoa, o que equivale a dizer, que pode (e deve) ser preenchido também com essa finalidade, razão pela qual nada impede que seja usado para a leitura de livros ligados à profissão que se exerce. O ócio é de natureza subjetiva,

devemos entendê-lo como algo que está no indivíduo e não na atividade em si, por isso deve ser definido a partir da percepção de quem o experimenta. A teoria tradicional do ócio postula que é preciso estar liberado do trabalho para estar liberado para o ócio. No entanto, não só nosso tempo é diferente, mas os nossos docentes são diferentes, por isso somos obrigados a propor uma nova categorização para o ócio que permita compreender o tempo livre do nosso professor: o ócio-trabalho. Para a sociologia tradicional do tempo livre, essa expressão pode soar paradoxal, já que ócio e trabalho são excludentes. Quando se pensa em nossos professores, o paradoxo é apenas aparente, na medida em que, para eles, desenvolver uma atividade ligada ao trabalho gera satisfação, fazendo-os se sentir livres e criativos. E, por assim se perceberem, sentem-se autodeterminados e a leitura é uma forma de se experimentarem senhores de sua própria vida. Bibliografia ADORNO, T. W. Indústria cultural e sociedade. 5. ed. [Trad. de Maria Helena Ruschel]. São Paulo: Paz e Terra, 2002. _______; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. [Trad. de Guido de Almeida]. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. BOURDIEU, P. Sociologia. [Trad. e org. de Renato Ortiz]. São Paulo: Ática, 1983. ______. Escritos de educação. [Trad. de Afranio Mendes Catani ]. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. ______. A economia das trocas simbólicas. (Introd., org. e sel. de Sergio Miceli). [Vários tradutores]. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007. ______ . A distinção: crítica social do julgamento. [Trad. de Daniela Kern; Guilherme J. F. Teixeira]. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2008. ______; PASSERON, J-C. A reprodução: elementos para um teoria do sistema de ensino. [Trad. de Reynaldo Bairão]. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano 1. Artes de fazer. [Trad. de Ephraim Ferreira Alves]. 13. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. DUMAZEDIER, J. Sociologia empírica do lazer. [Trad. de Silvia Mazza e J. Guinsburg]. São Paulo: Perspectiva: SESC, 1999 [Debates]. ______. Lazer e Cultura Popular. [Trad. de Maria de Lourdes Santos Machado]. São Paulo: Perspectiva, 1973. [Debates]. LAJOLO, M. O texto não é pretexto. In: ZILBERMAN, R. (Org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. 8. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988, p. 51-62. ______. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 1993. ______; ZILBERMAN, R. A leitura rarefeita: leitura e livro no Brasil. São Paulo: Ática, 2002. ______; ZILBERMAN, R. A formação da leitura no Brasil. 3. ed. São Paulo: Ática, 2009. ZILBERMAN, R. e SILVA, E. T. da. Leitura: perspectivas interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1999, p.18-29. ______. O livro didático como fonte para a história da leitura e da formação do professor-leitor. In: MARINHO, M. (Org.) Ler e navegar: espaços e percursos da leitura. Campinas, SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil – ALB, 2001, p. 31-76.

A influência das traduções no ensino da literatura sagrada - Mariú Moreira Madureira

Lopes (UPM/FAPESP) RESUMO: Com base nas considerações feitas por Halliday (1973; 1978; 2004) sobre contexto de cultura e contexto de situação, propõe-se analisar a relação entre a linguagem e tais contextos em versões bíblicas portuguesas católicas e protestantes, a fim de verificar como esses contextos e como a cultura influenciam na construção textual e nas escolhas linguísticas feitas por tradutores, e quais implicações as diferentes escolhas linguísticas podem apresentar em relação ao ensino religioso. Palavras-chave: Contexto de cultura e de situação; Ensino religioso; Literatura sagrada; Tradução bíblica.

Em geral, as religiões fundamentam sua fé em uma literatura considerada sagrada, que se constitui como a base para o ensino religioso. Todavia, boa parte dos leitores que apreendem os ensinos registrados em livros sagrados somente tem acesso a seu conteúdo por meio de versões, principalmente no caso da Bíblia. Elas exercem grande influência no ensino religioso por apresentarem traços marcantes de estrutura e vocabulário próprios de um determinado domínio: o da religião. Não só o conteúdo do texto-fonte aponta para o universo sagrado, como também as escolhas linguísticas do texto-alvo se apresentam marcadas por essa sacralidade, que é produto da tradição linguística de uma determinada comunidade.

Na produção de uma versão bíblica, significados são compartilhados tendo como parâmetro uma linguagem construída em um contexto amplo, o do sagrado, e em um contexto específico, o da religião. Por isso, é possível observar diferentes escolhas linguísticas em traduções bíblicas destinadas a diferentes segmentos do cristianismo, que podem, ou não, influenciar no ensino religioso. Embora usem ‘teoricamente’ um mesmo livro, as versões carregam marcas do contexto específico de cada grupo. Nessa linha, pretende-se, neste ensaio, discutir as considerações feitas por Halliday (1973; 1978; 2004) sobre contexto de cultura e contexto de situação e, em seguida, fazer um estudo comparativo de versões bíblicas, a fim de verificar como esses contextos e como a cultura influenciam na construção textual e nas escolhas linguísticas feitas por tradutores, e quais implicações as diferentes escolhas linguísticas podem apresentar em relação ao ensino religioso.

Halliday (1978, p. 34) descreve a linguagem como “a habilidade de ‘significar’ em determinados tipos de situação, ou contextos sociais, que são gerados pela cultura”1. Pode-se então notar que cultura e situação são elementos distinguidos na concepção linguística desse teórico. O contexto de cultura compreende o ‘potencial’, as possibilidades de produção de sentido existentes na língua, e o contexto de situação compreende o ‘real’, o modo como se efetivam essas possibilidades.

Como pontua Eggins (1994), o “contexto de cultura” é um elemento mais abstrato e geral do que o “contexto de situação”, e é visto, sobretudo, como parte de um sistema social (HALLIDAY, 1978), que compreende “os panos de fundo ideológico e instrucional que dão valor ao texto e restringem seu significado”2 (HALLIDAY; HASAN, 1989, p. 49). Assim, a                                                                                                                          1 Todas as traduções de textos em língua estrangeira foram feitas pela pesquisadora. Os textos originais serão inseridos em nota na íntegra. [...] the ability to ‘mean’ in the situation types, or social contexts, that are generated by the culture. 2 [...] the institutional and ideological background that give value to the text and constrain its interpretation.

cultura torna possível a potencialidade de produção de significados, que se circunscrevem em situações reais de uso. Como complemento desse contexto geral e abstrato, instaura-se um contexto particular e restrito, o contexto de situação, em que se observa a concretização da comunicação em um dado ambiente particular.

Com base nessa distinção, Eggins (1994) associa o contexto de cultura ao gênero, e o contexto de situação ao registro, concluindo que “os gêneros são concretizados por meio da linguagem”, e “esse processo de concretização dos gêneros na linguagem é mediado pela concretização do registro”3 (EGGINS, 1994, p. 34). Gênero e registro, portanto, se inter-relacionam e, de acordo com House (2001), enquanto o registro estabelece ligação entre o texto e seu microcontexto, o gênero estabelece ligação entre o texto e seu macrocontexto. Por isso, pode-se pensar que o contexto mais amplo e caracterizador da literatura sagrada é o próprio sagrado, e as manifestações específicas do sagrado nas variadas versões bíblicas, por exemplo, representam registros distintos de determinados grupos religiosos.

A linguagem se concretiza em situações, e, somente por referência às diversas situações, ou tipos de situação em que a linguagem é usada, torna-se possível entender seu funcionamento (HALLIDAY; MCINTOSH; STEVENS, 1964). Em outras palavras, é preciso identificar o registro em que a linguagem é usada, atentando às características do contexto de situação. Segundo Halliday (1978), o registro pode ser definido como “uma configuração de recursos semânticos que o membro de uma cultura, tipicamente, associa com um tipo de situação. Trata-se do potencial significativo que está acessível em um dado contexto social”4 (HALLIDAY, 1978, p. 111). Halliday (1978) ainda acrescenta que o elemento determinador da existência do registro é a experiência diária, que torna reconhecíveis entre os falantes opções linguísticas comuns à situação instaurada.

Para Halliday (1989), a situação consiste de: a) ação social — o acontecimento em si, inclusive o tema; b) estrutura de papéis — a relação entre os participantes no discurso e os papéis que eles ocupam na interação; c) organização simbólica — o estatuto particular que é atribuído ao texto, como organização simbólica. De acordo com o autor (1989), esses três elementos, que constituem a estrutura semiótica da situação, são designados respectivamente como: ‘campo’, ‘relação’ e ‘modo’:

O ambiente, ou contexto social, da linguagem é estruturado como um campo de ação social significativa, uma relação de interação entre papéis, e um modo de organização simbólica. Tomados juntos, eles constituem a situação, ou ‘contexto de situação’, de um texto (HALLIDAY, 1978, p. 143)5.

O ‘campo’, um dos primeiros componentes descritos por Halliday (1973; 1978), refere-se ao tipo de ação social em que se instaura o discurso e à maneira como a linguagem se configura para representar a realidade. Pondo-se sob consideração o contexto de situação das versões bíblicas que serão aqui analisadas, pode-se sugerir que o campo específico em que elas atuam é o do cristianismo, visto que catolicismo, protestantismo e ecumenismo partilham da crença em Cristo como personagem central e mediador entre Deus e os homens.

A seleção de objetos, pessoas e eventos, além da seleção das circunstâncias, identificam o campo. Em termos gerais, a escolha desses elementos é delimitada nas versões bíblicas por crenças e dogmas engendrados na própria religião.

                                                                                                                         3 [...] genres are realized (encoded) through language […] this process of realizing genres in language is mediated through the realization of register. 4 [...] the configuration of semantic resources that the member of a culture typically associates with a situation type. It is the meaning potential that is accessible in a given context. 5 The environment, or social context, of language is structured as a field of significant social action, a tenor of role relationships, and a mode of symbolic organization. Taken together these constitute the situation, or ‘context of situation’, of a text.

Os textos podem ser descritos em um mesmo campo, mas apresentam enfoques distintos dependendo da atividade social. Para Eggins (1994), uma das implicações linguísticas do campo está na identificação de dois extremos: a linguagem cotidiana e a linguagem técnica. Por exemplo, uma conversa de amigos sobre a Bíblia e uma exposição teológica feita por um estudioso do assunto são duas situações que podem ser circunscritas no mesmo campo. Todavia, no primeiro caso, o léxico provavelmente seria composto de termos de uso corrente, e dificilmente um falante teria dificuldade de compreender o assunto. O mesmo não ocorreria no segundo caso, em que o grau de tecnicidade da linguagem exigiria dos participantes conhecimento prévio.

O outro componente proposto por Halliday é a ‘relação’ (HALLIDAY; HASAN, 1989), conceito que identifica o papel que os participantes ocupam na interação. O tipo de papel adotado pelos envolvidos na interação trará implicações no uso da linguagem. O próprio falante faz escolhas tendo em vista seu ouvinte, que lhe pode ser familiar ou não.

Poynton (1985) sugere que há três dimensões necessárias à caracterização da relação: poder, envolvimento afetivo e contato. Comentando a proposta de Poynton (1985), Eggins (1994) resume a questão, descrevendo cada um dos extremos que podem ser verificados nas dimensões: a) a relação de poder na interação pode ser igual ou desigual, em termos de força, autoridade, estatuto e conhecimento especializado; b) o envolvimento afetivo pode ser alto ou baixo, em termos de extensão do envolvimento emocional entre os participantes; c) o contato pode ser frequente ou eventual, em termos de convivência.

