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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
METODO DE LEITURA PARA O RECONHECIMENTO DA PAISAGEM CULTURAL DE LAGUNA/SC
CITTADIN, ANA PAULA. URBANO, ALANNA. MACIEL, MICHELE DOS SANTOS. STELLO, FERNANDO VLADIMIR.
1. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Praça Vidal Ramos, 118 – Centro – Laguna/SC [email protected]
2. Universidade do Sul de Santa Catarina
Av. José Acácio Moreira, 787, Tubarão - SC [email protected]
3. Universidae do Estado de Santa Catarina
Cel. Fernandes Martins, 270 - Progresso, Laguna – SC [email protected]
4. . Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Praça Vidal Ramos, 118 – Centro – Laguna/SC [email protected]
RESUMO O patrimônio cultural edificado de uma cidade está relacionado ao desenvolvimento da sociedade e seus valores, tornando o ambiente urbano referência para a identidade cultural de seus usuários. Neste contexto, inclui-se o Centro Histórico e Paisagístico de Laguna – SC que abriga uma significativa área urbana envolta por morros, a qual é delimitada por uma Poligonal de Tombamento, em nível federal, instituída em 1985. O local abriga um rico acervo arquitetônico, urbanístico e paisagístico, testemunho dos valores culturais e tradicionais da comunidade. Tendo em vista esta realidade, neste ano foi delimitada uma Poligonal de Entorno do bem tombado que garante a preservação paisagística do Centro Histórico. Nota-se, no entanto, ainda a falta de estudos relacionados ao patrimônio imaterial existente nesta área, os quais vêm complementar a compreensão histórica e cultural. Com o objetivo de enriquecer o conhecimento sobre o patrimônio cultural e natural desta paisagem, este artigo apresenta um estudo elaborado a partir de uma base conceitual e metodológica, proposta pelo Catálogo de Paisagem da Cataluña, na Espanha que abordada questões referentes à organização e gestão da paisagem, à perspectiva de planejamento territorial e à integração da paisagem em políticas urbanísticas: de infraestrutura, agrícola, cultural, ambiental, social e econômica, para elencar os valores materiais e imateriais existentes nesta área. A identificação destas características forma um conjunto de atributos para área, demonstrando que o Centro Histórico de Laguna, a partir da revisão bibliográfica e dos conceitos estudados, pode ser considerado uma paisagem cultural. Esse reconhecimento pode contribuir para a preservação do patrimônio cultural – material e imaterial, bem como o patrimônio natural, interagindo com os instrumentos de proteção já existentes.
Palavras-chave: centro histórico de laguna; paisagem cultural; valores de paisagem.
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Introdução
Este artigo refere-se à paisagem e suas relações com o tempo, o espaço e o ser humano.
Refere-se também, à cultura, à memória, ao meio físico e à proteção do patrimônio cultural de
um determinado lugar que foi ocupado, construído e transformado no decorrer do tempo, e
hoje, merece ser preservado. Por tanto, o Centro Histórico de Laguna, localizado no sul do
estado de Santa Catarina foi utilizado como objeto de estudo, por apresentar estes atributos.
O Centro Histórico e Paisagístico de Laguna – SC foi tombado devido a sua importância
histórica, arquitetônica e paisagística. Esta parte da cidade abriga uma extensa e significativa
área urbana envolta por morros, a qual é delimitada por uma Poligonal de Tombamento, em
nível federal, instituída em 1985. O local abriga rico acervo arquitetônico, urbanístico e
paisagístico, testemunho dos valores culturais e tradicionais da comunidade. A poligonal de
entorno ao Centro Histórico de Laguna só foi definida em 2016, seu objetivo é preservar as
qualidades necessárias para a fruição e compreensão do Centro Histórico, servindo como um
espaço de transição entre ele o restante da cidade. Estas duas poligonias foram definidas
apartir dos elementos geográficos – morros e lagoa – e da ocupação urbana que caracterizam
esta área tombada (Figura 1).
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Figura 01: Imagem com a Poligonal de Tombamento (vermelho) e Poligonal de Entorno (amarelo) e indicação dos bairros abrangidos pelas
poligonais; 1. Campo de Fora – 2. Centro Histórico – 3. Magalhães – 4. Mar Grosso – 5. Lagoa Santo Antonio
O tombamento é considerado uma ferramenta de proteção legal que possibilita preservar e
impedir a destruição ou descaracterização dos atributos materiais existentes no Centro
Histórico de Laguna, ou seja, o acervo arquitetônico e o acervo paisagístico. Porém, não
garante a preservação dos atributos relacionados ao patrimônio imaterial, ou seja, as
procissões de festas religiosas, culinária, artesanato, dança entre outros.
