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Este documento é confidencial e pode conter informação privilegiada ou reservada. A Linklaters LLP é uma sociedade de advogados de responsabilidade limitada, registada na Inglaterra e País de Gales sob o no. OC326345 e sujeita à Solicitor’s Regulation Authority. Relativamente à Linklaters LLP, o termo sócio é usado para referenciar um sócio da LLP, ou um seu empregado ou consultor, ou de qualquer das suas subsidiárias ou entidades com posição e qualificações equivalentes. A lista dos sócios da Linklaters LLP, das pessoas designadas como sócios e das respectivas habilitações está disponível para consulta em www.linklaters.com ou em qualquer dos nossos escritórios. Os sócios são solicitors ou advogados e como tal inscritos num ou mais Estados da União Europeia ou noutras jurisdições. Pode obter em www.linklaters.com/regulation informação relevante sobre a nossa situação no plano regulatório. / / Memorando 14 de Julho de 2017 Para Ministério da Administração Interna De Linklaters LLP Contrato SIRESP - Cláusula de Força Maior 1 Introdução 1.1 O Ministério da Administração Interna (o “MAI”) solicitou que procedêssemos à análise da Cláusula 17 do contrato relativo à conceção, projeto, fornecimento, montagem, construção, gestão e manutenção do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (“SIRESP” ou “Sistema”), celebrado em 4 de julho de 2006 entre o Gabinete de Estudos e de Planeamento de Instalações do MAI e a SIRESP – Gestão de Redes Digitais de Segurança e Emergência, S.A. (o “Contrato”). Mais precisamente, foi solicitado o nosso entendimento sobre o âmbito e efeitos da referida Cláusula 17, em geral, e, em particular, sobre se um incêndio pode configurar um caso de força maior para os efeitos do Contrato e quais os direitos da Operadora e da Entidade Gestora quando a primeira alegue que a ocorrência de um incêndio a impediu de cumprir as obrigações emergentes do Contrato. 1.2 A nossa análise incide exclusivamente sobre a interpretação da Cláusula 17 do Contrato e a delimitação dos seus efeitos, sem incidência sobre quaisquer factos concretos e a sua qualificação à luz daquela Cláusula. Na elaboração da nossa análise, apreciámos o Contrato na versão que originalmente foi celebrada entre as partes (incluindo os seus Anexos), não tendo tido acesso a qualquer modificação posterior que, em qualquer caso, assumimos não ter incidido sobre aquela Cláusula. Tivemos acesso igualmente a cópia das apólices de seguro contratadas pela Operadora na fase de operação do sistema que se encontram em vigor, que nos foram disponibilizadas pelo MAI. No presente memorando, as palavras e expressões iniciadas por maiúscula às quais não seja dado significado específico terão o significado que lhes é atribuído no Contrato. Qualquer referência a uma Cláusula ou um Anexo, desprovida de qualquer outra remissão, entende-se como efetuada a uma Cláusula ou um Anexo do Contrato. 2 Sumário executivo (i) O Contrato corresponde a uma parceria público-privada, cujo lançamento e celebração se operou no quadro que à época era aplicável a essas parcerias, designadamente o disposto no Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril.

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Page 1: Memorando - XXI Governo · pode configurar um caso de força maior para os efeitos do Contrato e quais os direitos da Operadora e da Entidade Gestora quando a primeira alegue que

Este documento é confidencial e pode conter informação privilegiada ou reservada.

A Linklaters LLP é uma sociedade de advogados de responsabilidade limitada, registada na Inglaterra e País de Gales sob o no. OC326345 e sujeita à

Solicitor’s Regulation Authority. Relativamente à Linklaters LLP, o termo sócio é usado para referenciar um sócio da LLP, ou um seu empregado ou consultor,

ou de qualquer das suas subsidiárias ou entidades com posição e qualificações equivalentes. A lista dos sócios da Linklaters LLP, das pessoas designadas

como sócios e das respectivas habilitações está disponível para consulta em www.linklaters.com ou em qualquer dos nossos escritórios. Os sócios são

solicitors ou advogados e como tal inscritos num ou mais Estados da União Europeia ou noutras jurisdições.

Pode obter em www.linklaters.com/regulation informação relevante sobre a nossa situação no plano regulatório.

/ /

Memorando 14 de Julho de 2017

Para Ministério da Administração Interna

De Linklaters LLP

Contrato SIRESP - Cláusula de Força Maior

1 Introdução

1.1 O Ministério da Administração Interna (o “MAI”) solicitou que procedêssemos à análise da

Cláusula 17 do contrato relativo à conceção, projeto, fornecimento, montagem, construção,

gestão e manutenção do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal

(“SIRESP” ou “Sistema”), celebrado em 4 de julho de 2006 entre o Gabinete de Estudos e de

Planeamento de Instalações do MAI e a SIRESP – Gestão de Redes Digitais de Segurança e

Emergência, S.A. (o “Contrato”). Mais precisamente, foi solicitado o nosso entendimento sobre

o âmbito e efeitos da referida Cláusula 17, em geral, e, em particular, sobre se um incêndio

pode configurar um caso de força maior para os efeitos do Contrato e quais os direitos da

Operadora e da Entidade Gestora quando a primeira alegue que a ocorrência de um incêndio

a impediu de cumprir as obrigações emergentes do Contrato.

1.2 A nossa análise incide exclusivamente sobre a interpretação da Cláusula 17 do Contrato e a

delimitação dos seus efeitos, sem incidência sobre quaisquer factos concretos e a sua

qualificação à luz daquela Cláusula. Na elaboração da nossa análise, apreciámos o Contrato

na versão que originalmente foi celebrada entre as partes (incluindo os seus Anexos), não tendo

tido acesso a qualquer modificação posterior que, em qualquer caso, assumimos não ter

incidido sobre aquela Cláusula. Tivemos acesso igualmente a cópia das apólices de seguro

contratadas pela Operadora na fase de operação do sistema que se encontram em vigor, que

nos foram disponibilizadas pelo MAI.

No presente memorando, as palavras e expressões iniciadas por maiúscula às quais não seja

dado significado específico terão o significado que lhes é atribuído no Contrato. Qualquer

referência a uma Cláusula ou um Anexo, desprovida de qualquer outra remissão, entende-se

como efetuada a uma Cláusula ou um Anexo do Contrato.

2 Sumário executivo

(i) O Contrato corresponde a uma parceria público-privada, cujo lançamento e celebração

se operou no quadro que à época era aplicável a essas parcerias, designadamente o

disposto no Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril.

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(ii) Nos contratos administrativos clássicos, o caso de força maior corresponde a um risco

que corre por conta do contraente público, que suporta as consequências adversas da

sua verificação, ficando o contraente privado eximido de responsabilidade pelo não

cumprimento das suas obrigações contratuais na medida em que estas sejam afetadas

pelo caso de força maior.

(iii) Pelo contrário, a regra nos contratos subjacentes às parcerias é que a força maior é um

risco partilhado entre parceiro público e parceiro privado. A partilha decorre de, se o

evento corresponder a um risco suscetível de ser coberto por seguro, o parceiro privado

dever assumir as consequências da sua verificação até ao limite do seguro

comercialmente razoável; se inexistir seguro disponível, ou se se tratar de eventos

expressamente excluídos do dever de seguro, o risco é assumido pelo parceiro público;

se a força maior determinar a rescisão do contrato, o parceiro público assume apenas

as responsabilidades inerentes à dívida contratada, e o parceiro privado todas as

demais perdas associadas à rescisão.

