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1 Metodologia de Aperfeiçoamento de Processos – Estudo de Casos em Instituições Públicas Brasileiras Autoria: Monica Rottmann de Biazzi, Jorge Luiz de Biazzi, Antonio Rafael Namur Muscat RESUMO Este trabalho apresenta os resultados de dois casos de aperfeiçoamento de processos em instituições públicas brasileiras, analisando a metodologia utilizada e os impactos nos resultados de cada intervenção. O objetivo deste trabalho consiste em analisar a metodologia utilizada nos casos de aperfeiçoamento de processos, com ênfase na seqüência de etapas e em seus resultados, além de realizar uma análise comparativa com metodologias de aperfeiçoamento de processos levantadas na literatura. As instituições selecionadas para o estudo são instituições públicas de ensino superior, sendo uma delas centenária. Os resultados obtidos neste trabalho são bastante úteis para estudos do setor público brasileiro, uma vez que são poucos os trabalhos acadêmicos na área. Além disso, diante da grande necessidade de melhoria dos processos do setor, a descrição dos casos e a análise dos resultados das intervenções apresentam evidente aplicação prática, uma vez que proporcionam uma base para trabalhos futuros. 1. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS Ao longo das últimas duas décadas, o setor público de um modo geral viu-se sob maior pressão para melhorar seu desempenho e demonstrar maior transparência e avaliação de resultados, o que resultou na busca de melhorias em sua forma de operar. Várias estratégias de mudança têm sido adotadas por diferentes instituições públicas, geralmente utilizando práticas gerenciais do setor privado. Deve-se notar, porém, que existem várias características específicas do setor público que exercem influência sobre programas de melhoria ou qualquer programa de mudança, como a existência de hierarquias rígidas, a cultura do setor e mudanças periódicas de direção política, entre outras. Estas características evidenciam a necessidade de se adotar programas de mudança específicos para o setor público, ao invés de simplesmente serem aplicados modelos desenvolvidos para o setor privado. Neste contexto, este trabalho terá como objetivo o estudo da metodologia de aperfeiçoamento de processos com foco nas instituições públicas brasileiras, considerando suas características administrativas específicas, sua forma de operar e sua cultura organizacional. Pretende-se realizar estudo de dois casos, avaliando os impactos da metodologia utilizada e analisando resultados positivos e negativos. Será dada especial ênfase à seqüência de etapas da metodologia utilizada nos casos, realizando-se uma análise comparativa com metodologias de aperfeiçoamento de processos levantadas na literatura. 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1. O Conceito de Processo Antes de examinar os modelos de aperfeiçoamento de processos existentes, é necessário definir o conceito de processo, que tem recebido grande ênfase na atualidade. Muitas organizações modernas possuem estruturas funcionais e hierárquicas, que isolam os departamentos, empobrecem a coordenação das atividades e limitam a comunicação (GARVIN, 1998). O trabalho acaba sendo fragmentado e compartimentalizado, o que dificulta a realização das tarefas. Na tentativa de encontrar uma melhor compreensão das organizações, a abordagem por processo fornece uma alternativa para essa visão estática e

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Este trabalho apresenta os resultados de dois casos de aperfeiçoamento de processosem instituições públicas brasileiras, analisando a metodologia utilizada e os impactos nosresultados de cada intervenção. O objetivo deste trabalho consiste em analisar a metodologiautilizada nos casos de aperfeiçoamento de processos, com ênfase na seqüência de etapas e emseus resultados, além de realizar uma análise comparativa com metodologias deaperfeiçoamento de processos levantadas na literatura. As instituições selecionadas para oestudo são instituições públicas de ensino superior, sendo uma delas centenária. Os resultadosobtidos neste trabalho são bastante úteis para estudos do setor público brasileiro, uma vez quesão poucos os trabalhos acadêmicos na área. Além disso, diante da grande necessidade demelhoria dos processos do setor, a descrição dos casos e a análise dos resultados dasintervenções apresentam evidente aplicação prática, uma vez que proporcionam uma basepara trabalhos futuros.

