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Memórias: um gênero e um possível caminho para práticas de oralidade, leitura e
produção escrita.
Autora: Nair Bonfim Nogueira*1
Orientadora: Luciana Ferreira Dias *2
Resumo:
Este artigo apresenta um trabalho em sala de aula a respeito do gênero memórias visando o desenvolvimento de práticas de letramento visto não somente como capacidade de ler e escrever, mas como prática social. Neste caso, foram contemplados os três eixos de produção da linguagem: leitura, produção escrita e oralidade a partir do gênero memórias. Num primeiro momento, foi apresentada uma revisão bibliográfica a respeito do gênero memórias. Esta primeira abordagem envolveu principalmente a leitura e a interpretação de textos memorialísticos, de modo a embasar os alunos para posteriores práticas de oralidade e escrita. Num segundo momento, foram elaboradas e realizadas as entrevistas com pessoas selecionadas na comunidade que receberam os alunos e contribuíram com suas lembranças de fatos vividos e rememorando antigos locais que fizeram parte da história e que não existem mais na cidade. Partindo das memórias recolhidas e selecionadas, os alunos produziram memórias, resignificando o que lhes foi contado pelos pioneiros. A oralidade teve papel de destaque na medida em que as memórias recolhidas foram compartilhadas com os colegas em sala de aula e na apresentação final do trabalho. Ademais, é válido destacar a produção de um livro com os textos (memórias) produzidos pelos alunos, o que permitiu a eles um contato vivo com a experiência da escrita e uma relação com o caráter dialógico da linguagem.
Palavras-chave: memórias; leitura; comunidade; produção.
Abstract This article presents a study in the classroom about the memoir genre for the development of practices literacy practices not only as ability to read and write, but as a social practice. In this case, were awarded the three axes of language production: reading, writing and speaking from memories of the genre. At first, was presented a literature review about the memoir genre. The first approach involved mainly reading and interpreting texts memorialistic basing students for further practice speaking and writing. Secondly, we were prepared and conducted interviews with selected people in the community who received the students and contributed their memories of events experienced and reminiscing in the city about old places that were part of history and that no longer exist in the city. Based on the collected memories students have produced literary texts, resignifying what they were told by the pioneers. The orality played a key role since the collected memories were shared with colleagues in the classroom and in the final presentation of the work. Moreover, it is worth highlighting the production of a book with the texts (memories) produced by the students, allowing them a living contact with the writing experience and a relationship with the dialogical character of language.
Key-words: Memories; reading; community; production.
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1 Apresentação do trabalho: Relato de experiência
O mundo moderno oferece inúmeras oportunidades de leitura. Porém, uma
grande maioria dos alunos prefere o uso de tecnologias, bate-papos na internet,
músicas, passeios, jogos, etc., deixando a leitura em último plano. É reconhecido por
grande parte dos educadores que há necessidade de mais leitura por parte de nossos
jovens e adolescentes. É real essa necessidade, pois assim haverá uma maior
aproximação de outras realidades, de outros contextos e consequentemente de outros
mundos.
Segundo as Diretrizes Curriculares de Língua portuguesa do Estado do Paraná:
“um sujeito é fruto de seu tempo histórico, das relações sociais em que está inserido,
mas é, também, um ser singular, que atua no mundo a partir do modo como o
compreende e como dele lhe é possível participar”. Neste sentido, é possível dizer que
o sujeito envolvido em um evento de letramento não somente desenvolve suas
capacidades individuais em práticas de leitura e escrita, mas também produz sentidos e
constrói sua identidade social, num dado contexto. É válido afirmar, apoiados em
Soares (2002, p.72), que o “letramento é o que as pessoas fazem com as habilidades
de leitura e de escrita, em um contexto específico, e como essas habilidades se
relacionam com as necessidades, valores e práticas sociais”.
Com efeito, ler e escrever são duas aprendizagens essenciais de todo o sistema
da instrução pública. Um cidadão que não tenha essas duas habilidades está
condenado ao fracasso escolar e à exclusão social. Por este motivo, a preocupação
maior dos professores é o desenvolvimento da leitura e da escrita. O trabalho escolar
não se limita a facilitar o acesso ao código alfabético, a tarefa do professor é muito
mais abrangente. Compreender e produzir textos são atividades humanas que
implicam dimensões sociais, culturais e psicológicas e mobilizam todos os tipos de
capacidade de linguagem.
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É função de a escola fortalecer o repertório de leitura, ampliar os horizontes dos
educandos, possibilitando-lhes maior visão de mundo, levando-os a conhecer a história
dos sujeitos com os quais se relacionam. As variadas leituras e entrevistas com
pessoas experientes da comunidade são ferramentas que podem enriquecer as
experiências escolares e contribuir para que haja crescimento e humanização dessa
clientela.
No que se refere à experiência com o gênero memórias, vale destacar que o
trabalho foi desenvolvido em uma turma de oitavo ano (período vespertino) do Colégio
Estadual Lúcia Alves situado no município de Altônia. Turma que contava com 30
alunos de classe baixa, muitos provenientes da zona rural e a grande maioria sem
perspectivas de vida nem motivação para os estudos. Tendo em vista esta
problemática optou-se por desenvolver uma Unidade Didática, trabalhando-se com o
gênero memórias.
Considerando o exposto, vale ressaltar que o trabalho com o gênero memórias
despertou nos alunos o interesse pelo passado de seus familiares, bem como o desejo
de conhecer fatos históricos do município onde vivem. Instigou a curiosidade,
motivando-os a ler mais, conhecer e ouvir pessoas, valorizar as pessoas mais idosas e
seu conhecimento.
2 Fundamentação Teórica
Segundo as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná, o conteúdo
estruturante da disciplina de Língua Portuguesa é “O discurso como prática social”.
Estamos entendendo que o discurso é efeito de sentidos entre interlocutores, não é
individual, ou seja, não é um fim em si mesmo, mas tem sua gênese sempre numa
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atitude responsiva a outros textos. Discurso entendido como resultado da interação-
oral e escrita- entre sujeitos.
Diz ainda que “os agentes são seres situados num tempo histórico, num espaço
geográfico pertencente a uma comunidade, a um grupo e por isso carregam crenças,
valores culturais, sociais, enfim a ideologia do grupo, da comunidade de que fazem
parte. Essas crenças, ideologias são veiculadas, isto é, aparecem nos discursos”.
Pode-se também salientar que a literatura, como produção humana, está
intrinsecamente ligada à vida social, de modo que os gêneros ligados à esfera literária
enredam sentidos ligados à língua em uso ou mesmo às ideologias em jogo, numa
dada época.
Sendo assim, o gênero discursivo memórias permite o resgate dos valores,
saberes, histórias e lembranças vividas por membros da comunidade onde a escola
está inserida. Ao trabalhar com este gênero, além da necessidade de apresentarmos
uma caracterização do gênero, em termos de estrutura composicional, estilo e
conteúdo temático, é preciso levar o aluno a compreender as relações entre o gênero
memórias e as possibilidades de investigação do passado de nossa cidade ou mesmo
a necessidade da interação, ou seja, no gesto de ouvir pessoas mais experientes que
aqui viveram, na prática de produzir entrevistas e finalmente na prática do relato oral
para a classe (prática de socialização).