Esta área tombada corresponde à porção mais antiga do município de Laguna, fundado no
inicio do Século XVII, por isso, além do patrimônio material expressado, principalmente, pelo
acervo arquitetônico, pode-se observar que este local é imbuído de uma diversidade de
atividades tradicionais que ali se desenvolvem e também merecem ser incluídas nas politicas
de preservação e gestão do patrimônio cultural de Laguna.
Por isso, para aprofundar o conhecimento e identificar outros atributos relacionados ao
patrimônio cultural e natural existentes na área tombada e entorno, este artigo apresenta um
breve estudo desenvolvido a partir de uma adaptação da metodologia de trabalho de Nougé e
Sala (2006), o Catálogo de Paisagem da Cataluña na Espanha. Estes catálogos são
fundamentados na Lei 8/2005 de 08 de junho de 2005, que tem como objetivo “o
reconhecimento, proteção, gestão e organização da paisagem, (...). A lei pretende impulsionar
a integração da paisagem no planejamento e nas políticas de ordenação territorial e
urbanística da Cataluña, assim como as demais políticas setoriais que incidem no território de
forma direta ou indireta” (URÍA MENÉNDEZ, 2010).
1 Patrimônio Cultural
Estudos relacionados à preservação e aos conceitos do que é patrimônio e como preservá-lo,
são objetos de reflexões em diversos países do mundo. Nas últimas décadas, discussões e
estudos sobre o tema paisagem cultural vem sendo bastante discutidas, passando por uma
análise geográfica e social. O IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, no
Brasil, tem procurado acompanhar a visão da UNESCO, porém com adaptações para a
realidade nacional, de acordo com seus aspectos históricos, limitações legais e até de
contextualização com a realidade política e econômica da atual sociedade brasileira.
O conceito de patrimônio, considerado neste artigo, consiste em um resultado de uma
dialética entre o ser humano e seu meio, entre a comunidade e seu território. Patrimônio não é
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apenas constituído pelos objetos do passado que são oficialmente reconhecidos, mas
também por tudo que nos liga ao nosso passado. A palavra patrimônio está associada à
construção da identidade histórica e à memória local, porém deve-se distinguir duas intenções
ao conceito: a primeira trata-se do conjunto de bens herdados de antepassados, à noção de
propriedade; a segunda estabelece verdadeiramente ou simbolicamente um elo entre as
gerações passadas e as gerações presentes por mediação dos bens transmitidos.
Assim, o patrimônio está relacionado a bens culturais que fazem parte da memória de um
povo, este pode auxiliar na tarefa do relembrar; através dele estabelecemos vínculos com o
passado tornando-nos indivíduos mais seguros da nossa própria existência. Preservar o
patrimônio cultural – objetos, documentos escritos, imagens, traçados urbanos, edificações,
áreas naturais ou paisagens, é a garantia que a sociedade tenha maiores oportunidades de
perceber-se a si própria.
A primeira definição de patrimônio cultural em termos de Lei, surge quando é redigido o
Decreto-lei nº 25 de 30 de novembro de 1937, como “o conjunto de bens móveis e imóveis
existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a
fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou
etnográfico, bibliográfico ou artístico”. (IPHAN, 1937).
O artigo 216 da última Constituição Brasileira, promulgada em 1988, afirmando que
“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (...)” BRASIL, 1988. Neste contexto, o
patrimônio cultural ganha uma nova dimensão, podendo ser classificado em dois grupos: o
material e o imaterial, possibilitando assim a criação de uma nova Lei que viesse atender a
proteção dos bens imateriais até então ignorados, a Lei 3551 de 4 de agosto de 2000.
1.1 Instrumentos Legais de Proteção
Uma das principais ferramentas para a proteção legal do patrimônio cultural no Brasil é o
tombamento. De acodo com IPHAN tombar significa amparar, preservar através de leis que
impedem a destruição, desintegração e/ou descaracterização do bem preservado. O
tombamento é uma ferramenta que cumpre a obrigação de proteger bens de valor histórico ou
artístico, os monumentos e paisagens naturais notáveis, bem como os sítios arqueológicos. O
tombamento é uma ação do Estado, que assume a responsabilidade de identificar e preservar
a memória de fatos ou valores culturais que constituiriam a identidade cultural da Nação.