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Metodologia de Aperfeiçoamento de Processos – Estudo de Casos em Instituições Públicas Brasileiras

Autoria: Monica Rottmann de Biazzi, Jorge Luiz de Biazzi, Antonio Rafael Namur Muscat

RESUMO

Este trabalho apresenta os resultados de dois casos de aperfeiçoamento de processos em instituições públicas brasileiras, analisando a metodologia utilizada e os impactos nos resultados de cada intervenção. O objetivo deste trabalho consiste em analisar a metodologia utilizada nos casos de aperfeiçoamento de processos, com ênfase na seqüência de etapas e em seus resultados, além de realizar uma análise comparativa com metodologias de aperfeiçoamento de processos levantadas na literatura. As instituições selecionadas para o estudo são instituições públicas de ensino superior, sendo uma delas centenária. Os resultados obtidos neste trabalho são bastante úteis para estudos do setor público brasileiro, uma vez que são poucos os trabalhos acadêmicos na área. Além disso, diante da grande necessidade de melhoria dos processos do setor, a descrição dos casos e a análise dos resultados das intervenções apresentam evidente aplicação prática, uma vez que proporcionam uma base para trabalhos futuros. 1. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS

Ao longo das últimas duas décadas, o setor público de um modo geral viu-se sob

maior pressão para melhorar seu desempenho e demonstrar maior transparência e avaliação de resultados, o que resultou na busca de melhorias em sua forma de operar. Várias estratégias de mudança têm sido adotadas por diferentes instituições públicas, geralmente utilizando práticas gerenciais do setor privado. Deve-se notar, porém, que existem várias características específicas do setor público que exercem influência sobre programas de melhoria ou qualquer programa de mudança, como a existência de hierarquias rígidas, a cultura do setor e mudanças periódicas de direção política, entre outras. Estas características evidenciam a necessidade de se adotar programas de mudança específicos para o setor público, ao invés de simplesmente serem aplicados modelos desenvolvidos para o setor privado.

Neste contexto, este trabalho terá como objetivo o estudo da metodologia de aperfeiçoamento de processos com foco nas instituições públicas brasileiras, considerando suas características administrativas específicas, sua forma de operar e sua cultura organizacional. Pretende-se realizar estudo de dois casos, avaliando os impactos da metodologia utilizada e analisando resultados positivos e negativos. Será dada especial ênfase à seqüência de etapas da metodologia utilizada nos casos, realizando-se uma análise comparativa com metodologias de aperfeiçoamento de processos levantadas na literatura.

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1. O Conceito de Processo

Antes de examinar os modelos de aperfeiçoamento de processos existentes, é necessário definir o conceito de processo, que tem recebido grande ênfase na atualidade. Muitas organizações modernas possuem estruturas funcionais e hierárquicas, que isolam os departamentos, empobrecem a coordenação das atividades e limitam a comunicação (GARVIN, 1998). O trabalho acaba sendo fragmentado e compartimentalizado, o que dificulta a realização das tarefas. Na tentativa de encontrar uma melhor compreensão das organizações, a abordagem por processo fornece uma alternativa para essa visão estática e

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fragmentada da organização. De uma forma geral, um processo pode ser definido como um conjunto de atividades que transformam recursos (entradas) em resultados (saídas), conforme a Figura 1:

Figura 1: Representação de Processo

DAVENPORT (1993) define um processo como “um conjunto de atividades estruturadas e medidas destinadas a resultar num produto especificado para um determinado cliente ou mercado”. Ao se adotar uma visão por processo dentro de uma organização, enfatiza-se a maneira como o trabalho é realizado. Um processo é, portanto, uma ordenação específica das atividades de trabalho no tempo e no espaço, com um começo, um fim e entradas e saídas claramente identificadas. HARRINGTON (1991) ressalta a agregação de valor, definindo processo como “qualquer atividade ou grupo de atividades que recebe um insumo, agrega-lhe valor e fornece um produto ou uma saída a um cliente interno ou externo. Processos utilizam recursos de uma organização para produzir resultados”.

A abordagem por processos distingue-se das versões mais hierárquicas e verticais da estrutura de uma organização. Enquanto a estrutura hierárquica é, tipicamente, uma visão fragmentada e estática das responsabilidades e das relações de subordinação, a estrutura por processo é uma visão dinâmica da forma pela qual a organização produz valor. A visão do processo evidencia a seqüência de atividades que são realizadas, cruzando departamentos e níveis hierárquicos, até a saída dos produtos.

