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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Edgar Godoi Gabriel FRASES SEM TEXTO NA PUBLICIDADE: DISCURSOS EM TORNO DE UM BRASIL BILÍNGUE MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM São Paulo 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Edgar Godoi Gabriel

FRASES SEM TEXTO NA PUBLICIDADE:

DISCURSOS EM TORNO DE UM BRASIL BILÍNGUE

MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA

E ESTUDOS DA LINGUAGEM

São Paulo

2018

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Edgar Godoi Gabriel

FRASES SEM TEXTO NA PUBLICIDADE:

DISCURSOS EM TORNO DE UM BRASIL BILÍNGUE

MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA

E ESTUDOS DA LINGUAGEM

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para obtenção do título de MESTRE

em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, sob a

orientação da Professora Doutora Maria Cecília Pérez de

Souza-e-Silva.

São Paulo

2018

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio

convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Banca examinadora

__________________________________

__________________________________

______________________________

Agradeço ao CNPq pelo apoio financeiro, sem o qual este trabalho não seria possível.

AGRADECIMENTOS

À dona Ana Maria Godoi Gabriel (minha querida mainha) pelo apoio constante nestes anos

todos — sobretudo nesse período do Mestrado —, pelos valiosos ensinamentos, pelos

primeiros livros e por ser a pessoa amável que é.

À professora Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva, a “Cecilinha”, por me acolher no grupo,

pelos ensinamentos para além das noções teóricas e pela excelente orientação deste trabalho.

Ao professor Jarbas Vargas Nascimento pelos valiosos apontamentos no Exame de

Qualificação.

À professora Silma Ramos Coimbra Mendes pelas observações e reflexões desde os

primórdios deste trabalho e também pelos apontamentos durante o Exame de Qualificação.

A tod@s professorxs do LAEL, em especial à Maria Antonieta Alba Celani e à Beth Brait

pelas reflexões ao longo dos cursos, que contribuíram sobremaneira com a discussão

proposta nesta dissertação.

A tod@s funcionári@s da PUC-SP, em especial à Maria Lúcia dos Reis que, de pronto,

sempre tem as respostas necessárias e por sua simpatia contagiante.

A colegas do Grupo de Pesquisa Atelier que comigo caminharam e compartilharam

ensinamentos, risos, dúvidas e esperanças durante essa odisseia: Amanda Moura, Renata

Lamberti, Regiany Silva, Luciana Mendonça, Lúcia Alencastro, Antônio Artequilino

(Tunico), Rodolfo Cabral, Margarete Bonafé, Marcella Machado e Silvia Armada.

A tod@s companheir@s de copo, prato, piadas/risadas, filosofias, lutas por um mundo mais

humano e o que mais for necessário para tornar a vida mais agradável, em especial Felipe

Augusto Caetano Matos, Fernanda Ferreira dos Santos e Fábio Wolf.

Ao ex-metalúrgico (barbudinho) por provar que um outro Brasil é possível e por inspirar e

trazer esperança a milhões de meus iguais. Ainda que tentem, jamais lhe tirarão essa graça!

E ao CNPq pelo apoio financeiro, sem o qual este trabalho não seria possível.

RESUMO:

Atualmente, poucos ousariam contestar a importância da Língua Inglesa no mundo

globalizado em que vivemos. No Brasil, saber se comunicar em inglês passou a ser uma

necessidade para quem está entrando no mercado de trabalho ou deseja progredir na carreira

profissional. Por meio da publicidade, institutos/escolas de idiomas têm buscado persuadir a

sociedade da importância de seus serviços para a inserção do país no mundo globalizado.

Nesse contexto, sobressaem-se duas empresas: Wizard e Pearson. A Wizard é a maior rede

de escolas de idiomas do mundo, com mais de 1.200 unidades, por onde passam mais de 500

mil alunos por ano; em 2013, foi adquirida pela Pearson, líder mundial em negócios em

educação. Juntas, lançaram, em 2014, Nação Bilíngue, a maior campanha publicitária da

Wizard, cuja missão é “transformar o Brasil em uma nação bilíngue”. De modo geral, a

publicidade tem sido objeto frequente de estudos acadêmicos, no entanto, ainda são

incipientes as pesquisas que se debruçam sobre a circulação das chamadas frases sem texto

(slogans, provérbios, ditos populares...) na publicidade de institutos/escolas de idiomas. Daí

a importância deste trabalho, que tem por objetivo analisar, do ponto de vista verbal e visual,

os discursos veiculados na campanha publicitária Nação Bilíngue (2014-2017), mais

especificamente, depreender os efeitos de sentido produzidos nas/pelas frases sem texto que

circulam nos cartazes/banners digitais da referida campanha. Coletados das páginas digitais

(websites, blogs e redes sociais) da escola de idiomas Wizard, o corpus é constituído por

sete cartazes/banners, referentes às três fases iniciais da campanha: Manifesto (2014-2015),

Entrega Resultados (2016) e Hino (2017). As análises fundamentam-se nas noções de Frases

sem texto, Hiperenunciador e Ethos Discursivo, como preconizadas e desenvolvidas por

Dominique Maingueneau. Os resultados mostram que os discursos que circulam na

campanha publicitária Nação Bilíngue produzem o efeito de sentido segundo o qual a língua

inglesa é tanto uma forma de inserção no mundo globalizado quanto um meio de ascensão

social. Indicam ainda que, diferentemente dos slogans publicitários convencionais, os de

Nação Bilíngue revelam seu caráter mimotópico, isto é, sua capacidade de adaptar-se a ou

metamorfosear-se em outros discursos, simulando até mesmo ser uma não publicidade.

Palavras-chave: Análise do Discurso francesa. Discurso Publicitário. Frases sem texto.

Mimotopia. Inglês como língua franca da globalização.

ABSTRACT:

Only few people would dare to challenge the importance of English in the globalized world

we live in. To speak English has become a must for those Brazilians who are beginning or

developing their career. Thus, language schools strive to persuade society, through their

advertisings, of the importance of their services to insert the country in the globalized world.

In this scenario, two companies stand out: Wizard and Pearson. Wizard is the world’s largest

language school, with more than 1,200 branches where more than 500,000 people study per

year. In 2013, Pearson the world business education leader acquired Wizard. In partnership,

they released Nação Bilíngue [Bilingual Nation], Wizard’s largest advertising campaign,

whose mission is ‘to transform Brazil into a bilingual nation’. We can find lots of studies on

Advertising, however, the ones focusing on phrases without text (i.e. slogans, proverbs,

sayings…) in language schools’ advertisings are still incipient. Advertising discourse is a

profitable field for the so-called phrases without text, especially in the Digital Era, due to its

spatiotemporal coercions. From a verbal and visual point of view, this dissertation aims at

analyzing the discourses conveyed in the Nação Bilíngue (2014-2017); more specifically, to

understand the effects of meaning production in/by the phrases without text in the Nação

Bilíngue’s digital banners. Collected from Wizard’s websites, blogs, and social networks,

corpus study consists of seven digital banners which belong to Nação Bilíngue three phases:

Manifesto (2014-2015), Delivering Results (2016), and Anthem (2017). The analyses are

based on the notions of Phrases without text, Hyper-Enunciator, and Discursive Ethos such

as advocated and developed by Dominique Maingueneau. The results show that the

discourses circulating in Nação Bilíngue produce the effects of meaning that English is both

a means of insertion in the globalized world and a means of ascending social strata. They

also indicate that, unlike conventional advertising slogans, the ones of Nação Bilíngue reveal

their mimotopic character, that is, their capability to adapt to or to metamorphose into other

discourses, even pretending to be a non-advertising.

Key words: French Discourse Analysis. Advertising Discourse. Phrases without text.

Mimotopia. English as an International Language.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................. 12

CAPÍTULO 1. CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO...................................................... 20

1.1 Percursos de conquistas: quando a razão do mais forte é sempre a melhor............. 20

1.2 A Pearson e suas conquistas expansionistas: da Inglaterra para o mundo................. 23

1.2.1 A Pearson no Brasil: entre negócios privados e público-privados.................... 27

1.3 A escola de idiomas Wizard: da sua criação à sua aquisição.................................... 29

1.4 A expansão da Língua Inglesa e o paradoxo da globalização:

extinção das fronteiras e criação das barreiras culturais “invisíveis”....................... 32

CAPÍTULO 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.......................................................... 38

2.1 Discurso publicitário: a mimotopia........................................................................... 39

2.2 Frases sem texto........................................................................................................ 42

2.2.1 Destacamento.................................................................................................... 42

2.2.2 Aforização......................................................................................................... 43

2.2.3 Sobreasseveração............................................................................................... 46

2.2.4 O Aforizador...................................................................................................... 48

2.3 A noção de Hiperenunciador..................................................................................... 50

2.4 A noção de Ethos Discursivo.................................................................................... 54

CAPÍTULO 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.......................................... 60

3.1 A campanha Nação Bilíngue — #nacaobilingue: panorâmica.................................. 61

3.2 Por que digital?.......................................................................................................... 67

3.3 A coleta dos dados: procedimentos e ferramenta...................................................... 69

3.4 Constituição do corpus.............................................................................................. 71

CAPÍTULO 4. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS............................................. 74

4.1 A Wizard tem uma missão: transformar o Brasil numa nação bilíngue.................. 75

4.2 Temos uma MISSÃO: transformar o BRASIL.......................................................... 86

4.3 Certificado internacional em dois anos de curso....................................................... 94

4.4 O inglês como passaporte para o mundo globalizado............................................. 102

4.5 Inglês como meio de realizar sonhos....................................................................... 109

4.6 Inglês como guardião das posições socialmente prestigiadas................................ 114

4.7 Autoafirmação e convocação: todos por uma #nacaobilingue............................... 119

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 125

REFERÊNCIAS............................................................................................................... 129

LISTA DE QUADRO

Quadro 1.............................................................................................................................. 45

LISTA DE FIGURAS

Figura 1................................................................................................................................ 75

Figura 2................................................................................................................................ 86

Figura 3................................................................................................................................ 94

Figura 4.............................................................................................................................. 102

Figura 5.............................................................................................................................. 109

Figura 6.............................................................................................................................. 114

Figura 7.............................................................................................................................. 119

Falar é estar em condições de empregar uma certa sintaxe,

possuir a morfologia de tal ou qual língua, mas é sobretudo assumir

uma cultura, suportar o peso de uma civilização.

(Frantz Fanon)

I who am poisoned with the blood of both,

Where shall I turn, divided to the vein?

I who have cursed

The drunken officer of British rule, how choose

Between this Africa and the English tongue I love?

Betray them both, or give back what they give?

(Derek Walcott)

Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável,

Mora entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

(Augusto dos Anjos)

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INTRODUÇÃO

Atualmente, poucos ousariam contestar a importância da Língua Inglesa no mundo

globalizado em que vivemos. Os meios de comunicação — dos blogs pessoais aos grandes

e tradicionais veículos — enfatizam reiteradamente as vantagens e os benefícios que a

aprendizagem desse idioma pode proporcionar ao seu aprendiz. Se, no âmbito social, não

saber falar inglês pode causar “constrangimento”1, no econômico, as consequências são de

outra ordem.

Os argumentos pró-inglês intensificam-se para quem está entrando no mercado de

trabalho ou deseja evoluir na carreira profissional: “É uma premissa básica”, “(...) não é mais

um privilégio, é uma necessidade no mundo globalizado de hoje”, “Saber inglês significa ter

melhores oportunidades de emprego”, “Salário XX% maior comparado ao daqueles que não

dominam o idioma, segundo a pesquisa X”, entre outros que têm circulado.

Devido a essa “onipresença” nas atividades humanas, saber se comunicar em inglês

tornou-se tão necessário quanto saber operar um computador ou smartphone no século XXI.

Mas por que a Língua Inglesa tem todo esse prestígio? Por que coube a ela o lugar de lingua

franca e de que modo sua expansão global tem influenciado o cotidiano dos brasileiros?

Essas e outras indagações surgiram quando eu cursava a graduação em Letras:

Tradutor e Intérprete (Português e Inglês), período em que vivenciei diária e intensamente o

inglês, nos âmbitos profissional e acadêmico. Tal imersão no idioma foi o ponto catalisador

das minhas reflexões sobre o seu status de prestígio conquistado nas últimas décadas.

Entretanto, eram questões fora do escopo de estudos em Tradução, isto é, questões que essa

área do conhecimento não pretende responder.

Por isso, com o término da graduação, busquei dar continuidade aos estudos e me

matriculei, em 2015, no curso de extensão universitária Análise do Discurso: o que é, como

1 “7 situações embaraçosas para quem não sabe falar inglês”. Blog da Wizard. Disponível em:

http://www.wizard.com.br/blog/aprender-ingles/7-situacoes-embaracosas-para-quem-nao-sabe-falar-ingles/.

Acesso em: 27/02/2017.

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se faz? Leitura e Escrita, lecionado pela professora Silma Mendes e coordenado pela

professora Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva. Esse curso foi essencial porque, a partir

dele, tive subsídios para propor uma discussão, por uma abordagem discursiva, sobre a

influência da Língua Inglesa no Brasil.

Finalizado Análise do Discurso, prestei seleção para o programa de pós-graduação

em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL). Ao ingressar no programa,

iniciei, no primeiro semestre de 2016, o curso de Mestrado e passei a integrar o Grupo de

Pesquisa Atelier Linguagem e Trabalho (CNPq), sob a coordenação da Professora Dra.

Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva, orientadora desta dissertação.

O Grupo Atelier é formado por mestrandos e doutorandos do LAEL e por

pesquisadores de outras Instituições de Ensino Superior: UERJ, UFF, PUC-RS, UFPA,

UNIFRAN e UTFPR. Suas pesquisas estão centradas no estudo dos mecanismos de

produção e interpretação de textos que circulam em diferentes esferas de atividade:

midiática, religiosa, política, educacional e, particularmente, daqueles relacionados ao tema

trabalho.

As atividades desenvolvidas pelo grupo abrangem duas linhas de pesquisas:

Estudos discursivos, que mobilizam os princípios teórico-metodológicos da Análise do

Discurso francesa, sobretudo a partir dos estudos desenvolvidos por Dominique

Maingueneau; e Linguagem e trabalho, que mobilizam o quadro teórico-metodológico da

Ergologia, desenvolvido por Yves Schwartz e alguns de seus comentadores. Esta dissertação

insere-se na primeira delas.

Seguindo a linha de pesquisa Estudos discursivos, foi possível desenvolver esta

dissertação visando a analisar uma série de peças publicitárias de uma escola de idiomas, um

projeto iniciado ainda no curso de extensão Análise do Discurso. Antes de apresentar a

escola em questão, julgo pertinente uma observação a respeito do contexto sócio-histórico

brasileiro no qual as instituições de ensino de línguas estão inseridas.

A exaltação exacerbada à Língua Inglesa, como meio de alcançar as posições

socialmente prestigiadas e de inserção no mundo globalizado, propiciou, nas últimas

décadas, o crescimento vertiginoso do número de institutos/escolas de idiomas no Brasil,

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potencializando a indústria da educação privada, em particular do ensino de inglês. Nesse

cenário, destacam-se duas empresas: Wizard e Pearson.

Fundada em 1987 na cidade de Campinas, interior do estado de São Paulo, a Wizard

é a maior rede de escola de idiomas do mundo, com mais de 1.200 unidades em quatro

continentes, por onde passam mais de 500 mil alunos por ano2. Entre os anos de 2000 e 2013,

a Wizard adquiriu boa parte de sua concorrência e consolidou-se líder no ensino de línguas

(leia-se ensino de língua inglesa) no Brasil. Sua ascensão nesse mercado foi tão expressiva

que chegou ao ponto de despertar o interesse internacional. Numa transação de R$ 1,95

bilhão em dezembro de 2013, o Grupo Multi (proprietário das bandeiras Wizard, Yazigi,

Skill, Microlins etc.) foi adquirido pelo conglomerado britânico Pearson, líder mundial em

negócios em educação3, cuja atuação comercial compreende tanto os negócios privados

quanto os público-privados no sistema educacional brasileiro.

Impulsionada sobretudo por interesses econômicos, isto é, pela exigência do idioma

no mercado de trabalho, a necessidade de os brasileiros no século XXI saberem se comunicar

em inglês tornou-se a condição propícia para que a escola de idiomas Wizard, cujo lugar no

mercado educacional é de destaque, assumisse uma “missão: transformar o Brasil em uma

nação bilíngue”, em 18 de julho de 2014, com o lançamento da sua campanha publicitária:

Nação Bilíngue.

Nação Bilíngue é a maior campanha publicitária da história da Wizard e a primeira

sob a direção dos britânicos da Pearson. Dividida em três fases (explicitadas mais adiante),

seus enunciados circularam simultaneamente na TV, em rádios, nas mídias digitais (blogs,

redes sociais e websites) e nas mídias impressas: outdoors, busdoors, panfletos, cartazes,

painéis, jornais, revistas... Enfim, nos diversos suportes em que o discurso publicitário pode

se materializar.

Com o intermédio da publicidade, a necessidade de falar inglês é explorada de

modos diferentes (lúdico, descontraído, informal...) por institutos/escolas de idiomas, que

visam a persuadir a sociedade da relevância de seus produtos/serviços para a inserção do

Brasil no mundo globalizado, isto é, estreitar as relações comerciais e políticas com os países

2 Disponível em: http://www.wizard.com.br/. Acesso em: 25/02/2017. 3 Disponível em: https://br.pearson.com/sobre-nos/historia.html. Acesso em: 25/02/2017.

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desenvolvidos, o que supostamente influenciaria o desenvolvimento educacional, social e

político-econômico da nação brasileira.

A publicidade tem muitas funções sociais, mas a principal delas é estabelecer o

vínculo que aproxima produtos/serviços de seus consumidores finais, ao promover a marca

anunciante (SANT’ANNA, 1998). Para isso, ela tem à sua disposição a criatividade na hora

de compor os seus textos, bem como o respaldo em valores partilhados (um já-dito, um

estereótipo) no interior de uma dada comunidade. Na busca incessante por apresentar o

inédito, a publicidade pode tanto reproduzir como deslocar alguns desses valores, com o

intuito de criar nos consumidores uma necessidade de consumo, conforme a demanda

mercantil, isto é, a criação ou a expansão de um mercado: o bom deixa de sê-lo, o moderno

torna-se obsoleto, o démodé se apresenta como a mais nova tendência etc.

Por essa razão, a publicidade tem sido objeto de estudo de pesquisadores em áreas

de atuação e seus arcabouços teórico-metodológicos distintos: Filosofia, Sociologia, Direito,

História, Semiótica, Retórica etc. Com certa facilidade, encontram-se ainda pesquisas sobre

a publicidade por uma abordagem linguístico-discursiva (SANDMANN, 1993/2014;

AVILA, 2013; MATOS, 2010; BRASIL, 2009, entre outros).

Mesmo assim, encontramos apenas três trabalhos que analisam os discursos de

instituições educacionais na mídia publicitária, com vistas a atender uma demanda

neoliberal, isto é, educação como meio de inserção do aprendiz no mercado de trabalho ou

no mundo globalizado: Storto (2015), Wolf (2014) e Mendes (2008).

Storto (2015) toma como objeto de estudo os textos institucionais, dispostos em

seus respectivos websites, de trinta e uma escolas particulares bilíngues (Português e Inglês)

localizadas na cidade de São Paulo e analisa as representações feitas por essas escolas a

respeito do seu papel enquanto “agentes de inserção dos alunos no mundo globalizado” por

meio do ensino da Língua Inglesa. Para tanto, Storto se ancora na Linguística Aplicada

Crítica, na esteira de pesquisadores como A. Pennycook, B. Garcia e A. S. Canagarajah, na

interface com a Análise Crítica do Discurso como arcabouço teórico, a partir dos trabalhos

de Norman Fairclough.

Wolf (2014), por sua vez, analisa, a partir de duas séries de peças, a forma como o

inglês é estruturado na mídia publicitária de um instituto de língua inglesa no Brasil e sua

16

relação dialógica com o discurso, com a identidade e com a ideologia na contemporaneidade.

A discussão das implicações entre a materialidade linguística e os discursos é desencadeada

segundo os pressupostos da Linguística Aplicada inter/trans e indisciplinar, proposta por

pesquisadores como Moita Lopes etc., e a teoria dialógica do discurso, de acordo com os

estudos desenvolvidos por Mikhail Bakhtin e o Círculo.

Em Mendes (2008), a pesquisadora analisa, pela Análise do Discurso francesa em

sua perspectiva enunciativo-discursiva, tal qual desenvolvida por Dominique Maingueneau,

quatro Catálogos de Vestibular (biênios 2002-2003 e 2007-2008) de uma Instituição de

Ensino Superior privada do interior do estado de São Paulo. Suas reflexões permitem

compreender de que modo a instituição tem se adaptado aos “novos tempos”, no que diz

respeito à educação ora como um direito, ora como uma mercadoria.

Observe-se que, ao serem veiculados nos diferentes suportes da mídia publicitária,

os discursos sobre a Língua Inglesa e/ou sobre o ensino dessa língua têm despertado o

interesse de estudiosos da linguagem, cujas reflexões são retomadas parcialmente ao longo

desta dissertação.

No entanto, ainda são incipientes as pesquisas que se debruçam sobre a circulação

das chamadas “frases sem texto” (slogans, provérbios, ditos populares...) na publicidade de

institutos/escolas de idiomas, ao menos como preconizadas e desenvolvidas por Dominique

Maingueneau. Devido às suas coerções espaciotemporais, sobretudo na era digital, o

discurso publicitário é um campo profícuo para essas frases sem texto.

Além disso, poucos trabalhos, como o de Carvalho (2016), têm explorado o caráter

mimotópico do discurso publicitário, isto é, sua capacidade de imitar ou de adaptar-se ao

meio em que se encontra, metamorfoseando-se em outros discursos com a capacidade de

legitimar seus enunciados comerciais. Segundo Maingueneau (2010), o discurso publicitário

não pode legitimar a si mesmo, por isso, pode tanto imitar quanto se metamorfosear em

outros discursos, seja captando-os seja subvertendo-os, ao ponto de transformar-se no seu

contrário: apresentar-se como não publicidade.

Diante do exposto, a presente pesquisa tem por objetivo analisar, do ponto de vista

verbal e visual, os discursos veiculados na campanha publicitária Nação Bilíngue (2014-

2017); mais especificamente, depreender os efeitos de sentido produzidos nas/pelas frases

17

sem texto que circulam nos cartazes/banners digitais da referida campanha, de modo a

responder à seguinte pergunta: Quais são os efeitos de sentido produzidos nas/pelas frases

sem texto nos cartazes/banners digitais da campanha Nação Bilíngue?

Para tanto, a pesquisa insere-se no quadro teórico-metodológico da Análise do

Discurso francesa em sua perspectiva enunciativo-discursiva, desenvolvida por Dominique

Maingueneau (2008a, 2010, 2014 e 2015), do qual recorremos às noções de Frases sem

textos, Hiperenunciador e Ethos Discursivo.

As Frases sem texto4 são fragmentos textuais que, ao serem destacadas de seus

respectivos textos-fonte, circulam como se jamais tivessem feito parte de um texto. Quando

isso acontece, tais fragmentos assumem o estatuto de uma enunciação aforizante (doravante

aforização). Segundo Maingueneau (2014; 2015), as aforizações são de dois tipos: primárias

(provérbios, ditos populares, slogans, adágios...), destacadas por natureza; e secundárias

(citações célebres, manchetes de jornal entre aspas...), destacadas de um texto e,

frequentemente, acompanhadas do nome e/ou rosto do locutor/aforizador.

Em textos publicitários, o slogan ocupa um espaço de notoriedade. Por se

caracterizar como prática discursiva de grupo(s) (MAINGUENEAU, 2008a; 2014), enunciar

um slogan publicitário implica um hiperenunciador, isto é, uma instância cuja autoridade

garante mais a validade e menos a verdade de um enunciado, além de adequar o

pertencimento dos locutores à comunidade discursiva correspondente. Neste caso, a noção

de hiperenunciador é depreendida enquanto uma marca: a escola de idiomas Wizard, que

tanto legitima quanto faz circular seus textos pelo seu material publicitário.

Por meio desse material, o enunciador visa a persuadir tanto pelos argumentos

quanto pelo ethos discursivo, isto é, índices liberados durante a enunciação que levam o

coenunciador a construir uma representação imagética da Wizard. Todo texto possui uma

vocalidade que pode se manifestar numa multiplicidade de tons que dá autoridade ao que é

dito. Esses tons permitem ao leitor/ouvinte construir uma representação do corpo do

4 O sintagma “Frases sem texto” pode ser retomado como “pequenas frases” (petites phrases), uma categoria

bastante difundida pela mídia francesa, que consiste em destacar determinados fragmentos textuais de seus

textos originais. Seu equivalente na mídia brasileira são “As frases do dia/mês...”, dispostas em seções

dedicadas a elas em jornais e revistas. (Cf. MAINGUENEAU, 2015, p. 97)

18

enunciador, de onde emerge uma instância subjetiva que desempenha o papel de fiador

daquilo que é/está sendo dito.

O poder de persuasão do discurso consiste em fazer com que o coenunciador se

identifique com o caráter (traços psicológicos) e a corporalidade (uma maneira de habitar o

mundo) da instância enunciadora, ou seja, que o coenunciador incorpore aquele mundo ético

que a enunciação constrói. A incorporação (ação do ethos sobre o coenunciador), não se

justifica por uma simples identificação com o fiador. “Ela implica um mundo ético do qual

o fiador é parte pregnante e ao qual dá acesso” (MAINGUENEAU, 2008a, p. 65).

Nação Bilíngue caracteriza-se por sua multimodalidade, ou seja, a campanha é

composta pelos diferentes, mas interligados suportes (cartaz, outdoor, adesivo, vídeos...),

ainda que cada um esteja submetido às suas coerções genéricas e outras particularidades. Por

isso, foi preciso adotar alguns critérios balizadores para a constituição do corpus de

referência: recorte temporal, gênero do discurso (formato) e a seleção dos cartazes/banners

digitais cujos enunciados são fragmentos destacados dos seus respectivos textos-fonte.

O recorte temporal estabelecido abrange o lançamento das suas três fases iniciais:

Manifesto (2014-2015), Entrega Resultados (2016) e Hino (2017). Dessas três fases, foram

selecionados os cartazes/banners digitais, que, ao contrário do material impresso, circulam

em websites com maior tráfego de internautas, não se restringem a edições (diário, semanal,

mensal, trimestral...), nem aos espaços institucionais da escola.

Coletados das páginas virtuais da Wizard (websites, blogs e redes sociais), os dados

foram selecionados em virtude de seus enunciados serem frases destacadas de seus

respectivos textos-fonte, dispostos nos vídeos que dispararam cada uma das fases. As fases

1, Manifesto, e 3, Hino, têm como disparador um vídeo cada; a Fase 2, Entrega Resultados,

por outro lado, teve como disparadores cinco vídeos, correspondentes aos depoimentos de

cinco estudantes.

A fim de estabelecer a relação de pertencimento dos dados, foi necessária a

transcrição dos textos-fonte (vídeos), disponíveis nas páginas virtuais da marca. Essa

transcrição é utilizada para a análise dos textos-fonte, visto que “não basta constatar que

certas frases foram destacadas de um texto: deve-se considerar também como elas se

apresentam antes do destacamento” (MAINGUENEAU, 2014, p. 13).

19

Expostos o contexto, as justificativas, os conceitos teóricos e os procedimentos

metodológicos, esta dissertação, visando a uma compreensão mais abrangente da discussão

proposta, é composta por quatro capítulos: 1) Contexto Sócio-histórico, 2) Fundamentação

Teórica, 3) Procedimentos Metodológicos e 4) Descrição e Análise dos Dados, seguidos

pelas Considerações Finais.

O primeiro capítulo apreende o contexto sócio-histórico da pesquisa, explicitando

o modo pelo qual as forças econômicas têm condicionado as atividades socioculturais. Em

seguida, recompõem-se a historicidade e o percurso do grupo Pearson, desde sua fundação

em 1844 ao ano de 2015, retratando seu desenvolvimento, sua expansão e sua migração para

os negócios em educação. Além da Pearson, aborda-se também a história da escola de

idiomas Wizard, desde sua fundação em 1987 na cidade de Campinas (SP) até sua venda

para os britânicos, em dezembro de 2013. O fecho do capítulo fica por conta de um breve

percurso das políticas governamentais que propiciaram a expansão do idioma inglês e seus

efeitos globalizantes.

No segundo capítulo, encontra-se a explanação dos conceitos teórico-

metodológicos acionados neste trabalho, os quais balizam as análises; são eles: Frases sem

texto, Noção de Hiperenunciador e Ethos discursivo, segundo a perspectiva enunciativo-

discursiva que Dominique Maingueneau tem desenvolvido em seus trabalhos.

O terceiro capítulo apresenta a campanha publicitária Nação Bilíngue, suas fases,

formatos e circulação. Na sequência, estão as justificativas da opção pelos dados digitais, a

descrição dos procedimentos da coleta dos dados e, por último, a constituição do corpus.

No quarto e último capítulo, compreendem-se as descrições e análises dos dados à

luz do que foi exposto nos capítulos anteriores. Em seguida, encontram-se as Considerações

Finais, reflexões acerca desta pesquisa e seus possíveis desdobramentos, a partir do objetivo

assumido e da resposta à pergunta de pesquisa.

20

CAPÍTULO 1

CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

... os acontecimentos não são o tempo, eles estão no tempo.

(Benveniste, 1976/2006)

... não é o tempo cronológico que define uma conjuntura,

mas a natureza dos acontecimentos e dos fatos,

e as forças sociais que os produzem.

(Frigotto, 2011)

Não diremos apenas que o discurso intervém em um contexto,

como se o contexto não passasse de uma moldura, de um cenário:

fora de contexto, não se pode atribuir um sentido a um enunciado.

(Maingueneau, 2015)

1.1 Percursos de conquistas: quando a razão do mais forte é sempre a melhor

Em tempos de hegemonia neoliberal, em que se clama a economia de mercado

como a solução para o desenvolvimento humano, as atividades socioculturais estão cada vez

mais pautadas por questões financeiras, cenário característico daquilo que o Global Justice

Movement classificou de corporocracia5. Nesse sistema político-econômico, pequenas e

médias empresas, em especial, se veem muitas vezes coagidas a fundir-se ou integrar-se aos

conglomerados empresariais com condições de competir em nível global. Sabe-se que,

eventualmente, tais fusões e aquisições resultam em monopólios de mercado, cujo alcance

extrapola o universo corporativo e acaba por influenciar toda a sociedade, já que os

conglomerados se tipificam precisamente pela sua capacidade de atuar em setores

5 Corporocracia ou Corporatocracia: tradução do termo em inglês “corporocracy” ou “corporatocracy”

(corporation+cracy), é um neologismo que designa o domínio das corporações, isto é, a denominação de um

governo controlado por grandes corporações e que visa a atender prioritariamente os seus interesses.

21

heterogêneos, entre os quais podemos citar o financeiro, o petrolífero, o agrário, o industrial,

da saúde e, que nos interessa neste momento, o educacional.

Conforme aponta CartaCapital6, a educação brasileira tornou-se, sobretudo no fim

do século XX e início do XXI, um setor atraente para os investidores, isto é, um novo e

profícuo nicho de mercado, especialmente para os chamados fundos de investimento de

grupos fechados — de capital nacional e/ou internacional —, que a princípio visavam ao

ensino superior privado7 e, paulatinamente, migraram para outros negócios em educação:

ensinos fundamental e médio, livros didáticos (sistemas de ensino)8, editoras, cursos técnicos

e profissionalizantes, ensino de idiomas etc.

Os interesses dessas corporações, todavia, não se restringem à esfera privada, pelo

contrário, visam também à pública9. Com o mote “mais Mercado e menos Estado” tão em

voga, tem-se visto a educação pública passar por um grande processo de precarização, em

certa medida legitimado pela máxima (neo)liberal de que o “Estado é custoso e ineficiente”,

abrindo brechas para a participação da iniciativa privada no setor, com suas “políticas de

melhoria mediante parcerias do público e privado” (FRIGOTTO, 2011, p. 242), ou seja, na

busca por eficiência e resultados positivos a curto prazo, essas medidas possibilitam que a

educação seja gerida segundo a batuta do mercado, ao qual “[...] cabe selecionar o

conhecimento, condensá-lo em apostilas ou manuais, orientar a forma de ensinar, definir os

métodos de ensino, os critérios e processos de avaliação e o controle dos alunos e dos

professores” (op. cit., p. 248).

