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A cultura nos anos 00

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2 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon

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Director Bárbara ReisEditor Vasco Câmara, Inês Nadais (adjunta)Conselho editorial Isabel Coutinho, Óscar Faria, Cristina Fernandes, Vítor Belanciano Design Mark Porter, Simon Esterson, Kuchar SwaraDirectora de arte Sónia MatosDesigners Ana Carvalho, Carla Noronha, Mariana SoaresEditor de fotografi a Miguel MadeiraE-mail: [email protected]

Ficha Técnica

SumárioMúsica 8Eu sou a minha cena musical

Cinema 12Cinema anos zero

Exposições 16Os anos da sincronia absoluta

Livros 20Os livros estão nas nuvens

Teatro/Dança 24As artes performativas à porta dos teatros

O dia em que Cormac McCarthy viu “A Estrada”Foi um momento de agonia para o realizador John Hillcoat e para John Penhall, o argumentista que adaptou para cinema o livro “A Estrada”, de Cormac McCarthy: o próprio autor – “frequentemente descrito como ‘o maior autor americano vivo’”, explica Penhall – vinha assistir à apresentação do filme. “Sabíamos que só a aprovação de McCarthy nos permitiria lançar o filme que realmente queríamos fazer. Sem ele ficávamos à mercê de investidores cada vez mais nervosos e o nosso futuro em Hollywood estava em risco”, escreve Penhall num texto no diário “The Guardian” no qual recorda esse momento em que o escritor chegou a numa sala de projecção deserta em Albuquerque, vindo de Santa Fé no seu velho Cadillac prateado. Assim que a projecção teve início, McCarthy “começou a tomar notas no seu bloco”. No final “tinha páginas cheias das malditas notas”. A agonia prolongou-se. Quando o filme terminou,

Hillcoat, tentando controlar o nervosismo, perguntou: “Então?”. Mas McCarthy disse apenas que precisava de ir à casa de banho. Demorou o que pareceu uma eternidade. Mas quando voltou lançou: “É bastante bom”. Hillcoat mal conseguia acreditar. “Verdade? Não está só a ser simpático?”. “Ouçam”, respondeu, “não fiz estes quilómetros todos só para vos dizer uma mentira”. A adaptação é “muito poderosa”, continuou McCarthy. Gostou muito da voz “off” (opção que tinha sido polémica) – o que fez Penhall ter vontade de “o levantar no ar e dar-lhe um abraço”. Acabaram a comer – e a beber – juntos. Falaram de John, o filho de 11 anos de McCarthy (que tem 76 anos), e a inspiração para a personagem da criança de “A Estrada” – história sobre a ligação entre um pai e um

filho que tentam sobreviver no pós-apocalípse. Quando se despediram, Penhall pediu um autógrafo. McCarthy assinou um exemplar de “Meridiano de Sangue”: “Do teu amigo Cormac, Albuquerque, Novembro 2002”. Mas era Novembro de 2008. O argumentista virou-se para o realizador em pânico: “Meu Deus, John, quanto é que nós bebemos? Ele tem que guiar de volta para Santa Fé à noite – se acabar numa vala seremos os responsáveis. Teremos morto o maior escritor americano vivo.”Mas no dia seguinte, às oito da manhã, estavam a receber por fax as páginas das notas que McCarthy tomara durante a projecção. Havia um diálogo “importante” que não estava no filme e, segundo o escritor, devia estar: quando o filho diz ao pai: “O que farias se eu morresse?”, e o pai responde: “Quereria morrer também”. “A Estrada” está nas salas portuguesas [ver crítica neste suplemento]. A.P.C.

A Estrada– históriasobre aligaçãoentre umpai e um

Espaço PúblicoEm época

de balanço, não resisti a escrevinhar também as minhas escolhas. Dos consagrados, haveria muito por onde escolher mas limitar-me-ei a referir duas hipóteses: os escoceses Camera Obscura e o veterano norte-americano Bill Callahan. No entanto, curiosamente, este ano

as minhas referências vão para dois projectos estreantes: os semi-obscuros Girls (de Christopher Owen) e os consensuais XX. Ambos criaram obras notáveis, ainda que, bastante distantes musicalmente. Se o primeiro prima pela diferença e intensidade (elejo o tema “Hellhole Retrace” como épico do ano), os segundos movem-se num terreno devedor

do “shoegazing” dos anos 80, o que, por si só, poderá levar a pensar que se trata de mais uns teenagers pseudo-deprimidos. Desenganem-se. Não cabendo em nenhuma das categorias anteriores, seria pecado capital deixar de referir o segundo trabalho de Elvis Perkins (“Elvis Perkins in Dearland”).António Freitas, radialista, 38 anos

John Hillcoat

David Maranha em aventuras além-fronteiras no início de 2010 A editora Roaratorio prepara-se para lançar, no final de Fevereiro, um novo álbum do português David Maranha. “Antarctica”, o sucessor de “Marches of the New World” (décimo lugar na lista de música pop do Ípsilon, em 2007), terá o selo da casa editorial norte-americana, que já lançou trabalhos de gente como Chris Corsano, Ben Chasny (Six Organs of Admittance), Joe McPhee e Vibracathedral Orchestra.Ao Ípsilon, Maranha adiantou que o som não será muito distante do de “Marches of the New World”. Ou seja, dizemos nós, música contínua, de desenvolvimento lento, mas vigoroso, algures entre o minimalismo de Tony Conrad e o lado mais exploratório dos Velvet Underground. A formação será composta pelo próprio Maranha (órgão e violino), Riccardo Dilon Wanke (guitarra eléctrica), João Milagre e Stefano Pilia (baixo, no lado A e B, respectivamente) e Afonso Simões (bateria). O álbum será lançado em vinil, com uma peça de cada lado.A confirmar que o início de 2010 será preenchido para David Maranha (que pertence aos históricos Osso Exótico) está a participação no projecto Box, em Bruxelas, entre 30 de Janeiro e 2 de Fevereiro. Nesses quatro dias, Maranha e outros músicos (estão já confirmadas as presenças de Ben Frost e Helge Sten, dos Supersilent) vão estar em estúdio, sem quaisquer planos prévios. O resultado será editado pela Rune Grammofon, importante editora norueguesa de música experimental. Pedro Rios

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Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 3

e serão precisamente as suas canções aquilo que ouviremos. Ou seja, uma apresentação em primeiríssima mão: o público a ouvir a novíssima música que Panda Bear tem para mostrar, Panda Bear a averiguar como resulta perante o público aquilo que criou num quarto no Bairro Alto. Os bilhetes, ao preço de 15 €, são postos à venda quarta-feira, dia 13, nas lojas Flur e Louie Louie e no Lux.

The XX na Aula Magna em Maio

Chamam-se XX e a estreia foi um dos discos mais celebrados de 2009, transformando dois miúdos e duas miúdas de Londres, 20 anos de idade, em celebridades pop (à escala indie, naturalmente). Sabemos agora que vamos vê-los no tempo certo. Dia 25 de Maio actuam na Aula Magna, em Lisboa. A música dos XX, onde o minimalismo dos ritmos e texturas electrónicas se ligam a vozes desencantadas, existe num espaço onde se concentra tudo o que a pop criou de etéreo e nocturno nos últimos vinte anos: o pós-punk e o shoegaze, os Young Marble Giants e os Cure, os Ladytron e uns Pixies sem distorção.O que mais cativa neles, porém, será essas referências cruzarem-se de uma forma que só neles parece realmente fazer sentido. Representantes perfeitos de uma geração onde são inexistentes as habituais fronteiras de estilo, os XX tanto servem o urbano depressivo quarentão que cresceu com os Joy Division quanto o adolescente que descobre numa pista de dança que, a partir daquele momento, “Crystalised” será a sua canção preferida.Daí, provavelmente, a presença em variadíssimas listas de melhores álbuns de 2009, tendo ocupado o quinto lugar na elaborada pelo Ípsilon.Os bilhetes para o concerto, à venda nos locais habituais, custam 25 euros.

Darth Vader quer ser seu amigo no Facebook!Como seria se houvesse um Facebook interplanetário e as personagens da “Guerra das Estrelas” de George Lucas tivessem contas? É a improvável premissa do que o humorista Brian Murphy, do site College Humor, fez num post que anda a dar a volta à internet que propõe “cinco status updates da Guerra das Estrelas no Facebook” - desde os pilotos da Aliança Rebelde a combinarem saídas para bjecas ali ao planeta do lado a Darth Vader a descobrir que os seus generais gozam com ele quando ele não está a ler, passando por piropos românticos de Han Solo à princesa Leia, pelos resmungos de Chewbacca e pelas inconveniências do robot tradutor C3PO, vale tudo. Com direito a um grande momento de humor quando um dos stormtroopers do Exército Imperial fica transtornado por ter morto um Ewok. Está tudo em http://www.collegehumor.com/article:1794889 . E agora desculpem mas vamos ali desamigar o Darth Vader.

Panda Bear apresenta novo álbum no Lux

Tendo-o por perto, colhemos este tipo de benefícios. Noah Lennox, que conhecemos como Panda Bear nos Animal Collective e na carreira a solo, que nasceu em Baltimore, mas vive em Lisboa, actua dia 12 de Fevereiro no Lux. Quando editou o celebrado “Person Pitch”, álbum maior, pessoalíssima visão do universo que ajudou a desbravar com os autores de “Feels”, apresentou-o num B Leza esgotado onde se viveu ambiente de acontecimento. Mas o Panda não pára e, no Lux, não se ouvirão as canções de olhos e coração nos céus de “Person Pitch”. Panda Bear começará a gravar o seu próximo álbum a solo nas próximas semanas

Qualquer uma das mulheres que esteve nos braços de Warren Beatty até pode, no momento, ter sentido ser a única. Agora ficará a saber, ou pelo menos a desconfiar, que não foi “uma em mil” mas sim “uma em 12.775”. E se mais dias houvesse entre o momento em que o intérprete de “Bonnie and Clyde” perdeu a virgindade, com 19 anos, e aquele em que conheceu Annette Bening, em 1991, com quem se casou já com 54 anos, mais mulheres haveria na vida, e na cama, de Warren Beatty. É o que sugere o escritor Peter Biskind na biografia “Star: How Warren Beatty Seduced America”. Para chegar a esse número, o autor de “Easy Riders Raging Bulls: How the Sex-Drugs-And Rock ‘N Roll Generation Saved Hollywood” – a crónica da ascensão dos “movie brats” a Hollywood, nos anos 70, a partir das idiossincrasias das “personagens”, figuras como Al Ashby, Spielberg, Michael Cimino ou William Friedkin – usou nesta biografia a “simples aritmética”. E partiu do princípio que Beatty teve, em média, uma mulher por dia. Se for verdade, “é impressionante”, escreve o jornal “The Guardian”, que lembra que, segundo o libretista de Mozart, Lorenzo da Ponte, Dom Juan

“apenas” dormiu com 2065.

“Quantas mulheres estiveram lá? Mais fácil será

contar as estrelas no céu”, escreve o “New York Post”. Algumas delas, estrelas de Hollywood, dão testemunhos pessoais, citados por este jornal. Joan Collins: “Não sei se posso durar muito mais tempo. Ele nunca pára – deve ser de todas aquelas vitaminas que ele toma...Daqui a uns anos, estarei gasta.” Ou Jane Fonda: “Oh meu Deus. Beijámo-nos até nos arrancarmos praticamente a cabeça um ao outro.”

Também houve Madonna, por altura das filmagens de “Dick Tracy”, ou a Louise Bryant de “Reds”, Diane Keaton, que

confessa ter ficado surpreendida, porque achava não fazer de todo “o tipo” de Warren

Beatty: “Lembro-me de olhar para a cara dele e me questionar: Como estou eu aqui?” Houve ainda Isabelle Adjani, que terá sugerido um “ménage-à-trois” com Fran Drescher, que recusou depois de já antes ter dormido com o actor. E, entre todas as outras, houve também Julie Christie e Janice Dickinson. Verdadeiro ou não, este lado da vida de Warren Beatty circulou nos últimos dias por sites de notícias do mundo, da Austrália à Malásia. E não apenas por causa da polémica de esta ser ou não uma biografia autorizada – alguns jornais referiram-na como tal, Beatty diz que não o é, enquanto o editor Simon & Schuster omite essa informação – mas mais pelo “extraordinário” ou o “surpreendente” do número”, como qualificam alguns jornais. Warren Beatty desmente tal número e o seu advogado Bertram Fields acusa Biskind de “muitas falsas afirmações” e de citar o actor de 72 anos “a dizer coisas que nunca disse”.

As 12 mil mulheres de Warren Beatty

Darth Vader

.

dos ritmos e texturas e ligam a vozess, existe num espaço

entra tudo o que a popo e nocturno nos anos: o pós-punk e oYoung Marble Giants edytron e uns Pixies.tiva neles, porém,

erências cruzarem-se que só neles parece

er sentido.es perfeitos ão onde es asteirasXo

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orada pelo Ípsilon.ra o concerto, à ais habituais, os.

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Jane Fonda

Diane Keaton

Madonna

Joan Collins

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4 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon

A década em que

ser famosos pa

O pior dos tempos ou o melhor dos tempos. A cultura da Internet em par tse passou ao longo de dez anos no campo da criação artística - e, claro, do c

Perdidos. Na imensidão do espaço digital. No excesso de informação. Na proliferação de suportes, de manei-ras de ouvir, ver, ler. Em todo o lado, a toda a hora, procurando, com an-siedade, a qualidade na quantida-de.

Foi assim que vivemos a primeira década do século XXI. Foram dez anos em que as condições de produ-ção, existência, partilha e distribuição da música, do cinema, da literatura ou das artes, plásticas e performati-

vas, se alteraram profundamente. Foram dez anos esquizofrénicos em que as actividades culturais se con-frontaram com uma espécie de esva-ziamento, mas em simultâneo foram vistas como veículo de desenvolvi-mento económico, servindo para ima-ginar soluções para o crescimento sustentável.

“Perdidos” é também nome de uma das séries de televisão mais iconográ-ficas da década. Uma espécie de mi-tologia unificadora destes anos. A

estrutura narrativa reproduz estraté-gias de propagação viral no imaginá-rio colectivo, alegando teorias e inter-pretações paranóicas, assentes na procura de um sentido para um pu-nhado de personagens que se encon-tram algures, sem noção de espaço e de tempo, lembrando o dispositivo cenográfico criado por Lars Von Trier no filme “Dogville”.

Quem tentasse ver “Perdidos” re-correndo aos modelos habituais para descodificar as séries de TV, ficaria

perplexo, num primeiro momento. O mesmo apetece dizer em relação ao que se passou na década que finda. Quem continuou a usar velhas grelhas de leitura para pensar o que se passou na música, no cinema ou nas artes, saiu dessa análise confundido, suge-rindo que nada de expressivo acon-teceu, não porque nada tivesse suce-dido realmente, mas porque o que se passou se manifestou de maneira di-versa, a um nível micro, de forma rá-pida, disseminada, sem que muitas

Ca

pa

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Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 5

e todos puderam

ara 15 pessoas

r ticular, e os desenvolvimentos tecnológicos em geral, marcaram o que o consumo. Nunca se passou tanto em tão pouco tempo. Vítor Belanciano

vezes chegasse a formar um todo co-erente. Não espanta que muitos te-nham proclamado que vivemos um período de cultura derivativa, esgo-tada, devorando-se a si própria, em ciclos curtos.

Quem tentou perceber procedi-mentos em aberto, não receando a desarrumação e as contradições que se apresentavam à sua frente, com-preendeu que as rupturas continuam a existir mas manifestam-se de forma distinta. Para eles, foram os melhores

dos tempos. Nunca aconteceu tanto em tão pouco tempo.

Somos todos artistasNo centro de todas as discussões e de todas as mudanças, a tecnologia, com destaque para a Internet. No início era aquela coisa estranha a que cha-mávamos ciberespaço. Depois tornou-se no nosso ambiente quotidiano, na nossa casa, o habitat onde hoje pas-samos o tempo.

Muitas das transformações opera-

das na década já eram perceptíveis no final do século passado – era visí-vel, por exemplo, a contínua desma-terialização dos suportes musicais ou o previsível impacto das câmaras di-gitais no cinema –, mas a Internet ace-lerou todos os processos.

Antes, já todos tínhamos escrito um poema ou um conto, criado uma canção numa roda de amigos, tirado uma fotografia que até nos disseram ser muito “artístic” ou feito um pe-queno filme, documentário ou vídeo.

Mas na maior parte dos casos essas “obras” ficavam na gaveta. Graças ao fácil acesso aos meios de produção, esta foi a era em que todos procla-maram “eu-também-posso-ser-artis-ta”. A maior parte continuará incóg-nita, nunca alcançando a consistên-cia de um percurso, mas outros, como os Arctic Monkeys ou Lily Al-len, acederam ao panteão dos famo-sos graças a plataformas como o MyS-pace, o YouTube, os blogues ou as redes sociais.

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6 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon

Que o consumidor tenha passa-do a ser também criador não é uma novidade. A diferença é que, hoje, essa produção espontânea pode con-vergir directamente para o espaço virtual. Ao passo que até aqui um ar-tista, para o ser, tinha que ser criati-vo mas também de garantir o acesso aos meios de produção, distribuição e legitimação.

Não vale a pena romantizar. Esse processo mantém-se. Mas é mais fá-cil contorná-lo. Nunca a fantasia do “faça-você-mesmo” pareceu tão real, com plataformas da Internet a subs-tituírem-se a editoras de discos e li-vros, estúdios de cinema, galerias de arte, estações de rádio e TV, jor-nais.

A maior parte do que conflui para a internet é lixo. Carradas de lixo. Há uma ínfima parte que não o é. E isso é imenso. A multiplicidade de esco-lhas promete mais diversidade e ino-vação. Mas as audiências também são mais segmentadas e estilhaçadas. Daqui resulta uma cultura de inúme-ros pequenos cultos, que não se in-tersecta entre si, dispersa por infin-dáveis pequenos nichos.

A célebre máxima de Andy Warhol nos anos 60 – “No futuro todos serão famosos por 15 minutos” – não perdeu sentido, mas poderia ser actualizada. Nesta década, não só foi possível ser famoso por 15 minutos, como foi pos-sível sê-lo apenas para 15 pessoas. A nova (des)ordem digital não significou forçosamente que os dias em que as grandes editoras, os estúdios de cine-ma ou o circuito das artes geravam estrelas duráveis, de dimensão plane-tária, desapareceram. A força da cul-tura popular pôde ser avaliada pelo impacto da morte de Michael Jackson, ou pelo sucesso de Madonna, U2, Eminem, Angelina Jolie, Brad Pitt ou Jeff Koons, ou de nomes alegóricos destes anos, como Beyoncé, Justin Timberlake, Kanye West, Amy Wi-nehouse, Scarlett Johannson, Clint Eastwood ou Damien Hirst. Mas as cifras macroeconómicas deram lugar a um novo pragmatismo – vender me-nos de mais produtos. Foi assim que

nasce-ram no-

vos íco-nes. Mais

humanos. Mais próxi-

mos de nós. Ver-dadeiros criadores

e não figuras desenha-das a régua e esquadro.

Não se obrigando a comunicar para o planeta, mas comunicando

de facto para imensas minorias.Foi assim que, na música, se impu-

seram nomes como M.I.A, LCD Soun-dsystem, Animal Collective, Arcade Fire ou, de Portugal para o mundo, os Buraka Som Sistema, todos bene-ficiando do novo contexto digital.

Do macro para o microOs anos 00 foram protagonistas de inúmeros micro-fenómenos (revita-liza-ção do rock com Strokes, entro-namento do hip-hop com Jay-Z, res-tabelecimento da folk com Devendra Banhart, cruzamentos dança-rock com Franz Ferdinand, afirmação da geração pós-hip-hop com M.I.A., mi-nimalismos electrónicos com Villa-lobos, emergência do dubstep com Burial), sucedendo-se de forma ve-loz, dispersa e ampla, impedindo a focagem.

Na música, foi um período de con-tínua experimentação, com editoras, músicos (os Radiohead puseram um álbum à venda tabelado pelo público) e consumidores tentando adaptar-se à convulsão. Seguiram-se o cinema, os livros, a TV, a rádio e os jornais.

No cinema, os “blockbusters” não desapareceram e heróis de outras dé-cadas até foram recuperados (Indiana Jones, Rambo). Para alguns, a morte de Antonioni e Ingmar Bergman sim-bolizou o fim de uma forma de estar no cinema, mas a verdade é que a ideia de autoria, em realizadores tão diferentes como Lynch, Gus Van Sant ou Pedro Costa, continuou viva.

Como na música, no cinema falou-se menos de autores e mais de forma-tos, contaminações e revoluções tec-nológicas. O cinema documental (de “Fahrenheit 9

11“, de Michael Moore, a “Grizzly Man”, de Werner Herzog) conheceu um impacto inaudito; as séries de TV (“Os Sopranos”, “Sete Palmos de Ter-ra”, “Perdidos”) foram incensadas; o cinema contaminou a arte e vice-versa – o artista Douglas Gordon re-alizou “Zidane” e Steve McQueen fez “Hunger”, enquanto Julian Schnabel mostrava que é melhor realizador do que pintor.

Vivemos num mundo de 24 horas de filmes, discos ou livros, passíveis de serem experienciados onde e quando nos apetece – às vezes, mes-mo quando não queremos. Essa imer-são contínua tanto pode estimular como banalizar a experiência.

Talvez por isso, como reacção ao consumo indiferenciado e individu-al, no computador ou no iPod, os espectáculos ao vivo tiveram uma época dourada. A experiência social de um concerto é irrepetível, bem como de uma peça, de uma coreo-grafia ou de uma obra como “Ava-tar”, que explora uma tecnologia (3-D) que reafirma o prazer de ver filmes em comunidade.

Em todas as áreas criativas se as-sistiu ao irromper de novos centros. Nova Iorque, Londres, Paris ou Ber-lim continuaram a servir de farol para perceber o que de mais impor-tante se passou na música, no cinema ou nas artes. Mas da China ao Brasil, da Índia a África, depende-se cada vez menos desses centros de legiti-mação.

Mais uma vez, o contexto é o de um mundo que se confronta com a circulação infinita de informação, onde há partilha e recriação genera-lizada do conhecimento.

Em muitos casos, do cinema orien-tal à música desqualificada de cidades como Luanda, Cidade do Cabo ou Rio de Janeiro (kuduro, kwaito, baile funk), passando pelos impulsos esté-ticos de artistas como o indiano Su-bodh Gupta, foi daí que saiu uma no-va energia, forma de resolver o im-passe das práticas artísticas ocidentalizadas, demasiado conscien-tes da História, onde tudo já parece ter sido tentado.

A modernidade produz-se agora ao ritmo de uma negociação planetária feita de inúmeros centros. E também de múltiplas temporalidades. Até ago-ra o acesso ao passado era parcial, não cumulativo. Com a Internet, tal-vez pela primeira vez na História, te-mos a sensação de poder aceder a todas as obras, de diferentes épocas, num ápice. Não admira que subsista uma impressão em que passado, pre-sente e futuro se sucedem, não ape-nas um atrás do outro, mas todos ao mesmo tempo, conectando-se entre si, permeáveis.

Em vez de uma História com per-curso preciso e contínuo, passámos a ter regressos, anacronismos, des-continuidades, recuperações e con-vivências. Sempre foi assim. Mas essa consciência é agora nítida. Ou seja, continuam a existir desenvolvi-

mentos e mudanças – e não apenas revivalismos ou recalcamentos do passado, como não parámos de ouvir ao longo da década – nos campos ar-tísticos, mas são agora percepciona-das de outra forma. No limite, de maneira mais subtil.

O mundo, e com ele o mundo da cultura, está mais desordenado, mas também mais estimulante, do que há dez anos. É natural que aqueles que não sabem guiar-se na desordem se sintam desnorteados e acabem por regressar ao que sempre conheceram ou aos valores perenes – talvez por isso, esta foi também a década em que a memória mais foi celebrada, seja ela personificada pelos Beatles, por An-tónio Variações (Os Humanos) ou por Andy Warhol.

Como acontece quase sempre em circunstâncias de mudança profun-da, parte do público, dos criadores e dos gigantes das indústrias cultu-rais, tem nostalgia dos dias em que parecia existir uma espécie de uni-dade cultural, produtora de um sen-tido, em que todos se reflectiam um pouco. Mas esses dias, é quase certo, não vão regressar.

Mas também não vale a pena mis-tificar o papel da Internet, e das tec-nologias em geral. Por um lado por-que a Internet ainda é terreno de ambivalências, celebrada como aber-tura para novas possibilidades, mas também temida por constituir um sinal do fim da criatividade como a conhecíamos. Nos próximos anos, muito provavelmente, iremos assistir à sua domesticação.

Por outro, porque independente-mente das tecnologias, o que interes-sa é a maneira como as artes e a cul-tura asseguram alguma forma de compromisso com a vida, reflectindo, ampliando e até antecipando o que acontece à nossa volta, num período histórico de grande experimentação politica, económica e social. Agora que chegámos aos anos 10, os anos zero estão só a começar.

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Nunca a fantasia do “faça-você-mesmo” pareceu tão real, com plataformas da Internet a substituírem-se a editoras de discos e livros, estúdios de cinema, galerias de arte, estações de rádio e TV, jornais

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8 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon

Sintonizar o rádio às escondidas, ma-drugada dentro, era abrir uma porta para um outro mundo, longe da pe-quena cidade em nenhures que a ja-nela revelava. Algo longínquo, mis-terioso, soprado no éter desde mil e muitos quilómetros de distância. Ele que ouvia o rádio não estava sozinho. Mas quem seriam os outros: comu-nidade agrupada em volta da rádio madrugada dentro? Nunca o saberia. Na melhor das hipóteses, iria desco-bri-los anos depois, quando uma con-versa conduzisse a uma canção, essa canção trouxesse a recordação do quarto e da caixa de madeira e cir-cuitos eléctricos produzindo som e, com ela, a revelação de que, há mui-to, aquele momento havia sido par-

tilhado sem o saberem, noite após noite.

Se a descrição parece arcaica, é por-que o é. Extrapolámo-la das recorda-ções de Bob Dylan de como descobriu a folk na rural Duluth, a cidade do Minnesota onde nasceu. Evoca ima-gens a preto e branco, irreais por pa-recerem hoje tão improváveis – houve mesmo um tempo em que a rádio era a única porta aberta para o mundo?

Contudo, não precisamos de recu-ar tanto. Tão perto quanto os anos 80, ainda era ela que servia de farol agregador e formador de comunida-des de melómanos - basta recordar, cá dentro, o trabalho ímpar de Antó-nio Sérgio, o mais influente radialista português.

Claro que entre os anos 50 de Dylan e os 80 do “Som da Frente”, assistiu-se ao nascimento da era do sin-gle e, depois, do LP. Claro que apareceram depois as cas-setes e, com elas, gravando, desgra-vando e regravando, a música passou a circular de forma livre e personali-zada. Depois, nasceu o CD e, anos 90 dentro, o CD gravável – em termos de impacto, um pequeno e pouco signi-ficativo upgrade da cassete. Porém, estes saltos tecnológicos não altera-ram radicalmente a forma como ou-víamos música. Não alteraram radi-calmente a forma como nos relacio-návamos com os músicos: a cultura

pop juve-nil, tal como

estabelecida com o menear de ancas de Elvis

Presley no Ed Sullivan Show, em 1956, manteve, mais hippie, menos rocka-billy, mais punk, menos metaleiro, os mesmos gestos, as mesmas normas de idolatria, os mesmos processos de mitificação.

Em 1995, com o CD estabelecido, com a indústria a lucrar como nunca antes – às novas edições juntavam-se as reedições, de custo próximo do zero, de álbuns prévios ao novo for-

mato -, não seria descabido que alguém anunciasse com

pompa e circunstância o “fim da história” do fenómeno pop, tal como entendido por Fukuyama. Instalados no final da primeira década do sécu-lo XXI, não demoramos a encontrar expressão adequada a tal raciocínio: balelas. No que à música diz respeito, esta foi a década em que tudo reco-meçou, para nada ser como dantes.

A imparável democratização E não é por acaso que passámos os parágrafos anteriores a falar da tec-nologia a ela associada. Nos anos 2000, Google, MP3, iPod ou MySpace: foram eles que mudaram tudo. Foi a agressiva e imparável democratização

Eu sou a minhaOs anos 2000 serão mais recordados pela tecnologia que pela música. Não que a música seja n

mais marcantes. Não por acaso, só nos encontramos todos em volta dos Beatles o

Cinema Livros MúsicaExposições Teatro/Dança

muitos quilómetros de distância. Eleue ouvia o rádio não estava sozinho

Minnesota onde nasceu. Evoca ima-gens a preto e branco irreais por pa-

que apareceram depois as cas-setes e com elas gravando desgra-

estabelecida com o menear de ancas de Elvis

lo XXI, não demoramos a encontrar expressão adequada a tal raciocínio:

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tilhado sem o saberem, noite apósnoite.

Se a descrição parece arcaica, é por-que o é. Extrapolámo-la das recorda-ções de Bob Dylan de como descobriua folk na rural Duluth, a cidade doMinnesota onde nasceu Evoca ima

Claro que entre os anos 50 de Dylane os 80 do “Som da Frente”, assistiu-se aonascimento da era do sin-gle e, depois, do LP. Claroque apareceram depois as cas

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Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 9

a cena musicala negligenciável. Será até das décadas mais ricas da pop. Mas paradoxalmente, longe de ser das s ou Michael Jackson, ícones de um passado que já não existe. Mário Lopes

da experiência musical, da audição de música à criação de música, que nos trouxe até aqui: a um ponto em que já não nos reconhecemos naqui-lo que éramos quando, na passagem de ano de 1999 para 2000, festejámos a inexistência do apocalíptico “bug” do milénio.

Recentemente Alexei Petridis, crí-tico do “Guardian”, propôs um exer-cício. Olhando para a música que se ouvia no início de uma década, e aqui-lo em que se transformara no final, teríamos uma panorâmica da sua di-nâmica transformadora. Nos anos 1960, alega Petridis, passou-se do “ski-ffle” para Jimi Hendrix. Nos 1970, de Jethro Tull para Gary Numan – e qual-quer um que se visse teletransportado

de um extremo da década para o ou-tro, perguntar-se-ia que raio se tinha passado entretanto. Nos anos 2000, porém, o choque não seria tremendo. Praticamente nada de 2009 seria ir-reconhecível em 2000 – esta foi a dé-cada em que toda a história pop se reencontrou, se misturou e remistu-rou nas mesmas ou em novas combi-nações, em que todos os tempos co-existiram num imenso caleidoscópio de sons.

Em retrospectiva, esta década será mais recordada pelas transformações tecnológicas que pela música ela mes-ma. Não porque a música seja negli-genciável. Pelo contrário, com a de-mocratização dos meios de produção (qualquer um pode gravar um disco

em casa e disponibilizá-lo a partir de casa), com as mil possibilidades cria-tivas geradas pela facilidade de aces-so a toda a história que a antecedeu (“o câmbio actual do conhecimento de álbuns obscuros está abruptamen-te tão desvalorizado quanto o dólar zimbabueano”, lia-se na última edição da Word), esta será uma das décadas mais ricas da pop – mas paradoxal-mente, longe de ser das mais marcan-tes. Porquê? Porque o cenário está sobrepovoado e o consenso é inexis-tente (nunca se anunciaram tantos “álbuns do ano” ou “melhores discos da década” como hoje, nunca se des-confiou tanto dos “álbuns do ano” ou “melhores discos da década” anun-ciados). Porque o iPod e os MP3 tor-

naram a música omnipresente no quotidiano, mas não a tornaram mais importante: “O tempo voa quando estou a ouvir música. É assim: ‘hmm, o que é que estava a ouvir há dois se-gundos?’ Mas como que nos habitua-mos a isso”, descrevia um nova-ior-quino de 18 anos em artigo publicado no site da NPR. E, finalmente, porque a net e as suas redes sociais, a intensa actividade divulgadora dos blogues e a capacidade de agregar gente em seu redor, geram pequenas comunidades de consensos, tornando profético al-go que Momus escreveu no distante ano de 1991: “no futuro, todos serão famosos para 15 pessoas”.

A noção de exclusividade, tão que-rida da ética indie num passado que

já não existe, passou dos álbuns obs-curos, propriedade de uns poucos resistentes à tenebrosa dominação do “mainstream”, para aquele “I had everything before everyone else” que os LCD Soundsystem cantaram em “Losing My Edge”, a canção que me-lhor expressou a decisiva ruptura com o passado vivida nos anos 2000.

Numa década iniciada com a acla-mação geral a “Is This It?” dos Strokes e que teve como último álbum con-sensual, enquanto marca geracional, “Funeral”, dos Arcade Fire; numa dé-cada em que se assistiu à ascensão de M.I.A. como alguém que transportou para o centro da pop expressões mu-sicais até então marginais e em que Timbaland e os Neptunes transfor-

g A exclusividade, tão querida da ética indie, passou dos álbuns obscuros, propriedade de uns poucos resistentes à dominação do “mainstream”, para aquele “I had

everything before everyone else” que os LCD Soundsystem cantaram em “Losing My Edge”, a canção que melhor expressou a decisiva ruptura com o passado vivida nos anos 2000

e Numa década que teve como último álbum consensual, enquanto marca geracional, “Funeral”, dos Arcade

Fire, ninguém se destaca, ninguém pode ser entronizado como seu máximo representante

f Os Animal Collective, tendo em conta as marcas da sua música, são o grupo mais influente deste tempo. Mas seria igualmente válido afirmar que as bandas mais influentes da década não nasceram nela: não são os Cure e os Joy Division aquilo que ouvimos nesse saturante revival pós-punk/80s que nos acompanha desde 2001?

h Ninguém quer líderes ou pregadores. Ainda assim, continuamos fascinados com figuras dessa dimensão icónica. Durante os anos 2000, foram os Rolling Stones, não os Coldplay, a banda que mais lucrou em digressão. Os Beatles, com a edição da sua discografia remasterizada, escalaram os topes mundiais. Michael Jackson foi chorado e reavaliado e reconquistou o trono de Rei da Pop

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10 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon

maram, perante todos, produções arrojadíssimas em matéria “mainstre-am”; neste década em que as grelhas de gosto se pulverizaram numa amál-gama sem hierarquia (os Velvet Un-derground podem ser tão relevantes quanto bandas sonoras televisivas dos anos 1980), nesta década a que, de Amy Winehouse a Jay-Z, não faltaram per-sonagens, ninguém se destaca, nin-guém pode ser entronizado como seu máximo re-presentan-te. Poder-

se-ia argumentar, por exemplo, que os Animal Collective, tendo em conta as marcas da sua música que reconhe-cemos hoje em tantas bandas, são o grupo mais influente deste tempo.