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A expansão do conceito de patrimônio cultural proporcionou uma ampliação dos instrumentos
de preservação e gestão do patrimônio. Se, desde 1937 vigorava somente o tombamento
como único instrumento de preservação, a partir de 2000 a ferramenta de “registro” é criada
como nova possibilidade de preservação, através do decreto nº 3.551/2000. Esta nova
ferramenta é utilizada especificamente para reconhecimento do patrimônio imaterial ou
intangível.
No ano de 2009 o IPHAN criou a Portaria nº 127 de 30 de abril de 2009 que estabelece a
chancela da paisagem cultural brasileira, que é uma espécie de selo de qualidade, um pacto
entre diversos agentes, que podem ser representantes do poder público, da sociedade civil e
da iniciativa privada. Através desta portaria é possível conhecer os procedimentos
específicos e necessários para declarar um bem como paisagem cultural brasileira.
Para Delphim (2008), o valor de uma paisagem cultural resulta da sua função e de sua
capacidade para reter marcas e registros antrópicos, o que compreende suas atividades
passadas. O ser humano é um elemento significativo da paisagem, muitas vezes o principal.
Desde a perspectiva cultural, a leitura e a compreensão da paisagem não se limitam ao
espaço, também é atemporal.
O objetivo desta chancela é atender o interesse público e contribuir para a preservação do
patrimônio cultural, pois esta não é considerada um instrumento de preservação como o
tombamento, que possui sanções e restrições administrativas e jurídicas, ela foi criada para
servir como instrumento complementar e de integração dos demais meios de proteção
existentes. Sua maior potencialidade está na possibilidade de integração destes patrimônios
materiais e imateriais, em um mesmo recorte espacial, como elementos formadores e
condicionantes de um determinado território, pois compreende, identifica e valoriza a
dinâmica da transformação cultural; podendo com isto “ampliar a perspectiva de visada sobre
os próprios centros históricos e permitindo leituras que compreendam justamente as
interações entre os aspectos natural e cultural, material e imaterial desses conjuntos, muitas
vezes ignoradas” (CASTRIOTA, 2009, p.259).
O IPHAN e a UNESCO, em relação ao patrimônio cultural, propõem identificar, através de
uma proposta “hierárquica ou seletiva”, paisagens que se destacam de outras por conter
determinadas características como uma especificidade histórica, ambiental, artística,
monumental, etc., associadas ou não, que poderiam ser consideradas como representativas
de uma identidade nacional com o intuito de desenvolver políticas de salvaguarda e proteção.
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Diante disto, para efeito deste estudo, considera-se paisagem como o território definido por
suas características naturais e intervenções antrópicas, onde o ser humano habita e se
relaciona com o meio ambiente, e que além de valores ecológicos e descrições geográficas,
tem significados sociais e culturais, e pode ser vista sob seus aspectos estéticos ou cênicos,
além de optar-se por conceitos de preservação e conservação, uma vez que o mesmo se
refere à preservação do patrimônio cultural e natural de um determinado território.
2 A Relevância do Centro Histórico de Laguna
Laguna está localizada no litoral sul do estado de Santa Catarina, a aproximadamente 120 km
de Florianópolis, é a terceira cidade mais antiga do estado, fundada em 1676 por vicentistas e
açorianos, foi considerada até a metade do século XX uma das cidades mais importantes do
estado. Até hoje é possível identificar em seu espaço urbano, registros importantes da história
da cidade, através da arquitetura e do traçado urbano, da paisagem natural e de algumas
práticas tradicionais da população local.
O principal acesso de Laguna com os municípios vizinhos é realizado através da rodovia BR
101, porém, o elemento de ligação mais importante e que caracteriza a cidade são os variados
ecossistemas existentes na zona costeira, destacando-se o complexo de oito lagoas
interligadas entre si que representam 33% do território do município. Este complexo de
Lagoas é uma importante fonte econômica de exploração pesqueira tradicional, responsável
pela renda de grande parte da população.
