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M E D A L H A D E O I R O DE MÉRITO MUNICIPAL

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M E D A L H A D E O I R O D E M É R I T O M U N I C I P A L

Medalha de oiro de mérito municipal (")

Ex."I0 Sr. Presidente e mais vogais da Comissão Administrativa da Câmara Municifial de Lisboa:

Minhas senhoras: Meus senhores:

Nunca pensei que os meus modestos trabalhos, feitos por simples curiosidade, e com o empenho de profundar um pouco mais o conhecimento da história da nossa cidade, pudessem um dia provocar ao seu autor a honrosa consagração que lhe está sendo feita.

Não tenho outro merecimento mais do que ser o obscuro continuador de nomes ilustres que me precederam nestes estu- dos, e que, no século passado, tiveram por iniciador o grande Mestre que foi Alexandre Herculano.

A este seguiram-se outros investigadores: Silva Túlio, Vi- lhena Barbosa, José da Silva Mendes Leal, Sousa Viterbo, e alguns mais que em livros, ou em revistas periódicas, publi- caram o resultado dos seus estudos ou investigações, geralmente monografias ou descrições de trechos limitados da nossa capital.

( * ) Discurso dó agradeciniento publicado em nAnais das Biblio- tecas, Arquivos e 31useus Municipais~), n.O 13, ano IV, 1934. 98 1

Veio depois o Visconde de Castilho, que empreendeu o tra- balho coloçsal de fazer a história de Lisboa, descrever os seus bairros, penetrar a vida citadina da sociedade de outras eras, tudo abrilhantado por um estdo apurado, e tomado ainda mais atraente com a intercalação de poesias, de anedotas e de casos pitorescos relacionados com as passagens da narrativa.

Mas esse vasto progsama d q autor da Lisboa Antiga não @de infelizmente ter conclução, pois que apenas pubiicou um volume sobre o Bairro Alto, que em 2." edi+ desdobrou em cinco volumes, e *te tomos sobre os B a h s Orientais. Deixou aquele ilustre historiador da nossa capital os materiais prepa- rados para a publiçaç20 de uma 2." ediqão dos Bairros Orien- tais, trabalho que a actual LomisGo Administrativa da Câmara Municipal tornou a çeu cargo mandar efectuax, e que está em via de execução. Também lhe devemoç o importante estudo histbrico-descritivo da parte marginal de Lisboa, desde a Madre de Deus at8 Santos-o-Velho, cujo titulo é A Ribeia de Lkboa, e que obedece ao mesmo programa de descrever ã cidade deça- parecida, bem que sob uma outra orientago.

Cunfesso que foram as interessantes publica@eç deste cro- nista da cidade que me levaram a empreender os estudos sobre Lisboa, porque, çomo engenheiro e militar, acostumado a pautar os meus trabalhos com a rkgua e compasso, sentia o deseje de precisar algunç assuntos que aquele autor deixara pouco defi- nidos, c espccialrnente o de marcar na planta topográfica de Lisboa O traqado das suas obras defensivas na Idade hlédia, objecto que primeiramente tive em vista.

Dai, çomo assunto associado, veio o estudo da topografia e da toponímia das vias piiblicas da velha Lisboa, iniciado pelas circiinvizinhanças das murallias das suas cercas defen- sivas, e ainda outros trabalhos relacionados com a cidade, que não vem pata aqui enumerar.

Em tempos mais recentes, com o desenvolvimento do gosto por estas investigações históricas, tem aparecido uma pleiade

Bl; de novos e numemços escritores, que versaram vários aspectos

do tema Lisboa, Travassos Valdez, Forjaz de Sampaio, Paulo Freire, e ainda outros, dos quais é justo destacar o meu amigo, e também hoje homenageado arqueólogo e publicista Gustavo de Matos Sequeira, que se pode afirmar que tem produzido uma obra vasta e criteriosa, a qual em muito tem contribuído para o conhecimento de Lisboa de outros tempos. Ainda se deve acrescentar a estes o nome do Sr. Luís Pastor de Macedo, um novo, mas que, pelos seus trabalhos de investigação já publi- cados, se revela um digno sucessor da actual geração de olisi- pógraf os.

É Lisboa uma cidade de belos panoramas e não uma cidade monumental, como muito bem escreveu algures o Sr. Matos Sequeira, mas como acontece com todos os povoados de remota origem, muitos dos seus edifícios, das suas ruas e praps, dos seus monumentos, possuem a sua crónica, na qual à parte his- tórica e verdadeira se associam por vezes noções ou fados lendários mais ou menos interessantes.

Para o espírito curioso e investigador é um prazer transmitir ou consignar as suas impressões, afirmando a sua personalidade pela maneira como encarou um ou outro desses assuntos; igual- mente o é desvendar os segredos de eras passadas, e legar aos vindouros o resultado das suas averiguações sobre pontos desconhecidos, controversos ou ainda obscuros, da história da cidade.

É esse prazer que exclusivamente anima os estudiosos de assuntos olisiponenses, pois que não esperam nem contam com qualquer compensação, afora o apreço e consideração que Ihes possam tributar aqueles que também se dedicam à mesma espécie de estudos.

Porém a actual Comissão Administrativa da Câmara Mu- nicipal, formada por pessoas de elevada cultura intelectual e artística, entendendo que também nobilitam a cidade de Lisboa os estudos e trabalhos que tenham por objecto a sua históaia geral, a do seu sucessivo desenvolvimento no tempo e no es- paso, e a fixação inconográfica dos seus aspectos, deliberou 983

conferir a honra, nesta sessão solene, a três pessoas que causa da cidade, com a pena ou o pincel, têm consagrado a sua vida e dedicado o seu carinho, facultando larga documen- tação para o conhecimento da cidade.

E por que é uma honra, a que eu nunca aspirara, nem sequer sonhara, é que o meu reconhecimento e gratidão ao Ex."" Pre- sidente e mais Vogais da Comissão Administrativa são profun- dos e sinceros, perdurando sempre no meu coração a recordaqão deste dia, que considero como um dos mais felizes da minha vida.

A V. Ex." os meus agradecimentos.

ERMIDA DE SANTO AMAR0 E M LISBOA

Ermida de Santo Amaro em Lisboa (")

S i t u a ~ ã o e acessos. - Fica situada no alto de Santo Amaro a ermida desta invocação, num planalto para os lados da parte ocidental da cidade, disfrutandu-se do seu adro, e especialmente dos seus terracos, um dos mais belos panoramas de entre os vários em que Lisboa é abundante. No tempo da sua edificação iio século XVI a ermida ficava completamente isolada, e o pano- rama que dela se avistava era extensíssimo, vendo-se até à barra do Tejo, os montes da Outra Banda, e as encostas oci- dentais dos montes das Necessidades e dos Prazeres; actual- mente (1935), apesar de cerceado um pouco o campo de visão pelas edificações que fizeram no lado ocidental, ainda o pano- rama é bastante extenso, e compensa bem o trabalho de subida dos vários lanços de escada, talhados na encosta, de acesso pelo lado sul, que começam na Rua 1." de Maio (antiga Rua de S. Joaquim), e terminam no seu adro.

O acesso pela banda do norte é hoje muitíssimo cómodo, em vista da comunicação fácil, por meio de várias ruas que no planalto se rasgaram, com a linha de carros eléctricos que serve os populosos bairros de Santo Amaro e da Ajuda.

Planta e disposicões gerais do templo. - A ermida, que está classificada monumento nacional, é um dos mais originais templos da capital, devido em parte à bizarria do seu traçado.

(*) Publicado em ((Revista de Arqueologia», tomo m, 1934. 087

Tem em planta a forma de ferradura, com o seu eixo de sime- tria orientado na direcção noroeste, e o lado convexo, que é voltado para sudeste, apresenta um traçado poligonal com sete lados redilíneos, dos quais quatro são fechados, e três abertos, que correspondem aos três portões de entrada. No interior deste recinto, e isolados dos muros de contomo, ficam a sala de oração e a capela-mor; ambas com a forma circular em planta, sendo a primeira circundada por uma galeria ou átrio sensivel- mente semi-circular, e a segunda ladeada pela sacristia e por casas de habitação. As faces planas da parte convexa são sepa- radas por seis gigantes ou bataréus, que suportam o impulso da abóbada do átrio.

Sala de oração. -Tem interior e exteriormente a forma circular em planta, com oito metros de diâmetro interior, e é coberta por uma cúpula esférica, de cantaria com artezões, sobre- pujada por um pequeno lanternim, com três janelinhas, e cúpula também semiesférica, com uma cruz no alto.

A iluminação da caça é feita pelo lantemim, pelas portas, e por duas janelas gradeadas que ladeiam a porta de entrada.

Possui dois altares colaterais de madeira, o do lado do Evan- gelho com a imagem de S. João Baptista, e o da banda da Epístola com a de Santa Bárbara.

A ermida ainda conserva uma belíssima balaustrada ou teia de pau-santo, e dois lindos lambris de azulejo policrómicos (branco, azul, vermelho, verde e roxo) da Fábrica do Rato, com dois quadros ao centro alusivos à lenda da funda60 da crmida pelos galegos tripulantes de uma barca que naquelas proximidades deu à costa.

Por cima da porta de entrada abre-se para o interior da sala uma janela de sacada do coro.

Capela-mor. - É, como a sala de oração, coberta com uma abóbada, esta semiesférica, de cantaria com artezões. No altar- -mór está uma imagem do Santo padroeiro da ermida, em

9% altar de madeira com interessante obra de talha.

Os painéis ficam separados por pilastras também de azule-

jos, com folhagens e sereias com as caudas enrascadas, e por cima dos mesmos estão outros tantos painéis semicirculares, onde se acham representadas jarras ou vasos de flores, ladeados por dois pavões.

Sacristia. - Fica situada no topo do átrio, do lado da Epís- tola, e contígua à capela-mor, para a qual tem uma porta. 2 uma pequena casa rectangular, ao fundo da qual estão arca- zes com gavetões, e por cima destes, na parede, quatro quadros em tela representando vários milagres atribuídos ao santo; uma imagem do mesmo, vestido de bispo, com mais outros perso- nagens, está pintada no tecto de madeira.

Na lavatório vê-se um medalhão de mármore, representando Santo Amaro a salvar um náufrago, segurando-o pelos cabelos.

A dar fé ao que diz a inscrição atrás transcrita, teria sido o local desta sacristia o sítio da primitiva ermida.

Dependências da ermida. -Por cima da sacristia, e no corpo do templo que faz simetria a esta, ficam casas de habi- tação, que antigamente deviam ter sido logradouro do pessoal serventuário da ermida, e que actualmente estão ocupadas por locatários vários.

Terraços. - Sobre a abóbada do áLdo correm dois terraços com grades de resguardo, separados por um corpo central, mais alto do que os mesmos, e que constitui o coro do templo. O acesso aos terracos e ao coro fazia-se por uma escada prhpria, no corpo do edifício do lado esquerdo; actualmente está vedada, sendo necessário entrar por uma casa particular, com muita dificuldade e incirmodo.

Festejos e outras noticias. -Como se sabe, Santo Amaro, abade e bispo, é o advogado das pernas e bra~os partidos, e muitos devotos oferecem ainda as suas promessas de cera, com a forma daqueles membros, que se vêm pendurados no arco

290 e paredes da capela-mor.

A ermida, construída há 306 anos, segundo reza a hscriçZio existente, foi encerrada à devqão dos fi&is, profanada e rou- bada a p h a imp1an;aqão do regime republicano em 1910, e acha-se novamente restituida ao culto desde 15 de Janeiro de 1037.

Existia ali uma çonfrada, de que fizeram parte alguns dos mais ilustres nobres doutros tempos.

Nela se faziam antigamente grandes festas ao seu patrono, que começavam em 15 de Janeiro e se prolongavam ordidria- mente até S de Fevereiro. No seu adro organizavam os galegos das companhias de aguadeiros de Lisboa, um arraial e danças ao som dc gaitas de fules, e nele apareciam, além dos ven- dedores dos artigos que era de uso negociarem-se em todas as

festan~as populares porlupeças, mulheres vendendo rodrios de pinliões de Leiria.

Com a evoluçãa dos tempos estas festas têm desaparecido pouco a pouco e doç antigos galegos frequentadores do arraial, ainda lid cinco anos (em 1930) Iá apareceu o 6ltim0, que, com a sua gaita de foles, animou uma danp improvisada no adro, e até na sala de oração.

A F E I R A D A L A D R A

A Feira da Ladra (")

A nós, alfacinhas e moradores em Lisboa, a designação Feira da Ladra não nos causa surpresa alguma, tão acostu- mados estamos a ouvi-la pronunciar desde criangas. Mas os habitantes do resto do país, e aos estrangeiros assinantes da presente Revista, muitas vezes terá ocomdo a interrogqão: o que será a Feira da Ladra?

A esses diremos que a Feira da Ladra é uma feira ou mer- cado lisboeta, cuja origem remonta ou é porventura anterior à constituição da Monarquia Portuguesa, e se tem mantido segui- damente até à actualidade.

Documentos antigos contêm referências a uma feira que se realizava em Lisboa, já no tempo de D. Afonso I1 (1185-1223) um dia por semana, e que indícios vagos fazem presumir que teve o seu primeiro assento junto à muralha do lado sul do Castelo de S. Jorge, na esplanada ou pequena praça ou largo ainda hoje chamado Chão da Feira. Foi esta a avó da nossa actual Feira da Ladra.

Não abrangendo o comércio de carnes, peixes, legumes e frutas verdes, que é provável que já então estivesse estabele- cido na parte baixa da cidade, próximo do rio, pelas vizinhan- ças do Terreiro do Paço, na feira junto ao Castelo negociava-se naturalmente tudo o que constitui objecto de uso doméstico, vestuário, calçado, legumes e frutas secas, etc., como ainda

(*) Publicado na Revista ctA Feira da Ladra», vol. VI, 1034. 995

Existe uma água-tinta assinada Zuzarte, que representa o Rossio com a feira, pouco antes do cataclismo de 1755.

Depois do terremoto, como os locais ficaram muito confun- didos com os entulhos por causa dos trabalhos de reedifica@o da cidade, e por que não havia determinago municipal sobre o assunto, os feirantes começaram a concentrar-se pelas proxi- midades do local que ocupavam, no Rossio, instalando-se nas novas ruas que se rasgaram nas antigas hortas de Valverde; e por isso o edital de 27 de Novembro de 1809 veio fixar oficial- mente a feira no local qcie os feirantes haviam escolhido, pre- ceituando que ela fosse desde o Largo da Praqa da Alegria, seguindo a frente do chafariz (que ficava situado na Praça da Alegria de Baixo, junto à porta a norte do Passeio Público), e a Rua Ocidental do Passeio Público, até ao Palácio do Mar- quês de Castelo Melhor (começo inferior da Calqada da Glória).

A feira das cavalgaduras era também no Largo do Passeio Público (no lado sul do Passeio).

Com a tendência natural para expansão e abuso, os feiran- tes estenderam-se até ao Palácio Cadaval, de forma que em 1823 a feira começava junto deste palácio, (aproximadamente no sítio do pátio da estação do Caminho de Feno, nas trazeiras das casas da Rua do Pnncipe) seguia pela Rua do Príncipe (pela Rua 1." de Dezembro, na parte hoje alargada, entre o Largo D. João da Câmera e a Praqa dos Restauradores), pela Praça dos Restauradores, ao longo dos prédios do lado ocidental da nossa Avenida da Liberdade, até à confeitaria estabelecida nas lojas n."-7 e Mf, subia pela desaparecida ramFa que ligava as duas praças da Alegria, de Baixo e de Cima, na úitima daz quais ( a actual Praça da Alegria) terminava.

Nesse ano, pelo edital de 19 de Fevereiro, foi ordenada a transferência da feira de fato e trapos para o Campo de Sant'Ana ocde se devia continuar a realizar às 3."-feiras, passando a feira das cavalgaduras para o Campo Pequeno; essa transferência foi no dia 18 de Março do dito ano. Desde então as duas feiras desligaram-se, e passaram a ter vida independente. 297

Continuemos com a leira do fato e trapos, que é pròpria- mente a Feira da Ladra.

Passado pouco tempo, por edital de 10 de Julho do mesmo ano de 1823, foi ordenada a mudanqa da feira novamente para o antigo local, ao Passeio Público, mas com o limite sul que lhe t i a sido designado em 1809, isto é, o come50 inferior da calçada da G16ria.

Em Abril de 1834 de novo se determinou a mudanqa da feira para o Campo de Sant'Ana, mas esta deliberaqão foi suspensa provisòriamente, em vista das reclamações dos inte- ressados: feirantes e público.

Mas em 5 de Maio de 1835 foi finalmente inaugurada a feira neste novo local, em virtude do edital de 27 de Abril do mesmo ano, que aí a colocou definitivamente, sendo permitido efectuar-se diàriamente.

Neste sítio se manteve a feira 47 anos, até que, em conse- quência da deliberação camarária de 19 de Dezembro de 1881, e do edital de 23 de Fevereiro de 1882, foi ela transferida em 4 de Abril deste ano para o Campo de Santa Clara. Poucos dias aqui se conservou, em vista das reclamaqões dos feirantes, voltando novamente para o Campo de Sant'Ana, onde também se demorou pouco tempo, pois que, em 1 de Julho do mesmo ano de 1882, passou a fazer-se no Campo de Santa Clara, onde tem continuado a tradiqão histórica, não só pela sua deno- minação, como pela índole do seu negócio, e também pelo facto de ser semanal, realizando-se todas as 3.""-feiras; actualmente (1934), desde Novembro de 1903, (deliberação camarária de 5, e edital de 12 do dito mês), efectua-se também todos os sábados.

Quando ainda estava no Campo de Sant'Ana, nos meados do século passado, criado o gosto pelos novos modelos de objec- tos que a indústria estrangeira introduzia no nosso mercado,

998 apareciam na feira boas peças de mobiliário antigas, maci~as,

entalhadas, louças maravilhosas, manuscritos precioços, ediges hicas ou raras, pergaminhos valiosos, gravuras raríssimas, de que os donos de caças se desfaziam para os substituir pelos mbveis friigciq, folheados, louças aparatosas mas baratas, objec- tos de pecltisbeque, quadros dc cores berrantes, etc., cujo cunho de modcrnisrno fazia desdenhar do bom gosto dos nossos av6ç.

Na Feira da Ladra, nos seus tempos Hureos, encontrava-se dc tiido; objectus novos, boa mercadoria, oirro de lei, artiçns vclhos, algiins conscrtadns, rrtocados, a fingr de novos; arligo? de problcniAticn iitilização, nias que sempre achavam um ama- dor que os rccolliia e guardava para ocasião oportima. Aqui ne5ta Revista, rle parceria com artigos novm, de boas penas, ajuntam-?e outros que se vão buscar aos ciesvãos dos arquivos, limpam-se, consertam-sc, e oferecem-se ao pdblico com aspecto atraente e agadivel, para conservação e arquivo nas estantes dos estudiosos. Tal é o simile que levou a adoptar para a pre- sente Revista o nomc de Feira da Ladra.

