medidas nÃo-estruturais na prevenÇÃo de enchentes em bacias urbanas

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UNIVERSIDADE DE SO PAULOESCOLA DE ENGENHARIA DE SO CARLOS CENTRO DE RECURSOS HDRICOS E ECOLOGIA APLICADA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DA E N G E N H A R I A A M B I E N T A L

MEDIDAS NO-ESTRUTURAIS NA PREVENO DE ENCHENTES EM BACIAS URBANAS:CENRIOS PARA A BACIA DO GREGRIO, SO CARLOS SP

Dissertao apresentada Escola de Engenharia de So Carlos da Universidade de So Paulo, como parte dos requisitos para obteno do Ttulo de Mestre em Cincias da Engenharia Ambiental.

Arq. Elisnia Magalhes Alves

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Mario Mendiondo

So Carlos 2005

AGRADECIMENTOS

Ao professor Eduardo Mario Mendiondo, pela orientao e apoio nesse trabalho e pela oportunidade de participao e aprendizado durante a realizao do Projeto PrTijuco; Ao professor Marcelo Pereira de Souza pelo apoio e essencial orientao; Ao CNPQ, pela bolsa de pesquisa; Aos professores e funcionrios do Centro de Recursos Hdricos e Ecologia Aplicada da Escola de Engenharia de So Carlos, pela colaborao; Aos profissionais da Secretaria de Habitao e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura Municipal de So Carlos, pelo auxlio na coleta de dados: Lucas, Kiko, Fabrcio e Amanda; Ao Rodrigo, pela parceria na realizao do estudo de caso; Aos amigos e colegas arquitetos Tatiana, Ricardo, Isabel e Fernando, pela amizade, apoio e troca de conhecimentos; Aos demais colegas do Programa de Ps-Graduao em Cincias da Engenharia Ambiental, em especial, a Rubens, Pedro, Andra, Sandro, Roseli e Sabrina; Ao pessoal do Lab-SIG, pela colaborao e discusses: Isabel, Vtor, Minduim, Mrio, Gabriela, Fortunato, Njila, Denis e Rogrio; Aos tambm colaboradores colegas do NIBH: Fred, Renata, Cid, Helosa, Fabiano, entre outros; e aos projetos CT-HIDRO/FINEP e ProTijuco FIPAI/PMSC, que contriburam com dados coletados para esse trabalho; Ao Daniel, pelo suporte emocional, carinho e apoio em todos os momentos; Aos meus queridos pais e irmos, minha eterna gratido.

SUMRIONDICE DE FIGURAS E TABELAS NDICE DE SIGLAS RESUMO ABSTRACTI IV V VI

INTRODUO OBJETIVOS

1 6 7 910 12

PARTE 1 - REFERENCIAL TERICOCAPTULO

1 - A PROBLEMTICA AMBIENTAL URBANA

1.1 EFEITOS DA URBANIZAO SOBRE O CICLO HIDROLGICO 1.2 PLANEJAMENTO URBANO DISSOCIADO DE QUALIDADE AMBIENTALCAPTULO

2 - A BUSCA DO EQUILBRIO AMBIENTAL

171920 25 27 30 32 33

2.1 PLANEJAMENTO AMBIENTAL PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL2.1.1 SUSTENTABILIDADE URBANA 2.1.1.1 CAPACIDADE DE SUPORTE 2.1.2 A CIDADE COMO ECOSSISTEMA 2.1.3 DESENHO AMBIENTAL URBANO 2.1.4 ELABORAO DE CENRIOS AMBIENTAIS 2.1.5 O PAPEL DAS REAS VERDES NA QUALIDADE DO AMBIENTE URBANO

CAPTULO

3 - D RENAGEM URBANA

3738 39

3.1 O CONCEITO HIGIENISTA 3.2 A CIDADE E AS CHEIASCAPTULO

4 - B ACIA URBANA SUSTENTVEL

4141 4447 49

4.1 BACIA HIDROGRFICA: UNIDADE DE PLANEJAMENTO AMBIENTAL 4.2 MEDIDAS PARA O PLANEJAMENTO DA DRENAGEM URBANA4.2.1 MEDIDAS ESTRUTURAIS COMUMENTE EMPREGADAS 4.2.2 O PAPEL DAS MEDIDAS NO ESTRUTURAIS

4.3 PLANOS DIRETORES DE DRENAGEM URBANA 4.4 EXEMPLOS DE IMPLANTAO DE MEDIDAS NO - ESTRUTURAIS EM BACIAS URBANAS

53 56

PARTE 2 ESTUDO DE CASOCAPTULO CAPTULO

67 68 7073 75

5- M ETODOLOGIA 6 O P ROCESSO DE U RBANIZAO DE S O C ARLOS

6.1 EXPANSO DA REA URBANA E IMPACTOS AMBIENTAIS 6.2 CARACTERIZAO FSICA DO MUNICPIOCAPTULO

7- A B ACIA DO C RREGO DO G REGRIO

788182 90 90 92 98 98 101 103 116 119 120

7.1 REA DE ESTUDO7.1.1 CARACTERIZAO AMBIENTAL E URBANA DA REA DE ESTUDO 7.1.2 ANLISE DO MEIO E DEFINIO DAS RESTRIES OCUPAO

7.1.2.1 RESTRIES AMBIENTAIS 7.1.2.2 EXIGNCIAS DA LEGISLAO AMBIENTAL 7.1.3 DETERMINAO DE MEDIDAS PREVENTIVAS DE ENCHENTES 7.1.4 PROPOSIO DE CENRIOS DE USO E OCUPAO DO SOLO 7.1.5 GNESE DOS CENRIOS 7.1.6 CARACTERIZAO E QUANTIFICAO DO USO DO SOLO NOS CENRIOS 7.1.7 CONSIDERAES SOBRE O USO DO SOLO NOS CENRIOS 7.1.8 SIMULAO HIDROLGICA DOS CENRIOS 7.1.9 AVALIAO DOS RESULTADOS DAS SIMULAES

7.2 APLICAO DE MEDIDAS NO - ESTRUTURAIS NO DESENHO URBANO

124

C APTULO 8 - D IRETRIZES E CRITRIOS DE U SO E O CUPAO DO S OLO PARA BACIASURBANAS SUSTENTVEIS

129

CONCLUSES

134

RECOMENDAES

138

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

140

i

NDICE DE FIGURAS E TABELAS Parte IFigura 1.1: Impacto devido urbanizao. ........................................................................11 Figura 1.2: Caractersticas do balano hdrico numa bacia antes e aps a urbanizao............12 Figura 2.1: Cidades sustentveis: menor consumo de energia e menor gerao de resduos. ..23 Figura 2.2: Sustentabilidade Ambiental...............................................................................24 Figura 2.3: Seo de um corredor ecolgico que pretende integrar objetivos de preservao e uso urbano. .....................................................................................................................36 Tabela 4.1: Estratgias e opes em gesto de enchentes ...................................................45 Figura 4.2: Parque Barigui, Curitiba-PR...............................................................................57 Figura 4.3: Projeto de recuperao ambiental das vrzeas do Alto Tijuco Preto, So Carlos, SP ......................................................................................................................................57 Figura 4.4: Sistema de drenagem natural de Woodlands ...................................................59 Figura 4.6: reas de armazenamento natural nos vales da Bacia do Rio Charles ....................61 Figura 4.7: Sistema de Parques de Boston proposto por F. L. Olmsted. .................................62 Figura 4.9: Plano para a regio dos Vales (Green Spring Worthington Valleys, Maryland EUA) proposto por Ian McHarg (1969).. .............................................................................64 Figura 4.10: Bacias de deteno e reteno em duas reas do Rio Cray, Londres...................65

Parte IIFigura 6.1: Vazios urbanos passveis de ocupao na cidade de So Carlos-SP.......................72 Figura 6.2: Construo da Avenida marginal, em 1974, na regio do Crrego do Gregrio. .....74 Figura 6.3: Representao ortogonal tridimensional da mancha urbana de So Carlos ............75 Figura 6.4: Micro- bacias da rea urbana de So Carlos .......................................................77 Figura 7.1: rea central da Bacia do Crrego do Gregrio. Sentido montate-jusante...............78 Figura 7.2: Enchente do Crrego do Gregrio na rea central da cidade. Sentido montantejusante. ...........................................................................................................................79 Figura 7.3: Canalizao do trecho que atravessa a rea central da cidade .............................79 Figura 7.4: eroso no Crrego do Gregrio em trecho a jusante. ..........................................80 Figura 7.5: Processo de ocupao prximo Rodovia W. Luiz. .............................................80 Figura 7.6: rea de estudo: trechos do alto e mdio curso do Crrego do Gregrio. ...............81 Figura 7.7a: Ponto de instalao do lingrafo. Sentido montante-jusante. ..............................82

ii

Figura 7.7b: Regio final da rea de estudo. Sentido montante-jusante.................................82 Figura 7.8: Hidrografia da Sub- Bacia do Crrego do Gregrio ..............................................83 Figura 7.9: Afluente do Gregrio canalizado e sem escoamento............................................83 Figura 7.10: vista area do Crrego Invernada. Sentido montante-jusante. ...........................83 Figura 7.11: vista area do Crrego Lazarini. Sentido montante-jusante. ...............................84 Figura 7.12: curvas planialtimtricas da rea de estudo .......................................................84 Figura 7.13: Feies pedolgicas da rea de estudo. ...........................................................85 Figura 7.14: Eroso e ocupao prxima s margens do Gregrio.........................................86 Figura 7.15: Canalizao fechada sob travessia no crrego Lazarini ......................................86 Figura 7.16: vista de um fragmento de cerrado na bacia de estudo ......................................87 Figura 7.17: Uso do solo atual. ..........................................................................................87 Figura 7.18: Crescimento das reas impermeveis na rea de estudo ao longo de 61 anos (1941- 2002). ..................................................................................................................88 Figura 7.19a: Expanso da rea urbana na sub-Bacia do Gregrio de 1940 a 2002. ...............88 Figura 7.19b: Expanso da rea urbana na sub-Bacia do Gregrio de 1962 a 1998. ...............89 Figura 7.20: vista area do limite do permetro urbano (aps a rod. W. Luiz).........................89 Figura 7.21: Mapeamento Geotcnico da rea de expanso urbana de So Carlos..................91 Figura 7.22: rea Especial de Interesse Ambiental na Bacia do Crrego do Gregrio ..............92 Figura 7.23: Soma das restries ocupao na sub-bacia do Crrego do Gregrio. ..............97 Figura 7.24 Zoneamento da bacia de acordo com o Projeto de lei do Plano Diretor de So Carlos..............................................................................................................................99 Tabela 7.1: Coeficientes para ocupao do lote nas zonas urbana e rural ............................ 100 Tabela 7.2: cenrios gerados pelas diferentes condies de ocupao do solo. .................... 103 Figura 7.25: Cenrio 1 .................................................................................................... 104 Figura 7.26: Cenrio 2 .................................................................................................... 104 Figura 7.27: Distribuio percentual de uso do solo no Cenrio2......................................... 105 Figura 7.28: Distribuio percentual de uso do solo no Cenrio 3 ...................................... 106 Figura 7.29: Cenrio 3a................................................................................................... 107 Figura 7.30: Cenrio 3b .................................................................................................. 108 Figura 7.31: Distribuio percentual de uso do solo no Cenrio 3b...................................... 108 Figura 7.32: Cenrio 4a................................................................................................... 110 Figura 7.33: Distribuio percentual de uso do solo no Cenrio 4a ...................................... 110