Embora não seja o seu escopo, a atual situação da educação pública está

intimamente ligada ao propósito deste trabalho. Com um ensino formal público deficitário

em alguns aspectos, o corpo estudantil sente a necessidade de recorrer ao ensino privado

6 “O negócio da educação”. Carta Educação, CartaCapital. 31/01/2014. Disponível em:

http://www.cartaeducacao.com.br/reportagens/o-negocio-da-educacao/. Acesso em: 13/04/2016. 7 Para detalhes sobre as políticas que possibilitaram esse nicho mercadológico e sua consequente expansão, Cf.

Cenografia e ethos: os discursos de uma instituição de ensino superior privada (MENDES, 2008). 8 Para uma análise detalhada da entrada de grupos estrangeiros no mercado brasileiro de livros didáticos e

editoras, ver O mercado de livro didático no Brasil (CASSIANO, 2007). 9 Numa reportagem de 04/11/2016, The Intercept Brasil chama atenção para os 10 bilionários convidados a

debater a reforma do ensino médio, em audiência pública organizada pelo MEC no Congresso Nacional

(01/11/2016), na qual havia representantes do empresariado, a priori, sem qualquer relação direta com o ensino

médio público, como Fundação Lemann, Instituto Unibanco, Fundação Itaú, Instituto Natura etc. Disponível

em: https://theintercept.com/2016/11/04/conheca-os-bilionarios-convidados-para-reformar-a-educacao-

brasileira-de-acordo-com-sua-ideologia/. Acesso em: 05/11/2016.

22

para complementar sua formação, na maioria das vezes movido à esperança de conseguir

uma melhor colocação no mercado de trabalho e ser capaz de ascender socialmente.

Assim, nos termos de Frigotto (2011), a educação deixa de ser um direito social e

subjetivo para tornar-se um serviço mercantil. Com efeito, há dois desdobramentos dessa

transformação: (i) segundo a filosofia liberal, espera-se que os serviços prestados pelo setor

privado sejam melhores do que os públicos, o que alimenta a ideia de o privado ser mais

eficiente, bem como legitima a tendência privatista; (ii) a busca por essa formação

complementar nas escolas privadas não está disponível a todos os estudantes da rede pública,

o que gera segregação.

No mundo globalizado em que vivemos, um dos requisitos básicos para se

conseguir uma posição de prestígio no mercado de trabalho é o domínio de uma língua

estrangeira, sobretudo a inglesa, a qual já é pressuposta pelas empresas, tanto as

multinacionais quanto as nacionais, na medida em que estas últimas em geral mantêm

relações comerciais com o mercado internacional e, para tanto, necessitam de mão de obra

qualificada e que tenha um certo nível de fluência no idioma inglês10.

Nesse cenário, a publicidade se impõe como o principal elo entre institutos/escolas

de idiomas e clientes-consumidores, ao explorar argumentos com base, conforme aponta

Coracini (2003), em uma necessidade social (falar inglês), no tempo (em XX meses você se

torna fluente; aprendizagem rápida...), no meio (metodologia própria/eficiente, recursos

tecnológicos avançados...) e no argumento de autoridade (a maior escola do Brasil/mundo,

há XX anos líder de mercado no ensino de inglês...).

Em outras palavras, trata-se de um ensino-aprendizagem eficaz e eficiente no menor

tempo/custo (acessível, embora demandando alguns esforços, inclusive a alunos de baixa

renda), ministrado por uma autoridade no assunto com reconhecimento internacional

(certificados expedidos por instituições ora estadunidenses ora britânicas). Eis algumas

características bastante valorizadas pelo mercado neste início do novo milênio.

Podem-se elencar algumas corporações transnacionais que migraram seus

investimentos para a educação brasileira, em suas diversificadas frentes, muitas vezes

10 Essas afirmações resultam parcialmente de uma análise preliminar a respeito dos argumentos utilizados por

escolas de inglês em seu material promocional. Ademais, as relações internacionais mediadas pela língua

inglesa e o status de prestígio desse idioma são retomados mais adiante.

23

atuando em parcerias público-privadas e decidindo os rumos da educação no país. Contudo,

para atingirmos os objetivos deste trabalho, vamos nos restringir ao ensino da língua inglesa

em uma escola de idiomas privada, Wizard, a partir da sua aquisição, em dezembro de 2013,

pelo conglomerado britânico Pearson.

A Wizard é a maior rede de ensino de idiomas do mundo, com mais de 1.200

unidades em quatro continentes, por onde passam mais de 500 mil alunos por ano. Ao

contribuir para o novo paradigma da educação brasileira, em que a sua mercantilização

atinge níveis inéditos, a Wizard autodenomina-se uma “(...) empresa de capacitação

linguística que tem como missão promover, desenvolver, capacitar e respeitar o potencial de

cada aluno”11.

Por sua vez, o conglomerado britânico Pearson (rubrica que detém dezenas de

empresas) está presente em cerca de 70 países, publica material didático em 100 diferentes

línguas e contabiliza mais de 48 mil funcionários, números que lhe renderam a liderança

mundial em negócios em educação.

A relação entre essas duas grandes empresas e o seu produto mais cobiçado e

lucrativo, o ensino de língua inglesa, são mais bem explanados nos itens que seguem. Neles,

pode-se depreender em que medida os negócios em educação tornaram-se tão atraentes para

os grupos empresariais e qual é a contribuição dos dois grupos em todo esse processo. Este

percurso de conquistas inicia-se com o retorno às origens e ao desenvolvimento do grupo

britânico Pearson ao longo desses anos.

1.2 A Pearson e suas conquistas expansionistas: da Inglaterra para o mundo12

Em 1844, Samuel Pearson fundou a S. Pearson and Son, uma pequena empresa de

construção no condado de Yorkshire (norte da Inglaterra), no bojo da Revolução Industrial

naquele país. Quase quarenta anos mais tarde, em 1880, seu neto, Weetman Dickinson

11 Disponível em: https://www.facebook.com/sapwizard/. Acesso em: 07/07/2017. 12 Informações disponíveis no website da empresa: https://br.pearson.com/sobre-nos/historia.html e

http://timeline.pearson.com/. Acesso em: 12/01/2016.

24

Pearson (mais tarde conhecido como o Visconde Cowdray), importante membro do Partido

Liberal inglês, assume a direção da empresa e, em 1890, transfere a sede para Londres, onde

prosperou e se tornou uma das maiores construtoras do mundo, na época em que a atividade

industrial controlava o desenvolvimento de transportes, comércio e telecomunicações. Foi

nesse período que a Pearson iniciou suas atividades comerciais além-mar: Canadá, EUA,

México, Colômbia, Chile e Egito.

Em acordo com o presidente mexicano General Porfiro Díaz, que governou o país

de 1884 a 1911, a Pearson construiu a Mexico Light and Power Co., o Porto de Vera Cruz e

ferrovias no México. Durante a construção de uma delas, na região de Tampico, descobriu-

se um poço de petróleo que rendia 100 mil barris/dia. Assim, em 1911, foi fundada a

Mexican Eagle, companhia que construiu oleodutos e duas refinarias na região, com o

auxílio e os investimentos da empresa inglesa.

Já estabelecida no ramo da construção, engenharia e infraestrutura, a Pearson se

aventurou na indústria midiática em 1921, ao adquirir um grupo de pequenos jornais do

Reino Unido, os quais formavam a base do Westminster Press. Em 1957, a empresa adquiriu

o jornal financeiro Financial Times e, por conseguinte, 50% da revista londrina The

Economist.

O grupo britânico expandiu seus negócios para o ramo cultural-educacional na

década de 1960. Entre os anos de 1968 e 1970, duas grandes editoras foram anexadas ao

braço editorial da Pearson: Longman e Penguin respectivamente. Alguns anos mais tarde, a

Penguin expandiu-se significativamente e surgiu como umas das editoras favoritas das

crianças dos EUA, ao adquirir a editora Grosset & Dunlap. Em 1983, Pinguin adquiriu

também a editora Frederick Warne.

Com o foco voltado ao ramo midiático, em 1985, a Pearson comprou o jornal

francês Les Echos e o grupo midiático espanhol Recoletos que, logo em seguida, foram

alinhados ao editorial do grupo Financial Times. Em 1988, adquire ainda a Addison-Wesley,

editora especializada em livros de cunho científico, e fez fusão com a Longman,

transformando-se em Addison-Wesley Longman. Na década seguinte, o grupo Penguin

(EUA) comprou o grupo Putnam Berkley, em 1996. Dessa fusão, gerou-se o grupo Penguin

Putnam Inc. Nesse mesmo ano, a Pearson comprou a editora Educacional HarperCollins,

25

voltada para a publicação de material didático para cursos dos ensinos médio e superior, e o

incorporou ao grupo Addison-Wesley Longman.

O grupo britânico, em 1998, concluiu a aquisição da Simon & Schuster Education

(divisão da Viacom Inc.) por USD 4,6 bilhões. A partir da fusão Addison-Wesley Longman

com Simon & Schuster Education, criou-se a Pearson Education, a qual se tornou a grande

líder em todos os segmentos de publicação educacional: Ensino Fundamental, Médio e

Superior, ensino profissional, ensino de língua inglesa e de tecnologia educacional. Mais de

100 empresas ficaram sob o guarda-chuva da Pearson. No ano seguinte, formou-se o Pearson

Technology Group, a maior editora de publicação sobre tecnologia do mundo.

No século XXI, a Pearson continuou expandindo-se: conquistou o mercado japonês,

em 2001, ao adquirir 85% de uma das principais editoras educacionais daquele país: a

Kirihara; adquiriu a inglesa Dorling Kindersley e a editora Rough Guides (líder em

informações sobre viagens e música), anexada ao grupo Penguin; pela quantia de USD 2.4

bilhões, arrematou a National Computer Systems (NCS) — empresa líder em testes e

gerenciamento de dados educacionais nos EUA, remodelando assim o mundo da educação.

Incorporada à Pearson Education como NCS Pearson, a companhia foi fundamental para

realizar alguns objetivos: conectar a casa do aluno e a escola, personalizar cursos e interligar

currículos, avaliações e testes. Ainda na indústria de tecnologia voltada para a educação, o

conglomerado britânico chegou ao comando da Edexcel, o maior grupo examinador privado

do Reino Unido, que, desde então, chama-se Pearson Edexcel.

Em 2005, a Pearson adquiriu a norte-americana AGS Publishing da WRC Media

por USD 270 milhões. Essa aquisição reforçou o negócio da Pearson Education em dois

segmentos de rápido crescimento no mercado estadunidense: testes e publicação de material

didático para alunos com necessidades educativas especiais.

Um dos principais fornecedores de serviços de informação de valor agregado do

mercado educacional, a eCollege passou a ser propriedade da Pearson Education em 2007,

ano em que se adquiriram também a Harcourt Assessment e Harcourt Education

International da Reed Elsevier, pela quantia de USD 950 milhões. Essas aquisições

ampliaram não só a posição da Pearson como a principal empresa de educação do mundo,

como também o seu alcance internacional, ratificando seu caráter globalizante.

26

No ano seguinte, os britânicos intensificaram a sua atuação no mercado educacional

da África, ao aumentar seu controle para 51% nas ações da Maskew Miller Longman, uma

das principais empresas de educação sul-africana que atuava em mais de dez países do

continente africano, da educação básica ao ensino de nível superior.

Em abril de 2009, a Pearson anunciou a aquisição da escola de inglês Wall Street

English, por USD 145 milhões. Até então controlada pelo Wall Street Institute, a Wall Street

English era a principal formadora de Inglês Premium (inglês instrumental voltado

principalmente aos negócios) para adultos na China, com cerca de 35 mil estudantes nos

mais de 39 centros de formação.

No ano de 2011, contam-se mais três aquisições por parte do conglomerado. A

Pearson passou a controlar 76% das ações da TutorVista, empresa que dirigia uma rede de

centros de ensino de língua inglesa, bem como fornecia tecnologias de educação para as

salas de aula de toda a Índia. Além disso, a empresa também fornecia tutorial para mais de

10 mil estudantes de todo o mundo, usando a internet como meio de conectar alunos e

instrutores na Índia.

Pela quantia de USD 230 milhões, a Pearson adquiriu a Schoolnet, empresa

fornecedora de avaliações, currículos e outros serviços que ajudam a personalizar o ensino-

aprendizagem, além de melhorar a eficácia do professor, e que comportava mais de 5 milhões

de alunos nos ensinos primário e secundário, por meio de parcerias público-privadas em todo

os EUA.

A terceira aquisição desse ano foi a Connection Education, do grupo de investidores

liderado pela Apollo Management, pela quantia de USD 400 milhões. Através do programa

Connections Academy, a empresa pôde operar online com escolas públicas “virtuais” ou

com escolas físicas em 21 estados nos EUA, atendendo a mais de 40 mil estudantes por ano

letivo.

O grupo britânico comprou a EmbanetCompass por USD 650 milhões, em 2012.

Parceira de faculdades e universidades norte-americanas sem fins lucrativos, a

EmbanetCompass fornecia soluções de aprendizagem para mais de 100 programas de

universidade. Ainda nesse ano, a Pearson e a Bertelsmann concordaram em fundir a Pinguin

e a Random House, gerando a maior editora do mundo.

27

Em 2014, a Pearson inaugurou o primeiro padrão realmente global de avaliação de

proficiência em língua inglesa: a Global Scale of English (GSE). Em desenvolvimento por

mais de 25 anos e testado em mais de 10 mil estudantes de 130 países, o GSE tem como

objetivo fornecer uma escala precisa e numérica, universal para empresas, governos e

instituições acadêmicas.

Ainda que o foco seja sua atuação no setor educacional, é importante salientar que

a Pearson tem atuado em atividades diversas, como ser proprietária do Banco de

Investimentos Lazard, por exemplo. Ao revisitar as origens do conglomerado britânico,

notou-se que seus negócios não se limitaram a países de língua inglesa, tampouco ao

continente europeu. A Pearson está presente também em países em desenvolvimento (China,

África do Sul, Índia, Rússia, Nigéria...), onde seus negócios em educação são expressivos.

Entre esses mercados emergentes, está o brasileiro, abordado em seguida.

1.2.1 A Pearson no Brasil: entre negócios privados e público-privados13

Embora indiretamente, a Pearson iniciou suas atividades em educação no país em

1996, distribuindo títulos da renomada editora inglesa Longman, pertencente ao grupo

britânico desde 1968. Entretanto, foi somente na virada do século XXI que a companhia se

instalou no mercado brasileiro de livros universitários e profissionais com a compra da

editora Makron Books (2000).

No ano de 2010, por um montante de R$ 888 milhões, o grupo britânico passou a

controlar o Serviço Educacional Brasileiro (SEB) — grupo proprietário das escolas COC,

Pueri Domus e Dom Bosco (educação privada) e membro do programa educacional

NAME14. A partir dessa transação, os britânicos anunciaram estratégias para o

desenvolvimento de produtos e serviços de rápido crescimento no mercado educacional do

Brasil.

13 Informações disponíveis na página da Pearson no Facebook:

https://www.facebook.com/PearsonBrasil/info/?tab=page_info. Acesso em: 12/01/2016. 14 NAME: acrônimo de Núcleo de Apoio a Municípios e Estados. É um programa educacional que visa à

melhora na qualidade do ensino público através de atuações público-privadas, em que se oferecem recursos

pedagógicos, tecnológicos e administrativos. Atualmente, o NAME atende a mais de 200 mil alunos em 140

municípios do Brasil. Cf. www.netname.com.br e https://br.pearson.com/educacao-basica/ name.html.

28

Para escolas de educação básica, por exemplo, a Pearson é capaz de fornecer tanto

produtos e serviços quanto parceria com sistemas de ensino, ou seja, conteúdo, recursos e

tecnologias educacionais (roteiros de aprendizagem, laboratórios virtuais, portais

educacionais...), programas de empreendedorismo e capacitação profissional, estrutura em

avaliação e soluções bilíngues.

Em 2011, a editora britânica Penguin (do grupo Pearson desde 1970) assumiu o

controle de 45% da editora Companhia das Letras, o que fortaleceu no Brasil a oferta de

livros de consumo e proporcionou um grande portfólio para escolas de educação básica das

redes pública e privada. Em março de 2015, a Companhia das Letras, por sua vez, assumiu

o controle de 55% da editora Objetiva, que já pertencia ao grupo Penguin Random House

desde outubro de 2014.

A partir da aquisição do Grupo Multi em dezembro de 2013, a Pearson aumentou

tanto o número de alunos, de 500 mil para 1,3 milhão, quanto o de franquias, de 4 para 2,6

mil unidades no Brasil. Ademais, beneficiando-se da plataforma educacional do grupo

brasileiro, os britânicos esperam alavancar o desenvolvimento de sua bandeira Wall Street

English, escola de inglês Premium, que, até então, contava apenas 4 unidades no país.

Com essas aquisições, a Pearson: ampliou sua atuação na educação (pública e

privada) brasileira, ao fornecer material didático e sistemas de ensino, desde a educação

infantil até a vida adulta e profissional; reforçou sua estratégia de focar seu investimento em

economias de rápido retorno, negócios e serviços digitais, e programas educacionais que

proporcionam um impacto maior nos resultados de aprendizagem; tornou-se o maior grupo

a oferecer cursos de idiomas no país, com bandeiras voltadas a todos perfis; e ratificou sua

liderança mundial no setor educacional.

Traçado o percurso de conquistas e expansão global do conglomerado britânico,

surge a necessidade de revisitar as origens e o percurso de expansão da escola de idiomas

Wizard, em virtude de sua importância no setor educacional brasileiro, que despertou o

interesse econômico no maior grupo educacional do mundo, bem como por ser a produtora

do material publicitário que constitui o corpus de referência deste trabalho.

29

1.3 A escola de idiomas Wizard: da sua criação à sua aquisição15

Falar sobre a escola de idiomas Wizard implica entrelaçar sua história à biografia

do curitibano Carlos Martins, por dois motivos: (i) a formação pessoal e profissional do

fundador impactou sua maneira de conduzir os negócios, o que levou a Wizard a ser a maior

escola de idiomas do mundo e a gerar o Grupo Multi; (ii) a identidade de Carlos Martins foi

construída concomitantemente à fundação e ao desenvolvimento da Wizard, tanto é que o

empresário adotou “Wizard” como parte de seu sobrenome. Por isso, aqui optamos por tratar

as biografias breve e conjuntamente.

Quando Carlos Martins tinha 12 anos de idade, seus pais decidiram seguir a Igreja

de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. A partir dos contatos e das aulas com os

missionários norte-americanos, Carlos aprendeu inglês. Aos 17 anos, ele foi morar nos

Estados Unidos da América, para aprimorar o idioma; e, com 19, serviu em uma missão

religiosa para a Igreja Mórmon em Portugal, onde permaneceu por dois anos, dedicando-se

a trabalhos voluntários e humanitários.

Ao realizar dois de seus sonhos (viver nos EUA e servir numa missão religiosa),

ele retornou ao Brasil aos 21 anos de idade. No entanto, o jovem Martins “não tinha dado

nada por encerrado”. Então foi em busca de seus novos objetivos: constituir uma família e

diplomar-se em nível superior. Aos 26 anos, Carlos Martins foi aceito no curso de Análise

de Sistemas na Universidade Brigham Young, em Utah (EUA), onde pôde conhecer um dos

maiores centros de ensino de idiomas do mundo, o Missionary Training Center. Nessa época,

Carlos Martins conviveu com milhares de jovens que, segundo ele, em apenas oito semanas

de aulas, conseguiam se expressar em um segundo idioma.

Diplomado em Ciência da Computação e Estatística pela Universidade Brigham

Young, Carlos Martins estagiou por um ano na Champion International, empresa de papel e

celulose no estado norte-americano de Ohio, quando foi transferido para a filial brasileira,

em Mogi Guaçu, interior do estado paulista. Foi durante esse período, afirma, que ele

aprendeu o modo como os norte-americanos lidavam com os negócios, que era bem diferente

do que acontecia no Brasil.

15 Informações disponíveis no website do empresário (http://carloswizard.com/) e em O início de Carlos

Wizard Martins, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qxmPrLM0pSE. Acesso em:

29/06/2016.

30

A pedido de um colega de trabalho, Martins começou a dar aulas de inglês à noite,

na sala de sua própria casa. O número de alunos era cada vez maior, o que o levou a abrir

uma escola de inglês e deixar o emprego na fábrica. Pautado pela sua experiência empresarial

adquirida no exterior, Carlos Martins tomou a decisão de abrir não uma unidade, e sim uma

rede de escolas. Dessa forma, em 1987, a escola de inglês Wizard (“sábio”, “mago”, em

inglês) foi fundada na cidade de Campinas, interior do estado de São Paulo, onde ainda hoje

mantém sua sede.

Em 1992, a Wizard deu um grande passo ao abrir franquias de suas unidades, algo

muito recente e pouco conhecido dos brasileiros, mas que já era comum na América do

Norte. Dez anos depois, em 2002, a escola contava 900 unidades, incluindo Brasil e EUA.

Surge, então, o Grupo Multi, sob a presidência de Carlos Wizard Martins. Nesse período, a

Wizard já produzia todo o material didático vendido para as suas franquias, bem como outros

materiais promocionais (guarda-chuva, sacola de praia, protetor de para-brisa de

automóveis...).

Na virada do século, os filhos mais velhos de Carlos Martins voltaram dos EUA,

onde cursaram a faculdade, e aconselharam o pai a comprar a concorrência da sua escola.

Em 2003, Wizard fez sua primeira aquisição, a escola Planet Idiomas. Nos anos seguintes,

outras grandes bandeiras do ensino de idiomas e informática seriam incorporadas ao Grupo

Multi: Yesky Idiomas, Worktech e Alps (2006), Skill (2007), Escola People (2008), SOS

Educação Profissional e Computadores, Microlins, Bit Company, Quatrum e Yazigi (2010).

No final de 2010, o Grupo Multi recebeu um aporte de R$ 200 milhões da Kinea, empresa

de investimentos do banco Itaú.

O grupo decidiu expandir seus investimentos em áreas não ligadas ao ensino de

idiomas: lançou o ofertas.com (site de compras coletivas) e anunciou fusão com o

ofertasunicas.com, quarto maior site do mercado de ofertas online. Em 2011, o Grupo Multi

inaugura o site WeSpeak, uma rede social voltada para estudantes de inglês.

Em agosto de 2013, a escola de inglês a distância Ezlearn foi incorporada ao Grupo

Multi. A Ezlearn atendia mais de 20 mil alunos no curso online e ensinava a língua para mais

de 2 milhões via SMS. Com essa aquisição, o Grupo tornou-se o líder no ensino de idiomas

e cursos profissionalizantes no Brasil. Em dezembro desse mesmo ano, o Grupo Multi foi

vendido para a britânica Pearson, pela quantia de R$ 1.95 bilhão.

31

Após a venda do Grupo Multi, Carlos Wizard Martins retornou ao segmento de

franquias, adquirindo o Mundo Verde (2014), a maior rede de produtos naturais da América

Latina. Em 2016, inaugurou no Brasil a rede de fast-food mexicana Taco Bell.

No setor esportivo, criou a Ronaldo Academy, uma rede de escolas de futebol para

crianças e jovens, em parceria com o ex-jogador de futebol Ronaldo; comprou 100% da

operação das marcas Topper e Rainha, da Alpargatas, fundando a BR Sports; e desenvolveu

a estrutura necessária para vender escolinhas de futebol do Palmeiras no modo franquia.

Conforme noticiou a revista IstoÉ Dinheiro16, Carlos Wizard Martins, ao comprar

35% das ações da escola Wise Up, voltou aos negócios que envolvem escolas de inglês e

franquias no primeiro semestre de 2017, “com planos ambiciosos: consolidar o mercado e

conquistar o mundo”.

Frisamos que os novos negócios de Carlos Wizard Martins têm vistas para o

mercado internacional, isto é, neste processo de globalização não só o Brasil importa, como

também exporta: há um movimento bilateral no universo dos negócios, no qual as empresas

nacionais também batalham por sua fatia no mercado internacional, ainda que em volume

inferior, quando comparado com o poder aquisitivo de transnacionais como a Pearson, por

exemplo.

Expostas as trajetórias do conglomerado britânico Pearson e da escola de idiomas

Wizard, ambas companhias inicialmente familiares e que se tornaram grandes grupos

empresariais, é tempo de abordar o terceiro elemento, o elo de todas essas histórias e o cerne

deste trabalho: a Língua Inglesa e sua expansão global.

16 “Carlos Wizard volta às aulas”. IstoÉ Dinheiro, n. 1018. 12/05/2017. Disponível em:

http://www.istoedinheiro.com.br/carlos-wizard-volta-aulas/#.WRY37ASoqjE. Acesso em: 13/05/2017.

32

1.4 A expansão da Língua Inglesa e o paradoxo da globalização: extinção das

fronteiras e criação das barreiras culturais “invisíveis”

A globalização é, de certa forma, o ápice do processo

de internacionalização do mundo capitalista.

(Milton Santos, 2011)

A língua inglesa tornou-se uma língua internacionalmente dominante,

um “commodity” mundial e um pilar do sistema capitalista global.

(Robert Phillipson, 1992)

Ubicunque lingua anglica, ibi Anglia.

Nas últimas décadas do século XX, a globalização17 estabeleceu-se como um

“processo de integração das nações” nas esferas econômica, política e cultural. Desde então,

com as fronteiras nacionais mais tênues (quando há), nações desenvolvidas têm buscado, ao

redor do globo, não só novos mercados para seus produtos e locais com a mão de obra mais

barata para produzi-los, como também a difusão da sua cultura, entrelaçando o político-

econômico, o ideológico e o cultural.

Para tornar mais eficiente a comunicação entre as nações, fez-se necessário

instaurar uma lingua franca moderna, impulsionada especialmente por medidas de teor

econômico. Assim, estabeleceu-se que seria a língua inglesa. Mas por que coube ao inglês o

status genuinamente global? De acordo com David Crystal (1997/2003, p. 9-10), uma língua

só adquire tal status por uma razão: “o poder de seus falantes”. Esse poder está relacionado

a cultura, ciências, tecnologia etc., mas principalmente ao político e militar para impor e à

economia para expandir e manter. A nação que detém essa hegemonia na atualidade são os

EUA, cujo idioma é o inglês, herança do imperialismo britânico. Nesse cenário de

dominações e imposições, o inglês se constituiu enquanto a língua global (ou internacional),

restando às outras nações se adaptarem a ele para a manutenção das suas relações político-

econômicas.

17 Globalização é um conceito que “tem significados diferentes para pessoas diferentes em diferentes épocas”

(KUMARAVADIVELU, 2006, p. 130), mas com uma unanimidade: sua língua é o inglês. Não é nossa tarefa

iniciar uma discussão sobre os vários significados desse conceito, entendido aqui como o “processo que conduz

a uma integração cada vez mais estreita das economias e das sociedades, especialmente no que diz respeito à

produção e troca de mercadorias e de informação” (@ulete digital). Disponível em: www.aulete.com.br/

globaliza%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 01/01/2017.

33

A necessidade de se manterem essas relações corroborou para que o inglês se

expandisse consideravelmente no mundo moderno, tornando-se a primeira língua de fato

global (CRYSTAL, 2006). Fomentada pela sua expansão, propagou-se também a cultura

relacionada à língua, uma vez que o processo de ensino-aprendizagem de um idioma não se

dá sem seus aspectos culturais, (re)produzidos em massa através da indústria da arte e do

entretenimento (música, cinema, literatura, teatro...), das agências de notícias ou grupos

midiáticos (BBC, CNN, Washington Post, New York Times...), mas também de

comunidades mais restritas, como a científica, por exemplo.

O inglês é a língua do poder político-econômico, das ciências e tecnologias, do

sucesso comercial e midiático, e, por tudo isso, a língua de maior prestígio e sedução entre

os jovens. Aparentemente, ela outorga civilização, sabedoria e riqueza aos seus falantes.

Esse idioma passa a impressão de ser onipresente, pois está de algum modo exercendo uma

função, seja no macrossistema (resoluções políticas ou acordos de paz na ONU), seja no

microssistema (o cotidiano do cidadão comum, ao operar seu computador/smartphone ou

mesmo ao se candidatar a uma vaga de emprego).

Ancorado nessa ubiquidade, o inglês funciona, em certos contextos, como uma

espécie de “guardião” das posições socialmente prestigiadas (PENNYCOOK, 1994/ 2003),

ou seja, tornou-se um poderoso instrumento de exclusão, ao operar como uma barreira

“invisível” através da qual se mantêm desigualdades políticas, econômicas e sociais entre

povos, segregando-os em dicotomias: desenvolvido/subdesenvolvido, moderno/retrógrado,

civilizado/bárbaro etc. Ainda assim, sua expansão (particularmente as causas e os efeitos) é,

em geral, negligenciada ou considerada “natural, neutra e benéfica”, conforme argumenta

Pennycook (1994/2003, p. 9):

É considerada natural porque, ainda que possa haver alguma referência crítica à imposição

colonial do idioma, sua consequente expansão é vista como um resultado de forças globais

inevitáveis. É vista como neutra porque se presume que, uma vez destacado dos seus

contextos culturais originais (especialmente Inglaterra e EUA), seja agora um meio de

comunicação neutro e transparente. É considerada benéfica porque, numa visão

maliciosamente otimista de comunicação internacional, se assume que tudo isso ocorra em

pé de igualdade e cooperação.

Por essa razão, Phillipson (1992), Pennycook (1994/2003; 1998), entre outros

linguistas aplicados, chamam a atenção para o fato de que, com o endosso de importantes

34

organizações britânicas e estadunidenses (estas últimas sobretudo no pós-guerra — 1945),

existem políticas promovendo deliberadamente a utilização do idioma inglês nos quatro

cantos do mundo com finalidades políticas e econômicas.

Entre essas organizações, destaque-se o Conselho Britânico (British Council).

Assim rebatizado em 1935, é o órgão britânico cuja principal missão é propagar a língua/

cultura britânica por meio de parcerias público-privadas. Indagado se as atividades do

Conselho eram “promoção cultural” ou “propaganda política”, a resposta, dada no seu

Relatório Anual de 1963-1964, foi bem assertiva: “O Conselho não finge fazer caridade: em

todo o seu trabalho, visa a promover os interesses britânicos a longo prazo” (apud

PENNYCOOK, 1994/2003, p. 148).

Ainda a respeito das atividades do Conselho, Ndebele (1987) sugere que o

Conselho Britânico [...] continua incansável em seus esforços para manter o mundo falando

inglês. A esse respeito, ensinar inglês como segunda língua ou língua estrangeira não é

apenas um bom negócio em termos de produção de material didático de toda sorte, [...]

como também é uma boa prática política. (apud PENNYCOOK, 1994/2003, p. 22)

Há tempos que o governo britânico trabalha a expansão do seu idioma. Entre 1925

e 1930, o linguista inglês Charles Kay Ogden (1889-1957) desenvolveu o Basic English18,

um sistema de linguagem controlada com um vocabulário restrito a 850 palavras, cujo

objetivo é funcionar como uma língua internacional auxiliar, bem como um meio de se

ensinar inglês para falantes de outras línguas. O Basic English mostrou-se a tentativa mais

significativa de se criar uma forma simples e padronizada da língua inglesa. Seu sucesso foi

tanto que, em 11 de julho de 1943, Winston Churchill, então Primeiro Ministro inglês,

despachou uma carta endereçada a Sir Edward Bridges (então secretário do Gabinete de

Guerra), na qual afirmou categoricamente: “Estou muito interessado nesse Basic English.

Seu uso generalizado seria, para nós, um ganho muito mais duradouro e frutífero do que a

anexação de grandes províncias. [...] Os impérios do futuro são os impérios da mente” (apud

PENNYCOOK, 1994/2003, p. 130-131).

18 BASIC ENGLISH é um acrônimo de British American Scientific International Commercial (Propaganda

Científica Internacional Britânica e Americana, em português). Mais informações podem ser encontradas em:

https://en.wikipedia.org/wiki/Basic_English.

35

Ressalta-se ainda o surgimento, em 1948, da Linguística Aplicada, que a priori se

resumia à “aplicação da Linguística” ao ensino de inglês como segunda língua ou como

língua estrangeira. Inicialmente, a Linguística Aplicada esteve muito atrelada a interesses do

Conselho Britânico (PHILLIPSON, 1992; RAJAGOLAPAN, 2013), visto que alguns dos

primeiros linguistas aplicados foram funcionários do Conselho antes de ingressarem na vida

acadêmica. Sobre tal processo, Phillipson (1992, p. 300) informa:

A formação acadêmica para o ELT19 era responsabilidade das universidades, onde a

Linguística Aplicada, em sua atual roupagem, foi gerada pelo Conselho Britânico. Este era,

internamente, o principal elo dos interesses estatais e privados...

