memes, genes e consciência

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Artigo: Memes, genes e consciência Sapere Aude Belo Horizonte, v.6 - n.11, p.283-298 2º sem. 2015. ISSN: 2177-6342 283 MEMES, GENES E CONSCIÊNCIA MEMES, GENES AND CONSCIOUSNESS Márcio Francisco Rodrigues Filho RESUMO Aqui pretendo defender que o conceito de consciência de Daniel Dennett é incompleto, pois é constituído de uma teoria falaciosa, a saber, os memes. Para Dennett a consciência humana não passa de coleção de memes a formar uma máquina virtual que roda na arquitetura paralela de nossos cérebros. Penso que os memes não são uma analogia correta com os genes em um aspecto relevante. Por isso, defenderei que se os memes não podem dar explicação evolucionista correta à cultura humana, tão pouco, podem formar um conceito de consciência correto. PALAVRAS-CHAVE: Dennett; Dawkins; Memes; Genes; Consciência ABSTRACT Here I intend to argue that the concept of consciousness Daniel Dennett is incomplete because it consists of a fallacious theory, namely, the memes. For Dennett human consciousness is nothing but collection of memes to form a virtual machine that runs on the parallel architecture of our brains. I think that memes are not a proper analogy with genes in a material respect. That is why, I defend memes can not give correct evolutionary explanation for human culture, as little may form a correct concept of consciousness. KEYSWORD: Dennett; Dawkins; Memes; Genes; Consciousness Doutorando em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (CAPES/PROSUP), também é mestre e graduado em Filosofia pela mesma instituição. Atuou como Jornalista em jornais do interior do RS e da capital como repórter, diagramador e colunista sob o Registro nº: 15689. Foi bolsista de iniciação científica na área da pedagogia e professor da rede pública do estado do Rio Grande do Sul. Hoje como bolsista pesquisa nas áreas da filosofia da mente, filosofia política e ciências cognitivas.

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Aqui pretendo defender que o conceito de consciência de Daniel Dennett é incompleto, pois é constituído de uma teoria falaciosa, a saber, os memes. Para Dennett a consciência humana não passa de coleção de memes a formar uma máquina virtual que roda na arquitetura paralela de nossos cérebros. Penso que os memes não são uma analogia correta com os genes em um aspecto relevante. Por isso, defenderei que se os memes não podem dar explicação evolucionista correta à cultura humana, tão pouco, podem formar um conceito de consciência correto

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Artigo: Memes, genes e conscincia Sapere Aude Belo Horizonte, v.6 - n.11, p.283-298 2 sem. 2015. ISSN: 2177-6342283 MEMES, GENES E CONSCINCIA MEMES, GENES AND CONSCIOUSNESS Mrcio Francisco Rodrigues Filho RESUMO AquipretendodefenderqueoconceitodeconscinciadeDanielDennett incompleto, pois constitudo de uma teoria falaciosa, a saber, os memes. Para Dennettaconscinciahumananopassadecoleodememesaformaruma mquina virtual que roda na arquitetura paralela de nossos crebros. Penso que os memes no so uma analogia correta com os genes em um aspecto relevante. Porisso,defendereiqueseosmemesnopodemdarexplicaoevolucionista correta cultura humana, to pouco, podem formar um conceito de conscincia correto. PALAVRAS-CHAVE: Dennett; Dawkins; Memes; Genes; Conscincia ABSTRACT HereIintendtoarguethattheconceptofconsciousnessDanielDennettis incompletebecauseitconsistsofafallacioustheory,namely,thememes.For Dennetthumanconsciousnessisnothingbutcollectionofmemestoforma virtual machine that runs on the parallel architecture of our brains.I thinkthat memes are not a proper analogy with genes in a material respect. That is why, I defend memes can not give correct evolutionary explanation for human culture, as little may form a correct concept of consciousness. KEYSWORD: Dennett; Dawkins; Memes; Genes; Consciousness Doutorando em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (CAPES/PROSUP), tambm mestre egraduadoemFilosofiapelamesmainstituio.AtuoucomoJornalistaemjornaisdointeriordoRSeda capital como reprter, diagramador e colunista sob o Registro n: 15689. Foi bolsista de iniciao cientfica na rea da pedagogia e professor da rede pblica do estado do Rio Grande do Sul. Hoje como bolsista pesquisa nas reas da filosofia da mente, filosofia poltica e cincias cognitivas. Mrcio Francisco Rodrigues Filho Sapere Aude Belo Horizonte, v.6 - n.11, p.283-298 1 sem. 2015. ISSN: 2177-6342284 1. A CONSCINCIA PARA DENNETT UMA COLEO DE