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/ MEMORIA E IDENTIDADE: DO INDIVÍDUO ÀS RETÓRICAS HOLISTAS CONCEITOS PRElliWN.ARES As noções de "identidade" e "memória" são ambíguas, pois ambas estão subsumidas no termo representaçôes; um conceito operatório no campo das Ciências Humanas e Sociais, referindo-se a um estado cm relação à primeira e a uma faculdade em relação à segunda. Consideremos em primeiro lugar a memória. Com exceçào de alguns casos patológicos, todo indivíduo é dotado dessa faculdade que decorre de urna organização neurobiológica muito complexa. Isso não será detalhado aqui, pois, no campo da Antropologia da Illt-"'IUÓ- ria,' mais importante que memória enquanto uma faculdade humana é analisar as formas como a mesma se manifesta (variável de acordo com os indivíduos, grupos, sociedades). No entanto, numa perspectiva antropológica, proponho a seguin- te taxonomia das diferentes manifestações da memória: 1. Lrna memória de baixo nível, que sugiro denominar protome- rnória. Esta, tal como "protopensarnento", "não pode ser destacada da atividade em curso e de suas círcunstâncias".' O antropólogo deve privilegiar essa. modalidade de memória, pois é nela que enquadramos

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MEMORIA E IDENTIDADE:DO INDIVÍDUO

ÀS RETÓRICAS HOLISTAS

CONCEITOS PRElliWN.ARES

As noções de "identidade" e "memória" são ambíguas, pois ambasestão subsumidas no termo representaçôes; um conceito operatório nocampo das Ciências Humanas e Sociais, referindo-se a um estado cmrelação à primeira e a uma faculdade em relação à segunda.

Consideremos em primeiro lugar a memória. Com exceçào dealguns casos patológicos, todo indivíduo é dotado dessa faculdadeque decorre de urna organização neurobiológica muito complexa. Issonão será detalhado aqui, pois, no campo da Antropologia da Illt-"'IUÓ-

ria,' mais importante que memória enquanto uma faculdade humanaé analisar as formas como a mesma se manifesta (variável de acordocom os indivíduos, grupos, sociedades).

No entanto, numa perspectiva antropológica, proponho a seguin-te taxonomia das diferentes manifestações da memória:

1. Lrna memória de baixo nível, que sugiro denominar protome-rnória. Esta, tal como "protopensarnento", "não pode ser destacadada atividade em curso e de suas círcunstâncias".' O antropólogo deveprivilegiar essa. modalidade de memória, pois é nela que enquadramos

Memôrta e identidade

aquilo que, no âmbito do indivíduo, constitui os saberes c as expe-ríências mais resistentes e mais bem compartilhadas pelos membrosde uma sociedade.' Grosso modo, podemos dispor sob esse termoa memória procedural - a memória repetitiva ou memória-hábito deBergson," a inteligência profunda que, de acordo com Marcel Jousse,permite ao cavaleiro lutar "sem se preocupar com sua montaria'? - ouainda a memória social incorporada," por vezes marcada ou gravadana carne," bem como as m˙ltiplas aprendizagens adquiridas na infân-da e mesmo durante a vida intrauterina: técnicas do corpo que são oresultado de uma maturação ao longo de várias gerações, memóriasgestuais" que no sistema nervoso central são o resultado do fortaleci-mento ou enfraquecimento de conexões sinápticas, esquemas sensó-rio-motor piagetianos, rotinas, estruturas e dobras cognitivas, cadeiasoperatórias inscritas na linguagem gestual e verbal - acontecendo emuma "penumbra"? diferente do automatismo, mas onde "o exercíciodo julgamento não é realízado'"? -, transmissão social que "nos ancoraem nossas práticas e códigos implícitos", 11 costumes introjetados no"espírito sem que neles se pense" ou sem que disso se duvide," traços,marcas e condicionamentos constitutivos do etbos13 e mesmo algunsaspectos que [amaís são verbalizados."

O babitus depende, em grande parte, da protomemória, c Bourdicudescreveu bem "essa experiência muda do mundo como indo alémdaquele que procura o sentido prático", as aprendizagens primáriasque, do ponto de vista corporal, são como lembretes: as ligações ver-bo-ação que fazem funcionar corpo e linguagem corno "depósito depensamentos diferenciados" e tudo o que depende de disposições cor-porais, incorporadas de maneira permanente: "maneira durável de seportar, falar, carnínhar, e, para além disso, sentir e pensar"; saber her-dado "que não se separa jamais do corpo que o carrega'?" e que poressa razão depende do que o autor chama de um "conhecimento peloCOrpO".16 Essa forma de conhecimento ou "senso prático" é o que nospermite agir quando necessário sem que se pergunte "como se deve

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Memün'" e identidaae

fazer" Y Nesse caso, oh serva Bourdíeu, o passado não é representado,mas age pelo corpo ou, mais exatamente, "está presente agindo nasdisposições que ele produziu ti .18

O babitus como experiência incorporada é uma presença do pas-sado - ou no passado -, "e não a memória do passado"." A protome-mória, de fato, é uma memória "imperceptível" , que ocorre sem tomadade consciência. u: Ela é essa forma de memória bem descrita por AnneMuxel que trabalha o COlpO sem relaxar, esculpindo-o para fazer deleum corpo mimesis e que é "a alienação fundadora ela identidade"."

2. A memória propriamente dita ou de alto nível, que é csscn-cíalrnenrc uma memória de recordação ou reconhecimento: evocaçãodeliberada ou invocação involuntária ele lembranças autobiográficasou pertencentes a uma memória enciclopédica (saberes, crenças, sen-sações, sentimentos ctc.), A memória de alto nível, feita igualmente deesquecimento, pode beneficiar-se de extensões artificiais que derivamdo fenômeno geral ele expansão da memória. 22

3. A metamernóría, que é, por um lado, a representação que cadaindivíduo faz de sua própria memória, o conhecimento que tem delae, de outro, o que diz dela," dimensões que remetem ao "modo deafiliação de Uln indivíduo a seu passado?" e igualmente, como observaMichael Lamek e Paul Antze, a construção explícita da identidade." Ametamemória é, portanto, uma memória reivindicada, ostensiva.

A protomcmóría e a memória de alto nível dependem diretamen-te da faculdade da memória. A rnetamemóría é urna representaçãorelativa a essa faculdade. De fato, os três termos podem ser igual-mente conceitos científicos. Mas essa taxonomia é válida desde que ointeresse sejam as memórias individuais. Nesse caso, essas diferentesnoções são perfeitamente adequadas para dar conta de certa realidadevivida por toda pessoa consciente. Andamos de bicicleta sem cair ousaudamos uma pessoa que encontramos na rua adotando uma gestua-lidade incorporada: da qual nem nos damos conta." devemos issoà protomemóría, Em nossa vida cotidiana, mobilizamos regularmente

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m˙ltiplas lembranças, recentes ou antigas, e temos por vezes a sorteou ínfclícídadc de conhecer experiências proustianas, mesmo se nossentimos impedidos de descrevê-las: temos aqui as duas formas dememória de alto nível. Enfim, cada um de nós tem uma ideia de suaprópria memória e é capaz de discorrer sobre ela para destacar suasparticularidades, seu interesse, sua profundidade ou suas lacunas: aquise trata então da rnetamernóría.

Entretanto, no momento em que passamos para o nível de gru-pos ou sociedades; o estatuto desses termos muda ou fica totalmenteinvalidado. Toma-se evidente que a noção de protomcrnóría se tomainaplicável: nenhum grupo é capaz de ter uma memória proceduralmesmo que ela possa ser comum, compartilhada pelos membros dessemesmo grupo. Xenhuma sociedade come, dança ou caminha de umamaneira que lhe é própria; pois apenas os indivíduos, membros deuma sociedade, adotam maneiras de comer, dançar ou caminhar que,ao se tomarem dominantes, majoritárias ou unânimes, serão considera-das como características da sociedade em questão. Por consequência,cm nível de grupos, apenas a eventual posse de uma memória evo-cativa ou da metamemóría pode ser pretendida. Ê essa eventualidadeque aparece subjacente na expressão "memória cole tiva", Porém, éimpossível admitir que essa expressão designe urna faculdade, poisa ˙nica faculdade de memória realmente atestada é a memória indi-vidual; assim, um grupo não recorda de acordo com uma modalida-de culturalmente determinada e socialmente organizada, apenas umaproporção maior ou menor de membros desse grupo é capaz disso."De fato, CIIl sua acepção corrente, a expressão "memória coletiva"é uma representação, uma forma de metamemória, quer dizer, umenunciado que membros de um grupo v-ão produzir a respeito de umamemória supostamente comum a todos os membros desse grupo. Essametamernória não tem o mesmo estatuto que a metamemória aplicadaà memória individual: nesse caso é um enunciado relativo a uma de-nominação - "memória'' - vinculada ao que designa - uma faculdade

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Mem6rl.a ~ identidade

atestada - "como a etiqueta cm relação à garrafa"," enquanto no quese refere ao coletivo é um enunciado relativo a uma descrição de umcompartilhamento hipotético de lembranças. Podemos encontrar na irn-prensa" ou ainda na literarura de valorização do patrímõnio in˙merosexemplos desses enunciados evocando a "memória coletíva" de umaaldeia ou cidade, de uma região, de uma província etc., enunciadosque geralmente acompanham a valorização de uma identidade local.

Qual pode ser a realidade desse compartílhamcnto de lembrançasou representações do passado? Essa é a pergunta que devem fazer oshistoriadores, os sociólogos ou os antropólogos quando empregam aexpressão "memória coleriva", o que nos leva a interrogar a pertinênciadessa expressão utilizada então como conceito.

No caso da identidade, a tentativa de depuração conceituai é maisdifíciL No que se refere ao indivíduo, identidade pode ser um estado-resultante, por exemplo, de uma instância adrnínístratíva: meu docu-mento de identidade estabelece minha altura, minha idade, meu ende-reço etc. -, uma representação - eu tenho uma ideia de quem sou - cum conceito, o de identidade individual, muito utilizado nas CiênciasHumanas e Sociais.

Aplicada a um grupo: a complexidade aumenta. Passemos ao fatode que: nesse caso, o termo "identidade" é impróprío" porque elenunca pode designar com rigor uma "recorrência": em um momentopreciso de uma observação um indivíduo é idêntico a ele mesmo, masduas pessoas - mesmo que se trate de gêmeos - jamais são idênticasentre elas." O termo é então utilizado em um sentido menos restrito,próximo ao de semelhança" ou de similitude que satisfaz sempre umainclinação natural do espírito. Se admitirmos esse uso pouco rigoro-so, metafóríco.v a identidade (cultural ou coletíva) é certamente umarepresentação. Exemplos não faltam para mostrar que, de maneiraconstantemente renovada, os indivíduos percehem-sc - imaginam-se,como diria Benedict Anderson= - membros de um grupo e produzemdiversas representações quanto à origem, história e natureza desse

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Memoria e identidade

grupo: no domínio da ação política pensamos evidentemente nas te-ses racistas, nos projetes regionalistas ou étnicos e, de maneira maisgeral, cm todo discurso de legitimação de desejos nacionalistas; nodomínio da ação cultural, podemos nos referir aos discursos veicula-dos por coletividades territoriais, Estados, museus e mesmo instituiçõesde pesquisa sobre as práticas patrimoniais. O objeto patrimonial queé preciso conservar, restaurar ou "valorizar" é sempre descrito comoum marco, dentre outros, da identidade representada de um grupo: osbretões. os franceses, os nucrs, "nossos ancestrais" etc.

Mas pode a identidade coletiva ser um estada Abordamos aquiuma questão que é objeto de uma abundante literatura e cuja discus-são ultrapassa o marco desta ohra. Darei conta unicamente do quefalei mais anteriormente sobre protomemória: é provável que os mem-bros de uma mesma sociedade compartilhem as mesmas maneiras deestar no mundo (gestual idade: maneiras de dizer, maneiras de fazeretc.), adquiridas quando de sua socialização primeira: maneiras de es-tar no mundo que contribuem a defini-los e que memorizaram sem terconsciência, o que é o princípio mesmo de sua eficácia. Desse pontode vista, seria preciso atribuir nuances às concepções situacionais deidentidade sem, no entanto, rejeitá-las. afirmando que pode existir umn˙cleo memorial, um fundo ou um substrato cultural, ou ainda o queEmest Gellner chama de "capital cognitivo fixo"," compartilhado poruma maioria dos membros de um grupo e que confere a este umaidentidade dotada de uma certa essência.

Essa afirmação, à qual numerosos trabalhos etnográficos conferemalgum peso, permanece, entretanto, exposta à crítica por pelo menosduas razões. De um lado, parece-nos abusivo utilizar as expressões"identidade cultural" ou "identidade colctíva" para designar um supos-to estado de um grupo inteiro quando apenas uma maioria dos mem-bros desse grupo compartilha o estado considerado: de fato, mesmoque nos limitássemos a um estado exclusivamente "protomemorial'' ,descarto a possibilidade de que todos os membros do grupo cornpar-

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Memória fi identidade

tilhem esse estado. Por outro lado, é reducíonista definir a identidadede um grupo a partir unicamente da proromcmóría, pois as estratégiasidentítárías de membros de uma sociedade consistem em jogos muitomais sutis que o simples fato de expor passivamente hábitos incor-porados. Evidenciar essa sutíleza constituí, aliás, o aporte principaldas teses situacionaís, desenvolvidas em oposição ao primordialismo.Essas teses são muito convincentes, uma vez que sustentam que asidentidades não se constroem a partir de um conjunto estável e obje-iívamente definível de "traços culturais" - vinculações primordiais -,mas são produzidas e se modificam no quadro das relações, reaçõcse interações sociossituacionais - situações, contexto, circunstâncias -,de onde emergem os sentimentos de pertencímento, de "visões demundo" identitárias ou étnicas. Essa emergência é a consequência deprocessos dinâmicos de inclusão e exclusão de diferentes atores quecolocam em açào estratégias de designação e de atribuição de caracte-rísticas identitárias reais'" ou fictícias, recursos simbólicos mobilizadosem detrimento de outros provisória ou definitivamente descartados."

Esses destaques das "dimensões': e das "sígníficações da identida-de"38são geradores de diferenças ou, mais exatamente, de "fronteirassocíaís?" escorregadias a partir das quais os atares estimam que ascoisas e as pessoas - "nós" versus "os outros" - são diferentes. Essasvariações síruacíonaís da identidade impedem de reificâ-la, de redu-zi-la a uma essência ou substãncía,

Entretanto, a crítica de sua completa dessubstancíação? dispõede argumentos fortes tais como os que sugeri propondo a noção deprotomernóría. De novo, tal como para a noção de memória coletiva,coloca-se a questão da pertinência dos conceitos de identidade quandoaplicados a grupos, quer dizer; a pertinência de expressões tais C01110

"identidade cultural" ou II identidade coletíva".Em resumo, nos dois casos, tanto para memória quanto para identi-

dade, somos levados a questionar sobre o grau de pertinência do que cha-mo de retóricas bolistase convém, portanto, defini-Ias preliminarmente.

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MemórUi e ideruidade

.AS RETÓRICAS HOLIST AS

A retórica é uma técnica de persuasão "para o melhor ou parao pior". 4i Por consequência, parece sábio c desejável evitar o risco dopior: eximindo-se de todo recurso a fórmulas retóricas. Por outro lado:considerando que a Antropologia apresenta uma pretensão à cientifi-cidade, poder-se-la considerar que a priori UIl1a retórica jamais seriapertinente, pois o ideal científico é o da "erradicação da retórica", numdiscurso no qual subsistiriam apenas "fatos, cifras: leis". Entretanto, ahistória mostra, por um lado: que "por vezes se faz a boa ciência deuma maneira errada" e, de outro, que existe "transcendcntais retóri-cos" ~verdadeiros índices do saber ague não são a indumentária dopensamento, mas sua condição mesma", O desafio é, portanto, distin-guir entre as retóricas heurístícamente necessárias e aquelas que são"concessões à facílídade''."

Reafirmo que um dos objetivos fundamentais da Antropologia é oda compreensão da passagem do individual ao coletivo. Nesse sentido,as Ciências Humanas e Sociais raramente deram prova de grande rigor.Elas sofreram - e continuam a sofrer terrivelmente - de sua propensão"em transformar um singular ou um particular em um geral". Assim,esse nuer ou esses nuers com quem o antropólogo conversou um diase transformam, pela magia da escrita etnográfica, em os nuers." Pode-ríamos multiplicar os exemplos" dessa hípostasia do coletivo, obser-vando que são formas de generalização que não diferem fundamen-talmente daquelas que consistem em intuir sobre a existência de umamemória coletiva ou de uma identidade cultural no interior de umgrupo, a partir da observação sempre singular de alguns índívíduos,"membros desse grupo. Ora, se as memórias individuais são dados (nãose pode, por exemplo, registrar por escrito ou por suporte magnéti-co a maneira pela qual um indivíduo tenta verbalizar sua memória),a noção de memória compartilhada é uma inferência expressa pormetáforas (memória coletíva, comum, social, familiar, hístórica, p˙bli-

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MemÕ7"ta e identidade

ca), que na melhor das hipóteses darão conta de certos aspectos darealidade social e cultural ou, na pior delas, serão simples flatus voeissem nenhum fundamento empírico. Essas generalizações parecem, noentanto, inevitáveis se não se quer impedir a possibilidade de qualquerteoria antropológica. É preciso admitir que essas retóricas possuem umestatuto científico extremamente frágil e, ao mesmo tempo, postularque são heuristícamente necessárias porque podem nos dizer "algumacoisa': da realidade. Mas o que é esta "coisa" a qual pretendem nosremeter as retóricas holistas?

Entendo por "retóricas holistas=" o emprego de termos, expres-sões, figuras que ViS31ll designar conjuntos supostamente estáveis, du-ráveis e homogêneos, conjuntos que são conceituados como outracoisa que a simples soma das partes ~ tidos como agregadores deelementos considerados, por natureza ou convenção, como isomorfos.Designamos assim um reagrupamento de indivíduos (a comunidade, asociedade," o povo), bem como representações, crenças, recordações(ideologia X ou Y, a religião popular," a consciência" ou a memóriacolctiva) ou ainda elementos reais ou imaginários (identidade étnica,identidade cultural). Essas rctóricas holistas fazem parte da herançade nossas disciplinas (Sociologia, Antropologia Social e Cultural) que,no quadro de problemáticas mtegratívas'" e de esquemas de perten-cimento, constituíram uma boa parte de seus vocabulários na era in-dustrial, quer dizer, na era das massas representadas (pensadas) cornoentidades coletívas. Em geral, tratamos essas noções simbolicamente."como termos que remetem mais ou menos a uma realidade, mas semter uma ideia precisa do que isso Implica. Em outro lugar tentarei uminventário e um estudo de toda a terminologia holista produzida nessemomento h ísróríco singular que certamente favoreceu a emergência deconceitos "superínterpretatívos't" ou subínterpretativos de acordo como ponto de vista que se adore: classe operária, opinião p˙blica, corposocial etc. Essa época favoreceu a emergência de noções que envol-vem a "ficção" de um ou vários sujeitos colctívos." De fato, o termo

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Memória e identidade

"ficção" é: sem d˙vida, excessivo, salvo nos casos caricaturais em quese afirmará que os nuers, os italianos, os gregos, >4 os judeus, os bretõesou os parisienses pensam isso ou acreditam naquilo.P Sem d˙vida, émelhor tomar de Rícoeur a noção de "configuração narrativa" ~pois asretóricas holistas não são necessariamente inverossímeis no sentidode que podem remeter a fenômenos que são (pelo menos aproxima-damente) o que elas pressupõem. É: efetívamente, uma possibilidadecom a noção de memória coletíva ou identidade cultural.

No discurso antropológico e socíológíco, as retóricas holistas ali-mentam as configurações narrativas mais ou menos aptas a dar contade certa realidade. A adequação de uma configuração narrativa a essarealidade depende precisamente do grau de pertinência da retóricaholista. A questão da pertinência da retórica holista é, portanto, nomeu entendimento, uma questão essencial se pretendemos conferir"implicações ontológicas" aos trabalhos antropológicos que, segundoSperber, são marcadarnente desprovidos disso, sendo o vocabuláriotécnico da disciplina puramente interpretativo. 56

!\a seção seguinte estabelecerei os termos corll os quais podemosabordar essa questão. Em urna primeira parte delímírarcí o quadro teó-rico. Na segunda parte darei um exemplo de avaliação do engajamentoontológico - de acordo COUI urna fórmula de Russell - de retóricas ho-listas, a partir de dados etnográficos relativos à noção de memória co-letíva. 1\"0 entanto, o exemplo apresentado poderá facilmente ser extra-polado para discutir as noções de identidade coletiva e memória, que,tal corno havia apresentado anteriormente, é a identidade em ação.

o GRAlJ DE PERTINÊNCIADAS RETÓRICAS HOLISTA.S APLICADAS..~ ~I\1ÓRlA E À IDENTIDADE

Em nosso século climatérico, os homens mostraram, com inegávelzelo, que poderiam morrer em nome das retóricas holistas: em 1974:

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Mem61'Ú1e identidade

Greeley estimou que os conflitos étnicos tinham provocado a mortede algo em tomo de 20 milhões de pessoas desde a Segunda GuerraMundial." Podemos estar seguros de que, desde 1974, essa cifra au-mentou consideravelmente. A identidade (cultural, coletiva) que serviude substrato para rodos os grandes slogans totalitários do século écertamente uma "ideia de morte", 58 Isso significa que cenas retóricasholistas podem ler uma grande pertinência para um grande n˙mero deindivíduos. Mas o que dizer de sua pertinência cientifica?

Se admitirmos que os seres humanos não são "índivíduos" ato-mizados, "criando suas identidades e perseguindo seus objetivos in-dependentemente uns dos outros", ~9 reconhecemos ao mesmo tempoque a sociedade existe. É necessário então supor que os sujeitos sãocapazes de se comunicar entre eles60 c acessar, assim, um "compar-tílharncnto mínimo do trabalho de produção de signíficações" ~61 sejaum compartilhamento de conhecimentos, de saber, de representações,de crenças cuja descríção e explicitação irão justificar o recurso àsretóricas holístas.

Não discutirei a realidade da comunicação - ela é incontestável -,mas unicamente a natureza: 1) dessa comunicação e 2) de seu re-sultado, quer dizer, o companilhamento efetívo daquilo que foi co-municado. Idealmente, a metáfora "memória coletíva" aplicada a umdeterminado grupo seria totalmente pertinente se todos os membrosdo grupo fossem capazes de compartilhar integralmente um n˙merodeterminado de representações relativas ao passado que lhes teriamsido previamente comunicadas de acordo COIn as modalidades variá-veis, mas socialmente determinadas e culturalmente regradas. Assim,é frequente definir a memória social como o "conjunto de lembran-ças reconhecidas por um determinado gnlpo"62 ou a memória coletivaCOIDO um "conjunto de lembranças comuns a um grupo".63 Poderíamosentão falar de memória p˙blica ou de "comunidade de pensamento","ou, ainda, de acordo com a fórmula prudente de Tzvctan Todorov, decerta memória cornurn.s' Entretanto, é difícil aceitar essa ideia, pois de

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um lado ela é empiricamente impossível c de outro é insustentável sobo ponto de vista. teórico, já que encobre urna tripla confusão: a primei-ra, entre as lembranças manifestadas (objetívadas) e as lembranças taiscorno são memorizadas; a segunda, entre a metamemóría e a memóriacoletiva: e a ˙ltima, entre o ato de memória e o conte˙do desse aro.

Desenvolverei meus argumentos a partir de dados etnográfícos re-colhidos cm Minot (Châtíllonnaís, Bourgogne) por Françoise Zonabcnd,concernente mais especificamente à relação entre os habitantes dessaaldeia e o cemitério:

As mulheres o visitam no domingo ou em algumas noites de verão."No domingo se diz: Vamos dar uma volta no cemitério, vamosolhar as tumbas. Vamos com as vizinhas, mas apenas aquelas quepossuem familiares enterrados ali" ; ser da aldeia não é apenas re-sidir ali, mas ter suas tumbas no cemitério. Passando de tumba emtumba, os anciãos leem as inscrições e recordam a vida dos defuntose é por ocasião desses passeios que se forja a memória da comu-nidade, que se transmite a todos a história das farnílías da aldeia. 56

Temos aí um bom exemplo de retórica holist.a. Após ter citadoalguns informantes (cujo n˙mero ignoramos), Françoise Zonabcndafuma que, por ocasião dos passeios que as mulheres de Mínot fazemno cemitério, a história das famílias ase transmite a todos", produzin-do e mantendo assim a "memória da comunidade". O que se podepensar dessa inferência? A primeira vista, a generalização da etnólogaé plausível, pois é provável que a visitação regular das tumbas do ce-mitério favoreça uma familiaridade COUl os desaparecidos, permitindo,assim, aos habitantes de Minor - ao menos a uma grande parte deles -,aqueles que "possuem familiares ali", construir e manter, por ocasiãodos repetidos passeios domínícaís, uma memória coletíva que poderiater o seguinte conte˙do: Fulano morreu em tal ano, tal linhagem foiextinta) os descendentes dessa familia deixaram a região} a defunta Xera amante do defunto Yetc. No entanto, se olharmos maís de perto,essa generalização parece discutível.

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É discutível e mesmo empiricamente impossível, porque um fatop˙blico supõe seu conhecimento comum por várias pessoas. Ora, ri-gorosamente falando, ':0 conhecimento comum de um falo por váriaspessoas é o conhecimento que possuem essas pessoas desse fato, doconhecimento que os outros possuem dele, do conhecimento que osoutros têm de seu próprio conhecimento desse fato etc.". ~7

É suficiente aprofundar um pouco mais essa lógica para que per-cebamos que se chega a um nível de conhecimento compartilhado queé inacessível. Em sentido estrito, um fato nunca é totalmente p˙blico.Contudo: do ponto de vista da Antropologia, que não é uma ciênciadura ou exata, mas uma ciência "flexÍvc1"68 exercendo sem complexoso princípio epistemológico da recíprocídade.f esse argumento é fraco,pois o pesquisador pode ver realizada essa reciprocidade apenas paraum primeiro nível do conhecimento do fato.

em argumento mais forte é o da confusão entre a evocação (aslembranças manifestadas quando são, por exemplo. verbalizadas outranscritas) e as lembranças propriamente ditas. As lembranças ma-nifestadas não se confundern com as lembranças tais como são con-servadas (e cujo conte˙do resta incerto: inclusive para os primeirosinteressados) e são apenas a expressão pardal entre outras tantas pos-síveis. Observando as variações da lembrança por ocasião de urna pes-quisa sobre a memória da revolta de 1947 em Madagáscar," MauríceBloch - que retomava assim uma intuição de Russel _,7: chegou à con-clusão de que não se poderia, em nenhum caso, "confundir a narrativade um acontecimento com a lembrança que guardam dele os particí-pantes", A parte da lembrança que é verbalizada (a evocação) não é atotalidade da lembrança. A descoberta da multiplicidade de lembran-ças possíveis de um mesmo acontecimento, estimuladas por contextosque mudam, tem um escopo antropológico considerável: ela mostraque "a presença do passado no presente é bem filais complexa, bemmenos explicita, mas talvez bem mais forte que a existência de nar-rativas explícitas nos poderia fazer crer"." O que não é expresso nas

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lembranças manifestadas, acrescenta Hloch, "tem significação social,pois ~ trata de um ativo colocado em reserva para futuras represen-tações sociais'; .''; É importante, portanto, distinguir entre competênciae performance da memória. Nesse sentido: toda tentativa de descrevera memória comum a todos os membros de um grupo a partir de suaslembranças, em um dado momento de suas vidas, é reducíonísta, poisela deixa na sombra aquilo que não é compartilhado.

Da confusão entre metarnemória e memória colctiva pode resultarigualmente a ilusão de uma memória compartilhada. É comum insistirsobre a necessidade de distinguir a proposição como fato e a proposi-ção propriamente dita, somente esta ˙ltima podendo ser julgada verda-deira ou falsa de acordo com a representação que fornece da realida-de. Enquanto a proposição propriamente dita "é o que é expresso porum enunciado, um pensamento ou uma escrita", a proposição comofato "é o fato, que isso seja dito, escrito ou pensado" .74 Ora, confundi-mos muitas vezes o fato de dizer, escrever ou pensar que existe umamemória coletiva - fato que é facilmente atestado - com a ideia de queo que é dito I pensado ou escrito dá conta da existência de uma memó-ria coletíva, Logo, confundimos o discurso metarnemoríal com aquiloque supomos que ele descreve. Quando vários informantes afirmamrecordar como eles acreditam que os outros recordam, a ˙nica coisaatestada é a metamemória coletiva, ou seja I eles acreditam se recordarda mesma maneira que os outros se recordam. Certamente, a proposi-ção como fato deve despertar a atenção do antropólogo: de um lado,a existência de um discurso metamemorial é um indicador precioso,revelador de uma relação particular que os membros de um grupoconsiderado mantêm com a representação que eles fazem da memóriadesse grupo, e, de outro lado, esse discurso pode ter efeitos performa-tivos sobre essa memória, pois, retomado por outros membros, essediscurso pode reuni-los cm um sentimento de que a memória coletivaexiste e, por esse mesmo movimento, conferir um fundamento realistaa e.sse sentimento." Ocorre aí uma espécie de "ratificação de um regis-

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Memô,,·a e identidade

tro"76 do trabalho de construção de uma realidade memorial. Contudo,cabe ao pesquisado não se enganar de nível de análise, identificandoessa meta memória com a memória colctiva. Por isso, num primeiromomento: deve-se fazer a distinção entre o dizer que há uma memóriacoletíva c realmente acreditar que ela exista, ou seja, ela existe no pla-no díscursivo, mas não no concreto, A rea1idade dessa memória: poroutro lado, parece poder ser deduzida da existência de atos de me-mória coletiva, existência facilmente verificável com a ajuda de dadosempíricos: comemorações, construções de museus, mitos, narrativas,passeios dominicais em um cemitério etc. Ora, a existência de atesde memória coletiva não é suficiente para atestar a realidade de umamemória coletiva. 1Jm grupo pode ter os mesmos marcos memoriaissem que por isso compartilhe as mesmas representações do passado.Por outro lado, é uma característica geral do símbolísrno cultural "secriar uma comunidade de interesses, mas não de opiniões".'; Se a pro-babilidade do compartilhamento total ou parcial dos atas de memória(o fato de se lembrar) é em geral elevada - esse compartilhamento éempiricamente verificável: por exemplo, desde um decreto de 3 de fe-vereiro de 1993, existe na França uma jornada nacional comemorativadas perseguições racistas e antissemítas cometidas durante o regimede Vichy, que a cada ano dá lugar a várias manifestações oficiais ecoletívas -, ele se diferencia das representações associadas a esses atos,quer dizer, o que é lembrado: nesse caso: a possihílidade de comparti-lhamento total é nula, a de compartilhamento parcial é fraca ou média.Mesmo que as lembranças se nutram da mesma fonte, a singularidadede cada cérebro humano faz com que eles não sigam necessariamen-te o mesmo cantinho. Os aros de memória decididos coletívamcntepodem delimitar uma área de circulação de lembranças, sem que porisso seja determinada a via que cada um vai seguir. Algumas vias sãoobjeto de uma adesão majoritária, mas memórias díssídentes preferidocaminhos transversais ou seguirão outros mal traçados. Assim, o com-partllhamcnto memorial será fraco ou quase inexistente.

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Enfim, mesmo que exista em uma determinada sociedade umconjunto de lembranças compartilhadas pelos seus membros, as se-quências individuais de evocação dessas lembranças serão possivel-mente diferentes, levando em consideração as escolhas que cada cé-rebro pode fazer no grande n˙mero de combinações da totalidadede sequências. Quando se refere à "multiplicidade de séries causaís?"na origem de UIU ato de memória, Halbwachs se equivocou em nãodistinguir a açào inicial da lembrança (a recordação de tal ou tal acon-tecimento a partir de índices efetívamente fornecidos pela sodedade)e o desenvolvimento da amnésia, sempre idiossincrática: tanto peloconte˙do C(JIllU pela maneira pela qual esse conte˙do é integrado noconjunto de outras representações do indivíduo,

Chegamos aqui a um argumento decisivo que é a incomunica-hilidade dos estados mentais, o que pode ser um problema antro-pológico. É quase certo, observa Lcach, "que dois observadores nàocompartilhem jamais a mesma experiência". 7~ "~ada indica que duaspessoas produzam a mesma interpretação do mesmo acontecimento:',observa Fredrik Barth," retomando assim o neurobiologista Gerard.!VI. Edelman, que lembra que a experiência fenomenológica "é umaquestão que .se refere à primeira pessoa' e que, por essa razão, nãopode ser compartilhada com os outros." Essa ideia é sustentada repe-tidamente por Russell: "0 conte˙do total de um espírito jamais é, pormais que possamos conhecê-lo empiricamente, exatamente parecidocom o conte˙do desse espírito em outro momento, ou de outro espí-rito não importa em qual momento" .82. Ele acrescenta ainda que "nãohá absolutamente nada que seja visto por dois espíritos simultanca-mente"." Nessas condições, o grau de pertinência das retóricas holistas(em geral) deve ser fortemente reduzido, e o da expressão "memóriap˙blica", pouco usada, se toma nulo.

Resumindo: mesmo que suponhamos que as representações rela-tivas a esses atos de memória são corretamente comunicadas e transmi-tidas, nada nos permite afirmar que são compartilhadas, Retomo aqui

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Memória e iderutdade

os trabalhos de Sperbcr sobre a epidemiologia das representações, quetêm por objeto não as representações por si próprias, mas seus proces-sos de distribuição: "Explicar a cultura é explicar L..] por que e comocertas ideias se contagíarn.?" Sperber distingue os processos intraindi-viduais e os processos interindividuais do pensamento e da memória,ou seja, entre as representações mentais e as representações p˙blicas.Ele coloca entre as primeiras as crenças) as intenções, as preferências,e entre as segundas os sinais, os enunciados, os textos, as imagens.Quando uma representação mental é comunicada de um indivíduoa outro - a maior parte permanece própria a um indivíduo - ela setransforma em representação p˙blica. Se esta rem um aspecto materialevidente," a descrição desse aspecto material "deixa na obscuridadeo essencial: o fato de que esses traços materiais são interpretáveis, sãocapazes de representar algo para alguérnt." A representação p˙blica,memorizadas é, portanto, transformada em representação mental pe-los destinatários: representação esta que, como todo estado mental, éa priori inacessível. Por consequência, se as representações p˙blicasdistribuídas são sempre transformadas em representações mentais ina-cessíveis, o grau de pertinência das retóricas hol istas corno supostadescrição do cornpartilhamcnto de representações será sempre impos-sível de ser avaliado.

Aplico aqui esse primeiro resultado aos dados etnográficos re-colhidos em Minot, Mesmo que os dados factuais que mencionamossejam efetivamente transmitidos a todos e mesmo que suponhamospossível definir essa totalidade (são as condições mínimas para poderfalar de "memória da comunidade"), a recordação que cada habitanteda aldeia terá de Fulano, de uma linhagem desaparecida; dos descen-dentes da família que deixaram a região ou as relações amorosas entreos defuntos X e Y diferirá em proporções menores ou maiores da me-mória de outro habitante em função de sua história pessoal, daquelade sua família, das características de sua própria memória biológicaetc. Se a lembrança desses acontecimentos (memória factual) pode ser

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Memória e identidade

compartilhada, suas representações (a memória semântica relativa aesses acontecimentos) permanece ídiossíncrâtíca." Nessas condições:o que pode significar a expressão "memória da comunidade"? Qual éo seu grau de pertínêncía?

Tal como afirma Sperber, urna representação p˙blica pode per-manecer relativamente estável em alguns casos límíte. De fato, umapequena proporção das representações comunicadas "o são de ma-neira repetida". Sperber retoma aqui uma tese de Fínley, para quem"a memória. coletiva, afinal, não é outra coisa que a transmissão, a umgrande n˙mero de indivíduos, das lembranças de um ˙nico homemou de alguns homens, repetidas vezes" .H~ Essas representações repe-tidas, por exemplo, por ocasião de um passeio semanal ao cemitério,difundem-se em uma população de maneira muitas vezes durável epassam a "constituir por excelência as representações culturais".89lJmarepresentação cultural "compreende um conjunto de representaçõesmentais e p˙blicas. Cada versão mental é o produto da interpretaçãode uma representação p˙h1ica que é ela própria a expressão de umarepresentação mental". O antropólogo pode

dar-se como objeto de estudo esses encadeamentos causais com-postos de representações mentais e de representações p˙blicas eprocurar explicar conjuntamente como os estados mentais dos or-ganismos humanos os levam a modificar seu entorno, em particu-lar emitindo sinais, e como essas modificações de seu entorno oslevam a modificar seus estados mentais."

Por certo, esses ˙ltimos permanecem a priori inacessíveis, e poressa razão Sperber não crê que seja possível propor uma grande teoriaunificada de dístríbuíção das representações tais como, por exemplo,as classificações populares, os mitos, as formas artísticas, os rituais etc.,e eu acrescentaria as lembranças ..Mas, ele conclui, "é uma prática cien-tílica comum a de completar as observações com as hipóteses sobreas entidades que não foram observadas, ou que são ínobserváveis" .91

Permito-me, então, a seguinte hipótese provisória, em nada popperia-

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Memôrta (? ideruidade

na: sob certas condições sociais, qualificadas por Sperber de "fatoresecológicos" e que vão interagir com os fatores psícológícos," certosestados mentais podem ser compartilhados pelos membros de um gru-pO.93 Nesse caso: as retóricas holistas, tais como a "memória coletíva"ou "identidade cultural", terão certo grau de pertinência.

A distinção estabelecida por Sperber entre representações men-tais e representações p˙blicas apresenta UIll grande interesse teórico,mas a natureza e a extensão do compartilhamento de representaçõesp˙blicas continuam imprecisas. lanto mais quando se admite que arepetição nunca impediu a variação. É provável que não dissipemostotalmente essa imprecisão, mas pOdCIIlOS progredir, creio eu, fazendooutra distinção, que é a que proponho entre as representaçõesfactuais,que são representações relativas à existência de certos fatos, e as repre-sentações semânticas, que são as representações relativas ao sentidoatribuído a esses mesmos fatos,?' Quando uma retórica holista remete arepresentaçõesfactuaissupostaIuente compartilhadas por um grupo deindivíduos, há uma forte probabilidade de que seu grau de pertinênciaseja elevado. Quando unia representação holista remete a representa-ções semânticas supostamente compartilhadas por um grupo de indiví-duos (por exemplo, as representações relativas aos dados factuais): háuma forte probabilidade para que seu grau de pertinência seja fraco ounulo. Em Antropologia, esse ˙ltimo caso é o mais interessante: porqueele permite formular hipóteses menos triviais que aquelas alusivas ape-nas à suposta comunidade de representações factuais. De fato, levantara hipótese de que todos os franceses compartilham a memória de fatoshistóricos, como, por exemplo, a Ocupação ou a morte de Charles deGaulle, não é correr grandes riscos. Admitamos que todos os franceses(digamos "quase todOS:1)95 sabem que a França esteve ocupada duran-te a Segunda Guerra Mundial ou que De Gaulle morreu (mesmo queuma grande parte tenha provavelmente esquecido a data precisa desua morte). Podemos dizer, po rtanto, que há uma forma de memóriacoletiva desses fatos históricos. Sob esse ângulo: evocar "a memória

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Memôrta e identidade

dos franceses"? terá um forte grau de pertinência: mas aquele que autiliza triunfará sem glória, pois terá. arriscado pouco! Ao contrário, senos interessamos pelos significados que os franceses conferem a essesacontecimentos, verificamos que o compartílhamento destes por todosos franceses se torna muito problemático. É a esse tipo de problemaque devemos investír nossos esforços de pesquisa. Quando afirmoque, no caso das representações semânticas: há uma forte probabilida-de de que o grau de pertinência seja fraco ou mesmo nulo, a noção deprobabilidade indica bem que não há nenhum automatismo que fariacom que todas as retóricas holístas aplicadas a essas representaçõesfossem pertinentes. É provável, mas não é seguro. Então, que hipó-teses poderíamos formular para tentar responder à seguinte questão:corno avaliar o grau de pertinência elas retóricas holistas aplicadas 1) àsrepresentações factuais e 2) às representações semânticas?

Argumentarei a partir de uma dístínção que faz Vincent Des-combes no preâmbulo de sua tese sobre o "holismo antropológico"."Descombes opõe os termos (acontecimentos) naturais aos telIDOS(acontecimentos) intencionais, oposição que intercepta, em parte,aquela que faz Sperber entre a descrição e a interpretaçào. Os termosnaturais são constatações Cu Chove"), ao passo que os termos intencío-nais são discursos sobre supostas constatações: "Diz-se que chove".Quando o acontecimento (do fenômeno) não é dito "ser dito", o com-partilhamcnto acontece quase por si só. Se eu cair da escada ao sairda universidade, todos os que testemunharam essa queda (estudantes,colegas: transeuntes) compartilharão comigo, sem d˙vida, da ideia -ou seja, uma forma de representação factual - de que eu caí. Eu seriasimplesmente um pouco mais "sensível" que eles a esse acontecímcn-to. A nenhum espectador ocorreria dizer: "Ele disse que caiu', Por ou-tro lado, isso seria possível para uma pessoa a quem se contasse esseincidente, mas que nào tivesse assistido à cena: não tendo ela mesmaconstatado o incidente: deveria imaginar a queda cm questão.

Com essa ideia da constatação dispomos de um primeiro critério,o que permite avaliar a pertinência de uma retórica holista. Quando

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Memória e identidade

esta pressupõe o compartilhamento por todos os membros de umgrupo da crença em fenômenos derivados da constatação, podemossupor que seu grau de pertinência é elevado.

Contudo, o estatuto da constatação não é evidente! pois dependeestreitamente da significação acordada por cada indivíduo às palavrasutilizadas paI"d.estabelecer a constaração", e é com frequência relati-vo a um sistema de valores, crenças e teorias diversas." Isso tem porconsequência que, se de UIn ponto de vista puramente teórico pode-mos definir com rigor os acontecimentos naturais ou intencionais, naprática se passa muito facilmente de uns para outros. Suponhamos aseguinte constatação feita por um médico ateu ao observar um cor-po sem vida, em presença de outro testemunho: "Esse indivíduo estámorto". É, a priori, um enunciado "natural" relativo a um indivíduofalecido, mas para o testemunho, que imaginamos crente na vida eter-na, essa constatação pode ser: "O médico diz que esse indivíduo estámorto" (enunciado intencional que exprime a representação de umdado factual). O que caracteriza a passagem do primeiro ao segundoenunciado e que os distingue radicalmente um do outro é a irrupçãoda d˙vida ou: mais cxatamente, a aparição das condições que tomampossível essa d˙vida: ioo porque o testemunho é crente, ele não acredita(ele duvida) que a pessoa esteja realmente morta; como afirma o médi-co que acaba de constatar seu faleci-mento. Tomemos outro exemplo:o acontecímento "O sol se eleva', considerado como um acontecimentonatural por muitos, será qualificado por um astrónomo como aconteci-mento intencional ("Eles dizem que o sol se elevei'), pois ele sabe muitobem que o sol não "se eleua', Como dispõe de um saber, o astrónomopode colocar eln d˙vida (e mesmo refutar) outro saber compartilhadopor UIn grupo de indivíduos e, por essa razão, introduzir o ceticismono espírito de urna parte dos membros desse grupo.

A irrupção da possibilidade da d˙vida no grupo fragilizará oumesmo arruinará uma retórica holista do tipo: a Os camponeses conside-ram que o sol se eleva", Tomo um ˙ltimo exemplo: o de qualquer seita

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Memória e identidade

crente na proximidade do fim do mundo. É possível que a nenhummembro dessa seita ocorra de colocar cm d˙vida essa crença. 1:0 imi-nente fifi do mundo" será então considerado como um acontecimentonatural no interior do grupo em questão. Entretanto, ocorrerá algomuito diferente desde que submetido ao olhar de outro. Encontramos,então, os limites das retóricas holistas fundadas sobre a hipótese daexistência de acontecimentos "naturalizados;' (isto é, que não são pos-tos em d˙vida) por todos os membros de um grupo, pois, corno sabe-mos, não existe um grupo fechado. 10: Em todo grupo, os enunciadossão sempre submetidos em um momento ou outro a um julgamentoexterior e correm, assim, o risco de ver germinar a d˙vida (desencan-tamento, "desnaturalízação" dos acontecimentos), d˙vida que pode serintroduzida em LLIll primeiro momento pelos indivíduos estrangeirosao grupo considerado e difundida eventualmente pelos membros dogrupo que foram convencidos por esses indivíduos. Isso justifica osesforços feitos pelas seitas para se proteger de toda influência exte-rior: em urna seita que conseguisse impedir toda irrupção da d˙vidagraças ao isolamento total de seus membros, o grau de pertinênciasdas retóricas holístas utilizado para descrevê-la seria muito elevado.Ao contrário, quando a possibilidade da d˙vida existe, a utilização dasretóricas holisras se toma arriscada. Com a noção de "colocar em d˙vi-da" dispõe-se, por consequência, de um segundo critério, permitindoestabelecer as condições de pertinência de uma retórica holista.

Colocar em d˙vida é quando em um determinado grupo ummembro qualquer pode dizer: a respeito das crenças ou representa-ções aparentemente compartilhadas: "Diz-se que ..." ou ;'É dito que..."l

tornando assim distância em relação a essas crenças ou representa-ções. :02 Logo, cada vez que é dito "ser dito" (mesmo por uma ˙ni-ca pessoa no interior de um determinado grupo), a unanimidade éimpossível, o pressuposto do compartilhamento (de ideias, crenças elembranças) que veicula as retóricas holistas se torna problemático) oque não significa que esse pressuposto seja totalmente equivocado.

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Memória e ideruidade

Em diversas sociedades, algumas pessoas compartilham incontesta-velmente a ideia de que Deus existe: que não se deve comer porco:que suas nações encontram sua origem em talou tal acontecimentohistórico, que a ascensão social é Uln objetivo a ser perseguido, que oshomens possuem direitos etc. Algumas pessoas, mas certamente nãotodas as pessoas. Sempre é possível imaginar que CID uma sociedadede crentes alguém duvide da existência de um ser divino, que em umasociedade muçulmana UIn indivíduo coma carne de porco, que emuma sociedade ocidental alguns desdenhem da ascensão social: quena nação francesa uma grande parte desconheça Valmy etc.

Mesmo nas sociedades simples, estudadas pelos antropólogos,é possível afirmar que todos os membros, sem nenhuma exceção,creem em tal mito fundador.!" reconheçam-se em talou tal rito etc.?Responder afirmativamente supõe que o antropólogo tenha procedidouma pesquisa com entrevistas profundas com cada membro da socie-dade considerada, e não apenas com alguns informantes, como ocorrefrequentemente. Sem isso devemos, com todo ° rigor, considerar ahipótese de que o compartílharnento (crenças, representações) possaser parcial, relativo a urna parte somente do grupo. A hipótese mesmado compartilhamento deve ser vista mais de perto. Podemos admitir:em linhas gerais, que em talou tal sociedade as pessoas acreditemCIU Deus, que em outra as pessoas acreditem que não se pode comercarne de porco etc. "Em linhas gerais", mas não em detalhes, pois oque sabemos nós das modalidades individuais dessa crença? Nada, oumuito pouco, que mais não seja porque cada cérebro é ˙nico, o quepermite supor o caráter individual de todas as representações.

Após ter esgotado todo nleu arsenal de argumentos "anti-holistas",busco ver as afirmações das ideias expressas anteriormente, observan-do que: 1) o "contágio das ideias': ocorre, sem d˙vida mais facilmente,em um grupo de menor n˙mero de indivíduos do que em outro demaior tamanho; 2) no primeiro caso é mais fácil ao pesquisador contro-lar a realidade desse compartilhamento que no segundo. Observarei,

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Memória e identidade

portanto, que ° tamanho do grupo é UIll terceiro critério que permiteformular as hipóteses sobre o gn..1U de pertinência das retóricas holístas.

Em resumo, formulo duas hipóteses que integram os diferentescritérios de pertinência que propus: 1) Quando as retóricas holistaspressupõem o compartilhamento de representações factuais por todosos membros de um grupo, seu grau de pertinência é proporcionalà frequência da repetição dessas representações e Inversamente pro-porcional ao tamanho do grupo considerado; 2) Quando as retóricasholístas pressupõem o compartílharncnro de representações semânti-cas, seu grau de pertinência é sempre inferior ao das retóricas holís-tas aplicadas às representações factuais e é igualmente proporcionalà frequência da repetição dessas representações e inversamente pro-porcional ao tamanho do grupo e sua permeabilidade à d˙vida. Apermeabilidade à d˙vida dependerá por vezes de fatores internos aogrupo (por exemplo, o carisma maior ou menor do líder do grupo oua existência de condições que permitem que se constituam grandescategorias organizadoras de representações factuais e semânticas) ede fatores externos (frequência e intensidade da ínteração com outrosgrupos, por exemplo).

Entre as categorias organ izadoras de representações vou privile-giar aqui a memória. Seu efeito será proporcional a sua força. Deno-mino memória forte'?' uma memória rnassiva, coerente, compacta eprofunda! que se impõe a uma grande maioria dos membros de umgrupo, qualquer que seja seu tamanho, sabendo que a possibilidadede encontrar tal memória é maior quando o grupo é menor. Umamemória forte é uma memória organizadora no sentido de que é umadimensão importante da estruturação de um grupo e, por exemplo,da representação que ele vai ter de sua própria identidade. Quandoessa memória é própria de um grupo extenso: falarei de uma grandememória organizadora.

Denomino memória fraca uma memória sem contornos bem de-finídos, difusa e superficial, que é dificilmente compartilhada por um

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conjunto de indivíduos cuja identidade coletiva é, por esse mesmofato, relativamente inatingível. Lma memória fraca pode ser desorga-nizadora no sentido de que pode contribuir para a desestruturação deum grupo.

Por vezes, essa debilidade da memória não é ontológica: em ummomento histórico particular, não pode prover de sua capacidade deorganizar e estruturar o grupo social por razões vinculadas às mutaçõesque o mesmo possa ter sofrido. É o que parece acontecer em diversospaíses modernos que apresentam formas antigas de memória religiosa.Na realidade, essa oposição não é assim tão demarcada e se observam,na maior parte do tempo, grupos que se organizam em tomo de me-mórias que tendem a se fortalecer e conjuntos de indivíduos que evo-luem no quadro de memórias em via de desaparecimento. O grau depertinência das retóricas holistas será sempre mais elevado na presençade uma memória forte, vigorosa, do que de urna Iraca, inconsistente.

É possível alimentar essas hipóteses e enriquecer essas definiçõescom certas observações de Maurice Halbwachs:

[...] ao passo que é fácil se fazer esquecer cm uma grande cidade,os habitantes de uma aldeia não cessam ele se observarem, e amemória de seu grupo registra fielmente tudo o que pode alcançardos fatos e gestos de cada um deles, porque eles agem sobre essapequena comunidade e contribuem para modificá-la.

Em meios como esse, acrescenta o autor: "todos os indivíduosse recordam e pensam em comum" ,1:15 Existe, assim, para adotar umalinguagem weberiana, urna socialização da memóría, que pode serobjetiva quando se trata de uma memória factual c que é, pelo menos,o sentimento subjetivo que os membros de um grupo possuem decompartilhar a mesma memória. lOS

As sociedades caracterizadas por um forte e denso conhecimentorecíproco entre seus membros são, portanto, mais propícias à consti-tuição de uma memória colctíva - que sem nesse caso uma memóriaorganizadora forte - do que as grandes megalópoles anónimas . Nesse

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Memória e identidade

sentido, podemos qualificá-las como meios de memória, b mutatismutandis o mesmo fenômeno que se produz no interior de uma famí-lia concebida como um "grupo de pessoas diferenciadas": mas no qualé exercido um controle permanente. De fato, observa Halbwachs. nãoexiste meio "onde a personalidade de cada homem se encontre maisdemarcada", mas é também um meio fechado no interior do qual, "porocasião dos contatos cotidianos que ternos um; com os outros, nos ob-servamos mais longamente e sobre lodos os aspectos'v-?' o que podefavorecer a emergência de uma memória familiar.

De fato, cada vez qu~ no interior de um grupo restrito as memóriasindividuais querem e podem se abrir facilmente urnas às outras, comonos casos em que existe uma "escuta cornpartílhada'<" visando os mes-mos objetos (por exemplo, monumentos, comcmoracóes, lugares queterão o papel de "ponto de apoio", de "sementes da recordação"), 1()9

percebe-se então uma focalização cultural e homogeneização parcialdas representações do passado, processo que permite supor um com-partílhamento da memória em proporções maiores ou menores.!" As-sim, como bem mostra Jean-Pierre Vernant, na Grécia arcaica se consti-tui uma memória comum dos heróis-dcf untos e esta é mantida presenteno interior do grupo graças à epopeia, a memória do canto "repetidaa todas as orelhas", estabelecendo uma relação entre a comunidadedos vivos e o indivíduo morto, que entra: então, no "domínio p˙blico".

A memorização coletiva é possível, pois o contexto é aquele deurna memória forte enraizada em urna tradição cultural- a glorificaçãoe elogio dos heróis - "que serve de cimento ao conjunto dos helenos,em que eles se reconhecem a si mesmos porque é apenas através dagestão dos personagens desaparecidos que suas próprias existênciassociais adquirem sentido, valor e continuidade". É a glória imortal,não perecível, que se canta aos vivos, aqueles que não concebem suaprópria identidade "a não ser por referência ao exemplo hcroico" Y 1

Nesse sentido ainda, Patrick]. Geary descreveu a eficácia dascomunidades textuais de monges e escribas que, ao final do primei-

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Memõna e identidade

ro milênio, forjaram uma memória coletiva - memória compartilhadaessencialmente pelos clérigos e principes -, manipulando cartas (mo-dificações, destruições, acréscimos, dissimulações etc.). De novo, asmemórias individuais se abriam umas às outras visando um mesmoobjeto, que era o poder, e se unindo produziam uma memória com-partilhada, "espécie de meio no qual se forma a identidade". Mas se amemória coletíva é isso, enfatiza Geary, há uma boa razão:

[...] lunge de ser o compartílhamento espontâneo de uma experiên-cia viva e transmitida, a memória coletiva foi também orquestrada,não menos que a memória histórica, como uma estratégia favore-cendo a solidariedade e mobilização de um grupo através de umprocesso permanente de eliminação e cscolha.!"

Uma memória verdadeiramente compartilhada se constrói e refor-ça deliberadamente por triagens, acréscimos e eliminações feitas sobreas heranças. Pude verificar isso por ocasião de uma pesquisa sobre amemória dos odores e saberes profissionais."! Meus informantes eramperfumistas que exerciam sua profissão em pequenos grupos em queas trocas eram intensas e nos quais existia uma memória organizadoraforte. No processo de constituição de uma memória compartilhada,pude observar a importância que tinha, por vezes, objetivos comunsc essa abertura recíproca de memórias individuais. De fato, durante assessões coletívas de aprendizagem e treinamento, os "narizes" fazemcorresponder certos adjetívos - uerde, fruta do: florido, amadeirado,animal, balsâmico, oriental, cítrico etc. - às sensações experimentadasao se aspirarem os componentes utilizados para a criação de perfumes.O objetivo, dizem eles, é chegar progressivamente "a usar os mesmosadjeuoos'. O léxico é por vezes aleatório C'teruamos dar um nome'),mas é o contexto da enunciação: quer dizer, a situação de descriçãoda experiência olfativa que é o determinante. Quando essa situação éde cornpartilhamento da experiência olfativa, as tentativas de descriçãoda mesma (que são tentativas de redução da diferença entre o odorpercebido e o odor nomeado) serão controladas coletivarnente e assim

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Memória e identidade

progressivamente focalizadas pela ajuda de uma denominação consen-sual que poderá ser memorizada, pronta a ser utilizada por ocasião deuma experiência posterior.

Para empregar uma linguagem fotográfica, há um "enquadrarnen-to" sensorial, uma orientação, uma objetivação progressivamente com-partilhada por aqueles que vivem juntos a mesma experiência olfativa.A incorporação da experiência se conjuga com a sua descrição verbal,objetivando chegar a uma harmonia olfativa no quadro de um trabalhode equipe no qual os perfumistas se esforçam por "estabilizar" um lé-xico. A partir de um caos sensorial originário, a objetívação léxica pro-gressivamente compartilhada permite identificar as confluências entreos m˙ltiplos sinais olfativos, ajudando a construir formas olfativas per-tinentes para o exercício da profissão: o tom verde, aquoso, leve etc.Há, assím , urna construção empírica de ordem classiticatória própriaao grupo de perfumistas considerados. Uma vez colocada em prática,essas formas olfativas serão memorizadas, reconhecidas e tomar-se-aooperatórias. Pode-se então afirmar a existência, nesse caso, de umaforma de memória coletiva,

Essa pesquisa nos mostra que não pode haver construção de umamemória coletiva se as memórias individuais não se ahrem umas às ou-tras visando objetivos comuns, tendo um mesmo horizonte de ação. Issoé evidentemente mais fácil em grupos menores) corno I por exemplo, asfamílias cuja trama memorial é o objeto de trabalho de Anne Muxel.!"Nesses grupos nos quais, para falar de termos durkhciminianos, a pro-ba bílídade de uma solidariedade de tipo mecânico é mais elevada:a cultura, "memória oral e aura", "se tece entre a boca e a orelhar.l"

Hesitando entre uma concepção positivista 116 da memória segun-do a qual, COIllO critica Roger Bastíde, "tudo o que não é fisiológicoé sociológico"!" e um individualismo mínimo que "consiste em des-crever o individuo como sendo exclusivamente a sede ou o pontode passagem de forças ou ideias coletivas" ,118 Maurice Halbwachs seequivocou em ver nas memórias individuais os 'fragmentos'?" da me-

Memôria e idenudade

mória coletiva, conferindo a essa a substância 120 com a qual tende adespojar as primeiras, Mas Teve razão em insistir sobre a importânciados quadros sociais que fazem com que "uma corrente de pensarnen-to social [...] tão invisível quanto o ar que respiramos"!" irrigue todarememoração. A evocação, observa Maurice Bloch, implica em umacomunicação com o outro e, no curso desse processo, a lembrançaindividual, sem cessar, submetida às transformações e reformulações,"perde seu caráter isolado, independente e individual. "1:'::': Nesse sen-tido, observa Daniêle Hervieu-Légcr, a memória coletiva "funcionacomo uma instância de regulação da lembrança individuar' .1l:~ Os qua-dros sociais facilitam tanto a memorização COlTIOa evocação (ou o es-quecimento) - "podemos nos apoiar sobre a memória dos outros" _124

os oríentam+" conferindo-lhes urna "luz de sentido":25 comandadapela visão de mundo arual da sociedade considerada. Nisso toda a me-mória é social, mas não necessariamente coletiva - c em alguns casose apenas sob certas condições se produzem "interferências coletivas''que permitem a abertura recíproca, a inter-relaçào, a interpenetraçãoe a concordância mais 011 menos profunda de memórias individuais.Quando os caminhos tornados por estas se cruzam c se confundem,esse encontro confere alguma pertinência à noção de memória coletí-va que, nesse momento, dá conta de uma relativa permeabilidade deconsciências, em certos casos excepcionais e provisórias, de sua "fu-são"!" e da convergência perfeita entre as representações do passadoelaboradas por cada indivíduo.l" Quanto maior essa convergência,maior será aquela das representações identítãrías e mais pertinenteserá a retórica holista. Ao final, a memória coletiva segue as leis dasmemórias individuais que, permanentemente, mais ou menos influen-ciada pelos marcos de pensamento e experiência da sociedade global,se re˙nem c se dividem, se encontram c se perdem, se separam cse confundem, se aproximam c se distanciam, m˙ltiplas combinaçõesque formam, assim, configurações memoriais mais ou menos estáveis,duráveis e homogêneas.

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Memoria e identidade

Comecei esta secão de maneira injusta no que se refere à FrançoiseZonabend, isolando o texto citado da pesquisa etnográfica, particular-mente rica e sutil, Assim: a fim de restabelecer o equilíbrio, concluireieste capítulo ressaltando o imenso interesse de sua pesquisa que, in-contestavelmente, colocou enl evidência os fenômenos de memóriascompartilhadas na aldeia de Minor, mesmo se o compartilhamento nãoé assim tão grande quanto ela deixa por vezes transparecer. A autoratermina o seu livro, La mémoire longue, com as seguintes observações.

Nem encarregado de explicar o presente ou prever o futuro, nemestagnando sob o peso do passado, esse tempo da coletividade

tem a função de criar uma duração própria na qual o grupo sereencontre semelhante a si próprio. Estabilidade necessária, singu-laridade exemplar na qual cada grupo inventa sua própria história,possui urna memória que lhe pertence e difere fundamentalmentedaquela do grupo vizinho, De fato, nas sociedades nas quais asformas de sodabilidade exaltam a diferença, esse tempo serve parapensar o outro. A memória coletíva aparece como um discurso dealteridade no qual a possessão de uma história que não se compar-tilha confere ao grupo sua ídentídade."?

A memória coletíva, como a identidade da qual ela é o combustí-vel, não existe se não diferencialmente, em uma relação sempre mutá-vel mantida com o outro. Mas, se existe o compartilhamento memorial,não seria porque Minor é um meio no qual operam ainda memóriasfortes e estruturadas, o que justífica a utilízação de retóricas holístaspelos pesquisadores? Ao longo desta obra tentarei apontar sistemática-mente, de um lado, as situações caracterizadas por uma memóría fortesuscetível de contribuir para a construção de tuna identidade coletívaou, de acordo com os termos de Malraux, de uma "consciência deconjunto" e, de outro lado, as situações de memória fraca, de naturezaa favorecer uma dissolução ou um colapso de ídentídades.

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Memória e 1d2,ttidade

NOTAS

I No livro .1nlbropoJogtil (Ú.1 UI mémoire (Paris, ?lIF, 1996, p. n) eu precisei exatamerue os llmítesdesse campo. Neste livro, retomo algumas passagem; curtas da obra citada. buscando desen-volvê-las no que diz respeito à relacão entre memória e identidade.Míchel Dum ..nett, ./..($ origines de lapbilosopbte analytique, Paris. GaJlimard, 1991, p. 118.

3 Sobre esses saberes e essas experiências ímplícítas, ver Maurice Bloch. "Le Cognitif ct l'ethno-graphíque", Gradbtva., 17, 1995, ):). 4[).

4 Henri Bergson, Matiére et mémoire. Paris. PIIF. 1939 (L ed. 1896), p. R6-87Marcel jousse, .:1nthrofXJlngie du gesse, Paris, Galíímard, 1974, p. 75.

~ Ver Paul Connerton, 1-/00' societies remember, Cambridge, Cambridge Uníversírv Press, 1989,índex, 122p.

, Sobre a circunsiçâo como inscrição na carne da lembrança de ancestrais e <.10 sentido de umdestino comum, ver Patricia. Hídiroglou, 'La transmíssíon du iudaísme à travers 'es rituels:l'cxcmple de la círconcision'', h"tbnologie r;k.r;latis rell8'eux en Europe, Paris, eras. p. 242.Georges Vígnaux, Les sctences cogniute«. Une iruroduction, Paris, La Découvertc, 1992, p. 199.

, André Leroi-Gourhan, IR.g(>.sIe et la parole, n: la mémoire et les rytbmes, Paris, Albín Míchel,1964, p. 27.

10 Nicolas Dodier, Is...belle Baszanger, "Totalisation et ahenté dans l'enquêre ethnographíque",Reuue Prançaise de 5ocioJogJe, lOCoC\111, 1997, p. 58, n. 26.

:1 Pierre HéraLL'IL: lÍiement.s d 'une théori,; de la trem.'imi.tt;ionsociale. Dossiê de síntese reórica feitopara o exame de habilítação a orientar teses. Universíté de Nice, [an. 1995, p. 303

•• PaSCl), Pensões; Brunschvícg, 252, M. Halbw r achs, Las cadressociaux dela mémoire, op. cit., p, 14B ..s Gregory Bateson, La cérémrmie du Naoen, PW, Minuit, 1971. p. 229.14 E o qUI;! mostra Maurice Bloch entre os zaflrnanirys de ~ga.scar cujo cornportarrento aresta

que possuem - no sentido de memória - o conceito de "grupo de aliados dentre 05 quais nor-malmente procuraremos nossas esposas", sem que haja urna palavra exata para designar isso,Essa conceítualízacão não verbalizada t: transmitida por ocasião da socialização na primeiraínfância, sendo exemplo disso a íncuacão a que os bebês mamem no seio de OllCr:.1.S mulheresque não o de sua mãe, mulheres que "pertencem quase sempre à mesma metade da aldeia".Essa pratica coruribui, sem. que a criança se dê conta, "à formação de urna conceírualízacão nãoverbalizada das duas metades ela aldeia e de relações .. que mantêm entre elas". M. Bloch. op.cít., p. 52-53. Em outro registro, aquele da conceitualízaçào não verbalizada da morte - uu. maisexatarnenre, dos mortos - entre os manouches, ver PaUick william.'! "Nous, ou n 'en parlt: pus ",Le: cioarus et Jesmorts chez Ies Manoucbes, Paris, ~1aison deli Sciences de l'Hornme, 1993, 11Op.

lj Pi.eIT~ Bourdíeu, Ie sens pratique, Paris, .Minuit, 19M, p. 115-123.16 P. Bourdleu, Médiati071S pascattennes, Paris, Seu ii, 1997, p, 16~.17 Idem, p. 166.1.8 Idem, p. 79.:9 Idem, p. 251.lO E. Tulving, apud Guy Tíbergheín, IA mémoire oubliée, Sprimont, Mardaga, 1997. p. 117.II A. Muxel, op, cít., p. 116 e 130.n .A. Lerui-Gourhan, op. cít., p. 6376.~ 'Metamemoría: lo que cada suieto sabe sobre 811 própria memória" I apud ]nsé Jlménez, Memo-

na, Madrid. Ed. TCOlOS, 1996, p. 24. A metamemória é uma forma de "metarrepresentação",quer dizer, "urna representação da ordem superior de uma representaçao de um estado d.1S

coisas", Pierre Jacob, Porquoi les cboses ont-elles um .s(..~J.S?,Paris, Odile J2.{'OO, 1997, p. 'i5.II A. Maxel, op. de, p. 13.

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Mc>nu:ma e Identidade

~5 1'0::: exemplo. "quando damos ênfase a certas histórias que nos envolvem díretamente, nosentido de afirmar nossa identidade' (P. Antze, ~1. Iambek, cp. dl., p. xvi).

'1J. Sobre esse ponrover.porexemplc, Norberr êlías, Úlsocietéde.sindividus,Pari.5,Fayard.1991,p. '56.r "[...1 consciousness <lJ1C me.nory C<1.,,'1 only be realized by an lndlvídual who acts, L.<; aware. and

rcrnernbcrs. JJst as a natícn cannoi eai or dance, neither can it speak 01' rernember. Remernbe-ríng is :1 mental act, and therefore it is absoluteiy and cornplete.y personal", Amos Funkcístein,"Colleetive Mernory and Hístorical Cocscíousness", History and "I.fp.mo~/, 1. primavera/verão1969. p. 6. V\..T ainda Gecffrey E. R. Loyd, "Les cornmunautés ne pensent pas, t'oellls les indívi-dus pensenr", em Paur en ftntr auec ies mentalttés; Paris, La Découverte, 1993 e 1996, p. 17

28 François Récanari, Ia tmnsparence et l'énonctatton. Pour iruroauire ii la prugmatíquí!, Paris,Seuil, 1979, p. 54. Porém, em alguns casos, I) nome memória designando a faculdade indi-vidual de memória pode ser metafórico, corno, por exemplo, quando se utiliza a metáfora"espaclal'' da memória, ·C".Jruralmente determinada pela natureza técnica dos meios sociais dearquivamento". G. Tiberghein. op. dr., p. A.

•9 Um ˙nico exemplo: "A Saínt-Denís, l'írnplosion de la narre HTM 'R3' réveílle la mêmotre duquartier, LeMcnde, 1-2 OUl. 199'5.

,II André Greer; delíne identidade a partir de três caracterísucas: constância, unidade, reconhe-cimento do mesmo. Em Claude Lévi-Strauss (org.), J. 'id(mtü~, Paris, !>l~, 19H3, p. 82. Não medemorarei sobre o que pode ser paradoxal em tentar definir identidade, o que, ru-: acordo comas teorias mais corr..umcmc aceitas, não cessa de se desfazer para renascer sob outras e novasformas.

31 Sobre esse ponto, ....er Douglas Hofsradrer e Daniel Dennet, v'ues de l'espru. Pantaisies el ré-flesions sur l'êtree: fume, Paris, lmerfditioos, 198/, p. 17.

•~l Para Mauríoe Ilalbwachs a memória coletiva sugen; que o grupo permanece o mesmo porqueela é "um quadro de semelhança ..". La m~m(){r'e coueane, Paris, P:'1', 1950, p. 78.

M De acordo com Arisooteles, metaforizar é "perceber a semelhança".~ "Não hã comunidade que não seja ímagmada". Benedict Andersen, [.'imaginaire national;

Pane;, 1.3Découverte, 1996, p. 20.!5 Ernesr (',.ellner, apud Pierre Bimbaum e Jean Leca, Sur findtvid~iali:;mr!, Paris, Prcsscs de la

Fondatíon Natíonale des Scienoes Politiques, 1986, p 38.>4! Por exemplo, o peso de certos L--aÇQsculturais. tais COl1:0 a língua, 05 hábitos indumenráríos

etc., na construção de identidades, depende das relações subieuvas que os membros dosgrupos em ínteração estabelecem com essas características (lbletivas. relações subíetívas que opesquisador tem J.X.lrtarefa obíetívar .

..; Por uma atualízação das teorias relativas a urna fOIlDA particular de identidade a etnicidade-.ver P. Poutlgnat e ). Streííf-Penart. op. dt.; ver igualmente Gero Baumman e Tlujl Sunicr,Post-migranon etbnicity, De-essentializing cobesion commitments and comparison, Amsrer-dam, Het Spinhuis I'ublísher, 1995, 188p.

~ Michel Oriol (org.), IRs iariations de tiar.mtW Étude de l'é!..rolutwn de l'identité culturelte desenfants d'ermgrés portu.gais cn Prancc et au Portugal, Relatório fina] da "'''', CHIt" 054, Nice,1984, v, 1, p. 9l.

JI Fredrik Barrh, em P. Poutígnat e J. Streíff-Fenarc, op, cu., p. lU.~) AIK\JIl!:iexemplos: ."[...) identidade e um tipo de espaço virmal cuja referência é mdíspensâvel

para explicar um certo n˙mero de coisas, mas sem que lenha jamais uma ex:5tênda real" (C.Lévi-Strauss, 0r. cít., p. 331). "A singularidade, a unicidade J~ todo homem e de todo o gru-po sào ficções protegidas por uma rnnemorécníca e não por uma essência ídentítâria" (MarcFumaroli, ·'Je est un autre': leurres d'identité", Di6gene, 1997, n. 177, p. 122). Citemos aíndaJ. JlIIléncz, "identidade: Iíccíén entrevista que germina en eI vigoroso oleaje del recnerdo",op. cít., p. 34; ou Paul Veyne evocando: "as identidades pretendidas" em ''L'interprétation et

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Memór.a e tdentidade

:'inlerpretc. A propos des choses de la religion", Enquéte, n. 3, 11)1)6, p. 260. Ver ainda L'illusionid,mtjtaire, obra recente de jcan-Françoís Bayart na qual ele se entrega a uma crâíca sístcmâti-C1 de cunho cuhuralísta. De acordo com suas teses, as kíentidades prímcidíaís existem apenascomo "fatos de consciência e como regimes de suojetlv.dade. mais do que estruturas propriamente" (Paris, Fayard, 1996. p. 1(1).

·11 w. V. Quiné, Quiddit6s.Diçlionnatrepbili>.wphiqueparil·t!enr.ittence, Paris Seuíl, 1992, p. :l11.•1..: Toda .. as citações deste parágrafn provêm da obra publicada sob a direçào de Víncent de

Coorebyter, RhétOriqf~ de la Science, Paris, PL"F, 1994, p. 2-3. Sobre a função da retórica nasCiências Humanas, vet igualmente Francis Affergan, La pluralité des mondes. Van w'.e atureantbropoíogte, Paris, Albin Michel: 1997, p. 35. Para uma aná.ise mais profunda da retórica decescriçào em AnLropologia. ver Clifford Gcertz, Jc.;i et lã-bas. L 'an!hropulog:le cmnme auteur,Paris, Métaili~, 1996. 156p.

'1.3 Em algumas monografias se lê que tal população tem tal concepção da alma. É impossívelpensar que essa afirmação se apoie apenas em entrevistas l...]Meu sentimento é que a parteda críação é grande entre os pesquisadores". Jack Goody, L'bomme, l'êcriture et ia mon, París,.I..A;."!i Belles Lentes, 1996, p. 85. Desse ponto de vista é notável que, nos trabalhos de etnolo-g.~ consagrados à sociedade francesa contemporânea, o pronome índeflnído "on" - prono-me-camaleão - tende a substituir o . tis' das sociedades exóticas: "On cornrnunie dans laconnaíssance des mouvements de l'hístoire, on en rasscmble les inesrirnables trésors [...) cmne se contente plus des caoses, on veur aussí connaürc et préserver leur mode de produrrionet leurs usages." Daniel Fabre (org.) , L Burope entre culiures et nations, Paris, Éditíons de laMaison des Scíences de I'Homme , 1996, p. 2-3 .

.....Para a crítica de um caso particular de generalização - as 'mentalidades" -, ver Geoffrey E. R.Uoyd, op. cit., passirn.

4' Mesmo quando o n˙mero de indivíduos ~a elevado, as generalizações Ieüas a partir de classesmudais carecem de um exame crítico, Sobre Isso, ver Alaia Desrosíéres, lapoltrique des grandsnombres. H!çtoire de la raison siatistique; Pari .., la Découvertc, 1993, bibliografia, Ú1U~. 442p.

46 Essa expressão de ve muito a Louis Dumont Chamo atenção a !'i\I;J distinção entre o 'holismo",que "valoriza a totalidade social e neglígencia ou subordina o Indivíduo humano", e o "individualísmo", ideologia que valoriza o individuo concebido como um ser moral. independ ...miec autónomo e "negligencia ou subordina a totalidade social": Bssais sur l'indiuiduaitsme. Uneperrpec.tive antbropologiqu.e sur i'ideologie moderne, Paris, Seuíl, 1983, p, 69 e 264. P2.r:1holis-mo, acrescento Vincent Descombes, "a identificação cio sentido de ...c ;;e fazer em um conjunto,em um sistema" eI'esprit comme esprít de s lois", Le Débat, n. 90. maio-ago., 1996, p. 75j.Ensaio urna primeira analise das retóricas holistas, aqui modírlcada e aumentada, no artigo"Memoria colleuíva c retoriche olistiche", Prometeo, set, 1997. n. 59, p. 14-:l:;,

~~ Sobre a recusa da ideia de sociedade corno "roratídade estabelecida na permanência" ver, porexemplo, Georges Balandíer, Lfi Désordre; Paris, Fayard, 1988, p. 63-87.

~4 Estamos assim próximos dos conceitos classíficatórios c da...s totalidades do mundo 'subhinar"discutidas por P.....ul Veyne em Comment on écri: nristojre., Paris. Seuil, 1971 e 1978. p. 38-42,93-95 c passírn,

-ç A consciência coletíva definida por Durkheim em termos holístas, ela é "a forma mais alta davida psíquica, pois é a conscíêncía das consciências" iLesformes élémentaires de la lJ1'ereligieu-.~ Paris, I'UF, 1968, p. (33).

'o N. Dodícr, L. Baszanger, op. cit., p. 38.51 Ver Dan Sperber, Le symboltsme engénéra/, Paris, Hermann, 1974, p 113.12 VerP. Veyne, "L'ínterpretatíon et l'ínterprête, Apropõs des choses de la relígíon", 01'. cír., p. 257.5J Ela também favoreceu certas formas de ilusão estatística apagando as partícularídadcs ín-

dívíduais em benefício de categorizações por vezes fantasiosa s. Sobre esse assunto, ver"

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Memõna e ideruidade

c. javeau, "De l'hornme moyen ~ la rnoyenne des hommes. l'íllusion statístíqne dans lesscíences socíalcs", em V. de Coorebyter, uo. cít., p. 53-67.

S4 A propósun dessa generalização, ver Mooses L Finley, A-f)'tbe, mémoire, bistoire. Paris, Flammarion, 1981, µ. 121.

•• Penso aqui em Marc Augé, qUI:: busca em vão o pansiense no metro, em Un etbnolcgue dansIr! métro; Paris. Hacheuc. 1986, p. 71.

5) Dan Sperber, la amtasion des tdées, Paris, Odile Jacob, 1996, p. 31.57 P. Pourígnat c j. SlJdfFen.m, op. cít., p. 25.>':I M. Furnaroli, op.cit., p. 127.~9 Arnv Guuuann, ern Charles Taylor, Mu/ticult./.ra!l'ime. Différmce et démocratie. Paris, Aubier,

1994, p, 18.e; Richard Portíer, Arubropoíogia du mytbe, l'arís, Édítions Kimé, 1994, p. 229.si Daniêle Her vieu-Léger, La re1igion pour mémoire; Paris, Cerf 199~, p. 2066] Luíz Fernando Baêta Neves rimes, op. cít., p. 43.á:l Mauríce Halbwachs, La topographié' {(Ó.getuia1re des Êvangiles en rerre siarue, Paris, Pll~, 1974

c 1971. A aproximação entre essas duas defíniçôes resulta em uma frequente confusão entreesses dois tipos de memória (social e coletíva), confusão e..O;:''A mantida por llalbwachs.

5-l M. IIalbwachs, Les cadres sociaux de la mémcire, op. cit., p. 144.61 Tzvctan Todorov. Nou:s et les autres. La ri'fle.:drmfrançuasesu,.ta citt.eTSité bumaine, Paris. Seul',

1989, p. 237.(.(i Françoise 7.onabcnd, em Tina jcías, Mane-Claude Pingaud, Yvonne Verdier e Françoíse Zona-

bend, Unecampagne mteniée; Paris . .Éditioru;de la ylaison des Sciences de l'Hornrne. 1~90, p. 428.</ F. Récanatí, op. cít., p. 181-1B2.6' Bruno Latour, Le métier du cbercbeur. Regam d'u" ,mthropo/ogu.e, Paris, !rua, 1995: p. 66.fI'I Esse príncípío de Donald Davidson "estipula que interpretar o outro (; um empreendimento

que demanda considerá-lo apriori ramo um par cognitivo, um semelhante racional": Gérardlenclud, "O factual e o normativo em etnografia. M. diferenças culturais decorrem de umadescrição", em Marc-Olívier Gnnsetli, Jacques Hainard c Roland Kaehr (eds.) , La diff&rmce,Neuchâtel, Musée d'Ethnographíe, 1995, p.2j.

~.)Em alguns anos de intervalo, Mauríoe Hloch pôde obter uma versão totalmente diferente Ul:S-ses acontecimentos. Mesmo que a segunda vrersào não contradiga a primeira, eh se baseavamais sobre os fatos simplesmente porque, da cabana de onde falava, o informante observava11m vale lJU qual aconrecímentos importantes ocorreram nu momento da. revolta. O contextovisual ou, mais generícamentc, o contexto social pode estimular a narranva c favorecer mais oumenos a verbalízação de lembranças (Mauríce Bloch, "Mémoire autobíographíque et mérnoirehistorique du passe éloigné", EnquOte, n. 2, 1995, p. 59-i6).

ii Bertrand Russel, Sig'liftcatiof! pt r;erlté,Paris, Flammaríon, 1969, p. 172.;; .M. Bloch, op, cito, p. 65.;0 Idem, p. 76. Sobre a necessidade de não confundir rememoraçào com o objeto da memoriza-

ção, ver ip,ualmente D. Sperber, La ccmtagton des idées; up. cit., p. 47." r. Recanarí, op. cír., p. 3~.;~ Desde que o antropólogo possa verificar q\J.t:cm um grupo membros sufícíenremente numero-

sos declaram que se recordam como eles acreditam que o.')outros se recordam, então a retóricaholísra (memória coletíva) começa a se tornar pertinente. Isso acontece porque nesse caso ocornpartílhamento de uma representação de que existe uma memória compartilhada que serãatestada, quer dizer. ·,lRUI. metamemóría, é bem diferente da prova empírica da exístêncía deuma memória coletiva enquanto realidade obíetíva. Jon P. Mítchell desenvolve uma argurnen-ração próxíma da exposta aqui em "Arnhrupclogíes of Ililitory and ~iemory", llasurlewsletter,n. 19, mar. 1997, p. 16.

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.Il-lemõria t! identidade

i6 Pierre Bourdíeu, 'A propos de la famílle comme carégorie réalisée", .~cte...de la recbercbe enSde1JCK~ soctales, n. 100, dez. 1993, p. 36.

7' O que sf!1TIpreperturbou os homens da Igreja ou do boiado e os "fabricantes" de Ideologias.D. Sperber, le symboíisme em generul ap dr" p. 119.

?8 M. Hall:m..achs, op. clr.çp 34."9 F.. R Leach, op. cít., p. 35-36.S) Fredrick Barth, em AWun Kupcr (ed.), Conceptllalizing Sodery Londres, Ru',.lLlcdgc, 1992, p. 20.~I G..M. Eldcman, nioJ.ogie da la conscience; Paris, Odile Jacob, 1992, p. 176 177.~2 Bertrand RU~I:!II, llfstolre de mes zdtksphilosophiqucs. Paris, Gallirnard, 1961. j). 205.~, Bertrand Russell, La méthcae scierutfique em philnsoph~. Notre connaissance du monde ~-

térieur; Paris, Pavot, 1971, p. 102, V~ ainda do mesmo autor: SiJfnifrcati0l2 et tJérité. Paris,Flammaríon 1969, p. 141-142. Nessa mesma linha: pode-se igualmente consultar: MichaelDummen. op. cít., p. 106; Dan Sperber e Deirdre W'il'irn1, la perttnence. Communicatton ,'Icognuior: Paris, Minuit, 1989. p. 20-21, 64-65 e passan, Halbwachs, sobretudo em sua obra lamémcire cul!ecnte, op. cít., p. 63.

l4 D. Sperber, La contagion aes i~s, op. cit, p. B.M Sperber dá o exemplo do "molho Momav tal corno pode aparecer num livro de receitas", op,

alo, p. HÓ.l1li Idem, p. 38.ii Aproximo-me aqui da distinção que fn Kíerkegaard entre evOCAÇ"A'IO de dados pun..mP.11Tefac-

tuais, o que ele dcnomína memória, c a forma poética do acoruecímenro memorizado. o queele denomina de lembrança. Soren Kierkegaard. ln moo tentas, Paris, Clímats, 1992, p. 12 c 33.

"' .M. 1. Flntey, op. cir., p. 3Lt') D. Sperber, op. dr., p. 40.!Jl Idem, p. 40. Se tomamos o exemplo do dispositivo símbólico que ern todos OS indívíduos Urna.

seus próprios percursos na memória" (D. Sperber, Le symbolu-me eM general. op. cit .. p. 135).podemos supor que os encadeamentos causaus de representações mentais e de representaçõesp˙blicas vão contribuir ~ criação de certos percursos próximos ou símílares na.s memórias deum n˙mero mais ou menos grande de indi ...iduos.

9: Idem, p. 42.?Z WAscoisas soooculturais são 1.. .1 agenciamentos ecológicos de coisas psícolôgícas, Os faro ...

sociolôgicos se dcfinerr., portanto, a !XJ1ir dos fatos psicológicos, ImS não se reduzem a estesadem, p. 47).

9; Não me distanciei da posição de Roger Bastíde, que vê na rnemóría coletiva "a niernóría de' Ur..1

esquema de ações .ndívtduals, de um plano de Jgação entre lembranças, de una rede formal:os conte˙dos dessa memória coletí va não pertencem ao grupo, são propriedade de diversospamcipantes cm vida t: do funcionamento desse b'T'11pO(como mecanismos elaborados para aaprendizagem no corpo e IlO pensamento de cada um)". H:lstide acrescenta que nenhuma dessasmemórias individuais "é possível sem que encontre seu lugar em um COnílL'1tOno qual cada umconstitui urna pane" (·M~n:ouecollecn ...'C et 50001ogie du bricolage". llastldiar.a,7 6, p. 232).

C)oI Hss:;.distinção ~ puramente merodológica: não Lenho a intenção de afirmar, contra Cassírer, qJ.;Cem nossa percepção do mundo possamos ter a iruuíção objetiva de um fato ou de lima coisa.

~) Mesmo esse postulado é constestãvel+uma sondagem de 1976 "mostra va que 530.-li 005 fran-ceses interrogados Ignoravam quem havía sido a chefe de E.stado entre 19·10 e 1944 [...], urnaoutra, em 1980, revelava que a metade do... pesqulsados pensava que teria sido a Alemanhaque havia declarado guerra à França": Éril: Conan e Henry Rousso, ViL'''')'. un passé qui rie PUS'il!

pus., Paris, Galllmard, 1996, p. 394. Se ól. ~gnorãnci:l. parece ter receado desde essas pesquís ....sque datam de quinze ou vime anos, parece-me, entretanto, muito arriscado segui: AnnetteWit:viork2 quando ela afuma que (1 processo de KI.u..I.-;Barbíe !Afez entrar as crianças c._I" Izleu na

55

Memória t' ulentidade

memória coletiva francesa". Lnpmces de Nuremberg et de Tok)'o. Bruxelles, Êditions Complexe,1996, p. 76. Trata-se de um enunciado essencialmente retórico, pois f. pouU) pro ....ãvel que umgrande n˙mero de franceses compartilhe a lembrança de Izíeu,

~ li. observação lo: valida para toda outra memória de dados factuais, mesmo não hisróríca,r. Víncent Descornbe ..., Les tnstitutions du. se.ns, Paris, Mínun, 1996, 350p.!.:tI Descarto aqu: a discussão desse argumento qUl! náo concerne díretamenre à tese que defendo.

Sobre a significa.~ diferenciada que os locutores dão às palavras que utilizam e sobre a colo-caçâo entre aspas de algumas dentre em (quer dizer, a suspensão provisória ou definitiva de<ruacompreensão), ver D. Sperbcr, Le symbolisme em ge11e'Yl:ll, p. 111, ou M. Dummer, op. cit,p.146-117 .

.,~O que Hílary Pumam chama de "hollsmo da significação": a línguagem que descreve a experiêncía li Iaz no interior de urna "rede de crenças": Hílary Purnarn, R6p~·ent«lion et rrJaltté,Paris, Gallímard, 1988, p. 34. De acordo com o holismo semântico, o conte˙do de uma crençaC de uni individuo é determinado pelas ligações epistêmíeas de C, quer dizer, "pelas relaçõesentre C e rodas as OUlJ'".c; crenças desse Indivíduo". Esse holismo semântico "Implica. qUI:: doisindivíd-..:os não podem compartilhar crença" a menos que compartilhem todas as suas crenças",unanímídade que é, certamente. pOUl:O provável (Pierre Jacob, I~ai les cboses onz-elles ansensi; op. cít., p. 206-207).

l:v Notemos que nas pa1:n.T"J.Sdo testemunho o enunciado ~omédico diz que esse Indit:íduo estâmorto" é constatação, De fato, pouco importa nesse exemplo o sentldo da d˙vida: sem nadamudou em noesa argumentação, poderíamos imaginar uma situação inversa com a colocaçãoem d˙vida pelo médico ateu da crença na imortalidade.

1Q1 Furmulaçáo ela própria problemâtica, pois deixa subentendido que os limites do grupo:1) existem e 2) são facilmente identificáveis, o que falta demonstrar,

1"~Soore ::I ausência de d˙vida como condição da eficácia simbólica no interior de um grupo, verClaude Lévi-Strauss, A:!lih,-oporogte Structurale, Paris, Plon, 1958 e 1974. p. 218.

1:l3 Sobre esse ponto, ver Paul Veync, "L'interpretatíon et l'ínrerprere. À propos des choses de re-:igion", op. dr, p, 254-257, ou, do mesmo autor, 16 quatidien et l'interessant, Paris, Les BellcsLemes, 1995, p. lHO-1H7; ou, ainda: Jack Bouju. "Tradmon et ídentíté. La tradíríon dogon entretraditionalísmc rural ~ néotradídonalisme urbain", Enquéte, n, 2. 1995. p. 106; J. Goody, op.dt., p. 154-1 '5G.

1(-1 ut.iliz.u essa expressão em um scntído próximo daquele dado por Georges Balandier, par"quem essa memória 'está imersa no presente". Le [)é(;kJle. Pour finir at« te xx stêcie, P3riS,Fayard, p. 43.

J), M. Halbwachs, la mémoire coõoatoe, op. cír., p. 6B.1:); O papel das associações de pequenas comur...iídades será sempre muíro ímportantc cm relação

à rnctamernóna e no processo de socialízação da memória, o que acrescenta interesse para quese tumem obíeto de estudo anrropol˙gíco,

10"'M. Halbwac."t5.lesc..adres.llJâcmxde/a mõmoire. ap. cit., p. 163.108 Marcel Detíenne, 1 'inuentian de la mythologie, Paris, Ga.i1irruml. 1981, p. 86.1'.:\1 M. Halbwachs. La mémoire coletioe. op. cír., p. 135-1:)6.JIIJ Como observam os psícossodólogos, a frequência e intensidade das trocas no interior de:

um grupo parecem COnd1171r a um consenso extremo. A esse respeito, ver Serge Galam eSerge Moscovíci, "Vers une thénríe des phénomênes collectífs: consensus et changemerusd'attitudes", em E. Drozda-Senkowska (org.), Irrastonalué» colleaiues, Lausanne, Delachaux &Nlestlé, 1995, p. 265-304.

LI Jean-Pierre Vernant, L 'inditsau, ia mort, l'amour; Paris, Gallímard, 19R9, p. 83, 86-87. Sobreesse aS~LW ver também Michêle Sunondon, la mémoire 8t l'oubli dans la ponsée gmequejusqu a la}," du \,c si6cle avanlJ.C., Paris, Les Belles Lenres, ]982, p. 10 e 198.

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lPp.]. Geary, op. cít., p.,31.II! ~M~mo~ des odeurs et savcír-faíre prof essíonels" , comunicação feita durante o CXXl Congresso

Nacional das Sociedades Históricas c Científicas, Nice, 26-32 O"k;T. 1996.114 "Tal corno wn mosaico V:1r: ado, são os pequenos pedaços de memória dispersas nas híst˙rías

de cada uni que desenham a trama de uma memória comum. que conferem forma a um dese-rL~O que poderia ser compartílhado. Essa memória coletíva familiar seria uma coleção de: frag-mentos esparsos, contidos na possibilidade de um encontro frágil de imagens I.: emoções ne-cessariamente contidas na singularidade pr˙pria de cada índívíduo" (A. Muxel, op. cít., p, 204).

mM. Dcticnne, op. cit., p. 77 e 73.116 Mesmo que nào pareça pronta a assumir totalmente essa concepção. "Alguns, seguindo seu

temperamento particular c as circunstâncias de sua ....ida, possuem uma memória que não éaquela de nenhum outro" (les cadres sociaux de la mémotre, ai). cít., p. 144).

117 R Bastíde, op. cít., p. 222.I18Raymond Boudon. em P. Birnbaum e J Leca, op, cit., p. 54.UI ~i. Halbwachs, La tUfJogmphte légendaire des MT18i1f!S eri ti!17T? satnte, p. 122.l.!lJ Ao ponto de pretender dividi-la em faixas: Lcs cadres soaaux de la mémoim, p, 219121 M. Halbwachs, La mémone coltectue, 0r. cír., p. 30.:.l2 Mauríce Bloch, op, cit., o, 63.:l.~ D. Hervieu-Léger, op. clt., p. 179.:~4.M. Halbv ..achs, La mémoire collectiue, p..~O.u, ver, por exemplo, como na sociedade florentina do começo elo século xv, as formas e os

conte˙dos das memónas individuais entre os trabalhadores sào "ligada s a natureza da atívi-dade profissional, no nível cconõmíco, na procedência geogrããca ~ no papel social" (FrancoFrancesrhi, "La rnémoíre des laboratores à Florcncc au débur du xx siêcle", Annales ,t:.\'(.; Sl..:L.-

Ol.;L 1990, n. 5, p. 1.15~.1;1\ Gérard Namer, MémoiTfJ et .mciP.té. Paris, Mérídíens Klincksieck. 19R7, p. :W.m Roger Bastíde, Sociologie e! psydranalyse, Paris, ?UF, 1950 e 1995, p. 27'5.ll!"Cada.m~m6riaindividualéumpunlode\'istadarn.em6riarolerivlI"(YLHalm..'ac.l;,s,llp.dl.,p.33).1"~Françoise i".on.."'Ibend,la mémorie longue. Temp: el bistoire au vil/age, Paris, PUf, 1980, p. 310,

final do ˙ltimo cap˙ulo denornínado "Memórias c identidade".