mecanismo de acao de diureticos

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CAPÍTULO 6: MECANISMO DE AÇÃO DE DIURÉTICOS Antônio Carlos Seguro, Cláudia Maria de Barros Helou e Roberto Zatz Definimos diuréticos como drogas que agem no néfron inibindo o transporte de sódio, aumentando por isso a excreção desse íon e, em conseqüência, o volume urinário. Os diuréticos são drogas largamente utilizadas na prática clínica, especialmente no tratamento dos estados edematosos, os quais exigem providências destinadas a aumentar a excreção urinária de sódio. O uso desse grupo de medicamentos é historicamente recente, sendo que a totalidade dos diuréticos atualmente utilizados foi sintetizada já na segunda metade deste século. Para compreender adequadamente o funcionamento dos diuréticos, é fundamental que o leitor esteja familiarizado com o funcionamento dos túbulos renais na modulação da excreção de sódio, tarefa executada com perfeição em condições normais, conforme discutido em detalhe no Capítulo 5 Os diversos diuréticos disponíveis no mercado atuam em diferentes segmentos do néfron. É esse local de ação o que determina a potência do efeito diurético, assim como a maior parte dos efeitos 1

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CAPÍTULO 6: MECANISMO DE AÇÃO DE DIURÉTICOS

Antônio Carlos Seguro, Cláudia Maria de Barros Helou e Roberto Zatz

Definimos diuréticos como drogas que agem no néfron inibindo o

transporte de sódio, aumentando por isso a excreção desse íon e, em conseqüência,

o volume urinário. Os diuréticos são drogas largamente utilizadas na prática

clínica, especialmente no tratamento dos estados edematosos, os quais exigem

providências destinadas a aumentar a excreção urinária de sódio. O uso desse

grupo de medicamentos é historicamente recente, sendo que a totalidade dos

diuréticos atualmente utilizados foi sintetizada já na segunda metade deste século.

Para compreender adequadamente o funcionamento dos diuréticos, é

fundamental que o leitor esteja familiarizado com o funcionamento dos túbulos

renais na modulação da excreção de sódio, tarefa executada com perfeição em

condições normais, conforme discutido em detalhe no Capítulo 5 Os diversos

diuréticos disponíveis no mercado atuam em diferentes segmentos do néfron. É

esse local de ação o que determina a potência do efeito diurético, assim como a

maior parte dos efeitos colaterais associados ao uso dessas drogas (não serão

considerados aqui os efeitos colaterais dissociados da ação diurética propriamente

dita, como por exemplo a perda de acuidade auditiva com o uso do diurético

furosemide). Por essa razão, os diuréticos estão agrupados neste capítulo de

acordo com os segmentos do néfron onde exercem seu efeito inibitório sobre a

absorção de sódio. São eles o túbulo proximal; a porção espessa ascendente da

alça de Henle; o túbulo distal e o túbulo coletor. De modo geral, esses segmentos

agrupam-se em duas grandes categorias: 1) segmentos de alta capacidade de

transporte e baixa capacidade de gerar gradientes, como é o caso do túbulo

proximal e, até certo ponto, da porção espessa da alça de Henle. 2) segmentos de

baixa capacidade de transporte e alta capacidade de gerar gradientes, tipicamente

representados pelo túbulo coletor.

1

DIURÉTICOS QUE AGEM NO TÚBULO PROXIMAL

Diuréticos osmóticos

Conforme discutido no Capítulo 5, o túbulo proximal é um epitélio

de baixa resistência elétrica e alta condutância hidráulica, devido à facilidade com

que seus complexos juncionais intercelulares permitem a passagem de água e

eletrólitos. Essas propriedades físicas facilitam ao túbulo proximal o cumprimento

de sua tarefa básica: o

transporte maciço de água e de

solutos, o qual lhe permite

absorver cerca de 2/3 da carga

filtrada de sódio. Ao mesmo

tempo, no entanto, tornam-no

incapaz de manter através de

suas paredes qualquer gradiente

de concentração, potencial

elétrico ou pressão osmótica. É

exatamente essa característica o

que torna o túbulo proximal

suscetível à ação dos diuréticos

osmóticos. Esses diuréticos, cujo maior representante é o manitol, são na verdade

solutos não absorvíveis pelo epitélio do túbulo proximal e que por essa razão são