Mas seria

igualmente válido afirmar que as ban-das mais influentes da década não nasceram nela: não são os Cure e os Joy Division aquilo que ouvimos nes-se saturante revival pós-punk/80s que, dos She Wants Revenge aos Edi-tors, nos acompanha desde 2001?

Ao contrário do que muitos espe-ravam, a net não trouxe verda-

deira democratização comu-nitária, antes uma demo-

cracia individualista. Cada um define o seu

percurso na rede, re-colhendo informa-

ção, saltando de meta ligação em meta ligação.

Ninguém quer líderes ou pregadores: John Lennons seria hoje em paterna-lista com a mania do acti-vismo, Joe Strummer, muito genericamente, um chato. Ainda as-sim, continuamos fas-cinados com figuras dessa dimensão icó-nica.

Durante os anos 2000, fo-ram os Rolling Stones, não os Coldplay, a ban-da que mais lu-crou em digres-são. Os Beatles,

com a edição da sua discografia re-masterizada, escalaram os topes mundiais e voltaram a ser ouvidos em massa nas rádios e nos iPods. E Mi-chael Jackson, com a sua morte pre-coce, foi chorado e reavaliado e re-conquistou o trono de Rei da Pop.

Todos eles nos fascinam por re-presentarem um passado e uma

possibilidade pop que desa-pareceu e que só reco-

nhecemos por contin-gência etária. Esta-mos num novo mundo e, para o bem e para o mal, nada será como dantes.

Álbuns da décadaa João Bonifácio a 1. cLOUDDEAD Ten; 2. Scott Walker The Drift; 3. Sil-ver Jews Bright Flight; 4. Kimmo Pohjonen Kalmuk; 5 Edan Beauty and The Beat; 6. Radiohead Kid A; 7. The

National Boxer; 8. Camané Sempre de Mim; 9. Zé Mário Branco Resistir É Venc-

er; 10. Danny Cohen We’re All Gunna Die; 11. El-P Fantastic Damage; 12. Wilco Yanke Hotelk

Foxtrot; 13. Galandum Galundaina Modas I Anzo-nas; 14. M.I.A. Kala; 15. Notwist Neon Golden; 16. Bill

Callahan Sometimes I Wish We Were An Eagle; 17. Jan Jelinek Kosmicher Pitch; 18. Murcof Remembranza; 19.

D’Angelo Voodoo; 20. Boards of Canada Geogaddi

a Luís Maio a 1. Antony and the Johnsons I am a Bird Now; 2. Vampire Weekend Vampire Weekend; 3. M.I.A. Arular; 4. Buena Vista presents Cachaito Lopez; 5. Sonantes Sonantes; 6. Tinari-wen Radio Trisdas Sessions; 7. The Avalanches Since I Left You; 8. TV On The Radio Return To Cookie Mountain; 9. Ali Farka Toure & Toumani Diabate In The Heart Of The Moon; 10. LCD Soundsystem Sound Of Silver; 11. Devendra Banhart Rejoic-

ing in the Hands; 12. Benjamin Biolay. negative; 13. Youssou N’Dour - Egypt; 14. Grizzly Bear Veckatimest; 15. Salif Keita

Mouff u; 16. Lila Downs La Cantina; 17. Herbert Bodily Functions; 18. Spacek Curvatia; 19. Rokia Traouré Tchamatche; 20. Orches-tra Baobab Specialist In All Styles

a Mário Lopes a 1. LCD Soundsystem Sound Of Silver; 2. The Strokes Is This It?; 3. Animal Collective Feels; 4. White Stripes White Blood Cells; 5. The Shins Oh Inverted World; 6- Fiery Fur-

naces Blueberry Boat; 7. Franz Ferdinand Franz Ferdinand; 8. Tinariwen Aman Iman; 9. OutKast Speakerboxxx The

Love Below; 10. Beachwood Sparks Beachwood Sparks; 11. B Fachada B Fachada; 12. Cass McCombs; Dropping The Writ; 13; Joanna Newsom Ys; 14. Norberto Lobo Mudar de Bina; 15. The Streets Original Pirate Material; 16. Arcade Fire Funeral; 17. The Go Team! Thunder Lightning Strike!; 18. Devendra Banhart Rejoicing in the Hands; 19. Primal

Scream XTRMNTR; 20. Kanye West Late Registration

a Pedro Rios a 1. Radiohead Kid A; 2. Animal Collective Feels; 3. Panda Bear Person Pitch; 4. Outkast Speakerboxxx The Love Below; 5. Arcade Fire Funeral; 6. Queens of the Stoge Age Songs For The Deaf; 7. Six Or-gans Of Admittance School Of The Flower; 8. At The Drive-In Relation-ship of Command; 9. Black Dice Beaches and Canyons; 10. Radiohead Amnesiac; 11. Fugazi The Argument; 12. The Streets Original Pirate Mate-rial; 13. Devendra Banhart Rejoicing in the Hands; 14. Animal Collec-tive Merriweather Post Pavillion; 15. M.I.A. Kala; 16. The Strokes Is This It?; 17. Justin Timberlake FutureSex/LoveSounds; 18. LCD Soundsys-tem Sound Of Silver; 19. Burial Untrue; 20. Gang Gang Dance Saint Dymphna

a Vítor Belanciano a 1. The Knife Silent Shout; 2. LCD Soundsystem LCD Soundsystem; 3. M.I.A. Arular; 4. Burial Untrue; 5. D’ Angelo Voo-doo; 6. Arcade Fire Funeral; 7. Herbert Bodily Functions; 8. TV On The Radio Return To Cookie Mountain; 9. OutKast Speakerboxxx The Love Below; 10. Dirty Projectors Bitte Orca; 11. Kanye West Late Reg-istration; 12. Robert Wyatt Cuckooland; 13. Animal Collective Mer-riweather Post Pavillion; 14. Spacek Curvatia; 15. Panda Bear Person Pitch; 16. Björk Vespertine; 17. The Strokes This Is It; 18. Buraka Som Sistema From Buraka To The World; 19. Vampire Weekend Vampire Week-end; 20. Ricardo Villalobos Alcachofa

nd podem ser tão relevantesbandas sonoras televisivas 1980), nesta década a

Amy Winehouse a o faltaram per-s, ninguém aca, nin-ode serzado seure-n-r-

Mas seria que, dos She Wants Retors, nos acompanha

Ao contrário do quravam, a net não

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a Luís Maio a 1. AnVampire Weekend Vista presents Cacha

ost Pavillion; 14. Spacek Curvatia; 15. Panda Bear h; 16. Björk Vespertine; 17. The Strokes

Buraka Som Sistema From Buraka To19. Vampire Weekend Vampire Weekkk-------------rdo Villalobos Alcachofa

ria hoje em paterna-a do acti-mmer,

mente,a as-s fas-uras icó-

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masterizada, escmundiais e voltarammassa nas rádios chael Jackson, comcoce, foi chorado conquistou o tron

Todos eles nos prpppppp esentarem um

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bem e para o mal, nada será como dantes.nd

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a Pedro Rios a 1.Bear Person PitFire Funeral; 6. gans Of Admittship of CommanAmnesiac; 11. Furial; 13. Devendtive MerriweathIt?; 17. Justin Ttem Sound Of Dymphna

a Vítor BelancLCD Soundsydoo; 6. ArcadThe Radio RLove Below; 1istration; 12.riweather Poriweather PoPerson PitchThis Is It; 18.The World; 1end; 20. Ricar

M.I.A., “Arular”

The Strokes, “Is This It?” Animal Collective, “Feels” e “Merriweather Post Pavillion”

Herbert, “Bodily Functions

D’Angelo, “Voodoo”

LCD Soundsystem, “Sound Of Silver”

OutKast, “Speakerboxxx The Love Below”

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12 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon

Cinema Livros MúsicaExposições Teatro/Dança

Cinema anos zeroO cinema chegou a 2009, com “Avatar”, a anunciar uma “nova era”, fi nal perfeito para uma década obcecada com a mudança. E nós, espectadores: o que é que vimos nos “anos zero”, o que foi isto? Outra boa pergunta: o que é um espectador de cinema? Que venha a década

nova. “No surrender”, como na canção de Bruce Springsteen. Luís Miguel Oliveira

1. Uma década é uma unidade de tempo tão arbitrária como outra qual-quer, um utensílio fornecido pelo calendário para tentar impor uma “ordem” ou, como nas narrativas, um “princípio, meio e fim” àquilo que, na imparável dinâmica das coisas, não possui nada disso. Fazer “balan-ços”, impor um princípio de ordena-ção, encontrar uma “narrativa” que se distinga de outras, é um impulso humano antes de ser um impulso cul-tural (ou é um impulso cultural por-que é um impulso humano). Não é mau, não é bom, é o que é. Um tipo de arbitrariedade para tentar domes-ticar a arbitrariedade “cósmica”. Se não esquecermos isto, pode-se espe-rar do exercício que seja minimamen-te proveitável. Arbitrário por arbitrá-rio, faz tanto sentido falar do decénio 1997-2007 como de 2001-2010 (como, tecnicamente falando, devia ser). Mas por que não, e viva a força dos núme-ros redondos, os “poderes do 10” e o “mistério do zero”, falar de 2000-2009? Os segundos “anos 00” da his-tória do cinema: o simbolismo é ines-

capável, para mais numa década em que nos foi sendo garantido que tudo – da política, ao jornalismo, ao cine-ma – estava a mudar ou já tinha mu-dado.

No princípio da década o 11 de Se-tembro “mudou” o mundo, e no final da década foi a prometer “mudança” que um novo presidente foi eleito nos EUA. O cinema chegou a 2009, com “Avatar”, a anunciar uma “nova era”, um “cinema do futuro”, final perfeito para uma década obcecada com a mudança. E nós, espectadores (outra boa pergunta posta pela década: o que é um “espectador de cinema”?), o que é que vimos nos “anos zero”, o que foi isto?

Vale a pena ensaiar uns passos por esse sinuoso caminho, na certeza de que ficaremos longe de o esgotar e, outra advertência prévia, que para uma visão mais clara e seguramente mais completa dos “anos zero” do século XXI o melhor é dar um salto a 2030. O tempo é severo mas é dele que vem a luz e, como sabem todos os que gostam de cinema, é o futuro

que anuncia o passado e não o con-trário.

2. Houve uma coisa que sempre, ou desde cedo, tinha sido sólida e ruiu durante os “anos zero”. A boa per-gunta do parágrafo anterior: o que é um espectador de cinema? Em 2010, passar os olhos pelos “anos zero”, e particularmente pela indústria ame-ricana durante este período, não po-de ignorar isto, tanto mais que alguns dos passos decisivos dessa indústria (“Avatar”, mais espectacularmente) foram uma resposta. Mesmo durante a grande crise provocada pela expan-são da TV, nos anos 50 e 60, as coisas continuaram relativamente claras: sabia-se o que era um espectador de cinema e o que era um espectador de televisão. Qualquer deles pagava, de uma maneira ou de outra, para ver filmes, para ver televisão, para ver filmes na televisão – desde a primeira sessão dos Lumière que o “espectador de cinema” era aquele que pagava para ver um filme. Os “anos zero” trouxeram um novo tipo de especta-

dor, o que vê filmes mas não paga. Faz “downloads”, duplica, copia, vê os filmes mas não paga – é um espec-tador de cinema que deixou de con-tar, economicamente, como “espec-tador de cinema”. Só existe como buraco (de milhões) nas contas de Hollywood. O filme de James Came-ron, renovando a “experiência da sala” (para preservar, chamemos-lhe, a “experiência da caixa”) através das 3D, é a solução milagrosa para re-chamar os tresmalhados e garantir a manutenção da indústria como a co-nhecemos ou é um estertor a prenun-ciar uma transformação ainda inima-ginável? Pese o optimismo das máqui-nas de “marketing” (cuja função é promover o optimismo) e as certezas dos cretinos das caixas de comentá-rios (cuja função é promover o “ma-rketing”), “Avatar”, no que toca ao “cinema do futuro”, deixa mais per-guntas do que respostas.

3. O espectador de cinema dissolveu-se como entidade económica estável porque a tecnologia chegou a um pon-

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Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 13

to culminante das possibilidades da sua própria vulgarização. Qualquer pessoa com um computador e umas noções rudimentares de circulação pela Internet tem os filmes que quer (e de resto nem precisa da Internet). A tecnologia digital, “maravilha” du-rante as últimas décadas, revelou nos anos 2000 a sua faceta “monstruosa”. A “luz e a magia” deixaram de ser “in-dustriais”, como na empresa criada por George Lucas, e passaram a ser “domésticas”. Não é a mesma coisa? Talvez não, mas não é seguro que não se trate apenas de um capítulo da mesma história. Só que antes discutia-se o digital na origem, na raiz, na es-sência da imagem que era captada ou era interposta na imagem captada: o vídeo e a película, o “efeito especial”. Os “anos zero” impuseram a discus-são do digital no momento da chega-da e da recepção, em termos (e numa escala) em que nunca tinha sido pos-ta. Do digital como modo de fabrico ao digital como modo de consumo. Do digital como facto tecnológico ao digital como facto cultural. É um cír-culo demasiado perfeito para que se possa dizer que não se trata da mesma história. Fenómenos como o YouTube encarregaram-se de garantir o fecho do círculo. Que tem o YouTube a ver com o cinema? Quase nada, ou quase tudo, com menos contradição do que parece. Há muitos anos que o cinema não estava “só” (para usar a expressão de Godard nas “Histoire(s) du Ciné-ma”), mas nunca esteve tão acompa-nhado como nos anos 2000, tão ar-rastado para dentro duma “cultura da imagem”, enorme “bulldozer” de indiferença, com que ele só marginal-

mente alguma vez teve a ver. Como, numa estranha premonição de todo este excesso de imagens dos “anos zero” (e num estranho luto?), a “Bran-ca de Neve” de João César Monteiro (ah, o escândalo), pareceu querer as-sinalar, logo em 2000.

4. Curiosamente (ou previsivelmente) o cinema dos “anos zero” trabalhou a integração do digital, em todos os seus estados, na sua própria tradição. Enrijecido por cem anos de periódi-cas ameaças de “morte”, o cinema quis mostrar que a morte da película (apesar de tudo, também ela mais re-sistente do que se previa nos anos 90) pode ser uma “libertação”, assim co-mo uma cobra se livra da pele velha e a troca por uma nova. Vimos gran-des mestres, mestres vindos de outro tempo, como Ingmar Bergman e a sua “Sarabanda”, atirarem-nos uma últi-ma espreitadela, dominando o vídeo digital como se a questão dos suportes não passasse de um detalhe, e em úl-tima análise provando que não passa de um detalhe. Logo a abrir, em 2000, Pedro Costa estreou “No Quarto da Vanda”, um dos mais influentes filmes da década (despertou vocações, gerou inspirações e imitações), apontando um caminho, estético e metodológico (que o próprio Costa ainda não parou de explorar, vide “Ne Change Rien”), para o casamento entre o cinema (co-mo tradição) e o digital (como supor-te tecnológico). O mesmo Costa que, de resto, nos deu (em vídeo digital) um dos últimos três grandes filmes sobre a película cinematográfica, “On-de Jaz o Teu Sorriso”, com os Straub. (Os outros grandes filmes sobre a pe-

lícula foram de John Carpenter, “Ci-garette Burns”, ainda mais paradoxal visto que, episódio de uma série de TV, dele não foram tiradas quaisquer cópias em película; e claro, o “À Pro-va de Morte” de Tarantino, furioso e reaccionário manifesto em favor do arcaísmo e do analógico).

5. A questão película/digital também é um problema económico, pelo que só surpreende a quem tenha passado estes anos com os olhos postos em Hollywood e na “conversão da indús-tria” que essa conversão tenha arran-cado, de facto, das margens, estéticas e geográficas, onde o dinheiro é es-casso e os orçamentos se fazem a uma escala diferente. No Irão, Abbas Kia-rostami não estreou, durante os anos 2000, nada feito em película, antes se obstinando, em filmes como “Ten” e, sobretudo, “Five Dedicated to Ozu” (o título, neste contexto, já é “todo um programa”), em explorar o vídeo digital como meio de ultrapassar a “vocação narrativa” do cinema (e conduzi-la, de facto, para um terreno próximo da “vídeo arte”).

Na Rússia, Aleksandr Sokurov ser-viu-se das possibilidades de “armaze-namento” das câmaras de vídeo digi-tal para concretizar, livre do constran-gimento causado pelos 12 minutos das bobinas de 35mm, o sonho de Hitch-cock em “A Corda”: um plano-sequên-cia de hora e meia pelos corredores do Hermitage, sem os truques que Hitchcock teve que empregar. Foi “A Arca Russa”, “tour de force” entre os mais ousados e “vanguardistas” da década, por acaso ou não (na sua re-lação com a história russa) mais um

exemplo em que o “moderno” foi pos-to ao serviço de uma reflexão sobre a “tradição”. O filme de Sokurov tam-bém põe em evidência a questão da invenção de um “peso” para estas no-vas câmaras digitais: a sua resposta em “Arca Russa” (mobilidade, flutua-ção, suspensão da gravidade) aproxi-ma-o de Michael Mann (quem, na América “mainstream”, mais apro-fundou o trabalho sobre o vídeo digi-tal, em filmes como “Miami Vice” e “Inimigos Públicos”), tanto quanto o afasta (a ele e a Mann) da resposta de Pedro Costa, que submete a sua câ-mara a uma gravidade descomunal, impondo-lhe um “peso” que ela de facto não tem (o que, para além de ter origem no facto de Costa ser um cine-asta do plano e do enquadramento, configura uma espécie de ética, e de resistência ao próprio digital). O que aproxima Mann e Costa, evidente-mente, é a crença na luz como coisa a redescobrir: que ninguém diga que já tinha visto a luz da “Vanda” ou a luz de “Miami Vice”. Mencionar, ainda, já que se falou de “resistência”, o es-pantoso trabalho sobre as possibili-dades plásticas do digital, conduzidas em direcção ao minimalismo, do es-panhol Albert Serra em “O Canto dos Pássaros”, o filme mais “2D” desde há muito. Em “double bill” com “Ava-tar” mostraria bem como um filme pode ser “chato” sem ser “achatado”, e “achatado” sem ser “chato”.

6. Ainda a propósito da questão eco-nómica, importaria referir que o eter-no “parente pobre” dos géneros cine-matográficos, o documentário, sobre-viveu aos 2000 em grande parte

g No caos de um mundo encharcado de imagens: “Afterschool”, de Antonio Campos, “Caché” de Michael Haneke. Mas houve quem continuasse como se nada fosse: Rohmer, James Gray, Wes Anderson, Oliveira, Rivette, Godard, Kaurismaki

E Em 2000 Pedro Costa estreou “No Quarto da Vanda”, um dos mais infl uentes fi lmes da década (despertou vocações, gerou inspirações), apontando um caminho para o casamento entre o cinema (como tradição) e o digital (como suporte tecnológico)

f“Avatar”, renovando a “experiência da sala” através das 3D, é a solução milagrosa para re-chamar os tresmalhados e garantir a manutenção da indústria ou é um estertor a prenunciar uma transformação ainda inimaginável?

g As propriedades “domésticas” dos aparatos digitais propiciaram uma nova voga do registo diarístico, pessoa, de que os exemplos mais conhecidos serão os fi lmes de Agnès Varda: “Os Respigadores e a Respigadora”, a abrir a década, e “As Praias de Agnès”, a fechar

h O “À Prova de Morte” de Tarantino, foi um furioso e reaccionário manifesto em favor do arcaísmo e do analógico

f Quem, na América “mainstream”, mais aprofundou o trabalho sobre o vídeo digital, em fi lmes como “Miami Vice” e “Inimigos Públicos”, foi Michael Mann

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Filmes de uma décadaa Jorge Mourinha a 1. Lost in Translation Sofi a Coppola, 2003; 2. Moulin Rouge Baz Luhrmann, 2001; 3. O Novo Mundo Terrence Malick, 2005; 4. Kill Bill Quentin Tarantino, 2003/2004; 5. Disponível para Amar Wong Kar-Wai, 2000; 6. Fala com Ela Pedro Almodóvar, 2002; 7. WALL-E Andrew Stanton, 2008; 8. A Última Hora Spike Lee, 2002; 9. O Despertar da Mente Michel Gondry, 2004; 10. O Grande Peixe Tim Burton, 2003; 11. Monstros e Cª Pete Docter, 2001; 12. Sarabanda Ingmar Bergman, 2003; 13. O Tempo que Resta François Ozon, 2005; 14. O Estádio de Wimbledon Mathieu Amalric, 2001; 15. Milk Gus van Sant, 2008; 16. Miami Vice Michael Mann, 2006; 17. Elogio do Amor Jean-Luc Godard, 2001; 18. Ocean’s Eleven - Façam as Vossas Apostas Steven Soderbergh, 2001; 19. O Tigre e o Dragão Ang Lee, 2000; 20. Cartas de Iwo Jima Clint Eastwood, 2006

a Luís Miguel Oliveira (por ordem alfabética dos nomes dos realizadores) a 1. The Life Aquatic with Steve Zissou Wes Anderson, 2004; 2. Sarabanda Ingmar Bergman, 2003; 3. No Quarto da Vanda Pedro Costa, 2000; 4. Uma História de Violência David Cronenberg, 2005; 5. Homecoming Joe Dante + John Carpenter’s Cigarette Burns, John Carpenter, 2005 *; 6. Gran Torino Clint Eastwood, 2009; 7. Elogio do Amor, 2001 + Dans Le Noir du Temps (Episódio de Ten Minutes Older, 2002) Jean-Luc Godard; 8. Nós Controlamos a Noite, James Gray, 2008; 9. Le Monde Vivant Eugène Green, 2003*; 10. En Construccion Jose Luis Guerin, 2001 *; 11. Plataforma Jia Zhang-Ke, 2000; 12. Five Dedicated to Ozu Abbas Kiarostami, 2003*; 13. O Homem Sem Passado Aki Kaurismaki, 2002; 14. Miami Vice Michael Mann, 2006; 15. Ne Touchez Pas La Hache Jacques Rivette, 2007**; 16. A Inglesa e o Duque Eric Rohmer, 2001; 17. Arca Russa Aleksandr Sokurov, 2002**; 18. Vai e Vem, João César Monteiro; 19. Une Visite au Louvre Straub/Huillet, 2004*; 20. À Prova de Morte Quentin Tarantino, 2007

graças ao digi-tal. Para o bem ou para o mal, ou melhor dizendo, para o bem e para o mal (não se pode que-rer ter só uma coisa). As proprie-dades “domésticas” dos apara-tos digitais (novo sentido para a “câmara-stylo” de Astruc) pro-piciaram até uma nova voga do registo diarístico, pessoal e quo-tidiano, de que os exemplos mais conhecidos serão os filmes de Ag-nès Varda (“Os Respigadores e a Respigadora”, a abrir a década, e “As Praias de Agnès”, a fechar).

7. O caos de um mundo encharcado em imagens. O YouTube. O 11 de Se-tembro (em rigor, e num sentido que levaria demasiado tempo a explicar, a televisão desse dia devia entrar nu-ma lista do mais “relevante” da déca-da), cujas imagens assombraram o resto da década, inclusive no YouTu-be, e muito para além da América (o mais genial contracampo do 11 de Se-tembro é o plano final do “Filme Fa-lado” de Oliveira, e pouco que impor-ta que o filme seja o seu mais fraco).

Esta ame-aça difusa

que vem da sensação de o 11 de Se-t e m b r o ter sido dissecado “clandes-tinamen-te”, com imagens de

telemóveis, de câma-ras de se-

gurança, e etc. Para uma ge-ração inteira (pa-ra mais do que

u m a geração), corres-p o n - deu à noção de uma perda da inocência. Uma câmara de telemóvel não pode ser um brin-quedo se serve para registar o mais traumático assassínio em massa de tempos recentes. O vídeo – o vídeo caseiro, vulgar de Lineu – como ins-trumento dúbio, invasor e invasivo ao mesmo tempo, como aparelho ca-paz de construir, por “roubo”, uma

verdade para além das ver-dades ofi -ciais. Uma menção para todos os fil-mes que fo-ram atrás deste “zeit-ge s t ” t ã o “anos 2000”. O “Caché” de Haneke e o seu par perfeito, o “Afterschool” de Antonio Campos. O “Redacted” de Brian de Palma, sobre a guer-ra do Iraque, e a sua ver-são melhorada, mais abstrac-ta e mais paródica (mas muito menos vista e muito discutida, “são zombies, senhor”), o “Diário dos Mor-tos”, dessa velha “térmita” do cinema americano que é George Romero.

8. E todos, velhos e novos, solitários quase sempre, obstinados por obri-gação, que inauguraram ou continu-aram as suas obras como se nada fos-

se. O velho Rohmer, que na “Inglesa e o Duque” des-diabolizou e domes-ticou o “efeito especial” (digital...), transformando-o em cartão pintado. James Gray e Wes Anderson.. Oliveira. Rivette. Godard, a transformar a

amargura em coisa bela de se ver. Kau-rismaki, sozinho e maltrata-do que nem um cão vadio, autor dos dois filmes

mais como-ventes da dé-

cada (“Um Ho-mem sem Passa-

do” e “Luzes no Crepúsculo”). A ma-

jestade magoada de Eastwood. Outros, muitos

outros. Aquilo a que dantes se chamava os “autores”. Estão

quase varridos das salas de cinema portuguesas. São zombies, senhor, e encontram-se numa das cinquenta salas dedicadas ao Harry Potter.

9. Que venha a década nova. “No sur-render”, como na canção de Bruce Springsteen.

a Mário Jorge Torres (por ordem cronológica) a 1. A Casa da Felicidade Terence Davies (2000); 2. Disponível para Amar Wong Kar-wai (2000); 3. Mulholland Drive, David Lynch (2001); 4. Moulin Rouge, Baz Luhrman (2001); 5. A. I. - Inteligência Artifi cial Steven Spielberg (2001); 6. Gosford Park, Robert Altman (2001); 7. Longe do Paraíso, Todd Haynes (2002); 8. Vai e Vem João César Monteiro (2002); 9. Lost in Translation Sofi a Coppola (2003); 10. A Má Educação, Pedro Almodóvar (2004); 11. Charlie e a Fábrica de Chocolate Tim Burton (2005); 12. Odete João Pedro Rodrigues (2005); 13. O Segredo de Brokeback Mountain, Ang Lee (2005); 14. Cigarrette Burns John Carpenter (2005)*; 15. Cartas de Iwo Jima, Clint Eastwood (2006); 16. Os Amores de Astrea e de Celadon Éric Rohmer (2006); 17. I Don’t Want to Sleep Alone Tsai ming liang (2006)**; 18. Ne Touchez pas la Hache Jacques Rivette (2007)**; 19. Milk Gus Van Sant (2008); 20. Ne Change Rien Pedro Costa (2009)

a Vasco Câmara (por ordem cronológica) a 1. Plataforma Jia Zhang-ke (2000); 2. Disponível para Amar Wong Kar-wai (2000); 3. Mulholland Drive David Lynch (2001); 4. En Construccion, Jose Luis Guerin (2001) *; 5. R Xmas, Abel Ferrara (2001); 6. Gerry Gus Van Sant (2002); 7. Irreversível Gaspar Noe (2002); 8. Kill Bill I e II Quentin Tarantino (2003); 9. Tie Xi Qu: West of the Tracks Wang Bing (2003) *; 10. The Brown Bunny Vincent Gallo (2003); 11. I Don’t Want to Sleep Alone Tsai Ming-liang (2006) **; 12. Juventude em Marcha Pedro Costa (2006); 13. Cartas de Iwo Jima Clint Eastwood (2006); 14. Ne Touchez pas la Hache Jacques Rivette (2007)**; 15. A Mulher sem Cabeça Lucrecia Martel (2008); 16. Quatro Noites com Ana, Jerzy Skolimowski (2008); 17. Shirin Abbas Kiarostami (2008)*; 18. Afterschool Antonio Campos (2008); 19. Go Get Some Rosemary Ben e Joshua Safdie (2009) *; 20. Lola Brillante Mendoza (2009)*

*Inédito comercialmente em Portugal; ** Inédito comercialmente em Portugal, editado em DVD

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.eeu , o” de pos. O

de Brianbre a guer- e a sua ver-a, mais abstrac-

ródica (mas muitoe muito discutida, “sãohor”), o “Diário dos Mor-

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quase varridos das salas d

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a o mal (não se pode que-uma coisa). As proprie-mésticas” dos apara-

s (novo sentido para atylo” de Astruc) pro-

até uma nova voga do arístico, pessoal e quo-e que os exemplos maisos serão os filmes de Ag-a (“Os Respigadores e a ora”, a abrir a década, e de Agnès”, a fechar).

de um mundo encharcadons. O YouTube. O 11 de Se-m rigor, e num sentido quemasiado tempo a explicar,

Esta ame-aça difusa

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“Cartas de Iwo Jima”, Clint Eastwood

“I Don’t Want to Sleep Alone” Tsai Ming-liang

“Sarabanda”, Ingmar Bergman “Mulholland Drive”, David Lynch “Lost in Translation”, Sofi a Coppola

“Plataforma”, Jia Zhang-ke

“O Elogio do Amor”, Jean-Luc Godard

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16 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon

Cinema Livros MúsicaExposições Teatro/Dança

Os anos da sincr

Com a Internet alcançámos uma forma de estar e pensar tão antiga quanto os Veda hindus: uma realidade sincrónica, viral, não-linear.

A contemporaneidade absoluta é agora. Vanessa Rato

Chamava-se “Le Temps, Vite”, ou se-ja “O Tempo, Rápido”, e inaugurou no Centro Pompidou, em Paris, no ano 2000, em plena vertigem da en-trada no novo milénio. Na entrevista que deu para o catálogo, Umberto Eco usava a expressão: contemporanei-dade absoluta. “Todas as sociedades, como todos os indivíduos, vivem so-bre a memória. Sem memória não há duração, não há alma”, dizia. Expli-cando: “Todas as épocas tentaram captar toda a memória possível por todos os meios possíveis, como se a memória dos anciãos não fosse sufi-ciente.”

O desenho, a escrita e os livros; o teatro e a dança; a arquitectura e a estatuária; a pintura, a fotografia e o cinema; os museus e as bibliotecas... “Hoje, o que é que acontece? O arqui-vo, tanto quanto a memória que con-tém, tornou-se enorme. A Internet encerra a memória de todo o univer-

so. Donde o problema da escolha, da filtragem. É preciso aprender a ames-trar esta memória para que ela não nos subjugue.”

A Internet, pois, esse não-tempo contínuo, espécie de super-consci-ência extática, onde o Big Bang está constantemente a criar o universo, hoje. Onde as Torres Gémeas e os Budas de Bamyian caem e voltam a erguer-se todos os dias. Onde os bai-larinos de Pina Bausch hão-de dan-çar uma e outra vez “A Sagração da Primavera” ao som de “Thriller”, de Michael Jackson, porque estranha-mente resulta, como se sempre ti-vesse sido assim. Onde Leonardo da Vinci e Picasso são contemporâneos de Warhol, Bansky, Jagdish Swami-nathan, Subodh Gupta e todos os artistas conhecidos e desconhecidos de antes, agora e por vir. Onde arte é arte, mas também tatuagem e por-nografia, ao mesmo nível. Onde,

vistos de cima, Telheiras e Brooklyn são e não são a mesma coisa. Onde o jardim babilónico que falta plantar no Dubai é fabuloso no mesmo mo-mento em que o atentado de agora em Carachi é um horror a cair-nos em cima com todo o pó, os mortos e o sangue (e, afinal, onde é que fica Carachi?, perguntamos ao tipo que, ao mesmo tempo, temos na outra ponta de um chat Lisboa-Bombaim, um tipo que não conhecemos mas que, em segundos – quando esque-cermos Carachi – , nos vai fazer che-gar o filme que está a montar e es-treia daqui a um mês em Los Ange-les).

“Convém não esquecer que a con-temporaneidade é, por vezes, uma ilusão. Assim, no momento em que dispomos da contemporaneidade ab-soluta, podemos também ser mario-netas da ilusão da contemporaneida-de”, dizia Eco.

Modernidade, pós-modernidade, altermodernidade

Foi há dez anos. Entretanto, ao que tudo indica, a maior parte de nós habituou-se a fazer da ilusão, do caos e de todos os nivelamentos, por baixo ou por cima, uma experiência positi-va, e isso foi suficiente para o nasci-mento de um novo universo global, de uma nova forma de estar e pensar tão antiga quanto a filosofia holística dos Veda hindus: uma forma de estar e pensar sincrónica, em vez de dia-crónica, viral, não-linear – um univer-so de contemporaneidade absoluta, de facto. Tão absoluta que se tornou categoria, em si.

“Nos primeiros anos do século XXI a arte flutuou livre de qualquer liga-ção à História e à teoria. Tornou-se, de certa forma, numa categoria artís-tica em si. Um campo independente”, dizia-nos há semanas o crítico e his-

toriador norte-americano Hal Foster. Continuando: “Apesar de haver uma longa história de vanguardas moder-nas e de a vanguarda se ter definido sempre através da ruptura com o pas-sado, na verdade, sempre ficou ligada ao passado. Já a arte contemporânea, especialmente porque é uma arte glo-bal, perfila-se como uma vasta pre-sença que vemos mais como um gran-de campo horizontal.” E depois a pergunta recorrente: “Terá a tensão entre o presente e o passado sido es-ticada ao ponto de ruptura?” E a res-posta: “Acho que sim.”

