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MERCADO DE TRABALHO QUALIFICAÇÃO, EMPREGO E POLÍTICAS SOCIAIS

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MERCADO DETRABALHO QUALIFICAÇÃO, EMPREGO

E POLÍTICAS SOCIAIS

Júnior MacambiraTarcisio Patricio de Araújo

Roberto Alves de Lima

Fortaleza

Instituto de Desenvolvimento do TrabalhoNúcleo de Economia Solidária da Universidade Federal de Pernambuco

2016

MERCADO DE TRABALHOQualificação, Emprego e Políticas Sociais

RevisãoAntonio Brandão de Macêdo

Normalização BibliográficaRita de Cássia Alencar

Editoração EletrônicaLéo de Oliveira

CapaIldembergue Leite

Imagem da capa: VisualHunt.com

M553 Mercado de trabalho: quali icação, emprego e políticas sociais/Jú-nior Macambira (organizador); Tarcisio Patricio de Araújo (orga-nizador); Roberto Alves de Lima (organizador). - Fortaleza: IDT, 2016.

232 p.ISBN: 978-85-67936-03-1

1. Mercado de trabalho. 2. Emprego. 3. Política social. I. Macambira, Júnior (Organizador). II. Araújo, Tarcisio Patricio de (Organizador). III. Lima, Roberto Alves de (Organizador).

CDU: 331.5

Sumário

Prefácio ..............................................................................................................................................................7

CAPÍTULO 1Política de Ajuste Econômico e Desemprego no Brasil Metropolitano Nos Últimos 35 Anos ......................................................................................................................................... 11Marcio Pochmann

CAPÍTULO 2Mudanças na oferta e inserção da força de trabalho brasileira: desafios para o Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda ........................................27Amilton J. Moretto

CAPÍTULO 3FORMALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA: avanços e desafios após 12 anos de governo federal liderado pelo Partido dos Trabalhadores.............................................................................................53Fernando Augusto Mansor de Mattos

CAPÍTULO 4Precariedade do Mercado de Trabalho, Proteção Social e Mobilidade de Trabalhadores: Implicações Inquietantes do Neoliberalismo na América Latina ................................................................................................................................................................89Fernando José Pires de Sousa

CAPÍTULO 5Terceirização e relações de trabalho ............................................................................109José Dari Krein Marilane Teixeira

CAPÍTULO 6Qualificação da Força de Trabalho, Produtividade e Habilidades Não-Cognitivas ....................................................................................................................................................139Carlos Alberto Ramos

CAPÍTULO 7JUVENTUDES NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: uma discussão sobre políticas públicas e mercado de trabalho ...........................................................................................159Geórgia Patrícia Guimarães dos SantosFrancisca Rejane Bezerra AndradeJúnior Macambira

CAPÍTULO 8Tempos sociais no Brasil: A experiência de distintos grupos etários nos anos recentes .........................................................................................................................................175André Gambier CamposMarcelo de Jesus Phintener

CAPÍTULO 9Programas sociais dirigidos ao Nordeste rural: aspectos críticos ......207Roberto Alves de LimaTarcisio Patricio de Araújo

Prefácio

Como toda economia estruturada em bases capitalistas, a bra-sileira apresenta momentos de expansão e de crise, num movimen-to cíclico, característico desse modo de organizar a produção. Como toda sociedade herdeira de inserção subordinada desde seu engate na era colonial, associada à organização, por longo período, em bases es-cravocratas, a brasileira mantém traços estruturais de dependência e submissão, e de forte heterogeidade, mesmo após mudanças relevan-tes pelas quais passou, em especial no século XX. Uma fragilidade que insiste em se reproduzir, apesar de avanços evidentes.

Por outro lado, o Brasil é um país continental, dotado de rica diversidade ambiental, que estruturou também, mesmo no contexto acima descrito, uma rica diversidade socioeconômica e cultural, que é um de seus mais relevantes pontos fortes. Situada entre as 10 maiores bases produtivas do mundo e com reconhecido potencial para promo-ver o seu desenvolvimento, integra o restrito rol das mais promissoras economias do mundo – as chamadas emergentes – no limiar do século XXI. Mas mantém indicadores sociais desa iadores, apesar de melho-ras recentes, e tem na desigualdade social e regional um traço distinti-vo importante e um desa io permanente.

Uma trajetória de industrialização irme e de urbanização acele-rada marcaram o país ao longo do século XX e transformaram as bases materiais da produção e a organização da sociedade. Isso sem enfren-tar questões estratégicas, como a da estrutura fundiária – rural e urba-na – ou do investimento estratégico em educação e mais recentemente em inovação.

Organizado em bases federativas, mantém uma concentração de recursos e de poderes na escala nacional. O estado é ator relevante na sua trajetória de desenvolvimento, em especial na transição e consoli-dação de seu per il industrial e urbano. Um estado que se pode carac-terizar como desenvolvimentista no século XX, mas que vem se meta-morfoseando por meio do garrote da dívida pública desde as décadas inais daquele século – que o torna dependente de seus credores – e

pelo avanço de ideias liberais num mundo crescentemente dominado pela inanceirização globalizada.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais8

Trata-se, assim, de um país complexo, que surpreende a muitos e estimula estudiosos de diversas correntes de pensamento a com-preender o que nele ocorre.

A presente coletânea é um exemplo do esforço de vários analistas para dissecar – partindo de bases conceituais distintas – a realidade socioeconômica brasileira recente com três focos principais: a dinâmi-ca da economia, o comportamento do mercado de trabalho nacional e a relação de ambos com políticas públicas.

A maioria dos textos aqui apresentados busca entender e explicar o comportamento do mercado de trabalho brasileiro, analisando ques-tões como a do desemprego metropolitano em sua relação com políti-cas de ajuste, como faz Marcio Pochmann, ou como a falta de mão de obra quali icada no período 2004-2012, revelando também mudanças na estrutura ocupacional do país e relacionando tais tendências com o Sistema Público de Emprego, Renda e Trabalho, esforço empreendido por Amilton Moretto.

Fernando Augusto M. de Mattos destaca – nesse mesmo período – uma forte tendência à formalização dos trabalhadores e à redução das desigualdades de renda, associando esse comportamento ao padrão de crescimento experimentado no país, num contexto internacional favorável ao Brasil no limiar do século XXI e salientando a importân-cia de políticas públicas nacionais na construção dessa trajetória fa-vorável. Aliás, a formalização do emprego para numerosos analistas nos anos inais do século XX era posta em cheque nas condições de operação do capitalismo contemporâneo, muitos defendendo que o problema do emprego somente seria resolvido com a lexibilização do arcabouço legal brasileiro, o que não foi comprovado na experiência do mercado de trabalho nacional dos anos 2000. Mattos constata, para anos recentes, o contrário: uma signi icativa redução da precariedade e da informalidade no mercado de trabalho do país.

Ainda nessa temática, mas com leitura menos otimista, se inscre-ve o artigo de Fernando José Pires de Sousa, que trabalha a precarie-dade e a lexibilidade no mercado de trabalho brasileiro, a proteção social e a mobilidade dos trabalhadores, tendo como pano de fundo de suas re lexões o avanço do neoliberalismo na América Latina.

Um outro movimento relevante nas últimas décadas no mercado de trabalho brasileiro é o da terceirização, com destaque para formas que podem ser associadas à precarização do trabalho, num mercado de trabalho relativamente desregulamentado de uma economia cada

prefácio 9

vez mais internacionalizada e inanceirizada, como a do Brasil. Esta é a discussão feita por José Dari Krein e Marilane Teixeira num tex-to bem fundamentado, que trata dos avanços da terceirização e suas consequências para os trabalhadores de um país onde se estima exis-tirem cerca de 13 milhões de prestadores de serviços nessa condição. Chegando com sua análise até à crise recente que se instala no Brasil, os autores destacam o atual contexto de regressão dos indicadores do mercado de trabalho no país e situam a ofensiva por reforma trabalhis-ta e previdenciária, ressaltando a importância do debate sobre projeto de lei em discussão no Congresso Nacional sobre a regulamentação da terceirização.

Como se vê, apesar de avanços importantes, a dinâmica do mer-cado de trabalho brasileiro não é simples de compreender, e ameaças importantes na perspectiva dos trabalhadores voltam a ganhar espaço no momento atual.

Outros artigos tratam de temas correlatos, como o da produtivi-dade do trabalho na sua relação com a quali icação da mão de obra, estudada por Carlos Alberto Ramos numa perspectiva original e insti-gante, focando as habilidades não cognitivas (habilidades sociais), ou seja, na dimensão não acadêmica da formação dos indivíduos.

Por sua vez, com foco nos anos iniciais do século XXI, a temática de juventude no Brasil contemporâneo surge numa visão multidimen-sional (biológica, social, cultural e de gênero) no artigo elaborado por Geórgia P. Guimarães dos Santos, Francisca Rejane Bezerra e Júnior Macambira, analisando também aspectos dessa população jovem no mercado de trabalho nacional e os desa ios que enfrentam, como o maior desemprego, a maior informalidade e a menor remuneração. Os autores discutem também a necessidade e a institucionalidade de po-líticas públicas voltadas para essa fatia da população brasileira.

Ainda no limiar do século XXI, a experiência de distintos grupos etários nas áreas urbanas do Brasil é examinada por André G. Campos e Marcelo Phintener, partindo de distinção interessante entre o que chamam de ciclo produtivo e reprodutivo.

Finalmente, uma velha herança brasileira é abordada por Roberto Alves e Tarcisio P. de Araújo, qual seja a instigante pobreza rural pre-valecente no Nordeste do país. A análise de políticas públicas recentes e seus resultados – em especial programas de crédito, de transferência de renda e de apoio aos produtores de base familiar – é feita a partir de abordagem crítica.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais10

Como se vê, a rica coletânea ora apresentada ao leitor permite desvendar traços importantes da realidade brasileira e estimula novas re lexões, especialmente numa quadra em que o país se vê mergulha-do em fase di ícil, com forte desaceleração do ritmo de crescimento da sua economia, desemprego em alta e renda do trabalho em queda, além do repique da in lação e agravamento da situação iscal da União, Estados e Municípios. Momento em que o balanço dos avanços realiza-dos e dos desa ios a enfrentar nos próximos anos exige re lexões e crí-ticas capazes de iluminar novas trajetórias favoráveis à construção de uma nação economicamente sólida, socialmente justa, culturalmente rica na sua diversidade e capaz de utilizar com cuidado seu magní ico patrimônio ambiental.

Tania Bacelar de AraujoDoutora em Economia e professora aposentada da Universidade

Federal de Pernambuco (UFPE)

11

Política de Ajuste Econômico e Desemprego no Brasil

Metropolitano Nos Últimos 35 AnosMarcio Pochmann1

Durante os últimos 35 anos, o Brasil registrou dois momentos temporais signi icativos em relação às alterações substanciais na es-trutura da economia nacional e, por consequência, na taxa de desem-prego. O primeiro momento foi observado na crise da dívida externa entre 1981–1983 e o segundo na década de 1990, quando da integra-ção da economia brasileira à globalização financeira.

Esses dois momentos que marcam o comportamento do mercado de trabalho tiveram como força determinante a presença da recessão nas atividades econômicas. Em virtude disso, o presente estudo preo-cupa-se em considerar em que medida o programa de ajuste econômi-co adotado a partir do inal de 2014 e que tem ocasionado recessão na economia brasileira repercute sobre o nível de desemprego.

As cinco partes constitutivas deste estudo se compõem de uma primeira que trata do mercado de trabalho durante o ciclo da indus-trialização nacional. A segunda parte refere-se aos efeitos sobre o de-semprego decorrente dos dois momentos de ajuste econômico veri i-cado nas duas últimas décadas do século 20.

Enquanto a terceira parte descreve o baixo desemprego nos anos 2000, a quarta parte analisa a situação recente de elevação do desem-prego e a quinta parte trata das principais características recentes dos desempregados que resultam do programa de ajuste econômico ini-ciado em 2015. As informações estatísticas primárias sistematizadas pertencem ao Instituto Brasileiro de Geogra ia e Estatística (IBGE).

1 Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais12

1. Desemprego no Ciclo de Industrialização

O Brasil foi até os anos de 1930 uma economia primário-exporta-dora, cuja produção de café representava mais de 2/3 de toda a pauta de exportação. Com o abalo do sistema centro-periferia imposto pela Grande Depressão de 1929, as formas da integração comercial e inan-ceira internacional foram colocadas em xeque, impossibilitando que a demanda externa continuasse a dinamizar economias nacionais como a brasileira.

No contexto da gravíssima crise no centro do capitalismo na dé-cada de 1930 é que o Brasil construiu internamente uma nova maioria política de corte não-liberal e que, mesmo heterogênea e pouco demo-crática, se mostrou su iciente para viabilizar a transição para a mo-dernidade da sociedade urbana. Como resposta às oligarquias liberais agrárias da época houve a consolidação de instituições republicanas comprometidas com direitos civis, políticos e sociais.

Com o reposicionamento do Estado ampliado em defesas de polí-ticas nacional-desenvolvimentistas de industrialização, as consequên-ciasse deram em termos de signi icativa expansão produtiva, acompa-nhada dos movimentos de urbanização e a estruturação do mercado nacional de trabalho em torno do emprego assalariado formal. No período de 1930 a 1980, por exemplo, a renda per capita do brasilei-ro cresceu 3,3% ao ano, em média, enquanto entre os anos de 1880 e 1930 a renda por habitante havia aumentado somente 0,6% como média anual.

Não obstante a concretização das condições necessárias para a expansão da classe trabalhadora assentada no emprego formal e nos direitos sociais e trabalhistas, o progresso econômico deu sinais ine-gáveis de ter se descolado dos contidos avanços sociais no Brasil. Por conta disso, a questão social manteve-se sem resolução compatível com os avanços econômicos brasileiros.

A exclusão social permaneceu ativa, identi icada que foi pelas dimensões decorrentes da elevada pobreza, marginalidade social, informalidade e precariedade no trabalho, entre outras formas de manifestação. No mesmo sentido, a urbanização da sociedade se deu com infraestrutura rudimentar para a maior parte da população, salvo verdadeiras ilhas de modernidades estabelecidas em algumas poucas áreas prósperas do País.

Política de Ajuste Econômico e Desemprego no Brasil Metropolitano Nos Últimos 35 Anos 13

Possivelmente, a ausência do regime democrático pleno, acom-panhado de reformas civilizatórias do capitalismo como a agrária, tributária e social, fez do Brasil um dos espaços territoriais de pio-res indicadores da desigualdade da renda e atraso social. No ano de 1980, por exemplo, o País se situava entre as oito mais importantes economias do mundo, embora mantivesse quase a metade de sua po-pulação na condição de pobreza e distante da construção do Estado de bem-estar social.

O desemprego urbano, ainda que relativamente baixo, era acom-panhado por enorme horda de trabalho informal, distante dos direi-tos sociais e trabalhistas. Para os empregados formais, a ausência da democratização nas relações de trabalho fazia prevalecer o arrocho salarial.

Tabela 1-Brasil – Evolução da População Economicamente Ativa, da Condição da Ocupação e do Desemprego Entre 1940 e 2010 (Variação Média Anual)

Itens 1940 - 80 1980 - 2000 2000 - 2010

PEA 2,6% 2,9% 1,7%

PEA Ocupada 2,6% 2,2% 2,5%

Empregador 3,3% 1,6% -0,7%

Conta Própria 1,8% 2,1% 2,4%

Sem remuneração 0,6% 0,9% -5,4%

Empregado 3,6% 2,4% 3,4%

- Com registro 6,2% 1,3% 4,7%

- Sem registro 0,6% 5,1% 0,9%

Desempregado 0,5% 11,9% -3,2%

Taxa de informalidade* 1,1% 3,0% 0,6%

Taxa de precarização** 1,1% 3,7% -1,1%

Fonte: IBGE-Censo demográ ico e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).* Soma dos ocupados por conta própria, sem remuneração e empregado sem registro.** Soma de conta própria, sem remuneração e desempregado.

De acordo com as informações censitárias existentes, a taxa de desemprego se apresentou com baixa intensidade entre os anos de 1940 e 1980. O mesmo não se pode dizer em relação às duas últimas décadas do século 20, conforme veri icado a seguir.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais14

2. Desemprego e Ajuste Econômico nas Décadas de 1980 e 1990

Nas duas últimas décadas do século 20, a renda per capita na-cional cresceu apenas 0,3% ao ano, ou seja, manteve-se praticamente semiestagnada, cujo ritmo de expansão se manteve inferior à condição de economia primária exportadora dos anos pré-1920.

A crise da dívida externa logo no início dos anos de 1980 termi-nou por abalar a trajetória do projeto urbano e industrial, impondo a adoção dos programas de ajuste exportador geradores de recursos excedentes transferidos ao exterior, o que levou à relativa decadência brasileira. Ao mesmo tempo, a opção pelo programa de ajuste expor-tador interrompeu o ciclo de expansão iniciado nos anos de 1930 co-mandado pela industrialização do mercado interno.

A recessão entre os anos de 1981 e 1983 gerou desemprego urba-no de grandes proporções, sem que os trabalhadores contassem com mecanismos de proteção social, como, por exemplo, o seguro desem-prego, implantado somente em 1986. A saída da recessão, a partir de 1984 permitiu ao País reduzir a taxa de desemprego e mantê-la relati-vamente baixa até o inal da década de 1980.

Grá ico 1 - Brasil Metropolitano: Evolução da Taxa de Desemprego,1979 - 2015 (em %)

0123456789

10111213

Fonte: IBGE/PME. Elaboração do autor.* média dos sete primeiros meses.

A regressão econômica e social ganhou evidência frente às altas taxas de in lação, à desorganização das inanças públicas, à semies-tagnação da renda por habitante, ao elevado desemprego, à pobreza

Política de Ajuste Econômico e Desemprego no Brasil Metropolitano Nos Últimos 35 Anos 15

e à desigualdade social. A partir daí, o Brasil se distanciou do mundo desenvolvido, perdendo oportunidades de incorporar os avanços que decorreram, por exemplo, da revolução informacional2.

Além disso, as políticas neoliberais adotadas na década de 1990 levaram ao precoce movimento da desindustrialização simultâneo à maior internacionalização do parque produtivo e ao fortalecimento dos setores primário exportador e inanceiro. Com a adoção do pro-grama de ajuste econômico orientado pelo Consenso de Washington ocorreu a explosão da taxa de desemprego no Brasil.

A recessão econômica entre 1990 e 1992, acrescida das medidas de abertura inanceira, comercial, produtiva e trabalhista, prolongou para toda a última década do século 20 uma trajetória de desemprego jamais vista até então. Na crise do Plano Real veri icada entre os anos de 1998 e 1999, o ajuste econômico estabelecido trouxe efeitos ainda maiores para o comportamento da taxa de desemprego.

3. Desemprego em Baixa nos Anos 2000

O alto patamar do desemprego no Brasil metropolitano veri ica-do nas duas últimas décadas do século 20 seguiu ainda até o ano de 2003, quando a reversão das políticas de corte neoliberal possibilitou a redução sensível da taxa de desemprego. Mesmo a partir de 2008, com a manifestação da crise de dimensão global que abalou levemen-te o comportamento do mercado de trabalho, a taxa de desemprego prosseguiu em queda até o ano de 2014.

Com a evolução da renda per capita ao ritmo médio de 2,5% ao ano nos anos 2000, o movimento de regressão econômica e social pode ser contido. A recuperação do ritmo de crescimento econômico se deu paralelamente ao reforço do papel do Estado, sobretudo no âmbito do fundo social.

Aliado a isso, veri icou-se a ampliação do gasto social em rela-ção ao Produto Interno Bruto (PIB), o que potencializou a expansão da renda e do emprego, colocando em novas bases o enfrentamento de mazelas históricas acumuladas, como a pobreza e a concentração de renda.

Para isso foi necessário reduzir parcela importante dos ganhos do rentismo inanceiro. No ano de 2013, por exemplo, o Estado transferiu 2 Maiores detalhes, em: Cano (1999); Bacha e Mendoza (1987).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais16

aos rentistas 5,1% do Produto Interno Bruto na forma de pagamento de despesas inanceiras, enquanto em 2002 foram 14,2% do PIB.

Grá ico 2 – Brasil: Evolução dos Índices de Desigualdade Pessoal da Renda (Gini) e da Taxa de Pobreza Entre 1960 e 2012 (1960 = 100)

15

30

45

60

75

90

105

1960

1962

1964

1966

1968

1970

1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

2008

2010

2012

Pobreza absoluta desigualdade de renda

Fonte: IBGE. Elaboração do autor.

Esta mudança no papel do Estado se traduziu não apenas na re-tomada dos investimentos públicos em infraestrutura, paralisada por mais de duas décadas, como no comportamento da pobreza e da desi-gualdade pessoal da renda. Três movimentos distintos podem ser per-cebidos em relação a isso nos últimos 50 anos.

O primeiro veri icado nas décadas de 1960 e 1970 combinou ele-vado crescimento da desigualdade de renda com queda na taxa de po-breza. Para o aumento acumulado de 21,9% (1% ao ano, em média) no índice de desigualdade de renda (Gini), a taxa nacional de pobreza caiu 45,1% (1,9% ao ano, em média).

O segundo movimento manteve estabilizado relativamente o grau de desigualdade e a taxa de pobreza no Brasil. No período entre 1981 e 2003, por exemplo, a desigualdade caiu 2,8% (0,1% ao ano, em mé-dia), ao passo que a taxa de pobreza reduziu-se 19,8% (0,8% ao ano).

Por im, o terceiro movimento convergiu na queda tanto da taxa de pobreza como da desigualdade na renda. Dos anos de 2003 a 2012, por exemplo, o índice de Gini reduziu-se 17,8% (1,8% ao ano, em média), enquanto a taxa de pobreza diminuiu 61,8% (5,5% ao ano, em média).

Política de Ajuste Econômico e Desemprego no Brasil Metropolitano Nos Últimos 35 Anos 17

4. Ajuste econômico e desemprego recente em alta

A partir do inal de 2014, a política econômica mudou de rumo, invertendo a trajetória do desemprego. Apesar da crise de dimensão global iniciada em 2008, a taxa de desemprego no Brasil metropolita-no havia se mantido decrescente entre 2004 e 2014, sobretudo com a adoção de medidas anticíclicas.

Mas diante das políticas de ajuste econômico, conforme observa-do em 2015 e que fez reaparecer recentemente a recessão, interessa conferir a intensidade dos efeitos sobre o mercado de trabalho, sobre-tudo o comportamento da taxa de desemprego. Dessa forma, utiliza-se como referência a evolução do índice que mede a taxa de desemprego no Brasil metropolitano nos primeiros seis meses de adoção das polí-ticas de ajuste econômico.

Grá ico 3 - Brasil Metropolitano: Evolução Mensal do Índice que Mede a Taxa de Desemprego nos Seis Primeiros Meses Após a Adoção de Políticas de Ajuste Econômico (mês base = 100)

Base Primeiro Segundo Terceiro Quarto Quinto Sexto

1981 100 140,8 145,8 151,7 154,6 150,6 147,4

1990 100 139,8 145,3 171,2 202,1 223,3 207,6

1998 100 149,8 153,3 169 164 169,4 163,2

2009 100 105,9 108,8 111,8 107,4 110,3 102,9

2015 100 123,3 137,2 144,2 148,8 155,8 160,5

100

120

140

160

180

200

220

240

20151998

1990

1981

2009

Fonte: IBGE/PME. Elaboração do autor.

Pela comparação dos seis primeiros meses de aplicação dos pro-gramas de ajuste econômicos em cinco momentos temporais distintos entre os anos de 1980 e 2015, percebe-se que a recessão de 1990 foi a mais grave na elevação inicial do desemprego. A taxa de desempre-go no Brasil metropolitano cresceu acumuladamente, em apenas seis meses, quase 108%.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais18

O segundo momento inicial mais grave em termos de ampliação do desemprego se deu em função das medidas de ajuste econômico implantadas a partir de 1999 durante a crise do Plano Real. Nos pri-meiros seis meses, a taxa de desemprego no Brasil metropolitano acu-mulou aumento de 63,2%.

Como terceiro momento de ajuste econômico considerado, iden-ti ica-se o ano de 2015 com maior intensidade na elevação do desem-prego. Em apenas seis meses, a taxa de desemprego do Brasil metro-politano subiu acumuladamente 60,5%.

No quarto momento de adoção de medidas de ajuste econômico encontra-se a recessão iniciada em 1981. Os primeiros seis meses acu-saram aumento acumulado na taxa de desemprego do Brasil metropo-litano de 47,4%.

A crise de dimensão global que começou em 2008 corresponde ao quinto momento de adoção de políticas de ajuste econômico. Os seus efeitos sobre o mercado de trabalho foram relativamente baixos, uma vez que a taxa de desemprego do Brasil metropolitano nos seis primeiros meses acumulou aumento de menos de 3%.

5. Características Recentes do Desemprego

A discrepância entre a evolução da demanda e oferta de traba-lhadores disponíveis no interior do mercado de trabalho expressa o crescimento recente do desemprego no Brasil metropolitano, cuja de-terminação encontra-se associada à recessão na economia nacional. A queda no nível de atividade no ano de 2015 vem acompanhada da redução da quantidade de ocupados e do rendimento médio real rece-bido pelos trabalhadores.

Diante do rebaixamento da renda dos ocupados tende a ocorrer o maior acirramento da competição entre os trabalhadores gerado tanto por aqueles que perdem o emprego como pelos novos ingressantes no in-terior do mercado de trabalho. Em geral, a procura por trabalho sofre um impulso maior em decorrência do movimento de solidariedade impul-sionado no interior dos domicílios pela diminuição da renda média fami-liar per capita, ao contrário de quando o desemprego é menor e o salário mais alto que permite estimular o ingresso de jovens mais tardiamente.

Entre 2003 e 2013, por exemplo, cerca de 5 milhões de jovens brasileiros postergaram a entrada no interior do mercado de trabalho após terem alcançado 16 anos de idade. Na maior parte das vezes, a

Política de Ajuste Econômico e Desemprego no Brasil Metropolitano Nos Últimos 35 Anos 19

possibilidade de ampliar a escolaridade motiva a procura mais tarde por um emprego.

Por conta disso, o aumento do desemprego tende a não ser homo-gêneo entre os trabalhadores. Características importantes podem ser, em geral, observadas.

Nos primeiros sete meses do ano de 2015, por exemplo, a taxa de desemprego cresceu relativamente mais para as mulheres (43,3%) do que para os homens (40,4%). Com isso, a taxa de desemprego femini-na que era 27,7% superior à masculina em janeiro de 2015, passou a ser 30,3% em julho do mesmo ano.

Do mesmo modo, constata-se a evolução diferenciada da taxa de desemprego segundo a faixa etária dos desempregados nos primeiros meses de 2015. Enquanto o desemprego cresceu menos para a faixa etária de 15 a 17 anos (19,3%), registra-se a maior elevação, à medida que avança a idade.

Para trabalhadores de 50 anos e mais de idade, a taxa de desem-prego aumentou 45,4% entre janeiro e julho de 2015. Nas faixas etá-rias de 18 a 24 anos e de 25 a 49 anos, o crescimento da taxa de desem-prego foi de 43,4% e 44,2%, respectivamente.

Grá ico 4 - Brasil Metropolitano: Evolução Mensal da Taxa de Desemprego Segundo Gênero em 2015 (em %)

jan/15 fev/15 mar/15 abr/15 mai/15 jun/15 jul/15

Total 5,3 5,9 6,2 6,4 6,7 6,9 7,5

Masculina 4,7 5,0 5,3 5,7 5,9 6,0 6,6

Feminina 6,0 6,9 7,2 7,2 7,5 7,9 8,6

4,0

5,0

6,0

7,0

8,0

9,0

Fonte: IBGE/PME. Elaboração do autor.

Em relação ao grau de escolaridade, nota-se que a trajetória re-cente do desemprego tem sido mais intensa inversamente ao aumento dos anos de estudos. Assim, por exemplo, a taxa de desemprego cres-ceu 34,6% para os trabalhadores de 11 e mais anos de escolaridade entre os meses de janeiro e julho de 2015.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais20

Grá ico 5: Brasil Metropolitano: Evolução Mensal da Taxa de Desemprego Segundo Faixa Etária em 2015 (em %)

jan/15 fev/15 mar/15 abr/15 mai/15 jun/15 jul/15

15 a 17 anos 29,0 28,7 25,3 27,4 30,7 29,5 34,6

18 a 24 anos 12,9 15,0 15,7 16,2 16,4 17,1 18,5

25 a 49 anos 4,3 4,8 5,1 5,3 5,6 5,8 6,2

50 anos ou mais 2,2 2,2 2,3 2,6 2,5 2,9 3,2

0

5

10

15

20

25

30

35

Fonte: IBGE/PME. Elaboração do autor.

Para os trabalhadores com até 8 anos de escolaridade, a taxa de de-semprego cresceu 52,4% no mesmo período de tempo. Entre os trabalha-dores de 8 a 10 anos de estudos, a taxa de desemprego aumentou 49,3%.

Percebe-se, portanto, que as mudanças no interior do mercado de trabalho se apresentam mais desfavoráveis aos trabalhadores com menor escolaridade. Impacto direto, em certa medida, dos setores de atividade econômica que mais demitiram mão de obra neste início de 2015 por força da recessão.

Grá ico 6 - Brasil Metropolitano: Evolução Mensal da Taxa de Desemprego Segundo Anos de Escolaridade em 2015 (em %)

jan/15 fev/15 mar/15 abr/15 mai/15 jun/15 jul/15

Sem instrução e menos de 8 anos 4,2 5,0 5,1 4,8 5,7 5,7 6,4

8 a 10 anos 7,1 7,7 8,4 9,1 9,4 9,6 10,6

11 anos ou mais 5,2 5,6 5,9 6,2 6,3 6,6 7,0

4,0

5,0

6,0

7,0

8,0

9,0

10,0

11,0

Fonte: IBGE/PME. Elaboração do autor.

Política de Ajuste Econômico e Desemprego no Brasil Metropolitano Nos Últimos 35 Anos 21

Também em relação à condição de chefe de família, a taxa de de-semprego se apresentou mais intensa que em relação ao conjunto dos ocupados, sobretudo não chefes de família. Enquanto o total da taxa de desemprego aumentou 41,5% entre os meses de janeiro a julho de 2015, a taxa de desemprego dos trabalhadores chefes de família cres-ceu 16,6% a mais (48,4%).

Nesse sentido, nota-se que a maior intensidade do desemprego entre os chefes de família encontra-se interligada ao próprio cresci-mento das demissões entre os trabalhadores de maior faixa etária. Mesmo assim, a taxa de desemprego no Brasil metropolitano segue bem mais elevada para trabalhadores situados na faixa etária de menor idade.

Grá ico 7 - Brasil Metropolitano: Evolução Mensal da Taxa de Desemprego Total e do Chefe de Família em 2015 (em %)

jan/15 fev/15 mar/15 abr/15 mai/15 jun/15 jul/15

Chefe de família 3,1 3,3 3,7 3,9 4,1 4,1 4,6

Total 5,3 5,9 6,2 6,4 6,7 6,9 7,5

2

3

4

5

6

7

8

Fonte: IBGE/PME. Elaboração do autor.

A taxa de desemprego segundo setores de atividade econômica se apresentou diferenciada ao longo dos primeiros sete meses de 2015. O desemprego cresceu mais acentuadamente para os setores de ativida-de econômica que absorvem o trabalho doméstico (72,2%), a constru-ção civil (54,3%) e a indústria (45,2%).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais22

Grá ico 8 - Brasil Metropolitano: Evolução Mensal da Taxa de Desemprego Segundo Setor de Atividade em 2015 (em %)

jan/15 fev/15 mar/15 abr/15 mai/15 jun/15 jul/15

Indústria 3,1 3,3 3,7 3,9 3,7 3,6 4,5

Construção 3,5 4,3 4,2 4,1 4,6 4,4 5,4

Comércio 3,0 3,5 3,7 4,1 3,9 4,2 4,2

Serviços 2,9 3,6 3,5 3,1 3,6 4,1 4,0

Adminisração Pública 1,3 1,2 1,5 1,6 1,5 1,5 1,6

Trabalho doméstico 1,8 2,0 2,0 2,6 2,5 2,5 3,1

Outros serviços 2,5 2,7 3,2 3,4 3,6 3,6 4,0

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

Fonte IBGE/PME. Elaboração do autor.

Nos demais setores econômicos, a taxa de desemprego evoluiu menos intensamente. Destacam-se, por exemplo, os setores da admi-nistração pública (23,1%), dos serviços privados (37,9%) e do comér-cio (40%).

Grá ico 9: Brasil Metropolitano: Evolução Mensal da Taxa de Desemprego Segundo Região Metropolitana em 2015 (em %)

jan/15 fev/15 mar/15 abr/15 mai/15 jun/15 jul/15

Recife - PE 6,7 7 8,1 7,8 8,5 8,8 9,2

Salvador - BA 9,6 10,8 12 11,3 11,3 11,4 12,3

Belo Horizonte - MG 4,1 4,9 4,7 5,5 5,7 5,6 6

Rio de Janeiro - RJ 3,6 4,2 4,8 5,2 5 5,2 5,7

São Paulo - SP 5,7 6,1 6 6,3 6,9 7,2 7,9

Porto Alegre - RS 3,8 4,7 5,1 5 5,6 5,8 5,9

3,54,55,56,57,58,59,5

10,511,512,513,5

Fonte IBGE/PME. Elaboração do autor.

Por im, observa-se a evolução diferenciada da taxa de desem-prego entre as seis principais regiões metropolitanas durante os pri-meiros sete meses do ano. Nas regiões metropolitanas de Salvador (28,1%), Recife (37,3%) e São Paulo (38,5%) a taxa de desemprego cresceu menos que no Rio de Janeiro (58,3%), Porto Alegre (55,3%) e Belo Horizonte (46,3%).

Política de Ajuste Econômico e Desemprego no Brasil Metropolitano Nos Últimos 35 Anos 23

6. Considerações Finais

O sentido geral das mudanças registradas no interior do merca-do de trabalho em função da adoção de políticas de ajuste econômi-co aponta para a elevação da taxa de desemprego. Nas últimas três décadas, a recessão provocada entre os anos de 1981 e 1983 e de 1990 e 1992 levaram à trajetória de alta no desemprego no Brasil metropolitano.

Também a crise do Plano Real, em 1998 e 1999, trouxe impactos negativos para o comportamento do mercado de trabalho. Da mesma forma, a intensi icação do desemprego nos primeiros meses do ano de 2015 aponta para o terceiro momento temporal de ajuste econômico mais grave observado nas últimas três décadas.

O aumento recente na taxa de desemprego no Brasil metropo-litano se apresenta heterogêneo entre os trabalhadores. Assim, por exemplo, o desemprego tem sido mais intenso o seu crescimento para pessoas do sexo feminino, com mais idade, menor escolaridade, na condição de chefe de família, situados nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e Porto Alegre, e relacionado com as atividades do tra-balho doméstico, da construção civil e da indústria.

Por conta disso, o ano de 2015 pode ser compreendido com um ponto de in lexão no comportamento do mercado de trabalho desde o início dos anos 2000. Após vários anos de trajetória de queda, a taxa de desemprego do Brasil metropolitano voltou a crescer signi icativa-mente, chegando a ser 41,5% superior no mês de julho em compara-ção a janeiro de 2015. No mesmo período de tempo, por exemplo, a taxa de desemprego foi 2,1% maior em 2014, 3,7% superior em 2013 e 1,8% inferior em 2012.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais24

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27

Mudanças na oferta e inserção da força de trabalho brasileira: desafios para o Sistema

Público de Emprego, Trabalho e Renda

Amilton J. Moretto1

O bom desempenho da economia brasileira na década de 2000, cuja taxa de crescimento do produto média entre 2001 e 2010 ter se si-tuado em torno de 3,6% a.a., com ritmo mais forte na segunda metade da década (2006-2010) com crescimento de cerca de 4,5% a.a., foi bas-tante favorável ao mercado de trabalho. Este, ao longo desse período, teve como aspecto marcante a recuperação do emprego com vínculo de trabalho formalizado (registro em carteira de trabalho), com des-taque para os grandes estabelecimentos. Esse dinamismo do emprego formal reverteu a tendência de queda da participação relativa dessa forma de inserção ocupacional que era observada desde o início da década de 1980 e que se intensi icou com a reestruturação econômica e produtiva da década de 1990 (CARDOSO JÚNIOR, 2009; BALTAR et al., 2014; KREIN; SANTOS; MORETTO, 2013).

O bom desempenho na geração de emprego no período, associa-do à melhoria dos salários, particularmente do salário mínimo, e da ampliação de políticas sociais e de proteção à renda, repercutiram fa-voravelmente sobre a condição de vida dos brasileiros, que se re letiu sobre a redução da pobreza e da desigualdade de renda, como apon-tam diversos estudos (CACCIAMALI; CAMILLO, 2009; BARBOSA; MO-RETTO, 2012; LAVINAS, 2012; SOARES; SÁTYRO, 2010). Essa melhoria do mercado de trabalho e a ampliação das politicas sociais, ao mesmo tempo em que permitiram melhoria das condições de vida da popula-ção, in luenciou, também o comportamento das famílias e dos jovens em relação à entrada no mercado de trabalho, cuja tendência tem sido de postergação para a entrada na vida ativa.

Diante desse quadro, setores empresariais passaram a reclamar da falta de mão de obra quali icada, que poderia colocar em risco a continuidade do crescimento econômico. Alguns exemplos dessas ma-

1 Economista, professor e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Cesit/IE/UNICAMP).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais28

nifestações podem ser observados nas seguintes reportagens: “Bra-sil estuda incentivar vinda de jovens estrangeiros quali icados para trabalhar no país” (BOCCHINI, 2014), “Quali icação da mão de obra brasileira, uma nova urgência” (DAMASCENO, 2014); “Ipea: país não vive pleno emprego nem há falta de mão de obra quali icada” (VILLE-LA, 2014); “Falta de mão de obra quali icada afeta 65% das empresas, diz CNI” (RICHARD, 2014);“Falta de mão de obra quali icada é um dos principais obstáculos à inovação na indústria” (OLIVEIRA, 2014); “Fal-ta de mão de obra qualificada emperra crescimento no NE”(SOUZA, 2014); “O que o mercado quer? Profissionais com poder de adapta-ção” (BARROS, 2014).

Do ponto de vista demográ ico, o problema se apresenta como uma oferta insu iciente de mão de obra, mas não em termos numé-ricos, pois a quantidade de trabalhadores disponíveis para trabalhar pode ser igual (pouco maior ou pouco menor) ao total de vagas dis-poníveis. A questão diz respeito ao per il requerido pelas empresas contratantes, isto é, trabalhadores disponíveis para trabalhar com as habilidades e capacitações necessárias a boa execução das tarefas e rotinas do posto de trabalho. Uma questão adicional está relacionada ao aspecto espacial, ou seja, muitas vezes a vaga de trabalho existente está situada em determinada região, enquanto o trabalhador com o per il necessário ao preenchimento dessa vaga aberta reside em outra região, muitas vezes não muito distante.

Diante dessa questão, o capítulo procura, a partir de algumas evi-dências empíricas disponíveis, avaliar em que medida há falta de mão de obra quali icada, olhando para a oferta de mão de obra e para como a força de trabalho foi absorvida entre 2004 e 2012, para no momento seguinte re letir sobre o papel que o Sistema Público de Emprego, Tra-balho e Renda (ou a institucionalidade que venha a ser criada) pode desempenhar como instrumento facilitador na alocação da mão de obra, com vista à suprir a maior demanda por mão de obra quali icada.

A análise utiliza informações obtidas dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geogra-ia e Estatística (PNAD/IBGE) para os anos de 2004 e 2012. Trabalha-

-se com a população de 15 anos ou mais de idade, dividindo-a em dois grandes grupos: a população jovem, com 15 anos até 29 anos de idade; e a população adulta, com 30 anos de idade ou mais.

Consideram-se também para a análise algumas variáveis con-dicionantes como o sexo e a escolaridade do indivíduo, que foi clas-si icada em quatro faixas: i) ensino fundamental incompleto (inclui

Mudanças na oferta e inserção da força de trabalho brasileira 29

desde aqueles não alfabetizados até aqueles que não concluíram o ensino fundamental); ii) ensino fundamental (inclui aqueles que con-cluíram o ensino fundamental e aqueles que não concluíram o ensino médio); iii) ensino médio (inclui aqueles que completaram o ensino médio e aqueles que não completaram o ensino superior); e iv) en-sino superior (inclui aqueles que concluíram o ensino superior ou de nível de pós-graduação). Além disso, veri icou-se a condição de atividade da pessoa na semana de referência da pesquisa (economi-camente ativa e não economicamente ativa), bem como a condição de ocupação da pessoa na semana de referência (ocupado e desocupa-do) para aqueles que se encontravam economicamente ativos. Com essas informações, construíram-se os indicadores taxa de participa-ção e taxa de desocupação.

O capítulo está estruturado em três seções, além desta introdu-ção e as considerações inais. Na primeira apresentam-se as principais mudanças ocorridas na oferta de mão de obra entre 2004 e 2012, uti-lizando-se como indicadores a taxa de participação e a variação per-centual entre os dois anos analisados. Na segunda seção a análise se concentra em como a oferta de mão de obra foi absorvida. Para isso, veri ica-se o comportamento da população economicamente ativa e as principais mudanças ocorridas no período analisado entre os ocu-pados e os desocupados. Na terceira seção discute-se, à luz das infor-mações precedentes, o papel que o serviço público de emprego pode desempenhar em relação tanto no estímulo a maior participação da população no mercado de trabalho, como na facilitação da contratação do trabalhador com o per il adequado pelo setor empresarial.

1. Mudanças na Oferta de Mão de Obra Entre 2004 e 2012

Nesta seção, o objetivo é apresentar as alterações na oferta de mão de obra ao longo da década de 2000, mais especi icamente entre os anos de 2004 e 2012, por meio da análise do ritmo de crescimento da população ativa e da taxa de participação, construídos a partir dos microdados da PNAD/IBGE para os respectivos anos.

Entre os anos analisados, a população em idade ativa – 15 anos ou mais – passou de 131,5 milhões de indivíduos para 151,4 milhões de indivíduos, um aumento de 15%, com as mulheres representando 52% do total em ambos os anos. Quando se analisa essa população com 15

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais30

anos ou mais de idade a partir da condição de atividade dos indivíduos que a compõem, veri ica-se o ritmo de inserção na vida ativa foi menos intensa (10,6%) em relação ao conjunto da população em idade ativa e bem abaixo da população não economicamente ativa (24,8%). Esse padrão repete-se quando a condição de sexo é observada com ritmos semelhantes, conforme a Tabela 1.

Tabela 1 - Variação % Entre 2004 e 2012 da População de 15 Anos ou Mais Segundo Condição de Atividade na Semana de Referência, Faixa de Escolaridade, Sexo e Grupo Etário. Brasil.

Faixa de Escolaridade

Total 15 até 29 30 e maisTotal PEA PNEA Total PEA PNEA Total PEA PNEA

TotalE. F. Incomplet -10,1 -21,2 8,3 -39,4 -48,5 -22,5 0,9 -10,4 19,0E. Fundamental 19,3 10,6 36,7 6,0 -5,1 23,6 38,0 28,9 64,1E. Médio 52,4 49,1 65,0 31,7 28,1 46,5 71,5 69,1 80,0E. Superior 76,2 74,4 86,5 83,4 82,3 91,8 74,4 72,2 85,5Total 15,1 10,6 24,8 -1,1 -5,3 8,5 24,7 20,3 34,2

FemininoE. F. Incomplet -11,2 -26,6 2,5 -44,3 -56,5 -32,9 -0,6 -16,7 13,6E. Fundamental 17,4 5,3 32,3 2,3 -13,9 19,1 38,3 27,5 55,2E. Médio 49,5 44,0 63,4 28,2 22,6 44,7 69,3 65,5 77,6E. Superior 83,2 79,7 98,5 81,8 83,1 73,8 83,6 78,7 103,6Total 15,1 10,9 20,6 -1,9 -4,9 2,4 24,7 20,4 30,0

MasculinoE. F. Incomplet -9,0 -17,8 23,0 -35,4 -44,5 -2,0 2,5 -6,2 33,7E. Fundamental 21,4 14,6 46,6 9,9 1,4 31,9 37,6 29,9 95,9E. Médio 55,9 54,1 69,8 35,9 33,9 51,0 74,1 72,4 88,4E. Superior 67,5 68,2 62,2 85,8 81,1 147,1 63,5 65,2 51,4Total 15,1 10,4 35,5 -0,3 -5,7 20,8 24,8 20,3 46,0Fonte: Microdados da PNAD/IBGE. Elaboração do autor.

Ao observar-se o crescimento, condicionando-se pela faixa de es-colaridade a que pertence a pessoa, veri ica-se uma redução somente na faixa que inclui pessoas cuja escolaridade é o ensino fundamen-tal incompleto (-10%), redução observada para as mulheres (-11%) e para os homens (9%). Em todas as demais faixas de escolaridade ocorreu crescimento, e tanto maior foi esse crescimento quanto maior a faixa de escolaridade. Esse padrão pode ser observado, também, en-

Mudanças na oferta e inserção da força de trabalho brasileira 31

tre a população economicamente ativa, ainda que com intensidades diferenciadas.

O mesmo não ocorre com a população não economicamente ati-va, onde se constata crescimento em todas as faixas de escolaridade, inclusive daqueles com ensino fundamental incompleto.

Entre a população jovem (com idade de 15 até 29 anos) veri i-ca-se forte queda da população com ensino fundamental incompleto (-39,4%), queda observada tanto entre aqueles economicamente ati-vos (-48,5%) como entre os não economicamente ativos (-22,5%), sen-do a queda maior entre a população feminina do que entre a população masculina. Já em relação à população adulta (com 30 anos ou mais), veri ica-se queda do número de pessoas com o ensino fundamental in-completo somente entre os economicamente ativos (-10,4%), enquan-to cresce a população não economicamente ativa (19%), resultando em ligeiro aumento (0,9%) da população adulta nesta faixa de esco-laridade. Deve ser destacado que esse crescimento decorre da con-tribuição da população masculina dessa faixa que cresceu 2,5%, es-pecialmente dos não economicamente ativos (33,7%), enquanto que a população feminina dessa faixa apresentou redução (-0,6%), ainda que também tenha crescido entre aqueles não economicamente ativos (13,6%) entre os dois anos estudados.

Nas demais faixas de escolaridade veri ica-se crescimento, tanto entre jovens como entre adultos de ambos os sexos. A exceção ica por conta da redução de jovens do sexo feminino economicamente ativas pertencente à faixa do ensino fundamental completo, que se reduziu em 13,9%, fazendo com que, no conjunto, a população economicamen-te ativa (PEA) dessa faixa caísse em 5,1%.

Os dados da Tabela 1, anteriormente destacados, informam algu-mas mudanças importantes. O primeiro aspecto é o crescimento da população adulta (30 anos de idade ou mais) como decorrência da dinâmica demográ ica e da mudança na estrutura etária que a popu-lação brasileira vem passando. Do ponto de vista da análise condicio-nada pelo sexo e escolaridade da pessoa, chama atenção a redução da população feminina menos escolarizada, mais intensamente entre as mulheres jovens, o que pode estar indicando um aumento da escolari-dade dessa população. Já entre os homens, houve redução do número de pessoas jovens com menor escolaridade, enquanto entre os adultos isso somente ocorreu entre aqueles economicamente ativos. De outro ponto de vista, veri ica-se que escolaridade da população como um todo cresceu, e mais fortemente nas faixas de maior escolaridade.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais32

Esse movimento observado nos parágrafos anteriores re lete os efeitos sobre a decisão em participar ou não do mercado de trabalho, que pode ser analisada pela taxa de participação apresentada na Tabe-la 2. Tais indicadores mostram que entre os anos analisados diminuiu a taxa de participação, isto é, menor parcela da população em idade ativa está economicamente ativa, ocupada ou em busca de ocupação remunerada. Essa redução, ainda que pequena é observada tanto en-tre a população jovem como entre a população adulta, bem como entre homens e mulheres.

A taxa de participação masculina permanece bem superior à fe-minina, e praticamente não se alterou no período analisado, ainda que entre a população jovem ainda tenha ocorrido uma ligeira diminuição. Alguma nuance em relação ao grupo etário e ao sexo pode ser ressal-tada. A taxa de participação das mulheres jovens é maior que a da po-pulação de mulheres adultas. Já entre a população masculina isso se inverte, com a taxa de participação dos homens adultos sendo maior que a observada entre os homens jovens.

Mudanças na oferta e inserção da força de trabalho brasileira 33

Tabela 2 - Taxa de Participação Segundo Faixa de Escolaridade e Sexo. Brasil, 2004 e 2012

Faixa de Escolaridade

Total 15 a 29 30 e mais

2004 2012 2004 2012 2004 2012

Total

E. F. Incompleto 62,5 54,8 64,8 55,0 61,7 54,8

E. Fundamental 66,6 61,7 61,2 54,8 74,1 69,2

E. Médio 79,3 77,6 80,7 78,5 78,0 76,9

E. Superior 84,7 83,8 88,7 88,2 83,6 82,6

Total 68,5 65,9 69,3 66,4 68,0 65,6

Feminino

E. F. Incompleto 47,2 39,0 48,2 37,6 46,8 39,2

E. Fundamental 55,1 49,4 51,0 42,9 60,8 56,1

E. Médio 71,8 69,2 74,7 71,5 69,0 67,5

E. Superior 81,5 80,0 86,1 86,7 80,2 78,1

Total 56,9 54,8 59,3 57,5 55,6 53,7

Masculino

E. F. Incompleto 78,3 70,7 78,5 67,3 78,2 71,6

E. Fundamental 78,7 74,3 71,9 66,3 88,2 83,2

E. Médio 88,6 87,5 88,1 86,8 89,0 88,1

E. Superior 88,6 89,0 92,9 90,6 87,7 88,6

Total 81,2 77,9 79,6 75,3 82,2 79,1

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE. Elaboração do autor.

Considerando-se a faixa de escolaridade a que pertence o indi-víduo, veri ica-se que quanto maior a escolaridade, maior a taxa de participação, ou seja, a taxa de participação cresce com a escolaridade da pessoa. Isso pode ser observado tanto entre as mulheres como en-tre homens, bem como entre os jovens e a população adulta. A exceção ocorre entre a população masculina jovem onde o grupo que possuía o ensino fundamental incompleto apresentava taxa de participação (78,5% em 2004 e 67,3% em 2012) maior que o grupo que possui o ensino fundamental (71,9% em 2004 e 66,3% em 2012), e, em 2004, no caso do grupo de homens adultos com ensino médio, a taxa de par-ticipação (89%) era maior que o grupo de homens adultos com ensino superior (87,7%).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais34

Algumas diferenças chamam a atenção quando se consideram as condições de sexo, faixa de escolaridade e grupo etário conjuntamente. A taxa de participação das mulheres adultas é maior que a das mulhe-res jovens para aquelas cuja escolaridade é o ensino fundamental com-pleto e incompleto. Isso se inverte entre as mulheres que pertencem às faixas de escolaridade do ensino médio e ensino superior, na qual a taxa de participação das jovens é maior que a das mulheres adultas. Entre a população masculina, a taxa de participação dos jovens é maior que a dos adultos entre aqueles com ensino fundamental incompleto em 2004 (78,5% contra 78,2%) e aqueles com ensino superior, enquan-to nas demais faixas de escolaridade os homens adultos apresentam taxas de participação maiores do que a dos jovens do sexo masculino.

De forma resumida, pode-se dizer que no período analisado a oferta de trabalho aponta para uma mudança na sua estrutura. Apesar da queda na taxa de participação tanto da população jovem de 15 a 29 anos como da população adulta de 30 anos ou mais, isso resultou de movimentos diferenciados. Enquanto a população adulta cresceu, a população jovem diminuiu. A queda da taxa de participação entre os adultos se deu pelo crescimento da população econômica ativa ter se dado num ritmo menor que o da população não economicamente ati-va. Por outro lado, a queda da taxa de participação dos jovens ocorreu pela redução da população economicamente ativa e o crescimento da população não economicamente ativa.

2. As Mudanças na Absorção da População Ativa

Nesta seção, a análise concentra-se em como a oferta de mão de obra foi absorvida, isto é, se a população economicamente ativa se en-contrava ocupada ou desocupada. Para isso, são utilizados os indica-dores taxa de desocupação e a distribuição da população ocupada nos anos estudados para se averiguar as principais mudanças ocorridas no período. Analisa-se, primeiramente, a taxa de desocupação, seguindo--se pela análise da estrutura ocupacional.

