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MESTRADO EM DIREITO E SEGURANÇA (2013-2014)
«BREVE APONTAMENTO SOBRE A SEGURANÇA MARÍTIMA E OS
TRANSPORTES MARÍTIMOS E OS PORTOS – NOVOS DESAFIOS»
Mestre Duarte Lynce de Faria
I. INTRODUÇÃO
Num contexto de novas ameaças, a Comunidade Internacional tem vindo a
desenvolver diversas iniciativas visando a «segurança marítima», conceito este que,
nos tempos modernos, abarca valências distintas quer relativamente ao objeto em si
próprio quer à própria natureza das medidas.
Assim e quanto ao objeto, aquele conceito abrange a «segurança do transporte
marítimo» - em que o enfoque se traduz no «navio» e na sua movimentação - e a
«segurança portuária» - que respeita, essencialmente, às áreas sob jurisdição
portuária, abrangendo os diversos terminais, a área terrestre adjacente e a área
molhada.
Quanto à natureza das medidas, importa proceder a uma distinção entre as noções
anglo-saxónicas de safety e de security que, nem sempre, são aplicadas com
clareza nas traduções nacionais (vide, por exemplo, a Diretiva infra).
A primeira, que se pode traduzir, em língua portuguesa, por «segurança marítima
em sentido estrito» ou, simplesmente «segurança marítima», envolve o conjunto de
medidas destinadas a garantir uma navegação segura por parte dos navios, i.e.,
quer na envolvência das condições de bordo (qualificação dos tripulantes, estiva e
movimentação da carga e, em geral, as condições de navegabilidade estruturais e
de equipamentos do navio), quer no sistema de ajudas à navegação e de
ordenamento das aproximações a um porto que permitem, aos navios, uma
navegação segura.
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Por outro lado, o conceito security - habitualmente traduzida por «proteção do
transporte marítimo» ou «proteção portuária» consoante o objeto - envolve todas as
medidas de segurança física aplicáveis no espaço sob jurisdição portuária, aos
tripulantes e passageiros dos navios e aos demais funcionários que operam nos
portos, bem como aos próprios navios.
A Conferência Diplomática da Organização Marítima Internacional (OMI), reunida em
12 de Dezembro de 2002, alterou a Convenção SOLAS (“Safety of Life at Sea»),
introduzindo um novo capítulo denominado “Medidas especiais para reforçar a
segurança do transporte marítimo”, adotando, assim, o Código Internacional para a
Proteção dos Navios e Instalações Portuárias (Código ISPS), que entrou em vigor
em 1 de Julho de 2004.
Também a União Europeia, considerando a exigência de melhorar a segurança da
cadeia logística de abastecimento do transporte marítimo, do fornecedor ao
consumidor, veio criar diversas medidas consagradas no Regulamento nº725/2004,
do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março.
Posteriormente e alargando o âmbito da security aos portos propriamente ditos (as
instalações portuárias correspondem, normalmente, a terminais autónomos em cada
porto que podem integrar várias instalações), a União Europeia veio, recentemente,
aprovar a Diretiva nº2005/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de
Outubro, que visa reforçar a segurança dos portos.
Finalmente, com a vigência do Decreto-Lei nº 226/2006 de 15 de Novembro,
regulamentou-se o Código ISPS e procedeu-se à transposição da citada Diretiva
para a ordem jurídica interna, abrangendo toda a matéria da proteção dos
transportes marítimos e dos portos como um todo articulado, designando os diversos
responsáveis institucionais para o efeito.
Assim, no sector marítimo-portuário, a matéria da proteção das áreas sensíveis –
incluindo, os navios - e a defesa contra a intrusão e contra o acesso de pessoas não
autorizadas insere-se na «proteção do transporte marítimo e dos portos» (security),
sem prejuízo da envolvência geral para as questões da segurança marítima como
um todo.
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É evidente que as medidas em causa terão que ter em conta as ameaças atuais,
como o terrorismo a bordo e nos portos, bem como a pirataria a bordo, a segurança
das fronteiras marítimas e a fiscalização dos espaços marítimos sob jurisdição
nacional, em geral.
Por outro lado e de acordo com o estipulado no citado Decreto-Lei nº 226/2006, de
15 de Novembro, os diversos níveis de prontidão de resposta às ameaças devem
ser coordenados no âmbito mais lato da Segurança Interna, sendo certo que, no
âmbito dos três níveis de proteção (prontidão) possíveis, o mais baixo (nível 1)
deverá prever o desempenho “rotineiro” das autoridades marítimas, portuárias e do
transporte marítimo nas suas áreas de responsabilidade.
II. O SISTEMA DA AUTORIDADE MARÍTIMA
Em 1974 e com a extinção do Ministério da Marinha, as entidades eminentemente
civis integradas na Direcção-Geral dos Serviços de Fomento Marítimo transitaram
para os departamentos ministeriais que passaram a tutelar a marinha mercante e os
transportes, criando-se, em simultâneo, a Inspeção-Geral de Navios, a Direcção-
Geral do Pessoal do Mar e a Direcção-Geral de Estudos Náuticos (estas duas
últimas, aglutinadas, em 1980, na Direcção-Geral do Pessoal de Mar e Estudos
Náuticos), a par da criação da Direcção-Geral da Marinha do Comércio, da Direcção-
Geral das Pescas e da transição da Escola Náutica Infante D. Henrique para a tutela
da marinha mercante, e, posteriormente, os próprios Tribunais marítimos integraram
o poder jurisdicional.
Esta fase, que se seguiu a 1974, foi extremamente conturbada, sobretudo na
hipotética transferência das capitanias para fora do âmbito do Ministério da Defesa
Nacional, situação esta que só começou a sedimentar em 1982, com a publicação
da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei nº29/82, de 11 de Dezembro)
e com a assunção, pelo poder político, que as capitanias continuariam integradas na
Marinha.
