melancolia e espinosa (1)

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  • 7/25/2019 Melancolia e Espinosa (1)

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    SITE: http://www.redehumanizasus.net/5341-depressao-e-melancolia-a-luz-da-

    filosofia-de-espinosa

    A melancolia e a natureza dos afetos em Espinosa

    I. Tradies

    Para introduzir Espinosa, lembro duas correntes maiores da melancolia at o

    !"##1:

    Matriz hipocrtica: Problema XXX, atribu$do a %rist&teles, per'unta-se: (Por )ue

    todos os homens considerados e*cepcionais s+o melanc&licos

    % melancolia n+o , de per si, uma doena ela natural, uma natureza. 0a teoria dos

    humores, o melanc&lico a)uele em )ue predomina a b$lis ne'ra ou atrab$lis.

    aracter$sticas: sombrio, tristonho, temeroso amante das artes e da 2ida contemplati2a

    propens+o ao misticismo.

    Pode tornar-se doena, como ocorre com )ual)uer outra natureza, por um dese)uil$brio

    e a marca disso a durao prolongada aforismo de ip&crates: ()uando tristeza e

    medo perduram por lon'o tempo, tal estado melanc&lico.3

    atriz importante no renascimento, )ue se torna, no dizer de um historiador, a (era de

    ouro da melancolia: todo poeta, pr$ncipe, 'rande fil&sofo, artista, melanc&lico.4

    Matriz galnica: a melancolia torna-se uma patolo'ia e uma patolo'ia )ue se d6

    sempre no encfalo e afeta o pensamento. omo dir6 7aleno: (a melancolia uma

    doena )ue lesa o pensamento com mal-estar 8dysthimia9 e a2ers+o pelas coisas mais

    )ueridas, sem febre.5

    aracter$sticas: ansiedade, mal-estar an$mico, tristeza com silncio e &dio do meiocircundante, 2ontade ora de 2i2er ora de morrer, idias de perse'ui+o, choro sem

    moti2o, fra)ueza, m6 di'est+o, etc.;

    1erlinc?,Melancolia, Rastros de dor e de perda, @+o Paulo,umanitas A %ssocia+o de %companhamento . 'r. thums,o:Galma, esp$rito, cora+o, emo+o, afeti2idade.;f. cita+o dos mdios @orano e lio %ureliano apud =uciana, pp. 5F-;B.

    1

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    Heiteremos: a'ora estamos diante de uma patolo'ia. #sso importante para a

    formula+o propriamente crist+, ao lon'o do medie2o, da no+o de acdia 8acedia9I, )ue

    n+o dei*a de incluir al'o parado*al. Primeiramente, a acdia seria perda do contato com

    Jeus, com o pr&*imo e consi'o mesmo, por obra de uma 2ontade per2ersa porm,

    curiosamente, um mal )ue atin'e sobretudo os )ue de2eriam estar mais imunes a ela:

    mon'es e monKas, eremitas, pessoas )ue se dedicam a uma 2ida reli'iosa estrita da$

    uma e*plica+o demon$aca: a acdia a a+o do demLnio )ue inspira nessas pessoas de

    2ida santa o desprezo por essa pr&pria 2ida, o sentimento de inutilidade dela, das preces,

    das obri'aMes, etc. o remdio recomendado s& poder6 ser: trabalho, supress+o de todo

    &cio 8(cabea 2azia, oficina do diabo (2ai cortar cana9.

    Situao de Espinosa: a melancolia sempre m6, e em certo sentido o mal por

    e*celncia como dir6 um estudioso de Espinosa: (a melancolia o ad2ers6rio

    principal do espinosismo e e*puls6-la, resistir a ela (um imperati2o cate'&rico maior

    da tica espinosana.CNu ainda, como dir6 o pr&prio Espinosa: (Por )u seria melhor

    matar a fome e a sede do )ue e*pulsar a melancolia 8t., #", prop. 45, esc.9

    Por )u Ji'o de chofre para depois retomar: a melancolia impotncia e o

    espinosismo uma tica dapotncia.

    0o espinosismo, a melancolia n+o :

    - o estado criati2o dos anti'os, renascentistas ou romOnticos 8a impotncia n+o

    cria9

    - uma simples patolo'ia an$mica 8atin'e corpo e mente, a totalidade do indi2$duo9

    - n+o inter2en+o diab&lica

    - n+o nenhuma espcie de lucidez )uanto tristeza ine2it62el da e*istncia por

    conta de uma falta ori'in6ria 8(falta )uer como carncia, )uer como culpa9.

