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II CONINTER Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013 MEMÓRIAS DE UMA SOCIEDADE EM REDE: DA ALDEIA MARACANÃ A EFERVESCENCIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO RIO DE JANEIRO BARRETO, Marcos R. (Unirio PPGMS); [email protected] LOPES, Gabriela S. S. (UFRJ-IFCS) [email protected] RESUMO Recentemente, têm recebido destaque nos meios de comunicação nacional as remoções, deslocamentos urbanos, destruição de patrimônios, transporte de baixa qualidade, superfaturamento das obras dos estádios da Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas no Brasil. A réplica a essas práticas do governo, surgiu a partir de um fenômeno que alcançou proporções internacionais, por meio dos povos indígenas que lutam pela salvaguarda da sua identidade-memória por meio de movimentos de resistência no ambiente urbano do Rio de Janeiro, iniciativa esta nomeada de Aldeia Maracanã. Partindo deste cenário, o escopo deste trabalho está em apresentar a utilização dos canais de comunicação por grupos independentes como elemento fundamental para mobilização através das redes sociais e na produção de sentidos, desmitificando, reorganizando, analisando e apresentando informações antes invisibilizadas, tendo como ponto de partida o retorno aos movimentos sociais de grande proporção no Rio de Janeiro, através da Aldeia Maracanã, culminando nos protestos nas avenidas centrais e em bairros nobres da cidade, Câmara dos Vereadores, nas mediações do Palácio do Governo do Estado e na residência do Governador Sérgio. Palavras-chave: Mídia Alternativa. Resistência. Contra-Hegemônica.

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II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades

Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013

MEMÓRIAS DE UMA SOCIEDADE EM REDE: DA ALDEIA MARACANÃ A EFERVESCENCIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO

RIO DE JANEIRO

BARRETO, Marcos R. (Unirio – PPGMS); [email protected]

LOPES, Gabriela S. S. (UFRJ-IFCS)

[email protected]

RESUMO

Recentemente, têm recebido destaque nos meios de comunicação nacional as remoções,

deslocamentos urbanos, destruição de patrimônios, transporte de baixa qualidade, superfaturamento

das obras dos estádios da Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas no Brasil. A réplica a essas práticas

do governo, surgiu a partir de um fenômeno que alcançou proporções internacionais, por meio dos

povos indígenas que lutam pela salvaguarda da sua identidade-memória por meio de movimentos de

resistência no ambiente urbano do Rio de Janeiro, iniciativa esta nomeada de Aldeia Maracanã.

Partindo deste cenário, o escopo deste trabalho está em apresentar a utilização dos canais de

comunicação por grupos independentes como elemento fundamental para mobilização através das

redes sociais e na produção de sentidos, desmitificando, reorganizando, analisando e apresentando

informações antes invisibilizadas, tendo como ponto de partida o retorno aos movimentos sociais de

grande proporção no Rio de Janeiro, através da Aldeia Maracanã, culminando nos protestos nas

avenidas centrais e em bairros nobres da cidade, Câmara dos Vereadores, nas mediações do Palácio

do Governo do Estado e na residência do Governador Sérgio.

Palavras-chave: Mídia Alternativa. Resistência. Contra-Hegemônica.

1. DO TAMOIO DOS POVOS ORIGINÁRIO AO MOVIMENTO ALDEIA MARACANÃ: O RETORNO AOS MOVIMENTOS SOCIAIS DE RUA.

Em 20 de outubro de 2006, 35 indígenas de diversas regiões do país, composta por

integrantes da etnia pataxó, guarani, guajajara e krikati, ocuparam o casarão que abrigou a

sede do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) no início do século XX (até 1962 quando a

entidade foi transferida para Brasília), sob os cuidados do Marechal Candido Mariano da Silva

Rondon, que em 1962 se tornou Museu do Índio sob auspícios de Darcy Ribeiro até 1977,

lotada na Rua Mata Machado nas mediações do estádio Jornalista Mario Filho, mais

conhecido como Maracanã, nome indígena herdado de uma localidade que era habitada por

pássaros, em uma região central do Município do Rio de Janeiro. Este edifício abrigou

também a Escola de Agricultura percussora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,

que posteriormente se tornou Museu do Índio, sendo este ultimo transferido para o bairro de

Botafogo na Zona Sul do RJ.