O conceito de aperfeiçoamento de processos tem sido amplamente estudado nas últimas décadas, envolvendo abordagens de breakthrough, geralmente associadas a grandes mudanças para conseguir uma grande vantagem competitiva, e abordagens de obtenção de pequenas melhorias, associadas a ganhos gradativos e contínuos de desempenho. Vários termos são utilizados na literatura, como melhoria contínua, reengenharia, inovação, reestruturação ou redesenho de processos. O termo “aperfeiçoamento” será utilizado neste trabalho com um sentido amplo, englobando tanto padrões de breakthrough como de pequenas melhorias. 2.2. Modelos de Aperfeiçoamento de Processos A literatura apresenta atualmente uma profusão de modelos de aperfeiçoamento de processos. Entre os mais conhecidos e citados, que podem ser chamados de “clássicos”, estão os modelos de HARRINGTON (1991), de DAVENPORT (1993) e de HAMMER e CHAMPY (1993). Com o aumento do interesse das organizações, várias metodologias foram sendo criadas, tanto por acadêmicos como por profissionais de consultoria. A Tabela 1 apresenta alguns modelos de aperfeiçoamento de processos e suas principais características.

saídas

processamento

entradas

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Tabela 1 – Principais modelos de aperfeiçoamento de processos da literatura Modelo

(autores) Ano Abordagem Etapas Observações

Harrington 1991 Melhoria contínua

1-Organizar-se para as melhorias 2-Compreender o processo 3-Sugerir e implantar melhorias (Streamlining) 4-Desenvolver sistemas de medição e controle 5-Implantar programa de melhoria contínua

Davenport 1993 Reengenharia 1-Identificação de processos para reengenharia 2-Identificação dos instrumentos de mudança 3-Desenvolvimento de uma visão das atividades e dos objetivos do processo 4-Entendimento e medição dos processos existentes 5-Planejamento e construção de um protótipo do novo processo e organização

-Ênfase no uso da Tecnologia da Informação

Hammer e Champy

1993 Reengenharia 1-Reestruturação radical dos processos empresariais (“começar de novo”, abandonar procedimentos consagrados e reexaminar o trabalho necessário para criar produtos e serviços e proporcionar valor aos clientes)

-Visa alcançar drásticas melhorias

-Modelo radical; processos devem ser totalmente redefinidos

Archer e Bowker

1995 Melhoria contínua

1-Preparo do estudo 2-Análise de processos correntes 3-Redesenho de processos 4-Implantação de processos redesenhados 5-Melhoria contínua

-Survey com 48 empresas de consultoria

-Associar com aprendizagem organizacional

McAdam 1996 Melhoria contínua

1-Identificar processos críticos para melhoria 2-Analisar o processo corrente 3-Melhorar o processo 4-Implantar o processo melhorado

-Criado em programa de qualidade total

-Ênfase na adequação às características de cada organização

Kettinger, Teng e Guha

1997 1-Visão 2-Iniciação 3-Diagnóstico 4-Redesenho 5-Reconstrução 6-Avaliação

-Ampla revisão da literatura; entrevistas com consultores e vendedores de TI

-Levantamento de 25 metodologias, 73 técnicas e 102 ferramentas

Valiris e Glycas

1999 Melhoria contínua e Reengenharia

1-Estabelecimento de visão e objetivos, de escopo e abordagem de aperfeiçoamento 2-Modelagem do negócio 3-Análise do negócio 4-Redesenho 5-Melhoria contínua

- Abordagem holística, integrando três perspectivas: processo, sistemas de informação e teoria das organizações

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Vakola e Rezgui

2000 Melhoria contínua e Reengenharia

1-Desenvolver visão do negócio e objetivos do processo 2-Entender os processos existentes 3-Identificar processo para redesenho 4-Identificar alavancas de mudança 5-Implantar novo processo 6-Operacionalizar novo processo 7-Avaliar novo processo 8-Melhoria contínua

-Ênfase nos aspectos e necessidades únicos de cada organização

-Integração da mudança a aspectos humanos e organizacionais

Lee e Chuah

2001 Melhoria contínua, Reengenharia e Benchmarking

1-Seleção do processo 2-Compreensão do processo 3-Medição do processo 4-Execução de melhorias 5-Revisão dos processos melhorados

-Combinação das três abordagens varia entre diferentes organizações e de acordo com processo

Adesola e Baines

2005 Melhoria contínua

1-Compreender necessidades do negócio 2-Compreender o processo 3-Modelar e analisar o processo 4-Redesenhar o processo 5-Implantar novo processo 6-Avaliar novo processo e metodologia 7-Revisar processo

-Etapas cíclicas

-Modelo foi desenvolvido de forma iterativa, alternando estudo da teoria, prática e estudos de caso

-Avaliação da metodologia é ponto crítico e pouco estudado na literatura

2.3. Aperfeiçoamento de Processos no Setor Público Ao longo das últimas duas décadas, o setor público viu-se sob maior pressão para melhorar seu desempenho e demonstrar maior transparência e avaliação de resultados (accountability). Essa maior pressão também resultou na busca de melhorias na forma de operar do setor público. Deve-se notar, entretanto, que existem várias características específicas do setor público que exercem influência sobre programas de melhoria ou qualquer programa de mudança. Entre elas, pode-se citar: - hierarquias rígidas; - cultura do setor; - estabilidade dos funcionários; - múltiplos stakeholders para muitos processos; - mudanças de direção política periódica, sendo que podem ser drásticas; - interesses políticos, muitas vezes enfatizando mudanças de curto prazo; - amplo escopo de atividades; - sobreposição de iniciativas.

Estas características evidenciam a necessidade de se adotar programas de mudança específicos para o setor público, sendo arriscada a aplicação imediata de modelos desenvolvidos para o setor privado. Entretanto, são raros os autores que apresentam modelos para aperfeiçoamento de processos no setor público. Muitos autores, ao relatarem casos, nem chegam a descrever com detalhes a metodologia utilizada para a obtenção de mudanças. Entre os poucos modelos encontrados, pode-se citar: A) Modelo proposto por McADAM e DONAGHY (1999) Estes autores, ao investigarem os fatores críticos de sucesso para a implantação de um programa de aperfeiçoamento em uma organização do setor público no Reino Unido, avaliam

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as características específicas deste setor que influenciam a aplicação de programas de melhoria. Ao relatarem o caso, descrevem de forma sucinta a metodologia utilizada durante a realização do programa: 1 - Identificar escopo e propor opções de reengenharia para processos-chave 2 - Desenvolver plano de implantação 3 - Implantar de forma apropriada Não são apresentados, no entanto, os detalhes de cada etapa. B) Modelo proposto por GREASLEY (2004) GREASLEY (2004) propõe um modelo estruturado de melhoria de processos aplicado em um programa de melhoria no setor de recursos humanos da polícia do Reino Unido. A metodologia apresentada combina técnicas estabelecidas, como Balanced Scorecard (BSC) e mapeamento de processos com um sistema de scoring para priorizar os processos. Segundo os autores, a metodologia assegura que os processos corretos serão identificados e redesenhados no nível operacional de forma a sustentar os objetivos estratégicos da organização. Além disso, a metodologia utiliza sistemas de medidas de desempenho para verificar se as mudanças implantadas realmente alcançam o efeito desejado ao longo do tempo. O modelo proposto apresenta 5 passos: 1 - Identificar fatores críticos de sucesso 2 - Mapear processos 3 - Identificar processos para melhoria 4 - Redesenhar processo 5 - Medir desempenho A seguir, os autores descrevem a execução de cada passo na organização em estudo.

Embora sejam poucos os relatos acadêmicos de aperfeiçoamento de processos no setor público, outras estratégias de mudança têm sido adotadas, geralmente utilizando práticas gerenciais do setor privado. O movimento que defende a adoção de práticas do setor privado no setor público ficou conhecido como Nova Gestão Pública (NGP) ou New Public

Management (NPM). A NGP é caracterizada por apresentar maior foco em resultados em termos de eficiência e eficácia, foco no cliente/cidadão e substituição de uma estrutura hierárquica e altamente centralizada por uma gestão menos centralizada, na qual as decisões sobre alocação de recursos e entrega de serviços são realizadas mais próximas do ponto de entrega, o que permite maior feedback dos clientes e de grupos interessados. Os conceitos da NGP passaram a ser bastante difundidos por OSBORNE e GAEBLER (1992), e atualmente têm alcance mundial. Assim como no setor privado, a NGP envolve práticas como downsizing, reengenharia, desenvolvimento de responsabilidade gerencial e gestão da qualidade total (TQM). Como resultado da adoção destas práticas, espera-se obter clareza na avaliação de resultados, maior transparência e maior eficiência no setor público.

