metodologia para a implantaÇÃo de programas de … · municipal (censo 2000, ibge), e está...

17
T94 A07 METODOLOGIA PARA A IMPLANTAÇÃO DE PROGRAMAS DE REASSENTAMENTO URBANO – O CASO DO AHE ITAPEBI – RIO JEQUITINHONHA /MG-BA Afranio Benjoino Gavião ITAPEBI GERAÇÃO DE ENERGIA S/A Cassiano José Souza da Silva Roberta Gavião Soares IBERDROLA EMPREENDIMENTOS DO BRASIL S/A RESUMO É objeto do trabalho apresentar a metodologia adotada na implantação do programa de reassentamento urbano em Salto da Divisa - Minas Gerais, na área atingida pelo reservatório do Aproveitamento Hidrelétrico de Itapebi. O método consiste na participação comunitária para a tomada de decisões a partir da criação de mecanismos facilitadores, como a realização de pesquisas sócio-econômicas e de levantamentos topográficos, elaboração dos Critérios de Reassentamento Urbano, implantação do Centro de Informações, bem como a manutenção de uma mesma equipe de negociação ao longo de todo o processo. A metodologia ora apresentada mostrou-se de grande valia para o caso em estudo, refletindo o sucesso do programa. ABSTRACT This work presents the methodology adopting for implantation of the program of urban resettlement in Salto da Divisa City - Minas Gerais, on area achieved at reservoir of the Hydroelectric Power Plant of Itapebi. The method consists on community participation for taken of decisions the part from creation of facility mechanisms, will be the realization of socialist and economic research and topographical liftings, elaboration from the Criteria of Resettlement Urbane, introduce of the Information Center, as well as the maintenance from a same staff of negotiation year around. The methodology will be present very important of this case, thought about the success of the program.

Upload: lytruc

Post on 30-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

T94 – A07 METODOLOGIA PARA A IMPLANTAÇÃO DE PROGRAMAS DE REASSENTAMENTO URBANO – O CASO DO AHE ITAPEBI – RIO JEQUITINHONHA /MG-BA

Afranio Benjoino Gavião

ITAPEBI GERAÇÃO DE ENERGIA S/A

Cassiano José Souza da Silva Roberta Gavião Soares

IBERDROLA EMPREENDIMENTOS DO BRASIL S/A

RESUMO É objeto do trabalho apresentar a metodologia adotada na implantação do programa de reassentamento urbano em Salto da Divisa - Minas Gerais, na área atingida pelo reservatório do Aproveitamento Hidrelétrico de Itapebi. O método consiste na participação comunitária para a tomada de decisões a partir da criação de mecanismos facilitadores, como a realização de pesquisas sócio-econômicas e de levantamentos topográficos, elaboração dos Critérios de Reassentamento Urbano, implantação do Centro de Informações, bem como a manutenção de uma mesma equipe de negociação ao longo de todo o processo. A metodologia ora apresentada mostrou-se de grande valia para o caso em estudo, refletindo o sucesso do programa.

ABSTRACT

This work presents the methodology adopting for implantation of the program of urban resettlement in Salto da Divisa City - Minas Gerais, on area achieved at reservoir of the Hydroelectric Power Plant of Itapebi. The method consists on community participation for taken of decisions the part from creation of facility mechanisms, will be the realization of socialist and economic research and topographical liftings, elaboration from the Criteria of Resettlement Urbane, introduce of the Information Center, as well as the maintenance from a same staff of negotiation year around. The methodology will be present very important of this case, thought about the success of the program.

1 – INTRODUÇÃO

Este trabalho tem o objetivo de apresentar uma alternativa metodológica para a implantação de programas de reassentamento urbano, descrevendo os procedimentos adotados pela Itapebi Geração de Energia S/A para a relocação das famílias atingidas pelo reservatório da Hidrelétrica de Itapebi na cidade de Salto da Divisa – Minas Gerais. Além disso, procura identificar os percalços verificados na condução do processo, mostrando, no final, os resultados alcançados e as recomendações a serem adotadas para a condução de programas similares.

Todo o programa foi concebido e desenvolvido ao longo de três anos, a partir da realização de diversas reuniões com a comunidade atingida. As ações se intensificaram nos dois últimos anos - 2000 e 2001 -, quando as obras de implantação do empreendimento atingiram seu pico.

Na fase inicial persistiam ainda muitas dúvidas e desconfianças por parte da comunidade, pois boa parte dos programas de remanejamento implantados no País, decorrentes da construção de usinas hidrelétricas, mostraram-se desastrosos e inacabados, a exemplo dos reassentamentos de Balbina, Itaparica e Tucuruí que deixaram seqüelas às famílias atingidas.

