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II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades
Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013
MEMÓRIAS DE UMA SOCIEDADE EM REDE: DA ALDEIA MARACANÃ A EFERVESCENCIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO
RIO DE JANEIRO
BARRETO, Marcos R. (Unirio – PPGMS); [email protected]
LOPES, Gabriela S. S. (UFRJ-IFCS)
RESUMO
Recentemente, têm recebido destaque nos meios de comunicação nacional as remoções,
deslocamentos urbanos, destruição de patrimônios, transporte de baixa qualidade, superfaturamento
das obras dos estádios da Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas no Brasil. A réplica a essas práticas
do governo, surgiu a partir de um fenômeno que alcançou proporções internacionais, por meio dos
povos indígenas que lutam pela salvaguarda da sua identidade-memória por meio de movimentos de
resistência no ambiente urbano do Rio de Janeiro, iniciativa esta nomeada de Aldeia Maracanã.
Partindo deste cenário, o escopo deste trabalho está em apresentar a utilização dos canais de
comunicação por grupos independentes como elemento fundamental para mobilização através das
redes sociais e na produção de sentidos, desmitificando, reorganizando, analisando e apresentando
informações antes invisibilizadas, tendo como ponto de partida o retorno aos movimentos sociais de
grande proporção no Rio de Janeiro, através da Aldeia Maracanã, culminando nos protestos nas
avenidas centrais e em bairros nobres da cidade, Câmara dos Vereadores, nas mediações do Palácio
do Governo do Estado e na residência do Governador Sérgio.
Palavras-chave: Mídia Alternativa. Resistência. Contra-Hegemônica.
1. DO TAMOIO DOS POVOS ORIGINÁRIO AO MOVIMENTO ALDEIA MARACANÃ: O RETORNO AOS MOVIMENTOS SOCIAIS DE RUA.
Em 20 de outubro de 2006, 35 indígenas de diversas regiões do país, composta por
integrantes da etnia pataxó, guarani, guajajara e krikati, ocuparam o casarão que abrigou a
sede do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) no início do século XX (até 1962 quando a
entidade foi transferida para Brasília), sob os cuidados do Marechal Candido Mariano da Silva
Rondon, que em 1962 se tornou Museu do Índio sob auspícios de Darcy Ribeiro até 1977,
lotada na Rua Mata Machado nas mediações do estádio Jornalista Mario Filho, mais
conhecido como Maracanã, nome indígena herdado de uma localidade que era habitada por
pássaros, em uma região central do Município do Rio de Janeiro. Este edifício abrigou
também a Escola de Agricultura percussora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
que posteriormente se tornou Museu do Índio, sendo este ultimo transferido para o bairro de
Botafogo na Zona Sul do RJ.
O prédio estava completamente abandonado pelo poder público, vidros quebrados,
paredes pichadas, fachada deteriorada e ocupada por usuários de entorpecentes, agora
ocupada por indígenas que previamente organizaram uma ação de ocupação do local,
realizando um mutirão de retirada do lixo acumulado no antigo museu ao longo dos anos de
descaso. Neste período o local de ocupação pertencia ao Ministério da Agricultura, que
sensibilizados com a manifestação do grupo, prontamente, receberam os indígenas em sua
sede no centro do Rio de Janeiro e deram parecer favorável para construção do centro de
culturas indígenas, além do apoio do Sindicato Estadual dos Profissionais em Educação, o
então deputado Chico Alencar, Secretaria Municipal de Cultura, Petrobrás e a Escola de
Música da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Em reunião com o Pedro Cabral, superintendente federal do ministério do Rio de
Janeiro, que também se colocou favorável a ocupação, e consequentemente a concessão do
local, informou que no dia 22 de outubro1, havia conversado com o ministro Luis Carlos
Guedes Pinto, e o mesmo mostrou-se solicito perante as reivindicações e que levaria a
Fundação Nacional do Índio e o Ministério da Justiça, no intuito de se interar aos processos
jurídicos, além das analises e projetos de restauração e requalificação arquitetônica da antiga
edificação do Museu do Índio, feitos pela equipe de arquitetura Azevedo Arquitetos
Associados, segundo Pedro Cabral, orçados em R$2 milhões, dos quais o ministério declarou
não ter recursos para arcar.
