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Mestrado em Ensino de Artes Visuais para o 3º Ciclo e Secundário

Departamento de Pedagogia e Educação

Necessidades Específicas de Educação e Adolescência 2011 - 2013

As Artes na inclusão de Alunos com NEE - Estudo de caso: “Natura” | Performance Artística -

Docente | Professora Graça Duarte Santos

Francisco André Mantas Nº 9848

[email protected]

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ÍNDICE

Introdução ------------------------------------------------------------------------------------------------------- 3

I PARTE

1 | A Escola Inclusiva

1.1 | Da Integração à Inclusão ----------------------------------------------------------------------- 5

1.2 | A Inclusão em Contexto Escolar -------------------------------------------------------------- 8

2 | As Artes na Escola Inclusiva

2.1 | As Artes na Educação ------------------------------------------------------------------------- 10

2.2 | O Papel das Artes na Inclusão---------------------------------------------------------------- 13

II PARTE

1 | Definição e caracterização das deficiências ----------------------------------------------------------- 17

III PARTE

1 | Caracterização da OREE-CF no contexto da escola ------------------------------------------------- 19

2 | O projeto “Natura” – Linhas Definidoras -------------------------------------------------------------- 20

2.1 | Definição e objetivos do Projeto ---------------------------------------------------- 20

2.2 | Metodologia e Operacionalização do Projeto ------------------------------------- 22

IV PARTE

1 | Conclusões Finais:

Qual o papel das artes no processo de inclusão dos alunos? Que caminhos? --------------------- 26

Bibliografia ---------------------------------------------------------------------------------------------------- 28

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Introdução

A performance artística “Natura”, apresentada no final do ano letivo de 2012 na Escola

Básica Professor Paula Nogueira, em Olhão, reuniu todos os alunos da OREE-CF (Outra Resposta

Educativa Especializada de Cariz Funcional) num espetáculo onde conviveram várias formas de

expressão artística. Os objetivos principais deste projeto estenderam-se por duas fases distintas,

mas que se complementam: o processo metodológico de construção da performance, desde os

primeiros exercícios, definição e ensaios, e por fim, a apresentação à comunidade escolar. Em

ambas as fases, um objetivo comum: promover a inclusão dos alunos na comunidade escolar.

A inclusão, ou a noção de escola inclusiva, é hoje um conceito que a generalidade das

escolas se baseia, assente nas diretrizes das convenções europeias e mundiais e consagrado nas

políticas educativas. Desenvolvida após as práticas, algo ineficazes, do conceito de integração, a

inclusão configurou-se como um processo abrangente que envolve toda a comunidade educativa e

valoriza os alunos com necessidades educativas especiais.

Neste domínio, as artes podem assumir um papel fundamental pelo seu caráter libertador e

construtivo de uma visão mais aberta do próprio eu e dos outros. As recomendações europeias

mais recentes no domínio da educação artística colocam-na como fundamental no

desenvolvimento integral do indivíduo, num espetro de uma educação para todos. E a inclusão dos

alunos com necessidades educativas especiais está também incluída nesse conceito abrangente de

educação para todos.

Este trabalho procura refletir sobre o papel que as artes, entendendo-as como as artes

plásticas, musicais ou dramáticas, podem assumir num processo de inclusão de alunos com

necessidades educativas especiais numa escola regular. Não se procura dar uma explicação

extensiva das características de cada deficiência e de como as artes intervêm no trabalho com os

alunos portadores dessa deficiência; este trabalho procurará, antes, abordar genericamente as várias

formas de arte e a sua importância num processo de inclusão. Para isso, será descrito um estudo de

caso efetuado na referida escola, onde todo o processo da construção e apresentação da

performance permitiu a reflexão de inúmeras questões neste âmbito e de algumas conclusões.

O trabalho foi dividido em quatro partes. A primeira parte, destinada à fundamentação

teórica do projeto, descreve e caracteriza o contexto de inclusão, abordando a evolução histórica

das práticas educativas para crianças com deficiência, num processo que nos leva do conceito de

integração para o conceito mais atual de inclusão. De seguida, é abordada a arte no seu papel na

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escola inclusiva. O texto descreve a evolução histórica da presença das artes na educação em

Portugal, procurando mostrar como as diferentes épocas, teorias vigentes e consequentes práticas

educativas lidaram com o conceito das artes. Esta reflexão leva-nos, logo de seguida, ao papel que

as artes podem ter nos atuais processos de inclusão.

Na segunda parte são definidas e caracterizadas as deficiências dos alunos que integram a

OREE-CF, embora não se pretenda uma descrição exaustiva das mesmas.

A terceira parte descreve o estudo de caso experienciado e observado na Escola Básica

Paula Nogueira, iniciando-se com uma caracterização da OREE-CF. De seguida, são descritas as

linhas definidoras do projeto, assim como a sua metodologia e operacionalização.

Os dados observados, as experiências vividas e as conclusões resultantes de todo este

processo estão presentes na reflexão final da quarta e última parte do trabalho, onde se procura

abordar o papel das artes na inclusão. O texto procurará detetar obstáculos que se verificaram ou

poderão surgir em projetos semelhantes, assim como apontar possíveis caminhos para o sucesso

em atividades onde as artes e o potencial humano e criativo dos alunos com NEE são a base

principal.

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I PARTE

1 | A Escola Inclusiva

1.1 | Da Integração à Inclusão

Numa conferência promovida em 1999 pelo Conselho Nacional de Educação, Ana Maria

Bénard da Costa afirmou, perentoriamente, que a questão da educação inclusiva “é, antes de mais,

uma questão de direitos humanos” 1, tal como está consagrado no primeiro artigo da Declaração

Universal dos Direitos do Homem.2 Para a autora, “A educação inclusiva não se justifica hoje

simplesmente porque é eficaz (…) a razão última que a baseia consiste na defesa do direito à plena

dignidade da criança como ser humano, livre e igual em direitos e dignidade.” 3

Também José Afonso Baptista se referiu ao modelo da escola inclusiva, afirmando que

“ (…) não é um projecto isolado, descontextualizado. É uma exigência social e política, é a

tradução, em termos educacionais, dos valores da democracia, da justiça social e da solidariedade

que, desde a segunda metade do século XIX, impuseram, progressivamente, o reconhecimento da

educabilidade de todas as crianças, o direito de todos à educação, a escolaridade obrigatória, o

direito de todos ao sucesso na escola. A educação das pessoas com deficiência é hoje, antes de

mais, um direito.” 4

Ambas as noções estão na base da Declaração de Salamanca e Enquadramento da Ação na

Área das necessidades Educativas Especiais, resultado da Conferência Mundial de Salamanca em

1994, onde o conceito de educação inclusiva foi consignado, abrindo caminho para uma evolução

significativa dos princípios e práticas em relação às crianças com necessidades educativas

especiais (NEE).