Para Rajagolapan (2013) “[...] era preciso assegurar a qualquer custo o papel central

da Grã-Bretanha no projeto de levar a língua inglesa aos quatro cantos do mundo”; citando

Phillipson (1992), Rajagolapan relata ainda que esse esforço foi motivado pelo fato de a Grã-

Bretanha perceber que, “após o declínio de seu império e seu consequente empobrecimento

pós-guerra, sua língua se transformara em algo bem mais precioso do que o petróleo do mar

do Norte” (RAJAGOLAPAN, 2013, p. 155).

Logo, a empreitada de ensinar o idioma globalmente foi de suma importância para

a “expansão massiva da língua inglesa no mundo” (PENNYCOOK, 1998, p. 2), gerando

uma indústria da educação. “O inglês é a língua estrangeira mais ensinada, em mais de 100

países, [...] e, na maioria deles, é a principal língua estrangeira ensinada nas escolas”

(CRYSTAL, 1997/2003, p. 5). Some-se a isso o fato de que a educação pode implicar a

propagação (e imposição) de conhecimentos e ideologias de grupos sociais dominantes.

A partir das reflexões expostas até aqui, podemos avaliar a medida em que o

governo britânico, por meio de órgãos como o Conselho Britânico, tem deliberadamente

elaborado as políticas de expansão do seu idioma, visando à naturalidade, neutralidade e

mesmo beneficência na sua relação com outras línguas, em um mundo globalizado onde

falar inglês deixou de ser um “privilégio” para se tornar uma “necessidade”.

Quando, em sua publicidade, a Wizard assume a “missão de transformar o Brasil

em uma nação bilíngue”, pois assim estará “ajudando” muito mais jovens a alcançar o

sucesso desejado, algumas questões se colocam em torno dessa “missão”, que tem, de um

19 ELT é um acrônimo de English Language Teaching (Ensino de Língua Inglesa, em português).

36

lado, o respaldo da hegemonia do inglês e seu contexto colonialista de “civilizar os territórios

periféricos” e, do outro lado, o papel de “guardião” do acesso ao mundo globalizado, bem

como das posições socialmente prestigiadas.

Em rápida visita às páginas institucionais da Pearson e do Conselho Britânico 20,

pode-se ler que os britânicos, com sua expertise e seus serviços, “(...) visam a ajudar a

melhorar a qualidade do ensino brasileiro” e congêneres. O emprego recorrente do léxico

“ajudar” (e suas variantes) indica que, em relação aos brasileiros, os britânicos partem da

premissa de que são superiores, com condições de ajudar a melhorar, detentores do saber

“correto” etc. Eis um resquício dos principais aspectos do discurso (neo)colonialista: a

arrogância, pois “não existe nada pior que alguém querendo fazer o bem, especialmente o

bem aos outros. O mesmo se aplica aos que ‘pensam bem’, com sua irresistível tendência a

pensar por e no lugar do outro” (MAFFESOLI apud BOHN, 2013, p. 84).

Canagarajah (1999, p. 57) chama a atenção para o fato de que “na maioria das

comunidades periféricas existe algum histórico de imposição da língua inglesa, a qual está

frequentemente competindo com a língua nativa por motivos políticos e materiais”. Ora,

impor-se como segunda língua, língua estrangeira ou mesmo língua adicional21 é também

uma forma de manutenção da sua hegemonia, pois “quando o inglês se torna a primeira

escolha enquanto segunda língua, quando é o idioma no qual tanto se escreve e no qual as

mídias visuais tanto acontecem, o inglês está constantemente empurrando outros idiomas

para fora do seu caminho” (PENNYCOOK, 1994/2003, p. 14).

Dois casos corroboram essa tese: o inglês ter suplantado o francês enquanto língua

de prestígio e o fato de a língua inglesa ser a única contemplada na publicidade da escola de

20 Conselho Britânico: https://www.britishcouncil.org.br/atividades/educacao/servicos-solucoes; Pearson:

https://br.pearson.com/sobre-nos/responsabilidade-corporativa.html. 21 Cientes da complexidade conceitual em designar “língua estrangeira” e “segunda língua”, recorremos à

proposta de Leffa e Irala (2014, p. 29-32): O ensino de outras línguas ocorre numa realidade situada no tempo

e no espaço e está intimamente ligado a essa realidade. Podemos até chamá-lo de língua estrangeira [...] o que

hoje já não se sustenta mais no caso do espanhol e do inglês no Brasil, por fazerem parte de uma realidade que

nos é familiar. A inadequação do termo “segunda língua” [...] pode ser facilmente percebida, principalmente

quando se consideram as características do aluno. Muitos [...] já conhecem mais de uma língua. Nomear como

“estrangeira” a língua oficial de outro país também não parece ser a melhor solução. [...] a língua que [se

estuda] na escola pode não ser uma segunda língua ou uma língua estrangeira, mas será, mais adequadamente,

uma língua que podemos chamar de “adicional”. O uso desse termo traz vantagens porque não há necessidade

de se discriminar o contexto geográfico (língua do país vizinho, língua franca ou internacional) ou mesmo as

características individuais do aluno (segunda ou terceira língua).

37

idiomas Wizard, ainda que se ofereçam também o francês, espanhol, italiano, alemão,

japonês e chinês em suas mais de 1.200 unidades. Consequentemente, o segundo caso

evidencia a inter-relação da publicidade com a demanda e procura por esse idioma no

mercado educacional, trazendo à tona sua busca pela homogeneidade.

Segundo Canagarajah (1999, p. 129), “[...] precisamos entender que, para muitas

comunidades periféricas, o inglês é mais um código em um rico repertório de múltiplas

línguas”, ainda assim, “ao optar por aprender e falar inglês, o estudante toma uma complexa

decisão ideológica e social” (op. cit. p. 57), pois “falar uma língua é assumir um mundo, uma

cultura” (FANON, 2008, p. 50), ou seja, aprender e optar por falar inglês pode implicar uma

visão de mundo conflitante com as crenças e os valores locais.

Ancorado no poder político-econômico e na influência cultural que os EUA e a

Inglaterra exercem no mundo contemporâneo, esse breve percurso sobre as políticas

expansivistas (e impositivas) do inglês tratou de abordar em que medidas esse idioma

assumiu o predicado de “língua global”, a ponto de ser a língua mais utilizada por falantes

que não têm o inglês como língua nativa, e a ponto de se tornar um pré-requisito em

praticamente todas as esferas da atividade humana na atualidade.

Sua expansão e importância são tais, que a revista londrina The Economist22

classificou a língua inglesa de “um império mundial por outros meios”. Seguindo por esse

viés, se juntarmos a tese de Phillipson (1992), de que a língua inglesa (“uma ferramenta a

serviço do império britânico”) está em constante confronto com outras línguas, visando ao

anglocentrismo, e a máxima imperialista dos antigos romanos (“onde quer que esteja a

língua romana, lá está Roma”), eis o silogismo: ubicunque língua anglica, ibi Anglia.

Feitas as considerações a respeito do contexto sócio-histórico, passemos para o

capítulo Fundamentação Teórica, no qual se encontram as discussões sobre os conceitos

teóricos acionados neste trabalho.

22 “The Triumph of English. A world empire by other means”. The Economist. 20/12/2001. Disponível em:

http://www.economist.com/node/883997. Acesso em: 01/04/2016.

38

CAPÍTULO 2

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A linguagem tem um lado individual e um lado social,

sendo impossível conceber um sem o outro.

(Saussure, 1916/2012)

A linguagem é para o homem um meio, na verdade,

o único meio de atingir o outro homem, de lhe transmitir e

de receber dele uma mensagem. Consequentemente,

a linguagem exige e pressupõe o outro.

(Benveniste, 1976/2006)

Neste capítulo, passo aos conceitos teóricos, os quais se inserem na Análise do

Discurso de linha francesa, mais especificamente na abordagem enunciativo-discursiva tal

qual tem sido desenvolvida por Dominique Maingueneau (2008a; 2010; 2014; 2015).

Respectivamente, o capítulo visa a: discutir os métodos de localização do discurso

publicitário no universo discursivo e sua mimotopia; definir as frases sem texto; conceituar

a instância legitimadora de práticas discursivas sem autor mencionado; e, por fim, abordar a

representação imagética do enunciador criada discursivamente durante o ato de fala.

Antes de iniciarmos as discussões propostas, faz-se necessário uma observação

fundamental, que perpassa toda a obra de Maingueneau: empreender uma análise nessa

perspectiva enunciativo-discursiva implica a concepção de que o interdiscurso é constitutivo

de qualquer discurso, ou seja, há primazia do interdiscurso sobre o discurso.

Em Maingueneau (1984/2008c), o teórico desenvolve a hipótese do Primado do

interdiscurso, que amarra o Mesmo do discurso e seu Outro23. Isso equivale dizer que todo

discurso é concebido do diálogo com outro(s) discurso(s), seja em relação de aliança, embate

23 Este Outro, com maiúscula, não coincide com seu homônimo lacaniano (MAINGUENEAU,1984/2008c).

39

ou neutralidade aparente. Assim, “o Outro não deve ser pensado como uma espécie de

invólucro do discurso... o Outro não é nem um fragmento localizável (uma citação) nem uma

entidade externa” (op. cit., p. 36), ele já nasce imbricado, trata-se de uma relação

inextricável; o Mesmo e o Outro se constituem, portanto, no interior de um interdiscurso.

Posto isso, sigamos com os conceitos anunciados.

2.1 Discurso publicitário: a mimotopia

Embora concebidas em épocas diferentes, Maingueneau (2010, p. 157-170) agrupa

as categorias de Paratopia (incluindo os tropismos e as sombras), Atopia e Mimotopia,

noções inter-relacionadas que auxiliam na composição de uma cartografia dos discursos no

universo discursivo. Devido a essa inter-relação, retomamos resumidamente os conceitos de

paratopia e atopia24, visando a uma maior compreensão do caráter mimotópico do discurso

publicitário. Após essa conceitualização, iniciamos as reflexões sobre a mimotopia do

discurso publicitário.

• Paratopia: os discursos religioso, filosófico, literário e científico são

discursos constituintes, simultaneamente auto e heteroconstituintes; têm

uma potencialidade paratópica, isto é, seu estatuto determina que eles só

podem se autorizar por si mesmos, não podem ter outros discursos acima de

si. Esses discursos devem se apresentar como ligados a uma Fonte

legitimante, ancorados em algum Absoluto: só um discurso que se constitui

legitimando rigorosamente sua própria constituição pode exercer um papel

constituinte em relação a outros discursos.

• Atopia: o discurso atópico tem sua existência de modo clandestino,

parasitário, e diz respeito ao não lugar. O autor toma como objeto de estudo

o discurso pornográfico para ilustrar sua atopia, sua impossibilidade de

24 As categorias de Paratopia e Atopia não são acionadas neste trabalho; portanto, não é pertinente travar uma

discussão mais aprofundada acerca delas. Uma noção mais detalhada dessas categorias pode ser consultada em

Maingueneau (2006; 2008a; 2010; 2015).

40

existência plena, ao defender a tese de que, simultaneamente, é impossível

que não exista e é impossível que exista.

Em suma, os discursos com potencial paratópico e atópico compartilham certas

afinidades: são discursos-fronteira, que só existem por uma localização paradoxal. Paratopia

expressa o pertencimento e o não pertencimento, uma impossível inclusão em uma topia,

pois está além da sociedade mesmo participando dela. Por sua vez, atopia está aquém da

sociedade, que lhe indefere um lugar e negligencia sua existência.

O discurso publicitário suscita algumas questões a seu respeito, especificamente a

respeito de sua topia no universo discursivo: não é paratópico, nem atópico e tampouco está

submetido a um tropismo que o aproxime dos discursos constituintes. Por essa razão,

Maingueneau (2010, p. 168-170) problematiza o “lugar” desse discurso, a partir das

seguintes constatações:

• Diferente dos discursos tópicos (hospitalar, escolar, familiar...), que têm o seu

lugar “estabelecido” na sociedade, o discurso publicitário é constantemente

percebido como algo “a mais”, “em excesso”, pois é aquele cujos enunciados

interrompem a programação do rádio ou da televisão, instalam-se em meio à

sinalização de vias públicas e estações de trem/metrô, invadem a caixa postal e

disputam sua atenção na tela do dispositivo eletrônico ao navegar pela web, com

seus pop-ups e banners digitais surgindo a todo momento, “obrigando” o

internauta a se voltar a eles.

• O discurso publicitário, por não ter uma cenografia verdadeiramente própria, é

capaz de imitar enunciados de outros tipos de discurso, captando-os ou

subvertendo-os. É uma espécie de “camaleão”, adaptando-se ao meio em que se

encontra. Nesse aspecto, segundo Maingueneau, ele se assemelha ao discurso

literário, que também é capaz de mobilizar qualquer gênero de discurso para

constituir sua cenografia.

• Pelo fato de ser onipresente, nômade e metamorfosear-se com frequência, o

discurso publicitário, com efeito, tem visto suas fronteiras se expandirem nos

últimos anos. Seja imitando seja absorvendo, o discurso publicitário pode

metamorfosear-se em qualquer tipo de discurso. No entanto, suas habilidades

41

de imitação, nomadismo e transformação não lhe garantem o estatuto de

discurso constituinte. Pelo contrário, o discurso publicitário recorre a todo

momento aos discursos constituintes em busca da sua legitimidade.

Baseado nessas três constatações, Maingueneau lança a hipótese de que é preciso

criar uma categoria que dê conta do estatuto do discurso publicitário no universo discursivo

em sua globalidade: a mimotopia (capacidade de imitar/adaptar-se ao meio). Com isso, o

autor sugere que deveríamos renunciar a localizar o discurso publicitário em uma zona

delimitada do espaço discursivo, mas ressalva que a introdução de um estatuto de discurso

mimotópico (simultaneamente localizado e não localizável) não representa apenas um

acréscimo de uma zona a mais no universo discursivo: por sua própria existência, ela

modifica o conjunto desse universo.

Como procuramos demonstrar no corpus de referência, o discurso publicitário

mimetiza outros tipos para se legitimar: ora se passa pelos discursos patriarcal, ufanista e

revolucionário, ora pelos discursos cristão, militar e econômico-financeiro, ao ponto até de

se passar por não publicidade. Demonstraremos também que, embora a Wizard esteja

inserida na esfera educacional privada, seus textos pouco abordam a Educação ou suas

concepções pedagógicas.

Por isso, as reflexões acerca do discurso publicitário enquanto mimotópico são

substanciais não só porque trazem à baila a insuficiência de uma simples identificação do

tipo e gênero discursivos, como também evidenciam que é preciso, na medida do possível,

localizar esse discurso no universo discursivo (não numa zona delimitada do espaço

discursivo), traçar sua cartografia, isto é, depreender sua topia, atribuir-lhe um (não)lugar,

funções na esfera das atividades sociais, nuances e metamorfoses, e identificar sua relação

(de aliança, neutralidade aparente ou de embate) com os demais discursos, sejam eles

paratópicos, tópicos ou atópicos. Tal processo nos proporciona um olhar mais abrangente,

panorâmico e dialógico do corpus no momento da sua análise.

Feitas as considerações a respeito da (não)topia do discurso publicitário, passemos

à discussão sobre as “Frases sem textos”.

42

2.2 Frases sem texto

“Frases sem texto25” são fragmentos textuais (versos de canções/poemas, citações

célebres, manchetes jornalísticas...) que, ao serem destacadas de seus respectivos textos-

fonte, circulam como se jamais tivessem feito parte de um texto, como acontece com um

número razoável de ditos populares e provérbios. Quando isso acontece, tais fragmentos

assumem o estatuto de uma enunciação aforizante (doravante aforização26).

Segundo Maingueneau (2014; 2015), as aforizações são de dois tipos: primárias

(provérbios, ditos populares, slogans, divisas, máximas heroicas...) destacadas por natureza;

e secundárias (citações célebres, declarações polêmicas, manchetes de jornal entre aspas...)

destacadas de um texto e, frequentemente, acompanhadas do nome e/ou rosto do

locutor/aforizador.

Essas pequenas frases têm proliferado no nosso cotidiano, graças aos avanços

tecnológicos e ao maior alcance da comunicação de massa: são facilmente encontradas na

grande mídia, nas vias públicas e mesmo no âmbito pessoal (legendas de fotografias/ vídeos,

adesivos, estampas em camisetas, placas de automóveis, frases de efeito compartilhadas nas

redes sociais ou aplicativos de comunicação instantânea...).

A circulação dessas “frases sem texto” — na maioria das vezes simultaneamente

em diferentes suportes e durante um curto período — acontece porque tais fragmentos

são/foram extraídos do seu (con)texto original, ou seja, passa(ra)m por um processo

chamado destacamento do texto-fonte.

2.2.1 Destacamento

O destacamento consiste em extrair um enunciado de seu texto-fonte, que pode ou

não vir a circular com autonomia posteriormente, ou seja, como se ele não tivesse feito parte

25 A noção de “frase” é entendida neste trabalho como uma “abstração, um artifício de linguistas”, visto que o

produto comunicacional é o texto, ainda que este possa ser constituído por uma única frase (MAINGUENEAU,

2015, p. 131-132); e a noção de “texto” é entendida como “uma manifestação de um gênero de discurso”

(MAINGUENEAU, 2014, p. 62). 26 Embora seja um termo ambíguo, que pode designar tanto a enunciação quanto o enunciado que lhe é produto,

Aforização é mais fácil de empregar que enunciação aforizante (MAINGUENEAU, 2012, p. 127).

43

de um texto. Todo fragmento textual é passível de receber algum tipo de investimento tanto

de quem o enuncia quanto de outrem — “um agenciador invisível” (MAINGUENEAU,

2015, p. 134) —, independentemente do tipo ou gênero do discurso: do bate-papo informal

a uma passagem bíblica, do refrão do bolero ao discurso do presidente da república etc.

Destacar enunciados de seus textos originais é um ato que passa ao largo do controle

de quem os proferiu, pois pode — e na maioria das vezes é — ser realizado por terceiros. É

o caso, por exemplo, de algumas celebridades que, durante entrevistas, dão declarações

polêmicas que acabam sendo alçadas a manchetes de jornais, títulos ou intertítulos de

colunas/artigos etc., podendo até mesmo ser o tema de discussões em fóruns online ou ganhar

hashtags (#) nas redes sociais: um fenômeno discursivo bastante comum na

contemporaneidade.

Maingueneau (2014, p. 18-20) ressalva que, mesmo não sendo absoluta, há uma

distinção dos fragmentos extraídos entre destacamento fraco e destacamento forte. Em

linhas gerais, há destacamento fraco quando a frase destacada fica contígua ao texto-fonte,

permanece em sua vizinhança, ao passo que o destacamento forte implica uma separação do

texto-fonte, ao qual o leitor/ouvinte não tem acesso, a menos que faça uma busca, que não

está à altura de todos.

À medida que os destacamentos implicam uma descontextualização do enunciado,

há algo consubstancial a eles: as alterações. Na grande maioria dos casos, ao ser extraído do

texto-fonte, o enunciado sofre algum tipo de modificação, seja pela necessidade de sintetizar

a informação, seja para torná-lo mais atraente e pregnante ao leitor/ouvinte, o que

consequentemente influencia a produção de efeitos de sentido. As alterações podem ser mais

ou menos importantes, mas nunca indiferentes ou arbitrárias, porque elas são um sintoma de

uma mudança de estatuto pragmático: “O enunciado destacado não é mais um fragmento do

texto, ele tem a ver com um regime de enunciação específico [chamado de] aforização”

(MAINGUENEAU, 2014, p. 27).

2.2.2 Aforização

Quando destacado do texto-fonte, um enunciado fica suscetível a circular com

autonomia e a ser interpretado como se não tivesse feito parte de um texto, isto é, ele assume

44

um estatuto aforizante. Ao fazê-lo, esse enunciado destacado, com efeito, já não é mais um

fragmento de um texto, mas uma enunciação aforizante, um regime de enunciação

específico que se distingue da enunciação textualizante (Quadro 1).

Maingueneau (2014; 2015) propõe a existência de dois regimes enunciativos

distintos: enunciação textualizante e enunciação aforizante. A primeira é o modo mais

amplamente conhecido, o qual implica um gênero de discurso que, por sua vez, define as

posições correlatas (enunciador e coenunciador ou produção e recepção) em interação, bem

como as suas coerções genéricas. A segunda, que nos interessa neste momento, não implica

um gênero de discurso nem um coenunciador específico, mas um auditório que não se situa

no mesmo plano do enunciador, que por isso não é capaz de intervir na enunciação.

A enunciação aforizante obedece a uma economia diferente da textualizante, pois é

a expressão de uma convicção posta absolutamente; não se trata de resposta, argumentação

ou narração, que implicam a existência de uma enunciação textualizante anterior em

interação, mas de pensamento, tese, proposição, afirmação, sentença (MAINGUENEAU,

2014). Em outras palavras,

A aforização não se apresenta como um fragmento de texto, mas como um enunciado

autossuficiente, situado ao mesmo tempo “no” texto em que está inserido e “fora” de

qualquer texto. [Sua] lógica é a de apagar tanto as marcas de inscrição num ambiente textual

quanto seu pertencimento a um gênero de discurso. (op. cit., p. 40)

As aforizações são de dois tipos: primárias e secundárias. Ao tipo primário,

correspondem os provérbios, ditos populares, adágios, slogans, as máximas, divisas etc.; são

frases destacadas por natureza e que têm a circulação e o sentido mais ou menos

estabelecidos no interior de uma comunidade discursiva. Ao tipo secundário, correspondem

as citações célebres, manchetes entre aspas nos jornais ou nos portais de notícias, bem como

as “frases da semana/do mês...”; são frases destacadas de um texto (vide Quadro 1).

45

Quadro 1. Regimes enunciativos e tipos de Enunciação Aforizante

Fonte: MAINGUENEAU, 2015, p. 133.

Essa distinção, ressalva o autor, não repousa sobre critérios estritamente históricos,

pois um número razoável de provérbios e ditos populares se originou de textos, isto é, foram

extraídos de seus respectivos textos-fonte (enunciação textualizante), o que poderia

caracterizá-los como “aforizações secundárias”, em uma lógica de citação direta.

Aliás, na citação em estilo direto, a responsabilidade do dizer é delegada ao

enunciador citado. A aforização não é uma “citação” comum, pois tem sua lógica própria,

como afirmado anteriormente. “A aforização, lembremos, não resulta necessariamente do

destacamento de um texto e de uma inserção em um novo texto” (MAINGUENEAU, 2014,

p. 28). Ela se caracteriza enquanto recusa de ser parte de uma lógica do texto e do gênero de

discurso, expressando-se fora de qualquer genericidade.

Observe-se que a aforização se caracteriza como um regime enunciativo

diferenciado: uma “recusa” à lógica do texto. De fato, são regimes distintos, mas

coexistentes. Ainda que resista à textualização, uma aforização é proferida no interior de um

texto. Dito de outra forma, entre a aforização e o texto há uma “relação paradoxal”:

46

A aforização mantém uma relação paradoxal com o texto: por natureza, ela se opõe à

textualização, porém se inscreve inevitavelmente “no interior” de um texto. Em certo

sentido, podemos até mesmo dizer que é o texto que ressalta a aforização, que torna saliente

esse regime de enunciação que o contesta. (MAINGUENEAU, 2014, p. 62)

Em síntese, a aforização “pura” não existe: ela é (re)inserida em um texto e, devido

a esse processo, sofrerá as mesmas coerções do gênero do discurso no qual será

(re)empregada. Deste modo, nas palavras de Maingueneau (2014, p. 11), “dado que não há

frase sem texto, a não ser inscritas nos textos, esses dois regimes [textualizante e aforizante]

não são duas espécies do gênero próximo ‘enunciação’, mas antes uma forma de a

enunciação não coincidir consigo mesma”.

No caso de uma aforização secundária, um título/uma manchete entre aspas

pertence ao texto, ainda que não seja precedido ou seguido de outra frase. Em relação à

aforização primária, pode-se pensar nas personalidades carismáticas (sábio zen, oráculo,

guru, santo...) que se expressam apenas por aforizações. Em realidade, mesmo esses

enunciados “autônomos” são constituintes de um texto: inscrevem-se no ritual de consulta a

uma autoridade (MAINGUENEAU, 2014).

É no interior de um texto que se salienta uma enunciação aforizante. É também no

interior de um texto que determinados fragmentos colocam-se numa modulação diferente da

dos demais, prontificando-se a receber algum tipo de investimento, seja do locutor seja de

terceiros. Esses fragmentos são constitutivos de uma operação chamada sobreasseveração.

2.2.3 Sobreasseveração

Conforme Maingueneau (2008a; 2010; 2012; 2014) vem enfatizando ao longo dos

anos, constatar que fragmentos foram destacados de tais ou quais textos não basta, visto que

sua extração não acontece aleatoriamente. É preciso considerar também como os fragmentos

se apresentam nos textos-fonte, suas características destacáveis, pois é justamente essa

destacabilidade que torna possível seu processo de “detextualização”, ou seja, uma saída do

texto que tensiona a dinâmica da textualização, indo “na direção oposta à de integrar os

constituintes do texto em uma unidade orgânica” (MAINGUENEAU, 2014, p. 15). Nesse

47

caso, não se trata de uma citação, mas de uma “enfatização em relação ao entorno textual”,

de uma operação chamada sobreasseveração.

Encontrado em todo e qualquer gênero do discurso, dos textos fortemente

monitorados às conversações cotidianas — tendo-se sempre em mente que o oral e o escrito

mobilizam recursos diferentes —, um enunciado sobreasserverado é aquele que, em geral,

apresenta uma ou mais das seguintes marcas:

• é autônomo do ponto de vista textual, isto é, não é preciso considerar o que

precede nem o que se segue para compreendê-lo, é uma síntese da tese

defendida no texto;

• é generalizante/genérico do ponto de vista enunciativo, ou seja, sua

aplicação não se restringe às pessoas (par correlato eu-tu) ou ao contexto

(aqui-agora) em que fora enunciado;

• apresenta uma saliência textual, ou seja, a posição que o fragmento ocupa

no texto-fonte é um lugar privilegiado. Em textos escritos, ele está

geralmente no início ou final do parágrafo, da seção, do capítulo...;

• é marcado por metadiscurso, ou seja, introduzido por um conector de

reformulação (isto é, ou seja, enfim, em outras palavras...) ou por uma

retomada categorizante.

A sobreasseveração é o ato de antecipar um destacamento (MAINGUENEAU,

2014); é uma modulação textual que indica o fragmento que não está no mesmo plano dos

demais, isto é, como se o enunciador “indicasse/sugerisse” o trecho (frase, parágrafo...) que

ele gostaria de ver destacado, circulando de maneira autônoma.

No entanto, é preciso observar que, mesmo sendo sobreasseverado, não há nenhuma

garantia de que um fragmento textual venha a ser efetivamente destacado. Da mesma forma,

“[...] nada impede que se destaque de um texto uma sequência que não tenha sido

sobreasseverada” (MAINGUENEAU, 2014, p. 23). O ato de sobreasseverar está submetido

ao enunciador, que seleciona o encadeamento de sua enunciação consciente ou

inconscientemente; já o ato de destacar fragmentos pode ser realizado tanto pelo enunciador

quanto por outrem, segundo os critérios que lhe convenham no momento.

48

Vimos até aqui que as frases sem texto circulam em abundância no nosso dia a dia,

pois foram destacadas de seus respectivos (con)textos originais e assumiram o estatuto de

enunciações aforizantes, bem como que esses fragmentos destacados podem apresentar

certas marcas em seus textos originais, qualificando-os como enunciados sobreasseverados.

No próximo item, a discussão passa para o estatuto do locutor/enunciador de aforizações,

isto é, o aforizador.

2.2.4 O aforizador

O estatuto da instância enunciadora de um texto e de uma aforização é apreendido

de forma diferente, pois há uma tensão entre o “mesmo” enunciado apresentado ora como

uma frase sem texto (destacada), ora como integrado ao corpo de um texto.

Em textos jornalísticos, por exemplo, o enunciador é a instância responsável pelos

fragmentos que o jornalista relata em estilo direto ou indireto. As informações são

transmitidas ao jornalista por meio de uma enunciação textualizante (entrevista, declaração,

nota...). Quando aforizado, o enunciado do texto torna-se alheio a uma situação

comunicacional, não se dirigindo a um coenunciador específico, mas a um auditório

universal, do qual todos os leitores participam. Assim, ao ter a “mesma” fala alçada a uma

manchete entre aspas, o locutor do texto assume o estatuto de aforizador da manchete, ou

seja, ao mudar o estatuto do enunciado (de texto para aforização), muda-se também o estatuto

do seu locutor (de enunciador para aforizador).

Segundo Maingueneau (2014, p. 43),

O aforizador não é um simples enunciador, o suporte de operações referenciais ou modais,

mas o que poderíamos chamar de subjectum: ao mesmo tempo origem do ponto de vista

expresso no enunciado e sujeito responsável, que se posiciona em meio a um conflito de

valores.

Esse sub-jectum (sujeito) define-se como aquilo que não varia, isto é,

independentemente das situações de comunicação e dos momentos, ele está apto a responder

pelo que diz, pois “nele coincidem sujeito da enunciação e sujeito no sentido jurídico e

moral, que afirma valores diante do mundo” (op. cit., p. 43).

49

Quem diz é tão importante quanto o que se diz. Por esse motivo, as aforizações

secundárias são frequentemente acompanhadas ora do nome, ora do nome e do rosto do

aforizador, que pode ser retratado por meio de fotografia, pintura, desenho, busto etc. Essa

associação, afirma Maingueneau (2014, p. 46), se explica porque “o rosto possui algumas

propriedades notáveis”:

• é a única parte do corpo que, de maneira superficial, permite identificar um

indivíduo como distinto do outro;

• é, no imaginário profundo, a sede do pensamento e de valores

transcendentais;

• é nele que se encontra a boca, fonte da fala e, portanto, da aforização.

Conforme mencionado anteriormente, o corpus é constituído por cartazes/banners

publicitários da Wizard. Pelo fato de a escola não ter um rosto humano para associar aos

seus enunciados aforizados, seu logotipo exerce função semelhante à de um rosto, isto é,

atesta a identidade do aforizador, quando empregado nas adjacências dos enunciados

destacados nos cartazes/banners.

Observe-se que, neste item, privilegiamos o locutor de aforizações secundárias, as

quais em geral são acompanhadas de nome e imagem do aforizador. Essas aforizações

enfrentam uma situação complexa: a maioria desaparece assim que são destacadas;

pouquíssimas são integradas ao thesaurus linguístico e assumem o estatuto de uma

aforização primária (provérbios, ditos populares, máximas heroicas...).

As aforizações primárias, no entanto, simulam uma existência independentemente

de seus empregos em tais ou quais textos. Além disso, dessas aforizações “(...) não se espera

que nenhum locutor portador de um nome próprio preceda a aforização” (MAINGUENEAU,

2014, p. 37); isso porque, ao enunciar um provérbio, um ditado ou mesmo um slogan, a

figura do aforizador cruza-se, então, com outra: a do hiperenunciador.

50

2.3 A noção de Hiperenunciador

Segundo Maingueneau (2014, p. 69), é a partir de vários tipos de citação “cujo autor

não é especificado” que se tem acesso à noção de hiperenunciador. A fim de compreender

melhor tal noção, deve-se abordar primeiramente o sistema de particitação (palavra-valise

que funde participação e citação), um sistema de citação singular que atravessa os vários

gêneros de discurso. Conforme as palavras do autor, há particitação quando:

• o enunciado citado é memorizável e autônomo, por natureza ou por

destacamento, ou seja, fragmento textual que adquira o estatuto de uma

aforização primária;

• o enunciado pretende ser reconhecido como citação pelos destinatários, sem

que o enunciador citante indique sua fonte, em uma lógica de discurso direto

levada ao extremo, ou seja, o enunciado implica um coenunciador modelo

que partilhe do mesmo conhecimento;

• o enunciado pertence a um thesaurus verbal de contornos vagos,

indissociável de uma comunidade que se define de forma privilegiada pela

partilha de tal thesaurus. O enunciador cita o que seu coenunciador e

qualquer outro membro da comunidade poderia/deveria citar, agindo

conforme os ditames da comunidade a que pertence;

• thesaurus e comunidade correspondente implicam um hiperenunciador, que

lhes dá sua unidade e cuja autoridade garante menos a verdade do enunciado

e mais sua validade, sua adequação aos valores, aos fundamentos de uma

coletividade.