(iv) É esta, precisamente, a regra do Contrato: corre por conta da Operadora o risco inerente

a um caso de força maior que corresponda, ao tempo da sua verificação, a um risco

segurável por apólice comercialmente aceitável em mercados da União Europeia, e

independentemente de a Operadora ter efetivamente contratado o seguro

correspondente; corre por conta da Entidade Gestora o risco correspondente aos casos

de força maior para os quais não exista na União Europeia seguro disponível por apólice

comercialmente aceitável.

(v) Um incêndio corresponde, para os efeitos do Contrato, a um caso de força maior; porém,

o risco inerente ao incêndio corre por conta da Operadora pois que o incêndio é um

risco segurável por apólice comercialmente aceitável.

(vi) A Operadora está obrigada pelo Contrato a celebrar contrato de seguro que abranja os

danos materiais causados por um incêndio a bens próprios ou de terceiros que estejam

afetos ao Sistema e às atividades inerentes ao Contrato e, bem assim, a perda de

receitas associada a uma dedução da sua remuneração por esse motivo;

independentemente da contratação efetiva desse seguro, a força maior por este motivo

corre por conta da Operadora.

(vii) Em razão desta conclusão, a Entidade Gestora pode aplicar as deduções

contratualmente previstas por Falhas de Disponibilidade ou por Falhas de Desempenho

ainda que estas tenham ocorrido por motivo de incêndio que danifique os bens e

equipamentos da Operadora ou de terceiros afetos ao Sistema, e os encargos inerentes

à sua reparação correm por conta da Operadora.

3 A força maior nos contratos administrativos

3.1 Este memorando tem por objeto a Cláusula 17 do Contrato, a qual tem por epígrafe «Força

Maior», e é sobre ela que incidimos a nossa análise. Justifica-se, antes de nos debruçarmos

sobre o seu conteúdo, à análise do conceito e dos efeitos do caso de força maior nos contratos

administrativos. Com efeito, e como veremos adiante, a força maior corresponde a um conceito

bem estabelecido no nosso direito, e o conteúdo da referida cláusula segue muito de perto a

prática contratual portuguesa das últimas décadas. Justifica-se, por isso, que façamos uma

breve referência ao entendimento e à regulamentação do caso de força maior no nosso Direito.

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3.2 O caso de força maior corresponde a uma hipótese de impossibilidade de cumprimento da

obrigação por motivo não imputável ao devedor, com longa tradição no nosso direito civil e no

direito dos contratos administrativos.

Assim, no Código Civil de 1867, o artigo 705.º estabelecia que o contraente que falte ao

cumprimento do contrato ficava exonerado de responsabilidade pelos prejuízos causados ao

outro contraente se tivesse sido impedido de cumprir por facto deste ou por caso fortuito ou de

força maior “para o qual de nenhum modo haja contribuído”. Dadas as similitudes de regime e

de consequências, o caso fortuito e o caso de força maior eram frequentemente reconduzidos

ao mesmo conceito amplo de força maior, como facto exterior às partes e para cuja verificação

estas não haviam contribuído, com impacte na execução contratual. Porém, tentando distinguir

o caso fortuito e o caso de força maior em sentido estrito, a doutrina usava vários critérios,

sendo o mais comummente utilizado aquele que atribuía ao primeiro o sentido de

acontecimento imprevisível (mesmo que na ordem das possibilidades, não se sabia se e quando

se poderia verificar e assim se mostrava inevitável); e ao segundo o sentido de acontecimento

que, mais do que – ou além de – imprevisível, se mostrava irresistível, tornando impossível a

prestação.

No âmbito do Código Civil atual, a formulação do artigo 790.º, correspondente àquele artigo

705.º, é distinta: dispõe-se que a obrigação se extingue quando a prestação se torna impossível

por causa – qualquer causa – não imputável ao devedor. Quando a impossibilidade se torne

meramente temporária, o devedor não responde pela mora no cumprimento. O Código Civil

atual tem assim uma formulação mais ampla que o Código de 1867. Enquanto que aquele

exonerava o devedor de responsabilidade pelo não cumprimento perante um catálogo fechado

de circunstâncias, o código atual considera a obrigação extinta sempre que se torne impossível

por qualquer motivo. A exoneração de responsabilidade ocorre também no caso de

impossibilidade temporária, quando esta decorra de qualquer causa não imputável ao devedor.

Para além disso, o Código Civil continua a referir-se expressamente ao caso de força maior: é

o caso dos artigos 505.º e 509.º, servindo a força maior para afastar a responsabilidade objetiva

do proprietário do veículo ou das instalações elétricas ou de gás.

A referência ao caso de força maior, com o sentido amplo que acima lhe apontamos, é ainda

comum na prática contratual comercial, particularmente no âmbito de contratos de empreitada

ou de fornecimento de bens ou serviços, sempre com o sentido de afastar a responsabilidade

da parte inadimplente. Além disso, é comum nos contratos de empreitada de construção de

imóveis que a ocorrência de caso de força maior, além de exonerar o empreiteiro pela

responsabilidade pela mora ou pelo incumprimento, faça recair sobre o dono da obra o dever

de suportar os encargos de reparação da obra danificada pelo evento de força maior – de modo

consentâneo, aliás, com o que se dispõe nos artigos 1227.° e 1228.º, n.º 1, do Código Civil.

3.3 Também no Direito Administrativo a referência ao caso de força maior é tradicional e tem

acolhimento na lei e na prática contratual. Já Marcello Caetano ensinava no seu Manual que as

alterações na execução dos contratos administrativos podem provir de factos alheios à vontade

dos contraentes e para os quais estes nada tenham contribuído – o que identificava como os

casos. E escrevia: “os casos, além de independentes da vontade dos contraentes, são

imprevisíveis no momento da celebração do contrato. Embora a sua verificação esteja na ordem

das possibilidades, não se sabe se se verificarão ou não no decurso da execução daquele

contrato e se, na hipótese de se verificarem, terão nele alguma influência” 1 Sobre o caso de

1 Cfr. Manual de Direito Administrativo, Vol. I, p.623, Coimbra, 1984, sublinhado no original.

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força maior, exemplo desse tipo de eventos, definia-o como “o facto imprevisível e estranho à

vontade dos contraentes que impossibilita absolutamente de cumprir as obrigações contratuais” 2. Sobre as suas consequências, escrevia que o caso de força maior exonera de

responsabilidade o contraente que não cumpra as suas obrigações e que, nalguns contratos –

citando, a título de exemplo, o contrato de empreitada de obras públicas – a ocorrência do caso

de força maior coloca a cargo da Administração os prejuízos causados ao particular pelo evento

(à semelhança, aliás, do que sucede na empreitada civil de construção de bens imóveis).

No direito positivo, o artigo 195º do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas,

aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março – em vigor à data de celebração do Contrato

e que, na ausência de um código de contratos públicos, constituía um repositório de princípios

gerais aplicáveis aos contratos administrativos – definia o caso de força maior como “o facto de

terceiro ou facto natural ou situação, imprevisível e inevitável, cujos efeitos se produzam

independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais do empreiteiro, tais como atos

de guerra ou subversão, epidemias, ciclones, tremores de terra, fogo, raio, inundações, greves

gerais ou sectoriais e quaisquer outros eventos da mesma natureza que impeçam o

cumprimento do contrato”. A ocorrência de um caso de força maior fazia cessar a

responsabilidade do empreiteiro por falta ou deficiência ou atraso na execução do contrato,

conferia-lhe o direito a uma prorrogação do prazo para a conclusão da empreitada, e ainda

colocava a cargo do dono da obra os danos causados nos trabalhos por caso de força maior

“quando não correspondam a riscos que devam ser assumidos pelo empreiteiro nos termos do

contrato” (artigo 195.º, n.º 2).