O prédio estava completamente abandonado pelo poder público, vidros quebrados,

paredes pichadas, fachada deteriorada e ocupada por usuários de entorpecentes, agora

ocupada por indígenas que previamente organizaram uma ação de ocupação do local,

realizando um mutirão de retirada do lixo acumulado no antigo museu ao longo dos anos de

descaso. Neste período o local de ocupação pertencia ao Ministério da Agricultura, que

sensibilizados com a manifestação do grupo, prontamente, receberam os indígenas em sua

sede no centro do Rio de Janeiro e deram parecer favorável para construção do centro de

culturas indígenas, além do apoio do Sindicato Estadual dos Profissionais em Educação, o

então deputado Chico Alencar, Secretaria Municipal de Cultura, Petrobrás e a Escola de

Música da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Em reunião com o Pedro Cabral, superintendente federal do ministério do Rio de

Janeiro, que também se colocou favorável a ocupação, e consequentemente a concessão do

local, informou que no dia 22 de outubro1, havia conversado com o ministro Luis Carlos

Guedes Pinto, e o mesmo mostrou-se solicito perante as reivindicações e que levaria a

Fundação Nacional do Índio e o Ministério da Justiça, no intuito de se interar aos processos

jurídicos, além das analises e projetos de restauração e requalificação arquitetônica da antiga

edificação do Museu do Índio, feitos pela equipe de arquitetura Azevedo Arquitetos

Associados, segundo Pedro Cabral, orçados em R$2 milhões, dos quais o ministério declarou

não ter recursos para arcar.

No entanto, no mesmo período o governo federal subsidiou o estado do Rio de

Janeiro, que foi sede dos Jogos Panamericanos, com valores estimados em R$3,3 bilhões, só

o Estádio Olímpico João Havellange custou R$ 380 milhões e, atualmente esta fechado para

reformas estruturais em menos de 10 anos de uso. Há que ressaltar que este estádio foi uma

das muitas obras que atuou a empresa Delta, envolvida no esquema de corrupção ligada ao

empresário Carlinhos Cachoeira.

Durante alguns anos, os originários que habitavam o local, aguardaram o parecer dos

ministérios e os subsídios para reforma do antigo casarão, contudo o tempo passou e

nenhuma resposta concreta chegou. Enquanto isso o grupo de ocupantes recebiam visitas de

simpatizantes que apresentaram idéias para revitalização do espaço, não dependendo

apenas da venda do artesanato, mas realizando cursos, palestras, para as escolas e

universidades do Rio de Janeiro.

A identidade-memória e a identificação dos sujeitos é estabelecida a partir do

reconhecimento de certa genealogia comum, ou de características que são compartilhadas

com distintos grupos ou pessoas, ou, além disso, a partir de um mesmo ideal (HALL, 2000, p.

106). pois a ideia de identidade nasceu da crise do pertencimento e do esforço que esta

desencadeou no sentido de transpor a brecha entre o “deve”e o “é”e erguer a realidade ao

nível dos padrões estabelecidos pela ideia. (BAUMAN, 2005, p.26)

A necessidade de criação de uma identidade surge no período onde a ciência de

pertencimento teria perdido por completo o seu fulgor, o seu poder de recurso, acoplado com

o seu desempenho de integração ou disciplinar (BAUMAN, 2005, p. 28). Houve a necessidade

de se instituir algo mais sedutor para se fixar aos sujeitos à nação nascente, que precisava

se fixar, no caso da Aldeia Maracanã era retomar o espaço que historicamente os pertencia.

1 Jornal do Brasil, Índios vencem batalha por museu. 22 de outubro de 2006, p.18.

A identidade é constituída por símbolos, o que explica o episódio das identidades

nacionais, já as mesmas se firmam sobre uma multiplicidade simbólica, “as identidades

nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas, transformadas no

interior da representação” (HALL, 1999, p. 48).

Esta aldeia tem o objetivo da manutenção da idéia primeira do Duque de Saxe, com a

instalação de um centro de pesquisas e estudos indígenas para promover o intercâmbio

cultural de múltiplas etnias existentes no país, uma Universidade Aberta Indígena, com

alojamento para os indígenas que estudam em outras universidades públicas do Rio de

Janeiro, através do sistema de cotas.