“Ao longo dos últimos 20 anos, a arte tornou-se internacional e depois global. Hoje há todo o tipo de tradi-ções e histórias da arte a considerar. Não há uma, duas ou três linhas que possamos traçar ao longo do tempo e que funcionem e possam conferir um sentido narrativo ao presente. De uma forma ou outra [até há algum

“Le Temps, Vite”, a exposição que o Pompidou inaugurou na vertigem da entrada no novo milénio, foi um prognóstico do estado da arte nos anos 00

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Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 17

cronia absoluta

g Depois mil discussões sobre se seríamos, finalmente, pós-modernos, podíamos pôr esse ponto de interrogação na gaveta, tornado caduco por um singular evento: a actual crise económica mundial. Nem modernos nem pós-modernos. Submersa em nova crise, a humanidade teria visto nascer a primeira era cultural do mundo globalizado

f Entretanto, um conceito relegado há 40 anos para os circuitos académicos mais obscuros voltava ao centro das discussões estéticas mais actuais (talvez como reacção a todos os nivelamentos): a obra-prima. Ultrapassado o espectro do modernismo, voltámos a poder ligar-nos “à grande tradição da obra-prima”, dizia-nos há seis anos o crítico e ensaísta norte-americano Arthur C. Danto

e A Internet é o não-tempo contínuo onde as Torres Gémeas e os Budas de Bamyian caem

e voltam a erguer-se todos os dias, onde os bailarinos de Pina Bausch hão-de dançar

uma e outra vez “A Sagração da Primavera” ao som do “Thriller”, onde da Vinci e Picasso

são contemporâneos de Warhol, Bansky, Subodh Gupta e todos os artistas conhecidos e

desconhecidos de antes, agora e por vir

h Ainda que o Brasil e a Índia se tenham juntado à discussão, a modernidade foi um conceito ocidental. Hoje o labirinto é muito

mais complexo e as cidades já não chegam: é preciso um nómada global, um errante

cultural à procura do inverso do enraizamento absoluto, encenando as suas

raízes em contextos heterogéneos

tempo] éramos todos ‘hegelianos’. Até o pós-modernismo se definia em relação ao modernismo, até as neo-vanguardas se definiam em relação às vanguardas históricas. Os artistas pensavam no seu trabalho em relação aos precedentes. Os novos artistas já não trabalham assim. Tudo parece estar a ser empurrado para um arqui-vo histórico que nem sequer parece ser já muito consultado. De certa for-ma, o período pré-guerra parece o século XIX de hoje e o século XIX pa-rece a Renascença.”

Posto de outra forma: será que a modernidade se transformou na nos-sa antiguidade? Foi uma das pergun-tas lançadas pela mais recente edição da mítica Documenta de Kassel. Há dois anos, sob o tema geral “Migração da forma”, Roger M. Buergel, director artístico da mais importante mostra de arte contemporânea do mundo, propunha, também ele, com esta per-

gunta, uma reflexão sobre a possibi-lidade da passagem de presente a passado de uma era que podemos defender como sendo ainda a nossa. Propunha mais: a transformação da Modernidade num equivalente da Antiguidade clássica, ali onde se arti-culou o conceito do que o Ocidente entenderia como arte.

A Modernidade como ciclo (re)fun-dador que se abriu e fechou no tem-po, matéria passível já de revisitação arqueológica? Buergel explicou num breve texto o que o levou à questão: “A modernidade, ou o seu destino, exercem uma influência profunda nos artistas contemporâneos. Parte da atracção pode derivar de ninguém saber realmente se está viva ou mor-ta. Parece estar em ruínas depois das catástrofes totalitaristas do século XX (exactamente as mesmas catástrofes que de alguma forma instigou). Pa-rece totalmente comprometida pela

aplicação brutalmente parcial das suas demandas universais (liberdade, igualdade, fraternidade) ou pelo sim-ples facto de a modernidade e o co-lonialismo terem andado, e provavel-mente ainda andarem, de mãos da-das. Ainda assim, a imaginação das pessoas está cheia das visões e for-mas da modernidade. Resumindo, parece que estamos tanto dentro co-mo fora da modernidade, tão repeli-dos pela sua violência mortal como seduzidos pelas suas mais imodestas aspirações ou potenciais: que possa, apesar de tudo, haver um horizonte planetário para todos os vivos e os mortos.”

Foi um salto até, já este ano, nos ser proposto o passo seguinte: a aber-tura de uma nova era cultural, uma outra modernidade – uma Altermo-dernidade.

Na IV edição da trienal da Tate, Ni-colas Bourriaud, co-fundador do Pa-

lais de Tokyo, de Paris, lançava o de-bate ao dizer que, depois de várias vidas a interrogar gigantes – Heideg-ger, Wittgenstein, Benjamin, Baude-laire, Bataille, Lyotard, Foucault, Bau-drillard, Derrida, Lipovetsky... – e depois de mil discussões sobre se se-ríamos, finalmente, pós-modernos, podíamos pôr esse ponto de interro-gação na gaveta, tornado caduco por um singular evento: a actual crise eco-nómica mundial.

Nem modernos nem pós-moder-nos. Submersa em nova crise, no final da primeira década do século XXI a humanidade teria visto nascer a pri-meira era cultural do mundo globali-zado.

Nem uma visão linear da História, como a do modernismo, nem uma imagem desta a avançar em espirais de eternos retornos, como defendido pelo pós-modernismo; agora, uma visão da História constituída por múl-

tiplas temporalidades simultâneas em que a vida e a arte surgem como ex-periências positivas de desorientação, traçando linhas em todas as direcções de tempo e de espaço e, assim, explo-rando todas as dimensões do presen-te. Por outras palavras: uma era em que se age e cria a partir de uma visão de caos articulado.

“Ainda que, à época, países como o Brasil e a Índia se tenham juntado à discussão, a modernidade foi um conceito ocidental. Hoje vivemos num labirinto mais complexo e temos que extrair dele significados especí-ficos para o século XXI. A moderni-dade de hoje não é nem pode ser to-talizadora nem continental”, disse-nos a dada altura Bourriaud, enumerando os “depois” em que te-mos estado mergulhados nos últimos 35 anos: pós-modernismo, pós-femi-nismo, pós-colonialismo, pós-político, pós-histórico... “Acabamos com a

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O Centro de Exposições do CCB fi cou “refém” da colecção Berardo

Jorge Queiroz, Carlos Roque, Bruno Pacheco e Leonor Antunes (da esquerda para a direita): alguns dos artistas portugueses que fi zeram do estrangeiro casa e local de trabalho

sensação de estar em eterna nos-talgia do passado, o que redunda nu-ma preguiça de pensar. Pareceu-me produtivo tentar decretar o fim desse conforto, tentar periodizar de outra forma.”

A civilização-arquipélagoJá não se trata do “flâneur” oitocen-tista, aquele que se deixa perder na observação da vida das cidades. Hoje as cidades não chegam. É preciso um nómada global, ou, em rigor, um er-rante cultural à procura do inverso do enraizamento absoluto, com as suas raízes sempre em movimento, encenando-as em contextos hetero-géneos, negando-lhes qualquer valor como origem, traduzindo ideias, transcodificando imagens, transplan-tando comportamentos, trocando, mais do que impondo.

Uma nova “flânerie” como técnica de geração de criatividade e conheci-

mento. Uma técnica ligada à via-gem clássica, sim, mas também (ou, sobretudo) a esse outro tipo de viagem da era da hipermobilidade da In-ternet, em que nasce-mos a conceber for-mas de entender o que é o espaço do humano para lá das formas clás-sicas no Oci-dente, e em que o hipertex-to se generali-zou como pro-cesso de estru-turação de pensamento, uma janela a abrir directa-mente para ou-tras, infinitas, todas ligadas.

A década de SerralvesSerralves, o acontecimento da década Há um antes e um depois da inauguração do Museu de Arte Contem- porânea de Serralves. A ab-ertura do edifício projectado por Siza Vieira, a programação desen-hada por Vicente Todolí, João Fernandes e Ulrich Loock, a colecção e a parceria entre o Estado e os privados, fazem da instituição um ex-emplo ainda único em Portugal. É o acontecimento da década. Óscar Faria

CCB: a melhor opção? Depois de várias indecisões, divergências e de-missões, a deriva do Centro Cultural de Belém parou. O Estado entre-gou o seu Centro de Exposições ao Museu Berardo de Arte Moderna e Contemporânea e o CCB fi cou “refém” de uma colecção. Hoje ainda há quem se questione: foi a melhor opção? José Marmeleira

Portugueses em trânsito Com as bolsas e as residências, a circulação dos artistas portugueses no estrangeiro tornou-se um facto. Concor-rem e vão, naturalmente. Uns voltam, outros permanecem em trânsi-to e há quem vá fi cando, depois de fazer do exterior o lugar central da sua actividade. Como Leonor Antunes, Bruno Pacheco, Carlos Roque ou Jorge Queiroz. J.M.

Culturgest e Project Room, trabalho de prospecção O ciclo Project Room no CCB (2000-2002), comissariado por Jürgen

Bock, e a Culturgest com a programação de Miguel Wandschneider trouxeram à realidade local exposições memoráveis, afi rmando uma sin-tonia com outros contextos e um raro trabalho de “prospecção”. O público, esse, pôde conhecer as obras de artistas como Renné Green ou Allan

Sekula, Angela de La Cruz ou Atlas Group. J.M.

Porto “do-it-yourself” Perante a ausência de espa-ços no Porto, os artistas mobilizaram-se e

criaram os seus próprios espaços, alternativos aos contextos insti-tucional e galerístico da cidade, onde durante uma década foi possível fazer, organizar e ex-perimentar. Eis uma da história da arte portuguesa criada pelo

solidário e prático espírito “do-it-yourself”. J.M.

Um corpus para a arte em Kassel De cin-co em cinco anos, em Kassel, Alemanha,

tem lugar a Documenta, exposição que procura defi nir um corpus para a arte produzida nas últimas décadas. A revisão organizada, em 2002, sob o comissariado do nigeriano Okwui Enwezor foi a primeira com carácter global, acentuando a dimensão política da edição ante-rior, com curadoria da francesa Catherine David. O.F.

Escultura no espaço público, modo de usar A ideia tem início em 1977. De dez em dez anos, durante cem dias, decorre a iniciativa “Es-cultura. Projectos em Münster”. A última edição, 2007, comissariada por Brigitte Franzen, Kasper König e Carina Plath, sublinhou a ne-cessidade de um debate alargado sobre questões relacionadas com a escultura no espaço público. O.F.

Uma história da arte realmente contemporânea Há muito que se esperava uma história que tivesse em conta os desenvolvimentos artísticos do século XX sob um ponto de vista teórico esclarecido. Em 2004, quatro dos mais singulares historiadores da arte actuais – Hal Foster, Rosalind Krauss, Yve-Alain Bois e Benjamin Buchloh – publicaram “Art Since 1900”. Uma obra polémica, ainda à espera de resposta. O.F.

Cinema vs. arte contemporânea O fenómeno de fl uxos e interpenetra-ções entre o cinema e as artes plásticas não é novo; existe pratica-

mente desde o nascimento da imagem em movimento. Mas, ao longo da última década, assistimos a uma quase in-versão de papéis, com os cineastas a tomarem os mu-seus de assalto e os artistas plásticos a usarem cada vez mais estratégias próximas do cinema. V.R.

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A programação de Miguel Wandschneider na Culturgest permitiu ao público descobrir obras como a de Angela de La Cruz

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“E se a cultura do século XXI fosse inventada a partir daqueles trabalhos que se lançam a si mesmos o desafio de apagar as suas origens e falar de multiplicidades de enraizamentos su-cessivos ou simultâneos? Este proces-so de rasura”, diz Bourriaud, “é parte da condição do errante, uma figura central da nossa precária era e que aparece insistentemente no coração da criação artística contemporâ-nea”.

“O pós-modernismo saiu da de-pressão da Guerra Fria rumo a uma preocupação neurótica com as ori-gens típicas da era da globalização. É este modelo de pensamento que hoje está em crise, esta versão mul-ticultural da diversidade cultural que tem que ser questionada, não a favor de um ‘universalismo’ de princípios nem de um novo esperan-

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Amadeo em contexto Em “Amadeo de Souza-Cardoso – Diálogo de Vanguardas” (Fundação Calouste Gulbenkian, 2006), a obra do pintor português foi pela primeira vez exposta em contexto com a arte europeia dos anos 10 – graças a um trabalho de investigação extraordinário, que permitiu tirar a medida da qualidade inques-tionável de Souza-Cardoso. Luísa Soares de Oliveira

Bacon em Serralves Com um trabalho de comissariado assinado por Vicente Todolí, a grande exposição sobre os espaços claus-trofóbicos da pintura de Francis Bacon (“Caged Uncaged”, Museu de Serralves, 2003) trouxe a Portugal a obra de um grande pintor da segunda metade do século XX. L.S.O.

As imagens em movimento de João Tabarra Na Galeria Zé dos Bois, em 2006, esteve uma das exposições mais belas e inquietantes da década, para lá das referências, das citações, da fi cção, da política, do quotidiano. Amorosa e exemplarmente pensada e concebida com imagens em movimento. “G”, de João Tabarra, foi uma oferta dolorosa ao espectador. J.M.

O resistente Robert Frank Fotografi as, livros e colagens de fotogra-fi as e textos numa exposição do CCB (2001) que mostrou uma uma obra resistente, livre, sempre aberta ao rejuvenescimento das ima-gens pela experimentação, a intuição e a poesia: “Hold Still- Keep Going”, de Robert Frank. J.M.

A instalação-puzzle de Francisco Tropa O modelo da instalação “L’Orage”, de Francisco Tropa (Centro de Arte Moderna da Gul-benkian, 2003), veio de “A vida: Modo de Usar”, romance-puzzle de Georges Perec. Foi um dos momentos mais relevantes da década que agora termina. Do mesmo artista pode ainda citar-se o projecto “Assembleia de Euclides”, em processo desde 2005. O.F.

Dan Brown no momento certo Em 2001, numa exposição em Serralves, Dan

Graham demonstrou as razões por que o rock é uma religião. Por cá, esta foi a exposição da década. Nela reuniam-se, sob o comissariado de Marianne Brouwer e Corinne Dis-erens, trabalhos realizados entre 1965 e 2000. Uma mostra feita no momento certo, quando a obra do artista norte-americano começou a

ser redescoberta. O.F.

A obra de Amadeo Souza-Cardoso foi fi nalmente exposta no contexto da arte europeia dos anos 10

baseado na heterocronia e na liber-dade de explorar”, diz Bourriaud.

Dá o exemplo de um conceito que criámos a partir da natureza: “O ar-quipélago é o exemplo da relação en-tre o uno e o múltiplo. É uma entidade abstracta; a sua unidade deriva de uma decisão [humana] sem a qual nada seria lido a não ser um espraiar de ilhas unidas por nenhum nome comum. A nossa civilização, que leva as marcas da explosão multicultural e da proliferação de estratos culturais, parece-se com uma constelação sem estrutura, à espera da sua transforma-ção em arquipélago.”

Tudo isto ao mesmo tempo que um conceito relegado há 40 anos para os circuitos académicos mais obscuros voltava ao centro das dis-cussões estéticas mais actuais (talvez como reacção a todos os nivelamen-tos): a obra-prima.

Ultrapassado o espectro do mo-

dernismo, em que a arte se tomou sujeito de si mesma, “estamos de novo capacitados a voltar a ligar-nos à grande tradição da obra-prima na procura das visões mais formidá-veis”, dizia-nos há seis anos o crítico e ensaísta norte-americano Arthur C. Danto.

Na mesma altura, em Paris, Jean Galard deixava-nos com uma per-gunta: “Passámos por uma época de relativismo tal que houve uma per-turbação no julgamento, uma espé-cie de pânico. Uns viveram isso mui-to bem, dizendo que era a liberdade, a diversidade das culturas, das obras, das orientações. Mas, agora, há um contra-golpe, uma demanda por de-terminadas chaves que permitam o reconhecimento das obras que va-lem o olhar. E, no final de contas, perguntamos: não há mesmo uma forma de nos pormos de acordo em relação a certos princípios?”

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Cinema Livros MúsicaExposições Teatro/Dança

Os livros estão naComeçamos a década com Stephen King a lançar e-books por sua conta e risco. E terminamo-la c os seus clientes descarregaram mais e-books do que compraram livros i

Lembram-se do ano em que Stephen King fez a experiência de vender “The Plant”, romance por capítulos, em formato electrónico, no seu site, marimbando-se para a sua editora? Foi em 2000. O escritor escrevia na época no seu website: “Meus amigos, temos a chance de nos tornarmos o pior pesadelo das grandes edito-ras”.

Uns meses antes, em Março de 2000, a sua editora Simon & Schuster lançara o primeiro e-book para as massas. “Riding the Bullet” era uma novela escrita por King, um e-book que começou a ser disponibilizado de graça em livrarias online, como a Amazon e a Barnes & Noble, e mais tarde passou a ser vendido a 2,50 dó-lares. Só nas primeiras 24 horas foram descarregadas 400 mil cópias. Foi um sucesso. King passou a ser o “príncipe do ‘e-publishing’”.

Não resistiu a dar o passo seguinte: colocar no seu “site” “The Plant”, de que se podiam descarregar novos ca-pítulos por semana, e que ele iria con-tinuar a escrever se os leitores fossem pagando. Era uma questão de princí-

pio: “If you pay, the story rolls. If you don’t, the story folds” (Se pagares, a história continua. Se não pagares, a história fica encerrada). King explica-va que só continuaria a escrever “The Plant” se 75 por cento das pessoas que estavam a descarregar os capítulos pagassem. Mas só 46 por cento dos “downloads” feitos pelos internautas é que foram pagos naquele que ficaria a ser o último capítulo disponibiliza-do. Até hoje o romance permanece inacabado.

Os escritores e a sociabilidadeEstávamos no início da década mas nos anos seguintes não se falou de outra coisa nas feiras de Frankfurt, Londres ou na Book Expo America. Ano após ano, os editores e agentes interrogavam-se: “Os livreiros vão ser ultrapassados pelos editores que vão passar a vender os seus livros nos seus ‘sites’ directamente aos consumido-res? Será que os autores vão seguir a mesma via? Como é que vão funcio-nar as bibliotecas no futuro? Vamos emprestar livros online? As livrarias, tal como as conhecemos, vão desapa-

recer? Para onde vai evoluir o livro electrónico?”

Não temos ainda respostas para to-das as perguntas. Mas o que parecia uma maluquice de uns passou a fazer parte do nosso quotidiano.

Se em 2000 alguém dissesse a Ste-phen King que em 2009 ele iria voltar a ser pioneiro ao escrever a novela “Ur” para o lançamento do Kindle 2, a segunda versão do aparelho para ler e-books imaginado por Jeff Bezos e que revolucionou a maneira de ace-der aos livros quando foi lançado no final de 2007, talvez se risse. É como se, por desígnios insondáveis, tudo fizesse finalmente sentido.

Aconteceu tudo tão depressa que agora bastam 60 segundos e um car-tão de crédito para termos “o prazer de receber imediatamente um livro que se quer ler, sem ter de dar um passo”, como escrevia Miguel Esteves Cardoso na crónica, no PÚBLICO, do último dia de 2009.

Em qualquer lugar do mundo, on-de funcione a rede 3G ou uma ligação à Internet, podemos, no momento em que um livro vai para as lojas, tê-lo

em nossa posse em versão e-book.E foi isto que fez com que o merca-

do acelerasse. Por estes dias o acesso imediato é decisivo. Embora nem to-dos os editores concordem: algumas das editoras americanas estão a tentar lançar as suas novidades primeiro em papel e só meses mais tarde em digi-tal. Arriscam-se a que a pirataria os ultrapasse. Ou que lhes aconteça na vida um Paulo Coelho.

É que se os editores portugueses ainda andam a ver se apanham o com-boio da digitalização, no Brasil o autor de “O Alquimista” é o primeiro escri-tor em língua portuguesa, vivo, a ter todas as suas obras disponíveis no Kin-dle. Coelho, que em 2008 colocou online à socapa vários dos seus livros para serem descarregados gratuita-mente (acredita que isso aumenta a venda dos livros em papel), foi o pri-meiro a negociar directamente com a Amazon e “receberá 37,5% do preço final de venda, quase quatro vezes mais do que um autor costuma rece-ber quando um livro é vendido numa livraria convencional”, escrevia a re-vista “Veja”.

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as nuvensa com a Amazon a dizer que no dia de Natal s impressos. Isabel Coutinho

Livros da décadaa Eduardo Pitta a 1. A Torre do Desassossego Lawrence Wright (2006); 2. Hitler Ian Kershaw (2008); 3. Lisboa. História Física e Moral José-Augusto França (2008); 4. Jóia de Família Agustina Bessa Luís (Trilogia 2001-03); 5. As Benevolentes Jonathan Littell (2006); 6. Amigos até ao Fim John Le Carré (2003); 7. Carnaval no Fogo Ruy Castro (2003); 8. A Grande Guerra Pela Civilização Robert Fisk (2005); 9. Pós-Guerra Tony Judt (2005); 10. Shalimar o Palhaço Salman Rushdie (2005); 11. Todo-o-Mundo Philip Roth (2006); 12. A Paciente Misteriosa P. D. James (2008); 13. Estado de Negação Bob Woodward (2006); 14. A Breve e Assombrosa Vida de Oscar Wao Junot Díaz (2007); 15. Hooking Up. Um Mundo Americano Tom Wolfe (2000); 16. Tempos Interessantes Eric Hobsbawm (2002); 17. Onde Está a Sabedoria? Harold Bloom (2004); 18. Shakespeare. A Biografi a Peter Ackroyd (2005); 19. Uma Vida Inacabada John F. Kennedy Robert Dallek (2003); 20. Brando Mas Pouco Darwin Porter (2006)

a Gustavo Rubim a 1. Fernanda Ernesto Sampaio (2000); 2. Ou o Poema Contínuo: Súmula Herberto Helder (2001); 3. Da Democracia na América Alexis de Tocqueville tradução de Carlos Correia Monteiro de Oliveira e Lívia Franco (2001); 4. Antropologia e Império: Fonseca Cardoso e a Expedição à Índia em 1895 Ricardo Roque (2001); 5. Nove Noites Bernardo Carvalho (2002); 6. Século de Ouro: Antologia Crítica da Poesia Portuguesa do Século XX Osvaldo M. Silvestre e Pedro Serra (2002); 7. Odisseia Homero tradução de Frederico Lourenço (2003); 8. Vozes da Poesia Europeia (I e II) traduções de David Mourão-Ferreira revista Colóquio-Letras nº 163-164 (2003); 9. Respiração Assistida Fernando Assis Pacheco (2003); 10. A Universidade sem Condição Jacques Derrida tradução de Américo Lindeza Diogo (2003); 11. Poesia Daniel Faria (2003); 12. Poética Aristóteles nova tradução de Ana Maria Valente (2004); 13. Peças Escolhidas I Henrik Ibsen traduzidas do norueguês por Pedro Fernandes Karl Eric Schollhammer e Fátima Saadi (2006); 14. Antropologia em Portugal: Mestres Percursos Transições João Leal (2006); 15. Desmedida Luanda – São Paulo – São Francisco e Volta Ruy Duarte de Carvalho (2006); 16. Uma Grande Razão: os Poemas Maiores Mário Cesariny de Vasconcelos (2007); 17. A Faca Não Corta o Fogo - Súmula & Inédita Herberto Helder (2008); 18. Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português org. Fernando Cabral Martins (2008); 19. O Homem Livre: Mito Moral e Carácter numa Sociedade Ameríndia Filipe Verde (2009); 20. Caderno de Memórias Coloniais Isabela Figueiredo (2009)

a Helena Vasconcelos a 1. O Assassino Cego Margaret Atwood (2000); 2. Expiação Ian McEwan (2001); 3. Austerlitz W. G. Sebald (2001); 4. Ler Lolita em Teerão Azir Nafi si (2003); 5. A Breve e Assombrosa Vida de Oscar Wao Junot Díaz (2007); 6. A Linha da Beleza Alan Hollinghurst (2004); 7. O Ano do Pensamento Mágico Joan Didion (2005); 8. Elizabeth Costello J. M. Coetzee (2003); 9. O Mar John Banville (2005); 10. Nunca Me Deixes Kasuo Ishiguro (2005); 11. A Vista de Castle Rock Alice Munro (2006); 12. A Estrada Cormac McCarthy (2006); 13. Corpo Presente Anne Enright (2007); 14. Millennium Stieg Larson (2005 2006 2007); 15 Na Praia de Chesil Ian McEwan (2007); 16. 2666 Robert Bolaño (2004); 17. A Feiticeira de Florença Salman Rushdie (2008); 18. Os Anagramas de Varsóvia Richard Zimler (2009); 19. Wolf Hall Hillary Mantel (2009); 20. The Children’s Book A.S. Byatt (2009).

a Isabel Coutinho (por ordem cronológica) a 1. Dentes Brancos Zadie Smith (2000); 2. Correcções Jonathan Franzen (2001); 3. A Vida de Pi Yann Martel (2001); 4. Expiação Ian McEwan (2001); 5. Middlesex Jeff rey Eugenides (2002); 6. Está Tudo Iluminado Jonathan Safran Foer (2002); 7. Pode um Desejo Imenso Frederico Lourenço (2002)-trilogia; 8. The Whole Story and Other Stories Ali Smith (2003); 9. O Código Da Vinci Dan Brown (2003); 10. O Estranho Caso do Cão Morto Mark Hadoon (2003); 11. Equador Miguel Sousa Tavares (2003); 12. Jerusalém Gonçalo M. Tavares (2004); 13. O Ano do Pensamento Mágico Joan Didion (2005); 14. Nunca me Deixes Kazuo Ishiguro (2005); 15. Millennium Stieg Larsson (2005 2006 2007); 16. Longe de Manaus Francisco José Viegas (2005); 17. As Benevolentes Jonathan Littell (2006); 18. A Breve e Assombrosa Vida de Oscar Wao Junot Díaz (2007); 19. O apocalipse dos trabalhadores valter hugo mãe (2008); 20. Ofício Cantante - Poesia Completa Herberto Helder (2009)

Também Rubem Fonseca e a sua editora, a Agir, lançaram “O Semina-rista” numa versão que pode ser lida no Kindle e nem sequer têm o livro à venda na Amazon. É vendido através de um “site” dedicado ao livro man-tido pela editora. Ou seja: Fonseca, do alto dos seus oitenta e tal anos, dá lições a qualquer aprendiz de marke-ting editorial, pois utilizou a sua voz magnífica para promover o livro num “book trailer”.

Estes vídeos, que depois são repli-cados em blogues e “sites”, foram uma das invenções da década. Agora editores utilizam várias ferramentas na divulgação sem investirem em pu-blicidade em jornais. E como sabe-mos, nos anos 2000 os suplementos literários e os críticos literários en-cartados tornaram-se espécies em extinção.

Outro escritor, o norte-americano James Ellroy, também percebeu (por insistência do seu editor, é verdade) que tinha de estar no Facebook, a re-de social que de forma fácil e gratuita permite aos escritores perceberem melhor quem são os seus leitores.

Será que com esta sociabilidade toda os escritores terão tempo para fazer aquilo que deviam estar a fazer, ou seja, escrever? O tempo se encar-regará de mostrar o melhor cami-nho.

Defi nitivamente “retro”Ainda somos crianças nesta realidade que, a uma velocidade espantosa, es-tá a acontecer. E se a meio da década se acreditava que todos os formatos se iam manter porque até agora “nun-ca nenhum ‘media’ matou outro”, na última Book Expo America (BEA), em Maio de 2009, pairou no ar algo dife-rente.

Lance Fensterman, director da fei-ra, lançou o debate: “O que é um li-vro? Um livro impresso em papel, alguma coisa que se pode ouvir, ou será um livro que se pode ler num aparelho como o Kindle ou o Sony Reader?”. Faltou-lhe referir o telemó-vel, o aparelho que em 2000 ninguém suspeitaria que ia ter papel impor-tante no futuro do livro. “Ler um livro num telemóvel não é melhor do que ler em

papel. Mas entre ler no telemóvel e não ler nada, o que é que vamos es-colher?”, perguntava Jens Redmer, do Google Search Books, há três anos, em Frankfurt. E tinha razão.

Por muito que nos custe, o concei-to de livro mudou. O suporte ou o formato passaram a ser secundários, o conteúdo é o mais importante. Tal como explicou, na BEA, Mike Shat-zkin, consultor e especialista no futu-ro da edição, em breve acederemos aos livros através de múltiplos apare-lhos ou ecrãs; e os livros estarão

e Lembram-se do ano em que Stephen King fez a experiência de vender “The Plant” em formato electrónico, no seu “site”, marimbando-se para a sua editora? Foi em 2000. O escritor escrevia na época no seu website: “Meus amigos, temos a chance de nos tornarmos o pior pesadelo das grandes editoras”

f Scott Sigler passou 15 anos a ser rejeitado por editoras até que, em 2005, teve a ideia de lançar a primeira experiência mundial de um Podcast em que o ficheiro áudio era de um livro de ficção. Hoje nenhuma editora o ignora

f O que é um livro? Um livro impresso em papel, alguma coisa que se pode ouvir, ou será um livro que se pode ler num aparelho como o Kindle ou o Sony Reader?

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a José Manuel Fernandes a 1. História de Portugal Coordenação de Rui Ramos (2009); 2. O Futuro da Liberdade Fareed Zakaria (2003); 3. Glória: biografi a de J. C. Vieira de Castro Vasco Pulido Valente (2001);

4. Portugal Hoje: O Medo de Existir José Gil (2004);

5. Impasses - seguido de coisas vistas e coisas ouvidas

Fernando Gil e Paulo Tunhas (2004); 6. Colapso Jared Diamond

(2005); 7. Álvaro Cunhal Uma Biografi a Política vol. II – Duarte o

Dirigente Clandestino José Pacheco Pereira (2001); 8. A Conspiração contra a

América Philip Roth (2004); 9. O Ocidentalismo: Uma Breve História de Aversão ao Ocidente Ian

Buruma e Avishai Margalit (2004); 10. A Queda de Berlim Antony Beevor (2002); 11. Suite Francesa Irène Némirovsky (2004); 12. A Queda de Roma e o Fim da Civilização Bryan Ward-Perkins (2005); 13. Pós-Guerra Tony Judt (2005); 14. O Jovem Estaline Simon Sebag (2008); 15. Finest Years: Churchill as Warlord Max Hastings (2009); 16. César: A Vida de um Colosso Adrian Golsworthy (2006); 17. O Sentimento de Si António Damásio (2001); 18. A Vingança de Gaia: Porque está a Terra a Retaliar James Lovelock (2006); 19. 1948: A History of the First Arab-Israeli Ben Morris (2008); 20. O Código Da Vinci Dan Brown (2003)

a José Riço Direitinho a 1. 2666 Roberto Bolaño (2004); 2. Austerlitz W. G. Sebald (2001); 3. A Estrada Cormac McCarthy (2006); 4. As Espantosas Aventuras de Kavalier & Clay Michael Chabon (2000); 5. Está Tudo Iluminado Jonathan Safran Foer (2002); 6. Atlas das Nuvens David Mitchell (2004); 7. Correcções Jonathan Franzen (2001); 8. As Benevolentes Jonathan Littell (2006); 9. A Heartbreaking Work of Staggering Genius Dave Eggers (2000); 10. Ruhm. Ein Roman in

armazenados algures no ciberes-paço (”all in the clouds”, disse). Ler em papel passará a ser “retro”, con-cluiu.

E não é que tinha razão? Meses de-pois, em Outubro, o grupo norte-americano Google esteve na Feira de Frankfurt a anunciar ao mundo que lá para o Verão vamos poder comprar um livro à Google Editions e lê-lo em qualquer aparelho com ligação à In-ternet. Os livros estarão armazenados nos servidores da Google (a tal nu-vem...) e os leitores terão acesso on-line às obras a partir de um compu-tador, um ecrã de televisão, um leitor de livros electrónicos, um telemóvel, etc...

Mike Shatzin considerou no seu blogue que vão existir dois mercados de e-books: um mais tradicional, das pessoas que querem ler um livro im-presso em versão digital num ecrã, e um outro, o dos que desejam ler o livro mas também aceder a “links”, ver vídeos, ouvir ficheiros de som ou outro género de coisas que “realmente mu-dem a nossa ex-periência de ler um livro

impresso”. Isto não se vai iniciar na próxima década. Isto já começou.

Lembrem-se de dois livros publica-dos nos últimos anos: “The 39 Clues” (“As 39 pistas”), série escrita por vá-rios autores publicada pela editora que lançou Harry Potter, e “Level 26 , de Anthony E. Zuiker, o criador e pro-dutor da série “CSI”.

“Leia o livro, jogue o jogo e ganhe prémios” era o “slogan” da campanha de “marketing” da série 39 pistas que se destina a pré-adolescentes. Cada livro é acompanhado por cartas que se podem coleccionar e que são es-senciais para se saber mais sobre as personagens, para se entrar no web-site, participar num jogo e ganhar prémios.

“Level 26” é um livro para adultos. Ao fim de 20 páginas aparece um có-digo que permite ao leitor entrar na página oficial do romance e ver víde-os com actores que reconhecemos das séries de TV. A partir daqui nada

ficará como antes.Se os livros in-

fantis ou os livros que precisamos de ver antes de os comprarmos (os de arte, que valem pelas imagens ou gra-fismo) vão continuar a ter peso no mercado do livro impresso, haverá cada vez mais livros só editados em e-book ou através do Print-on-De-mand, impressão a pedido. Com o desenvolvimento de máquinas como a Espresso Book Machine, da On De-mand Books – com capacidade de imprimir um livro de 300 páginas em sete minutos – tudo está a mudar. E o florescimento de sites como o Lulu.com, que existe desde 2006, onde qualquer pessoa pode concretizar o sonho de publicar seja em que forma-to for, também marcou a mudança.

Há uns anos, numa edição da feira de Frankfurt, Jens Redmer, do Google Search Books, avisava: “Quem usa os e-books hoje é um consumidor passi-vo, mas no futuro vai passar a ser ac-tivo na criação de conteúdos. Pensem nos primeiros ‘bloggers’. Isso vai fazer com que os editores questionem o seu papel na indústria editorial”. E os edi-tores questionaram. E viraram-se pa-ra o imenso mundo virtual. Andaram nos últimos anos à caça de best-sellers em versão digital, de novos autores

nos blogues e de edições de autor que venderam através da Internet. Para depois os editarem da maneira tradi-cional.

Eis o caso de Scott Sigler. Passou 15 anos a ser rejeitado por editoras até que, em 2005, teve a ideia de lançar a primeira experiência mundial de um Podcast em que o ficheiro áudio era de um livro de ficção. Podia ser descarregado para um computador ou ouvido num leitor de mp3. Conse-guiu 10 mil assinantes para este livro que se podia ouvir por capítulos. No segundo romance atingiu os 30 mil e uma pequena editora apercebeu-se do fenómeno e publicou o livro. Foi colocado à venda na Amazon.com e chegou ao segundo lugar do “top” de ficção. Depois do sucesso, nenhum agente podia ignorar Scott. Foi con-tactado por uma editora note-ameri-cana importante e lançou “Infecção” (Gailivro).