No Código dos Contratos Públicos – não aplicável ao SIRESP, tendo em conta as suas regras

de aplicação no tempo – existe expressa referência ao caso de força maior no artigo 406.º, que

confere ao empreiteiro o direito à resolução do contrato na hipótese de suspensão prolongada

da empreitada por caso de força maior, sem prejuízo “do direito de indemnização nos termos

gerais”. Para lá disso, em lugar de uma referência específica ao caso de força maior como

exonerando o empreiteiro de responsabilidade, o Código contém uma regra geral de

responsabilização do contraente privado exclusivamente quando o não cumprimento decorra

de facto que lhe seja imputável (cfr. artigo 325.º, n.º 1) – excluindo-se assim a sua

responsabilidade nos casos em que o não cumprimento decorra de facto que lhe não seja, a

qualquer título, imputável. Também se encontra afloramento das consequências típicas do caso

de força maior quando se refere que o empreiteiro deve executar trabalhos a mais a expensas

do dono da obra quando estes se hajam tornado “necessários à execução da mesma obra na

sequência de uma circunstância imprevista” (cfr. artigo 370.º, n.º 1, al. a)); quando se estabelece

que as sanções contratuais por atraso no início ou na conclusão da obras – ou no cumprimento

de prazos parciais – apenas são devidas quando o atraso decorra de “facto imputável ao

empreiteiro” (cfr. artigo 403.º, n.ºs 1 e 2); ou quando se estabelecem fundamentos de resolução

sancionatória pelo dono da obra com referência a circunstâncias não imputáveis ao empreiteiro

(cfr. artigo 405.º).

Assim, no nosso Direito Administrativo, o caso de força maior – exemplo típico de facto não

imputável ao contraente particular – impede, pois, a responsabilização do contraente particular

pelo não cumprimento pontual das obrigações para si emergentes do contrato e corresponde,

em regra, a um risco alocado ao contraente público – isto é, as consequências adversas que

2 Cfr. op. loc. cits..

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decorram da verificação do caso de força maior (o atraso no cumprimento da prestação, a

destruição dos bens afetos à execução do contrato), são suportadas pela Administração.

3.4 Não é esta, porém, a situação no caso das parcerias público-privadas de base contratual,

apesar de estas constituírem modalidades de contratos administrativos. Ao longo de cerca de

quase um quarto de século de prática contratual, os contratos subjacentes às parcerias público-

privadas determinam uma repartição do risco de força maior entre o parceiro público e o

parceiro privado 3.

As cláusulas de força maior insertas nestes contratos têm uma matriz comum e regras muitos

semelhantes, apesar de alguma flutuação de redação. Assim:

(a) O caso de força maior é apresentado, em primeiro lugar, como um acontecimento

imprevisível e irresistível, cujos efeitos se produzem independentemente da vontade

ou das circunstâncias pessoais das partes;

(b) Em segundo lugar, é sempre feita uma enunciação exemplificativa de acontecimentos

que se consideram como casos de força maior, e que incluem, tipicamente, atos de

guerra, hostilidades ou invasão, tumultos, rebelião ou terrorismo, epidemias, radiações

atómicas, fogo, raio, graves inundações, ciclones, tremores de terra e outros

cataclismos naturais;

(c) Em terceiro lugar, estabelecem-se os efeitos da ocorrência de um caso de força maior:

por um lado, a exoneração da responsabilidade do parceiro privado pelo não

cumprimento das obrigações emergentes do contrato que sejam por ele afetadas; por

outro lado, a reposição do equilíbrio financeiro do contrato subjacente à parceria ou

a resolução do mesmo, caso a impossibilidade de cumprimento se torne definitiva, ou a

reposição do equilíbrio financeiro se revele excessivamente onerosa para o parceiro

público;

(d) Em quarto lugar, afastam-se os efeitos da força maior sempre que o caso de força

maior corresponda a um risco passível de ser coberto por seguro; nesse caso,

quer o parceiro privado tenha contratado seguro ou não, não há lugar a exoneração da

responsabilidade nem à reposição do equilíbrio financeiro na medida em que o seguro

suportasse as perdas associadas 4;

(e) Em quinto lugar, determina-se que determinadas categorias de eventos ficam

excluídos do dever de contratar seguro; tipicamente estes coincidem com os atos de

guerra ou subversão, hostilidade ou invasão, rebelião ou terrorismo e as radiações

atómicas – são estes casos, portanto em que o risco de força maior corre sempre por

conta do parceiro público;

3 A título de exemplo, vejam-se o Contrato de Concessão das Travessias Rodoviárias do Tejo, assinado em 1994 (cláusula

92); o Contrato de Concessão da Autoestrada do Norte, celebrado em 1999 (cláusula 79), o Contrato de Concessão SCUT

do Grande Porto, celebrado em 2002 (cláusula 79); o Contrato de Concessão do Eixo Ferroviário Norte-Sul, renegociado em

2005 (cláusula 35); ou o Contrato de Gestão do Hospital de Braga, celebrado em 2009 (cláusula 126). Um repositório destes

e de vários outros contratos correspondentes a PPPs, bem como das respetivas cláusulas de força maior, pode ser encontrado

no site da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos do Ministério das Finanças em www.utap.pt.

4 Esta regra corresponde a estabelecer um dever de contratação de seguros: onde exista seguro disponível, o parceiro privado

assume o risco de força maior (por isso se diz que o risco é partilhado), devendo optar por contratar esse seguro - transferindo

o risco para a seguradora e suportando o respetivo prémio – ou não o contratar, e suportar diretamente as consequências do

evento.

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(f) Em sexto lugar, estabelecem-se as consequências da rescisão que ocorra em

consequência da verificação de um caso de força maior – recorde-se que a rescisão

terá lugar sempre que a impossibilidade de cumprimento seja definitiva, ou a reposição

do equilíbrio financeiro se revele excessivamente onerosa; nesse caso, o parceiro

público assume os direitos e obrigações inerentes aos financiamentos contratados pelo

parceiro privado, as indemnizações de seguros são pagas ao parceiro público e, em

consequência, o parceiro privado perde todo o investimento que houvesse sido

suportado por fundos próprios aportados pelos seus acionistas 5;

(g) Finalmente, estabelece-se o procedimento pelo qual o parceiro privado pode invocar

a força maior perante o parceiro público, criando-se um dever comunicação imediata ao

parceiro público da ocorrência de qualquer evento de força maior ao abrigo do disposto

e de indicação das obrigações afetadas pelo mesmo;

(h) Em alguns dos contratos – em que o parceiro privado assume o risco e a

responsabilidade pelo projeto e conceção da infraestrutura ou serviço – afasta-se a

qualificação como força maior dos eventos naturais cujo impacte deva ser suportado

pela infraestrutura nos termos do caderno de encargos e dentro dos limites por este

previstos 6.

São, pois, relativamente estáveis os contornos das cláusulas de força maior nas parcerias

público-privadas em todos os setores: a força maior corresponde à ocorrência de eventos

exteriores às partes, imprevisíveis e irresistíveis, e corresponde a um risco cujos efeitos são

partilhados entre parceiro público e parceiro privado. A partilha decorre de, se o evento

corresponder a um risco suscetível de ser coberto por seguro, o parceiro privado assumir as

consequências da sua verificação até ao limite do seguro comercialmente razoável; se inexistir

seguro disponível, ou se se tratar de eventos expressamente excluídos do dever de seguro, o

risco é assumido pelo parceiro público; se a força maior determinar a rescisão do contrato, o

parceiro público assume apenas as responsabilidades inerentes à dívida contratada, e o

parceiro privado todas as demais perdas associadas à rescisão 7.

4 Estrutura e linhas gerais do Contrato

4.1 Estamos agora em condições de incidirmos a nossa atenção na Cláusula 17 do Contrato. Por

forma a fixarmos o seu sentido e efeitos, porém, importa fazermos breve referência à estrutura

do Contrato e aos seus princípios e linhas gerais, pois que eles determinam o conteúdo das

prestações a que as partes se obrigam e os riscos, obrigações e responsabilidades assumidos

por cada uma delas. Só na compreensão dessas linhas contratuais se consegue estabelecer o

exato alcance da cláusula de força maior.

4.2 O Contrato tem por objeto a conceção, o projeto, o fornecimento, a montagem, a construção, a

gestão e a Manutenção do SIRESP, assegurando todas as funções e objetivos definidos no

5 Esta é outra manifestação da partilha do risco da força maior – na rescisão, o parceiro público assume os encargos com a

dívida e o parceiro privado absorve a perda do os investimentos dos sócios.

6 O que bem se compreende: se o projeto deve ser concebido e construído para suportar determinados impactes, então esse

impacte não é imprevisível. Pense-se, por exemplo, na obrigação de projetar um edifício para suportar sismos até determinada

magnitude. Faz parte do núcleo de obrigações do parceiro privado a conceção e construção de um edifício que resista a

sismos abaixo desse grau de magnitude. Um sismo abaixo desse grau não é, por isso, um caso de força maior.

7 Para uma síntese das regras aplicáveis à força maior nas parcerias público-privadas cfr. Pedro Melo, A «força maior» nas

concessões de obras públicas, in Revista de Contratos Públicos, n.º 6, 2012, pp. 21 ss..

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presente Contrato (cfr. Cláusula 3.1). A Operadora obrigava-se, durante o Período de

Concretização, a assegurar o fornecimento e montagem do Sistema, ficando responsável pela

conceção e projeto do SIRESP e sua conformidade com as Especificações Técnicas do

Contrato e com a Proposta (cfr. Cláusula 32.1), a adquirir e proceder à montagem dos

equipamentos necessários para o efeito, os quais se manteriam na sua titularidade ou posse

durante todo o período do Contrato (cfr. Cláusula 9), a assegurar o investimento necessário à

montagem do Sistema, sendo a Operadora a exclusiva responsável pelo financiamento das

atividades que integram o Contrato (cfr. Cláusula 11), e a assegurar a Entrada em Serviço do

SIRESP nas datas e com o faseamento previstos para o efeito (cfr. Cláusula 28).

Após a Entrada em Serviço, a Operadora realiza a gestão e Manutenção do SIRESP em perfeita

conformidade com o disposto no Contrato (cfr. Cláusulas 38 e 39), devendo assegurar a

disponibilidade do Sistema (cfr. Cláusula 42), e ainda o desempenho e a qualidade do Sistema,

tudo de acordo com os parâmetros previstos no Anexo 6 (Especificações Técnicas).

Em contrapartida pela execução das prestações que está adstrita nos termos do Contrato, a

Operadora tem direito, a partir da Entrada em Serviço de cada uma das Fases em que se

decompunha o Período de Concretização, aos pagamentos referidos na Cláusula 12 e no Anexo

9.

Os pagamentos a realizar pela Entidade Gestora a partir da Entrada em Serviço correspondem

aos valores estabelecidos no Contrato, ao qual serão efetuadas deduções caso se verifiquem

Falhas de Disponibilidade (cfr. Cláusula 42) ou Falhas de Desempenho (cfr. Cláusula 43). Tanto

as Falhas de Disponibilidade como as Falhas de Desempenho são calculadas nos termos

referidos no Anexo 29.

4.3 O Contrato está, deste modo, estruturado como uma parceria público-privada, e na sua

celebração foram observados, para além dos procedimentos pré-contratuais à época aplicáveis,

as regras constantes do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril, que disciplinava a formação

das parcerias públicas-privadas e da decisão de contratar nestas matérias.

Como tal, o Contrato vinculava a Operadora – no caso, o parceiro privado – a um resultado: o

de providenciar ao parceiro público – a Entidade Gestora – um serviço de comunicações de

emergência que pudesse ser utilizado pelas Entidades Utilizadoras. O parceiro privado terá

direito à remuneração fixada no Contrato desde que o serviço prestado cumpra os níveis de

disponibilidade fixados no Contrato e assegure o desempenho contratualmente especificado.

Caso os níveis de disponibilidade ou de desempenho não correspondam àqueles

contratualmente previstos, haverá lugar à aplicação de deduções à remuneração.

Sublinhamos este aspeto: a obrigação da Operadora é assegurar a disponibilidade e o

desempenho do SIRESP. Ao contrário do que sucede noutro tipo de contratos – em que as

entidades privadas se obrigam a entregar ao contraente público determinados bens ou outros

meios – no caso do Contrato, como de outras parcerias público-privadas, a obrigação é a de

assegurar um determinado output, neste caso que o Sistema está a funcionar dentro dos

parâmetros de disponibilidade e de desempenho contratualmente estipulados.

É certo que o Contrato contém abundantes referências à organização interna da Operadora, às

relações que estabelece com terceiros seus subcontratados, e aos meios que devem reunir

para prestar o serviço. Mas não são esses que são primariamente objeto do Contrato, relevando

apenas como modo de controle da adequação dos recursos afetos à parceria ao resultado

contratado.

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O que releva é apenas que, através do Contrato, a Operadora se obriga a manter o Sistema

em condições de disponibilidade e desempenho. Se o SIRESP não estiver disponível, apura-

se o período de indisponibilidade e aplicam-se as deduções contratualmente previstas no Anexo

29. De igual modo, se estiver disponível, mas a qualidade do seu desempenho não for aquela

fixada no Contrato, aplicam-se as deduções por falhas de desempenho estabelecidas no

mesmo Anexo. Note-se que o próprio Anexo 29 contém regras sobre o cálculo das falhas de

disponibilidade e de desempenho e estabelece regras específicas sobre o modo como as

mesmas devem ser valorizadas.

Trata-se, pois, de uma parceria público-privada em que se transfere para o privado o “risco de

construção” e o “risco de disponibilidade” 8.

4.4 Sendo obrigação da Operadora assegurar que o SIRESP está disponível nas condições

contratualmente especificadas, o principal incumprimento do Contrato após o termo do Período

de Concretização – isto é, após a Entrada em Serviço da Totalidade do SIRESP – consiste na

circunstância de o serviço não se encontrar disponível ou não assegurar a qualidade e o

desempenho previstos no Contrato. Para além destes, podem ocorrer situações de

incumprimento de outras obrigações – designadamente acessórias, como as obrigações de

manter e contratar os seguros contratualmente exigíveis (cfr. Cláusula 15), ou de proceder

registo e informação de dados de tráfego (cfr. Cláusula 41), entre muitas outras.