Um belo dia, não se sabe quando, talvez por princípios do &ulo xvn, na época e m que a feira fazia no Rossio, come- çaram a chamL-la: Feira da Ladra.

Parece que o documento mais antigo em que se lhe d5 esta denominação 4 uma postura que se encontra no livro de c(Pos- turas da mui excelente e sempre Leal Cidade de Lisboa, refor- madas ernrnendadaç e recopiladas pelo III.mo Senado dellaii - Ano I r i JO, pig. 23,í. Est5 no livro 4.", e tem por título: ctPos- fura 111, quc nam vendam na feira ds ladraii ( 3 ) .

O texto desta postura 4 para n6s, os de hoje, um tanto confuso, por que diz qiie: ((nenhuma pessoa venda nem compre cousa algrirna na Feira da Ladra, assim na Ribeira como na Feira do Roçqio.. . ) i o que além de levantas a dlivida ;para qiie serviria a frira? pode dar a entender que ela se fazia nestes dois locais ou alternada, oii simultâneamente; mas tarnMm 999

podem estas arnbiguidades ser provenientes de lapsos de cápia, reformada e emmendada, da postura mais antiga, para o novo livro; ou ainda, o que é mais provável, a feira na Ribeira (Ve- lha) ser alusão ao mercado geral de mantimentos que no prin- cípio do 3." quartel do século xvi passou para o dito local (*). Em qualquer caso, não se compreende.

É natural, porém, que a denominago: Feira da Ladra, tenha uma origem mais remota, porquanto o livro que citámos, de 1610, é uma recopilação de posturas mais antigas, cujos origi- nais também existem encadernados em vários tomos no arquivo da Câmara Municipal de Lisboa, não tendo nós tido porém ensejo de os examinar.

.,. .r

De qile proviria essa denominação? No último quartel do século passado alguns escritores preo-

cuparam-se com procurar a etirnologia da denomina* popular da feira, e fizeram correr rios de tinta para a explicar.

Duas versões principais se originaram; uma explica a desig- nação pela situação originária da feira na margen do Tejo; a segundâ, mais moderna, pela natureza miserável do seu negócio.

Pretendem os primeiros, entre os quais estão Pinho Leal (inventor da versão) ( 5 ) , Alberto Pimentel (6), e o Visconde de Castilho (') que a designação de ladra seria uma conup@o de lada, que significaria o mesmo que lado, e teria origem no facto de se fazer a feira primitivamente às Portas do Mar OU

Ribeira Velha, na margem (lada) direita do Tejo.

( 3 ) Citada e transcrita por E. Freire de Oliveira, in: Elementos para a História do Municipio de Lisboa, vol. 1.0, Lisboa, 1882, pág. 235. Idem, por J . de Castilho, in: Lisboa Antiga, parte, Bairros Orientais, tomo V I , 1889, pág. 186.

(4) Veja-se a documentação in: As muralhas da Ribeira de Lisboz, 300 pelo autor, 1900, pág. 256.

Esta asserção é completamente gratuita, porque não consta de documento conhecido que tivesse estado a feira algum dia em ta! sítio, mas aí, sim, o mercado geral dos mantimentos, peixe, carne e todas as mais coisas necessárias (para a alimen- t a $ ~ ) , o que destroi a hipótese em que os autores referidos fundamentaram a sua dedução, a qual, de resto, já foi lãrga- mente combatida e destruída por Ribeiro Guimarães em longos artigos jomalísticos.

Pretendem os segundos, à frente dos quais está o Visconde de Santa Mónica, autor de um folheto que tem por titulo A Feira da LaJra, publicado anónimo e sem data, mas aí por 1888, que ladra é conupteia de lázaro ou ladro, isto é, laza- rento, miserável.

Faz o paralelo entre a designação que o nosso ciássico Jorge Ferreira de Vasconcelos, na sua Eufrosina deu à feira: feira de Santa Ladra, querendo talvez significar pobreza, miséria, e a de uma feira qae antigamente se realizava em Paris, a que chamavam de Sainte Ladre, corrup@o de Saint-Lazare, pois que os franceses davam o nonie de ladreiries aos hospitais de leprosos, e nóç hoje ainda a estes chamamos Lázaroç, e à pobreza acompanhada de miséria e imundície: lazeira, termo que tamlim já significou lepra. Acrescenta ainda que há um insecto nojento, a que se dá o nome de ladro, provàvdmente por acompanhar a imundície (lazeira) e produzir uma imta- ção na pele.

Esta conjectura é rejeitada pelo Visccnde de Castilho, e teria possibilidade de ser verosinil se se pudesse provar que na época em que comgaram a designar assim a feira ela tinha por principal característica ser um mercado de coisas velhas e miseráveis, o que a sua hist6ria não regista.

( 5 ) Portugal Antigo e Moderno, vol. IV, Lisboa, 1874, pkg. 171. ( 6 ) Diário Ilustrado, de 1 de Outubro de 1874. ( 7 ) Lisboa Antiga, 2 . a parte, Bairros Orientais, tomo VI , 1889,

capitulo XVIII. 302

Deixaremos aqui consignada, a título de curiosidade, uma explicação muito original da origem do nome da feira, mas dada por um autor muito sério.

Diz Ribeiro Guimarâes que sendo na feira o ponto de reu- nião de muita gente de todas as condições, e mesmo das mais abastadas, pelas muitas coisas que se vendiam na feira, e nas tendas debaixo dos arcos do Hospital (de Todos-os-Santos), os pregadores, à semelhança de Fr. António do Rosário, come- çaram a apelidá-la de ladra, como se dissessem dá vaidade, por ser esta origem de muitos desvarios, e raptadores da vir- tude, da modéstia, da sisudeza e da prudência, e portanto causa de muitos pecados

Tributando o devido respeito 2s autoridades mencionadas, permitimo-nos divergir da opinião delas, e julgamos, muito sim- plesmente, que a origem da denominacão se deve resumir em ter havido algum dia, entre os feirantes, uma mulher que, com razão ou sem ela, era alcunhada da ladra ( 9 ) . Esse apodo passou, muito naturalmente, para a feira que ficou assim conhecida, e consagrado o nome. Era facto muito vulgar, nas nossas tradi- ções toponímicas, ligar aos locais os nomes, alcunhas ou pro- fissões de pessoas que neles viviam ou os frequentavam; a nomenclatura popular de muitas ruas antigas de Lisboa (porque desta cidade estamos tratando) tem disso numerosos exemplos.

Uns artigos que na feira apareciam abundantemente eram os restos do cabedal de botas e sapatos, usados pelos sapateiros como enchimento entre as solas e as palmilhas do calçado novo, a que chamam almas; daí resultou ser conhecido também este mercado lisbonense por Feira das Almas.

(8) Jornal d o Cow~ércio, de 16 de Outubro de 1874. (9 ) A mesma conjectura formula J. Ribeiro Guimarães num dos

302 seus artigos. -Jornal do Comércio, de 16 de Outubro de 1874.

A bibliografia sobre a Feira da Ladra é muito vasta. Como o assunto se presta, contém ela verdadeiras peças literárias, tanto em prosa como em verso, cujos autores tirara-m partido dos seus aspectos pitoresco, da extravagância dos objectos novos e velhos apresentados à venda, e do picaresco dos vendedores e do seu modo de negociar.

Damos aqui a nota de alguns autores e os títulos de vária? publicaç6es sobre a feira, ou que contêm artigos sobre a mesma, para os estudiosos que quizerem profundar mais o assunto, ou gostarem de se deleitar com os trechos literários devidos a al- gumas pr 7s consagradas na literatura portuguesa.

1552- João Branaau - ((Feirra que se faz no Rossio)); in Tratado da ~Wajestade, Grandeza e Abastança, da Cidade de Lisboa, na 2." metade do século xvr (Estatistica de 1552); Lisboa, 1923, pág. 75. - Nesta estatística vem uma resenha muito minuciosa do que se mercadejava na feira nos meados do século XVI.

1584 - Padre Duarte de Sande - ((Lisboa em 1584)); in Ar- chivo Pittoresco; vol. VI , Lisboa, 1863, pág. 87.

1613 - Balthazar Dias - Auto da Feira da Ladra; Lisboa, in 4.".

1620 - Frei Nicolau de Oliveira - ((Descriqão da feira)), in Livro das Gran,dezas & Lisboa; tratado V , capítulo IV, Lisboa, 1620, fol. 117 v.

1698 - Sebastião da Fonseca y Pavya - ((0 Rocio à terça- -feira)) - Sylva, in Academia das Singulares de Lisboa dividida crn dezoyto concursos, em que se inclue h u m certamen Acadé- mico; tomo ?.O, Lisboa, IODY, pág. m%.

1755 -Frei Francisco Rey de Abreu Dlatta Zefenno - ((Carta I. Ou Extracto verdadeiro da famosa Feira da Ladra)); in Anatómico Jocoso, que e m diversas ofleraçõens manifesta ruin-

dade do corpo humano; Lisboa, 1755, tomo 2.", pág. 9. 303

1786 - J. J. R. - Descriqão em verso; ([Quintilhas com- postas por J. J. R. falando com a sua Muza, lembrandelhe o que com ela tem passado, pintando-lhe os seus grandes defeitos, e figurando-lhe a Feira da Ladra, em cujo sítio1 se dava uma assembleia, onde a mesma Muza tinha repetido uma obra, que foi aplaudida, e que a encheu da maior presunção)); Lisboa, 1786, in 4.O de 16 págs. - Citada e transcrita por J. de Cas- tilho, in Lisboa Antiga; 2." parte, tomo VI, 1889, 3ág. 189.

1833 - Nota in Collecqão de Providências Municiaes da Câmara de Lisboa, desde 1833; tomo I, Lisboa, 1833-1852, pág. 46.

1848 - Descrição no texto, in The Stranger's Guide in Lis- bon; or an Historical and Descriptive View of the CiEy of Lisbon and its environs; Lisboa, 1848, s/n., pág. 198.

1858 - Júlio César Machado - ((A Feira da Ladra)); in- A Vida em Lisboa; Lisboa, 1858, pág. 107.

? - Ricardo José Fortuna (nasceu em 1766 e faleceu em 1860) - O londum na Feira da Ladra em Lisboa; f aqa - ms. inédito, citado por J. de Castilho na obra citada, pág. 192.

1872 - José Ribeiro Guimarães - ((Descrição extraída da Estatística de 1552)), atrás mencionada; in Summart'o de Varia Bistoria; vol. I, Lisboa, 1872, pág. 70.

1874 - Augusto S. d'Azevedo Barbosa de Pinho Leal - ((Feira da Ladra (vulgo - Feira da Ladra))); in Portugal Arafigo e Moderno; vol. 4.", Lisboa, 1874, pág. 171.

1874 - Alberto Pimentel - Referência ligeira: «As Feiras)) (folhetim); in Diário Illustrado, de 1 de Outubro.

1874 - José Ribeiro Guimarães - ((Feira da Ladra)); folhe- tins s/n. do autor, in Jornal do Commercio, de 2, 14, 15 e 16 de Outubro.

1874 - Joaquim António de Macedo - ((Feira da Ladra)); in A Guide to Lisbon and its environs; London,-Lisbon, 1574, pág. 229.

1878 - D. José dJAlmada - ((A Feira da Ladra)); in Alma- 304 nach da Empresa Litterana de Lisboa para 1878; págs. 71 e 72.

? - D, José d'xlmada - cc0 Sebastianista~i (folhetim) cita- @o de Júlio de CaçtiIho in Lisboa Aatiga, 2.* parte, Bairros Orientais; tomo VI, 1859, pAg. 195.

1882 - Eduardo F~eire de Oliveira - Nota in Ekmepltos para a Hidória do Mwnicifiio de Lisboa; tomo I, Lisboa, 1882, pág. 235.

1885 - L. - rtA Fe'eirã da Ladrai,; artigo de L., desenho de A. M. Ramabo, e gravura de Lallemant; in O O c c i h t e , vol. VI, 6." ano, Lisboa, 1883, pigs. 3 e 5.

3884 - Dr. Xavier da Cunha - trA Feira da Ladra na Praça da AIegriai); ia Occihnte, voI. VII, 7." ano, Lisboa, 1884, pãg. 260.

1888 - Henique O'Neill (Visconde de Santa M6nica) - irA Feira da Ladra)); folheto in-S.", de 32 pags., çJdata, e sJn. do autor. (Imprensa Nacional, 1888).

I889 - Alberto Pimentel- {(A Feira da Ladra)), in O Re- $orfw, de 8 de Março.

1889 - Visconde de Castilho (Júlio) - ccCapítulas descriti- vos)), in Lisboa Antiga, parte, BaUroç Orientais, tomo VI, Lisboa, 1889, págs. I81 a 135, 279 a 286 e 321. a 335.

18% - Guerra Junqueiro - ((Na Feira da Ladra)>. (Riçt8 ria de um piano)), in Branco e N ~ Y o , tomo I, Lisboa, 1896, n . O 19.

1902 - c4A Feira da Ladra]) - in O Séc~Eo, de '7 de Se- tembro.

1903 - Eduardo Coelho - aPasseios em Lisboa - Na Feira da Ladraii, in Didrio de Noticias, de 14, 15, 17, 20, 21, 22, 25 e 29 de Maio e 1, 6 e 11. de Junho.

I907 - Jo& Augusto Correla - ((Feira da Ladraii; in Ci- dades de Portugal; Lisboa, 1907, pág. 3 s .

1907 - Esteves Pereira e Guilherme Rcdrigues - ((Feira da L d m i , in Portgal , Dzcio~drio Histbtico,.. ., Lisboa, vol. 111, 1907, pág. 332. 305

1911 - Silva Passos e Lima Bayard - ((A Feira da Ladra)); publicação de carácter político, de que saiu apenas (?) o n." 1, em 8 de Fevereiro.

1912 - Dr. Rodrigo Vellozo - ((A Feira da Ladra e Mer- cado em S. Bento)), in Aurora do Càvado, Lisboa, n." 45 da 3." série, de 8 de Janeiro. - Em nota diz o autor o artigo saiu originànamente na Aurora do Lima.

1916 - Odwaldo Vianna - ((Feira da Ladra)) (contos humo- rísticos) ; Lisboa, 1916. - O título não tem relação alguma com o assunto dos contos.

1924 - Fialho de Almeida - ((Feira da Ladra)), in Estan- cias d'Arte e de Saudade)), Lisboa, 1934, 5 . O milhar.

1925 - João Paulo Freire - «A Feira da Ladra vai acabar, apesar de ter começado no reinado de Afonso III)), in Diário de Lisboa, de 20 de Maqo.

1932 - ((A Feira da Ladra)), in O Século, de 3 de Marp. 1932 - Rocha Martins - ((A Feira da Ladra e suas surpre-

sas)), in Diário de Noticias, Lisboa, 25 de Maio. 1929 - . . .e por muitos mais anos. - ((A Feira da Ladra));

dirigida por Cardoso Martha e editada por Gusmão Navarro; Lisboa, 1929-30, 31, 32, 33 e 34.. .

A S T E R M A S R O M A N A S DA RUA D A P R A T A , E M L I S B O A

As Termas Romanas da Rua da Prata, em Lisboa ( ": )

Por iniciativa do jornal O Século, e sob o patrccínio da Câmara Municipal de Lisboa, realizou-se em 23 de Agostc de 1934 uma visita de estudo às conservas de água situadas no subsolo das Ruas da Prata e dos Retrozeiros, e por baixo dos prédios que formam a esquina sudoeste daquelas ditas ruas, designadas nos livros que delas tratam por Termas Romanas da Rzca d s Prata, dedicadaç a Esculápio.

O ilustre arqueólogo Gustavo de Matos Sequeira, a quem se deve a ideia daquela exploraqão, e que foi como que o seu relator, deu a público no jornal O Século, do dia imedia.to, os pormenores da visita, e as suas impressões sobre a origem da construqão.

O seu relato, feito com o estilo cintilante que caracteriza todas as produq6es do ilustre arqueólogo olisipnense, comqa pelos seguintes períodos:

((Ontem, por uma manha luminosa e esplêndida, trespassada dos gritos madrugadores da cidade, uma dúzia e meia de cria- turas curiosas, de alfacinhas entnsiastas, enterraram na sombra repousante do esquecimentc a lenda das Termas de Tibém'o, e trouxeram, deslumbradas, para a luz, a verdade surpreendente de uma grzndiosa obra ignorada - a obra dos engenheiros e

(*) Publicacio em Afluis das Bibliotecas, Museus e Arquivo His- tórico Municipais, Ano IV, n . O 13, 1934. 309

arquitectos pombalinos. Dilucidou-se a sombra, remota e au- gusta, dos frigidaria e dos hipocausta tiberinos que alimenta- riam, na versão já secular, bebida na Memória imaginosa do cisterciense Frei José do Sacramento, as Termas Romanas da Rua da Prata; mas, em compensação, formou-se, com substân- cia, corpo e nervos, a certeza iniludivel de que a obra subter- rânea, ontem visitada, era o notável complemento arquitec- tónico da reconstrução da Lisboa do século XVIII.

O que ontem vimos vale - quanto a nós - bem mais que uma termas que tivessem dedicado a Esculápio, os augustais Lúcio Fábio Daphno e Marco Afrânio Euporião, como rezava a lápida abusivamente posta no patim n." 85 da Rua dos Retro- zeiros. Aquelas fortes e dominadoras galerias, de arcos contra- fortados, de uma solidez inteligente que chega a ter beleza, traçadas sob as paredes mestras dos prédios, que os amparam uns contra os outros nos quarteirões setecentistas, riscados por Manuel da Maia, estão ali, não documentando um balneário romano que sobre elas se erguesse à babugem da água do an- tigo esteiro do Tejo, mas um jogo e um tramo de suportes de alicerces, aguentando o peso das descargas murais, com apro- veitamento, ao mesmo tempo, para benefício dos moradores, das nascentes pre-terremotum.

Quero dizer; quando depois de 1755 se resolveu construir, entre o Terreiro do Paço e o Rossio, a cidade nova, modifi- cando as minas restauráveis dos velhos armamentos da Lisboa de D. João V, o sábio e bondoso Manuel da Maia, Mardel, Eugénio dos Santos e os outros não se limitaram a razoirar as velhas paredes à picareta e à bala, entulhando os desnivelados quarteirões que o terremoto aluira: O plano foi maior, mais inteligente, mais completo, mais perfeito.

Até hoje ninguem o tinha vislumbrado. Nem Amador Pa- tricio, na sua conhecida obra Providências sobre o terremoto, o deixara supor. Toda a Baixa, todos os seus quarteirões, foram erguidos sobre a rede resistente de galerias arqueadas, de arcos

310 de cantaria curvados sobre fontes, bicas e nascentes, de que

ontem vimos ama arnoçtra, alastrada à roda do troço da Rua da Prata, entre a de S. Julião e a da Conceição. O exame feito, em conjunto, de vários poços vizinhos e distantes, que todos acusam, a meio fundo, o abobadado dos reservatórios, dá a entender isso mesmo. Não é só a rede subterrânea dos corre- dores da Rua da Prata que existe; não é só esse conjunto de arcos e aduelas de cantaria, constituindo abobadados, que marca a obra pombalina; são dez, vinte, trinta, cem talvez, agora retalhados e isolados uns dos outros pelos canos gerais das ruas da Baixa. O consórcio de um regime de águas com o regime de alicerces, documentado agora pela primeira vez, põe mais alto ainda do que estava a obra pombalina.

Coube-nos a nós, os visitantes de ontem, a honra e o prazer de poder estabelecer esta afirmação, e cabe à Câmara Muni- cipal e ao Século a prioridade de uma descoberta de alta im- portância histórica e artística, que reverte a favor da cultura portuguesa, pondo em pleno século XVIII a aplicação de prin- cípios arquitectónicos que nobilitariam a engenharia da cons- tmção urbana de qualquer país, em anos bem mais adiantados)).

Não tendo podido associar-nos, por motivo de serviço pú- blico àquela excursão de estudo, a leitura do artigo sugeriu-nos a carta seguinte ao nosso amigo e consócio Matos Sequeira, a qual ele fez publicar no jornal O Século, do dia 24 de Setembro:

Lisboa, 26 de Agosto de 1934.

Meu. prezado Amigo e Ilustre Confrade Matos Sequeira:

Se tive um grande pesar de não poder acompanhar a visita às conservas de água subterrâneas da Rua da Prata, promo- vida pelo jornal O Século, sob o patrocínio da Câmara Muni- cipal de Lisboa, maior foi ainda a minha pena, ao ler no jornal o relato da excursão, feito por V. Ex.", por não me ter sido 321

dado trocar impredes com V. Rx.& sobre a origem das cons- truções. Xiio tive ensejo de examinar os materiais de constm- ção, nem a forma da estmtura, e por isso as considerações que vou fazer rersenkir-se-ão dessa minha falta de exame, podendo servir apenas de base para proaguimento da discussão.

A duas epocaç separadas por um intervalo de xis &culos se poderá atribuir a construção daqueles reservatórios; ou a uma época anterior i conquista de Lisboa, compreendendo por- tanto a da dominação romana, ou & época da reconstm$o da Cidade, logo após o terremoto de 1752.

Durante este intervalo de cerca de seis séculos, que demrren desde a conquista ate ao cataclismo menciofiaados, a topografia de local manteve-se inalterada, ou com alterações i-mignifiçan- tes, como mostram os documentos. No sitio dos reservatórios em quest5o havia ruas, largos e edificaçõcs, sem relação alguma com a orientação e distribuiqão dos mesmos subterraneos, que deviain ser alimentados com as águas daquelas nascentes sub- terrâneas; portanto se ji eram uma çonstruqão anterior con- quista de Lisha em 1147, estavam seterrados, e sobre eles existiam vias públicas e casas.

No caço de se tratar de uma constmção pombalina, como V. Ex." presume, destinada a amparar as paredes mestras das prédios super-jacentes, porque tem ela uma direcção tão envie- zada relativamente a eçças paredes, que coisa algumá justifica?

Logo depois do terremoto promulgaram-se vzirias Providên- cias com o fim de evitar-se a reconçtrução deçosdenada da parte baixa da Cidade; e decorridos menos de dois meses depois do cataclismo jh se pensava em re,gularizar OS declives do vale da Raixa até às cortinas dc Terreiro do Paço e da Ribeira (Avisos de 11 e 22 de Dczembro de 1755). Outra Proeridência (Aviso também dc 2 de De~cmbrci dc 175.5) mandava que fosern lançados os entulhos cntrr a Rira Sova do Almada (antiga e actual) e a Rua da Padaria (antiga, anterior ao terremoto), que cra a zona ondc se acllari~ situados os subtcrr9neos ou con- servas de 5gua de qur cstou tratando. Em :!O de Dezembro dc 1755 determinou-sc que todos os edifícios a construir fossem uniformes, e em 10 de Fevereiro do ano imediato foram amea- çados os proprietários de se mandar demolir i sua custa os edi- fícios que foçsea construidos fora dos planos da nova reedifi-

319 cação.

I

NAS RUAS DA PRATA E 'DOS RETRQZEIROS, EM LISBOA E S ~ A L A r:aoo

PORMENGR$S b~ PARTE

LEGENDA

#..L*.",. r>,. ,"õY,.. " 1 ' 1 . o. .>'".d..

TERMAS ROMANAS DEDICADAS A ESCULAPIO NAS RUAS DA PRATA E DOS RETROZEIROS, EM LISBOA

ESCALA 1:200

Cortes verticais da p ~ r t e actualmente visitável

I CORTE LOIYGITVDINAL POR AB

CORTE LONGJTWDINAL POR GY

1

I CORTE TRANSVERSAL POR M N

-3 CORTE T R A N S V E R S A L POR PQ

Em nenhuma Providi~lcia. se faz a menor referencia a estes reservatbrios de Agiia, e n5o parece natural que, estando em estudo os projectos de s~construqão da Cidade, que por Manuel da 3iaia ou scb a sua superintendência foram feitos logo em 4 de Ilezembro de 1155, em I6 de Fevereiro, e em 19 de Abril de 1756, se fosçe empreender urna construção com oBenta@o com- pletamente arbitraria, sem ligqáo alguma com os planos que se estavam estudando para a reconstnição da Cidade.

Seriam aqueles reservatórios construídos para armazenar água para. abastecimento da populaqZo do vale da Baixa? - XIas depois dos arquitectos da Cidade terem 3 sua vista a mo- numental obra do aqueduto e depbsitos de água das Águas Livres, ocorrer-lhes-ia fazer uma obra tão rnesqiiinha, com tanto muro, separando c h a r a s relativamente pequenas? - Não parece razotive1.

Se naquele local da 'Baixa havia e há várioç poços que vão abastecer-se nas conservas de água, tam'dni h5 muitos outros que não têm relação alguma com aquela origem.

Existe na Baixa, de facto, um lençol de águas, ai por uns t r k ou quatro mctros de profundidade, que çe formou em consequ6ncia do lançaventa de entulhos, de terras argilosas, e de sedimentação em diferentes t p s , e que pouco a poitco, com o decorrer dos &cçlos, formaram urna camada Irnpmeá- vel que ancaminha as águas segundo esse lençol.

Yo local do edifício que se construiu para o Credito Predial, na Rua Augilsta, que foi prohndado ate oito metros abaixo do leito da dita ma, enccntraram-se, at4 cerca de três metros de profundidade, entulhos recentes, posteriores ao terremoto; e a esça profunaidade começavam os alicerces dos predios de constnição pomba lina.

Sejse nível existia um poço pertencente a um dos prédios demolidos, cujo nível da r i p a ficava a unç quatro metros de profundidade relativamente ao leito da mencionada nia, e que cra abastecido com as as dn lençol subterrâneo, sern comu- nicacso coni qualquer reservatório; foi demolido sem se ter cricontrado qualquer cousa digna de mcnção; apcnas tinha no fundo muitos cacos de bilhas c de garrafas.

Dai para baisr), até a profunclidade de oito mctros, o tcrreno era de argila comliacta, c 5 dita profundidade encontrou-se a praia de areia, com cecchas de matiscos, como as da 6poca actuaI. Ai deparou-se um fragmento de um cano de drenagem de origem romana, formado por tijoleisas imbricadas, com a

extensão aproximada de quatro a cinco metros, de que dei notícia no Arqueologo Português, (ano de 1922, vol. 2 5 . O , pág. 180), e de que ofereci algumas ao Museu Dr. Leite de Vasconcelos.

Se portanto a oito metros de profundidade havia restos de obra romana, fica provado que ainda no tempo do domínio romano existia o esteiro do Tejo que penetrava pelo vale da Baixa.

Para o lado da sua foz, isto é, em direcção. ao Terreiro do Paqo, parece que o esteiro tinha um estrangulamento, pelo avanço do terreno do lado da Madalena, pois que, segundo fui informado pelo Sr. engenheiro Vasconcelos, director da Com- panhia dos Fósforos, no local do edifício do escritório da Companhia, entre a Rua de S. Julião e a do Comércio, pró- ximo da Rua do Ouro, ao fazerem-se as escavações para a construção duma casa subterrânea, encontrou-se rocha com fósseis incrustados, a cerca de três metros abaixo do nível das ruas. Nas proximidades deste local ficam as conservas de água da Rua da Prata, sendo portanto muito natural que o terreno firme nesta rua se ache também a pequena profundidade, e que a construção dos reservatórios assente directamente sobre ele. Não repugna portanto admitir que, sendo então profundo todo o esteiro da Baixa, e estando descoberto, os romanos, que construíram o seu tubo de drenagem a oito metros abaixo do nível actual das ruas, no local do edifício do Crédito Predial, tenham construído as suas termas a quatro metros abaixo do mesmo nível, sobre terreno de rocha, com as suas nascentes a borbulharem do fundo dos reservatórios, e com procedência porventura dos montes do Castelo e da Graça, mas certamente muito diferente da do lençol de águas da Baixa, que se formou muito mais tarde, durante os séculos que decorreram até à constituição de Portugal em país independente.

As fundaqões dos edifícios pombalinos da Baixa divergem inteiramente da disposição que apresentam as conservas de água, supondo-as alicerces de construções. .

Tive ocasião de ver essas fundacões em dois sítios bastante distantes, um ao norte e outro ao sul do local das conservas.

Quando se construiu o edifício do Crédito Predial puzeram-se a descoberto, em 1922, os alicerces das paredes mestras dos

314 prédios que foram demolidos para constm@o daquele, e dos

que se conservaram, e lhes ficavam contíguos. Esses alicerces eram constituídos, a cerca de quatro metros abaixo do leito da Rua Augusta, por grades formadas por quatro troncos de pi- nheiros dispostos longitudinalmente, os quais assentavam em outra camada de pedaços de troncos mais delgados dispostos transversalmente; estas grades firmavam-se em quatro filas lon- gitudinais de estacas de pinheiro, com um metro e quarenta centímetros de comprimento e distanciadas cerca de trinta centímetros de eixo a eixo. As estacas, que estavam completa- mente enterradas nâ camada de argila compacta que começa a quatro metros de profundidade, achavam-se tão bem conser- vadas como se tivessem sido acabadas de enterrar; pelo con- trário, os troncos das grades, que não estavam protegidos pelo lodo, e entre os quak havia vazios que permitiam uma certa circulação ou armazenagem de ar, estavam mais ou menos apodrecidos.

O outro sítio onde pude examinar o processo de fundação de edifícios posteriores ao terremoto foi no da antiga Alfândega da Praça do Comércio, quando se reconstruiu (de Janeiro de 1985 a Outubro de 1929) o edifício incendiado. Pôs-se então a descoberto a base de um pilar interior, e viu-se que a fun- dação era constituída por grades formadas por duas camadas cruzadas de troncos de pinheiro, com cerca de três metros de comprimento, assentado igualmente sobre estacas curtas.

No local da sede da Companhia dos Fósforos, na Rua de S. Julião, a que acima me refiro, encontraram-se também fundações idênticas, segundo informaqão do citado engenheiro director da Companhia.

Por isso, sendo uniforme o processo de fundação dos alicer- ces dos prédios na Baixa, como admitir que se abrisse uma excepção para as paredes dos prédios da Rua da Prata e dos Retrozeiros, que assentam sobre as conservas de água, e além disso sem ligaç5o alguma de orientação com a dessas paredes, ao contrário do que dizem as regras de construção, que não podiam ser desconhecidas dos criteriosos arquitectos que tive- ram que estudar e resolver o grande problema de uma cidade caída por terra?

Dizia eu, no princípio desta exposição, que me faltou o ensejo de examinar in loco os materiais e processo de constm- ção da edificação das conservas de água. Essa falta, porém, 313

foi-me remediada pela descrigo que das termas fez um minu- cioso investigador, Francisco Mastins de Andrade, em 1859, e que vem extractada na Revista Archeológica de Borges de Fi- gueiredo (vol. 111, 1889, pág. -23).

Este conservador da B~blioteca Nzcional pôde ver e descre- ver cousas hoje desaparecidas, que foram postas então a des- coberto, e depois tiveram de ser demolidas para a construção do cdector da Rua dos Retrozeiros.

As suas investigações são muito minuciosas; entram pela composição das argamassas, da qualidade das pedras, da estru- tura do edifício, fundações, e n5o lhe deixaram dúvida que se trata das fundações de uma construção romana destinada a termas, de que ainda se viam restos dos ulveos ou banheiras por cima da estrutura de galerias e canais ainda hoje existen- tes, que seriam o reservatório de armazenagem das águas para os banhos. Além de pedra, de aglomerados de tijolo e de már- more, entravam na construcão das abóbadas e paredes: tijolos de alvenaria, alguns com Vn,503 de comprimento, 0",302 de largura e OU',064 de espessura.. Estes tijolos eram próprios das construções romanas, e não se faziam na época pombalina.

E como explicar o aparecimento em 1770, junto das conser- vas de água, e simultâneamente com a descoberta das mesmas, da pedra com inscrigo votiva? - que singular coincidência, se ela não pertencesse ao edifício junto do qual foi encontrada! - Esta pedra está actualmente no Museu Etnológico, em Belém, ao qual foi oferecida pelo proprietário do prédio da Rua dos Retrozeiros. onde esteve afixada. E note-se aue a sila inscri- ção, demasiado vulgarizada, não é dada como apócnfa pelo sábio Emílio Hiibner (Noticias A;.cheológicas de Portwgal, 1871, pág. 8). No tempo do Marquês de Pornbal não estavam em tanto apreço os estudos arqueológicos que merecessem a um ratão de bom gosto ir compr uma inscri@ío para desnortear ou intrigar os sábios; pois se, por esse tempo, até se deixou perder a lápida com a inscriqão da sepultura de Camões, na Igreja de SantJAna!

Por todas estas coilçiàerações permita-me o meu Ex."" Con- frade e bom amigo que discorde da sua opinião quanto à pro- cedência das chanadas conservas de água da Rua da Prata, e que, até prova concludente em contrário, eu admita a origem romana dos restos do edifício que ainda permanecem.

31 6 com consideração e estima, etc.

A I N D A OS CASEBRES DO LORETO

Ainda os casebres do Loreto (@)

A demalição dos casebres da Loreto foi coisa que den que falar. Já. nesta Revista foi publicado um manuscrito que tem por assunto aquele trabalho de demoliqão, e no qual se fazem vánas refesncias aos moradores doç casebres, e outras de ca- rhcter politico, que mal soaram aos; agentes da crítica teatral do tempo, proibindo a repreçentaçZo da comédia ( I ) .

Tudo o que se sabe acerca do palacio anteceçsm dos casebre, do locaI, e da pitoresca e vdegãda colhia que os habitava na época do seu desaparecimento, foi brilhantemente descrito pelo sr. Visconde de Castilho no vol. I1 de O Bairro Alto L Lisboa,

(*) Publicado em Feira da h d r a nnO 6, 1934. ( 1 ) Fublicado em Feira & Ladra, n . O 1, 1931, com a wgninte

introdução: Num leiláo de livros h& algans meses realizado em Lisboa, acertou

de ficar nas minhas mãoç uma camgdia manuscrita que tem por assanto uma critica ao arrazamento dos casebres do Zoreto e B demoliflo do forte de S. Paulo, em Lisboa.

Esta peça foi feita por Francisco Leite Bastm, autor de vários rulnances histbricw, mas a censura teatral n2o deixou exibir-se ao publico. O manuscrito tem a seguinte informação: rtNáo se pode repre- sentar. Ziboa. 2 de Yovemhro de 1859. (a) h. T ~ p e s d e Mendonça. E o despacho: ctN5o se pode representar. Inspecçno Geral dos Teatros, ein 3 de Kwenibro de 1fi.X). (a) M. Meneses, Os motivos proibitivos da representaçio mio constam: porém é fácil presumir que seriam as

reIer&ncias contidas num dos ultimas monblogos, a algu6m que tinha interesse na demoliçZo do mencionado forte.

Orno a comédia se conservou insdita a* ao presente, aqui a damos para os amadores deste gbnero de literatura. 319

2." edição, pág. 75. Aí se acham reproduzidos os desenhos únicos que existem dos restos do palácio, devidos à cilriosidade deste ilustre cronista da cidade.

Qual o motivo da celeuma que levantou a obra de demolisão dos casebres, não sabemos ao certo; mas presumimos que, es- quecidos já os alfacinhas das minas a que o terremoto de 1755 reduziu a cidade, e das obras que foi necessário realizar para o rasgado traçado pombalino da nova Lisboa, não podiam habi- tuar-se a ver grandes trabalhos de demoliqão quase no coração da cidade, e não concebiam largos planos de melhoramentos, mesmo sacrificando penas prédios em minas e inestéticos.

Outra razão se poderá suspeitar, qual é a compaixão pública pdos moradores dos casebres, que a um tempo se viam privados das suas moradias e do seu negócio, que, neste sítio, devia ge- ralmente ser muito lucrativo.

Entre a papelada do editor desta Revista encontrou ele uma folha solta alusiva ao acontecimento, que tem por epígrafe: ((Segunda parte do pronunciamento da velhada contra a de- molição dos casebres do Loreto - Conversação entre dois ra- tões de chinó russo e o janota que chegou tarde)). Daqui se infere que houve uma 1." parte, e no texto promete-se a pu- blicação de uma 3." parte, que ignoramos se chegou a ver a publicidade.

O poemeto wmpõe-se de 33 quadras rimadas, e versa sobre uma conversação entre dois velhotes, que desabafam o seu mau humor pela obra de demolição dos casebres, lamentando as pobres vítimas do camartelo:

Teimo.. . e direi sempre: Todos aqui sofreram.. . Neste arranjo os pobres gatos ~Mais que todos padeceram.

Era d6 vê-los de noite Por aqui por ali miando, No meio d'estas ruinas Um asilo procurando.

Os donos sem habitaçáo Os gatos postos na rua: Estes crimes bradam alto Desde a terra até à lua.

Tem palavras de elogio para alguns dos lojistas dos ca- setrres, cujo negócio ou indústria lembra com enternecimento, e menciona os estabelecimentos ou seus propriett5rios seguintes:

Um Justino, com cautelas da lotaria; Um Rocha, com casa de pasto cr>m bifes; Um talho; Um José Maria; Uma estância de madeiras; Uma casa de iscas; Um Café de Moka, que leiloou a casa; Um botequim novo; Uma modista, que se mudou para a Rua da Barroca; Uma carvoaria; Uma velha dos melões; Uma menina namoradeira; Um mestre ferrador; Um alfaiate, que se mudou para a Rua de S. Roque. Na mesma versalhada alude-se, como na com6dia acima re-

ferida, à demolição ser feita por soldados de sapadores e por operários da Câmara, ao desafio, para o que se estimularam estes últimos com gratificações especiais.

Mas o que também muito preocupava os velhotes, eram as condições desabrigadaç em que ficava a nova praça, como se não tivessem então, como hoje temos, o exemplo do Rossio, que em ocasiões de vento norte transforma as embocaduras das ruas do lado sul da praça em grutas de Eolo.

Cercada por seis ruas, Cada uma a deitar vento, Chapéus, toucas e bandbs, Porá tudo em movimento.

H&-de ser coisa galante P'ras janotas de balões, Quando por aqui passarem Nos dias de furacões.

Como será lindo vê-las Assopradas por seis bocas, Com as saias entufadas No ar dançando polkas!

Ah! que se eu pudéra Arrastar estas canelas, Aqui vindo acocorar-me, Que grandes espreitadelas!

A brèjeirice sempre foi fruta de todos os tempos! Todavia,' se os velhotes vivessem mais uns 75 anos, não careciam do tra- balho de acocorar-se para satisfazerem a sua curiosidade Iúbrica.

T E S T E M U N H A S P R E S E N C I A I S D A C O N Q U I S T A D E L I S B O A A O S M O U R O S

Testemunhas presenciais da Conquista de Lisboa aos Mouros

As palavras que poderiam servir para prefaciar a presente publicação já foram escritas pelo grande mestre olisiponense Júlio de Castilho, num dos volumes da sua monumental Lisboa Antiga ( I ) .

No seu estilo claro e brilhante, descreve este autor a con- quista da cidade de Lisboa aos mouros em 1147, aproveitando as várias fontes que tratam do assunto, de entre as quais so- bressai, por m contemporânea dos sucessos, e pela abundância de pormenores, a carta de um certo cruzado, pol. nome Oçbemo, que como supõe Castibo, seria um militar inglês, curioso e observador, e que na sua bagagem trazia, junto das armas, o tinteiro, pergaminhos e alguns livros.

Acerca do mesmo autor, faz Castilho mais as seguintes apreciações:

((Escreve bem, apesar do seu latim bárbaro, que tanto me deu que fazer. Tem um certo pitoresco sóbrio, degenerando em magreza de estilo; mas tira realce da mesma singeleza marcial

(*) Prefácio à obra Conquista de Lisboa ao Mouros (1147) - Nar- ~ a g ã o pelos Cruzados Osberno e Arnulfo, testemunhas presenciais do Cerco, tradução d o dr. José Augusto de Oliveira, publicada em 1936 pela Câmara Municipal de Lisboa, revista pelo autor para a segunda edição, impressa em 1936.

(1) Vol. I11 da 2.8 edição, 1935, pág. 13. 385

da expressáo. Não descreve; e que pena é não descrevesse! narra; copia apontamentos fugitivos, quando muito, na maior parte dos casos, mas encanta, e às vezes recorda o antigo. As suas prmopopéias, os grandes rasgos contados com lizura, lembram, no seu tanto, alta história. 0s seus sentimentos reli- giosos de bom cavaleiro palpitam no seu dizer e nas suas su- perstições, inspirados de um cora~ão valente que (bem se vê) batia sob uma cruz.))

O documento de que se trata, encadernado com outros documentos históricos, faz parte do cúdice 470 da Biblioteca do Colégio do Corpo de Cristo, da Universidade de Cambridge.

O códice é de pergaminho, formato in-12." (14cm,5 x 1OCm, aproximadamente), e a parte que trata da conquista de Lisboa consta de vinte e duas folhas, ou quarenta e três páginas, com a numeração seguida à dos outros documentos. A carta não é a original de Osberno, que foi escrita na segunda metade do século XII, porque no livro existente, que parece ser um wpia- dor, ou um registo de documentos, este de que se trata tem a sua primeira página fronteira a outra que versa um assunto diferente, porém escrito com letra idêntica, e além disso as suas caractensticas paleográficas e a sua identificação diplo- mática mostram que o apógrafo foi feito já na século XIII.

O manuscrito conservou-se ignorado do público literato até poucos anos antes de 1856, tendo dado noticia dele um Sr. Cooper, em On Public Records, tomo I , pág. 166, com a indicação sumária de Exfleditio francorum, anglorzcm et va- riorztm n a t i o n m ad. obsidendum Ulisifionu in Portzcgalia tem- flore Hildefonsi regis, fler Osbernum, título que todavia não consta do manuscrito assim como do texto do mesmo se não infere claramente o ncme do autor, nem o do destinatário

396 da carta.

O Gwerno prhgilês, por iiitmn6dio do visconde de Figa- nière, secretário então da Iegqão de Pwtugal em Lwdses, mas certamente a instanciaç de AlexanciTe Herculano, encarregou um ilustre paiebgrafo ingl2s N. E. Hamilton, conservador da secção doç manusaitos do Museu Britânico, de fazer a cópia da carta,

a que lhe deu não pequeno trabalho, e lhe comumiu muito tempo, porque, estudando o manuscrito çom a máláma ateaqáo , não çii anotou as passagens duvidosas, mas prrxurou reconçti- tuir as letras e palavras apagadas, sumidas ou desaparecidas, quer pelo desleixo doç anteriores bibliotecários, quer por motivo de rasgões e outros estragos do tempo (=).

A &pia do documento latino foi pela primeira vez publicada nas Podugalice Monwmetnta Histwica, Sc+twes, vol. I (1856) , de p6e . 392 a 405, com as anotações do pale0grafo Hamilton, subscritas com a letra H., e com ou- notas a essas anotações, feitas p r Alexandre Herculano.

Este ainda não conhecia o texto do d m e n t o quando e- creveu o volume E da 1." edição, da sua História de Portugal (I&%), e por isso não aproveitou tão precioço manancid de noticias sobre a conquista de Lisboa em 1147, de que trata na- auele volume; mas j A sabia da sua existhcia, pois que lhe faz zeferência na nota XXLL, pág. 535, onde cita as f o n k sobre a tomada de Lisboa.

Depois de inserta no volume dos Scrifilores, foi a carta em latim do cruzado Osberno novamente publicada em 1%4, pelo profeçsor Wjlliam Stubbs, na inbodugo do .seu trabalho Iiineraritcwa fier~grinmurn et gesta regis Ricardi, in Claronicles and Mernoyi~ls of the R&gn of Ricarda I , (London l&C,'l-65).

(2) A maior parte destas noticias são extraidas do prefkio em latim. devido % pena de Alexandre Hercuiano, que antecede a publi- car;$~ do documento nos Portugaltc~ Il.lonumenla Historicn, Scriptores. VOI. I, pig. a g i . 387

A impressão deste manuscrito foi considerada por Stubbs como simples acessório do seu trabalho, destinado a mais minuciosas investiga*, não lhe tendo dedicado cuidadosa atenção.

Até hoje, (1935), não foi publicada qualquer tradução com- pleta do manuscrito, que é agora feita pela primeira vez, para língua portuguesa.

Porém a carta de Ckbemo tem sido largamente aproveitada em trechos ou excerptos, pelos autores, tanto nacionais como es-

trangeiros, que, p t e r i m e n t e à sua divulgação, se têm ocupado do grande feito bélico da conquista de Lisboa, que tanta ressonância produziu nos países da Europa daquela época, naturalmente porque já então Lisboa era considerada uma praça marítima importante, cuja conquista certamente contribuiu para travar o avanço ou progresso da civilizaqão moura na península ibérica, que constituía uma ameaça para aqueles países de outra civilização.

Em várias Histórias de Pmtugal, e ncnitras obras publicadas desde o meado do século XIX, encontramse citações e referências a tal carta; e de entre elas especializaremos a Lisboa Antiga, por Júlio de Castilho, que no seu volume Si da 2.' parte ( S )

contém a mais pormenorizada narração do cerco e conquista de Lisboa em 1147, que até hoje tem sido feita, podendo conside- rar-se a presente publicação como complemento interessante do assunto tratado naquele volume 11.

O ilustre director da Biblioteca Nacional de Lisboa, tenente- -coronel Costa Veiga, obteve, em Março de 1931, por intermédio do professor C. W. David, para o estabelecimento a seu cargo, uma foto-cópia do c6dice arquivado na biblioteca do Colégio de Cambridge, guardando-se esta cópia na secção de manuscritos, com o número de inscrição 9.817.

3 B (3) 1.8 edição, 1884; 2.a edição, 1935.

Quem fosse o cruzado Osberno, autor da preciosa. carta de que tratamos, e bem assim quem fosse o seu destinatário, é coisa que se ignora, e que provàvelmente nunca se descobrirá.

Que o cruzado era pessoa inteligente, culta e o h a d o r a , é incontestável; descreve pormenarizadamente a viagem e as operações do cerco em que tomou parte, as cenas que se se- guiram à rendição, e ainda alude a alguns factos passados t e m p depois da conquista. Leva-nos a ouvir os rasgos ora- tórios de diferentes personagens que tiveram de pôr à prova as suas faculdades diplomáticas; quase que nos faz penetrar no íntimo do pensamento dos guerreiros, cercadores e cercados, sur- preendendo as suas esperanças, e escutando as suas desilu- sões.

As citações de trechos da Bíblia, e as dissertações teológicas, permitem fazer supor que o nosso herói pertencia à classe ecle- siástica, que naqueles tempos frequentemente manejava tão bem a espada, como empunhava o cálice sagrado.

Depreende-se de várias passagens do texto que a carta foi escrita posteriormente à conquista; os apontamentos colhidos pelo autor na viagem e durante as operações militares, seriam mais tarde ordenados, cerzidos e completados, para formarem um conjunto correcto e harmónico, digno dos créditcnç do escritor, e da categoria da pessoa a quem a carta era destinada.

Se o autor coordenou os seus apontamentos, e redigiu a sua carta como consta da cópia que se guarda na Biblioteca da Uni- versidade de Cambridge, algum tempo depois da capitulacão da cidade, o que parece também inferir-se de uma passagem do texto (4), devemos presumir que ele se conservou no nosso país

( 4 ) FZuviu11~ qui dividit episcapatum lixbonensem a colymbrienst ... O bispado de Lisboa não existia ainda, quando a armada descia pelas costas de Portugal a caminho da cidade. 329

depois da partida dos seus companheiros de armas; o seu nome, porém, não consta que se encontre em mais nenhum documento daquela +ca existente nos arquivos portugueses e estrangeiros.

r- ..-

A Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Lisbaa, prosseguindo no seu programa de vulgarização de tudo o que se

refere à nossa querida cidade, e considerando que a carta do cruzado Osbemo é um documento muito interessante, bem que pouco conhecido, cuja traduqão completa e crítica estava ainda por fazer, e aproveitando o ensejo do feriado municipal ( 5 ) , que se festeja este ano, pela primeira vez, no dia 25 de Outubro, comemorando o 788." aniversário da conquista de Lisboa aos mouros em 1147, teve a lembrança de publicar e de lançar no mercado, neste dia, a carta em latim do cruzado Oçberno, e a sua versão para português, para o que convidou a tomar a di- recção desse trabalho um erudito latinista e professor dr. José Augusto de Oliveira, que gostosamente se prontificou a assumir tão espinhoso encargo. Da forma como dele se desempenhou, avaliarão os leitores pelos textos que se transcrevem a seguir.

Bem haja a Comissão Administrativa, pela publicação de mais uma obra sobre a cidade, cuja administração se lhe acha tão carinhoçamente entregue.

Lisboa, 25 de Outubro de 19%.

( 5 ) O feriado municipal da cidade, que era no dia 13 de Maio, aniverdrio do nascimento do Marquês de Pombal, ioi transferido, por proposta do Sr. vereador Luís Pastor de Macedo, em sessão da Comissão Administrativa de 20 de Dezembro de 1934, e na mesma aprovada, para o dia 25 de Outubro, aniversário da conquista de

330 Lisboa aos mouros, pelo nosso primeiro rei D. Afonso Henriques.

Posteriormente à publicação da 1." edição da presente obra foi editado em 1936 um estudo do professor americano Charles Wendell David, sobre o precioso documento da conquista de Lisboa, que faz parte da biblioteca do Colégio de Corpo de Cristo, da Universidade de Cambridge.

Já em 1932 o referido professor havia publicado numa re- vista americana ( I ) , um pequeno setudo sobre o documento, especialmente sobre a personalidade do autor da carta, e sobre a sua identificação.

Esse estudo foi consideràvelmente refundido e aumentado na nova edição que o mesmo publicou com o título De Ex+u- gnatione Lixbonensi; the conqzcest of Lisbon ( 2 ) , e é seguido pelo texto latino do documento, nas páginas pares, e pela sua versão para inglês, nas ímpares, acompanhados de notas crí- ticas e explicativas.

No interessantíssimo prefácio acerca da carta de Osberno, que ocupa cinquenta e uma páginas, o autor faz um estudo geral sobre as primeiras cruzadas, e a intervengão nelas da aristocracia anglo-normanda.

Em seguida o autor trata do manuscrito, que poude exa- minar minuciosa e sossegàdamente, sob os pontos de vista paleográfico, arqueológico e bibliotécnico; e depois de muitas e criteriosas observações chegou à conclusão provável que o ma- nuscrito De Expugnatione Lixbonensi não é a carta original escrita de Lisboa na ocasião do cerco de 1147, cujo paradeiro se ignora, mas sim uma cópia feita um pouco mais tarde, a fim de se conservar a memória dos factos que narra.

(*) Prefácio da 2 .a edição da obra ((Conquista de Lisboa aos mourosn.

( I ) Speculum, u Journul of mediaevel studzes, vol. VII, n.O 1, Janeiro, 1932.

( 2 ) New York; Colúrnbia University Press, M.CM.XXXV1. 331

È opinião do autor que o cruzado se demora ainda algum tempo em Lisboa depois da conquista em 35 de Outubro de 1147, talvez at& ao fim de Janeiro do ano seguinte, e que nesse intervalo ele teria coordenado QS seus apontamentos, re- digido ou completado os discursos, e introduzido as citações que bebeu na Bíblia e na Gollectaaea reruw ptemo~abile de Solinus; o manuscrito, conquanto tenha erros do copista, deve reproduzir com certa fidelidade, e quase textualmente na dis- poçiqão çaligráfica, o texto original do cruzado.

Sob o ponto de vista pdeogáfico, deve atribuir-se o ma- nuscrito $ segunda metade do século nrr, ou mais provhel- mente ao iiltímo quartel do mesmo &culo, se bem que possa admitir-se a possibilidade de haver sido realmente contempo- râneo dos factos que regista, assim como a possibildiade de ter sido feito nos primeiros anos do &cdo xrn.

Trata depois o crftico que vamos seguindo, da personali- dade do autor da carta, julgando-o um padre guerreiro da armada - conforme tambern a nossa opinião acima expendida, - muito chegado, (porventura capelão) ao comandante da terceira divisão, Herveu de Glanvill. Era muito vivo e obser- vador, mas os seus conhecimentos literários pouco mais abran- gjm do que a Bíblia e Solinus, e mesmo deste último autor não fez um uso muito inteligente.

TarnMrn lhe pareceu indecifráyel o nome por que comeqa o documento, nZo sabendo se deve ler-se Oçberno ou Osberto (clkrigo de Raldresseia), e ainda mais, se este era o remetente da carta, ou pelo contrário o seu destinatário, como a forma epistolográfica usada naquele tempo. As respectivas conside- ra~ões estão claramente expostas pelo autor na sua obra.

Uma passagem da carta do cruzado não conseguiu ser com- pletamente interpretada pelo autor americano, talvez devido

339 k falta de indicação, no mapa que reproduz, da porta férrea,

que ficava situada no lanço da muralha paralelo ao Tejo, próxima da torre do ângulo sudoeste da cerca, que depois se chamou torre da Escrevaninha.

Essa passagem é onde se trata da manobra da torre de assalto construída pelos cruzados próximo da mencionada torre da fortificação ( I ) .

As diferentes fases desta manobra foram explicadas pelo signatário numa nota que começa em pág. 177 do vol. I1 da 2." edição da Lisboa Antiga, Bairros Orientais (1935), e por isso não as reproduzimos aqui.

O estudo De Expugnatione Lixbonensi, do professor C . W. Davidi que é ainda acompanhado por três estampas elucida- tivas, é de grande importância para o conhecimento da história das primeiras cruzadas, e da sua relação com a expedição que auxiliou D. Afonso Henriques na conquista de Lisboa; com- pleta e corrige nalgumas partes, com as suas notas críticas, os textos latinos publicados, e a primeira tradução em por- tuguês, de que se faz presentemente 2." edição.

Nesta 2." edição resolveu a Câmara Municipal fazer tam- bém a publicação da carta do cruzado Arnulfo, na sua língua original, o latim, acompanhada da sua versão para português e de notas elucidativas pelo mesmo professor Dr. A. J. A. de Oliveira, que também reviu, completou ou rectificou algumas passagens da anterior edição da narrativa de Osberno.

(1) Págs. 160 a 164 de Expugnatione Lixbonensi.

O cruzado Arnulfo, ùnicamente conhecido pela narração que fez das operações militares, em carta dirigida ao bispo M n b de Milão da cidade de Therouanne, em França, esteve presente o cerco de Lisboa em 1147, e a sua narração, con- quanto fidedigna, é mais sucinta do que a do cruzado Osberno.

Esta carta, que consta de dois manuscritos dos mosteiros Aquicinctense e Gemblacense, foi primeiro publicada pelos be- neditinos do mosteiro de S. Mauro, in: Veterum Scriptorum et Monumentorum Historicwum, Dogmaticorum, Moralium; am- filissima collectio. Tomus I , Paris, 1724, col.""W e segs.

Foi, no passado século, novamente publicada em latim, in Portugalia Monumenta Historica: Scriptores, volumen I , 1856, págs. 406 e 407, e daí tem sido aproveitada pelos escritores que têm tratado o assunto da conquista da cidade aos mouros.

Esta nova edição, por decisão da Câmara Municipal, é igualmente publicada na data do aniversário da Tomada de Lisboa.

Lisboa, 25 de Outubro de 1936.