“As aforizações são candidatas ideais à particitação” (MAINGUENEAU, 2014, p.

70), pelo fato de a maior parte das particitações ser aforizações. Mesmo com essa correlação

quantitativa, trata-se de uma tarefa árdua estabelecer um sistema dos modos de particitação,

que estão muito próximos da variedade de situações sócio-históricas.

Maingueneau (2008a, p. 95) propõe-se a distinguir as diversas famílias de

particitação, isto é, funcionamentos pragmáticos que apresentam certas afinidades: as

particitações sentenciosas (provérbios e adágios jurídicos), as particitações escriturais

(humanistas e thesaurus bíblico) e as particitações de grupo (slogans). Abordamos

51

rapidamente os dois primeiros grupos e, então, nos concentramos no terceiro, em virtude de

sua relevância para o corpus de referência.

Nas particitações sentenciosas, pode-se depreender a noção de hiperenunciador

como “a sabedoria popular” ou “a sabedoria das nações” no caso dos provérbios/ditos

populares e o “Direito” no caso dos adágios jurídicos. A diferença entre eles é que, nos

provérbios, a comunidade é de ordem cultural; e no adágio, de ordem profissional. Assim,

ao enunciar um provérbio/adágio, o enunciador partilha do ponto de vista da comunidade,

como membro que é, “... abandona voluntariamente sua voz e toma outra emprestada para

proferir um segmento da fala que não lhe pertence propriamente, que ele apenas cita”

(GREIMAS, 1970 apud MAINGUENEAU, 2014, p. 72). Por isso, é mais evidente neste

grupo o apagamento enunciativo, isto é, as generalizações.

As particitações escriturais — um grande número de “frases célebres” atribuídas a

personagens históricas marcantes, que o thesaurus absorveu — sustêm a noção de

hiperenunciador enquanto a instância que assegura a compreensão da enunciação aforizante

entre enunciador e coenunciador. Ao lançar mão de aforizações da Antiguidade greco-latina

ou mesmo das Escrituras Sagradas, o enunciador afirma seu pertencimento a uma

comunidade, na qual a circulação de tais textos é assegurada. Assim, podem-se enunciar

textos em Latim ou Grego sem mencionar a fonte: o leitor modelo é alguém que possui as

mesmas referências e, portanto, habilitado a interpretar a aforização.

Em relação às particitações de grupo, a noção de hiperenunciador varia em função

do estatuto do slogan: se é militante ou comercial. No primeiro caso, a noção de

hiperenunciador vai depender da coloração política das reuniões, podendo ser tanto “a

esquerda”, “o sindicato”, “os ciclistas” quanto “os ecologistas”, “os patriotas”, “os

apartidários” etc. As reuniões giram em torno do slogan militante repetido por interesses

imediatos dos manifestantes, situados num lugar determinado, pois se trata de grupos

transitórios, com um interesse em comum momentâneo (aqui e agora).

Maingueneau afirma que, nas particitações de grupo, não interessa à Análise do

Discurso os locutores empíricos, mas o autor coletivo do qual participam. O nós que o

sustenta supõe uma fronteira com um outro hostil. Como posto nas análises, ao enunciar um

dos slogans escolhidos, não se busca a identidade do cidadão X ou Y, mas sim em que

comunidade discursiva o enunciador se insere e qual é o seu posicionamento.

52

O slogan comercial exige uma abordagem específica em comparação ao slogan

militante. Diferentemente deste, o comercial não se refere a uma instância transcendental (o

saber popular, o Direto, as Escrituras Sagradas...) em busca de legitimidade, mas a uma

marca. É a marca que estabelece os limites e os valores partilhados no interior da sua

comunidade (marca e os consumidores que a ela aderem), unindo-os, partilhando uma

identificação, um modo de habitar o mundo.

Na busca por legitimidade que atenue sua finalidade mercantil (sua condição de

existência), a marca elabora estratégias enunciativas em seus textos, ao atribuir valores ao

hiperenunciador. Maingueneau (2014, p. 78) discorre sobre essas estratégias:

• a primeira é a “captação das propriedades pragmáticas do provérbio”. Bem

entendido, não se trata apenas do provérbio em si, mas também de, entre

outros, músicas/cantigas folclóricas de domínio popular (ao menos no

contexto brasileiro), cujo estatuto pragmático se assemelha ao do provérbio.

Assim, altera-se um provérbio/canção a seu favor, fazendo com que o

slogan se beneficie da autoridade de um hiperenunciador sentencioso com

vistas à persuasão, pois partir de um pré-construído (memória discursiva)

facilita tanto a memorização quanto a consequente circulação de seus

enunciados;

• a segunda consiste em delegar a responsabilidade do slogan a um aforizador

singular, porém emblemático, que exprima uma convicção pessoal, uma

figura fiadora de renome, carismática, que “encarne” os valores do

produto/serviço anunciado e também da empresa.

O slogan comercial submete-se ao discurso publicitário e, como tal, não pode

legitimar a si mesmo, como acontece com os discursos constituintes (paratópicos). Por isso,

de acordo com Maingueneau (2014), o slogan publicitário, na realidade, não pode ser da

mesma natureza que o slogan militante. No plano discursivo, o comercial está destinado a

mimetizar o militante para se legitimar, seja captando-o, seja subvertendo-o.

Como se pode constatar mais adiante, o slogan publicitário está na fronteira: ainda

que na maioria das vezes seja destacado de um texto, apresenta-se sem marcas de discurso

relatado, aspirando a ter a força de um provérbio/ditado popular e caracterizando-se como

uma aforização primária. Ademais, esse tipo de slogan almeja ser absorvido pela sociedade,

53

pois, de certa forma, “[...] sonha ser um elemento do thesaurus da comunidade linguística”

(MAINGUENEAU, 2014, p. 78), mas poucos conseguem realizar essa passagem.

Observe-se que no sistema de particitação, uma forma particular de citação, não se

indica o autor citado, pois existe, entre as instâncias correlatas (enunciador e coenunciador),

um acordo já pré-estabelecido que torna tal indicação desnecessária. Nesse caso,

O hiperenunciador aparece como uma instância que, por um lado, garante a unidade e a

validade da irredutível multiplicidade dos enunciados do tesauro e, por outro, confirma os

membros da comunidade em sua identidade, pelo simples fato de eles manterem uma

relação privilegiado com ele. (MAINGUENEAU, 2008a, p. 109)

Isso faz com que os particitadores (membros de uma dada comunidade discursiva) se

apaguem de alguma forma diante desse hiperenunciador, privilegiando-o.

A noção de hiperenunciador, porém, se inscreve numa perspectiva mais ampla e

complexa (MAINGUENEAU, 2008a). Até o momento, tratou-se de um aspecto seu menos

“empírico” (“espírito do povo/espírito de uma nação”, “Deus”, “sabedoria popular”,

“esquerda/direita”...), que garante tanto a unidade quanto a legitimidade das práticas

discursivas no interior de uma dada comunidade.

Tendo em vista a natureza do corpus de referência e os objetivos desta pesquisa, é

preciso um refinamento da noção de hiperenunciador que nos permita investigar o seu

funcionamento em textos publicitários.

No discurso publicitário, cujos textos são escritos a várias mãos, ou seja, produtos

de um trabalho coletivo, que envolve profissionais de especialidades diversas —

departamento de Marketing, Redação, Artes, Tecnologia e, muitas vezes, a colaboração entre

duas ou mais agências publicitárias —, o produto final é atribuído a uma instituição, a um

locutor individual: a marca, cujas propriedades antropomórficas são conhecidas

(MAINGUENEAU, 2008a). É ela a instância transcendente que minimiza a heterogeneidade

das vozes envolvidas (o coletivo) em favor de si mesma. Assim, a marca que assina o texto

publicitário, responsabilizando-se legalmente pelo seu conteúdo, é assumida neste contexto

como a instância denominada hiperenunciador27.

27 A discussão sobre textos publicitários — escritos a várias mãos e reivindicados por uma marca — suscita,

com efeito, questões relacionadas à sua autoria. No entanto, tal discussão foge ao escopo deste trabalho. Para

54

Em todo ato de tomar a palavra, seja para (parti)citar um provérbio ou qualquer

outro fragmento textual pertencente ao thesaurus linguístico compartilhado no interior de

uma comunidade, o enunciador constrói uma representação dessa comunidade e, sobretudo,

constrói uma imagem de si (sábio, culto, humilde, arrogante, chato, prepotente...), por meio

de um tom, de um modo de dizer e ser, isto é, ele constrói um ethos discursivo.

2.4 A noção de Ethos Discursivo

Ethos é um termo emprestado da retórica antiga e designa “a imagem de si que o

locutor constrói em seu discurso para exercer uma influência sobre o destinatário”

(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2012, p. 220). Essa noção surgiu no bojo da tradição

retórica, na Grécia Antiga, e foi legada aos nossos tempos graças aos trabalhos do filósofo

grego Aristóteles (384-322 a.C.), precisamente, a Retórica, Ética a Nicômaco e Política.

Um dos maiores obstáculos de se trabalhar com a concepção de ethos retórico,

conforme ponderações de Maingueneau (2008b, p. 12), “é o fato de ela ser muito intuitiva”,

sem uma definição teórica clara: condição que obriga o(a) pesquisador(a) a inscrevê-la em

uma problemática precisa e privilegiar tal ou qual de suas facetas — tendo sempre em vista

seus objetivos de pesquisa, a partir da disciplina —, caso se queira explorá-la e torná-la

operacional.

Por essa razão, a concepção de ethos tem sido adotada por diversas disciplinas e

operacionalizada em conformidade com sua corrente teórico-metodológica. Por meio da

coletânea organizada por Ruth Amossy (2005/2014), pode-se verificar como a problemática

da “imagem de si”, construída discursivamente, foi introduzida e tem sido debatida, a partir

da década de 1970, nos estudos linguístico-pragmático-discursivos, por autores como Émile

Benveniste, Catherine Kerbrat-Orecchioni, Michel Pêcheux, Erving Goffman, Oswald

Ducrot e Dominique Maingueneau.

um aprofundamento da questão, ver: A Noção de Autor em Análise do Discurso (MAINGUENEAU, 2010, pp.

25-47) e Enunciação presa e Enunciação destacada (MAINGUENEAU, 2015, pp. 131-138).

55

A noção adotada nesta dissertação é a de ethos discursivo, introduzida no quadro

da Análise do Discurso francesa por Dominique Maingueneau (1984/2008c), que a

apresentou como “Modo de Enunciação”, um dos itens da Semântica Global que rege os

discursos. Segundo esse autor, sua noção de ethos ultrapassa em muito o quadro da

argumentação (retórica), mesmo não sendo, em essência, infiel à concepção aristotélica

(MAINGUENEAU, 2008a, 2008b), manifesta no e pelo discurso.

De fato, trata-se de uma noção discursiva, isto é, “o ethos está crucialmente ligado

ao ato de enunciação” (MAINGUENEAU, 2008a, p. 60). Ainda assim, deve-se considerar

que o par correlato da enunciação, o coenunciador, pode construir representações do

enunciador antes mesmo que este se pronuncie: há tipos de discurso (e circunstâncias) em

que essa “imagem prévia” é favorecida: publicitário, político, artístico, religioso etc. Tal

constatação fez com que Maingueneau (2008a; 2008b) estabelecesse uma distinção entre

“ethos pré-discursivo” e “ethos discursivo”.

As representações podem ser construídas a partir da memória discursiva

(estereotipia), evocada quando o leitor/ouvinte associa o texto do enunciador a um gênero

de discurso ou a um posicionamento ideológico. Esse ethos prévio é confirmado ou

infirmado tão logo o enunciador iniciar sua fala.

Deve-se considerar também que o ethos visado não é necessariamente o produzido:

“em matéria de ethos, os fracassos são moeda corrente” (MAINGUENEAU, 2008a, p, 61).

Por exemplo, ao tematizar questões polêmicas (diversidade racial, identidade de gênero...)

ou um tabu em seu material publicitário, uma empresa, que visa a ser notada como pluralista

ou progressista, pode ser percebida como preconceituosa, antifamília, socialmente

descompromissada ou até mesmo oportunista. Cabe, portanto, ao coenunciador a construção

ética do enunciador, à medida que este discursa.

Vários fatores contribuem para o coenunciador criar uma representação do

enunciador. Em caso de gêneros conversacionais (interação face a face), a modulação e o

ritmo da voz e os elementos extralinguísticos (vestimenta, gestos, ambiente...). Em caso de

gêneros instituídos, o registro da língua (formal ou informal), o planejamento textual

(progressão, organização), o suporte utilizado (vídeo, áudio, livro...), entre outros.

56

Maingueneau também trabalha a noção de ethos discursivo para além da eloquência

(na oralidade) e alarga seu alcance, abarcando todos os tipos de texto, dos orais aos escritos,

diferentemente do que fez a retórica tradicional, que se concentrou na oralidade. Com efeito,

mesmo que denegue, o texto escrito também possui uma vocalidade que pode se manifestar

numa multiplicidade de tons que dá autoridade ao que é dito. Esses tons permitem ao leitor

construir uma representação do corpo do enunciador — da instância discursiva, não do

locutor empírico —, de onde emerge uma instância subjetiva que desempenha o papel de

fiador daquilo que é dito (MAINGUENEAU, 2013).

Ethos discursivo, afirma o autor, mantém um laço crucial com a reflexividade

enunciativa e permite articular corpo e discurso para além de uma oposição empírica entre

oral e escrito. Esse deslocamento recobre não só a dimensão verbal, mas também o conjunto

de determinações físicas e psíquicas ligado ao fiador pelo arsenal de representações coletivas

estereotipadas, que podem se ratificar, atenuar ou retificar durante a enunciação.

O coenunciador constrói a figura do fiador, segundo índices liberados ao longo da

enunciação do próprio locutor. A figura do fiador implica um caráter, ou seja, “uma gama

de traços psicológicos” (astuto, moralista, entediante, corajoso...), e uma corporalidade, ou

seja, “uma compleição corporal, mas também uma maneira de se vestir e de se movimentar

no espaço social” (MAINGUENEAU, 2013, p. 108).

Em partes, o poder de persuasão do discurso consiste em fazer com que o

coenunciador se identifique tanto com o caráter quanto com a corporalidade da instância

enunciadora, ou seja, que o coenunciador incorpore aquele mundo ético que a enunciação

constrói. A incorporação, isto é, a ação do ethos sobre o coenunciador, opera em três

registros indissociáveis, segundo Maingueneau (2013, p. 109):

• a enunciação leva o coenunciador a conferir um ethos ao seu fiador, ela lhe

dá corpo;

• o coenunciador incorpora, assimila, desse modo, um conjunto de esquemas

que definem para um dado sujeito, pela maneira de controlar seu corpo, de

habitá-lo, uma forma específica de se inscrever no mundo;

57

• essas duas primeiras incorporações permitem a constituição de um corpo, o

da comunidade imaginária dos que comungam na adesão a um mesmo

discurso.

A incorporação do leitor/ouvinte não se justifica por uma simples identificação com

o fiador. “Ela implica um mundo ético do qual o fiador é parte pregnante e ao qual dá acesso”

(MAINGUENEAU, 2008a, p. 65). No corpus ora analisado, esse “mundo ético” é um

estereótipo cultural no qual a publicidade contemporânea se apoia para persuadir seu

coenunciador, ao associar seus produtos/serviços a uma maneira de habitar o mundo

(“profissional que sabe inglês tem salário maior”, “quem fala inglês tem as melhores

oportunidades do mercado de trabalho..., portanto, é bem-sucedido” etc.).

Com isso, além de persuadir pelos argumentos, a noção de ethos permite refletir

sobre o processo mais geral da adesão dos sujeitos a um posicionamento, uma adesão “física”

a determinado universo de sentido, pois o coenunciador faz mais que decifrar conteúdos: ele

participa do mundo configurado pela enunciação.

Se, por um lado, o processo de incorporação do coenunciador é pouco evidente em

textos ligados aos gêneros de discurso funcionais (formulário administrativo, manual de

instrução, bula de medicamento...), por outro, esse processo fica mais evidente em discursos

como o publicitário, literário, científico, político etc.

O discurso publicitário, cujos textos são compostos por profissionais habilitados

que dominam as técnicas de expressão e as estratégias enunciativas, visa à incorporação

imediata do coenunciador, porque deve convencer um público que pode ignorá-lo ou recusá-

lo a qualquer momento. Por esse motivo, “[...] a publicidade põe em primeiro plano o corpo

imaginário da marca que supostamente está na origem do enunciado publicitário”

(MAINGUENEAU, 2008b, p. 11).

Para exercer o seu poder de modo pleno, o ethos deve estar em sintonia com a

conjuntura ideológica visada, a fim de ser imediatamente reconhecido pelo coenunciador.

Dessa forma, devemos ter em mente que os textos publicitários não são escritos visando à

contemplação de suas composições apenas; configuram-se como uma enunciação dirigida a

um coenunciador que eles precisam mobilizar, vender-lhe um produto/serviço ou uma ideia

e fazê-lo encarnar o que se prescreve (beba isto, use aquilo, seja assim, pense diferente...).

58

Neste ponto, faz-se necessário rememorar que o teórico francês, ao longo de sua

obra, tem retomado a noção de ethos discursivo com uma certa frequência e, nessas

retomadas, umas mais e outras menos, tem tensionado a sua operacionalização em tipos e

gêneros de discurso distintos28. Em texto pertinente para o nosso estudo, Maingueneau

(2014, p. 99-115) apresenta uma faceta pouco convencional da noção de ethos, ao analisar

duas pequenas frases:

1) “Obama é jovem, bonito e bronzeado”, dita pelo então Primeiro-Ministro

italiano Silvio Berlusconi, a respeito do então Presidente dos EUA Barack

Obama (06/11/2008);

2) “Ele não é muito inteligente”, supostamente dita pelo então presidente francês

Nicolas Sarkozy, a respeito do então Primeiro-Ministro espanhol José Luis

Zapatero (17/04/2009).

Durante sua análise, o analista do discurso retoma o ethos prévio de ambas as

figuras políticas, mas não desenvolve a noção, apenas “menciona”, pressupondo que os

leitores já estejam familiarizados com o seu ethos discursivo. Mesmo assim, é possível

depreender, por meio dessa análise, que o ethos (individual ou coletivo) se impõe como fator

determinante no que tange à circulação de aforizações, ou seja, não se trata apenas do que se

diz, mas quem diz: se não fossem as representações sociais de Berlusconi e Sarkozy, as duas

pequenas frases dificilmente atingiriam o estatuto de panaforização: “termo que combina

aforização e o pan- de pandemia (MAINGUENEAU, 2014, p. 100).

Segundo o pesquisador, tais enunciados causaram furor midiático, em boa medida,

justamente porque confirmam de modo emblemático o ethos prévio dos enunciadores:

Berlusconi é reconhecido pelas suas constantes gafes, suas falas “politicamente incorretas”;

já Sarkozy é reconhecido, sobretudo pelos adversários políticos, por sua imagem de “um

homem convencido de ser superior a todo mundo” (MAINGUENEAU, 2014, p. 112).

Em outra recente retomada da noção, Maingueneau (2016) afirma estar “ciente” de

que a operacionalização do ethos discursivo ainda levanta muitas dificuldades e permanece

insuficientemente específica para dar conta da diversidade das situações comunicacionais.

28 Além dos trabalhos indicados neste subcapítulo, Cf. Maingueneau (1987/1997; 2010).

59

Tais dificuldades, no entanto, não se referem à operacionalização da noção em textos

vinculados ao discurso publicitário, campo privilegiado para o ethos.

A concorrência acirrada de mercado (princípio básico do neoliberalismo) e a

comunicação instantânea (era digital) contribuem para que o discurso publicitário seja um

lugar privilegiado para a noção de ethos discursivo, pois tanto a corporalidade quanto o

caráter do fiador deve ser rápida e facilmente assimilado, visando à imediata incorporação

do coenunciador. Portanto, acreditamos que a noção ora apresentada seja satisfatória para a

nossa análise do corpus de referência.

Exposta a explanação dos conceitos aqui mobilizados, encerramos este capítulo de

Fundamentação Teórica, para relatarmos os métodos de coleta dos dados e os critérios de

composição do corpus de referência no próximo capítulo. Passemos, então, ao Capítulo 3 —

Procedimentos Metodológicos.

60

CAPÍTULO 3

PROCEDIMENTOS METOLÓGICOS

Quando não houver caminho

Mesmo sem amor, sem direção

A sós ninguém está sozinho

É caminhando que se faz o caminho

(Titãs, “Enquanto houver Sol”, 2003)

Neste capítulo, apresento a campanha publicitária Nação Bilíngue, os pontos em

comum e o que distingue as três fases iniciais. Feito isso, justifico a opção por priorizar o

material digital em detrimento do material impresso. Em seguida, descrevo os procedimentos

metodológicos adotados tanto para a coleta dos dados quanto para a constituição do corpus

de referência. Antes, porém, teço algumas palavras sobre o surgimento do meu interesse por

Nação Bilíngue.

O interesse por Nação Bilíngue surgiu quando eu cursava Análise do Discurso: o

que é, como se faz?, em 2015. Durante o curso, foi solicitado aos alunos que levassem dados

para análise, como aplicação da teoria discutida ao longo do semestre. Quando estava em

busca de algum dado para a realização do exercício proposto, recordei-me da campanha

Nação Bilíngue, que, à época, estava em sua primeira fase e circulava simultaneamente nos

meios de comunicação de massa, fato que chamou a atenção.

Nessa ocasião, selecionei para análise, devido à sua “simplicidade” e ao pouco

tempo de apresentação em sala, um cartaz digital de Nação Bilíngue (atual Figura 1).

Definido o corpus, iniciei as pesquisas sobre a Wizard para a apresentação.

Ao preparar o material (slides, qual informação é pertinente, quais não são...),

comecei a estabelecer as conexões entre o que aquele “simples” cartaz informava e o

contexto sócio-histórico, isto é, a natureza dos acontecimentos sociais que eclodiram no ano

de 2013 (a priori na cidade de São Paulo) em diante e que marcaram a história do Brasil.

61

Naquele momento me vi diante de um dilema: o cartaz possibilitava muita discussão, mas

eu só dispunha de alguns minutos de apresentação. O que fazer? Qual informação priorizar?

Embora com uma dose de angústia, selecionar as informações para a apresentação

em sala me ajudou a visualizar uma possível composição (mesmo com contornos ainda

vagos) do objeto de estudo, bem como a integração das reflexões a respeito da Língua Inglesa

e seu status de prestígio mundial.

Posteriormente, ingressei no curso de Mestrado, com início no primeiro semestre

de 2016. Como já havia começado as pesquisas sobre a Wizard e coletado uma parte do seu

material publicitário, optei pela manutenção do projeto de analisar a campanha publicitária

Nação Bilíngue, que só tinha a fase inaugural.

Se, por um lado, a proposta de analisar uma campanha publicitária tão recente

(quase concomitantemente) é interessante por conta de um provável ineditismo, por outro,

impõe desafios que estão fora do controle do pesquisador, como o fator temporal. À medida

que o tempo avançava, não se sabia se haveria uma nova fase de Nação Bilíngue; se sim,

qual seria a temática? Quando a Wizard lançaria? Essas questões provocaram um certo

desconforto no que diz respeito a impor uma data-limite para a coleta dos dados.

De qualquer forma, a imposição de uma data-limite para a coleta do material foi

inevitável, devido às coerções que são mais bem explicitadas ao longo deste capítulo. Na

sequência, iniciamos a apresentação da campanha publicitária Nação Bilíngue e do seu

conceito #nacaobilingue.

3.1 A campanha Nação Bilíngue — #nacaobilingue: panorâmica

Finalizados os trâmites legais envolvendo a aquisição do Grupo Multi (proprietário

da Wizard, Yazigi, Skill, Microlins...) pelos britânicos da Pearson em janeiro de 2014, a

campanha publicitária Nação Bilíngue, a maior da história da Wizard e a primeira sob a nova

direção, dividiu-se em três fases, cujos lançamentos datam:

62

Fase 1: 18 de julho de 2014

Fase 2: 15 de janeiro de 2016

Fase 3: 10 de dezembro de 2016 / 12 de janeiro de 2017

Cada uma recebeu um título: Fase 1 Manifesto; Fase 2 Entrega Resultados; e Fase

3 Hino. Para uma compreensão mais completa da campanha, discorremos sobre cada uma

de suas fases separadamente, destacando as nuanças e o que as une.

Fase 1: Manifesto

Na primeira fase (2014-2015), Nação Bilíngue e seu conceito29 #nacaobilingue

foram criados e veiculados em todo o território nacional pela agência de publicidade

paulistana MultiSolution. Sua divulgação contou com as redes sociais (Facebook, Twitter,

Instagram e Youtube), ações em mídia online (banners, pop-ups), anúncios impressos

(jornais, revistas...), peças de decoração para as unidades da escola (cartazes, panfletos,

mobile, folhetos), painéis, outdoors e busdoor. Enfim, nos diversos suportes e gêneros

discursivos em que o discurso publicitário circula. O destaque, entretanto, fica por conta do

filme/vídeo, que circulou durante os horários nobres da TV e do rádio.

O mote da fase é o slogan “A Wizard tem uma missão: transformar o Brasil em

uma nação bilíngue”, manifesto em dispositivos diversos: adesivos, outdoors, painéis,

panfletos, cartazes e banners digitais etc.

A designação dada a esta fase desperta interesse, pois é um nome pouco comum

para uma campanha publicitária. Segundo o @ulete digital30, manifesto significa:

sm.

1. Que se manifestou, manifestado

2. Declaração formal de intenções ou expressão pública (ger. por escrito) de ideias

políticas, estéticas etc.

3. Declaração que se faz por escrito e que se transmite de um Estado a outro oficialmente

por via diplomática

4. Inventário dos bens para fiscalização fazendária

29 O termo “conceito” em publicidade se refere à premissa, ao mote, isto é, ao diferencial da campanha. 30 Disponível em: http://www.aulete.com.br/manifesto. Acesso em: 10/11/2017.

63

5. Relação completa das mercadorias levadas por avião ou navio e que deve ser entregue

na alfândega antes do descarregamento

6. O documento em que constam quaisquer dessas relações

adj.

7. Que se mostra evidente, patente, claro; NOTÓRIO; INDISCUTÍVEL; INEGADO.

Ao refletirmos sobre o momento histórico (Capítulo 1) e sua relação com o que a Wizard

busca manifestar na fase inaugural da campanha, podemos aceitar como válidas as acepções

1, 2, 3 e 7. Soma-se a estes sentidos, o compromisso de ajudar o país por meio dos seus

serviços, conforme expresso nas palavras de Alexandre Max, Head de Marketing da Pearson

Brasil31, quando do lançamento da campanha:

A conquista do crescimento profissional é sem dúvida um dos grandes sonhos do brasileiro.

Esta conquista está diretamente ligada, nos dias de hoje, com a capacidade de se comunicar

em inglês. A Wizard assume como propósito esta missão: Ajudar o Brasil a se transformar

numa nação bilíngue.

Inferimos, então, que a “missão” de “transformar o Brasil em uma nação bilíngue”,

ou seja, possibilitar que tenha a “capacidade de se comunicar em inglês”, é devido ao fato

de a Wizard ter assumido o compromisso de “ajudar” o país, para que o brasileiro “conquiste

o crescimento profissional ... um dos [seus] grandes sonhos”. Assim, passamos à fase 2.

Fase 2: Entrega Resultados

Na segunda fase (2016), o processo foi semelhante ao da anterior: criação e

divulgação pela agência publicitária paulistana MultiSolution, com forte ação em mídia

digital, redes sociais, vinhetas e filmes/vídeos, cartazes, mobiles, painéis, outdoors etc.

Esta fase ganhou ainda outros contornos, ao contar com uma ampla ação de

merchandising em programas de TV. São programas televisivos populares que vão ao ar nos

períodos vespertino e noturno, como: Programa Eliana e Domingo Legal (SBT), A Tarde É

Sua, Luciana by Night e TV Fama (RedeTV), Hoje em Dia (Rede Record), Jogo Aberto (TV

Bandeirantes), Sport Center (SporTV), entre outros, cujos apresentadores “também foram

31 “Wizard lança campanha ‘Nação Bilíngue’ criada pela MultiSolution”. Grandes Nomes da Propaganda.

18/07/2014. Disponível em: http://grandesnomesdapropaganda.com.br/anunciantes/wizard-lanca-campanha-

nacao-bilingue-criada-pela-multisolution/. Acesso em: 04/2016.

64

desafiados a entrar para a nação bilíngue”32, fazendo as chamadas dos próprios programas

em língua inglesa. Tal como a anterior, nesta fase, o vídeo foi o protagonista, circulando nas

mídias de comunicação de massa (TV, rádio, redes sociais...).

Além dessa ampla ação em programas televisivos populares, foi criada também, em

parceria com a Rádio 89FM, a promoção “Cantation do Quem Não Faz Toma”33, uma

gincana na qual o(a) participante cadastrado(a) canta, por um minuto, uma música em língua

inglesa. O(a) vencedor(a) ganha uma bolsa de estudos em uma unidade da Wizard de sua

escolha. Salientamos que houve uma forte ação em mídias de comunicação de massa.

Na fase 1, propagou-se que, em dois anos de curso, o(a) estudante conquista um

certificado internacional ou a Wizard oferece aulas gratuitas para “chegar lá”, isto é,

conquistar o certificado TOEIC. Apoiado nessa promessa, a criação dos cinco vídeos

(retomados mais adiante) desta fase tiveram como foco o depoimento de cinco alunos da

Wizard — sendo duas moças, dois rapazes e um menino —, a respeito de suas motivações

pessoais e/ou profissionais para estudar inglês e como essa aprendizagem o(a) beneficiou,

ou seja, como a conquista do TOEIC o(a) ajudou a realizar sonhos.

Dito de outro modo, esta segunda fase tratou de “prestar contas” e apresentar à

comunidade os resultados dos dois anos de curso, argumentando favoravelmente ao seu

compromisso de ajudar o país (missão social), à sua metodologia de ensino, bem como à

fiabilidade da marca.

Chamamos a atenção, ainda, para um acontecimento importante ocorrido nas

vésperas do lançamento da Fase 3: em 24 de outubro de 2016, a Pearson anuncia a alteração

do nome da escola de idiomas, de “Wizard” para “Wizard by Pearson”. Por conseguinte, a

marca não só “incorporou o endosso da Pearson”, como também “implementou um novo

design, mais moderno e impactante”,34 ou seja, alterou toda a sua comunicação visual,

incluindo o logotipo, as fachadas das unidades e as páginas virtuais — websites, blogs,

32 “Wizard lança campanha de 2016 e confirma compromisso com criação da nação bilíngue”. Portal Fator

Brasil. 16/01/2016. Disponível em: http://www.revistafatorbrasil.com.br/ver_noticia.php?not=312318.

Acesso em: 04/2016. 33 “Cantation do Quem não faz toma”. Disponível em: http://www.radiorock.com.br/wizard/regulamento.

Acesso em: 01/11/2016. 34 “Wizard agora é ‘Wizard by Pearson’”. Pearson 24/10/2016. Disponível em:

https://br.pearson.com/imprensa/noticias/wizard-agora-e-_wizard-by-pearson.html. Acesso em: 25/10/16.

65

portais e redes sociais —, tornando homogênea, portanto, a identidade visual da Wizard com

a da Pearson.

Fase 3: Hino (We Are Wizard)

Na terceira fase (2016-2017), o processo de criação, produção e divulgação foi

igualmente executado pela agência publicitária paulistana MultiSolution, com forte ação em

mídias digitais, redes sociais, filmes/vídeos etc. Como a publicidade está sempre em busca

do ineditismo, houve novidades em relação às fases anteriores.

A Fase 3 trouxe a público um produto que não tinha recebido destaque nas fases

precedentes: o ensino de inglês para crianças; afinal, estas são a “alma do negócio”.

Provavelmente por isso, esta fase teve um lançamento duplo: 10 de dezembro de 2016, com

o filme para os jovens e adultos (Hino) sendo lançado durante os intervalos de uma novela

da Rede Globo e, em 12 de janeiro de 2017, o filme para as crianças (Wizkids), que segue

basicamente o roteiro de Hino, porém com crianças (3 a 5 anos de idade) interpretando, de

maneira lúdica, os papéis de alunos35.