Outro exemplo: Markos Moulitsas. Em 2002 criou o blogue Daily Kos. Em 2008 esteve na BEA a apresentar o seu livro: “Antigamente era espera-do que ficássemos sentados quietos e deixássemos os ‘gatekeepers’ deci-dir o que devíamos ver, o que devía-

mos pensar e o que devíamos fazer. Hoje a tecnologia permite que tome-mos conta das nossas próprias vidas - quer seja através de blogues, de pod-casting, das redes sociais, do My Spa-ce ou do Facebook ou do YouTube. As pessoas estão rapidamente a adop-tar uma miríade de tecnologias da informação que emergem da Internet e estão a utilizá-las para se tornarem participantes activos na cultura”. E isto faz com que se volte ao princípio, quando em 2000 Stephen King brin-cava dizendo que queria tornar-se no maior pesadelo das editoras venden-do os seus próprios conteúdos. Tere-mos mais autores a publicar do que nunca. E todos vamos ser autores, editores e livreiros.

No dia de Natal, os clientes da Ama-zon.com descarregaram mais e-books da loja online do que compraram li-vros impressos. Pelo que se pode vis-lumbrar, e a acreditar nas opiniões de Mark Coker, fundador da editora de e-books Smashwords, se calhar vamos deixar de chamar aos livros digitais e-books. Vamos passar a cha-mar-lhes “livros”. Ler em papel será definidamente “retro”, como dizia o outro.

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neun Geschichten Daniel Kehlmann (2009); 11. Middlesex Jeff rey Eugenides (2002); 12. Cavalos Roubados Per Petterson (2003); 13. O Peso dos Números Simon Ings (2006); 14. Os Soldados de Salamina Javier Cercas (2001); 15. O Acto de Amor do Povo James Meek (2005); 16. A Vida de Pi Yann Martel (2001); 17. Expiação Ian McEwan (2001); 18. Istambul Orhan Pamuk (2002); 19. O Teu Rosto Amanhã – 1. Febre e Lança Javier Marias (2002); 20. Trilogia Millennium Stieg Larsson (2005 2006 2007)

a Maria da Conceição Caleiro a 1. Migrações do Fogo Manuel Gusmão (2004); 2. Alta noite em alta fraga Joaquim Manuel Magalhães (2001); 3. A Faca Não Corta o Fogo - Súmula & Inédita Herberto Helder (2008); 4. O Livro do Meio Maria Velho da Costa e Armando Silva Carvalho (2006); 5. Caderno de Memórias Coloniais Isabel de Figueiredo (2009); 6. Jerusalém Gonçalo M. Tavares (2004); 7. Amigo e Amiga - Curso de Silêncio de 2004 Maria Gabriela Llansol (2006) 8. O Apocalipse dos Trabalhadores valter hugo mãe (2008); 9. Campo de Sangue Dulce Maria Cardoso (2002); 10. O homem Lento J. M. Coetzee (2005); 11. O Homem em Queda Don DeLillo (2007); 12. As Benevolentes Jonathan Littell (2006); 13. A Estrada Cormac McCarthy (2006); 14. 2666 Roberto Bolaño (2004); 15. Terraço em Roma Pascal Quignard (2000); 16. Luiz Pacheco: 1 Homem Dividido Vale Por 2 concepção e org. Luís Gomes (2009); 17. Literatura defesa do atrito Silvina Rodrigues Lopes (2003); 18. Amor Líquido Zygmunt Bauman (2003); 19. L’Animal Que Donc Je Suis Jacques Derrida (2006) 20. A Audácia da Esperança Barack Obama (2006)

a Pedro Mexia (por ordem cronológica estrangeiros e portugueses) a 1. Ravelstein Saul Bellow (2000); 2. A Mancha Humana Philip Roth (2000); 3. Austerlitz WG Sebald (2001); 4. Expiação Ian McEwan (2001); 5. The Coast of Utopia Tom Stoppard (2002); 6. Istambul – Memórias de uma Cidade Orhan Pamuk (2003); 7. 2666 Roberto Bolaño (2004); 8. A Estrada Cormac McCarthy (2006); 9. District and Circle Seamus Heaney (2006); 10. As Benevolentes Jonathan Littell (2006); 11. Lillias Fraser Hélia Correia (2001); 12. Poesia Daniel Faria (2003); 13. Jerusalém Gonçalo M. Tavares (2004); 14. A Ronda da Noite Agustina Bessa-Luís (2006); 15. Ofício Cantante - Poesia Completa Herberto Helder (2009)

Ian McEwan, “Expiação”

Jonathan Littell, “As Benevolentes”

Herberto Helder,“Ofício Cantante - Poesia Completa”; “Ou o Poema Contínuo: Súmula” e “A Faca Não Corta o Fogo - Súmula & Inédita”

Yann Martel, “A Vida de Pi”

Irène Némirovsky, “Suite Francesa”

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Cinema Livros MúsicaExposições Teatro/Dança

As artes perforà porta dos t

Em dez anos, as artes performativas tiveram, a seu favor e contra elas, o que se passou f construiu numa década em que, apesar de tudo, o sector se organizou - pelo m

“Não há distinções rígidas entre o que é real e o que não o é, nem entre o que é verdadeiro e falso. Uma coisa não é necessariamente verdadeira ou falsa; pode ser, ao mesmo tempo, ver-dadeira e falsa”. A frase, escrita em 1958 por Harold Pinter, serviu de epí-grafe ao discurso que o dramaturgo britânico fez perante a Academia Sue-ca quando, em 2005, recebeu o Pré-mio Nobel da Literatura, tornando-se, em 106 anos, o quinto dramaturgo a merecê-lo (depois de Dario Fo, em 1997, Samuel Beckett, em 1969, Luigi Pirandello, em 1934, e George Ber-

nard Shaw, em 1925). O discurso de Pinter versou, depois, sobre a invasão do Iraque, numa violenta resposta à Administração Bush. Mas as suas pa-lavras, em 2005 como 44 anos antes e mesmo agora, no fim da década, servem bem de mote para uma aná-lise sobre as fronteiras que limitaram, bem para lá dos palcos, as artes per-formativas.

Abertos pela incisiva análise de Hans-Thies Lehmann no ensaio “Te-atro Pós-Dramático”, editado em 1999 na Alemanha e cinco anos depois em Inglaterra (em Portugal aponta-se pa-

ra final de 2011, pela Orfeu Negro), os anos 00 começaram como reacção a uma tentativa de integração dos dis-cursos “in-yer-face” preconizados pela geração inglesa do “Young British Drama” (Mark Ravenhill, Sarah Kane, entre outros) e da vaga alemã “esper-ma e sangue”, associada a nomes co-mo Marius von Mayerburg ou Dea Loher. Era, para uns, a chegada ao poder e, para outros, uma marcação de território a partir de discursos que revolviam os cânones dramatúrgicos e que, aliando às palavras um dispo-sitivo cénico (Thomas Ostermeier,

Romeo Castelluci, Rodrigo García, Pippo Delbono, Árpád Schilling, Alvis Hermanis, Emma Dante, René Polles-ch, entre outros), rompiam com a fronteira utópica do teatro militante e documental para ir ao encontro do que, e de quem, ficava às portas dos teatros engalanados.

Na viragem do milénio, as artes de palco resolviam expor as feridas acu-muladas por anos de reorganização social, agora pela mão de uma gera-ção com a responsabilidade de per-petuar um legado que só era artístico porque era político. Enquanto edifício

g Ao mesmo tempo que se construíam dezenas de novas salas e o objectivo-lua de uma rede nacional de cineteatros se mostrava cada vez mais realizável, desapareciam projectos pensados e criados por artistas, como A Capital, dos Artistas Unidos, fechada em 2002 por ordem da Câmara Municipal de Lisboa

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rmativas teatrosu fora dos palcos. Destruiu-se tanto ou mais do que se o menos em Portugal. Tiago Bartolomeu Costa

e disciplina, o teatro tinha perdido o seu lugar de catalisador dos discursos sociais, com as novas tecnologias e a indiferenciação disciplinar a tomarem entretanto conta de uma função an-tiga: reflectir sobre a sociedade.

Mais e menos metáforaIsso mesmo se confirmou na crise de 2005 quando, em França, pelo Festi-val d’Avignon adentro irromperam protestos do público contra a crítica que depressa legitimara discursos no teatro e na dança sem conseguir en-quadrá-los completamente, da crítica contra os artistas por não consegui-rem ultrapassar o gozo na exploração da violência e da sujidade cénicas, de uma crítica contra outra crítica, dis-cutindo ética, valores, princípios, cumplicidades e gostos, dos artistas contra todos por não aceitarem as regras do contrato “carta branca” que se estabelece entre quem compra o bilhete e quem faz o espectáculo, do público contra os programadores acu-sados de imporem gostos, dos pro-gramadores contra o público por se

ter esquecido de ser exigentes, de to-dos contra todos em nome de uma área cujo poder nunca ninguém quis, e bem, saber onde acabava.

Não será por isso surpreendente verificar que, numa década em que a questão da comunidade esteve tão presente (a abertura a Leste e o novo mapa geopolítico alargado ao Médio Oriente e a África, por exemplo, trou-xeram novas formas de pensar o te-atro e, muito em particular, a dança na sua relação simbolista e metafó-rica com o corpo), os que fizeram regressar as artes performativas a essa função eminentemente social, responsabilizando-a por um papel menos metafórico e mais interventi-vo, se tenham tornado exemplos não apenas do campo estritamente cul-tural (ou da criação e do seu discur-so), mas também de campos como o

político e o económico.Quando, em 2002, um grupo de

separatistas tchetchenos invadiu o teatro Dubrovka, em Moscovo, duran-te a representação de uma peça de incidência nacionalista, pode defen-der-se que o fizeram porque conside-raram ser aquela a melhor forma de alertar para o perigo da reescrita his-tórica que o teatro instrumentalizado pelo poder procurava impor. O públi-co, composto na sua maioria pela al-ta sociedade russa (Tarantino anyo-ne?), demorou a reconhecer nas ar-mas, granadas e mascaras de gás outra coisa que não adereços. Os es-pectadores aplaudiram o realismo da peça quando as primeiras balas se provaram verdadeiras. Tinham pas-sado mais de 15 minutos desde a in-vasão do palco e aqueles pretensos figurantes, de metralhadoras em ris-te, tiveram ainda tempo de gritar por um teatro verdadeiro. A história es-crevia-se através de uma dramaturgia improvisada, e o público, ainda que desconfiado, tomava partido. Mas, ao contrário dos heróis bidimensionais,

naquele palco morreu-se como na vida real, por ordem de Putin, que quis, literalmente, que o espectáculo continuasse. Defendia-se assim, disse, a memória dos heróis que o teatro sempre procurou inscrever.

A metáfora, “a pior invenção da humanidade”, como escreveu Ortega y Gasset, sofreu, nesta década, a mais violenta das respostas, num área que sempre procurou ampliá-la, usá-la a seu favor, torná-la seu cavalo de ba-talha, muitas vezes de Tróia.

O espectáculo voltou a continuar em Dezembro de 2004, quando par-te da comunidade indiana sikh resi-dente em Birmingham se manifestou violentamente contra “Behzti”, a se-gunda peça de Gurpreet Kaur Bhatti, forçando a autora a um exílio físico e intelectual em tudo contrário ao es-forço de integração que a própria co-munidade procurava. O caso tem particular relevância quando uma das linhas que nesta década atravessou os palcos, e os seus discursos, foi a da preocupação com o outro, numa tra-dução criativa dos discursos globali-

zantes sobre as comunidades, bem como com a sua integração artística, uma consequência directa dos estu-dos pós-coloniais que levaram a um (falso) reconhecimento de territórios anteriormente marginalizados e/ou colonizados (era também de novas colónias que Pinter falava no seu dis-curso).

A apresentação de uma família sikh disfuncional punha em causa uma politicamente correcta opção gover-namental por um sistema de quotas temáticas e estilísticas com reflexo nos apoios financeiros. Apoios esses que, sendo de monta, como em In-glaterra, viriam a ser desviados para a concretização de outros projectos. A 1 de Fevereiro de 2008, o Governo britânico anuncia que os Jogos Olím-picos de 2012 teriam um investimen-to de 1,3 milhões de libras vindos do Arts Council, paradigma europeu do apoio à criação artística no campo do teatro e da dança.

A greve dos intermitentes do espec-táculo em França, no Verão de 2003, lançou a Europa na discussão oficial

(mas sem grande resultado prático) acerca da responsabilidade social pe-rante estes profissionais. Com os prin-cipais festivais do país anulados, afec-tando não apenas o investimento das organizações, mas também as rela-ções entre os festivais e os patrocina-dores, a crise teve também efeitos na circulação de artistas internacionais que vivem do circuito francês.

A precaridade dos profissionais foi uma das principais linhas de comba-te de um sector que, apesar de ter visto reconhecido o seu contributo para o PIB da União Europeia (2,6%, mais do que a indústria química e do plástico, por exemplo – dados de 2003), ficou à porta da justiça social. O impacto da greve foi de tal ordem que o Festival d’Avignon, criado em 1947, foi cancelado; tinha acontecido apenas uma vez, em 1968.

Construção, destruiçãoEm Portugal, o reconhecimento do sector começou a ser feito apenas a partir de 2001, com o primeiro pro-grama de apoio a projectos de ini-

g Quando, em 2002, um grupo de separatistas tchetchenos invadiu o teatro Dubrovka, em Moscovo, os espectadores aplaudiram o realismo da peça. Tinham passado mais de 15 minutos e aqueles pretensos figurantes, de metralhadoras em riste, tiveram ainda tempo de gritar por um teatro verdadeiro. Mas naquele palco morreu-se como na vida real, por ordem de Putin, que quis, literalmente, que o espectáculo continuasse

e Harold Pinter, Nobel da Literatura em 2005, foi o quinto

dramaturgo em 105 anos a receber o prémio. O seu discurso perante a

Academia Sueca - “Uma coisa (...) pode ser, ao mesmo tempo,

verdadeira e falsa” - serve bem de mote para uma análise sobre as

fronteiras que limitaram as artes performativas nesta década

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A década em dez “fl ashbacks”Fim do Ballet Gulbenkian Em Julho de 2005, o anúncio da extinção do Ballet Gulbenkian deixou mais do que a comunidade artística em choque. Acompanhando um ciclo internacional de morte natural de grandes companhias, não se traduziu nem na melhoria de condições da única companhia de âmbito nacional, a Companhia Nacional de Bailado, nem num efectivo programa complementar de apoio à dança.

Encerramento do Rivoli Encabeçado da primeira à última hora por Isabel Alves Costa, o Rivoli funcionou como modelo de um teatro que, sendo municipal na tutela, era nacional na ambição. O prece-dente aberto por Rui Rio com o encerramento de um serviço público em nome da rentabilidade legitimou outras câmaras e marcou a de-s i s t ê n c i a de um programa plural para uma cidade com a respon-

sabilidade do Porto.

Crise no Teatro Nacional D. Maria II Na década em que os teatros nacionais passaram a em-presas públicas, para alívio orçamental do Ministério da Cultura, assistiu-se à tumultu-

osa substituição, na direcção do D. Maria II, de António Lagarto por Carlos Fragateiro. A nova

direcção foi contestada com mani-festações à porta e o

mandato de três anos não che-gou ao fi m, com a direcção a ser dispensada, por despacho, de-

pois de acusa-da de gestão

danosa.

Um novo perfi l de programação A saída de António Pinto Ribeiro e a entrada de Miguel Lobo Antunes na Culturgest cria um outro para-digma de programação - sobretudo no teatro, com Francisco Frazão - e marca a chegada de uma geração que inclui nomes como Paulo Vasques (Circular) e Marta Furtado (ZDB/Negócio) e que vem juntar-se a outra, anterior (Paulo Ribeiro, Rui Horta, Cristina Grande e Pe-dro Rocha, Nuno Cardoso, Mark Deputter, e até Diogo Infante), que assume um entendimento plural e complementar das artes perfor-mativas.

Novos nomes, valores… e prémios Muito porque o mapa e a fi lo-sofi a dos espaços se modifi caram, e também porque o quadro de atribuição de apoios públicos se alargou, a década permitiu o surg-imento de nomes nos mais diversos domínios, alguns dos quais acabaram premiados: Teatro Praga, Patrícia Portela, Tiago Guedes, Tânia Carvalho, Cláudia Dias, Circolando, Mala Voadora, Sónia Bap-tista, Tiago Rodrigues, José Maria Vieira Mendes, André Mesquita, Primeiros Sintomas e Miguel Pereira.

A Capital, presente adiado Ao longo da década, o projecto Artistas Unidos, dirigido por Jorge Silva Melo, foi uma batalha que teve como objectivo principal a recuperação do edifício A Capital, no Bairro Alto, fechado por ordem da Câmara Municipal de Lisboa em 2002. Desde então, o que aquele edifício entaipado representa é também o diálogo de surdos entre os criadores e os decisores politicos e económicos.

Descentralização Falar de descentralização signifi ca, hoje, falar em novos centros, com casos exemplares como o Espaço do Tem-po (Montemor-o-Novo), o Teatro Viriato (Viseu), o Devir/Capa (Faro), o Festival Materiais Diversos (Minde), e as Comédias do Minho. Companhias houve ainda que saíram das suas casas,

ciativa não governamental nas áreas da dança, do teatro e da músi-ca para períodos de quatro, dois e um anos. A medida encontra um ter-reno em que a dança contemporânea era uma realidade recente (existe oficialmente em Portugal desde 1989 com a criação da Bienal Universitária de Coimbra, feita para a selecção dos coreógrafos que representariam Por-tugal na Europália, em Bruxelas) e em que, no teatro, companhias cria-

das circa 1974 iam competir com os seus primeiros e se-gundos descendentes direc-tos. É nessa altura que com-panhias acabadas de surgir ou que tinham, até então, si-do apoiadas pontualmente (Teatro Praga, Mónica Calle/Casa Conveniente, Clara Ander-matt ou Bomba Suicida), come-çam a construir um percurso mais sólido a nível financeiro que, natu-

e No fim de 2006, o auto-

sequestro de alguns criadores

no Rivoli, em protesto contra

a sua anunciada a concessão a La

Féria, foi o último acto de

verdadeira afirmação do lugar que um

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“Otelas”, do lituano Eimuntas Nekrosius, um dos maiores triunfos internacionais do TNSJ

A extinção do Ballet Gulbenkian, um choque ao fi m de 40 anos de actividade

Comédias do Minho, um caso exemplar de trabalho com a comunidade

Novos criadores, novos programadores (da esquerda para a direita): Nuno Cardoso, Mark Deputter, José Maria Vieira Mendes, Pedro Penim,Miguel Lobo Antunes, Rui Horta

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ralmente, terá consequências a nível artístico. Muitas delas beneficiarão da criação de uma outra frente de apoio, para os projectos Trans e Plu-ridisciplinares. O Ministério da Cul-tura reconhecia então a existência de projectos híbridos ou complemen-tares, para lá das fronteiras clássicas, acompanhando uma alteração de valores artísticos a nível europeu.

Foi, por isso, e ao longo de dez anos, um sector em aprendizagem e teste, optando o poder central por políticas de “hardware”, nomeada-mente a errática e ambiciosa rede de cineteatros, iniciada no fim da déca-da anterior, e entretanto contrariada pelo processo Rivoli, ou pelos mega-eventos centralizadores (Faro 2005 - Capital Nacional da Cultura fica marcado por um protesto de diversos coreógrafos contra uma Plataforma de Dança Internacional sem condi-ções logísticas). A ideia de geração que podia tomar o pulso da socieda-de através da criação teve contra si, pelo menos em Portugal, a efectiva-ção de políticas complementares.

Ao mesmo tempo que se constru-íam os teatros, desapareciam projec-

tos criados e pensados por artistas. A Capital, o Espaço Ginjal, o CENTA e o Teatro Camões, entre outros, co-meçaram e deixaram de existir no espaço de uma década; criadores houve (como Vera Mantero) que co-meçaram a ter mais financiamento no exterior, outros ainda (como João Fiadeiro) deixaram de dançar para se dedicarem à investigação sem que alguma vez os programas de apoios previssem, convenientemente, essa área.

Se em França o regime de intermi-tência levou à paralisação do sector cultural, em Portugal um projecto-lei sobre a intermitência, ainda que pe-cando por falta de coragem política, foi aprovado a 30 de Novembro de 2007 pelo Partido Socialista, não me-recendo mais do que protestos for-mais da parte dos profissionais, com uma discussão tépida, em tudo con-trastante com as manifestações por causa de atribuição de verbas, recor-rentes nos vários concursos de apoio. Ficam para a memória, e para refle-xão, a discussão entre “o grupo dos 31 e os outros” (formado pelas estru-turas que em 2001 receberam apoio

e viram as verbas congeladas por de-cisão de José Sasportes, um dos sete ministros da Cultura que tivemos em dez anos), e uma providência cautelar da Panmixia, em 2005, que paralisou toda o tecido teatral da região Norte, por não existirem mecanismos de sal-vaguarda dos apoios atribuídos aos projectos concorrentes.

Foi para esta ideia de contamina-ção, de acção com consequência, e da necessária avaliação (e validação) do impacto que isso produz no futu-ro que Harold Pinter chamou a aten-ção no discurso de aceitação do No-bel da Literatura. “Acredito”, conti-nuava ele, “que estas asserções ainda fazem sentido e devem ser aplicadas na exploração da realidade através da arte”. Então como agora, no ba-lanço de uma década que assistiu ao desenvolvimento de um sector que continua a precisar de entender que a defesa da arte pela arte só existe porque existem, à volta, atrás e ao lado, políticas claras para a sua pro-tecção, o que ficar não pode ser ape-nas arquivo. Deve ser o alerta mais vivo para o futuro que se prepara a cada representação.

com destaque para o Teatro Meridional, que criou “Por Detrás dos Montes” com o Teatro Municipal de Bragança, e para a residência do Teatro da Garagem no mesmo interior profundo.

Internacionalização A presença regular de espectáculos interna-cionais teve nesta década um peso signifi cativo. É hoje comum ver o nome de instituições nacionais nas listas de co-produções. Caso par-ticular: o Teatro Nacional S. João que, em 2004, aderiu à União dos Te-atros da Europa. O esforço levado a cabo por Ricardo Pais e José Luís Ferreira teve os seus pontos altos nos festivais PoNTI e Portogofone.

Formação Não só o Centro de Estudos de Teatro, da Faculdade de Le-tras de Lisboa, conseguiu encontrar condições para avançar para um programa completo de formação que inclui agora mestrados e

doutoramentos em Estudos de Teatro, como a Escola Superior de Dança e a Escola Superior de Teatro e Cinema passaram a oferecer licenciaturas e mestrados. Formaram-se ainda alu-

nos em Estudos Artísticos em Coimbra e Évora, alargando assim o leque de possibilidades.

RIP Isabel Alves Costa, Mário Barradas, Raúl Solnado, Dali-la Rocha, Paula Castro, Morais e Castro, Augusto Boal,

Pina Bausch, Merce Cunningham, Harold Pinter, Maurice Béjart, Henrique Viana, Paulo Autran, Al-exandre Babo, Canto e Castro, Isabel de Castro, Ca-macho Costa, Glicínia Quartin, Carlos Porto, Manu-el João Gomes, Mónica Lapa, Jorge Vasques, Paulo Claro…

*Tiago Bartolomeu Costa a partir de uma selecção de te-mas feita com Jorge Louraço Figueira, Luísa Roubaud, Rita Martins e Rui Pina Coelho

g A greve dos intermitentes do espectáculo em França, no Verão de 2003, obrigou à suspensão dos principais festivais do país; as ondas de choque da crise afectaram a circulação de artistas internacionais dependentes do circuito francês

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Ler é luta de classes“A Mãe”, de Bertolt Brecht, é um clássico que sobre a crise económica: greves, desemprego, redução salarial. Tempos modernos. Cláudia Silva

A MãeDe Bertolt Brecht. Pelo Teatro Municipal de Almada. Encenação de Joaquim Benite. Com André Albuquerque, Carlos Gonçalves, Daniel Fialho, Teresa Gafeira, Teresa Mónica, entre outros. Almada. Teatro Municipal de Almada. Av. Professor Egas Moniz. Até 31/01. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 212739360. 6€ a 13€.

Há um certo simbolismo cronológico inerente à encenação, hoje, de “A Mãe”, de Bertolt Brecht. O dramaturgo alemão escreveu-a com base no romance homónimo do escritor russo Máximo Gorki (1868-1936) mas, enquanto Gorki situou a história em 1905, focando a Revolução Russa desse ano, Brecht acrescentou cenas novas e estendeu a trama até 1917, criando uma alegoria à sociedade alemã, massacrada por uma crise económica. O contexto é de redução salarial, greves e luta de classes. Mas a peça só foi estreada no inicio da década de 30, período que dividiu as águas entre a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, e a recuperação económica mundial.

Entretanto, vemo-nos em 2010, no inicio de uma nova década economicamente ressacada, muito próxima do espaço-tempo de “A Mãe”. Por isso é tão significativo ver esta encenação de Joaquim Benite abrir a programação de 2010 do Teatro Municipal de Almada, desde

Teatro

EstreiamA Cidade

De Aristófanes. Pelo Teatro da Cornucópia. Encenação de Luis Miguel Cintra. Com Márcia Breia, Rita Durão, Nuno Lopes, Maria Rueff, Bruno Nogueira, Gonçalo Waddington. Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz. R. Antº Maria Cardoso, 38-58. De 14/01 a 14/02. 4ª a Sáb. às 21h. Dom. às 16h. Tel.: 213257650. 12€ a 25€.

Maria Mata-osDe Miguel Castro Caldas. Pelos Primeiros Sintomas. Encenação de Bruno Bravo e Gonçalo Amorim. Com Anabela Brígida, Bruno Bravo, Bruno Simões, Catarina Mascarenhas, entre outros. Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. De 12/01 a 20/01. 2ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 218438801. 5€ a 12€.

No Rasto de Miguel TorgaA partir de Miguel Torga. Pelo Urze Teatro. Encenação de Pompeu José. Com Fábio Timor, Glória de Sousa, Isabel Feliciano, Rui Félix. Vila Real. Teatro de Vila Real. Alameda de Grasse. De 13/01 a 14/01. 5ª às 10h30 e 15h. 6ª às 22h. Tel.: 259320000.

ContinuamTragédiaA partir de Eurípides e Jean-Paul Sartre. Pela Casa Conveniente. Encenação de Ana Ribeiro. Com Maria do Carmo, Mónica Calle, Rita Só, Teresa Sobral, Vítor D’Andrade.Lisboa. Teatro da Trindade. Largo da Trindade, 7a. Até 31/01. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h30. Tel.: 213420000. 5€ a 8€.

O Ano do Pensamento MágicoDe Joan Didion. Pelo Teatro Nacional Dona Maria II. Encenação de Diogo Infante. Com Eunice Muñoz.Porto. Teatro Nacional S. João. Praça da Batalha. Até 31/01. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 223401900. 3,5€ a 15€.

Dois HomensDe José Maria Vieira Mendes. Pelo Teatro Municipal de Almada. Encenação de Carlos Pimenta. Com Ivo Alexandre.Porto. Teatro Carlos Alberto. Rua das Oliveiras, 43. De 8/01 a 10/01. 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 223401900. 5€ a 15€.

A FebreDe Wallace Shawn. Pelo Teatro Oficina. Encenação de Marcos Barbosa. Com João Reis.Porto. Teatro Carlos Alberto. Rua das Oliveiras, 43. De 14/01 a 17/01. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 223401900. 5€ a 15€.

João Sem MedoA partir de José Gomes Ferreira. Encenação de Ricardo Alves. Com Sara Costa, Sara Pereira, Teresa Alpendurada. Porto. Teatro Sá da Bandeira. R. Sá da Bandeira,

108. Até 17/01. Sáb. e Dom. às 16h. Tel.: 222003595. 5€ a 7,5€.

Eu Sou a Minha Própria MulherDe Doug Wright. Pela Seiva Trupe. Encenação de João Mota. Com Júlio Cardoso.Porto. Teatro do Campo Alegre. R. das Estrelas s/n. Até 14/02. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 16h. Tel.: 226063000.

CrateraDe valter hugo mãe. Pelo Teatro Bruto. Encenação de Ana Luena. Com Carlos António, Pedro Mendonça, Sílvia Silva. Porto. Fundação Escultor José Rodrigues. Rua da Fábrica Social. Até 23/01. 4ª a Sáb. às 22h00. Tel.: 220109020. 7€.

Cão Que Morre Não LadraPela Companhia do Chapitô. Encenação de John Mowat. Com Jorge Cruz, Marta Cerqueira, Tiago Viegas. Lisboa. Chapitô. R. Costa do Castelo, 1/7. Até 21/02. 5ª a Dom. às 22h. Tel.: 218855550. 7,5€ a 10€.

Hannah e MartinDe Kate Fodor. Pelo Teatro Aberto. Encenação de João Lourenço. Com Ana Padrão, Cátia Ribeiro, Cristóvão Campos, Rui Mendes, entre outros. Lisboa. Teatro Aberto - Sala Vermelha. Pç. Espanha. Até 31/12. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213880089. 7,5€ a 15€.

D. Quixote (de Coimbra)A partir de Miguel Cervantes. Pelo Teatrão. Encenação de Isabel Craveiro. Com Inês Mourão, João Castro Gomes, Luís Carlos Eiras e Margarida Sousa.Coimbra. Oficina Municipal do Teatro. Rua Pedro Nunes. Até 16/01. Sáb. e Dom. às 21h30. Tel.: 239714013. 4€ a 10€.

Dança

EstreiamVeralipsiDe Sofia Silva. Com Joana Ratão, Patrícia Cabral. Lisboa. Instituto Franco-Português. Av. Luís Bívar, 91. De 14/01 a 16/01. 5ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 213111400. 5€.

ContinuamInferno

De Olga Roriz. Com Catarina Câmara, Adriana Queiróz, Rafaela Salvador, Bruno Alexandre, Pedro Santiago Cal. Faro. Teatro Municipal de Faro. Horta das Figuras - EN125. 09/01. Sáb. às 21h30. Tel.: 289888100. 10€ a 12€

Talvez Ela Pudesse Dançar Primeiro e Pensar Depois + OlympiaDe e com Vera Mantero.Portimão. Teatro Municipal de Portimão. Largo 1.º de Dezembro. 09/01. Sáb. às 21h30. Tel.: 282402475.

Agenda

Ciclo

Acompanhando o “tour de force” de Eunice Muñoz em “O Ano do Pensamento Mágico”, em cena desde ontem no Teatro Nacional S. João, o Teatro Carlos Alberto recebe a partir de hoje um ciclo de solos que começa com este “Dois Homens”, de José Maria Vieira Mendes. Ivo

Alexandre é o primeiro a entrar sozinho em cena; seguem-se, até 7 de Fevereiro, João Reis (“A Febre”, de Wallace Shawn), Flávia Gusmão (“Amor”, de André Sant’Anna), Ana Bustorff (“Concerto à la Carte”, de Franz Xavier Kroetz) e Olga Roriz (“Electra”).

Depois da temporada no D. Maria II, “O Ano do Pensamento Mágico” muda-se para o Porto

Três horas, 18 actores, uma orquestra ao vivo: é estaa escala de “A Mãe”, a nova produção da Companhia de Teatro de Almada

anteontem. E mais ainda por termos visto este mesmo texto montado no inicio do ano passado por Gonçalo Amorim, depois de 32 anos sem ser encenado em Portugal.

O director da Companhia de Teatro de Almada sempre quis trabalhar “A Mãe”, mas só agora conseguiu reunir os ingredientes para a montagem integral da peça: um espectáculo de três horas, com 18 actores e uma orquestra ao vivo, dirigida pelo maestro Fernando Fontes, a tocar os originais de Hanns Eisler. Para Benite, a fidelidade ao texto e às didascálias é um traço do teatro ocidental que não se deve perder. O encenador não é uma vedeta nem um criador, mas antes um “equivalente ao maestro, que apresenta o texto na sua atmosfera”. Também foi pelo desejo de mostrar a peça na sua mais perfeita integralidade que Benite foi rigoroso na escolha da tradução. Depois de ler a versão de Yvette Centeno e Teresa Balté sentiu que tinha a qualidade literária para enfim trabalhar “A Mãe”. O teatro brechtiano é dialéctico e cheio de contradições, com construções ambivalentes. Por isso, “a tradução deve ser muito cuidadosa”.

Há quem diga que em Portugal tem havido um regresso subtil aos textos de Brecht. É um fenómeno europeu, contrapõe Benite. “A Mãe” mantém “uma grande actualidade, mas há muita gente que a considera propaganda comunista”. Evidentemente, continua, “traduz o pensamento marxista e fala do comunismo como um ideal”. Mas o que está em causa é o processo de aprendizagem que resulta da prática social. A mãe, viúva e mãe de um operário, aprende a ler depois de distribuir panfletos da greve para ajudar o filho. É na mudança de consciência que reside o acto revolucionário, como diz Vlassova: “Ler é luta de classes”.

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perfeição com aquele que o antecedeu. Menos exuberante e menos festivo, mas imediatamente reconhecível, é um inteligente passo em frente.

Recordemos os Strokes, outros célebres nova-iorquinos desta década. Depois do terramoto provocado por “Is This It?”, gravaram “Room on fire” e conseguiram prolongar o encantamento. Conseguiram-no da forma aparentemente mais fácil, ou seja, criaram o segundo álbum como reflexo detalhado do primeiro. Pagaram por isso: hoje, naturalmente, o reflexo é memória esbatida perante o corpo reflectido.

Pois bem, os Vampire Weekend fizeram o mesmo, com uma diferença substancial. Observaram o reflexo no espelho e caracterizaram-no, maquilharam-no, moldaram-no até ao ponto em que, reconhecendo-o, não o confundíssemos com aquilo que era antes da operação.

“Horchata”, com as suas marimbas, tem aquela textura fantasiosa que é felicidade sublimada em dança e “Holiday”, com o baixo gingão e as guitarras em tangente indie às “africanices” habituais da banda, é um adorável pedaço de pop a pedir o Verão que há-de chegar – e ainda há o contagiante frenesim do single “Cousins”, com bateria a rufar, guitarras a silvar e os Devo a espreitar por trás da cortina. Não fosse o contexto, todas elas poderiam ser aquilo que lhes conhecíamos antes. Em “Contra”, servem como ponte. Porque nele se ouvem menos guitarras e mais electrónicas, porque aqui há samples de M.I.A. (na melancólica “Diplomat son”) e sintetizadores erguidos ao alto como secção de

metais eufórica (a magnífica “Run”).

