medicina holistica -uma nova visao do real

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  • 8/8/2019 Medicina Holistica -Uma nova visao do real

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    HOLSTICA:UMA NOVA VISO

    E ABORDAGEM

    DO REAL

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    N D I C E

    INTRODUO .........................................................................................................................8

    PARTE I - VISO E ENFOQUE HOLSTICOS

    CAPTULO 1: A VISO HOLSTICA DO REAL

    O termo holstica e suas utilizaes ................................................................................12

    Viso holstica....................................................................................................................13A abordagem holstica do Real..........................................................................................17O movimento holstico........................................................................................................18A experincia holstica .......................................................................................................21A barreira da linguagem para um vocabulrio holstico.....................................................29A viso holstica na vida quotidiana...................................................................................31

    CAPITULO 2: PRTICA DA ABORDAGEM HOLSTICA NA EXISTNCIA

    Um espao de encontro entre arte, espiritualidade, filosofia e cincia..............................37Nveis de expresso do Real .............................................................................................42reas de localizao dos obstculos.................................................................................43Estratgias de correspondncia entre os nveis de energia e as reas dosobstculos..........................................................................................................................44Obstculos localizados no ser humano .............................................................................45Obstculos na sociedade humana.....................................................................................47Obstculos na natureza .....................................................................................................50

    PARTE II - POR TRS DO EGO

    CAPITULO 1: POR TRS DAS MSCARAS

    As principais teorias ocidentais..........................................................................................60Pontos de vista da abordagem tradicional.........................................................................72Reflexes conclusivas .......................................................................................................74

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    CAPITULO 2: QUE LUZ?

    I - O despertar para a luz ................................................................................................77

    De que se trata?..........................................................................................................79A abordagem cientfica ...............................................................................................80Um pouco de histria... ...............................................................................................80Ver mais claro .............................................................................................................84

    II - Como reconhecer um ser iluminado ...........................................................................85Diagnstico diferencial do nvel evolutivo ...................................................................86

    III - Critrios de identificao do transpessoal ..................................................................93Que essa Luz?.........................................................................................................97

    CAPITULO 3: O ENCONTRO ENTRE A CINCIA E A TRADIO

    possvel o encontro entre a cincia e a tradio? ........................................................105Uma reao s extrapolaes prematuras ......................................................................106A Declarao de Veneza e a transdisciplinaridade .........................................................108Possveis pontos de concordncia ..................................................................................109Quais so as alternativas?...............................................................................................111

    PARTE III - ALGUMAS QUESTES RELEVANTES

    O que se entende por plena conscincia.........................................................................117Os princpios aqui expostos no se inscrevem dentrode uma tendncia idealista? ............................................................................................118Viver a realidade como ela : essa proposio noter uma conotao conservadora? ................................................................................119No haver contradio entre defender a holstica epropor o chamado rigor cientfico, dentro dos cnonescientificistas das especializaes atuais?........................................................................120

    A plena conscincia no seria uma volta religio? .......................................................122

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    INTRODUO

    DEFINIES E ESCLARECIMENTOS NECESSRIOS

    Est na hora de levar ao pblico interessado, com maior clareza, a definio de um

    novo vocbulo que se introduz sub-repticiamente na linguagem cientfica e filosfica e cujasconotaes epistemolgicas so evidentes.

    J fizemos um primeiro esforo nesse sentido no nosso NovoVocabulrio Holstico(Editora Espao e Tempo). O presente livro constitui um novo esforo. Nele o leitorencontrar uma srie de trabalhos publicados na Europa nos ltimos trs anos. Elesrespondem a esta necessidade e do explicaes indispensveis a todos os que decidiramingressar na nova perspectiva holstica, que integra o antigo e o novo paradigma da cinciaassim como a viso pessoal e transpessoal do Real e da existncia.

    Depois de definir e esclarecer a viso holstica, a abordagem holstica, aexperincia holstica e o movimento holstico, damos alguns exemplos de enfoque holstico.

    O primeiro ensaio coloca em questo a existncia desse ego to estudado pela psicologiamoderna: quando so tiradas as mscaras, o que resta? O segundo, constitui umacontribuio bastante original ao principal enfoque da abordagem holstica: a iluminao. Oque este fenmeno humano ou sobre-humano? De que se trata realmente? O que umser iluminado e como reconhec-lo? De que luz se trata? O que significa, de fato, otranspessoal? Esta segunda parte termina abordando aquela que nos parece ser a questoessencial do encontro entre cincia e tradio: como pode o cientista compreender atradio sem ter passado por uma experincia transpessoal? Isso possvel?

    O livro d tambm muitas elucidaes aos que se perguntam quais as relaesentre a abordagem holstica e a psicologia transpessoal. Queremos deixar bem claro que apsicologia transpessoal continua seguindo o seu prprio caminho, tendo uma importnciaprimordial no domnio das cincias. Foi ela que abriu, em grande parte, as portas para umaviso e uma abordagem holstica no campo geral do conhecimento, a qual inclui o enfoquepessoal relativo e o enfoque transpessoal e absoluto.

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    I PARTE

    VISO E ENFOQUE HOLSTICOS

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    CAPTULO 1

    A VISO HOLSTICA DO REAL1

    Os homens gostam de contemplar o mundo com osolhos de Deus e de compreender os segredos doalm, por meio do pensamento humano.

    Esse o fruto da ignorncia.

    Khalil Gibran

    (La voix de lternelle sagesse, Ed. Dangles, St. Jean de Braye,1978, p. 80.)

    H quinze anos uma palavra vem se introduzindo sub-repticiamente no vocabulrioanglo-saxo e francs. Trata-se da palavra holstica.

    Ns a vemos aparecer no somente na imprensa cientfica (medicina, fsica, etc.)como tambm nos escritos que tratam dos caminhos tradicionais e da nova era.

    Antes que o termo se deteriore, e em razo de sua significao profunda e seucarter original, que respondem a uma necessidade autntica, fizemos o esforo deexaminar-lhe os principais aspectos e usos, num livro j publicado; apresentamos aqui umresumo, com o objetivo de ajudar o pblico a esclarecer seus aspectos essenciais.

    Este esclarecimento nos levar a examinar mais detalhadamente aquilo que sepode entender por viso holstica, abordagem holstica e experincia holstica.

    Comecemos, portanto, pela definio do prprio termo.

    O termo holstica e suas utilizaes

    A palavra holstica no encontrada em nenhum dicionrio francs; em algunsdicionrios de filosofia encontra-se o termo holismo, cuja criao atribuda a Smuts.

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    Em 1926, Smuts escreve e publica um livro intitulado Holismand Evolution. Filsofosul-africano, ele foi um dos primeiros partidrios do anti-apartheid; Alfred Adler quem odescobre e lana na Europa.2

    ele, pelo que sabemos, o primeiro autor a empregar a palavra holstica, alm dotermo holismo, que designa unia fora vital responsvel pela formao de conjuntos - degestalts, dir-se-ia hoje; essa mesma fora seria a formadora dos tomos e molculas, noplano fsico, da clula, no plano biolgico, das idias, no plano psicolgico e dapersonalidade, no plano espiritual; o prprio universo seria um conjunto em constanteformao.

    Vrios anos se passaram e s recentemente alguns autores de psicologiatranspessoal se lembraram dele, como por exemplo Ken Wilber, em seu livro Up from Eden3.

    Parece-nos difcil, at hoje, estabelecer unia relao entre a obra de Smuts e oemprego atual do vocbulo holstica. Com efeito, a palavra empregada atualmente na

    literatura da microfsica, de um lado, e da psicologia transpessoal, de outro.Fala-se tambm da medicina holstica, de uma viso ou perspectiva holstica do

    real e da abordagem holstica no domnio do conhecimento, mais particularmente emepistemologia e em hermenutica.

    Parece que a descoberta do princpio do holograma, no qual o conjunto da imagem recuperado em todas as suas partes, propriedade explorada na neurologia por KarlPribram e em fsica por David Bohm, foi um dos fatores do aumento aprecivel dafreqncia de uso desse termo e de outros criados mais tarde a partir da mesma raiz.Assim, fala-se em teoria holonmica do universo (David Bohm) e na tendncia holotrpica

    de unia pessoa (Stanislav Grof). Em ingls, aproveita-se tambm a semelhana fonticaentre os termos wholeness, ou inteireza, globalidade, plenitude, e holyness, ou santidade.

    Holstica vem do grego holos, que significa todo, inteiro. Holstica , portanto, umadjetivo que se refere ao conjunto, ao todo, em suas relaes com suas partes, inteireza do mundo e dos seres.

    Parece-nos conveniente estabelecer uma clara distino entre vrios substantivosde que esse termo o adjetivo qualificativo, ou seja, a viso ou perspectiva holstica, aabordagem holstica, o movimento holstico e a experincia holstica.

    Definamos, pois, sucessivamente, essas palavras.

    Viso holstica

    Como reao viso newtoniano-cartesiana de um universo fragmentado,caracterstica de um paradigma substancialista e mecanicista, instala-se de maneiraprogressiva um novo paradigma holstico, isto , que traduz uma perspectiva na qual otodo e cada uma de suas sinergias esto estreitamente ligados, em interaes constantes eparadoxais. Esta ltima definio foi adotada pela Universidade Holstica Internacional de

    Paris, em 1986, e includa em seus estatutos.

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    Foi usada por Monique Thoenig em suas conferncias e seminrios, a partir de1975.

    Eis, portanto, unia primeira maneira, bastante intelectual, de definir a viso holsticaa partir do paradigma holstico. Nesse paradigma, encontramos diferentes termos que talvezfosse necessrio tornar mais precisos.

    Citemos de incio o texto completo da definio:

    Este paradigma considera cada elemento de um campo como um evento que refletee contem todas as dimenses do campo (cf. a metfora do holograma). uma visona qual o todo e cada uma de suas sinergias esto estreitamente ligados, eminteraes constantes e paradoxais.

    Examinemos agora os termos essenciais.

    Thomas S. Kuhn, em seu livro A estrutura das revolues cientficas,elabora um modelo que caracteriza os modos de pensamento, hbitos, valores ecomportamentos dos cientistas numa poca determinada; toda a revoluo cientficase traduz, portanto, por uma mudana de paradigma.

    O texto insiste no fato, enfatizando-o, de considerar cada elemento como umevento. O que isso significa? Talvez esteja a o aspecto mais importante da definio, poismostra o ponto essencial sobre o qual se efetuou a revoluo: enquanto no antigoparadigma considerava-se o universo como constitudo, em sua microestrutura, deelementos substanciais materiais e permanentes, a fsica quntica substituiu, como mostra

    mais particularmente Stphane Lupasco, a noo de elemento pela de evento; um eventoluminoso, um evento energtico, eis aquilo em que se transforma a partcula elementar. bem isso, sem dvida, o que distingue tambm a teoria geral dos sistemas e oestruturalismo da sistemologia de Lupasco4.

