mazzaropi - livros grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · universidade presbiteriana...

136
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA SILVA Mazzaropi , um caipira-cangaceiro: encontro de culturas no cinema brasileiro Orientador: Prof. Dr. Martin Cezar Feijó São Paulo 2007

Upload: trandat

Post on 11-Nov-2018

231 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura

KLEBER ELIANDRO DA SILVA

Mazzaropi, um caipira-cangaceiro: encontro de culturas no cinema brasileiro

Orientador: Prof. Dr. Martin Cezar Feijó

São Paulo 2007

Page 2: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

KLEBER ELIANDRO DA SILVA

Mazzaropi, um caipira-cangaceiro: encontro de culturas no cinema brasileiro

Dissertação apresentada à Uni- versidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura sob a orientação do Prof. Dr. Martin Cezar Feijó.

São Paulo 2007

Page 4: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

KLEBER ELIANDRO DA SILVA

Mazzaropi, um caipira-cangaceiro: encontro de culturas no cinema brasileiro

Dissertação apresentada à Uni- versidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura sob a orientação do Prof. Dr. Martin Cezar Feijó.

Aprovado em ____ de ________________ de ______

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

Page 5: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

S586m Silva, Kleber Eliandro da. Mazzaropi, um caipira cangaceiro: encontrode culturas no cinema brasileiro. / Kleber Eliandroda Silva. -- São Paulo, 2007.

133 p.; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Educação, Arte eHistória da Cultura) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2007.

Orientação: Prof. Dr. Martin Cezar Feijó. Bibliografia: pp. 104-112 1. Mazzaropi. 2. Caipira. 3. Cangaceiro. 4. Cinema e Paródia. I. Título. CDD – 791.43

Page 6: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Martin Cezar Feijó, por me mostrar os caminhos da academia. Ao Prof. André Piero Gatti e Profa. Marisa Philbert Lajolo, pela sugestão na qualificação. Aos professores do Mackenzie por compartilhar seus conhecimentos. À minha mãe Cecília e meu pai Benedito, por incentivar a busca do conhecimento através dos estudos. Ao Governo do Estado de São Paulo, pela bolsa de estudo através do Programa Bolsa Mestrado. Este trabalho foi financiado em parte pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie, através do Fundo Mackenzie de Pesquisa.

Page 7: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

“O aumento da sabedoria pode ser medido com exatidão pela diminuição do mau humor”

Friedrich Wilhelm Nietzsche

Page 8: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Resumo

Esperando contribuir para ampliar as discussões sobre a questão da

intertextualidade cultural, o objetivo da presente dissertação é refletir

sobre o conceito de paródia no filme O Lamparina (1964), de Amácio

Mazzaropi dedicado à representação no universo social e cultural do

caipira com a satirização dos filmes de cangaço e sobre a figura histórica

do mais famoso cangaceiro Lampião.

Apresentaremos as influências que transpassaram o caminho do

comediante Mazzaropi, buscando formadores da personagem caipira em

sua história vivida desde o circo-teatro até a dimensão como diretor, ator,

produtor e escritor de seus próprios filmes.

Discutiremos também algumas razões da indiferença de críticos, que se

uniram no movimento chamado Cinema Novo.

Baseando-se nesses estudos, esta pesquisa transita de forma

interdisciplinar pelas linguagens – História da Cultura e Cinematográfica,

apresentando o encontro entre cultura; caipira e cangaceiro, do modo que

são expressas na condição de ficção no filme O Lamparina e nas

referências históricas.

Palavras-chave: Mazzaropi , caipira, cangaceiro, cinema e paródia.

Page 9: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Abstract

Hoping to contribute to enlarge the discussions about the subject of the

cultural intertextualidade, the objective of the present dissertation is to

contemplate on the parody concept in the film O Lamparina (1964) of

Amácio Mazzaropi dedicated to the representation in the social and

cultural universe of the “caipira” with the satire of the “cangaço” films and

about the historical illustration of the most famous “cangaceiro” Lampião.

We will present the influences that passed over comedian Mazzaropi’s

road, searching to identify to personage “caipira” in its history lived from

the circus-theater to the dimension as director, actor, producer and writer

of their own films.

We will discuss also some reasons of the critics' indifference, that they

joined in the movement called New Movies.

Basing on those studies this research moves in an interdisciplinary way

through the languages – History of the Culture and Cinematographic,

presenting the encounter among culture; “caipira” and “cangaceiro”, in the

way that they are expressed in the fiction condition in the film O Lamparina

and in the historical references.

Key-words: Mazzaropi, “caipira”, “cangaceiro", movies and parody.

Page 10: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Lista de Ilustrações

O artista Mazzaropi ...................................................................................... 15

Bibi Ferreira e Mazzaropi na TV Excelsior (1962) ....................................... 21

Quadrinho “Mazzarapi em Hollywood” ........................................................ 24

Mazzaropi no Teatro Colombo em 1945 ..................................................... 30

Anúncio em jornal da reabertura do Omniographo (1896) .......................... 42

Foto do Caipira Génesio Arruda em Acabaram-se os otários (1929) .......... 44

Cena do bando de Capitão Galdino posando para foto .............................. 76

Cena que representa Benjamim Abrahão tirando foto

do grupo de cangaceiros ........................................................................ 76

Foto de Lampião e seu bando tirada por Benjamim Abrahão ..................... 76

Teodoro morto junto a um córrego no sertão – O Cangaceiro (1953) ......... 79

A família caipira de Bernardino Jabá ........................................................... 82

A família caipira e cangaceira ...................................................................... 83

O Lamparina ................................................................................................ 86

Page 11: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Sumário INTRODUÇÃO ............................................................................................. 12 Capítulo 1 Mazzaropi: Vida e Obras de um comediante do povo ....................... 16 1.1. A expressão do Caipira no Cinema de Mazzaropi ........................... 30 Capítulo 2 Panorama do Cinema Brasileiro: de Mazzaropi ao Cinema Novo .... 41 2.1. Origem histórica da personagem caipira no cinema brasileiro ........ 41 2.2. Mazzaropi: A Chanchada Paulista ................................................... 44

2.3. A Chanchada da Atlântida: origens e influências no cinema nacional .......................................................................... 47

2.4. Vera Cruz: a indústria do cinema brasileiro ..................................... 50 2.5. Cinema Novo como expressão do nacional-popular ....................... 51 Capítulo 3 Revisão Crítica e Histórica: trajetória da representação do Sertão no Cinema Brasileiro ........................................................... 57 3.1. O Sertão vai virar mar e o Mar vai virar sertão: o Cinema Novo de Glauber Rocha .................................................. 59 3.2. Mazzaropi em contexto social com o Cinema Novo ........................ 61

3.3. Lamparina, caipira-cangaceiro: símbolo de um Brasil rural presente no cinema de Mazzaropi ........................................... 64 3.4. O Cangaceiro, de Lima Barreto: primeiro grande

sucesso do Cangaço ........................................................................ 67

Page 12: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no Cinema Brasileiro ............................................................................. 71 4.1. O Cangaceiro (1953) ....................................................................... 73 4.2. O Lamparina (1964) ......................................................................... 79 4.3. A Paródia no Cinema Brasileiro ....................................................... 90 4.4. Lamparina versus Lampião: uma paródia do mito “Rei do Sertão” . 92 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 101 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 104 ANEXO ...................................................................................................... 113 APÊNDICE ................................................................................................ 130

Page 13: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Introdução 12

Introdução

principal finalidade desta pesquisa é apresentar a rela-

ção intertextual sertaneja: caipira-cangaceiro na obra

do ator diretor e produtor cinematográfico brasileiro

Amácio Mazzaropi (1927–1981) e situar seu trabalho no cinema brasileiro.

Mazzaropi produziu 32 filmes, dos quais 21 foram escritos por

ele, isso mostra seu considerável conhecimento sobre os problemas e an-

siedades que os brasileiros enfrentavam diante do advento de uma agres-

siva cultura capitalista. É evidente a todos os que assistiram a algum

filme de Mazzaropi, seu interesse particular por algum grupo social, ou

seja, os caipiras. Seu personagem mais bem-sucedido, Jeca, pode ser

visto como uma forma de representação de caipiras, bem como referência

sobre cultura popular, como ele próprio afirma:

O que eu entendo por cultura popular? As raízes do povo brasileiro. Assim, negar o caipira brasileiro é negar a pró-pria raiz. Acho que cultura é justamente não esquecer o passado, não esquecer nossas tradições. O meu público es-tá comigo há 40 anos e não me larga. Quer dizer que ele me entende1.

Ao considerar as imagens como registros da cultura popular, pro-

cura-se neste trabalho, compreender o tipo de realidade retratada no fil-

me ‘O Lamparina’ (1964).

1 Mazzaropi, entrevista dada ao Folhetim da Folha de São Paulo, 02/07/78.

Page 14: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Introdução 13

Privilegiando a dimensão do imaginário popular, essa película

constitui uma experiência importante no campo da ‘transposição’ da

imagem do caipira e do cangaceiro.

Com base na tese de doutorado da pesquisadora Eva Paulino

Bueno, O Artista do Povo: Mazzaropi e Jeca Tatu no cinema do Brasil, eu

observarei como a representação do caipira se constitui como uma leitura

específica feita por Mazzaropi ao ser bem-sucedido junto à população da

periferia das grandes cidades composta por migrantes rurais.

Na obra de Célia Tolentino encontramos no rural uma forma de

representação fílmica em que se observa a vida sertaneja como elemento

de análise em relação ao caipira e cangaceiro:

Ao decretar o fim do caipira (no sentido de Antonio Candi-do) na vida rural brasileira, Mazzaropi construía, malgrado a posição política lastimável, um prognóstico mais plausí-vel e menos romântico que o nosso cinema politizado de 60. E acabava demonstrando, no fim das contas, que o caipirismo, no sentido em que seu filme se faz paradigmá-tico, sobrevivia e constituía marca indelével na moderniza-ção e cultura brasileiras, ambas impregnadas de elementos arcaicos, mas atribuindo o arcaísmo ao outro. (Tolentino, 2001, pp. 130-131)

A representação do cangaço no cinema, discutida na obra “Can-

gaço: O Nordestern no Cinema Brasileiro”, de Maria Rosário Caetano –,

reflete-se no tratamento da temática, observando o cangaceiro e suas

próprias tradições que passam, contudo, por um processo de transfor-

mação, visando a sua adaptação à narrativa.

O início desta pesquisa levou-me a investigar a formação da cul-

tura caipira e cangaceiro, símbolos representantes do imaginário popular

do sertão2 brasileiro.

2 Generalizou-se o conceito de sertão para vasta área do interior brasileiro que expressa plurali-dade geográfica, social, econômica, cultural, equiparando-se à idéia de “região”, exposta como

Page 15: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Introdução 14

Este encontro de culturas: caipira e cangaceiro será apresentada

na forma de ficção no cinema de Mazzaropi, que, através de seus filmes,

reproduz um período histórico entre as décadas de 1950 e 1960, no qual

o Brasil rural começava a dar lugar ao Brasil urbano. Neste mesmo pe-

ríodo representa uma fase de migração do nordestino para o Sudeste

que, com o intuito de se livrar das secas freqüentes e de frágeis condições

de sobrevivência, dirigiam-se aos grandes centros urbanos e periferias,

principalmente em São Paulo, por isso podemos também analisar um

encontro de públicos tanto de nordestinos como caipiras paulistas.

O presente estudo ainda nos traz um rápido panorama sobre a

representação da imagem do caipira e cangaceiro em produções cinema-

tográficas. Nesse caminho, faz-se necessário entender como foi tratado o

elemento caipira-cangaceiro no cinema, suas aproximações da realidade,

bem como apresentados de formas ficcionais.

Partindo do pressuposto de que, nos filmes de Mazzaropi, a per-

sonagem caipira funciona como elemento unificador que expressa, de

certo modo, a visão de mundo do público sertanejo a quem originalmente

se dirige, surgem algumas indagações: Qual seria o sentido de sua

“apropriação” por uma manifestação artística dirigida a um público

rural-urbano? Como a figura de caipira-cangaceiro é “traduzida” para as

imagens cinematográficas? Como o sertão aparece nessas imagens?

Para refletir sobre essas questões, realizar-se-á uma análise da

relação intertextual entre o caipira-cangaceiro a qual é apresentada atra-

espacialização destacada num continente, país ou subunidade setorial de poder, caracterizada pelas relações sociais e de trabalho, condições materiais, recursos ambientais, natureza do que produz, espécies de bens comercializados, formação étnica, manifestações culturais. Como cate-goria analítica da divisão espacial, “sertão” exprime condição de território interior de uma região ou unidade administrativa interna – Sertão Nordestino, Sertão da Bahia – ou de zoneamento des-sas espacializações – Alto Sertão da Bahia, Sertão de Canudos, Sertão do São Francisco, Sertão do Araripe – ou ainda o sertão do bandeirante que inclui o interior de outras unidades da federa-ção, fora do “polígono das secas”. Na concepção da dualidade geográfica, tem-se o sertão nas perspectivas espacial e social; pela ótica cultural, vê-se também o sertão por diferentes manifesta-ções, destacando-se as expressões musicais sertanejas do Centro-Sul e a nordestina, traduzindo diferentes viveres do interior do país (Neves, 2003, pp. 153-162).

Page 16: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Introdução 15

vés do conceito de paródia, tendo como pressupostos teóricos formulados

por Linda Hutcheon, em Uma teoria da paródia e, mais especificamente,

por Bakhtin, em A cultura popular na Idade Média e no Renascimento,

sobre a carnavalização, o grotesco e a paródia que estão inseridos num

universo que, para esta pesquisa, funciona como o elemento estrutura-

dor da narrativa fílmica.

O artista Mazzaropi

Page 17: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 16

CAPÍTULO 1

Mazzaropi: Vida e Obras de um comediante do povo

Quando eu comecei minha vida artística, muito pouca gente que vai ler esta história existia. Nasci em 1912, e na época em que comecei tinha uns quinze anos. Naquele tempo, o gênero de peças que fazia sucesso no teatro era caipira. E, como todo mundo, eu gostava de assisti-las. Dois atores, em particular, me fascinavam. Genésio e Sebastião de Arruda. Sebastião mais que Genésio, que era um pouco caricato demais para meu gosto. Nem sei bem por que, de repente, lá tava eu trabalhando no teatro. Mas não como ator – eu pintava cenários. Aliás, eu amava a pintura, sempre amei a pintura. Pois bem, um belo dia “perdi” o pincel e resolvi seguir a carreira de ator. No come-ço procurei copiar a naturalidade do Sebastião, depois fui para o interior criar meu próprio tipo: caboclão bastante natural (na roupa, no andar, na fala). Um simples caboclo entre os milhões que vivem no interior brasileiro. (Salem, 1970)

os artistas brasileiros de destaque que vieram do circo,

do teatro e da rádio, Amácio Mazzaropi ocupa uma

posição privilegiada. Além de passar por estes cami-

nhos artísticos, engajou no cinema e produziu uma filmografia vasta e

interessante, notável não só como expressão da cultura popular, mas

também como filmografia em si. A produção artística de Mazzaropi desta-

ca-se como contribuição especial para o cinema de grandes bilheterias e

audiência, e pode ser chave fecunda para o estudo sobre a cultura popu-

lar. Sua obra dialoga com a história artística, cultural, social, política e

econômica do nosso país, desde a era Vargas até o momento da abertura

política dos anos 80.

Nascido a 9 de abril de 1912, na casa n. 5, da Rua Vitório Carmi-

lo, em São Paulo e batizado na Igreja de Santa Cecília. Filho do italiano

Bernardo Mazzaropi e de Clara Ferreira Mazzaropi, filha de portugueses.

Page 18: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 17

Ambos eram comerciantes bem-sucedidos, do tradicional bairro Barra

Funda, da capital paulista.

Para Mazzaropi, no circo, o mais importante foi a experiência de

entender e ser entendido pelo público. Foi nessa convivência com gente

humilde que adquiriu condições de entender o povo e projetar-se na per-

sonagem que o consagrou.

Mazzaropi desde criança queria ser artista de circo, e desinteres-

sado pelos estudos vivia freqüentemente em circos que se instalavam nas

proximidades de sua casa, mas, incompreendido pela família, foi condu-

zido para Curitiba, em companhia de seu tio Domingos Mazzaropi, com o

objetivo de distanciá-lo do circo. Aos 14 anos, retornou para São Paulo e

continuou a tentativa de ingressar na vida circense. Conheceu o famoso

faquir Ferry, de um circo popular e começou acompanhá-lo nos

espetáculos ambulantes.

Com o sucesso, resolveu criar a sua própria companhia, viajando

com um barracão desmontável – o que chamava de Teatro de Emergência

– Pavilhão Mazzaropi3 – estreou em Jundiaí em 1940. Mazzaropi centrali-

zou sua atividade do teatro popular em São Paulo, mantendo quatro

pavilhões, circulando pelos bairros com um repertório ítalo-paulista,

do qual o Grão-Mogol era a comédia do irmão de Abílio Pereira de Almei-

da, João Pereira de Almeida, com a peça Filho de sapateiro, sapateiro

deve ser4.

3 Os Pavilhões, estruturas móveis de zinco, eram armados de cidade em cidade, conforme a toa-da das apresentações. No terreno alugado pela companhia, durante algumas semanas ou meses, erguia-se a estrutura de zinco, dentro da qual eram encenadas peças ou apresentações musicais. Terminando o contrato de aluguel, a companhia partia para outro lugar, onde repetia a mesma coisa. Às vezes chegava a ficar por mais de um ano em uma única cidade. A diferença entre Pavi-lhões e o Circos-teatro era somente o material que cobria os espetáculos: um era zinco e o outro, de lona (Barsalini, 2002, p. 28). 4 Glauco Barsalini, em sua obra Mazzaropi o Jeca do Brasil, cita que esta peça conta uma histó-ria de um sapateiro que conseguiu custear os estudos do filho para que ele se tornasse médico. O rapaz se apaixonou por uma moça da alta sociedade, na casa de quem ocorre o baile de formatu-ra, de que o sapateiro faz questão de participar, constrangendo a todos, principalmente ao filho,

Page 19: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 18

Em 18 de setembro, foi inaugurada a primeira emissora de televi-

são brasileira, a TV Difusora de São Paulo, canal 3. Convidado para o

show de estréia, Mazzaropi tornou-se o primeiro humorista da TV. Ini-

cialmente, à semelhança da rádio, apresentava-se sozinho, mas, em pou-

cos dias, a direção decidiu lançar o programa Rancho Alegre, com Amácio

e a atriz Geny Prado que posteriormente o acompanharia nos filmes, re-

presentando o papel de esposa. Segundo a atriz, em depoimento para o

documentário “A Herança do Jeca” (CDPH – UNITAU), a primeira fórmula

empregada no programa era uma cópia do programa de rádio, mas ficou

sem graça porque Mazza aparecia sozinho com o sanfoneiro, dizia umas

piadas e depois cantava. Isso em televisão não funcionava.

O novo programa foi lançado às quartas-feiras, às 21h, sob a di-

reção de Cassiano Gabus Mendes, com o patrocínio da Philco, o primeiro

patrocinador da TV brasileira. Este novo programa teve uma nova roupa-

gem que provocou elogios pela crítica. O jornal impresso Diário da Noite

apresentou uma crítica interessante por referir-se à valorização de uma

linguagem de caipiras nos programas elaboradas por Mazzaropi:

Girando o dial – Rancho Alegre é a primeira produção de televisão que aborda a vida e a linguagem dos caipiras. E diga-se, logo de entrada, que aqui temos um verdadeiro material para a televisão, assim como os americanos encontram encanto nas suas histórias de “Farwest”, “cow-boys”, seresteiros românticos e Hopalong Cassidy. Não temos no Brasil uma tradição caipira nas artes e nos espetáculos. Todos os nossos caipiras encontram, de ime-diato, um auditório mais instruído que os repele e que não se conforma em lhe prestar trinta minutos consecutivos de atenção. Mas o mesmo público, uma vez diante da tela de uma televisão, descobrirá que há motivos de interesse e versão, ainda que não seja por causa do curioso, do “tipo”

por seus modos grosseiros e simplórios. Na ocasião desse encontro a disparidade sociocultural está na vergonha do filho em reconhecer a simplicidade do pai na condição de um simples sapa-teiro (Barsalini, 2002, p. 36). Nesta história podemos fazer um paralelo com o primeiro filme Cho-fer de Praça (1958), produzido por Mazzaropi através de sua companhia – PAM, em que no lugar de um simples sapateiro é interpretado por um motorista de táxi que vive semelhanças com a peça teatral.

Page 20: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 19

das personagens apresentadas. Eis porque Mazzaropi de-monstra grande habilidade ao trazer para a câmara o des-leixo, a fala macia e errada, as pequenas espertezas do caipira brasileiro. Sua última audição foi um agradável espe-táculo de espontaneidade e naturalidade. Apesar da fraque-za da história, e de alguns erros que poderiam ser evitados (como aquele grupo de rapazes vestidos à moda da cidade, e o compadre que chega em mangas de camisa e o cabelo alisado a gomalina), foi divertido acompanhar os movimentos e as fa-las de Mazzaropi. Mas também é justo que se destaque a fi-gura de Geny Prado, não tanto uma comediante, mas boa atriz, que se impõe ao espectador. Ela diz o seu diálogo com grande naturalidade e, mesmo colocado em segundo plano, jamais se esquece de que há uma câmera pronta para pegá-la a qualquer momento. Ela jamais se distrai e nunca se esque-ce de fazer um movimento, um gesto, um olhar que corres-ponda à situação focalizada. Com estes dois elementos – Mazzaropi e Geny Prado – o Rancho alegre é um programa que usa com inteligência os recursos modernos da televisão.5

Com o sucesso que fazia na rádio, gozado pelos críticos por causa

de sua magreza, ele foi capa da Revista Êxito e bem avaliado com uma

crítica positiva feita por Jean Coquelin. Passou a ser chamado de “Ber-

nard Shaw do Tucurivi”. Sua blague “Arranhei” o qual tornou-se muito

popular de uso corrente. Virou mania no público, pois assim era anun-

ciado nas chamadas de intervalo da rádio:

Arranhei! Mazzaropi – É, indiscutivelmente, um humorista fino (...) cada entrada sua é arranhada! No Sumaré, ao mi-crofone da Tupy, ele vive entupigaitado ansioso por um pouquinho mais de carne para seu belo físico (...) que físi-co! Mazzaropi, o criador de piadas “Mazzaropianas” tem medo, (veneno? Nada disso...) que alguém ainda faça dos seus ossos marinha. Mas, o magríssimo humorista da G-2 que, de fato, não tem orgulho, continua firme, “segurando a marimba”, sorrindo e dizendo: arranhei!6

5 E. B. Diário da Noite, SP, set-1950. Arquivo do Museu Mazzaropi, Hotel Fazenda Mazzaropi (AMM) – Hemeroteca. 6 O Governador, s/d, 24/10/1946. Arquivo do Museu Mazzaropi, Hotel Fazenda Mazzaropi (AMM) – Hemeroteca.

Page 21: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 20

Mazzaropi foi levado para o cinema através de Abílio Pereira de

Almeida e Tom Payne que estavam sentados no balcão do Nick Bar, to-

mando um aperitivo e assistindo a um programa de televisão no qual o

comediante teve papel de destaque como caipira. Naquele momento, após

um diálogo, decidiram convidar o comediante para trabalhar na Compa-

nhia Cinematográfica Vera Cruz7.

Na Vera Cruz, participou de Sai da Frente8 (1951), Nadando em

dinheiro (1952) e Candinho (1953). Ele encontrou no cinema a maneira

mais apropriada de somar suas experiências do rádio com teatro para

seus talentos. Mazzaropi possuía os mais autos salários pagos pela com-

panhia, a empresa falia, mas os filmes daquele que se apresentava com

aquele jeito caipira rendia uma boa bilheteria.

Mazzaropi caracterizou-se por Jeca Tatu (1959), uma adaptação

de Jeca Tatuzinho, de Monteiro Lobato. Conforme o pesquisador Nuno

Cesar Abreu, este personagem no cinema veio a corresponder como ico-

nografia de almanaques:

Este personagem era uma espécie de caipira pedagógico utilizado para a veiculação de produtos de um laboratório farmacêutico, que procurava passar, entre outras, noções de higiene pessoal e rudimentos de práticas agrícolas. As-sentava-se clichês sobre o homem do campo do sudeste e mais propriamente do interior paulista: indolente, simples e conformado. Mas também astucioso, manhoso e valente quando necessário. Honesto, sempre. Sendo síntese audio-visual de todas as formas de representação do caipira, encontram correspondência em Mazzaropi desde a icono-grafia de almanaques de farmácia à tradição teatral e cir-

7 A Companhia Cinematográfica Vera Cruz nasceu em São Bernardo do Campo – São Paulo, em 4 de novembro de 1949, a 500 metros do Km18 da Via Anchieta. A iniciativa foi do industrial e engenheiro Franco Zampari que, liderando um grupo de industriais paulistas, deu início no local à implantação de um parque cinematográfico nos moldes dos europeus e americanos. 8 Filme que lançou a personagem Mazzaropi, dando continuidade ao objetivo iniciado com Tico Tico no Fubá, de produção de fitas que atingissem um público maior e mais popular. O filme lan-çou também o treinado cão Duque, contratado pela companhia com salário maior que de muitos atores secundários.