Ao ouvir “Contra”, recordamo-nos que, este ano, Rostam Batmanglij, multi-instrumentista e

produtor dos Vampire

Weekend, se apresentou num delírio estival sintético chamado Discovery.

Talvez venha daí o equilíbrio “electrónico orgânico” do álbum - vem daí certamente o Auto-Tunes na voz de Ezra Koenig na lenta e encantatória “California english”.

Certo é que em

“Contra”, os Vampire Weekend temperam a euforia com contenção, contrapõem sintetizadores borbulhantes às guitarras luxuriantes e, sendo aquilo que nos levou a celebrá-los, mostram que também podem ser algo mais..

Ceci n’est pas un fadoObra incomum pela forma como se apresenta: fiel ao destino da guitarra sem jurar fidelidade ao seu fatalismo. Mário Lopes

Ricardo RochaLuminismoMbari Música

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No disco, ouve-se-lhe a respiração acompanhando o trinado da guitarra. Claro que é uma luta o que

por ali vai, mas só o afirmamos porque sabemos da relação conturbada de Ricardo Rocha com o instrumento que o escolheu e do qual não pode agora escapar. Porque o que nos chega, quando o ouvimos, não é uma luta. É aquele som único a desenvolver-se corpo sem se metamorfosear numa outra coisa.

Ricardo Rocha sempre fez

questão de afirmar que não é nem poderia ser seguidor de Carlos Paredes porque Paredes iniciou e fechou uma linguagem (a sua, inimitável). Digamos então que Ricardo Rocha, depois de “Voluptuária”, e, agora, com este surpreendente “Luminismo” (à guitarra, no CD1, sucedem-se peças para piano, no CD2, com homenagens ao compositor russo Alexander Skrajbin, de um romantismo etéreo, e perturbantes composições serialistas, ambas interpretadas pela austríaca Ingeborg Baldaszti), deixa também inscrita a sua marca na história do instrumento.

O que se ouve em “Luminismo” não é fado. Sendo-o, só o será no sentido em que a guitarra, por mais que tente, não consegue escapar-lhe – é destino inscrito no código genético. Quanto ao mais, Ricardo Rocha transborda: nas dinâmicas conturbadas de “Abismo satânico”, no lirismo torrencial da versão de “Dança das sombras”, de Pedro Caldeira Cabral, ou na força cava, profunda, que emerge da imensa “Porto Santo”, de Carlos Paredes.

Obra incomum pela forma como se apresenta, fiel ao destino da guitarra sem jurar fidelidade ao seu fatalismo, sem ambições de modernização e sem subjugação ao tradicionalismo, “Luminismo” é música inspirada, a música de um percurso único – e da guitarra em que essa música se exprime.

Dis

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Pop

Inteligente passo em frenteSendo aquilo que nos levou a celebrá-los, mostram que também podem ser algo mais. Mário Lopes

Vampire WeekendContraXL; distri. Popstock

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Os Vampire Weekend chegam então ao segundo álbum, o tal difícil segundo álbum, se confiarmos nas

anciãs regras da pop, e, antes mesmo de o ouvirmos, já sabemos que não provocará a mesma euforia que a estreia homónima. Contra isso, fizessem o que fizessem, nada podiam os Vampire Weekend – o primeiro álbum, com os seus “Mansard roof” e os seus “Cape Cod kwassa kwassa”, com aquela forte luminosidade pop filtrada de audições atentas do Paul Simon “africano” de “Graceland”, com música contagiante e canções em estado de graça foi surpresa irrepetível.

Ainda assim, há algo clássico na forma como “Contra”, fiel ao “look” de universitários letrados (como sabemos, não é redundância) dos Vampire Weekend, se alinha na

“Contra”, os VampireWeekend temperam a euforia

Ricardo Rocha deixa inscrita a sua marca na história da guitarra

metais eufórica “Run”).

Ao ouvirrecordameste ano, Batmanginstrume

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Os Vampire Weekend, sendo aquilo que nos levou a celebrá-los, mostram que também podem ser algo mais

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30 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon

O novo ano começa quente Um dos mais conhecidos produtores das electrónicas encontra uma musa inspiradora e o resultado é um álbum de canções ‘disco-pop-electrónicas’. Vítor Belanciano

Lindstrom & ChristabelleReal Life Is No CoolSmalltow Supersound

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O norueguês Lindstrom também caiu na tentação. Parece fazer parte da ordem natural das coisas. Depois

de se imporem com temas predominantemente instrumentais é natural que alguns dos músicos-produtores mais reconhecidos das chamadas músicas de dança queiram experimentar o formato canção. Aconteceu nesta década com Herbert (ao lado de Dani Siciliano ou Roisin Murphy) ou com o finlandês Vladislav Delay, com o projecto Luomo, para nos ficarmos por dois dos casos mais conseguidos.

Para entramos em 2010 acontece agora com Lindstrom, um dos mais importantes produtores da última meia dúzia de anos, no campo das sonoridades dançantes de inspiração “disco”. A solo, ou ao lado do compatriota Prins Thomas, tem conseguindo impor-se com um número razoável de álbuns, máxi-singles e remisturas. Faltava no seu currículo uma obra de maior sensibilidade pop.

“Real Life Is No Cool” é essa obra, um álbum onde a voz macia e sensual da companheira de aventuras, a também norueguesa Isabelle Haarseth Sandoo, mais conhecida por Christabelle, lhe impõe novos desafios, superados com distinção. Quem conhece os elementos da música de Lindstrom vai reconhecê-los nesta obra – desenvolvimentos rítmicos orgânicos provenientes do “disco”, traços de funk borbulhante, ocasionais psicadelismos, dinâmica evolutiva – mas o todo final, resulta diferente, em canções aveludadas e ondulantes.

Enquanto Christabelle canta palavras com algum erotismo, misto de malícia e inocência, a música subverte referências, algumas delas expostas à flor da pele. É isso que acontece em “Baby can’t stop”, com

alusões a “Wanna be startin’ something” de Michael Jackson e “Dr beat” de Miami Sound Machine, ou em “Let’s practise”, onde é quase inevitável pensar em algumas das canções mais conhecidas de Giorgio Moroder e Donna Summer.

Mas há também digressões mais bizarras, como “Never say never”, com efeitos sonoros e vocais na mesma linha de improviso, ou “Lovesick”, pop electrónica de cabaret com libido lá dentro. No total são dez canções onde a falsa racionalidade electrónica compacta a sensibilidade pop provocando uma torrente de calor em pleno Inverno. O novo ano começa quente.

Carreira excepcional em resumo

Manu DibangoMakossa ManDemon, distri. Megamúsica

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Guitarras funk e ritmos makossa – essas são as premissas sobre as quais o sax vai improvisando,

lânguido e sensual, em “Soul makossa”. É o tema mais célebre de Manu Dibango (Camarões, 1933), que em 1972 antecipou o disco sound, o afro jazz e a word music. Mas o fascínio de “Soul makossa” não reside tanto em ser uma receita vencedora, antes uma base susceptível de mil e uma piruetas musicais – o género que pode dar voltas durante horas sem nunca se repetir. É o que comprova mais prosaicamente “Reggae makossa” (1980), que transplanta o tema para um contexto jamaicano, acrescentando-lhe um hipnótico solo de vibrafone. Em retrospectiva, ou em função de uma compilação como a presente, a matriz de “Soul makossa” acaba por se reconhecer em muitas outras gravações, efectuadas ao longo de mais de 40 anos de carreira. Graças à incrível elasticidade das suas premissas musicais, o saxofonista camaronês pôde tocar um vasto ramalhete de estilos musicais - desde o psicadelismo ao highlife, passando pelo gospel e pelo reggae-, conservando-se actual, criativo e quase invariavelmente dançante.

“Makossa Man” resume-lhe a carreira excepcional em 32 títulos distribuídos por dois CD, o primeiro centrado nos finais dos anos 60/inícios do 70, o segundo abarcando um arco temporal mais largo que se estende até meados da década de 90. Estão lá os êxitos mais óbvios, mas também títulos menos conhecidos tão ou mais combustivos, como o ultra funk “Ah freak sans fric” e esse tratado de

afrobeat que responde pelo nome de “African boogie”. Mas, à semelhança de compilações prévias, esta enferma de problemas de licenciamento e há longos períodos que são omitidos, como é o caso das brilhantes parcerias com Eliades Ochoa e Simon Booth, nos anos 90. As notas que acompanham a compilação também são lacunares, reforçando a ideia de que aqui o propósito foi construir um alinhamento dançante em função do material disponível. O que não é nada mau, atendendo à prodigiosa elegância e versatilidade com que Manu Dibango sempre promoveu a festa. Mas também é certo que esta não é ainda a retrospectiva definitiva que ele há muito merece. Luís Maio

Rockando o hip hop

BlakRocBlakRocV2; distri. Nuevos Medios

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Há alguns anos, os nossos olhos passaram por uma crónica em jornal britânico onde se cronista defendia

que os génios do hip hop tinham dificuldade em compreender o rock. Como argumento definitivo, recordava-se um qualquer programa televisivo em que Jay-Z (ou seria Ice T ou Timbaland?), percorrendo a sua discoteca caseira, passava por nomes sagrados da soul. Depois, para demonstrar o seu ecletismo, Jay-Z, Ice T ou Timbaland retirou um CD da prateleira e exibiu-o à câmara: “Phil Collins. Este é o meu gajo!”

É certo que as voltas insondáveis do gosto popular definiram que, neste preciso momento na história, Phil Collins está “in”. Ainda assim, o argumento do cronista, recorrendo a uma memória selectiva e

Dis

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O norueguês Lindstrom também caiu na tentação da canção; com a cumplicidade de Christabelle

Manu Dibango: ainda não a retrospectiva que ele merece

BlakRock: os “niggas” rockam e os “whiteys” groovam

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belos momentos nas árias mais meditativas que apostam na dimensão “cantabile” das melodias, mas é menos convincente nas peças “di bravura”. Não se trata de uma questão técnica, pois Piau é bastante precisa na “coloratura”, mas sim retórica (no sentido em que a dimensão virtuosística tem de sublinhar o conteúdo semântico e dramático do texto) e de colorido vocal. Os seus agudos são acutilantes mas carecem de brilho e maior densidade. Assim, a sua versão da ária que abre a gravação (“Disserrativi, o porte d’Averno”, da oratória “A Ressurreição”) deixa bastante a desejar, sobretudo se a compararmos com a interpretação de Cecília Bartoli no disco “Opera Proibita”. Mas nos excertos da “Ode para o Dia de Santa Cecília” e das oratórias “Theodora”, “Alexander Balus” ou “Il Trionfo del tempo e del disingano”, Sandrine Piau mostra porque razão é uma conceituada intérprete de música barroca. Destaca-se ainda a participação do excelente tenor Topi Lehtipuu no dueto “As steals the morn upon the night” (extraído de “L’Allegro, il penseroso e il moderato”). Sob a direcção do violinista Stefano Montanari, a Accademia Bizzantina toca com brio e expressividade peças a solo como a sinfonia “The Arrival of the Queen of Sheba” ou o Largo do Concerto Grosso op. 2 nº3 (com óptimas intervenções dos oboés) e fornece uma base consistente para as peças cantadas. Todavia, podia explorar mais a dimensão teatral deste repertório. Cristina Fernandes

esquecendo, por exemplo, que existe algo como a editora Stones Throw, poderá ter alguma sustentabilidade. Recordemos que os NERD se lembraram de gravar com os insignificantes Good Charlotte ou que Jay-Z “brincou” ao rock atirando-se de cabeça no lagar de azeite que é o agrupamento musical Linkin Park. Portanto, nem que seja para apagar tais atrocidades da memória, BlakRoc é bem-vindo. Colaboração dos Black Keys com nomes como Mos Def, RAZ, Raekwon, Q-Tip, um Ol’ Dirty Bastard vindo do além e um Noe anunciando-se desde Baltimore, nada tem de atroz. Estreita a relação óbvia que existe entre o hip hop e blues, com os Keys a criarem as bases bluesy-fumarentas, blues-psicadélicas, de batida mastodôntica à Led Zeppelin ou sinistras à filme de zombies, e os convidados a falar daquilo que interessa: de dores do coração, do dinheiro que chega ou não chega, de vidas difíceis tornadas mais fáceis porque, afinal, “The Black Keys got so much soul”.

Perspectivando 40 anos de história, encontramos paralelismos entre este “BlakRoc” e o “Electric Mud” de 1970, álbum maldito de Muddy Waters, onde as canções do mítico bluesman foram banhadas em acidez psicadélica. Muddy Waters renegou o álbum, os puristas detestaram-no. Sobreviveu subterraneamente e, vinte anos depois, alguém como Chuck D, o imenso MC dos imensos Public Enemy, reabilitou-o orgulhosamente enquanto obra-prima. “BlakRoc” está longe de o ser - apesar dos falsetes de Dan Auerbach, o guitarrista dos Black Keys, ser contraponto perfeito ao imponente Noé de “Hard times”, apesar de Raekwon espalhar magia negra sobre o rock’n’roll tétrico de “Stay off the fuckin’ flowers”, apesar da soul-woman Nicole Wray, longínqua “protegida” de Missy Elliot. Mas, não sendo uma obra-prima, tem uma

evidente honestidade estética e demonstra uma compreensão mútua que nos satisfaz.

Basicamente, os “niggas” rockam e os “whiteys” groovam e o pessoal aprecia acompanhar a empatia que daí nasce. M.L.

Amanda Blank I Love YouDowntown, distri. Popstock

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“I Love You” é sobre as vicissitudes da maquilhagem e da toilette certa para dar nas vistas,

sobre quem são as “gatas” que abanam melhor as ancas e o traseiro, sobre quem paga as bebidas mais o táxi para casa, mesmo que ela e o parceiro da noite saiam separados para não dar muita bandeira. Mas é sobretudo um disco de paleio de engate twentysomething, repleto de rimas hardcore e de diálogos de telenovela, conjugados com o único intuito de manter a pista de dança ao rubro. Seria vulgar, ou rasteiro, se Amanda não tivesse ao seu serviço produtores do quilate de Diplo, Switch e XXXChange (Spank Rock) e ela própria uma voz versátil que conjuga na perfeição o artifício pop e crueza rap. Todas as batidas em voga, dos revivalismos disco sound e electro ao tecno e aos ritmos marciais ao estilo M.I.A., são convocados, em receitas elásticas e aparatosas, que pelo meio vão introduzindo uma pilha de samplers, incluindo recitações de LL Cool J, Romeo Void e Santigold. É quase sempre divertido, quase sempre dançável e pelo menos um par de vezes a miúda de Filadélfia rebenta com a escala, produzindo hinos de discoteca estonteantes com “Something bigger, something better” e “Might like you better”. Para rematar, quase em jeito de

contrição, há ainda “Leaving you behind”, que corta com o teatro porno e revela a cantora pop que há em Amanda Blank, num elegante dueto com Lykke Li. Luís Maio

Jazz

Alemão suave O lirismo, levemente abstracto, de um jovem pianista europeu. Rodrigo Amado

Jurgen FriedrichPollockPirouet, dist. Mbari

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Jackson Pollock, artista famoso pela sua “action painting”, pintava a ouvir jazz. Para além dessa ligação

directa, poucos são os pontos em comum entre este “Pollock” e a obra do pintor norte-americano, um dos expoentes do expressionismo abstracto, possuidor de um estilo baseado na fisicalidade crua do movimento. Neste registo, todo o movimento é ponderado, elegantemente executado e calmamente reflectido. E é aí que está a grande beleza de “Pollock”, oitavo álbum do pianista e compositor alemão Jurgen Friedrich. Tendo conquistado inúmeros prémios, entre os quais os Gil Evans Award e Julius Hemphill Composition Award, Friedrich colaborou com nomes como Kenny Wheeler, David Liebman, Maria Schneider Jazz Orchestra ou NDR Bigband, conquistando reputação como um dos mais brilhantes jovens pianistas europeus. Neste segundo CD para a Pirouet, Friedrich faz-se acompanhar novamente pelo contrabaixista John Hebert e pelo baterista Tony Moreno, secção rítmica que revela a mais profunda empatia com o pianista, explorando e ampliando da melhor forma os

seus conceitos harmónicos. John Hebert, particularmente, revela aqui enorme talento lírico, desenvolvendo imaginativas variações em torno das linhas do piano. Apesar de tocar frequentemente a solo, o pianista alemão revela-se um mestre na arte do trio, sabendo dar o espaço necessário para que as notas de Hebert e Moreno possam respirar. Ouça-se a suspensão dos tempos em “I am missing her”, original de Hebert, ou a introspecção lírica que transforma “Round midnight”, única versão do álbum, numa delicada canção repleta de dramatismo e nostalgia.

Clássica

Handel entre o céu e a terraHandelBetween heaven and earthSandrine Piau (soprano)Accademia BizantinaStefano Montanari (violino e direcção)Naïve OP 30484

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Sob a designação “Céu e Terra”, o último CD da soprano Sandrine Piau reúne uma série de árias de

oratórias e óperas de Handel, intercaladas por breves páginas instrumentais. A selecção é criteriosa, mas o resultado é desigual. A cantora oferece-nos

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

O lirismo de Jurgen Friedrich

Amanda Blank: quase sempre divertido, quase sempre dançável

Espaço PúblicoTenho muito

gosto em partilhar as minhas escolhas pessoais, em termos musicais, do ano de 2009. Nos álbuns internacionais os meus destaques vão para: “Sometimes I wish we were an eagle”, de Bill Callahan, o Sr. Smog; “Collected recordings” do escocês Gareth Dickson; o

instrumental “Songs by the tumbled sea”

dos norte-americanos The tumbled sea; “Soil

creatures”, o quinto trabalho de Paddy Mann que assina como Grand Salvo; e, acima de tudo, Brian Borcherdt, músico canadiano com as excelentes colecções de canções de 2004 a 2008 incluídas nos álbuns

“Torches”, “The Ward Colorado demos” e “Coyotes”. Na música portuguesa, a minha escolha recai novamente em Norberto Lobo, desta feita com o álbum “Pata lenta”. João Semog,40 anos, artista

“The Ward demos” e

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fora do vulgar, nunca antes interpretada em Portugal. Trata-se de “A Floresta Encantada”, de Francesco Geminiani, resultante de uma encomenda ao compositor efectuada pelo arquitecto e cenógrafo Giovanni Niccolò Servandoni (1695-1766). A música devia servir como uma espécie de banda sonora para a pantomima “La Forêt Enchantée”, inspirada na obra-prima do poeta italiano Torquato Tasso, “La Gerusalemme Liberata”, de 1580. Nela se descrevem combates imaginários entre cristãos e muçulmanos durante o cerco de Jerusalém, no fim da primeira cruzada.

O texto centra-se nas tentativas de Goffredo di Buglione e Rinaldo para retomar o cerco de Jerusalém, depois de o mago Ismeno ter encantado a floresta de onde os guerreiros queriam trazer a madeira para construir as suas máquinas de guerra. A temática oferecia a Servandoni a oportunidade para realizar um espectáculo com grandes efeitos e ilusões cénicas, convocando os artifícios da maquinaria teatral barroca, o trabalho dos actores no domínio da pantomima e a música de Geminiani. Segundo consta, a apresentação deste projecto em Paris em 1754 não teve o sucesso que se esperava, mas Geminiani publicou pouco tempo depois em Londres uma versão para concerto da partitura, dividida em duas partes e intitulada “The Inchanted Forrest. An Instrumental Composition Expressive of the same Ideas as the Poem of Tasso of that Title”. Será esta a versão que poderemos ouvir no CCB, acompanhada pela leitura de excertos dos Cantos XIII e XVIII da “La Gerusalemme Liberata”, de Tasso, pelo actor Tiago Rodrigues. Não se trata propriamente de música programática ou descritiva, mas antes de música que serve de pano de fundo à acção, a complementa ou sublinha ou seu carácter, incluindo a reciclagem de vários “concerti grossi”, um género que muito contribuiu para a celebridade do compositor.

Ano Novo com polifonia portuguesa

Capella PatriarchalDirecção musical de João Vaz.Lisboa. Sé Patriarcal. Largo da Sé. Sáb., 9, às 21h30. Tel.: 218876628.

Porto. Sé Catedral. Terreiro da Sé. Dom., 10, às 18h. Tel.: 222059028.

Concerto de Ano Novo

Com a particularidade de se centrarem no repertório sacro português das várias épocas da história da música, incluindo a recuperação de obras esquecidas, os concertos de Ano Novo que o Patriarcado de Lisboa e a editora Althus têm realizado na Igreja de São

Vicente de Fora e na Sé de Lisboa desde 2004 converteram-se já numa tradição. Este ano, o destaque vai para a estreia moderna de um conjunto de obras de Fr. Fernando de Almeida (ca. 1620-1660) — uma Missa a quatro vozes e quatro Responsórios a oito vozes — pelo agrupamento Capella Patriarchal, dirigido pelo organista João Vaz. Paralelamente, será possível escutar peças para órgão solo e para voz e órgão, de Dieterich Buxtehude (1637-1707), por João Vaz e pela contralto Inês Madeira. O programa do concerto de Lisboa (amanhã às 21h30, na Sé) será repetido no domingo, às 18h, na Catedral do Porto.

Natural de Lisboa, Fr. Fernando de Almeida era frade professo da Ordem de Cristo, tendo sido mestre de capela no Convento de Tomar. Aluno do grande polifonista Duarte Lobo, foi autor de várias partituras religiosas, sobretudo para o ciclo de cerimónias da Semana Santa. Conta-se que D. João V ficou tão impressionado com a sua música, quando a ouviu no Convento de Tomar, que solicitou cópias para a sua Capela Real. Actualmente, a obra de Fr. Fernando de Almeida é quase desconhecida, constituindo os próximos concertos uma rara oportunidade para a reavaliar.

Criado recentemente por João Vaz, o grupo Capella Patriarchal tem como principal objectivo a divulgação da música sacra portuguesa escrita entre os séculos XVI e XIX, apoiada na pesquisa de fontes musicais e nas práticas interpretativas históricas. Tem estreado várias obras inéditas em concertos em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente em Espanha e na Alemanha. C.F.

Jazz

Sangue novoJovem revelação do piano abre a época jazz na Culturgest, este ano com sete concertos programados por Manuel Jorge Veloso. Rodrigo Amado

Stefano Bollani TrioCom Stefano Bollani (piano), Jesper Bodilsen (contrabaixo), Morten Lund (bateria). Lisboa. Culturgest - Grande Auditório. Rua Arco do Cego - Edifício da CGD. Dom., 10, às 21h30. Tel.: 217905155. 18€.

Apenas com 38 anos, o pianista italiano Stefano Bollani foi já considerado pela prestigiada revista

“Downbeat” como um dos dez mais

talentosos jovens músicos no jazz, uma distinção reafirmada pelos críticos do “site” All About Jazz, que o consideraram um dos mais importantes músicos de 2007. Com o álbum “Stone in the Water”, lançado no ano passado na editora ECM e gravado com este mesmo trio, Bollani aprofundou ainda mais o seu estilo bem característico, marcado por um profundo lirismo e uma suave delicadeza harmónica, ambos bem característicos de um determinado jazz de câmara europeu. Nascido em Milão, Bollani foi projectado para o meio profissional do jazz através de Enrico Rava, que o convidou a integrar uma das suas muitas formações. Desde então nunca mais parou, tendo participado em projectos de personalidades tão distintas como Phil Woods, Lee Konitz, Pat Metheny ou Gato Barbieri. Neste concerto, com Jesper Bodilsen no contrabaixo e Morten Lund na bateria, são de esperar interpretações de temas de Caetano Veloso, Tom Jobim ou Francis Poulenc, presentes no já referido “Stone in the Water”, assim como improvisos e variações em torno de composições originais, numa actuação que será certamente marcada pela profunda interacção musical do trio e pela técnica virtuosa de Bollani.

Pop

O outro nome do mentor dos Mesa

Andrew ThornCoimbra. Salão Brazil. Largo do Poço, 3, 1º. Hoje, às

22h. Tel.: 239824217. 5€.

Andrew Thorn é João Pedro Coimbra, “inventor” dos Mesa e ex-Bandemónio, mas não soa à elegância pop dos Mesa ou ao acid jazz de Pedro Abrunhosa por altura de “Viagens”. Precisamente por isso, aliás, é que João Pedro Coimbra, que agora ouvimos cantar pela primeira vez, e em inglês, escolheu inventar o heterónimo que se revelou no Verão passado com o EP de cinco temas “Brutes On The Quiet”, apresentado

Con

cert

osClássica

Uma banda sonora setecentistaA música escrita por Francesco Geminiani para a pantomima “A Floresta Encantada” preenche o próximo concerto do Divino Sospiro, sob a direcção de Chiara Banchini. Cristina Fernandes

Divino SospiroDirecção musical de Chiara Banchini. Com Tiago Rodrigues (narração). Lisboa. Centro Cultural de Belém - Pequeno Auditório. Praça do Império. Sáb., 9, às 21h. Tel.: 213612400. 12,5€ a 15€.

“A Floresta Encantada”, de Francesco Geminiani

O Divino Sospiro tem mantido com regularidade colaborações com instrumentistas e maestros de renome internacional na área da música barroca em programas sempre aliciantes. Entre as parcerias mais assíduas, conta-se o trabalho com a violinista italiana Chiara Banchini, que actuará mais uma vez com o agrupamento no próximo sábado, no Centro Cultural de Belém. O programa inclui uma obra

de Fora e na Sé de esde 2004ram-se já numa Este ano, o destaque

a estreia moderna de unto de obras de Fr.o de Almeida (ca. 1620-uma Missa a quatroquatro Responsórios a

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“Downbeat” como um dos dez mais

talentosos jovens músicos no jazz, uma distinçãoreafirmada pelos críticosdo “site” All About Jazz, que o consideraram um dos mais importantesmúsicos de 2007. Com o álbum “Stone in the Water”, lançado no ano passado na editoraECM e gravado com este mesmo trio, Bollani aprofundou ainda mais o seu

O organista João Vaz, fi gura central do agrupamento Capella Patriarchal, que actuaeste fi m-de-semana nas sés de Lisboa e Porto

A violinista italiana Chiara Banchini volta a dirigir o Divino Sospiro num concerto com um programa invulgar João Pedro Coimbra é Andrew Thorn

Stefano Bolllani já foi considerado pela “Downbeat” um dos dez maiores jovens talentos do jazz

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com as redescobertas de coisas que julgávamos perdidas e o maravilhamento com o novo que é mesmo novo e o corpo mexe porque é novo, entre euforias e deslumbramentos, dizíamos, descobrimos alguém que a atravessou com uma discrição que, em perspectiva, só o engrandece.

Old Jerusalem, Francisco Silva, cultor da Americana, dono de uma voz poética com a rara capacidade de se fixar num pedaço de vida particular, ínfimo, e transformá-lo em algo universal, editou esta década “April”, “Twice The Humbling Sun”, “The Temple Bell” e, já este ano, “Two Birds Blessing”, mote para o concerto que o leva amanhã ao Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães.

Ouvindo os seus discos em sequência, podemos falar de evolução – a música vai-se tornando menos rarefeita, vai crescendo em

instrumentos e arranjos, vai-se concentrando cada vez mais naquilo que lhe vimos logo a início: são as histórias que conta que conduzem o que canta. Mas,

ouvindo-os, percebemos algo mais: que evolução é, neste contexto, palavra feia e redutora. Old Jerusalem, ele

que retirou nome a uma canção de Will Oldham, foi caminhando a nosso lado, oferecendo-nos palavras e melodias que se tornaram sombra retemperadora para os nossos passos. Palavras e melodias, acrescente-se, que o tornam

um dos nomes inescapáveis da música que por cá vimos nascer nos conturbados anos 2000. M.L.

esta noite em Coimbra, no Salão Brazil.

Com ele estão o guitarrista Jorge Coelho, o baterista Jorge Queijo e o baixista Miguel Ramos. Juntos, criaram um rock’n’roll de gingar nervoso, onde a tensão do pós-punk se cobre de um intenso mas sereno psicadelismo: ou seja, em “Me Jane”, põem a malta a dançar com riffs irrequietos e teclado efervescente, depois avançam por “Strip machine” como rockabillies futuristas, quais Wire de poupa bem medida, e acabam “Brutes On The Quiet” com uma óptima versão de “Overcome”, de Tricky.

Esta noite, tocam em Coimbra. Mais lá para a frente, talvez os encontremos do outro lado do Atlântico. O EP chamou a atenção de Tom Sarig, manager de Lou Reed ou Blonde Redhead, e quando chegar o novo álbum, com edição prevista para este ano, é provável que viajem com ele pelos Estados Unidos. Mário Lopes

À sombra retemperadora de Old Jerusalem

Old JerusalemGuimarães. Centro Cultural Vila Flor - Café-Concerto. Avenida D. Afonso Henriques, 701. Sáb., 9, às 23h. Tel.: 253424700. 2,5€.

Estamos em tempo de balanços e, olhando para trás, para esta década que vai terminando, entre o estremecer dos mil cruzamentos, o entusiasmo

sexta 8Manuel Barrueco e Orquestra GulbenkianDirecção musical de Miguel Harth-Bedoya. Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Grande Auditório. Avenida de Berna, 45A, às 19h. Tel.: 217823700. 10€ a 20€.

Alicia Nafé e Orquestra Nacional do PortoDirecção Musical de Joana Carneiro.Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 21h. Tel.: 220120220. 16€. Áustria 2010 - Romantismo vienense. Obras de Webern, Wolf, Lieberson e Schumann..

Orquestra Filarmonia das BeirasDirecção Musical de António Vassalo Lourenço. Vila do Conde. Teatro Municipal. Av. Dr. João Canavarro, às 21h30. Tel.: 252290050.

Concerto de Ano Novo e Reis. Obras de Freitas Branco, Strauss, Healey e Cardoso.

Sean Riley & The SlowridersGuimarães. CC Vila Flor - Café-Concerto. Av. D. Afonso Henriques, 701, às 23h. Tel.: 253424700. 2,5€.

Maria AnadonCom Victor Zamora (piano), Léo Espinoza (baixo), Marcelo Araújo (bateria). Lisboa. Onda Jazz. Arco de Jesus, 7 - ao Campo das Cebolas, às 22h30. Tel.: 919184867. 7€.

Orquestra Clássica de EspinhoDirecção Musical de Pedro Neves. Com Dora Rodrigues (soprano). São João da Madeira. Paços da Cultura. R. 11 de Outubro, 89, às 21h45. Tel.: 256827783. Entrada gratuita.

Concerto de Ano Novo. Obras de Strauss, Gluck, Respighi, Canteloube, Hindemith e Bartok.

Adriana MikiCom Desidério Lázaro (saxofone), Joel Silva (bateria), Paulo Barros (piano), Sérgio Crestana (baixo). Lisboa. Museu do Oriente - Auditório. Av. Brasília - Edifício Pedro Álvares Cabral - Doca de Alcântara Norte, às 21h30. Tel.: 213585200. 10€.

Pedro MoutinhoOeiras. Auditório Municipal Eunice Muñoz. R. Mestre de Aviz, às 21h30. Tel.: 214408411. 12€.

Concerto de Ano Novo.

sábado 9Joanna MacGregorLisboa. Culturgest - Grande Auditório. Rua Arco do Cego - Edifício da CGD, às 18h. Tel.: 217905155. 10€.

Orquestra GulbenkianDirecção musical de Miguel

Harth-Bedoya. Lisboa. Fundação e Museu

Calouste Gulbenkian - Grande Auditório.

Avenida de Berna, 45A, às 16h. Tel.: 217823700.

6€.

“A Miragem das Mil e Uma Noites”, de Rimsky-Korsakov.

Jorge MoyanoBraga. Theatro Circo - Sala Principal. Av. Liberdade, 697, às 21h30. Tel.: 253203800. 8€.

Obras de Chopin e Schumann.

David Maranha + Manuel Mota + Riccardo Dillon WankeLisboa. Galeria Zé dos Bois. Rua da Barroca, 59 - Bairro Alto, às 23h. Tel.: 213430205. 6€.

Orquestra Clássica de EspinhoDirecção Musical de Pedro Neves. Com Dora Rodrigues (soprano). Arouca. Cinema Globo D’Ouro. R. Alfredo Vaz Pinto, Campo do Mosteiro, às 21h30. Tel.: 256944109.

Strauss Festival Orchestra e Strauss Ballet EnsemblePorto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h30. Tel.: 223394947. 15€ a 45€.

Grande Concerto de Ano Novo.

Grupo de Cantares de PortalegrePortalegre. Centro de Artes do Espectáculo - Grande Auditório. Pç. da República, 39, às 17h. Tel.: 245307498. Entrada gratuita.

Concerto de Reis.

Anneleen LenaertsVila Real. Agência de Ecologia Urbana. R. do Corgo, às 16h. Tel.: 259308100. Entrada gratuita.

FAN - Festival de Ano Novo 2010.

DesbundixieCom Maria João (voz) e Filipe Melo (piano).Leiria. Teatro Miguel Franco (Centro Cultural). Lg. Santana, às 21h30. Tel.: 244860480.

Vozes da Bulgária: Tríada + HristovBragança. Teatro Municipal. Pç Cavaleiro Ferreira, às 15h. Tel.: 273302740. 5€.

FAN - Festival de Ano Novo 2010.

Gala de Ópera de Ano NovoCom Sérgio Martins (tenor), Marina Pacheco (soprano) e Opera Ensemble. Guarda. Teatro Municipal - Grande Auditório. R. Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.: 271205241. 10€.

Tim Tim por Tim TumFundão. A Moagem, Cidade do Engenho e das Artes - Auditório. Lg. da Estação, às 22h. Tel.: 275774052. 4€.

Moazz - Ciclo de Jazz do Fundão.

domingo 10Coral VérticeDirecção Musical de Sérgio Fontão. Lisboa. Casa Museu Dr. Anastácio Gonçalves. Av. 5 de Outubro, 6/8, às 16h. Tel.: 213540823. Entrada gratuita.

Concerto de Reis.

Strauus Festival Orchestra e Strauss Ballet Ensemble

Sintra. CC Olga Cadaval - Auditório Jorge Sampaio. Pç. Dr. Francisco Sá Carneiro, às 18h. Tel.: 219107110. 25€ a 30€.

Grande Concerto de Ano Novo.