progressivamente concentrados na luz tubular à medida que a água vai sendo

reabsorvida . Com o conseqüente aumento da pressão osmótica intratubular, a

absorção de água pelo túbulo fica limitada, já que depende de uma pequena

hipotonicidade intratubular associada a altos índices de condutância hidráulica

(Capítulo 5). Com a resultante retenção intratubular de água, o sódio vai sendo

diluído, havendo assim uma tendência à formação de um gradiente químico entre

2

Figura 6-1 – Mecanismo de ação dos diuréticos osmóticos. A presença na luz do túbulo proximal de um soluto impermeante (representado pelos pontos vermelhos) retém água e dilui o sódio e demais eletrólitos, fazendo com que haja um vazamento de água e solutos através dos espaços intercelulares do interstício para a luz tubular.

Na+

ATP

L I

Na+, Cl-, HCO3-, H2O

o interstício e a luz tubular. Como no entanto o epitélio do túbulo proximal é um

epitélio de “vazamento” (“leaky”), ocorre um retorno de cloreto de sódio do

interstício para o lume tubular através do espaço intercelular, anulando ou

minimizando o gradiente criado pelo processo reabsortivo (Figura 6-1). Devido a

esse processo, uma parcela substancial do sódio e da água filtrados, dependendo

da dose do diurético osmótico, escapa à reabsorção proximal e é lançada aos

segmentos seguintes do néfron.

Tendo em vista a magnitude do transporte de água e eletrólitos no túbulo

proximal, seria de esperar que mesmo uma inibição moderada da absorção de

sódio nesse segmento fosse

acompanhada de uma

natriurese intensa. No entanto,

os segmentos do néfron que se

seguem ao túbulo proximal,

em especial a porção espessa

da alça de Henle, são capazes

de ajustar suas taxas de

absorção quando confrontados

com cargas maiores de sódio.

Imaginemos uma carga

filtrada de sódio de 24.000

mmol/dia em condições

normais e uma absorção

proximal de sódio de 2/3,

restando portanto 8.000

mmol/dia aos segmentos seguintes. Desse total, cerca de 6.000 mmol/dia (25% da

carga filtrada, ou 6.000/8.000 = 75% do aporte de sódio ao segmento) são

absorvidos na porção espessa da alça de Henle, enquanto 1.200 mmol/dia (5% da

carga filtrada) o são no túbulo distal. Cabe ao túbulo coletor o ajuste fino da

3

Figura 6-2 –Os segmentos que se seguem ao túbulo proximal, principalmente a porção espessa da alça de Henle, compensam em boa parte a rejeição de sódio promovida pelos diuréticos osmóticos no túbulo proximal, limitando a natriurese causada por essas drogas. As linhas pontilhadas indicam a absorção tubular em condições normais

DISTAL

ALÇA FINA

DESCENDENTE

ALÇA

ESPESSA

COLETOR

ALÇA FINA

ASCENDENTE

PROXIMAL

CARGA FILTRADA = 24000 mEq/dia

excreção de sódio, absorvendo, se necessário, a quase totalidade dos restantes 800

mmol/dia (~ 3 % da carga filtrada). Se agora administrarmos manitol a esse

indivíduo, de modo a que a absorção proximal de sódio caia a 40% da carga

filtrada, serão oferecidos aos segmentos seguintes 14.400 mmol/dia de Na+. A

porção espessa da alça de Henle, de alta capacidade absortiva, pode adaptar-se a

essa sobrecarga, absorvendo de novo 75% da carga de sódio que lhe chega,

correspondentes agora a 10.800 mmol/dia. Quanto aos 3.600 mmol/dia restantes,

deverão ser absorvidos pelos túbulos distal e coletor. Trata-se no entanto de uma

carga 80% superior à que chega habitualmente a esses segmentos, cuja capacidade

absortiva é limitada, conforme discutido acima. Se a absorção nesses segmentos

crescer, digamos, 30%, atingindo 2600 mmol/dia, a excreção de sódio aumentará,

chegando a 3.600-2.600 = 1.000 mmol/dia. Se a urina for isotônica em relação ao

plasma, essa excreção de Na+ corresponderá a um fluxo urinário de cerca de 7

L/dia. Portanto, os diuréticos osmóticos, por agir no túbulo proximal, permitindo a

ação compensatória do restante do néfron, promovem uma elevação apenas

mediana do fluxo urinário e da excreção de sódio, sendo assim considerados como

de média potência (Figura 6-2).