Importa, assim, fazer uma breve referência às regras contratuais relativas ao incumprimento ou

ao cumprimento defeituoso, pela Operadora, das obrigações para si emergentes do Contrato

durante o Período de Gestão e Manutenção – isto é, após a Entrada em Serviço da Totalidade

do SIRESP. Assim:

4.4.1 Se não for assegurada a disponibilidade do Sistema, nos termos e dentro dos

parâmetros previstos no Anexo 6, sujeita a deduções por Falhas de Disponibilidade, nos

termos definidos no Anexo 29 (cfr. Cláusula 42);

4.4.2 Se não forem assegurados o desempenho e a qualidade do Sistema, nos termos e

dentro dos parâmetros previstos no Anexo 6, a Operadora fica sujeita a deduções por

Falhas de Desempenho nos termos definidos no Anexo 29 (cfr. Cláusula 43);

4.4.3 Em caso de incumprimento, pela Operadora, das obrigações emergentes do Contrato

ou das determinações da Entidade Gestora emitidas no âmbito da lei ou do Contrato,

haverá lugar à aplicação de multas, a título de cláusula penal, sem prejuízo da

efetivação de responsabilidade de outra natureza (cfr. Cláusula 16.1); salvo nos casos

em que haja lugar a deduções à remuneração devida à Operadora por Falhas de

Disponibilidade ou por Falhas de Desempenho, o valor das multas variará em função

8 Estes conceitos foram detalhados em decisão do Gabinete de Estatística da União Europeia (EUROSTAT) de 11 de fevereiro

de 2004. De acordo com aquela decisão – entretanto ultrapassada – um determinado contrato deveria ser contabilizado como

uma PPP e, portanto, como não gerando aumento da dívida pública, se o parceiro privado assumisse o risco de construção

de um ativo e, na fase de exploração, o risco de disponibilidade ou o risco de procura. O risco de construção decorreria de o

parceiro privado assumir os riscos inerentes à montagem do ativo – atrasos ou sobrecustos, por exemplo – e de o parceiro

público não efetuar quaisquer pagamentos até à entrada em funcionamento do mesmo. O risco de disponibilidade

corresponderia aos casos em que o parceiro privado tivesse de assegurar que o serviço ou bem está disponível de acordo

com as especificações contratuais, estando o parceiro público em condições de efetuar deduções aos pagamentos se tal não

for o caso; as deduções deveriam ser automáticas e não ser meramente “cosméticas”, mas sim ter um efeito significativo nos

proveitos ou resultados do parceiro privado (posteriormente esclareceu-se que deveriam chegar ao limite de eliminar o retorno

sobre o investimento dos acionistas do parceiro privado).

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da gravidade da infração entre um mínimo de € 5.000,00 (cinco mil euros) e um máximo

de € 200.000,00 (duzentos mil euros), relativamente a cada uma das situações de

incumprimento, sem prejuízo do direito a indemnização por danos excedentes (cfr.

Cláusula 16.3);

4.4.4 No caso de não cumprimento grave ou reiterado, não sanado ou não sanável, das

obrigações dele emergentes por parte da Operadora, há lugar a rescisão sancionatória,

nos termos previstos na Cláusula 19; para além da regra geral, existem situações de

incumprimento especificamente previstas no Contrato, de que se destacam a ocorrência

de deficiência grave na organização da Operadora ou na gestão e funcionamento do

SIRESP, em termos que possam comprometer a continuidade desse funcionamento nas

condições exigidas pela lei e pelo Contrato (cfr. Cláusula 19.1.5), a perda do domínio

da Operadora pelos membros do agrupamento Adjudicatário à data da assinatura do

Contrato, por via direta ou indireta, sem prévia autorização da Entidade Gestora (cfr.

Cláusula 19.1.8), ou a aplicação, em dois anos de calendário consecutivos, das

deduções anuais máximas à remuneração devida à Operadora contratualmente

previstas e computadas no final de cada ano de calendário, por Falhas de

Disponibilidade ou por Falhas de Desempenho, salvo se as deduções aplicadas em

ambos os anos forem motivadas por uma mesma ocorrência de natureza pontual

entretanto sanada (cfr. Cláusula 19.1.13).

4.5 Deve ainda referir-se que, como é comum nas parceiras público-privadas, a Operadora é uma

sociedade veículo constituída com o objeto social exclusivo, durante todo o período de duração

do Contrato, de exercício das atividades abrangidas pelo Contrato (cfr. Cláusula 4.2). Assim, e

por forma a assegurar o cumprimento das obrigações por si assumidas perante a Entidade

Gestora, a Operadora celebrou diversos subcontratos com distintas entidades consigo

relacionadas, designadamente com os seus acionistas. Esses subcontratos constituem anexos

ao Contrato – e incluem, no Período de Gestão e Manutenção, o Contrato de Manutenção do

Sistema de Informação, celebrado com a DATACOMP – Sistemas de Informática, S.A., o

Contrato de Gestão e Manutenção do Sistema Tetra, celebrado com a TMN – Telecomunicações

Móveis Nacionais, S.A., e o Contrato de Prestação de Serviços Associados à Rede de Circuitos

para o SIRESP - Sistema Integrado para as Redes de Emergência e Segurança de Portugal,

igualmente celebrado com a TMN.

Porém, de acordo com a Cláusula 14.1, a existência de tais subcontratos não limita nem exime

a Operadora das responsabilidades assumidas perante a Entidade Gestora. De acordo com

essa Cláusula, “a Operadora é, face à Entidade Gestora, a única e direta responsável pelo

atempado e perfeito cumprimento das obrigações constantes do Contrato e as decorrentes de

normas, regulamentos ou disposições administrativas que lhe sejam aplicáveis, não podendo

opor à Entidade Gestora qualquer contrato ou relação com terceiros para exclusão ou limitação

dessa responsabilidade, salvo quando o próprio Contrato o permitir ou incumprimento resulte

da falha de funcionamento de circuitos de comunicações disponibilizados por entidades

públicas ao abrigo do disposto na Cláusula 12.13” 9.

Em consonância com esta regra, a Cláusula 14.3 estabelece que “a Operadora responderá

ainda, nos termos em que o comitente responde pelos atos do comissário, pelos prejuízos

9 A referência aos circuitos de comunicações disponibilizados por entidades públicas ao abrigo do disposto na Cláusula 12.13

fica a dever-se ao facto de que o Contrato previa que no futuro viesse a ser acordada a utilização pelo SIRESP de circuitos

de titularidade de entidades públicas e por estas disponibilizados à Operadora.

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causados por terceiros por si contratados para o desenvolvimento das atividades

compreendidas no Contrato”.

Ou seja: a Operadora responde pelos atos dos seus subcontratados e não pode opor à Entidade

Gestora as limitações, exceções ou meios de defesa que os subcontratados disponham perante

ela 10.

A Operadora é obrigada, nos termos da Cláusula 16, a prestar caução, mediante garantia

bancária, para garantia do exato e pontual cumprimento das obrigações que a Operadora

assume por virtude do Contrato. A Entidade Gestora pode acionar a caução independentemente

de prévia decisão judicial sempre que a Operadora não cumpra obrigações pecuniárias

vencidas, designadamente o pagamento de quaisquer multas ou indemnizações que se

mostrem devidas ou para se ressarcir do pagamento de despesas que haja suportado por conta

da Operadora.

4.6 Os exemplos referidos nos parágrafos 4.4 e 4.5 correspondem a casos de incumprimento, ou

de cumprimento defeituoso, de deveres gerados pelo Contrato, para os quais o Contrato

estabelece o conteúdo dos direitos da Entidade Gestora perante a Operadora. Exemplo típico

é das Falhas de Disponibilidade ou das Falhas de Desempenho, que são casos de cumprimento

defeituoso da prestação primária a que a Operadora se vinculou – a disponibilização do Sistema

nas condições de qualidade e desempenho contratualmente especificados.