Perante esta tentativa de afirmação de identidade da Aldeia Maracanã, a Fundação

Nacional do Índio em relação à ocupação indígena é de imobilismo Segundo o Relatório da

Visita Técnica da Comissão ao Antigo Museu do Índio, realizado pela Câmara Municipal, em

2011, informa que a FUNAI não tem posicionamento oficial.

A localização do espaço ocupado pela Aldeia Maracanã é de extrema importância para

os povos indígenas por seu valor histórico. Contudo, este local também é alvo de grande

especulação imobiliária, pois a proximidade ao bairro central da Capital, a proximidade do

trem e metrô, e principalmente por ficar ao lado do Estádio do Maracanã, torna-se um atrativo

para os grandes empresários da região.

Nos últimos anos, a disputa pelo local, por interesses privados foram acentuados

devido à eleição do Rio de Janeiro como sede da Copa de 2014. O local que antes era alvo

apenas de instituições privadas sem muito sucesso, agora se tornou alvo de quem deveria

preservar-lo.

O atual Governo Estadual do Rio de Janeiro ficou conhecido por realizar diversas

intervenções em todas as grandes áreas da estrutura da máquina pública, mas com pouco

respeito ao servidor e ao patrimônio histórico. O Governo alvo de diversas manifestações,

como a greve dos bombeiros, dos médicos, professores, com motivos óbvios, pois insultou os

servidores de vândalos por iniciarem uma greve ocupando o quartel, sendo os primeiros

citados chamados de heróis na maior tragédia do país em Teresópolis, pelo o mesmo

governador, no mesmo ano.

Para, além disso, o foco neste momento é o Antigo Museu do Índio, utilizando como

justificativa para demoli-lo, a otimização para escoamento dos torcedores que irão assistir aos

jogos no estádio do Maracanã de acordo com o padrão da Federação Internacional de Futebol

(FIFA). Porém no dia 18 de outubro de 2012, a Federação responde ao Jornal do Brasil, que

nunca pediu a demolição do prédio vizinho ao Maracanã, desmentindo a versão do

Governador Sérgio Cabral, que disse:

O Museu do Índio, perto do Maracanã, será demolido. Vai virar uma área de mobilidade e de circulação de pessoas. É uma exigência da Fifa e do Comitê Organizador Local. Viva a democracia, mas o prédio não tem qualquer valor histórico, não é tombado por ninguém. Vamos derrubar

Diante de tal entrevista, noticias nos últimos dias se acentuaram não só ao caso da

Aldeia Maracanã, mas também o caso dos Kaiowá no Mato do Sul, ganhando repercussão

internacional e mobilizando diversas esferas de movimentos sociais, ganharam a rede

mundial de computadores, sensibilizando a sociedade civil como um todo, partindo de grupos

indígenas que utilizam as páginas sociais pra divulgar seus trabalhos, artesanato e seus

dilemas com o estado, na busca da preservação dos seus bens e patrimônios.

Os indígenas da Aldeia Maracanã se reconhecem como detentores de bens e

revelações culturais formadoras da sociedade, de acordo com os discursos em torno da

heterogeneidade, rompendo com o padrão antes situação no país até meados da década de

1980, quando exclusivamente os bens móveis e imóveis carregados de valor histórico

concernentes à cultura branca predominante eram valoriza dos, deixando de fora o fazer

popular, inserido no cotidiano e que anunciava os bens culturais vivos (OLIVEIRA, 2008, p.

121).

Na virada do final do século XX para o XXI, estas concepções iniciaram um processo

de mutação, os antes docilizados como inferiores pelo sistema, levantaram-se e solicitam

reconhecimento de suas práticas, conhecimentos e entre outra produções próprias devem ser

dignificadas e entendidas como bens culturais. Já que:

Uma vez rompido o tabu, uma vez que as memórias subterrâneas conseguem invadir o espaço publico, reivindicações múltiplas e dificilmente previsíveis se acoplam a essa disputa da memória, no caso, as reivindicações das diferentes nacionalidades (POLLACK, 1989, p. 03).

Sob esta analise, demonstra que há a real necessidade de que os responsáveis têm

de estreitar as relações com forma de transformação política revisitando de forma crítica o

passado dos envolvidos. É sabido, que a emergência das memórias subterrâneas tornou-se

um grande fenômeno, e que a urgência da construção de centros culturais e museus são de

extrema valia para preservação e valorização de uma cultura antes silenciada.