À medida que as ações propostas se concretizavam, o grau de credibilidade do empreendedor diante da comunidade ia aumentando. Na fase final do processo, quando da transferência das famílias para as novas casas, surgiu um novo ciclo de resistência, principalmente por parte daqueles que não se enquadravam nos critérios definidos pelo programa, obrigando o empreendedor a retornar à mesa de negociação e a criar um reassentamento alternativo para algumas famílias não contempladas.

Por sua vez, como era de se esperar, as ações implementadas pelo empreendedor não foram suficientes para satisfazer plenamente os anseios da comunidade atingida, apesar de reconhecer os grandes benefícios trazidos pelo empreendimento.

2 – O EMPREENDIMENTO

A Usina Hidrelétrica de Itapebi está localizada no rio Jequitinhonha, extremo sul da Bahia, 8 km a montante da cidade de Itapebi e a 118 km da foz no Oceano

Atlântico. O local do barramento dista cerca de 619 km de Salvador e 902 km de Belo Horizonte. O acesso ao empreendimento dá-se através da rodovia BR-101, que passa 3 km a leste do local da barragem, com ligações asfaltadas às cidades de Ilhéus e Porto Seguro, distantes 200 km e 110 km, respectivamente.

O limite do reservatório da usina está situado na divisa dos Estados da Bahia e Minas Gerais, inundando terras dos municípios baianos de Itapebi, Itagimirim e Itarantim e de Salto da Divisa em Minas Gerais, num total de 52 km² (5.200 hectares) e acumulando um volume d’água de 1,6 bilhão de metros cúbicos.

O Aproveitamento Hidrelétrico de Itapebi (AHE Itapebi) é um empreendimento de porte médio com uma potência instalada de 450 MW, podendo atender a mais de um milhão de residências. Suas principais estruturas construtivas constam de uma barragem de enrocamento com face de concreto, vertedouro, subestação de interligação com a Rede Básica e casa de força abrigando três turbo-geradores com capacidade de 150 MW cada. A usina é do tipo “a fio d’água”, ou seja, toda água afluente ao reservatório passa para jusante do aproveitamento pelas turbinas ou, em caso de excesso, pelo vertedouro. 3 – CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA AMBIENTAL O AHE Itapebi não atingiu estradas, pontes, linhas de transmissão, território indígena ou centros urbanos – a não ser uma pequena área na cidade de Salto da Divisa – traduzindo-se como pouco significativas as interferências ambientais sobre a estrutura sócio-econômica da região.

Nos três municípios baianos, que contribuíram com quase 100% do total das terras inundadas, o reservatório atingiu áreas exclusivamente rurais, situadas em zonas de declividades acentuadas e de baixa ocupação humana, constituídas de grandes propriedades onde a pecuária extensiva é a principal atividade. Já no município mineiro de Salto da Divisa, que teve somente 0,25% (13 hectares) do total inundado, os impactos foram mais significativos, visto que o reservatório atingiu uma pequena parte de sua zona urbana, correspondente a 3 (três) hectares em áreas ribeirinhas de dois bairros da cidade.

O município de Salto da Divisa tem 6.779 habitantes, sendo 5.571 na sede municipal (Censo 2000, IBGE), e está situado numa região onde a pecuária extensiva associada aos grandes latifúndios é a atividade econômica predominante. A sede municipal é caracterizada pela pobreza de quase toda a sua população e a atividade econômica restringe-se aos empregos da Prefeitura e àqueles gerados por uma empresa de mineração de grafite. As condições gerais de infraestrutura (rede de esgoto, água) da cidade eram

precárias e foram melhoradas graças às intervenções decorrentes da implantação da hidrelétrica.

As famílias atingidas pelo reservatório constituíam, na quase totalidade, o espectro mais distante da cadeia social da cidade, pois muitos não eram servidos por abastecimento d’água, energia, saneamento básico, moravam de favor em casas de construção sofrível e viviam e ainda vivem de “bicos” e doações de entidades filantrópicas.

Um total de 324 pessoas vivia na área atingida pelo empreendimento quando da elaboração do segundo Levantamento Sócio-Econômico, realizado entre janeiro e março de 2000, sendo 114 crianças e 210 adultos. Dos 89 imóveis que foram afetados pelo reservatório, 54 eram ocupados pelos “proprietários”, 27 por não proprietários e 8 encontravam-se desabitados e/ou em construção.