iii

Figura 7.34: Cenrio 4b .................................................................................................. 112 Figura 7.35: Distribuio percentual de uso do solo no Cenrio 4b...................................... 112 Figura 7.36: Cenrio 5a................................................................................................... 114 Figura 7.37: Distribuio percentual de uso do solo no Cenrio 5a ...................................... 114 Figura 7.38: Cenrio 5b .................................................................................................. 115 Figura 7.39: Distribuio percentual de uso do solo no Cenrio 5b...................................... 115 Figura 7.40: reas verdes no Cenrio 3a ( esq.) e no Cenrio 4a ( dir.) ........................... 118 Figura 7.41a: Vista panormica das reas verdes do Cenrio Atual ( esq.) e do Cenrio 4a/4b ( dir.) .......................................................................................................................... 118 Figura 7.41b: Vista panormica das reas verdes do Cenrio atual ( esq.) e do Cenrio 4a/4b ( dir.) .......................................................................................................................... 118 Figura 7.42: Hidrogramas resultantes da simulao dos diversos cenrios, para chuva com Tr =10 anos....................................................................................................................... 120 Figura 7.43: Hidrogramas resultantes da simulao dos diversos cenrios, para chuva com Tr = 25 anos. ........................................................................................................................ 121 Figura 7.44: Hidrogramas resultantes da simulao dos diversos cenrios, para chuva com Tr =50 anos....................................................................................................................... 121 Figura 7.45: Hidrogramas resultantes da simulao dos diversos cenrios, para chuva de

dez/2004. ...................................................................................................................... 121 Figura 7.46: Proposta de zoneamento para a sub-bacia 6, considerando as restries ambientais e de legislao. .............................................................................................................. 124 Figura 7.47 - Exemplo de desenho urbano para a rea em destaque na sub-bacia 6, utilizando medidas preventivas ....................................................................................................... 125 Figura 7.48 Seo do fundo de vale: preservao e uso pblico nas reas lindeiras ao

crrego.......................................................................................................................... 125 Figura 7.49 Hidrogramas resultantes da aplicao das medidas de controle separadas ou em conjunto na sub-bacia 6, para a chuva de tempo de retorno de 10 anos. ............................ 126 Figura 7.50 Hidrogramas resultantes da aplicao das medidas de controle separadas ou em conjunto na sub-bacia 6, para a chuva de tempo de retorno de 25 anos. ............................ 126 Figura 7.51 Hidrogramas resultantes da aplicao das medidas de controle separadas ou em conjunto na sub-bacia 6, para a chuva de tempo de retorno de 50 anos. ............................ 127 Figura 7.52 Hidrogramas resultantes da aplicao das medidas de controle separadas ou em conjunto na sub-bacia 6, para a chuva do dia 19 de Dezembro de 2004.............................. 127 Figura 7.53 Grfico da relao vazes de pico e quantidade de reas verdes (florestas e parques) na sub-bacia 6, para uma chuva com Tr = 25 anos. ............................................ 128

iv

NDICE DE SIGLAS

AIA APP BMP CMMAD EPA ONG ONU PD PDDrU PL PNMA PNRH PNUMA RL SCS SIG UP WCED WCU ZA

Avaliao de Impactos Ambientais rea de Proteo Permanente Best Management Practices Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Environmental Protect Agency Organizao No Governamental Organizao das Naes Unidas Plano Diretor Plano Diretor de Drenagem Urbana Projeto de Lei Poltica Nacional de Meio Ambiente Poltica Nacional de Recursos Hdricos Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente Reserva Legal Soil Conservation Service Sistema de Informaes Geogrficas Unidade de Planejamento World Commission to Environment and Development World Conservation Union Zoneamento Ambiental

v

RESUMO

ALVES, E. M. (2005). Medidas no-estruturais na preveno de enchentes em bacias

urbanas: cenrios para a bacia do Gregrio, So Carlos SP. 149p. Dissertao(Mestrado) - Escola de Engenharia de So Carlos, Universidade de So Paulo, So Carlos, 2005

O

presente

estudo

aborda

a

questo

da

drenagem

urbana,

enfocando

a

interdependncia entre planejamento do uso do solo e do sistema de drenagem para o controle das enchentes. Considera que o sistema de drenagem, no planejamento de uma bacia urbana sustentvel, deve ser previsto na fase inicial do planejamento urbano e integrado aos demais planos de desenvolvimento, para que atue de maneira preventiva, o que depende de conhecimento prvio do funcionamento do sistema urbano e da capacidade de previso de possveis alteraes ambientais. enfatizada a adoo de medidas no-estruturais no controle e preveno de inundaes e a definio de critrios ambientais para guiar o processo de ocupao urbana, a partir da identificao das vulnerabilidades e limitaes de uso impostas pelas caractersticas naturais do meio. Dentro dessa nova abordagem de drenagem urbana, apresentado um estudo de caso onde se avalia o efeito das medidas no-estruturais em micro-bacia parcialmente urbanizada. So propostos oito cenrios do uso e ocupao do solo, em situaes no passado, presente e futuro, com e sem medidas no-estruturais. A anlise dos resultados das simulaes hidrolgicas dos cenrios indica que medidas noestruturais, quando adotadas em conjunto, resultam em percentual significativo de reas permeveis e so eficientes no controle do escoamento superficial e na atenuao de vazes de pico. Palavras - chave: bacia urbana sustentvel, medidas no-estruturais, cenrios de planejamento, crrego do Gregrio.

vi

ABSTRACT

ALVES, E. M. (2005). Non-structural measures on prevention of floods in urban basins: Scenarios for Gregrio river watershed, So Carlos - SP: 149p. Dissertao (Mestrado) - Escola de Engenharia de So Carlos, Universidade de So Paulo, So Carlos, 2005.

This work treats urban drainage issue in respect to the interdependence between urban planning and drainage system in order to control floods. The drainage system planning must be considered in the beginning of the urban planning and integrated to other plans, acting in a preventive way. A previous knowledge of the environmental factors in order to predict the negative impacts in the future is necessary in this planning approach. It is emphasized the adoption of non-structural measures in order to control and prevent urban floods and also the choice of environmental criteria to conduct the urban development, given the potential and constraints of the land. Inside this new approach of urban drainage, one study case in a micro watershed is presented, where non-structural measures are applied and evaluated. The land use scenarios are simulated in rainfall-runoff model and then evaluated. Hydrologic simulation results point that non structural flood control measures, when they are adopted together, result in an expressive percentage of pervious areas. Also, they are efficient in controlling run-off and peak discharges attenuation.

Key - words: urban sustainable basin, non-structural measures, scenarios of planning, Gregrio river watershed.

1

INTRODUO

A cidade palco das grandes transformaes do mundo contemporneo e a grandequesto ecolgica da atualidade. Os ambientes urbanos tm concentrado cada vez mais populao no mundo, que cresce geometricamente e sua ocupao se faz em reas cada vez mais extensas. Embora a tendncia nos pases desenvolvidos seja de estabilizao dos assentamentos humanos, o fenmeno da urbanizao acelerada nos pases em desenvolvimento assume contornos alarmantes, sobretudo no que diz respeito capacidade de suporte1 do planeta: o notvel aumento da populao e do consumo diante do estoque fixo de capital natural tornar o declnio desta capacidade de suporte do meio ambiente global o mais importante desafio humanidade, como j vm sendo observado, por exemplo, na questo da escassez de gua para abastecimento. O Brasil, como os demais pases da Amrica Latina, apresenta intenso processo de urbanizao, especialmente na segunda metade do sculo XX, quando a taxa de populao urbana passa de 26,3% (18,8 milhes de habitantes), em 1940, para 81,2% (138 milhes de habitantes), em 2000 (MARICATO, 2001). Esse acelerado processo de urbanizao, realizado de forma pouco planejada, tem gerado, ao longo do tempo, conseqncias danosas para o meio ambiente. O planejamento da ocupao urbana, atravs do Plano Diretor no tem considerado aspectos de drenagem urbana e qualidade da gua, o que acarreta impactos ambientais, com perdas materiais e humanas, como declara Marcondes (1999):A escassez de gua, a contaminao dos mananciais e as enchentes representam as maiores ameaas sade e segurana, em virtude da maneira como so estabelecidos os processos de apropriao dos recursos

1

Pode ser definida como a capacidade de resilincia de um sistema, ou seja, a sua capacidade de persistir diante de

uma perturbao, reagir, assimilar e adaptar-se s mudanas. Ver mais a respeito no Cap. 2, item 2.1.1.

Introduo

2

ambientais, em especial os oriundos das formas de urbanizao inadequadas vigentes (MARCONDES, 1999).

A degradao progressiva dos recursos hdricos est ligada ao avano da urbanizao sobre o meio natural, de maneira desordenada, atravs da implantao de loteamentos irregulares e a instalao de usos e ndices de ocupao incompatveis com a capacidade de suporte do sistema. O parcelamento indiscriminado da terra nas periferias urbanas uma das principais fontes de problemas ambientais das cidades, como aponta Braga (2003) ao dizer que:De todas as indstrias urbanas poluentes, a indstria do lote talvez seja a mais perniciosa de todas, pois, alm de ser de fcil disseminao, a demanda por seu produto virtualmente inesgotvel e seus efeitos so dificilmente reversveis.