O núcleo urbano de Laguna foi estruturado às margens da Lagoa de Santo Antônio por
possuir água potável e ser um local protegido visualmente pelos morros que o separam do
oceano Atlântico. Apresenta traçado reticular ordenado segundo a lógica urbanística
portuguesa do século XVIII e XIX. A Igreja Santo Antônio dos Anjos da Laguna, o Paço
Municipal (antiga Casa de Câmara e Cadeia, atual Museu Anita Garibaldi) situados em duas
praças distintas, juntamente com a Fonte da Carioca (fonte de água potável), o cais do porto e
suas uniões entre si, definiram o traçado das principais ruas da cidade.
Esta área começa se adensar a partir da metade do século XIX, devido ao crescimento
econômico gerado pela implantação de um novo meio de transporte, a Ferrovia Tereza
Cristina e pela abertura dos portos que favorece a introdução de novos produtos na cidade,
inclusive de uma nova arquitetura trazida da Europa e inserida nas áreas de expansão
urbana.
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Ainda segundo estudos de Simon (2001) do início do século XIX até 1880 a ocupação se
estende em direção ao atual bairro Campo de Fora e Magalhães. Parte da Lagoa é aterrada e
a ligação à região do Mar Grosso é consolidada pelo Morro da Glória.
Do final do século XIX até meados do século XX a cidade sofreu transformações significativas
como a construção da Estação Ferroviária que, posteriormente foi demolida e retirados os
trilhos, deu lugar à avenida da Orla da Lagoa de Santo Antônio, assentada sobre grande
aterro. Nesta área foi construído novo Mercado Municipal. A malha urbana se expandiu
relativamente pouco mantendo o traçado do século XVIII.
Observa-se que as transformações da cidade estão relacionadas aos seus ciclos econômicos.
Apesar das atividades mudarem de acordo com o período, até a metade do século XX eram
atividades comerciais ligadas diretamente ao porto, tais como: transporte de gado, produtos
comerciais, carvão e pescado. As casas de comércio ou locais relacionadas às atividades
portuárias se estendiam ao longo da orla da Lagoa de Santo Antônio e da Rua Da Praia (atual
Rua Gustavo Richard), característica observada até os dias atuais. De acordo com
levantamentos realizados em 2007 para a elaboração do Plano Diretor Municipal, os
principais setores na geração de emprego no município de Laguna são comércio, indústria de
transformação, construção civil, pesca e turismo.
Pode-se observar que espaços públicos do Centro Histórico de Laguna foram constituídos
historicamente e imbuídos de uma vida urbana tradicional. Estes espaços sempre foram
requisitados como palco das representações ideológicas (instituições da Igreja e do Estado,
monumentos históricos, museus) e das manifestações sociais (usos cotidianos tradicionais,
festas religiosas, cívicas e culturais), além das atividades de cunho econômico relacionadas a
venda e produção de produtos tradicionais e a pesca artesanal.
Desta forma, o Centro Histórico de Laguna foi tombado, devido a sua relevância histórica e
cultural, acreditando-se na importância da sua preservação.
2.1 O Tombamento do Centro Histórico de Laguna
A arquitetura pode significar força, status ou privacidade, além de ajudar a estabelecer
identidade individual e coletiva. Para entender as origens da arquitetura consideram-se os
fatores socioculturais, pois a cultura influencia diretamente o caráter arquitetônico e a vida de
cada indivíduo. A interação desses fatores explica a forma e a linguagem do acervo
construído de uma cidade, podendo estabelecer um elo de ligação entre várias gerações.
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O espaço edificado emprega-se em dois sentidos: para indicar uma organização da sociedade integrada, que começa a milhares de anos, ou para indicar a situação física desta sociedade. Daí o interesse e o fascínio em estudar o passado mediante o cenário da construção que ainda faz parte do nosso presente. Benévolo (1991, pág. 13)
O patrimônio cultural edificado de uma cidade está relacionado ao desenvolvimento da
sociedade e seus valores, tornando o ambiente urbano referência para identidade cultural de
seus usuários.