MEMES? Umavezquenesteartigoprocurareiargumentarqueoconceitodeconscincia dennettianoincompletoporquerecorreaumconceitofalacioso(osmemes)emsua composioconceitualdoqueconstituiaontologiadaconscincia,precisareifazertrs coisas: primeiro, apresentar o conceito de conscincia de Dennett e do que ele constitudo paramostrarqueela,aconscincia,paraDennettumacoleodememes.Depois,em segundo lugar, apresento o conceito de memes, que acredito ser falacioso, mas usado por Dennett para compor seu conceito a respeito do que seja a conscincia. Por fim, apresento contraexemplos tese de que os genes e memes so anlogos, argumentando em defesa de que memes no podem dar uma boa explicao baseada em uma analogia, para evoluo da cultura.NavisodeDennett1aconscinciaumahabilidade,poisassimcomons apreendemoscomopassardotempoaordenharvacasedomarcavalos,tambm apreendemosdecertomodo,aordenharedomarasnossasmentesconscientese,asdas outras pessoas. Isso porque, as tcnicas de estimulao e autoestimulao esto entranhadas emnossacultura,assimcomoemnossaeducao.Nossaculturaeeducaose converteramemumaespciededepsito,segundoDennett.Essedepsitoummeiode nstransmitirmosinovaesparanseasoutraspessoas.Noapenasinovaessobrea conscinciaeoseuprojeto,mastambmdomeioparaevoluodanossaespcie,de maneirageral.(DENNETT,1995,p.212).Masagora,antesdevermosaapropriaode Dennettdoconceitodememesparacomporoseuconceitodeconscincia,faamosuma pausa para responder a seguinte questo: o que a conscincia humana, segundo Dennett, ou seja, qual a sua ontologia? 1DanielDennettumdosmaisimportantesfilsofoscontemporneosvivos,professorepesquisadordo Centro de Estudos Cognitivos da Tufts University em Boston, nos E.U.A., discpulo de Quine (1908-2000) em Harvard, de quem herdou o naturalismo, ou seja, a ideia de que a filosofia deve ser uma aliada da cincia ouumprolongamentodesta.TambmfoiumdiscpulodeRyleemOxford,poisDennettpertenceauma linguagemfilosficaprofundamentemarcadapelaanlisedalinguagem,especialmentedostermos psicolgicos (TEIXEIRA, 2008, p.18).Artigo: Memes, genes e conscincia Sapere Aude Belo Horizonte, v.6 - n.11, p.283-298 2 sem. 2015. ISSN: 2177-6342285 Aconscinciahumana,elaprpria,umaimensacoleodememes(ou,mais precisamente,efeitos-memeemcrebros)quepodemsermelhorcompreendidos comaoperaodeumamquinavirtualVonNeumannescaimplementadana arquitetura paralela de um crebro que no foi projetado para nenhuma atividade do gnero (DENNETT, 1995, p.223). Como vemos nesta passagem, para Dennett a conscincia so os efeitos, ou seja, as experincias que temos das atividades dos memes nas nossas cabeas. Estes memes, isto , asideiasqueestovagandoemnossascabeassoproduzidasporumamquinavirtual. Mquina esta que estilo Von Neumann.2 O que uma mquina Von Neumannesca? um programa decomputador, um software.Dennett um funcionalista arespeito do mental3e para ele, a mente um programa de computador, um software a rodar num hardware.Este softwarerodaasnossasideiaseelascausamdealgumaformaasnossasexperincias conscientesquetemos,masnohnenhumfenmenosubjetivoaqui,segundoDennett. Apenasumsoftware(mente)arodaremalgoanlogoacomputadorescomuns(crebro) (FILHO, 2014).Para Dennett, o nosso hardware que roda o software exatamente o nosso crebro, ou seja, uma mquina, um disco duro, rgido feito pela natureza. Crebro, ou seja, hardware este (crebro) que no foi projetado, selecionado pela seleo natural4 para ter, por algum 2JohnVonNeumannnasceuemMargittai1903emorreuemWhashingtonD.Cdia8defevereirode1957. Foiumextraordinriomatemticohngarodeorigemjudaica,naturalizadoestadunidense,quecontribuiu com a teoria dos conjuntos, com a teoria dos conjuntos, com a anlise funcional, teoria ergdica e com a fsica quntica,comacinciadacomputao,economia,teoriadosjogoseaanlisenumrica,almda hidromecnicadasexplosesemuitasoutrasreasligadascomamatemtica.consideradoumdosmais importantes matemticos do sculo XX. Participou do projeto Manhattan, responsvel pelo desenvolvimento das primeiras bombas nucleares atmicas e foi professor na Universidade de Princeton e um dos construtores do ENIAC (FILHO, 2007). 3Funcionalismo nafilosofia da mente a doutrina que explica que aquilo que faz algo ser um estado mental de um tipo particular, no depende de sua constituio interna, ou seja, do seu material, antes, o que faz uma coisa ser um estado mental a sua funo, ou seja, a forma como o estado mental funciona, ou o papel que ele desempenhanosistemadoqualeleumaparte.EstadoutrinaestenraizadanaconcepodaAlmade Aristtelesetemantecedentesnaconcepodamentecomouma"mquinadecalcular"deHobbes,mas tornou-setotalmentearticulado(epopularmenteendossado)apenasnoltimoterodosculoXX(LEVIN, 2015).