    Cada evento de um campo reflete e contm todas as dimenses do campo. Osautores da definio se apiam no holograma para ilustrar aquilo de que falam,considerando o holograma como uma metfora. No se trata, portanto, de declarar que ouniverso um holograma, mas que ele se comporta tal conto se fosse um holograma. Aofaz-lo, os autores do o exemplo ao evitarem toda a extrapolao prematura de um modeloparticular sobre o modelo geral do universo, armadilha na qual muito fcil cair. O modelo

    hologrfico, como se diz, encontra uma correspondncia na tradio ou nas tradiesespirituais que nos mostram que o todo se encontra em todas as partes e que o microcosmoreproduz o macrocosmo. Com muita prudncia, o texto evita, nos eventos de que falamos,empregar o termo partes; os autores preferiram o vocbulo sinergia, isto , eventosenergticos em harmonia sintnica, estreitamente ligados, segundo o texto, em interaesconstantes e paradoxais. O carter paradoxal dessa interao , sem dvida, uma alusoaos diferentes paradoxos com que se defronta atualmente a fsica quntica, na qual oseventos se tornam ilgicos do ponto de vista da lgica formal de no-contradio, habitualna macrofsica. No princpio do bootstrap, por exemplo, uma partcula ao mesmo tempotodas as outras partculas; a lei de Planck afirma que uma onda feita de partculas e que

    uma partcula uma onda; da mesma maneira, tanto a teoria hologrfica como a Tradioafirmam que o todo est em todas as partes, o que aparentemente contraria o princpio darelao contedo-continente. Assim, quando se fala de paradoxo, fala-se evidentemente do

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    ponto de vista de uma antiga lgica de no-contradio. Uma nova lgica est em plenodesenvolvimento, desde os trabalhos de Lupasco5.

    A perspectiva holstica implica um espao sem nenhuma fronteira geradora dedualidade e causadora de conflitos; citemos algumas:

    Sujeito Objeto; Espao interno Espao externo;Pessoal Transpessoal; Relativo AbsolutoEsprito Matria; Ser No-Ser; Eu NoEu;

    Real Imaginrio; BemMal; SentimentoRazo

    Ela reconhece sua existncia num plano relativo, mas os ultrapassa graas abordagem holstica do real.

    A viso holstica, num certo sentido, uma viso utpica, ou seja, no tem lugardefinido, como exprime a etimologia do termo grego utopeia, que significa sem lugar.

    Ora, querer exprimir o fato de o todo estar em todas as partes como algosemelhante ao que se passa, no plano fsico, no holograma - o que contrrio nossalgica formal de relao entre contedo e continente - no eqivaleria a desejar descrevercomo o infinito do Ser se limita no finito dos corpos fsicos dos pequenos seres, que sotambm esse grande Ser, do mesmo modo como as ondas, aparentemente separadasumas das outras, so tambmo mar?

    Definir essa viso holstica seria, portanto, limitar, dar uma forma, limites, um fim,ao infinito do Ser; definir a viso holstica no seria pedir ao Ser que se descrevesse a simesmo? Isso implicaria hipostasi-lo, fazer dele uma pessoa limitada que se examinarianuma espcie de autoscopia. Para evitar essa hipostasia, criamos o termo holoscopia, oqual significa que, em suas partes menores e atravs destas, o Ser examina a si mesmo demaneira infinita; poder-se-ia dizer, nesse sentido, que a viso holstica do real, essaholoscopia, seria a soma de todas as vises limitadas de todos os seres. Chegamos dessamaneira a evitar a projeo antropomrfica do ser humano no Ser? A resposta depende,sem dvida, do grau de realizao de cada ser humano; quanto mais a viso deste forlimitada pelo seu ego, tanto mais forte ser a hipostasia do Ser; quanto mais ele fortransparente ao Ser, tanto mais ampla ser sua viso holstica; um ser transparente por

    completo ser, por sua vez, a viso holstica, porque no haver mais separao entre ovisionrio, o objeto da viso e a prpria viso; no haver seno o Ser. A iluso de tica dopequeno ser distinto, iluso sem dvida funcionalmente necessria holoscopia, terdesaparecido, para dar lugar ao Ser propriamente dito.

    Pode-se ento falar ainda de viso holstica? No teramos chegado ao limite emque se impe, to-s, o silncio?

    Esse ponto de vista nos leva diretamente questo da abordagem holstica do real;como veremos, o silncio tem o que dizer a respeito...

    A abordagem holstica do real

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    Essa abordagem o conjunto de mtodos que permitem ao homem a compreensoda perspectiva holstica.

    Podemos agrupar esses mtodos em duas grandes categorias:

    Aqueles que visam um conhecimento holstico pelos caminhos intelectuais ouexperimentais: o estudo de textos referentes Tradio, que permite classificar ereconhecer a vivncia do real. A especulao consiste em confrontar eestabelecer correspondncias entre as hipteses ou concluses da pesquisacientfica para levantar novas hipteses. A experimentao, por sua vez, consisteem verificar essas hipteses, se tal coisa se revelar possvel. Demos o nome deholologia a essa primeira categoria de abordagem.

    A holologia implica a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, conforme aDeclarao de Veneza, e tal como definida, em especial, por Basarab Nicolescu:isto , refere-se ao encontro entre a cincia, a arte e a tradio.

    A segunda categoria comporta os mtodos que levam a uma vivncia ouexperincia holstica direta pelos caminhos tradicionais, como a ioga, em suasdiferentes formas hindustas ou budistas, o zazen, o sufismo, o hesicasma, acabala judaica, as artes marciais como o jud e o aikid , a alquimia dediferentes tradies, bem como os caminhos ocidentais de realizao. Podemostambm incluir as primeiras tentativas modernas originrias da psicologiatranspessoal, como a psicoterapia inicitica, a psicossntese, o treinamento Arica,o vaso de isolamento senhorial e o nosso cosmodrama. Estes ltimos constituemmtodos de sensibilizao de perspectiva holstica, e demonstram a possibilidadede um acesso direto experincia da vivncia holstica.

    Demos o nome de holoprxis ao conjunto dessas prticas de abordagem holsticadireta do real.

    Temos, portanto, para resumir, dois tipos de abordagens holsticas: a holologia, queleva a um conhecimento intelectual e experimental, a qual constitui a tendncia cientfica daabordagem holstica; a holoprxis, por sua vez, leva a uma vivncia direta do real - atendncia tradicional e experiencial dessa abordagem.

    A abordagem holstica implica uma sinergia entre a holologia e a holoprxis,inseparveis como as duas asas do pssaro para que este voe, ou como os doishemisfrios cerebrais para conhecer e criar.

    No que se refere holoprxis, desejamos destacar uma forma mais geral e maissuperficial, se bem que necessria, de prtica holstica, na qual se acham engajadasmilhes de pessoas. Trata-se do movimento holstico.

    O movimento holstico

    Aquilo que chamamos de fantasma da separatividade o fato de se criarem

    fronteiras em todas as regies do espao, as quais jamais existiram seno no esprito ondenascem e onde se mantm, alimentadas por diferentes consensos. Essas divises artificiais

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    e ilusrias engendram toda a espcie de conflitos e sofrimentos e levam, no plano individual, tenso e molstia, e, no plano coletivo, agresso e guerra.

    O movimento holstico uma resposta separatividade criada pelas fronteiras;essa reao mais ou menos consciente, lcida e organizada, segundo o caso.

    Podemos citar alguns exemplos:

    Fronteiras nacionais:

    Organizao das Naes tinidas e seus satlites, como a Unesco, a OMS, o BIT; asorganizaes no governamentais; Cruz Vermelha Internacional; a polemologia; os correiosinternacionais; os cidados planetrios; e mais de 24.000 outras organizaes, queestabelecem pontes sobre as fronteiras entre os pases do planeta.

    Fronteiras econmicas:

    Os diferentes movimentos socialistas; as organizaes de ajuda Norte-Sul doplaneta; os bancos internacionais de assistncia aos pases em vias de desenvolvimento.

    Fronteiras do conhecimento.

    Sistmica e sistemologia; congressos e reunies interdisciplinares; a revoluo dainformtica; a Declarao de Veneza; a Universidade Holstica Internacional.

    Fronteiras religiosas:

    Movimento ecumnico das Igrejas; encontros, colquios e congressos inter-religiosos; organizaes para o encontro das religies; experincias comunitrias inter-religiosas.

    Fronteiras entre os caminhos tradicionais:

    Reunies e encontros entre representantes de diferentes caminhos tradicionais doOriente e do Ocidente.

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    Fronteiras entre o homem e a natureza:

    A ecologia; as associaes protetoras dos animais; os movimentos de defesacontra os perigos da energia nuclear; os remdios naturais; a medicina holstica.

    Fronteiras intergrupais e interpessoais:

    A dinmica de grupo; o.psicodrama e o sociodrama; as terapias familiares; ascomunidades teraputicas; a interveno psicossociolgica nas empresas; odesenvolvimento organizacional.

    Fronteiras intrapessoais:

    A psicoterapia; a medicina psicossomtica; a psicologia transpessoal; a ioga.

    Fronteiras entre sujeito e objeto:

    As abordagens da ioga, da meditao, e todas as formas de holoprxis descritasacima.

    Assim, essa forma de prtica holstica destaca um dos aspectos de abordagemholstica, o qual consiste em lanar pontes sobre todas as fronteiras, embora sabendo que o

    espao no tem fronteiras.No tocante inexistncia desses marcos delimitativos no espao, necessrio

    chamar a ateno do leitor para o perigo das concluses precipitadas a respeito. Pode-seconcluir, com efeito, a partir do fato de no haver fronteiras num plano absoluto, no sermais necessrio respeitar essas fronteiras no plano relativo. Ora, neste ltimo, elas existem.Embora imaginrias e reforadas pelos consensos, entre os homens elas so at mesmoobjeto de leis; tomemos, por exemplo, as fronteiras nacionais ou relativas propriedade, ouos limites morais, ou simplesmente os limites do respeito vida, que so necessrios sobrevivncia.

    Assinalemos de passagem que mesmo entre os animais h limites territoriais, muitobem estudados em etologia a partir dos trabalhos de Konrad Lorenz; certos peixes, porexemplo, mudam de cor se outro peixe invadir seu territrio. Os ratos matam uns aos outrose entram em guerra se forem muito numerosos e o territrio no for suficiente. Esse territrioexiste at entre os homens; parece ser proporcional ao grau de confiana ou dedesconfiana com relao ao ambiente circundante, o que mostra bem seu carterimaginrio.

    Eis por que o sbio, a cada momento de sua existncia, se adapta aos limitesimpostos pelo seu ambiente e os respeita, mesmo sabendo que, num plano absoluto, soartificiais.

    Isso nos leva ltima parte desta exposio.