Outra mudança significativa foi a baixa adesão ao material impresso (mobiles,

outdoors, busdoors...) e aos cartazes/banners digitais, em comparação às fases anteriores

(detalho essa mudança mais adiante). Nos seus lugares, foram produzidas três vinhetas (16

segundos de duração cada) abordando temas destacados no website da escola, como “Você

Bilíngue”, “Compromisso de Aprendizagem” e “Número Um”.

É possível que tal estratégia se deva ao fato de a campanha Nação Bilíngue já ser

conhecida, mas, principalmente, que se deva à proposta desta fase, como enfatiza Paulo

Voltolino36, VP da MultiSolution, “A bandeira #nacaobilingue vive um novo movimento,

por vocação e com propósito”; continua ele:

35 Informamos que a parte dedicada às crianças, o Wizkids, não compõe o corpus de referência; citamos apenas

com finalidades ilustrativas e informativas. 36 “Wizard by Pearson lança novo filme para ‘We are Wizard’ — Todos por uma Nação Bilíngue”. Grandes

Nomes da Propaganda 16/12/2016. Disponível em:

http://grandesnomesdapropaganda.com.br/anunciantes/wizard-by-pearson-lanca-novo-filme-para-we-are-

wizard-todos-por-uma-nacao-bilingue/. Acesso em: 20/12/2016.

66

Entramos na fase três da campanha e agora é o momento de uma grande convocação,

reforçar uma causa em favor da educação. Quanto mais bilíngue se torna um País, melhor

será sua condição sociocultural e a influência positiva na própria língua base.

Ou seja, essa “grande convocação” se dá em forma de canto/grito do Hino: o slogan “We

Are Wizard”, proferido no vídeo por dezenas de jovens. Por isso, os melhores resultados são

obtidos, naturalmente, através de vídeos/vinhetas, os quais englobam verbal, visual e áudio,

diferentemente de outras mídias.

Tal qual Manifesto, a designação dada à Fase 3 merece nossa atenção. Por isso,

recorremos novamente ao @ulete digital37, o qual indica que hino é

sm.

1. Canto em honra ou louvor à pátria, a clubes, colégios etc. (hino da Independência).

2. Poema ou cântico em louvor a Deus, ou a deuses, heróis etc.

3. Canção sacra, cantada ger. em algum ritual litúrgico.

4. Canção ou poema que exprime admiração ou entusiasmo por algo ou alguém: O poeta

escreveu hinos à sua amada.

5. Fig. Qualquer coisa que sirva para elogiar ou louvar: O canto dos pássaros é um hino ao

sol.

Conforme temos exposto até aqui, exceto a acepção 3, as demais estão em consonância com

o mote desta fase: “We are Wizard Todos por uma #nacaobilingue”.

Observe-se que Paulo Voltolino refere-se ao conceito #nacaobilingue como uma

“bandeira”: lema, emblema ou distintivo que norteia um grupo. Temos, desta forma, um

conjunto de palavras importantes: manifesto, missão, transformação, Brasil, nação bilíngue,

inglês, bandeira, convocação e hino. Note-se que o vocabulário é semelhante ao de um

chamado patriótico, militar e/ou religioso, o que nos leva a depreender alguns efeitos de

sentido. No entanto, deixemos as interpretações para o próximo capítulo.

Realizada a panorâmica da campanha Nação Bilíngue e seu conceito

#nacaobilingue, passemos à explicação da opção pela publicidade digital.

37 Disponível em: http://www.aulete.com.br/hino. Acesso em: 10/11/2017.

67

3.2 Por que digital?

Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista,

diríamos que é o ponto de vista que cria o objeto.

(Saussure, 1916/2012)

Durante muito tempo, considerou-se o texto como uma sequência de frases dotadas

de sentido e indiferentes ao seu mídium38. Mais recentemente, com o aprimoramento do

audiovisual e o desenvolvimento da informática, o mídium passou a exercer um papel

crucial, uma vez que revolucionou a natureza dos textos e o seu modo de consumo: sua

difusão pode ser via oral, impressa, digital ou multimodal.

O mídium não é um mero “acessório”, nem um simples “meio” de transmissão do

discurso; ele impõe coerções sobre seus conteúdos e comanda os usos que dele podemos

fazer (MAINGUENEAU, 2013). Nesse sentido, o autor salienta que muitas mutações sociais

se manifestam através de um simples deslocamento midiológico, isto é, relativo ao mídium,

visto que “uma sociedade não se distingue das formas de comunicação que ela torna

possíveis e que a tornam possível” (op. cit., p. 82).

A partir dessa reflexão, algumas considerações são necessárias para justificar a

nossa opção por analisar o material publicitário digital e não o impresso. Uma delas é a

exploração dos meios digitais pela Wizard para comunicar-se com os estudantes, outra é

uma experiência que tivemos e as demais são de ordem pragmática, reflexo de um mundo

de interações globalizadas e cada vez mais pautadas pela cultura digital. Comecemos pela

historicidade da marca.

É importante registrar que, antes da venda para a Pearson em 2013, a Wizard já

explorava os meios digitais na relação escola-aluno e no ensino-aprendizagem, através de

website, redes sociais, plataformas e ferramentas digitais. Podemos citar como exemplo a

criação, em 2011, do WeSpeak (www.wespeak.com), uma rede social que promove a

interação, integração e comunicação entre estudantes de inglês, ou seja, já havia uma

38 Optamos por manter “mídium” (pl. mídiuns) para nos referirmos ao meio e suporte, devido aos critérios

adotados pelos tradutores da obra (MAINGUENEAU, 2013), segundo os quais, “por analogia à forma já

consagrada midiologia e pela existência de médium, forma já dicionarizada para se referir a outro conceito”.

68

“tradição digital” entre a Wizard e os estudantes, que posteriormente foi ampliada pelos

britânicos, ao passo que o acesso à internet foi também se democratizando no país.

Nos primórdios deste trabalho, em 2015, durante visitas a algumas unidades da

escola na capital paulista, notamos que seu material publicitário impresso (panfletos,

cartazes, adesivos...) direcionava o potencial aluno para a internet, com a finalidade de que

o interessado não só visitasse o website para obter mais informações sobre os cursos, como

também aderisse à marca nas redes sociais (“curta nossa página no Facebook”, “siga-nos no

Twitter/Instagram”, “Inscreva-se no nosso canal no Youtube”), ainda que não estivesse

matriculado. Esse apelo chamou a atenção para o protagonismo da internet nesse contexto

de mediação empresa-consumidor.

Optar pelo digital foi determinante também pela praticidade na obtenção dos dados.

Coletar as peças impressas, passado mais de um ano do lançamento da primeira fase (julho

de 2014), seria praticamente impossível, visto que era grande a chance de as unidades

visitadas já não as terem mais, o que eventualmente geraria uma lacuna na composição do

corpus. Recorremos, então, ao arquivo digital no momento da coleta.

Além disso, o conceito #nacaobilingue já revela a forte adesão da campanha aos

meios digitais. O caractere # (hashtag) — outrora uma popular representação gráfica para

“número” —, nas plataformas digitais, significa “tag”39, isto é, uma espécie de

rótulo/etiqueta ou palavra-chave que indica o conteúdo/tema da publicação em questão.

Mesmo que Nação Bilíngue circule em vários mídiuns, ela já foi concebida para protagonizar

nos meios digitais, onde a circulação é mais veloz (espalha-se mais rapidamente, atingindo

um número maior de pessoas), perdura (não está restrita a edições: diários, mensais,

semestrais...) e, sobretudo, onde se tem maior acesso ao público-alvo da Wizard: o jovem40,

que, via de regra, utiliza alguma rede social.

Note-se, aliás, que um slogan precedido de # é uma prática discursiva relativamente

recente, que pode ser empregado e ressignificado seja em contextos de caráter pessoal seja

em caráter coletivo, fenômeno que carece de estudos acadêmicos por uma abordagem

39 Cf. https://www.tecmundo.com.br/navegador/2051-o-que-e-tag-.htm. 40 Salientamos que a escola de idiomas Wizard oferece cursos a faixas etárias distintas. No entanto, só os jovens

(18 a 30 anos de idade) são contemplados nas imagens que compõem o corpus de referência.

69

enunciativo-discursiva41. E #nacaobilingue — cujo estatuto comercial mimetiza o slogan

militante para se legitimar e amenizar sua finalidade mercantil — resulta do engajamento

dos seus particitadores, membros da comunidade discursiva We Are Wizard. Isso vai ao

encontro, inclusive, da Noção de Hiperenunciador, discutida em capítulo precedente.

A propósito, a comunicação eletrônica via internet é “o traço mais distintivo da

atual fase da globalização [...] Ela se tornou o motor principal, que está dirigindo os

imperativos da economia, assim como as identidades culturais/linguísticas” (B.

KUMARAVADIVELU, 2006, p. 131). Nestes novos tempos, a internet revolucionou a

forma de as pessoas interagirem; seu protagonismo é atestado em números: segundo a

pesquisa Digital Future Focus Brazil 201542, os brasileiros gastam em média 650 horas por

mês conectados às redes sociais e 290 horas por mês acessando portais de notícias e páginas

de entretenimento.

Como buscamos elucidar no próximo capítulo, Língua Inglesa e cultura digital

(relações mediadas pela internet) são figuras de destaque no atual estágio de globalização;

esses elementos são encontrados ao longo de todo o corpus de referência.

Assim, passemos para o item seguinte, no qual descrevemos o processo/percurso e

a ferramenta utilizada para a coleta dos dados.

3.3 A coleta dos dados: procedimentos e ferramenta

Foram utilizados dois procedimentos para a coleta dos dados: as buscas no Google

e as visitas periódicas às páginas da escola. Por se priorizarem os dados digitais, o Google

foi uma ferramenta bastante utilizada. Digitava-se, na barra de buscas, “Wizard Nação

Bilíngue”, “Campanha Nação Bilíngue” ou mesmo “Escola Wizard Nação Bilíngue”. Em

41 Em Pequenas frases na política brasileira, francesa e anglo-saxônica (BARONAS et al., 2016), encontram-

se alguns estudos sobre o fenômeno pequenas frases precedidas de hashtags, que circulam nas redes sociais,

em prol de causas sociais, religiosas, políticas etc. 42 “Brasileiros gastam 650 horas por mês em redes sociais”. O Globo. 20/05/2015. Disponível em:

http://blogs.oglobo.globo.com/nas-redes/post/brasileiros-gastam-650-horas-por-mes-em-redes-sociais-

567026.html. Acesso em: 15/12/2016.

70

seguida, clicava-se na seção “Imagens” e depois em “Ferramentas”, onde se filtram, dentre

outros recursos, período e formato desejados na busca.

Esse percurso frequentemente nos direcionava para websites, blogs ou redes sociais

da própria Wizard. Por essa razão, o outro método foram as visitas periódicas às páginas da

escola de idiomas (websites, blogs das unidades e as três principais redes sociais: Facebook,

Twitter e Youtube — este para os vídeos), sem um intermediário, pois nem todas as

informações disponíveis nessas páginas são destacadas no buscador Google, provavelmente

devido a questões legais (direitos autorais).

Frisamos que a escola de idiomas Wizard, desde seu início, sempre investiu

maciçamente em seu Marketing, o que resultou em uma grande quantidade de material

publicitário disponível online. Por isso, restringimos a coleta de dados à campanha vigente

(Nação Bilíngue) e chegamos aos seguintes resultados:

• FASE 1 — Manifesto (2014-2015): foram coletados o vídeo e 23 peças,

entre as quais estão os cartazes temáticos sobre datas comemorativas (Dia

dos Pais, Dia das Mães, Independência do Brasil, dos EUA...), os cartazes

cujos enunciados fazem referência ao vídeo e um mapa com o Índice de

Proficiência em Inglês, que elenca os países mais fluentes nesse idioma.

Segundo o mapa, o Brasil ocupou a 38ª posição em 201343.

• FASE 2 — Entrega Resultados (2016): foram coletados os 5 vídeos e 15

peças, entre as quais estão os cartazes temáticos (Dia Internacional da

Mulher, Halloween, Olimpíadas 2016, Dia dos Professores...) e os cartazes

com fragmentos dos depoimentos de 5 alunos da Wizard (sendo dois

rapazes, duas moças e um menino), relatando como o certificado

internacional TOEIC ou como a aprendizagem da língua inglesa o(a) ajudou

a realizar sonhos pessoais e/ou profissionais. Note-se que, diferentemente

da fase anterior, na Fase 2 são cinco vídeos-disparadores, pois cada vídeo

corresponde ao depoimento de um(a) estudante.

43 Dos 70 países pesquisados em 2015, o Brasil ocupou a 41a posição; dos 72 países pesquisados em 2016, o

Brasil ocupou a 40ª posição, ou seja, uma classificação considerada baixa, insuficiente. Como de praxe, os

primeiros colocados são países ricos, tornado implícita a relação “mais fluência em inglês, mais próspera a

nação”. A divulgação e exploração desses dados ratificam a pertinência dos serviços das escolas de idiomas no

desenvolvimento do país. Informações disponíveis em: http://www.ef.com.br/epi/. Acesso em: 20/01/2017.

71

• FASE 3 — Hino (2016-2017): foram coletados o vídeo e, dada a diminuição

expressiva da publicidade em formato de cartazes/banners digitais, 12

peças, entre as quais estão as temáticas (Dia dos Namorados, Valentine’s

Day, Dia das Mães...), bem como as peças cujos enunciados se referem ao

vídeo-disparador da fase.

Realizada essa etapa de coleta do material digital, encontramo-nos com uma soma de 7

vídeos (30 a 45 segundos cada, o equivalente a 240 segundos em média) e 50 peças.

3.4 Constituição do corpus

Mesmo focando na campanha vigente, trata-se ainda de muito material. Tal fato, a

priori “assustador”, nos levou a adotar mais alguns critérios balizadores para o recorte dos

dados e a composição do corpus de referência.

Posto que Nação Bilíngue é a primeira campanha publicitária da Wizard sob a

direção do conglomerado britânico Pearson, seu lançamento é tomado como o marco inicial.

Mencionado no início do capítulo, ingressei no curso de Mestrado em janeiro de 2016. A

Fase 3 — Hino foi lançada em 12 de janeiro de 2017. O primeiro semestre de 2017

corresponde ao meu terceiro semestre no programa de Mestrado (2016-2017). Neste ponto,

adotamos o lançamento da Fase 3 como data-limite, isto é, critério de recorte.

Portanto, o recorte temporal do corpus de referência é entre os dias 18 de julho de

2014 e 12 de janeiro de 2017, período que compreende o lançamento das três primeiras fases

da campanha previamente apresentada.

Estabelecido o recorte temporal, resta-nos ainda estabelecer o formato/gênero do

discurso, visto que entre o material coletado há vídeos e cartazes/banners digitais.

Decidimos, então, analisar os cartazes e os banners digitais. Apesar de terem nomes distintos,

a única diferença entre eles é que o banner possui um “Uniform Resourse Locator” (código

URL) que, quando clicado, direciona o internauta para o endereço programado — no geral,

o website da empresa. Ademais, muitos dos cartazes digitais encontram-se hospedados em

banners rotativos.

72

Dois são os critérios que nos levaram à escolha: (i) a arte em sua composição é

(re)utilizada em outros gêneros do discurso, como adesivos, painéis, folhetos, outdoors etc.

Dito de outro modo, ao analisar os cartazes e banners, de alguma forma os outros gêneros

também são retomados, mesmo que implicitamente; (ii) sua circulação não se limita às

páginas da marca, pelo contrário, o banner digital circula nos websites com o maior tráfego

de internautas, os famosos pop-ups que surgem a todo momento na tela do dispositivo.

No entanto, ainda que nos limitamos a esse gênero do discurso e ao período

estipulado, analisar todos os cartazes/banners digitais coletados seria uma tarefa

incompatível com uma pesquisa de Mestrado.

Assim, adotamos mais um critério de recorte: analisar somente os cartazes/banners

digitais que estampam fragmentos destacados do texto-fonte de cada fase. Tal decisão se

deve ao fato de que, para atrair o clique do internauta, o enunciado do cartaz precisa ser

breve, pregnante, atrativo e condensar a ideologia da marca. Em outras palavras, trata-se de

Frases sem texto, noção que despertou meu interesse desde o início do curso de Mestrado e

que, como apontado na Introdução, ainda não tinha sido aplicada em textos publicitários de

institutos/escolas de idiomas.

Definidos os critérios de recorte, o processo de análise é executado em três etapas:

Identificação da fase, transcrição e análise do texto-fonte.

1. Identificação da fase

Nação Bilíngue tem como lançamento de suas três fases os seus respectivos vídeos-

disparadores, possibilitando que o seu conteúdo (tema, estilo, enunciados...) irradie para os

demais formatos, interligando-os. Dessa forma, os enunciados dos cartazes/banners se

referem a um texto-fonte, disponível em vídeo. Por meio da composição do banner (estilo,

enunciado, tema...) e do conteúdo do vídeo, é possível identificar a que fase pertence o dado

em análise.

2. Transcrição do texto-fonte

Identificada a relação de pertencimento dos dados, iniciamos o processo de

transcrição do texto-fonte. Essa transcrição não exige nenhum dígrafo, isto é, nenhuma

73

marca de transcrição de áudio, pois sua única função no trabalho é possibilitar a análise do

texto-fonte, terceira e última etapa.

3. Análise do texto-fonte

Retomando as palavras de Maingueneau (2014), não basta constatar que os

fragmentos foram destacados de um texto, é preciso considerar também como o fragmento

se apresenta no texto-fonte. A análise dos textos-fonte indica se os fragmentos destacados

apresentam algum índice de sobreasseveração ou se, ao serem extraídos, sofreram algum

tipo de modificação etc.

Embora fundamentais para a campanha Nação Bilíngue, salientamos que os vídeos

não compõem o corpus de referência, ou seja, não serão objetos de análise neste trabalho.

Recorremos a eles pura e simplesmente por causa dos textos-fonte, isto é, para sua

transcrição, sem a qual a análise proposta neste trabalho não seria possível.

É preciso observar também que a circulação desses cartazes e banners digitais não

anula a dos vídeos. Em alguns casos, como apontamos no próximo capítulo, eles podem

aparecer próximos, complementando-se.

Tal qual expresso no trecho em epígrafe, fomos estruturando a presente pesquisa de

acordo com as circunstâncias encontradas ao longo do caminho que fizemos — jogando um

pouco com a etimologia da palavra método / METHODOS /, formada a partir da justaposição

das palavras gregas meta e hodos.

Este capítulo teve o objetivo de apresentar a campanha publicitária Nação Bilíngue,

justificar a opção pelo material digital e descrever as etapas metodológicas de coleta dos

dados e de constituição do objeto de estudo. No capítulo seguinte, têm-se a descrição e a

análise do corpus de referência, a partir do que foi exposto anteriormente.

74

CAPÍTULO 4

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

A definition of language is always, implicity or explicity,

a definition of human beings in the world.

(Raymond Williams, 1977)

... bem antes de servir para comunicar,

a linguagem serve para viver.

(Benveniste, 1976/2006)

Nos capítulos precedentes, contextualizamos a pesquisa, apresentamos o quadro

teórico-metodológico que baliza as nossas reflexões e constituímos o objeto de estudo. Neste

capítulo, encontram-se a descrição e a análise do corpus de referência. A fim de acompanhar

o encadeamento da campanha publicitária Nação Bilíngue (sua inter-relação, o que cada fase

tem por objetivo..., tal qual apresentada anteriormente), seguiremos a ordem cronológica dos

lançamentos de cada uma das fases. Sendo assim, inauguramos o capítulo pela Fase 1 —

Manifesto.

75

4.1 A Wizard tem uma missão: transformar o Brasil numa nação bilíngue

Figura 1.

Fonte: Portal Wizard Santa Catarina. Disponível em: http://portalwizardsc.com.br/.

Acesso em: 22/11/2015.

A Figura 1 pertence à Fase 1 — Manifesto, cujo lançamento data 18 de julho de

2014, com abrangência em todo o território brasileiro. É uma das peças mais importantes da

campanha, tanto que há um exemplar exposto na entrada da sede da empresa, em Campinas

— São Paulo (Cf. http://www.wizard.com.br/sobre-wizard/).

Trata-se de um cartaz digital posicionado horizontalmente em um banner rotativo,

isto é, que compartilha o espaço com outros cartazes, destacando-se a cada 10 segundos.

Sobre um fundo cinza claro, aparentando neutralidade, encontram-se os elementos verbais e

não verbais que o constituem.

Na parte superior, da esquerda para o centro, dividido em três linhas, em fonte

tipográfica Calibri Light preta e negritada, encontra-se o enunciado verbal mais saliente

76

A Wizard tem uma missão:

transformar o Brasil

em uma nação bilíngue.

Na parte inferior à esquerda, logo abaixo desse enunciado, tem-se o logotipo da

escola: a silhueta de uma cabeça de águia (alternando entre traços finos e delicados e traços

grossos), nas cores azul e vermelha, tornado para a direita, com o semblante determinado,

concentrado e sério, como se a ave estivesse em pleno voo de caça. Abaixo está grafado o

nome da instituição, “Wizard”, com letras azul escuro, garrafais e italicizadas; e, em seguida,

o slogan “Você Bilíngue”, em azul e tipografia versalete, com o V, de “você”, capitalizado.

Na parte central e inferior do cartaz, à direita do logotipo, tem-se um retângulo azul

em que se lê “SAIBA MAIS” em caixa alta e fonte Calibri branca, que, ao ser clicado,

direciona o(a) internauta para uma página específica do website da escola, onde se pode

obter mais informações sobre a campanha publicitária.

O globo terrestre, estendido na parte central e à direita do cartaz, tem as cores azul

(na parte dos oceanos Atlântico e Pacífico), verde e cinza (nos continentes) e cinza e branca,

variando para colorir as representações de nuvens. A imagem do globo destaca o continente

americano, focando o sul-americano, onde está o Brasil, sobre cujo território e arredores

pairam algumas nuvens e uma sombra nas proximidades (ao leste), como se fosse o fim de

tarde de um dia parcialmente nublado. No lado oposto, esquerdo e superior do globo, onde

se encontram os continentes América Central e a costa leste da América do Norte, há poucas

nuvens e muita luz, como se fosse meio-dia de um dia bem ensolarado. Sobre essa imagem

do globo terrestre, tem-se o conceito da campanha, “#nacaobilingue”, com o sombreado

preto, em letras vermelhas destacadas em negrito — com o tom mais escuro na parte inferior

e mais claro na parte superior. Esse conceito extrapola os limites do globo terrestre e passa

sobre o continente sul-americano.

Numa primeira leitura da Figura 1, pode-se indagar qual seria a outra língua que,

junto com a portuguesa, tornaria o Brasil uma nação bilíngue, visto que a Wizard oferece

cursos em oito idiomas. Embora o enunciado mais saliente não marque verbalmente, é

possível depreender a produção de efeitos de sentido por meio do contexto sócio-histórico e

da integração dos elementos verbais e visuais. Por isso, analisamos cada um desses

elementos e, em seguida, a Figura 1 como uma unidade discursiva. Iniciemos pelo logotipo.

77

O logotipo de uma empresa é sua assinatura e identidade visual, que distingue a

marca das demais. Por tratar-se de uma empresa, o logotipo exerce função semelhante à do

rosto humano (fotografia, busto, desenho...) durante a identificação. O da Wizard é

constituído por três elementos: a silhueta da cabeça da Águia de cabeça branca (Bald Eagle,

em inglês), o nome da instituição e o slogan “Você Bilíngue”.

Ainda que a águia conste na mitologia grega e seja um símbolo em outras grandes

civilizações humanas, o uso pela Wizard está relacionado aos Estados Unidos da América.

Sustentamos esse argumento com base em três evidências: o ensino da língua inglesa é o

principal produto da escola de idiomas Wizard; as cores vermelha e azul do logotipo levam

os mesmos tons de vermelho e azul da bandeira estadunidense; essa espécie de águia —

também conhecida como “águia-americana” — é o animal símbolo dos EUA, país onde

Carlos Martins (fundador e figura mais proeminente da escola) morou, estudou e

desenvolveu-se profissionalmente (vide capítulo 1), e com o qual mantém uma relação bem

próxima, a ponto de visitá-lo periodicamente.

A águia de cabeça branca é símbolo de poder, força, autoridade e coragem. Por ser

muito ágil, precisa e de natureza predatória, é conhecida como a rainha das aves. Ela tem

sua imagem constantemente relacionada a deidade, realeza e liderança, pois sua acuidade

visual lhe permite tanto fitar o sol diretamente quanto localizar a presa à distância, ou seja,

é uma metáfora recorrente nos discursos financeiros, administrativos, econômicos e afins,

que apreciam tais características em seus atores sociais, a ponto de lhes traçar o perfil

baseado nas características da ave, além de estabelecer uma identificação com o estudante

que almeja tais status e posição social (voos altos).

Para algumas culturas norte-americanas, essa águia é reverenciada como o “reflexo

do espírito da nação”, inspirando orgulho e sentimento de liberdade nos seus cidadãos44. Por

conta dessa adoração, sua imagem está presente em prédios públicos, no brasão e em

documentos oficiais dos EUA45. Em tempos de imperialismo norte-americano e hegemonia

neoliberal, sustentamos que a imagem dessa águia representa também o zeitgeist, isto é, o

espírito de nossa época.

44 Bald Eagle. Disponível em: http://www.baldeagleinfo.com/eagle/eagle9.html. Acesso em: 25/01/2017 45 Wikipedia. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Bald_eagle. Acesso em: 25/01/2017.

78

Inferimos, apoiados nesse simbolismo, que a silhueta da cabeça de uma Águia de

Cabeça Branca, no universo Wizard, diz respeito à sua postura empresarial, com seriedade,

paciência e ética, sempre olhando para o futuro (para a frente/direita), mas também que serve

de metáfora para a língua inglesa, a partir da qual o estudante tem acesso a “altos voos”, à

“liberdade”, a uma visão de longo prazo (futuro) que o aprendizado da língua inglesa pode

propiciar, bem como ao intelecto, ao raciocínio, visto que o destaque está na cabeça da ave,

em seu rosto [“(...) no imaginário profundo, a sede do pensamento e de valores

transcendentais” (MAINGUENEAU, 2014, p. 46)].

Completa-se o logotipo com o slogan “Você Bilíngue”, um predicado nominal sem

verbo, constituído de um dêitico e uma oração relativa. Trata-se de uma frase generalizante,

“[...] completa em si mesma e que se esquiva de uma localização temporal ou modal, fora

da subjetividade do locutor” (BENVENISTE, 1966 apud MAINGUENEAU, 2014, p. 29),

ou seja, é uma frase que escapa à órbita textual, destacada par excellence.

Observe-se que o logotipo tem a silhueta da águia voltado para o globo terrestre. O

globo, posicionado do lado direito da Figura 1, também contribui para a produção de efeitos

de sentido. Visto no primeiro capítulo, a globalização atingiu seu ápice nas décadas finais

do século XX, extinguindo boa parte das fronteiras nacionais e integrando as mais diferentes

nações e culturas.

Nesse cenário, o inglês se impôs como a língua comum a todas as nações que se

integram política, econômica e culturalmente. Dessa forma, o apelo, ou melhor, a apologia

ao bilinguismo Português-Inglês em Nação Bilíngue é axiomático, sobretudo porque é

proposto por uma empresa brasileira sob a direção de anglo-saxões, oriundos de um país

cujo idioma é o inglês; logo, inserido no mundo globalizado e especialista no “know-how”.

Repare-se que a presença do globo terrestre no cartaz reafirma a necessidade de se

aprender a Língua Inglesa, construída discursivamente como a chave que abre as portas para

o mundo globalizado ou mesmo como sua aprendizagem é uma espécie de “guardião” das

posições socialmente prestigiadas.

Outro elemento de suma importância no mundo globalizado moderno é a

comunicação via internet, isto é, aplicativos vários e redes sociais, representada pelo

conceito da campanha: #nacaobilingue. Bem como a língua inglesa, a comunicação via

79

internet é utilizada tanto para fins político-econômicos quanto culturais, conectando e

integrando as mais diversas culturas em torno de um objetivo comum. Para ambas, as

fronteiras nacionais estão mais tênues. O mesmo se dá com a noção de espaço-tempo: através

de uma chamada de vídeo, por exemplo, um cidadão no Brasil pode participar de uma

reunião com pessoas que estão em diferentes partes do mundo sem qualquer dificuldade.

A globalização é representada pelo globo terrestre, que evidencia a forte relação

entre a língua inglesa e a comunicação via internet: ambas utilizadas como ferramentas para

conectar, integrar e globalizar culturas e nações. E a “luz”, uma espécie de farol, ascendente

na costa leste da América do Norte, chamando a atenção para a região, pode representar,

metaforicamente, um exemplo a seguir, o “novo”, o caminho “correto” ou “guia”, isto é, o

oposto às trevas: retrógrado, bárbaro, incivilizado.

Para além dessas alegorias, essa claridade evoca a memória discursiva e remete ao

Iluminismo, movimento intelectual do século XVIII em que se preconizava a razão.

Ressalta-se que esse movimento foi um dos alicerces da Declaração de Independência dos

EUA (1776), festejada anualmente nas mais de 1.200 unidades da Wizard.

Por fim, temos o enunciado verbal mais saliente da Figura 1. Em “A Wizard tem

uma missão: transformar o Brasil em uma nação bilíngue”, não se indicam a priori as figuras

correlatas de enunciador e coenunciador. Trata-se de uma sentença. No entanto, pautado por

uma relativa estabilidade do gênero, ainda que o discurso publicitário seja entendido aqui

como mimotópico, a presença do logotipo nos entornos do enunciado indica o locutor.

Num primeiro momento, o logotipo abaixo do enunciado nos leva a inferir que a

Wizard é a instância enunciadora e, de mesmo modo, ainda que vagamente, por se tratar de

uma escola de idiomas, tanto os alunos quanto os potenciais alunos na figura de

coenunciador, visto que a publicidade é uma comunicação de massa. Mas aqui nos

deparamos ainda com outra questão: o enunciado está no plano desembreado.

“A Wizard tem uma missão:” é constituído de uma não pessoa do discurso —

segundo a nomenclatura de Benveniste (1976/2006) — e de um presente não dêitico, o que

não permite determinar o aqui-agora, pois não há ancoragem numa situação de enunciação.

Tal astúcia enunciativa permite ao enunciado ser retomado em qualquer contexto e por

80

qualquer enunciador; ademais, produz também um efeito de verdade/fato, visto que a

proposição não sofre a interferência de uma instância subjetiva.

Note-se que a não ancoragem numa situação de enunciação específica e o caráter

generalizante e sentencioso são características de um enunciado desembreado, mas também

de um regime enunciativo que Maingueneau (2014; 2015) denomina aforizante.

“A Wizard tem uma missão: transformar o Brasil em uma nação bilíngue” é uma

frase sem texto, isto é, um fragmento destacado de um texto que circula com certa autonomia,

pois foi aforizado. A aforização, quando destacada de seu texto original, entra numa lógica

de discurso direto; assim, as aspas desempenham um papel crucial para atestar a real

existência de uma aforização (MAINGUENEAU, 2014). No entanto, esse enunciado é posto

em circulação sem as aspas e tem seu estatuto alçado a uma aforização primária,

precisamente um slogan comercial. Na medida em que o enunciado é alçado à aforização, a

Wizard de enunciadora é alçada à sua aforizadora.

Concebido para ser repetido o máximo possível e conquistar a adesão do Outro, o

slogan se caracteriza por ser uma particitação de grupo e, principalmente, por implicar a

existência de um hiperenunciador que o sustém. Neste caso, por se tratar de um slogan

publicitário, “A Wizard tem uma missão:...” implica a existência de uma marca como

hiperenunciador: a Wizard, a maior escola de idiomas do mundo, cujo lugar de destaque no

cenário educacional brasileiro (ensino de inglês) foi fundamental para que esse slogan

circulasse, como publicidade, em nível “pandêmico”, isto é, simultaneamente em mídias de

comunicação de massa (redes sociais46, televisão, painéis, rádio, jornais, revistas e outdoors)

durante determinado período.

Deve-se observar que, embora esse slogan circule com certo grau de autonomia em

relação ao seu texto-fonte, o vídeo Manifesto igualmente circulou nas mídias de

comunicação de massa, nos horários nobres da televisão e do rádio. Por isso, chamamos

atenção para o fato de a Figura 1 circular em um raio maior que as demais Figuras, pois seu

enunciado apresenta um nível mínimo de alteração, quando comparado ao fragmento-fonte

(retomado mais adiante).