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Assim, em 1984 e por iniciativa do Ministério da Defesa Nacional, tendo em conta a
necessidade da extinção da Direcção-Geral dos Serviços de Fomento Marítimo, já
amputada das áreas citadas no período pós-1974, é criado o Sistema da Autoridade
Marítima (SAM) (pelo Decreto-Lei nº 300/84, de 7 de Setembro), tentando recentrar-
se o escopo do normativo no conceito de autoridade marítima e no seu exercício,
designadamente, pelos capitães dos portos.
No seu preâmbulo, definiu-se «autoridade marítima» como «o poder público a
exercer nas áreas de jurisdição marítima, referido ao cumprimento das leis e
regulamentos marítimos», sendo a finalidade do «sistema da autoridade marítima»
(cf. no nº1 do artigo 1º do diploma) «garantir o cumprimento da lei nos espaços
marítimos sob jurisdição nacional». O «sistema» tinha aplicação nacional, dependia
diretamente do Chefe do Estado-Maior da Armada (cf. nº2 do art. 1º) e era
constituído por um conjunto de órgãos de nível central, regional e local
intervenientes nas áreas da segurança marítima, da preservação do meio marinho e
da preservação e proteção dos recursos do leito do mar e do subsolo marinho e do
património cultural subaquático (cf. art. 2º).
Curiosamente, o órgão central do SAM – a Direcção-Geral da Marinha, integrada no
ramo das Forças Armadas «Marinha» – tinha, apenas, funções de apoio técnico aos
órgãos integrantes do sistema e não funções de direção. Assim sendo, dependiam,
diretamente, do Chefe do Estado-Maior da Armada os órgãos consultivos (Comissão
do Domínio Público Marítimo, Comissão Nacional contra a Poluição do Mar e a
Comissão para o Estudo do Aproveitamento do Leito do Mar) e os órgãos regionais
(departamentos marítimos). Por sua vez, as delegações marítimas dependiam das
capitanias (ambas órgãos locais) e estas dos departamentos marítimos.
Previa-se a necessidade de elaboração de diplomas complementares,
designadamente, para efeitos da orgânica da Direcção-Geral da Marinha, para a
substituição do Regulamento Geral de Capitanias por um novo regulamento e para a
criação dos departamentos marítimos e das capitanias dos portos (cf. artigo 12º).
Esta regulamentação do diploma do SAM de 1984 nunca foi, cabalmente, concluída,
o que foi levantando diversas questões: primeiro, a adequabilidade do topo da
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pirâmide do SAM ser o Chefe do Estado-Maior da Armada que, apesar dos órgãos
expressamente definidos e no âmbito das matérias referidas, tenderia a exercer a
sua ação não só sobre os departamentos e capitanias, mas, igualmente, sobre todas
as entidades que exercessem poderes de autoridade nos espaços marítimos sob
jurisdição nacional e, igualmente, sobre o domínio público hídrico; segundo, a
posição funcional ou de autoridade meramente técnica no sistema (e não
hierárquica) da Direcção-Geral de Marinha; terceiro, por via do Regulamento Geral
de Capitanias, os Chefes dos Departamentos Marítimos e os Capitães de Portos
exerciam algumas competências exclusivas, o que questionaria, sempre, a
verdadeira natureza do poder de direção sobre aqueles a ser exercido pelo Chefe do
Estado-Maior da Armada, a quem competia a sua nomeação; finalmente, a questão
de saber se o Chefe do Estado-Maior da Armada deveria superintender uma força
policial como a Polícia Marítima, verdadeiro «órgão de polícia criminal» para efeitos
de aplicação da lei processual penal.
Percebeu-se, assim, que a criação do SAM, tal como fora pensado, necessitaria de
ser acomodado com a revisão do Regulamento Geral de Capitanias, com o (re)
posicionamento hierárquico da Direcção-Geral de Marinha sobre os departamentos
marítimos e capitanias e com a adequação da escolha de uma «nova» entidade de
topo do SAM, dada a vastíssima função de articulação e de coordenação de
entidades, na sua maioria, não integradas na Marinha e no Ministério da Defesa
Nacional.
Questionava-se, ainda, nessa altura, se os órgãos de polícia criminal poderiam
continuar integrados num ramo das Forças Armadas (porque, de jure, era a
configuração que resultava do SAM) dada a diversidade de atribuições da defesa
nacional e da segurança interna, bem como qual o papel das próprias Forças
Armadas no âmbito da Segurança Interna e nas missões de interesse público. No
caso concreto da Marinha de Guerra, o próprio estatuto internacional do «navio de
guerra» bem como as diversas convenções de combate ao tráfico ilícito de
estupefacientes e de substâncias psicotrópicas no mar previam uma intervenção, ao
menos cautelar, dos respetivos comandantes o que significaria que a decisão a
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tomar teria, tão somente, a ver com os contornos internos da organização do
Estado.
Mais tarde, já em 2003, o novo conceito estratégico de defesa nacional, aprovado
pela Resolução do Conselho de Ministros nº6/2003, publicada no DR I Série-B, nº16,
de 20 de Janeiro de 2003, e em consonância com a nova caracterização de riscos e
ameaças resultantes dos trágicos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, veio
sufragar o alargamento do campo das missões das Forças Armadas ao combate ao
terrorismo e a certas formas de crime organizado transnacional, nos termos da lei e
em colaboração com as forças de segurança, na ordem interna, e com os aliados,
na ordem externa, bem como no combate às ameaças ao nosso ecossistema, sem
prejuízo de outras missões de interesse público, designadamente, a busca e
salvamento marítimo, a fiscalização da zona económica exclusiva, a pesquisa dos
recursos naturais e investigação nos domínios da geografia, cartografia, hidrografia,
oceanografia e ambiente marinho, apoio à proteção civil e auxílio às populações em
situação de catástrofe e, em colaboração com as autoridades competentes, a
contribuição das Forças Armadas para a proteção ambiental, defesa do património
natural e prevenção dos incêndios.