4Teoria da evoluo pela seleo natural foi defendida por Darwin (1809 -1882), um naturalista britnico que alcanoufamaaoconvenceracomunidadecientficadaocorrnciadaevoluoeproporumateoriapara explicar como ela se d por meio da seleo natural e sexual. Sua teoria de de explicao defendia uma causa mecanicistaparaaexistnciadeadaptaesnanatureza.Foiaprimeiraeanicaalternativacientficaao argumento do design e isto, por si s j basta para destacar a importncia do seu significado filosfico. No entanto, esta teoria tambm levanta outras questes filosficas no encontradas no estudo das teorias da fsica. Infelizmente, o conceito deseleo naturalest intimamenteentrelaadacom os outros conceitos bsicos da teoria evolucionria, tais como os conceitos de adequao eadaptao queso eles prprios filosoficamente Mrcio Francisco Rodrigues Filho Sapere Aude Belo Horizonte, v.6 - n.11, p.283-298 1 sem. 2015. ISSN: 2177-6342286 motivo,afunoquetemhoje:rodarasnossasideiasesensaes,aracionalidadeeos sentimentos(nossasmentes),masacabouevoluindonanaturezaesetornandoisto:um computador biolgico muitssimo sofisticado (FILHO, 2014). Agoravejamos,ondeentramosmemes,nestateoriadenettianadaconscincia. Primeiro,precisofrisarqueosmemessoumtermoempregadopelaprimeiravezpor RichardDawkins5emseulivroOgeneegostade1976.Osmemessoumaanalogiade Dawkins com osgenes paraexplicar como as ideias, ou seja, os memes so uma analogia comosgenesparaexplicarcomoaculturahumanaevolui.Dennettseaproprioudeste conceito para formular seu conceito de conscincia: aquilo que o nosso programa biolgico (mente)deumcomputadornatural(crebro)estrodandosoosmemes(asideiasda cultura: sentimentos, emoes e razes) (FILHO, 2014). Assimcomoosgenesutilizam-separareproduzirem-sedens,ossereshumanos, tambm os memes se utilizam. Porm, eles se utilizam, segundo Dawkins, dos crebros de nossaespcie,ohomosapiens,paraconseguiremsereproduzir.Porisso,soentidades entendidas como sendo a menor unidade que pode replicar a si mesma usando os crebros e suascapacidades.Assim,osmemesestoimersosnomundoculturalhumano(cincias, literatura,filosofia,comunicao,etc.),comoosgenesestoimersosnomundobiolgico natural.Ateoriadosmemesumadastentativasmaisconhecidasdebuscaraplicaro pensamentoevolucionriocultura.MuitoemboraesseconceitodeDawkinstenha desfrutadoumaconsidervelatenopopular,aindaassim,nosetornoubemconhecido nos crculos cientficos, o que podemos notar aps a exposio de alguns contraexemplos a teoria, que sero apresentados na prxima sesso. Uma vez apresentado em um panorama geral o conceito de conscincia de Dennett, agorapartoparaaexposiodoconceitodememes,quealegareiserfalso.Sendoassim, controversos.Felizmente,setemconsiguidoprogressosconsiderveisaoobterumaclaraexplicaoa respeito da seleo natural, mesmo sem resolver todos esses problemas pendentes (BRANDON, 2015). 5ClintonRichardDawkins(Nairbi,26demarode1941)umetlogo,bilogoevolutivoeescritor britnico.professoremritodoNewCollege,daUniversidadedeOxfordefoiProfessorparaa Compreenso Pblica da Cincia em Oxford. Ganhou grande destaque aps ter escrito o livro O Gene Egosta publicadoem1976.Esselivrodifundiuavisodaevoluoquelargamenteconhecidahojecoma centralizaodaevoluodasespciessendoatribudapelosnossosgenes.FoiDawkinsquenesselivro introduziuotermomemepelaprimeiravez,termoquetambmutilizadoporDennettparacomporoseu conceito de conscincia (DAWKINS, 1979). Artigo: Memes, genes e conscincia Sapere Aude Belo Horizonte, v.6 - n.11, p.283-298 2 sem. 2015. ISSN: 2177-6342287 entooquesomemeseparaoqueforamcriados?Bem,estateoriadosmemesprocura efetuar uma analogia entre a evoluo gentica e a evoluo cultural por meio da Teoria da Evoluo por meio da Seleo Natural. Essa analogia dos memes com os genes comea por umacaracterizaoabstratadaseleocomoumprocessoquerequerentidadesquese reproduzem,demodoqueospaisseassemelhamaosseusfilhos,etc.e,queisso,sed atravs dos genes. Para Dawkins, as entidades que tm a capacidade de fazer cpias fiis de si mesmas so os replicadores. Esses replicadores so necessrios para explicar esta semelhana que h de gerao em gerao. Nos modelos biolgicos padres da teoria da evoluo isto um pressupostobsico.Osgenessoosreplicadores,ouseja,elessoorelevanteemuma explicao da semelhana das geraes. Se os genes fazem cpias de si mesmos, ento esta capacidadedesecopiarqueelespossuempodeexplicarporqueosorganismosdeuma determinada prole se assemelham tanto uns com os outros. Da mesma forma, a cultura deve evoluir,segundoDawkins,atravsdeumaanalogiaentregenesememes,ouseja,os memes seriam os responsveis por replicarem a cultura. por isso que paraDawkins se torna necessriopostular este ente, o meme, que anlogoaoreplicadordesemelhanadasgeraes,ogene,seelepretendedaruma explicaobiolgicaanossaheranacultural.DaqueDawkins,ento,criaestaentidade abstratacomosendoaexplicaocapazdeseroreplicadordanossacultura.Afinalso exatamente eles, os Memes que desempenham o papel de transmitir a cultura de gerao em gerao.Fazendo,alis,comqueelasemodifiqueearmazeneoqueimportanteatravs