Como ocorre com a maioria dos diuréticos, o principal efeito colateral da

administração de diuréticos osmóticos é o desenvolvimento de hipopotassemia. É

fácil entender o mecanismo desse distúrbio relembrando o mecanismo de secreção

de K+ na porção final do túbulo distal e no túbulo coletor (Capítulos 5 e 8). Nesses

segmentos do néfron, ocorre um transporte passivo de K+ do interior das células

principais para o lume tubular, ou seja, uma secreção de K+. Esse movimento de

K+ é fortemente influenciado pelos seguintes fatores, discutidos em maior detalhe

nos Capítulos 5 e 8: 1) oferta de sódio à porção final do túbulo distal e ao túbulo

coletor. 2) o fluxo intratubular nesses segmentos. 3) a ação da aldosterona. Em

pacientes tratados com diuréticos osmóticos, aumenta a oferta de sódio às porções

finais do néfron, conforme discutido acima, o que evidentemente se faz

acompanhar de um aumento do fluxo intratubular. Se além disso estiver

4

aumentada a concentração plasmática de aldosterona, estarão estabelecidas as

condições para um forte aumento na taxa de secreção de potássio por esses

segmentos, o que pode levar à espoliação desse íon e à hipocalemia. Mais

raramente, a administração dessas drogas pode levar a uma desidratação

hiponatrêmica e a distúrbios do equilíbrio ácido-base.

Assim como nos túbulos renais, os diuréticos osmóticos funcionam como

solutos impermeantes no epitélio intestinal. Por essa razão, essas drogas não são

absorvidas por via oral e devem ser administradas exclusivamente por via

endovenosa, sendo assim inviável sua utilização na terapêutica dos estados

edematosos (não confundir com seu uso no tratamento do edema cerebral, com o

qual busca-se aumentar transitoriamente a pressão osmótica plasmática para retirar

água do sistema nervoso central). Na verdade, o poder dos diuréticos osmóticos de

promover uma diurese moderada é hoje utilizado principalmente na profilaxia da

insuficiência renal aguda em situações tais como as anemias hemolíticas, as

cirurgias extensas ou em presença de icterícia e nas lesões traumáticas graves (ver

também Capítulo 14).

Inibidores da anidrase carbônica

Conforme discutido no Capítulo 5, a membrana luminal das células do

túbulo proximal exibe uma série de estruturas de transporte destinadas a facilitar a

entrada à célula do íon Na+. Uma dessas estruturas é o contratransportador Na+/H+,

importante também no processo de acidificação urinária. Conforme discutido em

detalhe no Capítulo 12, os íons H+ secretados para a luz tubular reagem com o

bicarbonato filtrado, formando o ácido carbônico. Este por sua vez se decompõe

em água e gás carbônico, reação esta catalisada pela enzima anidrase carbônica,

abundante na borda em escova do túbulo proximal. Os inibidores da anidrase

carbônica, representados pela acetazolamida (Diamox), dificultam essa reação,

apresentando por isso um duplo efeito: de um lado, diminuem a taxa de secreção

de H+, provocando retenção de ácido; de outro, reduzem a taxa de absorção

5

proximal de sódio, apresentando portanto um efeito diurético. Como no entanto

essa droga inibe apenas uma parte dos mecanismos de absorção proximal de sódio,

e como existe a intervenção, descrita acima, do restante do néfron, seu efeito

diurético é apenas fraco, o que limita seu uso clínico. A acetazolamida é utilizada

principalmente no tratamento do glaucoma agudo, em cuja patogênese a anidrase

carbônica desempenha um papel fundamental, e em alguns casos de alcalemia

metabólica.