No entanto, no mesmo período o governo federal subsidiou o estado do Rio de
Janeiro, que foi sede dos Jogos Panamericanos, com valores estimados em R$3,3 bilhões, só
o Estádio Olímpico João Havellange custou R$ 380 milhões e, atualmente esta fechado para
reformas estruturais em menos de 10 anos de uso. Há que ressaltar que este estádio foi uma
das muitas obras que atuou a empresa Delta, envolvida no esquema de corrupção ligada ao
empresário Carlinhos Cachoeira.
Durante alguns anos, os originários que habitavam o local, aguardaram o parecer dos
ministérios e os subsídios para reforma do antigo casarão, contudo o tempo passou e
nenhuma resposta concreta chegou. Enquanto isso o grupo de ocupantes recebiam visitas de
simpatizantes que apresentaram idéias para revitalização do espaço, não dependendo
apenas da venda do artesanato, mas realizando cursos, palestras, para as escolas e
universidades do Rio de Janeiro.
A identidade-memória e a identificação dos sujeitos é estabelecida a partir do
reconhecimento de certa genealogia comum, ou de características que são compartilhadas
com distintos grupos ou pessoas, ou, além disso, a partir de um mesmo ideal (HALL, 2000, p.
106). pois a ideia de identidade nasceu da crise do pertencimento e do esforço que esta
desencadeou no sentido de transpor a brecha entre o “deve”e o “é”e erguer a realidade ao
nível dos padrões estabelecidos pela ideia. (BAUMAN, 2005, p.26)
A necessidade de criação de uma identidade surge no período onde a ciência de
pertencimento teria perdido por completo o seu fulgor, o seu poder de recurso, acoplado com
o seu desempenho de integração ou disciplinar (BAUMAN, 2005, p. 28). Houve a necessidade
de se instituir algo mais sedutor para se fixar aos sujeitos à nação nascente, que precisava
se fixar, no caso da Aldeia Maracanã era retomar o espaço que historicamente os pertencia.
1 Jornal do Brasil, Índios vencem batalha por museu. 22 de outubro de 2006, p.18.
A identidade é constituída por símbolos, o que explica o episódio das identidades
nacionais, já as mesmas se firmam sobre uma multiplicidade simbólica, “as identidades
nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas, transformadas no
interior da representação” (HALL, 1999, p. 48).
Esta aldeia tem o objetivo da manutenção da idéia primeira do Duque de Saxe, com a
instalação de um centro de pesquisas e estudos indígenas para promover o intercâmbio
cultural de múltiplas etnias existentes no país, uma Universidade Aberta Indígena, com
alojamento para os indígenas que estudam em outras universidades públicas do Rio de
Janeiro, através do sistema de cotas.
Perante esta tentativa de afirmação de identidade da Aldeia Maracanã, a Fundação
Nacional do Índio em relação à ocupação indígena é de imobilismo Segundo o Relatório da
Visita Técnica da Comissão ao Antigo Museu do Índio, realizado pela Câmara Municipal, em
2011, informa que a FUNAI não tem posicionamento oficial.
A localização do espaço ocupado pela Aldeia Maracanã é de extrema importância para
os povos indígenas por seu valor histórico. Contudo, este local também é alvo de grande
especulação imobiliária, pois a proximidade ao bairro central da Capital, a proximidade do
trem e metrô, e principalmente por ficar ao lado do Estádio do Maracanã, torna-se um atrativo
para os grandes empresários da região.
Nos últimos anos, a disputa pelo local, por interesses privados foram acentuados
devido à eleição do Rio de Janeiro como sede da Copa de 2014. O local que antes era alvo
apenas de instituições privadas sem muito sucesso, agora se tornou alvo de quem deveria
preservar-lo.