degeraes.AanalogiadeDawkinssimples:seosgenessoresponsveispela reproduo gentica, os memes so os responsveis pela nossa reproduo cultural e h os seguintes exemplos dessas entidades: Memessomelodias,idias,"slogans",modasdovesturio,maneirasdefazer potesoudeconstruirarcos.Damesmaformacomoosgenessepropagamno "fundo" pulando de corpo para corpo atravs dos espermatozides ou dos vulos, damesmamaneiraosmemespropagam-seno"fundo"dememespulandode crebro para crebro por meio de um processo que podeser chamado, no sentido amplo,deimitao.Seumcientistaouveoulumaidiaboaeleatransmitea seus colegas e alunos. Ele amenciona em seus artigos e conferncias. Se a idia pegar, pode-se dizer que ela se propaga a si prpria, espalhando-se de crebro em crebro (DAWKINS, 1979, p.124). Mrcio Francisco Rodrigues Filho Sapere Aude Belo Horizonte, v.6 - n.11, p.283-298 1 sem. 2015. ISSN: 2177-6342288 DennetttambmassumeaalegaodeDawkinsdequeasideiaspodemser conceituadascomoentidadesquevodementeparamentefazendocpiasdesimesmas atravsdeumprocessodereproduoculturaldosreplicadores(memes)deideias.Os memes so uma resposta atraente para se explicar a forma com que a cultura evolui. Porque assimcomoosgenesfazemcpiasdesimesmosemgrausdiferentesdeacordocomos efeitosdosorganismosqueoscarregamemseusambienteslocais,osmemespoderiam fazer cpias de si mesmos, tambm em propores diferentes de acordo com os seus efeitos sobre os organismos que os carregam (LEWENS, 2015).Agoravejamosdepertocomoistopoderiaacontecersegundoosadeptosda memtica.Pensemosemideiasemumauniversidade,ouemumacomunidadede pesquisadoresemfilosofia.Geralmentealgunspesquisadoresemfilosofiaacreditamem coisassobreoidealismodeumaformamaisforte,digamosassim,doqueoutros pesquisadores em filosofia. Um problema em filosofia, uma ideia, se inicia na mente de um oumaispesquisadores.Porm,sseelaforaceitapormaispesquisadoresqueelase espalhar, podendo at ser amplamente difundida na comunidade de pesquisa filosfica se for o caso de se espalhar muito. Assim como aconteceu com as ideias difundidas de Plato6, Kant7,Aristteles8eHume9.pelamesmarazoqueoutrosproblemasnoso 6 Plato (429? - 347 AC) geralmente conhecido como sendo um dos maiores escritores da tradio literria ocidental emuito conhecido na histria da filosofia. Foi um cidado de atenas na Grcia de status elevadoe escreveu sobreeventos polticos emovimentos intelectuaisdasuapoca. Trouxeatona questes grandiosas atravs demetodos to ricosqueautores dequase todos os perodos tiveram asua influncia.Alm deque, filsofoscostumeiramentesoplatnicosemalgumaspectodeseustrabalhos.Mesmoquenosejao primeiro pensador que possa ser chamado de filsofo, ainda assim, Plato explanou sobre o tema da filosofia comoelamuitasvezesathojeconcebida.Argumentandoqueelaumexamerigorosoesistemticodas questes ticas, polticas, metafsicas e epistemolgicas que tem um mtodo distinto e prprio. Quase nenhum outro autor nahistria da filosofia ocidental pode chegar perto da profundidade e amplitude que ele chegou. Talvez apenas Aristteles, que foi seu discpulo, embora Toms de Aquino e Kant sejam tambm geralmente aceitos como autores do mesmo nvel que ele (KRAUT, 2015). 7 Immanuel Kant (1724 a 1804) geralmente reconhecido como o filsofo mais importante e influente da era moderna. Fonte de inspirao determinante do Idealismo Alemo (Fichte, Schelling e Hegel) no sculo XIX. Detentor de uma filosofia revolucionria, Kant proporcionou uma doutrina no apenas histrica, mas tambm divisoradeguasnopensamentopr-modernoenopensamentogenuinamentecrtico(FILHO,2014, p.97). 8Aristteles(384-322aC)estentreosmaioresfilsofosdetodosostempos.ApenasPlatoconsiderado um autor que pode ser comparado a ele. As suas obras tem influncia ao longo dos sculos, desde a filosofia daAntiguidaataRenascenaeaindahoje,suasobracontinuaaserestudadacomgrandeinteresseno apenas histrico. Foi um pesquisador com mais de 100 tratados, mas quesobreviveram cerca de trinta e um. Sua obra abarca umavasta gama de disciplinas: lgica, metafsica efilosofia damente, tica, teoria poltica, esttica e retrica, etambmreas no-filosficas como abiologiaemprica, ondefez plantas detalhadas da Artigo: Memes, genes e conscincia Sapere Aude Belo Horizonte, v.6 - n.11, p.283-298 2 sem. 2015. ISSN: 2177-6342289 consideradosgenuinamentefilosficos,maspseudoproblemas,diriamosadeptosda memtica,poisquenopassamdemerasconfusesconceituais,porexemplo(FILHO, 2015, p.150). Algumas ideias filosficas se estendem e se espalham enquanto outras no. Alguns memes filosficos teriam caractersticas que os tornam mais propensas a se espalhar do que outros.Areproduodosmemesocorreatravsdeles,destasentidadesreplicadorasda cultura,pormeiodeumaanalogiacomosgenes.Osmemessoumaanalogiacomos genes, mas que no pode ser vista como literal, pois esta perspectiva no pretende mostrar quesomosmanipuladosporreplicadoresculturaisegostas.Antes,Dawkinsquis demonstrar que, por exemplo, as mudanas nas pesquisas em filosofia esto vinculadas a uma