Essas três dimensões permitem observar as possibilidades de relacionamento estabelecidas entre o homem religioso e a divindade, e entre o tradutor e o receptor de literatura sagrada. Na primeira relação, observa-se uma disparidade em termos de poder. Deus é, pela própria religião, considerado onipotente, e o homem é visto como dependente da divindade. Este vê aquele como soberano em tudo, reverenciando-o sem questionamentos. Ao mesmo tempo que ocorre esse distanciamento, há também uma certa aproximação, pois o envolvimento emocional da parte do homem religioso é bastante alto, implicando devoção absoluta a Deus e a tudo o que lhe pertence. Do mesmo modo, pode-se dizer que o contato do homem religioso com Deus é frequente, efetivando-se, por exemplo, nas orações e na leitura da Bíblia, meio pelo qual Deus soberanamente fala com o homem.

Dando continuidade à análise do componente ‘relação’, Eggins (1994) chega a uma outra conclusão, a de que, nesse elemento, podem ser indicados dois contrastes, que especificam dois tipos de situação: formal e informal. Há situações em que o falante se vale de estruturas linguísticas consideradas formais — quando, por exemplo, se dirige a uma autoridade —, mas há também casos em que o falante se vale de estruturas linguísticas correntes — quando conversa com seus amigos. Nesse sentido, a relação pode ser vista nas variações de modo verbal, tais como tipos de estrutura de oração (afirmativa, interrogativa), modalização, etc. (EGGINS, 1994). Essas variações de modalização no discurso em versões bíblicas podem ser facilmente observadas em textos de cunho exortativo e instrucional, como as epístolas.

O terceiro componente, o ‘modo’, instaura-se internamente na linguagem, configurando-se na tessitura do texto. Visto que o ‘modo’ compreende a organização simbólica do texto, Halliday (1989, p. 144) entende que sua efetividade ocorre na seleção de opções concernentes ao sistema textual:

A seleção de opções no sistema textual, tais como tema, informação e voz, e também a seleção de padrões coesivos de referência, substituição, elipse e conjunção, tendem a ser determinados pelas formas simbólicas tomadas pela interação.6                                                                                                                          6 The selection of options in the textual systems, such as those of theme, information and voice, and also the selection of cohesive patterns, those of reference, substitution and ellipsis, and conjunction, tend to be determined by the symbolic forms taken by the interaction.

Segundo Eggins (1994), pode haver no ‘modo’ tanto um distanciamento espacial/interpessoal como um distanciamento experiencial. No primeiro caso, a circunstância determinará a proximidade entre os participantes do discurso. Estes podem estar próximos, mantendo contato visual, auditivo e imediato, como ocorre na conversação, ou distantes, havendo apenas o contato com o texto, como é o caso da literatura sagrada. Nesse segundo caso, verifica-se um distanciamento entre a linguagem e a ocorrência do processo linguístico social, o que marca a diferença entre linguagem como ação e linguagem como reflexão7. Combinando esses dois distanciamentos, a autora estabelece os contrastes entre situações de fala e de escrita. Esta é produto de reflexão, no sentido de que o texto se sujeita a uma elaboração que permite, por exemplo, a reescrita, enquanto aquela se dá na interação face a face, sendo a linguagem usada de forma imediata, com espontaneidade. A diferença entre o discurso falado e o escrito revela características distintivas no uso da linguagem, o que ajuda a compreender como o modo, como componente em que se dão as seleções de opções feitas no sistema do texto e de padrões coesivos, serve de identificação da organização simbólica do texto. Em se tratando de versões bíblicas, há modos específicos de organização, que ora se pautam em traduções literais ora se pautam em traduções livres. Fato é que cada versão é produto de reflexão, de escolhas que se organizam em um determinado texto com objetivos e finalidades específicos. Traduções literais conservam a estrutura e o vocabulário do texto-fonte, e traduções livres priorizam a língua-alvo e estão mais preocupadas em fazer que a tradução possa ser entendida pelo público a que se destina.

Aplicando essa teoria no contexto da tradução de literatura sagrada, pode-se dizer que o contexto de cultura é marcado pelo sagrado, e o contexto de situação constitui-se de um ‘campo’ religioso (cristianismo), uma ‘relação’ dupla (Deus-homem; tradutor-receptor) e um ‘modo’ de organização em que se observam um registro religioso e enfoques tradutórios (literal e livre), que visam a atender às expectativas do leitor religioso.

Esse leitor religioso, como já foi dito, apreende os ensinos registrados na literatura sagrada por meio de traduções, neste caso, versões bíblicas. E essas traduções são responsáveis por formar na mente de seus leitores conteúdos e conceitos expressos por termos ou estruturas próprios do domínio religioso. Em outras palavras, o leitor religioso possui algo que Crystal (1992) chama de consciência linguística, que é produto de uma tradição. Dessa forma, o leitor tem em mente conteúdos e informações que o levam a nutrir expectativas em relação à tradução.

As diversas formas de reproduzir o texto-fonte na tradução são, de fato, tentativas de levar o leitor a ter acesso aos ensinos deixados na literatura sagrada. Algumas traduções preferem respeitar a tradição, mantendo, assim, a estrutura e o vocabulário com os quais o leitor já está acostumado. Outras, por sua vez, reconhecendo a dificuldade que o leitor tem de entender determinados conteúdos, termos ou expressões, propõem uma versão próxima da linguagem corrente, que torne o texto mais claro, sem arcaísmos, termos teológicos, etc. Há aqui, então, um impasse entre manter a erudição que é própria de uma literatura de cunho sagrado e resgatar o objetivo primordial dessa literatura, permeada de ensinamentos de Deus para os homens.

Para este ensaio quatro versões foram selecionadas. Duas versões consideradas literais (Bíblia de Jerusalém [BJ, católica] e Versão Almeida revista e atualizada [ARA, protestante]) e duas versões consideradas livres (Nova Tradução na Linguagem de Hoje e A mensagem [NTLH e MSG, as duas versões, embora tenham um maior público protestante, são veiculadas tanto no meio católico como no meio protestante). A análise deste ensaio será pautada na observação dos seguintes aspectos: tratamento das figuras de linguagem; inserção de explicações/ ampliação; manutenção de termo com tradição teológica.                                                                                                                          7 As duas relações, nesse caso, referem-se especificamente à diferença do uso da linguagem na fala e na escrita, respectivamente.

Quanto ao tratamento da figura de linguagem, selecionou-se o texto de Efésios 2.3, a fim de verificar como a metonímia carne (no grego, sarks) é traduzida nas versões8:

Grego: en ois kai hemeis pantes anestraphemen pote em tais apithumiais tes sarkos hemōn poiountes ta thelemata tes sarkos kai tōn dianoiōn, kai hemetha tekna physei orges ōs kai oi loipoi. BJ: Com eles, nós também andávamos outrora nos desejos de nossa carne, satisfazendo a vontade da carne e os seus impulsos , éramos por natureza como os demais, filhos da ira. ARA: entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais. NTLH: De fato, todos nós éramos como eles e vivíamos de acordo com a nossa natureza humana, fazendo o que o nosso corpo e a nossa mente queriam. Assim, porque somos seres humanos como os outros, nós também estávamos destinados a sofrer o castigo de Deus. MSG: Todos nós já nos comportamos assim, fazendo o que queríamos, a nossa própria vontade; estávamos todos no mesmo barco.

O termo carne (sarks), além de significar a estrutura física do ser humano, assume

também, no contexto religioso, a acepção daquilo que se opõe a Deus, como afirmam Coenen e Brown (2000, p. 278): “A carne, i.é, a existência do homem à parte de Deus, tem, portanto, um ímpeto que se opõe a Deus”. Quando o autor fala, em Efésios 2.3, sobre a carne, ele retoma esse conceito de que existe uma tendência humana que se opõe aos preceitos, e que é identificada, no meio cristão, em oposição ao espírito (sagrado) que constantemente se relaciona com Deus.

A metonímia sarks (sarkos) aparece em dois momentos, e é traduzida literalmente nos dois casos por carne, tanto na ARA quanto na BJ. Há, portanto, uma conservação da figura de linguagem. Essa conservação não ocorre nas versões livres. A NTLH prefere, no primeiro momento, empregar o conceito de natureza humana, interpretando, assim, o termo carne, e no segundo momento traduz a palavra, usando dois termos: corpo e mente. Em outras palavras, a NTLH utiliza duas possíveis acepções do termo grego para expor ao leitor o significado da metonímia. Na MSG, não é possível observar um equivalente propriamente dito na tradução. Apenas usa, no primeiro momento, o pronome demonstrativo o (fazendo o que queríamos), generalizando assim conteúdo que se quer transmitir. E, no segundo momento, o pronome possessivo nossa (nossa própria vontade). A metonímia em si se perde, o que parece indicar que o tradutor está mais preocupado em expressar a ideia, não se prendendo a termos específicos do texto.

Quanto à inserção e ampliação de termos, selecionou-se o trecho de Apocalipse 7.11: Grego: eksousin ep’auton basileia ton angelon tes abyssou, onoma auto Ebraisti Abaddon, kai en te Ellenike onoma ekhei Apollyon.

                                                                                                                         8  O  texto  grego  foi  transliterado  a  fim  de  facilitar  a  leitura.  

ARA: e tinham sobre eles, como seu rei, o anjo do abismo, cujo nome em hebraico é Abadom, e em grego, Apoliom. BJ: Como rei e tinham sobre si o Anjo do Abismo, cujo nome em hebraico é “Abaddon” e, em grego, “Apollyon”. NTLH: Eles tinham um rei que os governava, que era o anjo que toma conta do abismo. O seu nome em hebraico é Abadom e em grego é Apolião (isso quer dizer “O Destruidor”).

O nome dado ao anjo do abismo é: Apollyon. A menção a esse nome grego é bastante

significativa, uma vez que tem relação tanto com a cultura hebraica como com a mitologia grega. Segundo Coenen e Brown (2000, p. 541), “Apollyon é uma personificação do hebraico Abaddon, ‘ruína’. Significa o ‘destruidor’ e contém um jogo de palavras com o nome de Apollon, o deus das pragas”. O leitor, sem o suporte necessário, não consegue entender o que está por detrás do significado desse nome. Assim, um recurso usado pela NTLH e pela MSG é a inserção de uma explicação entre parênteses: isso quer dizer “O Destruidor”; que siginica o “destruidor”, respectivamente. Todavia, a NTLH coloca a informação entre parênteses, reforçando, de certo modo, que o conteúdo não está no texto-fonte. A MSG, por sua vez, usa uma oração explicativa na própria sequência do texto. Leitores religiosos mais conservadores, que pensam que nada pode ser acrescentado ao livro sagrado, provavelmente não aceitariam com facilidade a explicação proposta pela NTLH e pela MSG.

O último aspecto a ser observado é a manutenção de termo com tradição teológica. O trecho selecionado encontra-se em Apocalipse 7.14:

Grego: kai eireka auto, kyrie mou, sy oidas. Kai eipen moi, outoi eisin hoi erkhomenoi ek tes thlipseos tes megales kai eplynan tas stolas auton kai eleukanan autas en to haimati tou arniou. ARA: Respondi-lhe: meu Senhor, tu o sabes. Ele, então, me disse: São estes os que vêm da grande tribulação, lavaram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro... BJ: Eu lhe respondi: “Meu Senhor, és tu quem o sabe!” Ele, então me explicou: “Estes são os que vêm da grande tribulação: lavaram suas vestes e alvejaram-nas no sangue do Cordeiro...” NTLH: — Eu não sei. O senhor sabe! — respondi. Então ele me disse: — Estes são os que atravessaram sãos e salvos a grande perseguição. São as pessoas que lavaram as suas roupas no sangue do Cordeiro, e elas ficaram brancas. MSG: Surpreendido respondi: “Senhor, não faço ideia, mas tu deves saber”. Então, ele me disse: “Esses são aqueles que vêm da grande tribulação. Eles lavaram suas roupas no sangue do Cordeiro, por isso estão limpas assim.