O atual Governo Estadual do Rio de Janeiro ficou conhecido por realizar diversas
intervenções em todas as grandes áreas da estrutura da máquina pública, mas com pouco
respeito ao servidor e ao patrimônio histórico. O Governo alvo de diversas manifestações,
como a greve dos bombeiros, dos médicos, professores, com motivos óbvios, pois insultou os
servidores de vândalos por iniciarem uma greve ocupando o quartel, sendo os primeiros
citados chamados de heróis na maior tragédia do país em Teresópolis, pelo o mesmo
governador, no mesmo ano.
Para, além disso, o foco neste momento é o Antigo Museu do Índio, utilizando como
justificativa para demoli-lo, a otimização para escoamento dos torcedores que irão assistir aos
jogos no estádio do Maracanã de acordo com o padrão da Federação Internacional de Futebol
(FIFA). Porém no dia 18 de outubro de 2012, a Federação responde ao Jornal do Brasil, que
nunca pediu a demolição do prédio vizinho ao Maracanã, desmentindo a versão do
Governador Sérgio Cabral, que disse:
O Museu do Índio, perto do Maracanã, será demolido. Vai virar uma área de mobilidade e de circulação de pessoas. É uma exigência da Fifa e do Comitê Organizador Local. Viva a democracia, mas o prédio não tem qualquer valor histórico, não é tombado por ninguém. Vamos derrubar
Diante de tal entrevista, noticias nos últimos dias se acentuaram não só ao caso da
Aldeia Maracanã, mas também o caso dos Kaiowá no Mato do Sul, ganhando repercussão
internacional e mobilizando diversas esferas de movimentos sociais, ganharam a rede
mundial de computadores, sensibilizando a sociedade civil como um todo, partindo de grupos
indígenas que utilizam as páginas sociais pra divulgar seus trabalhos, artesanato e seus
dilemas com o estado, na busca da preservação dos seus bens e patrimônios.
Os indígenas da Aldeia Maracanã se reconhecem como detentores de bens e
revelações culturais formadoras da sociedade, de acordo com os discursos em torno da
heterogeneidade, rompendo com o padrão antes situação no país até meados da década de
1980, quando exclusivamente os bens móveis e imóveis carregados de valor histórico
concernentes à cultura branca predominante eram valoriza dos, deixando de fora o fazer
popular, inserido no cotidiano e que anunciava os bens culturais vivos (OLIVEIRA, 2008, p.
121).
Na virada do final do século XX para o XXI, estas concepções iniciaram um processo
de mutação, os antes docilizados como inferiores pelo sistema, levantaram-se e solicitam
reconhecimento de suas práticas, conhecimentos e entre outra produções próprias devem ser
dignificadas e entendidas como bens culturais. Já que:
Uma vez rompido o tabu, uma vez que as memórias subterrâneas conseguem invadir o espaço publico, reivindicações múltiplas e dificilmente previsíveis se acoplam a essa disputa da memória, no caso, as reivindicações das diferentes nacionalidades (POLLACK, 1989, p. 03).
Sob esta analise, demonstra que há a real necessidade de que os responsáveis têm
de estreitar as relações com forma de transformação política revisitando de forma crítica o
passado dos envolvidos. É sabido, que a emergência das memórias subterrâneas tornou-se
um grande fenômeno, e que a urgência da construção de centros culturais e museus são de
extrema valia para preservação e valorização de uma cultura antes silenciada.
Deste modo, as Políticas Públicas passaram a considerar a importância dos bens e
das manifestações como referência de cultura para os grupos sociais, analisando o patrimônio
dentro de suas concepções antropológicas de cultura, que passa a ser entendida e tomada
como sistema simbólico, como estruturas de significado pelas quais os homens norteiam as
suas ações (OLIVEIRA, 2008, p. 135).
A proclamação das características que devem ser apreciadas como patrimônios
culturais com o objetivo é de fornecer legitimidade e colocá-los como componentes basilares
para a construção e manutenção de uma identidade nacional. Bourdieu e Passeron (2010) já
elucidavam como a reprodução das práticas sociais de uma minoria administradora em
detrimento das peculiaridades locais ou mais abrangentes que incorporariam os grupos
dominados. Entretanto, vislumbramos uma nova primavera dos movimentos de resistência
que emergem, nascem como plantas entre as calçadas de concreto nas periferias, nas
margens do pensamento dominante que vem se chocando para uma nova configuração do
patrimônio e da memória, uma nova (re)territorialização.
Na manhã de 12 de janeiro de 2013, as primeiras notícias sobre a Aldeia Maracanã,
indígenas e parceiros de ocupação o local, entraram em alerta, após a chegada dos primeiros
carros da unidade repressora oficial, que no seu caráter simbólico com direito a violência
exibiam todo o seu poder, desfilando pelas vias do entorno, com armas com balas de
borracha, bombas de efeito moral, sprays de pimenta, cassetetes, escudos e equipamentos
diversos como fossem para uma guerra civil, abaixo charge, que virou “meme” no facebook
Utilizando de tais práticas repressivas para manter o povo no seu lugar, destruindo,
sufocando, silenciando a angustia, alimentando o medo dos povos manifestantes presentes e
de seus amigos e familiares através de suas armas e sua representação significativa
(violência) para a sociedade. No entanto, o tiro saiu pela culatra, pois manifestantes que
ficaram sensibilizados com a resistência, brotavam de todas as regiões do estado do Rio de
Janeiro, e se uniam contra as práticas abusivas do governo, chegavam à aldeia sob uma
chuva de verão, pulando o muro com o auxilio de uma escada, pois o portão fora fechado e
bloqueado com uma barricada frágil, composta por madeiras e arames farpados.
Enquanto isso, as mídias alternativas noticiavam a chegada dos manifestantes que
chegam para apoiar a causa mais comentada nas redes sociais desta semana. Um jornal de
grande audiência de canal de televisão aberta (Rede Globo) informa de maneira caluniosa
que dois homens no telhado do prédio do Antigo Museu eram traficantes, na tentativa de
descaracterizar e desmoralizar o movimento, justificando a ocupação do local sem
documentação legal, porém após diversas investidas frustradas, a polícia se retirou.
No entanto, dois meses depois, sob os holofotes de canais internacionais de
televisão indígenas e ocupantes da Aldeia Maracanã foram expulsos com extrema violência
por parte da polícia, cumprindo uma ação de reintegração de posse, para construção do
museu do Comitê Olímpico Brasileiro, porém embargado perante as ações de manifestos
mobilizados por indígenas e apoiadores.
Imagens como esta, chocaram o mundo, despertando a juventude carioca,
acadêmicos e simpatizantes da Aldeia Maracanã para os movimentos sociais,
desencadeando um movimento efervescente e irrefreável, utilizando de canais de mídia
alternativas para informar a população, que a principio estava resistente com o novo discurso
que ecoava das ruas, compartilhando informações contundentes e comprovadas no facebook
das quais não eram citadas na mídia hegemônica.
2. Não é pelos 0,20 centavos – Revolta “Anonyma”
Após a organização internacional anônima Anonymous alcançar a rede mundial de
computadores, não demorou a chegar ao Brasil, denunciando inúmeros escândalos de desvio
de verbas por parte dos políticos, disponibilizando em diversos canais comunicação
informações sigilosas para a maioria da população, mas que seus códigos de segura
demonstram a fragilidade da rede, principalmente sites de relacionamentos como Facebook,
Twitter, Google+, entre outras que tivessem um número substancial de usuários da superfície
da web.
O compartilhamento de informações nas timelines, nos grupos e eventos criados no
facebook, começou a incomodar segmentos diversos da população, despertando o ímpeto
curioso do ser humano, estes que se sentiam integrados e identificados com os grupos que
eram lesados pelo governo. Principalmente, com o superfaturamento das obras da Copa do
Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos, em detrimento de estradas, escolas, hospitais e
transportes públicos que prestavam serviços precários, além da baixa remuneração.
O aumento vertiginoso dos valores das tarifas dos ônibus, trens e metrô, foram
enormes comparados ao aumento do salário mínimo do proletariado, causando revolta na
população, principalmente após a declaração de Arnaldo Jabour que disse durante um bloco
de opinião do “Jornal da Globo”:
(...) Mas, afinal o que provoca o ódio tão violento contra a cidade? Só vimos
isso quando a organização criminosa de São Paulo queimou dezenas de
ônibus, não pode ser por causa de 0,20 centavos. A grande maioria dos
manifestantes são filhos de classe média isso é visível, ali não havia pobres
que precisassem daqueles vinténs não! Os mais pobres ali eram os policiais
apedrejados, ameaçados com coquetéis molotov, que ganham muito mal. No
fundo uma imensa ignorância política, é burrice misturada a um rancor sem
rumo, há influência talvez da Turquia, luta justa e importante contra o
islamismo fanático, mas aqui se vingam de que? Justamente, a causa deve
ser a ausência de causas, isso! Ninguém sabe mais, porque lutar. (...) Esses
“caras” vivem no passado de uma ilusão, eles são a caricatura violenta da
caricatura de um socialismo dos anos 1950 que a velha esquerda ainda
defende aqui, realmente esses revoltosos de classe média não valem nem
0,20 centavos.2
Esta “coluna” de opinião durante a transmissão do jornal inflamou os manifestantes,
que ficaram ofendidos ao serem taxados como burros, de classe média (como a mesma não
pudesse protestar sobre o aumento) e que não havia pobres, exceto os policiais que são
mal-remunerados, esquecendo que os professores tem uma das menores (quiçá a menor)
remunerações dentes os profissionais de ensino superior, estudantes universitários que tem
dedicação exclusiva, fazem estágios com remuneração inferior ao salário mínimo, e que não
havia a rumo para as manifestações e ausência de causas.
A questão vai mais além, pois são tantas causas que precisam de espaço e que não
pode ser esquecidas, no entanto as forças foram se dispersando em movimentos
pulverizados e interesses diversos, dentre eles a saúde, educação, direitos da mulher, a não
demolição do complexo do maracanã e o museu do índio. Para isso foi necessária, uma pausa
nos movimentos sociais de rua para que os mesmos sejam reorganizados, e tenham uma
2 Bloco do Jornal da Globo, http://www.youtube.com/watch?v=fdjw00-2nyo
agenda e uma listagem das reinvidicações, para evitar os aproveitadores de um movimento
que não há um líder, mas há liderança, uma liderança coletiva.
A formação das instituições para Análise do Discurso, na base francesa, antecede e
determina o discurso, nascem das tipificações mútuas entre indivíduos que estabelecem
normatizações ou direcionamentos, constituindo um histórico prévio para formação das
instituições (A Rede Globo, por exemplo), legitimadora e determinadora do discurso, que por
sua vez antecede a realidade histórica do indivíduo.
O discurso fornece sustentação aos enunciados (interdiscursos), que por sua vez
apresentam características diversas entre si, constituindo em um aglomerado o domínio da
memória discursiva, que segundo a linha pecheutiana, vem a restabelecer os discursos
implícitos de que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio legível
(PECHEUX, 1999, p.52), sendo estes, responsáveis pela construção e (re) configuração das
fronteiras das formações discursivas.
Seguindo esta vertente, destacaremos o discurso do Jabour, que tentou desmoralizar
o movimento social, não apenas com uma visão superficial e preconceituosa, mas imbuído do
discurso hegemônico e legitimado pela Rede Globo como instituição que apresenta
credibilidade para quem não conhece o seu histórico. Desta forma, na tentativa de abonar a
sua presença maciça e suas ações de grande impacto, investem em propagandas com
objetivo de alcançar o apoio da população ou assumem o discurso a favor das manifestações,
separando os manifestantes pacíficos e vândalos (dividir e conquistar).
No entanto, o processo de manifestações continuou, tendo como alvos principais o
prefeito Eduardo Paes, o Governador Sergio Cabral e seu circulo familiar e amigos,
principalmente a família Barata, detentora de grande parte dos serviços de transporte do Rio
de Janeiro, sofreu com onda de protestos durante o casamento de uma integrante da família.
As ondas de protesto tendem a não cessar, pois o apoio de diversos segmentos, como
a Ordem de Advogados do Brasil que oferecem serviços aos presos arbitrariamente pela
Policia Militar, estudantes de medicina que prestam atendimento aos feridos durante as ações
violentas do Choque contra os manifestantes e o apelo popular por melhorias, levam o
governador a um beco sem saída, fez o mesmo retroceder em diversas ações, como a
desistência de demolir o Parque Aquático, o Estádio de Atletismo e o Museu do Índio,
3. Sociedade em Rede – Discursos Contra-Hegemônicos Ao vivo.
Em tempos onde a palavra globalização já não é mais tão ouvida, mas sentida,
embora ainda questionada com relação ao seu alcance no que tange os meios de
comunicação voltados para a Internet, surge, nos finais da década de 1990, uma nova
estrutura social, denominada como “Sociedade em Rede” (CASTELLS, 2011). Essa nova
estruturação, segundo Manuel Castells, afetou todas as “dimensões fundamentais da
organização e da prática social” (2011, p. II), já que incorporou os usos das tecnologias
digitais de informação, possibilitando um boom das redes sociais por todo o mundo.
Nesse ponto, poderíamos até nos aproximar do que chamamos de Sociedade em
Rede em nível global, tendo em vista que milhões de pessoas têm acesso às redes sociais,
ponto de partida de nossa discussão, mas é preciso levar em consideração, por exemplo, que
no Brasil, apenas 34,8% da população tem acesso à internet (IBGE, 2008), conforme o gráfico
abaixo.
Ainda que apenas um terço da população brasileira tenha acesso à internet, ao
observarmos a finalidade em que o acesso ocorre notamos que há uma grande busca pelo
lazer e pela comunicação com outras pessoas, o que inclui as redes sociais, conforme dados
do próprio IBGE (2008)
Quando mais de 80% de
usuários, homens e mulheres,
declaram que a Internet tem como
principal finalidade a comunicação
detectamos aí os sintomas claros
de que, por mais que a sociedade
em rede não tenha tomado todo o
globo, ou seja, não está de fato
globalizada, ela já alcança a
maioria da população que tem
acesso à web e se transforma a
cada dia na principal atividade
dessas pessoas.
É esse aumento nas
atividades relacionadas à
comunicação, que as redes
sociais ganham seu espaço. Cada
vez mais o contato que era real e
teve de ser distanciado cria mais firmeza no mundo virtual. Os indivíduos se transportam para
o mundo virtual através da tecnologia, adotam novas posturas, em certos casos diferentes das
vividas no seu cotidiano e alimenta sua teia de contatos diariamente, transitando entre
identidades variáveis, complementares e até paradoxais.
Castells afirma que
o surgimento de um novo sistema eletrônico de comunicação caracterizado pelo seu alcance global, integração de todos os meios de comunicação e interatividade potencial está mudando e mudará para sempre nossa cultura. (CASTELLS, 2011, p. 414.)
Deixaremos de lado o fato de apenas uma pequena parcela mundial ter o pleno
acesso á internet e aos meios de comunicação que ela se liga e vamos analisar a
configuração do mundo contemporâneo sob a perspectiva de um mundo globalizado,
mediado pela comunicação entre computadores – com o advento da internet, a mesma
propiciada pela gestão pública e de gigantescas instituições privadas do campo das
telecomunicações que fornecem um Upgrade, no eixo econômico, nas práticas educativas e
uma infinidade de possibilidades de relações em uma sociedade em redes.
Castells (2011) define redes como um conjunto de nós interconectados, com
estruturas abertas aptas a expandir de forma infinita, agregando novos nós, desde que
consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos signos
de diálogo. Essa mesma visão é compartilhada por Alexandre Le Voci Sayad (2011), que
assinala que na virada do século tivemos um rompimento com o modelo linear e unilateral de
comunicação para que se estabelecesse de vez um modelo de translateralidade, baseado nas
redes que Castells conceitua.
Na sociedade contemporânea, que, em concordância com Castells (2011),
chamamos de “sociedade em rede” e “era da criatividade”, de acordo do Sayad (2011), fazer
as escolhas e mantê-las é tarefa árdua, já que não só as identidades são fluidas, mas o meio
em que vivemos está se desfazendo nessa liquidez, não deixando que “a fragilidade e a
condição eternamente provisória da identidade” (BAUMAN, 2005, p. 22) sejam escondidas.
Para Bauman, ao se forçar a necessidade de uma identidade, os homens lançaram-se em um
labirinto movediço, onde as paredes jamais permanecem no mesmo lugar e a saída nunca é
encontrada devido a essa liquidez da sociedade contemporânea.
Uma vez que a capacidade humana criativa é ainda um mistério, não há
possibilidade mensurar as aptidões do ser, pois através de uma nova dinâmica, no
ciberespaço, conseguem estabelecer laços, produzem novas perspectivas, vivendo uma vida
extracorpórea em um espaço virtual.
A questão será literalmente reconstruir o conjunto das modalidades do ser-em-grupo. E não somente pelas intervenções "comunicacionais", mas também por mutações existenciais que dizem respeito à essência da subjetividade. Nesse domínio, não nos ateríamos às recomendações gerais, mas faríamos funcionar práticas efetivas de experimentação tanto nos níveis microssociais quanto em escalas institucionais maiores (GUATTARI, 2001, p.16).
O ato de empregar os meios de comunicação social é um procedimento que se
desdobra para além da questão de relação entre os indivíduos e mídias, é preciso explorar as
ambiguidades, as subjetividades. Não é apenas um processo linear do tipo causa-efeito ou
estímulo-resposta, porque existem outros fatores que as englobam, neste caso a formação de
identidades e memórias no meio virtual. Assim como as ações do grupo “Mídias Ninja”, que
transmitem ao vivo na internet das manifestações de rua, na iniciativa de mostrar a realidade
dos movimentos de rua, evitando o contundente discurso hegemônico da policia e dos canais
de TV.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ideia deste trabalho é elucidar a importância dos movimentos sociais com auxilio ds
múltiplos canais de comunicação alternativa, que no Rio de Janeiro teve o seu inicio com a
organização dos indígenas na Aldeia Maracanã, e levar a compreensão a toda a sociedade
que o indígena também pode ser híbrido, morando na cidade, agregando novos valores,
utilizando as novas tecnologias, mas sem perder sua história de vida, sua cultura e o amor
pelo seu povo, além de ser o marco zero da resistência para uma nova primavera dos
movimentos sociais do Rio de Janeiro.
O que podemos depreender da realidade dos movimentos sociais que as práticas
cristalizadas em eixos transversais da sociedade – ocorrem em todas as esferas (educação,
comunicação, etc.) de maneiras distintas no sentido da área de atuação, mas semelhantes no
contorno que são, segundo Focault:
o corpo é objeto de investimentos tão imperiosos e urgentes; em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações. Muitas coisas entretanto são novas nessas técnicas. A escala, em primeiro lugar, do controle: não se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse uma unidade indissociável mas de trabalhá-lo detalhadamente; de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica —movimentos, gestos atitude, rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. (FOUCAULT, 2004, p.117)
Nesta abordagem sobre o corpo remete-se a uma orientação de um estado de docilidade,
de adestramento, de obediência do individuo em relação aos macropoderes. Geralmente,
percebemos estas praticas como irreversíveis na configuração atual da sociedade, por
estarmos submissos não apenas aos aparelhos ideológicos de Estado, mas também as
micro-relações de poder, como no panoptismo.
Entretanto, para além das questões físicas e identitária, a rede virtual permite um
desprendimento do ser para um novo, abstratamente físico-virtual, mas como nos aponta
Deleuze o corpo sem órgãos não é apenas uma noção, e sim um conceito, do qual surge de
um conjunto de práticas, ele é não-desejo, mas também desejo (DELEUZE; GUATTARI,
1980/2004, p. 9). Assim é a constituição dos heterônimos do Anonymous, uma identidade
virtual, fluída, evitando a negociação indireta com o governo e mostrando que os movimentos
sociais de rua estão de volta e apresentam resultados.
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