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    A experincia holstica

    Ela resultado da abordagem holstica do real, particularmente da holoprxis.

    Consiste em ultrapassar toda a dualidade, mediante uma vivncia holstica que integra etranscende a dualidade entre pessoal e transpessoal, e entre o mundo relativo e o absoluto.

    Desemboca numa atitude de profunda compreenso e de presena em todos osatos da vida cotidiana, numa disponibilidade e abertura irrestritas em relao a toda criatura,num amor equnime e incondicional.

    Esse termo sintetiza num s vocbulo aquilo que diferentes culturas tradicionaisexprimiram com diversas expresses: samdi, nirvana, satori, Reino do Pai ou dos Cus,devekuth, fana, e, mais recentemente, experincia mstica, xtase, conscinciacsmica, experincia transcendental ou experincia transpessoal.

    Ela o desfecho de uma atitude holstica para com a existncia, resumida por tudoaquilo que acabamos de descrever.

    Com o tempo e a prtica, a experincia holstica de carter espordico setransforma numa vivncia holstica estvel e permanente.

    J descrevemos suficientemente a experincia transpessoal e o estadotranspessoal em outros trabalhos6, que os interessados podero consultar.

    Desejamos acentuar aqui uma das origens da formao da viso holstica; ela seencontra na histria da psicologia transpessoal; o resultado dos seus quinze primeirosanos de experincias e observaes.

    medida que se desenvolviam a psicologia transpessoal e suas aplicaes emeducao e, em especial, na psicoterapia, perceberam-se progressivamente os seguintesfatos:

    1. Numerosas pessoas adotaram as tcnicas de meditao como instrumento defuga inconsciente das responsabilidades da vida cotidiana, tais como: ganhar avida com o trabalho, ocupar-se do lar ou dos filhos.

    2. Outras adotam terapias de regresso a vidas passadas, vida intra-uterina ouao nascimento, esperando encontrar nestes a origem de sua neurose, emboraela se situe muitas vezes nesta vida. Trata-se, com muita freqncia, de

    resistncia, quer dizer, de medo inconsciente de ter que reviver traumasdolorosos ou penosos de um passado infantil.

    3. Certas pessoas, depois de terem tido uma experincia de luz interior ou deviso de seres de outra dimenso, imaginam ter chegado realizao plena ese consideram sbias. No obstante, uma observao, mesmo superficial,mostra que o ego aproveitou-se da experincia para desenvolver seu orgulho.

    4. Algumas outras j no chegam ou j no desejam chegar ao estado deconscincia de viglia, deixando-se permanecer num estado de regresso aestgios bastante arcaicos. Tambm aqui trata-se de uma fuga da chamadarealidade cotidiana, muitas vezes insustentvel.

    5. A maior parte da humanidade, como mostram as tradies, vtima de umaneurose de base que denominamos a neurose do paraso perdido. Ela se

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    traduz, sobretudo, por sentimentos e emoes que causam todo o sofrimentomoral: entre outros, o apego, o dio, o orgulho e o cime. , evidentemente,bem mais fcil se isolar do mundo para desenvolver uma pretensa dimensotranspessoal do que ocupar-se da melhoria da qualidade das relaes com os

    semelhantes.

    Por todas essas razes, recomenda-se cada vez mais, na psicologia transpessoal,trabalhar primeiro com os problemas pessoais essenciais, antes de pretender alcanar umestado transpessoal. As grandes tradies no procedem de maneira muito diferente: elastambm insistem, acima de tudo nos primeiros anos, na necessidade de uma metamorfose,que transforme as energias destrutivas prprias do ego em sentimentos de amor e atos decompaixo.

    Eis por que a abordagem holstica consiste em levar em considerao tanto a

    pessoa como aquilo que a ultrapassa, tanto a mscara como a vibrao do Verbo que aatravessa (per-sona).

    Alm disso, essa abordagem tende a ultrapassar a aparente oposio entre opessoal e o transpessoal, entre a matria e o esprito, ou entre o ser e o Ser.

    A realidade vista da perspectiva do ser fragmentada; ele se v separado do Ser,que projeta no exterior de si mesmo ou daquilo que percebe como tal.

    Vista da perspectiva do Ser, sobrepondo-se contradio e descontinuidade esubjacente a esta, existe continuidade entre o Ser, a Existncia e a Experincia.

    Essa continuidade descrita em diferentes tradies, seja de forma explcita, seja

    metafrica. Poder-se-ia citar o Buda, ou Jesus, que nos falam das relaes entre o branco eas cores,7 ou o Vajrayana tibetano,8 entre outros. Demos a essa continuidade o nome deholocontinuun.

    O Ser em si ou ser essencial tem sua prpria lgica, por ns chamada hololgica,que o fato de simplesmente ser; muitos nomes foram dados pelos filsofos ou telogos aessa hololgica, tais como: qididade, ipseidade, esseidade; todos esses termos significamque chega um momento em que a questo por qu? no tem mais sentido, em que ascoisas so o que so; isso o holocontinuumdo Ser na Existncia e na Experincia.

    bem isso, sem dvida, que vivido na experincia holstica: a presena do aberto

    na Existncia por intermdio da Experincia cotidiana. Os pequenos seres que somos nstm, assim, a escolha de serem seres despertos ou seres comuns; para estes ltimos, umvu os faz viver num mundo dividido e fragmentado; num desperto no existe esse vu.

    Des-velar o mistrio que leve o Ser a tornar-se seres velados - no esse, paraeles, o sentido de sua existncia? No seria essa a questo teleolgica fundamental?

    Se bem que de uma maneira extremamente esquemtica e simplificada, podemosutilizar o smbolo do infinito () para dar uma representao visual dessa questofundamental.

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    Fig. 1 - O Espao: potencial do todo

    Fig. 2 - O ponto: programa do todo

    Fig. 3 - A formao da dualidade

    Fig. 4 - O retomo ao ponto e ao espao

    Fig. 5 - Nova manifestao

    Fig. 6 - O movimento infinito

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    Suponhamos que o aberto seja o espao da figura n. 1. Esse espao, que parecevazio, possui uma nica caracterstica, a de Ser; uma representao hololgica. Essavacuidade no pode ser vazia, porque dela emana o ponto radiado da figura n 2. esseaberto que compe tudo, mas que contm tambm o potencial de tudo. Essa abertura total

    e irredutvel chama-se em tibetano stong-pa, que podemos por certo aproximar do Ein Sofda tradio cabalstica judaica, ou talvez, da mesma maneira, da Treva Supra-essencial deDionsio o Areopagita, na tradio crist.

    Seguindo a tradio tibetana do Dzog-Chen, o Ser, ao passar pela Existncia,apresenta uma dinmica prpria que denominamos holodinmica, mantendo o esprito deevitar termos hipostasiantes do Ser, como, por exemplo. autodinmica. Essa holodinmica,representada na figura n 2, tem carter tridico. Seus trs aspectos essenciais so:

    a) O carter aberto ou holespacialidade - o stong-patibetano, de que acabamos defalar;

    b) uma alta energia irradiante ou holo-radiao, que evita que esse espao sejavazio. Ela se chama, em tibetano, gsal-ba. Podemos dizer que, sem essaradiao, a existncia desse espao no seria possvel; e

    c) uma inteligncia intrnseca do Ser, uma presena chamada rig-pa. aholoscopia, que j mencionamos antes.

    Esses trs aspectos da holodinmica do Ser, embora j estejam na Existncia,ainda so atemporais; alm disso, so indissociveis; no h entre eles relao linear decausa e efeito; so mutuamente complementares.

    Esses so os trs aspectos que fazem do Ser em Existncia um holos, aplicando-

    se sua complementaridade a todos os nveis experienciais da existncia.Na figura n 2 ainda nos encontramos, portanto, num estado incondicionado. E

    nesse estado, ainda, que se efetuar a estruturao potencial do Ser como Existncia; trata-se de uma auto-estruturao, uma constante autognese; podemos falar de um carterholopoitico. No podemos entrar aqui nos detalhes dessa gnese. Esto expostos no livrode Herbert Guenther j citado na nota 8, de que representamos um plido resumo numtrabalho recente (nota 3). Podemos dizer aqui que essa gnese holopoitica desembocanum holo-sistemaque Guenther chama de gestalt formal, composta, por assim dizer, portrs subsistemas inseparveis do holo-sistema. Digamos, de passagem, que a abordagemfenomenolgica daquilo que constitui os resultados da vivncia dos grandes mestres

    tibetanos apresenta certos pontos de convergncia com a fsica moderna, algo queGuenther assinala ao longo de sua obra.

    Esses trs subsistemas contm e produzem a informao necessria Existnciado Ser na Experincia. Um primeiro subsistema, o sistema holoaxiolgico, garante oholocontinuumdo aberto e sua significao de Ser em sua onipresena holoespacial. Esseseria o espao da figura n 1.

    Um segundo subsistema, o sistema holocnico, permite a constituio do cenrioonde se desenrolar o drama. Esse cenrio o espao-tempo em que a existncia possvel graas onipotnciada holo-radiao. Seda a radiao da figura n 2.

    O terceiro subsistema o sistema holodramtico, pelo qual o Ser, aberto eirradiante, depois de ter escrito seu prprio roteiro sob a forma do holocenrio, estabelecesua prpria cena e produz a informao necessria expresso do seu drama. Seria o

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    ponto da figura n 2, que representa a oniscincia do Ser em Existncia, a qual garante suaholoscopia.

    Esses trs subsistemas so, na realidade, indissociveis, estando em constanteinterao. Correspondem s representaes trinitrias de diferentes tradies espirituais,cujo estudo comparativo se revelar, por certo, muito rico em descobertas.

    A figura n 3 nos conduz ao plano da Experincia existencial propriamente dita,onde aparece a dualidade, isto , na qual os seres percebem os fenmenos ou os sujeitospercebem os objetos. O holodrama se desenvolve completamente dessa vez, e faz parte daprogramao ou holoprograma, cuja informao provm do sistema holodramtico. Ele podetraduzir-se pela vivncia da dualidade entre os seres comuns ou pela vivncia trinitria entreos seres despertos. Trata-se, nos dois casos, de um jogo - lilas em snscrito, quetraduzimos pelo hololudismodo Ser atravs da Experincia existencial -, de uma espcie demiragem, filme ou iluso de tica; a nica diferena que o ser desperto no se deixa

    prender por maya, a iluso, enquanto o ser comum a v como a nica realidade.Um ser comum que deseje despertar e sair dessa iluso dever perceber

    completamente a natureza relativa e interdependente do sujeito e do objeto, bem como ofato de que ambos so fenmenos, emanaes do Ser. Ser necessrio que perceba queaquilo que considerava como uma heteroscopia do objeto, por si mesmo como sujeito, no, afinal, seno uma holoscopia; poder-se-ia dizer, talvez, que justamente pelaheteroscopia que se realiza a holoscopia, o que d um sentido experincia do ser comum.O mesmo ocorre no plano da holo-radiao: o amor e a compaixo podem ser vistos comouma heterofilia, que permite uma maximizao daquilo que denominamos holofilia. Assim,em toda aliana, um ser comum - se a fizer com sabedoria e amor -encontrar padres para

    um dia realizar no apenas sua natureza respectivamente holoscpica e holoflica, mastambm sua inseparabilidade, j que, ligadas ao aberto, elas lhe traduzem a inteligncia e airradiao.