Entre os anos estudados observa-se a redução da taxa de desocu-pação (Tabela 3) para o conjunto da população ativa. Assim, enquanto 8,8% da força de trabalho estava desocupada em 2004, esse percen-tual caiu para 6,1% em 2012. Essa queda na taxa de desocupação tam-bém é verificada entre as mulheres e entre os homens, com a taxa de desocupação feminina permanecendo mais elevada que a taxa mascu-

Mudanças na oferta e inserção da força de trabalho brasileira 35

lina. Da mesma forma, veri ica-se queda da desocupação entre jovens e entre os adultos, sendo que a taxa de desocupação destes últimos manteve-se mais baixa do que a taxa dos jovens.

Considerando-se a escolaridade dos economicamente ativos, também pode-se constatar queda da taxa de desocupação em todas as faixas de escolaridade, tanto entre a população feminina como entre a população masculina, bem como entre os jovens e os adultos. Ou seja, a melhoria das condições do mercado de trabalho atingiu todos os seg-mentos da população a qual se está analisando. Entretanto, algumas especi icidades sobressaem-se. Os grupos de mulheres jovens com bai-xa escolaridade (fundamental ou inferior) são os que apresentam as maiores taxas de desocupação em ambos os anos, sendo que a redução da taxa entre aquelas com ensino fundamental incompleto foi pequena.

Tabela 3 - Taxa de Desocupação da População de 15 Anos ou Mais Segundo Sexo, Faixa de Escolaridade e Grupo Etário. Brasil, 2004 e 2012.

Faixa de EscolaridadeTotal 15 a 29 30 e mais

2004 2012 2004 2012 2004 2012

Total

E. F. Incompleto 7,1 4,7 12,5 11,4 5,0 3,2

E. Fundamental 13,5 9,5 19,8 15,7 6,3 4,2

E. Médio 10,3 6,8 15,0 10,4 5,8 4,2

E. Superior 3,6 3,2 6,6 6,2 2,8 2,3

Total 8,8 6,1 14,9 11,6 5,1 3,5

Mulheres

E. F. Incompleto 9,7 6,5 18,5 18,1 6,7 4,4

E. Fundamental 18,0 13,1 26,0 22,3 8,7 5,9

E. Médio 12,9 8,9 18,2 13,1 7,5 5,9

E. Superior 4,0 3,8 7,0 6,8 3,1 2,9

Total 11,6 8,2 19,6 15,1 6,8 4,9

Homens

E. F. Incompleto 5,5 3,7 9,5 8,7 3,8 2,4

E. Fundamental 10,2 7,0 15,1 11,5 4,5 2,9

E. Médio 7,7 4,8 11,6 7,8 4,1 2,8

E. Superior 3,1 2,5 5,9 5,4 2,4 1,7

Total 6,7 4,6 11,4 8,9 3,8 2,5

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE. Elaboração do autor.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais36

Pelo ângulo da escolaridade, a maior taxa de desocupação está entre as pessoas que possuem o ensino fundamental completo (e o ensino médio incompleto), sendo seguido pelo grupo das pessoas com escolaridade inferior ao fundamental completo. A menor taxa se veri-ica entre aquelas que possuem o ensino superior, o que é observado

tanto para a população feminina como para a população masculina. Para a mesma faixa de escolaridade, a taxa de desocupação masculina é sempre inferior à feminina, sendo a maior diferença encontrada na faixa da população com ensino fundamental completo e a menor, entre a população com ensino superior completo.

As maiores taxas de desocupação e as maiores diferenças de ta-xas entre homens e mulheres pertencentes a uma mesma faixa de es-colaridade pode ser observada entre a população jovem. Neste grupo etário as diferenças de taxas de desocupação são mais pronunciadas, especialmente entre as mulheres com ensino fundamental comple-to (22% em 2012), seguindo-se as jovens com o ensino fundamental incompleto (18%), com ensino médio (13%) e com ensino superior (6,8%). As taxas de desocupação não são apenas mais altas entre a po-pulação jovem em relação à população adulta, mas também a diferen-ça de taxas entre homens e mulheres é também maior entre os jovens, em detrimento da população feminina, e maiores são as diferenças nas faixas de menor escolaridade.

No período em análise, houve redução do número de pessoas de-socupadas, que passou de 7,9 milhões em 2004 para 6,1 milhões em 2012. Um aspecto importante a ser destacado diz respeito à distribui-ção dos desocupados segundo as condições analisadas. A população com ensino superior apesar de apresentar a menor taxa de desocupa-ção foi a que apesentou aumento do número de desocupados (de 245 mil pessoas em 2004 para 385 mil pessoas em 2012), enquanto em todas as outras faixas de escolaridade registrou-se redução do número de desocupados. Ao lado da população com ensino médio, o grupo de desocupados com ensino superior foi o que apresentou aumento da participação no total de desocupados.

Como pode ser observado pela Tabela 4, a população desocupada com ensino superior, que representava 3% do total de desocupados em 2004, subiu para 6% em 2012. Por outro lado, o grupo com ensino médio que em 2004 representava 31% dos desocupados, passou a ser o maior grupo de desocupados, representando 40% do total em 2012. Diferentemente do grupo com ensino superior, no grupo com ensino médio ampliou-se o número de adultos desta faixa de escolaridade de-socupados, enquanto que o número de jovens dessa faixa se reduziu entre 2004 e 2012.

Mudanças na oferta e inserção da força de trabalho brasileira 37

Entre a população desocupada feminina, sobressaem as mulheres jovens com ensino médio, que representavam 27,6% do total em 2012 (24,5% em 2004) seguindo-se o grupo com ensino fundamental completo com 19,8% em 2012 (21% em 2004). Destaca-se o crescimento do núme-ro de mulheres adultas desocupadas com ensino médio, cuja participação saltou de 10% em 2004 para 16,6% em 2012 do total de mulheres deso-cupadas, que associada a menor redução das mulheres jovens dessa fai-xa de escolaridade, fez com que a participação desse grupo subisse para 44,2% em 2012. Além do aumento do número de mulheres adultas com ensino médio desocupadas, também houve ampliação do número de mu-lheres desocupadas com ensino superior (aumento de 71%) tanto aque-las pertencentes ao grupo etário jovem (aumento de 78,3%) quanto ao grupo adulto (aumento de 65,8%).

Tabela 4 - Distribuição da População de 15 Anos ou Mais Desocupada por Sexo, Segundo Faixa de Escolaridade e Grupo Etário. Brasil, 2004 e 2012(em %)

Faixa de Escolaridade

2004 2012

15 a 29 30 e mais Total 15 a

2930 e mais Total

Total

E. F. Incompleto 19,2 19,2 38,5 11,7 14,4 26,1

E. Fundamental 21,3 5,9 27,1 20,8 6,5 27,3

E. Médio 22,4 9,0 31,3 25,7 14,5 40,3

E. Superior 1,2 1,9 3,1 2,7 3,6 6,3

Total 64,1 35,9 100,0(7.952.593) 61,0 39,0 100,0

(6.115.086)

Mulheres

E. F. Incompleto 16,8 18,4 35,2 9,2 12,9 22,1

E. Fundamental 21,0 6,0 27,0 19,8 6,7 26,5

E. Médio 24,5 10,0 34,5 27,6 16,6 44,2

E. Superior 1,4 1,9 3,3 3,1 4,1 7,2

Total 63,6 36,4 100,0(4.521.315) 59,7 40,3 100,0

(3.530.291)

Homens

E. F. Incompleto 22,4 20,4 42,8 15,2 16,4 31,5

E. Fundamental 21,6 5,6 27,2 22,2 6,2 28,4

E. Médio 19,5 7,6 27,1 23,2 11,7 34,9

E. Superior 1,0 1,8 2,8 2,3 2,9 5,1

Total 64,6 35,4 100,0(3.431.278) 62,9 37,1 100,0

(2.584.795)

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE. Elaboração do autor.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais38

A população masculina alterou ligeiramente a proporção entre desocupados jovens e adultos, praticamente mantendo-se em cerca de 2/3 e 1/3, respectivamente. Destaca-se a mudança na composição com a redução da participação dos jovens e dos adultos com ensino fundamental incompleto (que em 2004 representavam, respectiva-mente, 22,4% e 20,4%), com o crescimento da participação dos jovens e adultos das demais faixas de escolaridade, em especial os jovens com ensino médio, que passou a ser o grupo como maior participação (23,2%) e juntamente com os adultos dessa faixa etária passaram, em 2012, a representar 34,9% do total de desocupados.

As informações sobre as mudanças na composição dos deso-cupados realçam dois aspectos importantes que estão ocorrendo. O primeiro diz respeito à mudança na estrutura etária, ainda que isso tenha sido mais acentuado no caso da população feminina, no qual as mulheres adultas aumentaram em 4 pontos percentuais sua partici-pação no total de mulheres desocupadas. O outro aspecto importante diz respeito à ampliação da escolaridade da população, com maiores contingentes populacionais nas faixas de escolaridade mais elevadas, com maior concentração na faixa com ensino médio completo. Ou seja, apesar da redução da população desocupada, aqueles que se mantem nesta condição em 2012 possuem maior escolaridade do que aqueles que se encontravam nessa situação em 2004.

A queda na desocupação foi acompanhada pelo aumento de 11,4 milhões de pessoas ocupadas o que signi icou um acréscimo de 14% entre 2004 (82,2 milhões) e 2012 (93,6 milhões). Da ampliação de 11,4 milhões, 54% (6,1 milhões) se deveu ao aumento da população masculina e 5,2 milhões à da feminina o que, em termos relativos, signi icou um crescimento de 15% da população feminina ocupada entre 2004 e 2012, pouco superior ao crescimento registrado pela população masculina (13%) no mesmo período. O maior crescimento relativo da população feminina ocupada ampliou em 0,4 ponto per-centual a participação das mulheres que passou a 42,4% do total de ocupados em 2012.

O crescimento da população ocupada se deu entre os adultos (22%), enquanto entre os jovens registrou-se queda do número de ocupados (-1,6%). Essa redução do número de ocupados jovens se deu pela diminuição dos ocupados do sexo masculino (3%) enquanto entre as jovens do sexo feminino o número de ocupadas manteve-se

Mudanças na oferta e inserção da força de trabalho brasileira 39

estável (aumento de 0,4%). Com isso, veri icou-se a perda de partici-pação dos jovens tanto no total como entre as mulheres e os homens, com o aumento da participação dos adultos para cerca de 70% do total de ocupados. Deve-se considerar que o aumento da participação da população adulta resulta em parte pela passagem de uma parcela da-queles que em 2004 estavam no grupo etário de jovens (aqueles com idade igual ou superior a 22 anos) para a população adulta, e parte a menor entrada de jovens no mercado de trabalho, haja vista a redução na taxa de participação.

Considerando-se a escolaridade da pessoa, a mudança na po-pulação ocupada que se destaca é a redução do número de pessoas com ensino fundamental incompleto que diminuiu 19% entre 2004 e 2012 (-24% entre as mulheres e -16% entre os homens), sendo essa redução mais forte entre a população jovem (-48%, sendo de -56% entre as mulheres e 44% entre os homens) do que entre a população adulta (-9%, sendo -15% entre as mulheres e -5% entre os homens). Em todas as demais faixas de escolaridade registrou-se crescimento no número de ocupados. Com isso a distribuição relativa da popula-ção ocupada, considerando-se as variáveis sexo, escolaridade e ida-de, apresentou alterações importantes conforme pode ser observado pela Tabela 5.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais40

Tabela 5 - Distribuição da População de 15 Anos ou Mais Ocupada por Sexo, Segundo Faixa de Escolaridade e Grupo Etário. Brasil, 2004 e 2012 (em %)

Faixa de Escolaridade

2004 2012

15 a 29 30 e mais Total 15 a 29 30 e mais Total

Total

E. F. Incompleto 13,0 35,7 48,7 5,9 28,6 34,6

E. Fundamental 8,4 8,4 16,8 7,3 9,8 17,1

E. Médio 12,2 14,2 26,5 14,5 21,5 36,0

E. Superior 1,7 6,4 8,0 2,7 9,7 12,4

Total 35,3 64,7 100,0(82.218.201) 30,5 69,5 100,0

(93.637.921)Mulheres

E. F. Incompleto 9,7 33,4 43,1 3,7 24,8 28,4

E. Fundamental 7,8 8,3 16,1 6,1 9,5 15,6

E. Médio 14,4 16,2 30,6 16,3 23,7 40,0

E. Superior 2,4 7,9 10,2 3,8 12,2 16,0

Total 34,2 65,8 100,0(34.499.289) 29,9 70,1 100,0

(39.736.170)Homens

E. F. Incompleto 15,4 37,4 52,8 7,6 31,5 39,1

E. Fundamental 8,7 8,5 17,3 8,2 10,0 18,2

E. Médio 10,7 12,8 23,5 13,2 19,8 33,0

E. Superior 1,2 5,3 6,5 1,9 7,8 9,7

Total 36,0 64,0 100,0(47.718.912) 30,9 69,1 100,0

(53.901.751)Fonte: Microdados da PNAD/IBGE. Elaboração do autor.

A redução da população ocupada com menor escolaridade alte-rou a estrutura dessa população. Reduziu-se a participação dos ocu-pados com ensino fundamental incompleto e completo; porém, em conjunto, os ocupados pertencentes a essas duas faixas de escolarida-de continuam a representar mais de 50% da população ocupada em 2012, sendo a maior proporção de adultos (38,4%) do que de jovens (13,2%). Essa redução pode estar associada em parte ao aumento da escolaridade, sobretudo dos jovens, que passam para a faixa superior de escolaridade ao completarem o ensino fundamental, além de apo-sentadoria de trabalhadores dessa faixa de escolaridade.

Importante observar que entre a população feminina, mais da metade das mulheres ocupadas têm ensino médio (40%) ou ensino

Mudanças na oferta e inserção da força de trabalho brasileira 41

superior (16%), enquanto entre a população masculina essa propor-ção é inferior: 33% possuem o ensino médio e 9,7% o ensino superior. Sob outro ângulo, veri ica-se que o fato de mais da metade da popu-lação ocupada ter escolaridade inferior ao ensino médio decorre do maior peso que a população masculina tem no total de ocupados e desta população ter escolaridade menor do que a população feminina.

Esse comportamento mostra a tendência do mercado de traba-lho em absorver o indivíduo com maior escolaridade, jovem ou adulto, mulher ou homem, e também do esforço de elevação da escolaridade empreendida pela população, resultado das políticas públicas de uni-versalização escolar, em que pese que essa elevação quantitativa não signi ique uma elevação qualitativa de mesma intensidade.

Outro aspecto da população ocupada analisado foi com relação ao agrupamento ocupacional. Em termos gerais e desconsiderando as ocupações mal de inidas que não é representativa, o único grupo ocu-pacional a apresentar redução do número de ocupados foi o dos tra-balhadores agrícolas, que apresentou queda de 21% (-28,4% entre as mulheres e 17,4% entre os homens). Foi também nesse grupo ocupa-cional onde se registrou redução de trabalhadores adultos. Em todos os demais houve aumento do número de pessoas ocupadas. A redução do número de ocupados se deu entre a população jovem que, relem-bremos, diminuiu em 1,6% entre 2004 e 2012. Essa redução ocorreu mais fortemente no grupo ocupacional dos “trabalhadores agrícolas”, cuja redução foi de -42,8% (-47,9% entre as mulheres e -41% entre os homens), seguindo-se o grupo ocupacional dos “trabalhadores dos serviços”, com -14,6% (19,2% entre as mulheres e -6,9% entre os ho-mens) e de “técnicos de nível médio” (-2,9%), neste último, contudo, a queda foi devida à redução de mulheres ocupadas neste grupo ocu-pacional (-11,6%) enquanto que entre os homens houve aumento do número de ocupados de 4,7%. Entre as mulheres, veri icou-se também a diminuição de ocupadas no grupo de “trabalhadores da produção de bens e serviços e de manutenção e reparação” (-11,2%).

Por outro lado, os grupos ocupacionais que mais aumentaram o número de trabalhadores ocupados foram: o de “pro issionais das ciências e das artes”, com 65,6% (73,6% entre as mulheres e 54,1% entre os homens) e de “trabalhadores de serviços administrativos”, com 39,2% (49,2% entre as mulheres e 24,8% entre os homens), de “membros das forças armadas e auxiliares”, com 27%(66,7% entre as mulheres e 24,9% entre os homens), e “trabalhadores da produção de bens e serviços, e de reparação e manutenção”, com 22,8%, sendo que neste grupo ocupacional houve queda de -3,2% entre as mulheres e aumento de 28,1% entre os ocupados do sexo masculino.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais42

Tabela 6 - População de 15 Anos ou Mais Ocupada Segundo Sexo, por Grupamento Ocupacional e Grupo Etário. Brasil, 2004 e 2012.

Grupamento Ocupacional2004 2012

15 a 29

30 e mais Total 15 a

2930 e mais Total

Total

Dirigentes em geral 0,9 4,0 4,9 0,9 4,2 5,1

Pro issionais das ciências e das artes 1,7 4,4 6,1 2,2 6,7 8,9

Técnicos de nível médio 2,6 4,5 7,2 2,2 4,5 6,7

Trabalhadores de serviços administrativos 4,3 3,9 8,2 5,1 4,9 10,0

Trabalhadores dos serviços 6,6 13,2 19,9 5,0 14,8 19,8Vendedores e prestadores de serviço do comércio 4,1 5,6 9,7 3,8 6,0 9,8

Trabalhadores agrícolas 6,7 13,6 20,3 3,3 10,7 14,1Trabalhadores da produção de bens e serviços e de reparação e manutenção 7,9 14,9 22,9 7,5 17,2 24,7

Membros das forças armadas e auxiliares 0,3 0,5 0,8 0,3 0,6 0,9Ocupações mal de inidas ou não declara-das 0,0 0,0 0,1 0,0 0,0 0,0

Total 35,3 64,7 100,0 30,5 69,5 100,0

Feminino

Dirigentes em geral 0,8 3,1 4,0 0,9 3,6 4,4

Pro issionais das ciências e das artes 2,4 6,2 8,7 3,3 9,8 13,1

Técnicos de nível médio 2,9 5,0 7,9 2,2 4,8 7,0

Trabalhadores de serviços administrativos 6,1 5,4 11,5 7,6 7,3 14,9

Trabalhadores dos serviços 9,9 21,4 31,3 6,9 24,0 30,9Vendedores e prestadores de serviço do comércio 5,0 6,6 11,6 4,8 7,2 12,0

Trabalhadores agrícolas 4,1 11,6 15,7 1,9 7,9 9,8Trabalhadores da produção de bens e ser-viços e de reparação e manutenção 2,9 6,3 9,2 2,2 5,5 7,7

Membros das forças armadas e auxiliares 0,0 0,1 0,1 0,0 0,1 0,1

Ocupações mal de inidas ou não declaradas 0,0 0,0 0,1 0,0 0,0 0,0

Total 34,2 65,8 100,0 29,9 70,1 100,0

Continua

Mudanças na oferta e inserção da força de trabalho brasileira 43

Grupamento Ocupacional2004 2012

15 a 29

30 e mais Total 15 a

2930 e mais Total

Masculino

Dirigentes em geral 0,9 4,7 5,6 0,9 4,6 5,5

Pro issionais das ciências e das artes 1,2 3,1 4,3 1,5 4,4 5,9

Técnicos de nível médio 2,4 4,2 6,6 2,2 4,2 6,5

Trabalhadores de serviços administrativos 3,0 2,8 5,8 3,3 3,2 6,4

Trabalhadores dos serviços 4,3 7,3 11,6 3,6 8,0 11,5Vendedores e prestadores de serviço do comércio 3,5 4,8 8,3 3,1 5,1 8,2

Trabalhadores agrícolas 8,5 15,1 23,6 4,4 12,8 17,2Trabalhadores da produção de bens e serviços e de reparação e manutenção 11,6 21,2 32,8 11,4 25,8 37,2

Membros das forças armadas e auxiliares 0,5 0,8 1,3 0,5 0,9 1,4

Ocupações mal de inidas ou não declaradas 0,0 0,0 0,1 0,0 0,0 0,1

Total 36,0 64,0 100,0 30,9 69,1 100,0

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE. Elaboração do autor.

A mudança na absorção da população segundo os grupos ocu-pacionais alteraram a estrutura ocupacional entre os dois anos ana-lisados (Tabela 6). A primeira mudança a ser destacada é a perda de participação dos trabalhadores agrícolas no conjunto de ocupados que passou de 20% em 2004 para menos de 15% em 2012, sendo que entre as mulheres essa participação icou abaixo de 10%. Por outro lado, o grupo de trabalhadores da produção de bens e serviços e de reparação e manutenção aumentou sua participação de 22,9% para 24,7%, sendo que esse aumento foi decorrência do aumento da par-ticipação deste grupo ocupacional na população masculina (de 32,85 para 37,2%), pois entre as mulheres houve redução da participação deste grupo (de 9,2% para 7,7%).

Quando se olha para a estrutura ocupacional desagregando-se por sexo, pode-se veri icar que as mulheres concentram-se nas ocu-pações ligadas aos serviços e serviços administrativos, e depois nas ocupações do comércio. Entre os homens, os maiores grupos estão nas ocupações de produção de bens e serviços e de manutenção e re-paração, seguindo-se as ocupações agrícolas e dos serviços. Essa ca-racterística se observa tanto entre os jovens como entre os adultos.

Conclusão

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais44

Outro ponto importante a ser destacado diz respeito ao aumento da participação das “trabalhadoras das ciências e das artes” (13%), onde estão os trabalhadores com nível de instrução superior, maior do que a observada no grupo das “trabalhadoras do comércio” (12%). O mesmo não se veri ica entre os homens, entre os quais estão os “pro issionais das ciências e das artes”, cuja participação (5,9%) só é superior ao gru-po de “dirigentes” (5,5%) e de “membros das forças armadas” (1,4%).

3. O Papel e os Desafios do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda

Nesta terceira seção discute-se o papel que o serviço público de emprego pode desempenhar tanto em relação ao estímulo a maior participação da população no mercado de trabalho, como na facilita-ção da contratação do trabalhador com o per il adequado pelo setor empresarial.

O Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda (SPETR) foi constituído em 20052 com o objetivo de ser um instrumento que in-tegrasse e articulasse as diversas políticas de mercado de trabalho de forma a eliminar as sobreposições existentes, ganhando-se em e iciên-cia e e icácia na execução de tais políticas. Mas também, o novo forma-to buscava responder às especi icidades do mercado de trabalho brasi-leiro, em que o emprego assalariado típico convive com outras formas de inserção ocupacional, tais como o trabalho por conta própria, o empregador, o trabalhador não remunerado e o trabalho doméstico. Ademais, e a despeito de ser de acesso universal, tinha-se a preocupa-ção com o combate às diversas formas de discriminação presentes no mercado de trabalho, por meio do fortalecimento de ações afirmativas e do atendimento preferencial à população com per il mais vulnerável (MORETTO, 2009).

Dentre as várias políticas de mercado de trabalho oferecidas pelo SPETR, vamos nos concentrar em três: o serviço público de emprego3, o seguro-desemprego e a quali icação pro issional. A política de qua-li icação pro issional visa permitir ao trabalhador adquirir ou aprimo-rar certas habilidades e competências que facilitem sua inserção no 2 Brasil (2014a, 2014 b).3 Considera-se o conjunto de agências do Sistema Nacional de Emprego (SINE) e as agências locais.

Mudanças na oferta e inserção da força de trabalho brasileira 45

mercado de trabalho e permita-lhe criar uma trajetória ocupacional virtuosa ao longo de sua vida ativa. O seguro-desemprego tem como objetivo garantir renda ao trabalhador no momento de desemprego involuntário, garantindo-lhe o meio para sua sobrevivência enquanto busca outra inserção ocupacional. Por im, o serviço público de em-prego é o responsável pela facilitação do encontro entre as vagas de emprego abertas pelas empresas e o trabalhador em busca de uma ocupação remunerada, isto é, a intermediação de emprego, entre ou-tras atividades de apoio ao trabalhador.

A adequação dessas políticas e sua contribuição para o bom fun-cionamento do mercado de trabalho têm limitações, dada por um rit-mo de crescimento da economia su iciente para absorver a parcela da população em busca de uma ocupação remunerada, bem como pelas instituições que regem o mercado de trabalho e, por im, das políti-cas de proteção social, tais como a de assistência social. É a partir da evolução dessas outras dimensões e da interação entre elas e com as políticas de mercado de trabalho que se poderá avaliar a capacidade das ações destas últimas terem maior ou menor efetividade e da ca-pacidade de o SPETR ser um instrumento adequado, ainda que não o único, da governança do mercado de trabalho.

No que diz respeito à oferta de mão de obra, como mostra Wong e Carvalho (2006), o Brasil passa por uma transição na estrutura etária, com redução da população jovem que entra no mercado de trabalho. Isso signi ica a redução da população em idade de trabalho daqui a al-gumas décadas. Os autores destacam a importância de se aproveitar o período em torno das quatro primeiras décadas do século XXI, quando o crescimento da população em idade ativa madura (25 anos ou mais) será positivo enquanto a população mais jovem (15 a 24 anos) irá di-minuir em termos absolutos. Como essa população mais madura nor-malmente apresenta uma taxa de emprego maior do que a população mais jovem, o desa io é aproveitar esse período para incorporar esse contingente populacional em empregos com elevada produtividade, o que vai exigir, por um lado, uma ampliação do investimento produtivo com a incorporação e o desenvolvimento de novas tecnologias e, por outro, uma força de trabalho cada vez mais capacitada, o que signi ica investimento em escolarização e formação e quali icação pro issional contínua.

Sabemos que, apesar da elevação da escolaridade da população brasileira, temos o problema da qualidade dessa escolarização. A mu-dança qualitativa somente ocorrerá a médio e longo prazo. Dessa forma,

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais46

a estratégia de se buscar ampliar a qualificação técnica profissional da população pertencente à força de trabalho parece acertada, ainda que seja parte da solução.

Nesse sentido, as ações do SPETR podem contribuir na identi ica-ção do trabalhador a ser quali icado e fazer o encaminhamento desse trabalhador para as atividades de quali icação que sejam adequadas ao seu per il, incluindo-se aqui, por exemplo, a educação de jovens e adultos (EJA) como forma de ampliar a escolarização da força de tra-balho. Em outra direção, deve-se ter condições de captar no mercado de trabalho as vagas disponíveis para a inserção desse trabalhador (re) quali icado. Ou seja, o duplo desa io de um serviço público de em-prego é tanto identi icar o per il da oferta de mão de obra como as oportunidades abertas pelas empresas para inserir essa mão de obra no posto de trabalho no qual seja mais produtiva.

Sob esse ponto de vista, um aspecto chama a atenção. Como visto anteriormente, tanto entre a população jovem (15 a 29 anos) como entre a população adulta (30 anos ou mais) veri icou-se uma redução da taxa de participação. Entre a população jovem, isso pode ser expli-cado pelo adiamento da entrada no mercado de trabalho. Porém entre os adultos isso precisa ser investigado com mais detalhes. O que pode, neste caso especí ico, como se considerou a população adulta como sendo aquela com 30 anos ou mais, sem uma idade como limite supe-rior (64 anos, por exemplo), e com a ampliação da população idosa (65 anos ou mais), os idosos que se aposentam e saem do mercado de tra-balho continuam sendo considerados como pertencentes à população em idade ativa, mas com menor probabilidade de retornar à vida ativa, o que pode estar contribuindo para um efeito estatístico de redução da taxa de participação da população adulta. Nos níveis de menor escola-ridade, veri ica-se maior queda desta taxa, diminuindo entre as faixas mais escolarizadas, sendo que entre os homens com ensino superior a participação cresce.

De toda forma, veri ica-se que entre a população ativa, ampliou--se a proporção dos mais escolarizados, sobretudo com ensino médio. Talvez o mais importante, seja veri icar que entre a população desocu-pada, que apresentou queda, também se veri ica uma ampliação da es-colaridade. Ou seja, é inegável que a população brasileira apresentou na década de 2000 uma elevação do nível de instrução e, mesmo que a qualidade não tenha acompanhado essa elevação, pode-se considerar que temos uma população mais capacitada hoje em comparação com gerações passadas. Entre os desocupados, a maior taxa de desocupa-

Mudanças na oferta e inserção da força de trabalho brasileira 47

ção é encontrada entre a população feminina, jovem e com o ensino fundamental completo (e ensino médio incompleto). Porém, o maior contingente de pessoas desocupadas é representado pela população com ensino médio completo (e superior incompleto), jovem e femi-nina. Veri ica-se, portanto, que esses grupos são os que apresentam maior di iculdade de inserção ocupacional e, portanto, pertencem ao grupo que deve ser visto com atenção pelos responsáveis pelas políti-cas de mercado de trabalho.

Em relação à população ocupada, observou-se a ampliação da participação da população mais escolarizada e adulta, ainda que mais da metade dos ocupados tivesse instrução inferior ao ensino médio em 2012. Veri icou-se, também, que a maior parcela das mulheres está ocupada nos serviços, enquanto que entre os homens, a maior parce-la constitui-se dos ocupados na produção de bens e serviços de ma-nutenção e reparação, que são ocupações de menor especialização e que exigem menor escolaridade e são de fácil substituição e, portanto, mais vulneráveis.

A rotatividade continua a ser um instrumento utilizado pelas em-presas para o ajuste da força de trabalho às condições da demanda. Ainda que no período recente tenha-se observado o crescimento da ro-tatividade por iniciativa do trabalhador, aquela decorrente da decisão do empregador continua a ser a maior responsável pelo elevado nível de rotatividade (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS,2011). Considerando-se a facilidade para demissão do empregado, pode estar ocorrendo de as empresas de menor porte utilizarem-se do contrato de experiência para fazer a seleção do trabalhador, em vez de fazer um processo de recrutamento e seleção mais rigoroso, o que implicaria custos mais elevados.

Outro aspecto que pode estar associado a rotatividade, que faci-lita no recrutamento e seleção do trabalhador a ser contratado, é que o empregador muitas vezes exige um trabalhador com escolaridade superior àquela necessária ao posto de trabalho, o que pode criar um desestímulo ao trabalhador, que buscará outro posto de trabalho que lhe dê maiores perspectivas de desenvolvimento pessoal e também maior rendimento, levando à rotatividade, nesse caso, por iniciativa do trabalhador. Como muitos autores defendem, a rotatividade inibe maiores gastos com a quali icação, tanto da parte da empresa como da parte do trabalhador, o que repercute desfavoravelmente sobre a produtividade e a renda, além de reduzir novas oportunidades para o trabalhador.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais48

Outro fator a ser considerado com relação à rotatividade do tra-balho é seu impacto sobre o seguro-desemprego. O crescimento da economia na década de 2000 levou ao crescimentodo emprego formal, ou seja, um maior número de trabalhadores passou a ter a carteira de trabalho assinada. Com isso, maior número de trabalhadores passou a ter direito ao bene ício do seguro-desemprego em caso de desempre-go involuntário. Nas economias desenvolvidas, a melhoria do mercado de trabalho e a redução do desemprego, faz com que os pedidos do bene ício de seguro-desemprego diminuam, bem como o volume de gastos com esse bene ício. No caso brasileiro, o que se tem veri icado na década de 2000 é a ampliação do número de bene iciários do segu-ro-desemprego ao mesmo tempo em que cresce o emprego formal e se reduz o desemprego, comportamento contrário ao que se deveria es-perar, implicando em aumento dos gastos com o pagamento do bene í-cio. Isso decorre, sobretudo, pela manutenção da taxa de rotatividade resultante da demissão sem justa causa por iniciativa do empregador. Assim, como há mais trabalhadores com vínculo formal de emprego, aumentou o número de trabalhadores atingidos pela rotatividade e, uma vez demitidos, habilitam-se para receber o bene ício do seguro desemprego.

Do ponto de vista do direito do trabalhador ao bene ício, não há o que mudar, ainda que se possa aprimorar o desenho da política de seguro-desemprego e de políticas de apoio. Neste sentido, pode-se pensar no aperfeiçoamento dos mecanismos que coíbam a fraude por parte do trabalhador que receba o seguro desemprego. Outro ponto é a criação de instrumentos que incentivem as empresas a melhorar a seleção dos seus trabalhadores, reduzindo a rotatividade. Esses dois aspectos podem ter a contribuição do SPETR, por meio de sua função de intermediação de mão de obra.

Primeiramente no acompanhamento do trabalhador desempre-gado, inscrevendo-o como bene iciário do seguro-desemprego e no serviço de intermediação. A partir do momento em que o trabalhador entra no sistema torna-se importante produzir as informações neces-sárias sobre seu per il e as necessidades de serviços adequados para ajudálo a se reinserir no mercado de trabalho. Ao oferecer um con-junto de serviços, desde o aconselhamento pro issional até o encami-nhamento para cursos de quali icação técnica e pro issional, o SPETR pode fazer o acompanhamento desse trabalhador de forma a desesti-mulá-lo durante o período de recebimento do bene ício do seguro-de-semprego a se submeter ao trabalho informal para ter no bene ício um

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complemento de renda. Se do ponto de vista a atitude do trabalhador é compreensível, pelos ganhos que o mesmo obtém a curto prazo, é preciso mostrar-lhe que isso signi ica perdas a longo prazo, como o tempo de contribuição para a previdência social que não é recolhida durante o período em que recebe o bene ício e trabalha sem o registro do vínculo de emprego.

A segunda contribuição do SPETR é no recrutamento e seleção de pessoal, sobretudo para as micro, pequenas e médias empresas, geral-mente mais frágeis inanceiramente e, na maioria das vezes sem um departamento especializado na atividade de recrutamento e seleção, ou, quando este existe, com pessoal pouco quali icado e em número reduzido. Ao melhorar o recrutamento e seleção de pessoal, a empresa poderá ter incentivos para mantê-lo no momento de baixa do ciclo de negócios.

Em suma, o SPETR pode ter uma contribuição importante na me-lhoria do funcionamento do mercado de trabalho. As mudanças ob-servadas no per il da população economicamente ativa colocam desa-ios novos, como por exemplo, ampliar sua capacidade de inserção no

emprego de uma população com maior escolaridade, isto é, torna-se importante aperfeiçoar a prospecção de postos de trabalho com maior re inamento para atender esse trabalhador mais escolarizado. Ao mes-mo tempo, tem que responder às necessidades dos trabalhadores com maior vulnerabilidade e menor probabilidade de inserção no emprego formal. Assim, a capacidade de articular as várias políticas de mercado de trabalho disponíveis, bem como a criação de novos instrumentos de intervenção, para poder responder aos diferentes desa ios públicos é fundamental para a efetividade de sua ação. Ao mesmo tempo, parece ser premente aprimorar sua função de informação sobre o mercado de trabalho até para prospectar as necessidades futuras de quali icação que oriente as iniciativas voltadas à formação e quali icação pro issio-nais. Por im, o bom desempenho de algumas inciativas pode decorrer da articulação e integração das ações do SPETR com outras políticas públicas, sobretudo com as políticas sociais. Nesse sentido, torna-se fundamental construir pontes e arranjos adequados para a coopera-ção entre as políticas de mercado de trabalho e as demais políticas públicas.

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FORMALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA: avanços e desafios

após 12 anos de governo federal liderado pelo Partido dos Trabalhadores

Fernando Augusto Mansor de Mattos1

1. Apresentação

Nos doze anos que correspondem aos dois mandatos de Lula e ao primeiro de Dilma Rousseff, o mercado de trabalho brasileiro pas-sou por transformações importantes, que podem ser sintetizadas pelo fato de que a taxa de desemprego, medida em termos de suas médias anuais, exibiu uma trajetória contínua2 de queda, saindo de 12,4% em 2003 para 4,8% em 2014, segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME). No mesmo período, o emprego formal cresceu mais do que a média das demais ocupações e assim provocou um processo de formalização3 do mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que o rendimento médio real crescia continuamente, a taxas abaixo somente das veri icadas durante o “milagre brasileiro”4; mas, ao contrário do que ocorrera naquele momento, a desigualdade, medida pela diferen-ça de rendimentos do trabalho, passou a se reduzir, de forma também contínua, desde o início dos anos 2000 até o ano de 2014, embora de maneira decrescente a partir de 2011.

1 Professor-pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE) da Fa-culdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre e Doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNI-CAMP). Assessor da Presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) entre 2008 e 2011. Membro do Grupo de Pesquisa intitulado Núcleo de Estudos em Economia Brasileira (NEB). 2 Exceto no ano de 2009, quando a crise do subprime que atingiu a toda a economia mundial também deixou seus efeitos no Brasil, fazendo a taxa de desemprego saltar para 8,1%, quando havia sido de 7,9% em 2008. 3 Quando ocorre um processo de formalização do mercado de trabalho, signi ica que houve um crescimento da proporção dos ocupados que se encontram protegidos pela legislação trabalhista, social e previdenciária brasileira e revela o que se chamará aqui de um processo de estruturação do mercado de trabalho.4 De 1968 a 1973.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais54

O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), entre 2003 e 2014, exibiu a marca 3,2% real, na média anual dos doze anos, bastan-te superior ao que ocorreu, por exemplo, nos dez anos delimitados por 1981 e 1990 (média de 2,0%) e nos dez delimitados por 1991 e 2000 (média de 2,4%). Foram também superiores aos anos dos dois manda-tos de Fernando Henrique Cardoso (FHC), quando o PIB cresceu, em média, apenas 2,3% ao ano5.

A despeito de ter mantido intactos ou mesmo de ter ampliado, inicialmente, diversas medidas que izeram parte da condução ortodo-xa da política econômica dos tempos do governo FHC, como os eleva-dos superávits primários e os juros altos, os doze anos iniciais de go-vernos petistas produziram resultados muito melhores, em termos de geração de postos de trabalho (e redução do desemprego), de combate à pobreza e à desigualdade de renda do trabalho, do que os governos dos anos 1980 e 1990 no Brasil. É bem verdade que, para os resultados recentes do mercado de trabalho, contribuiu decisivamente a melho-ria do cenário internacional, com a alta dos preços de commodities e os fortes ventos favoráveis da demanda chinesa. Deve-se destacar, porém, que os governos Lula e o primeiro mandato de Dilma implementaram importantes e abrangentes políticas públicas, que potencializaram as condições favoráveis geradas pelo cenário internacional, as quais, por sua vez, tornaram possível um aumento signi icativo das exportações brasileiras e uma redução expressiva de constrangimentos externos que, em outras épocas, colocavam variados constrangimentos para a execução de políticas econômicas expansionistas (o aumento das re-servas internacionais resume essa melhoria da situação externa). Essa situação favorável do balanço de pagamentos permitiu também um processo de valorização cambial, que abriu espaço para uma trajetória de crescimento econômico concomitante a uma in lação declinante, o que favoreceu os ganhos salariais reais e o robustecimento do consumo e do mercado interno. As políticas públicas implementadas nos doze anos delimitados por 2003 e 2014 podem ser resumidas nos seguintes aspectos: (a) implementação de mudanças institucionais importantes

5 O desenvolvimento econômico comparado por períodos também pode ser feito atra-vés da evolução dos respectivos PIB per capita. Apesar da desaceleração econômica ocorrida no primeiro mandato de Dilma, o PIB per capita entre 2011 e 2014 cresceu a taxas superiores do que nos dois mandatos de FHC (1,30% ao ano, em média, no primeiro mandato de Dilma, e apenas 0,56% ao ano, em média, nos oito anos de FHC). Estes resultados, porém, foram bem inferiores ao que ocorreu no somatório dos oito anos de Lula, que exibiram uma média anual de crescimento de 2,9% do PIB per capita.

FORMALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA 55

para ampliar o crédito na economia6; (b) aumento expressivo do valor real do salário mínimo; (c) ações iscalizatórias, por parte de diversos órgãos estatais, sobre a legalidade das relações de trabalho, confor-me ressaltaram Baltar et al (2010), o que potencializou uma contínua formalização do mercado de trabalho, processo que vinha sendo fa-vorecido pelo próprio crescimento da economia e (d) ampliação dos programas de transferências de renda (de resto também bene iciados pelo próprio aumento do salário mínimo real).

O objetivo deste capítulo é, em primeiro lugar, avaliar como o pa-drão de crescimento dos três mandatos de governo petistas afetou al-guns dos principais indicadores de mercado de trabalho. Pretende-se registrar especialmente a trajetória de formalização das relações de trabalho e a evolução da distribuição da renda do trabalho, colocan-do ambas em perspectiva histórica, como forma de contextualizar a dimensão da evolução recente do emprego formal e do per il distribu-tivo. Por im, pretende-se também alertar para os sinais preocupantes demonstrados pelos indicadores de mercado de trabalho desde o iní-cio deste ano (2015), em decorrência da forte desaceleração econômi-ca ocorrida já a partir de meados de 2014 e que se deteriora em dire-ção a uma recessão no início do segundo mandato de Dilma Rousseff. Pretende-se, assim, destacar a necessidade urgente de se de inir um novo padrão de acumulação para a economia brasileira, de tal modo a reverter a deterioração do mercado de trabalho que já se observa no início de 2015 e, a seguir, tentar preservar e depois ampliar as mudan-ças importantes ocorridas, principalmente, nos anos Lula.

Este capítulo é composto por quatro seções, além desta apresen-tação e das conclusões. Na primeira seção, é feita uma breve descrição da evolução das principais medidas de política econômica implemen-tadas a partir de 2003. Na segunda seção é elaborada uma sucinta re-constituição histórica da evolução da estruturação e da desestrutura-ção ocorrida no mercado de trabalho brasileiro, desde os tempos do nacional-desenvolvimentismo até os anos recentes. Ainda na segun-6 Para a expansão do crédito, teve papel importante, já no inal de 2003, a criação do chamado “crédito consignado”, que tinha como lastro o próprio salário dos tra-balhadores. Esta medida foi fruto de um acordo entre os sindicatos e os bancos, para o qual teve destaque a atuação da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Nos anos seguintes, esta mesma modalidade de empréstimos pessoais foi estendida aos ser-vidores públicos e aos aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o que colaborou decisivamente para a expansão do crédito às famílias. Em 2004 também foi promulgada a Lei de Falências, que facilitou a recuperação de empréstimos por parte de empresas em di iculdades inanceiras.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais56

da seção também são apresentados dados da evolução da taxa de de-semprego e outros indicadores do mercado de trabalho referentes ao período 2003-2014. Na terceira seção, o tema é a evolução do per il distributivo, cujo comportamento recente também é analisado em ter-mos históricos. Nesse contexto, o papel exercido pelo salário mínimo será enfatizado. Na quarta seção, são analisados os efeitos da política econômica atualmente em curso segundo as estatísticas já disponíveis do mercado de trabalho brasileiro em 2015, chamando atenção para a deterioração em curso. Ainda na quarta seção, são registrados alertas para os efeitos que uma mudança na legislação das terceirizações de mão de obra, em debate no Congresso, poderia ter para a con iguração futura das relações de trabalho no Brasil. Nas conclusões, dois aspec-tos são abordados: em primeiro lugar, é feita uma análise crítica da recente trajetória de redução da desigualdade de renda, procurando salientar que a mesma deve ser avaliada de um ponto de vista mais rigoroso, inclusive para que se discuta as possibilidades futuras de sua evolução, em uma sociedade ainda bastante desigual; em segundo lu-gar, pretende-se destacar a necessidade de se de inir um novo padrão de acumulação para a economia brasileira, baseado na retomada de in-vestimentos nas atividades industriais e de investimentos públicos em infraestrutura social e econômica, como forma de reforçar a trajetória de estruturação do mercado de trabalho ocorrida entre 2003 e 2014. Nas palavras inais do capítulo também estão registradas críticas à po-lítica econômica adotada no início do segundo mandato de Dilma Rou-sseff, principalmente por causa dos efeitos que já podem ser sentidos na evolução de indicadores de mercado de trabalho no ano de 2015.

2. Breves Comentários Acerca da Evolução da Política Econômica ao Longo dos Doze Primeiros Anos de Governo do Partido dos Trabalhadores

Esta seção procura elencar, de forma sucinta, os principais ele-mentos da evolução da política econômica brasileira no período de-limitado por 2003 e 2014. O objetivo deste esforço é contextualizar a trajetória dos principais indicadores de mercado de trabalho que serão analisados nas seções seguintes. Deve-se lembrar que o manejo dos principais aspectos da política econômica alterou-se muitas vezes ao longo desse período, respondendo, principalmente, às mudanças ocor-

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ridas no cenário internacional. De todo modo, apesar das recorrentes mudanças de aspectos instrumentais da política macroeconômica (po-lítica cambial, iscal, monetária, creditícia etc.), mantiveram-se sempre presentes as políticas públicas cujas características principais foram enunciadas na apresentação deste capítulo. Estas mesmas políticas públicas parecem estar sob ameaça a partir de 2015, diante dos desdo-bramentos da política econômica que vem sendo adotada no segundo mandato de Dilma Rousseff.

O cenário internacional favorável ocorrido a partir de 2004 levou o governo Lula (que havia se iniciado promovendo aperto nas políti-cas monetária e iscal herdadas do período FHC) a adotar importantes medidas de impulso à demanda interna, destacando-se aquelas que levaram a uma ampliação dos gastos públicos e à introdução de refor-mas institucionais que criaram o crédito consignado. Essa conjugação de fatores externos e internos promoveu a retomada do crescimento com in lação declinante, o que estimulou expansão dos investimentos privados, os quais também foram favorecidos pelos baixos custos de máquinas importadas, diante da valorização cambial. O ano de 2006, notadamente após a troca de comando no ministério da Fazenda, ocor-rida em março, seria marcado por uma política expansionista tanto pelo lado iscal quanto no monetário. Também houve um expressivo aumento do salário mínimo (14%) e dos investimentos públicos, es-pecialmente através de empresas estatais. Decidiu-se também ampliar o grau de cobertura e os valores dos bene ícios do Programa Bolsa Fa-mília (PBF), que teria, ao longo dos anos seguintes, papel fundamental na expansão do consumo, que teve efeito especialmente nas cidades de menor porte das regiões mais pobres do país. Enfrentando críticas eli-tistas e preconceituosas das elites7, especialmente do sudeste do país, fortemente reverberadas por parcelas majoritárias da mídia conserva-dora, o governo federal ampliou o programa em diversos momentos, como o ocorreu a partir de 2005 e depois, novamente, no enfrenta-mento da crise de lagrada em 2008/98. Em 2007, houve o lançamento 7 De todo modo, é importante registrar que parcela expressiva dos bene iciários do Programa Bolsa Família se encontra na região sudeste do país, o que representou, para estas famílias, alívio importante nas condições de pobreza e de consumo de alimen-tos; entretanto, em termos macroeconômicos e sociais, a presença do programa acaba impactando de forma mais evidente nas regiões mais pobres do país, fazendo alguns crerem que somente nelas existam famílias bene iciadas pelo programa. 8 Só para ilustrar a ampliação do PBF, vale citar alguns dados. Em 2005, o total desem-bolsado com o PBF era de cerca de 8 milhões de reais, a valores de 2012, o que então representava cerca de 0,25% do PIB; em 2008, estas cifras haviam subido para 13 milhões de reais e 0,30% do PIB, respectivamente e, em 2010, 16 bilhões e 0,35% do

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais58

do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que efetivamente promoveu (embora não na magnitude inicialmente prevista) novas ro-dadas de expansão do investimento público, estimulando também o investimento privado, em contexto decrescimento do mercado interno.

Em 2008, porém, diante de temores de retomada da in lação, o go-verno decide voltar a subir a taxa de juros básica (SELIC), e aquele ano teria um crescimento do PIB menor do que o do ano anterior, pois no inal de 2008 já foram sentidos os primeiros efeitos da crise interna-

cional de lagrada pela quebra do Lehman Brothers. O governo, porém, reage à crise com políticas anticíclicas, contrastando com uma postura que, em diversos outros momentos da história econômica brasileira, era frequentemente adotada: de enfrentamento de crises externas com a adoção de políticas recessivas. Entre as principais medidas anticícli-cas implementadas em 2008/9 podem ser citadas, além da já mencio-nada ampliação do PBF, a decisão de manter ajustes importantes do valor real do salário mínimo, a retomada de investimentos públicos e o lançamento do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), que favore-ceu a expansão do emprego na construção civil, um setor intensivo em trabalho e pouco intensivo em importações – com efeitos importantes na geração de emprego e renda. Este conjunto de medidas mostrou-se pelo menos su iciente para manter certo dinamismo na criação de pos-tos de trabalho, apesar da crise. Basta lembrar que, embora o PIB tenha sofrido uma queda de 0,2% em 2009, ainda foi criado quase um milhão de postos de trabalho naquele ano. Também foi ampliada a atuação dos bancos públicos na concessão do crédito, que fez parte do rol de medi-das exitosas que, logo na virada do ano, izeram a economia retomar o nível de atividade, de resto também favorecida por uma nova melhora no cenário internacional e pela recuperação rápida da economia chine-sa – com efeitos positivos sobre as exportações brasileiras.

O primeiro mandato de Dilma teve início com medidas, que de-pois se revelariam equivocadas, de redução do ritmo de crescimento da atividade econômica, seguido de uma série de decisões voltadas a estimular os investimentos do setor privado. Mas o aumento inicial PIB. O governo Dilma continuou ampliando o programa, incluindo regras mais amplas de adesão ao mesmo, de tal forma que, em 2012, por exemplo, já eram gastos quase 21 bilhões de reais, o que signi icava cerca de 0,45% do PIB e uma cobertura que atingia cerca de 60 milhões de pessoas, contrastando com as cerca de 20 milhões que nele estavam inseridos, quando o programa começou, em 2003. Para mais detalhes sobre este programa e sobre a evolução da desigualdade de renda e de questões rela-cionadas ao mercado de trabalho nos tempos de Lula e o primeiro mandato de Dilma Rousseff, ver: Weisbrot, Johnston e Lefebvre (2014).

FORMALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA 59

da taxa de juros reais, a ampliação do superávit primário e seu efeti-vo cumprimento, em 2011, além de redução expressiva ocorrida nos investimentos públicos, levaram a economia a uma desaceleração da qual mal se recuperaria durante todo o período. Para tentar dinamizar a economia, o governo iniciou, em setembro de 2011, uma trajetória de redução de juros, mas a mesma seria abandonada em maio de 2013, quando os juros voltaram a subir novamente, diante de temores de volta da in lação. Mas, entre o inal de 2012 e o ano de 2013, o governo Dilma decidiu ampliar medidas de isenção tributária (entre as quais a desoneração da folha de pagamentos9 de vários segmentos da ati-vidade produtiva). No entanto, estas medidas tiveram impacto muito mais signi icativo (e negativo, evidentemente) nas contas públicas do que em uma almejada (e não conseguida) expansão dos investimen-tos privados10, a qual geralmente não se materializa em economias em desaceleração. Infelizmente, o início do segundo mandato de Dilma parece querer dobrar a aposta na busca de uma suposta recuperação da “credibilidade” para estimular investimentos privados, situação que tem se demonstrado recorrentemente infrutífera, desde o início do primeiro mandato, não sendo razoável supor que terão resultados positivos agora, ainda mais diante da crise política atualmente vigen-

9 Dados recentemente publicados de um estudo feito pela Receita Federal a pedido de Folha de São Paulo revelam que as desonerações de tributos (que inclui as men-cionadas desonerações de folha de pagamentos, mas também as diversas alíquotas que foram ou reduzidas ou zeradas para uma amplíssima gama de produtos – inclu-sive alguns produtos de luxo, como queijo do reino e móveis – e também inclui os efeitos da não-correção da tabela do Imposto de Renda), entre 2011 e 2018 (ou seja, nos dois mandatos de Dilma Rousseff) somarão a espantosa cifra de RS 458 bilhões (valores não de lacionados), considerando que sejam mantidas as medidas até o inal do segundo mandato (e levando em conta as mudanças que já foram feitas em 2015). Também estão contempladas, nessa somatória, isenções de tributação para algumas modalidades de aplicações inanceiras. As isenções tributárias começaram no inal de 2008, ou seja, ainda no governo Lula, como forma de reação à crise que abateu a eco-nomia mundial na época. Em 2009, as mesmas foram reduzidas, mas voltaram a cres-cer em 2010, ano da eleição de Dilma, somando cerca de R$ 43,5 bilhões no período Lula. As isenções foram feitas sob a justi icativa (e aposta) de que essas medidas esti-mulariam os investimentos do setor privado. Certamente, boa parte desses recursos hoje está aplicada nos altos juros brasileiros, a partir dos quais esses segmentos do setor privado auferem elevados luxos de rendimentos inanceiros. Para detalhes, ver Souza e Villas Bôas (2015).10 Entre 2004 e 2010, o investimento global (público mais privado) cresceu a uma taxa média real de cerca de 8,0% ao ano (portanto, acima do crescimento do PIB), en-quanto que, no período 2011-2014, cresceu apenas a 1,8% ao ano, conforme revelam Serrano e Summa (2015; p. 23). A produção industrial permaneceu, ainda em 2013, nos mesmos níveis de 2008 (ou seja, pré-crise), conforme lembra Bastos (2015).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais60

te. Pior ainda, no segundo mandato de Dilma, as políticas sociais e de transferência de renda, que seu primeiro mandato havia tido o mérito de manter (o que permitiu a manutenção de um razoável dinamismo de geração de postos de trabalho entre 2011 e 2014, apesar de o PIB ter crescido apenas a uma taxa média real de 2,1% no primeiro man-dato), estão sendo desidratadas pelas medidas duras de “ajuste iscal” conduzidas pelo Ministro da Fazenda Joaquim Levy, legítimo represen-tante da Escola de Chicago no quarto mandato petista na presidên-cia da República. Os resultados recentes expressos pelos indicadores de mercado de trabalho revelam-se preocupantes e podem colocar a perder, rapidamente, muitas das melhorias obtidas no período 2004-2014, conforme se pretende mostrar nas seções a seguir.

