m´etodo da bisse¸c˜ao - ifsandra/mcomp/apostila_monica/capitulo3.pdf · cap´ıtulo 3 m´etodo...

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Cap´ ıtulo 3 etodo da Bisse¸c˜ ao Na maior parte dos casos a solu¸ ao de f (x)=0s´o´ e poss´ ıvel numericamente, assim, os algoritmos para determina¸ ao de ra´ ızes devem fazer parte do repert´ orio de programa¸c˜ ao de qualquer f´ ısico computacional. O m´ etodo que veremos aqui ´ e bem simples e segue o esquema que usar´ ıamos se fˆ ossemos achar essas ra´ ızes graficamente. Para entendˆ e-lo, vamos considerar as ra´ ızes da seguinte equa¸ ao transcedental f (x)= e -x - sin πx 2 =0. (3.1) A primeira coisa que devemos fazer ´ e uma an´ alisequalitativa da fun¸c˜ ao na regi˜ ao de interesse. Isso pode ser feito de v´ arias maneiras, pelo gr´ aficoda fun¸c˜ ao, pela an´ alise de pontos especiais tais como pontos de extremos e inflex˜ ao ou singulares, pelo comportamento assint´ otico ou pela combina¸ ao de todas essas informa¸c˜ oes. Esta etapa inicial ´ e crucial para o sucesso do m´ etodo num´ erico. Uma inspe¸ ao r´ apidado gr´aficoda Figura 3.1: (a) Gr´afico de f (x)= e -x - sin ( πx 2 ) . Nesta escala podemos estimar as ra´ ızes como estando entre 0.4 e 0.5, e entre 1.9 e 2.0; (b) Amplia¸ ao do intervalo 0.2- x 0.50. Agora podemos localizar melhor a primeira raiz: ela est´ a no intervalo 0.44 x 0.46. A amplia¸ ao permitiu escrever a raiz com mais um algarismo significativo. Fig. 3.1.(a) mostra que h´ a duas ra´ ızes entre 0 e 2.0, uma entre 0.4 e 0.5 e outra entre 1.9 e 2.0. Chegamos a essa conclus˜ ao observando que f (x) muda de sinal nesses intervalos, usaremos tamb´ em essa observa¸ ao no etodo num´ erico. Para melhorar a estimativa da posi¸ ao da raiz, devemos fazer um zoom nesses intervalos. Vamos nos fixar na primeira raiz, entre x = 0.4 e x =0.5. Agorapodemos construir o gr´afico com x variando apenas nesse intervalo (Fig. 3.1.(b)). Nossa estimativa melhorou muito, sabemos que a raiz est´ a entre x = 0.44 e x = 0.46. Poder´ ıamos agora refinar esse intervalo e seguir at´ e que estiv´ essemos satisfeitos com a acur´ acia obtida. Este ´ e um m´ etodo perfeitamente v´ alido e ´ util em muitos casos. Entretanto, ` as vezes temos umasitua¸c˜ ao muito mais complicada e usar o m´ etodo gr´ afico pode ser invi´ avel. O m´ etodo da bisse¸c˜ ao faz o que fizemos acima de forma sistem´atica, ou seja, localiza a raiz pela mudan¸ ca de sinal da fun¸ ao e refina o intervalo at´ e uma tolerˆ ancia pr´ e-definida. Vamos ver como isso pode ser feito. 22

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Capıtulo 3

Metodo da Bissecao

Na maior parte dos casos a solucao de f(x) = 0 so e possıvel numericamente, assim, os algoritmos paradeterminacao de raızes devem fazer parte do repertorio de programacao de qualquer fısico computacional.O metodo que veremos aqui e bem simples e segue o esquema que usarıamos se fossemos achar essas raızesgraficamente. Para entende-lo, vamos considerar as raızes da seguinte equacao transcedental

f(x) = e−x − sin(πx

2

)= 0. (3.1)