Deste modo, as Políticas Públicas passaram a considerar a importância dos bens e

das manifestações como referência de cultura para os grupos sociais, analisando o patrimônio

dentro de suas concepções antropológicas de cultura, que passa a ser entendida e tomada

como sistema simbólico, como estruturas de significado pelas quais os homens norteiam as

suas ações (OLIVEIRA, 2008, p. 135).

A proclamação das características que devem ser apreciadas como patrimônios

culturais com o objetivo é de fornecer legitimidade e colocá-los como componentes basilares

para a construção e manutenção de uma identidade nacional. Bourdieu e Passeron (2010) já

elucidavam como a reprodução das práticas sociais de uma minoria administradora em

detrimento das peculiaridades locais ou mais abrangentes que incorporariam os grupos

dominados. Entretanto, vislumbramos uma nova primavera dos movimentos de resistência

que emergem, nascem como plantas entre as calçadas de concreto nas periferias, nas

margens do pensamento dominante que vem se chocando para uma nova configuração do

patrimônio e da memória, uma nova (re)territorialização.

Na manhã de 12 de janeiro de 2013, as primeiras notícias sobre a Aldeia Maracanã,

indígenas e parceiros de ocupação o local, entraram em alerta, após a chegada dos primeiros

carros da unidade repressora oficial, que no seu caráter simbólico com direito a violência

exibiam todo o seu poder, desfilando pelas vias do entorno, com armas com balas de

borracha, bombas de efeito moral, sprays de pimenta, cassetetes, escudos e equipamentos

diversos como fossem para uma guerra civil, abaixo charge, que virou “meme” no facebook

Utilizando de tais práticas repressivas para manter o povo no seu lugar, destruindo,

sufocando, silenciando a angustia, alimentando o medo dos povos manifestantes presentes e

de seus amigos e familiares através de suas armas e sua representação significativa

(violência) para a sociedade. No entanto, o tiro saiu pela culatra, pois manifestantes que

ficaram sensibilizados com a resistência, brotavam de todas as regiões do estado do Rio de

Janeiro, e se uniam contra as práticas abusivas do governo, chegavam à aldeia sob uma

chuva de verão, pulando o muro com o auxilio de uma escada, pois o portão fora fechado e

bloqueado com uma barricada frágil, composta por madeiras e arames farpados.

Enquanto isso, as mídias alternativas noticiavam a chegada dos manifestantes que

chegam para apoiar a causa mais comentada nas redes sociais desta semana. Um jornal de

grande audiência de canal de televisão aberta (Rede Globo) informa de maneira caluniosa

que dois homens no telhado do prédio do Antigo Museu eram traficantes, na tentativa de

descaracterizar e desmoralizar o movimento, justificando a ocupação do local sem

documentação legal, porém após diversas investidas frustradas, a polícia se retirou.

No entanto, dois meses depois, sob os holofotes de canais internacionais de

televisão indígenas e ocupantes da Aldeia Maracanã foram expulsos com extrema violência

por parte da polícia, cumprindo uma ação de reintegração de posse, para construção do

museu do Comitê Olímpico Brasileiro, porém embargado perante as ações de manifestos

mobilizados por indígenas e apoiadores.

Imagens como esta, chocaram o mundo, despertando a juventude carioca,

acadêmicos e simpatizantes da Aldeia Maracanã para os movimentos sociais,

desencadeando um movimento efervescente e irrefreável, utilizando de canais de mídia

alternativas para informar a população, que a principio estava resistente com o novo discurso

que ecoava das ruas, compartilhando informações contundentes e comprovadas no facebook

das quais não eram citadas na mídia hegemônica.

2. Não é pelos 0,20 centavos – Revolta “Anonyma”

Após a organização internacional anônima Anonymous alcançar a rede mundial de

computadores, não demorou a chegar ao Brasil, denunciando inúmeros escândalos de desvio

de verbas por parte dos políticos, disponibilizando em diversos canais comunicação

informações sigilosas para a maioria da população, mas que seus códigos de segura

demonstram a fragilidade da rede, principalmente sites de relacionamentos como Facebook,

Twitter, Google+, entre outras que tivessem um número substancial de usuários da superfície

da web.