DIURÉTICOS QUE AGEM NA PORÇÃO ESPESSA ASCENDENTE DA

ALÇA DE HENLE: DIURÉTICOS DE ALÇA

6

A porção espessa ascendente da alça de Henle é responsável pela absorção

de cerca de 25% da carga filtrada de sódio, a maior taxa de absorção em um único

segmento, com exceção do túbulo proximal. A absorção de sódio nessa porção do

néfron é essencial para o funcionamento do sistema de contracorrente medular e

para os processos de concentração e diluição urinárias (Capítulo 4). Conforme

descrito em detalhe no Capítulo 5, o transporte de sódio nesse segmento depende

crucialmente de um cotransportador especial, que permite a entrada nas células,

através da membrana luminal, de 1 íon Na+, 1 íon K+ e 2 íons Cl- (cotransportador

Na+/K+/2 Cl-, Figura 6-3). Os assim denominados diuréticos de alça, tais como a

bumetanida, o ácido etacrínico e o mais conhecido de todos, a furosemida

(Lasix), inibem o funcionamento do cotransportador Na+/K+/2Cl-, diminuindo

assim drasticamente a absorção de eletrólitos nesse segmento. Um cálculo simples

é suficiente para ilustrar a potência natriurética dos diuréticos de alça (Figura 6-4).

Suponhamos mais uma vez que a carga filtrada de Na+ seja de 24.000 mmol/dia,

com uma taxa de absorção proximal de 2/3 e, portanto, um aporte de ~8.000

7

Figura 6-3 – Mecanismo de ação dos diuréticos de alça. A inibição do cotransportador Na+/K+/2Cl- reduz drasticamente a absorção de NaCl e, em conseqüência, também a de K+, Ca++ e Mg++.L, luz tubular; I, interstício

Na+ Na+

ATP

L

Cl-K+

K+

Na+, K+, Ca++, Mg++

- +

K+

Cl-

I

+ -

mmol/dia à porção espessa da alça de Henle. Se esse transporte for totalmente

bloqueado por um diurético de alça, todo esse fluxo de sódio chegará intacto aos

túbulos distal e coletor. Esses segmentos absorvem até ~2.000 mmol/dia de Na+

em condições normais. Sendo no entanto incapazes de alcançar as altas taxas de

transporte observadas no túbulo proximal e na própria porção espessa da alça de

Henle, sua adaptação a esse aumento do aporte de Na+ é apenas parcial. Mesmo

que a taxa de absorção desses segmentos aumentasse em, digamos, 30%, (sendo

pois de ~2.600 mmol/dia a taxa absoluta de absorçãode sódio), seriam ainda

excretados 5.400 mmol/dia, correspondentes a um fluxo urinário superior a 38

L/dia! Devido à localização estratégica da porção espessa da alça de Henle,

portanto, a natriurese e diurese provocadas pelos diuréticos de alça são

extremamente intensas, caracterizando-os como de alta potência. Por essa razão,

esse grupo de diuréticos é

largamente utilizado na prática

clínica em situações que

requeiram a perda de grande

quantidade de sódio, tal como

nos estados edematosos

resultantes de disfunção

cardíaca (insuficiência cardíaca

congestiva) ou renal (síndrome

nefrótica), ou quando é

imperioso o “enxugamento”

rápido de fluido acumulado em

áreas críticas, como no edema

pulmonar agudo.

A própria eficácia dos

diuréticos de alça é também a

causa dos importantes efeitos

8

Figura 6-4 – Devido à localização estratégica do segmento onde atuam, os diuréticos de alça possuem alta potência natriurética. Isso acontece porque a alça de Henle absorve 25% da carga filtrada de sódio, enquanto os segmentos que se seguem (distal e coletor) são incapazes de adaptar-se a esse aumento da oferta de sódio. As linhas pontilhadas indicam a absorção de sódio em condições normais

DISTAL

ALÇA FINADESCENDENTE

ALÇAESPESSA

COLETOR

ALÇA FINAASCENDENTE

PROXIMAL

CARGA FILTRADA = 24000 mEq/dia

colaterais que acompanham o uso crônico dessas drogas. O mais ameaçador desses

efeitos é sem dúvida a hipopotassemia. Conforme discutido anteriormente, a

secreção de K+ nas porções finais do néfron, especialmente aos túbulos coletores,

depende da oferta de sódio e do fluxo intratubular que chegam a esses segmentos,

além da atividade da aldosterona. Como ilustrado no exemplo acima, a inibição do

transporte de NaCl na porção espessa da alça de Henle promove um grande

aumento no aporte de Na+ (e conseqüentemente no fluxo intratubular) que chega

aos túbulos distal e coletor. Considerando ainda que em grande parte dos casos

que requerem o uso continuado dessas drogas ocorre um aumento da atividade da

aldosterona (hiperaldosteronismo secundário), a secreção de K+ nesses segmentos

aumenta tremendamente, levando a uma excreção exagerada desse íon. Os

diuréticos de alça podem ainda aumentar diretamente a excreção de K+: conforme

discutido no Capítulo 5 e ilustrado na Figura 6-3, o transporte transcelular de

NaCl na porção espessa da alça de Henle está associado ao estabelecimento de

uma diferença de potencial transepitelial, com o lume positivo em relação ao

interstício. Essa diferença de potencial favorece a absorção, através dos espaços