Ao tomar contato com estas vozes sociais do cotidiano popular, o aluno constrói
conhecimento, situa-se num contexto histórico, desenvolve/pratica a oralidade e após
esta interação entre gerações, o aluno está apto a narrar um acontecimento de forma
literária, isto é, (re) criar uma das memórias selecionada por ele.
Gêneros Discursivos
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Para Bakhtin (2003), a definição de gêneros compreende a mobilidade, a
dinâmica, a fluidez, a imprecisão da linguagem, não aprisiona os textos em
determinadas propriedades formais. Segundo o autor:
O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo de linguagem; ou seja, pela seleção de recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas acima de tudo, por sua construção composicional. Todos estes três elementos – o conteúdo temático, estilo e construção composicional- estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo de comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2003, p.261- 262)
Considerando o gênero memórias, é válido ter em mente, na abordagem deste
gênero, sua forma composicional (estrutura do texto predominantemente narrativa,
tendo-se em vista os elementos: narrador, tempo, espaço, personagens, enredo). Em
termos de usos dos tempos verbais, nota-se que os verbos estão, na sua maioria, no
pretérito (perfeito ou imperfeito), visto que as memórias representam a evocação de um
passado e a manifestação da subjetividade de um narrador em primeira pessoa, um eu.
Ainda, é preciso ter em mente as condições de produção do gênero
memorialístico, de modo a considerar: o interlocutor do texto, a situação de produção, a
finalidade, entre outros aspectos. O tema de uma memória está estreitamente ligado ao
seu contexto de produção.
No que concerne ao conteúdo temático (das/nas memórias), é preciso mobilizar
uma reflexão sobre as ações efetuadas com a linguagem, considerando com que
objetivo o locutor produziu determinado texto e o (s) interlocutor (es) a que se destina;
quando foi produzido, retomando o contexto sócio- histórico- ideológico que, direta ou
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indiretamente, interfere no tema até o recurso/veículo utilizado para sua divulgação e
circulação.
Também, destaca-se o estilo das memórias, em termos das marcas linguísticas,
os usos da língua e os sentidos estabelecidos pela escolha de um ou de outro
elemento linguístico. No caso do gênero memórias, o foco é dirigido para as marcas
individuais de estilo em termos de seleção e opção do autor do texto tais como:
vocabulário representativo de uma dada época, figuras de linguagem, preferências
gramaticais e uso dos tempos verbais.
As DCE´s de LP afirmam que “a escola é um espaço de confronto e diálogo
entre os conhecimentos sistematizados e os conhecimentos do cotidiano popular que
são fontes sócio-históricas do conhecimento em sua complexidade”. Neste caso, a
escola pode também permitir uma abordagem da dimensão do cotidiano, da história
pessoal dos sujeitos de um dado local levando o aluno a aumentar seu conhecimento
de mundo e suas relações com o meio em que vive, bem como seu relacionamento
com as pessoas.
Com efeito, o gênero memórias coloca em cena a possibilidade da oralidade/
escrita em sala de aula e a construção de um texto de teor pessoal, na medida em que
o autor, quase sempre em prosa, relata o que recorda, tanto de sua vida quanto dos
acontecimentos marcantes do contexto em que ela transcorreu. Assim, as memórias
também são relevantes em virtude de terem como centro de interesse o próprio
memorialista e sua prática de escrita- que segue após a prática oral em sala de aula,
representando, por isso, um trabalho fronteiriço com a autobiografia, o diário e as
confissões.
Gêneros Confessionais
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Contar histórias, falar de si mesmo, da própria experiência, de fatos observados,
ou seja, documentar acontecimentos da vida particular, da sua cidade, região ou país
diz respeito a uma característica essencialmente humana. Neste sentido, os diários,
as autobiografias e memórias consistem em se fazer uma recapitulação geral de
coisas que nos tocaram e que constituíram a identidade que temos e carregamos
conosco.
Memórias, diário, autobiografia pertencem aos gêneros chamados
confessionais. São narrativas antigas no universo literário, escritas em primeira
pessoa; e como qualquer outro discurso, sendo uma produção humana pode ser
entrecortado de ficção.
Segundo Maciel, 2010, p.5:
Textos centrados nos sujeitos existiram sempre, pois a humanidade possui o instinto autobiográfico e o desejo de registrar suas vivências. Porém a partir do século XVIII pode-se pensar em gênero confessional. No entanto, seu apogeu dá-se no início do século XX, pois surge uma gama de literatura íntima que se tornou produto de consumo e passou a ser digerida por uma grande massa de leitores interessados no secreto. Realmente, o século XX foi o século das memórias, principalmente nas últimas décadas. Leitores com apetite de voyeur acreditavam entrar na intimidade e devassar segredos invioláveis do autor
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Vejamos a definição dos termos: MEMÓRIA e MEMÓRIAS.
Segundo o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, MEMÓRIA é “aquilo que
ocorre ao espírito como resultado de experiências já vividas; lembrança,
reminiscência”.
Já, no caso da palavra MEMÓRIAS, Houaiss a define como: “relato que alguém
faz, muitas vezes na forma de obra literária, a partir de acontecimentos históricos dos
quais participou ou foi testemunha, ou que estão fundamentados em sua vida
particular”.
É válido afirmar que um texto de memórias objetiva resgatar um passado, com
base nas lembranças de pessoas que, de fato, viveram esse tempo (cunho
autobiográfico). As experiências de uma geração anterior são evocadas e repassadas
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para outra, dando assim continuidade à história da cidade, do bairro, de uma família, de
modo que a história de cada indivíduo traz é parte da memória do próprio grupo social
ao qual pertence.
3. Relato de experiência- Desenvolvimento da implementação
A turma escolhida para desenvolver o projeto com o gênero memórias foi a sétima série
G, (oitavo ano), período vespertino, do Colégio Estadual Lúcia Alves de Oliveira Schoffen, da
cidade de Altônia-PR. Uma turma composta por 30 alunos, alguns provenientes da zona rural e
em sua grande maioria filhos de trabalhadores da classe pobre. Esse período, o do vespertino,
nos chamou a atenção pelo fato de ter sido estigmatizado pela comunidade escolar há muitos
anos, além do fato de ser considerado um grupo difícil de trabalhar por causa de alunos
desmotivados, que não leem, de baixo rendimento escolar.
3.1 O Início de um percurso
Visando motivar a turma para o estudo do gênero memórias, foi lida uma história vivida
na cidade no ano de 1970, narrativa essa que foi contada por um morador do município. Este
pioneiro relatou que, certa vez, tentou fazer uma viagem para Maringá, na semana da Páscoa
daquele ano. Saiu da cidade de Altônia na quinta- feira e ficou três dias na estrada por causa
das chuvas, pois as rodovias eram todas de terra naquela época. Conseguiu chegar a
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Umuarama no sábado à noite, pernoitou por lá e retornou domingo cedo, pois trabalharia na
segunda feira.