luta entre memes, ideias.Noentanto,serquenspodemosdescreverexatamenteotododesteprocesso? Conseguiremosexplicarcomoumaideiaevoluiuepassadaadiante,dizendoqueos pesquisadores em filosofia que escolhem o que aceitar ou rejeitar e, por isso, determinados problemaserespostasaproblemasfilosficospodemseraceitosemvistadoscritriosde cada pesquisador? Critrios estes que podem ser vrios, como a familiaridade com alguma teoria, por exemplo, ou o poder explicativo de uma teoria, de onde a teoria surgiu, a esttica da teoria, ou apenas outra, das vrias coisas quedependemda subjetividade, das ideias de cada sujeito e seus memes egostas? (FILHO, 2014, p.150). No apenas um processo que ocorre nas selees das ideias por meio dos memes, mas vrios processos que so tomadosem conjunto no que se trata da seleo dos memes egostas.Essavisoegostaemanipuladoraapenasumacaractersticaacidentaldoque Dawkins diz a respeito do egosmo nos memes. Privar os seres humanos do controle sobre as ideias no o ponto, o que importa o que os memes fazem, ou seja, a batalha entre eles observaodeanimaisesuataxonomia.Emtodasessasreas,asteoriasdeAristtelesterfornecido iluminao,encontrouresistncia,provocouumdebate,e,geralmente,estimulouointeressedeumpblico permanente (SHIELDS, 2015). 9 Filsofo mais influente da lngua inglesa, pois contribuiu no apenas para com a filosofia, mas a poltica, histria, economia, demografia, sociologia e psicologia. David Hume foi tambm bem conhecido em seu tempo como um historiador e ensasta. Foi ummestre em qualquer gnero, suas principais obras-A filosficas so o Tratado da Natureza Humana (1739-1740), os inquritos sobre o Entendimento Humano (1748) e sobre os Princpios da Moral (1751), bem como seus Dilogos postumamente publicados sobre a Religio (1779) e at hoje profundamente influente (FILHO, 2011, p.13). Mrcio Francisco Rodrigues Filho Sapere Aude Belo Horizonte, v.6 - n.11, p.283-298 1 sem. 2015. ISSN: 2177-6342290 e no, o que os seres humanos querem aceitar (LEWENS, 2014). Porm, isto abre caminho para muitas duvidas como veremos na prxima sesso.Na obra de Dawkins a analogia entre genes e memes ampla. Memes obedecem s mesmasleisdeseleonaturalqueosgenes.Porm,Dawkinsnocaracteriza especificadamenteosseusmecanismos,comoosooselementosbiolgicos,quedizem respeitoontologiadosgenes.Sabemosdoqueosgenessofeitos,masnosabemosdo que os memes so constitudos. Para qualquer outro elemento que obedea s mesmas leis geraisdaseleonatural,comooocasodosmemes,noquetratadavariao, hereditariedadeeaptidesproporcionadaspelosdiversosambientesestaanalogiadeveria funcionar. Se os memes so iguais aos genes e eles no so idnticos, em certo sentido, no quedizrespeitoaosseuscorposbiolgicosqueostransportamepermitemqueelesse reproduzam isso acarretar mais alguns problemas.A evoluo cultural dosmemes acontece graas a um complexo processo evolutivo que foi iniciado pelos organismos biolgicos mais simples que possibilitaram a oxigenao doplaneta.Alinguagemtemumpapelfundamentalaqui,poisessaoxigenaodeu oportunidade ao surgimento de outros organismos biolgicos, que inclusive se alimentavam dasplantaseposteriormente,essesorganismosvivosacabaramdesenvolvendocrebros, que adquiriam algumas capacidades ampliadas junto evoluo dosmemes, como a fala e finalmente,puderamsertransmitidos.Osmemessereproduziramgraaslinguageme assim puderam migrar de um crebro a outro (FILHO, 2014, p.151).Noentanto,areproduofsicadosmemesnogaranteasuasobrevivncia,pois mesmoqueosmemespassemdeumamenteparaoutraatravsdalinguagem,essa reproduo fsica, no capaz de garantir a sua sobrevivncia, pois os memes precisam dos crebros antes de tudo e deles mesmos para sobreviver. Apesar, de que, para existirem, os memesprecisamdelivros,cartas,etc.Nohrazesexplicandocomoosmemes conseguemsobrevivercomoohnocasodosgenes.Mesmoassim,algunsmemes prevalecem,enquantooutrosno,deacordocomDawkinseDennett,qualaexplicao? Istopareceacontecer,intuitivodizerquecertamentehumacompetioentreeles,ou seja, entre as ideias, mas qual o dado biolgico para essa replicao?TantoDawkinscomoDennettnoseapropriamdeumateoriageralsobreoque fazem os memes se manterem vivos, to pouco, como eles fazem para serem bem sucedidos Artigo: Memes, genes e conscincia Sapere Aude Belo Horizonte, v.6 - n.11, p.283-298 2 sem. 2015. ISSN: 2177-6342291 emsuasreprodues,paracontinuaremsereproduzindoeseexpandindonacultura humana.Nohumaexplicaodecomoumaideiasobreviveaolongodotempoe adotadaporumsujeitocapazdeentend-la(PAULO,2012,p.63).Emboraalgunspoucos fatores, que so contingentes e no necessrios possam ser enunciadosa respeito de como os memes conseguem manterem-se vivos, aindaassim, no parecem ser razes suficientes para apoiar a teoria a respeito dos memes, como veremos mais adiante. O que importa para Dennett em sua afirmao de que a mente consciente humana elamesmaumprodutodareestruturaodocrebrohumanoatravsdosmemes,que acontecedesdeacriaodalinguagemedacivilizaodesdealgoemtornode100.000 anosatrs,queamenteconsciente,umnovotipodeevoluo.Evoluoqueprocede comvelocidademuitomaisrpidaqueabaseadaemgentiposesuasmanifestaes fenotpicas,tendoconsequnciasparaavisodaconscinciahumana,quevistacomo efeito de um complexo conjunto de memes (DENNETT, 1995, p.207-208). Apartirdoconjuntodeestratgiasdeautoexploraoeautomanipulaoquese formamnavisodeDennett,nossoshbitosedisposiesparaagirmosdedeterminados jeitos que agimos. So esses mecanismos de autoexplorao e automanipulao que alteram aestruturadacomunicaodenossoscrebros.Nossoshbitosedisposiesacabam espalhando-sepormeiodacultura,atravsdadisseminaodesseshbitosedisposies, fazendocomque,estasdisposiessetornemexatamenteaquiloqueso:osmemes (ideias).Aiqueseencontraarelevnciacrucialdosmemesparaateoriadennettianada conscincia.Soexatamenteeles,osmemes,quetornampossvelessamquinavirtual implantadanaplasticidadedocrebrohumanoqueevoluiunanatureza:mquinaque efeito, ou seja, o resultado de um enorme complexo de memes (DENNETT, 1995,p.223). Agora, procurarei apresentar o que acredito estar errado com esta concepo analogia entre genesememeseoporqueoconceitodememe,sendofalacioso,nopoderiacomporum conceito de conscincia que esteja correto. Mrcio Francisco Rodrigues Filho Sapere Aude Belo Horizonte, v.6 - n.11, p.283-298 1 sem. 2015. ISSN: 2177-6342292 2. GENES,MEMESECONSCINCIA:ANALOGIAS INCORRETAS Nestasessoapresentareialgunscontraexemplosaesteconceitofundamentalda teoriadaconscinciadennettiana:osmemes.PrimeiroapresentoasrazesqueJohn Searle10temparaconsideraraanalogiaentregeneememeumerro.Depois,procuro apresentaroutroscontraexemplosdequememesegenesnopodemseranlogosemum sentido relevante enquanto replicadores discretos. Afinal um gene pode nos apresentar sua origem, a sua hereditariedade e, no que diz respeito a uma ideia (linguagem), a sua origem no to bem definida.Comeamos por averiguar a observao de Searle. Para ele, Dennett ataca oTeatro Cartesiano11 no para fundamentar sua perspectiva para o estudo da conscincia, mas sim para negar os estados subjetivos. Searle diz que Dennett ataca o teatro cartesiano no para mostrar ao leitor que tais estados mentais qualitativos ocorram em todo o crebro e no em umaregioespecficaesim,porquequerdemonstrarqueestarconscienteseria implementarumcertotipodeprogramaouprogramasdecomputadoremumamquina paralela que evolui na natureza (SEARLE, 1998, p.125), como vimos anteriormente.No entanto, a nossa conscincia, como vemos nas prprias palavras de Dennett, no passadeefeitosdessesmemesemnossoscrebros.Nossasmquinasbiolgicas,nossos hardwares so o que rodam nossa mente consciente (certo tipo de programa de computador) nofoiselecionadapelanaturezacomesseobjetivo.Porm,umavezqueosmemesso umaanalogiacomosgenesimportanteressaltarqueelesnosutilizamparaofimdese 10 Filsofo norte americano e um dos grandes pensadores da filosofia da mente na atualidade. Famoso por seu clebre argumento do Quarto Chins, quevisa derrubar a teoria da IntelignciaArtificial Forte (IA Forte). Nascidonodia31dejulhode1932,professordaUniversidadedeBerkeley,naCalifrnia(EUA),e comeouseutrabalhoacadmicosepreocupandocomquestesreferenteslingusticaeafilosofiada linguagem, escrevendo textos sobre os speech acts (atos de fala), (JUNIOR, 1998, p.11-18). 11Segundo Dennett, este o modelo para o estudo da conscincia hegemnico na filosofia da mente. Dennett dirigedurascrticasaestemodelo,procurandoafastaressanoodasuateoriadaconscincia.Essanoo sobre o mental diz respeito viso que pressupem que em nosso crebro h um lugar especfico onde nossas experincias conscientes semanifestam. Local quedeveriaestar no crebro, mas paraDennett no existe. O teatrocartesianoumateleviso,imaginequedentrodesuacabeavoctemumatelevisoligadaeh algum que est vendo esta televiso, voc. Com os olhos abertos a televiso est ligada e bem sintonizada no canal de sua vida consciente. Com os olhos fechados e sem ouvir nenhum barulho, por exemplo, no passaria nada em sua televiso. O teatro cartesiano seria isso, a sua vida mental sendo representada em algum lugar do crebroquesomentevocteriaacessoeenxergaria.EsselocalDennettnega,poisnopodeserencontrado pelas pesquisas empricas que se ocupam do crebro (FILHO, 2015, p.127).Artigo: Memes, genes e conscincia Sapere Aude Belo Horizonte, v.6 - n.11, p.283-298 2 sem. 2015. ISSN: 2177-6342293 preservar,reproduzir.OsmemesdeDawkinsestoimersosnomundoculturalhumano, efetuandoumaevoluoculturalpormeiodaevoluobiolgicaeseriamosreplicadores culturais que explicam a nossa herana cultural. No entanto, se o mundo fsico inanimado ensseresanimados,quetemosintencionalidadeenosenvolvemoscomproblemas teleolgicossomosheranadessascoisasfsicasinanimadas,segundoodarwinismo. Porm,paraSearle,seaevoluonaturalnosensinoualgo,queanaturezacega,pois prossegue remando em um barco sem saber para onde vai, prosseguindo, mudando atravs de foras brutas e obscuras (SEARLE, 1998, p.124).Dessa forma, se a natureza no dirigida, se a natureza no tem um objetivo, uma finalidade, pois no consciente. Como a