Orquestra Nacional do Porto

Direcção Musical de Joana

Carneiro. Porto. Casa da

Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 12h. Tel.: 220120220. 5€.

Áustria 2010 - Sinfonia nas Margens do Reno. Obras de Schumann.

Coral de São José e Orquestra do AlgarveDirecção musical João Tiago Santos. Com Sandra Medeiros (soprano), Mário Alves (tenor), Luís Rodrigues (barítono). Ponta Delgada. Teatro Micaelense. Largo de S. João, às 17h. Tel.: 296284242. 15€.

Concerto de Reis.

terça 12Carla Caramujo e João Paulo SantosLisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Auditório 2. Avenida de Berna, 45A, às 19h. Tel.: 217823700. 10€.

Obras de Berg, Schreker, Zemlinski, Strauss, Debussy, Chabrier, Lalo e Gounod.

Daniel Bernardes TrioCom Daniel Bernardes (piano), António Quintino (contrabaixo), Joel Silva (bateria). Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 7,5€.

quarta 13B Fachada + Orquestra InvisívelLisboa. Bacalhoeiro. Rua dos Bacalhoeiros, 125 - 2º, às 22h30. Tel.: 218864891.

L’Occasione Fa il Ladro + Trouble in TahitiDirecção Musical de Moritz Gnann. Com João Merino, João Oliveira, João Cipriano, Marco Alves dos Santos, Raquel Alão, Ana Franco, Luisa Francesconi. Lisboa. Teatro Nacional de São Carlos. Lg. S. Carlos, 17, às 20h. Tel.: 213253045. 10€ a 15€.

Estúdio de Ópera - Programa Jovens Intérpretes. Obras de Rossini e Bernstein.

OrangoTangoDirecção Musical de Daniel Schvetz. Lisboa. CCB - Pequeno Auditório. Pç. do Império, às 19h. Tel.: 213612400. 10€.

B Fachada + Orquestra InvisívelLisboa. R. dos Bacalhoeiros, 125 - 2º, às 22h30. Tel.: 218864891.

quinta 14Gábor Boldoczki, Jonathan Luxton e Orquestra GulbenkianDirecção musical de Krzysztof Penderecki. Com Gábor Boldoczki (trompete), Jonathan Luxton (trompa). Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - Grande Auditório. Av. de Berna, 45A, às 21h. Tel.: 217823700. 10€ a 20€.

Obras de Haydn, Penderecki e Dvorák.

MintaLisboa. Maxime. Pç. Alegria, 58, às 22h. Tel.:

213467090.

Young-Choon ParkChaves. Centro Cultural. Lg. Estação,

às 21h30. Tel.: 276333713. Entrada gratuita.

FAN - Festival de Ano Novo 2010.

Os AzeitonasLisboa. Cinema São Jorge - Sala 2. Av. Liberdade, 175, às 22h30. Tel.: 213103400. 10€.

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Pç.

el.:

MintaLisboa. Maxime. Pç. Alegria,

213467090.

Young-Choon PChaves. Centro Cultura

às 21h30. Tel.: 276333gratuita.

FAN - FAno N

Os ALisbJorgLib2221

Direcção musicaHa

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Os Minta no Maxime, esta quinta-feira

O maestro polaco Krzystof Penderecki dirige a Orquestra Gulbenkian

A pianista Joanna MacGregor amanhã na Culturgest

FranciscoSilva leva “Two Birds Blessing” a Guimarães

Agenda

al de Miguel a.ão e Museuenkian -ório.Berna, 45A,: 217823700.

Sintra. CC Olga Cadaval - AuditóSampaio. Pç. Dr. Francisco Sá C18h. Tel.: 219107110. 25€ a 30€.

Grande Concerto de ANovo.

Orquestra NacionalPorto

Direcção Musicde Joana

CarneirPorto. Casa

Música - Sala SuggMouzinho de Albuquerque, às 12220120220. 5€.

cção musicaarth-BedoyaLisboa. Fundaçã

Calouste GulbeGrande Auditó

Avenida de Bàs 16h. Tel.:

6€.

B Fachada com a Orquestra Invisível no Bacalhoeiro,em Lisboa

Sean Riley no Café-Concerto do Vila Flor, em Guimarães

Álbum-confi rmação: Animal Collective, “Merriweather Post Pavillion”; Álbum-compilação: Vários, “Dark Was The Night”; Álbum-banda revelação: The XX, “XX”; Álbum-revelação artista masculino: DM Stith, “Heavy Ghost”; Álbum-revelação artista feminino: Fever Ray, “Fever Ray”; Álbum-esquecido: Patrick Watson, “Wooden Arms”; Álbum-regresso mais aguardado: The

Flaming Lips, “Embryonic”; Álbum para matar saudades de Burial: Boxcutter, “Arecibo Message”; Álbum-desilusão: Beirut, “Realpeople Holland/March of the Zapotec”, ex-aequo com Fischerspooner, “Entertainment”; Álbum mais sobrevalorizado: Dirty Projectors, “Bitte Orca”;Canção do ano: Grizzly Bear, “Two Weeks”. Álbuns que teimaram em não deixar o leitor de CD

MP3: Grizzly Bear, “Veckatimest”;

Hidden Cameras, “Origin:

Orphan”; Wild Beasts, “Two Dancers”; Yeah Yeah Yeahs, “It’s Blitz!”; Royksopp, “Junior” e... the last, but not the least... Yeasayer, “Odd Blood”.José Couto, Tavira

ar,

Espaço Público

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hoje marcada por esta característica: campos coloridos rigorosamente delimitados pelo desenho, e uma radicação figurativa constante. Mesmo quando parecem abstractas, as pinturas de Nikias possuem sempre essa longínqua filiação na realidade visível – ou, como sucede em certas séries, na realidade tal como foi imaginada pela história.

Contudo, paralelamente a este trabalho de pintura, e em consonância ou não com ele, Nikias sempre praticou o desenho. Esta exposição, como outras demasiado raras que a precederam (uma na galeria 111, ainda na década de 90, e outra no Palácio Galveias, além da retrospectiva em Serralves, em 2000), dá apenas conta dos seus trabalhos sobre papel, apresentando duas selecções distintas que a própria montagem ajuda a diferenciar: uma, centrada nos cartazes e nas serigrafias, onde a cor intervém de forma explícita; e outra, nos desenhos a carvão e nas litografias, evidenciando uma autonomia desta disciplina em relação à pintura que o próprio artista situa como tendo começado em 1985.

E são estas últimas obras, que se afastam daquilo que conhecemos da pintura de Nikias de uma forma marcante, que importa aqui destacar logo à partida. O artista elege dois tipos distintos de suporte: o rolo de papel higiénico e o papel de embrulho. O primeiro, que lhe terá sido sugerido pela descoberta

da pintura japonesa em rolo, convoca efectivamente o sentido narrativo: percebemos que há um início e um provável fim, e que o desenho se desenvolve sobre este suporte como um automatismo, um “doodle”, uma emergência de formas apenas regulada pelo ritmo da mão que desenha. Já os desenhos sobre papel kraft instituem quase sistematicamente a proeminência de uma figura sobre o fundo pardo. Esta figura, que apenas se identifica como tal não pelas suas características miméticas mas por o seu traço se fechar e encerrar um interior em oposição a um exterior, nunca é identificável. E inclusive Nikias, numa série conhecida, presta homenagem aos “tags” grafitados utilizando este tipo de signos abstractos como inspiração.

Outras obras na exposição merecem atenção: as ilustrações feitas para “Quando os Lobos Uivam”, de Aquilino Ribeiro (1958), e as peças da série de “desenhos do Aljube”, entre as quais uma “Pomba” de 63 que recorda a mesma ave desenhada por Picasso; cenas populares dos anos 60, em litografia, também integráveis na produção modernista da época; e finalmente as serigrafias dos anos 70 e 80, muito próximas daquilo que a sua pintura era na altura, e em que a própria técnica utilizada favorecia a aplicação de manchas saturadas de cor pura, tal como acontecia nas telas.

Apropriação, ilusão e crítica“Pintura Para Uma Nova Sociedade” é o momento mais relevante na obra de um artista que tem permanecido indiferente ao reconhecimento e à consagração institucionais. José Marmeleira

The Return of The Real IX - João Fonte SantaVila Franca de Xira. Museu do Neo-Realismo. R. Alves Redol, 45. Tel.: 263285626. Até 31/01. 3ª a 6ª das 10h às 19h. Sáb. das 15h às 22h. Dom. das 11h às 18h.

Ilustração.

mmmnn

Vinte anos depois, João Fonte Santa (Évora, 1965) realiza finalmente a sua primeira exposição individual no espaço de uma instituição. Foi uma delonga solitária, quase esquecida, mas também a verdade é que este artista sempre se furtou, com maior ou menor responsabilidade, às instâncias dominantes da consagração do meio. Com uma produção afirmada, no passado, noutras artes visuais (banda desenhada e ilustração), um

desenho e pintura figurativos e expressionistas (e

devedores dessas

Exp

osA indepen-dência do desenho50 anos de trabalhos sobre papel de Nikias Skapinakis estão em Cascais. Luísa Soares de Oliveira

Desenho a preto e branco e a cores. Antologia gráfica (1958-2009)De Nikias Skapinakis.

Cascais. CC de Cascais. Av. R. Humberto II de Itália. Até 28/02. 3ª a Dom., das 10h às 18h.

Desenho.

mmmmm

Nikias Skapinakis, ou Nikias, é um pintor que não deveria necessitar de apresentação. Embora tenha começado a expor em 1948, aos 17 anos, foi um dos protagonistas, durante a década de 60 ( juntamente com Lourdes Castro, René Bertholo e Costa Pinheiro, por exemplo), da primeira conjunção entre arte portuguesa e arte internacional: ao mesmo tempo que, em Londres, Paris ou Nova Iorque, os artistas desenvolviam a Pop ou a figuração do “Nouveau Réalisme”, Nikias trabalhava contrastes de figuras planas e esquematicamente coloridas sobre fundos lisos. Para além da evolução própria da sua obra, que desenvolveu numa entrevista recente publicada no último Ípsilon, a sua pintura é até

InauguramDebretDe Vasco Araújo. Lisboa. Museu da Cidade de Lisboa. Campo Grande, 245. Tel.: 217513200. Até 07/03. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Inaugura 14/1 às 22h.Escultura.

ContinuamO Inverno do (nosso) DescontentamentoDe André Romão. Lisboa. Kunsthalle Lissabon. R. Rosa Araújo, 7-9. Tel.: 918156919. Até 14/02. 5ª a Sáb. das 15h às 19h. Instalação, Outros.

She is a Femme FataleDe Louise Bourgeois, Paula Rego, Cindy Sherman, Helena Almeida, Nan Goldin, entre outros.Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império - CCB. Tel.: 213612878. Até 31/01. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h. Pintura, Escultura, Fotografia, Desenho, Vídeo, Outros.

David ClaerboutLisboa. MNAC - Museu do Chiado. R. Serpa Pinto, 4. Tel.: 213432148. Até 28/02. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Festival Temps d’Images 09. Instalação, Vídeo, Fotografia.

É Proibido Proibir!De Archizoom Associati, Studio 65, Grupo Sturm, Pierre Paulin, entre outros. Lisboa. MUDE - Museu do Design e da Moda. R. Augusta 24. T. 218886117. Até 31/1. 3ª a 5ª e Dom. das 10h às 20h. 6ª e sáb. das 10h às 22h. Design, Objectos, Outros.

BES Revelação 2009De Susana Pedrosa, Ana Braga, Inês Moura. Porto. Museu de Serralves. R. Dom João de Castro, 210. Tel.: 226156500. Até 07/01. 3ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h. Fotografia, Outros.

Emissores Reunidos - Episódio II: Senhor Fantasma, Vamos FalarDe Marcelo Cidade, Renato Ferrão. Porto. Radiodifusão Portuguesa (Antiga RDP). R. Cândido dos Reis, 74. Até 24/01. 3ª e 4ª das 17h às 20h. 5ª e 6ª das 17h às 01h. Sáb. das 15h às 01h. Dom. das 15h às 20h. Objectos, Outros.

Sem Saída, Ensaio Sobre o OptimismoDe Augusto Alves da Silva. Porto. Museu de Serralves. R. Dom João de Castro,

210. Tel.: 226156500. Até 31/01. 3ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h.

Fotografia.

Agenda

Jesper JustLisboa. Centro de Arte Moderna

- José de Azeredo Perdigão. R. Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474.

Até 18/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Temps d’Images 09. Vídeo,

Instalação.

Moby DickDe João Pedro Vale.Lisboa. Galeria Filomena Soares. R. da Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 16/01. 3ª a Sáb. das 10h às 20h. Outros.

Crying My Brains OutDe António Olaio.Lisboa. Galeria Filomena Soares. R. da Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 16/01. 3ª a Sáb. das 10h às 20h. Pintura.

The HustlerDe João Louro. Coimbra. Centro de Artes Visuais - CAV. Pátio da Inquisição, 10. Tel.: 239826178. Até 28/02. 3ª a Dom. das 14h às 19h. Instalação.

PronounciationsDe Katarina Zdjelar. Coimbra. Centro de Artes Visuais - CAV. Pátio da Inquisição, 10. Tel.: 239826178. Até 28/02. 3ª a Dom. das 14h às 19h. Vídeo.

hojemarcada por esta característica: campos coloridos rigorosamente delimitados pelodesenho e uma radicação figurativa

da pinturajaponesa em rolo,convoca efectivamente o sentido

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É nos desenhos a carvão e nas litografi as que a obra gráfi ca de Nikias Skapinakis mais se autonomiza da sua pintura

“Senhor Fantasma, Vamos Falar” na antiga RDP

A anatomia de Alberto Korda na Co

EscoladeMulheresoficinadeteatro

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da pintura, travestida e revelada aqui sob a forma de grandes e fantásticas ilustrações. Imagens que do passado vêm simples, despretensiosas, mas acordadas, como a voz de Noam Chomsky que se escuta em “Selling the

capitalist story”, no ecrã escuro do vídeo colocado no centro da sala por João Fonte Santa.

mesmas artes) e uma inclinação para o apropriacionismo, João Fonte Santa foi sempre “marginal” ao acertar dos relógios; como aliás Alice Geirinhas, Pedro Amaral ou Pedro Pousada (este aparentemente afastado do circuito artístico), todos artistas com quem vai partilhando referências e preocupações.

Pese embora o contexto institucional de “Pintura Para Uma Nova Sociedade”, João Fonte Santa não abandonou essa condição, a de um artista periférico. Dito de outro modo, a sua exposição no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, no âmbito do ciclo comissariado por David Santos, reafirma um trabalho (pictórico) que torna imagens preexistentes (vinda dos media ou das outras artes visuais) em imagens com uma premência crítica. Como uma arte pop mais “comprometida” com as suas próprias fontes, menos impessoal, mais “politicamente” debruçada sobre o real.

Oito telas de grandes dimensões reproduzem um desenho de Jack Kirby (autor de banda desenhada clássica dos EUA) e ilustrações de Alphonse de Neuville e Edouard Riou para “Vinte Mil Léguas Submarinas”, de Júlio Verne (1870) e de Léon Benett para “Dois anos de Férias”, do mesmo escritor. Contrastam com o laranja saturado das paredes e, prateadas pela técnica do acrílico, brilham a espaços sob a luz artificial em pleno ambiente de salão oitocentista. Evidencia-se mesmo, perante o espectador, um jogo teatral, ilusório, com as superfícies das telas – situação que, se não é inédita na

obra de João Fonte Santa, ganha agora uma outra coerência. Movemo-nos e focos de luz apagam pormenores das pinturas. Criam buracos, vazios.

Outros paradoxos, porque reconhecíveis, não são tão surpreendentes, mas “Pintura Para Uma Nova Sociedade” consegue ser a melhor exposição individual deste artista. Há na operação sobre as imagens e os imaginários evocados (a ficção científica, as utopias do

século XIX, Júlio Verne) uma fluência conceptual mais assertiva e um uso ágil dos signos e significantes escolhidos. E são estes aspectos que permitem às pinturas libertar sentidos acerca da representação do outro (os índios em “Ces indigènes rôdèrent prés du Nautilus”, o monstro em “Un de ces longs bras se glissa par l´ouverture”), da condição existencial e da história do homem

(“Und wer´s nie gekonnt, der stehle weinend sich aus dem bund”, título retirado do verso do libreto do “Hino à Alegria”, de Beethoven) ou da própria história

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Obras de Referência dos Museus da Madeira: 500 Anos De História De Um ArquipélagoLisboa. Galeria de Pintura do Rei D. Luís I. Calçada da Ajuda - Palácio Nacional da Ajuda. Tel.: 213633917. Até 28/02. Sáb. das 11h às 20h. 2ª a 6ª e Dom. das 11h às 18h. Pintura, Escultura, Objectos, Fotografia, Outros.

ÍnsulasDe João Margalha. Porto. Centro Português de Fotografia - Cadeia da Relação do Porto. Campo Mártires da Pátria. Tel.: 222076310. Até 16/02. 3ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb. das 15h às 18h. Fotografia.

Korda - Conhecido DesconhecidoDe Alberto Korda. Lisboa. Galeria Torreão Nascente da Cordoaria Nacional. Avenida da Índia - Edifício da Cordoaria Nacional. Tel.: 213642909. Até 31/01. 3ª a 6ª das 10h às 19h. Sáb. e Dom. das 14h às 19h. Fotografia.

EstúdioDe Nuno Ramalho, Renato Ferrão.Lisboa. Fundação Carmona e Costa. Ed de Espanha - R. Soeiro Pereira Gomes L1 - 6º A/C/D. Tel.: 217803003. Até 22/01. 4ª a Sáb. das 15h às 20h. Instalação, Desenho, Outros.

“Estúdio”, de Nuno Ramalho e Renato Ferrão, na Fundação Carmona e Costa

da pintureveladforma dfantásticImagens vêm simpdespretenacordadasNoam Choescuta em

capitalist story” no

utro

bras se

(“Und wer´s niegekonnt, der stehle weinend sich aus dem bund” título retirado do

João Fonte Santa opera sobre as imagens e os imaginários da fi cção científi ca oitocentista

na Cordoaria Nacional

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fundação: ali se encontram ilustradas as pulsões que movem desde sempre os homens, ali se encontram as questões eternas. Claro que pode ler-se uma vida inteira de Eurípides, Sofócles, Hesíodo e Homero e ter o progresso “humano” (perdoem o exemplo caricatural) de um empreiteiro alistado nas fileiras do PS com ou sem D. E a um homem sensato e prudente não há nada que lhe garanta que os escritos de Heisenberg ou de Norbert Weiner não são mais fundamentais para a compreensão do mundo contemporâneo que os de Hanna Arendt. Podemos fazer o nosso próprio cânone e preferir Geoffroy Saint-Hilaire, Cabeza de Vaca, ou o Gilgamesh à saga proustiana, porque o cânone, por mais que queiramos, é “um” cânone. Só que um cânone, mesmo o nosso, o pessoal, depende da sua época e do vínculo aos valores dessa época, pelo que um cânone pessoal tem sempre uma dívida “ao” cânone da sua época. E o cânone literário ocidental foi sendo lentamente revisto desde o final da II Guerra. (Não há aspirante a literato que hoje não comece por Roth ou Faulkner em vez de Camus ou Flaubert.) A ascendência americana manifesta-se também nesse processo de releitura do cânone. “A Sangue Frio”, obra inúmeras vezes laudada como obra-prima de Truman Capote, faz hoje figura de ícone – o que nos causa dúvidas. Em tempos idos, se permitirem uma nota pessoal, seria capaz de apostar o mindinho em como “Outras Vozes, Outros Lugares”, romance de estreia do autor de “Breakfast at Tiffany’s”, era a sua carta de alforria ao génio. Isto há uns bons 15 anos. Relê-lo agora, com cuidada distância, é redescobrir o extraordinário potencial de um escritor que – parece-nos agora – nunca foi tão bom quanto poderia ter sido, à conta da sua extrema necessidade de exibir talento, seja o da pena, seja o da sua vingança sobre o mundo (que é ao que “A Sangue Frio” soa). Certo é que em “Outras Vozes, Outros Lugares”, escrito com precoces 23 anos, diversas marcas da escrita de Capote já estão formadas: a obsessão pelos “marginais”, aqueles a quem falta o centro de afecto sustentador do ego (a família); a obsessão pelas figuras que carregam tragédia; uma espécie de fundo de loucura, surdo, a perpassar o ambiente geral da narrativa; um olhar agudo sobre detalhes mínimos que permitem, por ampliação do objecto olhado, aferir do grau de desespero que escorre das personagens página fora. Se quisermos ser simplistas, há em Capote uma espécie de fascínio e repulsa pelas gentes sem eira nem beira, não no sentido da pobreza material, mas da sua própria inconsistência tectónica.

“Outras Vozes, Outros Lugares” narra a história de um garoto de 13 anos, Joel Harrison, que é enviado, após a morte da mãe, para junto do pai, no Sul dos EUA. Durante páginas a fio o pai não surge, e Joel fica entregue ao que se pode sem pejo designar por uma trupe de freaks: a mulher do seu pai, cujas rendas dos vestidos escondem uma histeria latente; Randolph, um sujeito doente e efeminado que passa os dias de roupão e cujo cavalheirismo deve tanto à sua opção sexual quanto à sua boa educação; a empregada negra que se queixa de ter sido abusada pelo ex-marido; e o avô desta, um velho assustador e moribundo. Tudo naquela casa é ruína: material, já que a casa vai caindo numa degradação endémica; existencial, já que aquelas gentes vivem para nada: o velho à espera que a morte o leve, a neta à espera de fugir dali, a histérica à espera de não se sabe o quê, talvez adoptar Joel, talvez da aprovação de Randolph às suas manias; e Randolph à espera, claro, da morte, mas também do retorno de um tal Pepe.

A escrita, aqui, ainda não é a lâmina fria de “A Sangue Frio”: é esguia como uma serpente, bruxuleando de imagens. Pode-se, com facilidade, tomar cada um dos ademanes de escrita de Capote como demonstração de génio, mas diga-se que um pouco de rédea na caneta não o teria prejudicado: perde-se demasiado tempo em descrições surrealistas da natureza (ainda que isso sirva para demonstrar a desintegração do inadaptado Joel), há demasiados sonhos estranhos e há demasiada escrita que tenta enfiar pelos olhos do leitor adentro demonstrações de talento. No entanto, é meticulosa a construção de um universo: mais que um grande livro sobre o Sul ou que um grande livro sobre o crescimento (esse é “Por Favor, Não Matem a Cotovia”, de Harper Lee, amiga de Capote), é um grande livro sobre não ter um lugar e não ser dono do seu caminho: Joel não é do Sul, não compreende o Sul e não compreende os seus próprios acessos de afecto, ora por uma pequena das redondezas, ora pelo próprio Randolph; Randolph não pertence àqueles maneirismos cavalheirescos, antes devia pertencer a um mundo que aceitasse a sua sexualidade; o pai, enfermo na cama, comunica apenas por uma bola de ténis que lança quando quer atenção – está igualmente preso a um lugar que não é o de um ser humano, preso a um vegetalismo que o condena à nulidade. Todos estão doentes, ou virão a estar – e essa condição é a visão do mundo que enforma o trabalho de Capote: todos estão no sítio errado, o corpo trai-nos, não conseguimos dominar as pulsões ou se conseguimos

pagamos um preço. Estamos, portanto, condenados a estar divididos. É uma visão terrível que torna (mais uma vez: numa opinião pessoal) “Outras Vozes, Outros Lugares” o grande livro de Capote, excessos de pena à parte.

Uma romena em ParisUma história intrigante sobre identidades no universo singular dos imigrantes vindos de Leste. José Riço Direitinho

A Bela RomenaDumitru Tsepeneag(trad. por Isabel Fraga)Oceanos

mmmmn

Em 2008, o júri da 18.ª edição do Prémio da União Latina das Literaturas Românicas (que contava entre os seus membros Lídia Jorge e José Eduardo

Agualusa) distinguiu o romeno Dumitru Tsepeneag (n. 1937). Entre os argumentos justificativos da distinção conta-se a “excelente qualidade artística dos seus romances, ensaios e memórias, mas também o seu empenho na defesa das formas literárias e da liberdade de expressão”, isto para além do facto de associar “na sua obra o experimentalismo literário à preocupação social e histórica”.

Na Roménia dos anos 60 e 70, Dumitru Tsepeneag foi o líder da única corrente literária – o “Onirismo”, vagamente inspirada no “Surrealismo” – que se opunha ao “realismo socialista” do regime de Ceausescu. Tal destemor valeu-lhe desentendimentos com a polícia secreta romena (a temida “Securitate”), que culminaram em 1975, estando Tsepeneag em Paris (onde viria a pedir asilo político), com a retirada da nacionalidade romena em decisão assinada pelo próprio ditador.

Tsepeneag faz parte do grupo de asilados romenos – com Herta Müller (a recente distinção do Comité Nobel), o poeta Oskar Pastior, entre outros – que começaram a escrever na língua do país que lhes deu acolhimento. Se até à queda do regime do tirano Ceausescu a obra de Tsepeneag procurava descrever a situação social e política na Roménia – o desejo das personagens deixarem o país e de irem ver o mundo –, no período que se lhe seguiu (e até hoje) ele tem procurado fazer um

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Liv

ros

Ficção

Não ter um lugarMais que um grande livro sobre o Sul ou que um grande livro sobre o crescimento, é um grande livro sobre não ter um lugar João Bonifácio

Outras Vozes, Outros LugaresTruman Capote Sextante

mmmmn

Um cânone não é somente uma lista de chaves para abrir a porta da erudição e assim ter acesso à classe ilustrada, para conforto dos

nossos egos. No caso da literatura, o cânone serve, supostamente, de

Redescobrir o extraordinário potencial de um escritor que nunca foi tão bom quanto poderia ter sido – à conta da sua extrema necessidade de exibir talento

Espaço Público

“o remorso de baltazar serapião”, de valter hugo mãe, é um retrato da brutalidade e do miserabilismo feudal, que reivindica que em todas as sociedades e regimes se esconde uma idade média armada de bestas. A violência pareceu-me porém excessiva, às vezes anti-natural,

contraponto forçado a uma escrita onde a poesia, a espaços, arranja tempo para dançar. 7 pais nossos (em 10) para que o remorso não seja em vão. Pedro Miguel Silva,

36 anos, Técnico de ComunicaçãoBlogue: http://fusco-lusco.blogspot.com

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ainda não cresceu. Este livro cheira a cera dos soalhos recentemente polidos, sentem-se as mãos frias das criadas cúmplices dos primeiros segredos da protagonista tocarem-nos através das páginas. Há uma mãe, e três irmãos que são o eixo central da casa, e depois há uma tia excêntrica que conduz um carro apelidado de “cafeteira” e um pai que se mudou com os livros para uma cidade onde há mar mas que às vezes regressa para levar a filha, vestida à Shirley Temple, aos cinemas da Gran Via madrilena.

E há o pátio do prédio onde às vezes assomam “‘os pobres’. Uma

retrato da Europa e dos seus imigrantes chegados do Leste, muitas vezes descritos a partir de dois pontos de vista, o do antigo exilado e o do novo emigrante.

A literatura romena – à excepção do teatro de Ionescu e de umas quantas obras avulsas de ficção de Mircea Eliade – não tem despertado o interesse dos editores portugueses. Que me lembre, o único autor romeno recentemente por cá editado foi Mircea Cartarescu (“Porque Gostamos de Mulheres”, 2007), autor da genial trilogia Orbitor, já traduzida em mais de uma dezena de línguas.

Mas agora, e graças ao prémio da União Latina – que reserva parte do montante para a tradução de obras do distinguido –, podemos ler também “A Bela Romena”, o mais recente romance de Tsepeneag. Nele se narram as muitas histórias de uma inquietante e bonita mulher que vive em Paris, diz ser romena e chamar-se Ana. A estrutura, algo fragmentada, do romance permite ao autor ir semeando a narração com factos que vão intrigando o leitor porque não fazem parte do que está a ser linearmente contado. Mas, aos poucos, eles parecem começar a obedecer a uma certa ordem interna que tem a ver com o passado desconhecido de Ana, a “mulher misteriosa, vinda das nascentes do Danúbio”.

Com “o seu olhar de um azul tão escuro como o mar Negro em

Odessa”, como uma feiticeira, vai deixando marcas em todos os homens que com ela se cruzam. Pelo meio, há o dono de um café parisiense, Jean-Jacques, que por ela se apaixona e começa a ter sonhos eróticos. Um antigo cliente do café, o russo Iegor, envolve-se com ela e começa a ser atormentado pelos muitos mistérios que vão surgindo desde que encontra um pequeno gravador debaixo da cama. De que vive ela? Como consegue viver numa das zonas mais exclusivas da cidade? São perguntas para as quais Iegor não consegue obter respostas nas suas conversas pós-coito, que, mais do que esclarecedoras, vêm apenas adensar o mistério. Terá ela sido médica ou enfermeira na Roménia? Porque transporta para o café um livro escrito em alemão se diz não conhecer a língua? De que parte do seu passado vem Johannes, o seu amante alemão que a besunta com mel? Por que tem ela uma águia em casa presa numa pequena gaiola e a esconde na despensa sempre que Iegor a visita? A mulher que alguns homens quase juram ter avistado no Bosque de Bolonha é a mesma bela romena que se senta a bebericar vodca no café de Jean-Jacques? Porque dizia chamar-se Hannah e ser judia quando vivia em Berlim? E há ainda muito mais.

Dumitru Tsepeneag, dono de um universo muito singular, é um autor que merece continuar a ser descoberto.

Infância sem limites Ana Maria Matute regressa à infância, o território onde encaixam as metáforas de uma vida inteira. Rui Lagartinho

Paraíso inabitadoAna Maria Matute (Tradução de Maria do Carmo Abreu)Editorial Planeta

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Há quase oito anos que não havia notícias de Ana Maria Matute (Barcelona, 1925). Não que os seus silêncios literários sejam uma novidade. Quem

começa a publicar romances aos 17 anos ganha o direito ao ócio ou à reflexão mais cedo.

“Paraíso Inabitado”, publicado o ano passado em Espanha e agora traduzido para português pela editorial Planeta, faz a síntese ente os dois capítulos da sua longa biografia literária. Num primeiro tempo, Matute pertence por direito próprio à geração conhecida por “Niños asombrados”, a que se fez adulta durante os anos da Guerra Civil espanhola (1936-1939). São romances filiados num realismo rural mas já dotados de uma prolífera imaginação que lhe permite desdobrar em sombras e sol cada personagem que a sua memória recria de forma poética. “Pequeño Teatro”, um dos primeiros Prémios Planeta (1954), é um exemplo dessa produção.

Passam algumas décadas e descobrimos Ana Maria Matute imersa no imaginário das fadas, duendes, bosques e respectivos cavaleiros medievais. O tijolo “Olvidado Rei Gudú” (Difel 2001) é corolário desse sonho.

Havia pois alguma expectativa sobre “Paraíso Inabitado”, escrito numa altura da vida (84 anos) que mesmo de forma involuntária é sempre de arrumações. Podemos dizer que Matute comprova com este livro a confissão feita um dia de que desconfiava que a infância dura mais que a vida inteira.

Adriana cresce numa família madrilena burguesa durante a República Espanhola da década de 30 do século passado. A casa é grande, estratificada, densa, solene de lustres, veludos e tapetes. De um deles escapa-se uma noite um unicórnio que, passado breves instante, regressa à sua moldura.

Adriana estava atenta: “Às vezes, as recordações parecem-se alguns objectos, aparentemente inúteis, pelos quais sentimos um confuso apego. Sem saber muito bem por que razão, não nos decidimos a deitá-los fora e acabam por se amontoar no fundo dessa gaveta que evitamos abrir, como se lá fôssemos encontrar alguma coisa que não desejamos, ou inclusive tememos vagamente”

A viagem do unicórnio é ponto de partida para esta longa viagem por um território geometricamente dividido e onde os “gigantes” raramente se misturam com quem

Espaço Público

O livro de Marin Gilbert, “A Segunda Guerra Mundial”, extraordinariamente bem escrito e com base em vasta documentação é de leitura obrigatória para todos, mesmo para aqueles que acham já tudo saber sobre este confl ito mundial contemporâneo.

É até uma forma de sabermos ainda melhor entender o que não poucas vezes o ser humano consegue desfazer...de tão irracional que consegue ser...Augusto Küttner de Magalhães, ex–gestor de recursos humanos, 60 anos

Se até à queda do regime de Ceausescu a obra de Tsepeneag procurava descrever a situação social e política na Roménia, no período que se lhe seguiu tem retratado a Europa e dos seus imigrantes chegados do Leste

Matute comprova com este livro a confi ssão feita um dia de que desconfi ava que a infância dura mais que a vida inteira.

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mulheres dos homens que queria matar. e elas, burras, caíam por ele e faziam por ele o que lhes pedisse. Uma velha de coração perdido é uma suicida” (pág. 134). Uma espécie de maldição sexual, amores desenfreados que levam à perdição dos “corações estragados” (o conto de Maria do Rosário Pedreira é muito semelhante, enquanto Maria Antonieta Preto opta por um quase realismo mágico bastante frouxo). José Luís Peixoto (1974) antecipa a felicidade sexual de um casal, ainda antes de ter acontecido alguma coisa, e o conto oscila entre o sentimentalismo e o engenho de um texto que é um programa que pode ou não ser cumprido. Quanto a João Tordo (1975), continua fiel à sua concepção da narrativa como jornalismo, com um português em Londres que investiga um caso de violência racista. O conto não tem nada de errado, mas lê-se e esquece-se.

A presença africana vai do trivial (o primeiro dia de aulas narrado por Ondjaki) ao desagradável (um conto revanchista de Pepetela sobre os autores angolanos exilados). Pelo que o outro ponto alto é o conto de Lídia Jorge, uma tocante descoberta do cristianismo por duas crianças. Duas crianças que não acreditam que o menino deitado nas palhinhas e o homem pregado numa cruz sejam a mesma pessoa, que não aceitam aquela cruel repetição anual de nascimento e morte, e que por isso, na sua ingenuidade, dão sumiço a uma imagem religiosa valiosa. Ao contrário do conto de Patrícia Reis, que figura directamente Deus como personagem, uma tentativa sempre condenada a um retumbante fracasso, Lídia pega numa hipotética memória infantil e, por assim dizer, salva o cristianismo de si mesmo, ou seja, destaca aquilo que nele é bondade daquilo que é sofrimento. Claro que se trata de uma ilusão infantil, mas é uma bela ideia de felicidade.

espécie de tribo assentada do outro lado das muralhas, vagamente ameaçadora, que era necessária acalmar de Natal em Natal com roupas usadas, latas de conservas e brinquedos com os quais já ninguém se divertia”.