As inundaes representam uma das maiores ameaas desse padro de crescimento urbano: devido impermeabilizao do solo e a remoo de cobertura vegetal natural, cada vez mais, chuvas menores, de menor tempo de recorrncia, passam a causar maiores transtornos cidade. Como solues comumente adotadas esto os projetos de drenagem baseados em medidas estruturais, de curto tempo de vida, que transferem o problema de montante para jusante e tm como filosofia escoar a gua precipitada o mais rpido possvel da

rea projetada (TUCCI, 2003). No entanto, a adoo de medidas mitigadoras para ocontrole de inundaes, ao longo dos anos, tem se mostrado ineficiente quando atua, via de regra, apenas sobre os efeitos e no sobre as causas, que esto na dinmica dos fatores ambientais inerentes a paisagem urbana. O planejamento do sistema de drenagem deve estar previsto na fase inicial do planejamento urbano e integrado aos demais planos de desenvolvimento. Alm disso, o plano de drenagem deve embasar-se em critrios ambientais e no exclusivamente pela viabilidade econmica de projetos hidrulicos, que muitas vezes negligenciam os impactos ambientais. Assim, necessrio adotar medidas preventivas de controle distribudo, considerando a totalidade da bacia e a adequada regulamentao. Partidrio (1999), quando refere gesto da qualidade ambiental em reas urbanas, aponta para a abordagem preventiva das medidas de gesto ambiental em relao manuteno de um nvel elevado de qualidade ambiental urbana. Contudo, a adoo de medidas de carter preventivo, como observa a autora, implica o prvio

Introduo

3

conhecimento do funcionamento do sistema urbano e a capacidade de previso de possveis alteraes ambientais. Um instrumento de gesto ambiental essencial ao controle e previso de impactos, dentre esses as enchentes, o zoneamento ambiental, que deveria se integrar aos instrumentos do Plano Diretor para ditar as potencialidades e restries do meio, ao eleger reas propcias a densificao ou urbanizao e reas onde a ocupao seja ambientalmente invivel. Para o planejamento de uso do solo e mesmo na tomada de deciso quanto as medidas que venham a atenuar os efeitos catastrficos das inundaes urbanas, o zoneamento de reas inundveis constitui instrumento determinante para o prvio conhecimento da vulnerabilidade do meio frente a ao antrpica. a partir desse instrumento que so definidos critrios de uso e ocupao das reas de fundo de vale, possibilitando contemplar percentual significativo de reas permeveis e atenuao dos picos de vazo. Associadas s formas degradantes de apropriao das reas urbanas, as enchentes, assim com a escassez hdrica, colocam os recursos hdricos como a principal questo no debate atual sobre a qualidade do ambiente urbano. Isso caracteriza tanto a necessidade de que a bacia hidrogrfica seja uma unidade fundamental para a gesto ambiental das cidades como o processo de ordenao do uso e ocupao do solo a questo prioritria na poltica de gesto dos recursos hdricos. A adoo da Bacia Hidrogrfica como unidade de planejamento da dinmica de uso e ocupao do espao, integrado questo da drenagem, figura como uma estratgia para a anlise ambiental do espao urbano e subsdio tomada de deciso sobre medidas a serem adotadas na preveno de inundaes urbanas. Diante do exposto pode-se considerar que a problemtica da drenagem urbana um tema que deve, inevitavelmente, ser estudado em conjunto com o planejamento do solo urbano, dentro de uma concepo nova de drenagem urbana, que se baseia no planejamento integrado do meio ambiente, como um conjunto de medidas preventivas de impactos das alteraes ocorridas no ciclo hidrolgico devido ao inadequado uso do solo. Para isso, necessrio considerar a capacidade de suporte do meio e a aplicao de critrios ambientais, que visam guiar o processo de ocupao urbana, identificando vulnerabilidades ambientais e limitaes de uso impostas pelas caractersticas naturais locais. Seu principal propsito reduzir a degradao ambiental e promover a recuperao e manuteno das condies desejveis para a bacia.

Introduo

4

Desenvolvimento do trabalho O presente trabalho se prope a uma investigao dentro dessa nova abordagem de drenagem urbana, apresentando um estudo de caso onde se enfatiza a adoo de medidas preventivas - no-estruturais - no disciplinamento do uso e ocupao do solo em micro-bacia urbana, atravs da formulao e anlise de cenrios ambientais como fatores decisivos ao processo de planejamento do sistema de drenagem, visando a bacia urbana sustentvel. Como esta abordagem visa o planejamento ambiental da bacia, e este requer a interdisciplinaridade, o presente estudo prope cenrios de uso e ocupao do solo, cujas implicaes hidrolgicas aparecem em Boldrin (2005)2 que tambm tem como objeto de estudo a micro-bacia do Crrego do Gregrio. Esse trabalho conjunto resulta em propostas para dar suporte ao planejamento urbano, focadas na sustentabilidade da drenagem e pautadas nas respostas do escoamento superficial na bacia dadas pelas simulaes hidrolgicas. A dissertao estrutura-se em duas partes, cujo contedo est dividido em 8 captulos. A Parte I consiste de uma reviso bibliogrfica, que se subdivide em 4 captulos. No primeiro se contextualiza a questo da drenagem urbana a partir da problemtica ambiental das cidades, demonstrando os impactos do atual modelo de ocupao territorial. O segundo captulo aborda o surgimento de um planejamento mais voltado aos princpios ecolgicos e com mltiplos propsitos, dentro de uma viso ecossistmica, discutindo as premissas do desenvolvimento sustentvel e de sua extenso s cidades. Nesse mesmo captulo, fala-se da importncia do sistema de reas verdes para a manuteno da qualidade ambiental urbana e da formulao de cenrios ambientais, como subsdio ao planejamento ambiental. O terceiro captulo aborda a questo das cheias urbanas e a continuidade da aplicao do modelo higienista de conduo rpida das guas do escoamento superficial. O quarto captulo apresenta a discusso sobre a importncia da adoo da bacia hidrogrfica como unidade de planejamento ambiental urbano, do papel das medidas preventivas de

2

controle: trecho da Bacia do Crrego do Gregrio - So Carlos, SP. Dissertao (Mestrado). Escola de Engenharia deSo Carlos, Universidade de So Paulo. So Carlos, 2005.

em BOLDRIN, R. S. (2005). Avaliao de Cenrios de Inundaes Urbanas a partir de medidas no-estruturais de

Ver detalhes da escolha do modelo hidrolgico, da entrada de dados e da execuo das simulaes dos cenrios

Introduo

5

enchentes, notadamente a conservao das reas verdes, apresentando exemplos de aplicao dessas medidas no Brasil, Amrica do Norte e Europa. A Parte II trata do estudo de caso e se subdivide em 4 captulos (5 ao 8). O captulo 5 apresenta os procedimentos metodolgicos desse estudo. O captulo 6 discorre sobre o processo de expanso urbana de So Carlos, os impactos gerados e a caracterizao ambiental do municpio. No stimo captulo feita uma caracterizao focada na Subbacia Bacia do Crrego do Gregrio, objeto de estudo, seus aspectos fsicos e urbanos. Tambm so apresentadas as simulaes hidrolgicas e analisados os possveis cenrios de ocupao do solo na bacia, considerando ou no a aplicao de medidas no-estruturais de drenagem. Esse mesmo conjunto de medidas aplicado em uma sub-bacia (UP) da rea de estudo, de forma isolada e combinada, sendo tambm avaliados os resultados das simulaes hidrolgicas da referida rea. J o oitavo e ltimo captulo enumera critrios e diretrizes gerais de uso do solo para preveno de enchentes e incremento da qualidade do ambiente urbano.

6

OBJETIVOSObjetivo Geral: Propor e avaliar os resultados da adoo de medidas no-estruturais na preveno de enchentes em bacias hidrogrficas, tendo em vista o planejamento ambiental de uma bacia urbana sustentvel. Objetivos Especficos: Parte I: - Discutir o tema drenagem urbana dentro do campo do planejamento urbano integrado, sob a perspectiva de desenvolvimento sustentvel. - Analisar a aplicao de medidas no-estruturais de preveno de enchentes, voltadas para a conservao e planejamento das reas verdes, buscando exemplos de projetos no Brasil e em outros pases. - Avaliar os aspectos legais relacionados preservao de reas verdes e a preveno de enchentes nas bacias urbanas. Parte II: - Propor cenrios de urbanizao na bacia do Crrego do Gregrio - So Carlos (SP), considerando apenas o uso de medidas no-estruturais, para anlise da dinmica do escoamento superficial. - Avaliar as simulaes hidrolgicas das diversos cenrios de ocupao do solo na Bacia do Crrego do Gregrio, para identificar a eficcia do uso de medidas noestruturais. - Propor diretrizes e critrios para guiar o processo de ocupao urbana na bacia, a fim de minimizar os impactos da impermeabilizao do solo sobre o sistema de drenagem.

7

A natureza na cidade muito mais do que rvores, jardins e ervas nas frestas das caladas e terrenos baldios. o ar que respiramos, o solo que pisamos, a gua que bebemos e expelimos e os organismos com os quais dividimos nosso habitat. A natureza na cidade uma fora poderosa que pode sacudir a terra, fazendo-a deslizar, deslocar-se ou desmoronar-se. (...) a chuva e o barulho da correnteza dos rios subterrneos enterrados no sistema de guas pluviais(...) a conseqncia de uma complexa interao entre os mltiplos propsitos e atividades dos seres humanos e de outras criaturas vivas e dos processos naturais que governam a transferncia de energia, o movimento do ar, a eroso da terra e o ciclo hidrolgico. A cidade parte da natureza..ANNE WHISTON SPIRN

O Jardim de Granito

PARTE 1 - REFERENCIAL TERICO

8

PARTE I REFERENCIAL TERICO

9

CAPTULO 1 - A PROBLEMTICA AMBIENTAL URBANA

A histria do homem sobre a Terra a histria de uma rotura progressiva entre o homem e o entorno. MILTON SANTOS3

A intensidade e as caractersticas da urbanizao em todo o mundo geraram dois grandes problemas no final do sculo XX: a questo urbana e a questo ambiental. A intensidade da concentrao urbana intensifica os processos de degradao ambiental, resultando em crescente vulnerabilidade das cidades. Nas ltimas dcadas, a urbanizao acelerada e desordenada, a concentrao da populao e das atividades econmicas no espao e os padres tecnolgicos da produo industrial tm reforado um quadro ambiental altamente degradado, resultante de um padro de desenvolvimento que leva ao uso predatrio dos recursos naturais. As cidades esto no cerne dessa questo: enquanto centros de produo e consumo, so grandes exploradoras de recursos naturais. (CHAFFUN, 1996). Quando se aborda a questo da qualidade ambiental nos aglomerados humanos, o desenvolvimento, as alteraes tecnolgicas e a urbanizao so apontadas como a origem dos problemas relacionados aos fatores ambientais das reas urbanas (PARTIDRIO, 1999). Uma das causas apontadas o desenvolvimento de polticas que no contemplam ou que do baixo valor proteo ambiental. Sem a necessria adequao ao meio fsico, bitico e antrpico, a expanso urbana tem gerado os seguintes impactos, entre outros: - Degradao do patrimnio natural e cultural, pelo avano da ocupao em reas ambientalmente frgeis; - Retirada da cobertura vegetal, expondo o solo a processos erosivos; - Contaminao dos cursos dgua por efluentes sanitrios sem tratamento e resduos slidos dispostos inadequadamente;

3

Hucitec.

SANTOS, M. (2002). Tcnica, Espao, Tempo: globalizao e meio tcnico-cintfico-informacional. So Paulo: Ed.

1. A problemtica ambiental urbana

10

- Degradao dos mananciais de gua e dos fundos de vale em decorrncia da impermeabilizao do solo; Entre os fatores que contribuem para a vulnerabilidade scio-ambiental das cidades, podem ser destacadas: - a ineficcia do controle por parte do poder pblico sobre o processo de expanso urbana, do ponto de vista legal e tcnico; - a intensa especulao imobiliria traduzida na ilegalidade da ocupao de reas perifricas; - a ocupao urbana em reas frgeis do ponto de vista ambiental; - a inexistncia do zoneamento ambiental, como instrumento de avaliao da capacidade de suporte do stio natural e das estruturas instaladas; - e a ausncia de efetivo exerccio de participao da sociedade na discusso de propostas para a cidade. Na perspectiva de reverter o quadro de degradao e construo de cidades sustentveis - conciliao entre desenvolvimento urbano e qualidade ambiental - a gesto urbana deve considerar, principalmente, as caractersticas, a capacidade de suporte do meio e as necessidades colocadas pela sociedade. A legislao urbana, a Poltica Ambiental, com seus instrumentos e a participao social so as principais ferramentas nesse processo.