    Mas, quer ele o vele ou no, a holoprogramao prev o retomo do estado deconscincia dualista do ser ao estado de Ser. A metfora do smbolo do infinito queutilizamos aqui pode aplicar-se tanto a uma viso csmica como a uma viso individual.Essa queda na dualidade da rvore do Conhecimento se faz na cabea; nesta quecomea sua gnese, no plano mental, e tambm a que termina, pelo retomo rvore daVida. Como mostra Andr Chouraqui, o Gnese principia com a palavra bereschith, quequer dizer cabealho, e que pode bem ser interpretada como na cabea. A escatologia

    pode ser coletiva ou individual. o que representa a figura n 4.Terminado esse ciclo, tudo recomea (figura n 5) num movimento infinito.

    Convm fazer uma ressalva a essa descrio do ciclo que acabamos de efetuar:ela , em si mesma, uma representao linear de uma sucesso no espao-tempo; trata-se,portanto, de uma descrio relativa, limitada pela linguagem, limitao de que falaremosagora.

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    A barreira da linguagem: para um vocabulrio holstico

    A experincia holstica , antes de tudo, inefvel; trata-se mesmo de uma dascaractersticas que encontramos em quase metade dos testemunhos recolhidos at hoje e

    submetidos a anlises de contedo. No tenho palavras para exprimir o que se passou eis uma afirmao clssica. precisamente a que reside o maior obstculo comunicao entre os membros

    de uma tradio, bem como entre a cincia e a tradio, na abordagem transdisciplinar.

    Esse carter inefvel parece dever-se a grande nmero de fatores:

    1. O carter no dual dessa experincia faz, como j repetimos inmeras vezes,seguindo a maioria das tradies, com que no se trate mais de uma experincia: oobservador ou o experimentador, o objeto da experincia e a experincia propriamente ditaj no se distinguem; sujeito e objeto no so mais percebidos como separados.

    2. O carter eminentementediscriminativo da linguagem: toda a palavra, seja qualfor, efetua um recorte no real e pode ser considerada dual. Mesmo as tentativas de uso deprefixos como meta, trans, inter, implicam ainda uma dualidade.

    3. A vivncia transpessoal se acha alm do pensamento; ora, como exprimir pelopensamento, que implica a linguagem, uma vivncia de natureza essencialmente noverbal?

    4. Nossa linguagem pobre em expresses diretamente ligadas vivnciatranspessoal, o que no ocorre com o snscrito nem com o tibetano, nos quais, pelocontrrio, abundam os termos transpessoais. Mas, mesmo nessas lnguas, os grandes

    mestres preferem usar metforas e smbolos para o comum dos mortais e reservar ostermos especficos queles que j passaram pela vivncia transpessoal.

    5. O carter paradoxalde certas afirmaes contidas nos testemunhos. Eis algunsexemplos: a forma vazio e o vazio forma; no havia mais dentro nem fora"; eu estavano Todo, e o Todo estava em mim; ele era, na verdade, eu mesmo; eu era aquela luz queeu via; eu me tomara a rvore que estava diante de mim; eu me encontrava em toda aparte ao mesmo tempo, etc., etc.

    Um grande esforo ser necessrio para decifrar em cada lngua o vocabulriodisponvel na cincia e nas tradies, bem como para criar neologismos no caso dainexistncia do termo correspondente.

    Foi isso que fizemos numa primeira tentativa publicada no Brasil.9 Encontrar-se-onaquela exposio exemplos de neologismos a partir do prefixo holo, criados por diferentesautores ou por ns mesmos. Para alm do significado dos prefixos homo, auto, hetero, nohaver holoque os ultrapasse ao integr-los?

    Pode-se, evidentemente, criticar esses autores, acusando-os de complicar umassunto que j bastante complexo ou de tentar dar ou criar conceitos sempre relativos,como acabamos de ver, substituindo metforas e frases simples e compreensveis paratodos, por termos eruditos e, para muitas pessoas, rebarbativos.

    Embora estando de acordo com esse ponto de vista, tambm devemos pensar nasexigncias dos cientistas, os quais, por sua formao e exigncia de preciso semntica,no podem se contentar com determinadas terminologias, por mais belas ou poticas quepossam ser.

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    Como a abordagem holstica se dirige a pblicos diferentes, a viso holstica semdvida lhe pode ser transmitida por diferentes modos de expresso: literrio, potico, teatral,pictorial, coreogrfico e musical.

    Ter ento, a viso holstica, algo a dizer na vida cotidiana? E o que vamosexaminar a seguir.

    A viso holstica na vida cotidiana

    Poder-se-ia pensar que tudo que acabamos de apresentar no tem nenhumarelao com a vida prtica e que esse um assunto reservado aos filsofos e msticos.

    Muito pelo contrrio. A experincia mostra que aqueles que de fato realizaram em si

    mesmos, de modo profundo, esse aberto, so os mais eficientes, tanto em sua vidapessoal como na vida social. Mais do que isso, eles se transformam em plos de irradiaodessa sabedoria primordial de que so os intrpretes; sua disponibilidade energtica pareceno ter limite.

    Alm disso, a viso holstica d aos diferentes domnios da cultura uma foraincomparvel.

    Na educao, ela contribui para corrigir a enorme deformao efetuada a partir dofinal do sculo XIX e que se agrava a cada dia que passa: a intelectualizao levada aoextremo. Embora o racionalismo cientfico reforado por essa deformao nos tenha trazido

    bem-estar material, conforto e progresso tecnolgico, no teria isso ocorrido custa deuma viso global das coisas, dos valores do amor, da beleza, do sentido profundo da vida,do respeito a todos os seres, enfim, custa da dignidade humana? No vamos pagar muitocaro pelo esquecimento dessa parte essencial simbolizada pelo corao?

    Que pode fazer um navegador sem bssola? A viso holstica na educaodespertar na criana, assim como no adulto, essa imensa fora de sabedoria e de amoroculta no corao de cada um.

    Na medicina, a viso holstica resolver o problema, que se tomou crnico, doconflito entre o generalista e o especialista; no somente a transdisciplinaridade ter o quedizer, mas as novas geraes de mdicos, imbudas do esprito da abordagem holstica na

    educao, aprendero a corrigir os efeitos da superespecializao mdica, na qual seperdem, igualmente, os mdicos e os pacientes; os pacientes se transformaro em amigos,e assim sero tratados; a relao fria do laboratrio ser substituda por uma trocaenergtica, seguindo o exemplo da medicina chinesa e aiurvdica. Toda a terapia serpessoal e transpessoal.

    Na agricultura, particularmente sob a influncia das descobertas ecolgicas e dareao biodinmica toxidade dos fertilizantes e pesticidas qumicos, a viso holstica seimpor com naturalidade bem maior, porque os camponeses, graas ao seu contato diretocom a natureza, esto em condio de observar a interdependncia de tudo o que existe;alm disso, sua observao cotidiana ou sazonal os faz ver in vivo a impermanncia e aconstante transformao do natural. Sabendo que tudo se transforma, esto a um passo dadescoberta da viso holstica.

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    No trabalho humano e nas organizaes, a viso holstica j comeou a introduziraquilo que hoje chamado de cultura organizacional; uma nova cultura que est em plenagestao em certas organizaes de ponta. Existem vrias teorias a respeito. Tem-se ohbito de agrup-las em tomo de duas letras: xe y. A teoria xparte do ponto de vista de que

    o homem no trabalha se for constrangido por uma fora e um sistema autocrticos. A teoriayestima que o homem trabalha se for motivado, e se lhe forem dadas condies materiais ede conforto. A primeira no v seno o ponto de vista da organizao; a segunda s focalizao ponto de vista do trabalhador. Seguindo uma outra teoria, necessrio criar uma culturaorganizacional que maximize os esforos da organizao e dos trabalhadores para aobteno de resultados que atendam aos interesses comuns. A teoria z enfatiza a visoholstica. As obras de Abraham Maslow abrem um frtil caminho de pesquisa; sua tesetende a colocar em evidncia o fato de as organizaes de maior sucesso e os dirigentesmais respeitados e eficientes serem aqueles que realizam a si mesmos e cultivam osgrandes valores da humanidade, aquilo que ele chama de metamotivos: a beleza, a

    verdade, a integridade, a amizade, a harmonia, etc.Evidentemente, essa teoria tem claras implicaes de natureza poltica e

    econmica. Nesse sentido, podemos prever, como o faz, por exemplo, Fritjof Capra10, que onovo paradigma ter um efeito benfico no que se refere aos defeitos do paradigmamecanicista em economia e em poltica.

    Podemos tambm falar da viso holstica nas relaes interpessoais, em especialno tocante aos casais e famlia. O desafio que a viso holstica apresenta nesse terrenoser o de resolver a questo referente conjugao das necessidades mnimas desegurana, de prazer e de alegria, bem como do papel social, com o amor, a criatividade, oconhecimento intuitivo e racional e, enfim, com a necessidade de ultrapassar a dualidade.

    Voltamos aqui educao; apenas atravs da preparao das crianas, dosadolescentes e dos adultos para o exerccio constante do amor, da compaixo, da alegria eda equanimidade, preconizados tanto pelo Buda como por Paulo, chegaremos a transformarou a ultrapassar as energias socialmente destrutivas da Neurose do Paraso Perdido.

    A abordagem holstica ser tanto mais eficaz quanto maior for o apoio que receberde todas as - formas de arte. Retomaremos poca em que todas as expresses artsticas,como a pintura, a escultura, a poesia, a msica ou a dana, constituam verdadeirosauxiliares audiovisuais para despertar ou manter no esprito humano o sentido do sagrado,recordar os caminhos do transpessoal, ou mesmo traduzir-lhe ou estimular-lhe as

    manifestaes?Na aplicao da viso holstica vida cotidiana, certos perigos devem ser evitados.

    Esto assinalados no estatuto da Universidade Holstica Internacional e constituram oobjeto do Documento de Braslia, formulado em 1981.

    Citemos, pois, essas recomendaes de prudncia, que consistem em evitaratitudes extremistas, tais como:

    O totalitarismo, que consiste em ver apenas o aspecto global, total ou universaldas coisas, em detrimento do particular.

    O absolutismo, que tende a ignorar os aspectos relativos do real; em certo

    sentido, confunde-se com o totalitarismo..

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    O sectarismo, o sincretismoe todas as formas redutoras de explicao do realou da identidade dos seres e das culturas. No opor, no misturar, so as duasrecomendaes fundamentais do Documento de Braslia.

    O niilismo, que resulta de uma interpretao errnea da descrio do vazio como

    realidade ltima. Do mesmo modo, as tradies, tanto quanto a fsica quntica,insistem no fato de que essa vacuidade no vazia e que o vazio absoluto noexiste.

    O substancialismo, tambm chamado eternalismo na tradio budista tibetana, eque consiste, ao contrrio do niilismo, em crer na existncia de um ou de vrioselementos substanciais e eternos que constituem o mundo.

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    NOTAS

    1. Um resumo dessa exposio foi publicado em Sources (n 8, 1986) sob o

    ttulo Holistique: au mot nouveau pour une re nouvelle. Esse trabalho foi

    apresentado no 2 Simpsio da UNHI, em Sainte Baume, em 1987 e no

    Simposium de Abordagem Holstica na UFMG, em 1989.

    2. Smuts, J. C., Holism and Evolution, Mac Millan, Nova Iorque, 1926.

    3. Wilber, K., Up from Eden, Shambhala, Boulder, 1984.

    4. Ver uma discusso desse ponto em Weil, P., A Neurose do Paraso Perdido,Espao-Tempo, Rio de Janeiro, 1987.

    5. Lupasco, S., Les trois matires, Julliard, Paris, 1960.

    6. Ver particularmente Weil, P., Vers une approche holistique de la nature de la

    ralit, in Mdecines Nouvelles et Psychologies Transpersonnelles;

    Question de ..., Albin Michel, Paris, 1986, e L'Homme sans frontires,

    LEspace Bleu, Paris, 1988.

    7. Jsus dans la tradition soufie, La Saiote Baume, Overt, 1985.

    8. Guenther, EL, Matrix a Mystery, Shambhala, Boulder, 1984.

    9. Weil, P., A Nova Linguagem Holstica, Espao e Tempo, Rio de Janeiro,

    1987. Em fase de edio na Frana.

    10. Capra, F., Le temps du changement, Le Rocher, Mnaco-Paris, 1983.

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    CAPTULO II

    PRTICA DA ABORDAGEM

    HOLSTICA NA EXISTNCIA

    Tentativa de um modelo terico de unificao

    das formas de energia (fsica, biolgica e psicolgica)

    Um espao de encontro entre arte, espiritualidade,

    filosofia e cincia:

    Na prtica do enfoque holstico, defrontamo-nos a todo o momento com questesfundamentais, cuja soluo tem influncia decisiva sobre a qualidade do nosso trabalho,com conseqncias que assumem quase sempre uma forma inesperada.

    O que ou no holstico?

    Esta questo, por exemplo, tanto quanto sua resposta, so fundamentais paratomar decises, organizar cursos, colquios, seminrios, escolher colaboradores edeterminar uma ordem cronolgica de pesquisa.

    De fato, o holstico o lugar de encontro entre tudo o que a fantasia daseparatividade dividiu de maneira artificial; a observar, mais particularmente:

    No plano individual, a fragmentao da psique em quatro funes descritas porC.G. Jung - a sensao, o sentimento, a razo e a intuio (simbolizadas pelas quatropartes da esfinge; ver fig. 1).

    Esta diviso projeta-se no plano epistemolgico, formando quatro distinesprincipais que estruturam o conhecimento.

    No plano epistemolgico o que constitua a Tradio foi dividido em quatro panesdo conhecimento moderno: a arte, a religio, a cincia e a filosofia, consideradas, natradio simbolgica do Ocidente, como os quatro lados da pirmide.

    O papel principal do enfoque holstico ser, ento, reunir essas funes

    psicolgicas, no plano individual, atravs das terapias ocidentais e orientais, assim comoagrupar as quatro panes do conhecimento atravs da transdisciplinaridade, tal como esta 6

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    definida por Basarab Nicolescu e recomendada pela Declarao de Veneza da Unesco (verfig. 2).

    Assim, podemos considerar como abordagem holstica tudo o que tende a lanarpontes entre as fronteiras criadas no esprito do homem pela sua prpria mente, deformadapor um excesso de desenvolvimento do racionalismo e da razo, em detrimento das trsoutras funes, excesso que nos levou a um reducionismo cientfico, o qual vem dominandoprogressivamente a filosofia, a arte e mesmo a religio. No que toca transdisciplinaridade,propomos um primeiro modelo simples para inter-relacionar a arte, a religio, a cincia e afilosofia. Este modelo tem sido de muita utilidade para situar pesquisas e ensinamentos naUniversidade Holstica Internacional de Braslia.

    QUADRO I

    CONHECIMENTOS ARTE CINCIA ESPIRITUALIDADE FILOSOFIA HOLSTICA

    ARTE 1 2 3 4 5

    CINCIA 6 7 8 9

    ESPIRITUALIDADE 10 11 12

    FILOSOFIA 13 14

    HOLSTICA 15

    V-se que temos quinze possibilidades relacionais, entre as quais deveramos darpreferncias s pesquisas holsticas propriamente ditas (5, 9, 12, 14, 15) e s colocaes de

    relaes dos quatro ramos principais, entre eles (2, 3, 4, 6, 7) e (8, 10, 11, 13).

    Outras relaes tambm so importantes, como por exemplo o encontro de duas ou maistradies, o qual (10) evidencia muitas vezes razes ou objetivos comuns, ou ainda a reunio de doiscaminhos, o da cincia com o da fsica quntica e o da psicologia transpessoal, ou ainda a lgica damacro e da microfsica (6).

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    PENSAMENTO INTUIO

    SENTIMENTOSENSAO

    ser

    A FRAGMENTAO DAPSIQU

    Fig. 1

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    FILOSOFIA

    ESPIRITUALIDADEser

    SENSAO

    SENTIMENTO

    PENSAMENTO INTUIO

    CINCIA

    ARTE

    A FRAGMENTAO DO

    CONHECIMENTO

    Fig. 2

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    Quando lidamos com as aplicaes da abordagem holstica no dia-a-dia, defrontamo-noscom a questo fundamental de uma orientao geral que possa estabelecer critrios claros para aelaborao de estratgias hololgicas e holoprticas.

    De fato, o Real est sempre a, ao nosso alcance, em ns mesmos. O que nos impede de

    vivenci-lo so os obstculos situados em diferentes nveis da expresso desse Real. Um dos papisda holologia identificar esses empecilhos e procurar mtodos que os eliminem. A holoprxisconsiste na aplicao de tais mtodos.

    Estamos efetuando, aqui, uma tentativa de inter-relacionar os diferentes nveis deexpresso do Real nos quais os obstculos se manifestam, e as reas ou campos onde essesimpedimentos so localizados e dissolvidos.

    Nveis de expresso do Real

    Como dissemos, o Real ou Ser se expressa na existncia e na experincia atravsde diferentes formas de energia, indissociveis do espao e da inteligncia.

    Por razes prticas, devido s necessidades de integrar as grandes classificaesda cincia, na medida em que ela se ajusta s tradies, podemos distinguir as formas deexpresso do Real que conhecemos.

    Nveis energticos:

    1. Fsico: E a forma material de energia, sua expresso mais densa; a matria,slida, lquida, gnea ou gasosa, que compe o universo e os cornos fsicos dosseres.

    2. Biolgico: Plano no qual a energia se revela como forma vital, como vida douniverso e dos seres.

    3. Psicolgico: a informtica e a programao do universo e dos seres que ohabitam.

    4. Espiritual: Neste nvel temos a energia em sua forma pura, como potencial dastrs formas precedentes, das quais se constitui numa transformao. Podemos

    supor que esta a Luz clara da experincia transpessoal no homem,perguntando nos, por isso, se ela corresponde ao aspecto luminoso daspartculas subatmicas.

    5. Espacial: O espao indissocivel da energia pura; compe tanto os seresquanto o universo que os contm.

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    reas de localizao dos obstculos

    Os entraves realizao do despertar do ser humano como Ser, isto , o estadotranspessoal e a viso holstica, podem ser classificados, sob o ponto de vista emprico, demaneira evidente e necessariamente antropocntrica, em trs grandes categorias:

    1. O ser humano: Como se trata de sua libertao, limitamo-nos aqui ao homem,de modo especfico. Poderamos, como fazem certas tradies, questionarsobre a libertao de outros tipos de seres. Enquanto o homem no sedesprende dos obstculos prprios de seu nvel, sua tendncia egocntrica oimpede de exercer uma compaixo mais ampla, extensiva a todos os seres.

    compreensvel, pois, que comecemos por ele mesmo, esperando que asabedoria, uma vez despertada, faa o resto.

    2. A sociedade humana: Encontramos neste mbito vrios obstculos, nosomente no piano individual, abrangido pela rea precedente, mas tambm noplano social e econmico. Trata-se dos obstculos realizao ligados sinstituies, cultura, s estruturas ou aos sistemas polticos e econmicos.

    3. A natureza: Sob este termo bastante genrico, agruparemos os1 impedimentosreferentes ecologia do meio ambiente imediato, quer se trate da Terra ou detodo o universo.

    Alis, como poderemos constatar de maneira sucinta, a seguir, tais obstculosso conseqncia dos empecilhos situados no prprio homem, isto , referem-se primeira categoria mencionada acima.

    Passaremos a inter-relacionar os nveis de expresso do Real e as reas delocalizao dos impedimentos.

    Estratgias de correspondncia entre os nveis de energia

    e as reas dos obstculos

    Graas a esta estratgia, conseguiremos (ver quadro II):

    Fazer uma lista das barreiras existentes.

    Localizar aquelas que se opem plena realizao.

    Tornar possvel o estabelecimento eventual de uma ordem de importncia, tendoem vista a prioridade da ao. Por exemplo: numa comunidade onde reinem afome e as epidemias, seria necessrio cuidar to bem do corpo como doesprito, ou at do corpo em primeiro lugar.

    Clarear a natureza do obstculo para poder atuar melhor, pois desseconhecimento deriva o mtodo adequado.

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    Compreender melhor o sentido da realizao, pois cada impedimento nosmostra onde est o Real e no que consiste, mesmo que sua definio escape atoda verbalizao.

    Retomaremos agora cada rea de localizao dos empecilhos, descrevendo-os de

    maneira sucessiva em cada nvel energtico (ver quadro II).

    Definir o tipo de obstculo.

    Verificar quais medidas podem ser sugeridas, a partir do estudo ou dadissoluo do entrave, sob o ponto de vista da

    holologia e da

    holoprxis

    Comecemos pelos impedimentos situados no prprio homem.

    Obstculos localizados no ser humano

    No primeiro nvel energtico, quer dizer, no nvel fsico, localizamos no corpohumano, em seu sistema anatmico, algumas condies que podem impedir, total ouparcialmente, que um ser humano se consagre ao despertar.

    Um sistema alimentar defeituoso, em particular o excesso ou, ao contrrio, umacarncia total de alimento, levando fome e inanio, constituem, evidente, fatoresdesfavorveis.

    Lembremos tambm as posturas fsicas: se erradas, geram tenses musculares;alis, a dor, que , em geral, conseqncia de doenas, um dos maiores empecilhos.

    Sob o ponto de vista da holologia, o estmulo s pesquisas dos sistemasalimentares mais favorveis ao despertar seria bastante conveniente. Podemos tambmcitar as pesquisas da medicina holstica no campo da preservao da sade.

    No plano da holoprxis, alm de um sistema de alimentao natural, podemoslembrar, entre outras, a hatha-ioga, a prtica do aikid ou do tai-chi-chuan para manter aharmonia geradora da sade.

    Quanto s enfermidades, a abordagem holstica consiste no encontro entre asmedicinas alternativas e a medicina ocidental clssica, tomada em seus aspectos positivos eno iatrognicos.

    No nvel biolgico da vida humana, isto , no sistema fisiolgico, os empecilhosso, em certa medida, idnticos aos assinalados no nvel fsico.

    Poderamos incluir entre eles a respirao inadequada. Perguntemo-nos tambmat que ponto a separao da natureza, no caso dos habitantes das metrpoles, constitui-senum dos fatores de distanciamento da realidade da vida.

    No plano da holologia e da holoprxis, as medidas a serem tomadas so idnticas

    s precedentes, insistindo-se a respeito dos mtodos respiratrios e do retomo natureza,dando-os como atributos favorveis ao despertar.

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    No nvel da forma psquica da energia, isto , do sistema mental, aproximamo-nosdos fatores causais essenciais.

    Citemos primeiro a fantasia da separatividade que, j demonstramos amplamente,desencadeia emoes destrutivas, leva ao stress, neurose e doena fsica e mental.

    Do ponto de vista da holologia e da holoprxis, podemos inserir aqui toda aliteratura e psicoterapia contemporneas, assim como os textos da sabedoria oriental eocidental. Este um dos aspectos mais importantes da abordagem holstica, na qual se d oencontro entre a psicologia cientfica e a psicoterapia, com os mtodos da sabedoriaoriental. Cada um deles tem uma razo de ser e um papel, no processo de sustao docrculo vicioso da repetio compulsiva, caracterstica da neurose do paraso perdido. preciso, porm, evitar o que o lama Dnis denominou de coquetel espiritual, isto , umamistura inconseqente de diferentes mtodos ou escolas, orientais e ocidentais.

    No plano da energia pura esta , segundo as tradies, o esprito, a Luz clara,

    tal como se apresenta na experincia transpessoal. Podemos citar como obstculoessencial neste plano a falta de conhecimento da unidade da energia (material, vital emental) e o apego s suas trs formas, vistas como energias do corpo, da vida e dospensamentos, seja no estado de viglia seja no estado onrico.

    No plano da holologia, as convergncias que observamos atualmente entre fsicos,bilogos e psiclogos so um indcio que favorece um conceito unitrio da energia.

    Quanto prtica, a ioga, o tai-chi-chuan, o aikid, o Vajrayana, favorecem umenfoque vivencial da questo.

    Tudo o que acaba de ser dito aplica-se tambm ao espao, que indissocivel da

    energia.Na experincia transpessoal, dissolve-se a fantasia da separatividade, responsvel

    pela fragmentao, no esprito humano, do espao interior e exterior; permanece apenas oespao aberto ao infinito.

    No piano da holoprxis situa-se o ponto de transcendncia das dialticas e prticasabordadas acima, sendo todas elas, talvez, menos eficazes do que a no-ao deKrishnamurti.

    Examinemos agora a questo dos impedimentos relativos sociedade.

    Obstculos na sociedade humana

    Os empecilhos fsicos e materiais esto relacionados Terra e ao meio ambiente.

    A Terra est dividida em pases ocupados por naes e culturas diversas. Aconquista desses pases d-se, em geral, pela fora. Seu territrio interior tambm fragmentado, para permitir a construo de abrigos, casas e diferentes instituies. Daprovm a desigualdade econmica fundada no desejo de posse, a opresso e a dominao

    imposta pelas armas.O enfoque holstico deste mbito consistir em encorajar pesquisas e experincias

    comunitrias, assim como o estudo de culturas no (ou menos) possessivas.

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    Mas no nvel da vida social, isto , dos sistemas scio-econmicos e polticos,que encontramos os grandes entraves da violncia, das guerras, da competio semcontrole e das lutas fratricidas pela sobrevivncia. H, a respeito, inmeros estudos,pesquisas e experincias, no Oriente e no Ocidente. Outrossim, pesquisas transculturais

    iluminaro os aspectos essenciais da questo. Entre estes, o de saber qual nvel deconfronto permite ao homem alimentar-se, ter um abrigo e dividir com alegria a vida e oamor com seus semelhantes e os outros seres, sem necessitar invadir seu vizinho e destruirde maneira progressiva a existncia no planeta Terra.

    As experincias de comunidades auto-subsistentes do movimento da Nova Eramerecem ser estudadas com maior profundidade. Desde o kibutz de Israel ao Salo doEncontro brasileiro.

    No entanto, no pode ser esquecida a Declarao da Unesco, que diz to bem queos conflitos e as guerras nascem no esprito do homem e que no esprito do homem que

    devem ser construdos os baluartes da paz.E, portanto, no nvel psicolgico da energia que temos que agir; no caso da

    sociedade humana preciso pensar em termos psico-sociolgicos. aqui que seenquadram os numerosos estudos sobre os conceitos, os sistemas de valor, os esteretiposculturais e mesmo o comportamento scio-poltico.

    Os obstculos situam-se no nvel do que Abraham Maslow chama de valores D,ou que Stanislav Grof nomeia de valores hilotrpicos, isto , referentes ao apego s coisasmateriais.

    O individualismo, o egosmo em sua forma velada, o reducionismo tecnolgico, que

    resultam na crise da fragmentao epistemolgica, na violncia e nas guerras, so a um stempo entraves enormes e sinais de alarme que apontam para a urgncia de uma mudanaradical.

    Segundo a holologia, esto em curso pesquisas de extrema importncia, como asde Maslow sobre os valores do Ser (Being values), que constituem, sem dvida, amotivao mais forte, o metamotivo do comportamento espiritual da humanidade: o amor, asabedoria, a plenitude, a verdade, a liberdade, a igualdade, a justia, entre outros.

    Insistimos tambm na importncia dos estudos epistemolgicos relativos mudana do paradigma e a uma revoluo cientfica em direo a um novo paradigmaholstico, e em como esta mudana paradigmtica se manifesta e cobre as cincias sociais,

    polticas e econmicas.

    Quanto ao aspecto da holoprxis, lembramos o empenho da ONU e os esforos emprol de um governo mundial, a multiplicao de equipes interdisciplinares e o evento de umatransdisciplinaridade, os movimentos pacifistas e de no-violncia, a comear pelo MahatmaGandhi.

    Vejamos agora como se apresenta a questo social no nvel da energia pura.

    Neste plano podemos tomar a sociedade como integrante de um nico campoenergtico, no qual os seres humanos, sem exceo, esto interligados, constituindo umgrupo espiritual com todos os outros seres do universo.

    neste estgio que podemos falar dos campos informacionais, do inconscientecoletivo, ou, no caso de sociedades mais fechadas, de uma egrgora.

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    O obstculo essencial continua sendo a fantasia da separatividade, sob a forma deconsenso social. A maioria esmagadora dos nossos contemporneos est convencida daexistncia de um eu slido e substancial e de que h objetos exteriores igualmente slidos.Uma relao sujeito-objeto, estabelecida na infncia ou mesmo antes, refora essa crena

    em cada indivduo.No plano biolgico temos que rever, a exemplo de Lupasco, toda a nossa lgica

    formal; sero necessrios estudos que situem as diferentes dialticas em relao aos dadosda cincia moderna, em especial aos da fsica quntica e da psicologia transpessoal. Asistemologia de Lupasco , sem dvida, um bom ponto de partida terico a esse respeito.

    No plano da holoprxis vimos muito bem a possibilidade de desenvolvimento deuma nova cultura holstica, que implicaria um novo consenso holotrpico, segundo aexpresso de Stanislav Grof. Podemos dizer o mesmo quanto ao nvel do espao.

    Alm do conceito holotrpico j mencionado, a linguagem o maior empecilho para

    a viso holstica do Real como pura vacuidade ou como o aberto. Com efeito, todoconceito limitativo.

    O que podemos fazer desenvolver a abordagem holstica nos domnios daliteratura, da cincia, da filosofia, e mais particularmente na arte, cujo carter no verbalfacilita a expresso do espao puro. Tambm nessa rea o desenvolvimento de uma culturaholotrpica facilitar a holoprxis individual.

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    Obstculos na natureza

    Hoje tornou-se lugar comum comentar os danos causados pelo ser humano ao seu

    meio ambiente; essa danificao conseqncia da fantasia da separatividade e daneurose do paraso perdido. O que menos percebemos, porm, que, destruindo anatureza, o homem acumula mais obstculos sua prpria realizao como ser.

    No plano fsico da energia, isto , da matria, suas indstrias poluram o ar, a guae mesmo a terra, o que constitui uma ameaa progressiva sade e prpriasobrevivncia.

    As pesquisas de tecnologias alternativas e sua aplicao constituem a respostaadequada para esta situao alarmante.

    No nvel da energia vital, isto , dos ecossistemas, assistimos destruio

    progressiva da biosfera, dos sistemas ecolgicos e ao desaparecimento de milhares deespcies animais. Tambm neste mbito est ameaada a sobrevivncia da espciehumana. As tecnologias alternativas so o enfoque holstico indicado.

    No nvel informtico da energia o homem est interferindo diretamente nasprogramaes morfogenticas, biogenticas, ontogenticas e at na cosmogentica nuclear.E evidente que o enfoque holstico introduzir nestas questes as correes indispensveis,se ainda tivermos tempo...

    O mesmo acontece no nvel da energia pura e no espao; aqui o homem atacadiretamente as partculas subatmicas, as quais, como sabemos, so tambm ondasluminosas. A poluio nuclear ameaa, muito mais do que a destruio ecolgica, aexistncia de todos os seres vivos do planeta.

    Mais do que nunca, a Declarao de Veneza da Unesco constitui um ltimo apelo humanidade, para que esta reconhea que a cincia j chegou aos confins onde necessrio que encontremos o que chamamos de abordagem holstica.

    Para concluir, poderamos dizer que esta ligao de uma teoria unificada dasdiferentes formas de energia (fsica, biolgica e psicolgica) com os grandes nveis dosproblemas referentes ao homem, sociedade e natureza, permite-nos identificar eclassificar os principais empecilhos conhecidos, que impedem, de forma relativamenteintensa, o acesso viso holstica do Real.