Importa agora analisarmos, numa perspetiva histórica, a evolução das ações e movimentos

que procuraram dar resposta aos indivíduos com deficiência, o que refletiu consequentemente nas

práticas educativas com crianças e jovens com necessidades educativas especiais, nomeadamente

1 Bénard da Costa, 1999. Página 25

2 “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidades e em direitos”, disponível em

http://dre.pt/comum/html/legis/dudh.html, acedido a 8 de dezembro de 2012 3 Bénard da Costa, 1999. Página 25

4 Baptista, 1999. Página 123.

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em Portugal. Esta evolução é importante para um maior entendimento sobre o conceito de inclusão

e quais as características que a definem em contexto escolar.

O desenvolvimento, a partir do século XIX, a escola “universal, laica e obrigatória” teve

como um dos objetivos ou intenção oferecer às crianças e jovens uma base comum de

instrumentos que permitisse homogeneizar as grandes diferenças socioculturais e cognitivas dos

alunos. Como afirma Rodrigues, “A escola universal seria (…) uma hipótese de consumação da

igualdade de oportunidades, dado que todos os alunos se encontrariam à saída da escola em

condições semelhantes de competição para os melhores lugares na sociedade.” 5. No entanto,

como o mesmo autor afirma, a escola acabou por desenvolver práticas e valores que

progressivamente foram acentuando essas diferenças, tornando-se ela própria um instrumento de

seleção. Mesmo as escolas especiais, criadas para acolher crianças que não se enquadravam no

anterior modelo, por apresentarem dificuldades situadas ao nível da deficiência, também passaram

pelo mesmo problema.6

Em Portugal, até aos anos setenta da década de noventa, a escola era sobretudo

uniformizadora, consequência ainda dos anos de ditadura que o país viveu. Ao invés de investir na

igualdade de oportunidades para todos, o sistema educativo do Estado Novo fazia o oposto, ao

selecionar os alunos mais “aptos” e conduzindo-os para o ensino liceal, enquanto os “menos

aptos” eram conduzidos ao ensino técnico, ou acabavam por abandonar a escola precocemente,

após o primeiro nível de ensino. O professor, tido como detentor único do saber, tratava os alunos

como iguais, sem atender às suas características específicas. Aqueles que revelavam dificuldades a

vários níveis, incluindo as dificuldades derivadas da deficiência, acabam, inevitavelmente, por

passar num processo de exclusão presente nas próprias políticas educativas, mais do que na

atividade individual do próprio professor.

Apenas no ano de 1978 o conceito e modelo de “necessidades educativas especiais” foram

definidos, passando a integrar as políticas educativas em Portugal. O conceito foi definido nesse

ano no Relatório Warnock, resultado do 1º Comité britânico realizado para reavaliar o

atendimento aos deficientes na educação, presidido por Mary Warnock. As conclusões mostraram

que o grande número de dificuldades apresentados pelas crianças e a necessidade de adaptar as

práticas educativas legitimava o conceito de “necessidades educativas especiais”.

Seguindo esta linha, Portugal inicia uma política de “Escola Integradora”, através de um

sistema de apoio com bases muito diferentes; o sistema está agora apoiada e centrado nas

5 Rodrigues, 2001. Página 16

6 Rodrigues, 2001. Página 16

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necessidades educativas especiais, ao invés da anterior conceção médico-pedagógica. Os alunos

que apresentavam estas características começaram a ser integrados em escolas regulares, através

de equipas de apoio, e apoiados individualmente, de forma a poderem participar no programa

vigente, e inalterado, do currículo escolar.

No entanto, apesar do rápido desenvolvimento deste modelo de escola no nosso país,

começaram a notar-se inúmeros problemas devido à acentuada diferença entre os alunos

“normais” e os alunos com “necessidades educativas especiais”. Como afirma Rodrigues, “ (…) a

escola integrativa, (…) fica francamente aquém do objetivo de integrar todos os alunos,

conseguindo, quando muito, resultados na integração de alunos com alguns tipos de deficiência.

(…) Na verdade, não é o aluno que precisa ser mudado, é o conceito homogeneizador da escola

tradicional” 7

Esta questão do autor faz-nos pensar que na questão da integração importa refletir, antes de

mais, no conceito da própria educação.

Durante a década de oitenta e inícios da década de noventa, ocorreu uma série de ações que

contribuíram também para a sensibilização destas questões junto dos governos e práticas

educativas. O ano de 1981 foi declarado como o Ano Internacional das Pessoas com Deficiência,

constituindo-se como um marco essencial na mudança dos conceitos vigentes sobre a forma de

encarar as pessoas com deficiência e a sua educação. A defesa do princípio de igualdade de

oportunidades para os deficientes foi reforçada na Década das Pessoas com Deficiência, entre

1983 e 1993. A Convenção sobre os Direitos da Criança, organizada pela Assembleia Geral das

Nações unidas em 1989 e ratificada por mais de cento e cinquenta países, pressionou os governos

para a adoção urgente de medidas objetivas que integrassem crianças com deficiência nas escolas

regulares. Em 1990, a Declaração Mundial sobre a Educação para Todos procurou dar garantias

para que todas as crianças, independentemente das suas características, tivessem acesso à

educação. Três anos mais tarde, em 1993, as Normas para a Igualdade de Oportunidades para

Pessoas com Deficiência, uma iniciativa das Nações Unidas, lançou igualmente diretivas sobre

esta matéria.

Todas estas medidas tiveram um inevitável impacto nos diferentes países, nomeadamente

também em Portugal, verificado sobretudo na definição das práticas educativas pelos governos e

nas comunidades educativas. Segundo Bénard da Costa,

“Começou a ser questionada a forma como era encarada a problemática dos alunos com

necessidades educativas especiais, transferindo-se a atenção dos problemas inerentes às próprias

7 Rodrigues, 2001. Páginas 18 e 19.

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crianças e à exaustiva busca da sua categorização e das suas causas, para se acentuar a importância

da acção educativa como meio de responder a esses problemas.“ 8

No ano de 1994, a já referida Convenção Mundial de Salamanca, promovida pela

UNESCO, reuniu um total de noventa e dois governos, incluindo o português, e vinte e cinco

organizações internacionais. Foi um marco fundamental na evolução dos princípios e práticas em

relação à educação de crianças com NEE, sendo consignado o conceito de educação inclusiva. A

Declaração de Salamanca e Enquadramento da Ação na Área das Necessidades Educativas

Especiais, resultante desta Convenção, muda definitivamente o paradigma da escola integradora

para a escola inclusiva, ao apontar para um novo entendimento do papel da escola na educação de

alunos com NEE.

Numa análise ao documento9, verificamos que o princípio das escolas inclusivas consiste

em que todos os alunos aprendam juntos, independentemente das dificuldades e das diferenças que

apresentam, sendo da responsabilidade das escolas o reconhecimento e satisfação dessas

necessidades, adaptando os currículos, a sua organização, estratégias pedagógicas, recursos e a

cooperação com as comunidades. À escola cabe ser o meio mais eficaz para combater atitudes

discriminatórias, criando comunidades abertas e solidárias e construindo uma comunidade

inclusiva, num conceito de educação para todos.