3. O Processo Histórico de Estruturação e de Desestruturação do Mercado de Trabalho Brasileiro e Evolução Recente dos Seus Principais Indicadores

Entre 1940 e 1980, tomando-se os dados dos respectivos censos, pode-se concluir que foram criados, em média, por ano, cerca de 513 mil postos de trabalho assalariados, dos quais cerca de 484 mil com registro em carteira, o que promoveu acelerada formalização do mer-cado de trabalho. No mesmo intervalo de tempo, cerca de 130 mil pos-tos, por ano, em média, foram criados somente na indústria, fazendo o peso relativo das atividades do setor secundário subir de 30% para 36% do conjunto das ocupações do mercado de trabalho brasileiro no período; da mesma forma, o grau de assalariamento formal (ou seja, uma relação de trabalho dentro da lei, respeitando Direitos Traba-lhistas, Sociais e Previdenciários) no mercado de trabalho brasileiro saltou de 42% para 63% do total de ocupados entre 1940 e 1980 – o que revela o papel exercido pela industrialização na estruturação do mercado de trabalho brasileiro (POCHMANN, 1999; MATTOS, 2011).

Nos anos 1980 e 1990, reverteu-se o processo de estruturação do mercado de trabalho ocorrido no período acima mencionado. Nas duas últimas décadas do século XX houve uma quase contínua deterio-ração do mercado de trabalho, notadamente quando avaliado segundo grau de formalização e/ou o grau de assalariamento do conjunto dos ocupados. Mattos (1994) mostra que o processo de informalização do mercado de trabalho, nos anos 1980, concentrou-se especialmente no

FORMALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA 61

início da década, mas foi acompanhado de uma piora do per il distri-butivo ao longo de todo o período. Baltar (2003) argumenta que, nos anos 1990, a informalidade aumentou, ao mesmo tempo em que o grau de assalariamento decrescia, a taxa de desemprego subia e o per il dos desempregados se deteriorava11.

As Tabelas 1 e 2, referindo-se às décadas de 1980 e de 1990, ilus-tram o processo de desestruturação do mercado de trabalho brasileiro em contexto de perda de dinamismo econômico, queda de investimen-tos produtivos e crise iscal do Estado, sob uma in lação cada vez mais acelerada. Os dados referem-se à região metropolitana de São Paulo, mas são bastante ilustrativos do que ocorreu no período em toda a economia brasileira12.

Pela Tabela 1, veri ica-se que a segunda metade dos anos 1980 foi marcada, na região metropolitana de São Paulo, por um movimento tímido de ampliação da participação do setor formal do mercado de trabalho, que se reverteu tão logo a economia adentrou a recessão do Plano Collor, em 1990. Parece que, para efeito de formalização do mer-cado de trabalho, o baixo crescimento econômico dos anos 1990, com aumento do desemprego no início da década, e a perda de postos de trabalho nas atividades industriais, conforme alertava Baltar (1996), foi muito pior do que a desaceleração econômica e a aceleração da in-lação que caracterizou os anos 1980.

11 Aumento da parcela dos desempregados de longa duração no total dos desempre-gados; ampliação da taxa de desemprego segundo a classi icação do desempregado como membro da família (jovens, provedores, cônjuges). Nos anos 1980, a deterio-ração do mercado de trabalho manifestou-se mais na ampliação da informalidade, na queda dos salários reais e na ampliação da elevada desigualdade já existente. Nos anos 1990, agrega-se aos fatores anteriormente mencionados uma expressiva ampliação da taxa de desemprego. Baltar (1996) argumenta que no início dos anos 90 aprofunda-ram-se efeitos de descontinuidade em diversas cadeias produtivas do setor industrial, o que impactou diretamente na precarização das ocupações em geral e no aumento do desemprego. O autor lembra que em meados dos anos 1980, a retomada da ativi-dade econômica que se seguiu à recessão do início da década recuperou em parte os empregos industriais que haviam sido eliminados entre 1981 e 1983, mas nos anos 1990 essa recuperação do emprego industrial não ocorreu, o que promoveu aumento da taxa de desemprego – re letindo a queda da participação do emprego industrial no conjunto da ocupação e a redução do peso da produção industrial no PIB.12 As Tabelas 1 e 2 não são rigorosamente iguais por que a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) (criada em 1984), a certa altura dos anos 1990, passou a divulgar as informações sobre distribuição dos trabalhadores segundo posição na ocupação de uma forma um pouco diferente da maneira original. Mas, de todo modo, as duas tabe-las, em sequência, permitem traçar um quadro completo dos indicadores de desestru-turação do mercado de trabalho da região metropolitana mais industrializada do país.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais62

Tabela 1- Distribuição dos ocupados por posição na ocupação (em %) - Região Metropolitana de São Paulo - Anos 80 e 90

POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

Assalariados do setor privado

com carteira 51,9 52,7 53,2 53,0 53,0 53,0 48,2 46,8 44,8 45,3 44,5 42,8

sem carteira 8,2 8,4 8,1 8,5 9,1 8,3 9,2 9,1 9,5 10,4 11,0 11,4

total do setor privado 60,1 61,1 61,3 61,5 62,1 61,3 57,4 55,9 54,3 55,7 55,5 54,2

Assalariados do setor público 10,2 9,8 9,4 10,2 10,0 10,3 10 10,7 11,5 10,1 9,6 9,1

Total dos assalariados (*) 70,3 70,9 70,7 71,7 72,1 71,6 67,4 66,6 65,8 65,8 65,1 63,3

Autônomos (**) 15,1 15,1 15,7 15,1 15,6 16,0 18,2 18,5 18,6 18,6 18,7 19,8

Empregadores 4,2 4,3 4,5 4,2 4,1 4,3 5,0 4,8 5,1 5,4 5,5 5,9

Empregados domésticos 8,2 7,7 6,9 6,9 6,1 6,0 6,9 7,3 7,1 7,2 7,6 8,0

Trabalho familiar sem remuneração 1,6 1,4 1,6 1,5 1,5 1,5 1,6 1,9 2,3 2,0 2,0 2,0

Outras formas de inserção 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,9 0,9 1,1 1,0 1,1 1,2

TOTAL DOS OCUPADOS 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,2

SETOR FORMAL (***) 66,3 66,8 67,1 67,4 67,1 67,6 63,2 62,3 61,4 60,8 59,6 57,8

SETOR INFORMAL (****) 33,7 33,2 32,9 32,6 32,9 32,4 36,8 37,7 38,6 39,2 40,4 42,4

Fonte: Pesquisa de Emprego e Desemprego; SEADE/DIESSE. Elaboração do autor.

(*) inclui setor público, mas não inclui empregos domésticos. (**) ou também denominados trabalhadores por conta própria.(***) total dos assalariados, exceto os sem carteira assinada, mais os empregadores. Esta rubrica, portanto, inclui o emprego público.(****) assalariados sem carteira, mais autônomos, mais empregados domésticos mais trabalho sem remuneração mais outros.

A Tabela 2 revela que, na segunda metade dos anos 1990, inten-si icou-se o processo de informalização do mercado de trabalho13, es-pecialmente depois que a economia perdeu o dinamismo inicial que a havia caracterizado na partida do Plano Real. Ainda nos anos iniciais do século XXI o segmento formal do mercado de trabalho continuou a ter redução em termos relativos, uma vez que a criação de postos de trabalho com carteira assinada no setor privado e/ou no setor público foi menor do que a de ocupações precárias típicas, como o trabalho autônomo e o emprego doméstico. A partir de 2004, porém, e com mais vigor de 2006 em diante, o ritmo de crescimento do emprego formal supera o das demais formas de ocupação, ampliando a parcela do mercado de trabalho que pode contar com proteção da legislação trabalhista, da social e da previdenciária (Tabela 2).13 Santos (2013) apresenta uma importante e abrangente análise acerca do processo de for-malização ocorrida nos anos 1980 e 1990, destacando as diferentes causas de cada período.

FORMALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA 63

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MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais64

A trajetória do emprego formal a partir do início dos anos 2000 pode ser vista pelos dados do Grá ico 1, retratando agora a realidade do conjunto do mercado de trabalho brasileiro. Os dados do Grá ico 1 revelam que a partir do ano de 2000 e, com mais vigor, de 2004 em diante, a geração líquida de postos formais de trabalho ganha impul-so no Brasil. O inal do primeiro mandato de Lula já exibia um ritmo expressivo de geração líquida de empregos formais, respondendo ao já aludido bom desempenho da economia brasileira, notadamente no período 2004-2010, quando se izeram sentir os efeitos positivos das políticas de fomento à demanda tomadas pelo governo brasileiro, aproveitando-se do menor grau de restrição externa permitido pelo cenário internacional favorável de então. No período 2011-2014 per-cebe-se uma trajetória decrescente bastante nítida e intensa do ritmo de geração de postos formais de trabalho, re letindo as di iculdades enfrentadas pela economia no primeiro mandato de Dilma Rousseff – mais ainda foi mantida uma trajetória positiva do cotejamento entre contratações e demissões, conforme auferido pelos dados do Cadastro Geral de empregados e Desempregados (CAGED) (Grá ico 1).

Grá ico1- Geração Líquida de Postos Formais de Trabalho

-129.319-271.339

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1.617.3921.452.204

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Fonte: MTE/CAGED. Elaboração do autor.

Esse cenário de forte retomada do ritmo de criação de postos for-mais de trabalho promoveu redução continuada da taxa de desemprego. O Grá ico 2, abaixo, exibe a evolução da taxa de desemprego medida pela PME, tendo como referência, portanto, as seis principais regiões metro-politanas do Brasil. Os dados estão expressos em valores médios anuais.

FORMALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA 65

A trajetória da taxa de desemprego, assim mensurada, é claramente des-cendente na maior parte do período, tendo-se elevado apenas entre 2002 e 2003, quando o primeiro ano do governo Lula adotou uma política eco-nômica de contenção da demanda agregada. A partir de 2004, porém, diante das mudanças ocorridas na política econômica, conforme men-cionado em sessão anterior, inicia-se a trajetória declinante da taxa de desemprego, somente breve e modestamente revertida em 2009, diante dos efeitos da crise do subprime. A partir de 2011, no entanto, veri ica-se um arrefecimento da queda da taxa, que voltaria a subir em 2015.

O baixo patamar atingido pela taxa de desemprego em 2013/2014 acendeu um debate acerca da hipotética situação de pleno emprego que estaria vigorando na economia brasileira, ao mesmo tempo em que também ensejou uma discussão a respeito das causas desse com-portamento do desemprego. Mattos e Lima (2015) enfrentam essas duas questões. Após argumentarem, com base em resultados de um estudo econométrico, que a redução da taxa de desemprego esteve fortemente correlacionada (e determinada) pelo crescimento econô-mico ocorrido no período 2002-2013, os autores ponderam, com base tanto em argumentos teóricos quanto em evidências empíricas, que a economia brasileira não chegara a operar em pleno emprego, apesar de ter atingido em meados de 2013 o patamar mais baixo de toda uma longa série histórica.

O papel do crescimento do PIB foi decisivo para a redução da taxa de desemprego ocorrida no período, mas para tal resultado também colaborou a desaceleração do crescimento demográ ico ocorrida des-de o início da década, além de uma certa redução da taxa de participa-ção (População Economicamente Ativa-PEA/População em Idade Ati-va-PIA)14 comparando-se os anos extremos em análise neste capítulo. Para tal, os dados da Tabela 3 ilustram os movimentos dos principais indicadores do mercado de trabalho brasileiro, não apenas aqueles de caráter econômico, mas também os demográ icos.14 A taxa de participação depende de diversos fatores, relacionados a aspectos demográ-icos, mas também a aspectos econômicos (como o estágio do ciclo econômico, a evolu-

ção do rendimento médio do trabalho, do rendimento médio familiar etc.) e a aspectos institucionais (situação e regras da Previdência Social, incluindo valores dos bene ícios pagos; existência (ou não) e abrangência de sistemas de seguro-desemprego; facilidades para as famílias deixarem seus ilhos em creches ou escolas etc.). Todos estes elementos, bem como seus efeitos sobre a evolução da taxa de desemprego, foram analisados em Mattos e Lima (2015), não cabendo aqui, por falta de espaço, tecer considerações muito longas a seu respeito, mas apenas destacando que, tudo o mais mantido constante, a redução da taxa de participação tende a gerar redução da taxa de desemprego.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais66

Grá ico 2 – Taxa Média Anual de Desemprego

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Fonte: PME/IBGE. Elaboração do autor.

A Tabela 3 informa a evolução de grandes números do mercado de trabalho brasileiro nos anos 2000, até 2013, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Tais dados permitem captar dados tanto do emprego formal quanto das ocupações do seg-mento informal do mercado de trabalho brasileiro no referido perío-do. Os dados mostram a criação de cerca de 17 milhões de ocupações entre 2002 e 2013, o que signi ica pouco mais do que 1,5 milhão de ocupações por ano, em média. Nesse mesmo período, a PEA cresceu em 15,6 milhões de pessoas. Esse crescimento da ocupação acima do crescimento da PEA explica a redução signi icativa do número de de-sempregados e da taxa de desemprego no período. O vigor da gera-ção de ocupações foi mais expressivo entre 2004 e 2008, justamente quando foi também mais intenso o crescimento do PIB. Nesse interva-lo, houve rápida redução do desemprego, que era ainda relativamente alto em 2004; desta forma, conclui-se que 17% do total de postos de trabalho líquidos criados entre 2004 e 200815 deveram-se à redução do desemprego no referido período, sendo que os outros 83% resul-taram de absorção de pessoas oriundas da expansão da PEA. Toman-do-se o período 2008-2013, porém, que se inicia com uma taxa de desemprego mais modesta do que no início do período anterior, a

15 Conforme nota Baltar (2015), este foi o período de maior crescimento desde que se iniciou o processo de abertura da economia brasileira.

FORMALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA 67

contribuição da expansão da PEA para o total de postos de trabalho criados saltou para 92%, contra apenas 8% da contribuição da redu-ção do desemprego, em termos líquidos, entre os dois anos extremos do aludido período.

Os dados da Tabela 3 também ilustram o processo de formaliza-ção das relações de trabalho, medida pela somatória entre emprego assalariado com carteira assinada mais os funcionários estatutários do setor público e os empregadores16. O indicador assim medido saltou de 39,9% do conjunto dos ocupados em 2002 para 51,0% em 2013, revertendo um processo quase contínuo de expansão da infor-malidade que vinha ocorrendo desde o início dos anos 1980, confor-me já mencionado. Para este resultado concorreram tanto a expansão do assalariamento com carteira como também uma razoável expan-são do emprego público (celetista e estatutário), que representava, em 2002, cerca de 6,4% do total dos ocupados e que, em 2013, saltara para cerca de 7,4% do conjunto da ocupação17. Desta maneira, pode--se concluir que o crescimento da economia – pelas razões expostas na primeira seção – tornou possível reverter o processo de informali-zação das relações de trabalho que vinham ocorrendo desde o início dos anos 198018.

16 Existem situações de assalariamento com carteira assinada no emprego doméstico, mas optou-se por considerar aqui todo o emprego doméstico como pertencente ao setor informal da economia, dada a sua peculiaridade em termos de inserção no mer-cado de trabalho.17 Para mais detalhes sobre a evolução do estoque e do per il do emprego público no Brasil recente, incluindo o emprego público celetista (não explicitado na tabela aci-ma), ver estudo de Mattos (2011) e livro organizado por Cardoso Júnior. (2011).18 A queda da participação relativa do emprego doméstico, bem como a queda em números absolutos do total de ocupados sem rendimentos (ver Tabela 3) devem ser interpretadas também como fenômenos positivos das transformações ocorridas no mercado de trabalho brasileiro no período recente. No caso dos não-remunerados, boa parte da explicação encontra-se na redução – que vem de longo tempo – da par-ticipação relativa das atividades agrícolas, onde esta forma de inserção ocupacional é mais comum do que em outras atividades), mas também se deve aos efeitos de pro-gramas sociais, como o Bolsa Família, que retira jovens do mercado de trabalho. Dados recentes e vários estudos mostram que, nos últimos anos, a taxa de participação de jovens no mercado de trabalho brasileiro vem diminuindo signi icativamente (ver, por exemplo, Baltar et al., 2010) também devido a fatores demográ icos.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais68

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FORMALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA 69

Na próxima seção, será investigado como esse comportamento do mercado de trabalho impactou na evolução dos rendimentos e do per il distributivo.

4. Evolução Recente e Contexto Histórico da Trajetória do Perfil Distributivo no Brasil

O cenário macroeconômico e as políticas públicas adotadas pro-moveram ampliação do valor real do salário mínimo, que tem um efei-to importante não apenas nos rendimentos auferidos no mercado de trabalho, mas também no valor real dos bene ícios sociais, pois eles são atrelados ao salário mínimo19. Desta forma, amplia-se a massa de rendimentos das famílias, em contexto de queda de desemprego, o que estimula novas rodadas de expansão do crédito e do consumo, ainda mais sob um ambiente de in lação baixa favorecida pela valorização cambial. O aumento dos salários reais se consolida diante do aumento do poder de barganha dos trabalhadores dos setores mais organiza-dos20. No caso dos trabalhadores dos segmentos informais do mercado de trabalho, o salário mínimo em ascensão tem um efeito notável, por in luenciar na formação de preços dos vendedores de bens e de servi-ços21, ainda mais em um momento de aquecimento da atividade eco-nômica. Assim, os salários de base do mercado de trabalho tiveram um crescimento importante. O aumento do salário médio também foi sig-ni icativo, atingindo cerca de 35% para o período 2004-2013 (dados do Instituto Brasileiro de Geogra ia e Estatística -IBGE). Este conjunto 19 Santos (2013) lembra que o salário mínimo ganhou impulso com a campanha rea-lizada conjuntamente pelas centrais sindicais, e resultou numa elevação do seu poder de compra de mais de 50%, entre 2003 e 2010. Essa política foi fundamental para a ex-pressiva elevação dos salários de base, das aposentadorias e pensões, dos Bene ícios de Prestação Continuada (BPC) – destinados às pessoas pobres com mais de 70 anos e sem aposentadoria e de outros bene ícios sociais e previdenciários (seguro-desem-prego, seguro-acidentes, bene ícios pagos aos afastados por doenças etc).20 Estudo elaborado por Baltar et al (2010) menciona pesquisa do Departamento In-tersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) segundo a qual, em cada ano entre 2005 e 2009, esteve próximo (ou foi superior a) de 90% o percentual de categorias que, em negociações coletivas, conseguiram obter reajustes salariais aci-ma da in lação anual. 21 Conforme mostrou Souza (1980), em trabalho que já se tornou um clássico sobre a constituição dos mercados de trabalho de países subdesenvolvidos, o salário mínimo funciona como um “farol” na de inição dos rendimentos dos setores “não-tipicamente capitalistas”.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais70

de fatores promoveu uma melhoria do per il distributivo, que pode ser sintetizada pelo Grá ico 3, no qual se percebe uma redução contínua do Índice de Gini dos rendimentos do trabalho a partir de 2001, mas com maior intensidade entre 2003 e 2010, a partir de quando começa a se desacelerar.

Grá ico3 – Evolução do Índice de Gini dos Rendimentos do Trabalho

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Fonte: IBGE. Elaboração do autor.

É interessante colocar essa trajetória de quase 15 anos de redução da desigualdade da renda do trabalho em perspectiva histó-rica, de forma a contextualizar a sua dimensão. O Grá ico 4 revela a evolução do Índice de Gini (para rendas do trabalho) desde 1960, ao lado da evolução da renda per capita. A análise conjunta dessas duas curvas permite algumas conclusões importantes, a começar pelo fato facilmente identi icável de que, desde o início da série, a trajetória de redução da desigualdade veri icada desde 2002 é a mais duradoura. Já houve, em outros momentos do processo de desenvolvimento eco-nômico brasileiro, momentos de redução da desigualdade, mas eles se mostraram efêmeros e modestos – como os movimentos que ocorre-ram, por exemplo, no inal dos anos 1970 e no início dos anos 1990 (e outro também no mediato pós-Plano Real).

FORMALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA 71

Grá ico 4 – Evolução Comparada do PIB Per Capita e do Índice de Gini dos Rendimentos do Trabalho Desde 1960 a 2013

Fonte: Microdados da PNAD (IBGE); Langoni (1973). Elaboração do autor, com base em Pochmann (2012).

As curvas do Grá ico 4 também mostram que em outros momen-tos de aumento da renda per capita (ou seja, sob um cenário de cres-cimento da economia) a desigualdade não diminuiu. Pelo contrário, no “milagre econômico”, por exemplo, a desigualdade até aumentou, ensejando famoso debate na época, entre defensores e opositores do modelo de acumulação vigente sob o governo militar22.

É importante também ponderar que, embora em tese não seja im-possível ocorrer redução da desigualdade de renda enquanto a renda média não cresce, em um país com a renda per capita como a brasileira somente uma trajetória ascendente de renda permite uma sustenta-ção da melhoria do per il distributivo. Esta redução da desigualdade somente se materializa quando, em contexto de crescimento econômi-co, são também adotadas políticas públicas explícitas de distribuição de renda, entre as quais se destaca a política de valorização real do salário mínimo. Foi o que aconteceu a partir do ano 2000, e com mais ênfase a partir de 2004, quando o valor do salário teve ganhos reais que contrastam com a sua trajetória em outros momentos da história econômica do Brasil, mesmo em alguns períodos em que o crescimen-to da economia era maior (como, por exemplo, durante o chamado “milagre econômico”23 da ditadura militar) do que o recente. O refe-22 Para uma resenha detalhada desse debate, ver: Barone, Bastos e Mattos (2015). 23 A respeito dos fatores estruturais da política econômica que vigorou durante o re-gime militar instalado em 1964 e de seus efeitos sobre o per il distributivo, bem como

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais72

rido período do Milagre Econômico representa uma situação que, em tese, teria aberto maior raio de manobra para políticas de valorização real do salário mínimo - caso esta tivesse sido uma preocupação de formuladores de política econômica naquele momento.

O Grá ico 5 coloca a recente trajetória de ascensão do salário míni-mo real em perspectiva histórica e revela que o mesmo, antes do perío-do recente, somente teve um momento tão duradouro de crescimento real nos anos 1950, quando o país vivia um período democrático24; de todo modo, a trajetória recente ainda o coloca abaixo do que era vigen-te antes do Golpe Militar de 1964.

Grá ico 5 - Salário Mínimo Real Médio Anual em R$

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Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.

de seus re lexos para a acumulação produtiva daqueles anos e dos anos seguintes, ver: Barone, Bastos e Mattos (2015). A diferença básica em relação aos tempos recentes é que naquela época não foram adotadas políticas públicas como as que caracterizaram os governos petistas até 2014. O salário mínimo, por exemplo, permaneceu pratica-mente estagnado, em termos reais, entre 1967 e 1973 – período do chamado “milagre”.24 É importante ponderar, conforme lembra Bresser-Pereira (2014), que, nos anos 1950, a Democracia ainda não era plena no Brasil pois o direito de voto não era ex-tensivo aos analfabetos. De todo modo, havia eleições e estas levaram ao poder os dois presidentes sob cujo mandato a economia brasileira mais cresceu: Getúlio Vargas (1951-1954) e Juscelino Kubistschek (1956-1961).

FORMALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA 73

A relação entre a evolução da desigualdade e a trajetória do salá-rio mínimo real merece ser estudada com maior atenção, mas, compa-rando-se os Grá icos 4 e 5, e levando-se em conta as características do mercado de trabalho e o nível de renda per capita da economia brasi-leira, pode-se supor que exista uma forte correlação entre um fenôme-no e outro.

5. Cenário Atual e Riscos De Retrocesso

A política econômica posta em prática a partir do segundo man-dato de Dilma Rousseff já revela alguns resultados preocupantes25. Como se não bastasse, o atual cenário político e o enfraquecimento das forças de esquerda e dos movimentos sociais colocam di iculdades adicionais, dadas pelos riscos de mudanças na legislação que podem debilitar as condições de inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho brasileiro. Este é o caso, por exemplo, do projeto de lei que está prestes a ser votado de initivamente no Congresso Nacional, so-bre as chamadas terceirizações de mão de obra. Esta seção procura compreender essas di iculdades, começando pela análise de indicado-res do mercado de trabalho referentes ao ano de 2015.

A criação da PNAD Contínua26, em 2012, permite avaliar de forma mais acurada e mais atualizada, ao longo do ano, os desdobramentos dos indicadores sociais e do trabalho no Brasil.

As tabelas abaixo trazem as informações mais recentes da PNAD Contínua, divulgadas na última semana de agosto de 2015. A Tabela 4, com os indicadores mais habituais de mercado de trabalho, revela um expressivo crescimento da taxa de desocupação, que passou de 6,8% para 8,3% da força de trabalho em apenas um ano. Em termos absolu-tos, isso signi icou um aumento de cerca de 1,587 milhão de pessoas na condição de desocupação entre o segundo trimestre de 2015 (últi-

25 Este texto está sendo redigido, em versão inal, nos primeiros dias de setembro de 2015.26 O IBGE não deixará de produzir as PNADs anuais, mas desde 2012 passou também a efetuar pesquisas domiciliares através das chamadas PNADs Contínuas, com amos-tragem menores do que as PNADs anuais, mas com frequência menor, conforme se depreende de sua de inição: “A PNAD Contínua é uma pesquisa domiciliar que, a cada trimestre, levanta informações socioeconômicas em mais de 200.000 domicílios, em aproximadamente 16.000 setores censitários, distribuídos em cerca de 3.500 municí-pios, e com representatividade de resultados para cada uma das Unidades da Federa-ção”. Ver: Instituto Brasileiro de Geogra ia e Estatística, 2015).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais74

mo dado disponível quando da redação deste trabalho) e o trimestre homólogo de 2014. A comparação das respectivas taxas de participa-ção também mostra trajetória inquietante, sendo possível intuir que a própria retração da atividade econômica deve já estar impactando no sentido de atrair, para a força de trabalho, parcelas crescentes da população, como forma de cumprir estratégias familiares de sustenta-ção da renda e/ou de uma situação de precaução contra demissão de membros da família no breve futuro.

Tabela 4 - Taxas percentuais de indicadores selecionados e dados em valores absolutos da população - Trimestres selecionados - Brasil

INDICADORES Seg Tri 2014 Prim Tri 15 Seg Tri 15

Taxa de desocupação 6,8 7,9 8,3

Nível da ocupação 56,9 56,2 56,2

Taxa de participação 61,1 61,0 61,3

POPULAÇÃO

em idade de trabalhar 161.734 163.806 164.108

na força de trabalho 98.819 99.957 100.566

ocupada 92.052 92.023 92.211

desocupada 6.767 7.934 8.354

fora da força de trabalho 62.914 63.849 63.543

Fonte: PNAD Contínua/IBGE. Elaboração do autor.

A Tabela 5 registra sinais de reversão da trajetória de formaliza-ção da ocupação que ainda vinha correndo entre 2012 e 2014, apesar da desaceleração econômica então vigente. Percebe-se, pelas infor-mações organizadas, uma redução da participação do emprego com carteira assinada no setor privado já a partir do primeiro trimestre de 2015, ao mesmo tempo em que cresce a participação da ocupação por conta própria – sintoma típico de um movimento de precarização (e desestruturação) do mercado de trabalho. Na Tabela 5 também se pode perceber uma redução da participação da ocupação em ativida-des manufatureiras, o que também é um sintoma de perda de dina-mismo da economia, dada a importância da atividade industrial para o conjunto das atividades econômicas27.

27 Este aspecto será abordado com um pouco mais de cuidado nas conclusões.

FORMALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA 75

Dados também recentes, mas do CAGED, ilustram a evolução do emprego formal em 2015, revelando que, até julho (inclusive) de 201528, foram fechados, em termos líquidos, 547.438 postos formais de trabalho, dos quais 228.644 somente na Indústria de Transforma-ção, ou seja, cerca de 42% do total; tais números sugerem concentra-ção da crise nas atividades industriais, dado que – só para registro – estas atividades, em dezembro de 2013, segundo dados o iciais da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), representavam 16,9% do total de empregos formais do país (cerca de 17,2% em 2012 e era igual a 18,8% em 2006).

Como se não bastasse, dados de rendimentos revelam que a evo-lução do rendimento médio real habitualmente recebido pelas pes-soas ocupadas em todos os trabalhos era de 1.783 reais, no primeiro trimestre de 2012, passando para 1.821 reais no primeiro trimestre de 2013; 1.891, em 2014 e 1.892, em 2015. No segundo trimestre de 2015, icou em 1.882 reais, o que signi ica uma estagnação do valor real em relação ao trimestre imediatamente anterior e também em re-lação ao trimestre homólogo em 2014, interrompendo a modesta as-censão que ocorrera entre o segundo trimestre de 2012 e o mesmo de 2014, que fora de cerca de 6,05% (acumulado), conforme se depreen-de dos valores citados.

28 Série sem ajuste.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais76

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ego

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6,5

6,5

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,312

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c.).

FORMALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA 77

Todo este cenário revelado pelos números de 2015 pintam um quadro preocupante sobre o futuro do mercado de trabalho brasileiro, evidenciando sinais de crescentes di iculdades para manter os avan-ços ocorridos nos últimos anos. É nesse contexto que se pretende cha-mar a atenção para os riscos que uma eventual aprovação da recente proposta de terceirização da mão de obra pode ter sobre a qualidade dos postos de trabalho brasileiros e mesmo sobre o processo de de-senvolvimento econômico do país29.

O setor empresarial costuma defender as terceirizações usando diversos argumentos interessados de sua ideologia de classe (e não faltam economistas e outros “especialistas” para defendê-los na mídia e em outros fóruns, sem olvidar, também, obviamente, seus represen-tantes no Parlamento), mas o motivo principal mesmo é o de sempre: reduzir custos. Trata-se, porém, de uma visão estreita e curto-prazista, assim como uma interpretação “estática” a respeito do processo de de-senvolvimento econômico, pois essa modalidade de redução de custos será em grande parte re letida em queda dos rendimentos auferidos pelo trabalhador (quer seja através dos salários diretos, quer seja pe-los bene ícios calculados tendo como base o salário, como férias, dé-cimo-terceiro etc.). E isso afetará a parcela do consumo na demanda agregada, o que pode prejudicar o faturamento de várias empresas, notadamente as que dependem do mercado interno (a grande maioria delas). Outra parte da redução de custos promovida pelos processos de terceirização desdobra-se em pagamentos de menores quantias na forma de tributos, o que prejudica indiretamente os trabalhadores e seus dependentes, bem como a parcela (majoritária) da população que depende de serviços públicos. Portanto, pode-se a irmar que a re-dução de custos trabalhistas trazidas pela terceirização é de mesma magnitude da somatória de redução de pagamentos tributários e de valores recebidos pelos trabalhadores. Em uma palavra: a ampliação do peso dos trabalhadores terceirizados no conjunto dos trabalhado-res brasileiros vai provocar uma deterioração do per il da distribuição funcional da renda, entendida como a repartição da renda gerada no processo produtivo pelos fatores de produção – destacando-se os lu-cros (renda obtida pelo fator de produção capital) e os salários (renda

29 Em poucas palavras: o Congresso Nacional deverá votar uma lei que abre a possi-bilidade de as empresas contratarem mão de obra terceirizada também para exercer atividades- im dentro de suas dependências. Atualmente, a lei das terceirizações per-mite a contratação de mão de obra apenas para atividades de apoio (atividades-meio) às atividades- im das empresas.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais78

obtida pelo fator de produção trabalho). A distribuição funcional da renda pode ser medida de diversas formas, sendo a mais comum de-las aquela em que o PIB é desagregado pela ótica da renda, conforme revelam as informações o iciais divulgadas pelo Sistema de Contas Nacionais (HALLAK NETO, 2013; HALLAK NETO E SABÓIA, 2014) – e esta vai piorar caso ocorra aumento da parcela de trabalhadores ter-ceirizados no conjunto do mercado de trabalho brasileiro.

Estudos recentes (CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES, 2014; DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2007) mostram que os trabalhadores terceiriza-dos (em comparação com os trabalhadores regulares): (a)têm salários menores do que os dos trabalhadores regulares que exercem mesma função em empresas de portes semelhantes; (b) cumprem jornadas de trabalho mais extensas; (c) possuem menor tempo de vínculo em-pregatício; (d) apresentam maior rotatividade de mão de obra do que no caso dos demais trabalhadores; (e) atuam em maior proporção em empresas de pequeno porte, as quais, em média, são mais sujeitas a processo de falência; (f) são mais sujeitos a acidentes de trabalho; (g) desfrutam de menores direitos do Trabalho e de bene ícios negociados entre as empresas em que de fato atuam e os respectivos sindicatos, em relação aos empregados não-terceirizados que atuam no mesmo local de trabalho e (h) possuem menor índice de sindicalização.

A ampliação da terceirização tende a aprofundar as diferenças entre os rendimentos auferidos pelos trabalhadores (salários, além de pagamentos em forma de férias, décimo-terceiro salário, indeni-zações por demissão e/ou indenizações via Justiça do trabalho em caso de falência da empresa em que o terceirizado efetivamente atua), ampliando a parcela de trabalhadores em condições mais precárias de trabalho. No atual (2015) contexto de crescimento acelerado do desemprego e de queda dos salários reais, uma eventual promulga-ção de lei que amplie as possibilidades de terceirizar a mão de obra deverá aprofundar os efeitos nocivos, para o Mundo do Trabalho, da política econômica já em curso, sob o início do segundo mandato de Dilma Rousseff.

Por im, mas não menos importante, a ampliação legal das ter-ceirizações pode aprofundar ainda mais uma das principais mazelas estruturais do mercado de trabalho brasileiro, que é a alta rotatividade de mão de obra, que representa uma das maneiras de que recorrem muitas empresas para reduzir custos e para debilitar o poder de bar-ganha dos trabalhadores, e que, do ponto de vista do conjunto da eco-

FORMALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA 79

nomia, revela-se um aspecto que reduz a produtividade da atividade econômica, pois desestimula processos de treinamento dos trabalha-dores e de quali icação do Trabalho.

Desta forma, espera-se que o movimento sindical e que os mo-vimentos sociais convençam ou pressionem o Congresso Nacional a não referendar mudanças de legislação que ampliem a legalidade das terceirizações.

6. Conclusões

O maior mérito do governo Lula foi ter adotado políticas de sus-tentação da demanda agregada e de transferências de renda que permi-tiram não só um crescimento da economia, mas também uma melhoria do per il distributivo segundo o critério da distribuição pessoal da ren-da. A mudança positiva ocorrida no cenário internacional foi razoavel-mente bem aproveitada por um governo que tinha compromisso histó-rico com as classes populares e com a classe trabalhadora. No entanto, muitas outras mudanças poderiam ter sido implementadas, as quais teriam produzido alterações mais estruturantes e duradouras sobre o per il distributivo. A questão de regressividade tributária e da concen-tração da propriedade sequer foi tocada pelos governos petistas.

Desta forma, alguns comentários importantes, acerca da questão distributiva merecem ser registrados. Em primeiro lugar, é inevitável reconhecer que, em termos de comparação histórica, a redução da desigualdade pessoal da renda ocorrida entre 2002 e 2014 foi digna de nota, tendo sido mais expressiva, em extensão e duração, do que outras trajetórias de redução de desigualdade ocorridas em outras épocas. No imediato pós-plano Real, por exemplo, houve uma efême-ra e também mais modesta redução da desigualdade de rendimentos do trabalho do que a ocorrida nos governos petistas. De todo modo, a melhoria do per il distributivo daquele momento foi muito mais um resultado de uma mudança de preços relativos, que, casualmente, aca-baram favorecendo os trabalhadores da base da pirâmide distributiva, do que propriamente um resultado de medidas explícitas que tivessem sido implementadas em favor da população de mais baixa renda30. Nos anos recentes, por outro lado, tanto os programas de transferência de 30 Sobre a mudança do per il distributivo pós-implementação do Plano Real, ver Mat-tos e Cardoso Júnior (1999).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais80

renda, como também a política de valorização real do salário mínimo (que também fortalece os efeitos das próprias políticas de transferên-cia) tiveram o objetivo deliberado (e exitoso) de reduzir a pobreza e também de diminuir a desigualdade pessoal da renda.

Ademais, deve-se também reconhecer que a redução da desigual-dade ocorrida no Brasil nos primeiros 14 anos do século XXI se desta-ca, no cenário internacional, por ter ocorrido em uma era em que, na maioria dos países importantes do mundo, a desigualdade aumentou, conforme demonstrou “insuspeito” trabalho do Oxford Committee for Famine Relief (2014), divulgado pelo Fórum Econômico Mundial. De-ve-se ponderar, porém, que a referida redução da desigualdade ainda mantém o atual per il distributivo em um patamar semelhante ao que vigorava no Brasil em meados dos anos 1960 e que deram motivo, na época, à demanda das classes populares e das forças de esquerda pelas chamadas Reformas de Base, a inal derrotadas pelo movimento gol-pista de 1964. Ou seja, apesar dos avanços obtidos nos anos recentes, é preciso sempre ter em mente que a sociedade brasileira não é uma “sociedade de classe média” e que é necessário ainda avançar muito mais, pois o grau de desigualdade econômica (medida por qualquer critério) permanece altíssimo.

Também é forçoso perceber que existem claros sinais de que a re-dução da desigualdade estava arrefecendo no inal do primeiro gover-no Dilma e de que, com certeza, ao inal já deste ano de 2015, levando em consideração a atual trajetória do desemprego e dos rendimentos do trabalho, os indicadores de per il distributivo deverão estar em um patamar pior do que o registrado no inal de 2014. Tal resultado deve-se não apenas ao caráter recessivo e socialmente regressivo da política econômica em curso no segundo governo Dilma, mas também advém do fato de que a melhoria do per il distributivo ocorrida nos anos mencionados resultaram de mudanças de trajetórias da renda do trabalho, sem que tivesse havido mudanças estruturais que re-colocassem em outro patamar o processo de geração de renda e de apropriação dos excedentes criados pelo processo de desenvolvimen-to econômico. Faltou, para dizer o mínimo, que tivessem sido feitas mudanças na estrutura tributária e na propriedade do capital, em to-das as suas esferas: inanceiro (juros são ainda cronicamente altos no Brasil), imobiliário, fundiário e produtivo. Só para ilustrar um desses pontos, basta lembrar que, durante os oito anos de mandato de FHC, o Estado gastou com pagamento de juros, em média anual, cerca de 6,5% do PIB, enquanto nos oito anos de Lula, pagou cerca de 6,3%

FORMALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA 81

do PIB31 (mais impressionante ainda do que estes dados, é saber que os credores desses rendimentos representam uma parcela ín ima da população). Estes elevados luxos de rendimentos (não contabiliza-dos em indicadores de desigualdade que se referem apenas às rendas do trabalho – ainda a forma mais habitual de se avaliar a evolução do per il distributivo) devem-se ao fato de que ainda existe uma elevada concentração de riqueza no Brasil, que se transmuda em uma elevada concentração funcional e pessoal da renda e nos indicadores de desi-gualdade conhecidos.

Portanto, conforme mostraram, por exemplo, trabalhos de Mattos (2012; 2005), bem como vários de Dedecca (2014, 2010, 2015, 2007) e o recente estudo de Medeiros, Souza e Castro (2014), ainda restam intactos muitos elementos estruturais que reproduzem rendimentos desiguais e formas iníquas de apropriação da riqueza e do excedente. Em suma: somente uma melhor distribuição da riqueza poderá criar fatores estruturais que levariam a uma melhoria do per il de rendi-mentos do trabalho e outros rendimentos de que desfrutam as famí-lias em uma sociedade capitalista, conforme, aliás, alertam também os recentes trabalhos do economista Thomas Piketty32. Além disso, também uma mudança signi icativa da estrutura tributária, ao lado de uma rede inição de prioridades do gasto público (e aqui são conside-rados os gastos inanceiros e os não inanceiros), seria fundamental para efetivar e inanciar mais apropriadas políticas sociais voltadas ao combate de diferentes formas de manifestação da desigualdade na so-ciedade brasileira.

Por im, mas não menos importante, é preciso lembrar que tão cedo não deverá se repetir o cenário externo favorável como o ocorrido

31 E de um PIB que cresceu mais...32 Piketty procura colocar sempre a discussão da desigualdade sob uma perspectiva histórica e analisá-la de maneira multidimensional, procurando identi icar não apenas fatores econômicos, mas também políticos, sociais e até mesmo geopolíticos que de-terminam a evolução da distribuição da renda e da riqueza em sociedades capitalistas. As seguintes passagens de seu mais recente trabalho ilustram seus pontos de vista: “A história da distribuição da riqueza jamais deixou de ser profundamente política, o que impede sua restrição aos mecanismos puramente econômicos”. Sobre a redução da desigualdade ocorrida nos países desenvolvidos europeus (principalmente), nos anos do imediato pós-segunda guerra, seguida de novos ciclos de aumento da desigualdade, a partir dos anos 1970-80 ele assevera: “a redução da desigualdade que ocorreu nos países desenvolvidos entre 1900-1910 e entre 1950-60 foi, antes de tudo, resultado de guerras e das políticas públicas adotadas para atenuar o impacto desses choques. Da mesma forma, a reascensão da desigualdade depois dos anos 1970-1980 se deveu, em parte, às mudanças políticas ocorridas nas últimas décadas, principalmente no que tange à tributação e às inanças” (PIKETTY, 2014; p. 27).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais82

no intervalo entre 2002 e 2008, de tal maneira que é também preciso que a sociedade consiga construir um consenso político e um arco de alianças de classes sociais para rede inir um novo padrão de acumula-ção, o qual, forçosamente, deverá se apoiar na ampliação do mercado interno e em um crescimento econômico que não dependa primordial-mente do cenário internacional. A história econômica brasileira ensi-na – e isso vale também para o momento recente, que foi objeto de estudo neste capítulo – que embora o cenário externo seja importante, o que é decisivo para a trajetória da economia nacional e, em espe-cial, para a evolução do per il distributivo, é a natureza das políticas sociais e de sua inserção como elemento condutor da própria política macroeconômica – sem olvidar do importante papel desempenhado pelo salário mínimo.

De todo modo, antes de tudo é necessário que a economia retome uma trajetória de crescimento econômico sustentado. Vários estudos (CALIXTRE; BIANCARELLI; CINTRA, 2004; DEDECCA; LOPREATO, 2013; DEDECCA, 2010; BALTAR, 2015) mostraram os limites para manter uma trajetória de redução das desigualdades apoiando-se apenas em políticas de transferência de renda33. A expansão de inves-timentos é fundamental para abrir espaço para novos ciclos de expan-são da renda e também para eliminar eventuais focos de restrição is-cal, possibilitando a continuidade das políticas públicas (notadamente a política de valorização do salário mínimo e as políticas de transfe-rência de renda). Este estudo pretendeu exaltar, com base no histórico dos movimentos que geraram bons resultados no mercado de traba-lho, a necessidade de se promover uma política econômica que tenha como pilar principal medidas de retomada dos investimentos públicos e privados, como forma de: (a) pelo menos manter ou ampliar a traje-tória de crescimento que vinha sendo obtida sob o governo Lula; (b) expandir as possibilidades de gerar ganhos sistêmicos de produtivida-de; (c) fortalecer o processo de formalização do mercado de trabalho. Tais medidas de fortalecimento dos investimentos deverão nortear-se tanto por um esforço de reindustrialização do país como também por robustecer as atividades de infraestrutura econômica e a infraestrutu-ra social, conforme também defendem Dedecca e Lopreato (2013). Em primeiro lugar, deve-se destacar a necessidade de retomar medidas

33 Pior ainda, essas políticas podem até mesmo ser revertidas caso sejam implementa-das políticas macroeconômicas fundadas notadamente (ou exclusivamente) em medi-das de ajuste iscal. Os primeiros dados do desastroso início de segundo mandato de Dilma Rousseff já apontam para esta regressão.

FORMALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA 83

de recuperação consistente da produção industrial, por vários moti-vos: (a) por serem as atividades industriais aquelas que, em qualquer economia capitalista, geram os maiores ganhos de produtividade para toda a atividade econômica, tanto dentro da própria atividade manu-fatureira, mas que também se espalham para os demais setores da ati-vidade econômica; (b) as ocupações criadas nas atividades industriais estão entre as que pagam os melhores salários e, por se tratar de uma atividade com elevado grau de formalização das relações de trabalho, o crescimento industrial é fundamental para promover movimentos de estruturação do mercado de trabalho como um todo; (c) a expansão da indústria cria não apenas ganhos sistêmicos de produtividade como também alicerça ganhos de competitividade na economia, evitando fe-nômeno que tem se revelado muito presente nos últimos anos, que é o “vazamento” de demanda em favor de importações quando políticas de expansão do mercado interno são implementadas. É preciso, por-tanto, estruturar uma política industrial que promova investimentos privados, cabendo ao Estado não apenas formatar um arco de alian-ças políticas como também criar externalidades positivas, através do investimento público, para gerar ambiente favorável à expansão dos investimentos do setor privado.

Os investimentos em logística, por exemplo, além de funcionarem como redutores de custos para o setor privado (abrindo espaço para um combate à in lação de melhor qualidade, que é aquele baseado em reduções da parcela do preço inal dos produtos que se deve aos custos de produção e de transportes), geram efeitos multiplicadores sobre o emprego, por sustentarem expansão da demanda para diversos seg-mentos da atividade industrial (Lopreato e Dedecca, 2013), e também na construção civil. Os investimentos em áreas evidentemente caren-tes em termos de qualidade de serviço público, como educação, saúde e tratamento de água e esgoto, além de gerarem bem-estar para a po-pulação, também se revelam geradoras de empregos formais, dada a natureza das atividades dos complexos econômicos dos segmentos de saúde, de educação e dos chamados serviços industriais de utilidade pública (fornecimento de energia elétrica, de gás, de telefonia, acesso à internet e outras mídias etc). Ademais, há que se destacar, conforme muitos trabalhos recentes vêm demonstrando34, que o combate à desi-gualdade tem que ser feito de uma forma multidimensional.

34 Sobre uma visão multidimensional da desigualdade, ver, pelo menos: Dedecca (2014; 2009; 2007); Pochmann (2015; 2012) e Mattos (2012; 2005).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais84

De todo modo, mesmo considerando-se apenas os aspectos eco-nômicos do fenômeno da desigualdade, os investimentos em infraes-trutura social têm um potencial enorme de melhoria da distribuição de renda, dados seus impactos nos orçamentos familiares caso cres-centes parcelas da população passarem a usufruir de serviços públicos de fato fornecidos pelo Estado ao invés de terem que dispender parte relevante de seus rendimentos/salários para ter acesso aos mesmos.

A recuperação dos investimentos privados – conforme ocorreu, por exemplo, nos mandatos de Lula – responde a um ambiente de expansão do mercado interno e não a supostos efeitos gerados por medidas de recuperação da “credibilidade”, seja lá o que isso signi i-que. Uma articulação entre os investimentos públicos e investimentos privados abriria espaço para movimentos de ampliação da renda e de arrecadação de tributos, ensejando um novo ciclo de crescimento eco-nômico. Se este ciclo vier a apoiar-se nas atividades aqui defendidas, é bem provável que o mesmo seja acompanhado de uma melhoria con-sistente do per il distributivo, robustecendo o mercado interno engen-drando efeitos adicionais para o próprio dinamismo econômico, além de promover justiça social. Trata-se de um desa io enorme, que não se restringe a fatores econômicos, ainda mais porque o desenvolvimen-to econômico exige uma articulação política e um amadurecimento da sociedade que não temos visto nos últimos meses.

FORMALIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA 85

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Precariedade do Mercado de Trabalho, Proteção Social e Mobilidade de Trabalhadores:

Implicações Inquietantes do Neoliberalismo na América Latina

Fernando José Pires de Sousa1

1. Introdução

A in lexão veri icada a partir do advento do neoliberalismo eco-nômico e da globalização no processo de construção da sociedade as-salariada, durante os famosos trinta anos gloriosos do após segunda guerra, sob a égide da regulação keynesiana, tem a ligido indistinta-mente tanto as nações ricas quanto as pobres. As décadas de 1980 e 1990 experimentaram intenso processo de desmonte do Estado, seja no seu papel de promotor do desenvolvimento econômico seja na prer-rogativa de regulação do processo de acumulação do capital com vis-tas a imprimir maior equilíbrio na relação capital-trabalho com vistas a possibilitar uma evolução harmoniosa entre produção e distribuição de riqueza e, consequentemente, redução das desigualdades sociais e melhoria das condições de vida das sociedades em geral.

Sob o domínio das forças do mercado, as relações se tornaram profundamente assimétricas a favor da concorrência e, em corolário, da busca por redução de todos os tipos de barreiras e de condicio-nantes que impeçam a maximização de lucros, no âmbito da produ-ção e circulação, e de rendimentos, na esfera inanceira. A abertura de mercados, as privatizações, a mercantilização dos serviços públicos – notadamente os sociais, com o processo de desmonte dos sistemas

1 Doutor em Economia pela Université Paris XIII (2000) e Pós-doutor pela Université de Montréal-Canadá (2010). Atua como professor Associado IV da Universidade Fe-deral do Ceará, no Departamento de Teoria Econômica, no Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas (MAPP) e no Mestrado em Saúde Pública. Coordena o Projeto de Ex-tensão Observatório de Políticas Públicas (OPP). Tem experiência acadêmica em De-senvolvimento, Pobreza, Proteção Social, Mercado de Trabalho e Políticas Públicas. É membro associado do Groupe interdisciplinaire de recherche sur l’emploi, la pauvreté et la protection sociale (GIREPS) da Université de Montréal em parceria com outras universidades do Canadá.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais90

nacionais de proteção social –, a lexibilização e a desregulamentação levaram o mundo a um nível de instabilidade e vulnerabilidade con-substanciado na intensi icação das crises e suas modalidades, cujas mais emblemáticas são a econômico-social- inanceira (de 2008) e seus desdobramentos, e a ambiental, ambas de dimensões sistêmicas.

A intensidade das transformações atinge profundamente a orga-nização da produção e suas implicações em termos de reestruturações adaptativas dos mercados de trabalho se imbricam com os outros fato-res para intensi icar a precariedade social. A diferenciação se acentua nos países ricos e torna-se insustentável nos países pobres seguindo a tendência de degradação do mundo do trabalho, reforçada pelo de-semprego de longa duração, pela instabilidade e pelos contratos com tempo determinado que, assim representados, conotam um caráter estrutural. As repercussões negativas sobre a proteção social são evi-dentes, agindo de duas maneiras: sobre seu inanciamento e sobre suas despesas, os quais são afetados pela degradação da relação sala-rial, por um lado, e pelo aumento das situações a serem assistidas, por outro, cujos direitos sociais sofreu um preocupante revés.