cultura evolui assim como asespcies, j que a cultura abrange, sobretudo, a linguagem, e a esta, envolve intencionalidade consciente, que algoqueanaturezano?Comoqueaculturapoderiaterumpropsito,jqueos genes,naverdade,notmpropsitoalgum?Aquiresideopontocentraldacrticade SearleaoconceitodememeherdadoporDennettemsuateoria.notvelqueagrande contribuio de Darwin que toda a teleologia que ns atribumos s coisas que fazemos e comrespeitonaturezaresultaapenasdeumailuso.Istoporque,oprocessoevolutivo, como bem mostrou Darwin, ocorre, sem propsito algum. Esta analogia dos memes com os genes no podeem princpio ser boa para Searle. Afinal de contas insereintencionalidade ondenoh.Umavezquepartculasfsicasequmicassimplesnotemumamente,no soracionais,topouco,intencionais,comonsqueescolhemosoqueseguireacreditar, pois temos linguagem abstrata.Adifusodeideiasatravsdaimitaotalcomopropeateoriadosmemes, precisariaserintencionalcomooaconscinciahumana,masissocontrariaos ensinamentosdeDarwinarespeitodaevoluo.Aanalogiafracassa,poismemesno deveriam ser compreendidos e interpretados, muito menos deveriam ter uma finalidade para seremanlogosaosgenes.Mesmoassim,aevoluoculturalaconteceapenasapsuma ideiaserentendidacomoboa,isto,apselaserdesejvelesdepois,dasideiasserem julgadas por um agente intencional que elas evoluem, ou seja, continuam existindo, sendo difundidas,imitadas,etc.Noentanto,oimitador,oreplicadorculturalomeme.Se genesememessoanlogos,porquememessoconscientesegenessoinconscientes? No deveriam ser iguais, ou seja, se replicarem da mesma maneira? Mas a transmisso de Mrcio Francisco Rodrigues Filho Sapere Aude Belo Horizonte, v.6 - n.11, p.283-298 1 sem. 2015. ISSN: 2177-6342294 ideiasatravsdeimitaototalmentediferentedatransmissodegenesatravsda reproduo (SEARLE, 1998, p.125). Oconceitodememenopodeserunidadesculturais,porqueelesnoso replicadores, como so os genes. Penso que paraesta analogia dar certo, os memes teriam de serem replicadores, como so as suas cpias, os genes. Porm, replicadores so unidades quefazemcpiasdesimesmos.Noexistenenhummecanismoquepossaserconhecido para explicar como os memes so de fato copiados, pois uma ideia apenas pode ser copiada atravsdaobservaoeinfernciaintencional,oqueosgenes,porexemplo,noso.Os memes precisam do raciocnio intencional para se replicar, ou seja, precisam de um agente intencionalconscienteparaformul-losedivulg-los,comotambm,devriosoutros agentes para selecion-los (LEWENS, 2015), (SEARLE, 1998).Asideiasquecopiamosatravsdeumaimitaosodiferentesdascpiasque fazem os genes, enquanto replicadores. As cpias dos memes, so por imitao de agentes intencionaiseporisso,estosujeitasamuitoserros.Tantoosgenesquantoosmemesse replicam a si mesmos atravs de seu hospedeiro, mas ambos tm uma diferena crucial no que diz respeito possibilidade de erro na sua imitao. Afinal se os memes se propagam atravsdacomunicaolingustica,entoeupossoestarconvencidodequeumcarrode bomumOpala1972ecomunicaressacrenaaumamigo.Meuamigopodeser influenciadoporelaepodepassaraacharomesmosobreoOpala1972,masocontrrio tambm pode ocorrer. Uma crena X faz uma cpia de si mesma seja por comunicao ou inferncia,masatravsdojulgamentodeumagentequeintencional.Noentanto,uma imitao muito propensa a erros para apoiar uma replicao dela mesma, como nos genes que se replicam, sem precisar de agentes intencionais lingusticos.Outro contraexemplo simples que eu posso assar um churrasco com base em uma receitaarespeitodecertomodoqueeuacreditoserocaso,decomosedeveespetare salgarumacarne.Vocpodecomerochurrascoqueeufize,porexemplo,gostarmuito. Porm, do fato de voc gostar e ter me visto fazer no significa que ir imitar o sabor, pois aschancesdoseuchurrascoficarigual,apenasatravsdaimitaodeminhareceitaso muitopequenas,poisaimitaodependedevriascoisasqueincluem,porexemplo,a carne, os espetos, o carvo, etc. mesmo, que estas sejam coisas simples de imitar, precisam ser exatamente iguais, para que a replicao seja perfeita. Embora se esforce para seguir a Artigo: Memes, genes e conscincia Sapere Aude Belo Horizonte, v.6 - n.11, p.283-298 2 sem. 2015. ISSN: 2177-6342295 mesmareceita,aindaassimogostodochurrascotemumaprobabilidademuitograndede no ficar idntico.Daqui espero ter demonstrado que quando as ideias se espalham, ou seja, os memes, quandosereplicam,noofazematravsdeumacpialiteral,comonoexemplodo churrasco. Mesmo que se copie uma ideia, ainda assim isso no significa que o meme fique igual, pois depende muitos outros aspectos, que os genes, seus anlogos, no. Acredito que isto levanta srios problemas para a generalidade do conceito de memes como anlogos aos genes, pois nem todas as ideias so replicadores, tal como, os genes. Se nem todas as ideias somemes,mastodososgenessoreplicadores.Entoosmemesnosoreplicadores. Ampliando a crtica ao conceito de memes, poderamos dizer que as unidades culturais no formamlinhagens,assimcomoosgenes.Essacrticasebaseianoseguinte:enquantona replicao gentica podemos traar uma nova cpia