Em 1987, a Lei de Segurança Interna, aprovada pela Lei nº20/87, de 12 de Junho,
veio qualificar os órgãos do sistema da autoridade marítima como «forças e serviços
de segurança» (cf. Artigo 14º), bem como os chefes dos departamentos marítimos e
os capitães dos portos como «autoridades de polícia» (cf. Artigo 15º). Pela
Resolução do Conselho de Ministros nº12/88, publicada no DR I Série, nº87, de 14
de Abril de 1988, o «responsável pelo sistema de autoridade marítima» (nesta altura,
o Chefe do Estado Maior da Armada) passou a integrar o Conselho Superior de
Segurança Interna, presidido pelo Primeiro-Ministro.
Em 1991, o Decreto-Lei nº451/91, de 4 de Dezembro, que aprovou a orgânica do XII
Governo Constitucional, postulou que o SAM passaria a depender, diretamente, do
Ministério da Defesa Nacional, competência esta delegável no Chefe do Estado-
Maior da Armada (cf. Nº2 do artigo 7º) e, igualmente, que o Ministro do Ambiente e
dos Recursos Naturais tutelaria a Comissão Nacional contra a Poluição do Mar (cf.
Nº3 do artigo 21º).
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Em 1995, a orgânica do XIII Governo Constitucional, aprovada pelo Decreto-Lei
nº296-A/95, de 17 de Novembro, refere, apenas, no nº2 do artigo 10º, que
integrariam o Ministério da Defesa Nacional «os organismos e serviços até aqui
compreendidos no Ministério com o mesmo nome» o que indiciaria que a
dependência do SAM se manteria nos termos consagrados em 1991, apesar da
nova orgânica governamental.
Através das Resoluções do Conselho de Ministros nº185/96, de 28 de Novembro, e
84/98, de 10 de Julho, foi formalmente reconhecida a necessidade de reavaliação do
SAM, com especial incidência nos instrumentos de articulação e de coordenação
das diversas entidades com responsabilidades no exercício da autoridade marítima.
Constituíram-se, assim, diversos grupos de trabalho interministeriais, tendo em vista
a reestruturação e redefinição do SAM e, finalmente e após a apreciação de
diversos relatórios e de propostas nestas matérias, foram aprovados, no final de
2001 e publicados em Março de 2002, dois diplomas legais que criaram o atual
figurino do SAM (Decreto-Lei nº43/2002, de 02 de Março) e da AMN (Decreto-Lei nº
44/2002, de 02 de Março).
O Decreto-Lei nº 43/2002, de 02 de Março, criou o sistema da autoridade marítima
(SAM), estabeleceu o seu âmbito e atribuições, definiu a sua estrutura de
coordenação e criou a Autoridade Marítima Nacional (AMN). Tal como se
perspetivava desde 1984, e agora de forma inovatória, o SAM visava garantir o
cumprimento da lei nos espaços marítimos sob jurisdição nacional mas num âmbito
material muitíssimo mais vasto, abarcando a segurança e controlo da navegação, a
preservação e proteção dos recursos naturais, do património cultural subaquático e
do meio marinho, a prevenção e combate à poluição, o assinalamento marítimo, as
ajudas e avisos à navegação, a fiscalização das atividades de aproveitamento
económico dos recursos vivos e não vivos, a salvaguarda da vida humana no mar e
salvamento marítimo, a proteção civil com incidência no mar e na faixa litoral, a
proteção da saúde pública, a prevenção e repressão da criminalidade,
nomeadamente no que concerne ao combate ao narcotráfico, ao terrorismo e à
pirataria, a prevenção e repressão da imigração clandestina e a segurança da faixa
costeira e no domínio público marítimo e das fronteiras marítimas e fluviais, quando
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aplicável (cf. nº2 do artigo 6º).
Por outro lado, definiram-se as entidades que exerciam a autoridade marítima no
quadro do SAM: a AMN, a Polícia Marítima, a Guarda Nacional Republicana, a
Polícia de Segurança Pública, a Polícia Judiciária, o Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras, a Inspeção-Geral das Pescas, o Instituto da Água, o Instituto Marítimo-
Portuário (posteriormente, o Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos ou o seu
sucedâneo), as Autoridades Portuárias e a Direcção-Geral de Saúde (cf. nº1 do
artigo 7º).
O órgão de topo do SAM, para efeitos da emissão de orientações, da definição de
metodologias de trabalho e de ações de gestão tendo em vista uma articulação
eficaz das entidades, deixou de ser o Ministro da Defesa Nacional – que assim se
mantinha desde 1991, numa função claramente de direção e no pressuposto do
entendimento anteriormente expresso - e passou a ser o Conselho Coordenador
Nacional, presidido por aquele Membro do Governo e que integrava os Ministros da
Administração Interna, do Equipamento Social, da Justiça, da Agricultura, do
Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Ambiente e do Ordenamento do Território
(ou os seus representantes) e, ainda os dirigentes das entidades que exercem o
poder de autoridade marítima (com exceção das Autoridades Portuárias,
representadas pelo Presidente do Instituto Marítimo-Portuário) e, ainda, o Chefe do
Estado-Maior da Força Aérea, o Diretor-Geral das Pescas e Aquicultura e
representantes das Regiões Autónomas, para além de outros participantes (cf. artigo
8º).
Igualmente, se remeteu as entidades policiais integrantes para o regime de
centralização da informação, de coordenação e intervenção conjunta para as forças
policiais, previsto no Decreto-Lei nº 81/95, de 22 de Abril, no que respeitava à
atividade do combate ao narcotráfico (cf. nº2 do artigo 9º).