A situação se agravou de tal maneira que se admite mudanças ra-dicais no arcabouço jurídico-legal do estado como forma de adaptação a um novo mundo, livre das amarras que impeçam a plena concorrên-cia e a busca incessante por aumentos de produtividade e de ganhos. Nesta perspectiva, procura-se substituir a normatização erigida pelo estado protetor e regulador keynesiano nos âmbitos do trabalho e da proteção social por um modelo que assuma a lexibilidade no mercado de trabalho com uma segurança social a partir de uma adaptação nego-ciada diretamente entre representações do capital e do trabalho, deno-minado de “ lexissegurança”. Ao mesmo tempo, assiste-se a uma tensão cada vez mais a litiva envolvendo a mobilidade da mão de obra, por um lado sendo massivamente restringida às fronteiras nacionais para efeitos de lexibilização e desregulamentação e, por outro, sendo obje-to de programas internacionais, localizados e setoriais, de imigração temporária como paliativo para a crise do emprego nos países centrais.

Dessa forma, este capítulo compreende, além da introdução e conclusão, três seções, onde a primeira procura analisar o avanço neo-liberal e a globalização e suas consequências para o mercado de tra-balho e a proteção social para, em seguida, na segunda, argumentar acerca da importância hoje do mercado de trabalho como um fator de ajuste para a globalização e especialmente para a proteção social. Por

Precariedade do Mercado de Trabalho, Proteção Social e Mobilidade de Trabalhadores 91

último, na terceira seção nos deteremos nas características e tendên-cias recentes do mercado de trabalho, da proteção social e da mobili-dade internacional de trabalhadores e suas implicações para a Améri-ca Latina.

2. Neoliberalismo e Globalização: Consequências Para o Mercado de Trabalho e a Proteção Social

As repercussões negativas do neoliberalismo econômico e da glo-balização no mundo do trabalho e da proteção social tornaram-se evi-dentes, indistintamente, a partir da primeira metade dos anos 1970, com a derrocada do Acordo de Bretton Woods e, no seu esteio, do abandono do sistema monetário internacional, sob a égide do câmbio ixo baseado no padrão dólar-ouro. A reforma do Estado passou a ser

uma exigência da crise capitalista instalada nos países desenvolvidos, praticamente desencadeada para todo o mundo. A di iculdade do gran-de capital em manter elevadas rentabilidade e produtividade acirrou a concorrência o que levou inexoravelmente a exigir desregulamentação e liberalização dos mercados com vistas a possibilitar a livre circula-ção, notadamente de bens, serviços e capital. Os equilíbrios internos e externos das nações inerentes à promoção do crescimento econômico e do pleno emprego todavia preservando a estabilidade monetária e o equilíbrio nas contas externas passou a ser um grande desa io frente ao câmbio lexível e ao rápido processo de mundialização do capital, sob forte dominância inanceira (CHESNAIS, 1996). A integração e in-ternacionalização dos sistemas produtivos e inanceiros e das redes de governança (CASTELL, 1999; HIRSCH, 2003; SANTOS, 2004) passaram a submeter os Estados-Nações a uma nova lógica de concorrência in-tercapitalista que impunham o estado mínimo com vistas a minimi-zar custos, em particular os com transações e com o gerenciamento da força de trabalho. A partir daí passou-se a conviver com situações de instabilidade, com crises econômicas cada vez mais frequentes e profundas, setoriais (NASDAQ, por exemplo), semissistêmicas e sistê-micas – décadas de 1990 e de 2000, nos países em desenvolvimento e depois nos desenvolvidos e no mundo capitalista em geral, com a crise americana de 2008 e suas repercussões na Europa e no resto do pla-neta – como ainda crises ecológica, alimentar etc. (FOSTER; MAGDOFF, 2009; ROUBINI; MIHM, 2010; CHESNAIS, 2008, HOUTART, 2011).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais92

Os mundos do trabalho e da proteção social foram atingidos de forma estrutural com o aumento da precariedade, da escassez de em-pregos estáveis e de tempo integral em razão do avanço dos contratos de curta duração e de tempo parcial, do intenso processo de subcon-tratação e terceirização afetando o trabalho assalariado, a relação sa-larial e a base de inanciamento dos sistemas nacionais de proteção social baseada na cotização. Convive-se com o espectro do desempre-go, subemprego, informalidade, rotatividade de postos de trabalho, segmentação categorial, demográ ica, de gênero e seletividade do em-prego em termos de quali icação.

Isto tudo exerce forte implicação na cobertura dos bene ícios dos trabalhadores com capacidade de cotização, ou seja, àqueles que apor-tam recursos sob a modalidade contributiva à seguridade social. Para se ter ideia, no inal do século passado e início do atual a média de cobertura de 16 países da América Latina só alcançava cerca de 38% das pessoas ocupadas e se veri icava diminuição desta, seja relativa à área (urbana ou rural), o setor (mercado formal ou informal), o sexo e o tipo de inserção (trabalhadores do setor público e privado e por con-ta própria). Vide Tabela 1 e Grá ico 1 a seguir (CEPAL, 2006, p. 45, 52).

Precariedade do Mercado de Trabalho, Proteção Social e Mobilidade de Trabalhadores 93

Nota: Las variables utilizadas para la de inición del aporte a la seguridad social varían en función de las encuestas de cada país: aporte o a iliación a un sistema de pensiones (Argentina, Bolivia, Brasil, Chile, Colombia, México, Paraguay, Perú, Uruguay), a un sistema nacional de seguro social (Costa Rica, Ecuador, El Salvador, Guatemala, Nica-ragua, Panamá), derecho a prestaciones sociales (República Bolivariana de Venezuela) y trabajo con contrato irmado (República Dominicana).

a) Sector formal: asalariados del sector público y de empresas con más de cinco em-pleados, trabajadores por cuenta propia, profesionales y técnicos, y dueños de empre-sas de cinco empleados o más.

b) Sector informal asalariado: asalariados de empresas con menos de cinco emplea-dos e integrantes del servicio doméstico.

c) Sector informal no asalariado: trabajadores por cuenta propia no profesionales o técnicos, familiares no remunerados y dueños de empresas con menos de cinco em-pleados.

d) La tasa corresponde al aporte a la seguridad social de los asalariados, excluídos los trabajadores por cuenta propia, los familiares no remunerados y los dueños de empresas.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais94

Nota: La elección de países y muestras responde a la disponibilidad de encuestas de hogares y variables comparables entre ambos períodos. Los países incluidos son Ar-gentina (Gran Buenos Aires, 1990-2002), Bolivia (ocho ciudades principales, 1989-2002), Brasil (1990-2001), Chile (1990-2003), Costa Rica (1990-2002), Ecuador (urbano, 1990-2002), El Salvador (1995-2001), México (1989-2002), y Nicaragua (1993-2001).

Este quadro que se abate sobre o mercado de trabalho repercu-te tanto no inanciamento quanto nas despesas referentes às políticas sociais. Por um lado, a base inanceira é minada pelo efeito sobre a redução da massa salarial (produto da quantidade de emprego pelo nível médio salarial), principal fonte dos sistemas fundados nas con-tribuições sobre os salários. Geralmente, a proteção social é inanciada por contribuições sobre a folha salarial e mesmo as receitas de origem iscal sofrem efeitos negativos no longo prazo, afetando os sistemas

cujo inanciamento depende, em grande medida, da arrecadação de impostos. Por outro lado, as pressões sobre as despesas representam a face perversa da polarização social, pois sobre os sistemas de proteção social pesam os encargos de acolher a vulnerabilidade crescente dos grupos menos favorecidos da população. O aumento dos desemprega-dos e dos subempregados (a maioria no mercado informal), ou seja, do contingente de não contribuintes, pressiona os gastos da seguridade

Precariedade do Mercado de Trabalho, Proteção Social e Mobilidade de Trabalhadores 95

social através do direito ao salário desemprego, à saúde e à educação públicas e outros bene ícios previstos pela previdência social. Vale sa-lientar que a situação se complica à medida que se torna di ícil aumen-tar as receitas em razão da resistência dos contribuintes (empregado-res e trabalhadores) à redução do poder de compra e dos lucros pela via do aumento das contribuições ou dos impostos, como também pela resistência à eliminação ou redução de bene ícios.

Em suma, mesmo frente a uma certa recuperação econômica dos países latino-americanos com repercussões positivas no emprego ve-ri icada no interregno entre as crises mais recentes (notadamente de 2004 até às consequências da grave crise de 2008), o que se observa é novamente o prenúncio de crescimentos pí ios e aprofundamento de constrangimentos internos e externos com continuidade do processo de precarização social, como veremos mais adiante.

3. Mercado de Trabalho: Variável de Ajuste Para a Globalização e a Proteção Social2

O processo de avanço das forças do mercado e da concorrência desencadeou uma luta ideológica com o propósito de rebaixar os cus-tos do trabalho e sociais com implicação na redução dos gastos estatais para equilibrar as contas públicas e mesmo gerar superávits iscais, cujo alvo predileto passou a ser a eliminação de direitos sociais, deses-truturando simultaneamente os aparatos de proteção social. Reformas nos sistemas de previdência social e de saúde foram implementadas nos países desenvolvidos e disseminadas para as demais nações. Nes-se sentido, a estruturação dos fundos de pensão se constituiu em ins-trumento essencial para acentuar a mundialização inanceira.

O interesse pelo capital inanceiro disponibilizado de forma ex-cepcional pelas reformas dos sistemas nacionais de previdência social por meio da eliminação ou redução ao máximo possível dos regimes de repartição em proveito dos de capitalização constituiu fator pre-ponderante para o processo de mundialização inanceira. A corrida internacional desencadeada pelos países centrais em busca de aplica-ções rentáveis, de baixo risco e de elevada liquidez forçou a implemen-tação de tais reformas, de preferência estruturais, e a abertura, assim 2 Boa parte deste tópico está desenvolvida em Sousa (2006).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais96

como a desregulamentação e a lexibilização do mercado de capitais alimentaram a ciranda inanceira e a especulação em escala global.

No mais, deve-se considerar que a evolução signi icativa da esfe-ra inanceira se caracteriza por sua expressiva autonomia face à pro-dução e principalmente por reduzir a capacidade de intervenção das autoridades monetárias. Ao mesmo tempo, grandes investidores inter-nacionais passaram a dominar tal processo a ponto de decidirem so-bre quais agentes econômicos, países e tipos de transações poderiam integrar-se a este. En im, isso signi icou uma forte submissão dos paí-ses, notadamente dos não desenvolvidos que, sob a égide neoliberal comandada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial, sofreram forte e rápida desregulamentação dos seus mer-cados inanceiros, cuja fragilidade põe em risco suas economias, com probabilidades recorrentes de crises inanceiras, as quais, no caso de propagação, podem assumir uma dimensão de risco sistêmico (CHES-NAIS, 1996; AGLIETTA, 1998).

Pelo visto, todo esse processo permite adjudicar ao mercado de trabalho um papel singular, como condicionante, tanto para a globali-zação em si quanto para a proteção social. O mercado de trabalho apre-senta características peculiares, pois enquanto os outros mercados (de matérias-primas, componentes, bens de capital, tecnologia, produtos, serviços e capital) tendem a se liberar em escala planetária, num movi-mento intenso de âmbito global, sempre à busca de redução dos custos de produção e de elevadas rentabilidades, a liberalização do mercado de trabalho visa promover uma maior mobilidade da mão-de-obra in-ternamente, ou seja, circunscrito aos limites dos Estados-Nações.

Este mercado não se globaliza à moda dos demais em razão no-tadamente da crise do emprego que afeta os países socialmente, o que demanda medidas rigorosas de proteção interna em relação à “con-corrência externa” inerente às pressões dos luxos migratórios. Ora, impede-se massivamente a livre mobilidade de trabalhadores interna-cionalmente, porém, se aplicam, intranacionalmente, as determinações imanentes da necessidade de expansão do capital no rumo da globali-zação. Neste sentido, a força de trabalho não seria “excluída” da lógica inerente ao processo de globalização pelo fato da restrição de mobili-dade que lhe é imposta, ao contrário, ela passa a constituir fator basilar.

Efetivamente, isto se veri ica pelo menos em relação a quatro as-pectos. Em primeiro lugar, a intensi icação da concorrência capitalista exige cada vez mais a redução dos custos do trabalho que é viabili-

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zada por meio de um processo de desregulamentação que visa elimi-nar os entraves à mobilidade interna (em níveis nacionais) da força de trabalho. Em segundo, esta mesma concorrência se beneficia de tal processo e procura aliviar o peso social – e o risco do aprofundamento da crise do emprego – do desemprego (formal) estrutural provocado pelo progresso técnico pela via compensatória da absorção de uma mão de obra que se acumula num mercado de trabalho em nítida ten-dência de precariedade. Em terceiro, a precariedade se traduz em eli-minação de direitos trabalhistas e sociais, reduzindo os custos direto e indireto do trabalho (estes, pela via da redução dos encargos sociais). Em quarto, atinge a luta sindical, enfraquecendo-a como decorrência da própria degradação do mercado de trabalho, reduzindo, portanto, a capacidade de organização e mobilização e, consequentemente, o po-der de pressão do trabalho sobre o capital.

Veri ica-se, assim, que a mesma lógica que desemprega, reduzin-do o “emprego caro”, como resultado da exacerbação da concorrên-cia e do progresso técnico, procura compensar esse desemprego pela absorção do “emprego barato”, pelas vias dos contratos de duração determinada, do tempo parcial, da terceirização e da informalidade. Desta forma, o processo de globalização se intensi ica, pois setores produtivos intensivos em mão-de-obra se internacionalizam. Buscam mercados de trabalho abundantes, desregulados e precários em países cujos estados foram “enxugados” em termos de regulação e controle, mas ampliados, expandidos no que diz respeito a políticas generosas de concessão de bené icos iscais, de infraestrutura e vantagens de toda ordem visando atrair empresas.

O Estado desempenha, portanto, um papel crucial na promoção da desregulamentação jurídico/legal do mercado de trabalho e nos limites impostos à mobilidade da força de trabalho entre os países3. Entretanto, são nos países menos desenvolvidos que o Estado não tem encontrado grandes resistências por parte das forças de oposi-

3 Vale aqui uma ressalva: os argumentos referidos não perdem a substância pelo fato de que as próprias limitações impostas aos mercados de trabalho nos países desenvolvidos tenham levado mais recentemente a “acordos” internacionais entre governos de países ricos e pobres, intermediados por agências de recrutamento de mão-de-obra, para a promoção de imigração temporária para setores específi cos com carência de trabalhadores. Isto é uma evidência cabal da crise do sistema do capital que força os Estados-Nações desenvolvidos a impedir a imigração maciça e de caráter permanente ao mesmo tempo em que admite a “importação” de mão de obra para salvar setores vulneráveis internamente. Não há nada de paradoxal ou de ambíguo nestes fenômenos, na realidade são duas faces de uma mesma moeda, cuja análise aprofundaremos na próxima seção.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais98

ção (partidos, movimentos sociais, sindicatos etc.), o que abre espaço para a aprovação de reformas liberalizantes, preconizadas pelos orga-nismos internacionais, que visam minimizar a própria regulação do Estado e de seu aparato de proteção social. Nesse sentido, as reformas nos campos do trabalho, sindical e previdenciário desempenham pa-pel crucial na promoção da referida desregulamentação. Por um lado, abre-se espaço para a expansão do capital via redução do custo do trabalho e maior exploração da força de trabalho, como também para o avanço da produção e mercantilização de bens e serviços sociais. Por outro, prioriza-se a recomposição das contas públicas nacionais, exigida pelo grande capital e pelos Estados-Nações “centrais”, como garantia de contratos e de compromissos inanceiros internacionais, bem como para atender às exigências do capital rentista que, em al-guns países, como emblematicamente no caso brasileiro, compromete grande proporção da poupança nacional com o pagamento dos encar-gos da dívida interna.

4. Características e Tendências Recentes do Mercado de Trabalho, da Proteção Social e da Mobilidade de Trabalhadores

A impossibilidade estrutural imposta à construção de sistemas de proteção social de caráter universal na América Latina, contrariamen-te ao observado nos países europeus, reside no fato do semi-assalaria-mento da força de trabalho desta Região (Sousa, 2010). Isto é evidente, uma vez que foi sob a égide do “pleno emprego”, que vigorou durante os trinta anos gloriosos do capitalismo, após a Segunda Guerra mun-dial, que se logrou construir as sociedades assalariadas nos países de-senvolvidos e, a partir delas e para elas, os estados de bem-estar social. No Continente latino-americano isso não se veri icou, haja vista que a persistência de um mercado informal que se equipara e até supe-ra em magnitude o mercado formal de trabalho sempre se constituiu em obstáculo estrutural para a garantia de direitos sociais para todos. Ademais, o que se construiu em termos de proteção social não foi mais do que um per il de bene ícios que retrata, ou seja, que resulta da pro-funda desigualdade de renda e salários existente nos países da Região (SOUSA, 2010). Portanto, sistemas públicos de proteção social pobres, se considerarmos que a grande maioria das prestações são muito bai-

Precariedade do Mercado de Trabalho, Proteção Social e Mobilidade de Trabalhadores 99

xas e a oferta de serviços de saúde, educação, segurança etc., deixam muito a desejar.

O mais intrigante disso tudo é que não se pode mais esperar que a constituição de “sociedades assalariadas” na América Latina consti-tua fator basilar para a edi icação dos sistemas nacionais de proteção social, mesmo frente a taxas elevadas de crescimento econômico pre-sentes em alguns países, como se observou em alguns anos que prece-deram a crise de 2008. Isto decorre do fato já descrito anteriormente, vinculado à crise que se abate sobre o mercado de trabalho, com a pre-dominância da precariedade do emprego e, principalmente, frente à constatação do desemprego estrutural, resultante da busca incessante da produtividade do trabalho.

O crescimento econômico não é mais garantia de absorção formal da força de trabalho no ritmo necessário para se alcançar uma situa-ção de “pleno emprego” da população economicamente ativa. Além disso, se a taxa de investimentos não cresce su icientemente para gerar empregos – o que é provável, em razão do processo crescente de inanceirização –, o crescimento da produtividade do trabalho ter-mina por provocar a supressão de postos de trabalho na indústria e em certos ramos dos serviços que empregam tecnologias modernas. Como consequência, têm-se aumentos do desemprego e da exclusão, simultaneamente ao incremento de ocupações em atividades relativas à economia informal4.

Desta forma, como reconhece a Comissão Econômica para a América Latina (2006), a persistência da pobreza e da desigualdade na distribuição de renda tem levado os países a adotarem políticas compensatórias, cuja tendência é conceder um caráter estável às polí-ticas focalizadas, superpostas às políticas setoriais existentes5. Nesse 4 Pode-se, inclusive, interpretar a hipertro ia da esfera inanceira como parte de uma regulação do sistema capitalista, conduzida por grupos industriais e inanceiros que visam preservar posições conquistadas, mais do que precisamente gerar novas capa-cidades produtivas (CHESNAIS, 1996).5 Portanto, de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina (2006, p. 155): “La diversidad de los programas sociales que se ejecutan en la región re leja el carácter multidimensional de la pobreza; esta queda se mani iesta em la amplia gama de obje-tivos y líneas de acción de los programas que se presentan en el cuadro. El primer tipo de programas presentados, clasi icados como ‘bene icios sociales’, representan por lo general la mayor parte deles fuerzo de los países por paliar los efectos de la pobreza mediante transferências monetarias, programas de vivienda social y programas de ali-mentos. Por otra parte, los programas excepcionales de transferencias a lãs familias pobres, agrupados bajo la categoría de ‘gestión de riesgos sociales y vulnerabilidad’, prestan asistencia compensatoria de emergencia a los desprotegidos. Em algunos ca-

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sentido, pode-se considerar que o advento de governos progressistas na América Latina, que ideológica e institucionalmente assumem uma postura de repulsa ao neoliberalismo, tem contribuído para redire-cionar os sistemas de proteção social cuja tendência prioriza o que a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) denomina de “equidade coletiva”. Isto signi ica reforçar a assistência social (e trans-ferências diretas), portanto convergindo o inanciamento para fontes de origem iscal (onde o imposto inancia o bene ício), em detrimento à “equidade individual”, cujo inanciamento vincula as contribuições (cotizações) aos bene ícios (COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRI-CA LATINA, 2006, p. 41-42).

Vale salientar, todavia, que a referida tendência não pode ser creditada apenas a uma convicção ideológica de compromisso com a promoção da cidadania social e mesmo como estratégia de imple-mentação do socialismo em alguns países, mas sim uma imposição do processo de acumulação do capital, sob a égide do neoliberalismo e da globalização. Isso se veri ica, por um lado, em virtude de esse processo minar as bases de inanciamento fundadas na contribuição cuja fonte é o emprego formal. Por outro, retrata, ironicamente, o não abandono e mesmo o reforço da estratégia neoliberal de ajuste macroeconômico preconizada para as economias da Região, com forte viés relativo ao papel do estado visando à desestruturação dos sistemas nacionais de proteção social. Isto signi ica mudar o enfoque de uma proteção so-cial guiada por princípios universalistas e de equidade social para uma (des) proteção social fundada na focalização da pobreza e de grupos socialmente vulneráveis da população.

Em termos paradigmáticos, a própria CEPAL, ciente das condi-cionantes impostas pela lógica e a dinâmica do capital globalizado ao mercado de trabalho ressalta como saída à segurança da renda e ao aprofundamento da precariedade do emprego e social o modelo da lexisegurança, experimentado na Dinamarca e objeto de debate so-

sos los programas responden a lãs necesidades y características especí icas de ciertos grupos de población como los jóvenes, los discapacitados, grupos étnicos y otros. Los programas públicos com orientación productiva y de empleo tienen como objetivo potenciar la capacidad productiva de los sectores más pobres mediante actividades de habilitación laboral y capacitación, propuestas de proyectos productivos y mejoras de acceso al crédito y microcrédito. Por último, el comienzo de los años noventa estuvo caracterizado por un conjunto de programas de orientación comunitaria y fondos de inversión social, en los que se daba prioridad a la participación de las comunidades em el proceso de mejoramiento de sus propias condiciones de vida. Todos ello sestán orientados al mejoramiento de las capacidades individuales y colectivas, mediante el desarrollo del capital social y de la capacidad local de gestión”.

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bre reformas no campo trabalhista na União Europeia. É o denomina-do “triângulo de ouro” que procura combinar “mercado de trabalho lexível, segurança social e políticas ativas do mercado de trabalho”6,

(COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA, 2009, p. 8) o que constitui:

Os três pilares da institucionalidade trabalhista, isto é, as regula-ções das relações individuais e coletivas de trabalho, a proteção contra o desemprego e as políticas ativas do mercado de traba-lho, também desempenham [ao lado do crescimento econômi-co] um papel fundamental, dado que in luem na dinâmica e nas características da oferta de trabalho, na quantidade e qualidade dos postos de trabalho gerados e na e iciência dos processos de busca de emprego e contratação, assim como nas condições e perspectivas das pessoas que icam sem emprego (COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA, 2009, p.8, 21).

Embora esta instituição reconheça que modelos aplicáveis a reali-dades socioeconômicas bem diferentes di icilmente teriam sucesso no contexto latino-americano, assinala:

A necessidade de adaptar a institucionalidade trabalhista a um novo contexto econômico e social, mais dinâmico e cambiante, a obtenção de uma adaptação negociada para que a nova insti-tucionalidade seja sustentável no tempo, a importância de uma visão integrada que perceba os diferentes componentes da ins-titucionalidade como complementares e a inserção da institu-cionalidade trabalhista numa estratégia de desenvolvimento no longo prazo (COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATI-NA, 2009, p. 13).

Ora, mesmo tendo havido progresso em termos de indicadores do mercado de trabalho da região a partir de 2004, quando se veri icou um crescimento econômico signi icativo e a geração de emprego7, no-tadamente até à crise de 2008, as condições relativas principalmente

6 Na sua versão ampliada, ao considerar também o pilar formação pro issional contí-nua, passa a ser denominado de “quadrilátero de ouro”.7 Houve melhoras nas taxas de ocupação, desemprego e produtividade, crescimen-to do emprego assalariado formal e redução da pobreza, mas apenas com um leve crescimento nos salários do setor formal, acompanhados de relações contratuais mais instáveis (COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA, 2009). Entretanto, esta tendência parece que não se sustentará, já que estes indicadores mostram perda de dinamismo com o fraco crescimento econômico recente, desde 2012 (COMISSÃO ECO-NÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA, 2014b).

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no que diz respeito à persistência da elevada informalidade do em-prego, da qualidade do emprego gerado, das taxas de desemprego e subemprego que continuam elevadas, da heterogeneidade do merca-do de trabalho, do enfraquecimento das relações de trabalho coletivas – embora recentemente a lexibilização tenha ocorrido de forma mais moderada e até, para alguns países, tenham sido introduzidas medidas de maior proteção dos trabalhadores – da fraca proteção social e atua-ção sindical descredenciam a aplicação de um tal modelo na América Latina. Mas sua inviabilidade aqui se acentua em razão do fato de que a sustentação do paradigma dinamarquês é assegurada por este ser edi icado em um elevado gasto iscal garantido por uma das mais altas cargas tributárias do planeta, que permite um elevadíssimo e prolon-gado seguro-desemprego e proteção da renda, fortes subsídios para apoiar a reinserção laboral, um arranjo institucional de cuidados às camadas vulneráveis da população (crianças, idosos, inválidos etc., li-berando as mulheres para o mercado de trabalho), altas taxas de sin-dicalização e forte negociação coletiva, tudo isso vinculado a uma es-tratégia de crescimento e desenvolvimento no longo prazo. Portanto, questões de toda a ordem condicionariam a implementação de nos-sa lexisegurança: econômica, institucional, social, cultural e política. Além disso, tal modelo ao mesmo tempo em que pressupõe um estado máximo na sua promoção, organização, normatização e inanciamento também pressupõe um estado mínimo na regulação legal capital-tra-balho, o que evidentemente tanto uma condição como a outra ainda estão longe de serem veri icadas nos países da América Latina.

De qualquer forma, para uma melhor quali icação deste debate vale aqui retomar a análise feita anteriormente acerca dos condicio-nantes histórico-estruturais que moldam os mercados de trabalho e, corolariamente, em grande medida, os sistemas de proteção social da América Latina. Em efeito, a “dualidade” relativa aos primeiros – di-vididos quase igualmente entre a formalidade e a informalidade do emprego – se reproduz nos segundos, ou seja, em uma proteção social também dual, pública e “gratuita” para os pobres, situados na base da pirâmide ocupacional, e privada e paga para as classes médias e ri-cas, via planos de saúde, fundos de pensão etc. É mais emblemático apreender ainda que no âmbito desta dualidade existe uma marcante heterogeneidade, seja no próprio setor informal de trabalho quanto no formal, o mesmo se veri icando em termos de desregulamentação e lexibilização das relações de trabalho. Portanto, tais características retratam muito mais uma condição de “ lexidessegurança”, haja vista que combinamos um mercado de trabalho lexível com baixa seguran-

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ça social e fracas políticas ativas do mercado de trabalho, o que con-traria justamente os três pilares da institucionalidade trabalhista do referido “triângulo de ouro” do paradigma da lexissegurança.

De fato, em termos de proteção no caso de desemprego, são ve-ri icadas na América Latina duas características: vários instrumentos, frequentemente sobrepostos e com pouca relação entre si, e uma e i-cácia parcial para assegurar bene ícios que compensem a perda do salário e que apoiem a reinserção laboral dos desempregados (COMIS-SÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA, 2014a). Assim, como a única fonte de renda para mais de 70% dos trabalhadores é seu tra-balho, no caso de perda do emprego e sem mecanismos de proteção adequada, estes últimos se encontram numa posição de alta vulnera-bilidade. A região apresenta uma elevada rotatividade de mão de obra, concentra empregos de curta duração e passar para a inatividade e para empregos informais debilita a capacidade de luta coletiva para a reinserção no emprego (COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA, 2014a). En im, “[...] para un grupo importante de trabajado-res de América Latina, enfrentar la pérdida de um empleo, sin contar conprotección o ayuda de terceros, es un shock catastró ico que pone em riesgo el estándar de vida de los hogares y que eleva la probabili-dad de transitar a la pobreza” (COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉ-RICA LATINA, 2014a, p. 9).

Um último aspecto a destacar frente às referidas fragilidades do mercado de trabalho e à precariedade em termos de emprego dos seg-mentos sociais mais vulneráveis da América Latina e dos países po-bres consiste no fenômeno envolvendo a questão migratória na bus-ca por uma ocupação remunerada, mesmo que de caráter sazonal ou temporário. Mesmo considerando que este luxo é antigo, envolvendo principalmente emigrações para exercer atividades de cuidados de idosos e doentes e trabalhos domésticos, havia sempre a perspecti-va de se obter residência permanente e título de cidadania no país de destino e, no geral, não havia entidades internacionais de agencia-mento e locação de mão de obra que tratavam diretamente com os go-vernos interessados. Nos últimos anos, frente à questão demográ ica, com o rápido processo de envelhecimento populacional notadamente nos países desenvolvidos, a carência de mão de obra relativamente jo-vem e apta ao trabalho em atividades sazonais e de baixa quali icação compromete a produção e o desempenho de segmentos importantes da economia. Ressalte-se que o próprio nível educacional alcançado nestes países, de elevada quali icação, tem contribuído também para a não ocupação de residentes nessas categorias de atividades.

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Aqui vale ir mais além nesta discussão, essencialmente no que concerne ao que se passou a vislumbrar em termos de divisão interna-cional de trabalho, dado o progresso da ciência, o consequente avanço tecnológico e aumentos de produtividade, aliados a fatores mais ine-rentes à globalização, como a qualidade e rapidez das comunicações e dos transportes barateando os custos de transações, a promoção do livre comércio facilitado pela abertura dos mercados graças à redução de barreiras alfandegárias, da desregulamentação e lexibilização e a consequente redução dos custos do trabalho, como analisado em se-ção anterior. Nesta perspectiva, aos países desenvolvidos caberia a es-pecialização em atividades de serviços de elevado padrão, intensivas no trabalho intelectual de alto nível, enquanto aos demais países esta-ria reservado a “transferência” da produção em massa de bens tangí-veis, em outros termos, da manufatura, das atividades industriais. Ora, a crise de 2008 e, no seu esteio, a precarização do trabalho nos países desenvolvidos abortaram ou pelo menos frearam este processo.

Neste sentido, o Canadá é emblemático, dentre outros países, por ter que “importar” mão-de-obra temporária para atividades que de-mandam baixa quali icação e até, mais recentemente, para segmentos de média e alta formação pro issional, ao mesmo tempo em que “forço-samente” tem que preservar sua base manufatureira como reserva de emprego para sua força de trabalho. Em efeito, existem programas go-vernamentais canadenses de imigração temporária de mão-de-obra das Filipinas, da Guatemala e do México, vinculados a estratégias de gestão transnacional de empresas para setores e atividades agroindustriais, domésticas, construção civil e restauração, exploração mineral e ser-viços. Mais recentemente são contemplados também segmentos mais quali icados como montadores de linha e operadores e técnicos para os campos da eletrônica, eletricidade e telecomunicações (SOUSSI, 2014).

Certamente, estas estratégias, com a conivência e acordos envol-vendo governos de países desenvolvidos e países pobres intermedia-dos por agências privadas internacionais de recrutamento de pessoal– que em geral são seus empregadores e não as empresas nas quais são alocados (LESEMANN, 2014) – não retratam nada menos do que a crise que se estende a todos as áreas, dentre as quais uma das mais afetadas é a do mundo do trabalho. Estas iniciativas aprofundam a pre-cariedade e criam situações de tensão e discriminação, entre setores legalmente organizados e os não organizados do mercado de trabalho, ao envolver questões relativas aos encargos e direitos sociais e traba-lhistas e a atuação sindical e da proteção social.

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Os emigrantes temporários passam a trabalhar em setores de baixa remuneração, pouco valorizados socialmente, sob relações de trabalho precárias, sem acesso aos direitos sociais e trabalhistas e sem possibilidade de naturalização. Além disso, as consequências são preocupantes em termos de redução da remuneração do trabalho nos países de destino e o decorrente enfraquecimento da relação salarial (SOUSSI, 2014). Já para os países de origem, exportadores dessa mão de obra, tem-se a oportunidade de uma fonte de renda signi icativa pelo envio de recursos dos emigrados para suas famílias, ao ponto de se constituírem na segunda fonte de renda para o México, depois do petróleo, e a primeira para países da América central e também no caso das Filipinas (LESEMANN, 2014).

5. Conclusão

Analisou-se neste trabalho que o processo de globalização das es-feras da produção, da circulação e das inanças, sob a égide neoliberal, gerou os fenômenos do desemprego de longa duração e do emprego de duração determinada que, ao lado da “dualidade” do mercado de trabalho marcado por signi icativo setor informal, da heterogeneida-de que lhe é inerente, e da elevada rotatividade do emprego, têm sido importantes para intensi icar a concorrência, a produtividade e a ma-ximização de lucros e ganhos inanceiros.

Com esse processo tem-se o aumento da precariedade nos mun-dos do trabalho e da proteção social, o que contribui para reduzir o poder do movimento sindical e tornar mais di ícil reverter tal situação. Em especial, contrapor-se à tendência geral de degradação da relação salarial e, por extensão, do emprego e do inanciamento da proteção social, com sérias repercussões em termos de garantia das condições sociais de vida da população em geral.

Na trama que envolve a globalização, a exacerbação das inanças em escala mundial, a autonomia dos Estados-Nações8 e a manutenção

8 A questão da autonomia é enfatizada pela perda de soberania dos Estados em ra-zão da internacionalização da produção e a formação de redes e estruturas de “go-vernância”. Nesse sentido, Hirsch (2003, p.15) assinala: “El lugar del Estado soberano lo asumirían progresivamente redes, estructuras de ‘gobernancia’ (‘governance’) o ‘regímenes’complejos; la regulación social jerárquico-burocrática se veria sustituida cada vez más por ‘sistemas de negociación’ horizontales entre actores estatales y múl-tiples actores no estatales. Estas transformaciones no solo afectarían las relaciones intraestatales, también se expresarían en el peso progresivo de organizaciones y redes políticas internacionales y supranacionales.”

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dos direitos, serviços e bene ícios sociais, o mercado de trabalho assu-me grande relevância. Em efeito, a busca pela conquista de mercados globais em razão da concorrência intercapitalista exige a eliminação de regulamentos e direitos com vistas a baratear a força de trabalho e con-ferir-lhe máxima mobilidade, principalmente nos âmbitos nacionais.

Nesse aspecto, e como fenômeno que faz parte de uma mesma lógica de exclusão, veri ica-se nos últimos anos os governos das nações desenvolvidas implementando programas de imigração temporária para atender a carência de mão de obra setorial por meio de agências de recrutamento internacionais. Este gerenciamento da mobilidade da força de trabalho internacionalmente contribui para a exacerba-ção da precariedade social, pressionando para baixo os rendimentos do trabalho nos países de destino e para a fragilização do aparato de proteção social com repercussões negativas nos fundamentos da re-lação salarial. Para os países pobres, exportadores dos contingentes de trabalhadores, mesmo ao se considerar a vantagem da signi icativa entrada de recursos pelo envio de dinheiro para os familiares e a pos-sível redução das pressões internas sobre o mercado de trabalho, em termos estruturais os problemas permanecem ou até se exacerbam, considerando que esta imigração é conjuntural, portanto não é de ca-ráter permanente. Além da falta de segurança social e legal envolven-do estas relações de trabalho, após o término do contrato estes tra-balhadores retornam aos seus países de origem certamente em uma condição pior e, portanto, submetidos a uma maior vulnerabilidade frente ao processo de degradação e precarização social.

Finalmente, vale ressaltar a discussão empreendida acerca do paradigma da “ lexissegurança”, como alternativa ou possivelmente a única via permitida pelo estágio atual de avanço das forças do merca-do e a desestruturação que promoveu no mundo do trabalho e no es-tado providência dos países desenvolvidos, em particular os da união europeia. Enquanto nestes ainda persiste uma base de sustentação iscal graças a pujança do assalariamento da força de trabalho, o que

permitiria combinar “mercado de trabalho lexível, segurança social e políticas ativas do mercado de trabalho”, como os três pilares da ins-titucionalidade trabalhista, isto não seria possível na conjuntura lati-no-americana, dadas as fragilidades da nossa sociedade assalariada, assentada em limitações e vulnerabilidades de toda ordem, especial-mente: iscal e inanceira, econômica, institucional e política.

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Terceirização e relações de trabalho

José Dari Krein1 Marilane Teixeira2

1. Introdução3

A persistência e ampliação de formas de trabalho precário são características do capitalismo contemporâneo, presentes em prati-camente todos os países. A sua amplitude e dimensão podem variar de acordo com as formas de organização dos sistemas produtivos e o grau de regulação pública, de proteção social, de liberdade e organiza-ção sindical e de espaços de diálogo existentes em cada país.

O trabalho terceirizado se insere entre as diversas formas de de i-nição de trabalho precário. Entre todas, possivelmente é a modalidade mais perversa, uma vez que um dos seus aspectos, mas não único, seja o da lexibilidade e maior liberdade para a empresa gerir a força de trabalho necessária para viabilizar o processo de produção de bens e serviços. A sua consequência, em geral, é gerar insegurança e medo aos trabalhadores e maior precariedade nas relações de trabalho. Ela expressa as caraterísticas de uma economia mais desregulamentada, internacionalizada e inanceirizada.

No caso brasileiro, apesar dos limites formais existentes com as interpretações judiciais – especialmente pelo enunciado 331/1993 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) (BIAVACHI; TEIXEIRA, 2015) –, a terceirização avançou fortemente nos anos recentes, como mostram as pesquisas e os dados que seguem. Apesar das di iculdades em men-surá-la com as pesquisas disponíveis e de sua crescente complexida-

1 Professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do CESIT (Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho), ex-presidente da ABET (Associa-ção Brasileira de Estudos do Trabalho). O texto faz parte do projeto temático da FAPESP (2012/20408-1).2 Economista, pesquisadora e doutoranda do IE/UNICAMP3 O presente capítulo é uma atualização e complementação da re lexão desenvolvida na tese de doutoramento de José Dari Krein (2013).

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de, é possível a irmar que a terceirização se constituiu atualmente na principal forma de lexibilização da contratação.

Desde os anos de 1990 se encontram no Congresso vários pro-jetos que dispõem sobre a terceirização; entretanto, apenas um deles tramitou durante esses anos: trata-se do PL 4330, agora PLC30/154, atualmente em tramitação no Senado Federal. Esse projeto apresenta-do, em 2004, na Câmara Federal amplia a terceirização para todas as atividades da empresa e de ine que a prestação de serviços poderá ser executada por pessoas jurídicas, empresas especializadas, microem-preendedores individuais, cooperativas, organizações não governa-mentais, entre outras. Desde o início de sua tramitação o movimento sindical, conjuntamente com entidades do direito do trabalho, vem obstruindo o seu andamento, com o propósito de retirá-lo de pauta. Depois de 11 anos, com uma margem muito pequena de votos favo-ráveis, o projeto foi aprovado em abril de 2015 na Câmara Federal e seguiu para o Senado para ser apreciado.

Os seus efeitos são destacados nas pesquisas acadêmicas e se ex-pressam também nos artigos do presente dossiê. A questão fundamen-tal não é o estabelecimento de direitos para os terceirizados, que estão assegurados pelo atual arcabouço legal institucional, mas permitir que os trabalhadores possam estar submetidos a essa forma lexível e pre-carizada de contratação. Além disso, permite a compra e venda de for-ça de trabalho, por meio de empresas “especializadas”, o que signi ica voltar a uma situação pré-1930.

A questão nova, em 2015, foi a forte reação da sociedade, por meio das manifestações e redes sociais, ao projeto da PL 4330 (agora PLC30/2015), o que provocou mudanças de posição de muitos parla-mentares e centrais sindicais. O fundamental é destacar que é um tema sensível na sociedade, pois as pessoas convivem com a terceirização e conhecem as suas consequências para a vida de quem trabalha. Ou seja, a rejeição está relacionada aos efeitos nefastos que ela signi ica para a maioria das pessoas, como está demonstrado em artigos da pre-sente coletânea.

O presente capítulo pretende contribuir no debate, discutindo as formas distintas de manifestação da terceirização nos diversos segmentos econômicos: desde a subcontratação de uma rede de for-4 O projeto n. 4330 de autoria do Deputado Sandro Mabel foi aprovado na Câmara Fe-deral em abril de 2015 com emendas e seguiu para o Senado com o número PLC 30/15, para maiores detalhes consultar http://www.sengers.org.br/site/noticias/1777/ter-ceirizacao-segue-como-plc-302015-para-tramitacao-no-senado.

Terceirização e relações de trabalho 111

necedores com produção independente, passando pela contratação de empresas especializadas de prestação de serviços de apoio e pela alocação de trabalho temporário via agência de emprego, até a con-tratação de pessoa jurídica ou do autônomo nas áreas produtivas e essenciais da empresa, o trabalho em domicílio, a organização de coo-perativas de trabalho, o deslocamento de parte da produção ou setores para ex-empregados etc. O fenômeno tornou-se tão complexo que se estabelece a terceirização da terceirização (a terceirizada subcontrata parte do processo para outras empresas).

Estima-se que atualmente no Brasil o número de trabalhadores na condição de prestadores de serviços represente em torno de 12 a 15 milhões. Conforme dados divulgados recentemente pelo Departamen-to Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a participação de trabalhadores terceirizados sobre o total do emprego formal cresceu de 25,5% para 27% entre 2010 e 2014, o que totaliza em torno de 13 milhões de assalariados. Recente pesquisa divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), entidade empresarial, indicava que 86% das empresas declararam que a principal motivação para terceirizar é a redução de custos.

A sua característica comum e mais acentuada, como mostram Filgueiras e Cavalcanti (2015), é que a terceirização se constituiu em uma estratégia de gestão da força de trabalho pelo capital, em que a relação é de subcontratação entre uma empresa principal e outra su-bordinada, na de inição do que e de como produzir um bem ou um serviço. A terceirização, apesar de suas múltiplas formas de manifes-tação, tem como identidade de sua natureza a busca de redução de custos, a lexibilidade organizacional e a partilha dos riscos do negócio com outro agente econômico, como estratégia no enfrentamento de um cenário em que prevalece um capitalismo inanceirizado, e em que as empresas estão expostas a uma maior concorrência, devido à des-regulação da economia e ao baixo e instável crescimento do produto. Essas características, com algumas exceções, no caso brasileiro, per-mitem vincular a terceirização à lexibilização das relações de trabalho e à precarização.5

A opinião é compartilhada pelo então Presidente do Tribunal Su-perior do Trabalho (TST), Francisco Fausto, quando diz:5 Exemplos de estudos: Colli (2000), na indústria têxtil; Druck (1999), na indústria química; Sanches (2006), nos bancos; Venco (2003), no telemarketing. Todos os estudos são unânimes em a irmar que a terceirização é sinônimo de lexibilidade e de preca-riedade.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais112

A forma mais evidente de lexibilização da legislação trabalhista na jurisprudência do TST diz respeito à terceirização, que pas-sou a ser admitida em atividades-meio. Foi essa a maneira que a mais alta corte trabalhista encontrou para compatibilizar o emprego com as necessidades mais prementes da moderna ati-vidade” (apud CONCEIÇÃO, 2002, p. 37).

Apesar de a desverticalização e a focalização nem sempre serem sinônimo de precarização das relações de trabalho, a tendência pre-valecente no Brasil foi de uma terceirização voltada para a redução de custos e aumento da lexibilidade organizacional da empresa.

2. Exercício de Dimensionar a Terceirização

A terceirização está presente em praticamente todos os segmen-tos econômicos, não só com mais intensidade no setor de serviços, mas também no público, com características distintas. Na busca de al-guma aproximação que possibilite seu dimensionamento, passa-se à citação de cinco pesquisas distintas. A partir de uma metodologia em que identi ica os setores tipicamente terceirizáveis, o Dieese identi i-cou existência de 12,7 milhões em 2013 pelos dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). Utilizando uma metodologia similar à da RAIS, pesquisa do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Tra-balho (CESIT) realizada em 2006 e atualizada para 2014, mostra o crescimento expressivo no número de trabalhadores envolvidos nas atividades “terceirizáveis” entre 1994 e 2014, em que a representação passou de 5,6% para 25% do total de empregos formais.6 O número dos “terceirizados lícitos” é superior ao total dos contratados de forma atípica, tratados anteriormente (CENTRO DE ESTUDOS SINDICAIS E ECONOMIA DO TRABALHO, 2006).

Outra pesquisa, realizada por Chahad e Zockun (2002), com 2002 empresas no país, mostra que 56% delas declararam terceirizar algu-ma atividade, sendo maior a incidência no setor industrial. Pochmann (2008) aponta quatro dinâmicas distintas para a evolução da taxa de terceirização no Estado de São Paulo, na trajetória de contratação de empregos formais entre 2000 e 2010: a taxa de terceirização passou

6 Partindo da relação de atividades tipicamente “terceirizáveis” (limpeza, vigilância, auditoria, contabilidade, propaganda e assessoria jurídica), a Tabela 1 é uma tentativa de dimensionar a terceirização em nível nacional.

Terceirização e relações de trabalho 113

de 97,6% para 13,6% do saldo líquido de empregos formais no Es-tado de São Paulo, indicando que o contexto econômico mais favorá-vel através da elevação do crescimento da economia, em sintonia com um conjunto de políticas públicas, impeliu a desaceleração da taxa de terceirização; entretanto, não signi icou redução quantitativa: apenas que o volume de trabalho contratado típico cresceu proporcionalmen-te mais do que o trabalho terceirizado.

Tabela 1 – Trabalhadores Terceirizados, Brasil – 1994 e 2014

1994 2014

Informática 110.208 191.768

Atividades jurídicas, contábeis etc. 242.673 287.092

Serv. arquitetura e engenharia etc. 43.164 117.836

Publicidade 25.510 50.107

Vigilância 210.712 354.498

Limpeza e conservação 315.812 472.850

Aluguel de transportes 11336 19.306

Outros (*) 339435 831523

Total 1.298.850 12.327.731

Fonte: RAIS/MTE. Elaborado pelo Projeto Pesquisa CESIT/MTE, 2006. Atualizado com dados de 2014.

(*) Serviços de cobrança, decoração de vitrines, fotocópia, fotogra ia, despachantes, entre outros.

Inúmeras pesquisas e muitos outros estudos de caso mostram a crescente importância da terceirização no Brasil. Também é preciso lembrar que ela está presente no setor público, nas três esferas de go-verno, nas quais o seu crescimento está ligado a quatro fatores: 1) é uma forma de driblar a Lei de Responsabilidade Fiscal, já que os gastos com terceirização não são computados como despesa com pessoal; 2) há uma concepção de que a e icácia e a e iciência seriam alcançadas com métodos de gestão privada, o que não se con irmou, dada a na-tureza particular do setor público; 3) os administradores têm maior liberdade de “manusear” a força de trabalho terceirizada em prol das suas inalidades políticas e administrativas; e 4) dada a inexistência de investimentos, a terceirização pode, para alguns, ser um mecanis-mo de inanciamento das campanhas eleitorais. Segundo Conceição (2002, p.46):

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais114

A terceirização no setor público confunde-se com o próprio pro-cesso de redução do tamanho do Estado e a privatização. Por meio de diferentes formas hoje adotadas no setor público, a ter-ceirização tornou-se de grande importância no debate sobre o Estado. O limite deste processo é um dos temas centrais da atual controvérsia.

No setor público tem expressão própria e se manifesta através de cooperativas de trabalho, organizações sociais, tais como: Organiza-ções Não Governamentais (ONGs) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs).

Nas empresas estatais, ela também tem forte incidência. Por exemplo, na Petrobrás, para cada empregado direto, havia outros 5 (cinco) terceirizados, em 2013. Durante o governo de Fernando Henri-que Cardoso houve uma opção de privilegiar a terceirização em detri-mento da realização de concurso público. Nos últimos anos, sob amea-ça do Ministério Público do Trabalho, foi realizado um acordo com o Governo Federal para reversão de certas práticas de terceirização. Por exemplo, a Caixa Econômica está em processo de substituição dos es-tagiários e terceirizados por concursados.

Vários fatores impulsionaram a terceirização nos anos recen-tes. Em primeiro lugar, o fenômeno da “ inanceirização” faz com que as empresas tenham como parâmetro de rentabilidade o mercado i-nanceiro, que induz os agentes econômicos a fugirem do longo prazo (MATTOSO; POCHMANN, 1999). Dada a dinâmica de valorização de capital na própria esfera inanceira, em um contexto de restrição ao investimento produtivo, as empresas buscam reduzir custos e par-tilhar os riscos do negócio com outras e com os seus trabalhadores. Nesse sentido, a terceirização torna-se uma opção tanto nos casos de necessidade de ampliação da base produtiva como nos de racionali-zação de custos de administração e de manutenção de estoques e da força de trabalho. Além da redução de custos, há a possibilidade de transformar custos ixos em variáveis, fazendo com que os riscos rela-cionados à “instabilidade do mercado e à ausência de um crescimento sustentado na demanda” sejam transferidos para terceiros (DEPARTA-MENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔ-MICOS, 1993, p.34). Nessa mesma perspectiva, destacam-se, segundo Chahad e Zockun (2002, p.25), as “rápidas mudanças tecnológicas que elevam o risco de obsolescência dos produtos, estimulando inovações contínuas”. De acordo com os autores, “como esse risco atinge todas

Terceirização e relações de trabalho 115

as empresas envolvidas no processo de produção, o interesse comum as leva a compartilhar os custos das inovações, estreitando os laços entre elas” (CHAHAD; ZOCKUN, 2002, p.25). O compartilhamento de investimentos com outras empresas no desenvolvimento da produção de bens e serviços chega a ser expressivo em projetos mais complexos, tais como o do consórcio modular e os dos condomínios industriais (setor automotivo), em que a empresa principal focaliza a sua respon-sabilidade direta em pequena parte do processo de produção do bem. No caso mais extremo do Consórcio Modular, a VW, em Resende/RJ, zela pela qualidade do produto, mas toda a montagem é realizada por outras empresas.7

Em segundo lugar, o desenvolvimento das comunicações e do transporte facilitou a constituição de redes de subcontratação e a inte-gração de unidades distintas de produção, fazendo com que insumos, serviços e componentes pudessem ser acessados de forma ágil e pre-cisa, com custos muito mais baixos.

Em terceiro lugar, está a ênfase “administrativa na redução de custos e focalização na ‘atividade- im” da empresa’” (CONCEIÇÃO, 2002, p. 21) como estratégia de competitividade do capital no merca-do. Por isso, é uma estratégia de ampliar a liberdade e reduzir custos ao “transformar os custos ixos em custos variáveis, ajustando os cus-tos de acordo com as oscilações da produção. Com a terceirização, [...] as empresas pretendem reduzir os gastos com os encargos trabalhis-tas e previdenciários”. (CONCEIÇÃO, 2002, p. 21).

Em quarto lugar, a gestão do processo de produção se concentrou nas mãos de grandes grupos econômicos e a disputa dos países perifé-ricos por recursos se acirrou em um contexto de grande concorrência internacional. Desta forma, as economias locais foram submetidas às diretrizes mundiais de gestão, e a reorganização da produção e a redu-

7 Consórcio Modular é uma forma de organização fabril, utilizada na fábrica da Volkswagen em Resende, que implica a passagem de etapas inteiras do processo de produção para empresas fornecedoras especialistas em cada uma destas etapas. Nes-se caso, as empresas são responsáveis pelos subconjuntos de chassis, eixos e suspensão, rodas e pneus, motor e cabine (estampo/armação, pintura e acabamento). Essas empresas são reunidas dentro da mesma fábrica, a montadora do produto inal, a qual cabe con-trolar a sincronização da produção e os parâmetros de qualidade, enquanto os “módulos” operando em paralelo alimentam a montagem fi nal. No momento inicial, a fábrica contava com trezentos trabalhadores da própria VW e setecentos “parceiros”. Os objetivos são a viabilização de esquemas do tipo just-in-time, com a consequente redução de áreas de estoque e do tempo de fabricação global, além de redução de custos e de investimen-tos da montadora.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais116

ção de custos se intensi icaram como condição essencial para alcançar maiores níveis de competitividade em um cenário de grandes instabi-lidades.

Por último, há a tendência hegemônica de defesa da lexibiliza-ção como ajuste da força de trabalho ao cenário descrito acima, que, no caso brasileiro, dado o arcabouço legal vigente, pode se expressar por meio da terceirização. Em outros termos, o avanço da terceirização não encontrou maiores barreiras legais para se viabilizar, apesar da controvérsia sobre a de inição de “atividade- im”.

3. As Formas de Manifestação da Terceirização

Todos os fatores acima afetam diretamente a regulação do tra-balho e produzem um mosaico de situações. No campo das relações de trabalho, a terceirização se manifesta de seis formas distintas: 1) como forma de rebaixar a remuneração do trabalho e dos bene ícios, sem necessariamente sonegar a legislação trabalhista;8 2) como rela-ção de emprego triangular, por meio de agências de intermediação de mão-de-obra, via contratação temporária; 3) como forma de mascarar a relação de emprego, por meio da contratação de cooperativas, pes-soa jurídica, autônomo, trabalho estágio; 4) como expressão da infor-malidade; 5) como expressão da especialização da atividade sem que signi ique necessariamente um rebaixamento no patamar de direitos existentes; e 6) como trabalho análogo à escravidão, como nos mos-tram Filgueiras e Cavalcante (2015).

Por isso, na maioria dos casos, a terceirização constituiu-se em uma forma de lexibilização das relações de trabalho, ao permitir um rebaixamento nos salários, nas condições e na segurança do trabalho, expondo o trabalhador a condições degradantes e humilhantes, assim como ao ampliar a liberdade da empresa na determinação das condi-ções de uso, contratação e remuneração do trabalho, e ao promover uma segmentação da representação sindical.

8 É a terceirização entre empresas constituídas com empregados assalariados pró-prios que pode realizar a prestação de serviço dentro ou fora da planta da contratante em atividades- im ou de apoio.

Terceirização e relações de trabalho 117

3.1 A terceirização como mecanismo de rebaixamento salarial e dos benefícios trabalhistas

A terceirização é uma forma de reduzir custos que pode ocorrer não somente pela sonegação da legislação trabalhista, mas também pela diferenciação no nível salarial e de bene ícios entre os contratados diretamente e os terceirizados. Por mais contraditório que possa pare-cer, parte da terceirização voltada para as grandes empresas e para o setor público pode contribuir para a formalização dos contratos. Isso não elimina a sua característica central e predominante, no caso brasi-leiro, de ser uma forma de lexibilização e de redução de custos.

Diversos estudos9 comprovam que o padrão de remuneração, os bene ícios e as condições de trabalho são piores nas terceiras do que na empresa tomadora do serviço. Para exempli icar, citam-se três tra-balhos. Em primeiro lugar, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (2016), em pesquisa realizada ainda em 2015, mostra que os terceirizados recebem em torno de 25% menos da média geral dos assalariados, trabalham 3 horas a mais por semana em média. A Tabela 2, mostra com clareza a diferença entre o terceiri-zado e o contratado diretamente no sistema bancário brasileiro.

9 Entre outros, podem-se citar os seguintes: Chahad e Zockun (2002), Departamen-to Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (1993), Druck (1999), Colli (2000), Uchima (2005) e Teixeira (2005).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais118

Tabela 2 - Direitos Comparados entre Terceirizados e Bancários - 2014

AtividadeTeleatendimento

Trabalhador Terceirizado

Trabalhador Bancário

Diferença entre o ter-ceirizado e o bancário

Salário Base R$ 733,10 R$ 1.694,00 Recebem 43% da remu-neração do bancário

Vale Refeição R$ 6,00 (ao dia)

R$ 23,18 (ao dia)

Recebem 23% do vale re-feição do bancário

Vale Alimentação - R$ 397,35 (ao mês)

Terceirizado não tem acesso a este direito

Jornada Semanal 36h(semanais)

30h(semanais)

Trabalham 24 horas a mais que os bancários na jornada mensal

Adicional Noturno 20% 35% Recebem 15% a menos novalor do adicional noturno

PLR (condicionado a regras de absen-teísmo)

R$ 190,80

De R$ 3.218,00 à R$ 8.000,00(mínimo e máximo recebido de acordo com o lucro do banco)

Recebem valores no míni-mo 16 vezes menores que os bancários ou no máxi-mo 42 vezes menores

Fonte: Sanches (2015).

Portanto, a redução de custos por intermédio da terceirização é realizada com rebaixamento do padrão de remuneração e do número de bene ícios. Geralmente, os terceirizados não fazem parte da mes-ma categoria pro issional, sendo representados por sindicatos com pequeno poder de barganha. Além disso, di icilmente estão integra-dos à Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) e não têm representação sindical no ambiente de trabalho. Segundo estudos, o número de trabalhadores acidentados ou com doenças de trabalho em setores que foram terceirizados aumentou consideravelmente.

O número de acidentes de trabalho registrados entre os trabalhadores efetivos e os terceirizados em empresas do setor elétrico e de petróleo é alarmante. Somente na Petrobrás entre 1995 e

Terceirização e relações de trabalho 119

2013 morreram mais de 300 trabalhadores; destes, 80% eram traba-lhadores terceirizados. O setor elétrico brasileiro também apresenta uma grande incidência de acidentes de trabalho entre as prestadoras de serviços; conforme dados de número de acidentados fatais, temos para o período entre 2003 e 2011 a ocorrência de 683 acidentes fatais; deste total, 83% entre empregados de empresas prestadoras de servi-ços. (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2016).

3.2 A terceirização como relação de emprego triangular

Outro subproduto das transformações no capitalismo ( lexível) e no mercado de trabalho, facilitado pela regulação existente no Brasil, como discutido no item sobre contrato temporário (contratação atí-pica), é a locação de mão de obra por meio de “empresa aluguel”. O contrato temporário é prestado por meio de empresa interposta (for-necedora de mão de obra, geralmente via agência de emprego), que seleciona e remunera trabalhadores, com a inalidade de prestar ser-viços provisórios junto a empresas clientes. Por isso, estabelece uma relação triangular, em que o local de trabalho não tem relação direta com o empregador, mas com a agência de emprego. Teoricamente, o contrato temporário, que pode ser de até seis meses, seria uma “pres-tação de serviços para atender necessidade transitória de substituição de pessoal ou permanência da situação que gerou aumento de serviço e consequente realização de contrato temporário” (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 1999, p. 35). Mas, na prática, existem quase cinco mil empresas no Brasil que sublocam força de trabalho por meio de contratos temporá-rios e trabalho-estágio. Elas têm um cadastro informatizado que per-mite mover os trabalhadores de uma tarefa ou empresa para outra, sem que estes estabeleçam qualquer vínculo de relações pro issionais ou sociabilidade com o local em que executam a atividade. “Os traba-lhadores são simplesmente empurrados de um casulo de atividades para outro e perdem aos poucos todo o interesse pelo ambiente em que efetivamente atuam. Seu vínculo é apenas com o cadastro da em-presa de aluguel” (DOWBOR, 2002, p.45).10

10 Por exemplo, em 2002, a Manpower tinha um “plantel” de mais de 400 mil trabalha-dores disponíveis para ser empregados de forma triangular.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais120

A prática da relação triangular é favorecida pela própria natureza da atividade pro issional. Sennett (1999) chama a atenção para o fato de que a relação entre o trabalhador e a sua atividade pro issional é cada vez mais diluída, fazendo com que a sua identidade com o tra-balho ique secundarizada, o que di iculta a formação do caráter do trabalho.

Outra questão é que a relação triangular permite às empresas es-tabelecerem uma estratégia de preservar os trabalhadores mais qua-li icados e realizarem um turn over com os de menor quali icação, pa-gando-lhes menor salário e menos bene ícios.

Inúmeras irregularidades cercam essa modalidade de contrata-ção, uma vez que em várias situações os contratos temporários são mantidos por vários anos, inclusive em atividades ligadas diretamente a produção. Além disso, essa forma de contratação é vastamente uti-lizada por empresas, especialmente do setor eletroeletrônico, tanto entre as tomadoras de serviços, quanto principalmente entre as pres-tadoras de serviços, como estratégia de gestão de pessoal. Conhecido por gestão por rotatividade, as demissões permanentes fazem parte da política de recursos humanos das empresas (LAPA, 2015)

3.3 A terceirização expressa na informalidade

A informalidade11 não pode ser explicada pela terceirização, mas a adoção desta técnica gerencial foi um mecanismo que contribuiu para a sua expansão de duas formas distintas. Em primeiro lugar, a contribuição veio por meio dos incentivos proporcionados pelas em-presas para as pessoas desenvolverem atividades de prestação de ser-viços sem qualquer proteção previdenciária e trabalhista, como foi e continua sendo o caso da construção civil, do campo e do setor de con-fecções (especialmente no trabalho a domicílio). Em segundo lugar, cresceu imensamente o número de pequenas empresas de prestação de serviços para a indústria e grandes empresas em geral que nem

11 A informalidade é um componente estrutural da formação do mercado de trabalho brasileiro. O avanço da industrialização e da urbanização, em um contexto de cresci-mento econômico, foi propiciando um processo de estruturação do mercado de tra-balho em que um contingente cada vez mais expressivo era incorporado enquanto assalariado, com carteira de trabalho. Ao contrário, a partir dos anos 1990, o cenário de estagnação econômica, de reestruturação produtiva e de opção pela inserção do país na (des)ordem econômica globalizada provocou um processo de estreitamento do mercado de trabalho, com o crescimento da informalidade e do desemprego.

Terceirização e relações de trabalho 121

sempre cumprem a legislação trabalhista. Inclusive, para parte signi i-cativa delas, a competitividade ou a sobrevivência é garantida pela so-negação do registro pro issional e de direitos trabalhistas. Nas peque-nas empresas estão localizados 72% dos empregados sem registro em carteira (SANTOS, 2006). A informalidade, assim como a terceirização, concentra-se no segmento das micros e pequenas empresas.

Um exemplo, para ilustrar: na indústria de confecção, segundo demonstrou Colli (2000), reintroduziu-se o “façonismo” (putting--out),12por meio do aparecimento de formas de produção terceiriza-das, inclusive com o pagamento por peça e sem qualquer proteção social. São pessoas que trabalham em seus domicílios, realizando parte do processo produtivo para as empresas. Em geral, o trabalho envolve diversos membros da família. Essa forma de contratação mostra que o:

Capitalismo contemporâneo vem se utilizando crescentemente das formas pretéritas e arcaicas de trabalhos externos ao chão produtivo, de que é exemplo o façonismo, individualizando e precarizando crescentemente o trabalho nesse setor, por meio de várias formas de contrato de trabalho por peça, em domicílio, temporário etc. (COLLI, 2000, p.12).

O setor têxtil e de confecções emprega no Brasil mais de 2,6 mi-lhões de trabalhadores, sendo que 76% são mulheres. Os dados de-sagregados indicam uma predominância do setor de confecções. No setor têxtil são 781.930 trabalhadores e 65% são mulheres e na in-dústria de confecção temos 1.842,612 trabalhadores, sendo 81% de mulheres. É importante destacar que nas publicações das entidades de representação do setor empresarial constam apenas 1,6 milhão de trabalhadores, uma vez que o setor não reconhece a existência de mais de 1,0 milhão de trabalhadores que trabalham em condições de infor-malidade, sem direitos e proteção social (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2014).

O trabalho em domicílio, na maior parte das vezes, é contratado por empresas médias ou pequenas do setor que trabalham diretamen-te com o varejo. A estratégia de subcontratar o icinas ou trabalho em

12 Façonismo é “um sistema de trabalho correspondente a simples prestação de servi-ços”, bastante utilizado na Itália e França antes do desenvolvimento da industrializa-ção da produção de tecidos e roupas no século XIX. Uma espécie de produção indepen-dente, remunerado por peça (COLLI, 2000, p. 14).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais122

domicílio é parte da de inição dos negócios do setor a percorrer o ca-minho que representar menores custos e riscos.

Essa forma de contratação cria uma ilusão entre os trabalhadores de maior autonomia no exercício da atividade laboral e maior controle sobre o seu tempo. Entretanto, o volume de trabalho e o pagamento por peça intensi ica o ritmo e a produtividade do trabalho. O traba-lho é realizado em condições de pressão permanente. Nessas o icinas se constata a presença de trabalho degradante, análogo a escravidão, realizado por imigrantes vindos de Bolívia, Peru e Paraguai. A sua con-dição de estrangeiro, com situação irregular no país, potencializa as possibilidades de se inserir de forma mais vulnerável no mercado de trabalho.

Na cidade de São Paulo a presença de imigrantes nos empregos formais evoluiu de 0,7% em 2006 para 3,7% em 2013. Sendo que 94,6% dos ocupados são de quatro nacionalidades: boliviana, para-guaia, peruana e coreana. Destes, 77,7% são da Bolívia (DEPARTA-MENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔ-MICOS, 2015).

O processo de terceirização baseado na redução de custos ten-de a fortalecer as relações de trabalho mais heterogêneas, incluindo o trabalho por conta própria sem proteção social e a contratação de tra-balhadores sem registro, como forma de obter competitividade para sobreviver no mercado.

3.4 Terceirização como expressão de serviço especializado

O problema não é necessariamente o processo de organização da produção de bens e serviços por uma ou diversas empresas, mas a lógica e o sentido que a terceirização adquiriu no Brasil no período recente. Teoricamente, é possível admitir em alguns setores que haja a necessidade de recorrer a serviços mais especializados, como por exemplo, o transporte de valores no sistema bancário. Ela expressa a especialização do serviço e não meramente uma forma de reduzir direitos. Nessa perspectiva, a terceirização é realizada, considerando o patamar de direitos existentes na mesma categoria. Por exemplo, a experiência do consórcio modular na indústria automotiva é um dos casos em que a terceirização ocorre de forma radical, atingindo, inclu-sive, a atividade- im, de realizar a montagem do caminhão. No entanto,

Terceirização e relações de trabalho 123

independente da categoria respectiva dos trabalhadores na produção, é assegurado o mesmo patamar de direitos, por meio de um contrato coletivo único e como membros de uma mesma base de representação. Com isso, procura-se sinalizar que pode ocorrer terceirização sem que necessariamente ela signi ique a promoção da precarização.

Diferentemente do discurso empresarial, a terceirização tem se associado às atividades e áreas que exigem menor quali icação e, des-sa forma, os instrumentos normativos como convenções e acordos co-letivos das empresas tomadoras de serviços não se aplicam aos presta-dores de serviços. O piso salarial de um trabalhador da área de asseio e conservação, atividade tradicionalmente terceirizada pelas empresas tomadoras de serviços, corresponde a 71% do piso salarial de um tra-balhador químico na cidade de São Paulo.

Além disso, também se veri ica, a exemplo da Petrobrás que con-trata serviços para serem executados em suas dependências, que as fun-ções do trabalhador admitido na forma de concurso não se diferenciam daquele trabalhador contratado na forma de prestação de serviços; en-tretanto, os salários correspondem a 50% do trabalhador efetivo. Se a comparação se estender aos bene ícios, o fosso é ainda maior. Se a con-tratação de serviços objetiva a especialização, então porque idênticas ocupações são executadas por efetivos e terceirizados?

Conforme descrição da Classi icação Nacional de Atividades Eco-nômicas13 (CNAE), a noção de especialização aparece na classi icação das atividades econômicas como “serviço de fornecimento d e mão de obra por empresas especializadas na gestão de recursos humanos a empresas clientes”. Esse conceito de especialização se distingue de duas outras formas de terceirização: o fornecimento de mão de obra contratada sob a forma de contrato temporário e a intermediação en-tre as empresas que demandam a mão de obra com especialização e os respectivos pro issionais, caracterizadas como agências.

Ou seja, o conceito de especialização aparece quando está asso-ciado à mão de obra ou recursos humanos e não necessariamente à empresa, porque por princípio toda a empresa que atua em determi-nada atividade econômica detém conhecimento; senão, como se po-

13 A Classi icação Nacional de Atividades Econômica é utilizada com o objetivo de có-digos de identi icação das unidades produtivas do país nos cadastros e registros da administração pública nas três esferas de governo, em especial na área tributária. Para maiores detalhes consultar site: http://concla.ibge.gov.br/estrutura/atividades-eco-nomicas-estrutura/cnae.html).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais124

deriam distinguir empresas especializadas das não especializadas? Se pelo conhecimento técnico, então estaremos nos referindo basicamen-te ao fornecimento de mão de obra.

Exemplo disso é a função de analista de desenvolvimento de sis-temas, considerada uma atividade especializada e, portanto, passível de ser terceirizada. Em 2013 um pro issional dessa área na condição de terceirizado recebia, em média 64% do salário de um trabalhador na mesma função, mas como trabalhador efetivo e no mesmo segmen-to econômico, ramo químico (BRASIL, 2016). Portanto a pergunta é: porque remunerar menos um serviço realizado por uma prestadora de serviços considerado especializado?

O parecer do relator do PL 4330/04, elaborado em 2011, recor-re a experiência e capacitação técnica dos seus empregados como um quesito para de inir especialização (TEIXEIRA; COELHO, 2013). Ora, ao determinar que um critério fundamental para de inir a especiali-zação seja o conhecimento técnico dos pro issionais, o projeto admite que o objetivo principal seja o fornecimento de recursos humanos ou de mão de obra, e não a prestação de serviços.

A questão é que a terceirização pode fazer algum sentido em ati-vidades especializadas, mas não pode se caracterizar como forma de rebaixar o padrão vigente de regulação do trabalho, assim como é pre-ciso considerar que há situações muito distintas.

Exemplo claro são as terceirizações nas chamadas carreiras dos pro issionais liberais que atuam dentro das instituições bancá-rias. Assim, um analista de sistema pode ser encontrado na con-dição de terceirizado, mas o impacto sobre sua vida laboral é distinto de outras funções menos técnicas e especializadas que compõem a base da pirâmide de cargos e salários das institui-ções. (SANCHES, 2006, p.133).

3.5 Regulamentação da terceirização e formalização do emprego

A terceirização é objeto de grande disputa entre os agentes so-ciais e também no campo da interpretação de sua base legal. Ela não está explicitamente prevista e regulamentada na legislação brasileira. Os principais parâmetros são a regulamentação da contratação do tra-

Terceirização e relações de trabalho 125

balhador não efetivo (temporário) e o Enunciado 331/1993 do TST, que têm sido a referência utilizada nos tribunais e nas atividades de iscalização. Ele substituiu o Enunciado 256/1986, que coibia a tercei-

rização, pois consagrava o entendimento de que a relação de emprego é estabelecida com o bene iciário ou tomador dos serviços (BIAVACHI; TEIXEIRA, 2015). Nesse sentido, na prática, acaba por criar obstáculos à terceirização, por reconhecer a condição de empregado do contra-tante que se utiliza da força de trabalho.

A dubiedade das normas vigentes sobre a terceirização pode ser observada pelos seus efeitos contraditórios. Por um lado, o crescimen-to desta forma de contratação não foi obstaculizado pela legislação atual, apesar da proibição de que ela ocorra em atividades- im. Ou me-lhor, como analisa Souto Maior (2005), seu crescimento foi inclusive facilitado a partir da edição do Enunciado 331, que:

[...] passou a considerar lícita a terceirização, com a limitação de que esta não atinja a atividade- im da empresa, preservando, ainda, uma responsabilidade ‘subsidiária’ da empresa tomadora dos serviços[...]O Enunciado 331, do TST, não vincula a legalida-de da terceirização a qualquer especialização. Isto tem permiti-do, concretamente, que empresas de mera prestação de servi-ços sejam constituídas; empresas estas sem qualquer inalidade empresarial especí ica e, pior, sem idoneidade econômica[...]A perspectiva do Enunciado foi apenas a do empreendimento empresarial. Isto permitiu que a terceirização, que em tese se apresentava como método de e iciência da produção, passasse a ser utilizada como técnica de precarização das condições de trabalho[...]O padrão jurídico criado desvinculou-se da função histórica do direito do trabalho, que é o da proteção do traba-lhador (SOUTO MAIOR, 2005, p. 3).

Portanto, a opção pela “terceirização predatória” (DEPARTAMEN-TO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICAS E ESTUDOS SOCIOECONÔMI-COS, 1993) também se explica pela regulação pública do tema e pelo sistema de iscalização sucateado, que evidencia as suas maiores fra-gilidades nos momentos de estreitamento do mercado de trabalho. No Brasil, sua difusão recente se fez acompanhar, de fato, de diversas controvérsias no campo trabalhista: terceirizações fraudulentas rea-lizadas com vistas a reduzir o pagamento de encargos trabalhistas e de impostos; contratação interposta de mão de obra; representação sindical de terceiros; condições inadequadas de trabalho; e desempre-

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go. São muitos os processos trabalhistas motivados pela terceirização (CONCEIÇÃO, 2002, p.25).

Por outro lado, parte da terceirização, especialmente aquela vin-culada às grandes empresas, apresenta um índice de formalização dos contratos acima da média do mercado de trabalho. Em segmentos ti-picamente terceirizados, tais como vigilância, asseio e conservação, o índice de emprego formal chega a quase 90% (KREIN; MANZANO, 2014). A opção pela terceirização, nesses casos, entre outros fatores administrativos e logísticos, está vinculada à redução de custos sala-riais e de bene ícios conferidos pelas conquistas sindicais do segmen-to mais estruturado. A pequena elevação da formalização pode, tam-bém, entre outros fatores, ser explicada pelo papel do Estado, tanto em termos de regulação como de interpretação e iscalização da norma legal vigente.14 Ou seja, prevalece um entendimento de pelo menos re-conhecer a responsabilidade subsidiária na Justiça do Trabalho, con-forme prevista no Enunciado 331(BIAVACHI; TEIXEIRA, 2015).15

Essa compreensão sobre o tema, consolidada em 2000, provocou mudanças nos agentes econômicos e sociais. As empresas, especialmen-te as grandes e os órgãos públicos, passaram a exigir o cumprimento da legislação trabalhista básica por parte das prestadoras de serviço, assim como o pagamento dos demais débitos previdenciários e iscais como forma de evitar possíveis passivos trabalhistas futuros.16Como ressal-tam Chahad e Zockun (2002, p.19), “o pagamento das faturas apresen-tadas pelas empresas prestadoras de serviço é sempre condicionado à apresentação de cópias das guias que comprovem o recolhimento dos encargos sociais (IAPAS, FGTS) dos funcionários terceirizados”.

Outra consequência dessa leitura foi o surgimento da Associação Brasileira das Empresas de Serviços Terceirizáveis e Trabalho Tem-porário (ASSERTTEM),17 que se propõe a acompanhar e expedir um certi icado às terceirizadas sobre sua regulamentação legal, como ga-rantia de segurança ao tomador do serviço. O certi icado, basicamente, refere-se ao cumprimento da legislação trabalhista, previdenciária e 14 Conferir uma discussão sobre o tema em Baltar e Krein (2013).15 Em alguns tribunais regionais há o reconhecimento da responsabilidade solidária e até do vínculo direto do tomador com a contratada.16 Um exemplo é a prática identi icada em uma pesquisa sobre relações de trabalho em shopping centers de Campinas (NOGUEIRA JÚNIOR, 2005), em que a administração faz um acompanhamento sobre o cumprimento da legislação trabalhista por parte das lojas e empresas localizadas em seu interior como forma de fugir de possíveis passivos trabalhistas futuros.17 www.asserttem.com.br

Terceirização e relações de trabalho 127

iscal. Foi comum a ocorrência de casos de “desterceirização” em fun-ção de revés na Justiça do Trabalho.18

Assim, o mesmo Enunciado que legitimou a terceirização colocou algumas regras que estabeleceram a controvérsia. Essa outra face da moeda possibilitou o surgimento de contra-ações das organizações sindicais e de órgãos públicos que podem ter contribuído, em alguma medida, para uma maior formalização dos vínculos de emprego ou evi-tado um processo que acentuasse ainda mais a precariedade, inclusive conseguindo barrar o seu avanço, em algumas situações.

Outro aspecto de intensa disputa é a de inição de “atividade- im” e “atividade- meio”:

[...] as fronteiras do que ‘pode ou não pode’ estão inde inidas; pesquisadores do tema seguem um critério autoral de classi i-cação do que entendem por ‘atividade-meio’ ou ‘ im’, ora indo de acordo com o entendimento de um determinado ator social, ora de acordo com outro. (SANCHES, 2006, p.138).

A controvérsia tem relação com o disposto no Enunciado, que, além de inúmeras atividades tipicamente terceirizáveis,19 abre a bre-cha para atividades de especialização. O problema é quem, dentro das regras do jogo social, tem a prerrogativa de de inir o que é, ou não, “atividade-meio” e “atividade- im”, num contexto de complexi icação da externalização da atividade econômica. No caso brasileiro, com a fragilidade da organização dos trabalhadores no local de trabalho, as empresas têm grande poder para de inir o processo de produção e de trabalho. Dada a complexidade técnica, muitas vezes as próprias ins-tituições estatais têm di iculdade de compreender e decidir sobre as controvérsias que aparecem em relação a esses conceitos. Porém, se-gundo Sanches (2006, p.140):

O que será considerado estratégico dependerá do observador, de seus objetivos, que estão para além da disputa sob os termos

18 Por exemplo, em matéria da Folha de São Paulo, de 19/03/96, a consultora de RH da Riocell admitia que, após o Enunciado 331 do TST, algumas atividades tiveram que ser revistas (telefonia, mensageiros, recepção, manutenção, folha de pagamento). O título da matéria era “Empresas lançam a ‘desterceirização’”(apud CONCEIÇÃO, 2002, p. 27).19 São consideradas atividades-meio, passíveis de terceirização: serviços de limpe-za, vigilância, auditoria, contabilidade, propaganda e assessoria jurídica. Podem ser acrescentados, ainda, os serviços de informática e aluguel de veículos.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais128

jurídicos. No fundo, o debate sobre ‘atividade-meio’ versus ‘ati-vidade- im’ re lete uma disputa política acerca dos direitos tra-balhistas e sociais, podendo inclusive, de forma tangível, inter-ferir na relação com o consumidor inal de produtos e serviços.

En im, a terceirização, como elemento de um processo mais geral de transformação da produção, é algo complexo e se apresenta com múltiplas faces. No geral, prevalece a estratégia de redução de custos, o que levou inúmeras empresas a fraudarem as relações de emprego sob a capa da terceirização.

Os seus impactos na vida dos trabalhadores e na organização sindical são evidentes e profundos, pois estabelece uma diferenciação nítida entre os trabalhadores efetivos e os terceirizados, gerando, no mesmo ambiente de trabalho insatisfação e discriminação. O trabalho dos empregados terceirizados também tende a ser menos valorizado e, em muitos casos, estes são vistos como trabalhadores de segunda classe.

Mas os empregados que continuam efetivos também sofrem im-pactos negativos com a terceirização, pois passam a se sentir cons-tantemente pressionados pela possibilidade de, a qualquer momento, serem demitidos ou obrigados a trabalhar em empresa terceirizada. Além da diminuição de postos de trabalho, já que muitas atividades passam a ser realizadas por outras empresas, há uma pressão sobre os efeitos em relação ao seu padrão de contratação e às condições de trabalho. O trabalhador efetivo sofre com a incerteza em relação tanto ao emprego quanto ao padrão de remuneração e de vantagens, pres-sionado pela comparação com os terceirizados.

3.6 Terceirização e trabalho análogo a escravo

Filgueiras e Cavalcante (2015) mostram que em 80% dos casos em ação de libertação dos trabalhadores em situação análoga a escra-vo, o empregador principal utilizou da terceirização e inclusive da as-sinatura da carteira de trabalho.

Entre 2000 e 2014 o Ministério do Trabalho resgatou 514 traba-lhadores que produziam peças comercializadas por empresas que não assumiam a condição de seus empregadores, como é o caso da rede de modas que mais faturou em 2013 no Brasil (MERCADANTE, 2015).

Terceirização e relações de trabalho 129

As grandes empresas que contratam os serviços alegam que estão estabelecendo relações e compras de produtos com outras empresas, estas sim responsáveis legalmente pelos contratos de trabalho. Entre-tanto, o que se constata é que existe uma cadeia produtiva no setor de confecções da qual as grandes lojas seriam a ponta de uma rede forma-da por muitas empresas.

Essas empresas seriam constituídas por o icinas de costura clan-destinas, trabalho em domicílio em que predominam: jornadas médias de 14 horas, ambiente sem saúde e segurança do trabalho, liberdade de locomoção restringida, aquisição de máquinas por aluguel e remu-neração por peça raramente acima do salário mínimo vigente.

4. Os Impactos da Terceirização na Ação Sindical e nas Negociações Coletivas

A tendência de lexibilização por meio da terceirização também pode ser observada pelos seus efeitos no sindicalismo e nas negocia-ções coletivas, tendendo a acentuar a diferenciação entre os trabalha-dores e a pulverizar as organizações coletivas e, inclusive, proporcio-nando uma disputa de base entre as instituições sindicais. Da mesma forma, em alguns casos, a terceirização foi adotada como mecanis-mo de combate à organização existente na empresa, na perspectiva de aumentar o controle do capital sobre a determinação do trabalho (DRUCK, 1999).

O primeiro impacto visível é a diminuição da base de represen-tação da categoria principal, reduzindo o seu poder sindical. Além de ter um contingente menor de trabalhadores na base, a taxa de sindi-calização nos setores terceirizados tende a ser menor. A diminuição do tamanho da categoria não se explica só pela terceirização, mas esta também contribui na medida em que transfere ocupações para empre-sas de outros ramos econômicos, geralmente na área de serviços, que não são base do mesmo sindicato. Tradicionalmente, os sindicatos têm maior facilidade de organização nas grandes empresas e nos segmen-tos mais estruturados da economia.

Em segundo lugar, a terceirização contribui para uma segmenta-ção maior dos trabalhadores, constituindo-se um:

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais130

[...] mosaico de classe representado pelos: (1) efetivos ou está-veis que fazem parte do núcleo mais protegido – mesmo em vias de redução de direitos –; (2) os de ‘segunda categoria’, aqueles temporários permanentes que labutam como terceirizados há cerca de 20 anos trocando de crachá e de empresa a todo o mo-mento que vence um contrato; (3) os de ‘terceira categoria’, que são os temporários rotativos, trabalhadores de paradas e de contrato por tempo determinado; e (4) os de ‘quarta categoria’, os terceirizados das terceiras, os trabalhadores daquelas em-presas que não garantem direitos mínimos aos seus contrata-dos. Há também o aumento da fragmentação da representação sindical, já que os trabalhadores das terceiras são geralmente representados por sindicato mais fracos, com pouco poder de barganha e que apresentam maior di iculdade de negociarem melhores condições de trabalho e salário (LOPES, 2004, p.6).

A segmentação di iculta a criação de uma identidade comum, que seja capaz de uni icar os trabalhadores em torno dos mesmos interes-ses. As bandeiras e os conteúdos das lutas icam mais pulverizados. As próprias condições de emprego, marcadas pela insegurança,20 levam à rede inição da forma de inserção dos trabalhadores no mundo do trabalho e de sua disposição para participar da luta sindical. Assim, há também uma fragmentação da representação, já que, com a terceiri-zação, muitos empregados acabam mudando de ramo de atividade e, portanto, de sindicato. Os empregados terceirizados, ao mudarem de atividade, perdem a identidade da categoria. Isso acaba gerando com-petição e quebra a solidariedade entre os trabalhadores.

Em terceiro lugar, a terceirização também contribuiu para apro-fundar a pulverização – facilitada pela forma como é regulamentada a organização sindical brasileira21 – do sindicalismo, com a criação de outras categorias pro issionais. Foi comum a criação de sindica-tos para representar os terceirizados, mas que, em geral, legitimam a terceirização como estratégia de consolidação da sua entidade recém-

20 Associada a essa incerteza no emprego, há também uma insegurança devido às con-dições do mercado de trabalho em geral. Com índices elevados de desemprego, os trabalhadores sentem ainda mais o medo de perder o emprego, o que faz com que acabem aceitando condições mais lexíveis de trabalho, intensi icação da carga de tra-balho, além de sofrerem uma pressão para não reivindicar (MATTOSO, 1995).21 A partir da Constituição Federal de 1988, combinou-se liberdade sindical (criação de entidade e liberdade estatutária) com o im do enquadramento sindical e a manu-tenção do princípio da unicidade. A tendência foi prevalecer o sindicato mais especí i-co, especialmente quando a de inição ocorre no âmbito da Justiça do Trabalho.

Terceirização e relações de trabalho 131

-criada. Por exemplo, em São Paulo existem 10 sindicatos que repre-sentam trabalhadores do sistema inanceiro. Entre eles, destaca-se o “sindicatão” (como é conhecido) dos trabalhadores terceirizados, que tem numericamente uma grande base (TEIXEIRA, 2005) – sendo uma das entidades sindicais com maior valor de arrecadação da contribui-ção sindical22 obrigatória –, mas toda pulverizada e com pouca capaci-dade de mobilização,23 estabelecendo, consequentemente, instrumen-tos normativos com bene ícios e salários inferiores, como já destacado acima.

Em quarto lugar, os sindicatos tendem a perder força e, assim, têm maiores di iculdades para se contraporem tanto à terceirização como ao processo mais geral de desregulamentação de direitos e de lexibilização das relações de trabalho. Com isso, perdem os efetivos e

os terceirizados. Por exemplo, a greve pode perder efetividade em al-guns casos, pois os terceirizados ou as prestadoras de serviços podem suprir a ausência dos grevistas ou os componentes que deixam de ser fabricados.

Em quinto lugar, as negociações coletivas, com a pulverização da organização sindical, tendem a ser compartimentadas. Na maioria das vezes, os direitos conquistados pelos trabalhadores diretos nas ne-gociações não são os mesmos dos terceirizados; por exemplo, a par-ticipação nos lucros e o convênio médico, entre outros, como foi ex-plicitado acima. A diferenciação dos salários e os bene ícios menores também funcionam como mecanismo de pressão sobre os trabalhado-res da empresa principal, que, muitas vezes, precisam moderar as suas reivindicações e até aceitar a desregulamentação de direitos devido à pressão para não terceirizar.

Portanto, a terceirização tende a pulverizar a base de represen-tação e a diminuir o poder do sindicato principal, constituindo-se em mecanismo de pressão para a viabilização da lexibilização das rela-ções de trabalho, e di icultando a construção de uma identidade co-mum entre os terceirizados e efetivos. Muitas vezes os interesses dos terceirizados não coincidem com os dos efetivos.

Desta forma, muitas entidades vêm negociando, através da con-venção coletiva, cláusulas que contribuam para reduzir o impacto da terceirização em suas categorias. No entanto, há pouca incidência de 22 O sindicato não tem mensalidade associativa. 23 Não consta na história dessa entidade a organização de nenhuma greve (TEIXEIRA, 2005).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais132

cláusulas relativas a terceirização nos instrumentos coletivos. Além de concentrar-se em alguns setores econômicos, os conteúdos são bastante distintos, o que di iculta uma uniformização; enquanto algu-mas coíbem ou restringem essa prática, outras de inem normas de for-ma que o trabalhador terceirizado tenha acesso aos mesmos direitos dos trabalhadores efetivos. Entretanto, em várias cláusulas há uma le-gitimação da terceirização, embora a Súmula 331/1993 seja explicita no que diz respeito ao que pode ou não pode terceirizar (BIAVASCHI; TEIXEIRA, 2015).

Uma análise mais detalhada dos conteúdos sugere que setores do movimento sindical já incorporaram a terceirização como parte das novas formas de contratação, enquanto que em outros conteúdos per-cebe-se que o instrumento normativo serve de freio ao seu avanço. Em todos os instrumentos que restringem ou proíbem a terceirização, se faz menção a Súmula 331/1993 e o que está previsto em lei, ou seja, há uma fragilidade nesses instrumentos uma vez que reitera o que já está previsto na legislação sem criar nada de novo. A pergunta que se faz é: na ausência de uma legislação especi ica, qual a capacidade de os instrumentos coletivos regularem de fato o avanço da terceirização?

As fragilidades evidentemente estão associadas com o modelo de organização sindical, e de representação por categoria pro issional, além da unidade sindical e o não reconhecimento das organizações por local de trabalho. O fato de que 65% dos instrumentos coletivos sejam acordos por empresa demonstra que a organização por local de trabalho é essencial para garantir condições de trabalho igualitárias.

5. Considerações Finais

Dada a lógica adquirida pela terceirização, apesar de suas múl-tiplas faces, essa se constituiu em uma forma de lexibilização das relações de trabalho, ao permitir um rebaixamento nos salários, nas condições de trabalho e na segurança do trabalho, assim como ao pro-mover a segmentação da representação sindical e ampliar a liberda-de da empresa na alocação do trabalho. Para viabilizar os seus obje-tivos, a empresa tomadora joga com as terceirizadas na perspectiva de fazer ajustes na remuneração, na jornada e/ou na quantidade de trabalhadores. Nesse sentido, a ideia de precarização é a da própria lógica da terceirização, pois as empresas prestadoras de serviço, para

Terceirização e relações de trabalho 133

garantirem sua condição, sem o recurso de automatizar sua produção, utilizam a precarização como fator de competitividade. Assim, com a diminuição do custo da obra, oferecem seus serviços a um preço mais acessível, ganhando a concorrência perante outras empresas presta-doras de serviço.

A discussão da regulamentação da terceirização é defendida a partir de três mitos, pois não existentes comprovações empíricas de sua efetividade: 1) a terceirização seria capaz de gerar postos de traba-lho. É o mesmo discurso dos anos 1990 de que o problema do emprego somente seria resolvido com a lexibilização do arcabouço legal brasi-leiro, o que não foi comprovado na experiência do mercado de traba-lho dos anos 2000; 2002) a lei serviria para estabelecer alguma pro-teção aos terceirizados – é um segundo mito. Todos os trabalhadores brasileiros são protegidos pela mesma legislação, pelos mesmos direi-tos. A diferença é estabelecida no mercado, em que os trabalhadores contratados diretamente pela empresa principal têm maior proteção e direitos do que os terceirizados. Ou seja, os terceirizados são alcança-dos pela legislação existente. Portanto, o que se pretende é generalizar a condição de terceirizados ao conjunto dos trabalhadores.

O terceiro mito é da competitividade às empresas. A competiti-vidade é algo bastante complexo que inclui muitos fatores, inclusive passando pela inovação tecnológica, câmbio, condições de investimen-to etc. Uma competitividade por meio da redução do custo do trabalho é espúria e não sistêmica. Portanto, não há razão que justi ique o es-tabelecimento de um novo marco formal que liberaliza totalmente a terceirização, dados os seus efeitos perversos sobre os trabalhadores, considerando a existência de mercado de trabalho pouco estruturado e desfavorável aos que precisam vender a força de trabalho (GIMENEZ; KREIN, 2016).

Nos anos de 1990 o mito da competitividade foi disfarçado pelo discurso neoliberal de que a prática estimularia a geração de postos de trabalho, o que não se con irmou, pois ao inal dessa década o de-semprego havia evoluído 70%. Na atualidade o discurso empresarial se volta para a busca de competitividade uma vez que já não é possí-vel atribuí-lo como fator de criação de empregos, esse sim resultante do dinamismo econômico. Agora a prática é estimulada dentro de um contexto determinista, trata-se de uma tendência e quem não compar-tilha dessa modernidade é retrógrado e corporativista.

Por último, a reação da sociedade, expressa nas redes sociais e nas mobilizações de rua (abril e agosto de 2015), foi bastante intensa

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais134

e surpreendente para todos os atores sociais. Ela foi fundamental para que a votação do projeto perdesse o regime de urgência no Senado Fe-deral. É um fato que mostra que a sociedade não aceita passivamente qualquer processo de retirada de direitos e de ampliação da precarie-dade. No entanto, no atual contexto de regressão dos indicadores do mercado de trabalho e de ofensiva empresarial por reforma trabalhis-ta e previdenciária, o tema da regulamentação da terceirização conti-nua sendo uma ameaça que paira na agenda política nacional.

Terceirização e relações de trabalho 135

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Qualificação da Força de Trabalho, Produtividade e

Habilidades Não-CognitivasCarlos Alberto Ramos1

1. Introdução

Existem poucos consensos entre economistas. Mas, talvez, um dos poucos aspectos que gozam de certa unanimidade diz respeito à importância da produtividade na determinação do nível de bem-estar de uma sociedade. Essa unanimidade se desfaz, logicamente, quan-do se transita dessa a irmação muito geral e se desce a especi icar os caminhos a serem percorridos para elevar o valor do produto por trabalhador.

No caso concreto do Brasil, a centralidade que a questão da produ-tividade foi adquirindo como elemento crucial do crescimento de lon-go prazo, e mesmo para o debate sobre as raízes da atual crise (2015) de curto prazo, é notável. Obviamente, como assinalamos no parágrafo anterior, essa harmonia é perdida quando se debatem as alternativas, e as clássicas dicotomias (mais ou menos intervenção estatal, mais ou menos regulação e de que tipo, abertura ou proteção etc.) voltam a dividir escolas de pensamento. Mas, restringindo a nossa atenção à questão da produtividade, são diversos os fatores que contribuem para sua determinação: capital ísico por trabalhador, tecnologia, in-fraestrutura etc. Contudo, a variável corriqueiramente mencionada diz respeito à quali icação da mão-de-obra.

Esse aspecto (a quali icação do trabalhador) adquire tal relevân-cia que chega a ser proeminente quando a nossa referência são ou-tras dimensões cotidianamente debatidas (como a complexidade do sistema tributário, o nível de tributação, a qualidade da infra-estru-tura, a taxa de câmbio etc.). Nesse sentido, o resultado da pesquisa de De Oliveira e De Negri (2014, p. 324) sobre a percepção das empre-sas em torno dos fatores que limitam a produtividade é eloquente:1 Professor do Departamento de Economia, UnB.

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“O principal fator a prejudicar a produtividade das empresas, na opi-nião das mesmas, foi a baixa quali icação da mão de obra”.

A centralidade que está adquirindo a questão da “quali icação” do trabalhador contrasta com a ausência de esforços que estão sendo dedicados para especi icar o que se entende por “quali icação”, qual é o tipo de “quali icação” requerida, mas está faltando, por que escas-seará, por que o mercado e as políticas públicas estão se mostrando incapazes de contornar a restrição etc.

Nesse contexto, o nosso objetivo neste capítulo consiste em re-letir sobre o tema e tentaremos mostrar inconsistências e limitações

nos atuais diagnósticos e sugerir subsídios para futuras pesquisas. Primordialmente pretendemos chamar a atenção para uma dimensão curiosamente ausente no atual debate e que diz respeito a possível de iciência nas habilidades não-cognitivas. A introdução dessa pers-pectiva talvez possa ajudar a entender algumas curiosidades, como, por exemplo, a passividade dos empregadores na formação de seus recursos humanos, não obstante a identi icação de sua de iciente ca-pacidade produtiva como o principal obstáculo ao aumento da produ-tividade.

Dado esse objetivo, estruturamos o capítulo da seguinte forma. Na próxima Seção vamos resenhar, muito sinteticamente, os principais argumentos que vinculam anos de estudo/acumulação de conheci-mento acadêmico com produtividade. Veremos que o sistema escolar não constitui o único âmbito de acumulação de saberes factíveis de serem utilizados no mundo do trabalho. Na Seção 3 veremos que o diagnóstico sobre a falta de formação acadêmica/técnica da força de trabalho tende a evidenciar fragilidades quando confrontada com a evolução de certos indicadores. Na Seção 4 introduziremos o concei-to de habilidade não-cognitiva (também conhecida na literatura como habilidades sociais). Tentaremos chamar a atenção ao leitor sobre a pertinência dessa dimensão. Por último inalizaremos o capítulo na Seção 5 onde faremos um balanço de nossos principais argumentos.

2. Os Aspectos Teóricos

Basicamente, em termos analíticos e não obstante as referências que podem ser encontradas nos Clássicos (Smith, Malthus etc.), as ba-ses conceituais das modernas abordagens sobre as origens da produ-

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tividade da força de trabalho se encontra nos textos de Becker (1964), Schultz (1960, 1971), Mincer (1958) etc., ou seja, os autores e textos que habitualmente se vinculam com o surgimento da denominada Teoria do Capital Humano (TCH).

De forma muito resumida, esta perspectiva sustenta que a produ-tividade é uma dimensão econômica construída, adquirida ou acumu-lada mediante um investimento (especialmente em educação e mar-ginalmente em outras áreas como saúde). E como todo investimento, este só é viável se, em termos de valor presente, o fluxo for positivo. Nesse sentido, a educação formal, recebida na infância e na juventude, constitui a variável chave, uma vez que determinará a produtividade futura do indivíduo.

Obviamente, a acumulação do Capital Humano (CH) não se limita ao período escolar ou ao conteúdo apreendido nas salas de aula. Na primeira infância (e mesmo durante a gravidez da mãe) podem estar sendo edi icadas sinapses que serão cruciais nas possibilidades de agregar conhecimentos e habilidades no futuro.2 Fora do sistema esco-lar, as possibilidades de agregar conhecimentos e habilidades também podem ser vislumbradas no transcurso da vida ativa, seja mediante cursos informais, cursos de formação pro issional ou mesmo nos ga-nhos de aperfeiçoamento que as atividades cotidianas no posto de tra-balho possibilitam. Por último, o ambiente social (na família, no círcu-lo de amizades, na escola etc.) também é factível de exercer in luência em aspectos valorados inanceiramente no mundo de trabalho.3

Concluímos, assim, que o CH de um indivíduo pode ser a soma-tória e a interação de um conjunto de características que foram ali-mentadas em distintos espaços nas diferentes etapas da vida: família, ambiente socioeconômico, sistema escolar formal ou informal, expe-riência no posto de trabalho etc.

Em geral, os teóricos dividem o CH em geral e especí ico, podendo o primeiro ser útil em diversas atividades, setores, irmas etc. e o se-gundo ter aplicação mais especí ica. Não existe uma segmentação níti-da entre um e outro, existem gradações e complementaridades. Extre-

2 Existe uma ampla literatura que salienta a primeira etapa da vida de um indivíduo como crucial na delimitação do futuro desenvolvimento da sua capacidade cognitiva. Ver, por exemplo, Araújo (2011), e Nores e Barnett (2010). 3 Aqui não estamos considerando as redes de relações (network) que o ambiente possibilita. Simplesmente estamos limitando a nossa análise às variáveis que dizem respeito a conhecimentos e habilidades associadas à capacidade cognitiva ou técnica. Voltaremos sobre outras dimensões nos próximos parágrafos.

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mos são possíveis (por exemplo a capacidade de leitura é comumente a ilustração de CH geral e uma habilidade que só pode ser funcional a um estabelecimento, é o caso típico de CH especí ico), não sendo, contudo, o mais corriqueiro. O relevante, mais que a segmentação, é a possibilidade de complementaridades ou articulações. Por exemplo, o CH geral é factível de ser uma limitação para a agregação de capital humano especí ico (a título de ilustração podemos imaginar um traba-lhador que, por de iciências na sua alfabetização, não pode ser o bene-iciário de um curso que requer leitura).

Sempre em termos teóricos, os âmbitos nos quais é factível acu-mular ou ser bene iciário de investimentos em CH depende de seu caráter de quem o inancia e de sua generalidade ou especi icidade. Cursos inanciados pelas irmas di icilmente agregarão CH geral ou, em outros termos, estarão preponderantemente direcionados a outor-gar CH especí ico. A possibilidade de um assalariado deixar o posto de trabalho tende a reduzir as possibilidades de a irma bene iciar seus assalariados com CH geral, uma vez que o patamar deste pode esten-der as possibilidades de emprego em outras empresas e, uma vez que o CH está indissoluvelmente associado ao indivíduo, quando o traba-lhador parte, vão com ele todos os investimentos que a irma realizou na sua formação.

Contudo, esta suposta e reiterada dicotomia (CH geral adquirido fora de irma e CH especí ico susceptível de ser inanciado pelos em-pregadores) depende do horizonte de tempo do vínculo. Quanto maior for o horizonte esperado maior será, também, a possibilidade de a ir-ma realizar investimentos em CH geral.4 Contudo, o horizonte do vín-culo pode ser uma variável sobre a qual o empregador tem um certo controle. Mediante o pagamento de salários indiretos (plano de saúde, aposentadoria etc.) ou um patamar de rendimentos superior ao custo de oportunidade, a irma poderia reduzir a rotatividade. Tudo depen-de da comparação (em termos de valor presente) do investimento/custos e o luxo de bene ícios. O horizonte de tempo pode ser alterado, não é imune à estratégia de gerenciamento dos recursos humanos da irma. Obviamente, alongar essa perspectiva temporal do vínculo re-

dunda em custos, que deve ser comparado aos bene ícios.

4 Aqui estamos diante de uma antiga polêmica sobre a origem da elevada rotatividade do emprego no Brasil. Autores como Camargo (1996) e Gonzaga (1998) sustentam que o reduzido horizonte nos vínculos tem sua origem no conjunto de bene ícios i-nanceiros que um assalariado celetista demitido sem justa causa pode obter. Para um diagnóstico que relativiza esse argumento ver Ramos (2012). No transcurso do capí-tulo retornaremos a esta polêmica em diversas oportunidades.

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Em geral, nos últimos 20 anos, as tentativas de quanti icar o CH de um país foram se popularizando. Essas iniciativas se justi icam na medida em que, sendo o CH fonte de produtividade, naturalmente de-veria ter como corolário algum impacto sobre o crescimento e o nível de renda. Essa relação (produtividade→crescimento) adquire relevân-cia na medida em que surge (e poderíamos dizer que vira uma verda-deira moda) toda uma literatura sobre a globalização das economias e o conhecimento como matriz do aumento do nível de renda. Nesse sentido, quanti icar o CH dos países é crucial para determinar em que medida a hipótese segundo a qual um maior CH induz um maior cres-cimento é pertinente ou tem validade empírica.

Contudo, quanti icar o CH de um país em termos de anos de es-tudo é uma iniciativa metodologicamente questionável. O CH, em ter-mos teóricos, diz respeito à capacidade cognitiva, habilidades etc. Esse conjunto de variáveis estaria na raiz da produtividade. É válido supor que quanto maior a permanência no sistema escolar maior deveria ser CH, mas há um porém: um mesmo período pode registrar distintas densidades de agregação. Ou seja, estamos diante de um problema de qualidade, que limita as comparações no tempo e no espaço. Se não for a mesma “unidade de medida”, um ano de estudo no Brasil não equi-vale a um ano de estudo na Finlândia, a possibilidade de explicação de diferentes performances econômicas mediante a variável “anos de es-tudo” ica inviabilizada. Podemos aplicar o mesmo raciocínio no caso de um mesmo país em diferentes momentos do tempo. Por exemplo, a comparação entre o retorno da educação (medida mediante os anos de estudo) no Brasil nos anos 90 e esse mesmo retorno hoje ica invia-bilizado se a qualidade da educação mudou (ou seja, se a unidade de medida se alterou).5 Nesse sentido, e fundamentando empiricamente a incorporação de aspectos que dizem respeito à qualidade da edu-cação, diversas pesquisas empíricas foram realizadas e os resultados tendem a validar a qualidade da educação como fonte de crescimento.6

Assim, so isticar a quanti icação do CH requer ir além da variá-vel quantidade e adentrar no quesito da qualidade, um empreendi-

5 Por exemplo, um documento do Banco Mundial atribui parte da queda nos retornos da educação na América Latina na última década (e os conseguintes menores índices de concentração dos rendimentos do trabalho) à uma suposta deterioração na quali-dade do ensino. Ver De la Torre, Levy Yeyati e Pienknagura (2015). 6 Ver, por exemplo: Hanushek e Kimko (2000), Barro e Lee (2001), Hanushek e Woes-smann (2012), Hanushek (2013). No caso do Brasil, existem evidências associando qualidade do ensino a salários (CURI, MENEZES FILHO, 2015).

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mento que está na base das hoje centenas de testes que proliferam no Brasil e no mundo. Em geral, essas provas têm como referência a medição de diversas habilidades de tipo “cognitivo” e, na maioria dos casos, incorporada no sistema escolar.7 Essa habilidade “cognitiva” é testada em diferentes áreas mas, principalmente, em linguagem (por-tuguês), matemática e, pode ser, ciências. Capacidade de leitura, com-preensão de textos, cálculos aritméticos etc., são as formas usuais de testar esses conhecimentos que vamos denominar de “acadêmicos”. Segundo o teste, sua metodologia pode ir além de testar saber somar, dividir etc. e ensaiar em que medida o domínio dessas técnicas é tal que pode ser aplicada a tarefas do cotidiano ou à resolução de proble-mas do dia a dia.

Temos assim que são tentadas duas associações. A primeira é en-tre o sistema educativo e essas habilidades “acadêmicas”. A segunda, entre essa capacidade cognitiva e dimensões econômicas, como cresci-mento, salários, probabilidade de encontrar emprego etc.:

Educação Formal↓

Capacidade Cognitiva Acadêmica↓

Dimensão Econômica(crescimento, salários, emprego etc.)

A literatura visando testar essas relações de causalidade é far-ta, nos parágrafos anteriores citamos algumas só a título de ilustra-ção e, dado o nosso objetivo neste texto, não vamos nos deter em uma resenha crítica.

3. O Enigma

Por que estamos denominando de “enigma” à situação do Brasil? Simplesmente porque o diagnóstico “não fecha”, não existe uma com-patibilidade entre o diagnóstico “consensualmente” aceito (a quali i-

7 Estamos desconsiderando a capacidade cognitiva oriunda da interação com a família, o ambiente, a saúde etc. uma vez que o foco de nossa análise vai ser a educação, seja formal ou informal.

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cação da mão de obra é baixa e constitui um obstáculo ao aumento da produtividade) e os dados também consensualmente aceitos. Vejamos com detalhe.

a) Os retornos (ou prêmio) pela educação vêm caindo

Existe consenso sobre esse aspecto. Nos últimos 20 anos os retor-nos pela educação estão caindo. Essa seria uma outra fase da tão co-mentada queda na concentração dos rendimentos. Essa dinâmica não esta restrita ao Brasil, e, contrariamente seria um episódio comum aos países da América Latina (ver, por exemplo, MANACORDA; SÁNCHEZ PÁRAMO; SCHADY, 2010). A massiva incorporação de jovens com ensi-no médio teria gerado uma deterioração (em termos de valor relativo) desse tipo de diploma em particular. Sobre este ponto existe consenso e, portanto, não nos deteremos.

Contudo, surge uma natural pergunta: se as irmas estão encon-trando di iculdades para a contratação de mão de obra quali icada, os prêmios pagos por uma maior educação não teriam que estar aumen-tando e não caindo? Existe também um consenso (teórico e empírico) sobre o impacto que o descompasso entre oferta e demanda de tra-balho segundo quali icação gera sobre a distribuição de rendimentos do trabalho e sobre os prêmios por educação. Justamente, a popular Curva de Kuznets associando distribuição a estágios no processo de desenvolvimento poderia fundamentar-se nesse descompasso entre oferta e demanda de trabalhadores quali icados. No caso especí ico do Brasil, Langoni (1973) atribui a essa defasagem a elevação na de-sigualdade de renda durante o rápido crescimento do país nos anos de industrialização substitutiva. Diversos autores (por exemplo, ACE-MOGLOU, 2002; LEVY; MURNANE, 2003; KATZ; KEARNEY, 2008) iden-ti icam nessa falta de matching entre oferta e demanda de trabalho quali icado e não quali icado o embrião da crescente desigualdade de renda nos países centrais desde os anos 80.

Basicamente, estaríamos diante de um básico modelo de oferta e demanda, onde o deslocamento da demanda é maior que a oferta, tendo como corolário um aumento no preço relativo. Isso teria que ter acontecido no Brasil no caso de esse descompasso ter se veri icado. Não foi o que aconteceu. Os retornos da educação caíram, a desigual-dade na distribuição dos rendimentos do trabalho se reduziu e, conco-

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mitantemente, o diagnóstico segundo o qual falta mão-de-obra quali-icada ganha consenso.

Ou seja, a leitura dos dados e o diagnóstico “não têm matching”.

b) Por que as firmas não treinam/formam?

Aqui a pergunta é pertinente, uma vez que se a restrição é, na perspectiva dos próprios empregadores, o principal obstáculo para o crescimento da produtividade, o retorno desse “investimento” deveria ser elevado. Tomemos o caso da indústria automotriz (General Motors, Ford, Chrysler, Honda, Mazda, Toyota, Nissan, Audi e Volkswagen ) que está se instalando no interior do México e pretende tornar esse país uma plataforma de exportação mundial. Na ausência de mão de obra quali icada os empregadores estão inanciando (via bolsas de estudo) a formação terciária de parte de seus empregados.8 Existem vários de-senvolvimentos teóricos com uma certa validação empírica (ver, por exemplo, ACEMOGLOU; PISCHKE,1998), que sugerem que, em deter-minadas circunstâncias, seria racional para as irmas oferecerem for-mação geral (CH geral) a seus empregadores sem uma contrapartida inanceira. Ou seja, assinalar que a falta de quali icação dos trabalha-

dores é a principal restrição ao crescimento e que, diante dessa limita-ção, a atitude das irmas é meramente passiva (aceitam passivamente esse condicionante), não é uma situação que possa ser aceita sem al-gum tipo de so isticação analítica.

Nessa direção, vários podem ser os argumentos que justi icam essa passividade.

b.1) O Horizonte dos Vínculos

A primeira diz respeito ao limitado horizonte temporal dos vín-culos no Brasil (média de pouco mais de três anos no caso dos celetis-tas) que não tornaria viável o investimento, em formação, por parte do empregador.9 Nessa linha de argumentação (ver os artigos já citados de CAMARGO, 1996; GONZAGA, 1998) as instituições que regulam as relações capital-trabalho (especialmente os bene ícios ao assalariado desligado sem justa causa) seria, via o leque de incentivos/penalida-8 Ver Colombo (2015).9 A média pouco maior que três anos para os vínculos regulados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) tem como fonte a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS).

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des que estabelece, a principal responsável pelo reduzido horizonte e, por conseguinte, pela inviabilidade de ações por parte das firmas na formação de seus recursos humanos. Este argumento pode ser parcialmente aceito, enfrentando, contudo, uma fragilidade: assume, implicitamente, uma atitude passiva por parte dos empregadores. Es-tes têm a possibilidade de in luenciar nesse horizonte temporal. Se a falta de quali icação é a limitação mais relevante para o aumento da produtividade, como já salientamos, o retorno de iniciativas no campo da quali icação deveria ter um elevado retorno, viabilizando inancei-ramente diligências em aspectos tais como salários indiretos, perspec-tivas de desenvolvimento pro issional na irma etc., ou seja, formas de tornar mais duradouros os vínculos.10

b.2) A Deficiência na Formação Geral

Um segundo argumento está associado à complementaridade entre CH geral e CH especí ico, tão caro aos formuladores da TCH e que já abordamos na Seção anterior. Aqui o pressuposto central seria mais ou menos o seguinte. A educação formal no Brasil não atende às especi icidades (habilidades/destrezas) requeridas no mundo do trabalho. Esse descompasso seria reversível com formação especí ica, mas as de iciências em CH geral dos egressos do sistema escolar são de tal magnitude que não tornam inanceiramente (e mesmo opera-cionalmente) viável o investimento. Os resultados do Programa Inter-nacional de Avaliação de Estudantes (PISA) seriam, nesse sentido, elo-quentes. Em matemática, por exemplo, para uma média de 494 (para o conjunto de países pesquisados) o Brasil teria uma média de 391, com 67,1% dos pesquisados nos menores intervalos (23% na média).11 No caso de leitura e ciências as defasagens seriam similares. Uma vez que a posição do Brasil e o hiato quando o referencial são os melhores paí-ses ou cidades é amplamente noticiado e constitui uma quase unani-midade, não vamos nos deter nesses números.

Ou seja, o per il dos egressos do sistema escolar seria pouco fun-cional às habilidades requeridas pelas vagas que estão sendo disponi-bilizadas e as iniciativas em termos de formação poderiam ser inviá-veis, uma vez que essa formação é crucialmente de icitária. 10 Este tipo de administração dos recursos humanos recebeu amplo tratamento na lite-ratura econômica, ganhando a denominação geral de Modelos de Salários de E iciência. Ou seja, não estamos apelando a nenhum marco teórico “esdrúxulo”, mas sim a mode-los bem ancorados no paradigma padrão de funcionamento do mercado de trabalho. 11 Ver Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (2015).

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O argumento é uma hipótese, merece ser testada e veri icado o grau de aderência com a realidade. Em princípio permanece como hi-pótese. Contudo, certos elementos nos induzem a relativizar não a fal-ta de compatibilização entre o agregado no sistema escolar e as habili-dades requeridas pelos empregadores, senão à radical de iciência que inviabilizaria ações no campo da formação específica. Em geral, temos que a desvalorização do ensino é perceptível no ensino médio, onde os retornos têm apresentado queda mais nítida (ver o já citado artigo de MANACORDA; SANCEZ PÁRANO; SCHADY, 2010). Ou seja, a dete-rioração dos retornos não se observa nos menores níveis de escolari-dade senão nos médios. Aqui estamos diante de um excesso de oferta de trabalho que combina escolaridade média com faixas etárias entre 16 a 24 anos. Nessa faixa etária/escolaridade a taxa de desemprego atinge os maiores patamares. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/2013), a taxa média de desemprego se situou no patamar de 6,5%, atingindo 18% no caso da faixa etária de 16 a 24 anos com escolaridade entre 8 e 10 anos de estudo.12

Ou seja, as di iculdades de inserção são maiores em uma faixa etária que, quase por um determinismo biológico, possui ampla lexi-bilidade de adaptação, capacidade de adquirir conhecimentos, etc.13 A pergunta lógica é: essa juventude tem tal handicap de habilidades bá-sicas que inibe ( inanceiramente para a irma) esforços de formação? A formação recebida no sistema escolar tem uma inadequação tal que torna ine icientes recursos alocados para sua adaptação?

Nos reservamos o bene ício da dúvida. Em todo caso, essa é uma hipótese que merece ser testada.

4. A Variável Omitida: as Habilidades Não-Cognitivas?

Temos, até agora, diversas variáveis que tentam entender o por-quê da relutância das irmas em formar a mão de obra que a irma ser a principal restrição aos ganhos de produtividade. Horizonte de tempo nos vínculos e falência estrutural na formação da força de trabalho no sistema de ensino formal são as variáveis usualmente mencionadas. 12 Fonte: Microdados da PNAD/IBGE. Elaboração do autor. 13 Esta última possibilidade pode ser questionada no tocante a habilidades cognitivas, uma vez que é quase consenso que a inteligência cognitiva se determina na primeira infância. Contudo, a janela de oportunidades para habilidades mais especí icas é via-bilizada durante a juventude.

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Para quali icar o debate precisamos delimitar espaços de acumu-lação de CH e o tipo de habilidade que cada um possibilita incorporar. Por um lado, está o sistema escolar que, mesmo na hipótese de ser con-siderado e iciente, pode agregar habilidades acadêmicas que não ne-cessariamente são as requeridas pelo mercado de trabalho. Em outros termos, mesmo que nossos estudantes atinjam níveis satisfatórios em provas como o PISA, nada garante que esse per il de conhecimento seja aquele desejado pelos empregadores. Mas vamos assumir que esse nexo exista ou, em uma hipótese menos exigente, que sendo o sistema escolar e iciente agrega habilidades acadêmicas que não são direta-mente utilizadas no cotidiano das tarefas de um posto de trabalho, mas que possibilita reduzir custos de um treinamento especí ico. Ou seja, uma boa formação acadêmica viabilizaria os investimentos da irma em formação. Se esse é o caso do Brasil, a restrição ao crescimento da produtividade é relativamente fácil de ser contornada. Não seria algo trivial, porém existe a “tecnologia”. Hoje sabemos que variáveis (for-mação dos professores, motivação dos mesmos, extensão da jornada etc.) impactam de forma positiva na qualidade do output. Podemos até determinar qual dessas variáveis é mais e icaz e qual é mais e iciente.

A incógnita e o verdadeiro desa io é outro. Se as habilidades que faltam à força de trabalho não são as acadêmicas cognitivas, mas as habilidades “não cognitivas”?

O primeiro passo para avançar na nossa discussão consiste em de-inir o que é “habilidade não cognitiva”. Não é fácil, sendo a lista ampla:

disciplina, auto-controle, respeito às normas, capacidade de trabalhar em equipe, auto-apreciação, capacidade de organização, liderança, re-conhecimento das hierarquias, predisposição a interagir com outras pessoas, respeito à diversidade, perseverança, etc. Na literatura esse conjunto de habilidades recebe o nome de “habilidades socioemocio-nais” ou “habilidades sociais”. Podemos ter um preconceito, mas, uma vez que essa quali icação (“socioemocionais” ou “habilidades sociais”) nos situa próximo (em termos de linguagem) a livros de autoajuda, vamos denominá-las de “habilidades não cognitivas”.

Em termos de literatura, o tratamento econômico é amplo, sen-do Bowles, Gintis e Osborne (2001) a referência inelutável, ainda que no mainstream a abordagem também seja vasta (ver, por exemplo, HECKMAN; STIXRUD; URZUA, 2006).14 As pesquisas na área são recen-14 Uma certa provocação. Na Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (WEBER, 2014) não estaria salientando o que em uma linguagem moderna podemos denomi-nar de habilidades não cognitivas? Não teria sido, nesse aspecto, pioneiro, um pionei-rismo não reconhecido?

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tes (adquiriram relevância na década passada), mas a transcendên-cia dessa dimensão hoje não é questionável. É consensual vincular o perfil de inserção no mercado de trabalho (a qualidade do emprego, a trajetória dos salários no transcurso da vida ativa, a probabilidade de desemprego etc.), não unicamente com os logros acadêmicos, senão também a um conjunto de aspectos que englobamos sob a denomina-ção de “habilidades não cognitivas”.

O consenso, contudo, introduz desa ios, uma vez que salienta a pertinência de adensar analítica e empiricamente o tema. Nos próxi-mos parágrafos vamos nos deter em certas singularidades da dimen-são não cognitiva da força de trabalho que limitam que a mesma seja mais pesquisada (especialmente empiricamente) e que, mesmo em situações como a do Brasil hoje (falta de correspondência entre oferta e demanda de mão de obra), de forma paradoxal, não integre a agenda de discussão.

Não obstante as correlações entre as habilidades não cognitivas e o desempenho no mercado de trabalho ou, em geral, seu impacto em dimensões eminentemente econômicas ser plausível, a suposta correla-ção não pode fugir ao crivo dos dados. Nesse sentido, a amplitude e falta de fronteiras precisas (lembremos que a de inição pode ir desde a extro-versão, à capacidade de trabalho em equipe, passando por ética do tra-balho e chegando a padrões de comportamento) torna di ícil qualquer tratamento empírico. Sua construção para um posterior tratamento es-tatístico ou econométrico não é banal. Dificilmente se pode encontrar bancos de dados. Necessariamente as avaliações empíricas passam por estudos de casos, sendo limitadas as possibilidades de generalização.

Um segundo desa io consiste em de inir ou delimitar o âmbito no qual as habilidades não cognitivas são acumuladas ou adquiridas e as fronteiras que de inem as chances de sua alteração. A ética do tra-balho, o compromisso com objetivos, a capacidade de interagir com outros indivíduos e desempenhar tarefas em equipe etc. são habilida-des adquiridas no sistema escolar? Na família? No ambiente social? Em que etapa da vida são internalizadas? É possível sua modi icação posterior? Delimitar esses aspectos é fundamental para possibilitar que esse campo de pesquisa transite de uma mera curiosidade aca-dêmica a um âmbito de re lexão que subsidie a formatação de políti-cas públicas e as ações dos próprios empregadores. Por exemplo, as habilidades não cognitivas são fixadas, a semelhança das cognitivas, na primeira infância sendo os graus de liberdade para sua ulterior alteração restritos em idades superiores?

Qualificação da Força de Trabalho, Produtividade e Habilidades Não-Cognitivas 151

Uma pergunta pertinente é: as habilidades não cognitivas estão correlacionadas com as cognitivas? Por exemplo, um excelente pro is-sional na área de matemáticas não deve apresentar, também, uma per-sonalidade no qual a disciplina e a perseverança estejam presentes? Em outros temos, se um posto de trabalho requer um per il individual no qual a disciplina seja crucial para o desempenho, a contratação de um matemático pode manifestar a compra, por parte do empregador, do “sinal” e não de seu conhecimento acadêmico.15 Uma vez que, como já a irmamos, o leque de características individuais que são geralmen-te agrupadas na denominação de “habilidades não cognitivas” é tão amplo, as correlações podem ser diversas ou não existirem.16 Em todo caso, e diante da di iculdade em de inir e mensurar as habilidades não--cognitivas, a procura de correlações pode ser um atalho a ser pro-curado e, nesse caso, retornamos ao mundo no qual o relevante são, exclusivamente, as habilidades cognitivas, sendo as habilidades não cognitivas procuradas indiretamente (“sinais”).

Contudo, as habilidades não cognitivas, não obstante serem rele-vantes em termos teóricos, podem chegar a constituir uma restrição ao aumento da produtividade? Existem pesquisas pioneiras sugerindo que as de iciências nas habilidades não-cognitivas são as verdadeiras restrições que os empregadores estão encontrando na hora da contra-tação (BASSI et al., 2012). Lembremos que os corriqueiros testes de qualitativos (tipo PISA, Prova Brasil etc.) avaliam, exclusivamente, co-nhecimentos acadêmicos, o que denominamos de habilidades cogniti-vas. Segundo a so isticação do teste, como já salientamos, ele pode se restringir a simples resolução de exercícios ou podem ir além e tentar avaliar em que medida o domínio de uma habilidade pode ser útil para a resolução de problemas concretos. Contudo, em nenhum caso existe uma avaliação da compatibilidade entre esse conhecimento acadêmi-co, os requerimentos técnicos no mundo do trabalho e as “habilidades não cognitivas”. Ou seja, podemos estar em uma situação paradoxal:

15 Em termos teóricos estamos diante da denominada Teoria do Sinal. Em um am-biente de informação imperfeita os agentes acumulam certos sinais que são utilizados como critérios de contratação. Ver Ramos (2012). 16 No caso do nosso exemplo com o matemático, sua personalidade pode ter como característica a disciplina, mas não o trabalho em equipe. No caso de a vaga aberta requerer uma boa luidez nas relações entre os membros da equipe, esse indivíduo pode não ser o mais adequado. Ou seja, o “sinal” emitido pelo fato de ser um bom matemático pode não ser relevante no caso do posto de trabalho requer um indivíduo no qual a singularidade ou vantagem comparativa seja uma boa luidez nas relações pessoais e liderança de grupo.

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não tendo indicadores para mensurar a de iciência de habilidades não-cognitivas e, contrariamente, sendo conscientes das limitações nas habilidades cognitivas estamos atribuindo todas as restrições ao fenômeno que somos capazes de mensurar.17

Essa falta de focalização dos testes corriqueiros na avaliação de conhecimentos/habilidades não acadêmicas (sejam elas as habilida-des não cognitivas, sejam as pro iciências requeridas pelos postos de trabalho) se nutre de três fatores.

Por uma parte, existe uma segmentação entre o sistema escolar e o mundo do trabalho. A formação humanista/cientí ica proporcionada na educação formal pareceria obedecer a uma lógica própria e os tes-tes pretendem avaliar esses objetivos, que não necessariamente coin-cidem com o per il de recursos humanos requeridos pelos emprega-dores. Dessa forma, como já salientamos, melhorar a performance nas provas de avaliação (tipo PISA), não necessariamente vai redundar em uma redução do hiato entre o “produzido” na escola, colégio e universidades e o desejado pelas firmas.

O segundo fator diz respeito à ausência de objetivos, no siste-ma escolar, no tocante a esse tipo peculiar de “habilidades”. Induzir o gosto pelo trabalho em equipe, o compromisso com objetivos, o auto-controle etc. pode até ser adquirido pelo cotidiano no sistema escolar, mas certamente não é um objetivo explicitamente “cobrado” ao corpo docente. Na medida em que as avaliações o iciais estão restritas à for-mação humanista/cientí ica e muitas vezes os recursos transferidos e mesmo os salários dos professores estão atrelados a esses resultados, seria irracional alocar esforços à agregação de habilidades não cogni-tivas. Ou seja, o sistema de incentivos/punição negligencia variáveis associadas a dimensões não acadêmicas.

Por último, o terceiro fator, que nutre a ausência de aspectos não cognitivos nos testes de avaliação, está associado a uma característica que já salientamos: o leque de variáveis que pode ser levado em consi-deração quando se pretendem mesurar essas habilidades é tão amplo e difuso que acaba inibindo qualquer tentativa de mensuração.

Ou seja, o Brasil está diante de uma situação paradoxal. A prin-cipal restrição ao crescimento da produtividade (ou ao crescimento

17 Não podemos resistir à tentação de reproduzir uma popular “piada” entre economistas que ilustra bem esta situação. Um indivíduo percebe que um outro está procurando alguma coisa ao redor de um poste com luz. Aproxima-se e pergunta o que está procurando, sendo a resposta a chave do carro. O primeiro indivíduo indaga: “mas você perdeu a chave aqui”. A resposta é: “não, mas é o único lugar que tem luz”.

Qualificação da Força de Trabalho, Produtividade e Habilidades Não-Cognitivas 153

tout-court) parece ser a formação da mão de obra. Contudo, não sabe-mos muito bem que dimensão da formação alimenta a restrição. Te-mos dados sobre as de iciências acadêmicas, mas será que é realmente essa a dimensão limitante ou estamos diagnosticando em função das informações disponíveis? Não seria relevante pesquisar, não obstante as di iculdades nas análises empíricas, espaços não cognitivos, de ati-tudes, comportamento, etc.?

5. Comentários Finais

Historicamente, os arcabouços teóricos sugeriam que os víncu-los entre educação/formação e produtividade/crescimento estavam mediados pelas habilidades/conhecimentos/pro iciências. Estas po-deriam ser adquiridas no sistema escolar ou acumuladas no mundo do trabalho, sendo estas últimas agregadas através da experiência no posto de trabalho e/ou na pro issão e/ou simplesmente com o trans-correr dos anos. Mas, em todos os casos, era uma formação acadêmi-ca/técnica, factível de ser apreendida no sistema escolar e posterior-mente aproveitada e polida no mundo do trabalho.

De alguma forma essa perspectiva está implícita na cultura de avaliação que se foi con igurando nas últimas décadas. Testar a quali-dade do ensino poderia ser uma ferramenta útil para nortear políticas além de validar (ou não) empiricamente os nexos que mencionamos no parágrafo anterior. Ganhos quantitativos e qualitativos no mundo acadêmico teriam que se traduzir em avanços em termos de cresci-mento econômico.

Ocorre que esse reducionismo peca pelo seu simplismo. Assim, não podemos descartar que a formação humanista/cientí ica adquiri-da no sistema escolar não se articule com as pro iciências requeridas pelos postos de trabalho. Contudo, mesmo supondo essa desarticula-ção, poder-se-ia arguir que a acumulação de um conhecimento aca-dêmico possibilita que as irmas ou a própria experiência individual agreguem as habilidades especí icas. Sem um ensino de qualidade essa acumulação de pro iciências concretas não seria possível.

Esse argumento é plausível. Contudo, diversos fatores podem estar limitando a fronteira de possibilidades de agregação/comple-mentariedade no mundo do trabalho e, dentre esses fatores, no caso do Brasil é usualmente mencionado o horizonte dos vínculos. Mesmo

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais154

aceitando essa hipótese, a mesma está longe de esgotar o problema, uma vez que supõe um empregador passivo e sabemos que os vínculos são sensíveis a estratégias de gerenciamento dos recursos humanos.

Nesse contexto teórico, atribuir, como fazem os empregadores, às de iciências do sistema escolar ou, em geral, à quali icação da força de trabalho a principal restrição ao crescimento da produtividade levanta mais questões que respostas. Por que as irmas não contornam essa de iciência mediante a formação no lugar de trabalho? Se a resposta é pelo horizonte dos vínculos, a pergunta seguinte seria: por que não adotam estratégias de administração dos recursos humanos factíveis de estender esse horizonte? Por que o Brasil não reproduz práticas generalizadas em outras economias nas quais diante da ausência de formação (mesmo de formação geral) os empregadores implementam amplas estratégias de formação ? As profundas de iciências no siste-ma escolar inibem apelar a essas condutas? Outra vez devemos acei-tar essa possibilidade, ainda que paire uma dúvida: será que a recente incorporação à força de trabalho de uma população jovem com ensi-no médio não está disponibilizando essa massa crítica sobre a qual investir? Por que essa oferta de trabalho, que registra elevadíssimas taxas de desemprego, não é assumida como potencialmente parceira em planos de formação e vínculos de longo prazo ?

Ou seja, as perguntas são diversas e têm pertinência na medida em que os dados não parecem corroborar essas hipóteses. Os retornos ou prêmios da educação estão caindo, um “sem sentido” em um con-texto no qual primaria a ausência de quali icação. Se esses diagnós-ticos têm algum grau de nexo com a realidade os retornos deveriam estar aumentando e não caindo.

Durante o texto, nosso objetivo foi introduzir uma outra dimen-são: as “habilidades não cognitivas”. Talvez o debate esteja pautado pe-los dados existentes e estes, estando restritos aos testes de avaliação, direcionam o nosso olhar a variáveis acadêmicas ou habilidades cogni-tivas. De iciências na dimensão não-cognitiva (comprometimento com o contratado, disciplina etc.) podem estar inviabilizando a formação técnica na irma, tornando não rentável esse tipo de investimento.

Chamar para o debate esta dimensão não acadêmica da formação individual introduz uma série de problemas (de validação empírica, sobretudo), mas está ancorada em uma ampla literatura internacional e incipientes pesquisas sugerem que essa pode ser a variável que dá sentido ao todo. Por outra parte, no caso de esta dimensão ter algum

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grau de legitimidade empírica, recursos alocados na melhoria (quanti-tativa e qualitativa) do sistema educativo muito provavelmente não se vão traduzir em redução da incompatibilidade entre oferta e demanda de trabalho. Como ressaltamos em diversas oportunidades no trans-curso do texto, as ações no âmbito das escolas/colégios/universidades estão direcionadas a elevar quantitativa e qualitativamente um tipo de habilidade (acadêmica) que pode não ser a requerida no mundo do trabalho e as provas para avaliar a qualidade do ensino (PISA etc.) tendem a avaliar esse tipo de conhecimento.

Nada justi ica não chamar para o debate a dimensão não cogni-tiva da força de trabalho. Essa variável, já ancorada analítica e empi-ricamente em recentes pesquisas, pode ser a parte que dá sentido ao conjunto.

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JUVENTUDES NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: uma discussão sobre políticas públicas e

mercado de trabalhoGeórgia Patrícia Guimarães dos Santos1

Francisca Rejane Bezerra Andrade2

Júnior Macambira3

1. Introdução

O aprofundamento teórico-conceitual sobre o segmento social jo-vem tem proporcionado a identi icação dos diferentes modos de “ser jovem”, logo cada vez mais se compreende as juventudes não como uma passagem para a vida adulta, mas como uma etapa em si mesma, apontando di iculdades e oportunidades especí icas dos jovens. Ou seja, enquanto em determinado período de nossa história se percebia a juventude como uma possibilidade de poucos; agora, vale analisar os diferentes modos de viver esta condição. Desse modo, os jovens po-bres podem se pronunciar sobre suas experiências e demandas, sem ter-lhes negado esta identidade.

Levi e Schmitt (1996) chamaram a atenção para o fato de que se as análises sobre a juventude eram recorrentes entre as diferen-tes áreas disciplinares, principalmente, nas décadas de 1970 e 1980, poucos foram os que buscaram uma de inição de juventude, pondo em evidência suas especi icidades, capaz de identi icar o lugar que os jo-vens desempenham na história, tomando-os como um segmento que compõe uma fase diferente das outras. Assim, o primeiro problema

1 Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Bacharel em Serviço So-cial pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Atualmente, é Assistente Social na Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) da Universidade Federal do Ceará (UFC), trabalhando junto ao Programa de Moradia Universitária.2 Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo, Pós-Doutora em Ciências da Educação pela J. W. Goethe Universität Frankfurt AmMain - Alemanha. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Mestrado Pro issional em Planejamen-to e Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará.3 Analista de Mercado de Trabalho do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais160

que se apresentou para os pesquisadores foi a di iculdade de se de inir o que seria juventude.

Para as autoras Cardoso e Sampaio (1995), a discussão socioan-tropológica sobre a juventude tem seus primórdios a partir de uma abordagem geracional-biológica, que vai cedendo espaço em favor de outra, histórico-social-cultural. Ou seja, o ritmo das mudanças sociais e os acontecimentos históricos passam a ser vistos como elementos importantes na difusão de novas atitudes e estilos juvenis, fazendo com que essa fase do ciclo da vida não seja tomada como um episódio natural ou automático. Foi também quando, conforme as mesmas au-toras, emergiram estudos que associavam juventude com o conceito de cultura, preocupando-se com o posicionamento dos jovens acerca dos valores sociais vigentes, que poderia ser interpretado como um desvio de conduta, uma readaptação ou uma inovação.

Na verdade, pode-se inferir que a modernidade estabeleceu uma noção de juventude bastante associada à ideia de moratória, que pode ser entendida como um momento de adiamento das responsabilida-des do mundo adulto. Ou seja, a transição da adolescência para a fase adulta desa ia certas tomadas de decisões que interferirão em toda a vida. Alguns eventos contribuiriam para marcar o im da juventude e a inserção no mundo adulto, tais como o matrimônio, a constituição de um novo arranjo familiar e o nascimento de ilhos. No entanto, a moratória é notadamente marcada pela passagem da experiência es-colar para o mercado de trabalho, que, para alguns jovens, é adiado em virtude da continuidade dos estudos na educação técnica ou no nível superior. Já para outros, a necessidade de contribuir com a renda fa-miliar ou de buscar precocemente sua autonomia inanceira leva-os a desenvolver as mais diversas atividades laborais, por vezes informais e até ilícitas, eliminando ou condensando o tempo de moratória.

Assim sendo, Mario Margulis (2004), docente da Universidade de Buenos Aires, concluiu que apenas uma parcela dos jovens disporia dessa moratória, que ele a classi icou de social, visto que somente para alguns seria facultado o direito de adiamento das exigências da vida adulta, conforme a classe social. Ou seja, os jovens não vivenciam essa passagem da mesma forma. Por isso, o autor questiona: não haveria, então, outros elementos que poderiam caracterizar a juventude? Um homem que tem ilhos aos 19, 20 ou 21 anos, constitui família e não estuda, não seria jovem? Em que consiste sua juventude?

Para buscar uma resposta Margulis e seu ex-aluno Marcelo Urresti dialogaram com um texto de Pierre Bourdieu – “a juventude não é mais

JUVENTUDES NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA 161

que uma palavra”, que apontou a restrição do conceito de juventude a uma condição de classe. Dessa forma, discutiram que a juventude é sim mais que uma palavra, tem existência material e vital, servindo-se dos signi icados que a sociedade lhe atribui. Margulis e Urresti (2010) chegaram, portanto, aos conceitos de moratória vital e memória social.

Para esses autores, a juventude tem relação com a vida social, cul-tural e com as circunstâncias históricas, no entanto, há algo em comum entre todos os jovens: ser jovem é ser portador de uma “moratória vi-tal”, ou seja, um crédito temporal real, pois não se está velho, uma vez que teoricamente se estaria longe da morte, com mais saúde e disposi-ção ísica, do ponto de vista biológico. Além disso, pessoas de gerações diferentes foram socializadas em períodos distintos, com linguagens próprias e valores diferentes, caracterizando-se por uma “memória social”. Conforme, então, Margulis e Urresti (2010), a juventude é uma condição social e cultural em função da idade (moratória vital), de acordo com a geração a que pertence (memória social incorporada), a classe social de origem (moratória social), o gênero e a família.

Logo, o aspecto principal a ser considerado informa que não é possível referir-se à juventude como uma categoria linear e uniforme. De fato, “as juventudes” existem revelando-se mediante uma multi-plicidade de símbolos, linguagens e comportamentos, formando uma série de subcategorias dentro da categoria social “juventude”. Há, por-tanto, uma diversidade de “modos de ser jovem” (DAYRELL, 2010). Assim, embora ainda haja rituais ou elementos considerados como de passagem da juventude para a vida adulta, eles agora, são tomados conforme a condição sócio-histórica do indivíduo.

Deve-se pensar que existe um vasto leque de grupos de pessoas com a mesma faixa etária, relacionando-se entre si e com o mundo de diferentes formas, de acordo com sua inserção no contexto social. As “juventudes”, portanto, retratam os diversos recortes culturais, de classe social, gêneros, étnicos, religiosos, urbano/rural de ser jovem. Como sintetizou Novaes (2003, p. 122): “os jovens da mesma idade vão sempre viver juventudes diferentes”. Desse modo, o “s” traz a obri-gação de se pensar a pluralidade de juventudes em suas múltiplas de-terminações e expressões.

Desse modo, traçar um panorama sobre a condição juvenil na contemporaneidade, considerando as transformações demográ icas, socioeducacionais, econômicas, do mercado de trabalho, entre outras questões, que desa iam as diferentes formas de ser jovem, possibilita

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais162

evidenciar os jovens como sujeitos prioritários das ações públicas go-vernamentais na última década no Brasil.

Registra-se que entre os anos de 1930 até 1980 o Brasil vivenciou um ciclo econômico com forte expansão no nível do emprego, especial-mente do emprego assalariado. De tal forma que este período, ainda que com di iculdades, ofereceu oportunidades para constituições de uma trajetória pro issional, mesmo sendo um país cujo espaço da edu-cação foi relativamente pequeno. Vale lembrar que, em 1960, apenas 1% dos jovens entre 18 e 24 anos tinham acesso ao ensino superior, hoje, têm-se quase 13%, embora ainda represente uma parcela restri-ta da juventude (POCHMANN, 2010).

As décadas de 1980 e 1990 já foram mais di íceis para os jovens brasileiros, pois economicamente não só o país cresceu menos, como as oportunidades de trabalho foram extremamente reduzidas, sobre-tudo, o emprego tradicionalmente voltado aos jovens foi sendo ocu-pado por pessoas não jovens, como ocorreu nos setores bancário e da construção civil.

O primeiro impacto que o início do terceiro milênio herdou foi a di iculdade de se estabelecer uma delimitação etária, uma cronologia para a fase da juventude – entre 15 e 19; 15 e 24 ou 12 a 18 anos de idade? Na contemporaneidade trata-se da juventude como um con-ceito ainda em construção, dinâmico, luido e complexo, que envolve as representações da sociedade sobre os jovens como a percepção do próprio jovem sobre si mesmo, mas que, dada essa problematização, a faixa etária considerada jovem, no âmbito das atuais políticas públicas, atende aos que estão entre 15 e 29 anos de idade.

Em outras palavras, não cabe mais a questão se a juventude seria a “mola propulsora” de mudanças na sociedade. Ela passa a ser vista em suas especi icidades. Em que os diversos segmentos juvenis se di-ferenciam ou se assemelham e quais são as questões que afetam, par-ticularmente, as juventudes contemporâneas? Mais do que um estudo sobre um momento do ciclo da vida, as análises sobre as especi icida-des juvenis são re lexões temáticas. Desse modo, encontram-se apre-ciações sobre: juventude e trabalho; juventude e educação; juventude e saúde; juventude e cultura; juventude e as tecnologias de comunica-ção e informação; e outras.

Logo, se por um lado, em determinado contexto histórico, buscou--se uma de inição sobre o conceito de juventude; por outro, também se identi icaram transformações sociais que complexi icaram esta fase da

JUVENTUDES NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA 163

vida. Ou seja, há diferentes pontos de partida para que se compreenda o que é juventude – faixa etária, categoria social, geração, entre outros, porém, o que tem sido mais fortemente apregoado relaciona-se com as diferentes formas de ser jovem e as diversas expressões da questão social, postas como desa ios para este contingente populacional. Por isso, da necessidade de uma investigação teórica e conceitual acerca dessa temática, passa-se para a análise das especi icidades e proble-máticas sociais vivenciadas pelos jovens e as possíveis respostas pro-porcionadas pelo Estado.

2. Juventudes e Políticas Públicas: do Que se Trata?

Com o objetivo de discutir a situação das juventudes brasileiras frente às ações governamentais, durante meados da última década do século passado, Rua (1998, p.731) propôs uma compreensão de políti-cas públicas como sendo “o conjunto de decisões e ações destinadas à resolução de problemas políticos”.

As políticas públicas, nesse sentido, seriam respostas a alguma demanda apresentada por atores políticos ou sociais, públicos e pri-vados, que, no inal, lograram ser incluídas na agenda governamen-tal. Enquanto essa inclusão não ocorre, a autora compreende que tais demandas permanecem em “estados de coisa”, ou seja, em “situações mais ou menos prolongadas de incômodo, injustiça, insatisfação ou perigo que atingem grupos mais ou menos amplos da sociedade sem, todavia, chegar a compor a agenda governamental ou mobilizar as au-toridades políticas” (RUA, 1998, p. 732-733).

Sinaliza-se, portanto, que as políticas públicas para a juventude permaneceram durante um longo período da história brasileira em “estados de coisa”. Assistiu-se, a priori, a uma construção de progra-mas e ações direcionadas às crianças e aos adolescentes, para mais recentemente se esboçar uma agenda governamental para a juventu-de. Foi na entrada deste milênio que tanto a sociedade passou a ter ou-tro olhar sobre a juventude, dando-lhe maior importância; como as cri-ses econômicas sucessivas atingiram mais diretamente este segmento, evidenciando-o. Logo, a formação da agenda governamental acerca das questões sociais das juventudes foi sendo construída a partir da mobi-lização de grupos políticos e da sociedade civil, bem como do reconhe-cimento das transformações sociais, econômicas, culturais e políticas, que trouxeram inúmeras turbulências sob a condição juvenil.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais164

Numa retrospectiva, até os últimos anos da década de 1990, o tema juventude foi discutido no Brasil como basicamente indistin-to da infância e adolescência, de certa forma devido ao foco central das discussões geradas pela instauração do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990. No inal desta década, houve uma mudança na percepção social da juventude, em grande parte resultante da intensa atenção midiática para incidentes de violência envolvendo jovens - por exemplo, a rebelião na Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (FEBEM), em São Paulo, em julho de 1999, ou o assassinato por incên-dio do índio pataxó, que dormia num ponto de ônibus em Brasília em 1997 – resultando numa atenção das políticas para o comportamento de risco e transgressão de jovens, associando o assunto com violência, com severas implicações para as orientações normativas das políticas públicas formuladas e implementadas. Desse modo, grande parte das políticas públicas voltadas à juventude no Brasil tematiza, desde en-tão, este segmento da população como sendo “de risco” e o insere nas discussões sobre “inclusão social”.

Diga-se em tempo que a política para os jovens pensada a partir de então de iniu como sujeitos usuários de suas ações não todas as juventudes, que pudesse contemplar suas diferentes situações de ser e viver esta fase da vida, mas se propôs a atingir aqueles demarcados por limites etários da condição juvenil que sobrevivem em situação de pobreza. Houve, portanto, uma possível inversão da condição para a situação juvenil. A primeira diz respeito ao aspecto de transição entre a infância e a fase adulta – é o modo como uma sociedade constitui e signi ica essa fase do ciclo da vida. A situação juvenil, contudo, revela como esta condição é vivenciada, considerando os diferentes recortes – social, étnico, cultural, religioso etc. (ABAD, 2002, 2008).

É, todavia, em um contexto ambíguo que se tem implantado uma política pública para as juventudes,quando sequer se dispõe de polí-ticas sociais de caráter universal capazes de assegurar direitos bási-cos, contraditoriamente são identi icadas modi icações nas condições de vida e de sociabilidade dos jovens que, de certo modo, justi icam a existência de programas mais focalizados que parecem de inir os mes-mos objetivos das políticas setoriais, sendo com níveis de abrangência e públicos diferenciados. Ou seja: as ações de elevação da escolaridade dos programas federais para a juventude pobre tendem a aproximar--se das políticas públicas de educação básica; os cursos de quali icação almejam acompanhar as políticas de educação pro issional; a conces-são de auxílio inanceiro mensal se assemelha às políticas de assistên-

JUVENTUDES NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA 165

cia social de transferência de renda e as de inserção no mercado de trabalho pretendem seguir as políticas de geração de trabalho e renda. Então, supõe-se que esses programas ambicionam reproduzir em ní-vel micro o propósito das políticas públicas setoriais em nível macro.

Todavia, ao longo do processo de implementação e reformulação destes programas, vários estudos vem indicando as controvérsias, os limites e as possibilidades destas ações. Sposito e Corrochano (2005) levantaram o debate sobre as orientações que estariam motivando a construção das políticas públicas para as juventudes no Brasil e indi-caram três eixos de con litos: um relacionado à necessidade das políti-cas voltadas para a juventude; o outro referente à própria de inição de quais seriam estas políticas; e o último provém do tipo de instituciona-lidade mais apropriado à ação.

Sobre qual a necessidade das políticas especí icas para as juven-tudes, segundo as autoras, a discussão recaiu na seguinte pergunta: as demandas dos jovens já não estariam contempladas nas políticas uni-versais de educação, saúde, esporte etc.? Para alguns estudiosos, sim; para outros, há necessidade de ações focalizadas nos jovens pobres ou em situação de exclusão social ou em condição de vulnerabilidade social.

Mas, a inal, quais seriam as políticas públicas de inidas para a ju-ventude? Sposito e Corrochano (2005) dizem que alguns autores con-sideram que as políticas de juventude estão inscritas em outro nível de ação diferente das políticas universais de educação, saúde, trabalho e habitação. Estariam, na verdade, mais próximas das demandas cultu-rais, de tempo livre e lazer. A este respeito percebe-se uma orientação difusa nas políticas brasileiras.

De acordo com Santos (2011) diversas pesquisas acadêmicas que tiveram o intuito de avaliar o impacto das políticas públicas especí icas para os jovens apontaram que, muitas vezes, os objetivos propostos pelos programas não correspondem às experiências vivenciadas pelos jovens bene iciados. Quando se espera que o programa contribua para a formação pro issional e inserção no mercado de trabalho, o jovem considera que este programa, na verdade, lhe proporcionou atividades de ocupação do tempo livre, por exemplo. Ou seja, esta análise assinala que a carência dos jovens está em diversos campos – na verdade, o jo-vem pobre necessita ter acesso à educação, saúde, habitação, trabalho, com os quais também seus pais, suas famílias não foram contempla-dos. Em síntese, se observa a consolidação de uma política nacional

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para a juventude brasileira acessível àqueles que não foram agracia-dos pelas políticas públicas universais.

É evidente, portanto, a necessidade de se estabelecer um elo entre estas políticas de diferentes níveis – focalizadas e universais –, para que os jovens possam superar sua condição de vulnerabilidade social. Pare-ce ser uma discussão antiga, uma obviedade, mas que não foi resolvida no âmbito das políticas públicas brasileiras. Desse modo, concorrem na avaliação das políticas públicas para as juventudes um conjunto de fatores organizacionais, pedagógicos e políticos relacionados às di i-culdades de implementação de um programa concebido pelo governo federal para ser executado pelos municípios; às formas de inserção e apropriação da proposta pelas administrações locais; e às condições materiais e de recursos humanos ofertadas para sua realização.

Novaes (2007), ex-presidente do Conselho Nacional de Juventu-de, esclarece que os espaços institucionais voltados à construção das políticas públicas para as juventudes (coordenadorias, assessorias, se-cretarias etc.) só serão válidos se estabelecerem uma con luência en-tre a sociedade civil e o poder público, por meio de uma permanente conexão com as redes, os movimentos, as organizações e os setores juvenis. Tal perspectiva se coaduna com o novo paradigma do fazer políticas, defendido por Castro e Abramovay (2002), de que são ne-cessárias políticas de/para/com as juventudes. Mas não somente com instâncias juvenis, conforme as autoras, é preciso uma colaboração intergeracional com adultos, pro issionais e estudiosos da juventude. “Assim como a ‘perspectiva de gênero’ não está restrita às mulheres, e diz respeito à equidade nas relações entre homens e mulheres, a ‘pers-pectiva de geração’ necessariamente aponta para novas relações inter e intrageracionais” (NOVAES, 2007, p. 257).

A esse respeito Sposito e Carrano (2007) ainda chama atenção para a presença de jovens na gestão das políticas locais, a autora aler-ta de que isto não signi ica, no primeiro instante, uma condição para a existência de políticas mais adequadas, pois é preciso atenção para que não haja certa naturalização e homogeneização da condição juve-nil. Ainda é incipiente o caráter plural e democrático da participação de coletivos juvenis diversi icados. Os jovens militantes do movimento estudantil e de partidos políticos ainda possuem maior grau de insti-tucionalidade do que os coletivos juvenis oriundos das manifestações culturais e de lazer tanto enquanto público destinatário das ações ou equipamentos públicos, como atores importantes na formulação de políticas.

JUVENTUDES NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA 167

Logo, contribuir para que o jovem participe do processo de pla-nejamento, desenvolvimento e avaliação das políticas públicas des-tinadas ao seu grupo social, tornando-o agente ativo neste processo, através do discurso da coletividade juvenil, onde este “jovem conta” sua história, pode ser o caminho.

Nesse sentido, várias pesquisas têm sido incentivadas no intuito de conhecer, identi icar, mapear as juventudes, apreendendo suas de-mandas e anseios a im de subsidiar a elaboração de políticas públicas mais integradas com a realidade juvenil. Para ilustrar, podemos citar a pesquisa “Juventudes Brasileiras”, desenvolvida pela Unesco em 2004 (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 2006). Posteriormente, em 2008, tivemos o estudo “Ju-ventudes Sul-americanas: diálogos para a construção da democracia re-gional”, apoiado pelo Ibase e Instituto Pólis (NOVAES; RIBEIRO, 2016).Destacamos também, como uma das primeiras iniciativas na esfera nacional, a pesquisa “ Per il da Juventude Brasileira” 2003 (PERFIL..., 2016), que resultou em dois livros: “Juventude e Sociedade – trabalho, educação, cultura e participação” (NOVAES; VANNUCHI, 2004) e “Re-tratos da Juventude Brasileira” (ABRAMO; BRANCO, 2005). Em 2013, visando consolidar um espaço de articulação entre a produção do co-nhecimento e a participação da juventude, a Secretaria Nacional da Ju-ventude (SNJ) desenvolveu a Pesquisa Nacional sobre Per il e Opinião dos Jovens Brasileiros – “Agenda Juventude Brasil” (BRASIL, 2016).

Decerto que a necessidade de compreender estas múltiplas di-mensões, buscando subsidiar as ações públicas, vem se tornando uma exigência cada vez maior para os municípios, na perspectiva de valori-zar e reconhecer as demandas locais e a territorialidade no desenvol-vimento das políticas sociais. Nessa perspectiva, em 2006, por exem-plo, a Prefeitura de Fortaleza (CE) desenvolveu a pesquisa “Retratos da Fortaleza Jovem”, objetivando “construir um diagnóstico amplo e participativo sobre a condição juvenil e as juventudes neste município” (FORTALEZA, 2006).

Em geral, a ideia que norteou essas pesquisas foi a de investigar as múltiplas dimensões que perpassam a condição juvenil, a saber: o per il socioeconômico; a situação familiar; as percepções e valores em relação aos problemas e assuntos que mais preocupam e interessam a população jovem. Dentre esses assuntos está claramente evidenciada a inquietação dos jovens com a inserção no mercado de trabalho.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais168

3. Juventudes, Mercado de Trabalho e Políticas de “Inclusão”

Quando se relacionam juventudes e trabalho nem sempre essa discussão costuma ser tratada de forma relativamente fácil, pois o tema é suscetível a diferentes análises e interpretações, considerando as especi icidades e sensibilidades que permeiam o mundo dos jovens e seu ingresso no mundo do trabalho. O tempo de transição escola--trabalho, por exemplo, o caminho da formação pro issional, a escolha da ocupação, os caminhos percorridos para o ingresso na vida pro is-sional, qual o momento ideal para ingressar no mercado de trabalho, são alguns dos destaques e das dúvidas que muitas vezes inserem-se no contexto de estudos e pesquisas que procuram compreender mais amiúde essas e outras questões que envolvem essa discussão.

Vejamos que a Organização Internacional do Trabalho (2015, p.6) em estudo recente intitulado “Formalizando a Juventude Informal no Brasil” apresentou uma assertiva positiva, na qual sinaliza que “a re-tomada da economia brasileira, ocorrida a partir de 2014, foi marca-da pela redução das desigualdades e da pobreza e pela ampliação das oportunidades de inserção no mercado de trabalho, sobretudo para a juventude”. Tal estudo complementa a análise “animadora” com da-dos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2013 (PNAD), registrando que 63% dos jovens brasileiros estão inseridos no mundo do trabalho, dos quais 70% dos jovens na faixa etária de 18 a 24 anos integram a População Economicamente Ativa (PEA) e, entre os jovens de 25 a 29 anos, essa proporção alcança 80%.

Todavia, outros números explicitados pelo documento da Organi-zação Internacional do Trabalho (2015) detalham que a inserção dos jovens no mercado de trabalho comporta maior complexidade e está repleta de desa ios, tais como: uma taxa de desemprego três vezes su-perior a dos adultos; taxa elevada de informalidade, longa jornada de trabalho, entre outros.

A Organização Internacional do Trabalho (2015), com base em in-formações do Boletim Mercado de Trabalho do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) 2013, para o período de janeiro de 2003 até setembro de 2010, apontou que entre os indivíduos na faixa etária de 25 até 65 anos, 4,85% se encontravam desempregados, enquanto que, para os jovens com idade entre 18 e 24 anos, a taxa de desempre-go foi de 17,21%.

JUVENTUDES NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA 169

Para Organização Internacional do Trabalho (2015), em 2013, a taxa de informalidade para a população brasileira de 15 a 29 anos era maior em cerca de dois pontos percentuais do que à dos adultos com idade de 30 a 65 anos e quando a análise trata dos aspectos relaciona-dos à raça ou cor, a disparidade é muito maior. Para brancos e amarelos, a proporção média de trabalhadores informais foi de 41,2%, enquanto que para pretos, pardos e índios essa proporção foi de 56,3%, ou seja, 15 pontos percentuais acima da observada para brancos e amarelos.

Considerando as conclusões de pesquisadores do IPEA, a Organi-zação Internacional do Trabalho (2015) destaca que os trabalhadores mais jovens perdem o emprego mais frequentemente do que os mais velhos. Isto é, sete jovens trabalhadores em cada dez, em média, desli-gam-se de seus postos de trabalho ao longo de um ano, representando uma taxa de separação de 72,4% enquanto este mesmo dado referente aos trabalhadores mais velhos, por sua vez, situa-se em torno de 41,3%.

Outro aspecto que compromete sobremaneira a formação pro-issional do jovem relaciona-se a elevada jornada de trabalho sema-

nal. De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (2015), um terço dos trabalhadores brasileiros jovens trabalha mais que 44 horas semanais. Assim, se já era di ícil ao jovem dedicar-se ex-clusivamente aos estudos, agora, constata-se enormes di iculdades até para a conciliação entre trabalho e estudo.

Como se não fossem su icientes estas condições de trabalho dos jovens brasileiros até aqui apontadas, os dados da PNAD (2013) ainda revelam que cerca de 10% da população ocupada entre 30 e 65 anos ganhava menos que um salário mínimo, enquanto no grupo etário de 15 a 29 anos, essa proporção era de 16,2%. A situação é mais grave quando se analisam as disparidades entre subgrupos etários da juven-tude. Por exemplo, metade dos jovens (50,9%) de 15 a 17 anos ocupa-dos recebia menos que um salário mínimo, em 2013. Entre os jovens de 18 e 19 anos ocupados, essa proporção era de 23,1% (ORGANIZA-ÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2015, p. 6-7).

Em síntese, o estudo da Organização Internacional do Trabalho (2015) concluiu que os jovens mais atingidos pela desocupação no Bra-sil possuem as seguintes características: são mulheres (55,2%), pretos ou pardos (60,9%) e que não completaram o ensino médio (49,3%). Números revelados pela PNAD de 2013 con irmam que 57,0% dos jo-vens (15 a 29 anos) estavam ocupados, e 7,9% encontravam-se na con-dição de desocupados. Para os jovens não economicamente ativos pela pesquisa, o percentual era de 35,1%, representando 17.205.078 jovens.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais170

Em termos de políticas públicas, a trajetória sócio-histórica reve-la que para atender a necessidade de inclusão dos jovens no mercado de trabalho, ao mesmo passo que se declara a necessidade de redu-zir os gastos públicos e melhorar a efetividade das políticas, princi-palmente as da esfera social, põe-se também um foco mais estreito, principalmente nas políticas de educação pro issional e de juventude.

Lembremos que se empreenderam, nesse sentido, políticas pú-blicas destinadas ao segmento juvenil, prioritariamente, de grupos considerados em situação de vulnerabilidade social, sendo políticas que apresentam um teor pro issionalizante, com vistas a habilitar o rápido acesso e inserção deste segmento populacional no mercado de trabalho. Em geral, trata-se de medidas extremamente focalizadas, de caráter imediatista e restritivo na política pública de quali icação pro-issional do segmento jovem, em grande consonância com o ideário

neoliberal e necessidades do capitalismo globalizado.É evidente a prevalência nos últimos anos de um modelo de edu-

cação focado, dentre outros, na inserção econômica dos jovens no mer-cado de trabalho. É a partir desse entendimento que as políticas edu-cacionais foram formuladas e efetivadas na sociedade brasileira com vistas a um conceito hegemônico de “empregabilidade”. “Empregabili-dade” torna-se necessária, de acordo com esta lógica, no momento em que constantes mudanças afetam o ambiente pro issional – em geral, devido ao que se convencionou chamar de globalização e internacio-nalização do capitalismo e da produção - o que torna necessário adap-tar-se às novas necessidades e dinâmicas do mercado de trabalho.

Embora se tenha implementado programas e projetos no Brasil que visam reduzir a desigualdade educacional, que afeta predominan-temente adolescentes e jovens pobres, pode-se também observar uma dissonância entre, de um lado, as orientações normativas das políticas públicas e, de outro lado, as proposições políticas e as necessidades e direitos da juventude.

Como visto, é possível a irmar que, embora a economia brasileira tenha apresentado avanços signi icativos a partir da segunda metade dos anos 2000 – diferentemente do estágio atual, com retração econô-mica e aumento do desemprego -, também é necessário atestar que, no âmbito das relações de trabalho para o segmento juvenil, as velhas formas de precarização continuam a gerar desigualdades que acabam por interferir no futuro pro issional de tantos jovens.

JUVENTUDES NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA 171

4. Considerações Finais

As iniciativas governamentais acerca das questões sociais que afetam especi icamente o público jovem são ainda recentes no país, datam da segunda metade da década de 1990, ampliando-se mais fortemente nos anos 2000. Ou seja, o debate no cenário nacional e o local sobre a construção histórico-social da(s) juventude(s) e a emer-gência de políticas sociais públicas direcionadas para essa parcela da população devem considerar que: a) o país demorou a reconhecer a necessidade de uma agenda pública que atendesse às demandas ju-venis, porque em cada estágio estrutural (agrário, urbano-industrial, pós-industrial) houve uma de inição especí ica a respeito da juven-tude, com adoção em maior medida de ações governamentais e não governamentais, que inicialmente voltaram-se para o atendimento às necessidades das crianças e dos adultos; b) a magnitude numérica dos jovens no país, o aumento da expectativa de vida e o agravamento das desigualdades sociais foram os principais fatores que motivaram a construção de uma agenda pública para esse segmento; c) o tema ju-venil foi construído dentro de uma perspectiva de transição, potencia-lizado e instrumentalizado por políticas sociais transitórias, que não se sustentam na atualidade. Na conjuntura atual, os problemas sociais vividos pelos jovens são os mesmos pelos quais passam os adultos – desemprego, analfabetismo, violência etc. –, o que têm exigido ações cada vez mais permanentes, irmando-se enquanto políticas de Estado e não de governo, apenas.

Assim, é de suma importância que seja identi icada qual a ten-dência vislumbrada pelas políticas de juventude atualmente no país. É, portanto, nesse contexto e a partir deste referencial teórico, que se defende a importância da continuidade de reavaliar a atuação pública destinada às juventudes.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais172

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Tempos sociais no Brasil: A experiência de distintos grupos

etários nos anos recentesAndré Gambier Campos1

Marcelo de Jesus Phintener2 3

1. Introdução

Os fenômenos analisados neste capítulo são os tempos sociais, consumidos por indivíduos de distintos grupos etários (jovens, adultos e idosos), em atividades típicas do cotidiano nas áreas urbanas do Brasil.

Essas atividades são várias e incluem aquelas relacionadas ao ci-clo “produtivo” dos indivíduos (como as de estudo, trabalho e deslo-camento), além de outras associadas ao seu ciclo “reprodutivo” (como aquelas relacionadas ao cuidado com o domicílio).

Ainda que essa de inição dos tempos sociais pareça frágil do pon-to de vista teórico, ela é utilizada por parcela relevante da literatura sobre o assunto4. E essa literatura discorre sobre os tempos em dois registros distintos, ainda que não independentes: o macro e o micro.

O registro macro de discussão diz respeito às maneiras pelas quais países como o Brasil instituem regulações sobre tais tempos. Es-sas regulações podem incidir sobre aspectos bastante variados, como a duração, a distribuição, a composição e a intensidade dos tempos sociais5.

Ademais, tais regulações podem ser instituídas por diferentes atores econômicos, sociais, políticos e culturais, como as empresas, os

1 Técnico de Planejamento e Pesquisa da Disoc/Ipea.2 Técnico de Planejamento e Pesquisa da SOP/PMSA. 3 Os autores agradecem a Carlos Henrique Leite Corseuil e Fábio Monteiro Vaz. Res-salve-se, entretanto, que eventuais insu iciências e equívocos presentes neste capítulo são de responsabilidade exclusiva dos autores.4 Ver Cardoso (2009a; 2009b); Cardoso et al.(2011); Rosso (1998, 2006, 2008)5 Para uma discussão a respeito da duração, da distribuição, da composição e da inten-sidade dos tempos sociais (semelhanças e diferenças entre cada uma das conceitua-ções), ver Rosso (2008).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais176

sindicatos, as igrejas e também o Estado. Esses atores podem negociar de modo multilateral sobre como devem ser tais tempos; ou, então, algum deles pode impor as regulações de forma unilateral (como algu-mas vezes faz o Estado).

No registro macro de debate, o foco é principalmente o tempo de trabalho, objeto de regulações no país desde pelo menos o início do século XX6. Esse tempo (conjugado no singular) é o mais relevante de todos os tempos sociais, no sentido de que ele é uma referência pri-mordial de economias e sociedades capitalistas, como a brasileira. Os demais tempos se de inem, em larga medida, de acordo com a duração, a distribuição, a composição e a intensidade do tempo de trabalho7.

Seja como for, mais além do macro, pode-se também adentrar pelo registro micro da discussão, que se refere às variadas formas pelas quais os indivíduos vivenciam seus tempos sociais (conjuga-dos no plural). Vale destacar que essa vivência não se dá de maneira simplesmente casual, voluntária ou anômica, mas sim sob as regula-ções já mencionadas na análise do registro macro.

Além disso, mesmo se dando sob tais regulações, a experiência desses tempos adquire sentidos distintos, conforme o grupo etário a que pertençam tais indivíduos. Com base nos dados expostos nes-te capítulo, é possível afirmar que jovens, adultos e idosos vivenciam seus tempos de estudo, deslocamento, trabalho e cuidado domiciliar de modos bastante diferentes8.

En im, é importante ressaltar que, ao contrário do registro macro do debate, no registro micro já não se fala mais em “tempo social” no

6 O tempo de trabalho (ao menos para o vínculo dominante em economias como a brasileira – o vínculo assalariado) foi historicamente regulado, em seus parâmetros máximos e gerais, pelo Ministério do Trabalho, bem como por um conjunto de insti-tuições complementares (como, por exemplo, a Justiça do Trabalho). A jornada diária e semanal admitida para um trabalhador assalariado foi estipulada, como regra, em 8 e 48 (e depois 44) horas, respectivamente. Ver Fracalanza (2001); Rosso (1998, 2008). Outro tempo importante para a análise deste capítulo, o de estudo em instituições de ensino regular, em níveis tão distintos como os de ensino fundamental, médio e superior, foi historicamente regulado, em seus parâmetros mínimos e gerais, pelo Mi-nistério da Educação – que de iniu, por exemplo, a jornada diária, semanal, mensal ou anual mínima dos alunos em cada um desses níveis.7 Ver Campos (2012); Cardoso (2009a); Lee, McCann e Messenger (2009); Ros-so(2008).8 A literatura aponta que outro fator afeta de modo relevante a experiência dos tem-pos sociais: o sexo dos indivíduos. Ainda que isso não seja tratado neste capítulo, que está focado estritamente na idade, vale a pena veri icar Fontoura e Bonetti (2010); Fontoura et al. (2010).

Tempos sociais no Brasil 177

singular, mas sim no plural (dada a pluralidade de vivências, para os distintos grupos etários).

Acrescente-se que, diante dessa pluralidade, instauram-se dispu-tas entre os tempos sociais, cada qual pleiteando a primazia pelas 24 horas que compõem o dia dosindivíduos9.

Ainda que o tempo de trabalho quase sempre conte com tal pri-mazia, os resultados dessas disputas não são dados ex ante, mas sim são alcançados por meio das denominadas “equações temporais”, que propiciam soluções de compromissos pelas 24 horas que compõem cada dia.

2. Aspectos Metodológicos

Quais aspectos metodológicos devem ser levados em conta ao analisar as informações apresentadas neste capítulo? São diversos, que dizem respeito aos dados utilizados, aos procedimentos aplicados e assim por diante. Esses aspectos não devem ser desconsiderados, pois eles estabelecem tanto as possibilidades quanto as limitações para a análise dos tempos sociais.

Os dados são oriundos da Pesquisa Nacional por Amostra de Do-micílios do Instituto Brasileiro de Geogra ia e Estatística (Pnad/IBGE). Em seus levantamentos anuais, essa pesquisa veri ica a duração e a composição de alguns tempos consumidos em atividades próprias do cotidiano, especialmente nas áreas urbanas do país. Entre essas ativi-dades, destacam-se: frequentar a escola (ou a universidade)10, traba-lhar e deslocar-se (entre a casa, o trabalho e a casa), bem como realizar atividades de cuidados com o domicílio (ou a família)11.

Note-se que a Pnad/IBGE não é propriamente uma pesquisa de “uso do tempo”, tal como são conhecidas as pesquisas dedicadas às dinâmicas temporais na sociedade12. Grosso modo, essas pesquisas averiguam quais atividades são realizadas pelos indivíduos; em quais 9 Ver Cardoso (2009a; 2009b; 2010).10 Neste capítulo, ao se referir à participação dos indivíduos na escola, pode estar se referindo alternativamente à sua participação na universidade.11 Neste capítulo, ao se referir ao cuidado com o domicílio, pode estar se referindo alternativamente ao cuidado com a família.12 Descrições sobre como o IBGE tentou efetuar recentemente uma pesquisa dedicada às dinâmicas temporais podem ser encontradas em Cavalcanti, Paulo e Hany(2010); Instituo Brasileiro de Geogra ia e Estatística (2009).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais178

momentos do dia, da semana, do mês ou do ano; os lapsos de tempo que são dedicados à realização dessas atividades etc. Ainda que sejam comuns em diversos países, no Brasil ainda não há pesquisas dedica-das a tais dinâmicas temporais, ao menos com temática ampla, regula-ridade razoável e cobertura nacional13.

Como a Pnad/IBGE não é uma pesquisa de uso do tempo, a utili-zação de seus dados faz com que a análise resultante tenha várias limi-tações. Apesar disso, o uso desses mesmos dados abre possibilidades interessantes, ao menos no que se refere aos tempos de estudo, tra-balho, deslocamento (relacionado ao trabalho) e cuidado domiciliar14. Essas espécies temporais são o objeto de análise deste capítulo, tendo suas informações passado pelos procedimentos seguintes:

i) Dado que a Pnad/IBGE não capta o tempo que os indivíduos despendem na escola (o diário, o semanal, o mensal ou o anual), o tempo de estudo neste capítulo corresponde a uma imputa-ção, com base: a) na própria Pnad/IBGE, que investiga se os in-divíduos frequentam a escola15; b) nas normas do Ministério da Educação (MEC), que de inem a jornada diária mínima por cada nível de escolarização (fundamental, médio, superior etc.). Com isso, é possível estimar o número de horas consumidas na esco-la, em um dia útil ordinário.

ii) Já que a Pnad/IBGE capta o tempo semanal que os indivíduos despendem no trabalho16, neste capítulo o tempo de trabalho é calculado considerando: a) todos os vínculos que possuem (principal, secundário etc.); b) a semana com cinco dias úteis (cada vez mais comum no país, seja por meio da redução, seja por meio da compensação de jornada)17. Dessa forma, conse-gue-se de inir o número de horas consumidas no trabalho, em um dia útil ordinário.

13 Descrições de experiências internacionais de realização de pesquisas dedicadas às dinâmicas temporais podem ser encontradas em Bureau of Labor Statistics (2014); Department of Economic and Social Affairs of the United Nations (2004).14 Outras espécies de temporalidades, importantes para compreender o conjunto dos tempos sociais no cotidiano urbano brasileiro, não são estudadas neste capítulo, por não terem informações captadas pela Pnad/IBGE. Entretanto, ainda que com base em outra fonte de dados, essas outras espécies temporais já foram estudadas em outro artigo, como pode ser visto em Campos (2012).15 Variável V0602 dos microdados da Pnad/IBGE 2003 e da Pnad/IBGE 2013.16 Variáveis V9058, V9101 e V9105 dos microdados da Pnad/IBGE 2003 e da Pnad/IBGE 2013.17 Ver Campos(2012).

Tempos sociais no Brasil 179

iii) Como a Pnad/IBGE capta o tempo diário de percurso de casa até o trabalho18, para os indivíduos que trabalham e que vão di-reto de casa para o trabalho (que são a ampla maioria dos que trabalham), o tempo de deslocamento casa-trabalho-casa é cal-culado simplesmente dobrando o tempo de percurso registra-do na Pnad/IBGE. Assim, é possível chegar ao número de horas consumidas nesse deslocamento, em um dia útil ordinário (con-siderando uma semana com cinco dias úteis, a mesma usada no cálculo do tempo de trabalho)19.

iv) Dado que a Pnad/IBGE capta o tempo semanal que os indiví-duos despendem com a realização de “afazeres domésticos” (se-gundo a terminologia do IBGE)20, neste capítulo o tempo de cui-dado domiciliar é calculado considerando a semana com sete dias úteis (hipótese mais provável para a realização de “afazeres do-mésticos”). Desse modo, pode-se estabelecer o número de horas consumidas no cuidado com o domicílio, em um dia útil ordinário (que, no caso, corresponde a todo e qualquer dia da semana).

A referência para analisar os tempos de estudo, trabalho, deslo-camento e cuidado domiciliar neste capítulo é o ‘dia útil ordinário’: aquele lapso de 24 horas, que inclui dia e noite, em que os indivíduos realizam suas atividades cotidianas (ir à escola, comparecer ao traba-lho, cuidar do domicílio etc.). Aliás, a escolha do dia (e não da semana, do mês, do ano ou de outro lapso ainda mais extenso de tempo) é jus-tamente por ele favorecer um foco mais próximo a esse cotidiano.

A unidade de mensuração de cada tempo (de estudo, trabalho, deslocamento e cuidado domiciliar) é a unidade-hora, seja inteira ou fracionada. Importante ressaltar que, quando fracionada, ela não é unidade-minuto. Ou seja, quando se a irma que o tempo médio de tra-balho dos jovens é de 7,8 horas diárias, quer-se dizer que esse tempo

18 Variável V9057 dos microdados da Pnad/IBGE 2003 e na Pnad/IBGE 2013. Note-se que essa variável é categórica, de modo que ela é tratada (por meio de de inição de pontos médios das categorias) para se “tornar” numérica.19 Reitere-se que a Pnad/IBGE capta somente o tempo diário de percurso de casa até o trabalho (e apenas para os indivíduos que se dirigem diretamente de casa para o trabalho, ainda que estes sejam a ampla maioria dos que trabalham). Ou seja, entre ou-tras limitações do tempo de deslocamento utilizado neste capítulo, mencione-se que ele não capta o número de horas diariamente consumidas no percurso que envolve a escola (do domicílio para a escola, do trabalho para a escola etc.), nem o número de horas consumidas nos percursos que envolvem outras instituições (igreja, sindicato, clube, comércio etc.).20 Variável V9921 dos microdados da Pnad/IBGE 2003 e da Pnad/IBGE 2013.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais180

corresponde a sete horas acrescidas de quatro quintas-partes de outra hora (e não sete horas e oito minutos).

Por im, acrescente-se que os grupos etários estudados neste ca-pítulo são de inidos da seguinte forma: os jovens são aqueles entre 15 e 24 anos de idade, os adultos são aqueles entre 25 e 65 anos de idade e os idosos são aqueles com 66 anos de idade ou mais21. Todos esses grupos são compostos por indivíduos residentes nas áreas urbanas do país, as quais são relativamente bem pesquisadas e retratadas pela Pnad/IBGE.

3. Grupos Estudados

A Tabela 1 traz informações sobre a dimensão dos grupos etários analisados neste capítulo: os jovens, os adultos e os idosos urbanos. Tomados em seu conjunto, entre 2003 e 2013, esses grupos aumenta-ram em 25,0 milhões (de 108,9 para 133,9 milhões de indivíduos – em outros termos, 22,9%).

Contudo, isso não se deu de modo uniforme, pois a quantidade de jovens se reduziu, de forma relativa (em 5,4 pontos percentuais) e até mesmo absoluta (em 581 mil indivíduos). Por sua vez, a quantidade de adultos se ampliou (em 3,4 pontos percentuais ou 20,8 milhões de indivíduos), assim como a de idosos (em 2,0 pontos percentuais ou 4,8 milhões de indivíduos).

Ou seja, considerada em seu conjunto, a população urbana do país aumentou, mas também envelheceu, de maneira relativa e até mesmo absoluta. Na composição populacional, os jovens perderam espaço para os adultos e, em alguma medida, também para os idosos entre 2003 e 2013.

Seja como for, vale destacar que, em ambos os anos estudados, em termos de quantidades, os adultos consistiram no principal grupo etário (cerca de 2/3 da população urbana), seguidos dos jovens (entre 1/4 e 1/5) e, por im, dos idosos (cerca de 1/10).

21 Os limites etários desses grupos são um pouco distintos daqueles utilizados por al-gumas instituições governamentais – como a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), por exemplo. Sobre isso, ver Brasil(2006).

Tempos sociais no Brasil 181

Tabela 1 - Grupos Etários Estudados, em Nº e % (2003 e 2013)

2003

Nº %

Grupo juvenil 28.905.883 26,6

Grupo adulto 71.030.328 65,2

Grupo idoso 8.990.180 8,3

Total 108.926.391 100,0

2013

Nº %

Grupo juvenil 28.324.652 21,2

Grupo adulto 91.797.509 68,6

Grupo idoso 13.763.993 10,3

Total 133.886.154 100,0

2013-03

Nº %

Grupo juvenil -581.231 -5,4

Grupo adulto 20.767.181 3,4

Grupo idoso 4.773.813 2,0

Total 24.959.763 -

Fonte: Microdados da Pnad/IBGE, 2003 e 2013. Elaboração dos autores.

4. Participação no Estudo, no Trabalho e no Cuidado Domiciliar

Como se distribuíram todos esses grupos de indivíduos, levando em conta a sua participação em atividades de estudo, trabalho e cui-dado domiciliar, entre os anos de 2003 e 2013? Os Grá icos de 1 a 6 trazem algumas informações a esse respeito.

Quanto ao estudo, ao longo do período analisado, diminuiu a fração dos indivíduos que frequentavam a escola (em 2,3% quando tomados em seu conjunto). Isso foi alavancado pelo grupo juvenil (2,4%), mas também foi observado em meio aos grupos adulto (2,0%) e idoso (0,4%).

Ao inal do período, 13,5% dos indivíduos como um todo frequen-tavam a escola, mas essa fração oscilava muito de acordo com o grupo etário. Entre os jovens, alcançava 47,6%; mas se restringia a 4,9% en-tre os adultos e a somente 0,5% entre os idosos.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais182

No que tange ao trabalho, entre 2003 e 2013, a proporção dos in-divíduos que se encontravam ocupados ampliou-se um pouco (1,6%). Mas isso se deveu apenas ao grupo adulto (onde essa porcentagem foi de 2,8%). Junto ao grupo de jovens, reduziram-se os ocupados (em 0,3%), bem como junto ao de idosos (em 3,2%).

Em 2013, 60,6% dos indivíduos como um conjunto se encontra-vam ocupados, proporção que variava bastante segundo o grupo etá-rio. Em meio aos jovens, ela se limitava a 48,0%; e, aos idosos, a so-mente 13,9%. Em compensação, em meio aos adultos, chegava a nada menos que 71,5%.

Por im, quanto ao cuidado com o domicílio, no decorrer do pe-ríodo estudado, diminuiu a porção de indivíduos envolvidos com essa atividade (em 2,6% quando considerados como um todo). Isso se deu principalmente por conta do grupo juvenil (4,9%), mas também pôde ser notado junto aos grupos adulto (2,4%) e idoso (2,7%).

No inal do período, 67,5% dos indivíduos como um todo ainda se envolviam com o cuidado domiciliar, porção que se mostrava inferior no caso dos jovens (59,0%) e superior no caso dos idosos (64,3%) e dos adultos (70,6%).

Em suma, entre 2003 e 2013, em meio a todos os grupos etários, reduziu-se a fração de indivíduos estudando e cuidando do domicílio. Por outro lado, ampliou-se a de indivíduos trabalhando – mas apenas por conta do grupo de adultos; pois, junto aos grupos de jovens e ido-sos, essa fração também se reduziu.

Ademais, em 2013, os jovens destacaram-se entre os que estu-davam, ao passo que os adultos o izeram entre os que trabalhavam e cuidavam do domicílio. Os idosos destacaram-se somente entre os que realizavam esta última atividade.

Tempos sociais no Brasil 183

Grá icos 1, 2 e 3 - Variação na Proporção de Indivíduos que Estudam, Trabalham e se Envolvem com Cuidados Domiciliares, em % (2013-2003)

Gráfico 1

Estudam

Gráfico 2

Trabalham

Gráfico 3

Cuidados Domiciliares

-2,4 -2,0 -0,4-2,3

-6,0

-4,0

-2,0

0,0

2,0

4,0

6,0

Grupo juvenil Grupo adulto Grupo idoso Total

-0,3

2,8

-3,2

1,6

-6,0

-4,0

-2,0

0,0

2,0

4,0

6,0

Grupo juvenil Grupo adulto Grupo idoso Total

-4,9

-2,4 -2,7 -2,6

-6,0

-4,0

-2,0

0,0

2,0

4,0

6,0

Grupo juvenil Grupo adulto Grupo idoso Total

Fonte: Microdados da Pnad/IBGE, 2003 e 2013. Elaboração dos autores.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais184

Grá icos 4, 5 e 6 - Proporção de Indivíduos que Estudam, Trabalham e se Envolvem com Cuidados Domiciliares, em %, em 2013

Gráfico 4

Estudam

Gráfico 5

Trabalham

Gráfico 6

Cuidados Domiciliares

13,5

0,5

4,9

47,6

0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 80,0

Total

Grupo idoso

Grupo adulto

Grupo juvenil

60,6

13,9

71,5

48,0

0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 80,0

Total

Grupo idoso

Grupo adulto

Grupo juvenil

67,5

64,3

70,6

59,0

0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 80,0

Total

Grupo idoso

Grupo adulto

Grupo juvenil

Fonte: Microdados da Pnad/IBGE, 2003 e 2013. Elaboração dos autores.

Tempos sociais no Brasil 185

5. Variação dos Tempos Sociais na Década

Como variaram os tempos de estudo, trabalho, deslocamento (relacionado ao trabalho) e cuidado domiciliar, em meio a todos esses grupos etários, entre os anos de 2003 e 2013? Os Grá icos de 7 a 10 disponibilizam alguns dados sobre isso22.

Acerca do tempo despendido no estudo, ele se ampliou um pouco no período considerado (4,0% considerando os indivíduos como um todo). Essa dinâmica foi mais evidente em meio ao grupo de idosos (28,8%), sendo mais discreta em meio aos grupos de jovens (3,2%) e adultos (6,2%)23.

Em outros termos, ainda que tenha se reduzido a proporção de indivíduos de todos os grupos etários nas escolas, como constatado acima, o tempo despendido com estudo se ampliou um pouco, para aqueles que se mantiveram nessas instituições (com destaque para os idosos).

Sobre o tempo consumido com o trabalho, ele diminuiu um pou-co no período de 2003 a 2013 (3,6% no conjunto dos indivíduos). Esse movimento se deu por conta dos jovens (onde o tempo diminuiu 3,5%) e dos adultos (4,1%), pois junto aos idosos o movimento foi o contrário (o tempo aumentou 2,2%).

Como observado antes, a proporção de jovens trabalhando dimi-nuiu entre 2003 e 2013; e agora se percebe que o tempo dedicado ao trabalho, para os que se mantiveram ocupados, também diminuiu. Por sua vez, a proporção de adultos trabalhando aumentou, mas o tempo consumido no trabalho diminuiu um pouco. Por im, a proporção de idosos trabalhando diminuiu, mas o tempo despendido no trabalho aumentou, para os que se mantiveram ocupados.

Acerca do tempo despendido no deslocamento entre a casa, o tra-balho e a casa novamente, ele ampliou-se bastante no período estuda-

22 Os dados aqui apresentados são médias aritméticas simples dos tempos de estudo, trabalho, deslocamento e cuidado domiciliar.23 Como descrito acima, o tempo de estudo neste capítulo é resultado de uma imputa-ção. E, nessa imputação, a alfabetização/educação de jovens/adultos conta com carga horária reduzida (2,00 horas diárias), quando comparada com as demais modalidades de estudo (4,00 horas diárias). Assim, como hipótese provável, a ampliação do tempo de estudo (particularmente clara no caso dos idosos) é resultado da diminuição do número de indivíduos envolvidos com a alfabetização/educação de jovens/adultos (diminuição principalmente no número de idosos).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais186

do (7,5% considerando os indivíduos como um todo). Essa dinâmica pôde ser percebida em meio aos jovens (7,6%) e aos adultos (7,5%), ainda que não em meio aos idosos (onde o tempo reduziu-se em 4,8%).

Ainda que tenha se reduzido a porção de jovens ocupados no pe-ríodo, como visto acima, o tempo de deslocamento ampliou-se para os que se mantiveram nessa situação. Em outro sentido, a porção de adultos ocupados se ampliou no período, bem como esse tempo gasto com deslocamento. E, em sentido contrário, a porção de idosos ocupa-dos reduziu-se no período analisado, assim como essemesmo tempo.

Finalmente, sobre o tempo consumido com cuidado domiciliar, pode-se dizer que ele diminuiu muito no período de 2003 a 2013 (11,0% no conjunto dos indivíduos). Esse movimento pareceu mais evidente em meio aos grupos de jovens (15,8%), mas também pôde ser observado em meios aos grupos de adultos (12,3%) e idosos (9,5%).

Como veri icado antes, entre 2003 e 2013, o cuidado domiciliar envolveu menor proporção de indivíduos de todos os grupos etários. Agora, acrescente-se que o tempo dedicado a isso diminuiu, mesmo para aqueles que continuaram a realizar atividades de cuidado (com destaque para os grupos de jovens).

Tempos sociais no Brasil 187

Grá icos 7, 8, 9 e 10 - Variação da Média do Tempo Consumido Diariamente por Indivíduos com o Estudo, o Trabalho, o Deslocamento e o Cuidado Domiciliar, em % (2013/2003)

Gráfico 7

Estudo

Gráfico 8

Trabalho

Gráfico 9

Deslocamento

Gráfico 10

Cuidados Domiciliares

3,26,2

28,8

4,0

-20,0-15,0-10,0

-5,00,05,0

10,015,020,0

Grupo juvenil Grupo adulto Grupo idoso Total

-3,5 -4,1

2,2

-3,6

-20,0-15,0-10,0

-5,00,05,0

10,015,020,0

Grupo juvenil Grupo adulto Grupo idoso Total

7,6 7,5

-4,8

7,5

-20,0-15,0-10,0

-5,00,05,0

10,015,020,0

Grupo juvenil Grupo adulto Grupo idoso Total

-15,8-12,3

-9,5 -11,0

-20,0-15,0-10,0

-5,00,05,0

10,015,020,0

Grupo juvenil Grupo adulto Grupo idoso Total

Fonte: Microdados da Pnad/IBGE, 2003 e 2013. Elaboração dos autores.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais188

6. Tempos Sociais Hoje

No ano de 2013, que patamares atingiram os tempos de estudo, trabalho, deslocamento (relacionado ao trabalho) e cuidado domi-ciliar, em meio a todos esses grupos etários? Os Grá icos de 11 a 16, nas duas subseções abaixo, trazem algumas informações a esse respeito24.

6.1 Todos os indivíduos

Nesta subseção, a ideia é analisar os tempos de estudo, trabalho, deslocamento e cuidado domiciliar de todos os indivíduos, pertencen-tes a todos os grupos etários, no ano de 2013. Ou seja, para os que estudavam, veri icaram-se os tempos de estudo. Para os que trabalha-vam, examinaram-se os tempos de trabalho e deslocamento. E, para os que cuidavam do domicílio, averiguaram-se os tempos de cuidado.

Considerando todos os grupos, vê-se que o tempo consumido no estudo foi de 3,98 horas diárias, sendo que esse número variou pouco entre jovens, adultos e idosos (com um tempo inferior apenas neste último caso). Na verdade, isso ocorreu devido ao modo como a infor-mação sobre esse tempo foi calculada neste capítulo (ela derivou de uma imputação, realizada de acordo com o tipo de escolarização com que os indivíduos se encontravam envolvidos)25.

O tempo despendido no trabalho, para o conjunto dos grupos, foi de 8,14 horas diárias – apenas um pouco acima do limite da jornada usual, de inido na regulação do vínculo assalariado26. Mas esse núme-ro oscilou bastante, se mostrando superior no caso dos adultos (8,25 horas diárias) e inferior no caso dos jovens (7,84 horas) e, principal-mente, dos idosos (6,62 horas).

24 Os dados aqui apresentados são médias aritméticas simples dos tempos de estudo, trabalho, deslocamento e cuidado domiciliar.25 Como hipótese provável, o tempo consumido no estudo se mostrou um pouco infe-rior junto aos idosos por conta do maior número de envolvidos com a alfabetização/educação de jovens/adultos. De acordo com a de inição adotada neste capítulo, para realizar a imputação do tempo de estudo, a alfabetização/educação de jovens/adultos contou com carga horária reduzida, quando comparada com as demais modalidades de estudo.26 Que é o tipo de vínculo básico do mercado de trabalho brasileiro, desde ao menos as primeiras décadas do século XX, como já mencionado.

Tempos sociais no Brasil 189

Levando em conta todos os grupos, observou-se que o tempo con-sumido com o percurso casa-trabalho-casa foi de 1,06 hora diária em 2013. E esse número não variou muito entre os diversos grupos etá-rios, pois os jovens consumiram 1,01 hora em deslocamento diário; os adultos, 1,07 hora; ao passo que os idosos, 0,92 hora27.

Finalmente, no conjunto dos grupos, o tempo despendido com o cuidado domiciliar foi de 2,84 horas diárias. Mas esse número os-cilou bastante, se revelando maior no caso dos idosos (3,19 horas) e dos adultos (2,99 horas), bem como menor no caso dos jovens (2,11 horas)28.

27 Apenas a título de hipótese, essa diferença de tempo de deslocamento entre os gru-pos etários pode ser explicada pelo fato dos jovens e dos idosos terem uma inserção mais relevante em mercados de trabalho “locais” (em ocupações situadas próximas de suas casas) – ao contrário dos adultos, que podem ter uma inserção mais importante em mercados de trabalho “gerais” (em ocupações localizadas a alguma distância de suas casas). De toda forma, ressalte-se que isso é apenas uma hipótese, dada a falta de evidências empíricas sobre as inserções dos jovens, adultos e idosos nos diferentes mercados de trabalho.28 Ainda que o foco deste capítulo não esteja nas diferenças entre os sexos, mas sim naquelas entre os grupos etários, a respeito das diferenças dos tempos de cuidado domiciliar entre os sexos, conferir Fontoura e Bonetti (2010); Fontoura et al (2010).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais190

Grá icos 11, 12, 13 e 14 - Média do Tempo Consumido Diariamente por Indivíduos com o estudo, o Trabalho, o Deslocamento e o Cuidado Domiciliar, em Horas, em 2013

Gráfico 11

Estudo

Gráfico 12

Trabalho

Gráfico 13

Deslocamento

Gráfico 14

Cuidados Domiciliares

3,98

3,30

3,95

4,00

0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0 8,0 9,0

Total

Grupo idoso

Grupo adulto

Grupo juvenil

8,14

6,62

8,25

7,84

0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0 8,0 9,0

Total

Grupo idoso

Grupo adulto

Grupo juvenil

1,06

0,92

1,07

1,01

0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0 8,0 9,0

Total

Grupo idoso

Grupo adulto

Grupo juvenil

2,84

3,19

2,99

2,11

0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0 8,0 9,0

Total

Grupo idoso

Grupo adulto

Grupo juvenil

Fonte: Microdados da Pnad/IBGE, 2003 e 2013. Elaboração dos autores.

Tempos sociais no Brasil 191

6.2 Alguns grupos específicos de indivíduos

Na subseção acima, a ideia foi estudar os tempos de todos os in-divíduos, de todos os grupos etários. Para os que estudavam, veri ica-ram-se os tempos de estudo. Para os que trabalhavam, examinaram-se os tempos de trabalho e deslocamento. Já para os que cuidavam do domicílio, averiguaram-se os tempos de cuidado.

Nesta subseção, a ideia é um pouco distinta, pois se trata de enfo-car alguns tipos especí icos de indivíduos que, por acumularem a rea-lização de mais de uma atividade em seu cotidiano, podem despertar um interesse analítico adicional. De maneira sintética, esses tipos são os sete seguintes:

i) Tipo 1: indivíduos que estudam, trabalham (e vão direto da casa para o trabalho) e ajudam no cuidado domiciliar;

ii) Tipo 2: indivíduos que estudam, trabalham (e vão direto da casa para o trabalho), mas não ajudam no cuidado domiciliar;

iii) Tipo 3: indivíduos que estudam, não trabalham (inativos ou desocupados), mas ajudam no cuidado domiciliar;

iv) Tipo 4: indivíduos que estudam, mas não trabalham (inativos ou desocupados) e não ajudam no cuidado domiciliar;

v) Tipo 5: indivíduos que não estudam, mas trabalham (e vão di-reto da casa para o trabalho) e ajudam no cuidado domiciliar;

vi) Tipo 6: indivíduos que não estudam, trabalham (e vão direto da casa para o trabalho),mas não ajudam no cuidado domiciliar;

vii) Tipo 7: indivíduos que não estudam, não trabalham (inativos ou desocupados), mas ajudam no cuidado domiciliar29.

Nesta subseção, cada um desses sete tipos é seccionado por gru-pos etários, mas cada um de seus tempos não é especi icado. Ao in-vés de analisar, um por um, o tempo de estudo, de trabalho, de deslo-camento e de cuidado domiciliar, opta-se por analisar o tempo total envolvido nessas atividades, despendido pelos indivíduos de cada um dos grupos etários, de cada um dos tipos descritos, no ano de 2013.29 Há um oitavo tipo, composto por indivíduos que não estudam, não trabalham (inativos ou desocupados) e tampouco ajudam no cuidado domiciliar. Mas, por não apresentarem quaisquer tempos dedicados a essas atividades, esses indivíduos obviamente não são analisados neste capítulo.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais192

Como esperado, nesse ano, as jornadas mais longas foram encon-tradas junto aos indivíduos que estudavam, trabalhavam (e iam direto da casa para o trabalho) e ajudavam no cuidado domiciliar (tipo 1). Diariamente, eles consumiram 13,98 horas na realização de todas es-sas atividades, sendo que, em meio aos adultos, esse número chegou a nada menos que 14,71 horas30 – acima daquele registrado em meio aos jovens (13,22 horas) e aos idosos (12,43 horas).

Por sua vez, as jornadas mais curtas foram veri icadas junto aos indivíduos que não estudavam, não trabalhavam (eram inativos ou de-socupados), mas ajudavam no cuidado domiciliar (tipo 7). A cada dia, eles despenderam 3,95 horas com essa espécie de cuidado – número que se mostrou superior no caso dos adultos (4,34 horas) e inferior no caso dos idosos (3,30 horas) e dos jovens (3,13 horas)31.

Grá icos 15, 16- Tempo Total, Todos os Grupos e Cada Grupo

Gráfico 15

Tempo Total, Todos os Grupos

Tipo 113,98

Tipo 212,60

Tipo 511,37

Tipo 69,76

Tipo 36,11

Tipo 43,99

Tipo 73,95

Tempo total, todos os grupos

30 Mencione-se que a duração dessa jornada indica o pouco tempo disponível para o restante das atividades cotidianas dos adultos (inclusive para aquelas que integram o seu ciclo vital, como a alimentação e o descanso).31 Ressalte-se que esse tempo de cuidado domiciliar, por reduzido que pareça (e por mais que tenha diminuído ao longo dos anos 2000, como já visto), não é propriamente trivial no cotidiano dos jovens (e daqueles do sexo feminino, em especial). Sobre isso, ver Fontoura e Bonetti, 2010; Fontoura et al., 2010.

Continua

Tempos sociais no Brasil 193

Gráfico16

TempoTotal, CadaGrupo

13,2212,26

11,08

9,51

5,89

3,993,13

14,71

13,28

11,43

9,84

7,55

3,89 4,34

12,4313,07

9,788,86

7,55

3,63 3,30

Tipo 1 Tipo 2 Tipo 5 Tipo 6 Tipo 3 Tipo 4 Tipo 7

Grupo juvenilGrupo adultoGrupo idoso

Fonte: Microdados da Pnad/IBGE, 2003 e 2013. Elaboração dos autores.

Legenda: Tipo 1 - Estuda, trabalha (e vai direto da casa para o trabalho) e ajuda no cuidado doméstico. Tipo 2 - Estuda, trabalha (e vai direto da casa para o trabalho), mas não ajuda no cuidado doméstico. Tipo 3 - Estuda, não trabalha, mas ajuda no cuidado doméstico. Tipo 4 - Estuda, mas não trabalha (inativo ou desocupado) e não ajuda no cuidado doméstico. Tipo 5 - Não estuda, mas trabalha (e vai direto da casa para o trabalho) e ajuda no cuidado doméstico. Tipo 6 - Não estuda, trabalha (e vai direto da casa para o trabalho) e não ajuda no cuidado doméstico. Tipo 7 - Não estuda, não trabalha (inativo ou desocupado) mas ajuda no cuidado doméstico.

7. Considerações Finais

Este capítulo dedicou-se a analisar a duração e a composição dos tempos sociais, vivenciados por distintos grupos etários – jovens, adul-tos e idosos. Tempos despendidos em atividades típicas do cotidiano, como as de estudo, trabalho, deslocamento e cuidado domiciliar.

Em primeiro lugar, este capítulo apresentou informações sobre a “participação” desses indivíduos nessas atividades, “entre os anos de 2003 e 2013”:

i) Em todos os grupos etários, reduziu-se a fração de indivíduos estudando e cuidando do domicílio;

ii) Nos grupos jovens e idosos, diminuiu a proporção de indiví-duos trabalhando; mas essa proporção aumentou nos grupos adultos.

Em segundo lugar, este capítulo expôs dados sobre a “variação dos tempos” de estudo, trabalho, deslocamento e cuidado domiciliar, “entre os anos de 2003 e 2013”:

Conclusão

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais194

i) Para todos os grupos etários (que permaneceram estudando), o tempo despendido com estudo se ampliou um pouco, com destaque para os idosos;

ii) Para os grupos jovens e adultos (que se mantiveram trabalhan-do), o tempo consumido com o trabalho diminuiu um pouco, mas au-mentou para os grupos idosos;

iii) Para os grupos jovens e adultos (que permaneceram traba-lhando), ampliou-se bastante o tempo despendido com deslocamento, mas reduziu-se para os grupos idosos;

iv) Para todos os grupos etários (que se mantiveram envolvidos com cuidados domiciliares), diminuiu muito o tempo consumido com esses cuidados.

Do contraste entre a variação da “participação” no estudo, no tra-balho, no deslocamento e no cuidado domiciliar e a variação dos “tem-pos” consumidos nessas atividades, nota-se que:

i) Menos indivíduos estudaram em todos os grupos etários. Mas, os que permaneceram estudaram um pouco mais.

ii) Menos jovens trabalharam. Mas, os que continuaram, trabalha-ram um pouco menos. No caso dos adultos, mais deles trabalharam. Mas, os que o izeram, trabalharam um pouco menos. No caso dos ido-sos, menos deles trabalharam. Mas, os que continuaram, trabalharam um pouco mais.

iii) Menos jovens trabalharam. Mas, os que permaneceram, des-penderam muito mais tempo deslocando-se. No caso dos adultos, mais deles trabalharam. E, os que o izeram, consumiram muito mais tempo com deslocamento. No caso dos idosos, menos deles trabalharam. E, os que permaneceram, despenderam menos tempo deslocando-se.

iv) Menos indivíduos cuidaram do domicílio em todos os grupos etários. E, os que continuaram, consumiram muito menos tempo com essa atividade.

Ou seja, a depender do grupo etário enfocado, bem como da espé-cie de tempo considerada, as variações da participação e dos tempos apontam para direções distintas, especialmente no que tange ao traba-lho e ao deslocamento. Seja como for, esse contraste aponta para uma

Tempos sociais no Brasil 195

direção comum no caso do cuidado domiciliar: essa atividade deman-dou muito menos envolvimento dos indivíduos entre 2003 e 2013.

No que se refere às variações nos tempos (ainda que não no que concerne às variações na participação), algumas hipóteses podem ser aventadas para explicar o observado em meio a esses grupos etários, entre os anos de 2003 e 201332:

i) No que diz respeito ao tempo de trabalho, os incrementos de rendimentos (laborais e também das políticas sociais) podem ter fei-to com que a necessidade de trabalho (ou de maior jornada, mais es-peci icamente) se reduzisse no período, principalmente para jovens e adultos33;

ii) No que tange ao tempo de deslocamento, os problemas de mobilidade urbana (e metropolitana), agravados pelas escolhas rea-lizadas pelas políticas econômicas entre 2003 e 2013 (de incentivos a veículos de transporte individual), podem ter resultado em sua am-pliação, especialmente para jovens e adultos34;

iii) No que se refere ao tempo dedicado ao cuidado domiciliar, as transformações trazidas pela menor fecundidade, que resultaram em um menor número de crianças nos domicílios, podem ter feito com que esse tempo declinasse35. Além disso, os avanços dos serviços de cuidados voltados às crianças (como os serviços de creche), também podem ter feito com que esse tempo diminuísse36. Ademais, os avanços no consumo de bens de consumo duráveis (lavadoras, aspiradores, mi-cro-ondas etc.), propiciados pelo aumento de rendimentos no período, também podem ter feito com que esse tempo declinasse, para todos os grupos etários37.

32 Importante ressalvar que essas são apenas hipóteses, que não serão devidamente testadas neste capítulo.33 Evidências de aumentos de rendimentos laborais e das políticas sociais, principal-mente na década de 2000, podem ser encontradas em Campos(2014); Ulysses e Bar-bosa (2013).34 Evidências sobre os problemas de mobilidade (urbana e, especialmente, metropoli-tana) nos anos 2000 podem ser vistas em Carvalho e Pereira (2012); Pereira e Schwa-nen (2013), do Instituto Brasileiro de Geogra ia e Estatística (IBGE).35 Evidências a respeito do menor nível de fecundidade e do menor número de crian-ças podem ser examinadas em Camarano e Kanso (2012).36 Evidências dos avanços na oferta de serviços de creche no país podem ser observa-das em Inep/MEC (BRASIL, 2014).37 Evidências acerca da disseminação de bens de consumo duráveis pelos domicílios na década de 2000 podem ser consultadas em Carvalho e Ribeiro (2012).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais196

Mais além de tudo isso, em terceiro lugar, este capítulo apresen-tou informações sobre os “tempos” de estudo, trabalho, deslocamento e cuidado domiciliar, no “ano de 2013”. Por um lado, tendo em conta todos os grupos de indivíduos, observou-se que:

i) O tempo consumido no estudo foi de 3,98 horas diárias, sendo que esse número variou pouco entre jovens, adultos e idosos;

ii) O tempo despendido no trabalho foi de 8,14 horas diárias, mas esse número oscilou bastante, se mostrando superior no caso dos adultos e inferior no dos jovens e dos idosos (em outras palavras, re-forçando o senso comum, o trabalho se mostrou como uma atividade própria de adultos, e não de jovens e idosos);

iii) O tempo consumido com o percurso casa-trabalho-casa foi de 1,06 hora diária em 2013, sendo que esse número não variou muito entre os diversos grupos etários;

iv) O tempo despendido com o cuidado domiciliar foi de 2,84 horas diárias, mas esse número oscilou muito, se revelando maior no caso dos idosos e dos adultos e menor no dos jovens (em outros ter-mos, o trabalho se mostrou como uma atividade típica de adultos e, talvez inesperadamente, de idosos, mas não de jovens).

Por outro lado, levando em consideração apenas grupos especí i-cos de indivíduos, que acumulavam a realização de mais de uma ativi-dade em seu cotidiano, percebeu-se que:

i) Os indivíduos que estudavam, trabalhavam, se deslocavam (para o trabalho) e ajudavam no cuidado domiciliar contaram com jornadas diárias bastante longas (13,98 horas na realização de todas essas atividades);

ii) No caso dos adultos (que estudavam, trabalhavam, se desloca-vam para o trabalho e ajudavam no cuidado domiciliar), essas jornadas eram ainda mais longas (chegando a 14,71 horas), indicando pouco tempo para o restante das atividades cotidianas (inclusive para aque-las que integravam o ciclo vital, como a alimentação e o descanso).

Para inalizar, como mencionado na introdução deste capítulo, os tempos sociais são aqueles consumidos em atividades típicas do coti-diano nas áreas urbanas (atividades como estudo, trabalho, desloca-

Tempos sociais no Brasil 197

mento e cuidado com o domicílio). Esses tempos podem ser analisados de um ponto de vista macro, em que se destacam as regulações sobre eles instituídas (por atores como o Estado), ou de um ponto de vista micro, em que se evidenciam as múltiplas formas pelas quais são vi-venciados (ainda que sob os limites das regulações).

Com informações sobre distintos grupos etários (jovens, adultos e idosos), residentes nas áreas urbanas do país, este capítulo procurou demonstrar que, apesar dessas regulações, a vivência dos tempos so-ciais teve sentidos diferenciados no período entre 2003 e 2013. Mes-mo com todas as suas insu iciências, tais informações mostraram que, a depender do grupo etário considerado, mudaram a duração e a com-posição dos tempos sociais, ao menos no que se refere aos de estudo, trabalho, deslocamento e cuidado domiciliar. O que, por consequência, fez com que se alterassem também as maneiras dos indivíduos viven-ciá-los em seu cotidiano.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais198

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MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais200

Apêndice

Estritamente no que se refere à duração, o que faz com que alguns tempos sociais sejam mais ou menos extensos, em meio a jovens, adul-tos e idosos, no ano de 2013? Alguns elementos, que talvez possam ajudar a responder essa pergunta, podem ser encontrados nas Tabelas e nos Grá icos deste apêndice.

Com base na Pnad/IBGE, modelam-se três regressões, tomando como variáveis-resposta alguns dos tempos já analisados acima: i) tempo de trabalho; ii) tempo de deslocamento (casa-trabalho-casa); iii) tempo de cuidado com o domicílio38. Como preditoras, tomam-se diversas variáveis, que a literatura a irma “explicarem” parte da varia-ção desses três tempos (por exemplo, sexo, local de residência, tipo de trabalho etc.)39. As equações que descrevem essas regressões são as seguintes:

Regressão lineardo tempo de trabalho:

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Onde:Y = Logaritmo natural do tempo de trabalho diárioX1 = SexoX2 = RaçaX3 = Condição na famíliaX4 = Se é migranteX5 = Anos de estudoX6 = Área geográficaX7 = Área metropolitanaX8 = Tipo de trabalho -trabalho autônomoX9 = Tipo de trabalho -trabalho familiarX10 = Setor de trabalho -indústriaX11 = Setor de trabalho -construçãoX12 = Setor de trabalho -comércioX13 = Setor de trabalho -serviçosX14 = Rendimento mensal não derivado do trabalho

Regressão logísticado tempo de deslocamento:

P(Y) = 1/(1+E-Z)

Onde:E = Base do logaritmo natural

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Regressão lineardo tempo de cuidado domiciliar:

0 1.X1 10.X10

Onde:Y = Logaritmo natural do tempo de cuidado domiciliar diárioX1 = SexoX2 = RaçaX3 = Condição na famíliaX4 = Se é migranteX5 = Anos de estudoX6 = Área geográficaX7 = Área metropolitanaX8 = Rendimento mensal familiar per capitaX9 = Tipo de trabalho - trabalho autônomoX10 = Tipo de trabalho - trabalho familiar

38 O tempo de estudo não é modelado, como variável-resposta, devido à sua reduzida variabilidade.39 Ressalve-se que, ao se analisar os resultados dessas regressões (betas, estatísticas T, razões de chance etc.), não se pretende realizar qualquer a irmação sobre eventuais relações de determinação (ou causalidade) existentes entre as variáveis-resposta e as variáveis preditoras.

Tempos sociais no Brasil 201

Entre várias outras coisas, ao se analisar os betas, as estatísticas T e as razões de chance nas Tabelas e nos grá icos abaixo, percebe-se o seguinte:

i) Quanto ao “tempo de trabalho”: em todos os grupos etários, o sexo dos indivíduos responde por parte importante da variância desse tempo (ao se passar do sexo feminino para o masculino, ele se torna bem mais extenso), bem como o tipo de trabalho dos indivíduos (ao se realizar trabalho familiar ou autônomo, esse tempo se torna bem menos extenso).

ii) Quanto ao “tempo de deslocamento”: em todos os grupos etá-rios, a residência dos indivíduos em áreas metropolitanas dá conta de parte relevante da variabilidade desse tempo (ao se passar de áreas não metropolitanas para metropolitanas, ele se torna muito mais extenso).

iii) Quanto ao “tempo de cuidado domiciliar”: em todos os grupos etários, o sexo dos indivíduos responde por parte importante da va-riância desse tempo (ao se passar do sexo masculino para o feminino, ele se torna bem mais extenso).

Esses são apenas alguns dos elementos que fazem com que os tempos de trabalho, deslocamento e cuidado domiciliar sejam mais ou menos extensos, em meio a jovens, adultos e idosos. Não que eles “expliquem” essa maior ou menor extensão, pois é sabido que a mo-delagem de regressões não permite de inir relações de determinação (ou causalidade) existentes entre as variáveis-resposta e as variáveis preditoras. De toda maneira, tais elementos consistem em indícios a serem levados em consideração na discussão sobre essas relações, até porque eles con irmam o que boa parte da literatura sobre tempos so-ciais assevera40.

40 Sobre isso, ver Cardoso (2009ª,2009b); Cardoso et al.(2011); Fontoura e Bonetti (2010); Fontoura et al. (2010); Lee, McCann e Messenger (2009); Rosso (1998, 2006, 2008).

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207

Programas sociais dirigidos ao Nordeste rural: aspectos críticos

Roberto Alves de Lima1

Tarcisio Patricio de Araújo2

1. Prólogo

O Brasil se tornou, ao longo do período 1930-80, fortemente in-dustrializado, sem grandes mudanças na estrutura fundiária e sem políticas educacionais satisfatórias – em particular no que se refere ao atendimento de segmentos populacionais do meio rural. Esses dois elementos de atraso são fatores fundamentais para manutenção de ocorrências de pobreza no campo, em um país que hoje tem expres-siva face terciária e industrial, dotado de um importante segmento de agronegócio moderno, e com apenas 15% da população vivendo em ambiente rural.

Estabeleceu-se a primazia – na maior parte do período da cha-mada industrialização por substituição de importações, no Brasil – da vertente urbano-industrial no desenvolvimento, o que contribuiu para o meio rural permanecer como importante foco gerador de pobreza e desigualdades. Con igurou-se assim um processo que, além de alimen-tar a própria pobreza rural, também contribui para a desigualdade e a pobreza nos centros urbanos – via luxos migratórios – mesmo depois de o País se irmar como economia industrializada.

Sem sólidos fundamentos em pilares como terra e educação, po-líticas sociais reparadoras terminaram por se concentrar em mecanis-mos de transferência de renda por parte do governo federal, além de políticas de crédito e programas de apoio ao pequeno produtor rural, e tentativas de fortalecimento do associativismo entre pequenos pro-dutores agrícolas.

O resultado é que, em pleno século XXI, apesar da economia mo-derna que caracteriza o País, e de ser minoritária a população envol-1 Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco. Sócio da CeplanMulti Consultoria .2 Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco. Sócio cotista da Ceplan Consultoria Econômica.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais208

vida em negócios agrícolas, no meio rural brasileiro ainda subsistem expressivos bolsões de agricultura de subsistência e de pobreza – o que é particularmente mais signi icativo no Nordeste, região que abri-ga 45,3% (7,083 milhões de pessoas) da população economicamente ativa (PEA) agrícola do País (15,647 milhões), conforme o Instituto Brasileiro de Geogra ia e Estatística (IBGE).3

Outras informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domi-cílios (PNAD) 2013 propiciam uma ideia da peculiar posição relativa do Nordeste no contexto nacional. O País tem cerca de 14 milhões de pessoas formando a população ocupada, agrícola – o Nordeste parti-cipando com 43,7% desse total, o maior peso relativo entre as cinco macrorregiões4. Por outro lado, o contingente de pessoas em ocupa-ções agrícolas remuneradas, no país, que recebem até meio salário mí-nimopor mês (2,226 milhões) – uma medida de pobreza – representa 15,9% do total nacional da população ocupada agrícola. No Nordes-te, o indicador similar corresponde a 25,9% – ou seja, o número de 1,585 milhão (até ½ SM) relativamente ao total de 6,112 milhões de pessoas da população ocupada, agrícola, na região; portanto, conside-ravelmente superior à proporção nacional de pobreza entre pessoas com ocupação em atividades agrícolas. Ocorre que tal contingente de pobres no efetivo agrícola nordestino representa 71,2% dos 2,226 mi-lhões identi icados em todo o território nacional. Considerada, portan-to, uma das linhas de pobreza mais utilizadas na literatura, o Nordeste responde por mais de dois terços da população ocupada agrícola, na-cional, em condição de pobreza.

Adicionando-se números referentes a pessoal ocupado sem ren-dimentos (o que inclui parentes do chefe de domicílio rural – particu-larmente relevante no caso nordestino), o contingente de pobres no Brasil – em ocupações agrícolas – ganha mais 5,760 milhões de pes-soas, dos quais 3,019 milhões no Nordeste (52,4%) – e, nesta região, o contingente total de pobres, em ocupações agrícolas, chegaria a 4,604 milhões de pessoas (não remunerados mais aqueles com remuneração até meio salário mínimo mensal).

Destacam-se, dos números mencionados, dois aspectos que qua-li icam o fenômeno: a) considerada a atual dimensão populacional do País, o número de pessoas vinculadas a atividades agrícolas, que – pelo critério de renda aqui utilizado – podem ser consideradas pobres, re-3 Pessoas de 10 anos ou mais de idade. IBGE (2015a).4 Pessoas de 10 anos ou mais de idade. IBGE (2015b).

Programas sociais dirigidos ao Nordeste rural: aspectos críticos 209

presentaria, hoje, uma fração minoritária de pessoas em tal situação; b) no entanto, mais de 2/3 desse contingente de pobres reside no Nordeste. Disso decorre que, mesmo sendo um contingente pequeno, em termos relativos, trata-se – particularmente nesta região – de um número considerável de famílias em situação de insu iciência de ren-da, em um país cujo processo de modernização foi sempre associado a pobreza e desigualdade. Considerar a região como foco do problema é, portanto, uma via tão natural quanto relevante.

Tais indicadores servem, port anto, para ilustrar o objeto principal do capítulo: pobreza rural no Nordeste, que absorve importante volu-me de programas sociais, dos quais alguns, considerados principais, são abordados ao longo do texto. O foco deste trabalho é o aspecto da efetividade de diversos programas sociais como instrumentos de combate à pobreza no campo. Faz-se uma discussão baseada na litera-tura, em dados secundários e em informações produzidas a partir de pesquisas empíricas conduzidas pelos autores ao longo dos últimos quatro anos.5

Trata-se de um trabalho centrado em políticas sociais que repre-sentam parte importante do esforço de combate a situações de pobre-za no Nordeste. Um elemento nuclear do trabalho é a preocupação com avaliação e efetividade dessas políticas no âmbito do Nordeste brasi-leiro, uma região que representa 28% da população nacional, 12-13% do Produto Interno Bruto (PIB) do País, e detém indicadores de pobre-za e desigualdade mais acentuados no contexto nacional – como vis-to nesta seção introdutória. São marcas que persistem mesmo depois de o Nordeste se tornar uma região com importantes diferenciações internas, que comporta espaços dinâmicos do moderno agronegócio (soja, algodão, milho, fruticultura, entre outros), do moderno terciário e atividades industriais que não se restringem ao perímetro metro-politano e avançam para o interior dos Estados; transformações que alteram signi icativamente o panorama econômico e social do interior, inclusive intensi icando o aspecto de pluriatividade que caracteriza a inserção ocupacional do produtor ou trabalhador engajado na agricul-tura familiar de pequeno porte.

Nas seções a seguir, desenvolvemos re lexões críticas a respeito de programas sociais que têm importante peso no meio rural e em

5 Trata-se de trabalhos de avaliação de políticas públicas, inclusive programas de combate a situações de pobreza. Ver, por exemplo: Araújo, Lima e Macambira (2012); Araújo et al. (2013); Araújo et al.(2014a; 2014b).

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais210

municípios de menor porte no interior dos estados. Enfatizamos – no âmbito do exame de determinadas políticas sociais – a diretriz de es-tabelecimento, no setor público, de formas sistemáticas de avaliação externa e autônoma (por entidades ou organizações independentes) dos principais programas sociais dirigidos ao Nordeste. E tal sistemá-tica deve ter como pressupostos: metas para redução da pobreza; um prazo factível para redução da dependência de segmentos sociais em relação a programas de transferência de renda; metas para redução da desigualdade; monitoramento de programas, com vistas a efetivi-dade das ações e a veri icação sobre que contribuição os programas oferecem para redução da desigualdade; dito de outra forma: estabe-lecimento de mecanismos de incentivos e de controle, para evitar que a execução de um programa reforce fatores que alimentam, inclusive, desigualdades na captação de recursos.

2. Considerações Sobre Experiências de Programas Sociais no Nordeste, Dirigidos à Pequena Agricultura Familiar

2.1 Programa de combate à pobreza rural (PCPR)

Data dos anos 1980 a criação do programa que constitui o em-brião do que depois veio a ser o Programa de Combate à Pobreza Rural (PCPR). O período de 1981 até 1993 e primeira metade de 1994 – mar-cado por crises econômicas, baixo crescimento do produto, superin-lação e tentativas frustradas de estabilização de preços – constitui o

contexto em que foi criado e se expandiu, no Nordeste, o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor (PAPP) (1985-1995).

O elevado nível de pobreza no Brasil, particularmente no caso do Nordeste, recebe, na assinalada década e meia, atento olhar de organi-zações internacionais de auxílio e de “promoção do desenvolvimento”. O Banco Mundial (International Bank for Reconstruction and Develo-pment-IBRD/The World Bank), que ancora o PAPP (depois PCPR), cria e expande, na região, um conjunto de programas com foco em combate a pobreza (depois “redução da pobreza”), combinado a tentativas de inserção produtiva dos bene iciários, fortalecimento do associativis-mo e promoção do “desenvolvimento local”. Trata-se de programa so-cial baseado em empréstimo a governos estaduais (que devem ofere-cer contrapartida inanceira complementar), sendo materializado via

Programas sociais dirigidos ao Nordeste rural: aspectos críticos 211

subprojetos, conforme contratocom associações de produtores. Tal li-nha programática continua em operação no Nordeste, em cada estado atribuindo-se ao programa uma denominação baseada em fundamen-tos de marketing político – denominação que em geral muda a cada mandato governamental.

O PCPR (em inglês Rural Poverty Reduction Program – RPRP) tem fundamento teórico em uma concepção que há décadas permeia as ações do Banco Mundial em diversos países e se coaduna com o pre-ceito de retirar do Estado a tarefa centralizada de combate a pobre-za, buscando-se fortalecer a participação das populações focadas pelo Programa; portanto, faz parte da geração de programas sociais pelo quais se busca o envolvimento do bene iciário como ator do processo de mudanças sociais para o qual se espera que tais programas contri-buam. As ações promovidas, no âmbito do Programa, compreendem: a) fornecimento de infraestrutura social e econômica; b) implemen-tação de projetos produtivos; c) apoio às comunidades rurais – na es-colha, no planejamento e na implantação dos projetos selecionados.6

Enfatiza-se no processo de divulgação e implementação dos pro-jetos a ideia de fortalecimento da capacidade associativa das comu-nidades bene iciárias; daí a atribuição às associações e aos conselhos municipais o papel de agentes sociais-chave para implementação descentralizada dos subprojetos. Tal ênfase na participação direta da própria comunidade (empowerment) e na importância estratégica dos conselhos reforça a ideia de fortalecimento social das comunidades al-cançadas pelo Programa. O pressuposto é de que mecanismos efetivos de participação contribuem para a consolidação de ações coletivas de caráter associativo (reforço do “capital social”).

Estímulo e incentivos à in luência de instâncias representativas das comunidades (principalmente dos conselhos municipais e das as-sociações comunitárias) constituem algo considerado fundamental para consolidar a participação direta da comunidade na escolha de ações concretas que respondam a carências e demandas da população local. Intenta-se avançar no processo de descentralização – eixo estra-tégico do Programa.

Tal abordagem e tais pressupostos constituem fundamentos do que passou a ser chamado de modelo de Community Driven Develop-ment (CDD).

6 Em documentos o iciais, o Banco Mundial chama o PCPR de programa. Nos acordos de empréstimo com os Estados, a sigla PCPR tem a denominação de Projeto e as ações de apoio às comunidades são tratadas como subprojetos.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais212

O modelo CDD é considerado um passo adiante relativamente à abordagem Community Base Development ( CBD) – que envolve o engajamento das comunidades via consultas, provimento e partilha de informações, e colaboração da comunidade na implementação de um projeto (INDEPENDET EVALUATION GROUP, 2006). A abordagem via CDD seria, em termos retóricos, algo como “pobres e marginali-zados não mais vistos como alvo de esforços de redução de pobreza, mas como parceiros no processo de desenvolvimento” (INDEPENDET EVALUATION GROUP, 2006, p. 1). Na verdade, a ideia-síntese que em-basa tal visão é a de se trabalhar com o “empoderamento” (empower-ment) das comunidades, um elemento-chave na literatura sobre de-senvolvimento local. Daí a centralidade, nessa literatura e em estudos sobre redução de pobreza, da noção de capital social.

O conceito de capital social está estreitamente vinculado à litera-tura sobre desenvolvimento local sustentável, sendo também referên-cia nos estudos sobre economia da solidariedade7 e elemento-chave para o modelo de Community Driven Development.

Trata-se de um conceito cuja amplitude e cuja natureza multidi-mensional necessariamente implicam uma abordagem multidiscipli-nar. No entanto, por conta de objetivos de quanti icação no âmbito de políticas públicas e programas sociais, em alguns campos disciplinares – em particular na Economia – busca-se “precisão conceitual” e de ini-ção de indicadores quantitativos.

Ocorre que, mesmo admitindo-se que indicadores satisfatórios de capital social sejam tornados possíveis, resta o problema da dimensão temporal referente a mudanças no “estoque” de capital social. De fato, avanços que dependem de cooperação e con iança requerem um tra-balho longo e perene, cujos requisitos de tempo devem variar bastante a depender de aspectos históricos, econômicos, sociais e culturais de comunidades diferentes, em estágios distintos de desenvolvimento. Ademais, cooperação e con iança são fundadas em comportamento humano, suscetível a fatores adversos que abalam alicerces solidários.

É importante se considerar, no entanto, que – em paralelo à utili-zação ampla e frequente da ideia de capital social na literatura sobre desenvolvimento local sustentável e nos estudos relativos a programas de combate a pobreza na órbita do Banco Mundial – disseminam-se 7 Uma maior disseminação do conceito está a associada a Robert Putnam, por conta de dois dos seus trabalhos de maior repercussão: Making Democracy Work (PUTNAM, 1993) e Bowling Alone (PUTNAM, 2000), este último a partir de re lexões sobre a crise do capital social na sociedade norte-americana.

Programas sociais dirigidos ao Nordeste rural: aspectos críticos 213

abordagens bastante críticas, que consideram a fragilidade do concei-to e di iculdades ou mesmo impossibilidade de medição quantitativa do fenômeno.

Mencione-se, por exemplo, a linha de argumentação de Amartya Sen (SEN, 2000), que rechaça uma conceituação de pobreza centra-da na visão econômica (embora o aporte que vem da economia seja básico e indispensável)8 e cuja contribuição intelectual tem sido lar-gamente utilizada na literatura sobre desenvolvimento local. A ênfase em conceitos como capacidade (capability) e liberdade para escolher é um elemento-chave das proposições de Sen, para quem uma visão dinâmica de cultura (dimensão muito mais ampla que capital social) é indispensável para se pensar em transformações para superação da pobreza.

A abordagem feita por Amartya Sen ultrapassa fronteiras de para-digmas, servindo de apoio a autores de clara oposição ao mainstream em Economia, campo em que se multiplicam estudos sobre capital so-cial, com ampla utilização de métodos quantitativos para aferir mu-danças ou diferenças de “estoque” ou de “ luxo” de “capital social”, algo que não constitui uma variável per se, mas um conjunto multifacetado de variáveis que, como um todo, poderia levar a aferições do nível de capital social de uma comunidade.

Tal abordagem crítica pode ser encontrada, por exemplo, em Blunden (2004). Segundo esse autor, há um certo mal-entendido a res-peito do conceito: por uma vertente, capital social é considerado um conceito ao qual falta clareza; por outro lado, os que usam tal conceito parecem totalmente despreocupados a respeito disso, utilizando uma nominalistway para identi icar recursos não-econômicos no interior de relações sociais, questões conceituais sendo vistas como particu-laridades semânticas ou como uma injusti icada desconsideração da importância da vida não-econômica.

A despeito da relevância de questões abordadas na literatura, concernentes a di iculdades de conceituação e de medição de capital social, importa reter que conceitos como empowerment, capital social, descentralização, focalização, integração de políticas e programas per-8 Óbvio que um insatisfatório nível de educação, por exemplo, limita a capacidade de um indivíduo de escapar de situações de pobreza; mas insu iciência de renda limita as chances de alguém ter acesso a educação, em particular educação de qualidade satisfatória. Contudo, enquanto o atributo educação é passível de quanti icação sem maiores limites, outros atributos associados à ideia de capital social oferecem menos possibilidades de quanti icação satisfatória.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais214

meiam o PCPR, assim como outros programas de combate a pobreza. No caso deste programa, podem ser destacados os seguintes eixos bá-sicos, que fazem parte do pensamento consolidado desde as experiên-cias iniciais até a atual fase em que a abordagem Community Driven Development passou a ser enfatizada:9

• Diretriz de se perseguir a integração entre o PCPR e outros programas e projetos dirigidos às comunidades, com vistas a potencializar impactos do Programa.

• Em decorrência do anterior, o postulado do fortalecimento dos conselhos municipais e, ulteriormente, transformação desses conselhos em conselhos de desenvolvimento, que constituiriam uma “arena” de discussão, formulação e execu-ção de projetos oriundos de diversas instâncias governamen-tais, além das ações empreendidas sob a égide do PCPR.

• Reconhecimento de que, mesmo tendo representado impor-tante contribuição para alívio da pobreza e melhoria da qua-lidade de vida das famílias bene iciadas pelo PCPR, investi-mentos ísicos per se não trariam superação da pobreza.

• Uma importante implicação do registro imediatamente ante-rior é a necessidade de se enfatizar a ideia de que fortaleci-mento do capital social é investimento, mas também consti-tui – per se – um objetivo a ser perseguido, sendo um alvo primordial na trajetória para um adequado desenvolvimento social de comunidades e regiões.

Na base dessa rede institucional estão as Associações Comunitá-rias, instâncias representativas das comunidades, que – entre outras funções – têm o papel fundamental de mobilizar essas comunidades, sensibilizá-las para a identi icação de demandas, e para a formulação de projetos.

Embora a associação comunitária seja considerada a base da rede, na outra ponta se situa a instância governamental, que – via acordos de empréstimo com o Banco Mundial – oferece um leque de projetos a serem escolhidos pelas comunidades.

Observe-se que, embora o modelo seja considerado como do tipo demanddriven, a oferta de um determinado leque de ações (projetos) para atendimento das demandas das comunidades tem características de um modelo supply-driven. O formato inal se aproxima de uma com-

9 A propósito, ver Binswangeret al. 2009 .

Programas sociais dirigidos ao Nordeste rural: aspectos críticos 215

posição das duas abordagens. Pode-se, no entanto, aventar a possibi-lidade de que, no futuro, a depender de avaliações de resultados e de eventual emergência de comunidades e associações com maior grau de organização e maior capacidade de gestão, o modelo venha, em casos especí icos, a se tornar totalmente demand-driven, abrindo-se a possi-bilidade de atendimento de demandas de projetos (de geração de em-prego e renda) não previstos no conjunto atualmente oferecido. A rede institucional como um todo compreende: associações comunitárias, conselho municipal, governo estadual, Conselho de Desenvolvimento Rural (CDR,última instância de aprovação de cada projeto elaborado pelas associações), entidades e autônomos que elaboram as propostas de subprojetos e prestam assistência técnica, e eventualmente Organi-zações Não Governamentais (ONGs) que estejam articuladas a iniciati-vas diversas dirigidas a determinadas comunidades.

Ocorre que, dada a predominante baixa capacidade associati-va dos pequenos produtores rurais do Nordeste, a célula-mãe da re-presentação comunitária – a Associação – termina por ser o elo mais frágil da cadeia institucional. Assim, tende a ser aceito o pré-definido conjunto de subprojetos oferecidos, a partir do qual são elaborados, pelas associações (via trabalho terceirizado) propostas técnicas refe-rentes aos subprojetos. Note-se que o princípio de vincular o contrato, para execução dos programas, à existência de associações comunitá-rias leva à prática corrente de o próprio governo estadual estimular o processo de criação dessas entidades. Dessa forma, é frequente uma associação ser criada para viabilizar a contratação de um determina-do subprojeto – o que em geral resulta em associações formais, mas não efetivamente operativas em termos de busca por fortalecimento de ações associativas.

O Conselho Municipal, conforme prevê o Manual de Operações, pode se originar de iniciativa da própria sociedade civil (como asso-ciação civil sem ins lucrativos) ou ser criado por ato do governo muni-cipal. Embora a primeira possibilidade exista, na prática os conselhos municipais são criados por atos legais das prefeituras, submetidos a aprovação pela Câmara Municipal e os conselhos não devem depen-der “da administração pública municipal para o desempenho de suas atividades administrativas e inanceiras”. A composição do Conselho Municipal deve ter a participação, na proporção de pelo menos 80%, de pessoas oriundas das associações comunitárias, o restante devendo ser preenchido por representantes da sociedade civil (em geral Igreja e Sindicatos) e da prefeitura. Disso decorre que a fragilidade associa-

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tiva passa a ser também expressa na composição do Conselho Munici-pal. Ademais, esta instância tende a sofrer signi icativa in luência da representação do poder público municipal (secretário, em geral de agricultura, e prefeito), ou do sindicato de trabalhadores rurais, par-ticularmente quando tais representações ocupam posições-chave na diretoria.

Por outro lado, existência de lideranças comunitárias com boa re-presentatividade e boa capacidade de gestão é algo em geral associado a maior nível de escolaridade e/ou características pessoais que levam a habilidade para negociação e representação. Como tais atributos são elementos raros no âmbito da pequena produção agrícola nordestina, a tarefa de fortalecimento do associativismo e do empowerment de co-munidades de pequenos produtores agrícolas é algo em que avanços, se ocorrem, se dão em passos lentos.

Importante se assinalar que o modelo institucional de busca do protagonismo da comunidade no processo de escolha, implementa-ção e gestão de subprojetos – nos termos do PCPR – tem similaridades com o que se preconiza no âmbito de diversos programas sociais no País, para os quais se exige formação de conselhos e comissões repre-sentativas da sociedade civil. Depoimentos de membros e represen-tantes de comunidades de pequenos produtores rurais têm recorrente frequência de sentimentos de descrença e desinteresse com relação a associativismo; ademais, é frequente coletarem-se evidências de baixa capacidade associativa e de fragilidade de elos de solidariedade.

É útil, neste momento da discussão, que se introduzam e se comparem resultados de estudos de avaliação do PCPR10, o que se faz a partir da contraposição entre dois trabalhos elaborados no âmbito do Banco Mundial.

O primeiro, já referido no presente capítulo, conclui pelo alcance de forte impacto positivo sustentável sobre o capital social:

The PCPR has had a positive and sustainable impact on social capital. Institutional arrangements and the transparency of the operation mechanisms of the Project promote social control of the public sector and minimize political interference, corruption and that ‘local elites’ take advantage of the programs. The PCPR uses the social capital already existing in rural communities and transforms it into actions in new social and political spheres,

10 Trata-se de comentários referentes a ações desse Programa no Rio Grande do Norte, embora tal discussão seja também cabível à execução do Programa em outros estados.

Programas sociais dirigidos ao Nordeste rural: aspectos críticos 217

such as local development, and relations between communities and with the local government. The results of the quasi-experi-mental study suggest that the PCPR is empowering its bene icia-ries and signi icantly increasing social capital within the commu-nities and municipalities. In addition, the results show that the social capital generated continues to increase even subsequent to project implementations, thereby demonstrating the sustain-ability of the impact caused. (BINSWANGER et al, 2009, p. xiii).

Em contraposição a essa visão otimista, um estudo do Indepen-dent Evaluation Group (IEG), parte do World Bank Group, mas ins-tância independente que busca avaliar resultados de programas pro-movidos pelo Banco Mundial em diversos países – leva a resultado diametralmente oposto:

A despeito de importantes resultados alcançados em termos de provisão de serviços básicos (água, energia elétrica), primary data collected in Rio Grande do Norte suggestthat community’ scapacityto drive local development remainslow. Little or no association was found between the Bank’s project and respon-dents’ perception of the changes in social capital and empow-erment. Further, the participatory spaces created by the Bank’s project to enable community’s participation continue to be weak and the scope of their activities largely con ined to the im-plementation of the Bank’s project. (INDEPENDENT EVALUA-TION GROUP, 2006, p. 43,grifos nossos).

Ora, constatações alcançadas em estudos dos quais os autores deste capítulo participaram, no Rio Grande do Norte e em outros es-tados, guardam pontos de convergência com a visão mais realista do mencionado relatório do IEG, no que respeita a capital social. De fato, argumentamos que, por exemplo, registros de participação em asso-ciações e de presença em reuniões de convivência com vizinhos – que fazem parte do conjunto de variáveis utilizadas em estudos de avalia-ção de capital social – não necessariamente signi icam consolidação de capital social. Enquanto é informado um expressivo número de reu-niões regulares de diretorias do Conselho Municipal, os presidentes de conselhos – assim como os de associações comunitárias – expressam, majoritariamente, avaliações de descrença na capacidade associativa das comunidades. Ademais, quando confrontados com a pergunta hi-

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potética sobre encerramento do PCPR, a grande maioria das respostas obtidas sugere que o desfecho seria o im dos conselhos.

Por outro lado, depoimentos colhidos entre os próprios bene i-ciários do Programa trouxeram importantes evidências. Indagados so-bre qual o valor recebido pela Associação Comunitária para o subpro-jeto que bene icia a comunidade, mais de dois terços dos bene iciários abordados revelaram desconhecimento – a despeito de 79,4% deles terem a irmado que participaram da escolha do subprojeto; e apesar de 83,3% se considerarem bem informados sobre os assuntos tratados na Associação (contraponto: 54,8% opinaram que a associação trouxe pouco ou nenhum bene ício aos sócios). Um resultado foi que cerca de 54% revelaram desconhecimento acercada existência do conselho municipal (como é conhecido o Conselho Municipal do FUMAC).11

Panorama similar, de fragilidade do “capital social”, se observa nos quatro estudos coordenados pelos autores, já referidos12. Com efeito, nesses estudos as menções – por diversos produtores entrevis-tados – à capacidade e à disposição de fazer trabalho associativo, de modo a reforçar mecanismos de “controle social” da qualidade orgâ-nica dos produtos comercializados em feiras agroecológicas, são sem-pre de descrença. Daí, o papel das chamadas “organizações de controle social” (OCS) – nos casos de registro formal dessa instância, no Minis-tério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento – se tornar algo vazio.

Destaque-se que Binswangeret al. (2009), a propósito do relató-rio do IEG, criticam resultados baseados em pontos de vista de repre-sentantes de famílias não bene iciárias, porque tais opiniões teriam um viés de ressentimento dos “não-atendidos”. Ora, tal lógica poderia também levar a se especular sobre eventual viés positivo em estudos baseados apenas em informações colhidas entre aqueles que, em cada comunidade, fossem os bene iciários do programa sob avaliação – em geral, os sócios da associação que apresenta o subprojeto.

Importa que se adicione à linha de argumentação que aqui se con-duz o que se extrai, a propósito de capital social e governança local, de outro estudo sobre o PCPR no Rio Grande do Norte (“avaliação de desempenho ísico”):

[em comparação com estudo realizado em 1999], houve avan-ços signi icativos, tanto no que diz respeito aos aspectos ísi-cos, quanto institucionais, se bem que ainda persistem antigos

11 FUMAC signi ica Fundo Municipal de Ação Comunitária, denominação adotada des-de o Programa de Apoio ao Produtor Rural (PAPP).12 Ver nota de rodapé n. 5.

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problemas, em relação àquilo que é apregoado pela iloso ia do PCPR – descentralização, participação social e preparação das organizações comunitárias para o pleno exercício da gestão so-cial e da governança local. (RIO GRANDE DO NORTE, 2005, p. v).

Trata-se de a irmação cautelosa, que reconhece avanços em as-pectos importantes, mas realisticamente pontua a complexidade da tarefa de se ampliar o capital social das comunidades rurais às quais se dirige o PCPR, considerados – entre outros – aspectos como baixo nível de escolaridade dessas comunidades e baixa qualidade da políti-ca partidária no Brasil.

É importante se destacar que vem se formando uma visão crítica realista com respeito a avaliações de programas sociais. A propósito, observe-se o que é a irmado em estudo publicado pelo Instituto Inte-ramericano de Cooperação para a Agricultura (2007, p. 9), sobre ava-liação de impactos de programas de combate à pobreza rural:

Programas dão errado por várias razões. Ao contrário do que pensam muitos contratantes de estudos de avaliação, boas ava-liações não são aquelas que elogiam as ações implementadas, algumas vezes à custa da própria consistência do trabalho. Boas avaliações são aquelas capazes de apontar as causas dos erros e de destacar os acertos, sem que quaisquer grupos políticos e ideológicos se dêem ao luxo de não levá-las em consideração.

A referida publicação é prefaciada pelo Sr. Domingos Paz, então Secretário de Estado da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Ru-ral do Maranhão, que ressalta:

Dentre as populações excluídas do processo de desenvolvimento econômico, destacam-se, em especial, os agricultores e as agri-cultoras familiares, sobretudo, os do Norte e Nordeste. No entan-to, milhões de dólares já foram aplicados para que superassem a condição de pobres e excluídos. E por que a situação deles não melhorou? O valor desta publicação está em nos oferecer respos-tas para essa inquietante indagação (INSTITUTO INTERAMERI-CANO DE COOPERAÇÃO PARA A AGRICULTURA, 2007, p. 5).

Descontado eventual exagero retórico – melhoras ocorrem – tra-ta-se de um repto a quem faz avaliação de programas, alertando para a necessidade de avaliações realistas. De fato, de algum modo essa indagação-desa io encontra resposta nas palavras de atores sociais

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais220

entrevistados no âmbito de um estudo de que participaram os autores do presente capítulo. Ou seja, é admitido pelos próprios bene iciários e mesmo representantes de associações, que certas ações de combate a pobreza – de pouco impacto estrutural, mas que provêm algum ga-nho imediato – não resolvem problemas fundamentais, mas são úteis para as comunidades.

Em suma: não há evidências convincentes de que tais programas contribuam para mudar substancialmente a realidade socioeconômica das comunidades rurais a que se dirigem; ampliação da capacidade de sobrevivência dos bene iciários é um resultado muito aquém do se pretende como efetivas mudanças.

2.2 Qualificações a respeito do PRONAF e de outros programas dirigidos à pequena agricultura familiar

O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) – criado em 1996 – é parte de importantes programas so-ciais que foram implementados depois da promulgação da Constitui-ção de 1988 e da instituição da moeda Real (em 1994), estas duas ino-vações institucionais sendo os eixos fundamentais para viabilização de novas políticas sociais e ampliação de programas preexistentes.

O PRONAF compõe um amplo conjunto de linhas de crédito e de apoio à agricultura familiar e a famílias de assentados de programas de reforma agrária. As opções de crédito envolvem taxas de juros nominais muito baixas (taxas anuais de 0,5% a 3,5% - 4,0%) e se des-tinam a custeio de safra ou atividade agroindustrial; investimento em máquinas, equipamentos ou infraestrutura de produção e atividades agropecuárias ou não agropecuárias, incluindo agricultores familiares, empreendimento familiar rural – pessoa jurídica, cooperativas e asso-ciações que buscam bene iciar ou industrializar a produção.

Destaque-se que esse Programa inclui uma linha de “microcrédi-to rural” (Pronaf B), destinadas a “agricultores de mais baixa renda”, propiciando inanciamento de atividades agropecuárias e não agro-pecuárias, cobrindo “qualquer demanda que possa gerar renda para a família atendida”. Trata-se de crédito para agricultores familiares enquadrados no Grupo B (renda familiar bruta anual até R$ 20 mil) e agricultoras integrantes de unidades familiares de produção enqua-dradas nos Grupos A [famílias bene iciárias do Programa Nacional de

Programas sociais dirigidos ao Nordeste rural: aspectos críticos 221

Reforma Agrária (PNRA) e do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF)] ou A/C [Produtores (as) egressos (as) do Grupo “A”, ou do Pro-grama de Crédito Especial para a Reforma Agrária (PROCERA)]. Esse público-alvo é constituído por famílias com menor renda e, portanto, são os mais representativos quando se trata de foco em pobreza rural.

Do quadro-resumo dos encargos do PRONAF para as diversas li-nhas de crédito (safra 2014-2015), extraímos aqui elementos referen-tes a esse público-alvo, de modo que seja visualizada a magnitude das taxas de juros:

a) Pronaf custeioAté R$ 10 mil; Juros de 1,5% a.a.

b) Pronaf Investimento Até R$ 10 mil; Juros de 1% a.a.

c) Micro crédito rural conforme o Programa Nacional de Mi-crocrédito Produtivo Orientado (PNMPO) – Grupo BInvestimento até R$ 4 mil – juros de 0,5% ao ano e bônus de adimplência de 25% para os primeiros R$ 12 mil.

d) Micro crédito rural nos termos do PNMPO em municípios em estado de calamidade, no Semiárido – Grupo “B”Investimento até R$ 4 mil – juros de 0,5% ao ano e bônus de adimplência de 40% para os primeiros R$ 12 mil.

e) Grupo “B” – micro crédito rural sem a metodologia do PNMPO.Investimento até R$ 2,5 mil – juros de 0,5% ao ano e bônus de adimplência de 25% para os primeiros R$7,5 mil.

f) Pronaf Mulher no Micro crédito rural – Grupo BAs mesmas condições especi icadas nas três linhas acima.

g) Pronaf investimento para Reforma AgráriaAté R$ 25 mil, mais R$ 3,3 mil para o pagamento da Ater; bônus de 47%; Juro de 0,5% a.a.

h) Pronaf custeio da Reforma AgráriaAté R$ 7,5 mil, em até 3 operações; Juro de 1,5% a.a.

i) Pronaf microcrédito da Reforma AgráriaAté R$ 4,0 mil, com até 3 operações; bônus de adimplência de 50%; Juros de 0,5% a.a.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais222

Evidencia-se o modesto nível dos juros cobrados – o que, em ter-mos reais, redunda em taxas negativas (descontado o efeito da in la-ção, atualmente se aproximando de 10% ao ano (9,88% nos últimos 12 meses até agosto 2015) e média anual de 7,24%entre dezembro de 1994 e dezembro de 2014).13 Observe-se que a taxa efetiva de juros do PRONAF é ainda menor que a taxa anunciada, quando se consideram os bônus de adimplência (para os mutuários que pagam sem atraso).

No entanto, a despeito de tais condições, ocorrência de atrasos entre mutuários do PRONAF é cena frequente, o que termina por se re-solver via renegociação de débitos – a exemplo do que ocorreu no ano de 2014. De fato, conforme informações do Portal Brasil (BRASIL. Go-verno Federal, 2015),várias portarias emitidas pelo Banco Central, em junho desse ano, ofereciam condições extremamente facilitadas para mutuários do PRONAF (principalmente para representantes dos Gru-pos B, A e A/C). As condições envolvem renegociação para dez anos, mantido o direito a bônus de adimplência e a possibilidade de liquida-ção, com rebate de até 85% do valor atualizado da dívida. Não apenas devedores do PR0NAF foram bene iciados: incluem-se também mu-tuários do Fundo Constitucional do Nordeste (FNE), do Programa Na-cional de Apoio ao Médio Produtor Rural (PRONAMP) e do Programa de Geração de Emprego, Trabalho, Renda Rural (PROGER Rural).

Em anos recentes, o PRONAF foi – em termos de dotação orça-mentária – fortemente ampliado em todo o país, passando de R$ 2,3 bilhões na safra 2002-2003 para R$ 24,1 bilhões na safra 2014-2015 (BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2015). Trata-se de expressivo volume de crédito, embora em termos de recursos ne-gociados a evolução do Programa, depois de alcançar o pico de cer-ca de R$ 13 bilhões em 2008-2009, revela tendência decrescente, se aproximando – em 2011-2012, com pouco mais de R$ 8 bilhões – do pico de há 10 anos (1999-2000), no entorno de R$ 6 bilhões – valores nominais que totalizam operações para custeio e investimento. Impor-tante ser assinalado que similar per il de redução também se observa no que respeita a número de contratos.14

A esse respeito, é útil que se mencionem constatações de estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) sobre o alcance do Programa no que se refere a estratos prioritários do público a que é dirigido pode-se:

13 Considerado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). 14 Ver Brasil (2013, p. 360, grá icos 2A e 2B).

Programas sociais dirigidos ao Nordeste rural: aspectos críticos 223

[...] observar que [no período 2011-2012] justamente as duas regiões com maior representatividade dos grupos pauperizados da agricultura familiar sofreram as maiores reduções de contra-tos. Na região Norte, houve retração de 64% dos contratos e de 42% do valor negociado. A maior queda foi no segmento A que, com redução de quase 80% no número de contratos na região, deixou de ser o grupo mais representativo de contratos do PRO-NAF, passando de 57% para 32% do total de contratos entre as duas últimas safras. Há, portanto, nessa região, em termos rela-tivos, maior participação dos grupos CDE do PRONAF na safra 2011-2012. No Nordeste, os contratos irmados foram reduzi-dos à metade, enquanto o montante de recursos retraiu 40%. O grupo B, segmento mais signi icativo nesta região, sofreu queda de 55% no número de contratos e de 44% no valor negociado. Mais uma vez, o PRONAF A apresentou o menor desempenho: redução de 73% nos contratos e de 74% no montante de recur-sos. (IPEA, 2013, p. 362).15

Outros mecanismos de apoio à agricultura de pequeno porte de-vem ser mencionados no âmbito da discussão que aqui se conduz: i) Garantia-Safra e Seguro da Agricultura Familiar); ii) Política de Garan-tia de Preços da Agricultura Familiar); iii) Programas de Aquisição de Alimentos e de Alimentação Escolar.

O Programa Garantia-Safra é um seguro de renda mínima para famílias agricultoras que vivem em municípios do Nordeste, Norte de Minas Gerais, Vales do Mucuri e do Jequitinhonha e Norte do Espírito Santo. Caso seja detectada perda de, pelo menos, metade da produ-ção municipal de algodão, arroz, feijão, mandioca e milho por motivo de seca ou excesso hídrico, os agricultores atendidos pelo Programa recebem bene ícios, pagos em parcelas mensais, por meio de cartões eletrônicos distribuídos pela Caixa Econômica Federal. Os agricultores contribuem com o fundo pagando 1% do valor do bene ício ao aderi-

15 Note-se que, consideradas adversidades da economia brasileira no momento atual, que se prenunciam duradouras no médio prazo – pelo menos até 2017 –, programas sociais em geral deverão sentir o peso do ajuste iscal, o que tenderá a tornar mais limita-das as possibilidades de alcance desses programas. Ora, é em momentos assim que polí-ticas sociais deveriam ser mais efetivas e, portanto, maximizadoras de resultados, o que depende de – além de boa governança, como pressuposto básico – trabalho sistemático de monitoramento e avaliação. Nesse contexto, programas sociais de grande magnitude – a exemplo de Bolsa Família, Pronaf, Seguro-Desemprego – deveriam ser monitorados e avaliados via processos rigorosamente efetivos, de modo a se reduzir ao mínimo even-tuais desperdícios. Infelizmente, tal modo operativo foge à tradição brasileira – embora nunca seja tão tarde que não valha a pena se buscar romper com tal inércia.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais224

rem ao Programa. Os recursos são utilizados para pagamento do bene-ício aos agricultores que perderem a safra.

A Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), elaborada e operacionalizada pela Companhia Nacional de Abastecimento (CO-NAB), é outro programa voltado para a clientela rural que adquire por um preço mínimo os excedentes de produção do mercado, como o in-tuito de corrigir distorções de preços ao produtor, e contribuir para sustentar a renda e assegurar uma remuneração mínima para a co-lheita.

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2003, tem como objetivo garantir acesso a alimentos em quantidade e re-gularidade necessárias às populações em situação de insegurança alimentar e nutricional. Visa também contribuir para formação de es-toques estratégicos e permitir aos agricultores familiares que arma-zenem produtos e os comercializem a preços mais justos. É executado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), com a participa-ção de governos estaduais e municipais, sociedade civil, organizações da agricultura familiar e rede de entidades socioassistenciais.

Desde 2006 o MDA destina recursos orçamentários para opera-cionalizar duas modalidades desse programa:

i – Formação de estoques pela Agricultura Familiar: propicia instrumentos de apoio à comercialização de seus produtos alimentí-cios. Operada por meio de organizações da agricultura familiar, dis-ponibiliza recursos para que a organização adquira a produção de agricultores familiares e forme estoque de produtos para posterior comercialização. A organização de agricultores familiares, juntamente com seus associados, identi ica a possibilidade de formação de esto-que de determinado produto e elabora uma proposta de participação. Os produtos amparados pelo Programa são os produtos alimentícios, oriundos da agricultura familiar, próprios para o consumo humano e não podendo ser de safra anterior ao do período de contratação.

Ii – Compra Direta da Agricultura Familiar: realiza aquisição da produção da agricultura familiar em situação de baixa de preço ou em função da necessidade de atender a demandas de alimentos de po-pulações em condição de insegurança alimentar. O valor máximo de

Programas sociais dirigidos ao Nordeste rural: aspectos críticos 225

comercialização, por agricultor familiar, é de inido anualmente. É ope-racionalizado pela CONAB, com recursos do MDA e do MDS, de acordo com a situação dos preços dos produtos e da demanda apresentada pelos agricultores familiares. Os produtos amparados pelo Programa são: arroz, castanha-de-caju, castanha-do-brasil, farinha de mandioca, farinha de trigo, feijão, leite em pó integral, milho, sorgo e trigo.

iii – Doação Simultânea. Também operacionalizado pela CONAB, envolve uma rede institucional que compreende, além da CONAB, a as-sociação que agrega os produtores que são cadastrados para o contra-to; e a entidade (ONG, Igreja, associação bene icente, ou outra entida-de credenciada) que recebe os produtos alimentícios de base agrícola e os distribui a famílias carentes.

Outra iniciativa de grande impacto foi a que de iniu a possibilida-de de aquisição – na esfera municipal – sem submissão a normas da Lei das Licitações, de até 30% do valor gasto com o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), mais conhecido como “Merenda Es-colar”, desde que as compras sejam feitas localmente a produtores da agricultura familiar (Lei nº 11.947, de 16/6/2009).

Tanto o PAA quanto o PNAE necessitam de ajustes na execução, a se julgar pelo que se observa em pesquisas de campo (mesmo sem que tais programas sejam objeto principal de estudo). De fato, duas contin-gências possivelmente têm impactos negativos sobre o desempenho desses programas:

a. Parece haver um “mercado da DAP” (Declaração de Aptidão ao Pronaf), documento básico que possibilita ao pequeno pro-dutor acessar créditos do Pronaf. É frequente que uma pessoa – em geral vinculada a uma instituição de apoio (ONG, por exemplo) – reúna as DAPs de vários produtores, constituindo um grupo para fornecimento de produtos a esses programas, cadastrando-se esses produtores em instâncias como as re-presentações estaduais da CONAB e da Empresa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), entidade que ainda opera em algumas unidades da Federação. É estabeleci-da, nesse processo, uma prática de intermediação pela qual a quota de um produtor (cuja unidade produtiva tem baixa ca-pacidade de cultivo e, portanto, de oferta de produtos) é com-pletada com itens de terceiros – o que viola frontalmente um

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requisito legal da regulamentação instituída pela CONAB: a cada produtor associado cabe fornecer exclusivamente itens de produção própria. Ademais, icam abertas possibilidades de uso indevido dos recursos captados.16

b. Mesmo sem a prática acima mencionada, é frequente haver intermediação de produtos para complemento de quotas de produtores associados cadastrados como fornecedores de itens agrícolas alimentares para os programas agora em foco. Isso se torna mais delicado quando se trata de contratos para fornecimento de produtos baseados em cultivo orgâni-co. Tal intermediação choca, lagrantemente, com a exigência de qualidade orgânica. Em casos extremos, o complemento de quotas se dá, inclusive, com abastecimento em feiras con-vencionais. Evidente que, em tal contingência – como já ob-servado em pesquisa de campo, com respeito a um projeto social de horticultura orgânica – há possibilidades de que o complemento venha diretamente de armazéns de centrais de abastecimento (CEASAs).

Tendo-se em conta – portanto – a multiplicidade e a expressiva dimensão, em termos monetários, de várias das iniciativas de políticas públicas implantadas ou ampliadas no país, nas últimas décadas, um recorrente desa io permanece associado à pauta das políticas sociais no Brasil e particularmente no Nordeste: materialização de sistemas permanentes de monitoramento e de avaliação dessas políticas, com incorporação de práticas de avaliação à cultura da gestão pública no Brasil.

16 A esse respeito, registre-se ocorrência de desvios de recursos, sob o PAA, nos es-tados do Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul – no ano de 2013 – investigados pela Polícia Federal, conforme noticiado na mídia. Consultar http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/09/24/pf-prende-vereador-e-gerente-de-co-nab-em-operacao-contra-devios-do-fome-zero-no-pr.htm e http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2013/09/pf-faz-operacao-para-combater-desvio-de-recursos-do--programa-fome-zero.html. No caso do Paraná, tratava-se de ocorrências que tiveram lugar no período 2009-2013, envolvendo 14 municípios e 22 contratos investigados, sendo detectadas irregularidades em todos os contratos – conforme noticiado. A pro-pósito, informe-se que, desde a instituição do Programa (em 2003) até 2013, houve repasse de cerca de R$ 2,8 bilhões, para aquisição de produtos da pequena agricultura familiar – em valor nominal, de acordo com dados da CONAB – informações referentes a operações que compreendem as três modalidades do programa, acima menciona-das. Ver Oliveira e Pinheiro (2014, p. 7).

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3. Considerações Adicionais – a Propósito de Conclusão

Há diferenças básicas entre os conjuntos de programas que foram objeto de reexame crítico, nas seções precedentes. O PCPR tem matriz externa (Banco Mundial) e opera no Nordeste há pelo menos três dé-cadas. Os outros programas sociais – tratados na seção 2.2 – são todos ilhos da era pós-Constituição de 1988 e se consolidaram nas duas úl-

timas décadas. O primeiro, a despeito de alguma mudança de denominação e de

incorporação do preceito do community-driven approach – que bus-ca estimular e fortalecer o protagonismo do bene iciário (o pequeno produtor rural) – aparentemente não conseguiu contribuir signi ica-tivamente para mudanças em termos de tornar o produtor rural um ator social com alguma autonomia de voo para trabalhar com novas tecnologias, alcançar mercados e tornar-se livre da dependência de governos. Certamente não por culpa do produtor, mas por fatores es-truturais e pela manutenção de expressivo atraso educacional, que – na região – é maior que no país como um todo.

Já o segundo conjunto de programas pertence a uma linha de po-líticas sociais que se fortaleceram na era do Real e contribuíram para mudar o panorama do interior do Nordeste, e do país. Isso ocorre desde que a universalização da aposentadoria rural e de outras trans-ferências previdenciárias no âmbito de famílias pobres vinculadas à agricultura familiar alavancou o processo de elevação do nível de ren-da no meio rural, a partir da primeira década dos anos 1990. Outras vertentes de mudança – a exemplo da expansão do crédito ao pequeno e ao médio produtor, cujo símbolo maior é o PRONAF (desde 1995/96) – tiveram lugar depois da criação do Fundo de Amparo ao Trabalha-dor (FAT), a partir de 1990, que trouxe o PRONAF e programas de ge-ração de emprego e renda (PROGER Urbano e PROGER Rural, desde 1995/96). Também de grande impacto, em termos de composição da renda de famílias pobres (nos meios urbano e rural), o Bene ício de Prestação Continuada (BPC) (idosos e pessoas com necessidades es-peciais), a partir da primeira metade dos anos 1990, no âmbito da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS, Lei nº 8.742, de 7/12/1993).17

17 Trata-se de transferência expressiva, no meio rural, por garantir renda mensal de um salário mínimo a famílias extremamente pobres (renda familiar per capita de até 25% do salário mínimo), elegíveis como bene iciárias do BPC.

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Ora, a renda do pequeno agricultor no Nordeste também foi afe-tada por outros vetores de mudança. Nesse mesmo período, avançou o segmento de agronegócio, atualmente se destacando as culturas de soja, milho, algodão e a atividade pecuária, a exemplo do que ocorre nos estados da Bahia, Maranhão e Piauí. Ademais, o terciário moderno também alcançou cidades de médio porte, o que inclui implantação de universidades (públicas e privadas). O avanço da urbanização no interior do Nordeste, assim como no país, contribuiu para ampliar a já consolidada “pluriatividade” do pequeno produtor rural: a atividade agrícola, em si, sendo cada vez mais combinada com atividades não agrícolas, a exemplo de ocupações na construção civil, em prestação de serviços e em atividades comerciais. A renda “rural” passa a ter im-portante parcela oriunda de atividades não-agrícolas, parcela magni-icada pela contribuição de transferências do governo federal, à qual

veio se somar a porção representada por transferências do Bolsa Fa-mília, cuja capilaridade ampliou o universo de famílias alcançadas por transferências federais18. Ao mesmo tempo, o bolsão de agricultura fa-miliar pobre, pouco capitalizada – e cujo esquema de comercialização permanece, inclusive pela raiz cultural, indissoluvelmente vinculado ao atravessador – foi mantido no atraso de sempre, sem assistência técnica perene e efetiva, a despeito de diversos programas sociais diri-gidos a esse segmento social, que incluem ações de capacitação.

Ora, o montante global de recursos inanceiros alocados a tais programas forma um conjunto bastante signi icativo para os estados do Nordeste. No caso do PCPR, o orçamento do Banco Mundial para o período 2013-2016, no Ceará (por exemplo), chega a US$ 100 milhões, distribuídos em(respectivos)desembolsos anuais de 30, 45, 20 e 5 mi-lhões de dólares.

Ademais, o mesmo estado conta também com o Projeto Pau-lo Freire, apoiado pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA; International Fund for Agricultural Development-I-FAD), também dirigido a apoio ao pequeno produtor rural, com obje-tivos de combate a situações de pobreza. Atualmente, esse organismo 18 Anote-se que o Programa Bolsa Família (PBF) foi materializado a partir do pré-exis-tente Bolsa Escola (federal), e fusão de outras transferências e auxílios. Ao PBF foi também integrado o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI, iniciado em 1999), mas sem superposição, conforme informado no site o icial do Ministério do Desenvolvimento Social: “O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e o Bolsa Família foram integrados mantendo suas especi icidades e objetivos, não haven-do sobreposição de um sobre o outro”.http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/peti/integracao-peti-e-bolsa-familia.

Programas sociais dirigidos ao Nordeste rural: aspectos críticos 229

internacional mantém contrato com a Secretaria de Desenvolvimento Agrário, do governo estadual, no montante de US$ 80 milhões – 50% desse valor correspondendo a contrapartida estadual (CEARÁ, 2014).

O segundo conjunto de programas sociais (crédito, transferências federais e programas de acesso do pequeno produtor a mercados ins-titucionais – PAA e PNAE) gera montante que alcança – no plano nacio-nal – múltiplos dos referidos programas de combate a pobreza, totali-zando um expressivo aporte de recursos. O PRONAF, com orçamentos de bilhões de reais a cada safra,o Bolsa Família e o BPC, além dos pro-gramas de compras – pelo Governo Federal – de produtos agrícolas (alimentos) da pequena agricultura familiar constituem destaques que magni icam o esforço de alocação de recursos para ins sociais, com forte impacto sobre a vida e a economia do interior e da zona ru-ral do país, da região e, no caso, do interior e do meio rural do Ceará.19

Como parte do propósito do presente capítulo, destacamos duas importantes implicações – completando-se esta seção conclusiva.

A primeira é que impactos da expansão da renda de famílias ru-rais pobres – por meio dos programas expandidos e criados nos últi-mos 20 anos, e por conta da diversi icação econômica da economia do interior – tornam bem mais complexa a tarefa de se identi icar a contribuição de um especí ico programa, a exemplo de ações no âm-bito do PCPR, que de vez em quando são objeto de avaliação. De fato, exercícios econométricos de avaliação de impactos enfrentam obstá-culos quase insuperáveis para singularizar impactos de um determi-nado programa, isolando interferências (efeitos) de outros programas de que se bene iciam as comunidades rurais sob estudo.

A segunda implicação é que cresce a importância de se comple-mentar o trabalho de avaliação de programas sociais, recorrendo-se a estudos empíricos centrados em pesquisa de campo que incluam en-trevistas qualitativas entre bene iciários do programa sob avaliação, e entre atores sociais que compõem a rede institucional de execução do programa. Idealmente, se o propósito é de se maximizar e iciên-cia, efetividade e e icácia das ações programáticas, é imperativo que também sejam mantidos esquemas sistemáticos de monitoramento. A propósito de ilustração desse ponto, tome-se o caso do PAA, que pro-vê – ao pequeno produtor agrícola – acesso a mercados institucionais. 19 O Bolsa Família e o BPC também têm alcance urbano, mas interessa aqui se enfatizar o impacto que tal conjunto de programas pode, em princípio, exercer sobre o espaço rural do Ceará – particularmente o espaço da pequena produção agrícola de base familiar.

MERCADO DE TRABALHO - Qualificação, Emprego e Políticas Sociais230

Um efeito bastante desejável seria o produtor assistido tornar-se, ao longo da experiência como fornecedor do PAA, ter fortalecida sua ca-pacidade de produção e de comercialização e, ulteriormente, adquirir autonomia para ampliar o alcance de novos mercados. Mas isto não se cumpre com o que aparenta ser o atual padrão de gestão do programa e sem – entre outros apoios – assistência técnica efetiva e permanente, boa infraestrutura de estradas e de transporte, e – fundamentalmente – elevação de escolaridade do pequeno produtor rural.

Por outro lado, chama atenção a retórica inerente a diversos pro-gramas no que se refere a ações voltadas para ampliação do capital social das comunidades rurais. Contudo, menções são frequentes à permanência de frágil capacidade associativa no campo, ensejando-se demanda de “capacitação” nessa área temática – e já são décadas de programas que buscam aumentar o capital social de comunidades ru-rais. Ou seja, aparentemente há fatores impeditivos básicos que ope-ram em sentido contrário ao buscado por programas de combate à pobreza rural.

Concluímos que, a despeito de esforços do Programa de Comba-te à Pobreza Rural e de programas governamentais da esfera federal, ao longo de décadas – e em período recente –o que se logrou obter é insu iciente para que segmentos da população rural nordestina su-perem, de forma signi icativa, a condição de pobreza. Aparentemente, falta – a diversas iniciativas – potencial para reverter condições de po-breza; permanecem insu icientes o grau de organização e a capacidade de gestão das comunidades para manter projetos implementados. É imperativo que se façam avaliações abrangentes e sistemáticas, para correção de rumos.

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