Page 22: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 21

cense. Ele materializou um estereótipo que veio ocupar um espaço carente no cinema brasileiro e no inconsciente po-pular.9

A seguir realizou dois filmes para Brasil Filmes: O Gato da ma-

dame (1954) e A carrocinha (1955), dirigida por Agostinho Martins Perei-

ra. No Rio, a convite de Osvaldo Massaini, produziu O fuzileiro do amor

(1955), O noivo da girafa (1956) e Chico fumaça (1956), dirigido por Vitor

Lima.

Um total de oito filmes, antes de decidir, ou melhor, ter condições

de montar sua própria produtora em Taubaté, a PAM Filmes – Produções

Amácio Mazzaropi. Assim, ele se consagrou não apenas como ator e co-

mediante, que já era reconhecido, mas também como produtor, diretor,

distribuidor e até fiscalizador de seus próprios filmes.

9 ABREU, NUNO César. Anotações sobre Mazzaropi – O Jeca que não era tatu. Filme Cultura. N. 40, ano XV, ago-out 1982.

1962 – Ao completar 50 anos de idade Mazzaropi é homenageado noprograma BRASIL 62, de Bibi Ferreira, na TV Excelsior, de São Paulo.

Page 23: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 22

A “PAM Filmes”, situada primeiramente na Fazenda da Santa e

posteriormente na Fazenda-Estúdio, fez de Taubaté e de todo o Vale do

Paraíba, palco de uma série de vinte e quatro filmes que Mazzaropi rodou

por esta região, entre os anos de 1958 e 1981. Em Taubaté, em seus

áureos tempos, foi levado às telas de cinema de todo o Brasil.

Mazzaropi sentia-se comprometido com o seu público, e a sua

produção cinematográfica mantinha, à risca, o seu objetivo de divertir os

simples:

Minha responsabilidade é com esse público, essa gente simples que só vai ao cinema uma vez por ano, quando eu lanço os meus filmes. Procuro dar a eles o melhor. Por isso, tenho muito cuidado na produção. Eu podia gastar muito menos, que esse público iria me ver do mesmo jeito, mas eu prefiro que eles vejam uma coisa bem feita.10

Uma outra fórmula de sucesso utilizada por Mazzaropi nas filma-

gens era o improviso no cinema, estabelecendo, de certa forma, uma si-

nergia com seu público, e, com uma certa dose de cuidado, ele dava “o

tempo da risada”. Sobre a obra Mazzaropi – O Jeca do Brasil, de Glauco

Barsalini, Norival Gonçalves de Moura comenta a respeito do riso e o im-

proviso nas filmagens:

Caretas, esse negócio, o pessoal já entendia. Ele se preocu-pava muito com o que o público estava (...) Ele estava fil-mando, mas ele já estava vendo a reação do público no cinema. Tanto que tomava muito cuidado com piada, pode ver nos filmes dele, ele fazia a piada e dava um tempo para o pessoal rir, para entrar com outra em cima ou continuar o diálogo. Nunca encavalava piada para não atrapalhar o andamento do filme (...). (Barsalini, 2002, p. 60)

Mazzaropi, preocupado em valorizar e divulgar nossa cultura por

meio de outro meio de comunicação, lançou suas aventuras em quadri- 10 Jornal Última Hora. Entrevista a Osvaldo Mendes, junho de 1981.

Page 24: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 23

nhos em uma fase de massificação do quadrinho norte-americano no

país. Alguns editores brasileiros buscavam a valorização através de nossa

literatura e personagens do rádio, TV e cinema nos quadrinhos, como

comenta Bruno Fernandes Alves, em seu artigo A identidade nacional na

pós-modernidade: o caso dos quadrinhos brasileiros:

Ainda nessa fase temos a adaptação de clássicos da litera-tura brasileira para os quadrinhos que são importantes dentro de um contexto político de valorização da cultura e do artista brasileiro, embora as mesmas não tivessem a di-nâmica de uma história em quadrinhos. Provavelmente foi o enorme respeito às obras literárias que resultou num re-ceio de ousar na adaptação, principalmente para uma lin-guagem que ainda lutava para ser reconhecida como arte. Outra vertente que surgiu nos anos 50 foi a transposição de personagens do rádio, da televisão e do cinema para os quadrinhos, como Mazzaropi, Grande Otelo e Oscarito, entre outros. (Alves, 2002, pp. 4-5)

Conforme o Quadrinho a seguir publicado em 1966, intitulado

Mazzaropi em Hollywood11, muito nos chamou a atenção o diálogo entre

as personagens, por apresentar críticas a tevê como forte concorrência

para o cinema, e também a busca de uma personagem com um tipo “di-

ferente” para o cinema de Hollywood. Neste quadrinho (veja-o completo

no Anexo I), Mazzaropi expôs o cinema norte-americano com a falta de

autenticidade das produções ao utilizar dublagens e dublês, notável foi a

crítica dada ao identificar a transfiguração de nosso caipira por um tipo

“Daniel Boon” do cinema americano. Podemos considerar tal crítica como

tentativa de colonização cultural através de Hollywood, conformes seus

parâmetros de imagem. João Luis Vieira comenta em seu artigo esta do-

minação de cinema:

11 História escrita por Alberto Maduar para revista Seleção Juvenis (Edição Especial Mazzaropi – Ano XVI – número 516 – Fevereiro de 1966) Jayme Cortez, ilustrador e responsável pela elabora-ção dos cartazes de alguns filmes de Mazzaropi, influenciou uma geração de ilustradores brasilei-ros. Na mesma época em que circulavam os quadrinhos de Mazzaropi existiam revistas com outros personagens como Grande Otelo, Oscarito e outros.

Page 25: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 24

Numa atitude que reflete total colonização, sugere-se que a perfeição e o bom acabamento técnico são incompatíveis com o cinema brasileiro, o qual, por sua vez, evoluiu ba- seado apenas no deboche e na ironia carnavalesca. Após anos e anos de dominação do cinema estrangeiro no Brasil, o grande legado desse processo de colonização cultural foi que ambos, público e crítica, desenvolveram a mesma ati-tude em relação ao que deveria ser considerado como “ver-dadeiro” cinema, consenso este que sempre confundiu o veículo com uma determinada forma de trabalhá-lo, neste caso, o da continuidade ensinada pelo cinema clássico-narrativo americano. Para público e crítica, fazer cinema sig-nificava, e significa ainda em muitos casos, proceder dentro dos parâmetros estabelecidos e impostos por Hollywood.12

Quadrinho “Mazzarapi em Hollywod”.

12 Embrafilme, Filme e Cultura. Este é meu, é seu, é nosso: Introdução à paródia no Cinema Brasi-leiro. Ano XVI, maio, 1983 no. 41/42. artigo publicado pelo professor de comunicação João Luiz Vieira, p. 27.

Page 26: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 25

O trabalho de Mazzaropi pode nos representar uma certa resis-

tência à invasão cultural, pois basta conferir seu sucesso de bilheteria no

cinema brasileiro. Mas Mazzaropi também encontrou rejeição e critica

não favoráveis ao seu cinema, em 1965, no jornal Última Hora, Ignácio de

Loyola, em artigo intitulado A contribuição de Mazzaropi para o retroces-

so, faz a seguinte crítica sobre Mazzaropi e a seus filmes:

Não contávamos, todavia, com a inexistência, em Mazzaro-pi, do fator evolução, natural no artista (caberia aqui uma discussão estéril, a fim de saber se Mazza é artista ou não. Deixemos pra lá!). Bitolado, fora de época, ausente de tudo que se passa ao seu redor, a Mazzaropi interessa apenas explorar e fomentar o gosto equívoco, não possuindo o ci-nema, para ele, qualquer implicação cultural. Infelizmente, Mazza está certo dentro do seu raciocínio que não é longo, ao contrário. Primarismo ainda faz dinheiro. E é incompreensível que homens de talento (?) defendam e estimulem este tipo de atitude. Julgando-se gênio incom-preendido, Mazza escreve, dirige, produz, canta e procura cercar-se sempre de gente com nível mais baixo que o dele na realização de suas películas. (Loyola, 1965)

O próprio cineasta, incomodado com o teor das críticas em rela-

ção aos seus filmes e à sua própria vida, defendia-se vigorosamente,

afirmando que seus filmes tinham por objetivo divertir o povo brasileiro e

que ele, cineasta, não poderia ser responsabilizado pela didática ou ser

escola para ensinar:

Mas mesmo que eu tivesse todo o capital para comprar tu-do que é necessário, ainda seria preciso mudar a mentali-dade dos intelectuais do Brasil. É preciso acabar com esse negócio que cinema tem que transmitir mensagem, tem que educar o povo. Nós não somos escola. (...) eu tenho é que fazer rir. Eu não tenho nada com esse problema de mensagem pra cá mensagem pra lá. Educar o povo é proble-ma do Ministério da Educação, não é comigo.13

13 Mazzaropi, Jornal Agora, 27 de fevereiro de 1971.

Page 27: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 26

Dentre os intelectuais e críticos, apenas Paulo Emílio Sales Go-

mes, ao analisar as obras de Mazzaropi, distanciava-se de uma crítica

pejorativa:

Sabemos que o lugar-comum é sempre verdadeiro e um fi-lósofo francês já explicou que o único problema é aprofun-dá-lo. Mazzaropi não aprofunda propriamente nada, mas os lugares comuns se acumulam tanto que o terreno acaba cedendo e como as minas descobertas ao acaso de desbar-rancamentos, de repente desponta dessas fitas uma ines-perada poesia. Isso em geral sucede quando ele não está fazendo nada de especial, apenas olhando, andando ou pondo fumo no pito. O melhor de seus filmes é simples-mente ele próprio. (Calil e Machado, 1986, pp. 275-276)

No intelectualismo reinante no período surgiu esta afirmação de

Paulo Emílio, revelando uma incomum percepção cultural – entre o seu

pensamento e o da crítica – sobre as produções de Mazzaropi. Para tanto,

o crítico e intelectual de cinema publicou um artigo em que confessou

não ter verificado adequadamente a carreira de Mazzaropi, e lamentou

não tê-lo encontrado pessoalmente, após ter assistido pela primeira vez o

filme Um Caipira em Bariloche, na sala popular de cinema no largo Pais-

sandu. Gomes percebeu que o público que estava na sala e prestigiava o

filme eram simples operários, balconistas e pequenos funcionários que

despertavam seus interesses atenciosamente e apenas o silêncio era

interrompido pelo riso. Em sua análise sobre o filme e Mazzaropi,

comentou:

Alguns profissionais que o cercam são competentes e asse-guram uma boa fotografia e um som razoável. Seria bom que ficassem nisso e que de resto se preocupassem apenas em nos fazer ver e ouvir Mazzaropi, de maneira motódica, sem pressa, dava tempo para que tudo ficasse bem claro. Que fizessem em suma um cinema bem primitivo que teria de moderno apenas a qualidade da imagem e do som. Pen-so que isso poderia ser um grande acontecimento artístico. Mas não. Influenciado por seu cineasta, Mazzaropi os deixa fazer o temível cinema no qual temos o baile de carnaval ou

Page 28: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 27

a luta generalizada de Um Caipira em Bariloche: o erotismo e a ação. São os mementos em que os espectadores acom-panhados aproveitam para conversar e os que, como eu, estão sós, começam a criticar.14

Em entrevista para o jornal Folha de São Paulo, o jornalista José

Wolf perguntou a Mazzaropi sobre sua caracterização e a criação de seu

personagem caipira:

Não precisa ir muito longe, é só ir pro lado de Socorro, Santo Amaro, que já se encontra esse tipo que faço. Você viaja pelo interior e vê gente desse tipo. Aliás, havia críticos no início que diziam que eu fazia um caipira estilizado. Não é estilizado não. Eles que não têm conhecimento da reali-dade brasileira. Lêem livros de Monteiro Lobato e de outros escritores, mas interpretam da maneira deles. Como não convivem com o caipira, com o pessoal da roça, acham que não é daquele jeito. Acham que caipira tem que ser como o da festa de São João, em baile de Santo Antônio. Isto sim que é estilização.15

Com este tipo Jeca, Mazzaropi lançava um filme por ano, sempre

em 25 de janeiro, aniversário de São Paulo, no cine Art-Palácio, que ele

adotava para lançamento das películas, pois o dono do cinema foi o que

mais lhe apoiara no início da carreira de produtor.

O cinema produzido por Mazzaropi serviu de referência para ou-

tros artistas, como o cartonista Mauricio de Souza que declarou em uma

entrevista ao site ANIMATOONS a importância que Mazzaropi teve para o

cinema nacional:

Abri os olhos para o cinema brasileiro com as chanchadas da Atlântida. Com seus bons momentos de música e comé-dia. Depois, senti o peso das boas produções no “Canga-

14 Publicado no Jornal da Tarde, São Paulo, 19 abril de 1973, sob o título “O segredo de um ho-mem que a crítica nunca elogiou: Mazzaropi”. 15 O jornalista José Wolf entrevistou Mazzaropi, publicou uma matéria intitulada a “Vida de um Ítalo-caipira” para o jornal Folha de S. Paulo. Matéria de capa do Folhetim de 2 de julho de 1978.

Page 29: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 28

ceiro”, “O Pagador de Promessas”, “Rio 40 graus” e “Cidade de Deus” de então. Mas inesquecíveis e ainda não supera-dos, estão na minha lembrança e na história do cinema brasileiro os filmes do Mazzaropi. Enquanto meu pai me levava para as produções ameri- canas, minha avó me levava para ver Mazzaropi. E eu ado-rava.16

A simplicidade que Mazzaropi apresentava em seu cinema “caipi-

ra” também existia no seu dia-a-dia, ele gostava de ir a quase todos os

espetáculos teatrais em cartaz na cidade. Alguns, ele chegava a ver mais

de uma vez. Elis Regina, que ele considerava a maior cantora do Brasil,

tinha sempre Mazzaropi na sua platéia – “Falso Brilhante” ele assistiu no

mínimo três vezes. Mas não era de marcar presença em camarins. Che-

gava ao teatro, comprava seu ingresso, assistia ao espetáculo e ia embora

como uma pessoa qualquer.

Mazzaropi morreu em 13 de junho de 1981, aos 69 anos, vítima

de câncer na medula, logo após iniciar sua 33ª produção, Jeca e a Maria

tromba homem. Foi enterrado ao lado de seu pai na cidade de Pindamo-

nhangaba, próxima de Taubaté – SP.

Logo após sua morte, a Folha de S. Paulo, publica um artigo inti-

tulado O cinema perde seu Jeca, o jornalista Oswaldo Mendes descreveu

o momento em que Mazzaropi tornou-se seu amigo e relatou como o pú-

blico do artista o acompanhava nas estréias de seus filmes.

Foi numa reunião do antigo Instituto Nacional de Cinema que eu o conheci. A sede do INC aqui em São Paulo era num prédio da 24 de Maio, próximo ao Teatro Municipal. Havia uma solenidade de entrega de prêmios aos que mais haviam faturado com seus filmes. Mazzaropi era o primei-ro. Começamos a conversar ali mesmo no INC. Ele arredio diante das perguntas do repórter. Eu insistindo. Descemos

16 Entrevista concedida por Mauricio de Souza para o Jornalista Antoniolli, do site ANIMATOONS, em 30/07/2004. http://www.animatoons.com.br/turma-da-monica-aventura-no-tempo/ entre-vista-com-mauricio-de-sousa/.

Page 30: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 29

para a rua. A conversa continuou no cafezinho de bar. Daí nos despedimos. Fui para a redação e entreguei a matéria. Dias depois, a entrevista já publicada, Mazzaropi liga para o jornal à minha procura. “Você foi decente comigo. Não me esculhambou como cos-tumam fazer. Aquilo nem foi uma entrevista. A gente ape-nas conversou sobre vários assuntos e eu nem me abri muito de medo do que sairia publicado depois. Eu não gos-to de dar entrevista, mas quando você quiser é só me pro-curar.” Foi assim que Mazzaropi ficou sendo meu amigo. Quando lançou seu filme seguinte, telefonou. “Não estou querendo reportagem não. Quero que você esteja hoje na sessão das dez no Cine Art Palácio. Não precisa nem ver o filme, se não quiser. Quero só que você veja como é o meu público, como eles me recebem.” De fato, havia um toque mais cai-pira, mais tupiniquim que roliudiano nas estréias de Maz-zaropi no Cine Art Palácio. A periferia inteira vinha para o Largo do Paissandu. Os que não entravam, ficavam na por-ta esperando a chegada de Mazzaropi. Depois, antes do filme ser exibido, ele subia ao pequeno palco do Art Palá-cio, apresentava o elenco e técnicos que trabalharam no filme e dava um pequeno show, contando velhas piadas, cantando velhas canções.

Mazzaropi com seu personagem Jeca, que tanto encantou o pú-

blico brasileiro, soube, como nenhum outro artista de cinema, representar o

resgate das tradições populares brasileiras por meio das imagens referentes

a valores fundamentais dos modos de vida de brasileiros e sua problema-

tização por meio de exposição de conflitos migratórios, bem como de soli-

dariedade, simplicidade, liberdade e justiça.

Page 31: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 30

Mazzaropi no Teatro Colombo em 1945.

1.1. A expressão do Caipira no Cinema de Mazzaropi

O Zé Povinho sabe bem o que quer, e o reflexo disso são os recordes de bilheteria de meus filmes, que são chamados de fitinhas e não vão a festivais. A crítica, no começo, me arra-sava, agora silencia. Alguns críticos nem mencionam meus filmes nas indicações, como se não existisse. Mas há uma coisa que ninguém pode negar: pouca gente contribuiu tanto para o cinema brasileiro quanto eu e o meu Jeca.17

17 Depoimento de Mazzaropi. A publicação foi feita logo após sua morte para o jornal Folha de S. Paulo, domingo, 14 de junho de 1981.

Page 32: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 31

O cinema de Mazzaropi, de linha cômica como apontam quase to-

dos ensaístas, foi objeto de um reduzido número de estudos. Os autores

detectam o pouco interesse pelas películas brasileiras que constantemen-

te alcançaram um bom número de espectadores e cópias comercializa-

das. Eva Paulino Bueno é quem vai chamar atenção, no segmento de

estudo sobre a cultura popular brasileira através de Mazzaropi.

A história apresentada nos filmes de Mazzaropi não é tam-bém uma tentativa sistemática de proporcionar uma relei-tura de figuras-chave brasileira. Já que Mazzaropi atua como personagem principal, e por causa do tipo físico e do caráter de Jeca a ele associados, seu protagonista não per-sonifica da figura heróica tradicional. (...) De fato, embora a finalidade seja provocar o riso no público, seus filmes tra-tam de problemas básicos da história brasileira, ou seja, a existência da escravidão, o conflito entre as culturas urba-na e rural, as profundas diferenças regionais no Brasil, a luta para manter o Brasil livre de influências culturais norte-americanas e as ligações sentimentais com Portugal, entre outros. (Bueno, 1999, p. 107)

A personagem de Mazzaropi repercutia o próprio desenvolvimento

da civilização brasileira, sem, contudo, deixar escapar os elementos cul-

turais que compunham a sua essência, ou, seja, com o passar do tempo

não perdia a memória do que efetivamente é: a síntese das origens do

povo que tratava.

O crítico Jean-Claude Bernardet descreveu que o cinema de

Mazzaropi era reacionário e conservador, baseando seus filmes em pro-

blemas reais vividos pelo público, segundo ele:

[...] as importantes discussões que se desenvolvem atual-mente sobre o que seja cinema popular, não podem ignorar os filmes de Mazza. Não porque sejam produtos comerciais de grande audiência, nem porque, pensaria em imitar a linguagem desses filmes e enxertar nela mensagens não conservadoras, o que seria uma tolice. Mas, porque esses filmes só tem um efeito alienante, à medida que se comu-

Page 33: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 32

nicam com o público, a partir de seus problemas, canali-zando sua tensão, dentro de uma sociedade de classe. (Bernardet, 1978, p. 11)

Ao questionamento dos críticos quanto ao comportamento de

conservadorismo dos seus filmes, Mazzaropi respondia:

Eu apenas mostro o problema, mas à minha maneira. Os inteligentes devem aproveitar, transformar e dar a solução. Se são inteligentes, podem dar a solução. A mim, cabe a-penas apresentar o problema, não sou eu que vou dar a so-lução. Não sou político, não tenho nada que solucionar problemas.18

Diferenciando do estilo vanguardista do Cinema Novo com o obje-

tivo de provocar a reflexão sobre a realidade brasileira, cuja elaboração se

funda numa leitura do Brasil e do seu povo, destinada às camadas mé-

dias urbanas e intelectualizadas. Mazzaropi, ao se referir à crítica de in-

telectuais, comenta sobre o assunto para a Revista Veja:

É fácil um fulano sentar numa máquina e escrever: “Hoje estréia mais um filme de Mazzaropi. Não precisam ir ver, é mais uma bela porcaria”. Mas não explicam por quê. Talvez com raiva pelo fato de eu ganhar dinheiro, talvez por acre-ditarem que faço as fitas só para ganhar dinheiro. Mas não é verdade, porque o maior de todos os juízes fugiria dos ci-nemas se isso fosse verdade – o público. (Salem, 1970)

Quanto ao Cinema Novo, Mazzaropi, ao ser questionado se tem

algo contra, ele tem a seguinte opinião:

Não, eu não tenho nada contra ele. Só acho que a gente tem que se decidir: ou faz fita para agradar os intelectuais (uma minoria que não lota uma fileira de poltronas de ci-nema) ou faz para o público que vai ao cinema em busca de emoções diferentes. O público é simples, ele quer rir, chorar, viver minutos de suspense. Não adianta tentar dar a ele um punhado de absurdos: no lugar da boca, põe o

18 Folha de São Paulo. Matéria de capa do caderno “Folhetim”, 02 de julho de 1978.

Page 34: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 33

olho, no lugar do olho, põe a boca. Isso é para agradar intelectual.19

Eva Paulino, ao analisar como a história e as interpretações fo-

ram incorporadas nos filmes de Mazzaropi, nota que o cineasta não produ-

ziu documentários sobre o Brasil; mas seus filmes expressavam uma

maneira de ver e explicar o país, seu povo e sua história. Em suas palavras:

Os filmes não são, portanto, exercícios de conservadoris-mo. Pelo Contrário, cada filme funciona como um estudo de como o Brasil tradicional e rural encontra-se com o Bra-sil moderno e urbano e sobre implicações desse encontro na vida cultural, lingüística, política e emocional não ape-nas dos migrantes recém-chegados, mas também daqueles que já habitavam o espaço urbano. Em cada filme há os mesmos problemas comuns: perda de terra, perigo de per-der os membros da família no novo e predominante ambi-ente cultural e tentativas para se prevenir dessas cala- midades. Todavia, cada filme apresenta os problemas de forma diferente. As soluções dos conflitos específicos são tão variadas quanto os filmes. (Bueno, 1999, p. 106)

A jornalista Maria da Glória Lopes publicou no jornal O Estado de

S. Paulo, 24/02/1988, a opinião dada pelo escritor Inácio Araújo sobre o

sucesso que Mazzaropi faz diante dos conflitos do público rural-urbano:

A crítica nunca esteve com ele porque Jeca representa o Brasil subdesenvolvido, analfabeto, que ela não quer ver. Para o público, ele representa a vingança dessa massa de migrantes que vem do campo e se defronta com os códigos da cidade grande. É a malícia do campo contra a malícia da cidade.20

O professor e pesquisador Nuno Cesar de Abreu observa que o

público de Mazzaropi era formado sobretudo pelo contingente que migrou

19 SALEM, Armando. “A Mágoa de Mazzaropi: uma crítica que só pensa em dinheiro”. Entrevista Mazzaropi, Revista Veja, 28 de janeiro de 1970. 20 O Estado de S. Paulo. Sai da frente que lá vem o Jeca Tatu: capa Caderno 2, 24 de fevereiro de 1988.

Page 35: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 34

do campo para as cidades nas décadas de 1950 e 1960, período que

coincide com o processo de desenvolvimento e modernização da cidade e

com a industrialização e o crescimento econômico. Nesse contexto de

negação do atraso, em que o rural surge como imagem do atrasado, a

personagem de Mazzaropi vem representar para as novas massas urba-

nas o conservadorismo do campo.

Eva Bueno, ao estudar o universo dos primeiros filmes de Mazza-

ropi, nos quais ele trabalha como autor, com direção e produção de di-

versas pessoas, salienta que os temas tratados nesse período dizem

respeito às exigências burocráticas para ser reconhecido como cidadão; à

brasilidade versus estrangeiro; à lei como fator de dominação etc.

Os primeiros filmes de Mazzaropi contam a história difícil e complexa do homem comum que tenta enfrentar as mu-danças que não sabe, os desejos que não compreende, as diferenças que não pode penetrar. Contudo, os filmes insis-tem que ele pode sair vitorioso. (Bueno, 1999, p. 78)

O crítico de cinema Jairo Ferreira21 comenta a importância que

Mazzaropi representou na busca da identidade caipira no cinema, mas

seu reconhecimento foi ignorado:

Não será exagero, em revista, dizer que Mazzaropi é a es-sência da alma cabocla de um cinema em busca de sua identidade. Esse Jeca é um dos três melhores personagens de toda a trajetória de “nosso” cinema, ao lado de Zé do Caixão, criado por José Mojica Marins em 1964, e de Antô-nio das Mortes (Deus e o Diabo na Terra do Sol) de Glauber Rocha. São três gêneros aparentemente diferentes: “coun-try” (Jeca no interior de São Paulo, mas por extensão apli-cável a outras regiões do País), “nordestern” e “horror”.