    Partimos de uma hiptese que pode ser considerada plausvel: a da unidade daenergia, seja qual for a sua forma material, vital ou mental.

    Embora tenhamos conservado as divises clssicas da fsica, da biologia e dapsicologia, esse conceito unificador leva-nos a salientar que a abordagem holstica do Real,tal como apresentada aqui, permite-nos apontar os fundamentos para:

    Uma transformao individual, graas identificao e dissoluo dosobstculos no piano humano.

    Fornecer um apoio para a transformao cultural no plano da sociedade, a partirde uma harmonia entre o homem e todos os outros seres.

    O retomo a uma relao harmoniosa com a natureza e o universo em geral.

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    Esta anlise, se bem que bastante genrica, coloca em evidncia a predominnciados impedimentos situados no esprito do homem; a fantasia da separatividade e a neurosedo paraso perdido so, de fato, a causa de todos os nossos entraves. Constatamostambm que no basta tratar a questo como se fazia no passado, isto , com o intuito de

    dissolver apenas os obstculos localizados no esprito humano. indispensvel, atravs de uma ao social, econmica e poltica, apagar o

    incndio que ateamos e que arrisca consumir toda a vida do planeta. Trata-se, afinal, antesde tudo, de preservar a vida na Tena.

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    QUADRO II

    OBSTCULOS VISAO HOLSTICA NO HOMEM

    NVEL ENERGTICOFSICO BIOLGICO PSICOLGICO ENERG

    REA Corpo(sistema anatmico)Vida

    (sistema fisiolgico)Mente

    (sistema mentalLuz (exp

    transp

    TIPO DEOBSTCULO

    Alimentao inadequada.Fome Posturas nocivas

    Respirao. Alimentao.Posturas inadequadasSeparao da natureza.Inaceitao da mudana.Emoes destrutivas. StressTenses musculares.Doenas

    Fantasia daseparatividade. Tenses econflitos intrapsquicosNeurose e psicose

    Desconheciunidade da e(fsica, biolpsicolgica)

    MTODOSDEREMOO

    1. HOLOLOGIA

    Pesquisa sobrenutricionismo. Pesquisascomparativas detecnologias deinterveno fsica

    Pesquisas nutricionaisPesquisas comparativas dosmtodos de relaxamentorespirao massagens.Pesquisas sobre o homemso

    CinciashumansticasTratados de sabedoriaoriental e ocidentalEnfoque holstico nainformtica e na psicologia

    Encontro coentre fsica qpsicologia trTradies

    HOLOPRXISAlimentao NaturalFitoterapa Fisiotera pias.Massagens. H-tha-ioga

    Relaxamento. Respiraocorreta. Reintegrao nanatureza.Enfoque holstico namedicina. Dana.Educao Fsica,Hatha-ioga

    Desapego. Psicoterapias.Equilbrio (sensao.sentimento razo,intuio)

    IogaTai-chi-chuaAikidTantrismoCosmodramBioenergticPsicossntes

    Kun-Nye

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    QUADRO II (continuao)OBSTCULOS VISO HOLSTICA NA SOCIEDADE

    NVEL ENERGTICOFSICO BIOLGICO PSICOLGICO ENERG

    REA Terra como habitat.Sede das instituiesSistemas de vidascio-polticos.Formas de vida social,Organismos

    Cultura, consensoesteretipos, valores,comportamento scio-poltico. Arqutipos

    EgrgoraCampo inforInconsciente

    TIPO DEOBSTCULO

    Desigualdade econmica.Dominao pela fora,opresso, represso

    Competiodescontrolada. Lutasfratricidas pelasobrevivncia

    Crise da fragmentaoIndividualismo. Guerras.Violncia.Valores hilotrpicos.Reducionismo

    Fantasia daseparatividaconsensos

    MTODOS D EREMOO1.

    HOLOLOGIA

    Estudos comparativos dossistemas econmicos justos,

    equitativos - e holsticos

    Estudos comparativosentre sistemas de vidascio-poltica,

    Oriente/Ocidente

    Valores holotrpicos.Paradigma holstico.Abordagem holstica nas

    cincias sociais, naHistria e na poltica.

    Estudo das Sistemologia

    Lupasco

    2. HOLOPRXISSistema econmico justo,equitativo e holstico

    Sistema de vidaharmoniosa Educaocomunitria.Comunidades comprtica de vida sadia.Salo do Encontro

    Confederao denaes. Inter etransdisciplinaridade.Na educao: cultura dasabedoria e amor.Salo do Encontro.Movimentos polticosno-violncia.

    Cultura hols

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    QUADRO II (continuao)

    OBSTCULOS VISO HOLSTICA NA NATUREZA

    NVEL ENERGTICOFSICO BIOLGICO PSICOLGICO ENERG

    REA Matria(sistema atmico) Vida (Ecossistemasbiolgicos).

    Informao.Programasmorfogenticos,biogenticos,filogenticos,palingenticos,cosmogenticos.

    Luz (partcusubatmicas

    TIPO DEOBSTCULO

    Poluio do ar, da gua dosolo (agrotxicosDegradao). Depredao.

    Destruio da biosferaDesequilbrio ecolgicoe destruio dos ecos-sistemas, Matana de

    animais.

    Intervenes naprogramtica gentica enuclear.

    Destruio enuclear

    MTODOS DEREMOO

    1. HOLOLOGIA

    Enfoque holstico nas cinciase tecnologias fsicas.

    Enfoque holstico nascincias biolgicas.

    Enfoque holstico nainformtica biolgica,etc. .

    Encontro entradies.TransdisciplTeilhard de

    2. HOLOPRXIS

    Tecnologias alternativas dainterveno fsica Tratamentoe proteo do ar, gua esolo(adubao orgnica).Amor ao Universo.

    Tecnologias alternativasbiolgicas. Hortasurbanas e ruraisReconstituio eproteo da flora efauna.

    Amor naturezaRespeito sabedoria danatureza.

    Desnucleari

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    O quadro que acabamos de apresentar serve como orientao geral. Em linha

    horizontal colocamos as diferentes formas de energia conhecidas: fsica, biolgica e

    psicolgica, assim como sua forma pura, luminosa, e o espao do qual inseparvel e que

    tudo compe.

    O plano vertical se subdivide nos trs grandes aspectos em que os obstculos

    plena conscincia se manifestam para o homem (e, por conseguinte e forosamente,

    atravs de uma viso antropocntrica), a saber: o nvel da sociedade e o nvel da natureza.

    Para cada um dos nveis, procuramos definir a rea em que se manifestam os

    empecilhos, de que tipos so e os mtodos tericos (holologia) e prticos (holoprxis) que

    permitem a sua remoo.

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    PARTE II

    POR TRS DO EGO

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    CAPTULO 1

    POR TRS DAS MSCARAS

    O ego visto luz da cincia e da tradio

    A pergunta essencial que se pode fazer psicologia refere-se a saber quem apessoa, ou melhor, quem ou o que se esconde por trs daquilo a que chamamospersonalidade, a qual constitui justamente seu objeto de estudo.

    A mscara o smbolo por excelncia da personalidade; com efeito, sabemos que

    per-sona, em latim, vem do vocabulrio teatral e significa a mscara pela qual passa o somda voz do ator. Saber o que ela esconde consiste, portanto, em descobrir o eventual atorque fala por trs dela.

    Nossa pergunta , pois: o que resta, se retirarmos a mscara?

    Passaremos a examinar, de maneira bastante sucinta, as respostas dadas pelasprincipais correntes da psicologia ocidental contempornea e pelas tradies.

    Veremos como explicam a estrutura da pessoa ou do eu, o que d no mesmo,abordando suas respostas explcitas ou implcitas. Isso permitir que encontremoseventualmente as principais diferenas, bem como os pontos comuns, entre essas

    explicaes da natureza do eu.

    I. As principais teorias ocidentais

    O grande ideal dos pesquisadores ocidentais sempre foi encontrar um centro do euno crebro. As pesquisas com esse objetivo inscrevem-se no que se convencionou chamarde corrente biofsica. Os partidrios da teoria das localizaes cerebrais h muito tentaramencontrar um lugar de onde partiria a vida da personalidade. Grosso modo, foram pesquisasfadadas ao fracasso, embora ressalvemos o fato de terem encontrado a localizao da

    memria, da viso, do olfato, do tato e at da linguagem.

    A pesquisa das bases orgnicas da personalidade j bem antiga. Comea pelascorrespondncias morfopsicolgicas, isto , da estrutura do corpo com o carter e otemperamento. Da teoria dos humores de Hipcrates aos temperamentos e tiposmorfolgicos de Kretschmer, constata-se uma tendncia constante de dividir apersonalidade em vrias categorias ou partes. De acordo com um estudo que fizemos,predominam os sistemas ternrios.1

    O sistema mais recente o de Sheldon e Steavens, o qual, partindo da embriologia,descreve trs grandes tipos humanos. Esses bitipos so os seguintes: ectomorfo

    (longilneo, com predominncia do sistema nervoso), mesomorfo (predominncia do sistemaosteomuscular) e endomorfo (predominncia do sistema digestivo).

    A cada um desses bitipos correspondem diferentes traos de personalidade.

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    O ectmorfo cerebrotnico, isto , introvertido, hipersensvel, reservado,desconfiado, nervoso.

    O mesomorfo somatotnico, isto , ativo, independente, autoritrio, agressivo,competitivo, empreendedor.

    O endomorfo viscerotnico, isto , extrovertido, socivel, afetuoso, de reaeslentas.

    Sheldon e Steavens distinguem ainda, baseados em suas pesquisas, traosconstitucionais, ou de temperamento, e traos adquiridos, ou de carter. Cada um de nspode ser uma combinao desses fatores, numa graduao pessoal de 1 a 7.

    De acordo com todas essas biotipologias, o fator hereditrio desempenha um papelpredominante; subjacente personalidade, o fator biofsico como que deixa implcita umapredestinao, um plano, um programa, um potencial, uma inteno, que se traduzem comoum temperamento que a cultura s pode modificar at certo ponto, sob a forma de carter.Toda discrepncia exagerada leva a estados de desequilbrio ou de psicopatologia.

    Na neurologia j se fala da existncia de um hemisfrio cerebral direito,responsvel pela parte intuitiva e criadora, e de um hemisfrio esquerdo, que centralizanosso aspecto analtico e racional, ficando o corpo caloso como coordenador dos doishemisfrios. Tambm conhecido o papel dos ncleos subcorticais no que se refere vidaafetiva e s nossas emoes. Mas ningum localizou, at o momento, o centro do eu, dapersonalidade ou da conscincia.