A expressão grega que chama a atenção nesse caso é thlipseos tes megales, comumente

traduzida em português por grande tribulação9. Durante muito tempo, teólogos discutiram e discutem o significado da grande tribulação. Tal expressão passou a designar até mesmo correntes teológicas na área da escatologia, como: pré-tribulacionismo e pós-tribulacionismo.                                                                                                                          9 Segundo Elwell (1993, p. 573), grande tribulação é um “título que Jesus deu a um período de aflição sem precedentes, de alcance mundial, que introduzirá a parusia, a volta de Cristo à terra em grande glória”.

Em outras palavras, a grande tribulação não designa um acontecimento rotineiro na vida do cristão, mas remonta a um episódio específico de aflição, pelo qual a igreja poderá ou não ter de enfrentá-lo. Trata-se de um termo que possui tradição teológica, e o leitor religioso consegue identificá-lo e até mesmo constrói sua posição teológica com base nesse versículo. Assim, ao optar por grande perseguição, a NTLH usa uma palavra mais comum e, ao mesmo tempo, mais genérica, que não apresenta traços desse vocabulário religioso específico. Em contrapartida, as demais versões, conservam esse vocabulário, mantendo assim a interação com o público leitor religioso.

Outros aspectos poderiam ser analisados, inclusive nos excertos selecionados neste ensaio. Entretanto, esta análise inicial pode revelar o impasse que existe entre priorizar o receptor ou a mensagem, entre, como já foi dito, manter a erudição que é própria de uma literatura de cunho sagrado e resgatar o objetivo primordial dessa literatura, permeada de ensinamentos de Deus para os homens. A BJ e a ARA tendem a fazer poucas mudanças ou inserções no texto, só modificando o que, de fato, é relevante à compreensão do receptor e mantendo a erudição de termos na manutenção das figuras de linguagem e na conservação de termos teológicos. A NTLH e a MSG, por sua vez, apresentam um novo texto, despido dessa preocupação com a erudição, aproximando-se mais da linguagem corrente e preocupando-se mais com a clareza do texto. Há, portanto, versões que fazem uso de uma linguagem religiosa, mas há também versões que fazem uso da linguagem corrente. E em tudo isso, o leitor é privilegiado com uma diversidade de versões, que exercem funções distintas em contextos distintos. O que se depreende, então, das incursões feitas até aqui é que as traduções exercem influência no ensino da literatura sagrada, uma vez que, de variadas formas, ressaltam a busca do homem em expressar da melhor forma seus conteúdos, suas vivências, enfim, sua cultura. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Ensino de linguagem – da teoria à crise. Uma proposta de educação linguística equacionada à educação de valores - Neusa Salim Miranda (Universidade Federal de Juiz

de Fora) - Fernanda R. Oliveira Lima (Universidade Federal de Juiz de Fora

RESUMO: Neste artigo, argumenta-se em prol do equacionamento educação da oralidade e educação de valores, em especial, no ensino do gênero oral institucional aula. Apresenta-se parte da análise de Lima (2009) sobre a perspectiva discente do frame aula – vinculada ao macroprojeto de pesquisa “Práticas de Oralidade e Cidadania” (FAPEMIG - APQ- 02405-09; PNP/CAPES-2011) –, com o objetivo de se respaldarem as propostas desenvolvidas. Palavras-Chave: Educação da oralidade; Educação de valores; Frame aula; Linguística Cognitiva.

1. Introdução

A aula. Não é um e-mail, um blog, um scrap, uma conversa virtual ou uma mensagem de celular. Não pertence ao grupo dos novos gêneros textuais emergentes na sociedade contemporânea. Ao contrário, a aula é um gênero bastante antigo. Ao menos, senão na realidade, na utopia, a partir do século XX (Todos na escola!) a maior parte da população brasileira passa, pelo menos, oito anos em uma sala de aula. Utilizando esse gênero oral para fazer “girar a catraca evolutiva” (TOMASELLO, 1999), perpetuar nossa herança cultural cumulativa. Chegamos ao século XXI em que, mesmo frente a profundas mudanças nos cenários interacionais de nossa cultura, a sala de aula permanece. Mas, como? Algumas questões emergem dessa pergunta: seria a aula de hoje a mesma de décadas anteriores? Ou teria esse gênero sofrido tantas transformações que devesse ser ressignificado como um gênero emergente, tal como os modernos gêneros midiáticos? Qual seria, nesse novo cenário, o papel de seus atores? Seriam os recursos pedagógicos os protagonistas dessa cena? O que demarcaria o campo da estabilidade do gênero aula? O que faz com que, mesmo com mudanças, ele permaneça sendo reconhecido socialmente como a aula? Ao mesmo tempo, o que há de flexível que possibilitaria as mudanças? Segundo Miranda (2007), a cena aula apresenta claros sinais de uma crise em suas práticas interacionais e linguísticas. Essa crise apontaria outra de maior abrangência que resulta do processo de re-hierarquização de valores vivenciados pelas sociedades contemporâneas.

Para a autora, portanto, a crise das práticas interacionais e linguísticas não é exclusiva do cenário educacional, atingindo grande parte das práticas públicas de oralidade. Conforme anuncia (MIRANDA, 2005, p. 162), nas mais diferentes instâncias públicas de interação (e também privadas) faltam delicadezas e generosidades, faltam compostura e polidez; falta, “em cada gênero de encontro, saber calar-se, saber o que falar, como falar e saber quem pode falar” (MIRANDA, 2005, p. 166). Tais cenas refletiriam, então, a crise e a opacidade de valores pelas quais passa a sociedade. Assim, uma sensação de desnorteamento “em face de condutas, normas, regras, legislações cujos sentidos nos parecem opacos” (Idem, 2005, p. 177) tem, hoje, profundos reflexos nas mais diversas instâncias públicas e privadas de interação. Fabrício (2008, p. 45) confirma este olhar ao reconhecer que a sociedade contemporânea sofre os sinais do “[...] colapso de seu sistema de crenças e valores”. Para Miranda (2005 e 2007), experimentar a vivência ativa dos diferentes cenários públicos de interação (ir ao teatro, ao cinema, aos cultos e cerimônias...) e ter

acesso a uma reflexão sistemática sobre tais práticas da oralidade pública pode ser um caminho para o enfrentamento das dificuldades sentidas nessas cenas. Educar para a oralidade, portanto, significa mais que estabelecer uma educação linguística; inclui a educação de valores humanísticos caros à boa convivência social. Cabe, pois, estabelecer-se uma prática reflexiva e sistemática com os alunos a respeito da necessária normatização das cenas de interação. Regras, consensualmente estabelecidas entre os participantes, que reconheçam a existência de hierarquias legítimas, a importância de se respeitarem as horas de falar, de calar, de escutar ativamente, seriam alguns dos conteúdos dessa prática educativa. Tal prática educativa encontra respaldo nas teses evolucionistas da Antropologia (TOMASELLO, 1993) que postulam o caráter cultural da cognição humana. Dito de outro modo, significa dizer que tal espécie vê o outro como sua contra-face, podendo vestir a sua pele. Nesse sentido se definem as principais estratégias de aprendizagem humana, quais sejam a imitação e a instrução ativa. Aprendemos por imitação, quando imersos nas práticas socioculturais. Decorre daí a afirmação do autor de que crianças aprenderiam mais com exemplos que com conselhos; aprenderiam mais também no discurso reflexivo com seus pares (desde a Matemática até a moral). Quanto à instrução ativa, cabe às grandes redes de instituição, como a escola, a responsabilidade de educar e perpetuar a herança simbólica da espécie. Nessa perspectiva, a educação ganha relevo impar, como uma estratégia da evolução.

A trilha vislumbrada para o enfrentamento das práticas conflituosas na aula e em outras instâncias públicas de interação nos coloca, pois, “pequeninos, em face de indecifráveis palmeiras” (Drummond, 1938). Reivindica-se o equacionamento entre educação da oralidade e educação de valores (MIRANDA, 2005; LIMA et al, 2006; LIMA, 2009). É certo que a escola representa uma instituição criada pela sociedade para atender a suas diversificadas necessidades. As transformações na sociedade implicariam, assim, em reavaliações sobre o papel da instituição educacional. Diante da realidade que se configura na contemporaneidade – uma sociedade pós-moderna delineada pela crise e a abertura das portas das escolas para toda população –, a escola enfrenta a necessidade de assumir novas tarefas polêmicas. A tarefa de educação de valores, no entanto, é uma das mais difíceis por existirem diferentes posições entre os educadores e pela dificuldade de se elegerem os valores a se ensinar (ARAÚJO, 2009).

Araújo (2009) aponta para as frequentes queixas dos professores diante da tarefa que transcende a transmissão de conteúdos, além disso, o autor aponta para o fato de que os alunos de uma sala de aula possuem uma formação de valores, uma vez que são indivíduos inseridos histórica, cultural e socialmente. Logo, é necessário eleger quais valores devem ser ensinados na escola, quais devem ser apenas respeitados e quais precisam ser rechaçados.

Diante da segunda dificuldade apontada, propomos que os princípios da ética cidadã – em que a regulação ideal do comportamento é consensualmente estabelecida e os limites são traçados com base nos espaços individuais – norteiem a educação de valores no cenário escolar e que sejam rechaçados, segundo Lopes (2008, p. 103), “significados que causem sofrimento humano ou significados que façam mal aos outros”.

Dentro dessa prática, de equacionamento entre educação da oralidade e educação de valores, que reivindicamos um espaço para o gênero aula, como uma forma de propiciar ao aluno a ressignificação da cena e dos papéis estabelecidos. Conforme anuncia Lima (2009, p. 156 - 157), “ressignificando o frame Aula, o aluno saberá como encontrar/reivindicar um espaço para as suas vozes, através de frames

convergentes que instaurem valores humanitários e interrompam o ciclo de violência, desrespeito e agressividade (...). Compreenderá, ainda, a assimetria dos papéis estabelecidos no frame Aula, sem meramente adaptar-se a uma cena de passividade, em que não há uma troca efetiva de saberes e valores entre professores/alunos e alunos/alunos”.

É a partir da perspectiva anunciada que desenvolvemos, a seguir, nossos argumentos em favor do ensino do gênero aula como um conteúdo explícito ao lado de outros gêneros de oralidade pública. Parte da pesquisa de mestrado de Lima (2009) sobre a perspectiva discente da cena aula servirá de endosso a nossa proposta.

2. Por que ensinar o gênero aula? Aos poucos, graças ao esforço dos mais diversos campos da Linguística e áreas afins, os professores de Língua Portuguesa estão tomando consciência de que os gêneros da oralidade também precisam ser ensinados. É fundamental preparar os alunos para a prática de uma entrevista de emprego, uma exposição oral de trabalho, uma palestra, um debate... Mas, e a aula? Alunos, procedentes dos mais diversos grupos sociais e culturais, são recebidos na escola como se a aula fizesse parte dos gêneros orais primários aprendidos em suas práticas privadas. Caberia aos pais prepará-los para esta cena. Na escola, ensinam-se conteúdos e aplicam-se regulamentos (ou não!). Assim, inseridos na aula como protagonistas durante anos de suas vidas, em nenhum momento são levados a uma reflexão sobre seus papéis como atores principais (o protagonista não reflete conscientemente sobre o seu papel na cena!); sobre o papel do professor; sobre as regras necessárias à interação, como a hierarquia (de quem é a voz primeira?), a autoridade e o porquê dessas regulações. De maneira mais ampla, não há quem se responsabilize por “ensinar” o gênero aula, como não há, muitas vezes, quem assuma a responsabilidade de pensar e fazer refletir sobre os valores humanísticos essenciais para a boa convivência em sala de aula (e na sociedade) e também para que a interação cumpra satisfatoriamente seus objetivos. A tarefa parece complexa, mas, se postulamos, em nossas crenças amplamente anunciadas, uma concepção de linguagem enquanto ação conjunta ou prática social (CLARK, 1996), a promoção da educação linguística não tem como prescindir das arenas reais em que os homens interagem. A compreensão dessas cenas ultrapassa em muito o mero reconhecimento das variantes linguísticas. Cabe ensinar, pois, que os homens, em suas práticas interacionais e linguísticas específicas, usam a língua “certa” em função de seus valores, seus papéis e disputas. É nesse sentido que reivindicamos a tomada do gênero aula como um conteúdo explícito de ensino.