A primeira coisa que devemos fazer e uma analise qualitativa da funcao na regiao de interesse. Isso pode serfeito de varias maneiras, pelo grafico da funcao, pela analise de pontos especiais tais como pontos de extremose inflexao ou singulares, pelo comportamento assintotico ou pela combinacao de todas essas informacoes.Esta etapa inicial e crucial para o sucesso do metodo numerico. Uma inspecao rapida do grafico da

Figura 3.1: (a) Grafico de f(x) = e−x − sin(

πx2

). Nesta escala podemos estimar as raızes como estando

entre 0.4 e 0.5, e entre 1.9 e 2.0; (b) Ampliacao do intervalo 0.2- ≤ x ≤ 0.50. Agora podemos localizarmelhor a primeira raiz: ela esta no intervalo 0.44 ≤ x ≤ 0.46. A ampliacao permitiu escrever a raiz commais um algarismo significativo.

Fig. 3.1.(a) mostra que ha duas raızes entre 0 e 2.0, uma entre 0.4 e 0.5 e outra entre 1.9 e 2.0. Chegamosa essa conclusao observando que f(x) muda de sinal nesses intervalos, usaremos tambem essa observacao nometodo numerico. Para melhorar a estimativa da posicao da raiz, devemos fazer um zoom nesses intervalos.Vamos nos fixar na primeira raiz, entre x = 0.4 e x =0.5. Agora podemos construir o grafico com x variandoapenas nesse intervalo (Fig. 3.1.(b)). Nossa estimativa melhorou muito, sabemos que a raiz esta entre x= 0.44 e x = 0.46. Poderıamos agora refinar esse intervalo e seguir ate que estivessemos satisfeitos com aacuracia obtida. Este e um metodo perfeitamente valido e util em muitos casos. Entretanto, as vezes temosuma situacao muito mais complicada e usar o metodo grafico pode ser inviavel. O metodo da bissecao faz oque fizemos acima de forma sistematica, ou seja, localiza a raiz pela mudanca de sinal da funcao e refina ointervalo ate uma tolerancia pre-definida. Vamos ver como isso pode ser feito.

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CAPITULO 3. METODO DA BISSECAO 23

Vamos considerar uma funcao generica f(x). Suponha que sabemos atraves de uma analise inicial que araiz esta entre x = a e x = b, ou seja, a funcao muda de sinal nesse intervalo. Isto significa que f(a)f(b) < 0.Por simplicidade vamos supor que ha apenas uma raiz no intervalo e que f(x) e contınua no intervalo.Definimos agora xe = a e xd = b (extremos esquerdo e direito do intervalo respectivamente), e xm =0.5(xe + xd) (ponto do meio do intervalo). A primeira pergunta e: Em que metade do intervalo esta a raiz?Suponha que esteja na metade direita. Substituimos o intervalo todo pela metade onde esta a raiz,

xe → xm

xd → xd

xm = 0.5 (xe + xd) (3.2)

e refazemos a pergunta. Depois de determinar em que metade esta a raiz, novamente o intervalo e sub-stiuıdo por essa metade. Esse processo continua ate que encontramos a raiz dentro da acuracia previamentedeterminada; o valor da raiz sera associado a um dos extremos do intervalo, ou a seu ponto intermediario.

Para determinar o numero de vezes que faremos a bissecao, seguimos o caminho inverso, estimando quala acuracia que desejamos para o resultado. Sabemos que ao associar a raiz a um xe, xd ou xm estaremoscometendo um erro da ordem de |xd − xe|. Como cada vez o intervalo e dividido por dois, apos n bissecoes,o tamanho do intervalo contendo a raiz sera (b−a)/2n. Se queremos achar uma raiz dentro de uma acuraciaδ, isto e, |x − raiz| < δ, o numero de iteracoes necessarias pode ser determinado atraves da expressao

(b − a)2n

< δ (3.3)

Por exemplo, para a funcao que analisamos graficamente a = 0.4 e b = 0.5, (b − a) = 0.1. Para uma raizcom acuracia δ = 10−5,

0.12n

< 10−5 ou 2n > 104,

entao,

n >log(104)log(2)

> 13.