Neste contexto inclui-se o Centro Histórico e Paisagístico, registrado em 25 de abril de 1985
no Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico e em 23 de dezembro de 1985 no
Livro de Tombo Histórico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O
tombamento deste setor da cidade ocorreu devido a suas características e atributos, segundo
Cittadin (2011), por ser considerado fundamental para a manutenção da identidade dos
brasileiros e da paisagem urbana de Laguna. A justificativa para proteção do Centro Histórico
de Laguna, elaborada por Luiz Fernando Franco em 1984, através da Informação nº 107/84 à
Diretoria de Tombamento e Conservação (DTC) da então SPHAN/próMemória, do Processo
de Tombamento nº 1.222-T-84 conclui:
Recomenda-se assim o tombamento do centro histórico de Laguna em seu acervo paisagístico constituído pelo sistema natural que o envolve, pelo conjunto de logradouros em seu traçado e dimensão, pelo cais junto à Lagoa de Santo Antônio e pelo conjunto de edificações em sua volumetria, em sua ocupação do solo e em suas características arquitetônicas, que expressam a continuidade da evolução histórica do núcleo urbano original, acervo delimitado pelo perímetro apresentado. (FRANCO, 1995, p.16)
Apesar do tombamento desta área da cidade ter ocorrido apenas na década de 1980 e sua
paisagem ter sofrido alterações decorrentes da descaracterização de algumas edificações,
ainda encontramos neste espaço urbano, a presença de diversas linguagens arquitetônicas.
Trata-se de aproximadamente, seiscentas edificações construídas a partir do século XVIII,
são residências térreas e sobrados coloniais, edificações com características do ecletismo, art
déco, modernistas e contemporâneas que compõem um acervo arquitetônico e urbano
singular.
Este mesmo espaço, delimitado por barreiras naturais como o Morro da Glória e a Lagoa de
Santo Antônio, abriga o centro administrativo, comercial e cultural, juntamente com os
principais polos de ensino e saúde do município, e ainda inúmeras residências. Essa
diversidade de funções e a pluralidade de elementos, usos e práticas promovem diferentes
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formas de relação da população com os objetos inseridos neste espaço, fazendo com que a
área tombada demande um grande fluxo de pessoas.
Já a delimitação da poligonal de entorno ao Centro Histórico foi homologada pelo IPHAN em
2016 e está relacionada com sua ambiência e leitura da área tombada, levando em
consideração o parecer do tombamento do
Centro Histórico de Laguna, que contextualiza o núcleo tombado com seu entorno e a história
de sua ocupação.
Partindo deste contexto, pode-se afirmar que a área central de Laguna, tombada pelo IPHAN,
está diretamente relacionada à argumentação de Giulio Carlo Argan acerca do debate
inteligível entre cidade real e cidade ideal. Argan (2001) se posiciona na defesa da
compreensão de cidades que já não podem mais ser entendidas como mero invólucro de
obras de arte, mas ser em sua constituição física e fenomenológica, uma obra de arte
resultante de ações coletivas e humanas, complexamente emaranhadas. A cidade como
resultado da criação coletiva, do tecer diário estético humano.
Porém, o tombamento como ferramenta de proteção contemplou a preservação do patrimônio
material do Centro Histórico de Laguna sem, contudo, contemplar as questões relacionadas
ao uso sociocultural do espaço, tampouco, em relação ao meio natural. Diante desta
realidade, considerando o conceito de cidade expresso por Argan (2001), e conhecendo a
diversidade cultural encontrada nesta área, propôs-se o levantamento dos diferentes
elementos – culturais e naturais - que formam esta paisagem.
3 Valores de Paisagem do Centro Histórico de Laguna e Área de
Entorno
Identificou-se nos catálogos de Paisagem da Cataluña – Província Autônoma da Espanha –
características próximas a estrutura de pesquisa desejada para a paisagem inserida na
Poligonal de Entorno e Tombamento de Laguna, visando a preservação do seu patrimônio
material e imaterial. Sendo assim, para identificar e analisar, sob a ótica da preservação, os
valores patrimoniais atribuídos a paisagem, foi utilizada como base metodológica uma
adaptação da proposta do Catalogo de Paisagem, elaborado pelo Observatório de Paisagem
da Cataluña – Espanha, que estabelece normas para proteção, gestão e planejamento da
paisagem. Nogué e Sala (2006) afirmam que esta metodologia é qualitativa, pois nem todas
as paisagens impendem a definição de um método quantitativo de valorização da qualidade
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da mesma, que seja válido e aceitável por parte da sociedade. Por este motivo, os catálogos
evitam a hierarquização de níveis de qualidade de paisagem. Para o autor os catálogos
devem favorecer a integração da paisagem a outras políticas públicas que podem ter efeito
direto ou indireto sobre a mesma.