46 Conforme apresentado no capítulo 3. Procedimentos Metodológicos, foram consultadas as três principais

redes sociais: Facebook, Twitter e Youtube.

81

O slogan “A Wizard tem uma missão:...” extrapolou as fronteiras da marca. Pode-

se encontrá-lo em revistas e websites especializados em publicidade e propaganda, jornais

de grande e média circulação, tema de blogs pessoais e de discussões em fóruns online etc.,

mas sobretudo em publicações da própria escola de idiomas nas suas páginas digitais (blogs,

websites, redes sociais...), as quais são comentadas e/ou compartilhadas por milhares de

internautas, amplificando a circulação do enunciado.

À medida que o slogan viraliza, convocam-se novos membros a aderir à missão de

implantar o bilinguismo no Brasil. Esse posicionamento está em consonância com um tema

bastante atual para os brasileiros: saber se comunicar em inglês. Tema esse que, inclusive, é

diariamente fomentado pela avalanche publicística de institutos/escolas de idiomas, que

frisam e martelam a todo momento o quão essencial é o inglês, a língua da globalização e

das posições socialmente prestigiadas. Nesse sentido, destaca-se a influência da publicidade

na sociedade e sua correlação com a demanda pelo idioma.

A Wizard se coloca como o agente da missão de “transformar”, bem como a

instância que tanto legitima o enunciar do slogan quanto determina os valores éticos, um

modo de os membros da comunidade discursiva habitar o mundo. Maingueneau (2014, p.

77-78) afirma que os valores atribuídos ao hiperenunciador “não podem mascarar totalmente

as finalidades puramente mercantis que são sua condição de existência” e que, por isso, as

empresas lançam mão de “estratégias” enunciativas nos seus textos publicitários com vistas

a “eufemizar esse vício original”.

Sobressai-se, então, a mimotopia do discurso publicitário. Enquanto uma empresa,

a Wizard está inscrita numa esfera da atividade humana: a educação privada, cuja finalidade

é o lucro, seu meio de sobrevivência. Para legitimar o enunciado comercial e atenuar seus

fins, “A Wizard tem uma missão...” se passa por um slogan militante, posicionando-se em

prol do desenvolvimento da nação por meio da implementação da língua inglesa.

Caso não houvesse ou fosse substituído o nome “Wizard”, esse enunciado simularia

facilmente um slogan de uma nação indígena, por exemplo, que reivindica seu lugar na

história do país. Repare-se também que, diferentemente da grande maioria dos textos

publicitários, o slogan ora analisado não recorre à função conativa (apelativa), os

tradicionais verbos no modo imperativo, relacionados à venda (compre, peça, tenha, use,

seja...). Em outras palavras, ele simula ser uma não publicidade.

82

Nesse processo de metamorfose, o slogan comercial mobilizou, através de uma rede

interdiscursiva, outros discursos além do pedagógico/educacional e do corporativo/

empresarial, como o político, jurídico, cultural etc., pois é sabido que um discurso nunca se

encontra isolado, mas na relação com outro(s) discurso(s).

Ao imitar um slogan militante, favorável à educação, pode-se, numa primeira

leitura, crer que a missão de transformar o Brasil em uma nação bilíngue deve-se ao fato de

o sistema educacional brasileiro, sobretudo o público, estar entre os piores nos rankings

internacionais. Assim, a melhora da educação daria uma guinada na economia do país (em

desenvolvimento), visto que os países desenvolvidos apresentam altos índices de fluência

em língua inglesa.

De fato, o domínio dessa língua está entre as premissas básicas para se conseguir

uma posição prestigiada no mercado de trabalho nacional. Entretanto, mesmo que o slogan

simule ser uma não publicidade, a constituição mesma da Figura 1 (um cartaz publicitário

com elementos que identificam a marca) estabelece uma relação diferente com o

coenunciador, ainda que sutilmente.

Trata-se de uma asserção: para inserir-se no mundo globalizado, o Brasil precisa

melhorar seus índices de fluência em inglês; um caminho é adotar o idioma como sua

segunda língua, estreitando as relações com os países desenvolvidos. Nesse quesito, a

Wizard tem a “missão” (corporativa) de transformá-lo, ou seja, a empresa está disposta a

“ajudar” o país com a prestação de seus serviços. O efeito de sentido de “benfeitoria” logo

esmorece, quando confrontado com o contexto sócio-histórico.

Essa missão de transformar o Brasil implica também questões de outra ordem, por

exemplo: quem se beneficia(ria) com essa transformação e a que custo?

Ancorada no momento histórico de hegemonia neoliberal, isto é, em que as

sociedades estão cada vez mais submetidas à batuta do maestro Mercado, a reflexão acima

desvela que não se trata apenas da finalidade “puramente mercantil”. Vai além. Implica uma

série de mudanças sociais que, em última análise, resulta em expansão de poder para

determinado(s) grupo(s). Subjacente à aparente preocupação com o futuro da educação e

com o desenvolvimento do Brasil, encontra-se um movimento expansivista de um nicho

83

mercadológico bilionário do ensino de língua inglesa47, do qual o conglomerado britânico

Pearson é o líder mundial.

Para isso, o enunciador faz mais do que persuadir pelos argumentos; ele explora o

seu mundo ético, o seu modo de dizer, que também é um modo de ser, de habitar o mundo,

para que o coenunciador possa aderir ao seu posicionamento.

Em “A Wizard tem uma missão: transformar o Brasil em uma nação bilíngue”,

depreende-se uma vocalidade, manifesta por meio de alguns tons: assumir uma missão dessa

magnitude exige do enunciador coragem, determinação, compromisso e planejamento, uma

vez que tal missão não se encerra em algo trivial. Some-se a isso a simbologia da águia,

apresentada anteriormente: natureza de predador, constantemente relacionada à deidade,

realeza e sagacidade.

A enunciação desse slogan confirma o ethos pré-discursivo da Wizard, isto é, sua

representação prévia de uma empresa grandiosa, eficiente, engajada e vencedora, que

superou sua concorrência, conquistando a liderança do mercado de ensino de inglês e,

sobretudo, por estar vinculada a uma realeza imperial (os britânicos da Pearson).

Tais características conferem ao fiador do texto uma corporalidade (robustez,

grandiosidade) e um caráter (competitivo, determinado, corajoso) que se relacionam ao

mundo ético dos sagazes homens de negócios, que prezam a excelência, a novidade e que

devem estar sempre atentos, em busca de novos desafios (missões e transformações).

Desse modo, a incorporação do coenunciador, que visa a atingir esse status social

por meio do aprendizado da língua inglesa, ocorre porque o fiador dá acesso a esse mundo

ético dos homens de negócios, com base em estereótipos validados e amplamente divulgados

nas publicidades de institutos/escolas de inglês: “o profissional fluente em inglês tem o

salário maior...”, entre outros, discutidos ao longo deste capítulo.

47 Quando da aquisição do Grupo Multi (Wizard, Yazigi, Skill, Microlins...) pelos britânicos da Pearson, em

2013, dizia-se que o Brasil era o 4º maior mercado para o idioma inglês no mundo: avaliado em R$ 7 bilhões

por ano, num total de 2,8 milhões de estudantes, com uma demanda crescente, conforme o país se preparava

para sediar os eventos esportivos internacionais, como a Copa do Mundo 2014 e as Olímpiadas 2016. Cf.

Reuters Brasil. 03/12/2013. Disponível em:

http://br.reuters.com/article/businessNews/idBRSPE9B200420131203?sp=true.

84

Se, até o momento, mostramos que o slogan da Figura 1 foi destacado de um texto-

fonte, circulou por diversos mídiuns e gêneros de discurso etc., faz-se necessário analisar de

onde esse enunciado foi extraído, ou seja, o seu texto original (vídeo Manifesto).

Só a maior escola de idiomas do Brasil, presente em 5 países, com uma metodologia

exclusiva voltada ao perfil de cada aluno, pode te levar aonde você sonha chegar. Sabendo

do tamanho desse sonho, [1 e 2] a Wizard tem uma missão: transformar o Brasil em uma

nação bilíngue. [3] Acreditamos tanto nisso, que em dois anos de curso você conquista um

certificado internacional ou a Wizard oferece aulas gratuitas para você chegar lá. Só quem

confia tanto na própria metodologia e no sonho de um Brasil melhor pode selar um

compromisso do tamanho de uma nação. WIZARD, por uma nação bilíngue.48

Ao analisar o texto-fonte, nota-se que o enunciado “A Wizard tem uma missão:

transformar o Brasil em uma nação bilíngue” é um fragmento sobreasseverado, pois

corresponde a, no mínimo, duas das marcas discutidas anteriormente: é autônomo, tem valor

generalizante e é introduzido por uma retomada categorizante (“Sabendo do tamanho desse

sonho”). Além desses índices de destacabilidade, é um enunciado pregnante, cujo caráter

sentencioso condensa a ideologia e sintetiza o objetivo da campanha publicitária. Em outras

palavras, é um fragmento que “constitui uma tomada de posição do enunciador sobre uma

questão polêmica” (MAINGUENEAU, 2014, p. 15).

Em relação ao tipo de destacamento, nota-se que o enunciado destacado se dá em

uma peça avulsa, cuja circulação é independente da do texto-fonte, ao qual o leitor não tem

acesso de imediato, pois está disponível num vídeo específico, noutra plataforma. Assim, a

menos que o leitor/internauta se proponha a investigar o enunciado para fins específicos,

raramente se encontram juntos o texto-fonte e a Figura 1.

Por essa razão, mesmo que a Figura 1 esteja numa lógica de “gancho” ou manchete

da imprensa, isto é, mesmo que seja breve e sedutor o suficiente para atrair a atenção ou o

clique do internauta e convencê-lo a acessar o website da Wizard para mais informações

48 Wizard Nação Bilíngue. Manifesto. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=i9e-j_GDzUk.

Acesso em: 22/11/2015.

OBSERVAÇÃO: o texto ora transcrito, sem nenhum dígrafo (marca de transcrição), refere-se ao vídeo-

disparador da Fase 1 — Manifesto, conforme descrevemos no capítulo anterior. Este é o texto-fonte das Figuras

1, 2 e 3. Os números entre colchetes [1, 2 e 3] indicam o fragmento referente à Figura em análise. Com isso,

evitamos a retomada do texto-fonte durante a análise das Figuras 2 e 3, que são da mesma fase.

85

sobre a campanha, podemos inferir que se trata de um destacamento forte, já que implica

uma, mesmo que breve, pesquisa por parte do internauta.

Quanto às alterações, ao comparar o fragmento-fonte com o destacado, nota-se que

o nível de modificação é mínimo, e justificado. Maingueneau (2014) observa que quando os

enunciados destacados decorrem de fragmentos fortemente sobreasseverados, as alterações

tendem a ser menos importantes. No texto-fonte, “A Wizard tem uma missão...” é precedido

da retomada causativa “Sabendo do tamanho desse sonho,” e está posposto a uma vírgula.

Nesses casos, é natural a supressão da retomada, sobretudo em textos publicitários, dadas

suas coerções espaciotemporais. Quanto à capitalização do determinante a, justifica-se

porque inicia um período, obedecendo às normas gramaticais da Língua Portuguesa, que

preconizam letra maiúscula em início de frases.

86

4.2 Temos uma MISSÃO: transformar o BRASIL

Figura 2.

Fonte: Wizard Maringá. Disponível em: http://wizardmaringa.com.br/nacao-bilingue/.

Acesso em: 22/11/2015.

A Figura 2 pertence à Fase 1 — Manifesto, lançada em 18 de julho de 2014, com

abrangência em todo o território brasileiro. Sua importância para o corpus se dá pelos

discursos acionados em sua composição.

Trata-se de um cartaz digital posicionado horizontalmente na parte superior do

website da unidade Wizard Maringá (interior do estado do Paraná) onde o(a) internauta

interessado(a) preenche um formulário para se matricular (e ganhar 20% de desconto) no

curso. Vale mencionar que acima desse cartaz encontra-se, em caixa alta, o enunciado “SÓ

A MAIOR ESCOLA DE IDIOMAS DO BRASIL, PRESENTE EM 5 PAÍSES, COM UMA

METODOLOGIA EXCLUSIVA E EFICIENTE49 VOLTADA AO PERFIL DE CADA

49 A título de informação, perceba-se a inserção de “E EFICIENTE” no enunciado, quando comparado ao texto-

fonte (vídeo Manifesto).

87

ALUNO, PODE TE LEVAR AONDE VOCÊ SONHA CHEGAR”. E, após o formulário,

ou seja, na parte inferior da página, encontra-se o vídeo Manifesto, o disparador da fase

homônima, com a legenda “CONFIRA O FILME DA CAMPANHA”.

A Figura 2 é uma fotografia colorida do Morro do Corcovado, um dos pontos

turísticos mais famosos do mundo, mas principalmente o ponto mais famoso do Rio de

Janeiro, porque comporta o maior símbolo do cristianismo no Brasil: o Cristo Redentor. A

foto, batida à distância, enquadra também as montanhas ao redor do Morro e o pôr-do-sol na

Cidade Maravilhosa. Por ter sido batida contra o Sol, a fotografia captura a imagem de Cristo

e do Morro no escuro; seu foco inclinado — o ponto de vista do(a) fotógrafo(a) é o de alguém

em nível inferior —, de baixo “olhando” para o alto, buscando a imagem cristã situada no

cume do Morro, o que produz o efeito de sentido de que há uma distância a percorrer, mas

que o objetivo é visível e, portanto, tangível. À direita da imagem cristã, contam-se algumas

antenas grandes, sincretismo da natureza e da ação humana. Em primeiro plano sobre a

paisagem retratada, uma imagem simultaneamente bucólica e citadina, encontram-se os

elementos verbais e visuais que constituem a figura.

Na parte superior, da esquerda para o centro, dividido em duas linhas desalinhadas,

em fonte tipográfica Calibri Light (em negrito) azul e vermelha, está o enunciado verbal

mais saliente:

Temos uma (em azul) MISSÃO: (em vermelho)

transformar o BRASIL (em azul)

logo abaixo desse enunciado, tem-se o globo terrestre e o conceito da campanha:

#nacaobilingue (previamente descritos e analisados na Figura 1).

Do centro para a direta da imagem, precisamente na base do Morro do Corcovado,

está um retângulo de margens brancas, onde se lê, no modo imperativo, “FAÇA PARTE

DESSA NAÇÃO”, em fonte Calibri em caixa alta, branca e negritada.

É sugestiva a localização do enunciado “FAÇA PARTE DESSA NAÇÃO”, pois

está no sopé do Morro, representando visualmente que o(a) estudante comece por baixo —

o primeiro passo é matricular-se em um curso de inglês na Wizard, que lhe auxilia nessa

caminhada — e vá subindo gradativamente até alcançar o cume/sucesso.

88

Nesse sentido, é perceptível o apelo à figura onipotente de Cristo, no alto e de

braços abertos, enquanto o cidadão olha em direção ao céu, onde Ele está. Logo se estabelece

a relação do Salvador (em nível superior) e o humano (em nível inferior), rogando por

redenção, possível somente através do Messias. Estamos aqui diante de uma cena validada50

e legitimada em culturas cristãs.

A imagem de Jesus Cristo no topo de uma montanha evoca, consequentemente, um

dos discursos mais emblemáticos do Novo Testamento, narrado pelo evangelista Mateus

(capítulos 5-7): o Sermão da Montanha. Em linhas gerais, dirigindo-se aos seus discípulos,

Cristo discorre sobre seus ensinamentos (moral, padrões de comportamento etc.), um estilo

de vida capaz de conduzir o ser-humano ao Reino de Deus.

Aproveitando essa simbologia cristã fortemente marcada na Figura (e nada

fortuita), podemos estendê-la ao papel de “messias” que o idioma inglês tem desempenhado

nas últimas décadas no Brasil, isto é, falar inglês tem sido alçado como o principal meio de

ser bem-sucedido pessoal e profissionalmente, segundo a publicidade de institutos/escolas

de idiomas, como a campanha Nação Bilíngue, por exemplo.

Essa conexão entre inglês e religião, cristianismo mais exatamente, remete-nos

tanto às origens da própria escola de idiomas Wizard (quando seu fundador regressou ao

Brasil após participar de duas missões evangelizadoras capitaneadas por uma igreja norte-

americana) quanto ao expansionismo do império britânico e, mormente, de sua língua. Não

por acaso, o povo inglês tem como padroeiro uma das mais estimadas personagens do

cristianismo: o guerreiro São Jorge51. Em analogia ao seu mito mais famoso, podemos

associar a Inglaterra a São Jorge e o “dragão” a tudo que não é europeu, destacando-se a

missão assumida pela Grã-Bretanha de civilizar (“salvar”) o mundo.

Como salientado em Pennycook e Coutand-Marin (2003), Pennycook e Makoni

(2005), dentre outros, congregar língua inglesa e religião tem se mostrado uma tarefa

triunfante, pois em muitas partes do mundo o inglês ainda funciona como uma “língua

50 Aqui adotamos o conceito de Maingueneau (2013), que as define como cenas “... já instaladas na memória

discursiva coletiva”, estereotipadas tanto positiva quanto negativamente e que estão “disponíveis para

reinvestimentos em outros textos” (p. 102). 51 “Quem é o Santo Padroeiro da Inglaterra?” Disponível em: http://molhoingles.com/sao-jorge-padroieiro-da-

inglaterra/. Acesso em: 05/08/2017.

89

missionária”, isto é, como um instrumento de catequização: torna-se bilíngue (vernáculo e

inglês) convertendo-se ao cristianismo e torna-se cristão aprendendo inglês.

No Brasil, um país de predominância cristã (herança do colonialismo português),

essa “conversão” não se refere propriamente à religião, mas a um estilo de vida, a um status

social de prestígio e poder que, crê-se, o domínio da língua inglesa pode proporcionar aos

seus falantes. Dito de outro modo, seja “vinde a mim, todos os que estais cansados e

oprimidos, e eu vos aliviarei” (MATEUS, 11, 28), seja “FAÇA PARTE DESSA NAÇÃO”,

está-se diante de um chamado, de uma convocação, caso se almeje redenção/sucesso.

Tal convocação ocorre em dois planos: no visual (forte referência ao discurso

religioso); e no verbal, o enunciado mais saliente da Figura 2, no qual se lê “Temos uma

MISSÃO: transformar o BRASIL”. A priori, esse enunciado chama a atenção pela sua

ambiguidade, que provoca no leitor um esforço mental na tentativa de depreender os efeitos

de sentido da mensagem.

Observe-se que, num primeiro momento, não fica claro a quem se dirige esse nós

de “Temos” (nós da Wizard-Pearson? nós brasileiros? nós estrangeiros? nós quem

exatamente?); nem fica claro em que ou como “transformar o Brasil”.

Nesse caso, alguns indícios auxiliam a compreensão do enunciado: a falta de

pontuação no final da frase; a correlação do verbal e visual — globo terrestre nas suas

adjacências; e a falta de menção à Wizard na Figura 2.

Embora composto em estilo telegráfico, o complemento de “transformar o

BRASIL” é “#nacaobilingue”, o conceito da campanha e a tag da comunidade discursiva

We Are Wizard52. O conceito exerce dupla função no enunciado, pois é associado também

aos coenunciadores em (Wizard e quem adere à marca: nós) “Temos uma MISSÃO”. Essa

leitura é possível a partir do texto-fonte, onde o fragmento original indica a Wizard como a

instância que assume tal missão e, ao mesmo tempo, a falta de menção à escola de idiomas

na figura.

52 A comunidade discursiva We Are Wizard é constituída pela escola de idiomas, seus alunos e simpatizantes,

que interagem internamente (aulas, eventos organizados pela escola...) e digitalmente por meio de

#nacaobilingue, seja comentando seja compartilhando algum conteúdo de seu interesse. Na página institucional

da Wizard, há uma aba exclusiva: http://www.wizard.com.br/nacaobilingue/.

90

Importante observar que, mesmo não pertencendo à comunidade We are Wizard, o

internauta é interpelado a se posicionar, dado o tom convocatório ao patriotismo do

enunciado, induzido por outros discursos e corroborado pelo léxico “missão”, e também

porque o nós, em “Temos”, busca estabelecer identificação e cumplicidade com o leitor.

Conforme mencionamos, “Temos uma MISSÃO: transformar o BRASIL

#nacaobilingue” é um enunciado embreado, cujo “nós” refere-se a um eu expandido, ou seja,

a um enunciador coletivo. Perceba-se ainda que não é possível apreender a situação de

enunciação, o que reitera suas características de um fragmento destacado de um texto, uma

frase sem texto. Trata-se da alteração de “A Wizard tem uma missão: transformar o Brasil

em uma nação bilíngue”. Antes de refletir sobre as modificações e seus efeitos de sentido, é

necessário averiguar o tipo de destacamento.

A Figura 2 circula num website da Wizard, numa página onde o(a) internauta insere

seus dados pessoais para matricular-se. Mencionado na descrição acima, essa peça está

disponível na mesma página virtual em que o vídeo Manifesto. O enunciado destacado está,

então, nas proximidades do seu texto-fonte, o que nos levaria a caracterizá-lo como um

destacamento fraco.

No entanto, deve-se considerar que a Figura 2 tem autossuficiência de conteúdo e,

por isso, circula com autonomia; inclusive, poucos a associariam ao vídeo, dadas as

alterações e por estar noutro suporte. Assim, não se pode caracterizar o enunciado de

destacamento forte, porque ele está nas imediações do texto-fonte, tampouco de

destacamento fraco, pois seu estatuto pragmático não comporta tal definição, por distinguir-

se de uma manchete, por exemplo, que o texto-fonte complementa o sentido do trecho alçado

a título/subtítulo. Ademais, são raras as ocorrências de cartaz e vídeo no mesmo ambiente.

Ciente das complicações, penso ser razoável a adoção de uma categoria meio-

termo, nem fraco nem forte, um destacamento “médio” para a Figura 2, pois a página onde

ela está hospedada pode ser cancelada ou ter o layout alterado a qualquer momento — já que

no universo digital as estruturas são efêmeras, modificando-se frequentemente para atrair os

acessos — e a Figura 2 pode “recuperar” seu estatuto de destacamento forte. Vale ponderar.

As reflexões sobre o tipo de destacamento do fragmento conduzem às alterações realizadas

no enunciado, dada a sua vinculação teórica.

91

No texto-fonte (vide Figura 1), lê-se “Sabendo do tamanho desse sonho, a Wizard

tem uma missão: transformar o Brasil em uma nação bilíngue”. Ao analisar um

destacamento num jornal francês, Maingueneau (2014) constata que as alterações tendem a

ser mais notáveis em caso de destacamento fraco, pois o leitor tem sob seus olhos o texto-

fonte. Se por ventura aceitássemos que “Temos uma MISSÃO:” é um destacamento fraco,

as alterações estariam teoricamente justificadas.

Contudo, acreditamos que elas dizem respeito a um modo de inscrição numa

comunidade. Tal qual um provérbio ou adágio, o enunciado em questão implica sujeitos

pertencentes a uma mesma comunidade discursiva, por isso, dispensa-se a nomeação dos

envolvidos na “missão”, visto que ela é de e compartilhada por todos os membros: pertence

ao seu thesaurus verbal e é indissociável da comunidade We Are Wizard.

Note-se que não há menção à Wizard nessa figura, porque o enunciador pressupõe

pragmaticamente que o coenunciador seja um membro. O slogan “Temos uma MISSÃO:...”

não apenas ressalta de quem e qual é essa missão (unindo-os em torno de um objetivo

comum), como também evidencia que pode e deve ser particitado pelos membros,

reafirmando o seu pertencimento à comunidade e agindo conforme esse pertencimento. A

instância maior, que legitima e valida o enunciar desse slogan e outras práticas, é aqui

tomada como o hiperenunciador: a marca Wizard.

Após ser destacado e modificado, o enunciado principal assume o estatuto de slogan

publicitário (aforização primária), concebido para ser retomado o máximo possível pelos

particitadores. Neste caso, em que o enunciado recorre aos discursos religioso e militar

(patriótico, ufanista), o termo slogan atinge seu paroxismo: segundo informa o Online

Etymology Dictionary53, “slogan” é uma variação do anglicismo “slogorn”, derivado do

termo irlandês e escocês-gaélico sluagh-ghairm (“grito de guerra”), utilizado pelos antigos

clãs daquela região para a preservação de seus grupos (familiares) durante as batalhas.

Buscando se impor legitimamente, o grito de guerra “Temos uma MISSÃO:...”

mimetiza um slogan militante (a favor da pátria “MISSÃO: transformar o Brasil”), o que

não passa de uma estratégia enunciativa para amenizar sua finalidade mercantil, embora essa

53 Online Etymology Dictionary. Disponível em:

http://www.etymonline.com/index.php?allowed_in_frame=0&search=slogan. Acesso em: 21/05/2016.

92

finalidade, como procuramos demonstrar na Figura 1, esteja intrinsecamente ligada a outras

esferas e problemáticas.

Observe-se que esse slogan tem por função unir os membros particitadores e

reafirmar o objetivo comum, privilegiando a escola de idiomas Wizard como a instância

hiperenunciador, cujo lugar de destaque no cenário educacional brasileiro corrobora para

que, por meio da publicidade, o enunciado circule. Discutido anteriormente, este slogan

circulou durante o mesmo período que o vídeo Manifesto, complementando-se.

Diferentemente da Figura anterior, esta tem sua circulação focada nos espaços

institucionais da Wizard (unidades, websites, redes sociais...), ou seja, “Temos uma

MISSÃO: transformar o BRASIL #nacaobilingue” dirige-se, a priori, para quem já é

membro de We Are Wizard ou simpatizante. Por isso, não há menção à escola de idiomas,

que fala com e entre os seus pares54.

Conforme abordamos no Capítulo 1, a expansão global da Língua Inglesa,

capitaneada por Reino Unido e EUA, implica conflitos constantes com línguas e culturas

locais. Nesse sentido, destacam-se as cores azul e vermelha — emblemáticas tanto da Wizard

quanto das bandeiras dos EUA e Reino Unido — e o apelo à imagem de Cristo utilizados na

composição artística da Figura 2, materialidade linguística que reitera quem se beneficia(ria)

com a transformação proclamada no slogan.

Retomemos sumariamente as reflexões em torno do globo terrestre (Figura 1). A

“luz” ascendente nas imediações da costa leste da América do Norte no globo pode ser uma

metáfora para o “alvo”, o “novo/moderno”, o caminho “correto”, o “modelo” de democracia,

civilização e liberdade a seguir, já que se trata de uma região reconhecida mundialmente

pelo seu desenvolvimento e pela sua modernização.

Spurr (1993 citado em PENNYCOOK, 1998, p. 55) sugere que a ideologia do

moderno tenha substituído a ideologia do civilizado — que justificou as colonizações

europeias (sendo a britânica a mais expressiva) até o século XX —, isto é, mesmo com a

substituição do termo, ainda é um sistema de valores que classifica (e subjuga) as sociedades

humanas de acordo com seu avanço tecnológico e sua organização política. Diante da sanha

54 Vale mencionar que, em alguns anúncios em revistas e jornais, o slogan “Temos uma MISSÃO:...” circulou

no mesmo cartaz publicitário que o slogan “Em 2 anos de curso, certificado internacional ou aulas gratuitas

para vocês chegar lá.”, que será analisado na Figura 3.

93

das nações industrializadas de exportar sua modernidade para os países em estágio de

(sub)desenvolvimento no final do século XX, o sociólogo britânico Anthony Giddens (1990,

p. 63) pondera: “A modernidade é inerentemente globalizante”.

Nesse sentido, o slogan “Temos uma MISSÃO: transformar o BRASIL” vai ao

encontro da ideologia segundo a qual Reino Unido e EUA têm a “missão de

civilizar/modernizar” os países em desenvolvimento, impondo a língua inglesa como forma

de abertura a e inserção no mundo globalizado e moderno.

O emprego de (nós) “Temos...” no enunciado sugere o efeito de coletividade e

comprometimento, isto é, uma missão que desperta o senso patriótico/ufanista que conduzirá

a uma transformação mútua e favorável a todos igualmente. No entanto, esse significado é

contestado pela característica impositiva/autoritária do slogan, que nos leva a inferir ser uma

ordem, vinda de uma instância superior (imperador, general, líder...).

Por tratar-se de uma particitação, sua enunciação implica um hiperenunciador pelo

qual se transmite a ordem de “transformar o Brasil”. O tom firme e autoritário do enunciado

nos permite depreender um fiador com um traço psicológico de um patriota determinado a

lutar pela nação, com uma corporalidade de membro (soldado) devoto. Essa representação

do fiador dá autoridade à proposição e faz com que o coenunciador incorpore, isto é,

identifique-se e participe do mundo ético de We Are Wizard — uma comunidade engajada

—, construída durante a enunciação, que afirma ser possível a transformação do Brasil em

uma nação bilíngue, a fim de civilizá-lo/modernizá-lo.

94

4.3 Certificado internacional em dois anos de curso

Figura 3.

Fonte: Wizard Maringá Disponível em: http://wizardmaringa.com.br/toeic-2/.

Acesso em: 22/11/2015

A Figura 3 faz parte da Fase 1 — Manifesto, lançada em 18 de julho de 2014, com

abrangência em todo o território nacional. Sua escolha deve-se ao tema “mercantilização da

educação” e por ser um prelúdio à Fase 2 — Entrega Resultados.

Trata-se de um cartaz digital posicionado horizontalmente na parte superior do

website da unidade Wizard Maringá (interior do estado do Paraná), página que o(a)

internauta acessa para obter informações detalhadas sobre o certificado internacional

TOEIC55, realçado em vários textos da campanha Nação Bilíngue. Abaixo desse cartaz,

como uma espécie de legenda, encontra-se, dividido em três linhas, em letras maiúsculas e

55 TOEIC é um acrônimo de Test Of English for International Communication (Teste de Inglês para

Comunicação Internacional, em português), é um teste internacional que avalia a proficiência em língua inglesa

de quem não tem o inglês como língua materna.

95

centralizado, o enunciado: “A WIZARD, ALÉM DE SER APLICADORA DO TOEIC, É

RECORDISTA NA PONTUAÇÃO ALCANÇADA PELOS SEUS ALUNOS. VOCÊ VAI

DEIXAR O TOEIC DE FORA DO SEU CURRÍCULO?

A Figura 3 é composta por uma fotografia dividida em dois lados. À esquerda,

encontra-se a imagem de um prédio de arquitetura arrojada, com concreto à vista na parte

superior e na inferior há um jardim com plantas à meia altura, cercado de grades. Do lado

direito da imagem, tem-se, na parte superior, uma claridade, como se a fotografia fosse batida

contra o Sol, ofuscando a visão.

Do lado esquerdo, há três jovens adultos sorridentes em fila: em primeiro plano, um

homem caucasiano, cabelos louros e penteado da moda, trajando uma camiseta laranja com

uma mochila preta nas costas; ao seu lado, em segundo plano, há uma jovem negra, cabelos

caracolados, trajando uma camisa xadrez azul e branca, portando alguns livros nos braços;

atrás dela, em terceiro plano, há uma jovem caucasiana, cabelos pretos e lisos, trajando uma

camiseta branca com listras laranjas e azuis, com uma bolsa pendurada no ombro esquerdo

e portando alguns livros também. Os três jovens sorriem e olham para a câmera. Devido aos

elementos presentes na imagem (prédio com jardim cercado de grades, jovens com roupas

informais, livros e mochila...), infere-se que no prédio funciona uma escola, onde os três

jovens provavelmente estudam e, pela claridade da luz solar, estão em intervalo ou horário

de saída, por volta do meio-dia.

Do lado direito (“na claridade”), têm-se, em destaque, o globo terrestre e o conceito

da campanha: #nacaobilingue (ambos descritos e analisados na Figura 1). Abaixo do globo,

encontra-se, dividido em quatro linhas, fonte tipográfica Calibri nas cores azul e vermelha,

alinhado à esquerda, o enunciado verbal

Em 2 anos de curso, (em azul)

CERTIFICADO INTERNACIONAL (em vermelho)

ou aulas (em azul) GRATUITAS (em vermelho)

para você chegar lá. (em azul)

96

Na parte inferior, à direita, tem-se o logotipo da Wizard — a silhueta da cabeça de uma

águia, nome da instituição e slogan “Você Bilíngue” (descrito e analisado na Figura 1), onde

geralmente o locutor assina/carimba a mensagem.