Ao realizar um estudo de cunho etnográfico de uma sala de aula da pré-escola, Teixeira (2001) observou a maneira como os alunos deste cenário iam “alunando-se”, ou seja, a forma como eles, aos poucos, migravam de um “estado de esquina de rua” para um “estado de estudante” (MACLAREN, 1991. apud: TEIXEIRA, 2001) e iniciavam a aprendizagem paulatina das regras de uma sala de aula. A autora aponta para a existência de “saberes que fazem parte do currículo oculto da sala de aula (...) tão importantes para o sucesso na carreira de aluno quanto os saberes do currículo manifesto” (TEIXEIRA, 2001, p. 220). Esse “currículo oculto” é composto pelas regras específicas da cultura interacional da aula, que garantem o bom convívio entre os alunos, entre eles e seus professores, entre eles e o espaço e tempo escolar, entre eles e os conteúdos etc.

De acordo com a pesquisadora, a professora da turma observada age, de maneira não explícita, “regulando o ‘modo de estar’ do aluno, vai aos poucos ensinando que ali há uma ‘etiqueta’ que devem cumprir ao se relacionarem com o colega e com ela própria, que ali há necessidade de uma certa habilidade para ‘estar - junto’” (TEIXEIRA, 2001, p.219).

Como ilustra o estudo de caso acima, o aprendizado da “etiqueta escolar” pode se dar, portanto, de forma implícita. Como um currículo oculto, no entanto, tal conteúdo fica sujeito à postura profissional e mesmo ética de cada professor, permanecendo fora de sua reflexão pedagógica consciente.

Muitas vezes, contudo, o que, de fato, ocorre é a imposição de uma regulação de “cima para baixo” ou mesmo “de baixo para cima”. No primeiro caso, os alunos podem, então, vir a aprender as regras pelo constrangimento, muitas vezes imposto àqueles que não percebem as necessidades da nova moldura enunciativa na qual estão inseridos. Na situação inversa, alunos têm sido deixados entregues à própria sorte, como a voz de comando da escola. O resultado disso são vivências de situações conflituosas e degradantes, transformando a aula em um campo bélico (LIMA, 2009).

Um caminho alternativo, como já anunciamos, seria, pois, a transformação do gênero aula em um conteúdo “ensinável” dentro de um currículo explícito, recortado através de uma equação entre educação linguística e educação de valores.

Antes que se pense que o objetivo da proposta de inserção de discussões sobre ética nas escolas significa criar uma nova disciplina, algo como “educação moral e cívica”, cabe-nos ampliar e adensar nossos argumentos.

Na perspectiva anunciada, vale, pois, repetir que ensinar o gênero aula significa, acima de tudo, a promoção de uma reflexão consciente e sistemática entre alunos e alunos e professores, de modo a alcançar uma regulação consensual desta cena (MIRANDA, 2005; LIMA et al, 2006; LIMA, 2009) .

O estabelecimento consensual de regras para a boa convivência em sala de aula e para o cumprimento dos objetivos da interação pode ser um rico aprendizado linguístico, interacional e ético. As regulações de comportamento, entendidas como algo em favor do bem comum, podem proporcionar a reflexão sobre os limites e direitos de cada participante, possibilitando que os atores reflitam criticamente sobre suas ações e linguagem. O parâmetro para o estabelecimento de valores deve ser, a nosso ver, a carta dos direitos humanos que torna possível a escolha por uma ética cidadã.

A aula, entendida como um gênero oral institucional público, deve estar presente, portanto, junto a outros gêneros orais públicos institucionais, no “currículo manifesto”, uma vez que constitui um aprendizado das práticas interacionais e linguísticas de um gênero altamente funcional na vida dos alunos.

No entanto, a aula encontra-se, em todos os momentos da história, em uma intrincada relação com a sociedade, na qual o reflexo de uma sobre a outra é frequentemente sentido. Considerando, portanto, que a sociedade passa, constantemente, por profundas modificações, espera-se que o gênero aula esteja sempre se adaptando às novas exigências desta. Sendo assim, de acordo com o que é colocado por Lima (2009, p. 50), “para ensiná-lo, é preciso desvendá-lo, reconhecer nele quais aspectos da sociedade contemporânea têm prevalecido, como os atores desta cena pensam esta interação nos dias de hoje”.

A ressignificação do gênero aula não passa, contudo, pelo estabelecimento de uma concorrência com os gêneros midiáticos. Objetivos, papéis e posturas nesta cena se voltam para a perpetuação cuidadosa de conhecimentos e valores de uma cultura.

Nesse sentido, o “espetáculo” é outro! É a catraca girando (TOMASELLO, 1993) e garantindo a sobrevivência da espécie.

Assim, reforçamos o caráter dinâmico, flexível (relativamente estável, segundo BAKHTIN (2003)) das molduras interacionais e, ao mesmo tempo, o caráter de estabilidade. Segundo Miranda (2005, p. 169), “flexibilidade e estabilidade se conjugam na preservação de qualquer organismo vivo ou social e, assim, toda e qualquer ordem discursiva implica um conjunto de regras culturais, de condições e práticas que governam a interação linguística.” Nesse sentido, a autora argumenta que um traço definidor do gênero aula é a assimetria de papéis entre seus atores. Tal assimetria implica uma hierarquia de saber e poder e um papel simbólico conferido ao professor pela sociedade. É daí que emerge a autoridade (não o autoritarismo) que guia os processos educativos. Sem isso, a aula perde sua valência, o que significa dizer que a flexibilidade do gênero tem seus limites.

Atentamos, portanto, para as mudanças, mas reivindicamos, também, a legitimidade de padrões interacionais e linguísticos que regulam as molduras comunicativas, sem os quais “não há nem mesmo como reconhecer um gênero como resultado de uma convencionalização de uma prática” (LIMA, 2009, p. 51).

Os resultados da pesquisa de Lima (2009) acerca da forma como os alunos concebem o frame aula, como descrevem as práticas nele vigentes e como delineiam a aula ideal engrossam nossos argumentos. É o que apresentaremos a seguir.

3. Os próprios alunos nos indicam o caminho

A partir de uma abordagem sociocognitiva do discurso discente, produzido a partir de um instrumento investigativo aplicado aos sextos e nonos anos de 21 escolas públicas do município de Juiz de Fora, MG, Lima (2009) expõe a forma como os alunos definem uma aula; a forma como descrevem a prática real (as ações discentes e docentes); e a forma como delineiam a aula ideal – tomando o conceito de frame (FILLMORE, 1977, 1979, 1982) como a categoria analítica central. Segundo a autora, a pesquisa se sustenta na afirmação fillmoriana (FILLMORE, 1977, p. 59) de que “os significados são relativizados às cenas”. Nesses termos, Lima evocou, em todo corpus, a palavra ‘aula’ como a unidade lexical (UL) nuclear da investigação, buscando desvelar as cenas conceptuais/frames a que tal UL se vincula na perspectiva dos alunos. Houve, portanto, o interesse nos significados que os sujeitos investigados atribuíam à experiência cultural de ‘aula’ da qual participam cotidianamente; e no modo como tais significados se aproximavam ou se afastavam das cenas conceptuais prototípicas instanciadas na cultura. Segundo a autora, em 91% das respostas dadas às primeira questão do instrumento investigativo (Para você, o que é uma aula), os alunos demonstram convergência entre a forma como perspectivizam o frame aula e o modo como a sociedade concebe tal cena: “um aluno – cujo papel é, em larga escala, de paciente da ação – que aprende alguma coisa (...) com o professor – cujo papel é, fundamentalmente, de agente da ação – com alguma finalidade em sua vida (...)” (LIMA, 2009, p. 150). Em apenas 8,94% dos casos há uma ampliação da cena aula prototípica, revelando sinais ainda muito sutis dos conflitos da sala de aula.

No entanto, quando os alunos descrevem a prática real dos atores da cena (professores e alunos), as perspectivas deles fazem emergir, de modo progressivo, a crise na interação em sala de aula.

Conforme apresenta a autora, as ações docentes (apresentadas na segunda questão do instrumento investigativo – O que seus professores fazem nas aulas? Dê exemplos das ações mais comuns, frequentes ou rotineiras.) se configuram, em sua maior parte (73,43%), em convergência com o frame aula descrito pelos alunos na definição da cena (“dar aula”, “ensinar”, “explicar”, “passar dever”, “olham nosso caderno”, “passam coisas no quadro” etc.). Segundo os alunos, os professores são também responsáveis pela ampliação da cena, através de ações que acionam outros frames (26,56%). Desses, 16,28% são divergentes, ou seja, prejudicam a aula (“gritar”, “ler revista”, “faltar”, “colocar para fora de sala”, “chamar de burro”, “dar tiradas”, “sair de sala pra bater papo” etc.) e 10,27% são convergentes, contribuem com o bom desenvolvimento da aula (“contar caso”, “brincar”, “divertir” etc.). Os próprios alunos, segundo Lima, indicam, em algumas respostas, a convergência, a integração harmoniosa, ou divergência, integração desarmoniosa, das ações com relação ao frame aula definido na primeira questão, como pode ser observado em exemplos do corpus:

• 22A6-26 Estão sempre contando uma piada só pra gente empolgar e dá certo, fazemos tudo.

• 10A9-13 Eles vão passando a matéria e explicando. As aulas são boas e

descontraídas. Os professores brincam conosco, brincamos com eles. É um jeito divertido de aprender.

Quando isso não ocorre, a avaliação sobre a convergência ou não dos frames

emergentes, é fruto, via de regra, de uma análise da pesquisadora, que considera como uma interação harmoniosa aquilo que contribui para o bom desenvolvimento da aula e possibilita atingir, da melhor maneira, os objetivos da interação; e uma interação desarmoniosa aquela que caminha para os objetivos opostos à cena aula.

Quando se trata da descrição das ações discentes (apresentadas na terceira questão do instrumento investigativo – O que vocês, alunos, fazem nas aulas? Dê exemplos das ações mais comuns, frequentes ou rotineiras), os alunos apontam, de modo nítido, para a expansão da cena aula para outros frames que revelam, de forma contundente, as dificuldades na interação. Pouco mais da metade das ações dos alunos (55,96%) correspondem àquelas esperadas na cena aula constituída na definição promovida pelos alunos na primeira questão do instrumento investigativo (“escrever”, “ler”, “fazer contar”, “estudar”, “aprender”), e a outra metade delas (44,03%) acionam frames diversos e conflitantes (“conversar muito”, “gritar”, “bagunçar”, “subir em cima da carteira”, “brincar fora de hora”, “brigar”, “falar palavrão”, “jogar bola de papel”, “xingar”, “bater boca” etc.).

Comparando a definição da aula e a descrição das práticas reais dos atores protagonistas da cena, a autora destaca a sinalização de uma contradição. Na definição não há conflitos claramente delineados; nas práticas cotidianas, no entanto, fica clara a ampliação do frame aula através da inserção de ações que acionam frames conflitantes com a cena central. Conforme anuncia Lima (2009, p.132,133), “o fato é que os alunos vistos como Pacientes na cena escolar em nossa cultura, se vêem de igual modo. Aliás, como afirmam as teses construcionistas de Tomasello (1999), os seres humanos aprendem na contraface do outro; se vêem no espelho do seu co-específico. Assim vistos pelos outros e por si mesmos, os alunos querem, precisam

manifestar sua voz, mas não sabem, não têm o caminho para isto. Daí erguerem uma voz tão dissonante, responsável, em grande parte, pelo seu próprio fracasso escolar”.