intercelulares, de cátions como o K+, além do Ca++, Mg++ e do próprio Na+. A

inibição do transporte transcelular de NaCl na porção espessa da alça de Henle

tem portanto como conseqüência uma redução na absorção de K+ nesse segmento.

Como resultado de todas essas alterações, a caliurese provocada pelos diuréticos

de alça pode atingir proporções alarmantes, levando à depleção intensa de K+ e à

hipopotassemia. Por essa razão, os diuréticos de alça são também conhecidos

como espoliadores de potássio.

O uso de diuréticos de alça pode também associar-se ao desenvolvimento

de alcalose metabólica. Há três razões principais para esse efeito: 1) a alça de

Henle secreta íons H+ através do contratransportador Na+/H+ situado na membrana

luminal, o que lhe permite contribuir para a recuperação do HCO3- filtrado

(Capítulos 5 e 12). A inibição do cotransportador Na+/K+/2Cl- leva a uma

diminuição da concentração intracelular de Na+, uma vez que a Na+/K+/ATPase

9

basolateral continua funcionando. Com isso, aumenta o transporte de Na+ para o

interior da célula através do contratransportador Na+/H+, com aumento

conseqüente da secreção de H+; 2) com o aumento do aporte de Na+ aos túbulos

distal e coletor e o consequente aumento da eletronegatividade luminal desses

segmentos, não só o K+ mas também o H+ tem sua secreção favorecida; 3) a

própria hipopotassemia promove a secreção exagerada de H+ devido à ativação da

H+/K+ ATPase situada no túbulo coletor, que retém K+ ao mesmo tempo em que

secreta H+ (Capítulo 5).

É interessante notar que os diuréticos de alça, por agir na face luminal do

epitélio da porção espessa da alça de Henle, necessitam estar presentes na luz

tubular. Como no entanto 98% da droga estão ligados às proteínas plasmáticas, sua

passagem através do glomérulo por filtração é muito baixa. Por essa razão, essas

drogas dependem, para sua ação farmacológica, do sistema de secreção de ácidos

orgânicos situado no segmento S3 do túbulo proximal, que permite a essas drogas

alcançar o lume tubular.

DIURÉTICOS QUE AGEM NO TÚBULO DISTAL: TIAZÍDICOS

Conforme descrito no

Capítulo 5, o túbulo distal

apresenta em sua membrana

luminal um cotransportador

Na+/Cl-, específico para esse

segmento e que promove o

transporte transcelular, neutro,

de NaCl (Fig. 6-5). Esse

cotransportador é inibido pelo

grupo de diuréticos conhecido

10

Figura 6-5– Os tiazídicos inibem o cotransportador Na+/Cl- existente no túbulo distal, diminuindo assim a absorção transcelular de NaCl nesse segmento. L, luz tubular; I, interstício

Na+

Na+

Cl-ATP

K+Na+

Cl-

L I

como tiazídicos, dos quais os exemplos mais conhecidos são a hidroclorotiazida e

a clortalidona. Os tiazídicos foram desenvolvidos ainda nos anos 50, tendo sido os

primeiros diuréticos razoavelmente potentes e com baixa toxicidade a serem

largamente utilizados na prática clínica.

Conforme discutido em detalhe no Capítulo 5, o túbulo distal é responsável

pela absorção de apenas cerca de 5% da carga filtrada de sódio. Por esa razão,

mesmo uma inibição completa do cotransportador NaCl existente nesse segmento

leva a uma excreção urinária

de sódio não superior a

0.0524.000=1.200

mmol/dia, correspondentes a

um fluxo urinário de ~8 L/dia

(Figura 6-6). Os tiazídicos

são portanto considerados

como diuréticos de média

potência. Por essa razão, não

são empregados atualmente

na terapêutica do edema, a

qual freqüentemente exige o

uso de duiréticos de alça. Os

tiazídicos são no entanto

largamente utilizados no

tratamento da hipertensão arterial sistêmica, para o qual é necessário um aumento

sutil na capacidade renal de excretar sódio (Capítulo 10).