21 Nascido em 1945, Jairo Ferreira começou a se infiltrar no meio cinematográfico por volta de 1964, quando coordenou por mais de dois anos o Cine Clube Dom Vital (SP). Foi também crítico de cinema da Folha de São Paulo, do Estado de São Paulo e do Jornal da Tarde, além de colaborar em várias revistas e editar a Metacinema. Em 1986, lançou o livro Cinema de Invenção, que inclui matérias sobre 23 cineastas do período, como Ozualdo Candeias, Rogério Sganzerla, Carlos Rei-chenbach, Glauber Rocha, Ivan Cardoso e Júlio Bressane. Antes de sua morte, quando pulou do 10º andar do seu apartamento, escrevia para a revista virtual Contracampo (Marina, 2003).

Page 36: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 35

Mojica foi visto por Glauber como “o único gênio do cinema brasileiro”. Mazzaropi foi totalmente ignorado por Glauber Rocha e por quase toda a crítica dita “especializada”. O que não passou de ignorância, pretensamente elitista. (Ferreira, 1991)

Uma figura literária de imensa ingenuidade representou o Brasil

caipira, do interior, do sertão, do homem do campo: Jeca Tatu22, perso-

nagem fruto da imaginação do escritor José Bento Monteiro Lobato, foi

imortalizado nos filmes pelo ator Amácio Mazzaropi.

Em 1914, Monteiro Lobato, fazendeiro de Taubaté, no interior de

São Paulo, escrevera dois artigos para o jornal “O Estado de São Paulo”,

nos quais se queixara sobre os caboclos do interior, inadaptáveis à civili-

zação. O artigo com maior repercussão foi justamente o que tratava sobre

Jeca Tatu, figura criada por Lobato, que descrevia o caboclo que vegetava

de cócoras, piolho-da-terra, capiau sem vocação para nada, a não ser

para a preguiça, incapaz de viver junto à civilização e adaptar-se aos no-

vos tempos que chegavam com a mão-de-obra estrangeira italiana e a

japonesa, enfim ele definia o caipira como algo improdutivo e em desar-

monia com a natureza, o qual pode ser comparado através da própria

casa que habitava.

22 Monteiro Lobato, ao ser interrogado sobre a origem e o batismo do nome Jeca Tatu, respondeu: “Na fazenda do Paraíso, um dia, conheci nhá Gertrude Reboque, uma velhinha que morava num rancho à beira da estrada. Pois a nhá Gertrude vivia falando num neto que significava para ela o maior homem do mundo. Votava-lhe admiração incondicional. O Jeca – assim se chamava o me-nino portento – era um colosso aos seus olhos de avó. E de tanto falar no Jeca nós quisemos conhecê-lo. Devia ser alguma coisa de extraordinário (...). E pedimos-lhe que aparecesse com o Jeca na fazenda. Um dia o Jeca apareceu. Que decepção! Um bichinho feio, magruço, barrigudo, arisco, desconfiado, sem jeito de gente. Algo horrível. Por isso mesmo o seu nome ficou na minha cabeça. Anos mais tarde, precisando dar nome a um personagem caboclo, logo me veio à tona a figura desajeitada do Jeca – o mais jeca de todos os jecas que tenho visto. Quanto ao sobrenome, o Tatu, me ocorreu mais tarde. A princípio chamei-lhe Jeca Peroba. Não soou bem. Mas lembrei-me de que poucos minutos antes um capataz da Fazenda – o Chico – me falara nuns tatus que andavam estragando uma roça de milho. Adotei o Tatu. Curioso: o Jeca, eu o conhecera de vinte anos; dos tatus só meia hora antes o capataz me havia falado. Dessa mistura, através dos anos, foi o que surgiu o Jeca Tatu” (Leders, 1988, pp. 45-46, apud Edgard Cavalheiro, Monteiro Lobato: Vida e Obra Vol. I., pp. 182-183).

Page 37: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 36

(...) uma choça que por eufemismo chamam casa, brota da terra como um urupê. Tiram tudo do lugar, os esteios, os caibros, as ripas, os barrotes, o cipó que os liga, o barro das paredes e a palha do teto. Tão íntima é a comunhão dessas palhoças com a terra local, que dariam idéia de coi-sa nascida do chão por obra espontânea da natureza – se a natureza fosse capaz de criar coisas tão feias. (Lobato, 2004, p. 162)

A imagem do Jeca e do caipira no cinema só seria aceitável logo

após o país tornar-se referência do moderno urbano-industrial. O olhar

da elite consumidora dos modernos valores importados se preocupava

em não apresentarmos ao mundo uma imagem de índios, negros, caipi-

ras e cangaceiros, sendo como indigno de ocupar espaço em nossa cine-

matografia que preconizava um fundamento de preconceito de classe

social ao mostrar o país real, pois se tornara uma ameaça à nossa ima-

gem diante do estrangeiro. Assim somente a partir dos anos 50 nosso

cinema ganhou um caráter mais nacional, como afirma a pesquisadora

Célia Tolentino.

Contudo, vale lembrar que se nos finais dos anos 50 o Jeca era reclamado como sinônimo de brasilidade e nacional, é porque alguma coisa mudara substancialmente: o caipira já podia constituir-se em ficção. A industrialização brasileira já se mostrava como idéia dominante e como fato, assim como a urbanização galopante das cidades, e o Jeca não mais deporia contra a imagem do país, como décadas an-tes, quando fora rejeitado veemente. Em 1931 o país agrá-rio queria ver-se diferente nas telas, tal como fazia o nosso modelo, o cinema americano. (Tolentino, 2001, p. 22)

O caipira fílmico de Mazzaropi pode ser visto como uma represen-

tação caricatural do caipira paulista23, ele é indolente, simples e confor-

23 Para comentar sobre o caipira paulista-rural, Antonio Candido, em Os Parceiros do Rio Bonito, investiga o modo de vida de um agrupamento caipira, buscando compreendê-los a partir de sua cultura tradicional, ou seja, costumes caipiras que permaneceram inalterados mesmo após a chegada dos colonos estrangeiros no final do século XIX. Ele, ao pesquisar o homem pobre rural que vive com o mínimo indispensável que pode tirar da natureza, encontra o caipira. Mas como

Page 38: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 37

mado, porém astuto, manhoso e valente quando necessário, além de pos-

suir valores de honestidade. Este caipira vive entre o mundo conservador

rural com suas regras sociais claramente estabelecidas e o mundo mo-

derno urbano, com seus novos processos de produção, circulação e con-

sumo de bens criado pela moderna indústria nacional. Assim, Mazzaropi

como ator tirou proveito da fama do Jeca, de Lobato, para ganhar dinhei-

ro no início de carreira, mas abandonou a idéia desse caipira franzino e

aproximou-se mais do Zé Brasil, outro personagem de Lobato, que, como

grande pesquisador que era, não demorou a reconhecer o caipira com

outro olhar. Em outra fase da vida mais madura, compreendeu que as

dificuldades vividas pelos lavradores brasileiros não existiam por opção,

mas por imposição de um sistema econômico de exclusão social e pela

ausência de investimentos do Estado nesses trabalhadores que tinham

como opção apenas sobreviver da subsistência do campo.

Podemos relacionar esta conclusão de Monteiro Lobato com o que

nos apresenta Antônio Cândido, em sua obra Parceiros do Rio Bonito, ao

estabelecer o processo de mudança na ordem econômica do país:

Um grupo que se sentia equilibrado e provido do necessá-rio à vida, quando se equiparava aos demais grupos do mesmo teor, sente-se bruscamente desajustado, mal aqui-nhoado, quando se equipara ao morador das cidades, cujos bens de consumo e equipamento material penetram hoje no recesso da sua vida, pela facilidade das comunicações, a multiplicidade dos contactos, a penetração dos novos estilos de viver. Em conseqüência muda, para o estudioso, o pro-blema dos seus níveis de vida, que passam por nosso dias por uma crise aguda, já referida, em que a ampliação das necessidades não é compensada pelo aumento do poder aquisitivo. Colocando em face desta situação, o caipira rea-ge de duas maneiras principais; rejeita em bloco as suas condições e emigra, proletarizando-se; ou procura perma-

observa o autor, já na década de 1950, a cultura do parceiro caipira está em fase de transforma-ção com a pressão exercida pela modernização que cada vez mais a pressiona com o ritmo avas-salador e destruidor da urbanização e modernidade. Assim o autor vê que determinados elementos da cultura caipira foram se ajustando a uma nova conjuntura econômica, a uma nova sociedade e a urbanização crescente.

Page 39: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 38

necer na lavoura, ajustando-se como possível (Candido, 1998, p. 217)

É por meio deste caipira que a construção cinematográfica dos

filmes de Mazzaropi apresentou um país moderno, mas com condição de

país rural e atrasado.

Mazzarapi, ao fazer sucesso com a personagem caipira, tornou-se

um tipo de “star-system”, atingindo o auge com seu Jeca que nos apre-

sentava outras culturas ou situações com suas características físicas e

culturais. Aumont explica sobre a referência de star-system:

Se o autor se revela particularmente eficaz em determinado tipo de papel ou de personagem, tende-se a repetir a ope-ração nos filmes seguintes para garantir a receita. Daí o aspecto mitológico: forja-se para o ator uma imagem de marca, erigindo-o como estrela. Essa imagem é alimentada, ao mesmo tempo, pelos traços físicos do ator, por seus de-sempenhos fílmicos anteriores ou potenciais, e por sua vi-da “real” ou supostamente real. Portanto, o star-system tende a já fazer do ator um personagem, mesmo fora de qualquer realização fílmica: o personagem de filme só vem a existir através desse outro personagem que é o astro. (Aumont, 1995, p. 133)

Foi com o filme Candinho (1953), que Mazzaropi personificava os

traços marcantes da figura caipira, como também a sua projeção para

urbanidade, como assim define o próprio Mazzaropi:

(...) Candinho, com roteiro e direção de Abílio Pereira de Almeida. Esse filme me marcou muito, por motivos pés- soais e artísticos. O roteiro era excelente. Abílio faz uma relação intertextual com “Candido” de Voltaire. Isso ele me disse, pois não conheço Voltaire e nem Candido, mas foi nesse filme que eu pude dar início a elaboração do meu personagem. O filme tem dois tempos: um se passa numa fazenda, e é nesse ambiente que o meu personagem come-ça a se mostrar. Os traços caipiras despontam com mais força: o segundo tempo se passa em São Paulo, aí o caipira se urbaniza. (Rodrigues, 1984, p. 23)

Page 40: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 39

A modernidade apresentada nos filmes de Mazzarapi pode ser re-

conhecida nas primeiras filmografias antes de 1959 (com exceção de

Candinho – 1953 – que constituiu um paralelo com Jeca Tatu – 1959),

uma vez que não traziam “caipiras” no sentido estrito de rural, mas um

tipo de migrante recém-chegado do campo para a cidade, sem muita ha-

bilidade com os modos de vida e cultura urbana.

Os tipos de códigos modernos foram apresentados na fase dos

filmes: Sai da frente (1951), Nadando em dinheiro (1952), Noivo da girafa

(1956), O gato da madame (1956), Chico fumaça (1957) e Chofer de praça

(1958) os quais foram representados por objetos mecânicos que sinaliza-

vam a preocupação com a chegada vagarosa da tecnologia no país.

Podemos notar também que nesta mesma fase existia a presença

de animais que apareciam no meio urbano e convívio humano como se-

res complementares na dramatização de sua influência sobre a vida dos

personagens. Eva Paulino explica que a relação entre animal e máquina é

mostrada em grande parte dos filmes de Mazzaropi:

Os animais, como galinhas, cães, burros e vacas represen-tam um lado complementar da psique humana. À seme-lhança dos donos, esses animais são domesticados: deixaram a vida selvagem e não socializada de outrora e atualmente “fazem parte da família”. Isso quer dizer que as fronteiras entre o humano e o animal são extremamente tênues. Por sua vez, a função dos objetos mecânicos esta-beleceria a divisão entre o humano e o não-humano como se percebe na discussão sobre os filmes, porém essas fron-teiras homem-máquina são discutidas em termos iguais àqueles usados para discutir os constructos sociais que di-ferenciam os homens dos animais. (Bueno, 1999, p. 35)

O artigo Jeca-Mazzaropi, uma síntese de culturas, de Miroel

Silveira, remete-nos à genialidade de Mazzaropi que conseguiu através

de sua simplicidade, “falando a língua do povo”, desde o início de sua

carreira no teatro, circo até a consagração no cinema, transmitir ao

Page 41: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 1 – Mazzaropi: vida e obras de um comediante do povo 40

seu público a essência dos conflitos sociais e ser um artista capaz de

criar efeitos cômicos a sua personagem caipira:

Embora nascido no teatro e no circo, o Jeca-Mazzaropi não se construiu mais com os exageros de Genésio Arruda quando se transpôs para o cinema. Este veículo, onde o “close” desfavorece o imaginário quando o argumento se volta claramente para o realismo, exige maior contenção in-terpretativa e visual, à qual Mazzaropi soube atender com habilidade. Havia no ator uma preocupação inteligente de preservar a empatia com o público, de defender a situação humana sem perder o resultado cômico. É nessa postura simples e simpática que ele vai permanecer na memória de nossa gente. Como alguém que deu a volta por cima de nossas infelizes estruturas sociais utilizando a arma pacífi-ca de sua divertida matreirice.24

O Jeca-Mazzaropi viveu um momento histórico do Brasil.

Adaptando-se a cada década, ele buscou representar as transforma-

ções sociais produzidas e impostas pelo sistema socioeconômico, oca-

sionadas pela desigual distribuição de renda no país.

24 Folha de São Paulo, “Jeca-Mazzaropi, uma síntese de culturas”. Ilustrada, p. 30, 19 de junho de 1981.

Page 42: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 2 – Panorama do cinema brasileiro: de Mazzaropi ao cinema novo 41

CAPÍTULO 2

Panorama do Cinema Brasileiro: de Mazzaropi ao Cinema Novo

2.1. Origem histórica da personagem caipira

no cinema brasileiro

história do cinema brasileiro teve início no dia 19 de

junho de 1896 quando, a bordo do navio francês

‘Brésil’, Afonso Segreto filmou, com um aparelho

Lumière, a Baía de Guanabara. De lá até a década de 1950, o cinema

brasileiro passou por várias etapas e fases, desde o seu começo quando

era o preferido do público nacional, aos ciclos regionais, ao aparecimento

de importantes cineastas como Humberto Mauro, Mário Peixoto e outros,

ao cinema sonoro, à Cinédia de Adhemar Gonzaga, aos filmes sobre

carnaval, à incorporação de cantores e cantoras, à chanchada carioca e

paulista.

Quando o cinema chegou ao Brasil, os primeiros aparatos cine-

matográficos que aqui aportaram permitiram a primeira exibição de ci-

nema no país, em 8 de julho de 1896, na rua do Ouvidor, número 57, no

Rio de Janeiro. Cenas simples (chegada de um trem, banda de música

militar, o mar, um acrobata...) tornaram-se espetáculo ao serem apresen-

tadas como projeções em movimento.

Page 43: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 2 – Panorama do cinema brasileiro: de Mazzaropi ao cinema novo 42

Anúncio em jornal da reabertura do Omniographo (1896).

(Gonzaga, 1966, p. 18)

A primeira ficção cinematográfica da qual se teve notícia foi a co-

média de enredo caipira “Nhô Anastácio chegou de viagem (1908)”, con-

tando as trapalhadas de um caipira no Rio de Janeiro, no início do

século XX, filmada por Júlio Ferrez e interpretada por José Gonçalves

Leonardo. Tal comédia relatava as peripécias de um caipira matuto que

desembarcou na Central e, depois de andar pelas ruas e avenidas e ad-

mirar a Caixa de Convenção, o Palácio Monroe e o Passeio público, em-

blemas da então capital fluminense, apaixonou-se por uma cantora, mas

tudo se complicou com a chegada súbita de sua esposa. Depois de uma

série de perseguições cômicas terminou com uma reconciliação, um típi-

co final feliz (Gonzaga e Gomes, 1966, p. 16).

Page 44: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 2 – Panorama do cinema brasileiro: de Mazzaropi ao cinema novo 43

Na fase seguinte encontramos autores que se classificaram como um

marco inicial para o cinema nacional sonoro com uma referência popular:

Tudo indica que Jean-Claude Bernardet não se engana ao afirmar que as origens da chanchada estão na base do ci-nema brasileiro, e aí, em alguns filmes cômicos. O ano de 1929 (quando é realizado Acabaram-se os Otários, direção de Luiz de Barros) define uma segunda fase, com as se-guintes características: experimenta-se o filme sonoro de ficção; utiliza-se um cômico popular, o caipira Genésio Ar-ruda; as músicas ficam a cargo de Paraguaçu, e o filme faz enorme sucesso, permanecendo 76 dias em exibição nos cinemas da capital carioca. (Catani, 1983, p. 9)

Para se ter uma idéia do sucesso alcançada por este gênero tipo

“caipira”, essencialmente popular, podemos utilizar os dados de bilhete-

ria que foram uma referência do marco inicial apontado por Catani, no

filme Acabaram-se os otários:

Até 9/9/1929, 35.000 pessoas já viram o filme no Santa Helena (anúncio da fita em O Estado de S. Paulo), momento em que a película estava apenas em sua primeira semana de exibição naquele cinema. A projeção do filme continuou por outros 17 cinemas da cidade, alguns bisando a apre-sentação, numa permanência que somou 76 dias. (Idem, ibidem, p. 28)

Na cinematografia brasileira, Mazzaropi apresentou três fases dis-

tintas em seu trabalho: a primeira de 1951 a 1956 – engloba o período do

cinema paulista em que participou de filmes em três companhias: a Vera

Cruz, a Brasil Filmes (uma extensão da Vera Cruz) e a Fama Filmes; a

segunda, muito breve, que vai de 1956 a 1958, compreende os filmes

realizados no Rio de Janeiro, por produtores independentes do cinema

carioca em parceria com a distribuidora paulista Cinedistri; e a terceira,

que se estende de 1958 a 1980, a mais longa de todas, aquela em que

produziu autonomamente, pois era dono da produtora de seus filmes, a

PAM – Produções Amacio Mazzaropi – Filmes (Barsalini, 2002, p. 47).

Page 45: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 2 – Panorama do cinema brasileiro: de Mazzaropi ao cinema novo 44

Cena do filme Acabaram-se os otários (1929). À esquerda Genésio Arruda um dos Caipiras

inspiradores para Mazzaropi

2.2. Mazzaropi: A Chanchada Paulista

Pensava-se chanchada. Certo, a chanchada era o que mais odioso se pudesse imaginar em matéria de baixa exploração do público; tinha, porém, público, e continua tendo. Oscarito, Grande Otelo e Cia. faziam nos cinemas, e agora na TV, as delícias de um grande público classe média. Mazzaropi tem uma visão que o público paulista vai assistir. E propunha-se Mazzaropi como tema de meditação àqueles que queriam comunicar-se com o publico. (Bernardet, 1967, p. 134)

É uma constante nas publicações a respeito da Vera Cruz estabe-

lecer-se um paralelo com a chanchada da Atlântida, pois ambas busca-

vam uma produção sistemática de filmes, apesar de suas posturas terem

sido bem diferentes e da Vera Cruz tê-la desconsiderado como proposta

cinematográfica para o Brasil. Conforme Paulo Emílio, “os paulistas rejei-

taram qualquer paralelo entre o que pretendiam fazer e aquilo que se fa-

zia no Rio: renegando a chanchada, ambicionaram realizar filmes de

classe e em muito maior número” (Gomes, 1980, p. 66).

Page 46: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 2 – Panorama do cinema brasileiro: de Mazzaropi ao cinema novo 45

A chanchada carioca, com poucas variações, produziu heróis que

materializavam o “malandro” – tipo que possuía características de mo-

dernidade e ligado, por condição, à vida urbana. Segundo Nuno César

Abreu, em seu artigo Anotações sobre Mazzaropi: O Jeca que não era

Tatu, Mazzaropi pode ser considerado como um dos poucos, senão o úni-

co, produto da chanchada paulista que trazia traços opostos como atri-

butos da vida rural e conservadora.

Para Célia Tolentino, Mazzaropi diferenciava-se na chanchada por

tratar de temas sérios não se apegando a condições técnicas para deboche na

produção em relação à Hollywood, como faziam as produções cariocas:

Se o gênero do filme musical fora grande sucesso de Holly-wood e a imitação emplacara na chanchada, Mazzaropi rendia graças a ele. Só que ao contrário da produção cario-ca, que assumia e debochava da sua própria precariedade, esses números musicais se pretendem a sério. Ao final consumido canhestramente os signos que supõe distingui-lo como moderno e urbano em oposição ao atraso rural, o filme acaba se convertendo no protótipo do caipira que de-sejava representar. Em versão matuta isso seria traduzido pela expressão: “é roto falando do esfarrapado”. (Tolentino, 2001, p. 97)

Convencionou-se chamar de chanchada, o gênero fílmico que se

revelaria autenticamente brasileiro e que dominaria o mercado de filmes

nacionais por anos, apesar da ferrenha crítica a este gênero destinada.

Quanto às suas características básicas, podemos salientar o forte apelo

ao popular, à comicidade, à paródia e também à onipresença musical;

sobretudo de ritmos ligados ao carnaval.

A maioria das primeiras produções das quais Mazzaropi partici-

pou, as realizadas na década de 1950, enquadram-se perfeitamente no

que se entende por chanchada. Tratava-se dos filmes: Sai da frente

(1951), realizado pela Cia. Cinematográfica Vera Cruz, O gato de madame

(1954), realizado pela Cia. Cinematográfica Brasil Filmes, A carrocinha

Page 47: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 2 – Panorama do cinema brasileiro: de Mazzaropi ao cinema novo 46

(1955), feito pela Cia. Fama Filmes, e O fuzileiro do amor (1955), O noivo

da girafa (1956), e Chico fumaça (1956), produzidos pela Cinedistri.

Tendo em vista o diálogo com o público de classe popular, Mazza-

ropi, vindo de uma tradição da chanchada, reproduziu as regras concei-

tuais e estilísticas que propunham o desenvolvimento da indústria

cinematográfica brasileira nos moldes da norte-americana, estabelecendo

de certa forma o estilo fundado pela Escola da Narrativa Clássica25, e,

naturalmente, dos produtores brasileiros que o antecederam e de quem

herdou grande parte dos elementos utilizados para produzir seus filmes.

Nasce então um estilo muito brasileiro de se fazer cinema clássico

que assinala a fase de ouro da comédia nacional.

Durante a década de 1950, o aumento da produção de chancha-

da foi constante, chegando a se estabilizar em torno de mais de trinta

filmes anuais no fim do período. A criatividade em desenvolver fitas mu-

sicais e comédia popularesca fez com que houvesse certa diversificação

na chanchada.

Conforme Paulo Emílio, Amacio Mazzaropi trouxe de volta a figu-

ra do caipira representado por Genésio Arruda e, durante dez anos, foi a

principal contribuição paulista à chanchada brasileira, embora não ti-

vesse aquela crueza burlesca do seu antecessor a qual influenciara na

carreira artística ao compor um Jeca diferenciado de um sentimentalis-

mo que Genésio Arruda evitava. No mesmo período, delineou-se no Rio a

silhueta muito mais atual de Zé Trindade, personagem bizarra e rica de

cafajeste maduro e sem o menor encanto, mas cuja confiança em si pró-

prio fascinava principalmente as mulheres (Gomes, 1980, p. 73). 25 O Classicismo Narrativo, como o próprio nome sugere, tem por base a narração ficcional. Im-prescinde, para isso, da existência de personagens e de uma história que as envolva. Através da construção de um espaço e um tempo coerentes com a seqüência narrativa, o cinema clássico tem por objetivo gerar a emoção no espectador, de modo que o mesmo “cole no texto” ou, em ou-tras palavras, “entre no filme”, passe a viver o filme como se estivesse dentro da história. Assim, se o filme é de terror, o espectador deve sentir medo; se de suspense, apreensão; se cômico, o espectador deve rir, e assim por diante (Barsalini, 2000, p. 54).

Page 48: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 2 – Panorama do cinema brasileiro: de Mazzaropi ao cinema novo 47

2.3. A Chanchada da Atlântida: origens e influências

no cinema nacional

A designação de Chanchada, segundo Sergio Augusto, em sua

obra Este mundo é um pandeiro, a palavra teria origem etimológica no

italiano cianciata, que significa discurso sem sentido, arremedo vulgar de

oratória, argumento falso. Encontra equivalência também na Argentina

que significou “porcaria, depois peça teatral sem valor destinadas apenas

a produzir gargalhadas numa variação portuguesa do termo, em que

“chanchada” refere-se a uma espécie de fala “caricata feita para recriar o

espírito e exercitar a criatividade”.