Com a implantação do empreendimento, a cidade passou a conviver com uma nova realidade, o que requereu do empreendedor, antes mesmo do início das obras de construção da usina, a adoção de uma série de intervenções, realizadas a partir dos diversos programas ambientais e, sobretudo, daquele que tratou especificamente do reassentamento da população.

Apesar da pequena magnitude do impacto sobre a população, a sua mitigação exige uma atenção especial devido às questões específicas que envolvem interferências com áreas urbanas. A maior densidade demográfica e de atividades ligadas ao comércio e aos serviços, produz toda uma complexidade das relações sociais requerendo tratamentos e metodologias diferenciadas. Assim, o deslocamento da população, motivado por ações exógenas, como a implantação do AHE Itapebi, considera uma série de variáveis conjuntamente, o que aponta para a necessidade de planejamento e monitoramento de execução específica. Dentre as variáveis destacam-se as relações de vizinhança e de associativismo; os acessos aos serviços urbanos de transporte, educação, saúde e comércio, ainda que em escala reduzida; a possibilidade de interferência com o planejamento sócio-econômico mais amplo, que envolve os interesses do poder público municipal e do conjunto da população da cidade; a possibilidade de criação, na cidade, de áreas periféricas, com condições de moradia degradadas, e de intensificação de um possível processo de estratificação social da população.

O tratamento harmônico e negocial dessas questões impõe-se como medida imprescindível para a satisfação da população atingida, bem como o de dever cumprido pelo empreendedor. Para tanto, foi elaborado um programa ambiental específico, inserido no “Projeto de Remanejamento e Monitoramento da População Diretamente Atingida”, a seguir comentado.

4 – O PROJETO DE REASSENTAMENTO

O Projeto de Remanejamento e Monitoramento da População Diretamente Atingida foi subdividido em cinco sub-projetos, sendo um deles o Subprojeto de Remanejamento da População Diretamente Atingida na Cidade de Salto da Divisa, que foi implementado em seis etapas principais, a partir das ações coordenadas pelo empreendedor e consensadas com a comunidade, conforme descrito a seguir:

4.1 – IDENTIFICAÇÃO FÍSICO-JURÍDICA E CADASTRAMENTO DOS IMÓVEIS ATINGIDOS Esta etapa consistiu de cadastros das propriedades atingidas e/ou situadas no entorno da área diretamente afetada pelo empreendimento, descrevendo: sua localização; condições do imóvel, se próprio, alugado, cedido, dentre outros; nome do chefe da família e número de moradores; a área total do terreno e a área total construída; e o número de cômodos, o padrão construtivo, as características das instalações sanitárias. A identificação dos imóveis atingidos foi precedida de um levantamento topográfico e cadastral de todas as propriedades urbanas que estavam situadas até cinco metros acima da cota de inundação do reservatório, de modo a subsidiar a formulação do projeto de engenharia, pois vias públicas teriam que ser projetadas e era imprescindível ter-se uma visão global da amplitude do problema. Foram realizadas duas pesquisas sócio-econômicas, uma em 1999 e outra em 2000, que apontavam dados extremamente preocupantes do ponto de vista da sobrevivência e condições de moradia dos residentes na área atingida. Paralelamente ao segundo cadastramento, foi realizada uma pesquisa jurídica junto aos cartórios para a determinação das condições legais de ocupação, especialmente para a localização da documentação de posse dos imóveis. O universo destes levantamentos atingiu 142 imóveis situados nos bairros Saudade, Ipê e Barro Preto, sendo que apenas 89 moradias foram afetadas pelo empreendimento e, conseqüentemente, objeto de reassentamento e/ou indenização; os outros representaram a vizinhança mais próxima dos atingidos, estando aí incluídos também os terrenos. As Figuras 1 e 2 a seguir retratam a realidade da maioria dos imóveis cadastrados.

FIGURA 1 - Tipologia dos imóveis atingidos pelo AHE Itapebi em Salto da Divisa - casa de madeira.

FIGURA 2 - Tipologia dos imóveis atingidos pelo AHE Itapebi em Salto da Divisa – casa de adobe.

Os dados coletados forneceram um perfil da população atingida, subsidiando o processo global de planejamento e de viabilização das propostas. O cadastramento da população permitiu também o controle da ocupação das áreas afetadas, de modo que se pudesse controlar e evitar novas ocupações, especialmente as de caráter especulatório; isto acabou acontecendo na etapa final do processo e levou o empreendedor a implantar um programa paralelo de reassentamento, a partir da aquisição de seis imóveis na cidade e doação às famílias invasoras.

As pesquisas jurídicas apontaram que 95,5% dos imóveis atingidos eram classificados como posses, vez que seus “proprietários” só dispunham de uma ficha de inscrição na Prefeitura para efeito de cobrança de IPTU e às vezes recibos manuscritos de compra e venda, o que retratava a situação predominante na cidade do ponto de vista da ocupação legal das propriedades.

Constatou-se ainda, que 55,06% dos imóveis eram desprovidos de banheiro ou instalações sanitárias, 82,02% não dispunham de esgotamento sanitário, 33,33% das famílias viviam de favor ou de aluguel, o tamanho médio das casas era de 40m2, além do que o nível das construções era sofrível.

Uma síntese dessa realidade está apresentada nas Figuras 3 e 4, a seguir:

FIGURA 3 - Condição do morador em relação ao imóvel atingido.

FIGURA 4 - Esgotamento sanitário dos imóveis atingidos.

Observou-se, também que, em razão da situação vivencial a que estavam submetidas essas famílias, a grande maioria tinha a expectativa de que a implantação do empreendimento traria melhoria para a cidade e a mudança de local de moradia para um novo bairro era vista como uma evolução social.

4.2 - FORMULAÇÃO DO PROJETO DE ENGENHARIA Os projetos de engenharia, de uma maneira geral, estabelecem os materiais a serem utilizados, a disposição dos lotes, a forma de construção das novas residências, sua constituição física e arquitetônica, bem como os detalhes sobre disposição sanitária e abastecimento de água, energia e condições de acesso. Inicialmente foram elaboradas plantas de localização e disposição geral, bem como plantas individualizadas para cada propriedade destinada às famílias remanejadas. Foi elaborado também um conjunto de maquetes dos imóveis propostos pelo empreendedor e de sua disposição nos lotes, que foi posto à visitação de toda a comunidade no Centro de Informações implantado no centro da cidade. Nesta fase desenvolveram-se os entendimentos específicos com a Prefeitura de Salto da Divisa e com as lideranças comunitárias locais, especialmente para a determinação do local para onde iria a população relocada. A sociedade participou do processo através de representantes e entidades de reconhecido respaldo entre a população. Desta forma, o projeto final de engenharia pôde ser elaborado paralelamente à etapa de viabilização sócio-política, tendo sido discutido nas diversas reuniões os elementos que iriam compô-lo. 4.3 – VIABILIZAÇÃO SÓCIO-POLÍTICA DO PROJETO A participação da comunidade, mais do que uma preocupação social e política, foi um elemento decisivo e estratégico para a aceitação das propostas de remanejamento, e de modo geral, da maior parte das ações planejadas decorrentes do empreendimento. A preocupação com a viabilização sócio-política das propostas esteve presente desde o início do processo, tendo se intensificado quando da discussão do projeto de engenharia, seus elementos e especificações, o que assegurou a participação efetiva dos atingidos na tomada de decisões. Naturalmente, o engajamento da população é proporcional ao seu próprio interesse, às informações repassadas pelo empreendedor e à disposição dos órgãos ambientais competentes. No caso em estudo a participação foi bastante significativa, visto que a comunidade encontrava-se organizada e tinha uma liderança formada. O primeiro passo foi a escolha do local onde seria implantado o projeto de reassentamento, que foi coordenada pelo empreendedor e motivada pela própria comunidade atingida. A participação do poder público no processo foi

pouco significativa, devido ao desinteresse da Prefeitura e da Câmara de Vereadores. Nesta fase foram discutidas algumas situações específicas, principalmente relacionadas àquelas famílias que não concordavam com o reassentamento e que optaram pela indenização de seus imóveis. Das 89 (oitenta e nove) casas atingidas, 29 (vinte e nove) foram indenizadas. Com isso, restaram 60 (sessenta) “proprietários” e 20 (vinte) não proprietários que optaram pelo reassentamento e para os quais o projeto foi desenvolvido. 4.4 – ADEQUAÇÕES DO PROJETO Os resultados das negociações e do processo de viabilização sócio-política se incorporaram ao projeto de remanejamento, compatibilizando-se, na medida do possível, os muitos interesses envolvidos. Muitos anseios da comunidade foram atendidos, como a inclusão de Centro Comunitário, Posto de Saúde, Escola e Creche, além de muros nas residências, disponibilização de terra vegetal nos quintais, entre outros. Em suas diversas etapas, o novo projeto foi dimensionado e desenvolvido considerando os parâmetros urbanísticos legais e acordados com a comunidade, dentre eles, residências com 2 e 3 quartos e área mínima de 68 m2; lotes com área mínima de 450 m2; testadas dos lotes de 15 m; sistema viário interno com caixas de rua de 7,60 m de largura e calçadas com 3 m de largura; e terrenos devidamente murados. O projeto de engenharia foi readequado, buscando sempre a manutenção das características originais de organização social das famílias que foram remanejadas, das predileções de vizinhança manifestadas pelas famílias e a melhoria dos padrões de habitação e infra-estrutura. 4.5 – EXECUÇÃO DO PROJETO DE ENGENHARIA DO NOVO BAIRRO Após os procedimentos estabelecidos no programa e a readequação do projeto de engenharia do novo bairro, foi iniciada a sua construção. Nesta etapa a participação da comunidade continuou ativa através da criação de uma comissão de acompanhamento das obras, que semanalmente visitava o canteiro e verificava o andamento dos trabalhos. Neste período o grau de confiança e credibilidade do empreendedor perante a comunidade local aumentou significativamente, uma vez que começavam a se materializar os acordos firmados entre as partes ao longo de todo o processo de negociação.

4.6 – REASSENTAMENTO E MONITORAMENTO DA POPULAÇÃO Quando concluídas as obras (Figuras 5 e 6) foi realizado o remanejamento propriamente dito. Nesta etapa o empreendedor contratou uma equipe para efetuar as mudanças das famílias para as novas casas à medida que iam sendo demolidas as antigas residências. A transferência para o novo bairro criou situações bem melhores do que aquelas vivenciadas pelos remanejados, pois a comunidade passou a dispor de uma área urbanizada, com sistema viário interno, áreas de lazer e esporte, providas de redes de abastecimento d’água, esgotamento sanitário e energia elétrica, além de centro comunitário, escola, posto de saúde e creche. FIGURA 5 – Visão geral das casas construídas no novo bairro.

FIGURA 6 – Vista aérea do novo bairro.

As ações de monitoramento foram executadas ao longo de todo o processo, e continuam sendo implementadas nesta fase pós-remanejamento. Na primeira campanha foram realizadas entrevistas com moradores de 68 imóveis. Na ocasião, 90% dos entrevistados afirmaram que estavam se sentindo bem ou muito bem no novo ambiente, refletindo o grau de satisfação dos mesmos com o programa. Esta campanha possibilitou ainda a identificação de alguns problemas de ordem operacional, principalmente no que se referia ao funcionamento do sistema de coleta e tratamento de esgotos o que, posteriormente, foi devidamente ajustado pelo empreendedor. Estão previstas outras pesquisas de acompanhamento da população relocada em que serão averiguados aspectos relacionados à permanência das famílias nos imóveis, condições de vida e de sociabilidade. 5 – A METODOLOGIA ADOTADA

Todo o projeto de reassentamento norteou-se na aplicação do método participativo para a tomada das decisões, considerando sempre os aspectos sócio-ambientais e econômicos.

Dentro deste contexto foram elaboradas metodologias, uma para a seleção e identificação das famílias passíveis de reassentamento, intitulada Critérios de Reassentamento Urbano; e outra para a escolha do tipo de imóvel que abrigaria cada família, denominada Metodologia de Assentamento.

5.1 – CRITÉRIOS DE REASSENTAMENTO URBANO A fim de subsidiar a tomada de decisões para a seleção/identificação das famílias passíveis de reassentamento, foi elaborado pelo empreendedor e consolidado pela comunidade um documento denominado Critérios de Reassentamento Urbano. Esta metodologia estabeleceu as condições de direito para o reassentamento das famílias diretamente atingidas na área urbana de Salto da Divisa - MG pelas obras do Aproveitamento Hidrelétrico de Itapebi, como uma síntese de todo o processo de negociação. O princípio básico que orientou a elaboração desses critérios foi o de privilegiar a condição de moradia das famílias que à época viviam na área afetada, ou seja, reassentar aqueles que estavam morando na área atingida, independente de ser proprietário ou simplesmente ocupante, atendendo à condicionante estabelecida na licença ambiental. Também foram levadas em consideração as soluções de engenharia que reduzissem, ao máximo e, desde que preservadas as condições de segurança dos imóveis remanescentes, o número de moradias a serem relocadas. Esses critérios foram traçados considerando os seguintes aspectos:

5.1.1. Objetivo

Estabelecer os critérios para o reassentamento no novo bairro dos Proprietários e Não Proprietários das casas atingidas pela UHE Itapebi na área urbana de Salto da Divisa / MG.

5.1.2. Premissas Terão direito ao reassentamento no novo bairro os Proprietários e Não Proprietários cujos imóveis estejam: • Na cota de inundação;

• Dentro da faixa de segurança;

• Dentro do greide de arruamento.