Outro movimento que tem recebido atenção no setor público é o chamado “Governo-eletrônico” ou eGovernement, rótulo que recebe a abordagem de utilização da Tecnologia de Informação (TI) para apoiar e melhorar as funções de governo. Segundo FUGINI, MAGGIOLINI e PAGAMICI (2005), o Governo-eletrônico hoje está essencialmente parado no estado de “Administração-eletrônica”, sendo que o apoio da TI, inicialmente confinado a funções internas, começou a se mover para o exterior, de forma a interagir com cidadãos e empresas. Estes autores também defendem que existe ainda muita margem para a intervenção em termos de “repensar” os processos antes de automatizá-los, de modo a buscar o uso mais eficiente e racional dos recursos. O aperfeiçoamento de processos mostra-se extremamente útil também para o movimento do Governo-eletrônico.

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3. METODOLOGIA

Como mencionado, o objetivo deste artigo é analisar a metodologia de aperfeiçoamento de processos utilizada em projetos realizados em instituições públicas brasileiras.

A abordagem metodológica para o desenvolvimento deste artigo foi a de pesquisa qualitativa, utilizando o método de estudo de casos múltiplos (YIN, 1991), que é adequado para situações em que se busca responder questões de pesquisa do tipo “como” e “por que”. O estudo de caso é um método de pesquisa particularmente útil para o desenvolvimento e refinamento de teorias. Pode ser definido como a “história de um fenômeno passado ou presente, extraída a partir de múltiplas fontes de evidências” (VOSS, TSIKRIKTSIS e FROHLICH, 2002). Entre as vantagens do estudo de caso, pode-se citar a possibilidade de estudar o fenômeno em seu cenário natural e gerar teoria relevante e significativa por meio da observação da realidade. Além disso, o estudo de caso permite responder a questões com uma compreensão relativamente ampla da natureza e da complexidade do fenômeno.

Os instrumentos de pesquisa utilizados foram observação e entrevistas semi-estruturadas com funcionários envolvidos em cada projeto. De maneira complementar, foram realizadas consultas a relatórios e registros gerados durante os projetos.

Foram selecionadas para o estudo instituições educacionais públicas brasileiras que passam atualmente por uma rediscussão de seus objetivos estratégicos e de seus processos administrativos, sendo a avaliação da metodologia utilizada muito importante para trabalhos futuros similares. 4. ESTUDO DE CASOS 4.1. Caso A - Processo de Expedição de Diplomas de Graduação

O Caso A corresponde ao estudo de um processo administrativo da Organização A,

que desenvolveu um Projeto de Aperfeiçoamento de Processos Administrativos (Projeto A) por um período de mais de 3 anos. A Organização A é uma instituição pública de ensino superior brasileira centenária, de renome internacional, com 15 departamentos de ensino e pesquisa e cerca de 1000 funcionários, sendo aproximadamente 500 funcionários administrativos e 500 funcionários docentes. A instituição apresentava na época do estudo cerca de 5000 alunos de graduação, aproximadamente 4000 alunos de pós-graduação e mais de 7000 alunos de educação continuada. O objetivo do Projeto A era melhorar a gestão e a operacionalização dos processos administrativos, tornando-os mais simples e racionalizados. O Projeto A foi organizado em 3 fases distintas: Fase 1 - Análise Estratégica e Mapeamento de Processos; Fase 2 - Estudo de Melhoria de Processos Críticos e Implantação de Processos-piloto Aperfeiçoados; Fase 3 - Implantação de Processos Críticos Aperfeiçoados, Capacitação de Recursos Humanos e Criação do Grupo de Qualidade e Processos. Os trabalhos do Projeto A foram executados por uma comissão mista, incluindo tanto funcionários administrativos da Organização A como uma equipe de consultores (equipe técnica).