    II. !ida afeti"a e melancolia

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    n&s a)ui, importa lembrar )ue todo ser e*pressa um 'rau determinado da potncia

    substancial.

    Sm racionalismo absoluto, de )ue deri2am um procedimento met&dico e uma tese

    capitais para uma compreens+o reno2ada da 2ida afeti2a

    #rocedimentocuKos princ$pios podem ser resumidos em dois lemas: $%(n+o rir,

    n+o lastimar, n+o detestar, mas inteli'ir 8P, #, T 49 &%(tratar as aMes humanas como

    se fosse )uest+o de linhas, planos ou corpos 8t., ###, pref.9.

    Tese)ue deri2a do alar'amento dos poderes da raz+o: n+o h6 absurdo no mundo e

    nos homens.

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    %'ora nos per'untemos: o )ue um homem Q um modo finito, uma modifica+o

    determinada da substOncia Rnica 8Jeus ou natureza9, um modo constitu$do de e*tens+o

    e pensamento o homem pensamento e e*tens+o, corpo e mente. ente: sem

    nenhum sentido substancial mente a idia do corpo, idia )ue potncia de produzir

    idias, as )uais entre outras coisas e*primem em idia tudo )ue se passa no corpo.

    Affectus' afetoV (Por afetos entendo as afecMes do corpo, pelas )uais a potncia

    de a'ir desse corpo aumentada ou diminu$da, fa2orecida ou entra2ada, assim

    como as idias dessas afecMes. #sto , afeto Y afec+o Z idia da afec+o.

    )ese*o

    @endo idia de um corpo, de seu corpo, como dissemos, a mente e*prime em

    idias tudo )ue se passa nesse corpo de )ue ela idia noutros termos, ela tem

    conscincia do )ue se passa em seu corpo, inclusi2e do esforo de perse2era+o do

    corpo ou conatus a mente tambm ela um esforo, um conatus, )ue e*prime sob o

    pensamento o mesmo esforo )ue o corpo e*prime sob a e*tens+o. %ssim, che'amos ao

    deseKo:

    Este esforo, )uando referido s& ente, chama-se !ontade mas )uando

    referido simultaneamente ente e ao orpo chama-se Apetite, )ue portanto

    n+o nada outro )ue a pr(pria essncia do homem, de cuKa natureza

    necessariamente se'ue a)uilo )ue ser2e sua conser2a+o e por isso o

    homem determinado a faz-lo. Em se'uida, entre apetite e deseKo n+o h6

    nenhuma diferena sen+o )ue o deseKo 'eralmente referido aos homens

    en)uanto s+o cLnscios de seu apetite, e por isso pode ser assim definido: o

    Desejo o apetite quando dele se tem conscincia. Je tudo isso, constata-se

    ent+o )ue n+o nos esforamos, )ueremos, apetecemos, nem deseKamos nadapor)ue o Kul'amos bom ao contr6rio, Kul'amos )ue al'o bom por)ue nos

    esforamos por ele, o )ueremos, apetecemos e deseKamos. 8t., ###, prop. F,

    esc.9

    Alegria' tristeza

    %s afecMes de um corpo podem ser, relati2amente a tal corpo, boas ou m6s ou

    seKa, podem fortificar a sua propor+o de mo2imento e repouso caracter$sticas eportanto ser2ir sua perse2era+o na e*istncia 8alimenta+o, por e*emplo9 ou podem

    4

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    enfra)uecer e at destruir tal propor+o produzindo uma outra 8en2enenamento, por

    e*emplo9. 0a mente se dar6 sempre uma idia dessa passa'em, idias dos aumentos ou

    diminuiMes da potncia do corpo tais idias e*primem ou alegriaou triste*a pala2ras