Também no pátio vive Gavrila, o filho de uma bailarina ausente. É com ele que Adriana vai aprender a voar e a perceber o que é e quais são os limites desse mesmo amor. É como se Alice se cruzasse com Peter Pan.

“Paraíso Inabitado” é, pois, um bosque de cimento onde a recriação mágica que se pode fazer da infância não tem limites, mas de onde se tiram lições: “Podemos passar dias, mesmo anos, movendo-nos numa neblina onde quase não tomamos conhecimento do que se passa à nossa volta. Algo semelhante penso agora me aconteceu”.

Um livro que se constrói com uma prosa transparente semelhante ao cristal com que se armaram os lustres que caem do tecto em forma de aranha. Mas depois não sabemos nunca se a mesma aranha, o próprio bicho, não se cruzará connosco vinte páginas mais tarde. Se o fizer entra e sai fugaz como o unicórnio, sem deixar qualquer marca de sadismo no território que atravessou. Ou pelo menos disso não há recordação. Nem trauma. Apenas constatação de um facto.

Apostamos que Ana Maria Matute dificilmente aceitaria que um livro seu fosse um dia ilustrado por Paula Rego.

Aqui, a magia é mesmo branca.

O inexprimí-vel nada Dez autores de língua portuguesa escrevem contos sobre a felicidade. Pedro Mexia

Em Busca da Felicidade - Dez históriasVários autoresDom Quixote

mmnnn

Além de algumas panorâmicas substanciais do conto português, como as de João de Melo e Vasco Graça Moura, saíram nos últimos anos uma quantas antologias

que geralmente reúnem autores de determinada editora. A Campo das Letras e a Quasi, por exemplo, ou a Cotovia, que publicou um volume de qualidade. Quanto à Dom Quixote, casa de muitos ficcionistas portugueses, fez em 2005 uma arca

de Noé chamada 40 – Quarenta, que ia ao fundo porque entre os autores seleccionados não havia, nem de longe, quarenta escritores propriamente ditos. Esta nova antologia, “Em Busca da Felicidade”, reduz o número a dez, com resultados um nadinha mais apresentáveis.

A “felicidade” é um tema literário difícil, muito mais difícil do que a infelicidade. Se a felicidade é, para citar um poeta italiano, o “inexprimível nada”, então o conto mais interessante deste volume é o de Dulce Maria Cardoso, pequena vinheta de um casal em férias que talvez lembre Hills Like White Elephants, de Hemingway, em registo mais leve. Não se passa nada, quase nada, lazer e bom tempo, copos de vinho e discussões amáveis. A felicidade aparece como sinónimo de beleza, de beleza como estado de espírito, como plenitude, os sentidos todos lassos mas atentos. E, no entanto, surgem indícios de infelicidade, da vida dos insectos às crianças com problemas, rumores ou incidentes mínimos que turvam a felicidade ou mostram que a felicidade tem um contexto, é um parêntesis sempre ameaçado.

Um dos motivos de interesse deste “Em Busca da Felicidade” é a presença de três vencedores do Prémio Saramago, geralmente apontados como três dos mais interessantes autores novos. Nesta colectânea, valter hugo mãe (1971) é de longe o mais forte. Trata-se, como de costume, de uma história rural e visceral, neste caso sobre um homem que se envolve com mulheres casadas até as fazer viúvas, e que depois se desinteressa: “(…) passava-me pela cabeça que o mal que este queria às mulheres casadas seria mais exactamente um mal que queria aos maridos, se era destas que se ia livrando. não o comentei senão com a minha avó, que o zequelino haveria de escolher a dedo as

Liv

ros aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

O conto mais interessante deste volume é o de Dulce Maria Cardoso

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responsabilidade dela mas sim das expectativas que o triunfo improvável de “O Piano” (1993) colocaram nos ombros de uma cineasta que segue uma musa muito pessoal e ainda mais peculiar. De tal modo que os olhares mais mercantilistas olharam para “Retrato de uma Senhora” (1996), “Fumo Sagrado” (1999) e “Atracção Perigosa” (2003) como “suicídio comercial” a longo prazo – esquecendo o modo como cada um desses três filmes se inscrevia com naturalidade no percurso de uma realizadora mais atenta às correntes subterrâneas das suas personagens do que à recepção comercial de filmes que não foram pensados para serem “blockbusters”.

Isto tudo para dizer que, como é habitual em Campion, “Estrela Cintilante”, primeiro grande (que dizemos? Grandíssimo, extraordinário) filme que estreia em 2010, vai começar por ser visto como uma daquelas biografias históricas muito britânicas de irrepreensível reconstituição de época. Ou não contasse a história verídica (mas livremente romanceada por Campion a partir da pesquisa realizada por Andrew Motion, biógrafo do poeta) do romance entre John Keats, um dos grandes poetas românticos do princípio do século XIX, e Fanny Brawne, a sua jovem e arrebatada vizinha. Romântico é a palavra certa para descrever o amor de Keats e Fanny, noivado que a morte prematura do poeta impediu de consumar, mas se à superfície o filme cumpre muitas das figuras obrigatórias do género, um simples olhar por baixo do tapete descobre mais um daqueles “retratos de senhora” em que a realizadora é perita – uma mulher imperiosa e insegura ao mesmo tempo, à frente

do seu tempo, moderna, determinada. A Fanny de Abbie Cornish é uma jovem que pode não ter verdadeiramente experiência de vida, mas entrevê nas palavras que Keats escreve a possibilidade de uma emoção de tal modo transcendente que raia o sagrado.

E é disso que “Estrela Cintilante” fala: do poder quase sagrado da palavra (escrita ou falada) para nos abrir portas, caminhos, janelas que nos mostram quem somos, quem podemos ser, quem queremos ser; da palavra poética como ponte espiritual entre as pessoas; do amor como experiência sensorial de uma transcendência inexplicável mas que, em condições ideias de temperatura e pressão, consegue ser traduzida em palavras. E, para melhor o traduzir para os seus espectadores, Campion filma tudo isto no âmbito de um peculiar triângulo amoroso (o terceiro vértice é Charles Brown, amigo, anfitrião e auto-nomeado protector de Keats com quem Fanny se pega desde o primeiro encontro), como se fosse um idílio pastoral literalmente de

câmara que a saúde frágil de Keats confina a salas, salões, quartos. A natureza, em “Estrela Cintilante” é uma Natureza idealizada, que Keats regista na sua memória num dos espaçados planos de exteriores do filme e depois reconstitui na sua poesia ornamentada à qual a voz de Ben Whishaw dá uma vida extraordinária (à atenção da distribuidora: é inexplicável e lamentável que o poema lido por Whishaw ao longo do genérico final não esteja legendado).

Retrato assombroso de um romance moderno antes do seu tempo, “Estrela Cintilante” é um poema em cinema. E o primeiro grande filme de 2010.

O dia do desesperoO filme que John Hillcoat tirou do romance de Cormac McCarthy é uma viagem sem regresso a um mundo pós-apocalíptico onde a humanidade enfrenta o fim da esperança. Jorge Mourinha

A EstradaThe RoadDe John Hillcoat, com Viggo Mortensen, Kodi Smit-McPhee, Robert Duvall. M/16

MMMMn

Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 16h20, 18h50, 21h50 6ª 16h20, 18h50, 21h50, 00h10 Sábado 13h30, 16h20, 18h50, 21h50, 00h10 Domingo 13h30, 16h20, 18h50, 21h50; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h20, 18h10, 21h40, 00h10; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 5: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h, 18h30, 21h40, 24h Sábado Domingo 11h30, 13h45, 16h, 18h30, 21h40, 24h; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 7: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h30, 18h55, 21h45, 00h05 Sábado Domingo 11h45, 14h05, 16h30, 18h55, 21h45, 00h05; Medeia Saldanha Residence: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 5: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h05, 21h55,

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Cin

ema

Estreiam

A defesa do poetaO novo filme de Jane Campion finta todas as expectativas do filme de época para contar uma arrebatada paixão moderna despoletada pelo poder da palavra. Jorge Mourinha

Estrela CintilanteBright StarDe Jane Campion, com Paul Schneider, Thomas Sangster, Abbie Cornish, Kerry Fox. M/12

MMMMn

Lisboa: Castello Lopes - Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h20, 19h, 21h25, 23h50; Medeia Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h40, 19h15, 21h45, 00h15 Domingo 11h30, 14h05, 16h40, 19h15, 21h45, 00h15; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h20, 21h20, 24h; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h40, 21h35, 00h20; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h30, 20h55, 23h45;

Porto: Arrábida 20: Sala 14: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h05, 16h45, 19h25, 22h10, 00h55 3ª 4ª 16h45, 19h25, 22h10, 00h55; Medeia Cidade do Porto: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h40; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 18h, 21h10, 00h10;

Um filme de sucesso pode fazer muito mal a um realizador que não lhe está habituado – no caso da neo-zelandesa Jane Campion, o problema não é tanto

Espaço Público

“Where The Wild Things Are” é um fi lme para crianças pouco convencional e bastante deslocado. Esqueçam a varinha do Harry Potter ou as crónicas semanais da Narnia, aqui navegamos por territórios estranhos ao cinema infanto-juvenil do costume numa

honestidade desarmante no que diz respeito à infância e ao que julgamos poder vir a ser o mundo, reis e senhores de um universo que é perfeito até medirmos forças com a realidade. Está tudo lá: a irreverência, o medo, a descoberta, a desilusão, num retrato descomprometido

mas incisivo sobre os fantasmas que percorrem a infância. 8 monstros em 10.Pedro Miguel Silva, 36 anos, Técnico de ComunicaçãoBlogue: http:/fusco-lusco.blogspot.com

“Estrela Cintilante” fala: do poder quase sagrado da palavra (escrita ou falada) para nos abrir portas, caminhos, janelas que nos mostram quem somos, quem podemos ser, quem queremos ser

O apocalipse tem sido recorrente no cinema recente, mas o que Hillcoat faz ultrapassa a fancaria digital de Emmerich ou até a visão da metrópole abandonada do “Ensaio Sobre a Cegueira” de Meirelles

iguel Silva, 36 cnico de

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série ípsilon II

Sexta-feira,dia 15 de Janeiro,o DVD “Juno”,de Jason Reitman.

Todas as sextas,

por €1,95.20anos

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40 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon

00h25 Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 19h05, 21h55, 00h25; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h25, 19h, 21h50, 00h25; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h20, 18h50, 21h40, 00h15; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h25, 18h, 21h15, 23h50; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 3: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h50, 22h, 00h40 Sábado Domingo 12h40, 15h20, 18h50, 22h, 00h40; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h15, 18h, 21h45, 00h25;

Porto: Arrábida 20: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h05, 16h45, 19h25, 22h10, 00h45 3ª 4ª 16h45, 19h25, 22h10, 00h45; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h40, 21h30, 00h10 ; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h30, 19h10, 21h40, 00h20 ; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h20, 19h10, 22h, 00h40; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h10, 18h50, 21h40, 00h25; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h15, 19h, 21h45 6ª Sábado 13h30, 16h15, 19h, 21h45, 00h30;

Enquanto víamos “A Estrada”, demos por nós a pensar que o filme de John Hillcoat apenas vai ter uma fracção infinitesimal dos espectadores que assistiram à super-produção de Roland Emmerich “2012”. Vai de si: as pessoas hão-de sempre preferir um apocalipse que “encha o olho”, cheio de milagres tecnológicos que salvam o futuro da humanidade à última hora, do que um que nos recorde como a nossa existência na Terra é frágil, à mercê dos elementos e, apesar de toda a esperança, sem salvação garantida.

O apocalipse tem sido assunto recorrente no cinema recente, mas o que Hillcoat faz a partir do romance de Cormac McCarthy ultrapassa a fancaria digital de Emmerich ou até a perturbante visão da metrópole abandonada do “Ensaio Sobre a Cegueira” de Fernando Meirelles. O mundo destruído, moribundo, angustiantemente plausível de “A Estrada” é um daqueles “milagres” que ainda só o cinema consegue criar – um equivalente invertido, cinzento e “flat”, da demiurgia Cameroniana de “Avatar”.

Não é, no entanto, nessa oposição fácil e gratuita do filme inane de grande espectáculo ao filme intimista de prestígio que reside o discreto triunfo de “A Estrada”. Nem no facto do australiano Hillcoat (que apenas conhecemos entre nós do western dos Antípodas “Escolha Mortal”, 2005) e do argumentista inglês Joe Penhall terem conseguido adaptar o supostamente inadaptável romance de McCarthy, transcendendo uma pós-produção complicada que viu a estreia do filme, rodado em 2008, atrasada de quase um ano.

Esses factores ajudam, claro, e não é pouco – a par de uma impecável produção artística e técnica (a fotografia cinzenta, dessaturada de Javier Aguirresarobe, o design de produção meticuloso de Chris Kennedy), a par das interpretações assombrosas de Viggo Mortensen e do estreante australiano Kodi Smit-

McPhee no papel do pai e do filho que percorrem uma América pós-apocalíptica em busca de uma quimera que talvez já não exista. Mas o verdadeiro triunfo de “A Estrada” é no modo como Hillcoat articula todos esses elementos numa visão angustiante, aterradora, incomodativa, de um mundo morto e sem esperança, onde a humanidade está reduzida a uma selvajaria animal e impiedosa, a uma sobrevivência primal. Onde um homem e um menino procuram, quase como D. Quixote investindo contra os moinhos, manter viva a chama de uma civilização, por mais trémula que ela seja, no mais absoluto negrume.

Hillcoat faz deste mundo perdido em que nos mergulha impiedosamente o palco improvável de uma meditação sobre a herança, a transmissão, a esperança. Inverte de modo hábil as coordenadas habituais do cinema de género e da ficção apocalíptica para as reduzir a um mero esqueleto, amputado de heroísmos e fantasias, do qual apenas resta um instinto tribal de sobrevivência confrontado com um mundo onde todas as referências e padrões desapareceram para talvez nunca mais regressarem e onde o desespero e a morte são perseguidores incansáveis. Talvez haja mais de super-herói neste pai que teima em sobreviver no que em todas as fitas de super-heróis jamais feitas (e não é inteiramente casual que seja Viggo Mortensen, consagrado pelo heróico Aragorn do “Senhor dos Anéis”, a entregar-se-lhe com esta paixão). O que reside no fim da estrada que Hillcoat desenha não sabemos, tal como não sabemos o que causou o apocalipse que destruiu a civilização; o que sabemos é que a viagem em que ele nos leva exige um estômago forte (espíritos frágeis, abstenham-se) e nos devolve à realidade singularmente impressionados.

Marretas no sótão

O Sítio das Coisas SelvagensWhere the Wild Things AreDe Spike Jonze, com Catherine Keener, Max Records, Mark Ruffalo. M/12

MMnnn

Lisboa: CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 6: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30, 23h30 Sábado Domingo 11h35, 13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30, 23h30; Medeia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h40, 00h15; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 13: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h30, 16h45, 19h15, 21h30, 23h50 Domingo 11h30, 14h30, 16h45, 19h15, 21h30, 23h50; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 19h, 21h50, 00h10; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h10, 18h40, 21h25, 23h50; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h, 18h35, 21h15, 23h50; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h25, 17h50, 21h50, 00h20;

Porto: Arrábida 20: Sala 13: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h20, 16h35, 18h55, 21h30, 00h10 3ª 4ª 16h35, 18h55, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 19h, 21h50, 00h25;

Spike Jonze, até nos telediscos (alguns nada maus), tem um interesse particular por neuroses e outros macaquinhos no sótão (“Being John Malkovich”, “Adaptation”). Não é, portanto, razão para grande surpresa que agora apareça com esta fábula levemente freudiana, feita de tristeza, raiva, uns pozinhos de Édipo e toda aquela “quirkiness” (falta-nos melhor palavra em português), aliás já a caminho de se tornar um bocado irritante, característica dos filmes dele, dos de Charlie Kaufman, e doutros que andam por essa órbita. “O Sítio das Coisas Selvagens” diz que está tudo na mente; e se na mente está tudo o que entristece e enfurece, que se encontre na mente o remédio. É a moral da história, aparentemente fiel à do livro adaptado pelo argumento, espécie de “clássico moderno” da literatura infantil americana, da autoria de Maurice Sendak, e publicado nos anos 60 (um bocadinho de investigação rapidamente nos deixa mais curiosos com o livro do que interessados no filme de Jonze).

Reduzida ao esqueleto, a intriga tem a limpidez de qualquer fábula. Um miudo zanga-se com a irmã, com a mãe, com o namorado da mãe, e no cúmulo da raiva abre-se-lhe uma porta mental qualquer que o conduz a um mundo imaginário, povoado por criaturas vagamente parecidas com bois, cães e outros animais, e mais ainda com os Marretas (o que não é de estranhar, porque as criaturas foram feitas pela Jim Henson Creature Shop).

Depois dos quipróquós iniciais os bois e os cães (que têm vozes famosas: James Gandolfini, Forest

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Cin

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Sorry, Spike, das outras vezes funcionou um

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uma dimensão operática, que confere relativa força a um argumento recheado de boas intenções, embora mal construído e com diálogos inacreditáveis: uma viúva que escapara à terra dos seus antepassados, algures nos Balcãs (o filme foi rodado na Transilvânia, mas parte de um romance de Ismael Kadaré, ambientado na sua Albânia natal), na companhia dos três filhos, regressa dez anos depois para um casamento de família e vê-se confrontada com todo o tipo de animosidades, acabando por sossobrar a um ambiente hostil que desencadeia a “tragédia” no meio de um conflito pela terra e pelo direito à “vendetta”.

No entanto, com orçamento reduzido, numa produção de Paulo Branco, a actriz-realizadora debate-se com inúmeros problemas resultantes da inexperiência, mas também do facto de contar com elevado número de personagens, cenas de acção com lobos e cavalos, tudo a escapar-lhe por entre os dedos, sem conseguir soluções satisfatórias para evitar uma sensação de involuntário improviso e de desconchavo narrativo. Se a paisagem desolada ainda funciona,

Whitaker, Chris Cooper) tratam o miudo nas palminhas, aclamam-no como o “Rei” (o “rei” que ele gostava de ser em casa, naturalmente). Finalmente, o miudo farta-se de tanto mimo, ou lembra-se que não há amor como o amor de mãe.

Causa um certo efeito, durante algum tempo. A aposta é confrontar uma psique infantil, no que ela tem de mais definido, com a estranheza desconexa do universo das criaturas, que é uma representação enviesada de uma mistura de sentimentos (a tristeza, a raiva, o amor, o despeito) e de uma teia de relações, complicadas e incompletamente explicadas, que por sua vez está no lugar do “mundo dos adultos”.

A cena da chegada à ilha (é duma ilha que se trata) é francamente boa: há ali uma violência vinda do nada (as criaturas andam a destruir casas, ou lá o que é), uma reformulação dos clássicos “ogres” ou clássicas “fadas” (todos têm um pouco das duas coisas), que figura bem o choque, o “choque mental”. A gravidade e a dicção perfeita com que a bicharada diz os seus diálogos - absurdos, neuróticos, angustiados - cria uma sensação de estranheza que tanto atrai como repele (certas cenas são um bocado “Beckett com peluches”). Depois começa a cansar, a tornar-se demasiado óbvio (as rimas, as frases que aludem à “vida real” do miudo) como alegoria terapêutica, e ao mesmo tempo demasiado aleatório (caminhada para aqui, caminhada para ali, mas progressivamente mais mole e mais esgotado).

O miudo é bom (chama-se Max Records), as vozes são boas (Cooper e Gandolfini, sobretudo), mas rapidamente se percebe que se Jonze tem um “projecto melancólico” não desprovido de originalidade e poder de sedução,

esse projecto está condenado ao semi-fracasso (sejamos positivos: ao sucesso relativo!), à míngua de um talento que dê para mais do que diálogos estrambólicos e uma meia-dúzia de, chamemos-lhes assim, “ideias de visual”. Sorry, Spike, das outras vezes funcionou um bocadinho melhor. E as canções de Karen O (dos Yeah Yeah Yeahs), em modo gata a miar (é a “melancolia”, a “tristeza”), que encharcam a banda sonora, não ajudam muito. Luís Miguel Oliveira

Cinzentas bodas de sangue

Cinzas e SangueCendres et sangDe Fanny Ardant, com Ronit Elkabetz, Abraham Belaga, Marc Ruchmann. M/12

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Lisboa: Medeia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h 6ª Sábado 2ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 00h30;

Porto: Medeia Cine Estúdio do Teatro Campo Alegre: Cine-Estúdio: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 18h30, 22h;

A passagem de um actor para o outro lado das câmaras é uma tentação cujos resultados nem sempre correspondem ao carisma evidenciado em filmes de outrem. O caso de Fanny Ardant, com carreira prestigiosa desde os tempos em que funcionou como musa das últimas obras de François Truffaut até à participação bastante criteriosa em películas internacionais, não constitui excepção: “Cinzas e Sangue” parece revestir-se de uma certa força trágica, revelando cicatrizes abertas na memória colectiva de uma sociedade ancestral, dá boas indicações quanto à construção de personagens, sobretudo no início,

tom impiedoso dos “Short Cuts” de Altman a partir de Carver e os momentos mais fantasiosos da velhinha “Quinta Dimensão” a meio termo entre o trivial e o desconcertante, pacientemente filmado em “stop-motion” (a técnica de animação usada pela Aardman na série “Wallace e Gromit”). O melhor elogio que se pode fazer ao filme da israelita radicada em Nova Iorque Tatia Rosenthal, meditação triste mas esperançosa sobre a solidão e o isolamento pontuada por um humor escuro de tão seco, é que ao fim de pouco tempo nos esquecemos de que estamos a ver uma animação para nos deixarmos embalar pela inteligência do guião e pela elegância com que Rosenthal transforma estes bonecos mal acabados em gente de carne e osso. E, no entanto, é-nos difícil acreditar que este filme pudesse existir em imagem real. Na sua recusa terminante das gavetas, “$9.99” é uma pequena surpresa que merecia outra atenção. J. M.

Continuam

Um ProfetaUn prophèteDe Jacques Audiard, com Tahar Rahim, Niels Arestrup, Adel Bencherif.

MMMMn

Lisboa: Medeia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h45, 18h15, 21h30 6ª Sábado 2ª 14h45, 18h15, 21h30, 00h20; Medeia Saldanha Residence: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h40, 18h35, 21h30, 00h20; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 7: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 15h, 18h05, 21h20, 00h20 Domingo 11h30, 15h, 18h05, 21h20, 00h20; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 20h50, 23h50;

Porto: Arrábida 20: Sala 17: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h15, 17h40, 21h15, 00h35 3ª 4ª 17h40, 21h15, 00h35; Medeia Cidade do Porto: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h45, 18h15, 21h30;

Moldado no filme de gangsters e no clássico filme de prisão, “Um Profeta” faz implodir todas as regras e códigos, mais interessado numa espécie de realismo ontológico que questiona as próprias formas fílmicas. O que a câmara de Jacques Audiard faz é percorrer os corpos e os espaços, procurando a iconografia do mundo moderno e desmitificando as razões da violência que estala em cada plano. Por isso, se permanece atento ao mundo mafioso que retrata, não tem contemplações ao focar um ambiente claustrofóbico, sem embelezamentos, mas de um modo poético. Desde os tempos de Gabin com Carné e os irmãos Prévert que o cinema francês não evidenciava esta força, esta pujança maléfica, embora vulnerável e comovente, dando ao protagonista um misto de representação crística e de anjo exterminador. M.J.T.

mas não supera os “vícios” de uma primeira obra – o querer falar de tudo, uma ambição desmedida de ritualizar gestos e relações, sem domínio da linguagem, que corresponde à intensidade anímica do projecto, nem da montagem, confusa e aleatória.

Até existe, por vezes, nesta história de vingança e morte uma interessante vontade de construir

graças ao atmosférico trabalho fotográfico de Gerard De Battista, toda a guerra de clãs soa a falso. Os actores desconhecidos bem se esforçam por “fazer das tripas coração”, mas aparecem perdidos numa ficção de que não entendem bem as implicações, como estátuas hirtas e impotentes ou, no caso da protagonista, a israelita, Ronit Elkabetz, a adoptar um “overacting”

insuportável. O facto de Ardant ter optado por um não-tempo e não-espaço também ajuda pouco: nem realista, nem mítico, o filme arrasta-se numa lentidão sem sentido, entre olhares vazios e figuras de negro vestidas, a fingir um “Lorca balcânico” (tragédia grega nem sonhar) com mais sinais exteriores do que nervo.

Preferimos a Fanny Ardant, ardente actriz de outras “aventuras” mais afortunadas. Mário Jorge Torres

$9.99De Tatia Rosenthal, com Joel Edgerton (Voz), Geoffrey Rush (Voz), Anthony Lapaglia (Voz).

MMMnn

Lisboa: CinemaCity Classic Alvalade: Sala 4: 5ª 2ª 3ª 4ª 13h45, 15h30, 17h10, 19h, 21h35 6ª 13h45, 15h30, 17h10, 19h, 21h35, 23h30 Sábado 11h30, 13h45, 15h30, 17h10, 19h, 21h35, 23h30 Domingo 11h30, 13h45, 15h30, 17h10, 19h, 21h35;

2010 começa com um daqueles OVNIs de que o espectador incauto não se recompõe facilmente: uma animação para adultos baseada nos contos surreais do escritor israelita Etgar Keret, cruzamento entre o

Jorge Mourinha

Luís M. Oliveira

Mário J. Torres

Vasco Câmara

Avatar mmmnn mnnnn mmnnn mmnnn

Cinzas e Sangue mmnnn nnnnn mnnnn nnnnn

Deixa Chover mmmnn mmnnn nnnnn nnnnn

Depois das Aulas mmmmn mmmmn mmmmn mmmmm

Estrela Cintilante mmmmn nnnnn nnnnn mmmnn

A Estrada mmmmn nnnnn nnnnn mnnnn

$9.99 mmmmn nnnnn nnnnn nnnnn

Sherlock Holmes mmnnn nnnnn mmnnn nnnnn

O Sítio das Coisas Selvagens mmmnn mmnnn nnnnn mmnnn

Um Profeta mmmmn mmmmn mmmmn mmmmn

As estrelas do público

ou um bocadinho melhor

Para quem leva o riso bem a sério e se aplica na boa disposição, a Jameson preparou um conjunto de festas verdadeiramente divertidas.Entre num caso sério de gosto pela vida. Há poucas oportunidades assim.

www.jameson.pt

Seja responsável. Beba com moderação.

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De François TruffautEdição: Valentim de Carvalho / MK2

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Extras

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Antoine Doinel foi a mais recorrente personagem de François Truffaut. Não se tratava propriamente de um “alter ego” ou de um “duplo”, mas ao mesmo

tempo não deixava de o ser. Alguém em quem se Truffaut se projectava, muito ou pouco conforme as circunstâncias, mas também “amigo imaginário”, ou um “filho” de

existência apenas cinematográfica. Em que também conta, e

muito, o facto de o

intérprete de Doinel ter sido sempre esse “ex-libris” de Truffaut em particular e da “nouvelle vague” em geral, Jean-Pierre Léaud: Truffaut nunca disse “Doinel, c’est moi”, mas esteve quase a dizer “Doinel, c’est Léaud”, e entre o que é “moi” e o que é “Léaud”, como se imiscuem e como se cindem, se joga muita da singularidade da série centrada na personagem de Antoine Doinel.

Quatro longas-metragens e uma curta (“Antoine e Colette”), realizadas num período de vinte anos (entre 1959 e 1979), retratando diferentes etapas da vida (sentimental, sobretudo) da personagem de Doinel. A adolescência (“Os Quatrocentos Golpes”, 1959); as paixonetas ainda adolescentes (“Antoine et Colette”, 1962); a descoberta do amor adulto (“Beijos Roubados”, 1968”); o casamento (“Domicílio Conjugal”, 1970); e a ruptura (“Amor em Fuga”, 1979). Vemo-la hoje como uma série fechada, mas Truffaut tinha planos para continuar as “aventuras” de Doinel enquanto continuasse a realizar filmes. Só que morreu prematuramente em 1984, cinco anos depois de “Amor em Fuga”, e a vida sentimental de Antoine Doinel ficou interrompida no momento da “ruptura”, quando tinha, contando pela idade de Léaud nessa altura, uns meros 35 anos.

Evidentemente, se há elementos autobiográficos disseminados por estes filmes, isso não faz deles mais “pessoais” ou “confessionais” do que a maior parte da outra vintena de filmes realizada por Truffaut – o seu “testamento”, biográfico, intelectual, poético, está espalhado por toda a sua obra, de resto abundante em rimas, jogos de espelhos, e “fintas” na relação com a vida pessoal (foi a esse pretexto que se deu a zanga definitiva entre ele e Godard, nos anos 70). Que essas rimas, que existem dentro dos “filmes Doinel”, facilmente se abrem para fora deles provam-no os “flash backs” de “Amor em Fuga”, onde pelo menos uma cena é recuperada (e “desviada”) da “Noite Americana”.

Mas nada disto obsta à pertinência de uma edição como esta, que reúne todos os “filme Doinel” e dá consistência efectiva a uma ideia de “série”. Potencia, além do mais, uma das suas

características principais, um sentimento crescente de familiaridade que não anda longe de recuperar uma lógica folhetinesca. Com elipses e buracos, no que é outra característica da série acentuada pela visão de conjunto, até porque a cada reencontro os actores estão mais velhos, Paris está um pouco diferente, a própria imagem, no sentido mais material do termo, tem

qualidades diferentes, no limite o próprio cinema de Truffaut vai mudando. “As aventuras de Antoine Doinel” também são vinte anos revistos elipticamente, numa crónica pontual que funciona a vários níveis – e onde o mais impressionante e o mais comovente é mesmo o crescimento e amadurecimento de Léaud entre a adolescência dos “Quatrocentos Golpes” e a idade de homem feito por altura do “Amor em Fuga”. A maneira como Léaud habita estes filmes ajuda a perceber a que se referia Truffaut quando dizia que Doinel foi ficando “cada vez mais Léaud e cada vez menos Truffaut” – a um nível não especialmente rebuscado, é quase uma “co-autoria” (e isto sem falar da lindíssima Claude Jade, por quem, num efeito autobiográfico “ao contrário”, Truffaut se teria apaixonado, já depois de a ter escolhido para ser a paixão do seu “duplo”…).

Para além dos cinco títulos da série Doinel, apresentados em quatro discos, a edição inclui um bónus, “Os Putos” (“Les Mistons”), uma curta feita por Truffaut em 1957. Está muito bem assim como está, mas fica-se com vontade de mais um bonuszitos, uns elementos para contexto, umas surpresas…

Ele e elaUm fi lme notável sobre uma relação dilacerada surge numa boa edição em DVD que contextualiza um projecto onde tudo podia ter corrido mal mas tudo correu pelo melhor. Jorge Mourinha

Quem Tem Medo De Virginia Woolf?Who’s Afraid of Virginia Woolf?de Mike Nichols, com Elizabeth Taylor, Richard Burton, George SegalWarner Home Video, distribuição Zon Lusomundo

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Extras

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Imagine-se um jovem realizador a quem “sai na rifa” dirigir, logo à primeira longa, o casal de estrelas de cinema mais badalado da época, e receber a

imprensa de todo o mundo logo no primeiro dia de filmagens. Imagine-se, em seguida, que esse filme

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

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Cinema

Vida paralelaTruff aut nunca disse “Doinel, c’est moi”, mas esteve quase a dizer “Doinel, c’est Léaud”, e entre o que é “moi” e o que é “Léaud” se joga muita da singularidade da série centrada na personagem de Antoine Doinel. Luís Miguel Oliveira

As Aventuras de Antoine Doinel: Os Quatrocentos Golpes; Antonoie e Coette; Beijos Roubados; Domicílio Conjugal; Amor em fuga

existência apenas cinematográfica. Em que também conta, e

muito, o facto de o

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Truff aut e Jean-Pierre Léadu por alturas de “Amor em Fuga”, que seria o fi nal da série iniciada com “Os Quatrocentos Golpes” (em cima)

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adapta ao cinema uma peça que é tudo menos um produto óbvio para o “star system” que ainda é o centro da produção hollywoodiana, e que o faz sem cedências ao convencionalismo ou ao conservadorismo dominantes.

Isto tudo para explicar que “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?”, êxito de bilheteira aclamado pela crítica, nomeado para treze Oscares da Academia e vencedor de cinco, é uma espécie de milagre: um filme notável onde tudo podia ter corrido mal (a começar pela reunião no écrã do tumultuoso casal Elizabeth Taylor/Richard Burton) mas onde tudo correu improvavelmente pelo melhor. O próprio Mike Nichols admite isso no comentário audio: “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?” foi uma “operação de guerrilha” no interior do sistema cada vez mais desagregado dos estúdios. Numa espécie de “prenúncio” da vaga de jovem cinema americano que começaria a desabrochar no ano seguinte com “Bonnie e Clyde”, as circunstâncias conspiraram para um resultado final que conseguia ser inovador para o habitual da produção Hollywoodiana sem trair a crueza do material de origem nem destoar nas fachadas das salas populares.

A peça de Edward Albee, estreada em 1962, encena um “jeu de massacre” à volta de um casamento dilacerado no espaço de uma noite. George, professor de história, e a sua mulher Martha, filha do presidente da universidade, recebem um casal recém-chegado que se torna testemunha e participante dos jogos psicológicos que George e Martha mantêm permanentemente, onde a verdade e a ficção estão constantemente a trocar de fronteiras e a humilhação verbal é a palavra de ordem. Viagem alucinante e claustrofóbica aos abismos de uma relação onde o amor e o ódio se cruzaram até já não se conseguirem distinguir, a peça foi bem servida por uma adaptação cinematográfica que manteve intacta a estrutura, construção e diálogos originais mas, segundo Nichols, “preencheu os vazios que não se podiam ver em palco”.