    Sabe-se que a recepo e a transmisso das informaes efetuam-se pelo fluxonervoso; se a sua natureza bioeltrica hoje conhecida, a natureza e a fonte das ordens

    nos escapam por completo.Mais recentemente, Karl Pribram, diante do fato de que certas regies cerebrais

    mostram-se capazes de assumir a atividade localizada em outras regies, sem nenhumaaprendizagem, formulou a teoria hologrfica do crebro. Este se comportaria como um vastoholograma, o que significa que em cada uma de suas partes se encontraria o programa detodo o conjunto. Os programas da personalidade estariam localizados nos camposenergticos situados entre as cronaxias.

    Freud, no incio de suas pesquisas sobre o ego, tambm procurou situ-lo nosistema nervoso, dando-se conta, pouco a pouco, de que seus esforos no o conduziriam

    muito longe. Isso o levou criao de uma teoria metapsicolgica segundo a qual existiriaum aparelho psquico formado pelo id lugar das pulses instintivas e pelo superego,reunindo-se neste ltimo as foras parentais da cultura, que procura domesticar as foras danatureza do id. O ego seria a capacidade administrativa, mediadora desses dois plos. Umas fora ou energia, a libido, estaria na raiz do funcionamento desse aparelho psquico;partindo do id, ela emitiria a fora que permite a existncia dos dois outros. Trata-se de umadialtica entre a busca do prazer (Ecos) e da vida, e a fuga dor e morte (Thnatos).

    Eis-nos, portanto, numa outra corrente, a corrente intrapsguica das teorias dapersonalidade.

    Os trabalhos de Freud mostram que esse ego por ele procurado , na verdade,

    formado inteiramente pela introjeo ou internalizao de sistemas de valores e de modosde comportamento prprios de consenso psicossocial dominante; parece ser, de fato,

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    totalmente fabricado. Apenas a libido e certos mecanismos filo-genticos do id seriamhereditrios.

    Depois de Freud, dois dissidentes, embora tendo elaborado teorias diferentes,concordaram num ponto essencial: reconheceram que por trs desse ego hipottico existeunia energia, o que era tambm o ponto de vista de Freud, divergindo dele quanto aocarter individual da libido, por diferentes razes. Jung, um desses dissidentes, diz que alibido - termo que mantm - no pode ser confinada a um conceito puramente sexual; trata-se de uma energia bem mais vasta, proveniente de um inconsciente coletivo que manifestaou atualiza seu potencial arquetpico na forma de smbolos transculturais e, emconseqncia, no introjetados. Para ele, a regresso no se detm na mie, mas na GrandeMe, que a natureza. Um processo de individuao (que a volta indivisibilidade)permite esse retorno nossa verdadeira natureza;

    Por outro lado, Wilhelm Reich, embora conserve o conceito sexual de energia,

    tambm a amplia como Jung, atribuindo-lhe uma natureza csmica de ritmo orgsmico: oorgone, de cor azul, seria a energia universal, que circula inclusive no corpo humano. Suacirculao normal entravada pelos ns tensionais dos msculos, que caracterizam seisespcies de couraas musculares; desfaz-los permite que liberemos o orgone nelespotencializado, tornando-o disponvel para atividades socialmente teis. Digamos depassagem que Marcuse acentuou o carter alienante do sistema capitalista, que pe aenergia humana a servio do princpio do rendimento.

    Ao criar a Anlise Transacional, Eric Berne nos d uma forma mais sistemtica,poder-se-ia at dizer sistmica, do aparelho psquico freudiano. Seu sucesso em todos osmeios contribui, ao mesmo tempo, para reforar junto ao grande pblico e at nos meios

    cientficos, o carter fragmentrio porm interdependente do eu (ego).Para Berne, existem trs partes que formam o eu ou a pessoa: o Pai (P), conjunto

    de foras que dita, aconselha e faz julgamentos morais em cada situao da vida corrente.A criana (C), que simboliza o sentimento, a emoo, a alegria e a tristeza, os instintos, afruio da vida, o direito de brincar e de se divertir. O Adulto (A), que analisa e decide, emcada caso, o que necessrio pensar ou fazer; em caso de conflito entre P e C, ele umaespcie de rbitro lcido e consciente.

    As relaes interpessoais e a harmonia de cada um so constantementedominadas pela interao desses trs fatores.

    No que se refere ao nosso tema, o prprio Eric Berne reconhece a existncia deuma energia fundamenta] que investida, em cada um desses estados do eu ou do ego,sob a forma de catexe, em grego, kathesis.

    Ele avalia seu sistema como naturalista e fenomenolgico. Naturalista, porqueretoma a fundamentos neurolgicos: como se sabe, as experincias de Penfield mostramser possvel, por excitao cerebral direta, fazer os pacientes reviverem estados emotivosdo passado ao mesmo tempo que vivem os do presente. Assim, os estados de ego dainfncia podem coexistir com o estado adulto. Isso levou Eric Berne, baseado nasobservaes fenomenolgicas, a distinguir trs rgos psquicos:

    A exteropsique, que se manifesta, de maneira fenomenolgica, como o estadode ego exteropsquico do Pai.

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    A neopsique, que se ocupa do processamento dos dados e corresponde aoestado neopsquico do Adulto.

    A arqueopsique, que se manifesta como o estado de ego arqueopsquico (por

    exemplo, regressivo) da Criana.A energia distribui-se em trs estados de energia psquica ou catexes: ligada

    (latente), no ligada (disponvel) e livre (voluntria), a exemplo da energia psquicapotencial, cintica e muscular.

    Notemos um detalhe importante, mas pouco explorado pelo autor: ele situa naCriana uma sabedoria intuitiva que chama de Pequeno Professor, o qual representa oaspecto criativo da pessoa e seria uma espcie de Adulto da Criana, isto , daarqueopsique.

    Se examinarmos agora unia outra corrente, a behaviorista ou comportamentalista,

    que enfatiza a possibilidade de estudar objetivamente a pessoa humana por intermdio deseus aspectos e manifestaes exteriores, sem se preocupar com o que se passa na caixapreta, poderemos tambm encontrar indcios de uma pesquisa explicativa daquilo que estpor trs do comportamento observado de fora.

    Vejamos por exemplo Burrhus Frederic Skinner, que integra a linhagem maisavanada do behaviorismo reflexolgico americano. Segundo Pavlov, ele mostra que todo ocomportamento humano pode ser dividido em duas grandes categorias: o comportamentoreflexo e hereditrio e o comportamento operante; este seria modelado por aquilo que eledenomina de agentes sociais, como a famlia, a escola e a organizao do trabalho, pormeio de um sistema de reforo ou recompensa da atuao desejada ou esperada.

    Por trs dos mecanismos complexos desse condicionamento operante ou at docondicionamento reflexo, Skinner reconhece a existncia de um fator S, o fator desobrevivncia. Esse princpio subjacente constituiria a causa ltima de todo ocomportamento.

    tambm de um fator S que nos fala outro autor, que poderamos situar numacorrente scio-cultural, criador do psicodrama e da sociometria: Jacob Lvy Moreno. E essefator S, de espontaneidade, que Moreno deseja desbloquear no ser humano. Significa acapacidade de tomar com rapidez a deciso justa no momento exato, tratando-se, portanto,de uma espcie de sabedoria em ao.

    Diz ele que esse fator bloqueado por aquilo que denomina de conservasculturais, que so os consensos vinculados com os diferentes papis psicossomticos,como os relativos alimentao ou ao sono, os papis psicodramticos, ligados semoes, e os papis sociodramticos, como os do vendedor, do chefe de Estado ou docientista. Desbloquear a espontaneidade consiste em despertar a divindade no homem, noqual ela est oculta e reprimida. Moreno foi tomado por paranico, nos meios cientficos,porque dizia ser Deus. Jesus foi crucificado pela mesma razo, embora o que Ele tenhaquerido dizer que todos temos esse Reino do Pai, essa conscincia csmica, em nsmesmos. Moreno insiste, alm disso, num quarto papel humano, o papel csmico; diz que ohomem no somente um ser somtico, como queriam os organicistas, ou um serpsicolgico, como propunha Freud, ou socio-econmico, como descrevia Marx, e sim, antesde tudo, um ser csmico.

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    Em suas pesquisas sociomtricas, Moreno conseguiu isolar matematicamente umfator responsvel pela atrao e pela simpatia entre as pessoas; chama esse fator de tele,assimilando-o ao domnio da telepatia e do esoterismo e opondo-o transferncia freudiana,que constitui a patologia do tele. Assim, a espontaneidade o fator S bloqueada pelas

    conservas culturais, efetuar-se-ia, no plano interpessoal, sob a forma de uma relaoespontnea a tele bloqueada pelo fator cultural da transferncia.

    Alm disso, Moreno integra a corrente fenomenolgica e existencial, porque nos fazviver, no aqui e no agora, o encontro existencial com aquilo que o Ser de Heidegger, que a essncia do encontro entre Tu e Eu, de Martin Buber.

    A des-coberta do Ser velado pela existncia aparentemente pluralista dos seresconstitui o leitmotiv da abordagem existencial.

    A corrente transpessoal encontrada em germe j nos trabalhos de Jung, que ,tambm, o autor do termo. A idia essencial de que aquilo a que denominamos eu no

    um fator isolado do chamado mundo exterior, mas que esse self (ego), como denominaJung, est ligado a um Si-Mesmo universal ou faz parte dele.

    Foram os trabalhos de Abraham Maslow que abriram uma brecha definitiva, porqueexperimental, no conceito de um eu independente e isolado de seu contexto. Graas spesquisas que fez entre seus alunos, ele demonstrou que a maioria dos seres humanospassa por aquilo que denominou de experincias culminantes (peak-experiences), porvezes traduzidas como experincias paroxsticas. Os participantes dessas experincias,que se manifestam de modo sbito, contam que se sentiram unidos a todo o universo, queeram o cosmos inteiro, tendo sido tomados por um estado de alegria e de paz indescritvel,saindo do espao-tempo e perdendo o medo da morte, j que seu eu, por ter um carter

    apenas ilusrio, no podia morrer, sendo parte do cosmos, e assim por diante.

    D-se uma mudana no sistema de valores, como conseqncia dessa experincia.Enquanto antes predominava aquilo que Maslow denomina de valoresD, ligados ao desejo,desenvolvem-se agora os valores B (de Being), ligados ao Ser, tais como a verdade, abeleza, o amor, a integridade, a plenitude, etc. Eles constituem os metamotivos, atualmentereprimidos em nossa sociedade. Maslow afirma sem rodeios que os metamotivosrepresentam necessidades fundamentais do homem, to importantes e essenciais como asvitaminas; sua carncia causa de patologia.

    Bem antes de Maslow, William James, nos EUA., e Richard Maurice Bucke, no

    Canad, colocaram em relevo a existncia, no ser humano e no universo, de umaconsci8ncia comum a ambos, a conscincia csmica. Sob certas condies, esta despertada no homem, que ento se d conta do carter relativo e conceitual de suapersonalidade.

    As bases de uma psicologia transpessoal e