    )ue tm sentido preciso, conforme as definiMes espinosanas: (ale'ria a passa'em do

    homem de uma menor a uma maior perfei+o (tristeza a passa'em do homem de

    uma maior a uma menor perfei+o. N )ue d6 mar'em a certa l&'ica combinat&ria )ue

    depende do e*terior, do obKeto )ue afetamos e pelo )ual somos afetados como se dir6,

    boa parte datica ...(se desen2ol2e inteiramente numa relao de o+*eto.F

    N deseKo uma pura afirma+o de si. %firma+o dinOmica, potncia )ue se e*erce,

    faz, a'e, se e*pande, se afirma: e faz tudo isso, naturalmente, em dire+o s coisas e

    pessoas. % %feti2idade humana, como o pr&prio homem, est6 2oltado para o e*terior,

    determinado pelo e*terior. as n+o, necessariamente, em sua totalidade, por isso a

    distin+o entre a)etos ati-os 8aMes9 e a)etos passi-os8pai*Mes9 [ no primeiro caso,

    sempre de ale'ria, no se'undo de ale'ria ou de tristeza da$ notemos bem: a tristeza, o

    mal ou diminui+o da potncia de a'ir e e*istir, sempre 2em do e*terior.

    Em suma, a 2ida afeti2a um dinamismo: -ariabilidade, intersubKeti2idade

    atra2essada pela ignor"ncia, inconscincia 8os homens deseKam, s& )ue i'noram as

    causas )ue determinam o seu deseKo9.1B

    Melancolia

    he'amos finalmente defini+o de melancolia [t., ###, prop. 11:

    Prop.: N )ue )uer )ue aumente ou diminua, fa2orea ou co$ba a potncia de

    a'ir de nosso orpo, a idia desta mesma coisa aumenta ou diminui,

    fa2orece ou co$be a potncia de pensar de nossa ente.

    Esc.: "imos, assim, )ue a ente pode padecer 'randes mutaMes e passarseKa a uma perfei+o maior, seKa a uma menor, e certamente estas pai*Mes

    nos e*plicam os afetos de %le'ria e

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    Car&cia 2titillatio3 ou4ilaridade 2hilaritas35 o de riste*a, por sua 2ez,$or

    ouMelancolia0ontudo, cumpre notar )ue a ar$cia e a Jor s+o referidas

    ao homem )uando uma das partes dele afetada mais do )ue as outras K6 a

    ilaridade e a elancolia, )uando todas as partes so igualmente

    afetadas.

    Jeste te*to podemos discernir al'umas caracter$sticas da melancolia.

    Primeiramente, duas )ue parecem comuns hilaridade:

    ^ Total: afeta corpo e mente e afeta i'ualmente as partes uma tristeza distribu$da de

    maneira e)uOnime pelo indi2$duo.

    ^ Est"el: a tristeza mo2imento, a melancolia uma tristeza paralisada supress+o da

    dinOmica da 2ida afeti2a 8lembremo-nos da (dura+o prolon'ada dos anti'os9.

    ais duas caracter$sticas )ue distin'uem melancolia e hilaridade:

    ^ ,raus: creio )ue possamos pensar em 'raus de melancolia e)uil$brio de uma tristeza

    maior ou menor. Ja$ tal2ez concluir )ue uma melancolia no 'rau m6*imo, propriamente

    falando, n+o e*iste por)ue sinLnimo de morte. 0>. (% hilaridade n+o pode ter

    e*cesso, mas sempre boa e, in2ersamente, a melancolia sempre m6 W)uer dizer, a

    melancolia sempre e*cessi2a, n+o h6 bom 'rauX 8t., #", 49.

    ^ Ad"inda do e-terior: animado por um esforo de perse2era+o, um ser determina-se

    sempre ao aumento de sua potncia, nunca pr&pria destrui+o. 0outros termos, do

    interior 8autonomia, afetos ati2os9 s& 2em ale'ria do e*terior 8heteronomia, afetos

    passi2os9 pode 2ir ale'ria ou tristeza.

    % partir dessas Rltimas caracter$sticas, creio )ue se possam fazer al'umas

    obser2aMes com 2ista a uma inter2en+o ou uma mudana no rumo do processo

    melanc&lico e tambm as dificuldades disso, uma 2ez )ue temos de considerar os 'rausde melancolia e uma e)ua+o simples mas al'o cruel: ale'ria 'era ale'ria e tristeza 'era

    tristeza.

    $%Sm melanc&lico dei*ado a si, se n+o acontecer nada de no2o, caminha para a

    autodestrui+o 8a tristeza determina aprofundamento da tristeza9. >o2e: (

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    de defesa neutralizado e posto ao ser2io da depress+o: uma 2erdadeira dinOmica do

    suic$dio.11

    &%Sm encontro feliz pode mudar o e)uil$brio melanc&lico, restabelecendo n+o uma

    2ida ale'ria, mas um processo dinOmico.