Em seguida, foi realizado um estudo sobre a História do município de Altônia.
A partir desses estudos acerca da história da cidade, foi solicitado que cada aluno
relembrasse um fato marcante na vida e compartilhasse essa experiência de vida com a turma.
Foram levantadas as seguintes questões, tendo-se em vista uma discussão com
os alunos:
1) Você se lembra de algum lugar que você visitava quando criança e que lhe traz
boas recordações? Como era esse lugar? Quais sentimentos esse lugar lhe
proporcionava?
2) Você se recorda de algum acontecimento marcante em sua vida? Quando
aconteceu? Onde?
A fim de que o aluno entrasse em contato com o gênero memórias, foi
apresentado o texto de Ecléa Bosi como ilustração a respeito do que são memórias,
tomando por base as implicações de práticas de leitura e escrita do gênero. O trecho, a
seguir, serve de exemplo dos temas debatidos em sala de aula e elucida a maneira
como as memórias podem tocar em questões mais ligadas à vida, ao passado, à
capacidade de rememorar o vivido.
De onde vêm as histórias? Elas estão escondidas como um tesouro na gruta de Aladim ou num baú que permanece no fundo do mar. Estão perto, ao alcance de sua mão. Você vai descobrir que as pessoas mais simples têm algo surpreendente a nos contar.
Quando um avô fica quietinho, com o olhar perdido no passado, não perca a ocasião. Tal como Aladim da lâmpada maravilhosa, você descobrirá os tesouros da memória. Se ter um velho amigo é bom, ter um amigo velho é ainda melhor. (Bosi, 2003, p. 9).
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A leitura e a discussão do texto de Eclea Bosi despertaram os alunos para o fato
de que todos nós conhecemos pessoas mais experientes, mais vividas que têm muitas
recordações que podem ser instrutivas, históricas, prazerosas, e até mesmo
engraçadas de se ouvir. Basta termos tempo e disposição para ouvi-las.
Com o decorrer da troca de experiências entre os alunos, percebemos que falar
de si mesmo é uma característica humana e a grande maioria dos alunos dessa turma
gostou de contar causos, histórias vividas, falar de suas angústias, suas alegrias, suas
dores e de suas experiências. Por outro lado, há muitas pessoas que sentem
necessidade de expor sua vida em uma autobiografia, outras de desabafar em um
diário ou mesmo em um blog, tornando assim, públicas ou reveladas, as suas
vivências.
Motivados, após tomarem contato com o texto acima, os alunos investigaram
histórias vividas por pessoas de sua família que possuem mais tempo de vida na
cidade e consequentemente mais experiências, lembranças, fotos e fatos têm para
compartilhar. Foram propostas as seguintes atividades:
1) Conversa com pais para investigação/levantamento de alguns fatos marcantes
na vida dos alunos.
2) Seleção das histórias mais interessantes para a socialização em sala.
3) Relato das histórias que os alunos ouviram de seus pais para os colegas.
Mostra-se interessante mencionar, considerando-se a experiência com o gênero, que as
memórias colhidas pelos alunos e socializadas com toda a turma foram, de fato, bem
recebidas pelos outros colegas. Muitos relatos representavam novidade a esses alunos, o que
tornou a atividade ainda mais interessante e produtiva. Fatos que pareciam irrelevantes para
quem já possui mais idade, no entanto, para os alunos eram todos fatos desconhecidos e
curiosos. Por exemplo: o fato de a cidade já ter possuído dois cinemas e que muitos dos seus
familiares frequentaram; ter existido um buracão tão grande que as crianças brincavam dentro
dele. Houve relato como o seguinte: “Professora, meu pai diz que brincou nesse buracão.
Quando chovia ele virava uma cachoeira, a água da cidade ia todinha para lá”! E mais, uma
primeira igreja católica que se situava na praça principal da cidade, mas que era muito
pequenininha e de madeira; um campão de terra onde um público entusiasmado assistia às
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animadas partidas de futebol e que era o lazer de crianças, jovens e adultos nas tardes de
domingo. Uma aluna contou para a turma que o avô ouvia músicas e sabia as informações da
cidade através de um alto-falante que havia na cidade, com direito a locutor e tudo mais. A
moçada dedicava músicas para os amores e os mais velhos se divertiam com as modas
sertanejas no final da tarde. Tudo isso era possível, graças aos discos de vinil, que muitos
alunos descobriram a existência depois dessa investigação do passado.
3.2 Práticas de linguagem: poesia e o gênero memórias.
A fim de que os alunos tivessem maior contato com o gênero memórias durante
o desenvolvimento do trabalho, foram sugeridos alguns livros para leitura extraclasse:
“Velhos amigos”, da autoria de Eclea Bosi; “Diário de Anne Frank”, da autoria de Otto
H. Frank; “Diário de Zlata”, da autoria de Zlata Filipovic; “Memórias Inventadas: a
terceira infância”, da autoria de Manoel de Barros; “Memórias de uma menina na
guerra”, da autoria de Sonia Robatto.
Como prática de leitura em sala de aula, foi trabalhada a poesia “Tempo Perdido” de
Mario Quintana, na qual o poeta relembra um passado que lhe traz boas recordações e muitas
saudades. Tempo perdido, passado que não volta mais. Neste caso, estivemos com o foco
dirigido para a dimensão do texto verbal, o poético.
POESIA: Tempo Perdido
Havia um tempo de cadeiras na calçada.
Era um tempo em que havia mais estrelas.
Tempo em que as crianças brincavam sob a claraboia da lua.
E o cachorro da casa era um grande personagem.
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E também o relógio de parede!
Ele não media o tempo simplesmente: ele meditava o tempo.
(Mário Quintana) 80 anos de poesia. RJ: Globo, 1986.
Foram sugeridas as seguintes questões para o texto, na prática de leitura do texto
memorialístico:
a) Para o eu-lírico, o tempo parece perdido. Explique por quê.
b) Interprete esta passagem: “Tempo em que a s crianças brincavam sob a
claraboia da lua”.
c) Você acha possível ainda hoje colocarem cadeiras na calçada? Por quê?
d) Segundo o texto, “havia mais estrelas” em outros tempos. Esclareça por quê.
e) Explique o significado deste trecho: “E também o relógio de parede! Ele não
media o tempo simplesmente: ele meditava o tempo”.
Os alunos perceberam que todos podem falar e escrever a respeito de suas memórias,
perpetuando, assim, acontecimentos simples, mas que são marcantes em suas vidas. Eles
relataram também, nos debates e conversas em sala, o fato de que é preciso construir um
presente bem vivido para termos bons momentos para recordar no futuro, fazendo com que o
presente não seja um tempo perdido.
Também, procurou-se explorar a relação entre linguagem denotativa e conotativa,
atentando-nos ao uso da linguagem figurada, no texto poético do autor Manoel de Barros,
“Corumbá revisitada,” justamente com a finalidade de estudar com os alunos a forma como a
linguagem conotativa permite a ampliação do significado das palavras, a expressão da
emoção e o enriquecimento do texto no qual o poeta relembra sua infância na cidade de
Corumbá-MS.