Durante a Fase 1, foram realizadas várias reuniões com os gerentes administrativos da Organização A para que os conceitos sobre processos pudessem ser transmitidos aos mesmos e se chegasse a uma lista de processos administrativos. Foram levantados ao todo mais de 200 processos, envolvendo todas as atividades administrativas da Organização A. Os processos foram avaliados (em termos de tempo de atravessamento, qualidade, risco, volume e potencial de melhoria) para identificação dos processos críticos, ou seja, aqueles que apresentavam bom potencial para melhoria e cujos resultados obtidos não estavam sendo satisfatórios. Foram selecionados 22 processos críticos, dentre os quais foi escolhido como processo-piloto o

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processo de Expedição de Diplomas de Graduação, correspondente ao objeto de estudo do Caso A.

O levantamento detalhado do processo de Expedição de Diplomas de Graduação foi realizado por meio de entrevistas com os funcionários da Seção de Expedição de Diplomas, gerando um fluxograma detalhado e uma tabela de informações complementares (executantes, locais, materiais e equipamentos de apoio, controles efetuados e outras informações pertinentes). Também foi coletada para estudo toda a documentação e a legislação referentes ao processo. A seguir, devido à grande necessidade de melhorias no curto prazo, passou-se para a etapa de elaboração de sugestões de melhoria, em reuniões conjuntas dos executores do processo com a equipe técnica. Deve-se notar que o clima entre os funcionários da Seção de Expedição de Diplomas era bastante favorável, havendo a participação de todos na etapa de sugestões de melhoria. As reuniões geraram uma lista de sugestões, que após análise pela gerência responsável e pela diretoria da Organização A, passaram a ser implantadas, sem a interferência da equipe técnica.

Aproximadamente um ano após a etapa de sugestões e início da implantação de melhorias, a equipe técnica retornou à Seção de Expedição de Diplomas e, em conjunto com os executores, passou à sugestão e medição de indicadores de desempenho do processo. É importante notar que o processo em estudo não apresentava nenhum tipo de indicador até aquele momento, mas apenas um banco com dados dos últimos cinco anos (que não era utilizado para cálculo de indicadores). Para facilitar a análise do processo e a sugestão de indicadores, o fluxograma detalhado foi dividido em módulos, sendo elaborado um fluxograma modular. Além disso, tomou-se o cuidado de sugerir indicadores cuja medição fosse possível, considerando as fontes de dados disponíveis. Os resultados da medição foram muito satisfatórios, pois mostraram que o processo apresentava sensíveis melhoras em relação aos aspectos tempo de atravessamento e qualidade de fornecimento (percepção da Organização A com relação às entradas do processo, ou seja, informações necessárias, materiais, etc.). Como exemplo, pode-se citar que o tempo médio de expedição de um diploma passou de 2 anos, antes do início do estudo, para 1 ano, após a implantação de melhorias. 4.2. Caso B - Processo de Registro de Diplomas de Graduação

O estudo de melhoria do processo administrativo de Registro de Diplomas de Graduação ocorreu na Organização B, que corresponde a uma divisão estadual ligada ao Ministério da Educação e Cultura, responsável pelo registro de diplomas de graduação de Instituições de Ensino Superior (públicas e privadas) de sua região. A Organização B apresentava na época do estudo cerca de 15 funcionários e registrava uma média de 3000 diplomas por mês. O estudo de aperfeiçoamento de processo de Registro de Diplomas de Graduação foi motivado pelo altíssimo número de diplomas na fila (back-log), que na época do início do estudo ultrapassava 4 meses de produção, gerando grande atraso no registro, além de desmotivação nos funcionários, que trabalhavam pressionados para aumentar sua produtividade. O estudo foi organizado de acordo com as seguintes etapas:

1 - Obtenção de métricas e análises para focalização de soluções; 2 - Busca e proposição de alternativas (curto, médio e longo prazos); 3 - Avaliação de alternativas e escolha; 4 - Implantação e avaliação. Os trabalhos foram desenvolvidos com equipe conjunta, incluindo funcionários da