    %N homem afetado de tristeza se esfora maiormente por afastar a tristeza. (Uuanto

    maior a tristeza, tanto maior a parte da potncia de a'ir do homem )ual

    necess6rio )ue se oponha lo'o, )uanto maior a tristeza, tanto maior a potncia de

    a'ir com )ue o homem se esforar6 para afast6-la. @empre: trabalho interno contra a

    melancolia.

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    causa dos meus sentimentos, mesmo )ue tais sentimentos, no momento da descoberta,

    se mostrem os respons62eis por uma 2ida miser62el.

    8umpre frisar )ue n+o estamos diante de um intelectualismo. % raz+o,en)uanto raz+o,

    n+o pode contra um afeto. 0ote-se a)ui a inseparabilidade, a )uase identidade entre

    a+o e conhecimento, entre potncia de a'ir e potncia de inteli'ir: intelligendi, hoc est,

    agendi potentia t., ###, prop. 5F, dem. deseKo e saber, 2ida afeti2a e 2ida intelectual

    s+o insepar62eis, o )ue potncia de a'ir no corpo potncia de compreender na

    mente. arta de 0ietzsche: o a)eto mais potente # o conhecimento19

    III. Melancolia e superstio

    Etiolo'ia da melancolia: o )ue causa ou desencadeia a melancolia Jif$cil dizer.

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    Em Espinosa, supersti+o em termos reli'iosos: a forma+o do transcendente, um

    Jeus ou deuses )ue comandam de fora do real uma moral. ontudo, h6 a descri+o de

    uma estrutura supersticiosa )ue acho )ue pode ser deslocada para outros campos.

    @upersti+o produz um ideal )ue de2emos realizar. Trs sentidos de perfeio:

    perfei+oYrealidade aperfeioamento modelo, uni2ersal. Hedut$2eis a dois:

    Perfei+o/realidade, dinamismo ! Perfei+o/modelo, estatismo

    ^ @upersti+o resposta a uma in)uieta+o 8medo9 natural s& )ue essa resposta

    estabiliza tal situa+o de in)uieta+o e medo. @upersti+o nasce do medo e 'era medo.

    Ela impMe um ideal mas nunca sei bem )ual esse ideal e tampouco se estou me

    apro*imando ou distanciando dele, isto , se estou ou n+o conse'uindo me identificar a

    ele.6stabili*ao de uma instabilidade a)eti-a.

    ^ N ideal, transcendente, irrealiz62el portanto, de2o ser al'o )ue n+o consi'o ser. Por

    um lado, um dinamismo8aparente9 do correr atr6s para se identificar a al'o, tornar-se

    al'o )ue se de2e ser, mas )ue n+o se pode ser, pois se trata de um ideal transcendente e

    inumamo. Por outro lado, um estatismo, pois de2o correr para ser a)uilo )ue no fundo

    nunca serei, portanto, no final das contas, como se eu nunca sa$sse do lu'ar ademais,

    h6 uma ri'idez das identidades )ue de2o assumir, a minha destina+o Rnica, n+o h6

    escolha ou decis+o. %ssim, por um lado, falta, carncia, i'norOncia in2enc$2eis por

    outro, estagnao, sou dominado por um de2er ser al'o )ue n+o consi'o ser e )ue n+o

    sei bem o )ue . 3presso.

    Por meio desse 2$nculo entre supersti+o e melancolia, pensar a melancolia n+o

    como ausncia de sentido, um sintoma, mas um modo de manifestar-se de umsentido

    opressi-o, de uma saturao de sentido: paralisia da dinOmica afeti2a, total,

    determinada do e*terior.@entido opressi2o, 2ida codificada ! %bertura para a multiplicidade 8o in2erso da

    melancolia913

    4omero +antiago

    78 )e-0 9::;13(WSsar das coisas e deleitar-se nelas com modera+o: comidas, bebidas, desportos, espet6culos, etc.Xom efeito, o corpo humano composto de muitas partes de natureza di2ersa, )ue carecem

    continuamente de alimento no2o e 2ariado, para )ue todo o corpo seKa i'ualmente apto para todas ascoisas )ue podem se'uir-se da sua natureza e, conse)\entemente, para )ue a alma seKa tambmi'ualmente apta para entender simultaneamente 26rias coisas. 8t., #", prop. 45, esc.9

    F