Consideracoes finais

Este metodo supoe que ha apenas uma raiz no intervalo, por isso e importante que uma analise previa definacorretamente o intervalo inicial. Este processo de localizacao e chamado bracketing. Os erros do metodo dabissecao em geral sao erros de bracketing, como os indicados a seguir.

• Uma funcao que pode trocar de sinal num intervalo por causa de uma singularidade, sem que hajauma raiz. Por exemplo, considere a funcao tg(x) nas vizinhancas de x = π/2 (Figura 3.2(a)).

• O zero pode ser tambem um ponto de extremo, como na figura 3.2(b). Neste caso, o metodo indicariaausencia de raiz no intervalo.

• Caso o intervalo contenha mais de uma raiz, o metodo indica inicialmente que ha apenas uma, paraum numero ımpar de raizes, como na Fig. 3.2(c), ou que nao ha raizes, para um numero par delas.

3.1 Exercıcios

1. Use o metodo da bissecao para encontrar as raızes de f(x) = tanh(ax)−a para a = 1.05, 1.1, 1.2, 1.5, 2.0e 3.0, e x entre -1.0 e 1.0, com acuracia de 10−5. Faca o grafico da raiz positiva em funcao de a.

2. Neste problema voce vai aprender a construir a isoterma de equilıbrio para a transicao lıquido-vaporde um gas de van der Waals.

A isotermaa observada experimentalmente para essa transicao tem a aparencia da curva na Fig. 3.3(a)b.Partindo da fase vapor, comprimimos o gas a T constante. A medida que o volume diminui, a pressao

aCurva pressao P versus volume V , para temperatura T constante.bOs graficos da Fig. 3.3 estao construıdos em termos de grandezas adimensionais, definidas em funcao de seu ponto crıtico

[5]

CAPITULO 3. METODO DA BISSECAO 24

Figura 3.2: Alguns problemas que podem ocorrer com a localizacao equivocada do intervalo inicial: (a)A funcao tem uma singularidade, nao um zero no intervalo especificado; (b) A funcao tem um zero que etambem um extremo; (c) A funcao tem mais de um zero no intervalo.

aumenta, e o reservatorio termico recebe uma quantidade de calor equivalente ao trabalho de com-pressao realizado. Quando o volume Vv e atingido, a subsequente diminuicao de volume nao maisprovoca um aumento de pressao, mas faz com que uma parte do vapor torne-se lıquido. A passagem deuma certa quantidade de massa de vapor para lıquido libera calor latente ao reservatorio termico. En-quanto diminuimos o volume nessa regiao de coexistencia com pressap Pcoex constante, vapor torna-selıquido, ate que o volume Vl e atingido. Nesse ponto, o recipiente contem apenas lıquido. A diminuicaodo volume a partir daı torna-se muito dificil, ja que a compressibilidade do lıquido e bem menor quea do vapor, resultando numa maior inclinacao da isoterma. Em sua tese de doutorado, em 1873, van

Figura 3.3: (a) Isoterma observada na transicao lıquido-vapor. (b) Isoterma de van der Waals. (c) Isotermade van der Waals com a construcao de Maxwell.

der Waalsc propos um modelo para essa transicao, incorporando a existencia de um volume mınimo japrevista por Clausius, e uma interacao atrativa entre as moleculas, a equacao de estado do gas ideal[6]. O resultado e a conhecida equacao de estado de van der Waals, que tem a forma

P =nRT

V − nb−

an2

V 2, (3.4)

onde n e o numero de moles, a e uma medida da atracao entre as moleculas, e nb do volume mınimo.Esta equacao pode ser escrita numa forma adimensional, em funcao das variaveis reduzidas P =27b2P/a, T = 27bRT/8a e V = V/3nb como

P =8T

3V − 1− 3

V 2. (3.5)

cLeia sobre van der Waals em http://nobelprize.org/physics/laureates/1910/waals-bio.html