Organização B, equipe técnica (consultores externos) e, eventualmente, funcionários de instituições de ensino superior. O processo foi levantado de forma detalhada a partir de

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entrevistas com os executores do mesmo, gerando fluxogramas e informações sobre executantes, locais, materiais e equipamentos de apoio e controles efetuados, entre outras. Também foram coletadas, para estudo, a documentação e a legislação referentes ao processo. Foram realizadas medições de volume de diplomas recebidos e registrados, de tempo de atravessamento e de proporção de retornos devido a falhas de fornecimento de informações ou documentos para registro. A seguir, a partir da análise dos resultados das medições, foram realizadas reuniões conjuntas com os funcionários para sugestão de melhorias. Foi necessário, porém, abrir espaço para outra forma de gerar soluções, devido ao clima gerado entre funcionários e chefes ao longo de vários anos de pressão. As sugestões foram, então, enviadas pelos funcionários e chefes por via eletrônica diretamente para a equipe técnica. Após tabulação e classificação, foi realizada, pelos próprios funcionários e chefes, a avaliação das sugestões com relação a prazo de execução e ordem de grandeza dos custos envolvidos, além do impacto que a alteração promoveria com relação a duração, qualidade, riscos e volume de trabalho. Deve-se ressaltar que já durante o processo de desenvolvimento das sugestões, a Organização B disparou as ações para a implantação das sugestões mais simples. É importante notar que na lista de sugestões não havia propostas de alteração significativa das tecnologias empregadas ou mudanças substanciais no processo.

Entre as sugestões geradas, com o objetivo de aumentar não só a produtividade, mas principalmente a motivação dos funcionários, pode-se citar a mudança do lay-out das instalações físicas. O estudo do novo lay-out, realizado em conjunto com os funcionários, e sua posterior implantação, proporcionou grande melhora na motivação. Além disso, por decisão da chefia da organização, foram adotadas reuniões periódicas com todos os funcionários, o que evidenciou a ocorrência de um “bypass” de liderança sobre a chefia direta do processo, que era resistente à realização de tais reuniões. A adoção de um estilo de liderança mais participativo teve grande impacto na motivação e na produtividade, ocasionando a diminuição do back-log em 50% em um período de seis meses. Este fato, percebido pela chefia da organização, motivou o envio de uma carta de agradecimento à equipe técnica, em reconhecimento ao sucesso do trabalho. 5. ANÁLISE DOS CASOS

Para auxiliar na análise, foi construída a Tabela 2, apresentando a abordagem e a seqüência de etapas realizada em cada caso.

Tabela 2 – Análise da Abordagem e da Seqüência de Etapas dos Casos A e B

Abordagem Seqüência de Etapas Resultante

Caso A:

Expedição de

Diplomas de

Graduação

Melhoria contínua

1-Identificação dos processos 2-Avaliação dos processos e seleção de processos críticos 3-Levantamento detalhado 4-Elaboração de sugestões de melhoria 5-Implantação de melhorias 6-Medição do desempenho do processo

-Aperfeiçoamento do processo -Implantação de melhorias -Resultados positivos

Caso B:

Registro de

Diplomas de

Graduação

Melhoria contínua

1-Obtenção de métricas e análises para focalização de soluções; 2-Aplicação do Processo Geral de Solução de Problemas; 3-Busca e proposição de alternativas (curto, médio e longo prazos); 4-Avaliação de alternativas e escolha; 5-Implantação e avaliação.

-Aperfeiçoamento do processo -“Bypass” de liderança -Mudança de clima -Implantação de melhorias -Resultados positivos

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Se analisarmos a abordagem de aperfeiçoamento de processos utilizada, percebe-se que, tanto no caso A como no caso B, optou-se por uma abordagem de melhoria contínua. Deve-se notar que, em ambos os casos, os processos encontravam-se, no início, razoavelmente definidos, o que pode ter incentivado a busca de pequenas melhorias. Em trabalhos semelhantes realizados no setor público, GREASLEY (2004) relata que a abordagem de reengenharia é muito radical, chegando a ser impraticável, devido à resistência à mudança e à cultura do setor. Desta forma, a utilização da abordagem de pequenas melhorias pode ter impactado positivamente no resultado de cada caso. Com relação à seqüência de etapas, observa-se que, de uma forma geral, a metodologia utilizada em cada caso se assemelha aos modelos de abordagem de melhoria contínua encontrados na literatura. No caso A, houve uma etapa inicial de identificação e avaliação de processos para seleção de processos críticos, ou seja, aqueles que deveriam ser estudados e melhorados. A partir da lista de processos críticos, foi selecionado o processo de Expedição de Diplomas de Graduação como piloto. Observando os modelos da literatura, nota-se que vários deles enfatizam esta etapa de seleção inicial. No caso B, entretanto, esta etapa de seleção não ocorreu, possivelmente porque o desempenho do processo de Registro de Diplomas de Graduação encontrava-se muito insatisfatório, a ponto de não ser necessário avaliar se outro processo da Organização B necessitava de melhorias.

Outro aspecto que pode ser observado diz respeito à medição da situação inicial do processo. Enquanto no caso B foi realizada a medição da situação inicial do processo, no caso A esta medição inicial não foi realizada, passando-se diretamente para a etapa de sugestão de melhorias e implantação das mesmas. Considerando que a Organização A avaliou o processo de Expedição de Diplomas de Graduação como um dos processos mais críticos, seu desempenho encontrava-se inicialmente bastante deficiente, sendo, portanto, urgente a implantação de melhorias. Além disso, a inexistência de indicadores de desempenho no início do estudo desincentivou a medição inicial. Entretanto, após a implantação de melhorias, foi possível idealizar indicadores de desempenho e utilizar um banco de dados e a documentação pré-existentes para medir o desempenho do processo, comparando as situações inicial e final. Esta medição posterior foi essencial para avaliar os resultados positivos da intervenção no processo, que apresentou sensível melhoria nos aspectos tempo de atravessamento e qualidade de fornecimento. No caso B, observou-se que um dos aspectos que mais apresentou melhoria foi o clima organizacional. Os funcionários encontravam-se inicialmente desmotivados, em parte devido à grande pressão e cobrança por aumento de produtividade individual. Durante a intervenção, os funcionários passaram a se sentir valorizados, uma vez que participaram inclusive da etapa de sugestões de melhoria. Desta forma, observou-se como o delegar autonomia aos funcionários para a sugestão e implantação de melhorias impacta positivamente no sucesso da intervenção. 6. CONCLUSÃO Este trabalho apresentou os resultados de dois casos de aperfeiçoamento de processos em instituições públicas brasileiras, analisando a metodologia utilizada e os impactos nos resultados da intervenção. Notou-se que a abordagem de pequenas melhorias foi adequada em ambos os casos, que apresentaram resultados positivos. Observou-se que a seqüência de etapas da metodologia utilizada se assemelha aos modelos encontrados na literatura, porém foi adaptada de acordo com as necessidades de cada caso. Além disso, observou-se que a existência de uma cultura organizacional favorável, pelo menos para mudanças de pequena escala, é fator crucial para o sucesso de uma intervenção de melhoria.

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Os resultados obtidos neste trabalho são bastante úteis para estudos do setor público brasileiro, uma vez que são poucos os trabalhos acadêmicos na área. Além disso, diante da grande necessidade de melhoria dos processos do setor, a descrição dos casos e a análise dos resultados das intervenções apresentam evidente aplicação prática, uma vez que proporcionam uma base para trabalhos futuros. Os resultados apresentados, juntamente com análises de casos semelhantes em instituições públicas brasileiras, podem ser utilizados para o desenvolvimento de uma metodologia de aperfeiçoamento de processos mais apropriada às características do setor. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADESOLA, Sola; BAINES, Tim. Developing and evaluating a methodology for business

process improvement. Business Process Management Journal, Vol. 11 No. 1, 2005. ARCHER, R.; BOWKER, P. BPR consulting: an evaluation of the methods employed.

Business Process Re-engineering e Management Journal, Vol. 1 No. 2, 1995. DAVENPORT, Thomas. H. Process Innovation. Boston: Harvard Business School Press,

1993. FUGINI, M. G.; MAGGIOLINI, P.; PAGAMICI, B. Por que é difícil fazer o verdadeiro

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