1.1

Efeitos da urbanizao sobre o ciclo hidrolgico

A questo dos recursos hdricos perpassa todos os componentes do ecossistema urbano, influenciando a qualidade ambiental e de vida nas cidades. Entretanto, as intervenes humanas tm negligenciado a relao entre o elemento gua e seu entorno natural, pois afeta os diversos fenmenos do processo hidrolgico de maneira diferenciada, podendo tanto aumentar quanto diminuir seus efeitos na bacia hidrogrfica.

1. A problemtica ambiental urbana

11

Devido impermeabilizao do solo, a remoo de cobertura vegetal natural e a canalizao dos corpos dgua, a expanso urbana ameaa os recursos hdricos e a estabilidade do ecossistema bacia hidrogrfica. Nesse processo, a gua que antes infiltrava ou era retida pelas plantas, passa a escoar pelos condutos, aumentando o escoamento superficial e gerando vrios efeitos que modificam os componentes do ciclo hidrolgico natural. Ocorre drstica diminuio da capacidade de armazenamento do solo e do subsolo causada pela perda da capacidade do solo em absorver guas pluviais, associada ao aumento do escoamento superficial e ao conseqente aumento da intensidade do fluxo fluvial, bem como a diminuio da evapotranspirao. Como conseqncias desse desequilbrio na drenagem esto as enchentes urbanas, que acometem sazonalmente grandes cidades (Figura 1.1).

Figura 1.1: Impacto devido urbanizao. Fonte: Adaptado de Schueler (1987 apud Tucci, 2003).

O clima urbano tambm um dos fatores afetados pelas alteraes no ciclo hidrolgico. A diminuio das reas verdes, a impermeabilizao e a poluio geram o fenmeno das ilhas de calor, que est associado ao aumento da pluviosidade no vero, o que contribui para o acirramento do problema das enchentes (BRAGA, 2003). Em relao aos efeitos da urbanizao sobre o ciclo hidrolgico, Tucci (2003) apresenta, na Figura 1.2, de maneira sucinta: - Aumento do escoamento superficial e reduo do tempo de deslocamento, aumentando as vazes mximas e antecipando seus picos no tempo; - Reduo do escoamento subterrneo, diminuindo o nvel do lenol fretico no aqfero;

1. A problemtica ambiental urbana

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- Reduo da evapo-transpirao; - Reduo da infiltrao do solo.

Figura 1.2: Caractersticas do balano hdrico numa bacia antes e aps a urbanizao. Fonte: Adaptado de OECD (1986 apud TUCCI, 2003).

No entanto, os atuais problemas ambientais urbanos no decorrem somente da falta de planejamento urbano, mas da prtica do mau planejamento, que de forma rgida e severa se imps desde o comeo do sculo XX, muitas vezes voltado a interesses econmicos, desconsiderando o contexto e o conhecimento das caractersticas naturais do meio.

1.2

Planejamento Urbano dissociado de Qualidade Ambiental

O planejamento urbano surge no Brasil, de acordo com Dek (1999), por volta de 1930, como uma nova atividade governamental com a finalidade especfica de tratar das novas entidades que estavam surgindo: as aglomeraes urbanas. Villaa (1999) define essa atividade como a ao do Estado sobre a organizao do espao intraurbano. O pensamento de Villaa (1999) elucidativo quanto trajetria do planejamento urbano no Brasil, no decorrer do sculo XX. Segundo o autor, a partir da dcada de 50

1. A problemtica ambiental urbana

13

se desenvolve um discurso no pas sobre a necessidade de integrao dos vrios objetivos dos planos urbanos, centrando-se na figura do plano diretor e passando a se chamar planejamento local integrado. No entanto, a integrao no ocorreu, mas, pelo contrrio, quase que totalmente, no passou do discurso. A partir da dcada de 60, passaram a ser produzidas no pas dezenas de planos diretores, sendo que, em sua esmagadora maioria, no atingiram os objetivos que se propuseram, no escapando

de um destino tradicional: boas intenes descoladas de implementao 4. Nessesentido, Villaa (1999) destaca os aspectos urbansticos referentes a uso e ocupao do solo sendo os que mais geraram polmicas e mobilizaram faces da classe dominante para impedir a aprovao de planos ou esterilizar a ao dos que j haviam sido aprovados. importante salientar que as matrizes que fundamentaram o planejamento urbano no Brasil nas ltimas dcadas no tm comprometimento com a realidade socioambiental de nossas cidades (MARICATO, 2000), uma vez que a prtica tradicional de planejamento negociava, a portas fechadas, o destino da cidade com os interesses econmicos, locais e corporativos, ignorando conflitos sociais e condies ambientais locais. Pases perifricos como o Brasil, que aplicaram o mesmo receiturio ordenador do planejamento das cidades europias tiveram resultados pouco eficazes, por no conseguir ultrapassar questes estruturais da cidade. Assim, a importao desses padres aplicados a uma parte da cidade (ou da sociedade), a chamada cidade do mercado imobilirio legal, contribuiu para que a cidade brasileira fosse marcada pela modernizao incompleta e excludente (MARICATO, 2000). Essa prtica do planejamento urbano, limitada organizao dos espaos da cidade e centrada na restrio de seu traado, suas densidades e seus usos, baseia-se na aplicao do zoneamento, instrumento tradicional de ordenamento do uso e ocupao do solo, que busca eleger os usos possveis para determinadas reas da cidade, evitando convivncias conflitantes entre eles, no sendo objeto de preocupao as especificidades fsico-ambientais da cidade, conforme observa Maricato (2001):As leis de zoneamento constituem, talvez, a expresso mais forte do urbanismo modernista com sua utopia de dirigir ordenadamente o uso e a ocupao do solo, com regras universais e genricas, separando usos, nveis de circulao, tipologias de edifcios, padres de ocupao do solo etc (MARICATO, 2001, p. 114)

4

Maricato (2001), p.116.

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14

Desse carter de interveno no territrio, que Maricato (2000) declara ser fundamentalmente econmico e muito mais afeito s vicissitudes do mercado imobilirio do que aos problemas socioambientais das cidades, resulta, na prtica do planejamento no Brasil: legitimao de usos do solo j consolidados, especulao imobiliria, aumento da segregao social e degradao ambiental. As reas

protegidas por lei, como os fundos de vale e as encostas ngremes, por no interessar ao mercado legal, passam a ser ocupadas de forma espontnea, constituindo um entrave a sustentabilidade ambiental (MARICATO, 2000).As manifestaes crticas sobre a concepo racionalista do urbanismo, que tem o zoneamento como seu principal instrumento, juntamente com a discusso sobre a qualidade ambiental urbana, surgem, segundo Del Rio (1990), a partir da dcada de 1960. Nos Estados Unidos, crticos como Jane Jacobs (1961) e Richard Sennett (1990) tm alertado o pblico para a importncia do desenho urbano, sendo ambos crticos de aspectos do planejamento urbano, mais notadamente o zoneamento tradicional, no caso de Jacobs, e o padro rgido de malha urbana ortogonal, no caso de Sennett (HAUGHTON e HUNTER, 1996). Para Jacobs (2000), as cidades necessitam da diversidade de usos mais complexa e densa, que propicie entre eles uma sustentao mtua e constante, tanto econmica quanto social; e o zoneamento tradicional combate essa diversidade, racionaliza a urbanizao, transformando-a em coisa estril, rgida e vazia. Sennett (1990 apud HAUGHTON e HUNTER, 1996) observa que a malha ortogonal implantada desconsiderando os aspectos naturais do stio, como a topografia, os vales, as florestas, as irregularidades dos cursos dos rios ou lagos. Postura semelhante a de Turner (1998), para quem uma conseqncia lamentvel do princpio difundido pelo pensamento moderno e seus planos de zoneamento a restrio diversidade de usos do solo, que leva a hierarquizao das reas nas cidades como reflexo das estruturas sociais. Para Rueda5 (1992 apud FRANCO 2001), a atual planificao urbana continua refletindo, em muitos casos, os princpios expostos na Carta de Atenas6, sendo que o

5

Ciudad y Territrio Estudios Territoriales, v. II. Madrid: Ministrio de Obras Publicas.6

RUEDA, S. (1992). El ecossistema urbano y los mecanismos reguladores de las variables autogenerativas. In:

Teoria de planificao publicada em 1941, elaborada pelo arquiteto Le Corbusier, que sintezida o contedo do

Urbanismo Funcionalista, sistema de planejamento urbano baseado na rgida compartimentao e na localizao

1. A problemtica ambiental urbana

15

mais notvel resultado desse modelo a garantia do mximo consumo de energia, tempo e solo na soluo das funes correntes da vida urbana, o que transforma todos os cidados em potencias e involuntrios agentes do desperdcio energtico. Villaa (1999), ao se referir s polticas pblicas reais nas esferas imobiliria e fundiria no Brasil, afirma que a ao do Estado, atravs das leis urbansticas de zoneamento, produziu e continua produzindo a ciso de nossas cidades em duas: de um lado a valorizada cidade legal, equipada e moderna, do outro a ignorada cidade ilegal, miservel e atrasada. Nos seus quase cem anos de existncia entre ns, o

zoneamento quase que exclusivamente serviu para atender a interesses claros e especficos, particularmente os da populao de mais alta renda (VILLAA, 1999).Tambm contrria ao planejamento tecnocrtico e excludente, Rolnik (1999) aponta para a relao entre o zoneamento e a excluso social ao dizer que:[...] a regulao urbanstica tradicional - baseada no estabelecimento de zonas intra-urbanas, diferenciadas por meio de coeficientes de ocupao, aproveitamento e verticalizao especficas - no se mostrou eficiente no sentido de combater a excluso social. Pelo contrrio, pde consolidar territrios em que essa excluso se legitima (ROLNIK, 1999).

Diante dessas crticas, importante considerar que as instncias de planejamento no Brasil, diferentemente dos pases desenvolvidos, no contam com tradio de participao popular em decises polticas. Como menciona Souza (2000):Em pases socialmente mais equilibrados e democrticos, o grau de conscientizao, a mobilizao e a participao popular nas questes ligadas administrao do espao local so incomparveis realidade enfrentada pelos pases subdesenvolvidos. Devido a fatores histricos e estruturais como desigualdade social e a manuteno do status quo pelos setores dominantes, predomina um estado de apatia e ignorncia na populao em geral (SOUZA, 2000).

Para Maricato (2000), alm do debate e da participao ativa da populao, do controle e fiscalizao do uso e ocupao do solo, necessrio um enfoque integrado das aes sociais, ambientais e econmicas. O destino do planejamento no Brasil atual, a credibilidade e o contedo dos planos diretores depende da conscientizao da populao em relao problemtica ambiental urbana, da criao de um espao de debate democrtico com participao

das atividades segundo a funo. Ver detalhes em CORBUSIER, L. (1993). A carta de Atenas. Estudos Urbanos. So Paulo: Hucitec Edusp.

1. A problemtica ambiental urbana

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social ativa, da opinio pblica esclarecida, alm de eficazes e eficientes canais de expresso e atuao, o que inexiste na concepo tradicional de planejamento urbano. A participao da sociedade apontada com fundamental tomada de deciso, tanto na Lei das guas, que j apia a criao de associaes de usurios e de comits de bacia, como na nova estratgia de gesto trazida pela Lei do Estatuto da Cidade. Se o zoneamento tradicional, instrumento de planejamento mais difundido no Brasil, no tem contribudo para a democratizao do acesso a terra urbana ou a reduo da degradao ambiental, como aponta Braga (2003), preciso repens-lo de forma que a aplicao desse instrumento esteja voltada capacidade de suporte do meio e s caractersticas ambientais das diversas unidades de paisagem, definidas pelas bacias e micro-bacias hidrogrficas urbanas. Para tanto, esse instrumento deveria ser embasado por um zoneamento ambiental, deixando de ser limitante e passando a ser um instrumento indicativo, a apontar ocupaes ambientalmente favorveis s polticas pblicas. O ZA citado no Estatuto da Cidade, embora esta lei no garanta a articulao necessria desse instrumento aos de planejamento municipal. Cabe ento aos municpios, na elaborao de seus Planos Diretores, a sua articulao aos instrumentos de gesto ambiental, para que estes possam ser implementados no mbito local e regional, impulsionando a capacidade de gesto ambiental das cidades. Ao incorporar o questionamento da relao entre ambiente antropizado e os ecossistemas naturais, os objetivos do planejamento devem ser ampliados, no se resumindo elaborao de um plano diretor, que no consegue, sozinho, abranger os mltiplos aspectos do planejamento urbano, devendo se articular com outros planos setoriais complementares, focados em diretrizes sobre aspectos especficos, como os relativos arborizao, drenagem urbana, transportes, esgotamento sanitrio etc.

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CAPTULO 2 - A BUSCA DO EQUILBRIO AMBIENTAL

Todos tm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo para as presentes e futuras geraes.7

O sculo 20 viu emergir um considervel conjunto de planos de inovao e experimentao a partir do tema do desenvolvimento urbano sustentvel, com o surgimento de expresses como cidades orgnicas, verdes ou eco cities. Dentro das mais influentes propostas de alterar a forma e o modelo das cidades, destaca-se a abordagem voltada para a integrao regional equilibrada com o ambiente natural, a partir da necessidade de planejar o desenvolvimento urbano dentro do contexto local do ambiente natural (HAUGHTON e HUNTER, 1996). Esse novo pensamento, acerca de como as cidades poderiam se estabelecer em contato com a natureza, encontra sua mais famosa expresso no trabalho de Ebenezer Howard e seus seguidores, com a proposta de cidade jardim em 1898, formulada como soluo para o impasse civilizatrio enfrentado pelas grandes cidades britnicas do sculo XIX, numa tentativa de reunir as vantagens das cidades s do campo, com melhoria das condies de vida e controle do crescimento urbano8. Patrick Geddes, em 1915, acreditava que o planejamento urbano necessitava de um prvio conhecimento das regies naturais e seus recursos, considerando a bacia hidrogrfica como unidade natural para a anlise das diferentes atividades associadas s cidades. Em 1961, Lewis Munford, influenciado pelo movimento de Cidade Jardim e pela abordagem de bacia hidrogrfica de Patrick Geddes, cria uma ligao mais direta entre caractersticas naturais e desenvolvimento urbano (HAUGHTON e HUNTER, 1996), embora essa abordagem s adquire maior avano no trabalho de Ian McHarg, em 19699, cujo tema design with nature, onde o autor mostra como os processos

7 8

Constituio Federal do Brasil, artigo 225 (BRASIL, 1988). Ver a respeito o livro Cidades Jardins: a busca do equilbrio social e ambiental: 1898-1998. 3 Bienal Internacional

de Arquitetura. So Paulo: Fundao Bienal de So Paulo. Universidade de So Paulo - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (OTTONI e SZMRECSNYI, 1997).9

MCHARG, I. L. (1992). Design with nature. New York: John Wiley & Sons, Inc. (25o edition).

2. A busca do equilbrio ambiental

18

naturais deveriam influenciar o processo de planejamento e projeto e evidencia sua maior preocupao com o planejamento do que com o projeto. Assim como Geddes, McHarg preconiza o exame das condies ambientais da rea como prioridade antes do desenvolvimento urbano, mas, avana no nvel da anlise ao incorporar variveis como rea de recarga de aqferos e clima local. Levando em considerao as diversas dimenses de impactos da urbanizao sobre o ambiente natural, busca-se avaliar as caractersticas do meio para se identificar as reas onde a urbanizao acarretaria menor risco aos ecossistemas naturais. Dessa forma, os trabalhos de Geddes, Munford e McHarg, em particular, enfatizam a necessidade de planejar a expanso urbana e novas cidades a partir do conhecimento das condies ecolgicas locais, com o objetivo de minimizar os impactos adversos do desenvolvimento urbano (HAUGHTON e HUNTER, 1996). O Urbanismo Funcionalista ou Racionalista, que surge com a consolidao do Movimento Moderno na Europa no perodo compreendido entre as duas guerras mundiais, impulsiona o planejamento regional e intra-urbano, cujo contedo sintetizado na Carta de Atenas. Dentre os princpios do urbanismo moderno esto a submisso da propriedade privada do solo urbano aos interesses coletivos, a limitao do tamanho e da densidade das cidades e a edificao concentrada, porm, adequadamente relacionada com amplas reas verdes. Supunha o zoneamento funcional como instrumento de ordenamento urbano e uma esttica geometrizante para um modelo de cidade que seria o mesmo em qualquer parte do mundo, constituindo uma resposta universalmente vlida aos problemas das grandes cidades da era industrial. Embora haja uma preocupao em liberar o solo para a sua utilizao do ponto de vista urbanstico e o patrimnio ambiental seja visto como um instrumento de planejamento, em nenhum momento so aventadas as peculiaridades da natureza do espao urbano, dos mecanismos econmicos que condicionam a sua produo e consumo (Sherer, 1986)10. Como afirma Turner (1998), o trabalho de McHarg se ope o planejamento e projeto modernos , que tendiam a criar locais similares em todo o mundo, ignorando o contexto local. A conscincia de proteo ambiental se consolida no final da dcada de 70 e os princpios ecolgicos passam a ser contemplados no planejamento da paisagem

2. A busca do equilbrio ambiental

19

urbana, considerada como parte integrante da natureza. Dentro dessa tica tambm est o trabalho de Anne W. Spirn (1995), O Jardim de Granito11, de 1983, onde reforado o argumento de que o homem parte da natureza e que os processos naturais devem ser centrais no planejamento e projeto urbanos. Assim como Ian McHarg, Spirn d exemplos de como projetar com a natureza. A ecologia da paisagem surge, ento, como uma tentativa de traduzir os princpios ecolgicos para a escala prtica do planejamento urbano. Em sua obra de 1986,

Landscape Ecology, Forman e Godron buscam fundir o conhecimento de gegrafos,ecologistas, arquitetos-paisagistas, planejadores e historiadores para entender a estrutura, funo e mudana das paisagens. Os princpios dessa nova forma de planejamento, mais voltada a questes ecolgicas por reconhecer a interdependncia entre os diversos elementos que compem o ambiente, fundamentam o surgimento do planejamento ambiental, a partir dos anos 80.

2.1

Planejamento Ambiental para o Desenvolvimento Sustentvel

A crise ambiental das ltimas dcadas e a previso da escassez de recursos naturais bsicos evidencia o fracasso do planejamento fundamento na viso positivista e progressista, ligada a meta do desenvolvimento econmico ilimitado. Os anos oitenta viram surgir uma nova modalidade de planejamento, mais voltada s intervenes humanas dentro da capacidade de suporte12 dos ecossistemas, visando a melhoria da qualidade de vida humana, dentro de uma tica ecolgica, ao qual deu-se o nome de Planejamento Ambiental. Partindo do princpio da valorizao e conservao das bases naturais de um dado territrio, ou seja, suas relaes ecossistmicas, o Planejamento Ambiental pressupe o planejamento das aes humanas no territrio, fundamentado na compreenso do ambiente natural, seus aspectos fsicos, biolgicos e antrpicos, para facilitar o seu10

SHERER, R. (1986). Apresentao. In: CORBUSIER, L. (1993). A carta de Atenas. Estudos Urbanos. So Paulo: SPIRN, A. W. (1995). O Jardim de Granito: A Natureza no Desenho da Cidade. Traduo de Paulo R. M. Pellegrino.

Hucitec Edusp.11

So Paulo: Edusp.12

Ver a respeito no captulo 2, item 2.1.1.1

2. A busca do equilbrio ambiental

20

meio principal de comunicao e projeto, com aponta Franco (1997), que o Desenho Ambiental. Esse planejamento que passa a ser preconizado, voltado para os princpios ecolgicos, pode ser definido como o planejamento do uso dos recursos naturais pela sociedade, integrando conhecimento tcnico e cientfico, que forneam opes para a tomada de decises sobre alternativas futuras, centradas no uso racional e sustentvel dos recursos naturais. Uso sustentvel implica no reconhecimento de que necessria a proteo dos recursos ambientais e culturais para que o atendimento dos interesses do presente no comprometa a capacidade das futuras geraes de satisfazerem as suas necessidades (PELLEGRINO, 2000). Na Agenda 21, captulo 7, prescrita a necessidade de Planejamento ambiental e uso sustentvel do solo, ao recomendar aos pases a elaborao de um levantamento de seus recursos de solo, segundo o uso mais adequado, ressaltando que reas ambientalmente frgeis ou sujeitas a catstrofes devem ser identificadas para medidas especiais de proteo. O mesmo documento ainda reconhece que o Planejamento Ambiental deve fornecer sistemas de infra-estrutura, ambientalmente saudveis, que possam ser traduzidos pela sustentabilidade do desenvolvimento urbano, o qual est associado disponibilidade de suprimentos de gua, qualidade do ar, drenagem, servios sanitrios e rejeito de lixo slido e perigoso. Atingir o Desenvolvimento Sustentvel dos ecossistemas, sejam eles urbanos ou no o objetivo principal do Planejamento Ambiental, de forma a minimizar os gastos energticos e os riscos de impactos ambientais.

2.1.1 Sustentabilidade Urbana

O conceito de desenvolvimento sustentvel surgiu da Estratgia Mundial para a Conservao (World Conservation Strategy) lanada pela Unio Mundial para a Conservao (WCU) e pelo Fundo Mundial para a Conservao (WWF), apoiada pelo Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Esta estratgia prope a busca de uma harmonizao entre o desenvolvimento socioeconmico e a conservao do meio ambiente, com nfase na preservao dos ecossistemas naturais e na diversidade gentica, para a utilizao racional dos recursos naturais.