CAPITULO 3. METODO DA BISSECAO 25

O grafico de (3.5), para T = 0.9, pode ser visto na Fig. 3.3(b). A regiao de coexistencia, com pressaoconstante, nao aparece nessa isoterma, e isso e um problema. A solucao desse impasse foi proposta porMaxwell alguns anos depois, e consiste em incorporar ao modelo de van der Waals a equivalencia deestabilidade entre as fases vapor e lıquido para um dado valor de pressao. Detalhes de como e feito essecalculo foge dos objetivos destas notas, mas podem ser vistos em qualquer livro de termodinamica nonıvel de graduacao [6, 7]. A condicao de Maxwell pode ser expressa matematicamente pela igualdadedas areas compreendidas entre a isoterma de van der Waals, e a linha P = Pcoex. Em outras palavras,a pressao de coexistencia deve ser tal que limita duas areas de igual valor. Diz-se entao que a isotermade equilıbrio (ou seja, a que sera observada), e aquela obtida pela substituicao da parte central dacurva de van der Waals pela reta P = Pcoex. van der Waals ganhou o premio Nobel de fısica em 1910por sua teoria.

A determinacao de Pcoex so pode ser feita numericamente, use o metodo da bissecao, e a construcaodas areas iguais para encontrar seu valor, seguindo os passos abaixo.

(a) Escreva o codigo de um programa que construa uma tabela de pressao em funcao do volume(usando as variaveis reduzidas) a partir da equacao (3.5) para V entre 0.6 e 2.0, para T = 1.1,1.0, 0.95 e 0.90. Use Gnuplot para tracar as quatro isotermas num mesmo grafico.

(b) Para a isoterma com T = 0.90, use o metodo da bissecao para localizar os pontos de intersecao daisoterma com a linha P = P0, onde P0 e um valor qualquer na regiao entre os pontos de extremo.Ou seja, encontre os zeros de f(V ) = P (V )−P0, com P (V ) dada pela expressao (3.5). Identifiqueos valores que seriam de Vl e Vv se P0 fosse a pressao de coexistencia.

(c) Mostre que, de acordo com a notacao da Fig. 3.3, a diferenca entre as areas pode ser escrita como

∆A = A1 − A2 = P0(Vv − Vl) +8T

3ln

(3Vl − 13Vv − 1

)+ 3

(1Vl

− 1Vv

). (3.6)

(d) Verifique se o valor de P0 foi estimado corretamente usando a construcao de Maxwell, ou seja,verificando o valor de ∆A. Se ∆A < 0, A1 < A2, ou seja, P0 < Pcoex (Fig 3.4(a)). E o oposto se∆A > 0 (Fig. 3.4(b)). A condicao ∆A = 0 dificilmente sera satisfeita, mas podemos garantir queas areas sao iguais dentro de uma faixa de erro. Considere que as areas sao iguais se

∣∣∣∣A1 − A2

A1

∣∣∣∣ ≤ 10−2.

A

1

A

2

P

(b)

(a)

A

2

A

1

Figura 3.4: Isoterma do gas de van der Waals para T = 0.90 com estimatima de pressao de coexistencia. (a)Pcoex foi subestimada, e ∆A = A1 − A2 < 0. (b)Pcoex foi superestimada, e ∆A = A1 − A2 > 0.

Bibliografia

[1] Intel Coprporation. IA-32 Intel Architecture Software Developer s Manual.http://support.intel.com/design/Pentium4/documentation.htm, 2004.

[2] Winn L. Rosch. The Winn L. Rosch Hardware Bible (6th Edition). Que, 2003.

[3] http://computer.howstuffworks.com/computer-memory.htm.

[4] http://arstechnica.com/paedia/r/ram guide/ram guide.part1-1.html.

[5] H. Moyses Nussenzveig. Curso de Fısica Basica 2. Edgard Blucher, 1983.

[6] Kittel e Kroemer. Thermal Physics. W.H. Freeman and Company, 1980.

[7] S. R. A. Salinas. Introducao a Fısica Estatıstica. Edusp, 1997.

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