CORUMBÁ REVISITADA “Memórias Inventadas: a terceira infância”
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(Manoel de Barros)
A cidade ainda não acordou. O silêncio do lado de
fora é mais espesso. Dobrados sobre os escuros
dormem os girassóis.
[...]
O rio está bufando de cheio. Há bugios
ainda nas árvores ribeirinhas.
[...]
Há canoas embicadas e mulheres
destripando peixes. Ao lado os meninos brincam de
canga-pés. Das pedras ainda não sumiram os orvalhos.
[...]
Eu queria saber o sonho daquelas garças à margem do rio. Mas não
foi possível. Agora não quero saber mais nada, só
quero aperfeiçoar o que não sei.
a) Dimensão linguística: trabalhando com o vocabulário:
O eu - enunciador discorre sobre um espaço geográfico que percebemos que
são as margens de um rio. Isto leva-nos a imaginar como era a cidade de Corumbá,
cidade na qual o poeta viveu durante alguns anos. Muitas palavras e expressões
utilizadas por Manoel de Barros são oriundas de uma região pantaneira, então é de
grande ajuda sabermos o significado dessas palavras e expressões. Após o
levantamento da lista abaixo, foi solicitada aos alunos uma pesquisa utilizando o
dicionário a fim de que eles tivessem acesso ao sentido das seguintes palavras e
expressões.
Atoar: v.t. Levar à toa, a reboque.
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Bugios: s.m. Espécie de macaco; mono. Destripando: v.t. Estripar; fazer sair as tripas. Cangapé: s.m. Pontapé dado súbita e perfidamente na barriga da perna de outrem. Bras. Pontapé que, por brincadeira, alguém dá dentro da água, ao mergulhar, em companheiro que lhe está próximo. Batelões ( batel): Embarcação robusta, de ferro ou de madeira, fundo chato, com propulsão própria ou sem ela, usada para desembarque ou transbordo de carga. Mascateiro: s.m. Vendedor de mercadorias pelas ruas. Tino: s.m. tinido. Trilheira(o):s.f. Bras. Trilha ou caminho, muito acentuado na mata.
b) Semântica: Entre o denotativo e o conotativo: a linguagem figurada
Metáforas produzidas por Manoel de Barros em seu poema.
Também, buscamos explorar no poema a dimensão da linguagem figurada que
se faz presente na poesia abundantemente a fim de que os alunos percebessem que
os autores de textos memorialísticos utilizam-se desse recurso para enriquecer seus
textos.
a) “O rio está bufando de cheio” (imagem do Pantanal do rio na época das cheias)
b) “O sol ainda vem escorado por um bando de andorinhas” (aves típicas de regiões
quentes que vivem em bandos).
c) “Eu bem recebia as pétalas do sol em mim”. (os raios de sol)
d) “O rio ainda está esticado de rãs até o joelho”. (o rio está repleto de rãs)
e) “Passa por mim uma brisa com asas de garças”. (uma brisa suave)
Algumas personificações presentes no texto de Manoel de Barros.
a) “A cidade ainda não acordou”. (os moradores da cidade que não acordaram)
b) “Dormem os girassóis”. (girassóis não dormem)
c) Aspectos sócio históricos do texto memorialístico: os sentidos dos
provérbios
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Provérbios são ditos populares que fazem parte do conhecimento do povo e que
a gente repete sem saber quem os inventou. São falas populares que foram
transmitidas de boca em boca. Segundo o dicionário Aurélio da língua portuguesa,
provérbio: S.m. 1. Máxima ou sentença de caráter prático e popular, comum a todo um
grupo social, expressa em forma sucinta e geralmente rica em imagens.
As pessoas que já têm certa idade avançada gostam de usar provérbios em
suas conversas, ou até mesmo os utilizam como forma de aconselhar as crianças ou
as pessoas jovens. Os provérbios podem ser uma boa fonte de sabedoria que é
passada de geração a geração. Dessa forma, o trabalho com o gênero memórias
colabora para que se perpetue esse conhecimento, bem como permite a valorização
desta sabedoria por parte dos mais jovens.
Os alunos que leram os provérbios abaixo e discutiram os significados com os
colegas.
Não coloque a carroça
diante dos bois.
Antes só que mal
acompanhado.
Não cutuque a onça com
vara curta.
Quem fala demais, dá bom
dia a cavalo.
Quem semeia ventos, colhe
tempestades.
A pressa é inimiga da
perfeição.
Foi proposto aos alunos que ficassem atentos durante as entrevistas e
tentassem colher outros provérbios. Podiam também pesquisar com pessoas da
família deles ou mesmo pessoas da comunidade. Trouxeram para a sala de aula os
provérbios que julgaram relevantes, assim como compartilharam com os colegas
juntamente com as explicações e aplicações de cada um deles.
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3.3 Práticas de linguagem: memórias e textos inter-semióticos (músicas,
videoclipe e filme):
Acreditamos, em sintonia com Orlandi (1988, p. 38) que o “espaço da leitura
escolar exclui da sua consideração o fato de que o aluno convive em seu cotidiano com
diferentes formas de linguagem”. Dessa forma, mostra-se necessário ampliar as
possibilidades de abordagem de diferentes formas materiais significantes, na medida
em que é possível trabalhar a convivência da linguagem verbal com o som, com a
linguagem corporal, com a imagem e, além disso, relacionar o gênero memórias com
essas diversas formas de linguagem.
Sabemos da importância do trabalho inter-semiótico em sala de aula,
advogamos a necessidade de que os alunos tenham acesso a contextos nos quais seja
possível uma abordagem de diversos tipos de linguagem. Assim, buscamos atrelar a
este trabalho (com o gênero memórias) um diálogo com o gênero canção que conjuga
a linguagem verbal e a musical. Como trabalhamos o videoclipe e o filme “Menino da
porteira”, ainda, pudemos problematizar a respeito da linguagem imagética presente no
material assistido pela turma.
Muitas canções apresentam histórias verídicas, de modo que os autores fazem
uma busca na memória para recontar fatos relevantes do seu passado ou do passado
vivido por outra pessoa. Mas a música não é só conteúdo ou uma história, ela tem
ritmo, melodia, batida. São outras linguagens que significam ao aluno e produzem seus
efeitos na leitura.
A canção “O menino da Porteira”, texto escolhido para o trabalho em sala de
aula nesta nossa proposta, destaca-se por ser uma narrativa memorialística, na medida
em que o eu - lírico busca em suas lembranças um fato acontecido em seu passado,
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fato que marcou sua vida e que, de certa forma, se mantém presente no momento
atual; fato este, que foi tão importante que modificou o seu modo de agir no presente.
O Menino da Porteira - Daniel
Composição : Teddy Vieira / Luizinho
Toda vez que eu viajava pela Estrada de Ouro Fino
de longe eu avistava a figura de um menino
que corria abrir a porteira e depois vinha me pedindo:
-Toque o berrante seu moço que é pra eu ficar ouvindo.