Após delinear a forma como os alunos da rede municipal pública de ensino de Juiz de Fora definem o frame aula e descrevem as práticas cotidianas nesse frame, Lima (2009) analisou o perfil da aula ideal na concepção dos discentes (quarta questão do instrumento de pesquisa – Para você, o que é uma BOA aula?). A investigação do discurso dos alunos demonstrou que a constituição da cena ideal estava relacionada ao cumprimento de regras, principalmente regras postuladas para os alunos e para os professores. Um primeiro grupo de regras para os atores da cena diz respeito à necessidade de cada um cumprir adequadamente o seu papel na interação, reforçando a função passiva do aluno no frame aula e o papel agente do professor (na primeira questão do instrumento, os alunos já definiam a aula através da metáfora estrutural AULA É UM CONDUTO, no qual nas pontas encontram-se os atores da cena, entre eles, um conduto (um canal), por onde são enviadas as informações – que contêm os significados inseridos pelo professor – em um único sentido: professor via aluno). Esse grupo de regras demonstra, ainda, que os alunos investigados não reconhecem a possibilidade de mudança da aula, ao menos por suas próprias mãos, uma vez que estabelecem normas de conduta para se adequarem à cena já definida e enquadrar-se em seu papel já estabelecido.

Outro grupo dentro das regras estabelecidas para professores e alunos aponta para um aspecto de bastante relevo, segundo a pesquisadora, a não naturalização, por parte dos sujeitos da pesquisa, das cenas conflituosas, ou seja, aquelas em que são inseridas as ações que acionam frames divergentes, que prejudicam os objetivos da aula e o processo de interação. Essa não naturalização do conflito é demonstrada nas regras que proíbem as ações vinculadas aos frames divergentes, tanto aquelas praticadas pelos professores quanto as praticadas pelos alunos – como ações de agressão verbal ou física, de desordem, de diversão, de conversa fora de hora etc. Segundo Lima, os alunos demonstram que estas práticas não foram incorporadas à cena de maneira a se tornarem naturais, como pode ser observados nos exemplos do corpus de Lima (2009):

Para se ter uma boa aula é preciso:

• 16A6-7 não gritar. • 34A6-17 Ficar quieto nas aulas. • 26A6-9 Os colegas não fazerem zoação. • 32A6-7 não interromper a aula. • 39A6-12 não brigar dentro de sala. • 47A9-6 os alunos ficarem quietos. • 44A9-1 Não conversar. • 24A9-14 Parar com a zoeira. • 44A9-3 Não atrapalhar as aulas fazendo bagunça. • 44A9-32 parar de brincadeiras bobas.

As regras proibitivas das ações vinculadas aos frames divergentes (“Os alunos

pararem de falar um pouco”; “Não fazer bagunça no horário de aula”; “não responder o professor”; “não brigar”; “não ficar brincando na hora da explicação”) somadas às

regras de afirmação dos frames convergentes (“respeitar o professor e os colegas de aula”; “ter educação para falar com os outros”; “amizade de todos”; “É necessário cooperação dos alunos”; “tendo uma boa convivência com os professores”; “(ter) carinho”) demonstram, acentuadamente, um foco na escala de valores humanos na criação da aula ideal.

Vejamos que, conforme anuncia Lima (2009, p. 155), os dados desvelam um caminho, apontado pelos próprios alunos: “uma educação de valores que promova uma cena com mais respeito, carinho, paciência, educação, companheirismo, paz, tolerância e menos agressividade, desordem, brincadeira e conversa”.

A análise do discurso dos alunos com a finalidade de delinear a perspectiva deles sobre o frame aula demonstra, dentre outras coisas, que os alunos indicam a presença de práticas conflituosas na cena; que eles não naturalizaram essas práticas; e que eles desejam um ambiente permeado por valores humanitários para a constituição da aula ideal. Podemos vislumbrar nesses achados, como foi apontado por Lima, três importantes argumentos em prol da educação da oralidade equacionada à educação de valores e da inserção do gênero aula como um conteúdo a ser ensinado.

4. Considerações finais Na literatura constituída por campos diferentes da Linguística e outras áreas das ciências sociais, já são encontradas bastantes discussões com enfoques diferenciados do ensino da oralidade em sala de aula (MARCUSCHI, 2005; SCHNEUWLY e DOLZ, 2004; MIRANDA, 2005; apenas para citar alguns). A consciência da importância de se realizar um estudo tão profundo da oralidade quanto o que é proposto para os gêneros escritos vai aos poucos sendo inserida nas discussões dentro da academia e ganhando espaço nas salas de aulas, através dos livros didáticos e dos documentos oficiais de orientação pedagógica (como os PCNs de Língua Portuguesa). A pesquisa aqui apresentada (LIMA, 2009) insere-se em um macroprojeto – Práticas de Oralidade e Cidadania (MIRANDA, 2007 (CNPq e FAPEMIG) e 2009 (FAPEMIG)) – voltado para questões relativas à educação da oralidade. Compartilhando com os demais trabalhos da área a preocupação com o ensino do oral, este projeto amplia as discussões ao reivindicar o espaço, também, da educação de valores. Estudos em variados graus (iniciação cientifica, monográficos, dissertativos e de teses) são desenvolvidos em seu âmbito, visando à constituição de argumentos consistentes em favor do necessário e possível equacionamento entre educação da oralidade e educação de valores. A argumentação tecida no presente artigo é uma mostra sucinta da reflexão desenvolvida por este projeto investigativo. Referências ARAUJO, Ulisses. Respeito e Autoridade na escola. In: AQUINO, J. G. Autoridade e Autonomia. Editora Summus, 1999. _______. Ética, cidadania e educação comunitária. Anais do V Congresso Municipal de Educação de São Paulo, v. 1. p. 51-54. Disponível em www.uspleste.usp.br/uliarau. Acesso em fevereiro de 2009. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 4 ª ed. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2003. CLARK, Herbert H. Using Language. Cambridge: Cambridge University Press. 1996.

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Os níveis de organização linguística em textos do discurso argumentativo: uma proposta de sequência didática - Vânia Cristina Casseb Galvão (UFG/CNPq)

RESUMO: São apresentados alguns postulados teóricos funcionalistas relevantes para o ensino de língua portuguesa baseado na noção de gênero do discurso. Para isso, são distintas algumas habilidades a serem desenvolvidas no ensino via gêneros do discurso argumentativo, são apresentadas algumas considerações teóricas a respeito da constituição dos textos argumentativos e é proposta uma sugestão de sequência didática para o nível médio de ensino a partir da leitura e da interpretação de textos desse domínio discursivo, e da análise de sua estrutura e funcionalidade a partir dos níveis de constituição linguística. Palavras-chave: Funcionalismo; Ensino médio; Sequencia didática; Gêneros do discurso argumentativo. Introdução

O estudo do texto baseado na seleção de recursos comunicativos adequados, a distinção de pontos de vista e opiniões convergentes e divergentes, a compreensão dos usos da língua e sua significação situacional e cultural, e a compreensão e a interpretação das linguagens verbal e não verbal como expressão da vida social e da identidade humana são algumas competências em destaque nesta proposta de sequência didática que enfoca os níveis de organização linguística em textos argumentativos. O pressuposto é o de que os níveis pragmático, semântico e sintático materializam a realidade discursiva e ajudam a promover os sentidos no texto. Para isso, apresento alguns postulados teóricos funcionalistas que orientam o ensino de língua portuguesa com base na noção de gênero; distingo algumas habilidades a serem desenvolvidas no ensino via gêneros do discurso argumentativo; trago algumas considerações teóricas a respeito da constituição dos textos argumentativos e uma sugestão de sequência didática para o ensino de língua portuguesa no nível médio a partir da leitura, da interpretação e da análise da estrutura e da funcionalidade de um artigo de opinião de uma peça publicitária. Princípios teóricos funcionalistas:

Dois princípios funcionalistas subjazem a esta proposta: 1º. A linguagem é atualizada via gêneros do discurso (Neves, 2010; Casseb-Galvão, 2011). 2º. Qualquer reflexão baseada nessa abordagem, seja por motivação analítico-descritiva ou didática, deve partir da unidade básica da atividade interativa, o texto.

Outra consideração básica diz respeito às três dimensões da linguagem humana (Neves, 1991): a dimensão discursiva, pela qual a expressões se relacionam com a situação real de sua produção; a dimensão semântica, pela qual as expressões se interpretam segundo o sistema cultural de representações da realidade; e a dimensão sintática ou gramatical, pela qual se regram sistematicamente as construções da língua.

Essas dimensões são traduzidas em níveis de organização linguística que, em uma harmonia funcionalmente relevante, vão materializar o texto de acordo com as intenções comunicativas do locutor. No caso do texto argumentativo, escolhas lexicais, manobras enunciativas, estruturas de predicado, entre outros mecanismos de organização linguística, cooperam para a adesão do interlocutor ao ponto de vista defendido.

Habilidades linguísticas desenvolvidas O ensino de língua portuguesa no Brasil é oficialmente pautado na ideia de

que ele se presta ao desenvolvimento de competências e de habilidades específicas nos alunos. E, independentemente de outras concepções e das inúmeras discussões envolvendo essa temática, entendo competência como a mobilização de conhecimento para solucionar ou enfrentar determinada situação (Valente, 2002), o que envolve a capacidade de manejar os recursos apropriados para isso, oportunamente, de modo criativo e inovador. Considerando-se a atividade de linguagem como atividade essencialmente social, a competência está relacionada às condições adquiridas ao longo de sua atividade como falante de uma língua e ao longo de sua vida escolar.

As habilidades seriam os desdobramentos das competências, suas especificidades; são os exercícios cognitivos empreendidos na resolução de problemas relativos a determinada competência.

Neste caso, a competência a ser desenvolvida diz respeito à compreensão da estruturação e da funcionalidade dos diferentes gêneros do discurso. Mais especificamente, isso pode ser traduzido em exercícios cognitivos, ou seja, em habilidades de relacionar, compreender, interpretar, analisar, concluir, distinguir, identificar diferentes aspectos da organização semântica, sintática e discursiva de textos argumentativos. Tentando dizer isso de maneira mais refinada: essas habilidades envolvem a seleção de recursos comunicativos adequados para o convencimento; a distinção de pontos de vista e opiniões convergentes e divergentes; a compreensão dos usos da língua e de sua significação situacional e cultural; a compreensão e a interpretação da linguagem não verbal como expressão da vida social e da identidade humana.

O discurso argumentativo

Para tratar de gêneros do discurso argumentativo, é necessário, inicialmente, definir “argumento”, que, segundo Platão; Fiorin (1997, p. 284), vem do latim, argumentum, da raiz argu, que tem o sentido original de “fazer brilhar”, “iluminar”. “Um argumento não é necessariamente uma prova de verdade. Trata-se, acima de tudo, de um recurso de natureza linguística destinado a levar o interlocutor a aceitar os pontos de vista daquele que fala” (op. Cit. p. 279).

Esses autores têm uma definição ampla de argumento, baseada nos objetivos dos atos enunciativos: “chamamos argumento a todo procedimento linguístico que visa a persuadir, a fazer o receptor aceitar o que lhe foi comunicado, a levá-lo a crer no que foi dito e a fazer o que foi proposto” (Platão; Fiorin, 1997, p. 284).

Por esse viés, o argumento “faz brilhar as ideias de alguém”, e, um texto argumentativo é aquele em que são predominantes as sequências textuais que expressam as ideias do locutor, ou seja, aquelas em que o ponto de vista do locutor é realçado.

As citações anteriores mostram muito bem que a ação interativa envolve a interferência nas informações pragmáticas do outro, locutor e interlocutor cooperam na mesma proporção para a eficiência de um ato de enunciação, e essa interferência vai além do exercício comunicativo. No caso do texto argumentativo, essa interferência envolve o interesse em levar o interlocutor a mudar seu modo de pensar, de agir, de acreditar; a construir um conjunto de conhecimentos novos ou a acrescentar informações a uma rede de conhecimentos pré-existentes.