No cinema brasileiro, a chanchada está intimamente ligada ao ci-

nema sonoro. Sua principal característica é a música, principalmente a

carnavalesca. Tida como um gênero menor da produção cinematográfica

brasileira, a chanchada sempre driblou o desprezo da crítica e atraiu

multidões às salas de cinema nos anos 30, 40 e, especialmente, 50.

João Luiz Vieira classifica a chanchada no universo maior do

carnaval, o que permite encontrar traços da dinâmica de inversões pró-

prias do carnaval que indicam também a existência de aspectos críticos

do funcionamento da estrutura social. Apesar de as produções serem

feitas a partir da caricatura e trejeitos norte-americanos, eram adiciona-

dos temas do cotidiano nacional, como as anedotas tipicamente cariocas

e o jeito malandro de falar e se comportar do brasileiro.

Paulo Emílio Gomes analisa a contribuição das chanchadas para

o cinema:

O fenômeno cinematográfico que se desenvolveu no Rio de Janeiro a partir dos anos 40 é um marco. A produção inin-terrupta durante cerca de vinte anos de filmes musicais e de chanchadas, ou a combinação de ambos, se processou desvinculada do gosto do ocupante e contrária ao interesse estrangeiro. (Gomes, 1980, p. 95)

Page 49: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 2 – Panorama do cinema brasileiro: de Mazzaropi ao cinema novo 48

O cinema comercial brasileiro conseguiu grande êxito durante os

anos da chanchada, estúdios começaram a surgir para produzir filmes

populares. Dois grandes nomes se destacam: A companhia Atlântida e

Vera Cruz.

A Atlântida foi uma das mais bem-sucedidas iniciativas de se

criar um estúdio cinematográfico que garantisse a continuidade da pro-

dução. Mas os planos de mudar o cinema nacional acabaram não se con-

cretizando com as produções do estúdio carioca. Durante 10 anos,

poucos foram os filmes que fugiram dos temas e características musicais

das chanchadas. A grande diferença trazida pela Atlântida era que os

cineastas começaram a ter uma preocupação maior com os roteiros e

com as temáticas. Estereótipos começaram a surgir e os personagens

ganharam contornos e personalidades mais definidos. Diversos atores do

Teatro de Revista, principalmente comediantes, passaram a ser associa-

dos a seus papéis do cinema. Além disso, a paródia, uma das principais

características das chanchadas, começava a nascer.

No documentário 90 anos de cinema – A chanchada faz escola

(1987), foram apresentados vários produtores que decidiram fazer chan-

chadas, pois eram rentáveis economicamente, um desses produtores ci-

tados foi Herbert Richers, que produziu 26 chanchadas. A primeira

produção de Richard foi Sai de Baixo e era voltada para público infantil e

o filme lançava o palhaço Carequinha e tratava-se de uma produção rá-

pida e barata sem os cuidados técnicos da Atlântida, revelando persona-

lidades como Fred e Carequinha, Costinha, Anilza Leoni, Adalgisa

Colombo, Adelaide Chiozzo, Ivan Curi, Norma Blum e, posteriormente,

Ronald Golias e Renata Fronzi. Merecendo destaque, o filme Metido a ba-

cana, que bateu recordes de bilheteria com o ator Ankito vivendo um du-

plo papel, numa espécie de o príncipe e o mendigo à brasileira. Provaram

que, já naquele tempo, cinema era a maior diversão.

O resultado obtido foi produções genuinamente brasileiras capa-

zes de lotar as salas de cinema por um longo período. Entretanto, a

Page 50: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 2 – Panorama do cinema brasileiro: de Mazzaropi ao cinema novo 49

Atlântida sofreu uma grande reviravolta quando surgiu em São Paulo os

estúdios da Vera Cruz.

Após o esgotamento dos temas carnavalescos, a Atlântida passou

a adotar argumentos, enredos e situações mais complexas e heterogê-

neas. Foi neste período, entre as décadas de 1950 e 1960, que os filmes

ganhavam maior empatia com o público e a Atlântida viveu seu auge

diante das disputas das produções entre Rio e São Paulo com os atores

consagrados pelo público como Oscarito e Grande Otelo. Todas as novas

produções começaram a girar em torno de personagens carismáticos,

encarnados por atores populares que surgiram no meio teatral ou mesmo

cinematográfico. O Brasil deste período tinha laços de dependência com a

cultura norte-americana, o que gerava atitudes colonizadas dos produto-

res, do público e da crítica. Desta forma, as chanchadas passaram a ba-

sear-se na paródia do cinema dos Estados Unidos para atrair o público.

A produção da Atlântida foi um grande sucesso que desencadeou

uma série de outros filmes já montados sobre a fórmula da nova fase da

chanchada. Recursos técnicos elaborados, personagens com característi-

cas bem definidas, o aproveitamento de atores em alta cotação entre o

público, e, principalmente, a sátira, como elemento condutor da trama.

Surgiram então obras-primas do cinema brasileiro, Nem Sansão nem

Dalila (1954) e Matar ou correr (1954), obras que apresentavam uma vi-

são política muito sofisticada, satirizando o governo getulista, ao mesmo

tempo que parodiavam as superproduções americanas.

A televisão tornou-se muito mais popular no fim dos anos 50.

Com o cinema apresentando telas de contexto social e político nunca

antes vistas, todo o esquema de produção sobre o qual se sustentava a

Atlântida começou a ruir e os artistas cômicos, diretores e equipe técnica

não tiveram outra saída senão assumir cargos nas empresas emissoras

de televisão, no início a rede Tupi. A televisão consagrou muitos astros

cômicos que ainda hoje se destacam, entre eles Jô Soares, Costinha e

Page 51: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 2 – Panorama do cinema brasileiro: de Mazzaropi ao cinema novo 50

Chico Anysio. Chico Anísio, por exemplo, tinha escrito 18 roteiros de

chanchada, juntou-se a Carlos Manga e criou um programa de TV: Chico

Anísio Show, que durou por duas décadas.

2.4. Vera Cruz: a indústria do cinema brasileiro

A Companhia Cinematográfica Vera Cruz tomou a iniciativa de

instalar no Brasil uma produção industrial de cinema, os fundadores fo-

ram os empresários paulistanos Franco Zampari e Francisco Matarazzo

Sobrinho. Eles também fundaram o TBC – Teatro Brasileiro de Comédia –

e queriam que a Vera Cruz fosse o maior estúdio produtor de filmes no

país, suas propostas eram estabelecer uma nova linguagem cinematográ-

fica, negando a chanchada e buscando o inovador. Tentaram, sem suces-

so, transformar o gosto do público, impor um cinema feito para

intelectuais e por intelectuais.

A Vera Cruz procurava consolidar-se na liderança de produção de

filmes, para isso contratou técnicos estrangeiros, comprou equipamentos

caros e investiu muito nas produções. Seu estúdio foi responsável pela

produção de um dos maiores sucessos do cinema nacional: O Cangaceiro

(1953), de Lima Barreto (veremos mais detalhes sobre esta produção nos

capítulos seguintes).

O grande problema e principal causa da falência da Vera Cruz foi

a falta de controle administrativo, que impediu, mais uma vez, que o so-

nho de se instalar um cinema industrial no país se realizasse. Os res-

ponsáveis pela produtora imaginaram que a perfeição técnica tiraria o

cinema nacional da marginalidade em que sempre viveu, ampliando suas

esferas de influência e seu respeito.

Os investimentos nos filmes da Vera Cruz eram superiores em

relação a outras produções do Rio de Janeiro, por isso teve de baixar o

Page 52: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 2 – Panorama do cinema brasileiro: de Mazzaropi ao cinema novo 51

preço do ingresso, provocando uma prática inviável no balanço das

produções:

Não se conhecia a estrutura do mercado. Foi uma aventura mesmo. Tanto que o Fernando de Barros – segundo produ-tor-geral da empresa – dizia que, se o Franco Zampari pe-gasse um lápis e um papel. Ele nunca teria montado a Vera Cruz. No Rio se faziam filmes com 800 mil, 1 milhão de cruzeiros. Inclusive na época em que a Atlântida come-çou a caprichar investindo mais – em Carnaval de Fogo por exemplo – na Vera Cruz, já partimos do triplo – mais de três milhões e meio, quatro milhões, cinco milhões. Tinha até bastante público, mas aí entrava a questão do preço do ingresso, os interesses americanos, e isso derru-bou a Vera Cruz, como derrubou a Maristela, e outras pro-dutoras. Por mais público que a gente tivesse – 200 metros de fila, às vezes a dar volta no quarteirão – com o ingresso tabelado num preço baixíssimo, o dinheiro não era suficiente para pagar os custos da produção. (Salem, 1988, p. 74)

Com a comercialização dos filmes através de distribuidoras es-

trangeiras – Universal e Columbia – houve um certo desnorteamento de

rumo, estilo, falta de planejamento e peso excessivo dado à qualidade

técnica que certamente contribuíram para a decadência dos filmes pro-

duzidos pela Vera Cruz naquela época.

Mas tornou-se imprescindível registrar as contribuições significa-

tivas por ela trazidas: o desenvolvimento técnico, o filme de cangaço, o

cômico Mazzaropi, a preocupação com alguns temas brasileiros.

2.5. Cinema Novo como expressão do nacional-popular

O pioneiro entre os diretores brasileiros na transição do cinema

mudo para o cinema falado foi Humberto Mauro26. Inspirador de vários

26 Nascido em Volta Grande, Minas Gerais, aos 13 anos, foi para Cataguases, onde, como autodi-data, fez experiências com filmes de 9,5mm estreando com Valadião, o Cratera (1926), logo após,

Page 53: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 2 – Panorama do cinema brasileiro: de Mazzaropi ao cinema novo 52

diretores contemporâneos, é considerado pai do Cinema Novo por Glau-

ber Rocha e o mais brasileiro dos cineastas. Motivos não faltam para que

Humberto Mauro figure entre os diretores mais importantes da história

do cinema nacional. Glauber em depoimento expressa como o início do

cinema cultural proveria referências para gerações futuras:

Mauro é o fundador do estilo cinematográfico brasileiro, é o grande percussor do Cinema Novo e tem uma importância cultural a altura de um Villa Lobos, Guimarães Rosa e Por-tinari. Não podemos desconhecer Mauro, nem hoje e nem no futuro. Porque se as novas gerações muito aprenderam, seu estilo de enquadrar e no seu clima poético com toda sua observação com fundo social e humano, e as gerações futuras também podem aprender muito mais ainda, pois a obra do Mauro o tempo fica mais clássica, fica mais pro-funda, fica mais resistente27.

O cineasta Alex Viany, em seu artigo O Velho e o Novo, descreveu

o surgimento do Cinema Novo durante a década de 1950, principalmente

de 1955 em diante. Segundo Viany, um movimento de renovação do ci-

nema nacional tomou corpo em relação à crítica e clubes de cinema, pro-

vocando o surgimento de um cinema agressivo, inquieto, mais

preocupado com os problemas do povo brasileiro do que com quaisquer

questões formais ou técnicas. Assim foi definido o Cinema Novo: cinema

barato, cinema sem estúdios, cinema social, cinema de autor, cinema de

câmera na mão.

Viany ainda citou Orlando Sena em seu artigo o qual acrescentou

que o Cinema Novo não se prendia a raízes estrangeiras, pois sua propos-

ali mesmo rodou Tesouro Perdido (1928), Brasa Dormida (1929), Sangue Mineiro (1930), que o levariam para o Rio de Janeiro a partir de 1930. De 1936 em diante a convite de Roquete Pinto, vai trabalhar para o INCE, no qual realizou mais de 300 documentários. Fez ainda Lábios sem Beijos (1930) na Cinédia, Ganga Bruta (1933), Voz do Carnaval (1933), Favela dos Meus Amores (1935), Cidade Mulher (1936), O Descobrimento do Brasil (1937), Argila (1940) e o Canto da Sau-dade (1952) (Filho, p. 106). 27 Depoimento de Glauber Rocha apresentado no documentário 90 anos de cinema: uma aventura brasileira (1987). Metavídeo, Rio de Janeiro, direção ESCOREL, Eduardo e FEITH, Roberto.

Page 54: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 2 – Panorama do cinema brasileiro: de Mazzaropi ao cinema novo 53

ta não era alienante, pois partia da realidade decorrente da representa-

ção da verdade brasileira.

Não é um cinema bonito ou divertido. Não é espetáculo. Pe-lo contrário: queremos fazer um cinema feio, um cinema que não aliene o homem através da esperança; então não haverá esperança, nem a passividade da espera inerte, mas a revolta, o isto-tem-de-mudar, a participação absoluta. O cinema Novo quer ser um cinema de comunicação, nunca de expressão ou sugestão. (Viany, 1979, p. 67)

Como projeto de Cinema Novo, Nelson Pereira dos Santos relatou

que, diante das crises das empresas cinematográficas, por buscas de

mercado lucrativo que fugia dos temas genuinamente brasileiros, ele quis

mostrar que, através do neo-realismo, sem maquiagem da verdade e sem

imitação do americano, poderíamos fazer um cinema de personalidade

nacional:

Nosso projeto de cinema nasceu em virtude da crise de empresas privadas com porte industrial – A Vera Cruz, Ma-ristela, Multifilmes. Minha posição era mais sobre a ques-tão cultural: eu colocava como proposta para o cinema brasileiro a busca de temas brasileiros, de uma visão ou um olhar brasileiro dentro do cinema (...). A lição do neo-realismo foi uma lição de produção, não uma lição de esté-tica. O neo-realismo influenciou não apenas o cinema bra-sileiro, mas o indiano, grego, e outros, num momento dos anos 50 que começou a surgir um cinema com personali-dade nacional, não mais imitação do americano. O neo-realismo nos ensinou a fazer cinema com uma câmera e pouca gente, sem precisar de atores importantes, de estú-dios, saindo às ruas. (Salem, 1988, p. 87)

A partir do depoimento de Glauber Rocha em 1973, descrito na

obra O Mito da Civilização Atlântica, de Raquel Gerber, o Cinema Novo

nasceu ligado ao processo de desenvolvimento industrial no Brasil, num

momento de aceleração do desenvolvimento econômico.

Page 55: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 2 – Panorama do cinema brasileiro: de Mazzaropi ao cinema novo 54

Mas o filme Rio 40 graus (1955), de Nélson Pereira dos Santos, foi

na obra inspiradora do Cinema Novo, visto como uma negação desse de-

senvolvimentismo apresentado pelo governo. Este filme foi censurado,

segundo os militares, porque era um grande equívoco apresentar a idéia

de que a média da temperatura do Rio nunca passou dos 40º C.

O filme não era uma mentira, a idéia era apresentar a realidade

brasileira no cinema. Segundo o documentário 90 anos de cinema: uma

aventura brasileira (1987), este foi o princípio do Cinema Novo que pre-

tendia, como movimento estético, cultural e influenciado pelo neo-

realismo italiano, adotar a temática nacional com inspiração popular e de

proximidade com a vida cotidiana. Rio 40 Graus não fugiu disso. Mostrou

a vida de cinco meninos vendedores de amendoim no Rio de Janeiro,

num domingo tipicamente carioca, com sol escaldante. Nelson Pereira se

preocupou em mostrar a favela, onde eles viviam e a contradição com a

burguesia.

Na filmografia brasileira da década de 1960 verificava-se a pre-

sença de questões relativas à contribuição dos filmes para o processo de

formação da identidade nacional brasileira e análises da produção socio-

cultural a partir de seus vínculos metonímicos com a nação. Mobilizados

por um ideal de esquerda, os cinemanovistas buscavam constantemente

a representação do popular ao mesmo tempo em que criticavam a cultura

popular por seu caráter alienador28. Neste contexto de época, os movi-

mentos de esquerda enquadravam idéias nacional-desenvolvimentistas, o

cinema ganhava das elites culturais uma crescente politizada atenção,

por meio de projetos desenvolvidos pela Vera Cruz.

Conforme Lunardelli, esta polêmica resultou do embate diante da

ocupação dos mercados e do imaginário popular pelo cinema estrangeiro,

28 Para Teixeira Coelho, alienação está na base do totalitarismo moderno, que é entendida como um processo no qual o indivíduo é levado a não meditar sobre si próprio e sobre a totalidade do meio social circundante, transformando-se com isso em mero joguete e, afinal, em simples produ-to alimentador do sistema que o envolve (Coelho, 2003, p. 28).

Page 56: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 2 – Panorama do cinema brasileiro: de Mazzaropi ao cinema novo 55

especialmente o norte-americano, que estava ligada à construção de uma

identidade do cinema brasileiro (1996, p. 71).

Segundo Raquel Gerber (1991), o Cinema Novo foi também fruto

do desenvolvimento da ideologia nacionalista no Brasil e do surgimento

dos primeiros conceitos de subdesenvolvimento do ponto de vista de uma

análise econômica do país. O nacionalismo na década de 1950 não era

uma realidade estrutural porque não correspondia à realidade econômi-

ca, pois o mercado brasileiro já se encontrava aberto ao capital estrangei-

ro, ele teve a característica de estar voltado para o futuro, com idéias

reformistas ou revolucionárias.

Nesse universo de legitimação, o Cinema Novo engajou em oposi-

ção ao cinema comercial e industrial, refletindo imagens de um Brasil

integrado por sertão, favelas, subúrbios, vilarejos do interior ou da praia,

gafieira, estádio de futebol. Esse universo tendia a se expandir, a se

complementar, a se organizar em modelo para realidade, mas o processo

foi interrompido em 1964 (Gomes, 2001, p. 103).

Após o golpe de Estado que depôs João Goulart, Glauber Rocha,

Alex Viany e Nelson Pereira reuniram-se para discutir os novos rumos do

Cinema Novo, bem como o que tinha alcançado até então – uma produ-

ção cinematográfica que teve a missão de ser uma expressão da cultura

brasileira e não uma simples imitação de um produto industrial importa-

do. Pela primeira vez, houve, no cinema brasileiro, uma relação entre

uma posição crítico-teórica e a realização cinematográfica.

O regionalismo foi a marca de fábrica do Cinema Novo, em sua

projeção nos anos 60, quando as câmeras invadiram o sertão e elegeram

como ícones os sertanejos. E dentre eles especialmente o cangaceiro,

simbolizando o oprimido que lutava contra seus grilhões (Caetano, 2005,

p. 75).

Page 57: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 2 – Panorama do cinema brasileiro: de Mazzaropi ao cinema novo 56

Para o cineasta Joaquim Pedro de Andrade, o Cinema Novo era

um instrumento de transformação que apresentaria o Brasil sem disfarce

para os problemas dos brasileiros:

Cinema era vida em movimento, mas era sobretudo um instrumento para todos nós de modificação do mundo so-bretudo do Brasil. Nós acreditávamos muito no cinema como um instrumento político de transformação (...) então as coisas principais era filmar o Brasil e os problemas dos brasileiros sem nenhum retoque, sem nenhum disfarce, desprezar a estética pela estética, procurar uma estética mais da eficácia política do que outra coisa29.

29 Depoimento de Joaquim Pedro de Andrade apresentado no documentário 90 anos de cinema: uma aventura brasileira (1987). Metavídeo, Rio de Janeiro, direção ESCOREL, Eduardo e FEITH, Roberto.

Page 58: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 3 – Revisão crítica e histórica: trajetória da representação do sertão no cinema brasileiro 57

CAPÍTULO 3

Revisão Crítica e Histórica: trajetória da representação

do Sertão no Cinema Brasileiro

o se observar o cinema brasileiro nas décadas de 1950

e 1960, notam-se dois momentos: até o final da década

de 1950, produziu-se uma estrutura de cinema indus-

trial e a partir da década de 1960 encontramos uma linguagem cinema-

tográfica voltada para denúncia explícita da desigualdade socioeconômica

do povo brasileiro. Célia Tolentino comenta a respeito desse momento no

campo cinematográfico brasileiro:

Lembremos que nessas duas décadas, em particular na de 1960, a sociedade brasileira vive rearranjos fundamentais de ordem econômica e social: o pacto conservador entre as elites seria questionado pela entrada em cena de atores até então excluídos do quadro político, os trabalhadores rurais e seus mediadores, colocando em questão a intocabilidade da propriedade rural. Num quadro mais amplo de mudanças sociais, ao lado dos movimentos urbanos, esse rural insur-gente é repensado pelos demais setores da sociedade. Uns querem apreendê-lo para controlá-lo; outros, para trans-formá-lo em parte fundamental de uma aliança revolucio-nária; outros, para assisti-lo; e alguns, para revê-lo no seio do debate cultural, em que sempre fora reivindicado para legitimar os mais diversos papéis naquilo que chamam de construção de uma identidade nacional. (Tolentino, 2001, p. 14)

Ao contrário dos latifundiários, os trabalhadores das fazendas

continuariam a vidinha provinciana, modorrenta, singela, sem grandes

Page 59: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 3 – Revisão crítica e histórica: trajetória da representação do sertão no cinema brasileiro 58

dramas. Neste sentido, os homens pobres rurais no cinema dos anos 50

são sempre indivíduos com questões muito diferentes das que encontra-

mos com os homens urbanos.

Um cinema politizado voltava-se para rural, particularmente o

nordeste, com propósitos muito distintos. Preocupado com a necessidade

de encontrar a cultura genuína brasileira, imaculada de imperialismos

culturais, o nosso cineasta com vocação revolucionária procurava justa-

mente no sertão nordestino a nossa reserva de purismo e rebeldia.

Conforme a professora Maria Isaura Queiroz, o cangaço adquiriu

forma de brasilidade ao tomar como “guardião” os valores nacionais con-

tra a “invasão” do estrangeiro:

A mitificação do cangaço não pode ser compreendida fora do contexto brasileiro, por um lado e do contexto do Sul do país por outro – do Sul do país que recebeu levas e levas de imigrantes estrangeiros até os anos 30 e que, em seguida, passou a atrair migrações nordestinas cada vez mais in-tensas. Os problemas do Sul, porém, não podem ser des-vinculados do país, como um todo. Assim os problemas que concorrem para a mitificação do cangaço não são regionais, são nacionais. (Queiroz, 1986, p. 67)

Sob esta perspectiva, a compreensão do rural brasileiro saía da

posição de o romântico da nacionalidade e passava a representar o lugar

do camponês, aliado “natural” do proletariado. Em oposição a ele, estava

o rural latifundiário, atrasado e aliado do imperialismo. O proprietário

deixava de ser visto como o homem em crise com o tempo para ser subs-

tituído por uma figura caricata como representante de todos os males

que afetavam o nosso desenvolvimento.

Essa linha divisória entre o rural camponês e o latifundiário esta-

va nas câmeras dos cineastas e os conflitos sociais no campo pareciam

oferecer ao cinema o que ele precisava: o povo brasileiro em luta.

Page 60: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 3 – Revisão crítica e histórica: trajetória da representação do sertão no cinema brasileiro 59

Mazzaropi sob esta ótica conduziu seus filmes a um plano direto

e indireto a uma denúncia das condições expostas ao homem do campo

como apresentado na personagem caipira-cangaceiro, de o Lamparina.

3.1. O Sertão vai virar mar e o Mar vai virar sertão:

o Cinema Novo de Glauber Rocha

“Vou contar uma estória Na verdade e imaginação Abra bem seus olhos Pra escutar com atenção É coisa de Deus e Diabo Lá nos confins do sertão” Glauber Rocha

Glauber Pedro de Andrade Rocha nasceu em Vitória da Conquis-

ta, Bahia, em 14 de março de 1939, numa família presbiteriana de classe

média. Herdou do pai o conhecimento do sertão, pois o acompanhava

desde menino nas viagens a trabalho pelo interior da Bahia, pôde assistir

de perto a miséria e a violência sertanejas, as lutas pela posse de terra e

também ouviu histórias sobre jagunços e cangaceiros, temas que o in-

fluenciaria nos temas de seus filmes.

Embora tenha vivido apenas 42 anos, realizou 15 filmes, oito

longas e sete curtas. Escreveu dois livros de ensaios; Revisão Crítica do

Cinema Brasileiro (1963), Revolução do Cinema Novo (1981) e um roman-

ce, Riversão Sussurrana (1978).

Um dos criadores do Cinema Novo, Glauber, com apenas três de

seus filmes, aclamou entre os maiores cineastas contemporâneo do Bra-

sil e do Mundo: Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) conquistou os se-

guintes prêmios – I Festival Internacional de Cinema Livre, Porreta, Itália,

e Prêmio da crítica mexicana no Festival Internacional de Acapulco.

Page 61: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 3 – Revisão crítica e histórica: trajetória da representação do sertão no cinema brasileiro 60

Glauber defendia a utilização dos meios de produção artística a

serviço da transformação social. Depois de dirigir o longa-metragem Bar-

ravento (1961), que já abordava o misticismo e o engajamento político,

realizou sua obra-prima, Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964). Tendo

como ambientação o árido sertão nordestino, o filme acompanhou a tra-

jetória do vaqueiro Manuel e sua mulher Rosa. Manuel se revoltou contra

a exploração do coronel Morais e matou-o durante uma briga. Fugiu com

a esposa, da perseguição dos jagunços e acabou se integrando aos segui-

dores do beato Sebastião, em busca da salvação divina, no lugar sagrado

de Monte Santo, que prometia a prosperidade e o fim dos sofrimentos

através do retorno a um catolicismo místico e ritual. Ao presenciar o sa-

crifício de uma criança, Rosa matou o beato. Ao mesmo tempo, o mata-

dor de aluguel Antônio das Mortes, a serviço dos coronéis latifundiários,

exterminou os seguidores do beato. Em nova fuga, Manoel e Rosa junta-

ram-se ao bando do cangaceiro Corisco – o “Diabo Loiro”. Como Antônio

das Mortes30 perseguia de forma implacável, acabou matando e degolan-

do Corisco, em nova fuga, Manoel e Rosa foram em direção ao mar, en-

quanto a música, cantada por Sérgio Ricardo, expressava a posse da

terra pertencente ao Homem:

O sertão vai virar mar e o mar virar sertão! Tá contada minha estória, verdade e imaginação. Espero que o sinhô tenha tirado uma lição: que assim mal dividido esse mundo anda errado, que a terra é do Homem, não é de Deus nem do Diabo.