Por elevar a oferta de sódio ao túbulo coletor, os tiazídicos, tal como os

diuréticos de alça, aumentam a excreção de potássio nesse segmento. No entanto,

devido à menor intensidade de seu efeito diurético e ao fato de não inibirem a

absorção de potássio na alça de Henle, a magnitude da caliurese que os tiazídicos

provocam é bem menor do que a evocada pelos diuréticos de alça. Por essa razão,

11

Figura 6-6 – Os tiazídicos agem no túbulo distal inicial, segmento responsável pela absorção de apenas 5% da carga filtrada. Por essa razão, a natriurese que produzem é apenas moderada. As linhas pontilhadas indicam a absorção de sódio em condições normais

DISTAL

ALÇA FINADESCENDENTE

ALÇAESPESSA

COLETOR

ALÇA FINAASCENDENTE

PROXIMAL

CARGA FILTRADA = 24000 mEq/dia

é infreqüente o estabelecimento de hipopotassemia grave em pacientes tratados

cronicamente com tiazídicos. Contudo, é possível o desenvolvimento de

hipopotassemia mais intensa na presença de hiperaldosteronismo secundário,

comumente encontrado em estados edematosos tais como a insuficiência cardíaca

congestiva (ver Capítulos 5 e 9).

DIURÉTICOS QUE AGEM NO DUTO COLETOR: RETENTORES DE

POTÁSSIO

Conforme discutido no Capítulo 5, o duto coletor, através das células

principais, é capaz de absorver NaCl mesmo que a concentração intraluminal do

sal seja muito baixa. Em outras palavras, o duto coletor é capaz de manter através

de seu epitélio gradientes de potencial eletroquímico extremamente elevados. No

entanto, a capacidade absortiva desse epitélio é limitada, devido à baixa

condutância elétrica de suas junções intercelulares. Felizmente, o duto coletor

recebe apenas cerca de 2% da carga filtrada, graças ao intenso trabalho de

absorção realizado pelos segmentos anteriores do néfron. Apesar desse reduzido

aporte de sódio, o duto coletor realiza um importante trabalho de ajuste fino da

excreção de sódio, sendo na verdade o responsável pelo estabelecimento de um

balanço zero de sódio (Capítulo 5).

Para realizar seu trabalho de absorção, o duto coletor dispõe, além da

onipresente Na+/K+-ATPase basolateral, de um canal específico para sódio situado

na membrana luminal (Capítulo 5). É devido à existência desse canal que a

membrana luminal é despolarizada e a diferença de potencial transepitelial atinge

nesse segmento algumas dezenas de mV, favorecendo assim a secreção de

potássio através de um canal específico, também situado na membrana luminal.

Conforme discutido nos Capítulos 5 e 8, o aporte de sódio e o fluxo de

volume intratubular são determinantes importantíssimos da secreção de potássio

pelo túbulo coletor. Por essa razão, os diuréticos que agem nos segmentos

anteriores ao túbulo coletor (a maioria) tendem a aumentar a secreção de potássio

12

e a depletar o organismo desse íon, especialmente no caso dos diuréticos de alça

(espoliadores de potássio), cujo efeito natriurético é de longe o mais intenso.

Os diuréticos que agem no túbulo coletor dividem-se em dois grupos: 1) os

bloqueadores do canal luminal de sódio, como o amiloride e o triamterene. 2)

os antagonistas da aldosterona, como a espironolactona.

Conforme seria de se esperar, o bloqueio do canal luminal de sódio impede

a absorção de sódio pelas células principais do túbulo coletor (Figura 6-7),

resultando em um aumento da excreção urinária desse íon. A natriurese observada

com esse grupo de diuréticos,

no entanto, é muito modesta

comparada à obtida com

diuréticos de alça ou tiazídicos.