Perelman; Olbrechts-Tyteca (1996, p.50) dizem que toda argumentação objetiva despertar ou ampliar a “adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu assentamento”. Uma argumentação eficaz consegue ampliar a intensidade dessa

adesão “de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (ação positiva ou abstenção) ou, pelo menos, crie nele uma disposição para a ação, que se manifestará no momento oportuno.”

Devido a esses objetivos, os gêneros do discurso argumentativo apresentam as seguintes características funcionais:

• O locutor objetiva desenvolver um ponto de vista com vias ao convencimento do interlocutor.

• Para isso, a estrutura persuasiva tem mais ou menos a seguinte configuração: a) bons argumentos (simples); (b) desenvolvimento de uma estratégia; (c) presença de analogias que reforcem a argumentação e que levem à adesão do leitor (convencimento). Os postulados funcionalistas, as habilidades, e as considerações a respeito dos

textos argumentativos apresentados anteriormente estão na base da sequência didática a seguir. Ela tem como público alvo alunos de língua portuguesa no ensino médio. Sequência didática

Esta sequência didática é baseada em dois textos prototipicamente

argumentativos, um texto verbal, artigo de opinião (trecho), e um texto que conjuga as linguagens verbal e não verbal, uma campanha publicitária. Texto 1: Artigo de opinião Sede zero As fomes são guerras que ocorrem pelo direito da existência. [...] Porém sem água não há como fazer guerra nem produzir alimentos para combater a fome.[...] a solução de questões da água no mundo exige atenção cada vez maior. Os instrumentos e os mecanismos a serem empregados são diversos e carecem de estudos e investigações que auxiliem a definição e produzam resultados sanitários, ambientais e econômicos satisfatórios. Portanto, torna-se evidente que a reversão dos cenários de escassez relativa de água limpa para beber, para uso industrial ou irrigação, não poderá ser obtida meramente pela atenuação de conflitos de uso, ou de controle de oferta e dos usos. Pagar ou cobrar pelo direito de uso da água tem sido mais fácil do que reconhecer obrigações de uso e conservação da gota d´água disponível. [...] Será imprescindível criar e/ou fortalecer uma ética da água que implicaria produzir cada vez mais com cada vez menos água e, sempre que possível, proteger os ecossistemas aquáticos, mesmo com sacrifícios de interesses financeiros. (REBOUÇAS, A. C., 2003) (adaptado) Feita a leitura atenta do texto completo, e a discussão da questão do uso racional da água no planeta, bem como a leitura de outros textos voltados para essa temática, o professor poderá relacionar aspectos da constituição discursiva, semântica e sintática que ajudam a formar a estrutura persuasiva do texto.

A relação níveis de linguagem e estrutura argumentativa mostra, no nível discursivo, uma reflexão em torno da questão da água no planeta. Os argumentos são desenvolvidos de modos a apresentar a escassez da água como um tipo de guerra, logo, um problema muito significativo, a ser vencida pela ética.

No nível semântico, essa reflexão está pautada em raciocínio lógico, em fatos, entre os quais aquele que enfatiza o aspecto paliativo das taxas e multas sobre o uso da água e o caráter didático e eficiente do reconhecimento de obrigações de uso e de conservação da água. A progressão das ideias no texto é promovida especialmente por relação de causa e efeito, um exemplo é o argumento que menciona a necessidade de estudos que levem a resultados sanitários, ambientais e econômicos satisfatórios.

No nível sintático, são observadas estruturas oracionais simples, com verbos de estado. Isso porque os argumentos são construídos a partir de fatos reais, verdadeiros. Operadores argumentativos, atuando interoracionalmente, como portanto e porém, fazem, respectivamente, o jogo de convergência entre argumentos que se complementam, e de divergência, entre argumentos e contra argumentos. Ao final, são produtivos verbos de ação, como criar, fortalecer e proteger, para apresentar a conclusão da tese defendida e para sugerir solução, afinal, a tese está firmada na possibilidade de ações individuais, de mudança no comportamento, o que implica dinamismo e controle. Texto 2: Propaganda

Para o texto 2, também estão previstas atividades de leitura e discussão do texto, que faz uma rede temática com o texto 1, uma vez que a peça publicitária é de cunho denunciativo e aborda a questão da fome no mundo.

No nível discursivo, os sentidos produzidos pela conjugação da linguagem verbal com a linguagem não verbal evocam a questão da fome. A imagem de um homem mutilado que tem a extensão do braço em forma de colher causa impacto através do inesperado. A propaganda de uma famosa marca de roupas explora a relação produto e denúncia social com o objetivo de impactar o leitor, ganhá-lo como consumidor de uma marca que se autovaloriza ao ser associada a uma campanha contra a fome no planeta. Comumente, as campanhas publicitárias da Beneton são atreladas a uma questão social. O professor, por exemplo, pode mostrar outras campanhas dessa empresa que utilizam essa mesma estratégia persuasiva: colocar os produtos anunciados em segundo plano e em primeiro plano a questão racial, as guerras etc. Essa aparente deturpação da ordem dos interesses da empresa, ao mesmo tempo em que camufla seus interesses comerciais, potencializa a relevância da empresa “benfeitora da humanidade”, pois o consumidor associa a marca a ações positivas, politicamente corretas. A marca é maior que o próprio produto que ela vende.

No nível semântico, os argumentos são fatos. A argumentação se dá por comprovação. A fotografia deixa clara a limitação física de um homem jovem, que demonstra vestígios de força e virilidade, mas que está debilitado pela fome, muito mais até do que pela perda de parte do membro superior. A colher metonimicamente remete ao ato de comer, à satisfação da fome da maneira mais simples e usual: levar uma colher cheia de comida à boca. Trata-se de um argumento inequívoco. A linguagem verbal é complementar à não verbal, por isso, no nível sintático há apenas uma frase nominal, uma espécie de reforço à estrutura não verbal. A frase nominal, construída em torno de itens lexicais, conceituais, “comida para a vida”, em inglês, funciona como uma espécie de legenda à imagem, que “fala por si só”. A

relação denuncia social e marca de roupas é produzida no nível dos implícitos, é insinuada, não acontece no plano da marcação linguística. O pressuposto é que uma empresa que se preocupa com ser humano, mais especificamente, com a fome no mundo, oferece produtos que merecem ser adquiridos.

Essa peça publicitária é um excelente exemplo de que, como propõe Dik (1989) em seu esquema de interação verbal, as expressões linguísticas são mediadoras de sentido, não são portadoras de todos os sentidos pretendidos pelos interlocutores. Considerações finais

Apresentei uma proposta de sequência didática envolvendo os aspectos formais e funcionais de textos do discurso argumentativo. Não aleatoriamente, escolhi um artigo de opinião e uma campanha publicitária, textos prototipicamente argumentativos. A ideia é mostrar que há como se distinguir, a partir de uma perspectiva funcionalista da linguagem e dos usos da língua, a gramática a serviço desses textos e os movimentos discursivos que eles configuram a fim de satisfazer as intenções dos enunciadores. Referências ANTUNES, I. Aula de português. Encontros e interação. São Paulo: Parábola, 2009. BEAUGRANDE, R. New fundations for a Science of Text and Discouse: cognition, communication, and the freedom of acess to knowledge and society. Norwood: Ablex, 1997. BENETTON (1990). Food for life (Comida ara a Vida). www. pressbenetongroup.com. em 12 mai. 2007. CASSEB-GALVÃO, V. C. A gramática a serviço dos gêneros. In: I Simpósio Internacional de Ensino de língua portuguesa, 2011, Uberlândia. Anais do SIELP. Uberlândia: UFU, 2011. v. 1. p. 1-1 NEVES, M. H. M. Ensino de língua e vivência de linguagem. São Paulo: Contexto, 2010. _______. A gramática na escola. São Paulo: Contexto, 1991. MARCUSHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008. REBOUÇAS, A. C. Sede Zero In: Gestão das Águas. Revista SBPC – São Paulo, 2003, p. 33-34. PERELMAN. C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da argumentação. São Paulo; Martins Fontes, 1996. PLATÃO; F; FIORIN, J. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 1997. VALENTE, S. M. P. Parâmetros Curriculares Nacionais e Avaliação nas perspectivas do Estado e da Escola. Marília, 2002. 206f. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Estadual Paulista, 2002.

A construção do tom de obrigatoriedade no discurso - Rosalina Brites de Assunção (UFMS) - Maria Helena de Moura Neves (UPM;

UNESP/CNPq)

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma proposta de análise de texto dirigida para aspectos discursivos, especialmente considerando que esse tipo de trabalho é oportuno para uma atuação dinâmica no ensino de leitura e interpretação textual, ou seja, no trato escolar com a língua materna e a linguagem. O ponto de partida é a análise de dois textos que materializam o discurso do MST sobre uma proposta de educação para a população do meio rural. A análise busca verificar as estratégias discursivas que o enunciador do discurso mobiliza para imprimir no enunciado o tom obrigatoriedade. Como fundamentação teórica para a análise adotam-se os pressupostos teóricos da Análise do Discurso de linha francesa, conforme os estudos de Maingueneau (2004, 2008), Orlandi (2007), Amossy (2005). Para a análise da modalização da linguagem consideram-se os fundamentos da teoria funcionalista da linguagem, segundo Halliday (1994), Hengeveld (2004), Neves (2007). Palavras-chave: discurso; enunciador; modalidade deôntica; tom de obrigatoriedade; INTRODUÇÃO Alguns trabalhos científicos têm apontado que o ensino nos níveis fundamental e médio muito pouco têm aproveitado das inúmeras pesquisas e atividades realizadas nas academias, isto é, que os professores não têm sabido como colocar em prática na sala de aula os conhecimentos adquiridos na esfera acadêmico-científica (BAGNO, 2002). Em contraponto com essa indicação, neste trabalho se propõe que o exercício de uma análise do discurso por via da observação do uso da língua (com base na teoria funcionalista da linguagem) tem aplicação eficiente nas aulas de língua portuguesa, especialmente no ensino médio10. A introdução da perspectiva da análise do discurso no estudo da linguagem desloca, segundo Maingueneau (1993), o lugar e a importância da língua na realização de processos discursivos, quer na sua produção escrita, quer nos processos de interlocução. Nessa perspectiva, “a linguagem não é transparente” (ORLANDI, 2007, p. 17), razão por que a análise do discurso se interessa pelo estudo da língua funcionando para a produção de sentidos, preocupando-se em verificar como o texto significa. Entende-se por aí que a análise do discurso estuda a língua como um “lugar” em que se configura a materialidade do discurso, assumindo que a língua é a base material para que o discurso se realize. Quanto à investigação da materialidade linguística dos textos estudados, que envolve a análise da modalização da linguagem, a teoria de base adotada, o funcionalismo, fornece princípios e parâmetros que permitem desvelar o tom dos discursos examinados, no caso os discursos do MST sobre a educação básica para o homem do campo. Entende-se que a prática de ensino de língua portuguesa fundamentada numa perspectiva funcionalista concebe a linguagem como atividade de interação social, isto é, preocupa-se com o estudo do uso da língua em situação comunicativa,

                                                                                                                         10 Este texto retoma análises feitas na tese de doutorado da primeira autora, desenvolvida sob a orientação da segunda autora.

permitindo a avaliação do componente pragmático, tão relevante no desvendamento do tom do discurso, ao mesmo tempo que considera os componentes sintáticos e semânticos. Nessa via de condução, o ensino atua no desenvolvimento da competência comunicativa, orientando uma visão de linguagem vinculada ao contexto de uso, e permitindo o desvendamento do modo de uso e de combinação das unidades da língua, com vista aos efeitos pretendidos na interação comunicativa. Na visão funcionalista, a língua é considerada um sistema de escolhas pelo qual o falante faz as suas seleções na construção de seu enunciado (NEVES, 2007). Pode-se pressupor que um estudo da língua em tal base leve o aluno a reflexões sobre as escolhas que tem à sua disposição ao formular seus enunciados de forma a atingir sua intenção discursiva. 1. A modalização na linguagem e seu papel no discurso A modalização é uma operação pela qual se marca o posicionamento, as crenças e as atitudes do enunciador em relação ao conteúdo de seus enunciados e em relação à ligação entre enunciador e coenunciador. Nesse sentido, pode-se estabelecer uma relação do estudo das marcas linguísticas da modalização com a questão da construção do ethos no e pelo discurso, já que as modalidades do dizer do locutor permitem conhecê-lo melhor do que aquilo que ele pode afirmar durante seu discurso (DUCROT, 1984). É nessa mesma linha que Koch (1999, p. 75) insiste “na inclusão das modalidades na atividade ilocucionária”, com o papel de revelar a atitude do falante em relação ao enunciado que ele produz. Como indica Neves (2007), definir modalidade dentro dos estudos linguísticos é uma tarefa um tanto complexa, uma vez que são diversificados os campos de estudo e as orientações teóricas para a análise dessa categoria. No âmbito da Linguística, as modalidades têm sido descritas segundo diferentes pontos de vista, mas de modo geral, privilegiam o sujeito da enunciação, como se pode observar em diferentes definições de estudiosos, referentes à modalidade como expressão de atitudes do falante – qualificação, cognitiva, emotiva ou volitiva que o falante faz de um estado de coisas (KIEFER, 1987), como ponto de vista do sujeito falante sobre o conteúdo proposicional de seu enunciado (CERVONI,1989), como julgamento do falante sobre as probabilidades ou as obrigações envolvidas naquilo que ele está dizendo (HALLIDAY, 1994). Como se pode observar, um estudo adequado nesse campo deve considerar a situação de enunciação, implicados especialmente os sujeitos da interação, os criadores da linguagem. 2. A modalização deôntica na construção do tom no discurso Considerando-se que, nos discursos do MST, o enunciador, exprime uma atitude autoritária em relação ao destinatário e ao conteúdo do seu enunciado, são preponderantes, nesses discursos, as sequências argumentativas e as marcações deônticas que dão ao texto um cunho instrucional, e em tom impositivo. Esse tom, reflexo do conteúdo ideológico do discurso, é construído no texto por todo o aparato da organização textual, mas nele tem papel especial a modalização da linguagem. Entendendo-se a modalidade como a expressão da subjetividade de um enunciador que assume com maior ou menor força o que enuncia, necessariamente entra em consideração, numa análise discursiva, o próprio sujeito da enunciação, especialmente quanto ao modo como ele constrói a sua imagem no contexto enunciativo.

Maingueneau (2008, p. 53) afirma que “o enunciador é percebido através de um tom que implica certa determinação de seu próprio corpo, à medida do mundo que ele instaura em seu discurso”. Entende-se que, para delinear esse tom do ethos discursivo, é interessante analisar-se, nos textos em estudo, a modalização da linguagem a partir da identificação e da interpretação dos modalizadores deônticos, especialmente no nível lexical. Pela própria natureza do texto do MST, em várias passagens do texto há alusão às obrigações que recaem sobre a instituição / escola ou sobre a comunidade escolar. Essas obrigações são expressas, na sua maioria, por construções deônticas, e algumas vezes pela organização da estrutura sintática do texto (períodos curtos, frases truncadas, interrogações, repetições). Na visão funcionalista proposta de Hengeveld (2004), que é a que aqui se adota para análise das modalizações, a modalidade deôntica é vista como um modificador ou operador de estado de coisas, com distinção entre dois alvos de avaliação da modalidade deôntica: o participante e o evento. Na modalidade orientada para o participante, ele é o alvo, caracterizado como o que tem a obrigação ou permissão para se engajar no evento descrito pelo predicado. Na modalidade orientada para o evento, por sua vez, descreve-se a existência de obrigações, permissões e proibições gerais, sem que o sujeito enunciador assuma a responsabilidade por esses julgamentos. Ela não incide, pois, sobre um participante específico, e a obrigação ou permissão é representada como regra geral de conduta. Na sequência, apresenta-se a análise da modalização deôntica nos dois textos selecionados do discurso do MST sobre a educação para as escolas dos assentamentos (texto 3 e texto 1111), a fim de verificar de que modo se constrói o tom de obrigatoriedade do ethos discursivo.

2.1. Análise do texto 3 – O que queremos com as escolas do assentamento – (Dossiê MST Escola, p. 31-37)

2.1.1. O enunciado Esse texto foi escrito em 1990 e publicado em 1991 no 6º Encontro Nacional do MST. É importante historicamente pelo seu caráter polêmico, pois se constitui como um dos primeiros textos doutrinários do MST, o qual trata de uma educação diferenciada para os assentados. O corpo do texto está estruturado em três partes: uma introdução, os objetivos da educação e os princípios pedagógicos para as Escolas do MST. A introdução constitui-se como um discurso apologético do enunciador (a equipe de elaboração do texto) para os enunciatários (os assentados), como uma reflexão sobre a história da educação do MST, apresentada como uma “caminhada feita com teimosia e luta”. A seguir, transcreve-se a introdução do texto:

Ninguém educa; ninguém se educa sozinho; as pessoas se educam entre si, através de sua organização coletiva. A história da educação no Movimento Sem Terra é uma caminhada feita com teimosia e luta. Pela educação básica das crianças assentadas/ acampadas, pais, professores, jovens e alunos muito têm batalhado. Às vezes juntos, às vezes cada um do seu jeito e com as condições e cada momento. Nesse caminhar da educação dentro do MST, muitas experiências novas estão sendo desenvolvidas. Enfrentando as dificuldades com criatividade e

                                                                                                                         11 Essa é a numeração dos textos no córpus levantado para análise na tese de doutorado.  

disposição, estamos construindo um novo jeito de educar e um novo tipo de escola. [...] A educação é um processo longo. Exige perseverança, criatividade e ousadia. Pegando firme juntos, conseguiremos romper com as cercas de mais este latifúndio: o latifúndio do analfabetismo e da educação burguesa, fazendo a Reforma Agrária também do saber e da cultura. (DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p. 31).

Na observação das marcas linguísticas da enunciação no enunciado, destaca-se, no título, a forma verbal “queremos”, uma 1ª pessoa do plural que instaura o enunciador desse discurso: um “nós” inclusivo (eu+tu). Trata-se de um enunciador que se coloca junto aos enunciatários, como militante do mesmo grupo social daqueles a quem se dirige: os moradores dos assentamentos do MST. No texto, a epígrafe aspeada e em itálico é um discurso de outro12, que o enunciador incorpora ao seu discurso para corroborar a ideologia de uma proposta de educação popular. Fala-se de uma educação que deve ser feita a partir de uma vivência prática e de uma organização coletiva, não só da comunidade escolar, mas de todo o assentamento, de todo o MST. 2.1.2. As formas de expressão da modalidade no enunciado Para observação, foram selecionados os enunciados que apresentam em sua predicação os auxiliares modais dever, poder, precisar, assim como os enunciados que apresentam os adjetivos de força modal preciso e importante em posição predicativa. De modo geral, a modalização da linguagem é expressa nesse texto das quatro formas indicadas no quadro 1:

Formas de expressão da modalidade Número e % de ocorrências

auxiliar modal dever + infinitivo 59 (59,6%) auxiliar modal poder + infinitivo 21 (21,2%) auxiliar modal precisar e necessitar 9 (9,1%) adjetivo preciso/importante em posição predicativa

10 (10,1%)

Total de ocorrências deônticas 99 (100%) Quadro 8 - Número e % de ocorrências da modalidade deôntica no

texto 3. A seguir apresentam-se, com comentários, alguns enunciados modalizados por elementos lexicais (auxiliares modais e adjetivos).

(1) As Escolas dos Assentamentos13 do MST devem ser um lugar que: Prepare as

futuras lideranças e os futuros militantes [...] Mostre a realidade do POVO TRABALHADOR, da roça e da cidade. Mostre o porquê de toda exploração, o sofrimento e a miséria da maioria. (p.31-32)

(2) É preciso estruturar o Setor de Educação, promover encontros e cursos com os professores, realizar assembleias com os assentados [...] (p.31)

                                                                                                                         12 Texto de Paulo Freire- Pedagogia do oprimido, 1981, p. 79. 13 Na transcrição dos enunciados, usou-se caixa alta ou letras maiúsculas em determinadas expressões para ser fiel ao texto original.  

(3) Precisamos CAPACITAR as crianças para enfrentar a vida, assumir o Assentamento e a luta de todo o MST. (p.32)

(4) As crianças podem ajudar na preparação da merenda que é feita na escola, ou na partilha da merenda que é trazida de casa. (p.34)

O enunciado (1) traz como núcleo da predicação o auxiliar modal dever + o infinitivo ser, construção que expressa um valor deôntico em que o sujeito da enunciação impõe uma obrigação ao sujeito do enunciado, no caso “as escolas dos assentamentos”. Dessa forma, a fonte deôntica, aquele que instaura a obrigação ou permissão, é o enunciador, e o alvo deôntico, aquele sobre o qual a obrigação e a permissão recaem, são as escolas dos assentamentos. Como já foi dito, do ponto de vista da enunciação o sujeito/ enunciador do discurso, no texto 3, reveste-se de autoridade frente ao seu enunciatário, pois ele enuncia de um lugar de “saber”. De certa forma, ao manifestar sua autoridade numa linguagem modalizada deonticamente, o sujeito/enunciador reforça a posição inferior dos enunciatários, que são implicitamente caracterizados como indivíduos que precisam de uma orientação para implementar determinada situação, no caso, uma educação diferenciada que possibilite aos educandos despir-se de seus antigos valores/ideais e amoldar-se aos novos valores/ideais dos Sem Terra. Do ponto de vista da “relação interpessoal” (HALLIDAY, 1989), pode-se afirmar, seguindo-se Eggins (1994), que o sujeito/enunciador está numa relação de poder superior à de seus enunciatários, uma vez que se coloca numa posição de guia revolucionário a apontar caminhos para a redenção dos oprimidos pela sociedade burguesa. Como se pode apreender de seu discurso, o sujeito/ enunciador, num tom imperativo, constrói uma imagem de si para o interlocutor. Quanto ao conteúdo expresso no enunciado, os objetos de discurso (sintagmas nominais) selecionados pelo enunciador (futuras lideranças, futuros militantes, povo trabalhador, exploração, miséria da maioria) veiculam ideologia socialista, pois o modelo de escola que se propõe reflete características da pedagogia russa. Em (2) o valor deôntico é expresso pelo adjetivo preciso em posição predicativa, operando atenuação do tom autoritário do sujeito/ enunciador, que mostra a necessidade de uma mudança na proposta pedagógica para essa nova escola. O sujeito/enunciador assume, então, um tom didático-instrucional, construindo um ethos mais professoral, que leva aos enunciatários a forma como essa educação do campo deve acontecer. No enunciado (3), o auxiliar modal precisar manifesta a obrigação do enunciador de, juntamente com os enunciatários, capacitar as crianças a viverem a realidade do MST. Nesse caso, o enunciador se apresenta como fonte e alvo deônticos da obrigatoriedade instaurada. O enunciado (4), construído com o auxiliar modal poder + infinitivo, que, em outro contexto, poderia ter valor epistêmico, indicando possibilidade de as crianças fazerem alguma atividade, vem, entretanto, numa sequência de enunciados modalizados deonticamente, e também ele tem esse valor, manifestando permissão para as crianças realizarem determinadas tarefas na escola. Quanto a essa polissemia nas construções com verbos modais, Neves (2010: 179), apoiando-se em Klinge (1996), esclarece que “a oposição entre epistêmicos e não epistêmicos não reside propriamente nos modais, devendo ser descrita como resultado de contextualização”. Para a autora, o contexto é entendido como o conjunto de hipóteses de que dispõe um destinatário e que ele utiliza para interpretar uma elocução. Com base nessas considerações e tendo em vista o contexto em que o enunciado (4) aparece, pode-se