5.1.3. Conceitos

Cota de Inundação: Indica o nível d’água máximo que o reservatório alcançaria na cidade de Salto da Divisa;

Faixa de Segurança: Faixa de terra com 3 metros de altura acima da cota

de inundação que garante a segurança estrutural dos imóveis remanescentes na cidade de Salto da Divisa;

Greide de Arruamento: Faixa necessária à abertura e prolongamento de

ruas e vias públicas para viabilizar a reurbanização e paisagismo da cidade de Salto da Divisa;

Proprietários: Pessoas que detinham título de posse ou de propriedade do

imóvel atingido;

Não Proprietários: Pessoas que residiam em imóveis pertencentes a

terceiros sob qualquer forma de ocupação (empréstimo, aluguel, cessão etc.).

5.1.4. Critérios para o reassentamento • Relativo aos Proprietários:

Todos os Proprietários cujas residências que fossem diretamente atingidas pelo lago estivessem dentro da faixa de segurança ou situadas em área de implementação do projeto urbanístico em Salto da Divisa seriam reassentados ou indenizados, de acordo com a situação individual de cada um.

• Relativo aos Não Proprietários:

Somente teriam direito ao reassentamento os Não Proprietários que ainda residissem nos imóveis desde, pelo menos, 10 de agosto de 2000 (data efetiva do início das negociações de discussão dos direitos da comunidade atingida).

• Relativo à Moradia

Seria entregue a cada morador do novo bairro uma casa com, no mínimo, dois quartos, num lote com área média de 450 m2.

OO PPrroopprriieettáárriioo qquuee ddeettiivveessssee áárreeaass aattiinnggiiddaass ddee eeddiiffiiccaaççããoo oouu ddee tteerrrreennoo,, ssuuppeerriioorreess aaoo qquuee llhhee ffoossssee ooffeerrttaaddoo ppeelloo eemmpprreeeennddeeddoorr,, tteerriiaa aasssseegguurraaddoo oo ddiirreeiittoo àà iinnddeenniizzaaççããoo ppeelloo eexxcceeddeennttee..

Somente aos Proprietários de casas atingidas em condições de habitação seria assegurado o direito à nova moradia. Proprietários de terrenos sem edificações (casas) ou de imóveis não residenciais atingidos seriam somente indenizados.

Os Não Proprietários teriam direito somente à moradia no novo bairro.

• Relativo à Indenização

Os imóveis atingidos, objeto de indenização, seriam pagos com base em avaliações feitas por técnicos especializados, contratados pelo empreendedor, considerando-se o preço de reposição praticado na área urbana de Salto da Divisa. Eventuais discordâncias quanto ao preço ofertado seriam dirimidas com outra avaliação, preferencialmente de caráter judicial, patrocinada pelo interessado em adquirir o imóvel.

• Relativo à Mudança

A transferência das famílias atingidas para o novo bairro obedeceria a um cronograma definido conjuntamente com as lideranças comunitárias. Os custos decorrentes dessas mudanças seriam de responsabilidade do empreendedor.

• Relativo ao Desmanche

As casas atingidas seriam demolidas pelo empreendedor e os materiais passíveis de reaproveitamento seriam destinados à entidade representativa dos atingidos, cabendo a esta a responsabilidade pela retirada, transporte e distribuição. A demolição dos imóveis atingidos somente ocorreria após as famílias terem sido reassentadas no novo bairro.

• Relativo à Escrituração

Cada imóvel do novo bairro seria escriturado em nome do futuro proprietário, sem qualquer ônus para os reassentados. OOss eeqquuiippaammeennttooss ppúúbblliiccooss uurrbbaannooss ((áárreeaass ddee llaazzeerr,, ddee eessppoorrttee,, ccrreecchhee,, eessccoollaa,, ppoossttoo ddee ssaaúúddee,, aabbaasstteecciimmeennttoo dd''áágguuaa,, sseerrvviiççoo ddee eessggoottoo,, eenneerrggiiaa

eellééttrriiccaa,, ccoolleettaa ddee áágguuaass pplluuvviiaaiiss,, rreeddee tteelleeffôônniiccaa)) ppaassssaarriiaamm aaoo ddoommíínniioo ddoo MMuunniiccííppiioo nnoo aattoo ddee rreeggiissttrroo ddoo llootteeaammeennttoo..

O centro comunitário passaria a ser de domínio da associação dos moradores do novo bairro.

5.1.5. Documentação requerida • Dos Proprietários

Entregariam ao empreendedor a escritura definitiva ou recibo de aquisição ou termo de doação ou outro documento que comprovasse a posse do imóvel, acompanhado da Ficha de Inscrição na Prefeitura de Salto da Divisa, sendo que as despesas decorrentes da transferência correriam por conta do adquirente.