O compartilhamento de informações nas timelines, nos grupos e eventos criados no

facebook, começou a incomodar segmentos diversos da população, despertando o ímpeto

curioso do ser humano, estes que se sentiam integrados e identificados com os grupos que

eram lesados pelo governo. Principalmente, com o superfaturamento das obras da Copa do

Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos, em detrimento de estradas, escolas, hospitais e

transportes públicos que prestavam serviços precários, além da baixa remuneração.

O aumento vertiginoso dos valores das tarifas dos ônibus, trens e metrô, foram

enormes comparados ao aumento do salário mínimo do proletariado, causando revolta na

população, principalmente após a declaração de Arnaldo Jabour que disse durante um bloco

de opinião do “Jornal da Globo”:

(...) Mas, afinal o que provoca o ódio tão violento contra a cidade? Só vimos

isso quando a organização criminosa de São Paulo queimou dezenas de

ônibus, não pode ser por causa de 0,20 centavos. A grande maioria dos

manifestantes são filhos de classe média isso é visível, ali não havia pobres

que precisassem daqueles vinténs não! Os mais pobres ali eram os policiais

apedrejados, ameaçados com coquetéis molotov, que ganham muito mal. No

fundo uma imensa ignorância política, é burrice misturada a um rancor sem

rumo, há influência talvez da Turquia, luta justa e importante contra o

islamismo fanático, mas aqui se vingam de que? Justamente, a causa deve

ser a ausência de causas, isso! Ninguém sabe mais, porque lutar. (...) Esses

“caras” vivem no passado de uma ilusão, eles são a caricatura violenta da

caricatura de um socialismo dos anos 1950 que a velha esquerda ainda

defende aqui, realmente esses revoltosos de classe média não valem nem

0,20 centavos.2

Esta “coluna” de opinião durante a transmissão do jornal inflamou os manifestantes,

que ficaram ofendidos ao serem taxados como burros, de classe média (como a mesma não

pudesse protestar sobre o aumento) e que não havia pobres, exceto os policiais que são

mal-remunerados, esquecendo que os professores tem uma das menores (quiçá a menor)

remunerações dentes os profissionais de ensino superior, estudantes universitários que tem

dedicação exclusiva, fazem estágios com remuneração inferior ao salário mínimo, e que não

havia a rumo para as manifestações e ausência de causas.

A questão vai mais além, pois são tantas causas que precisam de espaço e que não

pode ser esquecidas, no entanto as forças foram se dispersando em movimentos

pulverizados e interesses diversos, dentre eles a saúde, educação, direitos da mulher, a não

demolição do complexo do maracanã e o museu do índio. Para isso foi necessária, uma pausa

nos movimentos sociais de rua para que os mesmos sejam reorganizados, e tenham uma

2 Bloco do Jornal da Globo, http://www.youtube.com/watch?v=fdjw00-2nyo

agenda e uma listagem das reinvidicações, para evitar os aproveitadores de um movimento

que não há um líder, mas há liderança, uma liderança coletiva.

A formação das instituições para Análise do Discurso, na base francesa, antecede e

determina o discurso, nascem das tipificações mútuas entre indivíduos que estabelecem

normatizações ou direcionamentos, constituindo um histórico prévio para formação das

instituições (A Rede Globo, por exemplo), legitimadora e determinadora do discurso, que por

sua vez antecede a realidade histórica do indivíduo.

O discurso fornece sustentação aos enunciados (interdiscursos), que por sua vez

apresentam características diversas entre si, constituindo em um aglomerado o domínio da

memória discursiva, que segundo a linha pecheutiana, vem a restabelecer os discursos

implícitos de que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio legível

(PECHEUX, 1999, p.52), sendo estes, responsáveis pela construção e (re) configuração das

fronteiras das formações discursivas.

Seguindo esta vertente, destacaremos o discurso do Jabour, que tentou desmoralizar

o movimento social, não apenas com uma visão superficial e preconceituosa, mas imbuído do

discurso hegemônico e legitimado pela Rede Globo como instituição que apresenta

credibilidade para quem não conhece o seu histórico. Desta forma, na tentativa de abonar a

sua presença maciça e suas ações de grande impacto, investem em propagandas com

objetivo de alcançar o apoio da população ou assumem o discurso a favor das manifestações,

separando os manifestantes pacíficos e vândalos (dividir e conquistar).

No entanto, o processo de manifestações continuou, tendo como alvos principais o

prefeito Eduardo Paes, o Governador Sergio Cabral e seu circulo familiar e amigos,

principalmente a família Barata, detentora de grande parte dos serviços de transporte do Rio

de Janeiro, sofreu com onda de protestos durante o casamento de uma integrante da família.

As ondas de protesto tendem a não cessar, pois o apoio de diversos segmentos, como

a Ordem de Advogados do Brasil que oferecem serviços aos presos arbitrariamente pela

Policia Militar, estudantes de medicina que prestam atendimento aos feridos durante as ações

violentas do Choque contra os manifestantes e o apelo popular por melhorias, levam o

governador a um beco sem saída, fez o mesmo retroceder em diversas ações, como a

desistência de demolir o Parque Aquático, o Estádio de Atletismo e o Museu do Índio,

3. Sociedade em Rede – Discursos Contra-Hegemônicos Ao vivo.

Em tempos onde a palavra globalização já não é mais tão ouvida, mas sentida,

embora ainda questionada com relação ao seu alcance no que tange os meios de

comunicação voltados para a Internet, surge, nos finais da década de 1990, uma nova

estrutura social, denominada como “Sociedade em Rede” (CASTELLS, 2011). Essa nova

estruturação, segundo Manuel Castells, afetou todas as “dimensões fundamentais da

organização e da prática social” (2011, p. II), já que incorporou os usos das tecnologias

digitais de informação, possibilitando um boom das redes sociais por todo o mundo.

Nesse ponto, poderíamos até nos aproximar do que chamamos de Sociedade em

Rede em nível global, tendo em vista que milhões de pessoas têm acesso às redes sociais,

ponto de partida de nossa discussão, mas é preciso levar em consideração, por exemplo, que

no Brasil, apenas 34,8% da população tem acesso à internet (IBGE, 2008), conforme o gráfico

abaixo.

Ainda que apenas um terço da população brasileira tenha acesso à internet, ao

observarmos a finalidade em que o acesso ocorre notamos que há uma grande busca pelo

lazer e pela comunicação com outras pessoas, o que inclui as redes sociais, conforme dados

do próprio IBGE (2008)

Quando mais de 80% de

usuários, homens e mulheres,

declaram que a Internet tem como

principal finalidade a comunicação

detectamos aí os sintomas claros

de que, por mais que a sociedade

em rede não tenha tomado todo o

globo, ou seja, não está de fato

globalizada, ela já alcança a

maioria da população que tem

acesso à web e se transforma a

cada dia na principal atividade

dessas pessoas.

É esse aumento nas

atividades relacionadas à

comunicação, que as redes

sociais ganham seu espaço. Cada

vez mais o contato que era real e

teve de ser distanciado cria mais firmeza no mundo virtual. Os indivíduos se transportam para

o mundo virtual através da tecnologia, adotam novas posturas, em certos casos diferentes das

vividas no seu cotidiano e alimenta sua teia de contatos diariamente, transitando entre

identidades variáveis, complementares e até paradoxais.

Castells afirma que

o surgimento de um novo sistema eletrônico de comunicação caracterizado pelo seu alcance global, integração de todos os meios de comunicação e interatividade potencial está mudando e mudará para sempre nossa cultura. (CASTELLS, 2011, p. 414.)

Deixaremos de lado o fato de apenas uma pequena parcela mundial ter o pleno

acesso á internet e aos meios de comunicação que ela se liga e vamos analisar a

configuração do mundo contemporâneo sob a perspectiva de um mundo globalizado,

mediado pela comunicação entre computadores – com o advento da internet, a mesma

propiciada pela gestão pública e de gigantescas instituições privadas do campo das

telecomunicações que fornecem um Upgrade, no eixo econômico, nas práticas educativas e

uma infinidade de possibilidades de relações em uma sociedade em redes.

Castells (2011) define redes como um conjunto de nós interconectados, com

estruturas abertas aptas a expandir de forma infinita, agregando novos nós, desde que

consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos signos

de diálogo. Essa mesma visão é compartilhada por Alexandre Le Voci Sayad (2011), que

assinala que na virada do século tivemos um rompimento com o modelo linear e unilateral de

comunicação para que se estabelecesse de vez um modelo de translateralidade, baseado nas

redes que Castells conceitua.