interpretá-lo como modalizado deonticamente, uma vez que prevalece o sentido de permissão, sob o qual se camufla a ordem para que as crianças trabalhem. Pode-se dizer, neste caso, que a função textual (HALLIDAY, 1976) contribui para que o significado contextual do modalizador poder atenue o tom autoritário da qualificação modal deôntica. Na análise dos enunciados postos sob análise neste trabalho – discursos corporativos, e, portanto, institucionais – é importante a consideração (sugerida por Lyons,1977) de que há diferença entre um valor deôntico que tenha origem em um indivíduo e um valor deôntico que tenha origem em uma instituição. Vejam-se os seguintes enunciados: (5) Precisamos conhecer também aquilo que não vemos todo dia e que a humanidade

já descobriu. (6) A escola deve gerar pessoas que sejam sujeitos, com capacidade e consciência

organizativa. (7) As crianças podem ajudar na preparação da merenda [...] Podem organizar a

farmácia da escola. Podem organizar jogos, festas campanhas. Em (5), o valor deôntico tem como fonte e alvo, a um só tempo, os indivíduos: o enunciador (nós coletivo) e o enunciatário. Trata-se de uma obrigação de cunho moral instaurada pelo enunciador e que recai sobre ele próprio e sobre os enunciatários. O enunciador se inclui no conjunto dos assentados, o que revela sua disposição para concretizar essa proposta educacional. No enunciado (6), a fonte deôntica continua sendo o indivíduo (o enunciador), mas o alvo deôntico é uma instituição, a escola a quem é atribuída a obrigação de gerar sujeitos. No enunciado (7), a fonte do valor deôntico é o enunciador, mas a permissão ou ordem para a realização da ação recai sobre outros indivíduos, as crianças, e, assim, o enunciador se exclui da avaliação deôntica instaurada. Pode-se perceber que, de acordo com o tipo de fonte e com sua posição em relação ao valor deôntico instaurado, é possível descrever uma escala de comprometimento do enunciador com a proposta apresentada, que pode ser assim representada com relação aos enunciados (7), (5) e (6) respectivamente: permissão, necessidade e obrigação. A fonte da avaliação deôntica, em todos os enunciados, é o enunciador do discurso, que se coloca como autoridade do saber, para transmitir informações e orientar os enunciatários. Tudo isso faz constituir-se um discurso de caráter normativo, que prescreve normas e estabelece princípios para a organização das escolas e da educação do homem do campo. O tom impositivo do discurso dá autoridade ao que é dito, e permite ao leitor construir uma representação de um corpo (ethos) investido de valores socialmente especificados. 2.2. Análise do texto 11 – Pedagogia da Cooperação – (Dossiê MST Escola, p. 181-183) 2.2.1. O enunciado Publicado em novembro de 1997, esse texto foi escrito como conclusão dos debates de um dos grupos de trabalho do I Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária – I ENERA, realizado no período de 28 a 31 de julho desse mesmo ano. A finalidade do texto é provocar uma reflexão sobre a cooperação,

um dos princípios necessários à educação no ensino fundamental dos assentamentos do MST. O texto inicia com um enunciado em que estão ausentes as marcas da enunciação, mas, a partir do segundo parágrafo, projeta-se no enunciado a instância da enunciação, constituindo-se o procedimento de debreagem enunciativa (FIORIN, 1999). O enunciador que aí se instala é um “nós inclusivo”, como no trecho:

Jamais podemos nos esquecer que esta reflexão tem por base uma “Escola no meio rural, voltada ao meio rural, conforme o interesse dos trabalhadores”, especialmente os do meio rural. A prática tem demonstrado de que para realizar esta Escola, com o processo pedagógico pretendido, se faz necessário ir além da legalidade: [...] (DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p. 181), (grifos do autor).

2.2.2. As formas de expressão da modalidade no enunciado As marcas da modalização no texto, Pedagogia da Cooperação, são constituídas por verbos auxiliares modais, por adjetivos em função predicativa, por substantivos e por expressões modais, como está representado no quadro 2:

Formas de expressão da modalidade Número e % de ocorrências

auxiliar modal dever + infinitivo 8 (32%) auxiliar modal precisar + infinitivo 2 (8%) auxiliar modal poder + infinitivo 4 (16%) adjetivo necessário em função predicativa

4 (16%)

outras expressões deônticas 7 (28%) Total de ocorrências deônticas 25 (100%)

Quadro 2- Número e % de ocorrências da modalidade deôntica no texto 11. Apesar do pequeno número de ocorrências deônticas nesse texto, a forma que prevalece, de acordo com o quadro, é o auxiliar modal dever, indicando fundamentalmente, obrigação. Pode-se também considerar significativo nesse texto o uso do adjetivo necessário em função predicativa, assim como o uso do substantivo necessidade, computado entre as outras expressões deônticas. Considerando-se a visão funcionalista de modalidades proposta por Hengeveld (2004), observa-se que o participante, qualificado como aquele que tem a obrigação de se engajar no evento, é apresentado ora como um referente de terceira pessoa, como em (8) e (9), ora como enunciador e enunciatários juntos (primeira pessoa do plural), como em (10). (8) São os dirigentes que devem acompanhar o processo educativo e não apenas o pai

e a mãe. (p. 182) (9) Os educadores também devem se auto-organizar em “coletivos pedagógicos” para

analisar/aprofundar o processo e registrar/sistematizar as suas constatações... (p. 183)

(10) Precisamos ir desenvolvendo uma metodologia da cooperação que vá rompendo com as práticas pedagógicas opressivas. (p. 182)

Como se depreende desses excertos, a fonte que instaura a obrigação é o enunciador do discurso, enquanto o alvo que deve cumprir a obrigação são os dirigentes, os educadores e o próprio enunciador, juntamente com os enunciatários. Contemplada a proposta de Hengeveld (2004) já apontada, segundo a qual a modalização deôntica se caracteriza por instituir uma fonte (que instaura a obrigação, proibição ou permissão) e um alvo da qualificação deôntica (o participante ou o evento), observa-se um revezamento desses dois tipos de alvo, conforme se vê nestes exemplos: (11) Jamais podemos nos esquecer de que esta reflexão tem por base uma escola no

meio rural [...] (p. 181) (12) Os educadores também devem se organizar em “coletivos pedagógicos” para

analisar/aprofundar o processo e registrar/sistematizar as suas constatações e considerações... (p. 182).

(13) A prática tem demonstrado de que para realizar esta Escola, com o processo pedagógico pretendido, se faz necessário ir além da legalidade [...] (p. 181).

(14) A cooperação deve ser compreendida como forma de produção social do conhecimento e como forma de reeducação das relações interpessoais (p. 182).

Nos enunciados (11) e (12) o alvo da avaliação é o participante, que está sujeito a uma proibição e a uma obrigação, respectivamente. No enunciado (13), o alvo é o evento, uma vez que se trata de uma tarefa de edificação moral (a realização de uma escola com uma pedagogia específica, que depende da ação de inúmeros agentes). Também a expressão predicativa, com o adjetivo necessário, permite que o evento como um todo seja qualificado como o alvo deôntico. No enunciado (14), o alvo da qualificação deôntica também é o evento, entretanto ocorre que a voz passiva do verbo (deve ser compreendida) apaga o agente e instaura uma obrigação genérica. Esse recurso linguístico contribui para atenuar a expressão de obrigação, uma vez que o participante não é especificado. Verifica-se que, no maior número de ocorrências, o alvo de avaliação da modalidade deôntica é o participante. Esse fato permite interpretar o discurso como mais autoritário, já que ele exige a participação do enunciador, dos enunciatários e das instituições na execução das ações que devem implantar a Pedagogia da Cooperação, enquanto a modalidade orientada para o evento tem menor valor impositivo. Nos enunciados (15) e (16) os auxiliares modais poder e dever aparecem, ainda, separados por uma barra, o que reforça o sentido de obrigatoriedade do discurso: (15) O avanço da Escola depende da organicidade do MST e as educadoras e os

educadores podem/devem contribuir na construção desta organicidade, além de fazerem formação política com as educandas e educandos [...] (p. 181).

(16) Os educandos podem/devem se auto-organizar a partir de critérios definidos em conjunto por educandos e educadores [...] (p. 182).

Esse expediente de colocar os dois modais (poder e dever) separados por uma barra faz a indicação de que ambos têm lugar no contexto. Nesse caso, a modalização epistêmica do auxiliar poder, expressando capacidade (habilitação) de o participante executar uma ação, acaba por reforçar o valor deôntico do auxiliar modal dever, que expressa obrigatoriedade, acentuando o tom autoritário do enunciador. A interpretação possível dessa construção implica que, se há possibilidade, para o participante ou agente, de contribuir ou de se auto-organizar, então ele tem a

obrigação de fazê-lo. Pode-se entender que a escolha dessa construção constitua uma estratégia retórica para o tom de obrigatoriedade do discurso. Um aspecto relevante dos verbos auxiliares modais desse discurso é o fato de que todos se apresentam no presente do indicativo. A marca factual desse tempo verbal confere ao enunciado deonticamente modalizado um tom mais forte de obrigatoriedade para as ações dos pais, dos educandos e dos educadores na implantação do novo modelo de educação. Afinal, esse tom altamente impositivo do discurso constrói uma imagem do enunciador como um líder culto que entende dessa nova concepção de educação e que é fortemente militante dentro do seu grupo, o MST. Considerações finais Os resultados da análise apontam que a noção de obrigatoriedade no discurso do MST é construída principalmente pelo uso dos modalizadores deônticos, e que a forma de organização dos enunciados revela que esse tom impositivo desempenha, na superfície do discurso, um papel emancipatório. Do ponto de vista da análise do discurso, pode-se falar na liberação de um sentido que se impõe pelo tom de obrigatoriedade de um ethos revolucionário que confere a si próprio uma identidade compatível com o mundo que ele faz emergir em seu enunciado: o mundo da sociedade socialista. Na contraparte, a análise do fazer linguístico desse discurso nos mostra que esse tom só é esse “tom” porque assim o fez a tessitura textual que organiza o conteúdo do campo discursivo. O que se mostra, afinal, é que os recursos linguísticos da modalização da linguagem podem ser considerados no ensino de leitura e de interpretação textual, de modo que o aluno possa tê-los disponíveis como estratégia de persuasão e sedução do leitor. Propostas de ensino da língua fundamentadas numa análise funcionalista da materialidade linguística do texto ligam-se, efetivamente, às intenções enunciativas do discurso e ao cumprimento das funções da liguagem. Referências bibliográficas AMOSSY Ruth. A noção de ethos da retórica à análise do discurso. Trad. Dilson Ferreira da Cruz. In: AMOSSY, Ruth (org). Imagem de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005. BAGNO, Marcos et al. Língua materna: letramento, variação & ensino. São Paulo: Parábola, 2002. BRANDÃO, Helena H. Naganime. Introdução à análise do discurso. 2. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2004. DOSSIÊ MST ESCOLA: Documentos e estudos 1990-2001. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2005. HALLIDAY, Michael Alexander Kirkwood. Explorations in the functions of language. London: Edward Arnold, 1976. _______. An introduction to Functional Grammar. 2. ed. London: Edward Arnold, 1994. ________.HASAN, Ruqaiya. Language, context, and text: aspects of language in a social-semiotic perspective. Oxford: Oxford University Press, 1989. HENGEVELD, K. Mood and modality. In: BOOIJ, G.; LEHMANN, C.; MUGDAN, J. (eds.), Morfhology: A Handbook on Inflection and Word Formation. Berlin: Mouton de Gruyter, 2004. p. 1190-1202.

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