Segundo Nougé e Sala (2006), os catálogos são formados por seis etapas: Identificação e
Caracterização da Paisagem; Avaliação da Paisagem; Definição dos Objetivos de Qualidade
Paisagística; Estabelecimento de Diretrizes; Medidas e Propostas de Atuação,
Estabelecimento de Indicadores de Seguimento.
Neste artigo, foi utilizada parte da etapa – Avaliação de Paisagem – adaptada para o caso de
Laguna. Este processo consiste em identificar os elementos de paisagem reconhecidos
legalmente, ou seja, protegidos por lei nas esferas nacional, estadual e municipal, e também,
identificar as áreas de considerável valor paisagístico que não são protegidas legalmente. Os
valores de paisagem são: Valores Naturais e Ecológicos, Valores Históricos, Valores
Religiosos e Espirituais, Valores Produtivos, Valores Estéticos, Valores Simbólicos e
Identitários.
Para o caso de Laguna aplicou-se uma visão integrada de paisagem, considerando sempre os
componentes naturais e culturais conjuntamente, sendo estes:
Valores Naturais e Ecológicos: referem-se aos fatores e elementos que determinam à
qualidade do meio natural, identificados como parte da paisagem que mesmo sem desfrutar
de nenhuma forma de proteção apresentam valores ecológicos de primeira ordem. Na
paisagem de Laguna foram identificadas a Lagoa Santo Antonio, a Fonte da Carioca e
Remanescentes da Mata Atlântica encontrados no Complexo de Morros (Morro da Glória,
Morro do Peralta e Morro da Cruz), que foram fatores determinantes para a ocupação deste
território, ora pela proteção física e das intempéries, ora para proteger das invasões territoriais
da época.
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Valores Naturais e Ecológicos
Lagoa de Santo Antonio Complexo de Morros
Figura 02: Identificação dos Valores Naturais e Ecológicos. Fonte: Acervo do Iphan.
Valores Históricos: referem-se aos espaços e conjuntos de elementos que tenham valor
paisagístico dentro de uma perspectiva histórica, sendo marcas relevantes que o ser humano
deixou na paisagem ao longo da história, como tipologias construtivas, tipologias de
assentamento, centros históricos, conjuntos arquitetônicos, estruturas de parcelamento do
solo e estruturas de limites físicos, sistemas de irrigação, rede de caminhos públicos. Em
Laguna identificou-se o Conjunto Arquitetônico do Centro Histórico, o Conjunto Paisagistico, a
Antiga Estação Ferroviaria e a Casa Chacara do Campo de Fora, a Ruína do Hospital São
Francisco de Assis, a Ruína do Antigo Moinho, os Sarilhos, Colégio Stella Maris, Sambaquis.
Valores Históricos
Sarilhos Ruínas do Antigo Moinho
Figura 03: Identificação dos Valores Históricos: Fonte: Acervo do Iphan.
Valores Religiosos e Espirituais: referem-se aos elementos da paisagem ou paisagens
como conjunto que se relacionam com práticas e crenças religiosas. Identificou-se como
elementos deste valor os cemitérios, o Centro Espirita, o Monumento a Nossa Senhora da
Glória, a Igreja Nossa Senhora dos Navegantes, a Igreja Santo Antonio do Anjos, as
Procissões que seguem percursos pelas ruas do Centro Histórico e Área de Entorno, como a
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Transladação do Santo Antonio, Corpus Christi, o Encontro entre Nosso Senhor dos Passos e
a Nossa Senhora das Dores e a Festa do Divino Espirito Santo.
Valores Religiosos e Espirituais
Rotas de Procissões Igreja Santo Antonio dos Anjos
Figura 04: Identificação dos Valores Religiosos e Espirituais: Fonte: Acervo do Iphan.
Valores Produtivos: referem-se à capacidade de uma paisagem proporcionar benefícios
econômicos convertendo seus elementos em recurso. Foram identificados, na Paisagem de
Laguna, a Pesca Artesanal que acontece na Lagoa Santo Antonio, a Fonte da Carioca, as
Palmeiras de Butiá (árvore símbolo do município), a produção de Tarrafas, Produção de
Rendas de Bilro, Feiras para Venda de Pescado e Produtos Hortifrutigrangeiros.