Simultaneamente, foi publicado o Decreto-Lei nº44/2002, de 02 de Março, que visou
definir, no âmbito do SAM, a estrutura, organização, funcionamento e competências
da autoridade marítima nacional (AMN) (por inerência, o Chefe do Estado Maior da
Armada), dos seus órgãos e dos seus serviços, criando-se, igualmente, a Direcção-
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Geral da Autoridade Marítima (DGAM) como órgão central da AMN (que substituiu a
Direcção-Geral de Marinha), o Conselho Consultivo (CCAMN) e a Comissão do
Domínio Público Marítimo (CDPM). Previu-se, ainda, que a Polícia Marítima
integrasse a estrutura operacional da AMN, na dependência do comandante-geral
(por inerência, o diretor-geral da autoridade marítima). Definiram-se as competências
dos órgãos regionais e locais da AMN (i.e., os departamentos marítimos e as
capitanias dos portos), para além das que resultavam já da lei orgânica da polícia
marítima. Contudo, apesar de se revogar, expressamente e in toto, o Decreto-Lei
nº300/84, de 7 de Setembro e o Decreto-Lei nº17/87, de 10 de Janeiro, e,
parcialmente, o Decreto-Lei nº265/72, de 31 de Julho, manteve-se em vigor boa
parte do Regulamento Geral de Capitanias (aprovado por este último diploma de
1972) que, hoje, constitui um diploma despido de sistemática jurídica, dadas as
sucessivas revogações e alterações.
O diploma da AMN prevê diversa regulamentação a jusante, faltando, por exemplo,
aprovar uma das mais sensíveis na cooperação institucional com as várias
entidades envolvidas, como é o caso do despacho conjunto que aprovará os
procedimentos no despacho de largada dos navios como meio facilitador das
normais operações comerciais (nº2 do artigo 21º do diploma) que, saliente-se,
devem ser efetuados com o recurso a meios informáticos de comunicação (nº1 do
artigo 21º). Refira-se, ainda, nos termos do Decreto-Lei nº44/2002, a extinção da
Comissão para o Estudo e Aproveitamento do Leito do Mar e, igualmente, a extinção
do cargo de delegado marítimo, este último previsto no Regulamento Geral de
Capitanias de 1972.
III. O CÓDIGO ISPS
O ataque de 11 de Setembro de 2001 e os sucessivos atentados terroristas à escala
mundial vieram colocar em cima da mesa diversas questões que, até então, não
tinham sido identificadas como base da preservação do Estado democrático, a
maioria delas relacionadas com a prevenção e combate a certas formas de crime
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organizado à escala mundial, incluindo o tráfico de droga, o tráfico de pessoas e as
redes de imigração ilegal mas, igualmente e com uma nova prioridade, a prevenção
e formas de combater o fenómeno dos ataques terroristas.
As ameaças e riscos tornaram-se, mais do que nunca, imprevisíveis e de
características multifacetadas e transnacionais, com atores não tradicionais no
Direito Internacional, fazendo perigar a segurança e a estabilidade mundial, levando
a classificar o «terrorismo transnacional» como uma «ameaça externa» e, quando
concretizado, como uma «agressão externa» (vide Resolução de Conselho de
Ministros nº6/2003, DR I-B, de 20 de Janeiro de 2003, que aprovou o Conceito
Estratégico de Defesa Nacional).
Uma das mais recentes decorrências de tais eventos na área marítimo-portuária foi a
adoção internacional do «Código ISPS» (Código Internacional de Proteção dos
Navios e das Instalações Portuárias), instrumento essencial e balizador para a futura
articulação das entidades envolvidas no âmbito do SAM.
Assim, no âmbito da proteção do transporte marítimo, e, designadamente, no que
respeita à proteção contra ameaças terroristas no tráfego marítimo, a Organização
Marítima Internacional (OMI) tem vindo a desenvolver, ao longo de décadas, um
trabalho doutrinário que culminou com a adoção, após a Conferência Diplomática de
12 de Dezembro de 2002, de alterações à Convenção Internacional para a
Salvaguarda da Vida Humana no Mar de 1974 (Convenção SOLAS) - entre as quais
a introdução de um novo capítulo denominado "Medidas especiais para reforçar a
proteção do transporte marítimo” -, e do Código Internacional de Proteção dos
Navios e das Instalações Portuárias (Código ISPS), que entrou em vigor a 1 de
Julho de 2004.
Prosseguindo um objetivo idêntico, também a União Europeia adotou diversas
medidas relativas à proteção do transporte marítimo, consagradas no Regulamento
n.º 725/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março.
Neste contexto, o Despacho Conjunto n.º 168/2004, de 8 de Março, publicado no
Diário da República, II Série, nº 72, de 25 de Março de 2004, atribuiu ao Instituto
Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM), enquanto entidade de administração
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marítima nacional, diversas atribuições com o objetivo de se proceder à adoção
interna das normas acima referidas relativas à proteção dos navios e das instalações
portuárias.
Estando em execução uma parte substancial dos procedimentos administrativos
necessários à implementação do Código ISPS, nas suas diferentes fases de
aplicação, e tendo sido desenvolvidas pelas companhias dos navios e pelas
instalações portuárias, as tarefas inerentes à preparação e aprovação dos planos de
proteção, com o empenho das administrações portuárias, torna-se indispensável
enquadrar e conciliar aqueles instrumentos jurídicos internacionais com o
ordenamento jurídico nacional, designadamente no que se refere à Segurança
Interna e aos órgãos e entidades com competências neste domínio.
De acordo com o quadro legislativo existente em Portugal, a identificação de
eventuais ameaças à Segurança Interna é efetuada pelos serviços de informações
de segurança, designadamente pelo Serviço de Informações de Segurança em
matéria de terrorismo, sendo essa informação posteriormente veiculada às
entidades que dela farão o devido uso, especificamente em âmbito portuário.
Complementarmente, na mesma sede, existem já mecanismos institucionais
perfeitamente sedimentados e no seio dos quais terão que ser desenvolvidos
procedimentos e ações em matéria de cenários de crise. O Gabinete Coordenador
de Segurança (GCS) e a Unidade de Coordenação Anti-terrorista (UCAT) têm, neste
domínio e no quadro da Segurança Interna, relevância acrescida, designadamente
pela horizontalidade interdepartamental que envolvem, e também pelos circuitos de
informação já institucionalizados.
Importa, ainda, salientar que deve ser no âmbito do SAM que deverá ser efetuada a
coordenação de todos os intervenientes no processo de segurança marítima nos
espaços marítimos e portuários nacionais, uma vez que os seus órgãos integram a
estrutura orgânica da Segurança Interna, no âmbito da qual lhe são cometidos
poderes de polícia e de polícia criminal de especialidade no domínio marítimo, bem
como competências na área da segurança da navegação.