1.2 | A Inclusão no Contexto Escolar

O conceito de inclusão, como se verificou, nasceu da necessidade de inserção mais eficaz

de crianças com NEE nas escolas regulares, inserção essa que o modelo de escola integradora não

conseguiu dar resposta. A escola inclusiva empenha-se em receber todas as crianças,

restruturando-se de forma a poder dar respostas adequadas à diversidade dos alunos. Além de

atender às limitações de cada aluno, procura também dar respostas de forma a desenvolver ao

máximo o seu potencial. Num contexto de educação para todos, importa sobretudo reforçar a

autonomia do aluno, dando-lhe condições para participar em todas as atividades educativas e

apoiando a sua transição para a vida adulta a nível laboral e social.

8 Bénard da Costa, 1999. Página 27.

9 Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001393/139394por.pdf, acedido a 5 de dezembro de 2012.

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O entendimento e valorização da diversidade como elemento estrutural na definição de

práticas inclusivas é um dos principais aspetos deste modelo. A diversidade é entendida como

enriquecimento, cabendo à escola desenvolver respostas num extensivo e cooperativo trabalho

com todos os agentes educativos. Esta consciência da diversidade deve, assim, ser a base da

definição dos projetos pedagógicos de uma escola que se quer inclusiva, através do

desenvolvimento de propostas que abranjam todas as áreas do currículo e onde estes devem

adaptar-se às necessidades das crianças, e não vice-versa. A formação de professores nesta área,

independentemente da sua área curricular, é outro dos aspetos a ter em conta, assim como uma

revisão clara e objetiva dos métodos de avaliação.

Pela multiplicidade de fatores percebe-se que a educação inclusiva é no fundo um

processo, uma meta com vários caminhos, que cada país e cultura alcançam a um ritmo

diferenciado.10

A sua implementação só é possível quando legitimada e definida nas políticas

educativas, na organização e projetos pedagógicos nas escolas, e nos próprios métodos

pedagógicos e atitude do professor na sala de aula.

Em Portugal, as políticas educativas apontam para projetos educativos onde a inclusão seja

uma realidade, sendo esta uma preocupação essencial na definição dos Projetos Educativos e

Plano Anual de Atividades. No entanto, como em todos os processos, a sua exequibilidade pode

ser longa e enfrentar diversos obstáculos. É necessário que haja um envolvimento sério e rigoroso

de todos quanto participam neste processo: quem define as políticas educativas a nível nacional, e

em toda a comunidade educativa sem qualquer exceção.

10

Bénard da Costa, 1999. Página 35.

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2 | As Artes na Escola Inclusiva

2.1 | As artes na Educação

O reconhecimento da importância das artes na no desenvolvimento humano, e

consequentemente na educação, que hoje é largamente considerado, não tem tido um percurso

regular em nenhum país do mundo, fruto das diferentes épocas históricas, teorias vigentes e

práticas educativas. Importa referir que quando falamos em artes, referimo-nos às artes plásticas,

dramáticas e musicais, integrando-a num espetro alargado e generalista.

O ano de 1942 foi decisivo devido ao importante contributo de Herbert Read, expresso na

obra “Educação pela Arte” 11

, onde defendeu que a arte devia ser a base da educação. O autor

considerava indissociáveis os conceitos de educação e arte, assumindo as várias formas de

expressão artística (plásticas, musicais e dramáticas) como essenciais e básicas no processo de

formação integral do indivíduo. Para Read, a arte refere-se essencialmente aos sentimentos, mais

do que à razão ou perceção consciente, considerando a obra de arte material como algo que

provoca alterações mais ao nível espiritual do que ao nível do pensamento racional. 12

As suas

ideias tiveram repercussões incríveis a nível da educação artística em geral, contribuindo para uma

mudança de paradigma no modo de encarar as artes na educação.

Outros autores têm defendido a importância das artes na educação. Vigotsky defende a

imaginação como uma função vitalmente necessária 13

, sendo o campo das artes o mais permeável

ao seu desenvolvimento. No sentido de melhor refletir sobre a imaginação e a atividade criadora da

criança, o autor explora a relação entre a fantasia e realidade no desenvolvimento humano,

considerando errado defini-las como conceitos separados, pois é na experiência do real que a

criança apropria-se de elementos que construirão a sua fantasia. E não devemos esquecer que a

fantasia é o terreno mais favorável ao desenvolvimento da arte. Também Lowenfeld e Brittain

defenderam a arte no desenvolvimento integral da criança, já que

“A arte, através da autoexpressão, pode desenvolver o eu como importante ingrediente da

experiência. Como quase todos os distúrbios emocionais ou mentais estão vinculados à falta de

autoconfiança, é fácil perceber como a estimulação adequada da capacidade criadora da criança

pode fornecer salvaguarda contra tais distúrbios” 14

11

Read, 2001. 12

Sousa, 2003. Página 25. 13

Vigotsky, 2009. Página 20. 14

Lowenfeld e Brittain, 1977. Página 30.

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Lowenfeld defendeu, inclusive, no Congresso Internacional de Educação Artística realizado

em Basileia em 1958, que as artes têm uma importância extrema na educação, pois ao serem

desenvolvidas as forças criadoras no domínio da arte, são simultaneamente desenvolvidas as forças

noutras áreas do saber, como as ciências. 15

As teorias apresentadas têm como fundamento comum que a criança é naturalmente

criadora. A satisfação da atividade criadora é uma necessidade biológica absolutamente necessária

para o desenvolvimento do ser humano. A necessidade em comunicar com o que lhe rodeia, leva

desde cedo a criança a utilizar a linguagem plástica, descobrindo que os movimentos da mão com

determinado material deixam marca num qualquer suporte. Ao experienciar situações no seu

desenvolvimento no domínio plástico, musical ou dramático, a criança estabelece novas ligações

que lhe permitem ter um conhecimento mais alargado de si, dos outros e do mundo que a rodeia.

A arte constitui-se, assim, como um processo que envolve elementos diversos da

experiência e como um instrumento gerador de desenvolvimento e aprendizagem ao nível

cognitivo e sensorial. O desenvolvimento da criatividade, do espírito crítico ou do sentido estético,

preparará a criança para uma maior abertura nas restantes áreas do saber.

É na escola, como espaço privilegiado da educação de uma criança, que esta visão das artes

pode ser materializada no sentido de um amplo desenvolvimento das crianças e jovens.

Importa agora refletir sobre o percurso da presença das artes na educação em Portugal,

percebendo de que modo as diferentes contextualizações históricas e políticas educativas

dominantes influenciaram a sua implementação nos currículos. O percurso não tem sido regular

por estar no centro de um debate onde convergem diferentes teorias, ideologias e modelos de

educação, evoluindo sempre de forma lenta por estar condicionada a essas dominantes.

Sujeito a uma certa ambiguidade e a diferentes perspetivas, importa por isso definir os

diferentes conceitos de arte na educação, entendendo de que forma os podemos relacionar.

Sousa deu um importante contributo ao dividir a história da educação em Portugal neste

âmbito em quatro grandes fases: As artes na educação; uma educação incluindo uma formação

estética; a educação pela arte e a educação artística.16

As fases atravessam toda a história da

educação em Portugal e permitem distinguir de que modos as artes conviveram com o ensino.

15

Clero e Gloton, 1975. 16

Sousa 2003. Página 29.

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12

A primeira fase, correspondendo a uma época até às primeiras décadas do século XIX

refere-se à ausência de uma política educativa que valorizasse as artes na escola; no entanto, elas

estavam momentaneamente presentes nos currículos. A segunda fase é baseada nas ideias de

Almeida Garrett, que por na obra “Da Educação”, publicada em 1835, defende uma educação que

inclua uma formação estética através da integração das artes nos currículos.

A terceira fase situa-se nos anos da ditadura em Portugal, quando a educação estava

colocada ao serviço da ideologia nacionalista do Estado. Ao mesmo tempo que as políticas

educativas eram regidas por valores conservadores e pouco abertas ao desenvolvimento da

criatividade, sopravam em Portugal os ventos de uma nova ideologia defendida por Herbert Read,

o que levou Sousa a considerar esta fase como a de educação pela arte. Como já foi referido, as

suas ideias tiveram repercussões incríveis a nível da educação artística em geral, e

consequentemente, também em Portugal, 17

embora muito mais no plano teórico e de investigação

e em contextos não formais de educação, do que propriamente na escola pública.

Com o regime democrático entramos na fase final a que Sousa chamou, efetivamente, de

educação artística. Na Lei de Bases do Sistema Educativo, em 1986, as artes são reconhecidas

como um fator importante na formação integral do individuo, pelo que a sua implementação nos

currículos vai obedecer a novas disciplinas, desde o pré-escolar. Desde a sua publicação, a

situação da educação artística evoluiu pouco, procurando manter o seu eixo estruturante.

A exceção deu-se na atual Reforma Curricular do Ensino Básico e Secundário, onde,

apesar de teoricamente alicerçada nesta mesma Lei de Bases, a importância das artes é

minimizada. A revisão aponta para uma desvalorização das artes e tecnologias nos currículos do 2º

e 3º ciclos, por não serem considerados “estruturantes” na formação e desenvolvimento do aluno.

A pedagogia construtivista é preterida por uma pedagogia por conteúdos, com uma definição

objetiva das metas de aprendizagem. Assiste-se assim, a um curioso e importante retrocesso na

defesa das artes na educação, o que terá, inevitavelmente, consequências e resultados também na

educação especial e na inclusão.

17

Inspirados pela tese de Herbert Read, um grupo de pedagogos e intelectuais fundou em 1956 a Associação

Portuguesa de Educação pela Arte, com o objetivo de integrar as artes nas metodologias dos currículos dos vários

níveis de ensino.

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13

2.2 | O Papel das Artes na Inclusão

Nos atuais modelos de escola inclusiva pretende-se que a diversidade e heterogeneidade

dos alunos sejam fatores de desenvolvimento e uma base para a exploração do potencial de cada

aluno. Neste processo de partilha e cooperação, cabe à organização da escola incluir da melhor

forma os alunos com necessidades educativas especiais, para que estes sintam que fazem parte de

um todo que se quer unido, e sintam ao mesmo tempo que são uma chave importante para o

sucesso da comunidade educativa.

A arte, ou as várias formas de arte, assumem aqui um papel importante. Podemos referir a

sua importância no desenvolvimento das crianças com NEE num duplo sentido: o seu caráter

pedagógico e terapêutico, e por outro lado, o seu papel ativo na inclusão dos alunos na comunidade

escolar.

As potencialidades terapêuticas da arte há muito que têm sido reconhecidas. A Arterapia é

uma área do conhecimento que desenvolve a expressão de conteúdos pessoais por meio de

recursos expressivos e artísticos, relacionando dinamismos psíquicos básicos com conteúdos

simbólicos presentes nos trabalhos. As atividades são realizadas em ateliê terapêutico, visando

uma direção criadora de sentido. A criatividade e a expressão artística são exploradas de modo a

responder aos problemas ou necessidades de cada indivíduo. Através da Musicoterapia, a música e

os seus elementos constituintes são utilizados em processos que facilitam a comunicação,

expressão e relacionamento interpessoal.

Já em 1978, Kagin e Lusenbrink propuseram o ETC (Continuum das Terapias

Expressivas), um processo progressivo visando a expressão de conteúdos pessoais, a auto

perceção e consciência de si, o desenvolvimento de competências e uma ação reflexiva

permanente de todo o processo. O ETC ordena os níveis de desenvolvimento em quatro grupos:

cinestésico/sensorial; percetual/afetivo; cognitivo / simbólico e criativo. A interação com diversos

materiais e expressões artísticas acontecem nos diferentes níveis.

Tanto a Arterapia como as Terapias Expressivas, envolvendo diferentes conceitos e

metodologias, têm sido utilizadas no trabalho com crianças com necessidades educativas

especiais, embora mais em contextos não formais de educação. Comum a ambas está o

reconhecimento da arte e da expressão como fundamental no desenvolvimento da criança.

Tradicionalmente, a escola tende a orientar-se por outras metodologias mais “académicas”,

embora o reconhecimento da arte no processo de inclusão seja uma realidade e uma meta.

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14

Num estudo sobre a importância da expressão dramática e artística na infância, Pierre

Leenhart afirma que:

“(…) as faculdades de imaginação têm muita importância, porque constituem a via mais lógica e

espontânea de descoberta e aprendizagem. Ao colocar-se, através da imaginação, numa situação

utópica, seja ela a imitação ou qualquer outra mais nitidamente fantasista, a criança está a

experimentar um comportamento independente, que a ajuda a livrar-se do seu egocentrismo e lhe

proporciona uma forma de estar no mundo.” 18

Colocar-se “através da imaginação, numa situação utópica” abrange não só a expressão

dramática e o teatro, mas outras formas de expressão artística, como o desenho ou pintura. Ao

expressar-se através das artes plásticas, a criança escolhe as cores e formas e, ao mesmo tempo que

representa algo que pretende comunicar, mostra a sua visão de si e das coisas que a rodeia e

materializa o seu pensamento animista e fantasioso.19

Através da música ou da expressão

dramática, a criança entende a voz ou o corpo como instrumento de comunicação e expressão e

utiliza-os ao serviço do seu imaginário.

Neste processo, a arte surge como o meio privilegiado para o desenvolvimento da

imaginação, sendo por isso impulsionadora e facilitadora de novas aprendizagens. Através da

expressão artística a criança encontra mecanismos para se expressar e comunicar da melhor forma,

contribuindo para o desenvolvimento das aprendizagens noutras áreas do saber. As artes vão exigir

da criança o sentido estético, a sensibilidade e um olhar diferente do mundo, ajudando-a a

encontrar caminhos de criação e construção do ser.

Leenhardt reafirma a importância da expressão dramática e artística no trabalho com as

crianças, lembrando que “O imaginário é o meio de expressão privilegiado da criança. Exprimir a

realidade representando-a e aprofundar deste modo a sua descoberta é talvez a sua actividade

básica, rica e necessária, mas não se trata de uma comédia, não é teatro.” 20

No sentido das artes como fator de inclusão, é importante lembrar que as limitações que as

crianças com NEE enfrentam nas áreas mais “académicas” dos currículos escolares podem gerar

uma quebra de autoestima e, consequentemente, de motivação. Mesmo com adaptações

curriculares a vários níveis, a distância entre os resultados alcançados (mesmo que alcançados a

100% nos parâmetros definidos para este tipo de alunos) e os resultados dos alunos do regular,

18

Leenhardt, 1997. Página 14. 19

Não incluímos aqui as atividades de expressão plástica rígidas, com regras estabelecidas e que bloqueiam a

imaginação e criatividade dos alunos. Partimos da premissa que as atividades nas várias formas de arte são

desenvolvidas num conceito de liberdade e que potenciam a expressão pessoal dos alunos. 20

Leenhardt, 1997. Página 14.

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pode ser causadora de desmotivação e colocar em causa o sentido da palavra inclusão. A arte

minimiza estes efeitos, quando coloca na mesma balança os diferentes tipos de alunos e viabiliza a

partilha e a comunhão entre todos. Sendo uma linguagem universal, a expressão dos sentidos

aproxima os diferentes tipos de crianças, valorizando cada uma delas com o que tem de melhor e

no seu máximo potencial.

É importante referir que o estabelecimento de bases e recomendações das organizações que

orientam as políticas educativas é de extrema importância para todo este processo. Já neste texto

se falou em situações de educação formal e não formal, e de como as práticas educativas vigentes

influenciam as respostas dadas às crianças com NEE.

Como em todos os processos, os avanços em termos de uma resposta mais adequada para a

resolução de um problema podem ser sinuosos e lentos. A Declaração de Salamanca consignou

definitivamente o conceito de uma educação para todos, onde a inclusão deveria ser o caminho a

seguir. No entanto, a recomendação das artes e da educação artística como fundamental nesse

conceito, só mais tarde foi consignada.

O Roteiro para a Educação Artística definido pela UNESCO em 2006 procurou defender

argumentos e orientações no sentido de reforçar a educação artística, colocando em debate as suas

múltiplas funcionalidades. Teria a educação artística apenas a finalidade de ensinar a apreciar,

criticar e experienciar a arte, ou deveria ser também um meio para melhorar a aprendizagens nas

outras áreas do conhecimento? A arte deveria ser ensinada como disciplina virada para si própria

ou para o conjunto de conhecimentos, capacidades e valores que pode transmitir? A educação

artística destina-se a um núcleo restrito de alunos talentosos em disciplinas selecionadas, ou é

para todos? Todas estas questões, especialmente a última, levam-nos inevitavelmente aos alunos

com NEE.

O Roteiro procurou dar uma resposta abrangente a estas questões, assumida a defesa da

cultura e arte como componentes essenciais de uma educação completa que conduza ao pleno

desenvolvimento do indivíduo. A educação artística deve, assim, ser vista como um direito

humano universal, independentemente das características dos alunos, incluindo assim

objetivamente aqueles que são portadores de deficiência.

O Roteiro assumiu também que todos os seres humanos têm um potencial criativo, sendo

que a educação artística estimula o desenvolvimento cognitivo, tornando mais revelante as

aprendizagens face às necessidades das sociedades contemporâneas. Ela deve, por isso, constituir-

se como uma parte obrigatória e fundamental na educação para todos.

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Três anos mais tarde, em 2009,o Parlamento Europeu aprovou uma Resolução sobre a

Educação Artística na União Europeia, expresso num documento chamado “Educação Artística e

Cultural nas Escolas da Europa”, onde reforçou os resultados do Roteiro de 2006. Uma das

principais recomendações, talvez a mais generalista, afirmava que a educação artística deveria ser

obrigatória em todos os níveis de ensino, estando implícito a inclusão de todo o tipo de alunos.

O sistema de ensino português tem no seu currículo, desde a Lei de Bases de 1986, um

conjunto de disciplinas na área das artes em todo o ensino básico e secundário. Cabe às escolas, na

sua organização e práticas educativas, utilizar esse recurso; legitimado, estabelecido e formal,

como promotor de inclusão dos alunos com NEE, ou criar outros através dos projetos educativos.

Devemos referir um exemplo de educação em contexto não-formal que nos parece

interessante, e um exemplo de boas práticas na inclusão de crianças com deficiência. Desde há

alguns anos que o Setor de Educação e Animação Artística do CAM (Centro de Arte Moderna),

em Lisboa, procurar incluir nos seus projetos alunos com deficiência, assim como desenvolver

projetos destinados exclusivamente a esse público. Foi o caso do projeto “Museu Aberto”, dirigido

especificamente para um público com necessidades especiais, que funcionou em cooperação com

duas instituições na área da deficiência mental. O Setor desenvolveu atividades através da

expressão corporal e dramática, alargando depois os níveis para a expressão plástica e para

parcerias com instituições e associações noutro tipo de deficiências.

O sucesso e a evolução destas iniciativas fizeram com que, desde 2007, o CAM tenha

assumido uma linha específica de programação para público com necessidades especiais

(especialmente deficiência mental moderada e autismo, por ser o público que sempre trabalharam

mais)

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II PARTE

1 | Definição e caracterização das deficiências

As crianças pertencentes à OREE-CF são portadoras, sobretudo, de deficiência mental

ligeira a moderada, apresentando défice cognitivo e também dificuldades de aprendizagens a

vários níveis. Quatro alunos são portadores do Síndrome de Dawn.

A deficiência mental pode ser classificada em ligeira, moderada, severa ou profunda. A

deficiência mental ligeira difere das restantes em termos de ritmo e grau de desenvolvimento

mental, podendo em alguns casos não ser evidente até à entrada na escola. A deficiência mental

severa ou profunda, além da limitação intelectual que a caracteriza, pode ser acompanhada por

outros problemas como a paralisia cerebral, epilepsia ou outra desordem similar, ou problemas

visuais ou auditivos. As causas podem vir de irregularidades genéticas ou de anomalias

cromossomáticas. A Síndrome de Dawn, por exemplo, é responsável por muitos casos de

deficiência mental. Também pode resultar de traumas no nascimento ou de infeções durante os

primeiros anos de vida. Nos fatores biológicos, as causas podem ser a asfixia, incompatibilidades

com o sangue da mãe, e as infeções desta durante a gravidez. As drogas durante a gestação

também podem causar deficiência mental.

As crianças com deficiência mental, seja qual for o nível, apresentam problemas no campo

da memória a curto prazo, o que torna o processo de aquisição de competências bastante moroso.

As crianças são incapazes de fazer generalizações a partir das suas experiências de aprendizagem,

o que dificulta a aplicação do que aprenderam nas situações do quotidiano, sendo também

necessário repetir várias vezes a informação. A maior parte das crianças prefere interagir com

crianças mais novas, exibindo comportamentos sociais característicos dessas idades. As emoções

são expressas de forma muito infantil.

O meio familiar pode ser responsável pelo défice cognitivo, se não desenvolver com a

criança experiências enriquecedoras. No entanto, a deficiência mental pode ocorrer no seio de

qualquer família, seja qual for o estatuto racial, educacional ou racional.

As dificuldades de aprendizagem referem-se a perturbações que interferem com a

capacidade para guardar, reter, processar ou produzir informação, não resultando de causas

biológicas. São, muitas vezes, a causa do insucesso escolar de um aluno, pelo que uma

identificação precoce é fundamental a fim de evitar ou suavizar a frustração e a sensação de

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insucesso. A existência de uma discrepância entre capacidade e desempenho do aluno pode ser um

fator indicativo de dificuldades de aprendizagem.

Os alunos com dificuldades de aprendizagem apresentam uma série de características que

se manifestam de diferentes formas. Entre elas, a falta de competências organizacionais;

problemas de coordenação na perceção visual e motora; défice de memória auditiva, visual e

sequencial manipulação estranha de objetos, distração, hiperatividade e impulsividade; pouca

tolerância a frustrações e problemas; dificuldade nos raciocínios e na realização de tarefas; e baixa

autoestima e problemas nas relações sociais. Estas características variam de indivíduo para

indivíduo, no entanto, há um fator comum a todas elas: o QI está dentro da média ou mesmo

acima desta. Regista-se também a discrepância entre a capacidade intelectual e os resultados

obtidos numa ou mais áreas do saber.

A Síndrome de Dawn é uma anomalia genética causada por um cromossoma a mais em

cada célula do corpo, provocando na criança alterações na estrutura corporal e na definição do

rosto. Os traços mais característicos são os olhos amendoados; fissuras palpebrais únicas; nariz

achatado; língua grande e comprida; mãos gordas e dedos das mãos e pés curtos; pescoço curto;

pontos brancos na íris; flexibilidade excessiva nas articulações e microcefalia, caraterizada por

uma dimensão reduzida do crânio. As crianças portadoras da síndrome enfrentam outros

problemas, já que a maioria apresenta deficiência mental de leve a moderada e outros problemas

físicos associados, como doenças infeciosas recorrentes, problemas no coração, na visão ou na

audição.

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III PARTE

1 | Caracterização da OREE-CF no contexto da escola

A OREE-CF (Outra Resposta Educativa Especializada de Cariz Funcional), anteriormente

denominada de Unidade de Educação Especial, foi criada na Escola Básica Paula Nogueira num

contexto de escola inclusiva, visando a inclusão no meio escolar das crianças e jovens com

necessidades educativas especiais.

Esta oferta educativa divide-se pelo 2º e 3ºciclos e tem por objetivo o desenvolvimento de

autonomias pessoais e sociais nos alunos, assim como favorecer a inclusão dos mesmos na vida

escolar e social, apostando na transição para a vida ativa.

Todos os alunos da OREE-CF têm um Currículo Específico Individual, definido pela

equipa de Educação Especial e professores das respetivas áreas. A única disciplina que é comum a

todos é lecionada pelas professoras de Educação Especial e chama-se Autonomias Pessoais e

Sociais. As restantes áreas disciplinares foram criadas atendendo às características, necessidades e

motivações dos alunos. São elas a Expressão Plástica, Oficina do Papel, Oficina dos Sons,

Madeiras, Expressão Dramática, e Ciências Experimentais. Todas estas aulas são lecionadas no

espaço físico próprio da OREE-CF (equipado com uma sala de entrada, uma cozinha, uma

pequena sala anexa e uma casa de banho. Atualmente, funciona ainda um monobloco climatizado

para frequência das aulas, dividido em várias áreas físicas).

De referir que todos os alunos da OREE-CF estão integrados em turmas do ensino regular,

onde frequentam as disciplinas que complementam o seu horário, nomeadamente na área das

expressões, como a Educação Visual, Educação Tecnológica, Educação Musical, Educação Física,

e ainda Cinema. Os alunos que demonstram mais capacidades ao nível da aquisição da oralidade e

escrita em Língua Portuguesa, frequentam também esta disciplina. São sempre acompanhados por

um professor de apoio, ou na impossibilidade de um horário vago, por um funcionário. A

distribuição das disciplinas a ser frequentadas no ensino regular com a turma é da

responsabilidade das professoras de Educação Especial e dos professores das referidas áreas.

Enquanto nas aulas conjuntas com a turma no ensino regular a avaliação é quantitativa, na

escala normal de 1 a 5, a avaliação das áreas específicas da Unidade são feitas de modo

qualitativo. De referir que, nestas aulas, os grupos de alunos têm um limite máximo de 4 ou 5

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alunos, sempre em tempos de 45 minutos, para que possa existir um acompanhamento mais

próximo dos mesmos e não desviar a sua atenção das atividades da aula.

2 | O projeto Natura – Linhas Definidoras

A performance artística “Natura” foi apresentada no dia 13 de junho de 2012 no auditório

da Escola Básica 2, 3 Ciclos Paula Nogueira, em Olhão, sob a orientação dos professores André

Mantas e Sandra Ferreira e a participação de todos os alunos da OREE-CF da referida escola. Com

a duração de cerca de 25 minutos, o espetáculo foi estreado às 9.30h e repetido mais cinco vezes

durante o dia, sendo aberto a toda a comunidade escolar, embora tenha sido feita uma

calendarização que deu preferência às turmas do ensino regular onde estavam integrados os alunos.

O último espetáculo do dia foi feito especialmente para os pais e familiares dos alunos.

2.1 | Definição e objetivos do projeto

O nome “Natura” deve-se à origem latina da palavra “Natureza”. O título do projeto define

a sua essência num duplo sentido: a exploração dos quatro elementos da natureza (água, ar, terra e

fogo) através da arte, e num sentido mais metafórico, a exploração da natureza de cada aluno como

ser individual e socializante, onde a diferença, ou aquilo que o torna único, é revelada no seu lado

mais puro e natural. No fundo, dois sentidos que se cruzem e se interligam.

Este propósito esteve sempre presente desde que se começou a delinear aquilo que viria a

resultar neste projeto. A sua conceção não pode ser datada objetivamente; ele foi resultado de um

processo desenvolvido ao longo do ano letivo, a partir do trabalho com as crianças da OREE-CF.

Para isso muito contribuíram as aulas de Expressão Dramática, onde foram realizadas atividades

de exploração do corpo e voz como meio de comunicação e expressão. O seu sucesso nas crianças,

a vários níveis, levou-nos a definir, já no final do 2º período, um projeto que desse continuidade a

esses resultados positivos integrando as diferentes artes e, ao mesmo tempo, que procurasse atingir

os objetivos gerais definidos para a educação especial.

A promoção da inclusão deste tipo de alunos na comunidade escolar foi um dos objetivos

que esteve sempre presente em todo o processo. Apesar da integração dos alunos em turmas do

ensino regular, onde se valoriza a participação conjunta em atividades; e apesar do esforço do

projeto educativo em valorizar as experiências e atividades destes alunos no bem comum, o que se

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passava de facto era que, por vezes, existia um certo afastamento entre o núcleo da educação

especial e a restante comunidade educativa. Mesmo com os esforços em divulgar as atividades

realizadas no espaço OREE-CF à comunidade através de uma projeção de imagens no final do ano

letivo, as atividades que envolviam todos os alunos eram escassas ou quase nenhumas.

Pretendemos, com este projeto, explorar o máximo potencial dos alunos e apresentar à comunidade

educativa.

A arte, ou as várias formas de expressão artística, seria o meio pelo qual seria

operacionalizado. Os alunos da OREE-CF têm uma extensiva carga horária nesta área, o que

permitiu o desenvolvimento de atividades com este propósito. Todos os alunos frequentam

Expressão Plástica, Oficina do Papel, Expressão Dramática e Oficina dos Sons, além da EVT,

Educação Visual ou Cinema. O desenvolvimento de várias atividades neste domínio, como já foi

referido anteriormente, permitiu o lançamento de ideias e metas a atingir. Optámos por alimentar a

ideia de uma performance artística, uma forma de expressão que engloba várias artes, exigindo a

participação direta dos alunos para a construção do seu sentido. O objetivo era promover a

inclusão; logo, decidimos à partida colocar de parte a linguagem verbal e socorrer-nos apenas das

várias formas de expressão. Deste modo, chegaríamos mais facilmente à restante comunidade

escolar, num processo de partilha e comunhão de sentidos e sentimentos. Pretendemos, sobretudo,

criar uma sensação de unidade através do “entrelaçamento” das várias artes; unidade essa que teria

de ser visível na partilha da performance com o público.

Deste modo, os objetivos deste projeto atravessam duas fases distintas, mas que se

complementam: o processo metodológico de construção da performance, desde os primeiros

exercícios, definição e ensaios, e a apresentação à comunidade escolar.

Além da promoção da inclusão, os objetivos passaram pelo desenvolvimento da autoestima

dos alunos; o desenvolvimento competências interpessoais, através da formação de grupos de

trabalho com vista a um objetivo comum; e através da interação que se pretendia com o público em

geral durante a apresentação; o desenvolvimento de competências cognitivas, através da exploração

de várias áreas do saber e na resolução de problemas, e a exploração da autonomia e criatividade,

através do desenvolvimento das capacidades de cada um na construção metódica do projeto.

2.2 | Metodologia e Operacionalização do Projeto

Como foi referido anteriormente, a definição do projeto nasceu durante as atividades

realizadas em várias disciplinas. Após a definição do tema, decidimos utilizar os quatro elementos

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como base estrutural do processo: seriam feitos quatro grupos de alunos, distribuindo-os para cada

elemento.

A definição das escolhas foi feita segundo dois tipos de critérios: o primeiro, mais prático e

funcional, manteve os grupos de alunos já definidos através das manchas horárias e distribuição

pelas turmas do ensino regular (4 a 5 alunos). Deste modo, valoriza-se o espírito de grupo já

estabelecido e explorado, assim como as características individuais de cada aluno, que, no fundo,

estiveram na base da formação de cada grupo pelas equipas de Educação Especial. O segundo

critério aprofundou estas mesmas características, procurando integrar cada aluno em grupos onde

seria possível explorar as suas capacidades e limitações.

O grupo de alunos portadores da Síndrome de Dawn ficou responsável pelo elemento “Ar”,

devido aos exercícios, bem-sucedidos, efetuados nas aulas de Expressão Dramática a partir da

música etérea dos Sigur Ròs. O elemento “água” foi distribuído por um grupo de alunos que havia

apresentado resultados expressivos na área da música, sendo que optámos, à partida, por utiliza-la

e incluir também a construção de instrumentos musicais para a performance. O elemento “fogo”

foi distribuído por um grupo de alunos com raízes africanos, devido à sua enorme vontade e

motivação de explorar e mostrar os ritmos quentes associados a este elemento. O elemento “terra”

foi distribuído a duas alunas que mostraram resultados e progressos durante os ensaios ao nível da

língua portuguesa e expressão corporal.

De referir que esta distribuição não foi rígida à partida; ela manteve-se sensível às

experiências vivenciadas nos ensaios, sujeitando-se a alterações tendo em conta as sensibilidades e

capacidades dos alunos.

A música foi talvez o elemento mais presente em todo o processo: foi através dela que se

criaram os quadros para cada elemento, sendo também através dela que o ritmo e sequência dos

acontecimentos foram definidos. Para cada elemento da natureza foi selecionada uma música,

explorando-se a expressão corporal e dramática dos alunos numa tentativa de ilustrá-la e

experiencia-la durante a apresentação.

Ao longo do projeto foram exploradas diversas áreas disciplinares e diferentes formas de

expressão artística, o que valorizou e enriqueceu todo o processo de trabalho. A síntese dessa

exploração é apresentada no esquema representado a seguir:

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A área de Expressão Dramática esteve sempre presente e constituiu-se como a forma de

arte mais visível na performance. Ela foi responsável pela exposição dos alunos no espetáculo,

criando condições para uma exploração efetiva da voz e do corpo, num constante processo de

criação e descoberta. A expressão corporal, a mímica, o teatro, a jogo dramático, a dramatização e

a oralidade foram exploradas e fizeram parte integrante do espetáculo. As pinturas faciais,

efetuadas apenas no dia da apresentação, contribuíram decisivamente para cada aluno vestir a pele

do personagem ou vivenciar a m´sucia e situações de forma mais expressiva.

Na Expressão Plástica foram feitos todos os figurinos utilizados no espetáculo, sobretudo

construídos com materiais reutilizáveis e de fácil execução para os alunos. Foram utilizados vários

tipos de papéis, como jornais, revistas, além do reaproveitamento de sacos de plásticos, lãs ou

massas, por exemplo. Foram igualmente construídos alguns adereços utilizados no espetáculo.

A área da Música, através da Oficina dos Sons, conviveu permanentemente com as

restantes áreas; com a Expressão Dramática, envolveu os alunos através das músicas selecionadas,

assim na exploração de sons ligados aos elementos da natureza; com a Expressão Plástica, foram

construídos instrumentos musicais (paus de chuva), na tentativa de ser reproduzido o som do mar e

das ondas.

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A área do Cinema e Multimédia também teve uma participação fundamental em todo o

processo e na concretização efetiva do espetáculo. Decidimos que todo o espaço cénico seria

ocupado com uma projeção de imagens (em toda a fachada da parede), incluindo sore os alunos-

atores. Nesse sentido, utilizámos a cor branca na maioria dos figurinos, para que essas imagens

fossem projetadas no próprio corpo dos alunos. Pretendemos aliar os quatro elementos da natureza,

ancestrais e inerentes à própria natureza humana, com as novas tecnologias e a uma ideia de futuro

e esperança. Toda a sequência de imagens e músicas apresentadas foi gravada num CD,

constituindo-se este como o fio condutor do espetáculo.

Procurámos imagens e músicas que ilustrassem os quatro elementos: no elemento “água”,

uma sequência de imagens do mar e das ondas, ao som de “Ao Longe o Mar”, dos Madredeus.

O elemento “Ar” apresenta um videoclip da banda islandesa “Sigur Ròs” com a

participação de crianças com Trissomia 21. Deste modo, estabelecemos um paralelo entre uma

banda que se dedica, ela própria, à sensibilização de questões como a inclusão de pessoas com

deficiência, com os próprios alunos portadores dessa mesma deficiência.

O elemento “terra” introduziu uma pintura de Van Gogh que traduz de uma forma bela o

conceito, além de um vídeo que mostra o nascimento de uma planta. As músicas que acompanham

estas imagens foram “Carandilhera”, uma música de raíz mirandesa interpretada por Né Ladeiras, e

uma sinfonia de Marcus Caruso.

O elemento “fogo” mostrou imagens do próprio fogo, ao som de uma música tribal

africana, ajudado por um adereço cénico no meio do palco (uma fogueira).

Na introdução do espetáculo surge uma imagem que representa os quatro elementos, assim

como um vídeo em que um jovem “diz” um poema (outra forma de arte…) sobre a questão da

diferença através da Língua Gestual. Nesta introdução existe um apelo objetivo e emocionado ao

público para que este se envolva e venha descobrir a natureza (uma metáfora aos quatro elementos

e à própria natureza de cada aluno).

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O cinema de animação esteve presente através da realização de quatro pequenos filmes que

ilustram cada elemento da natureza. Os desenhos, a filmagem e a montagem foram realizados com

os alunos. Em baixo, estão representados dois fotogramas representativos de cada elemento:

O espetáculo pode ser visionado no endereço online indicado em baixo, salvaguardando-se

as inconveniências resultantes da dificuldade em colocar a câmara. Dada a natureza do espetáculo,

com toda a fachada da sala a ser projetada, foi impossível um melhor enquadramento da câmara e

do realizador, evitando-se assim as suas sombras durante o espetáculo. A gravação não reflete

também o ambiente vivido no espetáculo, pois a estratégia utilizada com a projeção em todo o

espaço envolvia o público e transportava-o, juntamente com a música, para outros ambientes numa

verdadeira descoberta da natureza de cada aluno e cada diferença.

http://www.youtube.com/watch?v=x9bl0aqR-KQ

O espetáculo abre com uma projeção de um desenho de um aluno da OREE-CF e a

aparição de um mágico que transporta consigo uma caixa. Do seu interior saem palavras que

aludem à diferença, respeito e solidariedade entre todos. Após esta introdução, surge as imagens

que apelam á participação e envolvimento de todos, seguindo-se depois os quadros relativos a cada

elemento da natureza.

No final surgem imagens dos alunos da OREE-CF e os atores convidam o público a juntar-

se à festa.

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IV PARTE

1 | Conclusões Finais: Qual o papel das artes no processo de inclusão dos alunos? Que

caminhos?

O processo de inclusão de alunos com NEE só terá resultados negativos se uma série de

fatores convergirem para um objetivo comum. Estes fatores passam, num plano mais alargado,

pelas políticas educativas e currículos nacionais; e num plano mais específico, pela organização da

escola através das práticas educativas com os Departamentos e com toda a comunidade educativa.

Sem esta convergência de fatores, corremos o risco da inclusão enfrentar problemas que a escola

integradora, a seu tempo, tentou combater e revelou-se ineficiente.

A valorização das artes, sob diversas expressões artísticas, está consignada nas

recomendações europeias para o desenvolvimento integral do indivíduo num conceito de educação

para todos. Aqui reside um dos problemas do processo de inclusão de alunos com NEE no Sistema

Educativo Português; na atual reforma curricular, como ficou expresso neste trabalho, as artes são

desvalorizadas a favor das áreas que o Ministério considera “essenciais”. Perante esta

desvalorização, são inevitáveis os resultados na inclusão, mesmo que as escolas desenvolvam uma

autonomia neste sentido. Cabe sobretudo às escolas e às suas práticas educativas, e num sentido

ainda mais específico, aos professores de educação especial e do ensino regular, valorizar e

entender as artes como fundamentais no processo de inclusão.

O projeto desenvolvido na Escola Básica Paula Nogueira colocou a nu diversas questões,

provando que podem ser possíveis resultados que nunca se pensou alcançar. Foi um projeto

ambicioso, mas compensador sob todos os pontos de vista; desde a alegria das crianças

participantes durante todo o processo, e principalmente, no dia da apresentação, desde a

sensibilidade e surpresa mostrada pelo público, que encarou estes alunos com um novo olhar, ou

nas lágrimas derramadas de alguns colegas professores que se deixaram envolver e emocionar com

esta viagem à natureza deles e dos outros.

Os objetivos a que nos propusemos foram inteiramente alcançados. Muitos alunos

conseguiram superar alguns medos e receios, libertando o corpo e a voz durante o espetáculo. Foi

esta verdade, esta entrega, que fez do espetáculo aquilo que foi. O público sentiu esta partilha. A

autonomia foi perfeitamente alcançada; no vídeo, apresentado sem cortes, é visível que cada aluno

e cada grupo de alunos entravam e saía de cena, perfeitamente coordenados nos tempos corretos.

Mais do que uma apresentação para um público, importa salientar que cada apresentação (os

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alunos fizeram cinco num só dia) foi uma experiência sensorial para cada aluno. E para o público,

também.

A performance artística, ao envolver o próprio ator e o público na sua materialidade com

diversas artes, torna-se uma unidade em que o sentido mais universal da palavra arte está presente.

É esta unidade que nos aproxima: a nós, público, aos atores envolvidos.

Cabe à comunidade educativa desenvolver projetos educativos objetivos e que incluam as

diversas formas de arte previstas no currículo nacional nas aprendizagens dos alunos.

A arte, mais do que um meio, é uma meta. Não deve estar centrada e encerrada nas

atividades que as crianças fazem, seja na turma regular ou nas disciplinas adaptadas; deve, antes de

mais, sair desse espaço e envolver toda a comunidade. Só assim são construídos caminhos que

promovam uma verdadeira inclusão de todos na comunidade.

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Declaração de Salamanca e Enquadramento da Ação na Área das Necessidades Educativas

Especiais Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001393/139394por.pdf