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Page 1: Memorial 7 Sonho Passarola Tapoio

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Índice

Índice ............................................................................................................. 1

Introdução ..................................................................................................... 2

A construção da passarola ............................................................................. 3

O padre da História e o padre do romance ............................................. 3

O sonho do Padre: “ que seria de nós se não sonhássemos?” .................. 5

A conjugação dos saberes na construção da Passarola ............................. 7

Baltasar Sete-Sóis ....................................................................................... 9

Blimunda Sete-Luas ................................................................................ 10

As vontades .......................................................................................... 10

Domenico Scarlatti ................................................................................. 12

O voo da passarola ....................................................................................... 14

A dada altura da narrativa, o Padre Bartolomeu começa a ser perseguido pelo

Santo Oficio. Atormentado com a ideia de ser apanhado, decide fugir na passarola com

Baltasar e Blimunda. Estão, então, reunidas as condições para que o engenho levante voo

(”A máquina estremeceu, oscilou como se procurasse um equilíbrio subitamente perdido,

ouviu-se um rangido geral, eram as lamelas de ferro, os vimes entrançados, e de repente,

como se a aspirasse um vórtice luminoso girou duas vezes sobre si própria enquanto

subia, mal ultrapassara ainda a altura das paredes, até que, firme, novamente equilibrada,

erguendo a sua cabeça de gaivota, lançou-se em flecha, céu acima.”, pag.202, capitulo

XVI). Símbolo de esforço e sapiência, a passarola corporiza o sonho dos seus construtores,

que de tudo fizeram para que este momento fosse possível. .................................. 14

Bibliografia ................................................................................................... 16

Ana Moreira, Sílvia, Vanessa

Page 2: Memorial 7 Sonho Passarola Tapoio

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Introdução

O presente trabalho tem como objectivo a apresentação do sonho do padre

Bartolomeu de Gusmão, o esclarecimento do que foi feito para concretizar o sonho, e

como se desenvolveu. Pretende-se, igualmente, elucidar sobre a simbologia das vontades.

Nas próximas páginas será traçada uma relação entre as personagens da obra, Pe.

Bartolomeu de Gusmão e Scarlatti, e os correspondentes históricos, e será mostrada a

forma como foram integrados os saberes das quatro personagens envolvidas na

concretização do sonho.

Ana Moreira, Sílvia, Vanessa

Page 3: Memorial 7 Sonho Passarola Tapoio

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A construção da passarola

“Memorial do Convento”, da autoria do Nobel da literatura portuguesa, José

Saramago, é composto por quatros histórias que ocorrem ao mesmo tempo: “Era uma

vez um rei que fez a promessa de levantar um convento em Mafra. Era uma vez a gente

que construiu esse convento. Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha

poderes. Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido.” (citado da contracapa

do livro, da Edição Caminho).

Esta obra de José Saramago é produto de um trabalho de pesquisa levado a efeito

pelo próprio autor. A obra, além do seu aspecto crítico face à sociedade da época que

retrata, apresenta factos reais da História de Portugal, documentados, a par da história

fictícia de Baltasar e Blimunda. Um desses factos está relacionado com a personagem Pe.

Bartolomeu Gusmão, o protagonista da narrativa “Era uma vez um padre que queria voar e

morreu doido”, que, apesar de modelada de acordo com o romance, encontra

correspondente real na história do nosso país.

O padre da História e o padre do romance

Se recorrermos a uma biografia do padre Bartolomeu

de Gusmão e compararmos os factos documentados da

mesma com as informações acerca do padre Bartolomeu, da

obra de José Saramago, facilmente concluímos que existem

pontos comuns e que a personagem da História não é mais

que a figura histórica moldada de acordo com o romance e os

interesses do autor. Assim, Bartolomeu de Gusmão nasceu

em 1685, em Santos, perto de S. Paulo, Brasil, que na altura

ainda era parte integrante da coroa portuguesa

(“Bartolomeu Lourenço, que no Brasil nasceu e novo veio pela primeira vez a

Portugal”, pág. 62 capítulo VI). Estudou num colégio jesuíta, onde desde cedo mostrou

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interesse e inteligência no estudo da Física, dando provas do seu carácter original na

concepção de uma máquina capaz de elevar água 100m no convento em que se

encontrava. Já na Universidade de Coimbra, desenvolveu com notoriedade os estudos em

Física e Matemática. (“Já o Padre Bartolomeu regressou de Coimbra, já é doutor em

cânones, confirmado de Gusmão por apelativo onomástica e firma escrita”, pág. 165,

capítulo XVI)

Consta-se que o seu interesse por conquistar os ares surgiu pela observação de

uma pequena bola de sabão pairando pelos ares que, passando sobre uma chama foi

rapidamente impelida, o que o levou a desenvolver forte interesse pela concepção de um

balão.

Dedicou-se, então, à concretização desse projecto, sendo que em 1708 envia uma

petição de privilégio a D. João V sobre o engenho “mais–leve-que-o-ar” , que lhe concedeu

o alvará para o mesmo, contribuindo, inclusive, monetariamente para a construção da

passarola, atribuindo-lhe ainda um rendimento vitalício substancial ( “e se el-rei o fez

fidalgo capela de sua casa e académico de sua academia” , pág. 165, capítulo XVI) . Com

o patrocínio concebido pelo monarca, Bartolomeu pôde dedicar-se inteiramente à

construção do engenho, na quinta do duque de Aveiro, em S.Sebastião da Pedreira, (o

mesmo local apresentado na obra: “(..) el-rei acreditou na minha máquina e tem

consentido que, na quinta do duque de Aveiro, a S. Sebastião da Pedreira, eu faça os

meus experimentos” (capítulo VI, pág. 64)). De acordo com fontes da época pode-se

concluir que foram realizadas várias experiências com balões de papel até se conseguir a

experiência definitiva que marcou a História, sendo que muito foi o arame utilizado na

construção do engenho.

Foi a 8 de Agosto de 1709 que

Bartolomeu Gusmão realizou uma

experiência coroada de êxito e reconhecida

pela coroa. A experiência realizou-se na sala

dos embaixadores da casa da Índia, perante

D.João V, a Rainha e outras figuras da corte.

Nela, Gusmão fez elevar um balão de papel

pardo e grosso, cheio de ar quente, 4 metros de altura, que acabou por ser destruído por

Ana Moreira, Sílvia, Vanessa

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dois criados, movidos pelo medo de que o balão pegasse fogo às cortinas. (“ pois eu faz

dois anos que voei, primeiro fiz um balão que ardeu, depois construí outro que subiu

até ao tecto duma sala do paço, enfim outro que saiu por uma janela da Casa da índia e

ninguém tornou a ver”, capítulo VI, pág. 63).

As experiências sucederam-se com balões de muito maior envergadura e,

finalmente, embora não haja provas irrefutáveis sobre o facto, consta que um balão,

enorme, provavelmente da autoria do próprio Gusmão, foi lançado na praça de armas do

castelo de S. Jorge e depois de percorrer 1 km veio a cair no Terreiro do Paço.

Após esta experiência, por razões inexplicadas, começa uma outra vida de

Bartolomeu de Gusmão. Excepcionalmente doutor, versado em filologia e falando

fluentemente outras línguas, vão abundar os seus trabalhos literários (sem esquecer os

trabalhos de cariz científico), bem como se tornaram notados os seus sermões. É feito

Fidalgo-Capelão da Casa Real, em 1722. Contudo, as intrigas da corte fá-lo-iam cair em

desgraça, tendo-lhe valido os jesuítas quando a Inquisição já o perseguia. Levam-no para

Espanha, em 1724, onde morre indigente e com nome falso, no hospital da Misericórdia

de Toledo, a 19 de Novembro.

O sonho do Padre: “ que seria de nós se não

sonhássemos?”

(pág. 191, capítulo XV)

Como já foi anteriormente referido, o padre Bartolomeu de Gusmão é o

protagonista de uma das quatro narrativas que compõem “O Memorial do Convento”.

Na narrativa em que é protagonista, o Padre Bartolomeu é apresentado como o Voador

(“Aquele que ali vem é o padre Bartolomeu Lourenço, a quem chamam o Voador”, pág

61 capítulo VI) sendo-lhe tal apelido atribuído graças ao sonho que esse homem alimenta

e o que tem desenvolvido para o concretizar: “ agora me disse aquele meu amigo João

Elvas que tendes apelido de Voador, padre, por que foi que vos deram tal nome,

perguntou Baltasar, (…) porque eu voei, e disse Baltasar duvidoso, Com perdão da

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confiança, só os pássaros voam, e os anjos, e os homens quando sonham, mas em

sonhos não há firmeza”, (pág. 63, capítulo VI). Contudo, antes de aprofundarmos um

pouco mais o tópico sobre o sonho do padre, importa esclarecermos o significado de

sonho no contexto da obra. Recorrendo a um dicionário da Língua Portuguesa,

encontramos diferentes definições de sonho, nomeadamente:

−Actividade mental não dirigida, que se manifesta durante o sono, pelo menos nas

suas fases menos profundas, e do qual, ao acordar, se pode conservar certa lembrança;

−Conjunto de ideias e de imagens que perpassam o espírito durante o sono;

−No sentido figurado: fantasia; devaneio; ilusão; utopia.

Assim, no contexto da obra, o sonho deve ser entendido de acordo com a terceira

definição citada, prendendo-se com o desejo que o padre manifesta de um dia povoar os

céus como uma ave, desenvolvendo um engenho para atingir o seu objectivo. (note-se que

no tempo histórico da obra, nenhum homem tinha ainda voado). De acordo com a

personagem: “ O homem primeiro tropeça, depois anda, depois corre, um dia voará”,

(pág. 63/63, capítulo VI), “assim como o homem, bicho da terra, se faz marinheiro por

necessidade, por necessidade se fará voador” (pág.65 capítulo VI).

O Padre Bartolomeu Lourenço surge, então, como um erudito

e religioso que desenvolve uma aeronave, a Passarola (“ (…) passarola,

É assim que se chama a sua máquina, perguntou Baltasar, e o padre

respondeu, Assim lhe têm chamado por desprezo”, pág.66, capítulo VI). Contudo, como

o comum dos humanos, o padre encontra dificuldades que urge

ultrapassar para a concretização do seu sonho. Como podemos

facilmente verificar no meio social em que nos inserimos, nem sempre

as novidades e as ideias mais originais e atrevidas são aceites de forma unânime ou

arrebatam os apoios desejados para a sua concretização. O mesmo ocorre com o sonho do

padre que é apresentado como um pecado do próprio religioso: (“Aliás, facilmente

absolvida pelo Padre Bartolomeu Lourenço, que tem diante dos próprios olhos um

maior pecado seu, aquele orgulho e ambição de fazer levantar um dia aos ares, aonde

até hoje apenas subiram Cristo, a Virgem e alguns escolhidos santos” pág. 92, XI).

Numa sociedade em que apenas se tinha, além dos meios terrestres, conquistado o mar, a

ideia de submeter o meio aéreo à mesma conquista não é aceite com tolerância, sendo as

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ideias do padre satirizadas e ridicularizadas pelos homens do seu tempo, que chegaram a

desejar-lhe o pior no desenvolvimento do projecto: “Tenho sido a risada da corte e dos

poetas, um deles, Tomás Pinto Brandão, chamou ao meu invento coisa de vento que se

há-de acabar cedo, se não fosse a protecção de el-rei não sei o que seria de mim, mas el-

rei acreditou na minha máquina e que tem consentido que, na quinta do duque de

Aveiro, a S. Sebastião da Pedreira, eu faça os meus experimentos” (pág.64, capítulo VI);

“Chegaram ao ponto de desejar que eu partisse as pernas quando me lançasse do

castelo” (pág. 64, capítulo VI).

Vale ao padre, portanto, a bênção real do seu projecto. Apelando ao apoio de D.

João V, Bartolomeu Lourenço consegue um local para a construção do engenho, a quinta

de S. Sebastião da Pedreira, o patrocínio para a construção da Passarola, sendo que o

monarca exprime o desejo de ver o céu ser povoado pelo homem: “ (…) não tanto por

obrigações firmes de seu título de capelão fidalgo, mais honorífico que efectivo, mas

por querer bem a el-rei, que ainda não perdeu de todo as esperanças, e já vão onze anos

passados, por isso pergunta benévolo, Verei voar a máquina um dia, ao que o padre

Bartolomeu Lourenço responde, honestamente, não puder responder mais que isto,

Saiba vossa majestade que a máquina um dia voará, Mas estarei cá para ver, Viva vossa

majestade nem tanto quanto viveram os antigos patriarcas do Testamento Velho, e não

só verá voar a máquina, como nela voará” (pág.166, capítulo XIV).

A conjugação dos saberes na construção da

Passarola

Além do apoio de sua majestade, a construção da Passarola apenas foi possível

graças ao conciliar dos saberes de mais três personagens: Baltazar Sete-Sóis e Blimunda

Sete-Luas, assim apelidados pelo próprio padre (“ Tu és Sete-Sóis porque vês às claras, e

tu serás Sete-Luas porque vês às escuras” pág. 94, capítulo IX), que seriam “os

construtores da aeronave” (pág. 93, capítulo IX), assim como Domenico Scarlatti, “ (…)

homem, italiano de nação, (…) e é musico, mestre cravo da infanta, mestre da capela

real” (pág. Capítulo ), que se revelará importante na cura de Blimunda e cuja música

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poderá ajudar a levantar aos céus o engenho que de nome já se assemelha aos pássaros: a

Passarola; e que expressa o desejo de um dia tocar a sua música no céu (“Se a passarola

do padre Bartolomeu de Gusmão chegar a voar um dia, gostaria de ir nela e tocar no

céu” pág. 184, XV).

O contributo de cada uma das personagens e a combinação dos saberes para a

construção do engenho podem ser esquematicamente resumidos da seguinte forma:

Ana Moreira, Sílvia, Vanessa

- A sua música ajudou a curar Blimunda- Construtora da passarola

- Nasceu para descobrir vontades

- Gostaria de voar na passarola e tocar a sua musica no seu.

Construção da

Passarola

Os saberes

Pe. Bartolomeu Lourenço

Baltasar Sete-Sóis

Blimunda Sete-Luas Domenico Scarlatti

- Mentor do projecto;- “Eu sou o inventor da passarola”

- Erudito;- Visionário;

- Orientava Baltasar e Blimunda para a construção do engenho.

- Descobriu o segredo que faria voar a máquina

Aprendeu com os alquimistas a obter o éter necessário para fazer voar a passarola

- Tinha o poder de ver o interior das coisas;

- Inspeccionava a máquina em jejum, descobrindo as suas fragilidades, que depois eram corrigidas por Baltasar

- Recolheu as duas mil VONTADES, necessárias para a passarola voar, pois sem elas seria impossível.

- “Construtor da aeronave”

- Como o padre não tinha força para fazer certos trabalhos convidou-o para trabalhar com ele, pois com o gancho e o espigão poderia executar certos trabalhos sem se magoar.- Era o braço direito do padre

- Responsável pela passarola na ausência do padre.

- Mecânico.

-”… talvez a minha musica possa conciliar-se dentro das esferas com esse misterioso elemento…”

- Tocava para Blimunda e Baltasar, enquanto eles trabalhavam.

- “Fabricante de asas”

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Baltasar Sete-Sóis

Baltasar Sete-Sóis, um ex-soldado que a guerra tornara maneta, sendo por isso

dispensado do exército, de idade igual à do Padre Bartolomeu Lourenço, surge como o

primeiro ajudante do padre na construção do engenho voador. Após conhecer Blimunda

e o Padre Bartolomeu Lourenço, no Auto-de-fé em que a mãe de Blimunda fora

condenada, o padre que lhe arranjou emprego e que tentava conseguir uma pensão de

guerra para o soldado dispensável, convida-o a acompanhá-lo à quinta de S. Sebastião da

Pedreira, onde Baltasar toma conhecimento directo com a passarola. É, também, nessa

altura, que o Padre Bartolomeu, consciente de que necessita de ajuda para construir a

aeronave, convida Baltasar a fornecer-lhe esse apoio, convite aceite pelo ex-soldado após o

padre lhe explicar a vantagem do seu gancho e espigão, e lhe ter exposto a teoria de que

Deus seria, à semelhança do ex-soldado, maneta. Tais acontecimentos são descritos em

excertos como: “O padre alugou uma mula, (…), Vou a S. Sebastião da Pedreira ver a

minha máquina, queres vir comigo [questão colocada a Baltasar], Irei” (pág.66, capítulo

VI); “Então é isto [referência aos panos, rolos, concha, e outros acessórios que Baltasar

observa na quinta] , e o padre Bartolomeu respondeu, Há-de ser isto, e, abrindo uma

arca tirou um papel que desenrolou, onde se via o desenho de uma ave, a passarola

seria,”(pág. 68, capítulo VI); “Queres tu [ Baltasar] vir ajudar-me, perguntou (..) Com

essa mão e com esse gancho podes fazer tudo quanto quiseres, e há coisas que um

gancho faz melhor que a mão completa, um gancho não sente dores se tiver que

segurar um arame ou um ferro, nem se corta, nem se queima, e eu te digo que maneta

é Deus e fez o universo.” (págs.68 e 69, capítulo VI); “ Se Deus é maneta e fez o

universo, este homem sem mão pode atar a vela e o arame que hão-de voar” (pág. 69,

capítulo VI).

Deste modo, Baltasar contribui para a construção do engenho, dando utilidade ao

gancho e espigão que lhe substituem a mão em falta. Importa no entanto dizer que a dada

altura é referido que, contrariamente ao que o padre afirmou quando convidou Baltasar,

a mão pode, sim, fazer falta: “Nem sempre o trabalho corre bem. Não é verdade que a

mão esquerda não faça falta. Se Deus pode viver sem ela é porque é Deus” (pág.93,

capítulo IX). Então, Baltasar contava também com a ajuda de Blimunda que, juntamente

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com ele, se mudou para a quinta, para poderem dar forma à passarola, e que o auxiliava

em certos trabalhos.

Blimunda Sete-Luas

Além de auxiliar Baltasar em certos trabalhos, Blimunda, que possuía a

capacidade de ver o interior das coisas e das pessoas (“Eu posso olhar por dentro das

pessoas” ; “ (…)vejo o que está dentro dos corpos, e às vezes o que está no interior da

terra, vejo o que está por baixo da pele, e às vezes mesmo por baixo das roupas, mas só

vejo quando estou em jejum, perco o dom quando muda o quarto de lua, mas volta

logo a seguir”, págs.79 e 80, capítulo VIII), observava também a estrutura da passarola,

detectando as suas fragilidades, para que Baltasar as corrigisse ( “Uma vez por outra,

Blimunda levanta-se mais cedo, antes de comer o pão de todas as manhãs, e, deslizando

ao longo da parede para evitar pôr os olhos em Baltasar, afasta o pano e vai

inspeccionar a obra feita, descobrir a fraqueza escondida do entrançado, a bolha de ar

no interior do ferro”, pág. 94, capítulo IX), e foi a responsável pela recolha das vontades

que fariam voar a máquina (“Veja-se a mulher dos olhos excessivos, que para descobrir

vontades, nasceu” pág. 184, capítulo XV).

As vontades

Quando o Padre Bartolomeu Lourenço regressou da Holanda, em busca do éter,

descobriu que este não era obtido a partir dos métodos alquimistas, mas sim através das

“vontades dos vivos” (”…na Holanda soube o que é o éter, não é aquilo que geralmente

se julga e ensina, e não se pode alcançar pelas artes da alquimia, para ir buscá-lo lá onde

ele está, no céu, teríamos nós de voar e ainda não voamos, mas o éter, dêem agora

muita atenção ao que vou dizer-lhes, antes de subir aos ares para ser o onde as estrelas

se suspendem e o ar que Deus respira, vive dentro dos homens e das mulheres, Nesse

caso, é a alma, concluiu Baltasar, Não é, também eu, primeiro, pensei que fosse a alma,

também pensei que o éter, afinal, fosse formado pelas almas que a morte liberta do

corpo, antes de serem julgadas no fim dos tempos e do universo, mas o éter não se

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compõe das almas dos mortos, compõe-se, sim, ouçam bem, das vontades dos vivos. “,

pág. 130, capitulo XI); (

Através do seu misterioso dom, Blimunda é incumbida de recolher as duas mil vontades,

que eram um dos elementos fundamentais e que iriam fazer a passarola elevar-se ao céu.

Contudo, a feiticeira, não compreende o que realmente são as vontades e de que forma as

vai conseguir agarrar (”Dentro de nós existem vontade e alma (…) a vontade, ou se

separou do homem estando ele vivo, ou a separa dele da morte, é ela o éter, é portanto

a vontade dos homens que segura as estrelas, é a vontade dos homens que Deus respira,

…” , pág. 130, capitulo XI ); (” Verás as vontades dentro das pessoas, Nunca a vi, tal

como nunca vi a alma, Não vês a alma porque a alma não se pode ver, não vias a

vontade porque não a procuravas, Como é a vontade, É uma nuvem fechada, Que é

uma nuvem fechada, Reconhecê-la-ás quando a vires (…)”, pág.130, capitulo XI); (Tirou

do alforge um frasco de vidro que tenha preso ao fundo, dentro, uma pastilha de

âmbar amarela, Este âmbar, também chamado electro, atrai o éter, andarás sempre

com ele por onde andarem pessoas, em procissões, em autos-de-fé, aqui nas obras do

convento, e quando vires que a nuvem vai sair de dentro delas, está sempre a suceder,

aproximas o frasco aberto, e a vontade entrará nele, E quando estiver cheio, Tem uma

vontade dentro, já está cheio, mas esse é o indecifrável mistério das vontades, onde

couber uma, cabe milhões, o um é igual ao infinito”, pag.131, capitulo XI).

Apesar de tudo isto, uma dúvida persiste: qual será o verdadeiro sentido das vontades?

Como resposta a esta questão, consideramos que as vontades representavam a força

interior que existe em cada um de nós. Todos nós possuímos um objectivo de vida, um

sonho pelo qual lutamos, tentando vencer todas as adversidades que encontramos. Para

esta luta é necessário força de vontade e determinação para superarmos todos os

obstáculos.

Podemos dizer que é desta forma que as “vontades dos vivos” nos são apresentadas, como

símbolo de força e persistência, indispensáveis para realizar o sonho do Padre Bartolomeu

de fazer voar a passarola.

Ana Moreira, Sílvia, Vanessa

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Domenico Scarlatti

Domenico Scarlatti era um músico italiano que fora contratado para dar lições de

música à infanta D. Maria Bárbara. Numa dessas lições, conhece o padre Bartolomeu

Lourenço e aí se inicia uma grande amizade e cumplicidade.

Em conversa com o padre Bartolomeu Lourenço fica a saber que este tem um

segredo e é convidado por ele a visitar a quinta de S. Sebastião da Pedreira. Scarlatti é

apresentado a Baltasar e Blimunda e à máquina de voar, e o padre Bartolomeu Lourenço

convida-a o a visitar a quinta sempre que quiser, desta forma associando-o ao projecto.

Então, Scarlatti prontifica-se a tocar para Baltasar e Blimunda enquanto estes trabalham,

e, quando Blimunda adoeceu, a sua música ajudou a curá-la.