Nichols ainda não era então o cineasta de “A Primeira Noite”, “Iniciação Carnal”, “Anjos na América” ou “Perto Demais” – era apenas um homem do teatro que dava com “Virginia Woolf” os primeiros passos no cinema parecendo compreender instintivamente o que diferenciava ambas as artes. A reprodução intacta do ambiente claustrofóbico da peça, com apenas quatro papéis principais, é feita através de uma alternância entre takes longos e cortes rápidos, grandes planos quase invasivos e composições de

conjunto impecavelmente geridas, desorientando a espaços o espectador com câmaras ao ombro e zooms velozes. Mas os truques visuais nunca distraem do essencial – são as performances uniformemente extraordinárias dos actores que transportam o filme, e se foram Elizabeth Taylor e Sandy Dennis que levaram os Óscares para casa, seria escandaloso não mencionar as interpretações igualmente assombrosas de Richard Burton e George Segal.

Este bom duplo DVD (idêntico à edição americana de 2006 coincidente com o 40º aniversário da estreia) contextualiza sagazmente o filme e faz interessantíssimas revelações históricas. A peça fora comprada por Jack Warner para Bette Davis e James Mason; Nichols foi contratado a pedido expresso de Taylor (o realizador originalmente escalado era John Frankenheimer); a fotografia a preto e branco foi imposta por Nichols contra a vontade de Warner, essencialmente para permitir a Taylor, muito mais jovem que a sua personagem, ser credível no papel.

O principal extra é o excelente comentário audio de Mike Nichols, conduzido por Steven Soderbergh, fascinante contextualização da produção do filme; acompanha-no um outro comentário, mais técnico e bem menos interessante, do director de fotografia Haskell Wexler (igualmente vencedor do Óscar pelo seu trabalho no filme). Wexler surge também, a par do crítico Richard Schickel, de Edward Albee e de Bobbie O’Steen, viúva do montador Sam O’Steen, em dois curtos documentários (30 minutos no total) que contextualizam a importância do filme no seu tempo: quer em termos técnicos (graças à utilização da câmara à mão e da sobreposição de diálogos na montagem de som, técnicas inéditas em Hollywood), quer em termos socioculturais (foi um dos primeiros filmes “adultos” estreados pelos grandes estúdios, antecipando de poucos meses a entrada em vigor da classificação etária que ainda hoje existe).

O leque de extras completa-se com um curioso documentário televisivo de 1975 sobre Elizabeth Taylor, com declarações de colegas de trabalho como Rock Hudson e Roddy MacDowall e realizadores como Richard Brooks e Vincente Minnelli, onde a hagiografia hollywoodiana abre algumas brechas incautas muito interessantes; fragmentos de uma entrevista televisiva de Mike Nichols realizada pouco depois da estreia; o trailer de época e o teste de câmara de Sandy Dennis. À excepção, como seria de esperar, dos comentários audio, todo o material adicional está legendado.

A fotografi a a preto e branco foi imposta por Nichols, contra a vontade de Warner, para permitir a Taylor, muito mais jovem que a sua personagem, ser credível no papel

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Colecção Série Ípsilon IINo ano em que completa 20 anos, é o PÚBLICO quem oferece presentes aos seus lei-tores. A colecção Série Ípsilon II reúne 20 dos filmes mais aplaudidos pela crítica e premiados internacionalmente. Uma oportunidade única de ver ou rever pelícu-las de Lars Von Trier, Roman Polanski, Milos Forman, Jean Pierre e Luc Dardenne ou Jacques Tati. A melhor selecção de cinema, com o selo de garantia do suplemen-to Ípsilon. Todas as sextas-feiras, com o PÚBLICO, por apenas mais 1,95 euros

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Juno

Control As Confissões de Schmidt

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no

s

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20 Filmes Premiados

1958 – O Meu TioPalma de Ouro e Prémio Especial do Júri no Festival de Cannes – Jacques Tati

1979 – Tess Óscar para Melhor Fotografia – Geoffrey Unsworth e Ghislain CloquetÓscar para Melhor Guarda-roupa – Anthony PowellÓscar para Melhor Cenografia – Pierre Guffroy e Jack StephensCésar para Melhor Realizador – Roman PolanskiCésar para Melhor Filme – Roman PolanskiGlobo de Ouro para Melhor Filme Estrangeiro – Roman PolanskiGlobo de Ouro para Actriz Revelação do Ano – Nastassja Kinski

1989 – Valmont César para Melhor Guarda-Roupa – Theodor PistekCésar para Melhor Desenho de Produção – Pierre Guffroy

1991 – EuropaPrémio do Júri no Festival de Cannes – Lars Von TrierGrande Prémio Técnico no Festival de Cannes – Lars Von Trier

1998 – Os Últimos Dias Óscar para Melhor Documentário – James Moll e Ken Lipper

2002 – A Intervenção DivinaPrémio do Júri no Festival de Cannes – Elia SuleimanPrémio FIPRESCI no Festival de Cannes – Elia Suleiman

2002 – As Confissões de SchimdtGlobo de Ouro para Melhor Actor em Filme Dramático – Jack Nicholson Globo de Ouro para Melhor Argumento – Alexander Payne e Jim Taylor

2002 – 24 Hour Party PeoplePrémio para Melhor Produção nos British Independent Film Awards

2002 – As Irmãs de Maria MagdalenaLeão de Ouro no Festival de Veneza – Peter Mullan

2003 – A EstaçãoBFATA para Melhor Argumento Original – Thomas McCarthyPrémio do Público no Festival de Sundance – Thomas McCarthyPrémio para Melhor Actriz em Filme Dramático no Festival de Sundance – Patricia ClarksonPrémio Waldo Salt para Melhor Argumento no Festival de Sundance – Thomas McCarthy

2004 – A EsquivaCésar para Melhor Filme – Abdellatif Kechiche e Jacques OuanicheCésar para Melhor Realizador – Abdellatif KechicheCésar para Melhor Argumento – Abdellatif Kechiche e Ghalia LacroixCésar para Melhor Jovem Actriz – Sara Forestier

2004 – Terra da AbundânciaPrémio UNESCO no Festival de Veneza – Wim Wenders

2004 – Mysterious SkinPrémio do Júri no Bergen International Film Festival – Gregg Araki

2004 – O Céu GiraPrémio para Melhor Documentário no Buenos Aires International Festival of Independent Cinema – Mercedes ÁlvarezPrémio Tiger no Festival Internacional de Cinema de Roterdão – Mercedes Álvarez

2005 – A CriançaPalma de Ouro no Festival de Cannes – Jean-Pierre e Luc Dardenne

2006 – ClimasPrémio FIPRESCI no Festival de Cannes – Nuri Bilge Ceylan

2007 – O Escafandro e a BorboletaBAFTA para Melhor Argumento Adaptado – Ronald HarwoodPrémio para Melhor Realizador no Festival de Cannes – Julian SchnabelCésar para Melhor Actor – Mathieu AmalricCésar para Melhor Montagem – Juliette WelflingGlobo de Ouro para Melhor Filme

EstrangeiroGlobo de Ouro para Melhor Realizador – Julian Schnabel

2007 – Juno Óscar para Melhor Argumento Original – Diablo CodyBAFTA para Melhor Argumento Original – Diablo CodyPrémio Satellite para Melhor Actriz em Musical ou Comédia – Ellen Page

2007 – ControlPrémio Carl Foreman para Actor Mais Promissor nos BAFTA Awards – Matt GreenhalghPrémio para Melhor Filme nos Independent Film AwardsPrémio para Melhor Realizador nos Independent Film Awards – Anton CorbjinPrémio para Melhor Actor Secundário – Toby KebbellPrémio Jovem Olhar no Festival de Cannes – Anton Corbjin

2007 – 2 Dias em Paris Prémio Coup de Coeur no Mons International Festival of Love Films – Julie Delpy

a Quando entramos numa sala de cinema, experienciamos novas vidas, novos mundos, novos tempos. As hipóteses são infi nitas – desde o drama de uma adolescente que engravida nos anos 2000 à recriação cómica da efervescência musical no Reino Unido na década de 1970. Por vezes, somos conduzidos pelo olhar de grandes mestres, como Roman Polanski, Jacques Tati ou Lars von Trier. Noutras ocasiões, é a primeira tentativa cinematográfi ca de um realizador que nos surpreende. Em comum, apenas a capacidade de pôr em movimento realidades mais ou menos distantes, com personagens que nos convidam a percorrer os seus dias.

É o caso, por exemplo, de Warren Schmidt, interpretado pelo oscarizado Jack Nicholson em As Confissões de Schmidt (2002). Quando fi nalmente chega o último dia de trabalho antes da merecida

Ana Filipa Gaspar

Do universo da ficção à realidade, pela mão de grandes mestres ou de novos talentos da sétima arte, 20 filmes que foram premiados na Europa ou nos Estados Unidos pela sua história, técnica ou personagens

Série Ípsilon II

À descoberta de novas vidas e novos mundos

Nos bastidores…• Juno, de Jason Reitman, foi filmado em apenas 31 dias.• James Anthony Pearson, que interpreta o músico Bernard Summer em Control, aprendeu a tocar guitarra em apenas dois meses para melhor dar vida ao guitarrista.• Ao receber o Globo de Ouro para Melhor Actor num Filme Dramático pela sua interpretação em As Confissões de Schmidt, Jack Nicholson afirmou: “Estou um pouco surpreendido. Pensava que tinha feito uma comédia.”• Em 2 Dias em Paris, os pais de Marion são interpretados pelos próprios pais da actriz e realizadora Julie Delpy.• Joseph Gordon Levitt, o Neil de Mysterious Skin, viajou durante uma semana por várias cidades do Kansas, acompanhado pelo escritor Scott Heim, para

conhecer as pessoas em que as personagens do filme foram inspiradas.• Roman Polanski dedicou Tess à sua mulher Sharon Tate que fora assassinada, em 1969, pela família Manson.• O argumento original de O Escafandro e a Borboleta foi escrito em inglês mas o realizador Julian Schnabel conseguiu convencer o estúdio Pathé a filmar em francês para ser mais fiel à vida de Jean-Dominique Bauby.• O actor Peter Dinklage, o Finbar de A Estação, é vegetariano. Na realidade, o bife que come durante a película era feito de tofu.• Jimmy, o bebé de Sonia e Bruno em A Criança, de Jean-Pierre e Luc Dardenne, foi interpretado por mais de 40 bebés diferentes.

reforma, Warren não sente alívio, mas sim angústia. Quem é esta mulher de rosto envelhecido que habita a sua casa? Em que momento do seu passado desistiu de todos os sonhos e conformou-se com um emprego seguro? Está na altura de fazer as malas e partir à descoberta da América e de si próprio, não antes de mais algumas surpresas, nem sempre agradáveis.

Quem também parte à procura de uma nova vida é o jovem Neil McCormick ( Joseph Gordon-Levitt), em Mysterious Skin (2004). Vítima de abuso sexual aos oito anos, Neil não encontrou na mãe o apoio de que precisava e, dez anos depois, é mais um prostituto masculino em Nova Iorque, incapaz de vencer os demónios que o atormentam. Apesar de se encontrar a mais de 1400 milhas de distância, Hutchinson, no Kansas, continua demasiado presente na sua memória.

Espírito igualmente torturado,

Ian Curtis é, em Control (2007), uma personagem baseada na vida real do vocalista dos britânicos Joy Division. Interpretado por Sam Riley, Curtis entra numa espiral de desespero à medida que o seu talento se torna cada vez mais visível. A fama e a família escapam ao seu controlo, tal como os ataques de epilepsia que constantemente o fulminam em palco. Até que o suicídio se apresenta como única resposta possível.

São estas e muitas outras histórias que a colecção Série Ípsilon II reúne agora em 20 DVD. Dramas e comédias, factos reais ou pura fi cção, retratam o quotidiano de pessoas espalhadas pelo globo, com as mais diferentes nacionalidades, imortalizadas através da película de realizadores consagrados, novos talentos e cineastas de culto. Todos dignos de alguns dos mais importantes prémios do universo da sétima arte, na Europa ou nos Estados Unidos.

O Céu Gira Europa O Escafandro e a Borboleta O Meu Tio

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15 de JaneiroJuno (2007)Realização: Jason ReitmanArgumento: Diablo CodyElenco: Ellen Page, Michael Cera, Jennifer Garner e Jason Bateman

Uma gravidez inesperada é o ponto de partida de Juno, comédia dramática que se centra na adolescente Juno MacGuff (Ellen Page). Aos 16 anos, a pragmática e independente Juno descobre que está grávida, consequência de uma única experiência sexual com o seu amigo Paulie Bleeker (Michael Cera). Ambos concordam que uma relação não é a melhor opção, quanto mais formarem uma família. E, com o apoio de Bleeker, Juno

marca um aborto. No entanto, a jovem não consegue avançar com o planeado. Depois de contar aos pais, decide ter a criança e entregá-la para adopção. Mas a história não fica por aqui...

Jason ReitmanO realizador nasceu em Montreal, no Quebec (Canadá), em 1977 e é conhecido por realizar comédias a partir de assuntos sérios, como os perigos do tabaco, a gravidez adolescente ou a crise económica. O seu mais recente trabalho, Nas Nuvens (2009), lidera a corrida aos Globos de Ouro e chega às salas portuguesas a 21 de Janeiro.

22 de JaneiroControl (2007)Realização: Anton CorbijnArgumento: Deborah Curtis e Matt GreenhalghElenco: Sam Riley, Samantha Morton, Alexandra Maria Lara e Joe Anderson

Baseado no livro Touching From a Distance, de Deborah Curtis, Control é um filme biográfico sobre Ian Curtis, vocalista da banda inglesa de pós-punk Joy Division, que se suicidou em 1980. A película retrata a vida do jovem músico e acompanha o seu tortuoso percurso na emblemática banda que liderou. Também o seu casamento, as suas relações extraconjugais e os seus problemas de epilepsia são explorados no filme que,

apesar de ter sido filmado em 2007, foi depois convertido para preto e branco.

Anton CorbjinFotógrafo e realizador, o holandês Anton Corbijn tornou-se conhecido pelos trabalhos que efectuou com bandas como os U2, os REM, os Nirvana ou os Depeche Mode, para quem dirigiu os videoclips Personal Jesus e Enjoy the Silence. Em 2007, estreou-se no cinema com Control, um filme biográfico sobre o vocalista dos Joy Division, Ian Curtis.

29 de JaneiroAs Confissões de Schmidt (2002)Realização: Alexander PayneArgumento: Alexander Payne e Jim TaylorElenco: Jack Nicholson, Kathy Bates, Hope Davis e Dermot Mulroney

Baseado no romance de Louis Begley, As Confissões de Schmidt traz-nos a história de Warren Schmidt (Jack Nicholson), um homem prestes a entrar na desejada reforma. Contudo, a viagem que tinha planeado com a mulher Helen (June Squibb) para partir à descoberta a América dá lugar a outros eventos, desde logo a morte de Helen e, pouco depois, o casamento da filha Jeannie (Hope Davis) com um vendedor de colchões de

água, Randall Hertzel (Dermot Mulroney). Estes novos desafios representam, porém, uma oportunidade de autoconhecimento para o angustiado Warren.

Alexander PayneNatural de Omaha, no estado americano do Nebrasca, Alexander Payne, 48 anos, gosta de filmar nos arredores da zona onde cresceu. A sua imagem de marca é o humor negro com que satiriza a sociedade americana, presente em obras como As Confissões de Schmidt (2002) e Sideways (2004). Actualmente, está a trabalhar na pré-produção de The Descendants, previsto para 2011.

5 de Fevereiro O Escafandro e a Borboleta (2007)Realização: Julian SchnabelArgumento: Ronald Harwood e Jean-Dominique BaubyElenco: Mathieu Amalric, Emmanuelle Seigner, Marie-Josée Croze e Anne ConsignyAos 43 anos, Jean-Dominique Bauby (Mathieu Amalric), mais conhecido por Jean-Do, vê a sua vida mudar radicalmente.

Depois de sofrer um acidente vascular cerebral, o prestigiado jornalista e editor da revista Elle desenvolve a síndrome do encarceramento, uma rara patologia que lhe deixa o corpo totalmente paralisado, à excepção do olho esquerdo. A partir de então, Bauby tem de aprender a conviver com o seu novo estado. O filme é baseado no livro das memórias ditado pelo próprio Jean-Dominique Bauby, também intitulado O Escafandro e a Borboleta.

Julian SchnabelMultifacetado e famoso pela sua personalidade boémia, Julian Schnabel trabalhou como taxista e cozinheiro, mas foi como pintor que se destacou na cena artística nova-iorquina nos anos 1980. Em 1996, Schnabel apostou também no cinema ao realizar Basquiat e não mais parou. Do seu currículo fazem também parte títulos como Antes que Anoiteça (2000) ou O Escafandro e a Borboleta (2007).

12 de FevereiroO Meu Tio (1958)Realização: Jacques TatiArgumento: Jacques TatiElenco: Jacques Tati, Jean-Pierre Zola, Adrienne Servantie e Lucien Frégis

Meio século após a sua criação, as aventuras de Monsieur Hulot (Jacques Tati) não perderam uma pitada de graça. Em O Meu Tio, Hulot é cunhado do gerente de uma fábrica de plásticos e, à semelhança do automatismo fabril, tudo na casa dos Arpel é automático e ultramoderno, pouco adequado às brincadeiras dos mais novos. Por isso, o sobrinho de Hulot (Gerard Arpel/Alain Bécourt) prefere passar o seu tempo

no pequeno e modesto apartamento do tio. Mas, para Charles Arpel (Jean-Pierre Zola), a influência de Hulot é nociva e é necessário convertê-lo aos tempos modernos.

Jacques TatiRealizador e actor francês, Jacques Tati morreu em 1982, em Paris, vítima de pneumonia. Os seus filmes são, em regra, protagonizados pelo excêntrico Monsieur Hulot, eternamente atormentado pelo mundo moderno. Foi classificado como o 46.º maior realizador de todos os tempos pela revista americana Entertainment Weekly.

19 de Fevereiro Valmont (1989)Realização: Milos FormanArgumento: Choderlos de Laclos, Jean-Claude Carrière e Milos FormanElenco: Colin Firth, Annette Bening, Meg Tilly e Fairuza Balk

Na França do século XVIII, a Marquesa de Merteuil (Annette Bening) e o Visconde de Valmont (Colin Firth) são um par engenhoso a cujas manobras de sedução ninguém consegue escapar. Ligados pelos seus conluios e segredos, Merteuil e Valmont reinam nos salões e nas antecâmaras de uma aristocracia progressivamente minada por uma série de segredos obscuros. No entanto, os dois eternos aliados acabarão por se enfrentar

e, nesse duelo impiedoso, qualquer sentimento sincero poderá constituir uma falha mortal.

Milos FormanMilos Forman nasceu na antiga Checoslováquia, em 1932, mas foi nos Estados Unidos que se notabilizou na sétima arte. Voando Sobre um Ninho de Cucos (1975), Amadeus (1984) ou The People vs Larry Flint (1996) são alguns dos filmes que lhe deram um lugar na história do cinema e lhe valeram dois Óscares para Melhor Realizador.

26 de FevereiroMysterious Skin (2004)Realização: Gregg ArakiArgumento: Gregg ArakiElenco: Joseph Gordon-Levitt, Brady Corbet e Elisabeth Shue

A partir do romance de Scott Heim, Mysterious Skin é uma viagem ao passado de dois jovens, Neil McCormick (Joseph Gordon-Levitt) e Brian Lackey (Brady Corbet). Ambos cresceram em Hutchinson, Kansas, e aos oito anos sofreram experiências que os traumatizaram para a vida. Neil foi vítima de abuso sexual por parte do seu treinador de beisebol (Bill Sage) e não conseguiu que a sua mãe (Elisabeth

Shue) o percebesse. Já Brian ficou amnésico durante quatro horas e, ao voltar a si, tinha o nariz em sangue. Dez anos mais tarde, os dois reencontram-se.

Gregg ArakiO californiano Gregg Araki, 50 anos, ocupa um lugar de culto no cinema americano independente, distinguindo-se principalmente entre o chamado New Queer Cinema. Formado pela Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, foi crítico de músico da publicação L.A. Weekly e estreou-se no grande ecrã em 1987 com Three Bewildered People in the Night.

5 de MarçoTess (1979)Realização: Roman PolanskiArgumento: Gérard Brach, Roman Polanski e John BrownjohnElenco: Nastassja Kinski, Peter Firth, Leigh Lawson e John Collin

Tess (Nastassja Kinski), uma camponesa da Inglaterra dos finais do século XIX, procura emprego na mansão dos D’Urbeville. Seduzida pelo dono da casa, Tess engravida e foge para a casa dos pais mas também aí não encontra apoio. Escorraçada pela família acaba por dar à luz um bebé que não sobrevive ao parto. Mais tarde, a rapariga procura reconstruir a sua vida ao lado de Angel (Peter Firth), o filho do pastor da igreja local. Na véspera

do casamento, Tess decide revelar o seu passado ao noivo mas conseguirá ele aceitar a verdade?

Roman PolanskiApaixonado pela arte dramática, o polémico Roman Polanski realizou, em 1962, a sua primeira longa-metragem, Knife in the Water, que seria nomeada para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Seis anos depois o realizador de origem polaca tentaria a sua sorte em Hollywood mas uma série de acontecimentos macabros envolvendo a mulher levá-lo-iam a abandonar o país.

12 de MarçoO Céu Gira (2004)Realização: Mercedes ÁlvarezArgumento: Arturo Redin e Mercedes ÁlvarezElenco: Elias Álvarez, Mercedes Álvarez (voz), Pello Azketa e Hicham Chate

Um ano numa pequena aldeia no Norte de Espanha é o que nos propõe O Céu Gira, o documentário de estreia da realizadora espanhola Mercedes Álvarez. Natural de Aldealseñor, na província de Soria, Mercedes foi a última criança a nascer no local, agora limitado a 14 habitantes. À beira do desaparecimento, a aldeia torna-se numa metáfora para a perda de visão do pintor Pello Azketa. Num registo emocional, a narradora

observa o actual estado de Aldealseñor, ao mesmo tempo que recupera memórias da sua infância quando, aos três anos, deixou a aldeia na companhia dos pais e dos irmãos.

Mercedes AlvarezOriunda de Aldealseñor, em Soria (Espanha), onde nasceu em 1966, Mercedes Álvarez deu os primeiros passos no mundo do cinema com a curta-metragem El Viento Africano, de 1997. O Céu Gira (2004) foi a sua primeira e única longa-metragem até ao momento, conquistando a atenção de vários festivais de cinema independente na Europa e na América latina.

19 de Março2 Dias em Paris (2007)Realização: Julie DelpyArgumento: Julie DelpyElenco: Adam Goldberg, Julie Delpy, Daniel Brühl e Marie Pillet

Como tentativa de reatarem o seu relacionamento, Marion (Julie Delpy), uma fotógrafa francesa, e Jack (Adam Goldberg), um decorador norte-americano, decidem viajar pela Europa. A sua primeira paragem é Veneza, mas os namorados acabam por adoecer com gastroenterites e, por isso, optam por viajar até Paris, cidade onde vivem os pais de Marion. Os problemas não tardam em aparecer. Intolerantes e autoritários,

os pais da fotógrafa recusam-se a falar inglês com Jack. Por seu turno, este último irrita Marion por desejar fotografar todos os ângulos da famosa “cidade da luz”.

Julie DelpyActriz, cantora e realizadora, Julie Delpy nasceu em Paris em 1966, no seio de uma família ligada ao mundo do espectáculo.

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Como actriz, Delpy destacou-se ao lado de Ethan Hawke em Antes do Amanhecer (1995) e Antes do Anoitecer (2004), de Richard Linklater. Em 1995 estreou-se na realização, sendo 2 Dias em Paris a sua película de maior destaque.

26 de MarçoClimas (2006)Realização: Nuri Bilge CeylanArgumento: Nuri Bilge CeylanElenco: Ebru Ceylan, Nuri Bilge Ceylan, Nazan Kirilmis e Mehmet Eryilmaz

O drama turco Climas é um relato de uma relação falhada entre Isa (Nuri Bilge Ceylan), um professor universitário, e a mulher Bahar (Ebru Ceylan), directora de arte para a indústria televisiva. Tudo começa com as férias do casal na região turística de Kas, onde Bahar manifesta o seu descontentamento face à distância de Isa. Após um jantar com uns amigos e um dia na costa, a ruptura é mais do que evidente e Bahar regressa sozinha

para Istambul. Entretanto, Isa entrega-se nos braços de uma ex-namorada, Serap (Nazan Kirilmis), mas Bahar continua, de algum modo, presente.

Nuri Bilge CeylanDividindo-se entre o cinema e a fotografia, o turco Nuri Bilge Ceylan nasceu em 1959 em Istambul e é casado com Ebru Ceylan, a co-protagonista de Climas (2006). Ao receber o prémio de melhor realizador em Cannes, em 2008, dedicou-o ao seu país, “solitário e belo, que amo apaixonadamente”.

2 de AbrilOs Últimos Dias (1998)Realização: James Moll

Os Últimos Dias são um testemunho pessoal de cinco judeus húngaros que escaparam à morte nos campos de concentração nazi. Os sobreviventes recordam o difícil período do domínio das tropas hitlerianas e revisitam as casas onde passaram a sua infância. O documentário reúne ainda os depoimentos de um Sonderkommando – nome dado aos prisioneiros encarregues dos trabalhos nas câmaras de morte

–, um médico que efectuou experiências em prisioneiros de Auschwitz e soldados norte-americanos que participaram na libertação em Abril de 1945.

James MollDada a sua paixão pelo piano, o realizador e produtor norte-americano James Moll chegou a pensar trocar a escola de cinema pela escola de música. O talento para a sétima arte acabou, porém, por falar mais alto. Nos últimos anos, Moll tem realizado vários trabalhos de natureza documental, dando especial atenção ao período da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto.

9 de AbrilA Esquiva (2003)Realização: Abdel KechicheArgumento: Ghalya LaroixElenco: Osman Elkharraz, Sara Forestier, Sabrina Ouazani e Nanou Benhamou

O drama romântico A Esquiva conta-nos a história de Krimo (Osman Elkharraz), um jovem de 15 anos que vive nos subúrbios de Paris. Apesar de a sua mãe trabalhar num supermercado e o seu pai estar preso, Krimo continua a alimentar o sonho de um dia partir com os pais num veleiro até ao fim do mundo. De resto, vive um dia-a-dia habitual para um rapaz da sua idade, na companhia dos amigos. Até que, em plena Primavera, se apaixona

por Lydia (Sara Forestier), uma jovem tão fascinante quanto maliciosa...

Abdel KechicheActor, realizador e argumentista, Abdel Kechiche, 49 anos, é natural de Tunis, na Tunísia, mas cresceu em Nice, França. O seu primeiro filme, La Faute à Voltaire, viu a luz do dia em 2000 e uma das suas principais características é incluir actores amadores no elenco.

16 de Abril24 Hour Party People (2002)Realização: Michael WinterbottomArgumento: Frank Cottrell BoyceElenco: Steve Coogan, John Thomson, Nigel Pivaro e Shirley HendersonEm 1976, durante um concerto dos Sex Pistols, Tony Wilson (Steve Coogan) e um grupo de amigos decidem criar a sua

própria editora de música, a Factory Records. Os Joy Division, James e os Happy Mondays e uma série de artistas que marcaram a criação musical na Grã-Bretanha dos anos 70 rapidamente assinam contrato com a nova editora de Wilson que assim se vê enredado num turbilhão de música, sexo e drogas que culmina com o nascimento de um dos dance clubs mais famosos do mundo, o Hacienda.

Michael WinterbottomO seu realismo e a sua notável capacidade de conjugar características do documentário e da ficção são dois dos aspectos que melhor identificam o trabalho do realizador britânico Michael Winterbottom. As questões de política internacional são temas recorrentes na sua obra, em particular em filmes como Welcome to Sarajevo (1997), The Road to Guantanamo (2006) ou A Mighty Heart (2007).

23 de AbrilEuropa (1991)Realização: Lars von TrierArgumento: Lars von Trier e Niels VørselElenco: Jean-Marc Barr, Barbara Sukowa, Udo Kier e Ernst-Hugo Järegård

No pós-II Guerra Mundial, Europa, de Lars von Trier, é um testemunho da impossibilidade de manter a neutralidade num cenário de guerra. Em 1945, Leopold Kessler (Jean-Marc Barr), um americano com descendência alemã, chega a Frankfurt e encontra uma Alemanha destruída. O tio (Ernst-Hugo Järegård) arranja-lhe trabalho na companhia ferroviária Zentropa e,

embora Leopold tente ser neutro, rapidamente percebe que, de ambos os lados, há interesses que tentam manipulá-lo. E é a paixão pela poderosa herdeira do império Hartmann, Katharina (Barbara Sukowa), que o vai obrigar a escolher um dos lados.

Lars von TrierUm dos grandes nomes do cinema dinamarquês, Lars von Trier nasceu em 1956 em Copenhaga. As suas fobias são célebres e, aparentemente até hoje, nunca pôs os pés na América. Mesmo depois de, na sequência do sucesso de Europa (1991), Steven Spielberg lhe oferecer um argumento para dirigir um filme nos Estados Unidos.

30 de AbrilTerra da Abundância (2004)Realização: Wim WendersArgumento: Wim Wenders, Scott Derrickson e Michael MeredithElenco: Michelle Williams, John Diehl e Shaun Toub

Filha de missionários norte-americanos, Lana (Michelle Williams) foi criada na África do Sul e no Médio Oriente. Uma missão de apoio a pessoas sem-abrigo leva-a, porém, de volta ao seu país de origem. De regresso aos Estados Unidos, a rapariga procura o seu único familiar ainda vivo: o tio Paul (John Diehl) que nunca conheceu. Veterano da Guerra do Vietname, Paul vive num permanente estado de paranóia desde os ataques

terroristas do 11 de Setembro. Tio e sobrinha parecem não ter nada em comum mas a morte de um emigrante paquistanês vai uni-los numa mesma missão.

Wim WendersWim Wenders queria ser pintor mas foi o cinema que o acabou por conquistar. O realizador alemão que nasceu em Düsseldorf, em 1945, é um dos mais prestigiados cineastas da actualidade. Paris-Texas (1984), Asas do Desejo (1987), Buena Vista Social Club (1999) e Terra da Abundância (2004) são algumas das suas obras mais conhecidas.

7 de MaioIntervenção Divina (2002)Realização: Elia SuleimanArgumento: Elia SuleimanElenco: Elia Suleiman, Manal Khader e George IbrahimDrama, comédia, guerra e romance: Intervenção Divina, do palestiniano israelita Elia Suleiman, combina todos estes ingredientes para transpor para o grande ecrã o quotidiano palestiniano em Israel, num bairro de Nazaré. Trata-se de várias histórias, entrelaçadas por personagens, locais e emoções. Umas são demasiado absurdas e outras parecem lendas, mas têm em comum o facto de poucas palavras serem ditas. Há, por exemplo, um homem que sofre um ataque de coração, um filho que o visita no hospital e que regularmente visita uma mulher

em Al-Ram, junto ao posto de controlo de Jerusalém Leste...

Elia SuleimanPalestiniano oriundo de Nazaré (Israel), o realizador e actor Elia Suleiman, 49 anos, viu o seu talento reconhecido através de Intervenção Divina (2002), vencedor do prémio do júri em Cannes. O seu estilo cinematográfico é frequentemente comparado ao de Jacques Tati e de

Buster Keaton, por conciliar a sobriedade e o burlesco.

14 de MaioA Estação (2003)Realização: Thomas McCarthyArgumento: Thomas McCarthyElenco: Peter Dinklage, Paul Benjamin, Jase Blankfort e Paula Garcés

Finbar (Peter Dinklage) só queria encontrar um pouco de paz quando decide mudar-se para uma antiga estação de comboios de uma pequena cidade no campo. No entanto, está longe de adivinhar a mudança que vai acontecer na sua vida. Aos poucos, Finbar envolve-se na vida dos vizinhos Olivia (Patricia Clarkson), uma artista que tenta lidar com o fim do seu casamento, e Joe (Bobby Cannavale), um trintão que adora

cozinhar e conversar. A Estação é um filme sobre três pessoas sem nada em comum, excepto a solidão que partilham.

Thomas McCarthyNatural de New Jersey, nos Estados Unidos, onde nasceu em 1966, Thomas McCarthy começou a sua carreira como actor, tendo participado em várias séries televisivas como The Wire ou A Lei e a Ordem, bem como em filmes como Um Sogro do Pior (2000) ou Boa Noite e Boa Sorte (2005). A Estação (2003) marcou a estreia de McCarthy na realização.

21 de MaioA Criança (2005)Realização: Jean-Pierre Dardenne e Luc DardenneArgumento: Jean-Pierre Dardenne e Luc DardenneElenco: Jérémie Renier, Déborah François e Jérémie Segard

À primeira vista, A Criança fala-nos de um romance. Bruno (Jérémie Renier) e Sonia (Déborah François) são dois jovens imaturos, apaixonados, que fazem de pequenos crimes o seu estilo de vida. Contudo, o casal tem agora um filho e a situação transtorna as suas vidas. Acabada de sair do hospital, Sonia procura Bruno no seu apartamento, quando descobre que foi arrendado a um outro casal. Depois de o procurar nas

ruas, encontra-o com o seu gangue e, juntos, passam a noite num abrigo. No dia seguinte, registam a criança como Jimmy. Mas Bruno decide vender o filho para adopção.

Jean-Pierre Dardenne e Luc DardenneOs irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, 58 e 55 anos respectivamente, estrearam-se no universo cinematográfico em 1978 com o documentário Le Chant du Rossignol. Mas foi com a ficção La Promesse, de 1996, que se tornaram famosos a nível mundial, recebendo vários prémios internacionais.

28 de MaioAs Irmãs de Maria Madalena (2002)Realização: Peter MullanArgumento: Peter MullanElenco: Anne-Marie Duff, Nora-Jane Noone, Dorothy Duffy e Eileen Walsh

Numa Irlanda profundamente católica, Margaret (Anne-Marie Duff), Bernadette (Nora-Jane Noone), Rose (Dorothy Duffy) e Crispina (Eileen Walsh) são acusadas de manifestarem um comportamento devasso e, por isso, internadas num convento das Irmãs de Maria Madalena. Ali estão à mercê da vilania da Irmã Bridget (Geraldine McEwan), a madre superiora do convento que, além dos trabalhos forçados na lavandaria da

instituição, as submete aos mais duros e pesados castigos.

Peter MullanDesde os 19 anos que o britânico Peter Mullan queria realizar filmes. O facto de não conseguir entrar na escola de cinema levou-o, contudo, a apostar na carreira de actor, tendo participado em filmes como Braveheart (1995) ou Trainspotting (1996). Só 1993 cumpriria o sonho antigo da realização, ao dirigir a curta-metragem Close.