30 Antonio das Mortes foi inspirado no major José Rufino (volante que perseguia os cangaceiros), tal como conhecemos no documentário Memória do Cangaço, de Paulo Gil Soares. São dele as palavras que, depois, no filme, reapareceram na música de Sergio Ricardo. O major já havia atin-gido o cangaceiro e ordenou que ele (Corisco) se entregasse. Corisco respondeu: Eu não me entre-go para morrer preso. Na música: “Se entrega, Corisco. Eu não me entrego não. Eu não sou passarinho pra viver na prisão” Quando o Corisco verdadeiro caiu, soltou um grito: Mais fortes são os poderes de Deus. O Corisco do filme alterou a fala: Mais fortes são os poderes do povo. Encontrava-se aí uma pequena e enorme mudança de uma palavra: de Deus para o povo (Caeta-no, 2005, p. 53).

Page 62: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 3 – Revisão crítica e histórica: trajetória da representação do sertão no cinema brasileiro 61

A música prenunciava a transformação que um dia aconteceria

na vida do povo excluído, pois até 1964 ainda era predominante a crença

na possibilidade de se mudar o país, ou melhor, de se mudar o mundo.

Deus e o diabo, como basicamente toda a arte política então produzida,

inscreveu-se nesse contexto ideológico cuja referência era a arte como

agente da revolução. Na época da realização do filme os principais proje-

tos culturais desenvolviam-se nos meios rurais e tinham como meta a

conscientização do camponês, tendo em vista a Reforma Agrária.

3.2. Mazzaropi em contexto social com o Cinema Novo

Mazzaropi, apesar de ser constantemente esnobado pela crítica

nacional e nunca ter sido mostrado fora do país, sendo que, através de

seus 32 filmes, conquistou amplamente o auditório nacional. Ele próprio

se orgulhava de nunca ter tido necessidade de verbas oficiais para a rea-

lização de seus trabalhos.

Todos os seus filmes foram de grandes sucessos de bilheteria.

Eva Bueno, em seu artigo As aventuras de Jeca Tatu: classe, cultura e

nação nos filmes de Mazzaropi, menciona que a carreira desse comedian-

te foi paralela ao surto do internacionalmente famoso Cinema Novo. Em-

bora tanto o Cinema Novo como os filmes de Mazzaropi se preocupavam

em mostrar as transformações pelas quais o Brasil passava, a tônica de

Mazzaropi era mostrar as peripécias de um habitante caipira do interior

no meio urbano. Ele sempre procurava acentuar os aspectos cômicos e

assim caracterizava o real, ao contrário de diretores premiados como

Glauber Rocha que primavam pela apresentação de um Brasil problemá-

tico com conotações políticas de tendência esquerda, ao gosto das elites

universitárias.

Page 63: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 3 – Revisão crítica e histórica: trajetória da representação do sertão no cinema brasileiro 62

O crítico de cinema Jean-Claude Bernardet identificou no cinema

de Mazzaropi uma oportunidade para as massas poderem discutir pro-

blemas reais do país em meio a situação de problemas vividos por brasi-

leiros oprimidos que são representados pelo descaso de autoridades e o

sucesso de Mazzaropi de uma certa forma estava em apresentar tais si-

tuações para seu público:

Não é à toa que Mazzaropi tem sucesso. Mazzaropi só tem sucesso porque seus filmes abordam problemas concretos, reais, que são vividos pelo imenso público que acorre a seus filmes. Não é só porque é carreteiro e tem um andar desengonçado. É porque põe na tela vivências e dificulda-des de seus espectadores, e se assim não fosse, não teria o sucesso que tem. A temática de “Mazza” são problemas da terra, do camponês oprimido pelo latifundiário, dos inter-mediários entre o pequeno produtor agrícola e o mercado, das relações entre marido e mulher, pais e filhos, das reli-giões populares, etc. Há momentos claros e contundentes nos seus filmes. “Mazza” enfrenta delegados de polícia e fa-zendeiros. (Bernardet, 1978, p. 11)

Para o sociólogo Glauco Barsalini, ao analisar os trabalhos de

Mazzaropi, é possível perceber que ele era também um grande crítico so-

cial, refletindo o que estava acontecendo no país, tratando inclusive de

temas polêmicos e que, por vezes, eram tabus para a sociedade da época.

No filme O Jeca e seu filho preto, por exemplo, o assunto tratado era o

preconceito e, em Jeca contra o capeta, a discussão foi a respeito do di-

vórcio. Também era comum encontrar nestas produções a representação

do inglês como o malvado da história, o que demonstra mais uma crítica

de Mazzaropi, desta vez contra a língua inglesa que no século XIX impu-

nha sua força imperialista ao Brasil.

Eva Paulino complementa, ao apresentar a figura do caipira como

elemento cinematográfico a ser expresso como “voz” da população rural

brasileira:

Page 64: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 3 – Revisão crítica e histórica: trajetória da representação do sertão no cinema brasileiro 63

Pode se dizer que a polaridade entre os diretores do Cinema Novo e Mazzaropi é compreendida pela luta, própria de ca-da um, para arrebatar o silêncio da população rural e transformá-lo em voz no interior da nação brasileira. Evi-dentemente, esse processo jamais poderia ser apolítico: ca-da um queria assegurar o peso ideológico que tal acréscimo à nação brasileira podia significar. Os intelectuais do Ci-nema Novo, contudo, evocaram o trabalhador rural a partir da posição hegemônica dos intelectuais metropolitanos. Após sua exposição à cultura cinematográfica européia, tal evocação partiu da posição renovada e autorizada para eles falarem em nome do país diante do mundo estrangeiro. Embora trabalhasse a partir da cidade, Mazzaropi não par-ticipava do grupo de diretores reconhecidos como intelec-tuais e sérios. Além disso, seus trabalhos representavam um Brasil rural não muito em voga no Cinema Novo. Em outras palavras, o “caipira” ou não é suficientemente exóti-co ou não suficientemente étnico ou não suficientemente trágico para merecer a atenção do Cinema Novo. (Bueno, 1999, p. 13)

Nos anos 60, o cinema de Mazzaropi era visto pela crítica como a

indústria, a reprodutibilidade, o gênero que nunca muda, a simples repe-

tição. O Cinema Novo, por outro lado, segundo críticos, incorporava a

arte, a iluminação das consciências, para além da indústria cultural e do

lucro de bilheterias.

Para muitos críticos, Mazzaropi não se conscientizava, porém o

detalhe é que ele dialoga com seu público por meio de situações proble-

máticas de ordem política, econômica e social.

Page 65: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 3 – Revisão crítica e histórica: trajetória da representação do sertão no cinema brasileiro 64

3.3. Lamparina, caipira-cangaceiro: símbolo de um Brasil

rural presente no cinema de Mazzaropi

No ciclo do Regionalismo do cinema nativo, as câmeras adentra-

ram no sertão e elegeram como ícones os sertanejos31 e, dentre eles, os

cangaceiros foram simbolizados como fontes de inspiração para diretores

e cineastas na criação de enredos e personagens. Quanto à imagem do

caipira, a pesquisadora Walnice Nogueira Galvão comenta sobre a repre-

sentação deste:

Assistimos no momento a uma possível ressurreição da tendência, embora com contornos diversos. Entre uma fase e outra, além das adaptações de romances regionalistas, surgiu pelo menos um filme com relevância, A Marvarda Carne, fazendo não do sertão, mas do universo caipira o foco das atenções, com boas leituras de Antonio Candido, Monteiro Lobato, Valdomiro Silveira e Cornélio Pires. E Nelson Pereira dos Santos não desdenhou de exercer seus talentos no mesmo filão, focalizando a dupla de músicos Milionário e Zé Rico no longa Estrada Vida. Tudo isso, sem esquecer que o jeca de Mazzaropi dominou por longo tempo as telas, embora em outra craveira, mais popularesca. No entanto, o caipira jamais se transformaria em ícone, nem originaria um complexo simbólico de vulto equivalente ao do sertanejo.

O cinema tinha uma importância de representar o social através

de seu personagem na articulação do processo histórico. Conforme co-

menta Jacques Aumont:

A representação social – Trata-se aqui de um objetivo de dimensão quase antropológica, em que o cinema é conce-bido como o veículo das representações que uma sociedade dá de si mesma. De fato, é na medida em que o cinema tem capacidade para reproduzir sistemas de representação ou

31 Regina Abreu, em sua obra O Enigma dos Sertões, procurou mostrar como “escritores sertane-jos” utilizaram o tema “Sertão” com suas derivações – o sertanejo, o matuto, o caipira, o tabaréu e o jagunço, em oposição a tipos urbanos como o malandro, o burguês, o espertalhão e o capitalista (Abreu, 1998, pp. 166-172). Neste capítulo procurarei observar as variantes dos sertanejos: caipi-ra diante do cangaceiro no campo da ficção em que se passa a história no filme de O Lamparina.

Page 66: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 3 – Revisão crítica e histórica: trajetória da representação do sertão no cinema brasileiro 65

articulação sociais que foi possível dizer que ele substituía as grandes narrativas míticas. A tipologia de um persona-gem ou de uma série de personagens pode ser considerada representativa não apenas de um período do cinema como também de um período da sociedade. Assim, a comédia musical americana dos anos 30 não deixa de ter relação com a crise econômica: através de suas intrigas amorosas, situadas em meio abastados, apresenta alusões muito cla-ras à depressão e aos problemas sociais dela decorrentes. (Aumont, 1995, p. 98)

A versão sobre o gênero cangaço, realizada por Mazzaropi, foi di-

ferente de todas as outras e se caracterizou, por subverter a idéia da pu-

reza regional. Em O Lamparina, o cangaceiro tradicional do Nordeste

encontrava-se tão imerso em tão diferentes registros regionais brasileiros.

Em termos de Brasil, na época da estréia do filme, é interessante

observar que o Sul-Sudeste, especialmente a cidade de São Paulo, torna-

ra-se o pólo de atração de migrantes originários do Nordeste. Após a

construção de Brasília, em 1960, o fluxo migratório não parou e a metró-

pole de São Paulo recebeu a presença de milhares de nordestinos em

suas construções. Suas ruas estavam cheias de nordestinos em suas

construções nas quais se ouviam as aventuras de Lampião.

Quando se pensa o quanto os filmes de cangaceiros se espelhou

no faroeste, ou western, é que se constata como este também teve sua

ascensão e declínio. Seu protagonista, o cawbói, na história dos Estados

Unidos, teve duração rápida, não mais do que três ou quatro décadas

após 1850, quando a condução de boiadas para alimentar as frentes pio-

neiras empurraram a fronteira oeste da ocupação até o Pacífico. Na ver-

dade, tratava-se da conquista de um território disputado com os

indígenas. O término da construção das principais ferrovias, como a

Western Pacific, encerraria o ciclo, tornando obsoleto o cawbói. O que não

impediu que um comparsa humilde como ele se transformasse em herói

protagonista do Mito da Fronteira, que se confunde com a própria histó-

ria do país.

Page 67: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 3 – Revisão crítica e histórica: trajetória da representação do sertão no cinema brasileiro 66

O migrante nordestino em São Paulo trouxe consigo a presença

folclórica do mito herói Lampião. As telas do cinema funcionavam como

um reconhecimento do seu valor, de sua posição no panteão de persona-

gens históricos nacionais, no entanto, diz-se que o nordestino é o vaquei-

ro brasileiro e, por causa da grande quantidade de filmes sobre o cangaço

produzidos na época, muita criatividade e imaginação foram investidas

nessas aventuras no cinema.

Com o intuito de verificar algumas críticas publicadas em jornais

e revistas, aparece uma crítica mais remota de Jean-Claude Bernardet ao

cinema de Mazzaropi e ao filme Lamparina, publicado no Jornal Última

Hora, em 22 de janeiro 1964. O crítico retoma a idéia de que a trajetória

do personagem camponês nos filmes é sempre a mesma – de simples cai-

pira passa a ser herói, onde ressalta o conformismo do personagem:

Nada mais estranho ao camponês que a luta ou a organi-zação. Ele vence, e vence sozinho, obedecendo a todos os imperativos do conformismo. A Fazenda é um lugar onde o camponês se sente bem, onde o trabalho é alegre. Mazza-ropi defende, em todos os seus filmes, a unidade da família e a autoridade paternal. (...) E O Lamparina, Mazzaropi vai mais longe ainda no conformismo. Contrariamente ao que anuncia a publicidade, o Lamparina não é um bandido; é um camponês, disfarçado de cangaceiro, que está ao lado das autoridades. (Bernardet, 1964)

Quanto ao questionamento dos críticos em relação ao seu com-

portamento de conservadorismo nos seus filmes, Mazzaropi responde:

Eu apenas mostro o problema, mas à minha maneira. Os inteligentes devem aproveitar, transformar e dar a solução. Se são inteligentes, podem dar a solução. A mim, cabe a-penas apresentar o problema, não sou eu que vou dar a so-lução. Não sou político, não tenho nada que solucionar problemas.32

32 Folha de São Paulo. Matéria de capa do caderno “Folhetim”, 02 de julho de 1978.

Page 68: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 3 – Revisão crítica e histórica: trajetória da representação do sertão no cinema brasileiro 67

3.3. O Cangaceiro, de Lima Barreto:

primeiro grande sucesso do Cangaço

E, enquanto não descobrirmos para expressá-los, os nossos temas, dentro do próprio nosso, do conceito estético-fílmico-cinematográfico eminentemente matuto-caipira-caboclo-campeiro-sertanejo, como queria Mario de Andrade e querem os raros homens de cultura do Brasil, não encontraremos a forma audiovisual de generalizar, de disseminar a nossa cultura – incipiente, sim, mas autêntica a nossa cultura, irre-torquível. (Lima Barreto, 1954 apud Viany, 1959, p. 147)

Lima Barreto nascido em Casa Branca, interior de São Paulo, foi

considerado de personalidade difícil e controvertida, atuou como diretor

de praticamente um filme. Escritor, radialista, professor de cinema em

Campinas, realizou 30 documentários nos anos 40: Na piscina, fazenda

velha (1944), O quartzo, O cofre, Seu bilhete, Caçador de bromélias (1946),

A carta (1946). Trabalhou na Companhia Vera Cruz como ator em: Terra

é sempre terra (1950), de Tom Payne e Tico-Tico no fubá (1951), de Adolfo

Celi (Filho, 2001, p. 28).

A principal obra como diretor em um longa-metragem foi no filme

O Cangaceiro (1953), conquistando prêmios importantes no Festival de

Cannes como o melhor filme de aventura e menção especial para música

“Mulé Rendera”. O personagem do cangaceiro saía do nosso nordeste e

conquistava o mundo. O personagem popular e o cangaço ganhariam

impulso.

Como Jean-Claude Bernardet afirma, O Cangaceiro foi é o filme

que inaugurou o ciclo e delineou os principais traços que caracterizarão o

cangaceiro no cinema comercial. Para tanto, a história era apresentada

de forma romantizada, pois o cangaceiro era em geral filho de camponês,

que, para vingar uma ofensa praticada por um proprietário de terra ou

pela polícia, tornou-se bandido; passou a viver da violência; agregando-se

Page 69: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 3 – Revisão crítica e histórica: trajetória da representação do sertão no cinema brasileiro 68

a ele, outros que, por motivos similares, não podiam continuar aceitando

as condições de vida do camponês nordestino.

Bernardet ainda conceitua a vida dos cangaceiros, bem como o

fanatismo empregado nos seus modos de vida, transformando-se num

material rico em histórias para se contar no cinema, a fim de representar

o marginalismo:

O cangaceiro é um revoltado contra a organização social da região em que vive; à margem da sociedade, passa a atacá-la. Mas sua revolta é anárquica: ela visa destruir, eventu-almente proteger os camponeses desamparados, mas nada propõe. O fanatismo, que congrega muito mais gente que o cangacerismo, tem a mesma origem: camponeses insatis-feitos seguem o beato cujas profecias anunciam um mundo de fartura e justiça, mediante o sofrimento terrestre. Trata-se também de uma revolta desorganizada: não se tem consciência de que há uma revolta contra um determinado estado de coisas e também não se propõe mudar coisa al-guma. A solução encontrada para essa revolta inconsciente é a alienação na violência ou no misticismo histético, que sempre representam uma alternativa para a vida de cam-ponês semi-escravo. (Bernardet, 1967, p. 40)

Apesar de uma importância sem precedentes até aquele momento

na história do nosso cinema, muitas das críticas consideram O Canga-

ceiro um filme superficial no seu conteúdo, conforme o depoimento de

Glauber Rocha:

Lima Barreto criou um drama de aventuras convencional e psicologicamente primário, ilustrado pelas místicas figuras de chapéus de couro, estrelas de prata e crueldades cômi-cas. O cangaço como fenômeno de rebeldia místico-anárquica surgido do sistema latifundiário nordestino, agravado pelas secas, não era situado. Uma estória do tempo que havia cangaceiros, uma fábula romântica de exaltação à terra (...) A cena final, quando Teodoro (Alberto Ruschel) morria beijando e comendo a terra do sertão (uma terra seca, estéril, propriedade de cruéis senhores feudais) e recitando umas palavras ridículas que a ficha técnica in-

Page 70: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 3 – Revisão crítica e histórica: trajetória da representação do sertão no cinema brasileiro 69

dica como “diálogos de Raquel de Queiroz”, é, na mise-en-scène, a revelação moral de Lima Barreto. (Rocha, 1963, p. 69)

Apesar das críticas, o filme foi sucesso internacional e pagou dí-

vidas da Companhia Vera Cruz, a qual foi produtora da película, mas tal

sacrifício custou caro ao entregá-lo para a distribuidora Columbia Pictu-

res. Em lamento por esta situação Galileu Garcia – assistente de direção,

disse:

Quando a gente terminou O Cangaceiro, em 52, e a primei-ra cópia ficou pronta, a Vera Cruz estava completamente endividada. Ela devia muito dinheiro a vários órgãos do go-verno, ao Banco do Estado de São Paulo, e à Columbia Pic-tures também, que tinha dado um adiantamento sobre a distribuição. Evidentemente, eles viram que um filme mui-to bom estava sendo feito, e nada melhor que começar a adiantar dinheiro, e fizeram isso. Mas chegou um momento em que eles tinham de receber esse dinheiro e, pior todas as fontes haviam secado para a Vera Cruz. Realmente, o fim da estrada. Então, ela entregou o filme mais ou menos pelo dobro do custo da produção. O custo foi de 9 milhões, A Vera Cruz entregou por 18 milhões de cruzeiros, mas o filme depois fez mais de 1 bilhão. Exibindo em Paris, ficou seis meses no mesmo cinema, com filas diárias. Aquele su-cesso extraordinário. Determinou moda de roupa, de músi-ca. Também em Tóquio, no Japão, foi o maior sucesso. Inclusive, o filme virou um carro-chefe, cabeça de lote da Columbia, aquele filme que a distribuidora oferece, mas quem compra tem de levar mais uns 10, 15 outros. Foi pe-na o que aconteceu. O Cangaceiro teria sido a salvação da Vera Cruz. (Salem, 1988, p. 78)

Depois de O Cangaceiro, Lima Barreto tentou fazer outro épico, O

Sertanejo sobre o Antonio Conselheiro. Em depoimento para o documen-

tário 90 anos de cinema: uma aventura brasileira, o diretor Galileu Garcia

fala sobre este filme:

Lima Barreto tinha no fundo muito medo, ele era medroso. Ele mesmo dizia que tinha medo de enfrentar certas situa-ções (...) o filme que devia ser feito após o cangaceiro seria

Page 71: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 3 – Revisão crítica e histórica: trajetória da representação do sertão no cinema brasileiro 70

só O Sertanejo, estava com o roteiro pronto. Nós tínhamos tudo pronto, tínhamos locações na Bahia, levantamos ma-quetes, os cenários das casas. Compramos todas as armas, uniformes, roupas, tudo (...) e tínhamos um elenco todo formado.33

Lima Barreto só voltou a filmar em 1960, numa produção inde-

pendente chamada a Primeira Missa sobre um menino que desde cedo

desejava ser padre e o filme teve uma atmosfera acadêmica e não fez su-

cesso, foi seu último trabalho. Ele deixou vários roteiros como Quele do

Pajeú que seria realizado mais tarde por outros cineastas, sem trabalhar

ficou enlouquecido. De sua obra completa sobre o solitário cangaceiro

que inaugurou um gênero e criou um mito, um triunfo de linha monta-

gem da indústria cinematográfica.

33 ESCOREL, Eduardo e FEITH, Roberto – direção. 90 anos de cinema: uma aventura brasileira. O Cangaceiro. Metavídeo, Rio de Janeiro, 1987 VHS 66 min.

Page 72: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 71

CAPÍTULO 4

A Paródia no contexto histórico do cangaço

como narrativa no Cinema Brasileiro

objetivo da análise desta pesquisa é investigar de que

forma duas obras cinematográficas produzidas em

diferentes momentos históricos compõem a represen-

tação do cangaceiro e do caipira. O primeiro momento a ser abordado

refere-se ao início da década de 1950, e, o segundo, à década de 1960.

Para o entendimento deste período cinematográfico, analisaremos

o filme O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto, o qual a personagem can-

gaceiro Capitão Galdino Ferreira faz alusão a Virgulino Ferreira Silva –

Lampião e o segundo momento configura-se em paródia na imagem fol-

clórica de Lampião, representada aqui por Mazzaropi, em o Lamparina, o

qual consegue passar uma imagem diversa deste mesmo sujeito na con-

dição de caipira-cangaceiro. Por meio dessas duas obras e de suas per-

sonagens, debateremos estes dois tempos distintos da cultura nacional

popular.

Assim, para estes filmes de ficção, as narrativas mencionam uma

época histórica do ciclo do cangaço brasileiro que podem ser referidas

por intermédio de citações, alusões ou paródias. Sobre tais referências

históricas na cinematografia, Jacque Aumont comenta:

Para tornar seu trabalho e sua função naturais, o filme de ficção tende, com freqüência, a escolher como tema as épo-cas históricas e os pontos de atualidade a respeito dos

Page 73: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 72

quais já existe um “discurso comum”. Assim finge subme-ter-se à realidade, enquanto só tende a tornar sua ficção verossímil. (Aumont, 1995, p. 106)

Como obra de ficção, o gênero Western, de origem norte-

americana, apresenta fatores históricos ligados a um esquema narrativo

simples, inseridos numa paisagem física e humana peculiar de vilões e

heróis, assim explica Ismail Xavier:

De um lado, as forças da permanência; do outro, as forças do progresso, responsáveis pela estabilização e pela impo-sição de uma ordem social que se respeita. Vitoriosas essas últimas, o imaginário do western promove, a posteriori, um reviver do mundo arcaico, do qual estamos separados, mundo que encarnou a idade heróica de preparação de um presente que é o lugar da justiça, estabilidade e bem-estar social, em suma, da civilização. Superposta a essa molda-gem do tempo, prevalece, no gênero, a imposição dos con-flitos como um duelo renovado entre vilões e heróis, onde, de um lado, tudo é mau e gera desordem, a injustiça, e, de outro, tudo é bom e serve à ordem, à convivência pacífica de cidadãos amparados numa ordem jurídica inconteste. (Xavier, 2007, p. 148)

O tema de aventura sobre cangaço produzido por Lima Barreto

ganhou um neologismo de Nordestern, que serviu de inspiração para ge-

rações de cineastas fascinados pelo duelo entre cangaceiros e polícia.

Para a jornalista Maria do Rosário Caetano, esta definição foi desenvolvi-

da pelo potiguar-carioca, Salvyano Cavalcanti de Paiva, que criou o ter-

mo. Seria nosso “western”. Os filmes de Glauber Rocha, apesar de tratar

do tema do cangaço, não são considerados como gênero nordestern. (Cae-

tano, 2005, p. 11)

Há uma diferença essencial que encontramos entre Westerns

norte-americano e os Nordesterns do cinema brasileiro. No primeiro, o

“mocinho” quase sempre arrisca a vida para impor a lei e assegura a

tranqüilidade dos pioneiros. Nos segundos, acontece precisamente o con-

Page 74: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 73

trário. Os nossos heróis são os que estão no lado oposto ao da lei. E

quando não acabam fuzilados pelas volantes, é porque morrem nas mãos

de seus próprios companheiros. Como veremos a seguir na obra de Lima

Barreto, O Cangaceiro.