Mas, a par dos danos decorrentes da própria prestação defeituosa, a Operadora ou os seus

subcontratados podem causar, na execução do Contrato, danos pessoais ou patrimoniais a

terceiros ou a outros bens integrados no património da Entidade Gestora – incluindo aqueles

que decorram do dever de indemnizar terceiros que demandem a Entidade Gestora por danos

causados pela Operadora no exercício prestação. Estes casos – que são casos de

responsabilidade extracontratual e não de responsabilidade contratual – encontram-se, ainda

assim, previstos e regulados no Contrato 11.

Assim:

4.6.1 Estabelece-se que, no que respeita à responsabilidade extracontratual, a Operadora

responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados à Entidade

Gestora e a terceiros no exercício das atividades que constituem o objeto do Contrato,

pela culpa ou pelo risco (cfr. Cláusula 14.2);

4.6.2 Dispõe-se, como se viu, que a Operadora responderá ainda, nos termos em que o

comitente responde pelos atos do comissário, pelos prejuízos causados por terceiros

por si contratados para o desenvolvimento das atividades compreendidas no Contrato

(cfr. Cláusula 14.3), o que também tem âmbito de aplicação no campo da

responsabilidade extracontratual;

10 Esta regra é particularmente relevante em todos os casos de parcerias público-privadas contratadas com sociedades veículo.

Dada a circunstância de o parceiro privado não dispor de meios próprios para o exercício das atividades compreendidas na

parceria, é habitual que recorra a contratos com terceiros, que se obrigam perante aquele a executar as prestações a que a

sociedade veículo está vinculada perante o parceiro público. Esses contratos constituem habitualmente anexos ao contrato

subjacente à parceira – como ocorre no SIRESP – mas deixa-se claro que aqueles contratos não afastam a responsabilidade

exclusiva do parceiro privado perante o parceiro público.

11 Sobre a distinção entre a responsabilidade (contratual) decorrente do incumprimento do contrato e a responsabilidade

(delitual) por danos causados na pessoa e património do credor na execução do contrato, incluindo aqueles decorrentes do

dever de indemnizar terceiros por facto imputável ao co-contratante, cfr. Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso

em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, pp. 211 ss., Coimbra, 2015.

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4.6.3 Impõe-se à Operadora o dever de contratar seguros para garantir uma efetiva e

extensiva cobertura dos riscos inerentes às atividades compreendidas no Contrato (cfr.

Cláusula 11.1, incluindo a obrigação de contratar uma cobertura de responsabilidade

civil geral exploração, que garanta a responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da

lei cível, seja imputável à Operadora na qualidade ou no exercício das suas atividades

(cfr. Anexo 11).

4.7 Fica assim claro o quadro das responsabilidades que para a Operadora decorrem do Contrato

e das consequências que nele se estabelecem para o incumprimento ou o cumprimento

defeituoso das obrigações dele emergentes – dever de indemnização do dano decorrente do

incumprimento; deduções aos pagamentos; cláusulas penais, que não afastam o dever de

indemnizar o dano excedente; rescisão sancionatória. O Contrato também dispõe (sem afastar

as regras que em qualquer caso decorrem da lei geral) sobre a responsabilidade extracontratual

da Operadora perante a Entidade Gestora e qualquer terceiro. A responsabilidade da Operadora

abrange, em ambos os casos, os factos imputáveis aos seus subcontratados, e não é limitada

por quaisquer exceções ou meios de defesa que lhe possam ser oponíveis por aqueles.

5 A cláusula de Força Maior no SIRESP

5.1 A cláusula de força maior constante do Contrato do SIRESP, como não podia deixar de ser,

segue de perto a configuração típica dessas cláusulas noutras parcerias público-privadas

adotadas nas últimas décadas no nosso país 12. Pela sua importância central neste memorando,

transcreve-se de seguida o seu teor:

“17.1 Para os efeitos do Contrato, considerar-se-ão casos de força maior os

eventos imprevisíveis e irresistíveis, cujos efeitos se produzam

independentemente da vontade da Operadora ou da sua atuação, ainda que

indiretos, que comprovadamente impeçam ou tornem mais oneroso o

cumprimento das suas obrigações contratuais.

17.2 Constituem, nomeadamente, casos de força maior atos de guerra ou

subversão, hostilidades ou invasão, rebelião, terrorismo ou epidemias,

raios, explosões, graves inundações, ciclones, tremores de terra e outros

cataclismos naturais que diretamente afetem as atividades objeto do

Contrato.

17.3 A ocorrência de um caso de força maior terá por efeito exonerar a

Operadora de responsabilidade pelo não cumprimento pontual das

obrigações emergentes do Contrato, na estrita medida em que o seu

cumprimento tenha sido impedido em virtude da referida ocorrência, e dará

lugar, verificados os pressupostos previstos na Cláusula 25, à reposição do

equilíbrio financeiro do Contrato, ou, nos casos em que a impossibilidade

de cumprimento se tornar definitiva ou a reposição do equilíbrio financeiro

se revelar impossível ou excessivamente onerosa para a Entidade Gestora,

à rescisão do Contrato.

17.4 Excetua-se do disposto nos Números anteriores os casos que determinem

a indisponibilidade do Sistema em violação das obrigações emergentes do

12 Aliás, a Cláusula é idêntica à que constava já das Condições Jurídicas do Caderno de Encargos.

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Contrato relativas às redundâncias do SIRESP e da exigência de escolha

de localizações que maximizem a segurança das instalações em caso de

catástrofe ou calamidade pública.

17.5 Quando fique impossibilitada de cumprir uma obrigação contratual em

consequência de caso de força maior, a Operadora deverá dar

conhecimento imediato por escrito desse facto à Entidade Gestora

especificando as obrigações não cumpridas e a causa desse

incumprimento, sob pena de não ficar exonerada do cumprimento dessas

obrigações.

17.6 Verificando-se um caso de força maior e cumprido o disposto no Número

anterior, a Operadora fica exonerada do incumprimento das obrigações que

decorra daquele caso, sendo os prazos para o cumprimento de quaisquer

obrigações contratuais afetadas prorrogados pelo tempo que se mostrar

adequado à sanação das suas consequências.

17.7 Sempre que algum caso de força maior corresponda, ao tempo da sua

verificação, a um risco segurável, em mercados da União Europeia, e

independentemente de a Operadora ter efetivamente contratado o seguro

correspondente, observar-se-á o seguinte:

17.7.1 A Operadora não ficará exonerada do cumprimento da obrigação

na medida em que aquele cumprimento fosse possível em virtude

do recebimento de indemnização nos termos de apólice

comercialmente aceitável relativa ao risco em causa;

17.7.2 Haverá lugar à reposição do equilíbrio financeiro do Contrato, nos

termos da Cláusula 25, apenas na medida do excesso dos prejuízos

sofridos, considerando a indemnização nos termos de apólice

comercialmente aceitável relativa ao risco em causa;

17.7.3 Haverá lugar à rescisão do Contrato quando, apesar do

recebimento da indemnização nos termos da apólice

comercialmente aceitável relativa ao risco em causa, a

impossibilidade de cumprimento das obrigações emergentes do

Contrato seja definitiva, ou a reposição do equilíbrio financeiro do

Contrato seja excessivamente onerosa para a Entidade Gestora ou

impossível.