2. A busca do equilbrio ambiental

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Desenvolvimento Sustentvel, segundo o Relatrio Brundtland13 o desenvolvimento que satisfaa as necessidades das presentes geraes sem comprometer a capacidade das futuras geraes em satisfazer as suas prprias necessidades (ONU, 1987). Essa colocao contm dois conceitos-chave: o de necessidades, em particular as necessidades essenciais da pobreza mundial, s quais deve ser dada total prioridade, e o de limitaes, impostas pelo estado da tecnologia e da organizao social sobre a capacidade do meio ambiente de atender s necessidades atuais e futuras. Alm disso, esse conceito supe a sustentabilidade apoiada em trs princpios fundamentais: a conservao dos sistemas ecolgicos para a manuteno da vida e da biodiversidade, a garantia do uso sustentvel dos recursos renovveis e a manuteno das aes do homem dentro da capacidade de suporte dos ecossistemas. Marco do ambientalismo contemporneo, a Agenda 21 ou Declarao do Rio o documento resultante da Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente14, realizado em junho de 1992, no Rio de Janeiro, tambm conhecida como Cpula da Terra. Neste documento so apresentados 27 princpios para o alcance do desenvolvimento sustentado em escala global, firmando direitos e deveres aos pases, de carter individual ou coletivo. A agenda 21, no captulo 7, trata da necessidade de promoo do desenvolvimento sustentvel dos assentamentos urbanos, do planejamento e ordenao sustentvel do uso do solo, destaca a promoo de sistemas sustentveis de transporte e energia, alm de uma srie de diretrizes para o desenvolvimento de cidades sustentveis. No capitulo 28, aborda a necessidade de participao e cooperao das autoridades locais na realizao de seus objetivos atravs da elaborao de agendas 21 locais. A agenda Habitat, resultado da conferncia Habitat II ou Cpula da Cidade, realizada em Istambul, na Turquia, em 1996, coloca as cidades no foco do desenvolvimento sustentvel, oferecendo um marco de objetivos, princpios e compromissos para a consecuo de assentamentos urbanos sustentveis.

13 Relatrio elaborado pela World Comission to Environment and Development (WCED), entitulado Our commom future, concludo em 1987, que registra sucessos e falhas do desenvolvimento mundial e reconhece de forma oficial o termo Desenvolvimento Sustentvel, declarando o meio ambiente como um autntico limite de crescimento (ONU, 1998).14

Desenvolvimento. Braslia, Subsecretaria de Edies Tcnicas do Senado Federal.

ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS (1988). Agenda 21: Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e

2. A busca do equilbrio ambiental

22

Graas ao impulso dado por esses dois grandes eventos promovidos pelas Naes Unidas, Rio-92 e Conferncia Habitat, toma vulto a discusso sobre Cidades Sustentveis, evidenciando a necessidade de ambientalizar as polticas urbanas, ao construir cidades com estratgias ecolgicas ou, em outras palavras, o reconhecimento de que o futuro da humanidade depende da qualidade do meio ambiente urbano (BONDUKI, 1996). Esse conceito incorporado na lei 10.257/01 do Estatuto da Cidade, que estabelece como algumas de suas diretrizes gerais: a garantia do direito a cidades sustentveis e o planejamento do desenvolvimento das cidades, de modo a evitar e corrigir as distores do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; a ordenao e controle do uso do solo para evitar a poluio e a degradao ambiental; a compatibilidade entre expanso urbana e sustentabilidade ambiental e a proteo, preservao e recuperao do meio ambiente natural e construdo. Na questo urbana, o paradigma da sustentabilidade se torna complexo, em virtude do modelo de desenvolvimento que vem sendo historicamente adotado, marcado pela expanso e consolidao dos centros urbanos custa da explorao excessiva dos recursos naturais. No entanto, a conscincia da necessidade de incluir as cidades na agenda global da sustentabilidade universalmente reconhecida. Nesse sentido, como aponta Newman (1999), o movimento por cidades sustentveis parece unido pela

percepo de que o estado do meio ambiente demanda ao e que as cidades so um apropriado frum para agir.Outros como Yanarella e Levine (1992 apud NEWMAN, 1999), sugerem que toda iniciativa de sustentabilidade deveria estar centrada em torno de estratgias de projeto, redesenho e construo de cidades sustentveis. De uma perspectiva global os mesmos autores sugerem que as cidades conduzem o desenvolvimento do mundo e que nunca comearemos a implementar o processo de sustentabilidade, a menos que se possa relacion-lo s cidades. Para Platt (1994), a sustentabilidade urbana pode ser vista sob dois sensos. O primeiro refere-se proteo e restaurao dos fenmenos e processos biolgicos que restam dentro da comunidade urbana, reconhecendo-se os benefcios estticos, psicolgicos, educacionais e recreativos que as reas naturais exercem sobre a populao. J no segundo senso, a sustentabilidade urbana refere-se aos impactos das cidades sobre os recursos terrestres, aquticos e atmosfricos da biosfera, da qual elas extraem sustento e sobre a qual impem seus efeitos danosos. Nesse sentido, sustentabilidade

2. A busca do equilbrio ambiental

23

envolve questes como transporte, conservao de energia, reduo da poluio hdrica e atmosfrica, reciclagem de materiais e nutrientes, dentre outros. As atuais proposta de cidades sustentveis no contestam a cidade, mas visam um modelo de gesto e desenvolvimento urbano em convivncia com sistemas ecolgicos, preconizando o papel dos instrumentos de gesto ambiental, como o Zoneamento Ambiental (ZA) e a Avaliao de Impactos Ambientais (AIA). Nessa proposta a cidade abordada como lugar, com suas caractersticas e especificidades prprias, cuja gesto leva em considerao o ambiente de forma integrada para disciplinar e definir o adequado uso do territrio (MARCONDES, 1999), de forma a reduzir a demanda por matrias, energia e a gerao de resduos do ecossistema urbano (figura 2.1) (TURNER, 1998). Assim, a sustentabilidade est diretamente relacionada capacidade de cada cidade, pensada como um ecossistema construdo, prover-se com um mnimo de importao de recursos naturais, reduzindo as externalidades negativas fora de seus limites fsicos.

Cidade Moderna

EntradaEnergia Materiais gua

SadaResduos Poluio gua

Entrada

Sada

Cidade Sustentvel

Figura 2.1: Cidades sustentveis: menor consumo de energia e menor gerao de resduos. Fonte: Adaptado de Turner (1998)

No entanto, definir estratgias para a sustentabilidade no condio suficiente para a sua prtica: a sustentabilidade s atingida se contempladas ao mesmo tempo, as dimenses econmica, ecolgica, social, espacial e cultural (SACHS, 1993), como resultado de esforos multi-setoriais. Igualmente importante a participao da sociedade como um ingrediente essencial para traar a rota do desenvolvimento sustentvel, como tem sido exaustivamente mencionado em recente literatura sobre meio ambiente.(SOUZA, 2000; POMPEO, 1999; FRANCO, 1997; BRAGA, 2003;

2. A busca do equilbrio ambiental

24

PARTIDRIO, 1989). Isso pressupe que se as atuais geraes preferirem a manuteno do status quo, e nenhum passo for tomado na busca pela viabilidade ambiental de nossas aes, o desenvolvimento sustentvel no passar de uma utopia. importante acrescentar a essas dimenses, a considerao das escalas espacial e temporal de referncia, que fornecero maior ou menor amplitude noo de sustentabilidade de um projeto ou sistema. O enfoque parcial aplicado na soluo de problemas e a busca de benefcios em curto prazo tm sido uma fonte inesgotvel de impactos negativos e de sistemas cuja manuteno territorial se torna insustentvel com o tempo, uma vez que o desenvolvimento local nas cidades tem se condicionado crescente insustentabilidade global dos processos de apropriao dos recursos dos quais elas dependem (RUEDA, 1998 apud ANGELINI, 2001). Dessa forma, a mxima pensar global, agir local se impe como princpio norteador na conquista da sustentabilidade ambiental urbana. Conforme resume Souza (2003) na figura 2.2, para que se atinja a sustentabilidade ambiental necessrio um equilbrio entre as dimenses temporal (presentes e futuras geraes), espacial (meio fsico, bitico e antrpico) e de participao da sociedade (identidade e co-responsabilidade).

DIMENSO

DIMENSO

SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

PARTICIPAO DA SOCIEDADE

Figura 2.2: Sustentabilidade Ambiental. Fonte: Adaptado de Souza (2003)15.

Partindo-se do princpio de que a sustentabilidade a promoo da conservao dos recursos no planeta, ento, promover o desenvolvimento urbano sustentvel requer pensamento holstico na resoluo de problemas ambientais para permitir que o meio

15

Souza, M. P. (2003). Nota de aula.

2. A busca do equilbrio ambiental

25

assegure a melhoria da qualidade de vida e seja preservada a sua capacidade fsica de auto-recuperao e de renovao.

2.1.1.1 Capacidade de Suporte

Na construo da cidade, a velocidade e a escala do processo de ocupao do solo, alm da interferncia abrupta que provoca no meio natural, reduz as condies de assimilao, impedindo que a natureza consiga absorver tais modificaes. (MELO, 1996 apud PITTON, 2003). Isso significa que muitas das reas urbanas esto ultrapassando a capacidade de suporte dos sistemas naturais, como apontam Brown e Jacobson (1987 apud PARTIDRIO, 1999), problemtica que se coloca no mbito geral e que se integra ao conceito de desenvolvimento sustentvel. Em reas urbanas, a questo da capacidade de suporte do meio encontra obstculos devido s elevadas densidades demogrficas e concentrao de atividades, que acarretam impactos ambientais cumulativos. Dessa forma, se um dado impacto tiver uma magnitude maior que a capacidade de resilincia de um dado ecossistema, esse entra em processo de extino. Portanto, quando se destaca a determinao da capacidade de suporte, pode-se entender que, necessariamente, deve existir uma avaliao do meio em relao aos possveis impactos associados interveno humana, de forma que esta seja compatvel com a capacidade dos ecossistemas de absorver os impactos advindos das atividades instaladas, sem comprometer ou ultrapassar essa capacidade. Para Spirn (1995), que concorda ser essencial considerar as paisagens urbanas como ecossistemas, apreciar as potencialidades dos fatores naturais urbanos e propor o entendimento dos mecanismos subjacentes dos ecossistemas como base para a garantia de sustentabilidade de projetos, os ecossistemas diferem em sua capacidade de suportar alteraes e assimilar resduos. A flexibilidade, afirma a autora, uma medida da capacidade de um sistema de absorver mudanas, e alguns ecossistemas so mais flexveis que outros, de forma que cada um tem um domnio de estabilidade caracterstico, no qual o fluxo de energia e matria flui e reflui, e os organismos crescem, reproduzem-se e se adaptam s mudanas. Assim, uma comunidade ecolgica pode suportar perturbaes desde que elas no ultrapassem a capacidade de resposta do sistema. No entanto, as condies-limite da maioria dos ecossistemas

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ainda no so bem compreendidos, e representam um dos maiores contribuies da ecologia da paisagem ao projeto e planejamento de cidades. Dessa forma, ao compreender-se a cidade como um ecossistema, entende-se o limite dentro do qual o sistema urbano pode reagir, assimilar e adaptar-se s mudanas, atravs da sua capacidade de suporte, definida por Souza (2000) como:[...] a capacidade dos ambientes de acomodar, assimilar e incorporar um conjunto de atividades antrpicas sem que suas funes naturais sejam fundamentalmente alteradas em termos de produtividade primria propiciada pela biodiversidade, e ainda assim proporcionar padres de qualidade de vida aceitveis s populaes que habitam estes ambientes (Souza, 2000).