4.1. O CANGACEIRO (1953)

Argumento, roteiro e direção de Lima Barreto, polêmica produção

que inaugurou a temática do cangaço no cinema, abrindo caminho para

interpretações posteriores de outros cineastas. Sua história, apesar de

sugerir a figura de Lampião através da semelhança ao lado do nome de

Virgulino Ferreira, não se tratava da vida de Lampião, mas do Capitão

Galdino Ferreira, vivido por Milton Ribeiro, em que o sobrenome era uma

pista para identificação, sendo portanto simplesmente ficcional.

Críticos e pesquisadores criticaram o caráter “não realista” do

filme, principalmente por sua afinidade com o western americano e que

deu origem ao nosso Nordestern, como já vimos. Um ponto polêmico foi a

utilização de imponentes cavalos pelos cangaceiros do filme em pleno

sertão nordestino, o que não faz jus à história, pois os mesmos andavam

a pé pela caatinga.

Célia Tolentino também aponta alguns erros sociológicos de natu-

reza aos aspectos da vida cotidiana dos cangaceiros, a qual o filme mos-

tra a forma de brasileirismo artificial:

Um outro aspecto do filme muito comentado pela crítica diz respeito aos erros sociológicos que saltam aos olhos nesse trabalho de Lima Barreto, revelando que também o trata-mento do tema guardou distância da matéria real. Por exemplo, nessa fita todos os cangaceiros se deslocam a ca-valo, como caubóis da cinematografia americana, quando a história mostra que os bandos raramente o possuíam e atravessavam vastas regiões a pé. Outros exemplos, ainda,

Page 75: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 74

dessa inadequação são o aparecimento de um índio Caraí-ba em pleno cenário sertanejo e a presença de mata densa e rios caudalosos enquanto o discurso verbal dos persona-gens refere-se ao sertão árido. (Tolentino, 2001, p. 68)

A artificialidade apontada pela crítica, tanto nessa, quanto em

outras produções da Vera Cruz devia-se a um fato recorrente nas produ-

ções da companhia, que era a preocupação com uma temática nacional

em contraposição à linguagem universal. No entanto, para a Vera Cruz,

não se tratava de reproduzir fielmente suas ambientações temáticas, o

importante era a pesquisa e o documentário das nossas raízes culturais,

o que aconteceu especialmente em O Cangaceiro, que exigiu de Lima Bar-

reto uma pesquisa exaustiva sobre a realidade de nosso sertão.

Entretanto em relação ao sertão, Alex Viany apontou uma paisa-

gem diversa ao tema escolhido, pois tomou como pano de fundo a natu-

reza paulista, longe do cenário por onde viveriam os cangaceiros:

Os erros mais flagrantes de O Cangaceiro são: a tentativa infeliz de fazer a paisagem altiplana paulista – de relevo e vegetação completamente diversos – pela paisagem do ser-tão nordestino; e, numa obra que mesmo sem intenções sociológicas, pelo tema escolhido, inevitavelmente é tomada como elemento de documentação verística (ou no mínimo, interpretação verística de uma realidade), a hibridização dos tipos e dos costumes, apresentando um cangaceiro que toma atitudes de vaqueiro do Texas, atirando de metralha-dora no serrote, entretanto a cavalo na casa alheira... usando fuzil à maneira dos soldados em manobras (...). (Viany, 1959, pp. 141-142)

O filme inicia com o seguinte letreiro:

“Época imprecisa: quando ainda havia cangaceiros”.

Este início sugere a intenção de Lima Barreto de se situar mais

no nível do verossímil e não na veracidade histórica, pois, conforme Xá-

vier (2007), o cangaceiro é definido como personagem arcaico e a estória

Page 76: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 75

é anunciada como algo muito distante do qual estamos separados por

um longo tempo, por não indicar uma data mais precisa.

O filme apresenta uma trilha sonora com a música-tema “Mulé

Rendeira”, a qual nos remete a uma certa fidelidade à cultura nordestina

pelo uso da canção no ciclo do cangaço.

O momento de violência apresentado no filme é quando o bando

domina o vilarejo, atacando, roubando e zombando dos moradores,

enquanto a música acompanha a cena com tom descontraído.

Durante a cena de roubos e mortes, ocorre algo inesperado ao

surgir uma mulher aos prantos por causa de sua cabra, único sustento

da família que foi morta pelo bando. Galdino mostra-se cordial e gentil ao

notar a situação daquela mulher e obriga um dos seus cangaceiros a lhe

dar dinheiro para a compra de uma nova cabra.

Mas a trama central do filme gira em torno do seqüestro da pro-

fessora Olívia (Marisa Prado). Capitão Galdino pede um resgate, deixando

por escrito na lousa da escola onde a professora foi seqüestrada. Pode-

mos notar logo após esta cena que o cangaceiro Teodoro, braço direito do

Capitão Galdino, interessa-se por Olívia, provocando ciúme em Maria

Clódia (Vanja Orico) uma mulher do cangaço que não era correspondida

por Teodoro.

Interessante observar que após o saque na vila é introduzida a

cena na qual o bando se agrupa para posar para uma foto, demonstran-

do que Lima Barreto tinha conhecimento da vida de Lampião e de seus

cangaceiros.

Page 77: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 76

Cena do bando de Capitão Galdino posando para foto.

Cena que representa Benjamim Abrahão tirando foto do grupo de cangaceiros.

Foto de Lampião e seu bando tirada por Benjamim Abrahão. Fonte: http://virtualbooks.terra.com.br/cultura/foto05.htm

Page 78: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 77

É importante lembrar que, nos registros fotográficos e filmagens

existentes sobre Lampião e seu bando no sertão nordestino entre 1935 e

1936, as fotos foram tiradas pelo mascate libanês Benjamim Abrahão34:

Lampião em 1936, aceitou ser fotografado e principalmente ser filmado por Benjamim Abrahão. Sempre desconfiado dos jornais que publicavam artigos sobre ele, cujo conteú-do não podia controlar, certamente compreendeu que as fotografias e o filme de Benjamim Abrahão permitiram im-por uma imagem que ele dominava completamente. En-quanto numerosos autores e jornalistas se divertiam em lembrar a linguagem canhestra que traía a origem campo-nesa, sua representação fotográfica e cinematográfica, mu-da e incontestável, permitia mostrar e impor o seu sucesso social e o de seu grupo. (Grunspan-Jasmin, 2006, p. 147)

Ainda nesta seqüência, Galdino liberta um pássaro da gaiola, si-

nalizando a face humanitária e o desejo de liberdade da personagem.

O ponto central do filme acontece quando Teodoro foge com a

professora, traindo a confiança de Galdino, o qual inicia uma perseguição

implacável.

Na cena final, Teodoro (Alberto Ruschel) morre por salvar a pro-

fessora do seqüestro ao lhe conceder a liberdade. Teodoro antes de mor-

rer, devido aos tiros recebidos por seus companheiros rasteja até a beira

de um córrego e segurando a terra com a mão levantada em direção ao

céu, começa um diálogo com Deus, recitando as seguintes palavras:

“Não, não vou. Não posso ir. Nasci aqui. Vou morrer aqui. Olha, olha a ter-

ra do meu sertão”. 35

34 Benjamin Abrahão conheceu Lampião no Ceará e tornou se seu amigo. Abrahão imaginou transformar essa amizade em negócio com o material coletado. Propôs-se a fazer um filme sobre o cangaço, para a produtora Abafilm, com o objetivo de divulgar mundialmente as imagens. Fez filme e fotos, mas o preço foi alto, Abrahão foi assassinado dois anos após o fim do cangaço, e seu filme, confiscado pela política, não foi exigido comercialmente antes de integrar “Baile Perfuma-do”. Eram imagens que incomodavam o Estado Novo de Getúlio Vargas. 35 Transcrito a partir da fala da personagem Teodoro apresentado no filme.

Page 79: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 78

Estas últimas palavras recitadas pela personagem Teodoro reme-

tem-nos à condição dos cangaceiros sobre as questões da terra. Confor-

me Rui Facó, as tentativas de explicar os fatores que levaram a formação

do cangaço estão ligadas ao monopólio da terra por latifundiários:

O despotismo dos potentados rurais havia, durante sécu-los, relegado os pobres do campo à condição de objetos. A classe agrária dominante via no trabalhador da terra o es-cravo, que o era de fato e juridicamente. Mesmo com a abo-lição, uma vez que não se processaram mudanças fundamentais no campo e o latifúndio foi mantido com to-das as suas prerrogativas e privilégios, o trabalhador rural continuava a ser considerado um semi-escravo. O conceito de ser humano em relação a ele não era válido para o grande proprietário. A classe dos pobres do campo se a-chava à margem da sociedade constituída. Não tinha terra, nem outros bens, não tinha direitos. Não tinha sequer de-veres, além daqueles de servir o senhor. Proliferando em meio à miséria, seu número crescendo, o latifúndio estag-nado não podia integrá-los totalmente em sua economia limitada. Temendo-os. Dispersa-os. É a sua grande arma. A própria existência do latifúndio, açambarcando terras, expulsa-os de suas vizinhanças... (Facó, 1963, p. 36)

O cangaceiro utilizava como recurso a violência em que estava

enraizada na tradição do sertão, impregnando o universo dessa região:

Galdino era cangaceiro porque era criminoso perseguido pela justiça por

praticar roubos e assassinatos; Teodoro era cangaceiro porque participa-

va do grupo. Quando criança, Teodoro foi levado pelos padres para ser

educado na cidade, mas ele voltou para o sertão porque amava a terra e

queria morrer naquele lugar.

Page 80: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 79

Teodoro morto junto a um córrego no sertão – O Cangaceiro (1953).

4.2. O LAMPARINA (1964)

Argumento de Carlos Garcia, direção de Glauco Miklo Laurelli e

produção de Amacio Mazzaropi. O Lamparina, como a maioria dos filmes

de Mazzaropi, é representado por um caipira que procura terra para se

fixar, vagando com sua família por locais desconhecidos, sempre sendo

enganado. O enredo do filme gira em torno de Bernardino Jabá (Mazza-

ropi), sua família e um amigo espanhol que o acompanha à procura de

alguma colocação de trabalho numa fazenda qualquer, mas que acaba

sendo confundido com cangaceiros devido às roupas que trajavam. Neste

aspecto o filme tratou de forma ficcional, pois não há registros de encon-

tro histórico em que originalmente caipiras do Sul do Brasil encontras-

sem cangaceiros nordestinos. Sobre a representação do filme de ficção,

Jacques Aumont apresenta-nos certas características:

Page 81: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 80

O característico do filme de ficção é representar algo de imaginário, uma história. Se decompusermos o processo, percebemos que o filme de ficção consiste em uma dupla representação: o cenário e os atores representam uma si-tuação, que é a ficção, a história contada, e o próprio filme representa, na forma de imagens justapostas, essa primei-ra representação. O filme de ficção é, portanto, duas vezes irreal: irreal pelo que representa (ficção) e pelo modo como representa (imagens de objetos ou de atores). (Aumont, 1995, p. 100)

O filme inicia-se a partir dos créditos da equipe; uma imagem de

um trempe36 com um caldeirão no fogo, uma espingarda no chão, e um

chapéu de cangaceiro.

Em seguida aparece o letreiro sobreposto a essa imagem:

“A valiosa colaboração da Força Pública do Estado de São Paulo,

dos Estudantes e das Autoridades Civis e Militares de Taubaté”.

Percebe-se que, nesta apresentação, a realidade é relacionada aos

elementos regionais do cangaço pertencente principalmente à região nor-

destina, entretanto, como a realização da história acontece no sudeste,

podemos notar os agradecimentos feitos ao Estado de São Paulo, bem

como aos estudantes da cidade paulista de Taubaté.

O filme inicia seu enredo com um grupo de cangaceiros reunidos

no alto de uma serra valeparaibana paulista onde fazem o reconhecimen-

to da área para atacar algum vilarejo. Não encontrando um local possível,

decidem avançar mais para o Sul. Nota-se que se trata de cangaceiros

devido ao seu visual que se tornou um ícone na imagem popular:

36 Trempe é o nome que se dá ao fogão de tropeiro, constituído de três varas de ferro ou de galho verde, firmada em triângulo. Distantes na base e unidas no alto por uma Correa, da qual pende uma corrente de uns 25 centímetros, tendo na ponta dum gancho, às vezes duplo, no qual se pendura a vasilha. Sob a trempe acendem-se gravetos e improvisa-se o fogão no qual o tropeiro faz o seu café e prepara a comida. Algumas tropas preparam a trempe (ou trempa) fincando no chão dois galhos em forquilha, e preso a estes um galho transversal, na parte de cima, onde se pendurava o caldeirão. (Cascudo, 2001, p. 695). A trempe aparece como uma referência mais caipira/bandeirante, enquanto que os outros elementos que compõe a cena são ícones do cangaço.

Page 82: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 81

O cangaceiro adequava-se especialmente a um veículo vi-sual graças à parafernália. Viria assim a constituir um íco-ne, deflagrado pela instantaneidade da percepção, no impacto escorado pelo olho, de uma panóplia de signos: o encourado com seu chapéu cravejado de metais e testeira ornada de moedas, cartucheiras atravessadas no peito, anéis cobrindo os dedos, garrucha e punhal longo de san-grar à cinta, facão de abrir caminho, embornais ou capan-gas bordadas dispostas sob o braço, e o indispensável apito. (Caetano, 2005, pp. 85-86)

Percebe-se também neste início que não se trata de uma pai-

sagem típica do sertão nordestino de cactos e plantas rasteiras, onde

viveram os verdadeiros cangaceiros. Logo em seguida aparece uma cena

de uma aldeia sendo atacada por cangaceiros, iniciando-se um diálogo

entre cangaceiros e o líder do bando – Capitão37 Zé Candeeiro (Emiliano

Queiroz).

Na primeira cena em que aparecem os caipiras: Bernardino

Jabá38 (Mazzaropi) e sua esposa Marcolina Jabá (Geny Prado), dois filhos,

uma filha e um amigo espanhol. Todos estão dormindo em frente a uma

casa na beira da estrada. Bernardino é acordado por sua esposa para

procurar emprego numa fazenda. A narrativa não apresenta a origem da

37 Como no filme O Cangaceiro também aparece a patente de “Capitão”, para o líder dos cangacei-ros. Na história de Lampião foi registrado como promessa quando de sua entrada triunfal em Juazeiro, em março de 1926. Foi nessa oportunidade que ocorreu o encontro decisivo de Lampião com o padre Cícero. Em 1926, o estado do Ceará conheceu um clima de violência e agitação polí-tica causado pela presença da Coluna Prestes nas proximidades de Juazeiro. Para lutar contra os rebeldes, o governo brasileiro estabeleceu que cada Estado federado ameaçado pelas incursões da Coluna Prestes fizesse a defesa da região mediante a nomeação de um chefe político local. No Ceará, o deputado Floro Bartolomeu foi encarregado pelas autoridades governamentais de recha-çar as incursões da Coluna Prestes. Floro Bartolomeu teve a idéia de utilizar Lampião e seus cangaceiros e incorporá-los a um batalhão patriótico. Quando Lampião entrou em Juazeiro, padre Cícero viu se numa situação bastante embaraçosa: Floro Bartolomeu, que sugerira recorrer a ele, acabava de morrer e a Coluna Prestes afastara-se da cidade. Lampião chegava tarde demais e sua presença era perturbadora que podia comprometer a paz, então, para Padre Cícero, o único meio eficaz pareceu ser a outorga de o título de Capitão a Lampião, o que significava que uma promes-sa fora cumprida e que o pacto fora completamente concluído (Grunspan-Jasmin, 2006, pp. 95-102). 38 O sobrenome de Bernardino Jabá remete-nos à referência do significado em tupi yabá, o termo significa fugir, esconder-se. É também o nome que se dá à carne-seca e, é o principal alimento do seringueiro nordestino. Cascudo (2001).

Page 83: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 82

família e nem o motivo desse deslocamento. Podemos comparar esta si-

tuação como uma aventura de origem bandeirante, na qual o sociólogo

Antonio Cândido, assim descreve:

A sociedade que se formou do século XVI ao XVIII na área paulista de expansão só pode ser compreendida à luz de reflexões como estas, que são a chave das acomodações sucessivas por que aqui passou o colonizador, nas vicissi-tudes da sua intensa mobilidade. A vida social do caipira assimilou e conservou os elementos condicionados pelas suas origens nômades. A combinação de traços culturais indígenas e portugueses obedeceu ao ritmo nômade do bandeirante e do povoador, conservando as características de uma economia largamente permeada pelas práticas de presa e coleta, cuja estrutura instável dependia da mobili-dade dos indivíduos e dos grupos. Por isso, na habitação, na dieta, co caráter do caipira, gravou-se para sempre o provisório da aventura. (Candido, 1998, p. 37)

A família caipira de Bernardino Jabá.

Page 84: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 83

Depois de serem enganados por um estranho que promete em-

pregá-los numa fazenda, a família de Bernardino segue seu rumo e, ao

encontrar um riacho, a esposa e filha decidem se banhar, enquanto os

demais tentam pescar algo do outro lado do rio. Elas são atacadas por

cangaceiros e pedem socorro. Dois de seus filhos vão até o local e travam

uma luta contra os cangaceiros. Bernardino encontra as armas que os

cangaceiros deixaram na margem do rio, e enfrenta-os dando tiros para

todos os lados, assim expulsando os cangaceiros do local. Ao retirar-se

da margem do rio, Bernardino e sua família encontram as roupas dos

cangaceiros e as vestem.

A família caipira...

...a família cangaceira

Page 85: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 84

O uso das vestimentas apresenta uma metamorfose pela troca de

roupas e que dentro do sistema representado pelas imagens da festa

popular, podemos considerar como na carnavalização mencionada por

Bakhtin em que o bufão veste as roupas do rei destituído do poder, o

qual torna-se objeto de escárnio pelo povo:

Nesse sistema, o rei é bufão, escolhido pelo conjunto do povo, e escarnecido por esse mesmo povo, injuriado, es-pancado, quando termina o seu reinado, da mesma forma que ainda se escarnece, bate, despedaça, queima ou afoga o boneco carnavalesco que encarna o inverno desaparecido ou o não velho (“os alegres espantalhos”). Começara-se por dar ao bufão as roupagens do rei, mas agora que seu Reno terminou, disfarçam-no, mascaram-no, fazendo-o vestir a roupa do bufão. Os golpes e injúrias são o equivalente perfeito desse disfarce, dessa troca de roupas, dessa metamorfose. As injúrias põem a nu a outra face do injuriado, sua verdadeira face; elas despojam-no das suas vestimentas e da sua máscara: as injúrias e os golpes destronam o soberano. (Bakhtin, 1987, p. 172)

Uniformizados com o símbolo do poder da “região” e caminhando

à procura de uma fazenda, encontram com um viajante, que se assusta

em ver toda aquela família trajando as vestimentas de cangaceiros e pede

pelo amor de Deus para não matá-lo e então o viajante entrega o burro,

fuzil e o pouco dinheiro. Bernardino indaga que não quer nada, apenas

uma informação de sua localização e, sem entender, o viajante foge sem

olhar para trás deixando todos seus pertences.

Depois de muito tempo caminhando chegam, por acaso, no

acampamento dos verdadeiros cangaceiros. Diante dessa situação per-

turbadora, Bernardino Jabá impõe-se destemido com bravura e sotaque

nordestino perante o bando, para que não desconfiassem que na verdade

era uma simples família caipira.

Percebendo que havia uma festa antes de sua chegada, Bernardi-

no conduz o bando a continuar dançando, e obriga todos expressarem

Page 86: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 85

em seus rostos um sorriso, assim seu domínio sobre a ameaça de ser

reconhecido como não-cangaceiro se afasta diante desta condição.

Minois explica como a dança e o riso afastam influências perni-

ciosas:

A dança também pode contribuir para afastar a ameaça: “A dança e o riso têm a virtude do exorcismo. A dança mui-tas vezes nasceu de passos para esmagar e enterrar in- fluências perniciosas, e o riso tem o poder de dissipar os temores da noite”. (Minois, 2003, p. 166)

Bernardino, ao perceber a presença do líder daquele bando – Zé

Candeeiro39 –, apresenta-se com o apelido Lamparina, por fazer alusão ao

nome de seu rival. Podemos também perceber como na história de Lam-

pião e dos cangaceiros, que ao entrar para o cangaço, o seguidor recebe

um apelido:

A atribuição de um apelido inscreve-se numa antiga tradi-ção. A entrada para o cangaço poderia ser semelhante a uma segunda vida: sob o comando de Lampião, os novos recrutas perdiam seu nome de família, eram substituídos a uma espécie de rito iniciático que herdavam de seu chefe um apelido. Usavam armas emprestadas antes de comprá-las por conta própria e depois recebiam um lenço vermelho como prova de que pertenciam ao bando. Em seguida seu chefe encarregava-se de lhe fazer confeccionar um unifor-me a fim de que pudessem ser identificados pelos demais membros do grupo. O apelido, da mesma forma que o uni-forme de cangaceiro, selava um pacto de aliança. Para mui-tos cangaceiros, o apelido tinha relação seja com um momento de sua vida ou a do grupo, seja com qualidades ou particularidades físicas, morais ou guerreiras. (Grunspan-Jasmin, 2006, p. 90)

Para impor sua autoridade e superioridade, Lamparina logo após

sua apresentação, cospe nos anéis de seus dedos (estes pertencentes a

39 Candeeiro ou lampião também são conhecidos como um utensílio destinado a produzir luz, queimando óleo ou gás inflamável.

Page 87: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 86

sua esposa) e os fricciona na camisa. Esta mesma cena também é apre-

sentada no filme O Cangaceiro, isto ocorre quando Capitão Galdino en-

contra-se numa emboscada e mata seu perseguidor, líder da volante.40

A cena mais interessante do filme acontece quando a personagem

Lamparina apresenta sua família e o espanhol para Candeeiro. Lampa-

rina, para impressionar a todos, insiste em dizer que sua mulher matou

“15 homens com um só tiro” e que sua família e o amigo eram verdadei-

ros cangaceiros. Candeeiro estranha ao perceber o aspecto físico e cultu-

ral de “cangaceiro” em relação ao Espanhol, o qual indaga:

Candeeiro: Esse é cangaceiro também?

Espanhol: “Si señor, soy cangacero. Yo no tengo miedo de nada”.

Evidentemente, Candeeiro percebe que o homem fala outro idio-

ma, e lhe pergunta de onde veio.

Espanhol: “Yo soy de Madrid”.

40 Penso que esta imagem do “cuspir nos anéis e friccioná-los” remetem-nos às seguintes ques-tões: a de não dar importância sobre a presença do outro que se torna insignificante e o maior valor que se encontra ali são os anéis nos dedos e também no gatilho de uma arma vale mais que uma vida.

O Lamparina.

Page 88: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 87

Candeeiro: “Oxente! E tem Madri no Norte?”

Espanhol: “É claro que tem! Parece que no conece o Nordeste de

Brasil!”

Candeeiro fica confuso, e Lamparina aproveita a oportunidade

para arrematar a conversa:

Lamparina: “Você não vê? Precisa viajar mais ao Norte. Você não

conhece o Brasil. Eu ainda não compreendo porque está pertubando tanto

o Espanhol”.

Nesse momento Candeeiro confronta-se com sua própria ignorân-

cia e não é capaz de perguntar mais nada aos recém-chegados.41

Logo Candeeiro faz uma proposta de juntar os bandos para unir

forças para atacar vilas. Alguns dias depois, Bernardino, sua família e o

espanhol traem Candeeiro e o entregam às mãos da polícia. O que de-

termina a traição é, em primeiro lugar, a confusão de sotaques de Ber-

nardino, bem como a confusão causada pelo “brasileiro” de Madri.

Finalmente esta situação coloca Candeeiro em grande desvantagem,

quando ele confessa não conhecer a cidade de Madri, sua ignorância o

impede de dominar a situação.

O objetivo de Bernardino é deter os bandidos e, para tal, vai à ci-

dade e combina com os policiais como prender os verdadeiros cangacei-

ros. No dia combinado com os policiais, o heroísmo de Bernardino foi

desarmar o grupo de cangaceiros enquanto dormiam e ajudar a prender

o bando e o líder Zé Candeeiro que tanto aterroriza a vila.

41 Penso que a discussão entre o Lamparina e Zé Candeeiro, sobre geografia brasileira, provocam reflexões ou tentativas de se mostrar que os brasileiros desconhecem seu país, e que há possibili-dades de perder para estrangeiros, pois até mesmo o registro de duas diferentes línguas: portu-guês-Portugal e espanhol, além dos sotaques regionais, caipira e cangaceiro não são reconhecidos pelos personagens dentro da fronteira nacional, e que também não existe o conhecimento especí-fico de cada cultura interna.

Page 89: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 88

Na confusão de uma luta renhida, Candeeiro consegue fugir, e

Bernardino sai em perseguição e acaba sendo confundido com um ver-

dadeiro cangaceiro por causa dos trajes, é detido pela volante de uma

outra região e passa um ano na prisão42.

No entanto, a vida continua para sua mulher, os filhos, a filha e o

amigo espanhol. Eles vão morar na aldeia com todos os privilégios de

herdeiros de um grande homem que livrou o lugar do flagelo do cangaço.

Após sair da prisão, Bernardino tenta retomar a família, mas eles acredi-

tam que se trata de um fantasma, devido ao seu desaparecimento por

longo tempo, todos acreditavam que ele estava morto.