Antes de prosseguirmos com a análise da Figura 3, são necessárias algumas

considerações prévias a respeito da página em que ela está hospedada, que auxiliam na

compreensão do cartaz.

Nessa página, a Wizard informa o que é e como se obtém o TOEIC, explica os

detalhes do teste e exibe a média de pontuação (valorizando a eficiência da escola). Nesse

interim, a escola de idiomas condiciona a importância do certificado TOEIC ao mercado de

trabalho, quando elenca as empresas transnacionais que o exigem de seus funcionários.

Observe-se que, na própria legenda (descrita acima), a escola já enviesa o olhar do

internauta ao questioná-lo retoricamente: “VOCÊ VAI DEIXAR O TOEIC DE FORA DO

SEU CURRÍCULO”? Em seguida, argumenta que “(...) o certificado TOEIC objetiva avaliar

as condições de cada aluno para se desenvolver no mercado de trabalho”; e, mais adiante,

que o “TOEIC é uma das principais exigências de empresas do mundo inteiro e em

consultorias de recursos humanos” (ênfase acrescida).

Nos fragmentos citados, verbaliza-se tanto a língua inglesa na condição de

“guardião” das posições de prestígio social na contemporaneidade, quanto o seu ensino-

aprendizagem com vistas quase que exclusivamente para o mercado de trabalho.

Encontra-se, nessa contextualização, o enunciado “Em 2 anos de curso,

CERTIFICADO INTERNACIONAL ou aulas GRATUITAS para você chegar lá”. Trata-

se de uma proposição no plano embreado, enunciado pela Wizard — atestado pelo seu

logotipo subscrito — para um “você”. Esse dêitico destaca-se pelo seu caráter

concomitantemente individualizante e generalizante, pois se dirige a todo e qualquer

internauta que estiver lendo o enunciado. Ademais, produz o efeito de sentido de

proximidade, exclusividade, isto é, como se o enunciado fosse feito “sob medida” para você

(todo e qualquer leitor).

Depreende-se também um dêitico temporal “Em 2 anos de curso...”, o qual,

conforme explicitado anteriormente, toma como data-base julho de 2014 (lançamento de

97

Nação Bilíngue), ou seja, o(a) estudante que se matriculou em 2014, conquistou o certificado

internacional TOEIC em 2016.

Em relação ao “chegar lá”, este não se constitui como um dêitico espacial, pois é

uma anáfora metafórica/figurativa, cujo referente é “certificado internacional”, ou seja, diz

respeito ao percurso entre se matricular no curso e conquistar o TOIEC. Não se trata,

portanto, de uma oposição ao aqui/este lugar da enunciação, que aliás nem é mencionado.

Além desses dêiticos, o emprego do numeral cardinal “2” e a sintaxe do enunciado

colaboram na produção de efeitos de sentido. O numeral, neste caso, não só facilita a leitura

e economiza caracteres, como também tem poder de persuasão, pois serve de argumento

baseado na precisão (em exatos 2 anos de curso) e na economia (“reduz” a quantidade: não

são 730 dias nem 24 meses, são “apenas” 2 anos de curso); recorre-se ao discurso científico,

precisamente ao matemático, como argumento de autoridade.

Topicalizar “Em 2 anos de curso” é enfatizar esse circunstancial de tempo. Tal

recurso enunciativo tem sua razão de ser. Devido à sua extensão, o enunciado foi destacado

com algumas alterações, quando comparado ao fragmento-fonte:

Acreditamos tanto nisso, que em dois anos de curso você conquista um certificado

internacional ou a Wizard oferece aulas gratuitas para você chegar lá.

Foram suprimidos os seguintes trechos entre colchetes: “[Acreditamos tanto nisso,

que] em 2 anos de curso, [você conquista um] certificado internacional ou [a Wizard

oferece] aulas gratuitas para você chegar lá”; e o “E” que inicia o período foi capitalizado,

segundo regras gramaticais da Língua Portuguesa.

Tais modificações no enunciado são dinâmicas em dois níveis interligados: no

textual, visam a adequá-lo ao gênero de discurso cartaz digital, transformando seu estilo de

prolixo em telegráfico, ainda assim salientando os signos linguísticos mais relevantes; no

discursivo, visam a adequá-lo segundo valores predominantes do momento histórico e de

um perfil. O público-alvo da Wizard (crianças e jovens adultos — vide campanha Nação

Bilíngue) pertence basicamente às Gerações Y (ou Geração do Milênio) e Z.

É uma juventude que tem como principais características a conectividade a

tecnologias e redes sociais (relações mediadas virtualmente), o fácil acesso a informações,

98

aptidão para multitarefas, a efemeridade em relacionamentos interpessoais e no trato com

objetos (uma geração “desapegada”), mas, sobretudo, é uma juventude que deseja realizar

os sonhos o quanto antes, que quer e gosta de resultados rápidos, imediatos, incluindo aí a

ascensão profissional56. Ao enfatizar “Em 2 anos de curso”, o enunciado adquire um status

bastante persuasivo e instigante para esses jovens “Time is Money”, ‘sem tempo a perder’,

pois está de acordo com os valores visados.

Consequentemente, essas alterações no enunciado influenciam a sua produção de

efeitos de sentido. No texto original, tem-se

Acreditamos tanto nisso, que em dois anos de curso, você conquista um certificado

internacional ou a Wizard oferece aulas gratuitas para você chegar lá.

Ao suprimir os sintagmas verbais (você conquista e a Wizard oferece — verbos de

ação; “conquistar” implica esforço, dedicação, mérito...), subtrai-se a “ação” da mensagem,

transformando-a em uma espécie de fórmula matemática:

2 anos de curso = Investimento. Certificado internacional = Resultado OU aulas gratuitas

(sem ônus) para chegar lá, isto é, até receber o certificado internacional = meta alcançada.

Seguindo essa lógica rentável, o leitor é levado a entender que, pagando em dia, vai

conseguir o certificado de qualquer modo. Dito de outra forma, esse curso é um investimento

seguro, tornando o aprendizado um grande negócio sem riscos.

Veja-se que o foco do discurso não é o ensino-aprendizagem (o que/como se

ensina), que aliás nem é mencionado, mas sim o CERTIFICADO INTERNACIONAL

(duplamente grifado), com o qual o estudante torna-se “apto ao trabalho”. Assim, pode-se

apreender a língua inglesa enquanto uma ferramenta de acesso ao mercado de trabalho

(globalizado) e, como tal, uma mercadoria à venda na loja mais próxima.

Nesse sentido, o qualificador internacional exerce uma função importante no

enunciado. Sabe-se que o padrão de vida em países desenvolvidos é superior ao do Brasil, o

que seduz muitos jovens a buscarem uma oportunidade profissional no estrangeiro

(sobretudo EUA e Inglaterra, no tocante à língua inglesa), tal qual aconteceu com o fundador

56 “Conheça a geração Y, os profissionais que nasceram entre 1980 e 1995”. Folha de S.Paulo. 20/11/2016.

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/sobretudo/carreiras/2016/11/1833552-conheca-a-geracao-y-os-

profissionais-que-nasceram-entre-1980-e-1995.shtml. Acesso em: 21/07/2017.

99

da escola, Carlos Wizard Martins. A conquista do certificado internacional TOEIC significa,

então, aptidão para se buscarem oportunidades no exterior.

Destaca-se, uma vez mais, a filosofia mercadológica, na qual o ensino é vendido

como um processo linear com prazos e metas, como se fosse uma produção industrial cujo

produto é uniforme e regular, independentemente se os sujeitos envolvidos são mulher negra,

mulher branca, homem branco... (vide Figura 3). A educação, outrora um direito social e

subjetivo (FRIGOTTO, 2011), é colocada numa “métrica” (dois anos, quatro módulos...),

com a qual todo e qualquer sujeito tem de aprender, pondo em xeque uma afirmação do

vídeo Manifesto: “(...) com uma metodologia exclusiva voltada ao perfil de cada aluno...”.

Para além dessas questões sócio-históricas, tais modificações no fragmento

possibilitaram que o enunciado adquirisse o estatuto de um slogan comercial, que em geral

precisa ter uma estrutura breve e pregnante para circular mais facilmente.

Um slogan é concebido para ser retomado o máximo possível e sua principal

característica é implicar sempre uma instância que o legitime. Por tratar-se de um slogan

publicitário, “Em 2 anos de curso...” implica, como hiperenunciador, a escola de idiomas

Wizard, cujo lugar de destaque no cenário educacional brasileiro fez com que ele circulasse,

por meio da publicidade, nas mídias de comunicação de massa.

Ainda que tenha circulado em matérias jornalísticas especializadas em publicidade,

em jornais/revistas de média e grande circulação etc., seu foco tem sido a circulação interna,

isto é, postagens em redes sociais promovendo o curso. A Figura 3 circula mais

internamente, porque esse slogan tem funcionado como o “último argumento”: no geral, ele

surge quando o interessado já teve algum contato prévio com a escola (seja visitando

pessoalmente, seja acessando os websites/redes sociais...). De qualquer forma, enquanto um

slogan, não se exime de convocar novos membros para a comunidade We Are Wizard.

O fato de haver rostos humanos pode induzir, num primeiro momento, a atribuir

“Em 2 anos de curso...” aos estudantes na fotografia. Esse slogan, porém, não está entre

aspas nem há qualquer marca que o atribua a esses estudantes. Observe-se que existe uma

divisão na imagem definindo os espaços, e o slogan está na claridade, parte branca. O

logotipo da marca, subscrito (“carimbado”), revela a identidade do aforizador: a Wizard.

100

Enquanto a maior escola de idiomas do mundo, a Wizard é uma instituição cujo

lugar de destaque no ensino de inglês lhe confere a alcunha de “especialista” no assunto,

uma especialista segura do que afirma. Ela confia tanto na própria metodologia que propõe

um desafio: caso não consiga, o aluno tem direito a aulas gratuitas para “chegar lá”, lançando

mão, assim, de sua eficiência pedagógica e da sua fiabilidade perante a sociedade, ou seja,

de seu ethos pré-discursivo.

“Em 2 anos de curso, certificado internacional ou aulas gratuitas para você chegar

lá” manifesta uma experiência e uma convicção da escola de idiomas. Mais do que isso: a

partir de um interdiscurso que preconiza vários anos de estudos (esforço, dedicação), custos

elevadíssimos (documentação, viagens ao exterior...), esse slogan assevera que é possível

conquistar um certificado internacional em dois anos de curso, em uma unidade da marca

mais próxima do estudante (eficiência e eficácia). Exalta-se, dessa forma, a integração das

nações, isto é, a globalização, graças à qual, o(a) estudante não precisa mais se deslocar até

outro país para conquistar um certificado internacional.

Conforme temos demonstrado, a partir de um ethos pré-discursivo de empresa

grande, eficiente e predadora, “Em 2 anos de curso...” confirma essa representação prévia,

demonstrando que está de acordo com a conjuntura ideológica visada, a saber, a dos jovens

da Gerações Y e Z, cujas interações são tão globais quanto virtuais.

Perceba-se que o coenunciador é envolvido no mundo ético de uma juventude

apressada e inquieta, que deseja atingir seus objetivos rapidamente, pois quer viajar o

mundo ou trabalhar/estudar em outro país, opções que a conquista do certificado TOEIC

supostamente torna possíveis. Para tanto, o tom simultaneamente objetivo e dinâmico do

slogan permite a criação dessas representações do fiador, sua maneira de habitar o mundo.

O coenunciador incorpora esse ethos discursivo de “eficiência norte-americana”

(American way of efficiency), isto é, atingir os melhores resultados (maximizar os lucros)

num tempo mínimo (menor custo), baseado na objetividade da filosofia tempo é dinheiro,

cultivada como um estereótipo dos estadunidenses, marcados na Figura 3 pelos destaques

nas cores azul e vermelha do enunciado e pelo logotipo: o nome da empresa “Wizard” (sábio)

e a silhueta da águia.

101

De acordo com a designação dada à Fase 1, Manifesto, a Wizard fez circular uma

declaração formal das suas intenções e dos seus objetivos para/com o Brasil, a fim de

angariar adeptos da “missão: transformar o Brasil em uma nação bilíngue”. Assim, nas

Figuras 1 e 2, foi dito o que fazer; na Figura 3, como fazer.

Nas próximas Figuras (4, 5 e 6), a discussão versa sobre os resultados de se aprender

inglês na/com a Wizard, por meio do depoimento de três estudantes.

102

4.4 O inglês como passaporte para o mundo globalizado

Figura 4.

Fonte: Wizard Curitiba. Disponível em: http://www.wizardcuritiba.com.br/.

Acesso em: 18/06/2016.

A Figura 4 pertence à Fase 2 — Entrega Resultados, lançada em 15 de janeiro de

2016, com abrangência em todo o território nacional. Sua relevância é atestada pelo tema:

língua inglesa como ferramenta de acesso ao mundo globalizado.

Trata-se de um cartaz posicionado horizontalmente em um banner rotativo, isto é,

que compartilha o espaço com outros dois cartazes, destacando-se a cada 10 segundos em

um website da unidade Wizard de Curitiba (capital do estado do Paraná). Sobre um fundo

cinza médio, aparentando neutralidade, encontram-se os elementos verbais e não verbais que

o constituem.

Em primeiro plano, levemente inclinada para sua direita, tem-se a imagem de uma

jovem caucasiana, cabelos lisos, compridos e pintados (suas mexas variam entre a cor preta

e cobre), olhos pretos, sorriso largo e olhando para frente. Ela traja uma blusinha de seda

103

azul claro com estampa de bolinhas azul escuro. Sentada à mesa, a jovem tem na mão direita

uma Wizpen [caneta da Wizard que auxilia os estudantes na pronúncia de

palavras/expressões em inglês] e, à sua frente, há um livro da Wizard aberto, com o qual

aparenta estudar.

Na altura de seu colo, vê-se #nacaobilingue — o conceito da campanha publicitária

Nação Bilíngue — em letras garrafais, “perpassando” a jovem. Sua posição sugere o efeito

de sentido de que a moça guarda a tag “no peito”: popularmente conhecido como o “lugar”

onde se guardam as emoções e os afetos. O colo feminino é onde se refugiam os carentes de

afago e proteção (colo de mãe, namorada, amiga...); também, é onde geralmente se encontra

o emblema do uniforme de empresa/time/grupo/seita etc. Assim, o conceito sobre a

estudante a qualifica como membro da comunidade discursiva We Are Wizard.

Do lado esquerdo e na parte superior do cartaz, bem próximo à jovem estudante,

tem-se o enunciado mais saliente, em fonte tipográfica Calibri negritada e azul escuro,

alinhado à esquerda e dividido em quatro linhas:

Com a Wizard

consegui fazer

um curso

internacional.

Com a mesma tipologia e a mesma cor, porém com uma fonte menor, alinhado à esquerda e

dividido em duas linhas, está o enunciado (legenda) no qual se lê

Annie Farias Marques,

aluna Wizard Teresina — PI

A Figura 4 constitui-se na interação dos seus elementos verbais e não verbais.

Embora estejam correlacionados, precisamos focar ora no verbal ora no visual, para que a

discussão ocorra de maneira fluida. Assim, iniciamos pela frase sem texto “Com a Wizard

consegui fazer um curso internacional”.

104

Dessa enunciação aforizante, é possível depreender os dêiticos de pessoa e tempo:

(eu) consegui. Trata-se de uma ação já validada no momento da enunciação; e a pessoa que

toma a palavra e diz eu, neste caso, é a moça da imagem, identificada na legenda pelo nome

“Annie Farias Marques”, uma aluna da Wizard, unidade Teresina, capital do estado do Piauí

(PI), região nordeste do Brasil.

Uma frase destacada, seguida de uma legenda e ao lado de um rosto, no geral, diz

respeito a uma aforização secundária. Lembremo-nos que, “nos textos publicitários, a

diferença entre um slogan e uma aforização secundária é quase unicamente a presença das

aspas” (MAINGUENEAU, 2014, p. 33).

Observe-se, entretanto, que o enunciado não está entre aspas, nem há qualquer outra

marca (balão, seta, tipologia ou cor diferente) que isente a Wizard dessa fala. Pelo contrário,

a cor utilizada (azul escuro) é emblemática da marca, uma constante nos seus textos. A fala

é atribuída à Annie (identificada pela legenda), posiciona-se bem próximo à estudante e diz

respeito à sua experiência pessoal. Há um esforço de não delimitar o estatuto do enunciado

em uma fala de Annie (aforização secundária) ou da Wizard (aforização primária — slogan),

somando, deste modo, a propriedade de ambos os tipos.

Essa ambiguidade no estatuto salienta a presença do hiperenunciador. Annie

manifesta uma experiência pessoal (conseguiu fazer um curso internacional), mas ela não

fala sozinha, e sim da e pela comunidade discursiva We Are Wizard, como membro que é.

Ao falar de si, ela está falando do grupo também, visto que a estudante enuncia o que pode

e deve ser dito pelos demais membros, agindo em conformidade com os valores e

reafirmando o seu pertencimento à comunidade.

O hiperenunciador é depreendido tanto por autorizar/legitimar a fala de Annie

quanto por atuar como o “agenciador invisível” (MAINGUENEAU, 2015, p. 134) que

destacou e fez circular esse fragmento textual, não outro. Em outras palavras, destacou o

fragmento textual que mais lhe convém e atende aos seus interesses.

Para uma melhor compreensão desse processo (destacamento, alteração e

circulação) a que foi submetido “Com a Wizard consegui fazer um curso internacional”, é

preciso retomar o seu texto-fonte, disponível no vídeo Depoimentos Nação Bilíngue Annie:

105

[Annie] I needed to learn English to study abroad. And thanks to Wizard I could attend an

international course in New York. [Eu precisava aprender inglês para estudar fora. E

graças à Wizard consegui realizar um curso internacional em Nova Iorque]*.

Meu nome é Annie e eu consegui o meu certificado internacional com a Wizard e cheguei

lá.

[Narrador] A Annie e outros milhares de brasileiros já aprenderam a falar inglês para

realizar sonhos. Agora, é a sua vez. Venha também para a nação da maior rede de ensino

de idiomas do mundo.

[Annie] Obrigada, Wizard, por me ensinar inglês e me fazer chegar lá.

[Narrador] Wizard, por uma nação bilíngue.57

Quando comparamos o fragmento-fonte “E graças à Wizard consegui realizar um

curso internacional em Nova Iorque” ao seu equivalente aforizado, notamos a ocorrência de

algumas alterações, que contribuem para a produção de efeitos de sentido da Figura 4. A

princípio, tem-se a substituição de “E graças à Wizard” por “Com a Wizard” e “realizar”

por “fazer”; na sequência, tem-se a supressão do trecho em que Annie afirma ter feito o

curso internacional “em Nova Iorque”.

Com a Wizard é um sintagma polivalente, pois funciona: como um restritivo (com

a Wizard e nenhuma outra); como o meio (por meio da Wizard); como um condicionante (só

conseguiu por causa da Wizard); e como uma personificação da marca, tornando-a uma

“companhia” de Annie, ou seja, não só preparou formalmente para o curso internacional,

como também acompanhou Annie durante o tal curso. Nesse sentido, ao lado de/junto com

Annie. Valorizam-se, dessa maneira, os laços afetivos entre Wizard e os estudantes, tal qual

demonstrado em #nacaobilingue, posicionado no colo da estudante, salientando o caráter

acolhedor e comunitário de We Are Wizard.

A substituição de realizar por fazer imprime um tom mais informal ao enunciado,

aproximando-o da oralidade, à medida que “realizar” geralmente precede ‘sonhos’, ‘desejos’

57 “Depoimentos Nação Bilíngue Annie”. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=hXktjx6pY5A. Acesso

em: 20/02/2017.

* O fragmento italicizado entre colchetes corresponde à legenda do vídeo no momento em que a estudante

Annie fala em inglês. Portanto, a tradução é da Wizard.

106

ou ‘façanhas’, o que imprimiria um tom mais solene ao enunciado e destoaria da linguagem

cotidiana dos jovens: coenunciador desse discurso.

A supressão do sintagma em Nova Iorque surpreende. A cosmopolita Nova Iorque

mexe com o imaginário sobretudo dos jovens: é um dos principais destinos de brasileiros.

Retratada incessantemente nas artes (cinema, música, pinturas...) e nos grandes veículos de

comunicação, Nova Iorque é a cidade do dinheiro (das transações bilionárias), da política

internacional (sede da ONU); por essas e outras razões, é a cidade do poder econômico,

político e cultural.

Destacado do depoimento de Annie, o fragmento sofreu as modificações descritas

acima para melhor atender os interesses da comunidade e foi posto a circular na Figura 4,

principalmente nos espaços institucionais da escola de idiomas, como websites, blogs e redes

sociais, onde tem sido comentada e compartilhada pelos internautas. Conforme mencionado

anteriormente, os vídeos desta segunda fase de Nação Bilíngue tiveram ampla divulgação

nos programas televisivos populares, ou seja, texto-fonte e enunciado aforizado circularam

durante o mesmo período.

O testemunho de Annie recorre à memória discursiva do leitor, pois parte de uma

cena validada, um pré-construído: quando alguém se vê diante de um grande desafio e o

supera, exclama “(eu) consegui...”. Annie enfrentou o desafio de aprender a falar inglês em

dois anos para fazer um curso internacional e conseguiu.

O depoimento/testemunho reforça a fiabilidade do discurso porque recorre à

comoção, uma vez que utiliza pessoas/grupos de destaque em determinadas comunidades

(atletas, artistas, celebridades...), enquanto fiadores da tese defendida. Em geral, são atores

sociais famosos que desempenham o papel de fiador. Contudo, na Figura 4, a fiadora é uma

jovem oriunda da região nordeste do Brasil, cujo perfil é semelhante ao de milhares de jovens

brasileiros que estão em buscam de uma melhor colocação no mercado de trabalho, visando

à sua ascensão social.

Ao ler “Com a Wizard consegui fazer um curso internacional”, o internauta é levado

a identificar algumas normas sociais e, com isso, pode comparar-se à Annie: não é uma

celebridade, é proveniente de uma região fora dos grandes centros urbanos brasileiros, que

107

com a Wizard conseguiu tornar-se bilíngue e estudar fora do Brasil. Então, eu também

consigo. Basta me matricular nessa escola de inglês.

Durante sua enunciação, a jovem estudante libera alguns índices que permitem o

internauta criar representações suas (superadora, vitoriosa, feliz...) e da comunidade de que

faz parte, cujo hiperenunciador é a marca Wizard. Com seu depoimento favorável à Wizard,

Annie torna-se a fiadora do discurso e, enquanto tal, dá acesso ao mundo ético dos jovens

de We Are Wizard, com o qual o coenunciador se identifica e incorpora os valores:

estudantes falantes de inglês e que, por isso, estão felizes/satisfeitos/orgulhosos com as suas

vitórias e conquistas etc.

O tom de vitória/superação do depoimento de Annie fia a eficiência pedagógica da

escola de idiomas. Por meio desse tom, o coenunciador é capaz de depreender o ethos de

empresa eficaz e eficiente da Wizard, que entrega resultados positivos, isto é, uma empresa

confiável, tal qual ressaltado em seus textos publicísticos.

Uma vez mais, como uma espécie de continuum da Figura 3, a língua inglesa —

junto com o certificado internacional TOEIC — é alçada a “passaporte” para o mundo

globalizado e das posições socialmente prestigiadas.

Em grande parte dos casos, as aforizações secundárias são acompanhadas pelo

nome e/ou imagem do rosto (fotografia, busto, retrato...) do aforizador, visando a autentificar

a aforização como sendo sua fala. Isso tem sua razão de ser. Segundo Maingueneau (2014),

o rosto: é a única parte do corpo que, de maneira superficial, permite identificar um indivíduo

como distinto do outro; é no imaginário profundo a sede do pensamento e de valores

transcendentais; é nele que se encontra a boca, fonte da fala e, portanto, da aforização.

O teórico francês afirma ainda que, nas fotos, geralmente não se mostram as mãos

do aforizador, pois isso implicaria a presença de um coenunciador que poderia intervir na

enunciação. Assim, “as fotos de rostos centram-se no olhar, dirigido a um auditório

indeterminado do qual cada leitor participa” (MAINGUENEAU, 2014, p. 46).

Na Figura 4, Annie está sentada à mesa, com seus braços à mostra, contra um fundo

cinza descontextualizado e neutro. Embora apareçam seus braços e ela esteja sorrindo “para

108

a câmera”, não há interação com outrem, pois seu olhar se volta para um auditório universal

(do qual todo e qualquer internauta participa) e, enquanto utiliza sua caneta no livro, não

aponta ou gesticula para ninguém.

O enquadramento da Figura 4 visa a retratar tanto os produtos da Wizard (a Wizpen

e o livro didático) quanto a fala atribuída à Annie, visto que se trata do discurso publicitário,

cujas peculiaridades podem destoar das do discurso midiático-jornalístico.

Nesse sentido, retratou-se mais que o rosto do aforizador, como uma forma de

demonstrar que a Wizard, por meio do seu material didático, está junta de seus alunos, visto

que a escola de idiomas não tem um rosto/corpo e não há menção ao seu logotipo na figura.

Assim, o enquadre da fotografia visa a suprir uma demanda publicitária.

109

4.5 Inglês como meio de realizar sonhos

Figura 5.

Fonte: Página Oficial da Wizard no Facebook. Disponível em:

https://www.facebook.com/wizard.oficial/photos/a.10150643338847875.384637.209433342874/10

153450850272875/?type=3&theater. Acesso em: 18/06/2016.

A Figura 5 é parte da Fase 2 — Entrega Resultados, lançada em 15 de janeiro de

2016, com abrangência em todo o território nacional. Sua escolha se deve ao fato de seu

enunciado destoar levemente do fragmento-fonte e por alçar a língua inglesa como meio de

realizar sonhos.

Trata-se de um cartaz posicionado horizontalmente na condição de capa da página

da Wizard no Facebook (as fotografias de capa e perfil são os primeiros contatos do

internauta com a página), postada em 18 de janeiro de 2016, ou seja, período do seu

lançamento. Sobre um fundo cinza médio, o qual aparenta neutralidade, encontram-se os

elementos verbais e não verbais que o constituem.

110

Do centro para o lado direito do cartaz, tem-se a imagem em destaque de um jovem

caucasiano, cabelos lisos, curtos e pretos com um penteado moderno, uma espécie de topete;

ele usa óculos de armação larga e preta e sorri largamente enquanto olha para a frente. O

jovem traja uma camisa xadrez de mangas curtas, nas cores azul claro, cinza e branco.

Sentado à mesa, o rapaz tem na sua mão direita uma Wizpen [caneta da Wizard que auxilia

o(a) estudante na pronúncia de palavras/expressões em inglês] e, à sua frente, um livro da

Wizard aberto, com o qual aparenta estudar.

Na altura de seu colo, vê-se o conceito da campanha publicitária Nação Bilíngue

(#naçãobilingue) em letras garrafais, “perpassando” o jovem. Sua posição produz o efeito de

sentido de que o rapaz guarda #nacaobilingue “no peito”: popularmente conhecido como o

“lugar” onde se guardam as emoções e os afetos, mas também é onde geralmente se encontra

o emblema do uniforme de empresa/time/grupo/seita etc. Assim, o conceito #nacaobilingue

sobre o estudante o qualifica como pertencente à comunidade We Are Wizard.

Do lado esquerdo e na parte superior do cartaz, bem próximo ao jovem estudante,

tem-se o enunciado mais saliente, em fonte tipográfica Calibri negritada e azul escuro,

alinhado à esquerda e dividido em duas linhas:

Estudar na Wizard me preparou

para o intercâmbio.

Abaixo desse enunciado, com a mesma tipologia e uma fonte menor, alinhado à esquerda e

dividido em duas linhas, está a legenda

Alvir Souto Neto,

aluno Wizard Paulínia — SP

Igualmente a Annie (Figura 4), Alvir tem seus braços à mostra e seu olhar dirige-se

para um auditório universal, ou seja, não está interagindo com alguém específico, apto a

intervir na sua enunciação. Trata-se somente de um enfoque publicístico, que visa a destacar

os produtos da Wizard. Desse modo, a análise do visual desta figura é semelhante à da

anterior, o que nos permite, doravante, concentrarmo-nos em “Estudar na Wizard me

preparou para o intercâmbio”.

111

Nessa frase sem texto, depreendemos as marcas de lugar (na Wizard), pessoa (me)

e tempo (preparou — uma ação já validada no momento da enunciação). O enunciado é

atribuído ao jovem da imagem, cuja identidade é atestada pela legenda: Alvir Souto Neto,

aluno da Wizard na unidade Paulínia, município do interior do estado de São Paulo.

Também na Figura 5, a aforização é apresentada com o estatuto ambíguo, ou seja,

soma simultaneamente as propriedades de uma aforização primária e uma secundária (cor

emblemática da empresa, sem marcas de discurso relatado em estilo indireto...), assegurando

o pertencimento de Alvir à comunidade discursiva We Are Wizard. Enquanto membro dessa

comunidade, o jovem estudante tem sua fala condicionada ao grupo, cujo hiperenunciador

legitima, destaca e faz circular o seu depoimento.

Neste ponto, faz-se necessária a retomada do texto-fonte — disponível no vídeo

Depoimentos Nação Bilíngue Alvir —, com vistas à apreensão da presença do

hiperenunciador no trecho aforizado de sua fala:

[Alvir] I had a dream to be an exchange student in Canada. And now it is possible to make

this dream come true. [Eu tinha um sonho, de fazer um intercâmbio no Canadá. Hoje, a

realização desse sonho já é possível]*.

Meu nome é Alvir e com a Wizard eu conquistei o meu certificado internacional e cheguei

lá.

[Narrador] O Alvir e outros milhares de brasileiros já aprenderam a falar inglês para

realizar sonhos. Agora, é a sua vez. Venha também para a nação da maior rede de ensino

de idiomas do mundo.

[Alvir] Obrigado, Wizard, por me ensinar inglês e me fazer chegar lá.

[Narrador] Wizard, por uma nação bilíngue.58

Repare-se que “Estudar na Wizard me preparou para o intercâmbio” não consta no

depoimento de Alvir, ao menos não como um período completo. No trecho em que o jovem

depoente cita o intercâmbio, lê-se

58 “Depoimentos Nação Bilíngue Alvir”. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=uAosatBF3nU. Acesso

em: 20/02/2017.

* O fragmento italicizado entre colchetes corresponde à legenda do vídeo no momento em que o estudante

Alvir fala em inglês. Portanto, a tradução é da Wizard.

112

Eu tinha um sonho de fazer um intercâmbio no Canadá. Hoje, a realização desse sonho já

é possível.

O estudante afirma que fazer um intercâmbio era um sonho e que, “hoje”, ele está preparado

para realizá-lo. Não se menciona, porém, a justificativa desse “preparo”.

No correr do seu depoimento, Alvir afirma “[...] com a Wizard eu conquistei meu

certificado internacional e cheguei lá”. Na sequência, encontramos na fala do narrador: “O

Alvir e outros milhares de brasileiros já aprenderam a falar inglês para realizar sonhos”

(grifo nosso).

Pressupõe-se, então, que lhe faltava aprender inglês para realizar seu sonho; e a

conquista do certificado internacional TOEIC lhe deu esse poder. Assim, o fragmento

aforizado é constituído por uma junção de indícios e pressupostos do depoimento de Alvir,

ou seja, a Wizard lhe atribui uma fala que ele não proferiu propriamente.

Esse caso evidencia quão condicionada aos interesses da comunidade está a fala do

estudante Alvir, que enuncia aquilo que pode e deve ser enunciado pelos demais membros.

Note-se que o hiperenunciador modificou (reescreveu, aliás), destacou e fez circular o

fragmento, de acordo com o objetivo da Fase 2 da campanha Nação Bilíngue: entregar os

resultados, isto é, as conquistas dos alunos (membros de We Are Wizard).

Ao fazer circular a proposição “Estudar na Wizard me preparou para o intercâmbio”

pelas mídias de massa e, principalmente, nas redes sociais, às quais milhões de brasileiros

têm acesso diário, o hiperenunciador torna o enunciado bastante persuasivo para milhares de

jovens que, como Alvir, sonham ser intercambistas.

Fazer um intercâmbio, atualmente, é ter um item-chave no curriculum vitae, isto é,

um diferencial para o mercado de trabalho, pois indica que o(a) candidato(a) possui

experiência internacional e, provavelmente, domina um idioma estrangeiro — na grande

maioria dos casos, o inglês. Tem-se, uma vez mais, a submissão do aprendizado da língua

inglesa com vistas para o mercado de trabalho globalizado.

O internauta jovem, ao ler “Estudar na Wizard me preparou para o intercâmbio”,

identifica-se de imediato com Alvir, porque compreende a importância do intercâmbio para

a construção da carreira profissional. Ademais, esse enunciado desperta confiança nos

113

leitores, levados a discernir um movimento lógico de causa (estudar na Wizard) e efeito

(preparar-se para o intercâmbio).

Alvir, o jovem interiorano, exalta a metodologia de ensino da Wizard, expressando

uma convicção, baseada em uma experiência singular do aforizador. Ao fazê-lo, o estudante

de Paulínia coloca-se como fiador do discurso e, com isso, dá acesso ao mundo ético dos

estudantes de We Are Wizard, aptos a realizar o sonho de fazer intercâmbio, sobretudo nos

países anglófonos prestigiados (EUA, Canadá, Inglaterra, Irlanda...).

Em seu depoimento, cujo tom é de agradecimento pelo feito, Alvir permite ao

coenunciador construir algumas representações dele (penteado “descolado”, armação dos

óculos moderna, vestimenta informal...) e de We Are Wizard (jovens fluentes em inglês, que

fazem intercâmbio, viajam para países desenvolvidos...), que tem na Wizard sua instância

hiperenunciador. Dessa feita, o leitor/internauta é capaz de depreender o ethos de escola

competente da Wizard, a (cor)responsável pelo sucesso dos seus alunos, confirmando seu

ethos pré-discursivo.

114

4.6 Inglês como guardião das posições socialmente prestigiadas

Figura 6.

Fonte: Blog Wizard Gonzaga. Disponível em: http://www.wizardgonzaga.com.br/.

Acesso em: 18/06/2016.

A Figura 6 pertence à Fase 2 — Entrega Resultados, lançada em 15 de janeiro de

2016, com abrangência em todo o território nacional. Sua escolha deve-se ao tema

“aprendizagem de língua inglesa como meio de ascensão social” e “a relação língua inglesa

com as posições socialmente prestigiadas”.

Trata-se de um cartaz posicionado horizontalmente em um banner rotativo, isto é,

que compartilha o espaço com outros quatro cartazes destacando-se a cada 20 segundos, de

um blog mantido pela Wizard unidade “Gonzaga” (bairro do município de Santos, litoral do

estado de São Paulo). Sobre um fundo cinza médio, aparentando neutralidade, encontram-se

os elementos verbais e não verbais que o constituem.

No primeiro plano, levemente inclinada para sua esquerda, tem-se a imagem de uma

mulher caucasiana, cabelos lisos, compridos e pintados de loiro nas pontas, olhos pretos,

115

maquiagem discreta, sorriso largo e olhando para frente. Ela traja uma camisa cor-de-rosa

clara, mangas longas, esmalte azul escuro, no dedo anelar da mão direita uma aliança de

ouro, ou seja, uma aliança de noivado. Sentada à mesa, a mulher tem na sua mão direita uma

Wizpen [caneta da Wizard que auxilia o(a) estudante na pronúncia de palavras/expressões

em inglês] e, à sua frente, um livro da Wizard aberto, com o qual a mulher aparenta estudar.

Na altura de seu colo, vê-se #nacaobilingue — o conceito da campanha publicitária

Nação Bilíngue — em letras garrafais, “perpassando” a mulher. Sua posição sugere o efeito

de sentido de que ela guarda a tag “no peito”: popularmente conhecido como o “lugar” onde

se guardam as emoções e os afetos; além disso, o colo feminino é onde se refugiam os

carentes de afago e proteção (colo de mãe, namorada, amiga...), mas também é onde

geralmente se encontra o emblema do uniforme de empresa/time/grupo/seita etc. Assim, o

conceito sobre a estudante a qualifica como alguém pertencente à comunidade discursiva

We Are Wizard.

Do lado esquerdo e na parte superior do cartaz, bem próximo à estudante, está o

enunciado mais saliente, em fonte tipográfica Calibri negritada e azul escuro, alinhado à

esquerda e dividido em quatro linhas:

Hoje sou

reconhecida como

uma executiva

bilíngue.

Abaixo desse enunciado, com a mesma tipologia, porém com uma fonte menor, alinhado à

esquerda e dividido em duas linhas, está a legenda

Anamaria Santos Fonseca,

aluna Wizard Vitória da Conquista — BA

Bem como Annie e Alvir (Figuras 4 e 5, respectivamente), tem-se a imagem de uma

pessoa, Anamaria, com os braços à mostra e olhando para a frente. Anamaria não interage

com alguém apto a intervir em sua aforização, mas com um auditório universal, do qual todo

e qualquer leitor participa. Trata-se de um enfoque publicístico que visa a apresentar a marca

116

junto de seus alunos. Nossas observações a respeito do não verbal são, portanto, semelhantes

às das figuras anteriores. Fato que nos permite a concentração na frase sem texto “Hoje sou

reconhecida como uma executiva bilíngue”.

Nesse enunciado, depreendemos as marcas de tempo (hoje) e pessoa (sou); o eu que

toma a palavra, segundo consta na legenda, é Anamaria Santos Fonseca, estudante da Wizard

unidade Vitória da Conquista, interior do estado da Bahia. A dêixis “hoje” marca o período

da conquista do certificado internacional TOEIC, ou seja, Anamaria passou a ser

reconhecida como uma executiva bilíngue em 2016, data do lançamento da Fase 2.

Tal qual nas figuras anteriores, essa aforização também se apresenta com um

estatuto ambíguo, somando as propriedades de uma enunciação aforizante primária e uma

secundária, evidenciando que a fala de Anamaria é condicionada à comunidade discursiva

de que faz parte.

A fim de depreendermos a presença do hiperenunciador no enunciado atribuído à

estudante, é preciso retomar o seu texto-fonte, o qual se encontra disponível no vídeo

Depoimentos Nação Bilíngue Anamaria:

[Anamaria] Hi! I had a professional goal to speak English at work. Now I’m well- known

as a bilingual lawyer. [Oi! Eu tinha um objetivo profissional. Falar inglês no ambiente de

trabalho. Hoje, sou reconhecida como uma advogada bilíngue]*.

Meu nome é Anamaria. Consegui o meu certificado internacional com a Wizard e cheguei

lá.

[Narrador] A Anamaria e outros milhares de brasileiros já aprenderam a falar inglês para

realizar sonhos. Agora, é a sua vez. Venha também para a nação da maior rede de ensino

de idiomas do mundo.

[Anamaria] Obrigada, Wizard, por me ensinar inglês e me fazer chegar lá.

[Narrador] Wizard, por uma nação bilíngue.59

Se, por um lado, a comparação do fragmento-fonte com o seu equivalente aforizado

revela que pouco se alterou no enunciado, por outro, essa alteração se mostra

demasiadamente significativa. Em seu depoimento, Anamaria Santos Fonseca afirma “Hoje,

59 “Depoimentos Nação Bilíngue Anamaria”. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=Uobx-UjbEt4.

Acesso em: 20/02/2017.

* O fragmento italicizado entre colchetes corresponde à legenda do vídeo no momento em que a estudante

Anamaria fala em inglês. Portanto, a tradução é da Wizard.

117

sou reconhecida como uma advogada bilíngue”; ao passo que, no fragmento destacado,

Anamaria afirma “Hoje, sou reconhecida como uma executiva bilíngue”.

Note-se que não se trata de uma simples substituição de um substantivo por outro

(advogada-executiva), mas sim de adequar a experiência de Anamaria aos interesses da

comunidade We Are Wizard, que destacou, modificou e fez a fala circular em forma de

publicidade da escola de idiomas Wizard. Com isso, atribui-se à Anamaria um lugar cuja

valoração social é superior ao que a depoente dispõe quando da sua fala primeira.

Dada a concisão inerente ao gênero do discurso cartaz digital — e tendo em mente

que nem todos assistirão ao vídeo —, essa alteração no enunciado de Anamaria Santos

Fonseca, ancorando-se no estereótipo do falante de inglês como ator social de prestígio,

produz o efeito de sentido de que a ascensão social é algo intrínseco à aprendizagem de

língua inglesa, visto que a depoente passou a ser reconhecida não por ter se tornado uma

executiva, mas sim uma executiva bilíngue.

Executivo(a) é quem executa algo; e as profissões que acompanham ‘executivo’,

como Diretor-Executivo, Chefe-Executivo (Chief Executive Officer, CEO), entre outros, ou

mesmo na esfera governamental, como Poder Executivo (Presidente da República ou Chefe

de Estado) são popularmente associados aos cargos de poder e prestígio social.

Embora não traje terno, e sim um “modelito casual”, a vestimenta de Anamaria

enquanto uma “executiva” também corrobora para a produção de efeitos de sentido.

Observe-se que, em contraste com Annie e Alvir (Figuras 4 e 5), Anamaria Santos Fonseca

é uma mulher um pouco mais velha, com roupas, maquiagem e penteado mais discretos,

além de estar noiva: bem-sucedida na vida profissional e pessoal.

Quando Anamaria afirma que, após fazer o curso da Wizard, passou a ser

reconhecida como uma executiva bilíngue, implicitamente está dizendo que o mercado de

trabalho a reconheceu (legitimou) enquanto tal. Desse modo, o internauta pressupõe que a

depoente já esteja inserida no universo corporativo globalizado, cujo mundo ético implica

viagens internacionais, reuniões de negócios etc., condições do cargo exercido.

À medida que circula pelas mídias digitais, a Figura 6 estabelece como

coenunciador visado o adulto que já está, de algum modo, inserido no mundo dos negócios,

diferentemente das figuras anteriores. É para esse público que a Wizard direciona o seu curso

118

de inglês para adultos: o profissional que enxerga no domínio da língua inglesa uma forma

de manutenção ou promoção de sua atual posição (Cf. www.wizard.com.br/curso/curso-de-

ingles/adults/).

Com isso, o depoimento/testemunho de Anamaria Santos Fonseca a coloca como a

fiadora da eficiência da escola de idiomas Wizard, pois foi por conta de sua eficiência

pedagógica que a depoente passou a ser reconhecida como uma executiva bilíngue. Enquanto

a fiadora, seu discurso dá acesso ao mundo ético corporativo, em que os sagazes homens de

negócio dominam o inglês e, com ele, tratam dos negócios internacionais.

O internauta que almeja esse lugar social e enxerga no aprendizado da língua

inglesa uma forma de promoção profissional ou ascensão social, logo estabelece algum tipo

de identificação e incorpora esse ethos determinado, vencedor, astuto etc., vislumbrando no

curso da Wizard uma possibilidade de realizar seu sonho.

Na Fase 1 (Figuras 1, 2 e 3), a Wizard manifestou seu objetivo de “transformar o

Brasil em uma nação bilíngue” com apenas “2 anos de curso” e a conquista do certificado

internacional. Na Fase 2 (Figuras 4, 5 e 6), a Wizard apresentou os resultados de quem

aceitou o desafio de tornar-se bilíngue, ao propagandear o depoimento de seus estudantes e

membros de We Are Wizard. Na Fase 3 (Figura 7), veremos como essa “nação bilíngue”

está empenhada em seu objetivo, ao fazer uma grande convocação para “transformar o Brasil

em uma nação bilíngue”.

119

4.7 Autoafirmação e convocação: todos por uma #nacaobilingue

Figura 7.

Fonte: Wizard Cuiabá. Disponível em: http://www.wizardcuiaba.com.br/category/videos/.

Acesso em: 12/06/2017.

A Figura 7 pertence à Fase 3 — Hino, cujo lançamento data 12 de dezembro de

2016, com abrangência em todo o território nacional. É um banner digital posicionado

horizontalmente em uma página intitulada “Post” na seção “Vídeos” de um website

institucional mantido pela Wizard by Pearson unidade Cuiabá (capital do Mato Grosso).

Trata-se de uma peça retangular dividida em três partes desiguais. A primeira,

flanco inferior à esquerda, é um triângulo azul escuro, posicionado verticalmente, de

dimensões médias, sobre o qual se encontra, na cor branca destacada com negrito, fonte

tipográfica Times, um enunciado alinhado à esquerda e dividido em quatro linhas:

We Are

Wizard (em letras grandes e italicizadas)

120

Todos por uma

#nacaobilingue”

A segunda parte, no meio do banner, recobrindo a maior parte do retângulo, é uma

fotografia colorida com o fundo (segundo plano) desfocado, dificultando a identificação do

local, que parece ser a escadaria de um prédio. Sobre esse fundo desfocado, encontram-se,

em primeiro plano, três jovens sentados, sendo duas mulheres ao redor de um homem, de

frente para o ponto de vista do fotógrafo. Tal qual a Figura 3, tem-se um homem caucasiano

em primeiro plano na imagem e duas mulheres, uma negra e uma branca, em seu entorno.

Os três jovens estão olhando para o tablet nas mãos do rapaz. Esse dispositivo eletrônico

pode ser entendido como a conexão, via internet, da escola com os estudantes para além do

horário de aula.

Ao lado direito do rapaz, há uma moça ruiva, cabelos lisos e presos, que aparenta

rir do conteúdo que o rapaz mostra em seu tablet. Ao centro, está o jovem caucasiano,

cabelos pretos e curtos, com uma barba volumosa, usa óculos de armação preta e larga e

veste uma camiseta azul escuro com um círculo vermelho na altura do peito e, no interior

desse círculo, há a cabeça de uma ave em cor branca: o logotipo da Wizard by Pearson. Na

manga esquerda de sua camiseta, tem-se novamente, em dimensões menores, o logotipo da

escola. O rapaz veste a camisa da escola de idiomas e, em seu peito, leva o emblema de um

grupo do qual é parte integrante.

Do lado esquerdo do rapaz, de cabelos lisos e curtos na cor preta, vestindo uma

camisa branca com estampa vermelha e calças jeans, há uma jovem negra virada em direção

aos colegas. Embora esteja rindo e olhando para o tablet do rapaz, a moça tem em mãos um

livro didático da Wizard, cuja capa está visível. Ao seu lado esquerdo, há uma mochila

apoiada no banco sobre o qual os três jovens estão sentados.

A terceira parte, flanco superior à direita, é um triângulo vermelho pequeno sem

qualquer inscrição. O triângulo azul escuro (médio) e o vermelho (pequeno) junto com o

branco no enunciado formam as cores emblemáticas da Wizard by Pearson, bem como da

bandeira do Reino Unido.

Com base nos objetos presentes na imagem (mochila, livro didático, tablet) e na

aparência dos jovens e na informalidade de suas vestimentas (calças jeans, camisas e

121

camisetas), bem como ao local onde estão, inferimos que se trata de um ambiente escolar,

mais precisamente de um edifício universitário. E, no tempo livre, os jovens estudantes

aproveitam para estudar inglês no livro e no tablet.

Recapitulando o que se disse em 3. Procedimentos Metodológicos, nas vésperas

do lançamento da Fase 3 — Hino, a Wizard teve alterados seu nome e, consequentemente,

sua identidade visual (cores, formatos, logotipo...). Por essa razão, a composição artística do

banner e o design do logotipo diferem das figuras anteriores.

A mudança, segundo a própria companhia, faz parte de uma estratégia global de

marketing da empresa, que envolve a associação direta da Pearson com algumas marcas. Por

isso, o nome atual da escola de idiomas é Wizard by Pearson. Quanto ao animal icônico, a

águia sofreu mudanças drásticas: no novo logotipo, ela foi redesenhada e inserida em um

grande círculo vermelho de tom brasil. Dados os novos contornos da face e sua inserção em

um círculo vermelho, o novo desenho da silhueta da águia no logotipo se assemelha à ave

mitológica de fênix, renascida das próprias cinzas.

Com essa mudança na identidade da marca, percebe-se como a Wizard passou de

uma orientação mais voltada aos EUA para outra mais voltada aos aspectos culturais

britânicos: cores, logotipo e o nome, endossado pela Pearson. Feitas as considerações,

passemos ao enunciado mais saliente do banner.

Mesmo não havendo nenhuma pontuação entre eles, “We Are Wizard Todos por

uma #nacaobilingue” é constituído sintaticamente por dois períodos coordenados, atestado

pela tipologia e topologia: o primeiro diz respeito a quem somos; o segundo, ao que fazer.

Em We Are Wizard [Nós Somos Wizard], depreendemos a dêixis de pessoa

discursiva “nós”, que implica a existência de mais de uma pessoa. Embora haja três jovens

na imagem, não há nenhuma marca (balão, seta, aspas...) que isente a Wizard by Pearson

dessa fala. Isso porque o enunciado não parte de um locutor específico, mas de um aforizador

coletivo. Trata-se, como visto ao longo deste capítulo, da comunidade discursiva We Are

Wizard, cujo hiperenunciador é a escola de idiomas Wizard By Pearson, que destacou e fez

circular essa aforização. Temos, então, um slogan (particitação de grupo) de autoafirmação.

Por sua vez, “Todos por uma #nacaobilingue” retoma, mais enfaticamente, a

“missão” dessa comunidade, a saber, “transformar o Brasil em uma nação bilíngue” (Figuras

122

1 e 2). Note-se que, pelo tom impositivo, de ordem, mesmo o internauta que não pertence à

comunidade We Are Wizard se vê compelido a atender afirmativamente, devido ao caráter

inclusivo do pronome indefinido todos (todos nós, toda gente, todo mundo...).

Desse modo, esse slogan estabelece como coenunciador um auditório universal, do

qual “todos” (membros e potenciais membros) participam, isto é, o leitor se encontra em

meio a um chamado cívico, ou melhor, a uma convocação, que, como tal, uma resposta

negativa pode lhe trazer algum tipo de consequência.

Graças ao seu lugar de destaque no cenário empresarial-educacional brasileiro, a

Wizard by Pearson faz essa convocação (slogan) circular, por meio da publicidade, em nível

pandêmico: simultaneamente em todos os veículos de comunicação de massa60. Sua

circulação inclui jornais e revistas (média e grande circulação), painéis e outdoors nas vias

públicas, programas de rádio e televisão e, sobretudo, as mídias digitais, onde tem sido

comentada e compartilhada por milhares de internautas, amplificando o seu alcance e

angariando cada vez mais membros.

As particitações de grupo implicam um hiperenunciador que defina os valores

partilhados no interior de uma dada comunidade, mas também que minimize a

heterogeneidade dos membros em favor de si mesmo. Enquanto um slogan, “We Are Wizard

Todos por uma #nacabilingue” dá coesão e reafirma o posicionamento da comunidade

perante um exterior hostil ou indiferente à sua causa. Essa convocação visa, portanto, não só

à manutenção, como também e principalmente à expansão do grupo.

Observe-se que o enunciado mimetiza um slogan militante, ao se colocar a favor

do ensino de língua inglesa como a mola propulsora do desenvolvimento socioeconômico

do país, conforme discutido anteriormente. Saber se comunicar em inglês tornou-se uma

necessidade — quase uma obrigação — para o brasileiro do século XXI, e a Wizard (by

Pearson) incumbiu-se da “missão: transformar o Brasil em uma nação bilíngue”.

Subjacente a esse interesse “social”, encontra-se um nicho mercadológico

bilionário que tende a aumentar nos próximos anos. Assim, ao convocar todos pela missão

de transformar o Brasil em uma nação bilíngue, está-se afirmando que com mais alunos-

60 O filme Hino (texto-fonte do slogan ora analisado), por exemplo, teve diversas chamadas na internet (redes

sociais, blogs...) para sua estreia, nos dias 10 e 11 de dezembro de 2016, durante os intervalos da novela das

21:00h na Rede Globo de Televisão.

123

consumidores, mais receita We Are Wizard terá, isto é, mais capacidade de expansão e

implementação da língua inglesa no país.

Legitimado pelo atual estágio da globalização e governança do Mercado nas

sociedades neoliberais, esse processo está de acordo com o modus operandi da Pearson:

expandir-se cada vez mais até o ponto de tornar-se hegemônico, imbatível.

Para tanto, o discurso tem de estar alinhado à conjuntura ideológica visada, pois

suas condições de êxito implicam, entre outros, o ethos discursivo. A partir do ethos pré-

discursivo de empresa eficiente, segura, determinada e aguerrida, que superou/venceu a

concorrência e conquistou a liderança no seu nicho mercadológico, a Wizard encontra apoio

no conglomerado Pearson, cujo histórico é semelhante ao da empresa brasileira, guardadas

as suas proporções.

Ao se denominar em língua inglesa, a comunidade discursiva We Are Wizard libera

alguns indícios com os quais o coenunciador cria algumas representações suas: é uma

comunidade voltada para o âmbito globalizado, com práticas discursivas que incluem a

comunicação via internet, #nacaobilingue, além de se filiar ideologicamente a determinados

valores anglo-saxões.

Esses índices induzem o leitor, baseado no estereótipo de que as nações anglófonas

são industrializadas/modernas, a relacionar fluência em língua inglesa com desenvolvimento

econômico. Assim, por meio de um tom impositivo, de uma instância superior, o

coenunciador é levado a criar um caráter patriótico, determinado, dinâmico dos jovens

membros de We Are Wizard, fiadores do discurso, que dão acesso ao mundo ético dessa

comunidade; com isso, o coenunciador incorpora esse ethos de união, determinação e

engajamento em prol da transformação do Brasil numa nação que tenha o idioma inglês

como segunda língua, o que o beneficiaria, pois estreitaria as relações comerciais, sociais e

culturais com os países desenvolvidos.

Neste ponto, evocamos as palavras de Maingueneau (2014), de que não basta

constatar que fragmentos foram destacados de textos, é preciso considerar também como

eles se apresentam no texto original. Por isso, retomemos o texto-fonte desse slogan,

disponível no vídeo-disparador da Fase 3 — Hino We Are Wizard:

124

A sua voz é o som mais poderoso do universo.

Ela é capaz de começar uma revolução, de romper barreiras e te levar mais longe.

Eles aceitaram o desafio de aprender a falar inglês e venceram. (We Are Wizard!)

E você, em qual idioma tem sonhado? (We Are Wizard!).

WIZARD: Todos por uma #nacaobilingue.61

A comparação dos fragmentos-fontes com os seus equivalentes destacados nos

permite constatar que possuem uma estrutura breve e pregnante, cujo caráter sentencioso

condensa a ideologia e sintetiza o objetivo de Nação Bilíngue, ou seja, “constitui uma tomada

de posição do enunciador sobre uma questão polêmica” (MAINGUENEAU, 2014, p. 15).

Tais índices de destacabilidade categorizam esses fragmentos como fortemente

sobreasseverados. Quando isso acontece, ao serem destacados, as alterações tendem a ser

menos importante (MAINGUENEAU, 2014). Por isso, “We Are Wizard Todos por uma

#nacaobilingue” não sofreu nenhuma modificação, exceto o fato de terem sido juntados em

um só enunciado na Figura 7.

Diferentemente das anteriores, a Figura 7 é um banner que, ao ser clicado, direciona

o internauta para o vídeo We Are Wizard (texto-fonte), hospedado no próprio website em

que se encontra o banner. Portanto, essa figura constitui-se como um destacamento fraco,

funcionando com uma espécie de “gancho” jornalístico na impressa.

61 Wizard. We Are Wizard. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WHQMMD95Poc. Acesso

em: 22/03/2017.

125

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fundamentalmente monologal, a aforização tem como efeito

centrar a enunciação no locutor ... [que] pode assumir a altura,

expressar uma convicção, uma experiência,

enunciar sua verdade, subtrair-se à negociação.

(Maingueneau, 2015)

Este trabalho teve por objetivo analisar, do ponto de vista verbal e visual, os

discursos veiculados na campanha publicitária Nação Bilíngue (2014-2017), da escola de

idiomas Wizard; e, mais especificamente, depreender os efeitos de sentido produzidos

nas/pelas frases sem texto nos cartazes/banners digitais dessa campanha. A partir desse

objetivo, buscou-se responder à seguinte pergunta de pesquisa: “Quais são os efeitos de

sentido produzidos nas/pelas frases sem texto nos cartazes/banners digitais da campanha

publicitária Nação Bilíngue?”

Para tanto, recorremos às noções de Frases sem texto, Hiperenunciador e Ethos

discursivo, na perspectiva enunciativo-discursiva da Análise do Discurso francesa, tal qual

desenvolvida por Dominique Maingueneau. A seguir, apresentamos os resultados obtidos

com a análise dos dados.

Devido à volatilidade inerente às mídias digitais, a definição de uma enunciação

aforizante como destacamento forte/fraco torna-se algo possivelmente efêmero. Entretanto,

nos dados ora analisados, considerando o momento em que foram coletados, com exceção

das Figuras 2 e 7, todas as outras aforizações se constituíram como destacamentos fortes,

isto é, sua circulação acontece de forma autônoma em relação à do texto-fonte. Ao serem

destacados, todos os enunciados sofreram algum tipo de alteração, quando comparados aos

seus fragmentos-fontes.

Após serem destacados e alterados, os enunciados estampados nas Figuras 1, 2, 3 e

7 foram alçados a slogans publicitários (aforizações primárias), já os das Figuras 4, 5 e 6

apresentam-se com o estatuto ambíguo: são fragmentos extraídos dos depoimentos,

acompanhados pelo nome e rosto de cada depoente, mas não apresentam nenhuma marca de

126

discurso relatado (aspas, balão, seta, cor ou tipografia diferente...). Isso fez com que esses

enunciados se beneficiassem das propriedades de ambos os tipos: aforização primária e

secundária. Ademais, essa ambiguidade pôs em evidência a presença do hiperenunciador.

Foi possível depreender a noção de hiperenunciador no corpus como um todo. Nas

Figuras 1, 2, 3 e 7 (Fases 1 e 3), sua presença é apreendida como a instância que legitima a

retomada e a circulação dos slogans comerciais, através de suas marcas: #nacaobilingue (tag

da comunidade We Are Wizard) e logotipo.

Em relação às Figuras 4, 5 e 6 (Fase 2), depreendemos o hiperenunciador tanto por

#nacaobilingue quanto por aquilo que não só pode, como deve ser dito pelos membros de

We Are Wizard. Embora as falas sejam atribuídas aos depoentes, nota-se um modo de

enunciar condizente com o grupo a que pertencem. Além disso, ao comparar os fragmentos-

fonte e seus equivalentes destacados, percebe-se que os depoimentos foram modificados

com o intuito de melhor atender aos interesses da comunidade discursiva. Dessa forma, o

hiperenunciador é o terceiro ausente que destaca, altera e faz circular os enunciados

pertinentes. Esse modo de enunciar dos membros de We Are Wizard se refere ao ethos

discursivo dessa comunidade, cujo hiperenunciador é a escola Wizard.

No atual estágio de globalização, o ensino de inglês — a lingua franca da política,

economia e cultura — é considerado um “produto maduro”, isto é, um produto com o

consumo relativamente estável e, portanto, conhecido pela sociedade, status que atrai o

interesse de muitas empresas em comercializá-lo. Com o objetivo de se destacar em meio à

forte concorrência de mercado — princípio básico da filosofia neoliberal —, o que se vende

nos textos publicitários não é o produto per si, mas um mundo ético a que o uso ou a posse

do produto dá acesso.

Estudar inglês na Wizard é ter acesso ao seu mundo ético, cujas práticas discursivas

incluem: comunicar-se por meio da #nacaobilingue; conquistar o certificado internacional

TOEIC (com o qual o jovem estudante tem a possibilidade de estudar ou trabalhar/morar em

outro país, bem como a promoção profissional por ter se tornado bilíngue); a relação de

pertencimento à maior escola de idiomas do mundo, dirigida e endossada pelo líder mundial

em negócios em educação, o conglomerado Pearson, entre outras.

127

No capítulo 1, ao apresentar o percurso histórico da Wizard, apresentamos também

seu ethos pré-discursivo, o qual é confirmado nos textos de Nação Bilíngue, ou seja, sua

representação imagética de empresa grande, competitiva, eficiente e com características

predatórias, que superou toda a sua concorrência, consolidando-se líder de mercado no seu

segmento empresarial.

A partir dessa imagem de si construída discursivamente, a Wizard se apresenta, em

Nação Bilíngue, como a única escola de idiomas capaz de realizar os sonhos dos alunos.

Para isso, reforça o estereótipo do falante de inglês como alguém que ocupa um lugar social

prestigiado, despertando o desejo de estudantes que almejam tal status e enxergam no

aprendizado de língua inglesa uma — talvez a única — forma de alcançá-lo.

Contudo, a adesão não se dá pela simples identificação entre enunciador e

coenunciador; a Wizard se coloca como a fiadora que dá acesso ao mundo ético de We Are

Wizard, cujos membros são engajados em transformar o Brasil em bilíngue (Figuras 1, 2 e

7), estão cientes das novas demandas da juventude (Figura 3) e têm a possibilidade de

realizar seus sonhos, sejam eles estudar nos EUA (Figura 4), fazer intercâmbio no Canadá

(Figura 5) ou ascender socialmente, por meio de uma promoção na carreira, consequência

de tornar-se um profissional bilíngue (Figura 6).

Embora não esteja verbalmente marcado em nenhum cartaz/banner digital que o

objetivo maior é a implementação da Língua Inglesa, esse efeito de sentido é assegurado

pelos demais elementos das figuras (águia-americana, o nome da escola “Wizard”), pelas

cores na sua composição artística: azul e vermelho nos tons emblemáticos das bandeiras dos

EUA e da Grã-Bretanha, bem como pelo contexto sócio-histórico (Capítulo 1).

Assim, as frases sem texto de Nação Bilíngue produzem, por um lado, o efeito de

sentido de que a implantação do bilinguismo no Brasil é a melhor chance de inserção dos

estudantes no mundo globalizado e moderno, cujo idioma é o inglês; por outro lado, que esse

idioma é um meio de ascensão social. De todo modo, tem-se a prevalência do discurso

econômico respaldando os textos de Nação Bilíngue.

Constatamos ainda que, diferentemente dos slogans publicitários convencionais, os

de Nação Bilíngue não recorrem à função conativa (apelativa), sobressaindo-se o seu caráter

128

mimotópico, isto é, sua capacidade de adaptar-se a ou metamorfosear-se em outros discursos,

simulando até mesmo ser uma não publicidade.

Observe-se ainda que o modo de enunciar também contribui para a produção de

determinados efeitos de sentido. Conforme dito no trecho em epígrafe, o regime enunciativo

aforizante desvela sua força, pois é tese, convicção; não implica um coenunciador específico,

mas um auditório universal que não se situa no mesmo plano do aforizador, por isso, incapaz

de intervir na enunciação. Assim, ao fazer apologia ao bilinguismo, a Wizard se coloca no

alto e impõe a sua vontade/verdade, pois está resguardada por uma instância superior. Com

base nessas características, lançamos a hipótese de que a aforização é o regime enunciativo

ideal para se propor uma transformação dessa envergadura.

A transformação de uma nação concerne às autoridades competentes, que podem

discutir o tema por meio de votações, plebiscitos, assembleias gerais etc., pois cabe ao poder

público, o Estado, zelar pelo bem-estar da população. No entanto, em tempos de

corporocracia, as demandas de um povo não têm sido decididas por ele, através dos meios

cabíveis, mas por conglomerados empresariais que tomam a frente do poder público para

ditar o que é melhor para toda a sociedade. Em outras palavras, os grandes grupos

empresariais têm sequestrado as iniciativas governamentais e agido como se a sociedade a

eles pertencesse.

Atualmente, os grupos detentores do poder não mais se intimidam por impor pautas

que visam a atender aos seus interesses prioritariamente. A campanha publicitária Nação

Bilíngue é um exemplo. Para pôr em prática sua proposta, a Wizard by Pearson precisa de

recursos, obtidos com o aumento no número de alunos. Para tanto, a escola de idiomas

explora ao máximo seu ethos de empresa grandiosa, poderosa, experiente, competente e

beneficente, a fim de recrutar o máximo de alunos-consumidores que se engajem em sua

causa, isto é, em sua missão de transformar o Brasil em uma nação bilíngue.

Esperamos que as discussões travadas nesta dissertação contribuam para o

desenvolvimento de trabalhos futuros, sejam com a mesma temática, sejam a respeito da

circulação de slogans precedidos por hashtag (#), fenômeno discursivo que carece de

estudos linguístico-discursivos. Esperamos, ainda, que contribua com reflexões críticas

acerca das causas e dos efeitos da expansão global da Língua Inglesa e da tentativa de sua

legitimação na contemporaneidade.

129

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