• Dos Não Proprietários

Apresentariam ao empreendedor contrato de aluguel ou termo de cessão, doação ou empréstimo firmado com o proprietário do imóvel.

Portanto, esses critérios definem as condições de direito ao reassentamento de cada família atingida e sintetiza o resultado das negociações com a comunidade.

5.2 – CRITÉRIOS DE DISTRIBUIÇÃO

Essa metodologia define os critérios de seleção do imóvel, dentre os quatro tipos postos à disposição dos atingidos, a que cada uma das 80 famílias a ser reassentada no novo bairro teria direito. Foi dado tratamento diferenciado para os Proprietários e Não Proprietários, em razão da natureza da ocupação de cada imóvel, se pertencente ou não ao morador. Desse modo, considerando a condição de ter assegurado o direito a uma nova casa, apesar de não possuir imóvel e estar morando de favor ou aluguel, os Não Proprietários ficaram à margem desses critérios, sendo-lhes concedida a residência de 2 quartos e com menor área. Portanto, a metodologia foi desenvolvida, exclusivamente, para a definição dos imóveis que seriam entregues aos Proprietários. Numa primeira fase, o projeto de engenharia do novo bairro disponibilizou quatro opções de residências, que norteou a elaboração dessa metodologia. Posteriormente, com a redução do número de famílias que optaram pelo reassentamento, o projeto foi readequado, passando a dispor de três opções de residência, sendo uma de 3 quartos e duas com 2 quartos.

Para a determinação do tipo de casa, se de 2 ou 3 quartos e com qual tamanho, os parâmetros adotados foram área construída, número de moradores e quantidade de cômodos de cada um dos 80 imóveis atingidos. Dentro de cada parâmetro avaliado foram estabelecidas faixas de abrangência e atribuídos pesos de 1 a 4 de acordo com as Tabelas 1, 2 e 3, apresentadas a seguir, considerando a tipologia das casas atingidas: • Determinação do Peso da Área Construída (PAC)

TABELA 1 - Peso da Área Construída Faixa de abrangência

(área construída) Casas dentro da

faixa Peso da área construída

(PAC) área < 25,00 m2 17 1

25,00 m2 < área < 35,00 m2 15 2 35,00 m2 < área < 50,00 m2 13 3

área > 50,00 m2 15 4 • Determinação do Peso do Número de Moradores (PNM)

TABELA 2 - Peso do Número de Moradores Faixa de abrangência

(moradores) Casas dentro da

faixa Peso do número de moradores (PNM)

n.º de moradores = 01 13 1 01 < n.º de moradores < 03 23 2 03 < n.º de moradores < 05 12 3

n.º de moradores > 05 12 4 • Determinação do Peso do Número de Cômodos (PNC)

TABELA 3 - Peso do Número de Cômodos

Faixa de abrangência (cômodos)

Casas dentro da faixa

Peso do número de cômodos (PNC)

n.º de cômodos < 02 13 1 02 < n.º de cômodos < 04 28 2 04 < n.º de cômodos < 06 16 3

n.º de cômodos > 06 3 4 AA ccaaddaa uumm ddeesssseess ppaarrââmmeettrrooss ffooii aattrriibbuuííddoo uumm ggrraauu ddee iimmppoorrttâânncciiaa,, sseennddoo ccoonnssiiddeerraaddoo ccoommoo ddee mmaaiioorr rreelleevvâânncciiaa aa ÁÁrreeaa CCoonnssttrruuííddaa ((ppeessoo 5500)),, sseegguuiiddoo ddoo NNúúmmeerroo ddee MMoorraaddoorreess ((ppeessoo 3300)) ee ddoo NNúúmmeerroo ddee CCôômmooddooss ((ppeessoo 2200)),, ccuujjaa eexxpprreessssããoo mmaatteemmááttiiccaa éé::

PF = (50 x PAC + 30 x PNM + 20 x PNC) / 100 (1) sendo:

PAC = Peso do Parâmetro Área Construída (Tabela 1) PNM = Peso do Parâmetro Número de Moradores (Tabela 2) PNC = Peso do Parâmetro Número de Cômodos (Tabela 3) PF = Peso Final Alguns proprietários possuíam imóveis desabitados e/ou em construção, ou ocupados por terceiros. Nesta situação, tornava-se inadequado utilizar o Parâmetro Número de Moradores (PNM) para determinação do Peso Final (PF), pois esse parâmetro não seria representativo quanto à real situação do proprietário atingido. Para estes casos, a expressão matemática adotada foi: PF = (50 x PAC + 50 x PNC) / 100 (2)

5.2.1 – Definição do tipo de imóvel AAssssiimm,, eennccoonnttrraaddoo oo PPeessoo FFiinnaall ((PPFF)) ddee ccaaddaa iimmóóvveell,, bbaassttaavvaa ccoonnssuullttaarr aa TTaabbeellaa 44,, aapprreesseennttaaddaa aa sseegguuiirr,, ee vveerriiffiiccaarr qquuaall oo ttiippoo ddee iimmóóvveell qquuee ccaaddaa ffaammíílliiaa aattiinnggiiddaa tteerriiaa ddiirreeiittoo..