de um gene de volta para um nico pai, ideiasraramentesocopiadosapartirdeumanicafontedeumaformaquenospermita traar linhagens claras e distintas at quem as concebeu de fato.Os que adotam a teoria dos memes gostam de analisar a crena religiosa em termos de propagao de memes, tal como Dennett mesmo o faz. No entanto, as crenas religiosas podem muito bem se espalhar atravs populaes de seres humanos sem que pra isso sejam memes, pois pouco provvel que sejamos capazes de rastrear a f, podendo voltar at sua origem,talcomopodemosfazercomosgenes.Issoporqueaspessoasmuitasvezes adquiremacrenaemDeus,atravsdemuitosfatores,comoporexemplo,aexposioa vrios crentes em uma comunidade local ou ter medo de morrer e acreditar que tal religio lhe dar vida aps a morte, etc. Porm, qualquer que seja o fator para a aceitao da crena, daideia,nofazdessacrena,ummeme,poismemesnosocausados,ouseja, replicados, por um smbolo que identificvel anteriormente at a sua origem e que seja do mesmo tipo que os outros, como acontece, no caso dos genes (LEWENS, 2015).UmadeterminadacrenaemDeuspode,porexemplo,aindasvezes,sercausada pelaexposioaumnicoevangelista,emoutrasvezespodetersidocausadapela inculcao conjunta de dois pais biolgicos e, s vezes, uma crena em Deus ainda pode ter sidocausadapelaimersoemumacomunidadedifusadetestasdurantemuitotempo. Assim,aanalogiaentregenesememesfracassasenotarmosqueaculturanopodeser Mrcio Francisco Rodrigues Filho Sapere Aude Belo Horizonte, v.6 - n.11, p.283-298 1 sem. 2015. ISSN: 2177-6342296 disseminada atravs de unidades discretas, como so os replicadores dos genes (LEWENS, 2015).Todaequalquerideia,quandorelacionadas,sempreestemumarelaolgica. Deveserporissoqueacapacidadedeadquiriralgumacrenadependedascompetncias conceituais do indivduo que as utiliza. impossvel acreditar na teoria da relatividade sem compreend-la. Da mesma forma, no se pode compreender a teoria da relatividade sem ter muitasoutrascrenasadicionaisrelativasFsica.Istovaleparaasideias,queseriam memes,masnoparagenes.Tantoasteoriascientficas,quantoasreligiesesto relacionadasavriasoutrascrenas,masosgenes,queseriamanlogosaosmemes,no esto relacionados a ideias para poder se replicar. Parece loucura procurar argumentar que a culturapossaserreduzidaemunidadesdiscretascomosoreduzidososgenes,os replicadoresbiolgicos.Porqueosmemes,ouseja,aculturanoteriacapacidadedese replicar de forma individual como fazem os genes (LEWENS, 2015). 3. CONSIDERAES FINAIS NesteartigoprocureiapresentaroconceitodeconscinciadeDennett.Conceito constitudo em sua maior parte por um contedo. Dennett define este contedo como sendo memes. Aquilo de que estamos conscientes, segundo Dennett, so os memes.DeacordocomofuncionalismoadotadoporDennettparadarasuaexplicaoa respeitodoqueumamente.Estesmemes,ouseja,ocontedoconscientedamente humana,porexemplo,estariaativamentefuncionandodentrodenossoscrniospormeio dosnossoscrebrosqueevolurameforamselecionadospelanatureza.Nossasmentes conscientesnopassariamdeumaanalogiacomoscomputadorescomuns.Amenteum softwarearodaremnossoshardwares,crebros,quepossuemumaarquiteturaparalela, como a dos computadores modernos normais.O contedo das nossas mentes para Dennett aquilo que est consciente em nossas mentes. Assim, como vimos neste artigo, o que estamos conscientes so os memes, pois os memessopropriamenteocontedodanossaconscincia.Vimostambmoqueso memes. Eles so o que Dawkins definiu como sendo uma analogia com os genes. Analogia Artigo: Memes, genes e conscincia Sapere Aude Belo Horizonte, v.6 - n.11, p.283-298 2 sem. 2015. ISSN: 2177-6342297 queDawkinsfezparatentarexplicaraformacomoaculturahumanaevolui.Segundo Dawkins,aculturahumanaevoluiatravsdosmemes,quesoanlogosaosgenes.Por isso,osmemessoconsideradosporDennetteDawkinscomosendo,replicadores culturais.Noentanto,osmemes,responsveisporreplicaremaculturahumanananatureza atravs dos nossos crebros no so uma analogia correta com os seus correlatos, os genes. Demonstreiistoatravsdediversoscontraexemplosdeporqueosmemesnopodemser consideradosreplicadoresdiscretosquereproduzemasimesmos,assim,comoosoos genes.Istoporque,basicamenteaimitaoeareproduodeideiasatravsda comunicao lingustica no um fenmeno to simples e previsvel como a matria fsica, qumicaebiolgicadequecompostaosgenes.Afinal,nemsequersesabedoqueso compostosemtermosfsicos,qumicosebiolgicososmemes.Porisso,argumenteiao longo do artigo que Dennett se utiliza de um conceito falacioso para compor a sua teoria da conscinciaequeporestarazo,asuateorianomnimovulnerveloudeumaforma mais forte, poderia se dizer que sua teoria falsa. REFERNCIAS BRANDON, Robert. Natural Selection in: The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Spring 2014 Edition), Edward N. Zalta (ed.) disponvel em: http://plato.stanford.edu/archives/spr2014/entries/natural-selection, acessado em: 03/05/2015. DAWKINS, Richard. O gene egosta. Belo Horizonte: Itatiaia, 1979. DENNETT, Daniel. 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