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É, assim indispensável contribuir para que a Autoridade Competente para a
Proteção do Transporte Marítimo e dos Portos (ACPTMP) – o Presidente do IPTM -
detenha uma visão ampla e abrangente das questões relacionadas com esta
matéria, criando estruturas consultivas a nível central e local, para tratamento e
definição das questões relacionadas com as medidas de proteção de navios e das
instalações portuárias, e ainda, uma estrutura executiva portuária, com
competências ao nível da coordenação da intervenção operacional das várias
entidades nas áreas portuárias e dos respetivos acessos.
Em termos conceptuais, é importante salientar que a terminologia usada para definir
“segurança” (das instalações portuárias e dos navios) – na aceção do termo em
língua inglesa security – em tudo o que se relacione com matérias atinentes à
Segurança Interna em âmbito marítimo - deverá respeitar a que é utilizada no
Regulamento nº 725/2004 e no Despacho Conjunto n.º 168/2004.
Assim, o vocábulo proteção deve ser adotado para, no que estritamente se
relacionar com estas matérias, traduzir o significado daquele termo, de forma a
evitar, tanto quanto possível, eventuais conflitos com o âmbito do termo safety,
comummente definido como segurança (marítima).
Mais recentemente, a Diretiva 2005/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho,
de 26 de Outubro de 2005, relativa ao reforço da segurança nos portos, que tem
como data limite de transposição o dia 15 de Junho de 2007, obrigará a que, pelo
menos, a estrutura a definir no presente seja consonante com o seu teor.
Contudo, a tradução do termo security desta Diretiva não é coincidente com a que
foi oportunamente tida em conta no Regulamento nº725/2004 o que obriga a uma
uniformização com os conceitos previamente adotados, perfeitamente possível já
que se trata de uma diretiva em que a sua transposição dá ao Estado-membro
alguma liberdade de adaptação na redação do texto em direito interno.
Tal significa que os «planos de segurança portuária» previstos na Diretiva devem ser
entendidos, no atual texto, como «planos de proteção portuária» e, de igual forma, a
«autoridade de segurança portuária» deve ser entendida como «autoridade de
proteção portuária», (mutatis mutandis para as demais definições) por forma a
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salvaguardar os conceitos anteriormente explicitados, i.e., «proteção» corresponde
ao conceito de «security» e «segurança» ao conceito de «safety».
Assim e em boa hora, o Decreto-Lei nº 226/2006 veio estabelecer as modalidades
de cooperação entre entidades com competências no âmbito da segurança e
proteção dos navios e das instalações portuárias, bem como enquadrar no
ordenamento jurídico nacional disposições comunitárias sobre a matéria, tendo em
vista a adoção, execução e cumprimento integrais do Código Internacional para a
Proteção dos Navios e das Instalações Portuárias (Código ISPS).
Deste modo, o diploma veio instituir a Autoridade Competente para a Segurança do
Transporte Marítimo e dos Portos (ACSTMP) – que coincide com o Presidente do
Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM) - e, simultaneamente, criou o
Conselho Consultivo para a Proteção do Transporte Marítimo e dos Portos
(CCPTMP) e a Comissão Consultiva de Proteção do Porto (CCPP), definindo as
suas competências e a sua composição.
Igualmente, são definidas as competências das entidades intervenientes nas
matérias abrangidas, designadamente, da Autoridade Marítima Nacional enquanto
cúpula hierárquica da Direcção-Geral da Autoridade Marítima, bem como os
procedimentos de elaboração, atualização e divulgação dos Planos de Proteção das
Instalações Portuárias (PPIP), dos Planos de Proteção do Porto (PPP) e dos níveis
de proteção respetivos.
IV. PROBLEMAS ACTUAIS DA SEGURANÇA MARÍTIMA
A visão da segurança (safety) e da proteção (security) marítima atinge hoje uma
dimensão transversal (i.e., nos armadores, nos navios, nos terminais e nos portos) e
projeta-se, igualmente, em terra através da articulação indispensável entre os planos
de segurança que resultam da aplicação do Código ISPS com a regulamentação
vertida pelo Decreto-Lei n.º 206/2006 e dos planos de segurança específicos de
diversas infraestruturas críticas elegíveis nas áreas portuárias, de acordo com o
disposto no Decreto-Lei n.º 62/2011.
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Nesta visão holística, a segurança marítima leva-nos a analisar o desenvolvimento
desde o naufrágio do R.M.S. TITANIC e refletir sobre quais as áreas da segurança
marítima a que deve ser dada prioridade nos próximos anos.
E pergunta-se: trata-se ainda de melhorar e remodelar os modelos da arquitetura
naval? De melhorar as ajudas à navegação? De dar formação náutica adequada aos
tripulantes? De fazer refletir nas cartas náuticas a atualização dos diversos perigos à
navegação? De fazer coincidir os manifestos com as cargas efetivas transportadas,
isolando as cargas perigosas?
A propósito deste último ponto, atentemos, brevemente, no sinistro marítimo recente
do MSC FLAMINIA, um porta-contentores lançado à água em 2001, cuja proprietária
é a empresa “Conti Reederei”, gerido pela empresa “NSB Niederelbe”, afretado pela
Mediterranean Shipping Company (MSC), registado em Hamburgo, com 85.823 de
toneladas DWT, comprimento fora-a-fora de 299.99 m, 40,00 m de boca, 6.750 TEU
de capacidade, velocidade máxima de 25 nós e com uma tripulação de 23
elementos.
A 14 de Julho de 2012, foi declarado um incêndio a bordo, com base numa explosão
de carga contentorizada, ceifando duas vidas e obrigando ao seu abandono no meio
do Atlântico a cerca de 1.000 milhas da costa.
O navio-tanque “DS Crown” recolheu 22 tripulantes e dois passageiros, tendo
desaparecido 1 tripulante e perecido posteriormente um dos recolhidos. Um
helicóptero EH-101 MERLIN da Força Aérea, numa operação de busca e
salvamento marítimo, fez, igualmente, a evacuação dos feridos mais graves para os
Açores a partir daquele navio.