Mais tarde, Scarlatti exprime o seu desejo de voar na passarola e tocar a sua

música no céu.

A veracidade da personagem Scarlatti é comprovada através da comparação dos

dados biográficos do músico com alguns excertos da obra.

Scarlatti, nascido em Nápoles a 26 de Outubro de 1685 (“...em Nápoles nascido

há trinta e cinco anos…”, página 167 capítulo XIV), foi um dos maiores compositores

para cravo do século XVIII (“É homem, italiano de nação, está há poucos meses na

corte, e é musico, mestre de cravo da infanta, mestre da capela real, o nome dele é

Domenico Scarlatti”, página 173 capítulo XIV).

A sua primeira formação musical obteve-a de seu pai, o professor e compositor,

Alessandro Scarlatti.

Em 1701, tornou-se compositor e organista na capela real de Nápoles.

Mais tarde, torna-se maestro di capella da rainha da Polónia, Marie Casimire, para

quem compôs varias óperas para o seu teatro particular.

Dirigiu a sua ópera “Narciso” no King’s Theatre, em Londres, vindo depois para a

corte portuguesa, para ser professor de música da infanta D. Maria Bárbara, filha mais

velha do rei D. João V (“…por nascer uma criança em Lisboa levanta-se em Mafra um

montanhão de pedra e vem de Londres contratado Domenico Scarlatti.”, página166

capítulo XIV).

Ana Moreira, Sílvia, Vanessa

Page 13: Memorial 7 Sonho Passarola Tapoio

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Quando a infanta se casou com o herdeiro da coroa espanhola, D. Fernando VI,

em 1729, Scarlatti partiu para Espanha para acompanhá-la, e lá permaneceu até à sua

morte, a 23 de Julho de 1757.

Scarlatti é um dos maiores virtuosos do período tardio do barroco. As sonatas que

compôs (mais de quinhentas) são testemunhos da sua grande capacidade de composição e

execução, e nelas inova de uma maneira nunca vista, introduzindo habilidades como

mãos cruzadas, dando maior liberdade de composição e execução aos compositores

vindouros.

A sua música é extremamente inventiva, e as suas sonatas para cravo são densas

experiências auditivas, devido à sua complexidade.

Ana Moreira, Sílvia, Vanessa

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O voo da passarola

A dada altura da narrativa, o Padre Bartolomeu começa a ser perseguido pelo Santo

Oficio. Atormentado com a ideia de ser apanhado, decide fugir na passarola com Baltasar

e Blimunda. Estão, então, reunidas as condições para que o engenho levante voo (”A

máquina estremeceu, oscilou como se procurasse um equilíbrio subitamente perdido,

ouviu-se um rangido geral, eram as lamelas de ferro, os vimes entrançados, e de

repente, como se a aspirasse um vórtice luminoso girou duas vezes sobre si própria

enquanto subia, mal ultrapassara ainda a altura das paredes, até que, firme, novamente

equilibrada, erguendo a sua cabeça de gaivota, lançou-se em flecha, céu acima.”,

pag.202, capitulo XVI). Símbolo de esforço e sapiência, a passarola corporiza o sonho dos

seus construtores, que de tudo fizeram para que este momento fosse possível.

À medida que a máquina vai subindo, a euforia toma conta dos três, que apesar de

estarem a fugir da Inquisição, sentem-se felicíssimos pela concretização do seu sonho,

formando assim, uma espécie de Santíssima Trindade ascendida aos céus (”O padre ria,

dava gritos (…) e Baltasar gritou, Conseguimos, abraçou-se a Blimunda e desatou a

chorar (…) O Padre veio para eles e abraçou-se também, subitamente perturbado por

uma analogia, assim dissera o italiano, Deus ele próprio, Baltasar seu filho, Blimunda o

Espírito Santo, e estavam os três no céu...”, pág.203, capitulo XVI).

Sobrevoando a cidade de Lisboa e depois a vila de Mafra, muitos são aqueles que olham

para o céu e duvidam do que vêem (”Passam velozmente sobre as obras do convento.

Mas desta vez há quem os veja, gente que foge espavorida, gente que se ajoelha ao acaso

e levanta as mãos implorativas de misericórdia, gente que atira pedras, o alvoroço toma

conta de milhares de homens, quem não chegou a ver, duvida, quem os viu, jura e

pede o testemunho do vizinho”, pág.208, capitulo XVI).

Chegado o fim do dia, a luz solar é cada vez mais débil, impedindo que a passarola se

mantenha no ar. Então, os três construtores começam a entrar em pânico e a máquina

começa a perder altitude. Apavorados com a ideia de uma queda aparatosa, Blimunda

tem a luzente percepção de se agarrar às esferas que continham as duas mil vontades, e

desta forma enigmática a passarola começa a diminuir a velocidade da sua queda evitando

o desastre (”Mas de súbdito Blimunda solta-se de Baltasar, a quem convulsa se agarra

Ana Moreira, Sílvia, Vanessa

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quando a máquina precipitou a descida, e rodeia com os braços uma das esferas que

contêm as nuvens fechadas, as vontades, duas mil são mas não chegam, cobre-as com o

corpo, como se as quisesse meter dentro de si ou juntar-se a elas. A máquina dá um

salto brusco (…) depois recomeça a cair, mas menos depressa, e Blimunda grita,

Baltasar, não precisou chamar três vezes, já ele se abraça com outra esfera,fazia corpo

com ela, Sete-Luas e Sete-Sóis sustentando com as suas nuvens fechadas a máquina que

baixava, agora devagar, tão devagar que mal rangeram os vimes quando tocou o chão.”,

pág.210, capitulo XVI).

Decepcionado com a queda do seu engenho, o visionário Padre Bartolomeu Lourenço,

tenta incendiar a passarola, desaparecendo no meio do nada (“Havia um clarão como se

o mundo estivesse a arder, era o padre com um ramo inflamado que pegava fogo à

máquina, já a cobertura de vime estalava, e de um salto Baltasar pôs-se de pé, foi para

ele, e deitando-lhe os braços à cintura puxou-o para trás, mas o padre resistia, de modo

que Baltasar o apertou com violência, atirou-o ao chão, calcou a pés o archote,

enquanto Blimunda batia com o pano de vela as chamas que tinham alastrado o mato e

agora, aos poucos, se deixavam apagar. Vencido e resignado, o padre levantou-se.

Baltasar cobria com terra a fogueira. Mal conseguiam ver-se no escuro. Blimunda

perguntou em voz baixa, num tom neutro, como se conhecesse de antemão a resposta,

Porque foi que deitou fogo à máquina, e Bartolomeu Lourenço respondeu, no mesmo

tom, como se estivesse à espera da pergunta, Se tenho de arder numa fogueira, fosse ao

menos nesta. (…) O tempo passava, o padre não reaparecia. Baltasar foi buscá-lo. Não

estava. Chamou por ele, não teve resposta, (…), e Blimunda declarou, Foi-se embora,

não o tornaremos a ver.”, pág. 212, capitulo XVI).

A máquina, salva do incêndio, fica, a partir de então, ao cuidado de Baltasar tornando-se

este o guardião da passarola ao longo de vários anos. Todos os dias Baltasar se desloca de

Mafra a Monte Junto para cuidar da relíquia que resistiu imponentemente à erosão dos

tempos (como se fosse um templo, nenhum animal ousara instalar-se nela, nem qualquer

planta ousou enfeitá-la), até ao momento em que se eleva novamente: “a máquina

rodopiou duas vezes, despedaçou, rasgou os arbustos que a envolviam, e subiu.”, (Pág.

350, capitulo XXIII).

Ana Moreira, Sílvia, Vanessa

Page 16: Memorial 7 Sonho Passarola Tapoio

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Bibliografia

•Memorial do ConventoJosé Saramago

Editorial Caminho, SA – Lisboa,1994

Edição 38

Ana Moreira, Sílvia, Vanessa