(...)
Nos caminhos desta vida muitos espinhos eu encontrei,
mas nenhum calou mais fundo do que isso que eu passei
(...)
Lá pras bandas de Ouro Fino levando gado selvagem
quando passo na porteira até vejo a sua imagem
(...)
Eu já fiz um juramento que não esqueço jamais
Nem que o meu gado estoure, e eu precise ir atrás
Neste pedaço de chão berrante eu não toco mais.
Disponível em< http://letras.terra.com.br/sergio-reis/68480/ > acesso em: 27de jul,
2011.
As músicas têm forte apelo emocional, o que torna a tarefa de ensinar mais
ligada à afetividade dos alunos. Constatamos, num primeiro momento, que houve um
pouco de estranhamento por parte dos alunos por se tratar de uma música sertaneja,
mas esse sentimento logo foi dissipado. Houve comentários a respeito dos pais que
apreciam e tocam a música em casa. Enfim, a grande maioria cantou e “curtiu” um
trabalho diferente e prazeroso.
Após assistir ao clipe da canção, foram propostas as seguintes atividades:
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1) Situe o espaço e tempo em que ocorreram os fatos.
2) Em uma narrativa memorialista é comum o uso da primeira pessoa do singular, já
que é uma forma de resgatar o passado vivido por quem narra os acontecimentos.
Identifique os pronomes pessoais e possessivos presentes no texto. (1ª pessoa)
3) Na busca de recordações, o EU-narrador, ao evocar pessoas e acontecimentos,
utiliza-se dos tempos verbais que são essencialmente pretérito perfeito (2primeiras
estrofes) e pretérito imperfeito (3 e 4 estrofes). Destaque esses verbos.
4) Descreva com suas palavras quem é o eu-narrador.
5) Há no texto 3 exemplos de discurso direto. Cite- os e diga quem são seus
interlocutores.
6)) O que você acha que o autor quis dizer com o seguinte verso: “ Nos caminhos
desta vida muitos espinhos eu encontrei”
7) Descreva com suas palavras quem é o eu-narrador.
8) Nas duas últimas estrofes o autor volta ao tempo presente. Tempo este em que
estão sendo contados os fatos ocorridos. Em sua opinião, os acontecimentos passados
interferem no momento presente vivido pelo autor?
9) Imagens também são formas de mostrar nosso entendimento a respeito de um
determinado assunto. Sendo assim, demonstre por meio de ilustração o fato mais
marcante dessa canção.
FILME: “O menino da porteira”
Após o trabalho com o clipe da música, os alunos estavam motivados para
assistir ao filme “O menino da porteira”, drama brasileiro de 2009, dirigido por Jeremias
Moreira Filho e roteiro de Jeremias Moreira Filho e Carlos Nascimbeni, tendo como
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protagonista o cantor Daniel. O filme foi uma refilmagem do filme homônimo, “O menino
da porteira”, de 1977.
Houve ótima participação de todos durante o filme e também nas atividades
propostas após sua transmissão aos alunos. Foi realizada uma discussão a respeito do
filme e também das palavras e expressões utilizadas. Os alunos citaram as mais
usadas e que eram desconhecidas por eles. Em seguida, trabalharam em duplas,
colocando os respectivos significados para as palavras e expressões da língua
utilizadas em uma determinada região de nosso imenso país.
Cobra criada.
Carecer
Esgarçada
Gorgomilo
Caboclo
A ferro e a fogo.
Peão sorto no mundo.
Fazer tudo nos conformes.
Matar dois passarinhos com um tiro só.
Por as barbas de molho.
Pôr o carro na frente dos bois.
Dar o braço a torcer.
Cada macaco no seu galho.
Tamanho não é documento.
O tempo caminha pra frente.
Bando de “carcanhar” rachado.
3.4 Recursos linguísticos abordados no texto memorialístico:
Sendo um gênero predominantemente narrativo em sua estrutura
composicional, um texto caracterizado como memorialístico apresenta os seguintes
elementos, a saber: personagens, enredo, narrador, tempo e espaço.
Considerando a dimensão subjetiva do gênero memórias, é preciso pensar na
existência de um narrador-personagem, que tem como característica principal
apresentar-se e manifestar-se como EU, relembrando aquilo que viveu, a partir de um
único ponto de vista: o DELE. É frequente o uso dos pronomes pessoais eu, me, nós,
nos; e os possessivos meu(s), minha(s), seu(s), sua(s), nosso(s), nossa(s), etc. Por se
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tratar de um texto narrativo, em geral, o início de um livro, ou mesmo de um capítulo
de Memórias Literárias, é dedicado a situar o leitor no tempo e, principalmente, no
espaço em que se passam as lembranças do narrador.
Geralmente, o narrador é o próprio personagem que vivenciou a história
contada, sendo considerado, assim, o escritor-autor-narrador. Em outras situações,
uma pessoa ouve outra que conta suas memórias e tem função de escrevê-las tal
como foram contadas- caso em que se enquadra nosso trabalho, isto é, os alunos
(re)contam as histórias vividas pelos pioneiros.
Considerando um narrador em primeira pessoa que conta sua própria memória -
fatos vividos que foram - ou mesmo o sujeito que (re)conta e organiza uma experiência
contada por outrem, é preciso pensar na relevante dimensão subjetiva do texto
memorialístico, em termos de enredo, ou seja, o relato de um fato marcante, uma
experiência significativa para um sujeito.
Às vezes, é possível encontrar ocorrências do uso da primeira pessoa do plural,
o que normalmente indicará um ponto de vista do eu ou um sentimento compartilhado
pelo narrador com outras personagens da história. Belinky (2003, apud Olimpíada de
Língua Portuguesa, 2010, p. 63) utiliza-se da primeira pessoa do plural como vemos no
trecho a seguir: “[...] Na Avenida Rio Branco, reta, larga e imponente, embicando no
cais do porto [...] O que nós vimos, no Rio de Janeiro, não se parecia com nada que eu
pudesse sequer imaginar nos meus sonhos mais desvairados”.
Também, vale comentar a respeito dos elementos tempo e espaço, na medida
em que as memórias envolvem a ancoragem a um tempo, neste caso, o passado e a
um espaço, o da cidade ou do campo.
Em virtude de o eu-narrador, ao evocar pessoas e acontecimentos, utilizar-se
dos tempos verbais que são essencialmente os tempos do pretérito perfeito e do
imperfeito (modo indicativo) com o intuito de situar um tempo passado, julgamos
válido um trabalho linguístico com tais tempos verbais, considerando a produção de
efeitos de sentidos no texto memorialístico. A seguir, apresentamos um quadro
comparativo de tais tempos verbais.
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O pretérito perfeito expressa uma ação
pontual, acabada e localizada no
passado.
O pretérito imperfeito expressa uma ação
habitual no tempo passado.