17.8 Ficam em qualquer caso excluídos da previsão do Número 17.7. os atos de

guerra ou subversão, hostilidade ou invasão, tumultos, rebelião ou

terrorismo.

17.9 Verificando-se a resolução do Contrato nos termos da presente Cláusula, a

Entidade Gestora pagará as quantias em dívida ao abrigo dos Contratos de

Financiamento, sendo-lhe todavia pagas diretamente as indemnizações

devidas ao abrigo de quaisquer apólices de seguro que se destinem a cobrir

o evento de força maior ou os seus efeitos.

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17.10 Constitui obrigação da Operadora a mitigação, por qualquer meio razoável

e apropriado ao seu dispor, dos efeitos da verificação de um caso de força

maior.”

5.2 Vemos, por isso, que a Cláusula 17 do Contrato tem uma configuração semelhante às das

parcerias anteriormente analisadas13. Quer a caraterização dos casos de força maior, que os

exemplos que são dados, quer a identificação dos seus efeitos, quer a relação com o dever de

contratar seguros, quer o procedimento a adotar, são em tudo similares aos dos demais casos

estudados.

Também como sucede com outras parcerias em que o parceiro privado assume o dever de

projetar e construir uma infraestrutura ou um estabelecimento para a prestação de um serviço,

afasta-se do âmbito de qualificação como força maior de eventos que estejam compreendidos

nos parâmetros de conceção. Assim, onde em concessões rodoviárias se escrevia

“consideram-se excluídos da previsão dos números anteriores os eventos naturais cujo impacte

deva ser suportado pela Autoestrada, nos termos dos projectos aprovados e dentro dos limites

por estes previstos” 14, dispõe-se no contrato que “excetua-se do disposto nos Números

anteriores os casos que determinem a indisponibilidade do Sistema em violação das obrigações

emergentes do Contrato relativas às redundâncias do SIRESP e da exigência de escolha de

localizações que maximizem a segurança das instalações em caso de catástrofe ou calamidade

pública”.

Ou seja: a Operadora tinha a obrigação de projetar o Sistema e no desempenho dessa

obrigação tinha o dever de adotar determinadas obrigações previstas no Contrato quanto a

redundâncias – isto é, de configurar elementos redundantes de forma que assegure a

disponibilidade do Sistema ainda que o elemento primário falhe. Também tinha a obrigação de

escolher localizações que maximizem a segurança das instalações em caso de catástrofe ou

calamidade pública. Por isso, se o sistema se mostrar indisponível por falha de um elemento

que devia ter um par redundante que se mostra inoperacional, não se está perante um caso de

força maior, mas de um caso de incumprimento do contrato.

6 Apreciação concreta

6.1 Estamos em condições, pois, de começar a responder à questão que nos foi colocada e que,

recorda-se, corresponde a saber se um incêndio que danifique bens ou equipamentos afetos

ao SIRESP pode configurar-se, em primeiro lugar, como um caso de força maior para os efeitos

do Contrato e, em segundo lugar, quais os direitos da Operadora e da Entidade Gestora quando

a primeira alegue que a ocorrência de um incêndio a impediu de cumprir as obrigações

emergentes do Contrato.

Para esse efeito, haverá que considerar, em primeiro lugar, se os motivos das falhas de serviço

correspondem ao incumprimento das obrigações em matéria de redundâncias do SIRESP pois

que nesse caso, como se viu, não se aplica a cláusula de força maior. Não sendo esse o caso,

importa avaliar se um incêndio se pode configurar como um evento de força maior à luz dos

números 17.1 e 17.2. Em terceiro lugar, haverá que apurar se o incêndio corresponde ou não a

um evento que, ao tempo da sua verificação, constitui um risco segurável, em mercados da

13 Cfr. parágrafo 3.4 do presente memorando.

14 Cfr. Cláusulas 79.3 do Contrato de Concessão da Autoestrada do Norte, e do Contrato de Concessão SCUT do Grande Porto,

em www.utap.pt; ver também na mesma localização, com redação distinta mas o mesmo sentido, a Cláusula 92.2 do Contrato

das Travessias Rooviárias do Tejo;

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União Europeia (independentemente de a Operadora ter efetivamente contratado o seguro

correspondente), pois que nessa hipótese e nos termos do número 17.7 o efeito exoneratório

da força maior e o direito à reposição do equilíbrio financeiro são limitados ou mesmo afastados.

Analisaremos de seguida cada uma dessas questões.

6.2 A primeira questão respeita ao sentido e alcance da Cláusula 17.4 do Contrato. Como vimos,

esta Cláusula é semelhante às cláusulas que noutras parcerias público-privadas dispõem que

inexiste força maior quanto a eventos que correspondam a circunstâncias que o projeto foi

concebido para suportar. Como referimos a título de exemplo, se o parceiro privado está

obrigado a conceber e construir uma infraestrutura que suporte sismos até determinado grau

de magnitude, o sismo de grau inferior não é caso de força maior.

Coisa semelhante ocorre no Contrato do SIRESP. Este, para além de vincular a Operadora a

assegurar a disponibilidade do Sistema de acordo com determinados níveis de serviço, impõe-

lhe igualmente determinadas regras quanto à conceção do SIRESP. Uma dessas regras,

decorrentes das Especificações Técnicas e constante já do Caderno de Encargos, é a da

existência de elementos redundantes, que possam operar na ausência do elemento primário.

Importa, por isso, verificar se as falhas verificadas se ficaram a dever a qualquer elemento do

sistema que devesse ter elementos redundantes que não se encontrasse em funcionamento.

Esta é uma questão de facto, a cujo apuramento não podemos proceder, e pressupõe ainda

uma análise técnica do Caderno de Encargos e do Contrato que não nos cabe fazer 15.

Mas sendo esse o caso, fica claro que ocorreria incumprimento das obrigações em matéria de

redundâncias do SIRESP. Nesse caso, não faz sentido colocar a questão da força maior, mas

sim exigir o cumprimento por parte da Operadora

6.3 Não podendo nesta altura responder à questão enunciada, podemos em qualquer caso avaliar

se um incêndio se pode, em abstrato, configurar um caso de força maior para os efeitos do

Contrato. A resposta é positiva.

Como dissemos, o Contrato qualifica como caso de força maior “os eventos imprevisíveis e

irresistíveis, cujos efeitos se produzam independentemente da vontade da Operadora ou da

sua atuação, ainda que indiretos, que comprovadamente impeçam ou tornem mais oneroso o

cumprimento das suas obrigações contratuais”. Não nos cabe dúvida que um incêndio cabe

nesta definição.

Como indicámos no parágrafo 3.3 do presente memorando, a doutrina tem vindo ao longo das

décadas a solidificar o conceito de força maior e, com referência a este, das noções de

imprevisibilidade e de irresistibilidade. Fica claro que o evento imprevisível, para este efeito,

não é apenas aquele que as partes não podiam de todo configurar como possível. Os eventos

que se encontram no domínio das possibilidades, mas que as partes não podem ter a certeza

se se verificarão ou não, quando poderão ocorrer ou qual o impacte que possam ter sobre o

programa contratual, reconduzem-se ainda ao conceito de imprevisibilidade. Um incêndio cabe

neste conceito. As partes no Contrato podem e devem admitir a possibilidade de ocorrência de

15 Como exemplo, vejam-se as Especificações Técnicas do Caderno de Encargos, segundo o qual “as ligações fixas (entre

comutadores e entre estes e as estações base) devem ser redundantes, devendo haver redundância parcial nas estações

base” (cfr. Sec. B, §1.1, al. g)). Na conceção, desenvolvimento, fornecimento, instalação, ensaio e colocação em serviço de

todos os Subsistemas, a Operadora deve obedecer ao Caderno de Encargos (cfr. Contrato, Cl. 3), sendo que a Proposta

contém declaração de conformidade com o Caderno de Encargos.