Bernardino agora não é mais reconhecido devido a sua presença

física, mas por seus feitos. Desolado, abandona a vila e pelo caminho

percebe que está sendo seguido por um menino, que se tornou órfão

devido aos ataques na vila por Zé Candeeiro. O menino é adotado por

Bernardino e estes vão morar numa fazenda aos arredores da vila de

Sororoca.

Um certo dia este mesmo menino sai à procura de um riacho pa-

ra pescar e encontra por acaso o esconderijo de Zé Candeeiro. Ao avisar o

delegado, este envia uma volante para capturar o cangaceiro foragido.

Neste mesmo momento Bernardino Jabá vai para a vila fazer

compras para a fazenda onde trabalhava. Ao passar em frente a igreja

Bernardino percebe que estava havendo um casamento, decide entrar e,

para sua surpresa, sua esposa estava se casando com o português, dono

do armazém na vila. Diante de sua presença, todos começaram a se

esconder por acharem que era seu espírito. Então o padre da igreja, ao

42 A luta de Bernardino, após sua saída da prisão, pode ser vista como uma tentativa de afirmar sua identidade por conta do código vestuário que promoveu sua prisão. Esta mesma luta é trava-da em vários filmes de Mazzaropi, semelhante àquela travada por outros tantos brasileiros deslo-cados até considerarem o novo lugar como seu lar.

Page 90: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 89

perceber a confusão, conversa com Bernardino e esclarece para a popu-

lação que tudo foi um mal-entendido.

Logo em seguida o menino assiste, ao pé da cruz da igreja, a vo-

lante passar por ele a cavalo com Zé Candeeiro algemado em direção à

prisão. A expressão facial do menino é de que a justiça tinha sido cum-

prida. Sendo assim, ele caminha em direção à igreja para juntar-se a

todos, soam se os sinos e finaliza-se o filme.

O final deste filme sugere um paralelo entre o sentimento de vin-

gança do menino órfão e a história de Lampião, o menino órfão procurou

as autoridades para fazer justiça, enquanto Lampião, ao ter seu pai

assassinado por um vizinho durante uma disputa de terra, teve como

opção matar.

Segundo Grunspin-Jasmin, esta percepção de vingança de Lam-

pião seria entrar para o cangaço para fazer justiça com as próprias mãos:

A opção de vida de Virgulino e de seus irmãos, portanto, obedeceu à necessidade de vingar a morte do pai, isto é, de lavar o sangue com o sangue, de fazer justiça pelas pró-prias mãos, uma vez que a justiça pública não o faz, de defender mente a honra, mas também de seus ancestrais. Entrar para o cangaço, nesse sentido, seria submeter-se a certa concepção de heroísmo, a uma obrigação moral, mas também ao método de se fazer respeitar. (Grunspan-Jasmin, 2006, p. 79)

No filme O Lamparina, Mazzaropi soube sintonizar a sua persona-

gem historicamente a uma estrutura social rural que precisava ser co-

mentada ainda no país. Lampião como a personagem Zé Candeeiro

fizeram da vingança um álibi, da reparação das ofensas pelas armas,

uma justificativa do horror e do medo que impôs, o que nos demonstra

que utilizaram para seus próprios fins e instrumentalizaram algo que

tinha um sentido na cultura do Nordeste, que o cangaceiro era um ho-

mem que lutava contra a propriedade. Ao passo que no filme a persona-

Page 91: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 90

gem caipira Bernardino e sua família, mesmo sem a terra para morar,

criaram seu próprio jeito de sobreviver no contexto socioeconômico que

os cercava, resistindo fortemente à corrupção de valores tradicionais,

como a honestidade e a solidariedade.

4.3. A Paródia no Cinema Brasileiro

O termo paródia tornou-se institucionalizado a partir do século

XVII. Conforme o professor Affonso Romano de Sant’Anna, em Aristóteles

aparece um comentário a respeito desta palavra. Em sua Poética atribui

a origem da paródia, como arte, a Hegemon de Tharso (século V a. C.),

porque ele usou o estilo épico para representar os homens não como su-

periores ao que são na vida diária, mas como inferiores. Teria ocorrido,

então, uma inversão. A epopéia, gênero que na Antiguidade servia para

apresentar os heróis nacionais no mesmo nível dos deuses, sofria agora

uma degradação. (Sant’Anna, 1998, p. 11)

Segundo o dicionário de literatura brasileira paródia significa:

Imitação sátira ou humorista de uma pessoa, palavras, es-tilo, atitudes, idéias ou acontecimento, visando a ridicula-rizar ou criticar, mediante exageração dos traços originais. É semelhante à caricatura ou ao burlesco e é um ramo da sátira, e tem freqüentemente intuito de correção. As maio-res paródias da literatura moderna são o Dom Quixote, de Cervantes, o Gargantua e Pantagruel, de Rebelais. Há inú-meras paródias em escritores modernos sob a forma de “a maneira de”. No Brasil, a paródia de intenção burlesca apareceu em Artur Azevedo com as peças A filha de Maria Angu (1876) e A Casadinha de fresco (1876). (Coutinho e Souza, 2001, p. 1.219)

A paródia no cinema brasileiro surgiu como uma forte indicação

da relação de poder existente na luta pelo mercado cinematográfico,

apontando diretamente para a força dominante neste mercado que era a

Page 92: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 91

do filme estrangeiro, notadamente de procedência a norte-americana. O

simples fato de que a paródia, no cinema brasileiro, é dirigida basica-

mente para o filme americano já era um dado revelador de sua penetra-

ção em nossa cultura cinematográfica. Esta influência apareceu, em nível

econômico, através do domínio do mercado cinematográfico e refletiu na

produção cultural pelo maior ou menor grau de colonização do público

que produzia e que consumia cinema entre nós (Vieira, 1983, p. 22).

Entretanto, o fato de a paródia geralmente significar a situação de

dominação econômica e cultural não quer dizer que ela explicite uma crí-

tica consciente, tampouco a denúncia de sua dependência. Paulo Emilio

Salles Gomes observou que se critica o próprio cinema brasileiro através

de suas origens:

Não somos europeus nem americanos do norte, mas desti-tuídos de cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tu-do o é. A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e o ser outro. O fenô-meno cinematográfico no Brasil testemunha e delineia muita a vicissitude nacional. (Gomes, 1980, p. 90)

João Luiz Vieira comenta as paródias produzidas no Brasil dirigi-

das a cultura brasileira:

Apesar de a maioria das paródias se voltar para o filme es-trangeiro, há também os casos de paródias dirigidas ao ci-nema e a cultura brasileira, como, por exemplo, a imitação que Colé fez de Rodolfo de (Obrigado doutor), no filme de Moacyr Fenelon, Estou ai? (1949). Em è a maior (1958), So-nia Mamede e Nadia Maria parodiavam duas das maiores estrelas da Rádio Nacional da época, Marlene e Emilinha Borba. E dois dos gêneros mais populares do cinema brasi-leiro, o filme de cangaceiro e a própria chanchada foram também parodiados em filmes como O primo do cangaceiro (1955) e Os três cangaceiros (1961) enquanto que Cacá Diegues evoca em Quando o carnaval chegar (1972) o clima das comédias musicais da Atlântida. Rogério Sganzerla também não deixa de lado a chanchada na mistura de gê-

Page 93: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 92

neros proposta por seu filme O bandido da luz vermelha (1968) onde a própria chanchada explica a mistura que há no filme entre policial, western, science-fiction, etc. O mes-mo acontece com alguns filmes de Julio Bressame, nota-damente O rei do baralho (1973) onde, além da presença de Grande Otelo, há uma série de situações típicas da chan-chada. Em tais filmes, a chanchada, além do seu potencial próprio como catalisadora da paródia, entra nesses filmes como um dado cultual tipicamente brasileira e que havia sido radicalmente rejeitado pelo Cinema Novo. (Vieira, 1983, p. 25)

4.4. Lamparina versus Lampião:

uma paródia do mito “Rei do Sertão”

O filme O Lamparina (1964) talvez tenha sido o melhor exemplo

de dupla paródia criada por Mazzaropi, pois faz as ações de uma perso-

nalidade histórica, Virgulino Ferreira da Silva – “O Lampião”, um canga-

ceiro real que vagava pelo interior do Nordeste brasileiro no início do

século XX, é o gênero sobre cangaço, versão do gênero brasileiro Nordes-

tern43.

No filme, podemos encontrar o que talvez seja a melhor metáfora

da paródia no cinema brasileiro, por tratar-se de situações de mistura de

heróis que há entre cinema e fatos do cangaço.

A questão do herói tratado no filme O Lamparina é um tipo de he-

rói com excesso de caráter, aqui representado por Mazzaropi. Contudo é

43 Sessenta filmes brasileiros tiveram o cangaço como tema principal, secundário ou citação. Cangaceiros, com seus vistosos adereços e indumentárias, aparecem em documentários (como Memória do cangaço, A musa do cangaço, A mulher no cangaço), em filmes de aventura (os nordes-tern que têm O cangaceiro de Lima Barreto, como paradigma), em épicos ou alegóricos (Deus e o diabo na terra do sol, O dragão da maldade contra o Santo Guerreiro, Porta de fogo) e, também, em paródias/sátiras/comédias (Os três cangaceiros, Pedro Bó, o caçador de cangaceiros, Deu a louca no cangaço, O lamparina, Kung Fu contra as bonecas) e até pornochanchadas (Cangaceiras eróti-cas, A ilha das cangaceiras virgens). Para uma lista completa dos filmes sobre o cangaço, veja (Caetano, 2005, pp. 114-116).

Page 94: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 93

um caráter caipira, desajeitado e sempre aparece do mesmo jeito e ja-

mais abandona seu jeito de ser como homem simples e rural. Diferente-

mente daquela que aparece em nossa literatura tratada por Mario de

Andrade44, em Macunaíma45 que não tem tribo específica à qual possa

atribuir sua origem. Sua existência, de fato, confunde a idéia de origens

que fala de um Brasil cósmico.

Quanto à figura histórica de Lampião, podemos atribuir-lhe ca-

racterísticas de um símbolo de mito popular que, no entanto, algumas

vezes também é amaldiçoado pela forma que é apresentado através da

literatura de cordel, de romances, da televisão e pelo cinema.

A conceituação de formação do mito do cangaço e de Lampião é

tomada como ponto de partida para a compreensão da historiadora

Maria Isaura Pereira Queiroz, que diz:

A compreensão do cangaço se alargava para além dos limi-tes de sua existência efetiva, invadindo as paragens do imaginário e se enriquecendo com significados múltiplos, que não pertenciam nem à sua origem, nem à sua vigência real. Toda esta afabulação em torno do cangaço fora norte-ada. Principalmente, por dois parâmetros: a oposição de certos intelectuais contra as camadas dominantes e sua representação, o governo; um sentimento nacionalista ge-neralizado, que as condições econômicas reforçavam. Mesmo Lampião, que na literatura de cordel era sempre encarado como bandido, cuja ação era norteada pelo seu próprio interesse, ambicioso e truculento, adquiriu os lineamentos do herói social justiceiro, de um Robin Hood. (Queiroz, 1986, p. 67)

44 Foi a Semana de 22, com seus desdobramentos que projetou Mário de Andrade como figura-chave do movimento modernista. Com determinação própria dos líderes que visavam implantar uma nova consciência, ele multiplicou-se em músico, pesquisador de etnografia e folclore, poeta, contista, romancista, crítico de todas as artes, correspondente cultural, além de ter ocupado car-gos na burocracia estatal, ligados ao desenvolvimento da cultura em geral (Andrade, 2001, p. 166). 45 A obra Macunaíma, de Mario de Andrade foi publicada em 1928. Foi transformada em filme por Joaquim Pedro de Andrade em 1969. Acredito que a recuperação de uma obra modernista no final da década de 60 traduz dois contextos históricos: a preocupação com o caráter nacional com a definição do que é brasileiro, em contraposição ao produto estrangeiro, na forma de descoloni-zar a produção cultural no país, tal como são tentativas do modernismo e do Cinema Novo.

Page 95: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 94

Conforme Feijó, a popularidade de Lampião como herói popular

ou “bandido herói” possui significados ainda de origens medievais, ad-

vindos pelo período de transição para o capitalismo em que os feudos

com excedente populacional desalojavam da terra uma grande parcela da

população. Sem lugar para se fixar, formavam grupos de beatos, fanáti-

cos ou simplesmente viviam de esmolas. Enquanto outros inconformados

com a situação formavam bandos armados para saquear e assaltar cara-

vanas, castelos e aldeias.

Atribuído a esta origem de “banditismo social” , formava-se este

tipo de herói que se vingava da condição em que eram tratados pela clas-

se dominante. Pode-se classificar Lampião como herói diante das histó-

rias do mais famoso bandido medieval, o inglês Robin Hood e do

mexicano Pancho Villa. Feijó apresenta esta condição social também co-

mo uma revolução social:

O aspecto mais interessante é que a fama dos bandidos tem sempre um caráter social: isto é, não são apenas he-róis corajosos e guerreiros, mas representam sempre uma sede de justiça coletiva. Na Inglaterra do século XIII, na Espanha do século XVIII ou no México do século XX, esse tipo de manifestação (de o “banditismo social” e o vulto que adquirem heróis populares através de baladas, poesias e lendas) apareceu sempre que um sistema agrário entrou em crise sem que houvesse uma economia urbano-industrial que absorvesse esse contingente de população marginalizada ou uma possibilidade histórica da revolução social. (Feijó, 1984, p. 31)

O fim do ciclo do cangaço foi marcado na história do Brasil com a

morte do sucessor de Lampião, o cangaceiro Corisco. Ele foi morto em 5

de maio de 1940. Entretanto as lembranças populares continuavam

vivas, em literatura de cordel, livros e documentários. Muitas destas

obras atribuem glamour e misticismo a Lampião como herói-bandido.

Sobre a função da paródia exercida no cinema, Fiker faz a seguintes con-

siderações:

Page 96: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 95

A construção explicativa do mundo operada pelo mito, his-toricamente arcaica, ao ser deslocada por novos sistemas epistemológicos, sobrevive ao seu momento como força conservadora e, erigida essencialmente sobre elementos ideológicos, passa a constituir-se em postura não mais de explicação dos processos reais, mas de mistificação deste. A função da paródia neste segundo momento é intrinseca-mente desmistificadora, consistindo sobretudo na exacer-bação crítica dos aspectos da estrutura arcaica do mito em contraste com o contexto específico onde ele ocorre à ma-neira de um corpo estranho. Ou no deslocamento para fora de seu contexto adicional, espécie de carapaça camuflado-ra, trazendo à luz seu verdadeiro contorno. Aqui a paródia opera como um anti-corpo no sentido de rejeitar o corpo estranho do interior do organismo. (Fiker, 2000, pp. 9-10)

No filme O Lamparina, o tema caipira versus cangaceiros, o hero-

ísmo de Bernardino Jabá ao se passar por Lamparina ganhou aspecto de

epopéia moral, em que o bem era representado pelo caipira simples e ho-

nesto e o mal era representado pelo cangaceiro. A natureza de western e

cômico não se esquivava de mostrar uma certa brutalidade do regime do

cangaço, pois cangaceiros atacavam vilarejos e deixaram um menino

órfão, por sua vez Lamparina jamais matou alguém, ele apenas fingia ter

matado muitas pessoas só para impor respeito diante do grupo de can-

gaceiros: suas histórias eram de coragem e ousadia, contudo eram

mentiras46.

O Lamparina, portanto, pode ser visto de duas maneiras: como

tentativa de compreender a dinâmica de formação de mitos gerados pelo

cangaço como resultados da própria história. E também como maneira

de justificar o domínio econômico do nordeste pelos estados do Sul-

sudeste.

Eva Paulino ressalta nos filmes de Mazzaropi que: 46 Na façanha de livrar a vila dos ataques de cangaceiros, Lamparina dialoga com mentiras, em que talvez outros relados reais de aventuras dos cangaceiros sejam mentiras também, inventadas para assustar os inimigos dos nordestinos. Nesse caso, seus inimigos são aqueles que chegam à região para dominá-la e transformá-la.

Page 97: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 96

Mazzaropi insistentemente explora em seus filmes o cho-que do reconhecimento e a sensação de estranhamento, ele-mentos simultâneos que tais brasileiros deslocados percebem quando se confrontam com “outros brasileiros” semelhantes e diferentes ao mesmo tempo. (Bueno, 1999, p. 16)

Mazzaropi usava a paródia em O Lamparina, na forma de inter-

textualidade entre a personagem Lamparina e a figura histórica de Lam-

pião, podemos citar Linda Hutcheon sobre a necessidade de reafirmar a

paródia como uma fonte de estudo e análise:

A paródia é, pois, na sua irônica transcontextualização e inversão, repetição com diferença. Está implícita uma dis-tanciação crítica entre o texto em fundo a ser parodiado e a nova obra que incorpora, distância geralmente assinalada pela ironia. Mas esta ironia tanto pode ser apenas bem humorada, como pode ser depreciativa; tanto pode ser cri-ticamente construtiva, como pode ser destrutiva. O prazer da ironia da paródia não provém do humor em particular, mas do grau de empenhamento do leitor no <<vai e vem>> intertextual (bouncing) para utilizar o famoso termo de E. M. Forster, entre cumplicidade e distanciação. (Hutcheon, 1985, p. 48)

O filme O Lamparina foi analisado com base nos pressupostos

teóricos de Bakhtin, em A cultura popular na idade média e no renasci-

mento: o contexto de François Rebelais, diante das imagens do realismo

grotesco (isto é, no sistema de imagens da cultura cômica popular) atra-

vés do princípio material e corporal sob a forma universal:

No realismo grotesco, o elemento material e corporal é um princípio profundamente positivo, que nem aparece sob uma forma egoísta, nem separado dos demais aspectos da vida. O princípio material e corporal é percebido como uni-versal e popular, e como tal opõe-se a toda separação das raízes materiais e corporais do mundo, a todo isolamento e confinamento em si mesmo, a todo caráter ideal abstrato, a toda pretensão de significação destacada e independente da terra e do corpo. (Bakhtin, 1987, p. 17)

Page 98: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 97

Podemos contrastar a concepção grotesca do corpo no filme

quando a família caipira de Bernardino Jabá foi travestida pelo código de

vestimenta dos cangaceiros nordestinos (chapéu de couro cheio de estre-

las, cartucheiras enfeitadas de bordados e recheadas de balas), ou seja,

qualquer pessoa trajada de cangaceiro tornava-se cangaceiro.

Considerando que a vestimenta servia de máscara para a família

caipira que se disfarçava de cangaceiros no filme, Bakhtin comenta o uso

da máscara no sentido da cultura popular:

A máscara traduz a alegria das alternâncias e das reencar-nações, a alegre relatividade, a alegre negação da identida-de e do sentido único, a negação da coincidência estúpida consigo mesmo; a máscara é a expressão das trans- ferências, das metamorfoses, das violações das fronteiras naturais, da ridicularização, dos apelidos; a máscara en-carna o princípio de jogo da vida, está baseada numa pecu-liar inter-relação da realidade e da imagem, características das formas mais antigas dos ritos e espetáculos. O comple-xo simbolismo das máscaras é inesgotável. Basta lembrar que manifestações como paródia, a caricatura, a careta, as contorções e as “macaquices” são derivadas da máscara. É na máscara que se revela com clareza a essência profunda do grotesco. (Bakhtin, 1987, p. 35)

Por meio da máscara a personagem Bernardino Jabá construiu

um novo rosto, uma outra personagem – o Lamparina – que pela inversão

de valores culturais provocou o riso por fantasiar a imagem caricaturada

de Lampião. Além disso, foi através da apresentação do apelido da persona-

gem Lamparina, que podemos refletir sobre as origens do humor despertado

como costume camponês que ganhou sentido cômico. Segundo Minois:

A língua latina permite também compreender o caráter mordaz do humor latino. Com suas formas elípticas, ele se presta maravilhosamente ao sarcasmo, à tirada, ao jogo de palavras conciso e picante, característico da dicacitas, ou causticidade. O costume camponês de cobrir as pessoas de impropérios está na origem de muitos sobrenomes latinos,

Page 99: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 98

estigmatizando defeitos físicos, intelectuais e morais, tais como Scaurus, o manco, Galba, o barrigudo, Sêneca, o velhote, Lur-co, glutão, Brutus, o grosseiro, ou Bibulus, o beberrão. To-mando-se por base esses sobrenomes, o simples deslo- camento de uma letra permite uma mudança de sentido cômico: M. Fulvius Nobilior, o notável, torna-se, para Ca-tão, Mobilior, o instável. Essa prática, que para nós revela-se de baixo nível, é comum mesmo nos exercícios oratórios de alto nível, tais como as prédicas de Cícero. Este não he-sita em recomendar o procedimento, assim como os dimi-nutivos: seu adversário, Clodius Pulcher (o belo), torna-se Pulchellus (o belo garoto ). Ele próprio, Cícero (o grão-de-bico), não escapa às brincadeiras, que aceita de bom grado. Aos amigos que lhe aconselham mudar de nome, ele res-ponde que tornará esse grão-de-bico tão célebre quanto Catão (o prudente), Catullus (o pequeno travesso) ou Sacaurus (o manco). (Minois, 2003, p. 85)

Virgulino Ferreira da Silva e Bernardino Jabá não escaparam

dessa origem camponesa latina em seus apelidos. O primeiro recebeu o

apelido ao entrar para o cangaço de Lampião47, pois teria uma relação

com a luz que emanava de sua arma quando ele atirava, o segundo apre-

senta-se como Lamparina por confrontar com a ignorância do Capitão Zé

Candeeiro, pois surgiu esta idéia de apelido diante da situação de que

algo precisava ser “clareado” para impor uma farsa de dominação. Ambos

na concepção de Bakhtin passavam a receber o que o autor denomina de

nome-alcunha:

Se um nome tem um valor etimológico determinado e cons-ciente o qual, ainda por cima, caracteriza a personagem que o traz, já não é mais um nome, mas uma alcunha. Es-se nome-alcunha não é jamais neutro, pois o seu sentido inclui sempre uma idéia de apreciação (positiva ou negati-va), é na realidade um brasão. Todos os verdadeiros apeli-

47 Conforme Grunspan-Jamin (2006, p. 92), a atribuição do apelido “Lampião”, qualquer que seja a sua origem, sela uma espécie de aliança definitiva com o cangaço. Doravante há um “antes” e um “depois” desse pacto. Virgulino adota uma nova identidade. Ele torna-se Lampião e assume toda dimensão simbólica de seu apelido. Enquanto alguns cangaceiros recebiam apelidos ao seu meio ambiente natural, nomes de árvores ou de animais, o que demonstrava um laço muito forte com o sertão, alusão ao clarão que saía de sua arma ligava Lampião a um universo guerreiro, e quando ele se fizesse chefe de grupo seus atos seriam condizentes com seu apelido.

Page 100: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 99

dos são ambivalentes, isto é, têm uma matiz elogioso-injurioso. (Bakhtin, 1987, p. 405)

Para as construções da personagem Lamparina, utilizou-se de

um processo paródico que rompia com a estrutura mítica. Esse processo

tinha como característica o humor, o riso e a ironia, elementos que des-

construíram a imagem de poder do mito cangaceiro; como então é ridicu-

larizado através da representação do bufão na visão carnavalesca:

Essa visão carnavalesca oposta a toda idéia de acabamento e perfeição, a toda pretensão de imutabilidade e eternida-de, necessitava manifestar-se através de formas de expres-são dinâmicas e mutáveis (protética), fluantes e ativas. Por isso todas as formas símbolos da linguagem carnavalesca estão impregnados no lirismo da alternância e da renova-ção, da consciência da alegre relatividade das verdades e autoridades no poder. Ela caracteriza-se, principalmente, pela lógica original das coisas “ao avesso”, “ao contrário”, das permutações constantes do alto e do baixo (“a roda”), da face e do traseiro, e pelas diversas formas de paródias travestis, degradações, profanações, coroamentos e destro-namentos bufões. A segunda vida, o segundo mundo da cultura popular constrói-se de certa forma como paródia da vida ordinária, como um ‘mundo ao revés”. (Bakhtin, 1987, pp. 9-10)

O medo do regime do cangaço foi vencido através do riso, e o

Lamparina exprimia através de seu disfarce que se tornou hilário por ser

um simples caipira que conseguiu “enganar” cangaceiros. Sobre o riso,

Minois comenta sua função de exorcizar o medo:

Simultaneamente, o riso carnavalesco está lá para dar se-gurança, para vencer o medo. É por isso que vêem nos cor-tejos, figuras exóticas, monstruosas, falsamente assusta- doras que ameaçam atacar: provocar medo sabendo que é para “rir” é um meio de exorcizar o medo. Vêem-se homens e mulheres selvagens, com sua clava, mouros, mais tarde indianos, dragões, tal como o famoso monstro (tarasca) de Tarascon, e gigantes, engraçados e inofensivos, cuja ma-landragem provoca hilaridade, como Rouen, em 1485:

Page 101: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Capítulo 4 – A paródia no contexto histórico do cangaço como narrativa no cinema brasileiro 100

“Para rir, vinham saciar-se na mencionada fonte outros personagens, entre eles uma mais alta e maior que um gi-gante, que mal podia abaixar-se para beber na referida fon-te”. Dominar essas criaturas, demonstrar sua impotência tranqüiliza. (Minois, 2003, p. 166)

O aspecto cômico de Mazzaropi pode ser visto por conduzir a ridi-

cularização sobre as aparências da realidade e produzir um interesse

maior pelas ações contraditórias nos temas tratados.