TABELA 4 - Classificação Final - Tipo de Imóvel Ofertado

Peso Final (PF) Tipo de imóvel PF < 2 A

2 < PF < 3 B 3< PF < 3,5 C

PF > 3,5 D Os quatro tipos de residências estabelecidos inicialmente no projeto de engenharia, e postos à disposição das famílias atingidas, foram os seguintes: Tipo A - casa com 2 quartos e área construída de 68,10 m2 Tipo B - casa com 2 quartos e área construída de 73,80 m2 Tipo C - casa com 3 quartos e área construída de 73,20 m2 Tipo D - casa com 3 quartos e área construída de 78,50 m2 Posteriormente, devido à opção de alguns proprietários em receber indenização a serem reassentados, houve uma redução no número de imóveis a serem construídos. Assim, para atender ao que foi acordado com a comunidade e garantir a manutenção da harmonia arquitetônica do novo bairro, as residências tipo C foram suprimidas, e aqueles que receberiam casas deste tipo foram beneficiados com imóveis de área maior, a do tipo D. Desse modo, utilizando-se dessa metodologia, foram entregues aos futuros moradores identificados como Proprietários, 60 (sessenta) casas, sendo 20 de 3 quartos do tipo D, 20 de 2 quartos do tipo A e 20 de 2 quartos do tipo B; e para os Não Proprietários, não abrangidos por esses critérios, 20 (vinte) novas residências de 2 quartos do tipo A.

6 – CONCLUSÕES

A participação atuante da comunidade durante todas as etapas de implantação do reassentamento foi imprescindível para se concretizar com êxito e no prazo estabelecido, todo o processo de transferência das famílias atingidas. Assim, os resultados das negociações e do processo de viabilização sócio-política puderam ser incorporados ao projeto de remanejamento, aperfeiçoando-o e compatibilizando-se os muitos interesses da sociedade. As metodologias específicas, desenvolvidas para a seleção da tipologia dos imóveis que abrigariam cada família e para a elaboração dos critérios de reassentamento urbano, caracterizaram-se como ferramentas importantes na condução do processo, e apesar dos percalços enfrentados ao longo das negociações, recomenda-se a sua utilização em empreendimentos similares. Apesar dos resultados positivos alcançados com a utilização da metodologia ora apresentada para o caso do reassentamento urbano da comunidade afetada pelo AHE Itapebi na cidade de Salto da Divisa, alguns ajustes precisam ser feitos quando da adoção da mesma em outros empreendimentos, como envolver o Ministério Público desde o início do processo, formalizar todos os termos negociados a partir de documentos devidamente registrados em cartório e, se possível, com anuência dos poderes constituídos. Por fim, vale registrar que a elaboração dessa metodologia, assentada na capacidade de negociação entre as partes envolvidas, serviu como um facilitador na condução do processo de reassentamento da população, pois permitiu estabelecer de modo claro, inequívoco e consensual o direito de cada uma das famílias atingidas, legitimando em definitivo a eficácia do procedimento aplicado.

7 – BIBLIOGRAFIA 1. AHE ITAPEBI – Cadastramento dos Imóveis Atingidos pela UHE Itapebi na

Zona Urbana de Salto da Divisa/MG – Itapebi Geração de Energia S/A – 2000.

2. AHE ITAPEBI - Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto do Meio

Ambiente - Engevix Engenharia S/C Ltda - 1997. 3. AHE ITAPEBI – Inventário das Propriedades na Área Urbana de Salto da

Divisa - Engevix Engenharia S/C Ltda – 1999.

4. AHE ITAPEBI - Projeto Básico Ambiental – Projeto de Remanejamento e Monitoramento da População Diretamente Atingida - Engevix Engenharia S/C Ltda - 1999.

5. IBAMA – Licença de Instalação n.º 78/99, de 29/09/1999. 6. IBGE - Resultados Preliminares do Censo Demográfico 2000 in

www.ibge.gov.br.