Partidrio (1999) aborda o conceito de capacidade de planejamento que nada mais que a extenso do conceito de capacidade de suporte ao planejamento do espao, sendo definido como a medida da possibilidade de uma regio suportar um determinado nvel de crescimento e desenvolvimento dentro dos limites impostos pelas infra-estruturas existentes e pela capacidade dos recursos naturais. A discusso sobre a associao entre planejamento e capacidade de suporte do meio no recente. Pellegrino (2000) destaca que, nas dcadas de 30 e 40, o Soil

Conservation Service (SCS), nos Estados Unidos, cria diretrizes para o uso adequadodo solo atravs do desenvolvimento de mapas de capacidade de uso do solo (land

capabilities maps), desenhados para determinar a vocao agrcola de uma rea. iniciado tambm, pelo SCS, o planejamento de reas de mananciais, propondo considerar de maneira integrada o solo, a gua, as plantas, a fauna e a populao concernida. Dessa experincia se consolidam os novos paradigmas do planejamento da paisagem, em um esforo para se alcanar um balano sustentvel entre a acomodao de necessidades sociais e a proteo dos recursos culturais e naturais. J na dcada de 60, do ltimo sculo, Ian McHarg16 emprega princpios da ecologia como a base da reconciliao entre sociedade e seu suporte biofsico, desenvolvendo o mtodo denominado suitability analysis, que consistia na sobreposio de mapas temticos (overlays), que depois de interpretados, revelam reas apropriadas aos diferentes usos humanos. Nas dcadas seguintes, com os avanos na tecnologia computacional aplicada ao planejamento da paisagem, juntamente com o surgimento da legislao ambiental de preveno de impactos ambientais, passa a se utilizar a

16

McHARG, I. L. (1992). Design with nature. New York: John Wiley & Sons, Inc. (25o edition).

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sobreposio de mapas para identificar localizaes apropriadas e inapropriadas para futuros usos do solo. Hoje em dia, a disponibilidade de sistemas de informaes geogrficas (SIGs) faz deste procedimento de combinar caractersticas existentes, uma atividade mais prtica. A cidade de Woodlands17, Texas, projetada por McHarg, se torna um exemplo bem sucedido de utilizao do mtodo de suitability analysis e de manejo de informaes ecolgicas para desenvolver um plano geral com critrios para implantao, calcados no balano natural do regime hidrolgico como a pea-chave para um planejamento

ambiental bem-sucedido e um conceito orientador para o desenvolvimento18.Um dos instrumentos da Poltica Nacional de Meio Ambiente19 que determina as limitaes e possibilidades do meio em questo o zoneamento ambiental20, que parte de uma caracterizao do meio, quanto aos seus fatores fsicos, biolgicos e antrpicos e a atividade que se pretende implantar. O zoneamento ambiental pode direcionar os processos de produo dos espaos, priorizando a manuteno da qualidade ambiental e, se implementado, uma condio fundamental para que os princpios da sustentabilidade possam fazer parte do processo de planejamento urbano. Portanto, para que o processo de urbanizao tenha viabilidade ambiental necessria a determinao da capacidade de suporte do meio, ou seja, uma avaliao em relao aos possveis impactos associados atividade urbana e a no superao dessa capacidade. Reconhecer a interdependncia entre os diversos elementos que compem o ambiente levando em conta o estudo e viso ecossistmica da cidade o principio da sustentabilidade urbana, de forma que o planejamento das atividades na cidade possa considerar os processos biofsicos bsicos que esto por trs de seu desenvolvimento.

2.1.2

A cidade como Ecossistema

A necessidade de construir cidades com estratgias ecolgicas ou sustentveis passa pela considerao da cidade como um ecossistema construdo com recursos finitos 17 18

Ver a respeito no captulo 4, item 4.3. McHARG, I. L. et al. (1975) Woodlands new community: An ecological plan. Houston Texas: The Woodlands

Development CO. apud PELLEGRINO (2000).19

Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981 (BRASIL, 1981).

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de forma a orientar o uso dos recursos e a formulao do desenho urbano. Spirn (1995) explica porque v a cidade como um ecossistema:Um ecossistema maior que a soma de suas partes. A energia e a matria fluem em ciclos atravs do ecossistema urbano, ligando o ar, o solo, a gua e os organismos vivos numa vasta rede (...) Esse conceito uma ferramenta poderosa na compreenso do ambiente urbano: ele oferece uma estrutura para a percepo dos efeitos das atividades humanas e de suas inter-relaes; facilita a avaliao dos custos e benefcios de aes alternativas; abarca todos os organismos urbanos, a estrutura fsica da cidade e os processos que fluem por ela; e apropriado ao exame de todos os nveis da vida, de uma lagoa na cidade megalpole (SPIRN, 1995, p. 268-269).

Em todo o sculo XX, a cidade concebida como um lugar de caos poltico, uma

mquina infernal, um circuito, e de forma mais promissora, como uma comunidade, uma criao humana por excelncia (BRUGMAN e HERSH, 1991 apud NEWMAN,1999). A cidade agora, prosseguem os autores citados, concebida como um dinmico e

complexo ecossistema, o que no uma metfora, mas o conceito de uma cidade real. Como todos os ecossistemas, a cidade demanda energia e materiais. Osprincipais problemas ambientais urbanos so relativos ao crescimento dessas demandas e a gesto dos resduos. De acordo com Odum (1986 apud FRANCO, 2000), a cidade um ecossistema, e, como tal, contm uma comunidade de organismos vivos, onde predominam o homem, o meio fsico que se vai transformando, fruto da atividade interna, e um funcionamento base de trocas de matria, energia e informao. Todo ecossistema aberto, inclusive a biosfera, isto , sempre via existir um ambiente de entrada e um ambiente de sada, essenciais para que o ecossistema funcione e se mantenha. Um ecossistema precisa assim de uma entrada para manter os processos vitais e na maioria dos casos, de um meio de exportar a energia e os materiais j processados (ODUM, 1988). Ocorre que, mesmo ocupando apenas de 1 a 5% de rea da superfcie terrestre, as cidades conseguem alterar todos os componentes ambientais, devido s extensas reas de entrada de materiais e sada de resduos que elas demandam. Por isso, Odum (1986, apud FRANCO, 2000), classifica a cidade como um ecossistema incompleto ou

20

Artigo 9, inciso II (BRASIL, 1981).

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heterotrfico, dependente de grandes reas externas a ele para a obteno de energia, alimentos, gua e outros materiais. Nesse sentido, Odum (1988) chama a cidade de parasita rural por esta no produzir nenhum alimento e outros materiais orgnicos, no purificar o ar e nem reciclar a gua e os materiais orgnicos. Entretanto, reconhece que a cidade ou rea metropolitana, no possui uma ecologia separada do campo circundante e acusa a ecologia urbana concebida pelas cincias sociais de limitada demais, apontando para um estudo novo sobre os ambientes urbanos, que v muito alm dos atuais limites, incluindo-se a os ambientes de entrada e de sada pra que a cidade possa ser considerada um ecossistema completo. Partindo da concepo de que as cidades tm uma dependncia profunda e complexa de fatores externos, de acordo com Ultramari (1988), preciso agregar o conceito de bio - regio, o qual, por definio, o conjunto do espao construdo e algo mais, entendendo a cidade como um ecossistema que no termina em seus limites polticoadministrativos ou nos extremos de sua mancha construda. Ao flexibilizar a abrangncia sustentvel. Dentro da mancha urbana, importante considerar os ecossistemas urbanos naturais. Bolund e Hunhammar (1999) fazem uma anlise dos benefcios dos ecossistemas dentro dos limites da cidade sade pblica e a melhoria da qualidade de vida das populaes urbanas, identificando sete diferentes ecossistemas: rvores de vias, parques/jardins, florestas urbanas, solos cultivados, reas alagveis (wetlands), lagoas, mares/rios. Dentre os benefcios citados esto: filtrao do ar, regulao microclimtica, reduo do rudo, drenagem, tratamento de guas servidas, valores culturais, amenidade e recreao. Espera-se que o crescimento da conscincia dos benefcios dos ecossistemas urbanos para a qualidade de vida possa contribuir para que estrutura e desenho da cidade estejam para o uso mais eficiente dos recursos. Entender a importncia dos ecossistemas urbanos pode levar manuteno e at ampliao das reas urbanas ainda no exploradas. Como esperado o rpido crescimento das cidades nas prximas dcadas, importante que esses ecossistemas, pela sua importncia para a daquilo que considerado urbano esse conceito aumenta as possibilidades de uma cidade poder vir a ser caracterizada como espao auto-

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prpria manuteno das reas urbanas, sejam compreendidos e valorizados por planejadores e polticos na tomada de deciso.(BOLUND e HUNHAMMAR, 1999). Da compreenso dos processos do ecossistema urbano local, nos seus aspectos naturais especficos, resulta o planejamento do uso e ocupao do solo, que ir fundamentar todos os aspectos do projeto fsico da cidade: a localizao de usos especficos do solo, a forma dos espaos verdes, do sistema virio, moradia etc, de forma a melhorar a qualidade do ar e da gua, prevenir enchentes, recuperar as reas degradadas, conservar a energia e os recursos. Cada novo projeto na cidade, seja de

um parque, um edifcio ou uma rua deve ser visto no de forma isolada, mas em relao com o ecossistema urbano como um todo (SPIRN, 1995).O valor da natureza na cidade s pode ser plenamente contemplado quando o ambiente natural urbano visto como um nico sistema interativo e, como aponta Spirn (1995), a cidade compreende que a forma urbana e o interesse humano podem evoluir em harmonia com a natureza.

2.1.3

Desenho Ambiental Urbano

Desde 1960 tem havido o crescimento da conscincia da necessidade de trazer os valores ambientais para o uso do solo e o manejo dos recursos naturais (FRANCO, 1997). Foi a partir desse perodo, quando ocorrem atitudes crticas ao planejamento moderno (comentadas anteriormente no captulo 1) e discusses sobre a qualidade ambiental urbana, que surge novas manifestaes como o Desenho Urbano, definido por Del Rio (2001) como o campo disciplinar que trata a dimenso fsico-ambiental da

cidade, enquanto conjunto de sistemas fsico-espaciais e sistemas de atividades que interagem com a populao atravs de suas vivncias, percepes e aes cotidianas,trazendo como uma de suas questes temticas a gesto urbana democrtica. Dentro dessa nova tica de planejamento, orientado para as intervenes humanas dentro da capacidade de suporte dos ecossistemas, que parte do princpio da valorao e conservao dos recursos naturais de um dado territrio, o Desenho Ambiental se torna seu meio principal de comunicao e de projeto. Segundo Franco (1997) o Desenho Ambiental Urbano pode ser definido como a arte e a cincia dedicada valorizao da qualidade de vida das cidades, sendo gerado pelo entendimento dos processos naturais e fundamentado na viso ecossistmica.