A razão para isso é simples:

apesar de sua importância no

ajuste fino da excreção de

sódio, o túbulo coletor absorve

apenas de 2 a 3% da carga

filtrada do íon (Capítulo 5), o

que equivale a, no máximo, 720

mmol/dia, correspondentes a ~5

L/dia. Os bloqueadores de canal

de sódio são portanto

considerados diuréticos fracos,

não sendo por isso empregados

no tratamento dos edemas. Sua grande utilidade consiste em seu efeito sobre a

secreção de potássio no túbulo coletor, e portanto sobre a excreção urinária desse

íon. Conforme discutido nos Capítulos 5, 8 e acima, a secreção de potássio nesse

segmento depende da existência na membrana luminal de canais específicos, que

permitem a entrada de sódio na célula, com conseqüente despolarização da

13

Figura 6-7 – Por bloquear o canal luminal de sódio nas células principais do túbulo coletor, diuréticos como o amiloride promovem não apenas uma modesta natriurese, como também reduzem acentuadamente a secreção de potássio; L, luz tubular; I, interstício

Na+

Na+ATP

K+

Na+

Cl-

L I

+--+

membrana luminal, o que favorece o movimento de potássio do interior da célula

para o lume tubular. Portanto, o bloqueio dos canais luminais de sódio por drogas

como o amiloride não apenas promove uma natriurese (ainda que modesta), como

também, e principalmente, limita a excreção urinária de potássio (Figura 6-7). Por

essa razão, os bloqueadores do canal luminal de sódio são também denominados

retentores de potássio, sendo amplamente utilizados em associação com diuréticos

potentes, especialmente os diuréticos de alça, com o intuito de atenuar a perda de

potássio que essas drogas provocam.

Conforme descrito no Capítulo 5, a aldosterona aumenta nas células

principais a quantidade de canais luminais de sódio, além de estimular a atividade

da Na+/K+-ATPase basolateral, sendo por isso um hormônio retentor de sódio e

espoliador de potássio. Nos estados edematosos, é freqüente a presença de

hiperaldosteronismo secundário, o que tende a agravar a hipopotassemia causada

pelo uso, freqüente nesses pacientes, de diuréticos potentes. A conseqüente

depleção de potássio pode assim ser limitada pelos antagonistas da aldosterona,

cujo efeito farmacológico é portanto análogo ao dos bloqueadores do canal

luminal de sódio.

É exatamente a propriedade de conservar potássio que origina o efeito

colateral potencialmente mais danoso dos diuréticos retentores de potássio: a

hipercalemia. Esse efeito é observado principalmente em pacientes já com alguma

tendência prévia à retenção de potássio, como por exemplo nas fases avançadas da

insuficiência renal crônica. A ocorrência de hiperpotassemia associada ao uso de

retentores de potássio é também freqüente em pacientes com tendência a

hipoaldosteronismo, como ocorre em certos pacientes com nefropatia diabética. A

anomalia é também observada em pacientes recebendo tratamento crônico com

inibidores da enzima conversora de angiotensina I (captopril, enalapril, etc.), nos

quais os níveis de angiotensina II, e conseqüentemente os de aldosterona, são mais

baixos. Outro possível efeito colateral associado ao uso de retentores de potássio é

a acidemia metabólica que pode ocorrer no emprego de inibidores da aldosterona,

14

uma vez que não só a secreção de potássio, mas também a de íons hidrogênio,

pode ser inibida por essas drogas.

EXERCÍCIOS

No programa “Diuréticos”, simule experimentos com manitol, furosemida (Lasix®) e

tiazídico (assinalando os círculos correspondentes) e observe os valores obtidos para as

taxas de excreção urinária de água, sódio e potássio. Observe ainda o segmento do néfron

onde ocorre o efeito de cada um dos diuréticos estudados. Clique no botão “Ver célula” ,

quando for o caso, para uma representação aniamda do mecanismo celular de ação de cada

diurético, tanto no segmento em que cada um atua como naqueles que se seguem.

1. Qual o diurético mais potente? Por que esse diurético é tão potente? Qual o menos

potente? Por que?

2. Qual o que provoca a maior espoliação de potássio?

3. Há alguma relação entre potência natriurética e espoliação de potássio?

4. Associe furosemida e hiperaldosteronismo (situação comum, já que é frequente o

uso de diuréticos em pacientes com hiperaldosteronismo secundário). O que ocorre à

natriurese? E à caliurese?

5. Associe agora furosemida e amiloride. Qual o efeito observado?

15

6. Estude o efeito da associação de outros diuréticos com um retentor de potássio

Não se esqueça de observar o efeito celular de cada um dos diuréticos, acionando os

respectivos botões “Ver Célula”

16