Pretérito Perfeito: Verbo Viajar
Eu viajei
Tu viajaste
Ele viajou
Nós viajamos
Vós viajastes
Eles viajaram
Pretérito Imperfeito: Verbo Passar
Eu passava
Tu passavas
Ele passava
Nós passávamos
Vós passáveis
Eles passavam
Também, buscou-se enfatizar o modo subjuntivo, justamente, quando se quer
narrar uma ação hipotética. Neste caso, trabalhamos com os efeitos de sentidos
produzidos pelo modo subjuntivo, modo que retrata situações consideradas hipotéticas,
frutos de um desejo ou de uma possibilidade. O exemplo abaixo ilustra a relação dos
verbos nos modos indicativo e subjuntivo com os sentidos no texto memorialístico:
“E foi assim que acabei descobrindo que, quando vovô Vincenzo acabava o
terço e erguia as mãos para o teto, talvez estivesse pedindo às almas do AMÉM que
velassem pela fartura dos campos da Calábria e que nunca deixassem faltar o pão e
o vinho sobre as mesas a fim de que nenhum calabrês, nunca mais, precisasse
emigrar para terras alheias”. Ilka Brunhilde Laurito “As almas do Amém”. (2003, apud
Olimpíada de Língua Portuguesa, 2010, p. 63).
Práticas de leitura: recursos linguísticos
Visando uma melhor fixação dos recursos linguísticos, foram trabalhados
também fragmentos de textos memorialísticos nos quais os alunos identificaram os
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tempos verbais, narrador em primeira pessoa, espaço e tempo das narrações. Os
textos trabalhados foram: “O lavador de pedra” (Manoel de Barros). “Quando chovia”
(Fernando Sabino), “Os automóveis invadem a cidade” (Zelia Gattai), “Por parte de pai”
(Bartolomeu Campos Queirós), “O Diário de Anne Frank”, (Otto H. Frank), “Diário de
Zlata” (Zlata Filipovic).
“Hoje trovejou em nosso bairro inteiro. Não sei nem dizer o número de
granadas que caíram pertinho da nossa casa. Papai havia ido com Samra para o local
onde estão fazendo distribuições da Ajuda Humanitária. Tudo estava calmo, mas de
repente se ouviram tiros de canhão. Explosões. Trovões impressionantes. Emina
estava em nossa casa. Num determinado momento houve uma violenta detonação.
Vidros voavam em estilhaços; telhas despencavam, havia uma nuvem de poeira.
Não sabíamos mais para onde ir”. (“Diário de Zlata”, de Zlata Filipovic).
Apresentamos as seguintes questões para leitura:
1) Como você explica as frases: “Hoje trovejou em nosso bairro inteiro.” /
“Trovões impressionantes”?
2) Encontre os verbos que foram usados nas duas primeiras frases. Em que
tempo verbal eles foram empregados? Que efeitos de sentido os verbos produzem em
relação ao fato narrado?
3) As últimas linhas do parágrafo descrevem uma violenta detonação. Por que foram usados verbos no pretérito imperfeito?
4) Quais sentimentos foram revelados neste trecho do Diário?
O texto “O lavador de pedra” foi um dos que mais motivou a turma, trata-se de
um texto descritivo e com inúmeros vocábulos que eram desconhecidos maioria dos
alunos. Por exemplo: “cacaravam”, “desnome”, “arruado” e mais algumas expressões
da língua: “correndo ao modo que montados em ema”, “corriam como se tivessem
comido canela de cachorro”, “uma pedra aflorava no meio do rio” etc. O uso do
dicionário foi importante nesta atividade, bem como a troca de informações
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aluno/aluno- aluno/professor. Após todas as atividades realizadas, os alunos
compreenderam de forma satisfatória os recursos linguísticos utilizados em um texto
memorialístico.
3.5 Coletas de memórias, visitas e entrevistas.
A coleta das memórias de alguns seletos pioneiros da cidade de Altônia que
conheceram e viveram aqui numa determinada época foi realizada por grupos de
alunos com a presença da professora. As visitas foram previamente agendadas de
acordo com a disponibilidade dos entrevistados que nos receberam com muito
entusiasmo e alegria.
A entrevista foi organizada da seguinte forma: num primeiro momento, o
anfitrião se apresentava e discorria a respeito de seu passado vivido na cidade:
quando chegou, o que veio buscar aqui, quem veio com ele, quais as dificuldades
enfrentadas, etc. Num segundo momento, os alunos interrogavam a respeito de um
referido local da cidade que foi importante e muito frequentado pela população, mas
que não existe nos dias atuais. Para isso, eles utilizavam as questões previamente
elaboradas em sala de aula, buscando obter o maior número possível de informações.
Quando as perguntas terminavam havia um bate papo livre no qual o entrevistado e os
alunos conversavam informalmente a respeito do referido local que foi pesquisado. Ao
final dos encontros, todos se reuniam e tiravam muitas fotos, registrando, assim, o
esperado e verdadeiro encontro de gerações que foi um dos objetivos deste trabalho.
Como é comum em pessoas mais experientes, todos os entrevistados deram
muitos conselhos e ensinamentos para a vida dos alunos. Conselhos estes que os
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alunos levaram para a sala de aula e compartilharam com os colegas e também
registraram em seus depoimentos finais.
A seguir, alguns depoimentos dos alunos que representam um diálogo entre
passado, presente e futuro, a partir das memórias coletadas.
Os nomes que aparecem nos depoimentos e entrevistas, tanto dos pioneiros,
quanto dos alunos, são fictícios.
“Essa entrevista para nós não foi só uma entrevista, foi uma lição de vida, pois
pudemos perceber que hoje a pessoa tem tudo e acha que não tem nada. A dona
Eugenia é a prova disso que mesmo com pouco era muito feliz. E também deixou um
recado: que na vida a gente só plante rosa e cuide bem dela para que no futuro não
precise colher os espinhos.” (Bia e Julia)
“Descobri que devo estudar mais, pois o estudo é o único tesouro que nunca pode ser
roubado.” (Hellena)
“Gostei muito do que aprendi. Também do que ela falou: Nossa herança é o estudo.”
(Samila)
“Gostei de saber que Altônia já teve 2 cinemas. O senhor José Benicio disse para nós
nunca desistirmos de nossos sonhos.”(Dilaine)
“Gostei muito de entrevistar a Dona Maria do hotel. Aprendi que nunca devemos
desistir de nossos sonhos, por maior que sejam as dificuldades. E que temos que dar
valor ao que temos hoje, e se temos alguma coisa foi porque alguém se esforçou no
passado”. (Leila S.)
“Aprendi que também aprendemos com a nossa própria curiosidade”. (Jane)
“Ao entrevistar essa nobre senhora, fiquei feliz porque essa mulher tem um grande
sorriso no rosto”. (Juliana)
“Foi uma história interessante porque eu nunca tinha ouvido falar desse buracão”.