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De maneira semelhante, Spirn (1995) declara que o desenho da cidade deve ser fundamentado numa compreenso do ambiente natural urbano, para definir os usos do solo, a localizao dos parques e praas, o desenho do sistema virio, de forma a integrar todos os sistemas urbanos num plano unificado. Se tratado de forma coesa e

ampla, complementa a autora, um sistema de espaos abertos, constitudo por praas, parques, corpos d gua e suas vrzeas, encostas e ruas, passa a ser valorizado pelas diversas funes na melhoria da qualidade ambiental urbana.Para Braga (2003) o desenho urbano deve interferir o mnimo nos aspectos naturais, considerar as caractersticas do meio fsico, incluir todas as aes num conjunto sinrgico e harmnico e prever os impactos ambientais. Nesse sentido, a multidimensionalidade no pode ser negligenciada (COELHO, 2001), uma vez que a combinao de dois ou mais fatores poder acarretar grandes impactos no desenho urbano, por exemplo, o traado de ruas em terrenos com alta declividade e vulnerabilidade eroso. Ainda que as preocupaes com os problemas ambientais urbanos, como poluio, questes energticas, enchentes e desmatamento sejam crescentes, os processos naturais continuam a ser negligenciados pelo desenvolvimento e o desenho urbano continua a operar com a premissa de que os processos naturais ecolgicos no ocorrem na cidade, ou tm pequena relevncia de desenho e forma. O Desenho Ambiental, conforme aponta Franco (1997), est ligado a uma nova abordagem do planejamento territorial, que tem como forma de trabalho a criao de cenrios prvios e se diferencia do Desenho Urbano Tradicional pelos seguintes pontos: - Conceito Ecossistmico, o qual pressupe o equilbrio entre os processos naturais, presentes na rea de estudo, e onde so respeitados os fluxos de energia e de vida. - Conceito de Conservao Ambiental, no qual so enfatizadas a autonomia e autosuficincia, relativas, de todas as estruturas projetadas para o futuro, onde se minimizem os impactos ambientais e, portanto, no se sobrecarreguem as geraes futuras. - A viso da urbanizao como um ecossistema humano interligado aos ecossistemas naturais, dos quais depende e com os quais interage.

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Um mtodo promissor de considerar o meio ambiente no desenho urbano pode ser visto em Design with nature21, obra de Ian McHarg que coloca a necessidade de harmonia na relao entre o homem e o meio ambiente ao sugerir projetar com a natureza e no contra ela. Ele prope uma anlise de sensibilidade ecolgica de cada componente do stio ao desenvolvimento, a partir do seu papel no ecossistema. Essa anlise consiste da sobreposio de uma seqncia de mapas ambientais, para se excluir as partes mais sensveis do ecossistema ao desenvolvimento, fornecendo uma consistente e objetiva base para o zoneamento ambiental regional (BARNETT, 1982). Atravs da filosofia de Design with nature, cresce a prtica do planejamento visando ao manejo dos recursos de maneira sustentvel. Assim, ao compreender a cidade como um ecossistema, o que se busca uma compreenso global, mesmo para atuaes pontuais, que resulte em uma nova relao da cidade com a natureza, concretizada no desenho urbano. Atravs dessa percepo de desenho urbano se evita a fragmentao e degradao da natureza no ambiente da cidade.

2.1.4

Elaborao de Cenrios Ambientais

Pode-se chamar de cenrio ambiental a projeo de uma situao futura, para o meio ambiente, tendo em vista a soluo de um problema ou a melhora de uma condio presente indesejvel ou insatisfatria. No processo de planejamento ambiental, a formulao de cenrios constitui importante ferramenta, pela possibilidade de se testarem inmeras alternativas simultneas numa mesma ao projetual que, a qualquer momento, possam ser cruzadas para verificao de resultados parciais ou gerais. (FRANCO, 2000) Para Dll et al. (2000) os cenrios integrados so importantes ferramentas para o planejamento regional sustentvel, por possibilitar a combinao de uma grande quantidade de conhecimento quantitativo e qualitativo e, ao mesmo tempo, contribuir para estimar como um futuro incerto pode reagir e como este poder ser influenciado pelas decises feitas hoje.

21

Obra comentada anteriormente no item 2.1.1.1.

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Sendo assim, os cenrios so imagens alternativas do futuro, que devem ser plausveis, alm de suficientemente ricos em indicadores para contribuir na tomada de decises. Esses possveis futuros podem demonstrar o impacto que pode ocorrer devido ausncia de planejamento ambiental (MENDIONDO et al., 2004).

2.1.5

O papel das reas verdes na qualidade do ambiente urbano

Como umas das conseqncias do modelo de ocupao territorial vigente, verifica-se a perda progressiva de corredores de vegetao natural, principalmente da vegetao das reas ribeirinhas e de acidentes geogrficos tpicos. Como destaca Spirn (1995), essa negligncia vegetao traz como conseqncias, dentre outras, os piores aspectos do clima, poluio atmosfrica, demanda crescente de energia e risco de enchentes. No mbito da Ecologia Urbana, h algum tempo vem sendo considerado o efeito de regulao que os fatores naturais exercem nas zonas urbanas. Se os fatores naturais

inerentes paisagem urbana forem reconhecidos e respeitados, afirma Laurie (1979apud PARTIDRIO, 1999) referindose vegetao e a fauna, ao solo natural e s guas, ento a cidade enquanto ecossistema seria mais equilibrada e diversificada. A manuteno do verde urbano mais justificada atualmente pelo seu potencial em realar aspectos associados qualidade ambiental e enquanto provedora de benefcios ao homem, na melhoria da qualidade de vida pela manuteno das funes ambientais, sociais e estticas que venham a mitigar ou amenizar os destrutivos efeitos da urbanizao, uma vez que a ao humana a principal causa da fragmentao dos ecossistemas, e esta, uma ameaa biodiversidade. No entanto, os elementos do patrimnio ambiental composto pelos crregos, rios, mangues, campos e remanescentes de florestas, quando protegidos e restaurados, so muito mais eficazes se estiverem articulados, formando uma estrutura (SMITH e RELLMUND, 1993), de forma que a cidade deveria ser concebida em conjunto, considerando os espaos verdes de forma integrada, compondo um sistema nico (LLARDENT, 1982). Essa articulao mencionada requer que a seleo de reas para parques seja feita nos primeiros estgios do processo de planejamento urbano e, como aponta Lima (1997):

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Os espaos livres da cidade devem ser encarados dentro dessa perspectiva sistmica de articulao de todas as partes: praas, parques, ruas, caladas etc e no como uma colcha de retalhos desarticulada. [...] absolutamente insuficiente preconizar reas verdes por metro quadrado sem contemplar sua distribuio no desenho urbano.22

Quanto s questes especficas da proteo dos recursos hdricos, do aumento do escoamento superficial e os conseqentes altos picos de vazo, a vegetao, notadamente a que ladeia rios e crregos, contribui de diversas formas para resolver. Em reas vegetadas, principalmente ecossistemas florestais, a gua proveniente da chuva, antes de atingir o solo, pode ser interceptada pela vegetao (rvores, arbustos e herbceas) e pela camada de folhas, ramos e outras estruturas vegetais que compem a serrapilheira, em seguida, evapora ou cai na forma de gotejamento. Tucci e Clarke (1997) apontam estudos em florestas brasileiras em que, do total de gua precipitada, cerca de 13% pode se interceptado pela vegetao. Segundo os mesmos autores, a gua que atinge o solo, diretamente ou aps ser interceptada pela vegetao, pode infiltrar ou escorrer superficialmente, o que depende da topografia, do tipo de solo e da umidade j existente. A parte que infiltra pode percolar at o aqfero ou gerar um escoamento sub-superficial at atingir a superfcie ou o canal fluvial, possibilitando sua perenizao em perodos de estiagem. Enquanto que a gua que escoa superficialmente, devido aos obstculos ou a rugosidade da superfcie (troncos, folhas, razes etc.) tem sua velocidade reduzida. Smith e Rellmund (1993) verificaram que, em reas vegetadas, somente 5 -15% da gua da chuva escoa pela superfcie, com o restante evaporando ou infiltrando pelo cho, enquanto que em reas sem vegetao, cerca de 60% da gua da chuva escoada pelo sistema de drenagem, o que afeta principalmente o clima e os nveis de lenol fretico. Costa (2001), explica de forma minuciosa o funcionamento da infiltrao da gua e reduo do escoamento superficial em reas vegetadas:Toda vegetao, no seu ciclo de vida, deixa depositar no solo, resduos de seu prprio organismo, galhos, folhas, frutos, que se decompem, entram em reao com substncias do prprio terreno e formam uma camada superficial rica em matria orgnica, conhecida como hmus ou terra vegetal. Ao mesmo tempo, as razes, ao se desenvolverem, penetram e abrem novos caminhos e fissuras, que desagregam o solo. Essa22

Paulo apud Ribeiro (2000). Goinia: os planos, a cidade e o sistema de reas verdes. Dissertao (Mestrado) Escola de Engenharia de So Carlos - Universidade de So Paulo.

LIMA, C. C. S. (1997). A Natureza na Cidade.Tese (Doutorado) Faculdade de Arquitetura - Universidade de So

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35

desagregao intensificada pela presena da vida animal que abre caminhos subterrneos em busca de alimentao e espaos seguros para reproduo. A camada superficial do solo, composta pelo hmus e ocupada pelas ramificaes das razes, oferece grande capacidade de infiltrao, absorvendo com facilidade as guas de chuva e reduzindo o percentual dos escoamentos superficiais. [...] O desmatamento e a impermeabilizao do solo da bacia hidrogrfica corta o ciclo de reabastecimento do hmus, potencializa os processos erosivos, diminui a capacidade de infiltrao e aumenta o volume dos escoamentos superficiais, que atuaro diretamente no formato dos hidrogramas de enchente. A vegetao ciliar atua juntamente com a rugosidade do leito como mecanismos naturais de resistncia energia do escoamento, influenciando no potencial de reteno na calha do rio e conseqente diminuio do pico do hidrograma de enchente. (COSTA, 2001).

A extrema importncia do ambiente natural nas cidades na moderao dos impactos das atividades humanas tem levado, nas ltimas dcadas, muitos autores, tais como McHarg (1969), Spirn (1983), Forman e Godron (1986), Smith e Rellmund (1993), Ahern (1995), Searns (1995), Haughton e Hunter (1996), Turner (1998), Pellegrino (2000) e Fbos (2004), a indicarem, em seus trabalhos, especial ateno s funes ambientais das zonas verdes ou parques, sejam eles lineares (greenways23), lindeiros aos corpos dgua, ou aqueles relacionados a outros aspectos fsicos da paisagem. Os mltiplos propsitos relacionados ao planejamento das reas verdes, indicados pelos autores enumerados, podem ser divididos na