Na sociedade contemporânea, que, em concordância com Castells (2011),

chamamos de “sociedade em rede” e “era da criatividade”, de acordo do Sayad (2011), fazer

as escolhas e mantê-las é tarefa árdua, já que não só as identidades são fluidas, mas o meio

em que vivemos está se desfazendo nessa liquidez, não deixando que “a fragilidade e a

condição eternamente provisória da identidade” (BAUMAN, 2005, p. 22) sejam escondidas.

Para Bauman, ao se forçar a necessidade de uma identidade, os homens lançaram-se em um

labirinto movediço, onde as paredes jamais permanecem no mesmo lugar e a saída nunca é

encontrada devido a essa liquidez da sociedade contemporânea.

Uma vez que a capacidade humana criativa é ainda um mistério, não há

possibilidade mensurar as aptidões do ser, pois através de uma nova dinâmica, no

ciberespaço, conseguem estabelecer laços, produzem novas perspectivas, vivendo uma vida

extracorpórea em um espaço virtual.

A questão será literalmente reconstruir o conjunto das modalidades do ser-em-grupo. E não somente pelas intervenções "comunicacionais", mas também por mutações existenciais que dizem respeito à essência da subjetividade. Nesse domínio, não nos ateríamos às recomendações gerais, mas faríamos funcionar práticas efetivas de experimentação tanto nos níveis microssociais quanto em escalas institucionais maiores (GUATTARI, 2001, p.16).

O ato de empregar os meios de comunicação social é um procedimento que se

desdobra para além da questão de relação entre os indivíduos e mídias, é preciso explorar as

ambiguidades, as subjetividades. Não é apenas um processo linear do tipo causa-efeito ou

estímulo-resposta, porque existem outros fatores que as englobam, neste caso a formação de

identidades e memórias no meio virtual. Assim como as ações do grupo “Mídias Ninja”, que

transmitem ao vivo na internet das manifestações de rua, na iniciativa de mostrar a realidade

dos movimentos de rua, evitando o contundente discurso hegemônico da policia e dos canais

de TV.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ideia deste trabalho é elucidar a importância dos movimentos sociais com auxilio ds

múltiplos canais de comunicação alternativa, que no Rio de Janeiro teve o seu inicio com a

organização dos indígenas na Aldeia Maracanã, e levar a compreensão a toda a sociedade

que o indígena também pode ser híbrido, morando na cidade, agregando novos valores,

utilizando as novas tecnologias, mas sem perder sua história de vida, sua cultura e o amor

pelo seu povo, além de ser o marco zero da resistência para uma nova primavera dos

movimentos sociais do Rio de Janeiro.

O que podemos depreender da realidade dos movimentos sociais que as práticas

cristalizadas em eixos transversais da sociedade – ocorrem em todas as esferas (educação,

comunicação, etc.) de maneiras distintas no sentido da área de atuação, mas semelhantes no

contorno que são, segundo Focault:

o corpo é objeto de investimentos tão imperiosos e urgentes; em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações. Muitas coisas entretanto são novas nessas técnicas. A escala, em primeiro lugar, do controle: não se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse uma unidade indissociável mas de trabalhá-lo detalhadamente; de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica —movimentos, gestos atitude, rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. (FOUCAULT, 2004, p.117)

Nesta abordagem sobre o corpo remete-se a uma orientação de um estado de docilidade,

de adestramento, de obediência do individuo em relação aos macropoderes. Geralmente,

percebemos estas praticas como irreversíveis na configuração atual da sociedade, por

estarmos submissos não apenas aos aparelhos ideológicos de Estado, mas também as

micro-relações de poder, como no panoptismo.

Entretanto, para além das questões físicas e identitária, a rede virtual permite um

desprendimento do ser para um novo, abstratamente físico-virtual, mas como nos aponta

Deleuze o corpo sem órgãos não é apenas uma noção, e sim um conceito, do qual surge de

um conjunto de práticas, ele é não-desejo, mas também desejo (DELEUZE; GUATTARI,

1980/2004, p. 9). Assim é a constituição dos heterônimos do Anonymous, uma identidade

virtual, fluída, evitando a negociação indireta com o governo e mostrando que os movimentos

sociais de rua estão de volta e apresentam resultados.

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