Entretanto, a companhia holandesa SMIT celebrou um contrato de salvação,
fazendo deslocar 3 rebocadores para o local, tendo continuado o incêndio a bordo e
o navio adornado cerca de 8,5º embora a casa das máquinas, a superestrutura e a
proa do navio não apresentassem danos graves. O incêndio foi declarado controlado
a 29 de Julho, encontrando-se o navio a cerca de 100 milhas da costa britânica.
Contudo, face às condições meteorológicas adversas que impediu a abordagem do
navio, agora adornado a 10º, foi decidido afastar o navio da costa, não tendo sido
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autorizado a entrar nas áreas costeiras.
O incêndio a bordo do MSC FLAMINIA levanta, uma vez mais, a questão da carga
hipoteticamente desconforme ao manifesto o que poderá levar a que substâncias
explosivas ou inflamáveis não sejam adequadamente isoladas a bordo e estivadas
no convés, constituindo um risco elevado.
De acordo com o manifesto de carga, o navio não transportaria hipoclorito de cálcio,
responsável por diversas ignições em contentores desde os anos 90. Contudo,
suspeita-se que uma das razões prementes para a relutância dos Estados costeiros
autorizarem a entrada do navio residirá, ainda assim, no hipotético transporte de
substâncias perigosas que só uma vistoria rigorosa a bordo permitirá verificar.
À medida que o navio ia permanecendo no mar, a sua estabilidade estrutural tendia
a deteriorar-se com as condições meteorológicas e enquanto o incêndio não fosse
efetivamente extinto não seria possível proceder a uma avaliação a bordo o que
significa que, à partida, não haveria muito tempo para tomar uma opção que
permitisse salvar o navio.
Tal situação recorda-nos a situação do desastre ecológico em 2002 do navio-tanque
M/V PRESTIGE que acabou por se partir, derramando parte da sua carga na costa
da Galiza (mais de 5.000 toneladas de crude pesado) e afundando-se com as
restantes 77.000 toneladas, após os Estados costeiros terem recusado a entrada do
navio nas suas águas costeiras para contenção do derrame e reparação do navio
(falou-se da expressão hipócrita “not in my backyard” – i.e., os países europeus
eram aparentemente “solidários” com o navio, não se dispondo, contudo e cada um
deles, a autorizar a entrada do navio nas “suas águas”).
Relembremos outro episódio bem distinto: em 2008, o navio-tanque M/V NEW
VISION entrou em Sines como uma avaria elétrica no sistema hidráulico do castelo
da proa resultante da entrada de água durante uma tempestade no Mar do Norte e
que o levou a estar várias semanas avariado em alto mar e a ser recusada a sua
entrada em águas costeiras pelos países europeus.
Nessa altura, o Estado Português foi instado a pronunciar-se sobre a possibilidade
da entrada do navio e exigiu que fosse sujeito a uma reparação de contingência fora
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das águas territoriais por forma a garantir os padrões mínimos de segurança
marítima para a entrada do navio, cujos resultados foram atestados por peritos da
Autoridade Marítima Nacional e da Autoridade de Controlo de Tráfego Marítimo. A
trasfega das 280.000 toneladas de crude foi efetuada, em segurança, para dois
outros navios, prosseguindo o navio para reparação em estaleiro.
A questão que se coloca hoje é basicamente a seguinte: uma vez recolhidos os
tripulantes e passageiros, como e em que condições poderão estes navios entrar em
águas costeiras? Ou, assim não sendo, como e onde poderão ser afundados? E
essa decisão deve ser “arrastada” até que as condições meteorológicas no mar
“resolvam” o assunto, deve ser resolvida casuisticamente ou deve haver um plano
genérico para o efeito? E os seguros específicos para uma operação deste tipo, de
que natureza e em que valor de responsabilidade devem ser comummente aceites
na União Europeia para uma hipotética entrada em águas costeiras? E a serem
suportados por quem? Proprietário? Gestor do navio? Afretador? …
Embora a natureza do “salvamento” diga respeito a pessoas e a “salvação” a bens,
não há dúvida que a interpenetração é bastante grande, sobretudo, nas origens dos
acidentes no mar e na sua forma de resolução e de minimização!
Para além desta extensão do âmbito da “salvaguarda da vida humana no mar”, hoje
entra-se, naturalmente, em temas não tradicionais, como seja, a salvação dos
navios e um dos pontos integrantes nos trabalhos do Comité de Facilitação da IMO -
o despacho eletrónico dos navios, incluindo o conceito da “Janela Única”.
Neste aspeto - relevado pelas instâncias internacionais - a atividade comercial
portuária nacional foi transformada e facilitada nos últimos 3 anos com uma
dimensão logística no próprio hinterland, sendo, hoje, indispensável, aprofundar o
sistema de despacho eletrónico em pleno funcionamento nos principais portos
portugueses - “Janela Única Portuária”.
Esta dimensão implicará, necessariamente, um aspeto essencial de extensão do
conceito de “Janela Única Portuária”, integrando os portos secos e os operadores
terrestres - ferroviários e rodoviários - estabelecendo um autêntico “corredor”
logístico, condição essencial para o incremento da exportação de bens e a conquista
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e aprofundamento de mercados no exterior e de ligar os centros logísticos e de
negócios em rede.
Mas não só: numa outra dimensão, os atuais sistemas de segurança de navegação
deverão evoluir no sentido de, em tempo real, serem disponibilizados aos
armadores, navios e portos o acesso a bases de dados que permitam a
identificação, caracterização e localização de navios, bem como da mercadoria
transportada, das rotas aconselháveis, das cartas de tempo, etc., numa lógica,
também, de funcionamento em rede.
São claramente dimensões diferentes - sem nunca se obstar à sua lógica de
complementaridade - servindo diversos intervenientes que se intersectam, porém, no
mar e nos portos.
Porém, a dimensão da rede logística obriga a que ela não se fique nos portos – nós
de rutura modal por excelência e que hoje não são, seguramente, “entrepostos” nem
“centros de negócios” clássicos – já que se torna indispensável conhecer toda a rede
até ao consumidor final, sejam quais forem as plataformas e os modos de transporte
utilizados, mesmo quando a segurança marítima já não esteja tão presente.
É com esta rede que os portos conseguem aumentar e potenciar o seu hinterland e,
por consequência, também o foreland, utilizando os operadores e armadores na
movimentação segura e em tempo das mercadorias.
V. AS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS MAIS RELEVANTES COM IMPACTO
NO SISTEMA DE AUTORIDADE MARÍTIMA A PARTIR DE 2012
A primeira alteração significativa no âmbito do sector marítimo-portuário e na
vigência do XIX Governo Constitucional e que decorre da nova estrutura
departamental adotada, dá-se com a publicação do Decreto-Lei n.º 49-A/2012, de 29
de fevereiro que criou a Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços
Marítimos (DGRNSSM), para a qual transitaram parte das competências do IPTM, IP
(as atribuições no domínio da regulamentação, supervisão e fiscalização do sector
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marítimo-portuário e da náutica de recreio, cuja lei orgânica foi aprovada pelo
Decreto-Lei n.º 146/2007, de 27 de abril). Aquela estrutura abarcou, ainda, as
anteriores atribuições da Direcção-Geral das Pescas e Aquicultura e da Comissão
de Planeamento de Emergência de Transporte Marítimo.
Posteriormente, através do Decreto-Lei n.º 237/2012, de 31 de outubro, procedeu-se
uma pequena alteração no campo da percentagem das transferências das receitas
de exploração dos portos para a referida Direcção-Geral (artigo 6.º).
Quanto à sucessão na parte regulatória, a lei orgânica do Ministério da Economia e
do Emprego – aprovada pelo Decreto-Lei n.º 126-C/2011, de 29 de dezembro,
procedeu à reestruturação do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres
(IMTT, IP) que passou a designar-se por Instituto da Mobilidade e dos Transportes
(IMT, IP).
Contudo, a lei orgânica deste Instituto apenas foi publicada em outubro de 2012 –
mais precisamente a 31 de outubro – através do Decreto-Lei n.º 236/2012 que define
a estrutura do IMT, IP que, tal como se referiu, sucedeu ao IMTT, IP.
Para além disso, o IMT, IP sucedeu e integrou as atribuições remanescentes do
IPTM, IP (no domínio da supervisão e regulação da atividade económica dos portos
comerciais e do transporte marítimo, bem como da navegação da via navegável do
rio Douro), bem como as atribuições do Instituto de Infraestruturas Rodoviárias, IP
(InIR, IP) e da Comissão de Planeamento de Emergência dos Transportes
Terrestres.
Entretanto, relembre-se que, em 2009, com a criação do sistema nacional de
controlo de tráfego marítimo (SNTCM) – Decreto-Lei n.º 263/2009, de 28 de
setembro – procedeu-se a uma pequena adaptação do Decreto-Lei n.º 43/2002, de 2
de Março que define o próprio SAM.
Finalmente, o Decreto-Lei n.º 44/2002, de 2 de março, que definiu o âmbito e a
estrutura do sistema da autoridade marítima (SAM), foi alterado pelo Decreto-Lei n.º
235/2012, de 31 de outubro, que procedeu à clarificação da dependência hierárquica
da Autoridade Marítima Nacional e à consequente adequação da legislação relativa
à Polícia Marítima – que, por essa razão, também veio a alterar o Decreto-Lei n.º
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248/95, de 21 de setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/2005, de 23 de
dezembro, que estabelece o Estatuto do Pessoal da Polícia Marítima.
Na prática, esta alteração veio clarificar a dependência funcional da AMN do Ministro
da Defesa Nacional, integrando-se, assim, a Direcção-Geral da Autoridade Marítima
(DGAM) no Ministério da Defesa Nacional através da Marinha.
Curiosamente, esta clarificação não é mais do que realinhar o sistema pela sua
versão moderna de 2002 mas despida de quaisquer dúvidas das atribuições
militares e civis entre a Marinha e a AMN o que não foi mais que retomar o esteio de
1991 quando, como já se referiu, o Decreto-Lei nº451/91, de 4 de Dezembro, que
aprovou a orgânica do XII Governo Constitucional, postulou que o então “sistema da
autoridade marítima” (que corresponde hoje à autoridade marítima nacional, já que o
SAM é hoje muito mais amplo) passaria a depender, diretamente, do Ministério da
Defesa Nacional.
É por isso importante recordar parte do preâmbulo do novel Decreto-Lei n.º
235/2012, de 31 de outubro, que vem clarificar o próprio conceito de autoridade
marítima, quando refere o seguinte: “Importa, por isso, reconhecer que atualmente a
Marinha representa uma moldura institucional com legitimidades heterogéneas e
capacidades multifuncionais, onde se identifica uma componente de ação militar … e
uma componente de ação não militar … que constitui uma outra estrutura do
Ministério da Defesa Nacional, designada Autoridade Marítima Nacional”.
Ou seja, ao fim de mais de duas décadas e meia da sua criação, o sistema da
autoridade marítima e a autoridade marítima nacional evoluem para uma visão
claramente operativa das ações no mar, com recursos eventualmente afetos à
Marinha mas com um propósito claramente holístico e multifuncional da garantia da
segurança no mar.
VI. CONCLUSÕES
No âmbito da autoridade marítima e do sector marítimo-portuário, o acervo de
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diplomas legislativos de 2 de Março de 2002 compreendeu, não apenas os citados
Decretos-Leis nºs 43/2002 e 44/2002 mas, igualmente, o nº45/2002 (regime das
contraordenações por violação das leis e regulamentos marítimos nas áreas sob
jurisdição da AMN), o nº46/2002 (atribuições no âmbito da segurança marítima e
portuária das autoridades portuárias), o nº47/2002 (alteração à lei orgânica do
Instituto Marítimo-Portuário, especialmente, no que respeita às novas atribuições de
planeamento e operação do sistema costeiro de tráfego marítimo no continente), o
nº48/2002 (aprovação do serviço público de pilotagem nos portos) e o nº49/2002
(regime das contraordenações por violação dos regulamentos portuários nas áreas
sob jurisdição das autoridades portuárias).
Este acervo legislativo de Março de 2002 teve o ensejo de definir os caminhos de
evolução legislativa para o sector, clarificando as áreas de responsabilidade da
Autoridade Marítima Nacional, das Autoridades Portuárias e do (ex) Instituto
Portuário e dos Transportes Marítimos, criando os necessários mecanismos de
coordenação institucional e, igualmente, provendo, a jusante, a perspetiva de
diversos diplomas que poderão clarificar algumas áreas de sobreposição.
Este sistema veio a ser enriquecido com a publicação do Decreto-Lei nº 226/2006,
de 15 de Novembro, respeitante ao Código ISPS e é, manifestamente, um sistema
equilibrado para um país com a dimensão de Portugal e que, objetivamente já hoje,
através de uma simplificação burocrática nos portos, garante o despacho eletrónico
dos navios com toda a segurança e proteção portuárias, através da «janela única
portuária» (JUP) em que todos os intervenientes no «negócio portuário», i.e.,
autoridades (marítima, sanitária, portuária, aduaneira, fronteira e policiais, em geral),
operadores e agentes, possam beneficiar de uma maior celeridade no despacho das
mercadorias.
A questão da «proteção» afigura-se hoje determinante para o sector marítimo-
portuário e a vigência plena do Código ISPS permitirá uma maior vigilância e
controlo das atividades comerciais e do transporte de passageiros, sem se
prejudicar a agilização dos procedimentos comerciais, inclusivamente, com o recurso
a scanners para rastreio dos contentores.
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Como sistema que coordena as ações do Estado nos espaços marítimos e visando
a proteção e controlo das atividades potencialmente ilícitas figura o SAM que
procura articular a ação de todas as autoridades, designadamente, as que têm
funções policiais e de vigilância, entidades públicas essas que têm tarefas
específicas de acordo com as suas leis orgânicas e que, assim sendo, contribuem
para o SAM nas suas diversas valências. Competirá ao Conselho Coordenador do
SAM emitir orientações para assegurar a articulação efetiva entre as entidades
integrantes do Sistema no exercício da autoridade marítima.
O sistema atual é, necessariamente, evolutivo. Olhando para uma perspetiva
meramente histórica, a «desmilitarização» gradual das áreas dos portos e dos
transportes marítimos é a natural decorrência do regime da III República, iniciada
com a fragmentação funcional e departamental do ex-Ministério da Marinha no
período pós-1974.
Numa ótica atual e consentânea com a do legislador de 2006, dir-se-á que as
opções para o futuro próximo devem continuar naquela evolução mas moldadas de
forma diferenciada, face aos novos riscos e ameaças: claramente que os graus de
riscos e de ameaças, em cada momento, devem ter reflexos diferenciados no
controlo das ações a tomar, sendo certo que, em situações de rotina, as funções
devem ser primordialmente desempenhadas por entidades do sector marítimo-
portuário, ou seja, as autoridades portuárias e a administração marítima (i.e., o
IPTM). Numa fase de incremento no grau de proteção, os planos de contingência
respetivos devem prever – como é normal – a sucessiva transição do controlo para a
AMN e para as entidades policiais e, no limite, para as Forças Armadas.
É nesta decorrência que emerge a recente alteração do Decreto-Lei n.º 44/2002, de
2 de março, pelo Decreto-Lei n.º 235/2012, de 31 de outubro, que procedeu à
clarificação da dependência hierárquica da Autoridade Marítima Nacional no âmbito
do Ministério da Defesa Nacional, bem como ao reconhecimento e clarificação do
tipo de missões desempenhadas pela Marinha e a sua conformação constitucional
que, em boa verdade, já decorria das próprias Convenções Internacionais e do
estatuto do navio de guerra, designadamente, vertido na Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar de 1982.
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Um pequeno Estado como Portugal deve maximizar os seus meios no respeito das
diversas missões decorrentes da Lei Fundamental mas não deverá nunca – por
mero formalismo ou por meras quimeras do passado – deixar de otimizar os meios
humanos e materiais das Forças Armadas e das Forças de Segurança em períodos
de paz que, bastas vezes, configuram situações de treino operacional para teatros
mais complexos, no exercício das próprias missões de soberania.
No limite, procura-se proporcionar, com o sistema da autoridade marítima bem
articulado, a melhoria das condições de proteção e de segurança marítima para uma
maior fluidez do comércio mundial que é feito, em mais de 80%, pela via marítima.
Nunca, como hoje, se foi reviver o episódio do R.M.S.TITANIC com uma visão tão
ampla do futuro da segurança marítima mas também nunca se debateu um nível de
riscos e ameaças externas ao navio e à carga que deixavam, até agora de fora, a
proteção do próprio navio a navegar, dos tripulantes e passageiros e da sua carga.
O que começou por ser a “salvaguarda da vida humana no mar” e que só
interessava a quem “andava no mar” – tripulantes e passageiros – estende-se hoje à
salvação dos navios e da sua carga, transformando-se na “salvaguarda do comércio
mundial” – que utiliza essencialmente a via marítima e que é uma das alavancas
essenciais de combate à crise.
A autoridade marítima, como tal, é responsável por parte do exercício dessa
soberania no âmbito do SAM. Trata-se de uma visão multidisciplinar que importa
aprofundar e desenvolver, numa arquitetura que funcionalmente já mostrou as suas
virtualidades mas que nunca está terminada e que se prenderá, igualmente, com a
segurança e com o exercício dos direitos fundamentais dos cidadãos.
O mar é apenas mais uma falsa “fronteira” e que constituiu, desde sempre e para
Portugal, um veículo de aproximação entre povos e entre continentes.
Lisboa, 15 de outubro de 2013