(Olivio)
“Descobri que as pessoas eram felizes com muito pouco. As músicas ouvidas em um
alto-falante eram uma diversão para o povo”. (Marcelo)
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“Eu descobri que em Altônia havia um lugar chamado Campão. No passado, as
pessoas eram mais amigas e o companheirismo era muito bom, hoje essa amizade e
companheirismo já não existem mais. A entrevista foi ótima”. (Thomas)
A partir dos depoimentos postos em cena, pode-se dizer que há, no gesto de
relatar memórias, um movimento de reflexões sobre o passado, o presente e o futuro,
na medida em que os alunos têm acesso a uma nova informação acerca da cidade,
aprendem algo novo, contudo ligado ao passado ou uma história que ainda não tinham
ouvido. Nesta interação com o pioneiro ou sujeito mais experiente que compartilha
suas memórias com o aluno, os estudantes produzem não somente o gênero
memórias, mas também conseguem formular uma reflexão crítica sobre o passado,
olham para o presente e avaliam os valores de hoje e os de antigamente e também
pensam a respeito de sua vida futura e sobre as consequências do que é feito hoje
para o sucesso de amanhã (estudo, realização de sonhos, projetos).
3.6 Entrando nas memórias: a produção escrita dos alunos.
As produções de textos, que resignificaram as memórias colhidas a partir dos
pioneiros, transcorreu-se da seguinte maneira: após a exposição oral para a turma, a
equipe ficava livre para produzir individualmente os textos escritos. Quando todas as
equipes concluíram as apresentações e produções dos textos, todos os alunos foram
ao laboratório de informática para digitarem seus trabalhos. Durante a digitação, houve
momentos para leituras, troca de ideias entre os membros dos grupos, correções de
ortografia, mudanças de vocábulos, melhora nos textos, etc.
Foi muito importante esse momento quando se reuniram, pois todos puderam
perceber o material produzido pela turma toda. Além disso, houve valorosa
colaboração de alguns alunos na produção de slides que foram utilizados na
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apresentação final do trabalho para os entrevistados, pais dos alunos da turma, equipe
pedagógica, direção do colégio e convidados.
A seguir, seguem trechos das memórias escritas pelos alunos, rememorando
antigos locais que existiram na cidade de Altônia e que agora existem somente nas
fotos e lembranças das pessoas.
CAMPÃO
Eu A. B. vim para Altônia em julho1962, estou aqui há 49 anos e joguei bastante
no campão, quando nós íamos jogar longe, íamos de caminhão caçamba e eu também
dirigia o caminhão.
O campão foi criado porque ao lado da igreja Matriz existia o campinho, e eles
resolveram criar o campão. Nós não recebíamos para jogar, mas nós ganhávamos
varias chuteiras nos jogos e de tantas chuteiras que nós ganhávamos nós trocávamos
por sapatos para nossos filhos, e os torcedores também pagavam cervejas,
refrigerantes, para os jogadores.
Eu joguei para vários times e ganhei vários troféus, a maioria deles está na
prefeitura. Eu sinto mais falta do companheirismo das pessoas, nós jogávamos pelo
amor e pela camisa e não pelo dinheiro igual esses jogadores de hoje, treinávamos
correndo de segunda a sábado e no domingo nós jogávamos.
Eu me lembro de que o campão era um formigueiro as pessoas iam bastante ao
campão porque na cidade não havia outra diversão. Lá iam crianças, jovens, mulheres,
homens e idosos.
Depois de muito tempo o campão foi gramado, inclusive eu ajudei a gramar
porque eu trabalho na prefeitura.
Hoje se chama Estádio Juvenal Farias em homenagem a um pioneiro da cidade.
(aluna: L.M.)
O Buracão (A.M.)
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O buracão era muito perigoso, era muito fundo,
todos que moravam por lá tinham medo...
Quando chovia então, fazia aquela cachoeira
fazia aquele barulhão chóóóó!
E era perigoso até de derrubar as casas.
E também era frequentado por crianças.
Até que um dia um homem corajoso foi e tampou o buracão
e todo mundo ficou feliz !
(aluna: Fabia)
Memórias de Celia
Eu sou C. S. B. M. moro aqui em Altônia há quase cinquenta anos. Naquela época, a
cidade era pequena, simples. Eu vivi aqui na época que tinha o alto- falante. Antes ele
era lá na praça, depois eu lembro que ele era aqui perto da minha casa na Avenida 15
de novembro. Os jovens e adultos eram os que mais gostavam, frequentavam. As
pessoas levavam lá as suas propagandas dos comércios. Quando morria pessoas, o
alto-falante anunciava os falecimentos. Nós vivíamos informados dos acontecimentos
da cidade, ele podia chegar a uma distância muito grande inclusive meu marido morava
no sítio naquela época, até lá era possível escutar.
Era um meio de a gente ouvir música, saber as coisas que aconteciam na cidade,
saber os comércios que tinha, era um meio dos comerciantes fazer suas propagandas.
Agora há outros meios, mas naquela época era o único meio de se comunicar. Ele
contribuiu muito para o desenvolvimento da cidade, as pessoas viviam informadas.
Eu tenho saudade porque era um tempo bom, tempo que eu era criança. Ficava
embaixo das laranjeiras esperando tocar as músicas do Roberto Carlos que eram as
minhas favoritas.
(aluno: Valdo)
Cineminha (J. B.)
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O cinema naquela época, em Altônia, era o único lugar de lazer que tinha, o só não iam
muitos idosos, os que iam mais eram crianças e adultos. As pessoas iam lá para ter
divertimento que envolvia a todos. E agora não existe esse local porque foi invadido
pela televisão.
O filme que encheu o cinema foi “Zimba, o Gorila”, lotou de gente. Eu tenho boas
recordações de todo o meu passado. Eu aprendi sozinho a mexer nas máquinas.
As crianças iam mais ao cinema quando eram os seriados, o cinema também lotava
quando era semana santa, Paixão de Cristo. Aí enchíamos o cinema, nós
anunciávamos os filmes pelo alto falante do cinema e todos ouviam, também tocava a
música “Silêncio” quando o filme ia começar e todos se emocionavam.
Teve uma vez que eu tive que viajar para resolver algumas coisas, minha mulher ficou
tomando conta do cinema, ela teve que aprender sozinha a rodar os filmes e alguns
pesavam 45 kg cada e tinha filme que um rolo não dava, precisava trocar. Eu
conseguia esses filmes em São Paulo, depois em Curitiba.
Agora você pega um dvd pequenininho e vê o filme em casa, antes era tudo difícil. Mas
era muito mais emocionante. (aluna: Elaine)
MEMÓRIAS DE DONA Efigenia
Eu, E. M. P. R. vim para Altônia em 1962. Domingo à tarde. Quando cheguei fui
morar em um ranchinho onde hoje é a Estrada Circular, era um lugar cheio de mato,
minha vizinha mais próxima era no Rio Caju. Na cidade tinha poucas casas e o Hotel
da dona Maria.
Quando anoitecia meu marido tinha que acender uma fogueira fora, pois naquela
época tinha muitos animais onças e macacos. Nessa época eu estava grávida,
quando a onça começava a rugir pra eu não me assustar meu marido falava que era
um gato.
Quando chegava a hora do almoço tinha que trancar meus filhos dentro de casa com
muito medo de uma onça atacar. `A noite, eu saía com uma vela ou lampião para
poder me defender.