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incêndios, mas não sabem se e quando este ocorrerá, ou em que medida poderá ter impacte

sobre a prestação.

O incêndio é também um evento irresistível. Uma vez deflagrado, a Operadora não dispõe de

meios para o seu combate e os seus efeitos impõem-se. O incêndio que não decorra de facto

imputável à Operadora surge independentemente da vontade desta e os seus efeitos

produzem-se também de forma independente.

Parece-nos, pois, que um incêndio deve qualificar-se, para os efeitos do Contrato, como um

caso de força maior.

6.4 Ainda que o incêndio se configure como um caso de força maior, tal não significa que o risco

da sua ocorrência não seja contratualmente alocado à Operadora. Como vimos acima, o

princípio do Contrato, como de outras parcerias público-privadas, é o de que corre por conta da

Operadora o risco de eventos de força maior que correspondam, ao tempo da sua verificação,

a um risco segurável, em mercados da União Europeia, por apólice comercialmente aceitável

(independentemente de a Operadora ter efetivamente contratado o seguro correspondente).

Ora, o risco de incêndio é neste momento segurável no mercado europeu. Está disponível

seguro de danos materiais sobre os bens – que cubra o risco do seu perecimento ou

degradação – incluindo por motivo de incêndio. Nos termos da lei, o seguro pode incidir sobre

bens ou direitos que sejam de titularidade do tomador de seguro ou de terceiro. Assim, a

Operadora pode contratar seguro sobre bens próprios ou de terceiros que estejam afetos ao

Sistema e que cubram o risco de qualquer desses bens poder ser destruído ou danificado em

caso de incêndio.

Isto mesmo, aliás, é imposto pelo Contrato à Operadora. Segundo a Cláusula 15, a Operadora é obrigada a “celebrar e manter em vigor as apólices de seguros necessárias para garantir uma efetiva e extensiva cobertura dos riscos inerentes às atividades compreendidas no Contrato”, e “a manter os referidos seguros em vigor e a comprová-lo perante a Entidade Gestora sempre que lhe seja solicitado, obrigando-se ainda a cumprir o disposto no Programa de Seguros e a celebrar as restantes apólices de seguro nele referidas nos momentos aí estabelecidos”. O Programa de Seguros consta do Anexo 11 ao Contrato, e segundo esse programa, a Operadora é obrigada, na fase de operação, a contratar apólice do tipo ALL RISKS por forma a encontrarem-se cobertos todos os riscos de danos materiais. Devem ser seguros “todos os bens que façam parte do património da Operadora ou estejam sob sua responsabilidade, incluindo equipamentos e instalações propriedade da Operadora, alugados, ou adquiridos em sistema de leasing ou similar”. A apólice ALL RISKS deve ainda cobrir perdas de exploração. Não há dúvida, por isso, que a Operadora tem o dever de contratar seguro de danos materiais que abranja o risco de incêndio e que cubra bens próprios ou de terceiro. O risco de incêndio é risco segurável existindo a cobertura para o efeito no mercado nacional e, salvo demonstração em contrário, as apólices disponíveis no mercado são “comercialmente aceitáveis” 16.

16 O conceito de “apólice comercialmente aceitável”, como se viu, é um conceito comummente utilizado nos contratos

subjacentes a parcerias público-privadas. Em si mesmo, é um conceito indeterminado, que deve ser interpretado como a

apólice cujo prémio não seja proibitivo ou desproporcionado. Deve ser claro que a apólice comercialmente aceitável não é só

aquela cujo prémio corresponda ao valor previsto no Caso Base anexo ao contrato. Na verdade, a incerteza quanto ao valor

do prémio constitui risco do parceiro privado, uma vez que, sendo o contrato de seguro de duração mais curta do que o

contrato de parceria público-privada (normalmente apenas um ano, havendo que renovar a apólice no seu termo), existe um

risco que corresponde à variação do prémio de seguro. Esse risco corre por conta do parceiro privado, salvo se, em qualquer

momento, o prémio se tornar claramente fora de proporção (pense-se, por exemplo, no que ocorreu no mercado internacional

com o risco de terrorismo após os atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque).

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Por isso, o risco de incêndio que afete bens da Operadora ou de terceiro e que impeça ou torne

mais oneroso o cumprimento das obrigações contratuais da Operadora é risco que corre por

conta da Operadora 17.

6.5 Importa referir uma circunstância adicional. Como referimos, não nos pronunciamos neste

memorando sobre factos concretos, designadamente as circunstâncias em que um incêndio

possa afetar o cumprimento das obrigações da Operadora. Esses factos não nos foram

comunicados pelo Ministério da Administração Interna. Ainda assim, temos conhecimento que

uma das hipóteses que poderá estar em causa é destruição pelos incêndios dos cabos que

suportam os circuitos alugados à PT. Ora, tais circuitos não pertencem à Operadora, e o

contrato celebrado com a PT, que correspondia ao Anexo 40 do Contrato contém diversas

cláusulas que limitam a responsabilidade desta perante a Operadora.

Porém, como referimos anteriormente, a Cláusula 14.1 do Contrato dispõe expressamente que

a Operadora não pode “a Operadora é, face à Entidade Gestora, a única e direta responsável

pelo atempado e perfeito cumprimento das obrigações constantes do Contrato”, e não pode

“opor à Entidade Gestora qualquer contrato ou relação com terceiros para exclusão ou limitação

dessa responsabilidade, salvo quando o próprio Contrato o permitir ou incumprimento resulte

da falha de funcionamento de circuitos de comunicações disponibilizados por entidades

públicas ao abrigo do disposto na Cláusula 12.13”.

Não pode assim a Operadora invocar as limitações do contrato com a PT para se eximir ao

cumprimento das suas obrigações. Aliás, a própria circunstância de a Cláusula 14.1

expressamente afastar a responsabilidade da Operadora apenas nos casos dos circuitos de

comunicações disponibilizados por entidades públicas (porque tal corresponderia a uma falha

imputável à própria administração) deixa claro que o contrato relativo a circuitos alugados a

entidades privadas não pode limitar a responsabilidade da Operadora.

17 A Operadora tem em vigor apólice de seguro de tipo All Risks, cuja cópia nos foi facultada (Apólice PA14PR0012, contratada

junto da seguradora AIG – ata adicional n.º 3 referente a 2017). Essa apólice garante os riscos base, tal como definidos nas

respetivas Condições Gerais, que incluem “todos os riscos de perdas ou danos materiais diretos, súbitos e acidentais, não

expressamente excluídos no artigo 7.º, que sejam causados aos bens seguros tangíveis enquanto nos locais de risco

seguros”. Os locais de risco, segundo as Condições Particulares, são vários, e desconhecemos se abrangem os bens de

terceiro afetos ao Sistema, designadamente os circuitos alugados. Porém, esse é um tema para discussão entre a Operadora

e a sua Seguradora. Na relação com a Entidade Gestora, o que vale é a constatação de que a Operadora tem o dever de

contratar seguro que abranja o risco de incêndio que afete bens próprios ou de terceiros, e que segundo a Cláusula 17 esse

risco corre, pois, por conta da Operadora.