Valores Produtivos
Pesca Artesnal com Auxílio dos Botos Distribuição de Água na Fonte da Carioca
Figura 05: Identificação dos Valores Produtivos: Fonte: Ronaldo Amboni, Acervo do Iphan.
Valores Estéticos: referem-se à capacidade de uma paisagem transmitir sentimento de
beleza, em função do significado e apreciação cultural que adquiriu ao longo da história.
Representam seus valores intrínsecos, em função das cores, diversidade, forma, proporções,
escala, textura e unidades dos elementos que conformam a paisagem. Porém, o valor estético
costuma ter uma base cultural profunda, associado à beleza padrões ou modelos. Foram
identificados na Paisagem de Laguna: Lagoa, Conjunto Arquitetônico e Paisagístico.
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Valores Estéticos
Lagoa de Santo Antônio Conjunto Arquitetônico e Paisagístico
Figura 06: Identificação dos Valores Estéticos: Fonte: Acervo do Iphan.
Valores Simbólicos e Identitários: correspondem à identificação que um determinado grupo
sente em relação à paisagem. Referem-se aos elementos de paisagem que despertam
relações de pertencimento. Foram identificados na paisagem de Laguna: Rotas de Procissão
(Procissão dos Encontros, Corpus Cristi,Transladação de Santo Antônio e Nossa Senhora
dos Navegantes, Festa do Divino Espiríto Santo), Carnaval, Bandas Municipais.
Valores Simbólicos e Identitários
Procissões Banda Municipal carlos Gomes
Figura 07: Identificação dos Valores Simbólicos e Identitários: Fonte: Elvis Palma, Acervo do Iphan.
4 Conclusão
Neste estudo que analisa a paisagem do Centro Histórico de Laguna e Área de Entorno, a
paisagem foi vista como um território definido por características naturais e intervenções
antrópicas, onde o ser humano habita e se relaciona com o meio ambiente, e que, além de
valores naturais e ecológicos, tem significados sociais, culturais e econômicos, e também
pode ser vista sob os seus aspectos estéticos e simbólicos.
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Esta paisagem é a expressão de como, historicamente, a sociedade local apropriou-se da
natureza para produzir uma cultura material e imaterial com íntima relação com os morros, as
lagoas e com o mar que precisa ser considerada na elaboração de diretrizes de política
urbana para o município de Laguna, de modo que possa ser preservada.
Nesta área foi identificada uma maior concentração de elementos de paisagem de valores
históricos, simbólicos e religiosos, pois as principais manifestações populares, sociais e
religiosas seguem acontecendo neste espaço. Porém, também foram identificados valores
estéticos, naturais e produtivos. É importante ressaltar que todos estes elementos tem igual
importância na caracterização da paisagem cultural de Laguna e todos devem ser levados em
consideração na formatação das politicas de preservação.
Embora tanto os elementos naturais quanto os antrópicos estejam abordados nas
delimitações das áreas tombada e de entorno, percebe uma fragilidade maior em relação aos
ecossistemas naturias em função da pressão imobiliária. Neste mesmo sentido, observa-se
que as práticas tradicionais – patrimônio imaterial – embora sejam frequentes, as mesmas
não tem sido objeto de preocupação das politicas publicas de preservação.
Com base no estudo apresentado, estabeleceu-se uma forma de leitura para o
reconhecimento da Paisagem Cultural de Laguna que desempenha um importante papel
neste cenário, analisando a inter-relação entre as dinâmicas naturais e as tendências
socioeconômicas e culturais. Pode se observar que a população local preserva tradições e
costumes muitas vezes trazidos de suas regiões de origem e adaptando-as à um novo
território, neste caso, a paisagem se torna testemunha destas expressões culturais e, deste
modo, é de suma importância o aperfeiçoamento de uma política pública voltada para a
preservação da paisagem cultural.
Referências
ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como História da Cidade. Martins Fonte, 2011.
BENÉVOLO, Leonardo. História da Cidade. São Paulo. Perspectiva, 1991.
BRASIL. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Homepage do IPHAN. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em: 15 ago. 2016.
CASTRIOTA, L.B. Patrimonio Cultural: Conceitos, Politicas, Instrumentos. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: IEDS, 2009
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
CITTADIN, Ana Paula. Laguna, paisagem e preservação: o patrimônio cultural e natural do município. Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis: UFSC, 2011.
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