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Mesmo com muitas dificuldades eu era muito feliz, pois tinha a igreja para eu e
minha família ir, era bem pequena, também tinha poucas pessoas, bastante crianças
iam na igreja porque os pais levavam.
Naquela época não tinha padre, quando tinha missa o padre vinha de Pérola.
Uma das coisas que eu mais me lembro é do batizado de meus filhos e que eu ficava
muito feliz pois o padre ia comer na minha casa.
A primeira igreja foi meu marido que ajudou a construir, com muito esforço, mas todo
mundo ajudava.
Foi um passado de ótimas recordações, tenho saudade das matas, das pessoas da
igreja, eram pessoas humildes e sempre que podiam ajudavam uns aos outros.
A igreja era onde hoje é a Praça Carlos Gomes. Quando a cidade começou a crescer
a igreja passou a ser onde hoje é a casa do padre, quando ela foi ficando pequena
foi construída a matriz que tem hoje. (aluna:Junia)
Com base nos textos apresentados, mostra-se válido refletir acerca da estrutura
do gênero “memórias”, à luz de Bakhtin.
Em termos de conteúdo temático, a escrita de memórias envolveu, em todos os
textos acima elencados, a evocação de um passado da cidade de Altônia (o campão, o
antigo cinema, o alto-falante, a antiga igreja) ou de eventos marcantes em um
momento passado na vida dos pioneiros (os jogos de futebol aos finais de semana, o
batizado dos filhos, a ida ao cinema, os momentos de lazer no comércio, os medos e
incertezas diante da vida próxima às matas).
Além disso, no que diz respeito ao estilo, o gênero memórias, conforme seguem
os exemplos, é marcado por um tom subjetivo, na medida em que as memórias
compartilhadas e (re)contadas estão ligadas à manifestação de emoções, sentimentos
ou impressões pessoais (o valor dado ao companheirismo de outros tempos, a
saudade da infância, a emoção de assistir a filmes no cinema, o medo da onça rodando
a casa, a amizade com o padre, o esforço em construir a igreja, a amizade e humildade
das pessoas do passado) a partir daquilo que o pioneiro ou morador mais antigo
reconhece como mais significativo em sua trajetória de vida.
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Em termos de estrutura composicional, as memórias sob análise são
predominantemente textos narrativos, de curta extensão, produzidos a partir de um
acontecimento real, vivenciado pelos antigos moradores da cidade. Tais textos
apresentam os elementos típicos das narrativas: espaço (o passado da cidade de
Altônia, a relação da cidade com o espaço rural ou com elementos pertencentes ao
passado), tempo (fatos passados/uso dos tempos verbais), personagens (os próprios
pioneiros, o padre, os amigos, os familiares), narrador (primeira pessoa) e enredo
(sequência dos fatos) e representam uma recriação dos alunos daquilo que ouviram e
coletaram, tendo, ainda, uma finalidade de escrita (produção de um livro contendo as
Memórias de Altônia).
Houve, enfim, uma verdadeira interação oral e escrita entre os sujeitos. Nesse
caso, por meio do resgate dos valores, saberes e histórias vividas pelas pessoas
entrevistadas, realizou-se a real integração das gerações. O contexto histórico foi
valorizado e perpetuado para que futuras gerações tomem conhecimento dos fatos. As
histórias e os textos produzidos ficaram registrados na história de vida de cada um.
4 Conclusão
A turma escolhida para trabalhar a intervenção pedagógica foi o sétimo G (ano de
2011), período vespertino, do Colégio Estadual Lúcia Alves da cidade de Altônia - PR. Período
que tem sido estigmatizado pela comunidade escolar há muitos anos como sendo difícil de
trabalhar por causa de alunos desmotivados, que não leem, de baixo rendimento. Pudemos
constatar que, com inovações, é possível quebrar paradigmas, como foi o caso dessa turma.
Como é comum nas salas de aula, sempre há uma minoria desinteressada que não se envolve
com nada. Entretanto, a grande maioria se envolveu no trabalho e aprendeu muito a respeito
do gênero memórias e durante todo o tempo do desenvolvimento do trabalho, não percebi
nenhum caso de indisciplina. Pelo contrário, percebi muita motivação para o estudo e
participação nas atividades.
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Além disso, os alunos adquiriram experiências pessoais que nunca se apagarão de
suas mentes. Posso citar as entrevistas com os pioneiros como base para tal afirmação. Em
todas as visitas fomos sempre bem recebidos, os alunos tiveram oportunidade de praticar a
oralidade e também receberam muitos conselhos e dicas para suas vidas, principalmente
quanto `a valorização dos estudos.
O resultado foi positivo, bem como os objetivos foram alcançados. Alunos foram
despertados para a existência de conhecimentos além dos livros. Esse fato ficou claro em um
depoimento de uma aluna: “Aprendi que aprendemos com nossa própria curiosidade.” Houve
um despertar de mentes que estavam adormecidas para o conhecimento além da sala de aula.
Pessoas idosas passaram a serem vistas como portadoras de conhecimento na visão dos
alunos que até então, só os via como pessoas velhas, sem serventia nenhuma. A partir da
realização das entrevistas, os alunos se referiam a tais pessoas com muito mais respeito,
admirando o conhecimento transmitido por elas, agradecido pelo bom acolhimento que tiveram
e, principalmente porque agora eram portadores das memórias desses pioneiros, pois
passaram a conhecer fatos do passado da cidade que eram desconhecidos por eles.
Outro ponto positivo foi a elevação da autoestima dos alunos. Por se tratar de uma
turma do período vespertino são vistos como inferiores, de baixo rendimento, porém notou-se
uma valorização desses alunos principalmente com o transcorrer das entrevistas que foram
atividades extraclasses. Progresso que foi intensificado na etapa final do trabalho quando
todos queriam mostrar suas potencialidades. Digitar os textos, montar slides, fotografar os
entrevistados, fazer gravações, organizar a confraternização final, etc. Surgiram muitas
lideranças e talentos, todos dispostos a colaborar nas tarefas. Uma grande maioria dos alunos
desta turma foi despertada, deixando o estado de letargia em que se encontrava.
Referências
BAKHTIN, M. Os Gêneros do discurso. Estética da criação verbal. 1ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
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BOSI, Eclea. Velhos Amigos. São Paulo: Cia das Letras – Editora Schwarcz, 2003.
MACIEL, S. D. A literatura e os gêneros confessionais. Disponível em: <http://www.cptl.ufms.br/pgletras/docentes/sheila/A%20Literatura%20e%20os%20g%EAneros%20confessionais.pdf>. Acesso em: 10 de nov. 2010
Olimpíada de Língua Portuguesa – Escrevendo o futuro. São Paulo: Prol Gráfica - Cenpec 2010.
ORLANDI, E. P. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 1988. PARANÁ, Secretaria do Estado da Educação. Superintendência de Educação. Departamento de Ensino Fundamental. Diretrizes Curriculares da educação fundamental da rede de educação básica do Estado do Paraná: versão preliminar. Curitiba: 2006.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2 ed. Belo Horizonte: Autentica, 2002.