Rittner define o cômico como:

Há muitas contradições entre filósofos sobre a natureza do cômico, o que nos exige uma síntese pessoal. Ao afastar a aparente seriedade do mundo, o humor elimina a razão, rompendo as relações triviais e conhecidas entre objetos e entre as pessoas (...) a eternidade da categoria cômica se explica não só por serem nela ridicularizadas as conven-ções sociais, mas principalmente porque ela representa um retorno à nossa espontaneidade vital. Através de seus ele-mentos integrantes (o imprevisto, a surpresa, a ironia, o sarcasmo e a sátira) o cômico nos emancipa das normas de conduta da sociedade organizada, propondo a anarquia. A rigor, o cômico implica um desinteresse pelas aparências da realidade e um interesse por sua essência contraditória. Não se confunde o cômico com o risível, pois este é apenas um dos aspectos daquele. Em todo caso, o riso provém de uma frustração da atitude expectante do observador: espe-ra-se uma coisa, acontece outra. Portanto, uma condição necessária, mas não suficiente para a existência do cômico é que entre causa e efeito haja um rompimento, uma de-sarmonia, uma falta de correspondência lógica. Enfim, o cômico não é apenas uma sátira corrosiva ao mundo real, mas constitui todo um universo de sensações e emoções novas, porque espontâneas. (Rittner, 1965, p. 49)

As considerações aqui apresentadas sobre paródia são importan-

tes pelo fato de a cinematografia de Mazzaropi, em O Lamparina, caracte-

rizar-se não apenas pela representação da cultura popular, mas também

por utilizar o cômico e a paródia como expressão de diálogo entre duas

culturas no Brasil.

Page 102: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Considerações finais 101

Considerações Finais

cinema brasileiro quase sempre enfocou o ru-

ral/sertão, desde o surgimento dos primeiros projeto-

res e a chanchada que traziam musicais caipiras, o

que possibilitou a produção qualificada, técnica e artística da Vera Cruz

que personificou a favor da indústria cultural e do estilo cinema holly-

woodiano.

O Cinema Novo redescobriu o Brasil e o sertão como uma fonte

muito rica de narrativas e temas que, através do gênio cineasta Glauber

Rocha, foram transpostos para o cinema, havendo o embate entre cultu-

ra popular e ideologia dominante.

A partir da década de 1950, surgiu no cinema brasileiro o ator e

diretor Amacio Mazzaropi com seu jeito personificado de Jeca, ocupando

as telas com sucesso de bilheteira e público no Brasil, podendo ser teori-

zada como contestação da indústria hegemônica que desde seu nasci-

mento foi assediada por companhias multinacionais.

De todos os elos que uniam o cinema brasileiro ao seu público, o

de identificação mais imediata e forte foi o humor: o ingênuo nas chan-

chadas, o irônico no cinema novo e o humor típico brasileiro.

O humor característico de Mazzaropi, que não encontramos em

outras cinematografias, foi o responsável pela maioria de nossos suces-

sos populares. Esse humor, a crítica, o contexto histórico parecem ser a

característica facilmente identificável através do nosso caipira.

Page 103: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Considerações finais 102

Tal importância de Mazzaropi deve-se ao fato de ele fazer cinema

com elementos da nossa própria cultura, mostrando considerável conhe-

cimento dos temas, problemas e ansiedades dos brasileiros, expressos de

forma criativa em paródias e chanchadas.

O Caipira-cangaceiro de O Lamparina (1964) pode ser considera-

do uma exposição sobre fenômenos da cultura popular em que o come-

diante retomou tradições da cultura brasileira: a personagem caipira

funciona como elemento unificador que analisa e comenta outros ele-

mentos que ocorrem no espaço nacional, como a figura do cangaceiro,

que ainda se tratava de um fato nacional a ser discutido e comentado em

nosso país.

O cangaceiro representava o homem do sertão brasileiro e este ti-

po de filme ganhou um nome próprio de gênero northwerns. Além de seu

alcance simbólico de contestação e rebeldia, no que diz respeito ao signi-

ficado, razão pela qual foi recuperado à época do cangaço. A figura de

Lampião viria, assim, a constituir um ícone na construção de sua perso-

nagem para interpretações:

Relatar a vida dessa personagem é, portanto, antes de tu-do, observar como se constrói uma história individual na qual o real, o simbólico e o imaginário se mesclam, em que o próprio Lampião torna-se cúmplice da construção de sua personagem e da sua lenda, com a fragilidade do testemu-nho oferecendo perspectivas de interpretação de uma ri-queza infinita. (Grunspan-Jasmin, 2006, p. 35)

A paródia serviu como um meio de entrar em acordo com os tex-

tos do passado em suas formas históricas, conforme Linda Hutcheon:

Os artistas modernos parecem ter reconhecido que a mu-dança implica continuidade e oferecerem-nos um modelo para o processo de transferência e reorganização desse passado. As suas formas paródicas, cheias de duplicida-des, jogam com as tensões criadas pela consciência históri-ca. (1985, p. 15)

Page 104: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Considerações finais 103

Isto quer dizer que Mazzaropi como parodista, em suas obras,

remetem-nos a um passado, valorizando-o, ao invés de somente criticá-lo

como fundamentos de compreensão do mundo.

Em seus filmes, o universo de contradições que consomem a so-

ciedade entre a pobreza e a riqueza é apresentado através de dicotomia

entre sentimentos de amor e ódio, as faces humanas de bondade versus

maldade, humildade versus arrogância, solidariedade versus egoísmo, a

igualdade versus a desigualdade. A condição humana do caipira Mazza-

ropi tinha como referência colocar em discussão situações sobre a justiça

social em seu contexto cultural.

É nesse sentido que proponho nesse trabalho uma visão desse

encontro de culturas no meio cinematográfico representado por Mazzaro-

pi, não de forma estática, pois é uma alternativa de fornecer uma leitura

sobre memória, história e cultura.

Page 105: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Referências bibliográficas 104

Referências Bibliográficas

ABREU, Regina. O enigma de Os Sertões. Rio de Janeiro: Funarte/Rocco, 1998.

AMARAL, Amadeu. O dialeto caipira. São Paulo: Hucitec; Brasília: INL-MEC,

1981.

ANDRADE, Mario de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Texto revisto por

Telê Porto Ancona Lopez. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Livraria

Garnier, 2001.

AUGUSTO, Sérgio. Este mundo é um pandeiro: a chanchada de Getúlio Vargas a

JK. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

AUMONT, Jacques et al. A estética do filme. Tradução Marina Appenzeller; revi-

são técnica Nuno César P. de Abreu. Campinas, SP: Papirus, 1995.

BAKHTIN, M. M. A cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto

de François Rabelais. São Paulo: Hucitec; Brasília: Editora Universidade

de Brasília, 1987.

BARSALINI, Glauco. Mazzaropi: O jeca do Brasil. Campinas, SP: Átomo, 2002.

BERNARDET. Jean-Claude. Brasil em tempo de cinema. Rio de Janeiro: Civiliza-

ção Brasileira, 1967.

BUENO, Eva Paulino. O artista do povo: Mazzaropi e Jeca Tatu no cinema do

Brasil. Maringá: Eduem, 1999.

CAETANO, Maria do Rosário (org.). Cangaço: O nordestern no cinema brasileiro.

Brasília: Avathar, 2005.

Page 106: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Referências bibliográficas 105

CALIL, Carlos Augusto e MACHADO, Maria Teresa (org.). Paulo Emílio: um inte-

lectual na linha de frente – Coletânea de textos de Paulo Emílio Salles

Gomes. São Paulo: Brasiliense; Rio de Janeiro: Embrafilme, 1986.

CANDIDO, Antônio. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e

as transformações de seus meios de vida. São Paulo: Duas Cidades,

1998.

CASCUDO, Luis Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo: Global,

2001.

_______. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo: Edusp, 1988.

CATANI, Afrânio Mendes; SOUZA e MELO, José Inácio de. A chanchada no

cinema brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1983.

COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 2003.

COUTINHO, Afrânio e SOUSA, J. Galante de. Enciclopédia de literatura brasi-

leira. 2 ed. São Paulo: Global Editora, 2001.

CUNHA, Euclides da. Os sertões. São Paulo: Ática, 1998.

DANTAS, Macedo. Cornélio Pires: criação e riso. São Paulo: Duas Cidades, Secre-

taria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976.

DENNILSON, Stephanie e SHAW, Lisa. Popular cinema in Brazil. Manchester

University, 2004.

DIAS, Rosangela de Oliveira. O mundo como chanchada: cinema e imaginário das

classes populares na década de 50. Rio de Janeiro: Relume-Dumará,

1993.

DÓRIA, Carlos Alberto. O cangaço. São Paulo: Brasiliense, 1981.

FABRIS, Mariarosaria. Nelson Pereira dos Santos:Um olhar neo-realista? São

Paulo: Universidade do Estado de São Paulo, 1994.

Page 107: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Referências bibliográficas 106

FACÓ, Rui. Cangaceiros e fanáticos – gênese e luta. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1963.

FEIJÓ, Martin Cezar. O que é herói. São Paulo: Brasiliense, 1984.

_______. Glauber: da idade dos homens à idade dos deuses. São Paulo: Prol,

1996.

FERNANDES, Francisco. Dicionário brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro/

Porto Alegre/São Paulo: Globo, 1956.

FIKER, Raul. Mito e paródia: entre a narrativa e o argumento. Araraquara:

FCL/Laboratório Editorial/Unesp; São Paulo: Cultura Acadêmica Edito-

ra, 2000.

FILHO, Rubens Edwald. Os 100 maiores cineastas. São Paulo: Vimarc, 2001.

FONSECA, Cristina. O pensamento vivo de Glauber Rocha. São Paulo: Martin

Claret, 1987.

GERBER, Raquel. Glauber Rocha e a experiência inacabada do cinema novo. Rio

de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

_______. O mito da civilização atlântica: Glauber Rocha, cinema, política e a estéti-

ca do inconsciente. Petrópolis: 1982.

GOMES, Paulo Emílio Salles. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. Rio de

Janeiro: Paz e Terra/Embrafilmes, 1980.

GONZAGA, Adhemar e GOMES, Paulo Emílio Salles. 70 anos de cinema brasilei-

ro. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1966.

GRUNSPAN-JASMIN, Élise. Lampião: senhor do sertão: vidas e mortes de um

cangaceiro. Tradução de Maria Celeste Franco Faria Marcondes e Anto-

nio de Pádua Damesi. São Paulo: Edusp, 2006.

HUTCHEON, Linda. Uma teoria da paródia. Ensinamentos das formas de arte do

século XX. Tradução de Teresa Louro Pérez. Rio de Janeiro: Edições 70,

1985.

Page 108: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Referências bibliográficas 107

LANDERS, Vasda Bonafini. De jeca a macunaíma: Monteiro Lobato e o moder-

nismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.

LOBATO, Monteiro. Urupês. 37. ed. Obras completas, São Paulo: Brasiliense,

2004.

LUNARDELLI, Fatimarlei. Ô psit! – o cinema popular dos trapalhões. Porto

Alegre: Artes e Oficio, 1996.

MINOIS, Georges. História do riso e do escárnio.Tradução de Maria Elena

Assumpção. São Paulo: Unesp, 2003.

PIRES, Conélio. Selecta caipira. São Paulo: Livraria Liberdade, 1929.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. História do cangaço. São Paulo: Global, 1986.

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo:

Companhia das Letras, 1995.

RITTNER, Maurício. Compreensão de cinema. São Paulo: Editora São Paulo,

1965.

ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1963.

SALEM, Helena. Noventa anos de cinema, uma aventura brasileira. Rio de

Janeiro: Sogeral, 1988.

SANT’ANNA, Affonso Romano. Paródia, paráfrase e cia. São Paulo: Ática, 1998.

TOLENTINO, Célia Aparecida Ferreira. O rural no cinema brasileiro. São Paulo:

Unesp, 2001.

VIANY, Alex. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Nacional

do Livro, 1959.

XAVIER, Ismail. Sertão mar: Glauber Rocha e a estética da fome. São Paulo:

Cosac Naify, 2007.

Page 109: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Referências bibliográficas 108

PERIÓDICOS

ALVES, Bruno Fernandes. A identidade nacional na pós-modernidade: o caso

dos quadrinhos brasileiros. Universidade Federal de Pernambuco, Reci-

fe, 2002, pp. 4-5. Disponível em: http://www.ppgcomufpe.

com.br/detalhe_publicacao.asp?cod_pub=6&pub_disc=1 acesso em:

15/10/2007.

BARSALINI, Glaco. Revista Ângulo, n. 82/83, janeiro/junho, 2000 – Especial

Mazzaropi – Cadernos do Centro Cultural Teresa D’Ávila, Lorena, São

Paulo, pp. 54-61.

BERNARDET, Jean-Claude. Jornal Última Hora, 22 de janeiro de 1964.

_______. “Nem pornô, nem policial: Mazzaropi”. Jornal Última Hora, 22-23 de

julho de 1978, p. 11.

_______. “Mazzaropi”. Jornal Última Hora, 22-23 de julho de 1978, p. 11.

FEIJÓ, Martin Cezar. “Do verbal ao visual: fontes literárias e cinematográficas

em Deus e o diabo na terra do sol”, de Glauber Rocha. FACOM – Revis-

ta da Faculdade de Comunicação da FAAP – n. 16 – 2. semestre de

2006, p. 39.

FERREIRA, Jairo. “Alma caipira do cinema que deu certo”. O Estado de S.

Paulo. Caderno 2, quinta feira, 13 de junho de 1991.

LANGARO, Jerri Antonio. “Jeca Tatu: um personagem aquém da plenitude hu-

mana”. Revista Espaço Cultural – ano V, n. 10 – 2. semestre, 2003.

LOYOLA, Inácio de. “A contribuição de Mazzaropi para o Retrocesso”. Última

Hora, 4 de fevereiro de 1965.

MARINA, Júlia. As aventuras de Jairo Ferreira no cinema brasileiro. Cinefilia,

2003. Disponível em http://canalcinefelia.com.br/coluna/coluna14.

php acesso em: 05/07/2007.

MENDES, Oswaldo. “O cinema perde seu Jeca”. Folha de S. Paulo, de 14 de

junho de 1981.

Page 110: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Referências bibliográficas 109

NEVES, Erivaldo Fagundes. Sertão como recorte espacial e como imaginário cul-

tural. POLITEIA hist. e Soc., Vitória da Conquista, 2003, v. 3, n. 1, pp.

153-162. Disponível em http://uesb.br/politeia/v3/artigo_06.pdef

acesso em: 12/06/2007.

RODRIGUES, Carlos Roberto. Mazzaropi: a imagem de um caipira. SESC – Ser-

viço Social do Comércio. São Paulo: junho, 1984.

SALEM, Armando. “O Brasil é o meu público: De Jeca a Djeca, um sucesso de

25 anos, com os cinemas sempre lotados”. Entrevista Mazzaropi, Veja,

28 de janeiro de 1970.

_______. “A mágoa de Mazzaropi: uma crítica que só pensa em dinheiro”. Veja,

28 de janeiro de 1970.

VIANY. Alex. “O velho e o novo”. Arte em Revista – ano I, n. 2, maio-agosto de

1979.

VIEIRA, João Luiz. Este é o meu, é nosso: introdução à paródia no cinema brasi-

leiro, Embrafilme, maio, 1983 n. 41/42 (Centro Cultural São Paulo).

SITES

1. http://www.institutomazzaropi.org.br/ acesso em 25/10/2007

2. http://www.almanaque.folha.uol.com.br/ilustrada_14jun1981.htm

em 20/09/2007

3. http://www.cinemando.com.br/200211/historico/veracruz.htm

em 01/05/2007

4. http://www.canalcinefilia.com.br/coluna/coluna14php em 05/06/2007

5. http://www.citybrazil.com.br/sp/taubate/persona.htm em 08/06/2007

6. http://www.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/ em 09/06/2007

Page 111: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Referências bibliográficas 110

FILMOGRAFIA MAZZAROPI

1. Sai da frente (1952). Vera Cruz. Direção: Abílio Pereira de Almeida.

2. Nadando em dinheiro (1952). Vera Cruz. Direção: Abílio Pereira de Almeida e

Carlos Thiré.

3. Candinho (1954). Vera Cruz. Direção: Abílio Pereira de Almeida.

4. A carrocinha (1955). P.J.P Filmes. Direção: Agostinho Martins Pereira.

5. O gato de madame (1957). Cinematográfica Brasil Filmes. Direção: Agostinho

Martins Pereira.

6. Fuzileiro do amor (1956). Cinedistri. Direção: Eurides Ramos.

7. O noivo da girafa (1958). Cinedistri. Direção: Vitor Lima.

8. Chico fumaça (1956). Cinedistri. Direção: Oswaldo Massaini.

9. Chofer de praça (1959). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Milton Amaral.

10. Jeca Tatu, (1959). São Paulo: Direção: Milton Amaral.

11. As aventuras de Pedro Malazartes (1960). Taubaté: Pam Filmes. Direção:

Amácio Mazzaropi.

12. Zé do periquito (1960). Cinedistri. Direção: Eurides Ramos.

13. Tristeza do Jeca (1961). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Amácio Mazzaropi e

Ismar Porto.

14. O vendedor de lingüiças (1962). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Glauco

Mirko Laurelli.

15. Casinha pequenina (1963). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Glauco Mirko Laurelli.

16. O Lamparina (1964). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Glauco Mirko Laurelli.

17. Meu Japão brasileiro (1965). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Glauco Mirko

Laurelli.

Page 112: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Referências bibliográficas 111

18. O puritano da Rua Augusta (1965). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Amacio

Mazzaropi.

19. O corintiano (1967). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Milton Amaral.

20. O Jeca e a freira (1968). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Amácio Mazzaropi.

21. No paraíso das solteironas (1969). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Pio Zamuner.

22. Uma pistola para Djeca (1969). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Fernandes

Ary.

23. Betão ronca ferro (1970). Taubaté. Direção: Geraldo Miranda.

24. O grande xerife (1972). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Pio Zamuner.

25. Um caipira em Bariloche (1973). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Pio Zamuner

e Amácio Mazzaropi.

26. Portugal... minha saudade (1974). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Pio Zamuner

e Amácio Mazzaropi.

27. O Jeca macumbeiro (1975). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Pio Zamuner e

Amácio Mazzaropi.

28. O Jeca contra o capeta (1976). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Pio Zamuner e

Berilo Faccio.

29. Jecão... Um fofoqueiro no céu (1977). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Pio

Zamuner e Amácio Mazzaropi.

30. O Jeca e seu filho preto (1978). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Pio Zamuner

e Berilo Faccio.

31. A banda das velhas virgens (1979). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Pio

Zamuner e Amácio Mazzaropi.

32. Jeca e a égua milagrosa (1980). Taubaté: Pam Filmes. Direção: Carlos

Garcia.

Page 113: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Referências bibliográficas 112

FILMOGRAFIA COMPLEMENTAR

1. 90 anos de cinema: uma aventura brasileira (1987). Rio de Janeiro: Meta-

vídeo. Direção: Eduardo Escorel e Roberto Feith. (Coletânia VHS).

2. Deus e o diabo na terra do sol (1964). Direção: Glauber Rocha. (DVD 125

minutos).

3. Rastejador (1970). Brasil. Direção: Sérgio Muniz. (VHS 35 minutos).

4. Mazzaropi: o cineasta das platéias (2002). Instituto Mazzaropi, Taubaté SP,

2002. Direção: Luis Otávio Santi. (DVD 52 minutos).

5. Memória do cangaço: Lampião e Maria Bonita filmados por Benjamin Abraão e

os cangaceiros do Nordeste entre 1935 e 1939. (1965). Funarte, Rio de

Janeiro. Direção: Paulo Gil Soares. (VHS 30 minutos).

6. O cangaceiro (1953). Vera Cruz, São Paulo. Direção: Lima Barreto. (VHS 105

minutos).

Page 114: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Anexo 113

Page 115: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Anexo 114

ANEXO I

Page 116: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Anexo 115

Page 117: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Anexo 116

Page 118: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Anexo 117

Page 119: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Anexo 118

Page 120: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Anexo 119

Page 121: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Anexo 120

Page 122: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Anexo 121

Page 123: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Anexo 122

Page 124: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Anexo 123

Page 125: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Anexo 124

Page 126: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Anexo 125

Page 127: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Anexo 126

Page 128: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Anexo 127

Page 129: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Anexo 128

Page 130: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Anexo 129

Page 131: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Apêndice 130

Page 132: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Apêndice 131

TRILHA SONORA DO FILME: O LAMPARINA

Lamparina do Nordeste e Alma Solitária: Trilhas sonoras

do caipira-cangaceiro

A trilha sonora de O Lamparina é composta pelas músicas: Lam-

parina do Nordeste e Alma Solitária de Elpídio dos Santos25.

No filme, a trilha é acrescida em dois momentos: primeiramente

na apresentação de Bernardino Jabá como cangaceiro O Lamparina, e

depois apresenta um caipira solitário que perde sua família por não mais

ser reconhecido como membro físico, apenas como uma alma.

Nos termos da tradição popular sertaneja, a cantoria26 trata-se de

um verso rimado por meio do qual a personagem entra na história,

falando sobre sua origem e o motivo de sua aparição, assim inicia-se a

aventura de Bernardino Jabá como a personagem O Lamparina:

25 Elpídio dos Santos nasceu em São Luiz do Paraitinga, em 14 de janeiro de 1909. Suas compo-sições eram executadas pelo coro da Igreja Matriz, nas escolas em que também foi professor, pelas bandas, nos teatros e nas reuniões sociais. Então conheceu Mazzaropi, um desconhecido que viera se apresentar em um circo na cidade. Depois do primeiro espetáculo, Elpídio tocou violão a noite toda e, a partir dali, ficaram amigos. Quando Mazzaropi começou a produzir seus filmes, chamou Elpídio para encarregar-se das trilhas sonoras. Além de Mazzaropi, parte de sua obra foi gravada por mais de 50 cantores consagrados, como Cascatinha e Inhana, Titulares do Ritmo, Elza Laranjeira, Irmãs Galvão, Dircinha Costa, Tonico e Tinoco, Nonô e Naná, Duo Brasil Moreno. Mas recentemente gravaram músicas suas Fafá de Belém, Sérgio Reis, Almir Sater, Pena Branca e Xavantinho, Vanusa, Dercio Marques, Mato Grosso e Matias, entre outros. Elpídio fale-ceu em 3 de setembro de 1970, deixando mais de mil composições. (Museu Mazzaropi). 26 Para o folclorista Câmara Cascudo, em sua obra Vaqueiros e Cantadores, a cantoria é o con-junto de regras, de estilos e de tradições que regem a profissão de cantador, este vive de feira em feira, cantado os romances amorosos ou as aventuras de Antonio Silvino e Virgulino Lampião (Cascudo, pp. 126-127).

Page 133: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Apêndice 132

Não sei com quem tô falando se tem alguma oração diga seu nome cantando e não trema não só que é preciso saber já matei dez capataz botei mais dez pra correr sem olhar pra trás só diz cuidado a valentia termina porque pra mim não há homem como o Lamparina um pouco ali diante da banda do Botocó matei uns trinta volante com dez tiro só na mão esquerda direta um peixeira e noutra um ‘fuzir’ muié bonita e faceira tenho mais de ‘mir’ ...27.

Essa fala antecede o desafio com Zé Candeeiro que serve para in-

troduzir o tema e nesta interação existente entre o filme e música é que

desperta a atenção para os acontecimentos com a intenção de criar uma

nova imagem para recontextualizar a proposta da narrativa – a de um

cangaceiro.

Outro momento em que aparece uma canção é quando Bernardi-

no é desprezado por todos por o acharem ser um fantasma.

Bernardino, ao isolar-se numa fazenda devido à exclusão de seus

familiares, admite que o sentimento de saudade provocada pela solidão

açoita sua alma. Ele expressa sua dor através da canção “Alma Solitária”:

Vento quando açoita a bananeira Ela geme ela chora de dor Porque vive abandonada coitada Sem carinho e sem amor

27 Elpídio dos Santos era o compositor preferido de Mazzaropi, sempre convidado para criar as músicas específicas de cada filme e que seriam cantadas pelo próprio Mazzaropi. Estas músicas eram criadas para ressaltar, por vezes, uma cena importante do filme e, em outras, tinham a árdua incumbência de retratar o próprio âmago da história.

Page 134: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Apêndice 133

Eu sou igualzinho a ela Também vivo sozinho a meditar Numa triste sexta feira, minha linda companheira Sem querer me fez chorar E ao sentir também o vento Na distância eu juro que pensei Vivo agora solitário carregando o meu calvário Até quando eu não sei28.

28 Alma Solitária. Elpídio dos Santos. Editora e Imp. Mus. Fermata do Brasil Ltda.

Page 135: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 136: Mazzaropi - Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/cp099854.pdf · UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura KLEBER ELIANDRO DA

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo