matthews, roger - o mito da punitividade

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O mito da punitividade Roger Matthews London Southbank University, Reino Unido Introdução A área tema da criminologia sempre foi caracterizada por controvérsia e debate. Entretanto, nesses últimos anos, esse debate parece ter dado lugar a um consenso pouco articulado. Um dos pontos principais desse consenso é a crença de que testemunhamos uma onda de punitividade. Na verdade, a afirmação de que a política recente de controle do crime está dominada por mentalidades punitivas parece ser aceita de modo predominante por criminólogos acadêmicos. Há uma divisão entre aqueles que enxergam essa onda de punitividade emergir desde “baixo”, dirigida pelo público em geral, e aqueles que a veem como um processo, em essencial, de “cima- para-baixo”, no qual políticos ambiciosos e manipuladores jogam com medos públicos e ansiedades para pegar pesado contra o crime e aumentar sua base eleitoral. Um dos primeiros contribuidores dessa literatura é Anthony Bottoms (1995), que, em um artigo sobre políticas de sentenciamento e filosofia da punição, esboça a noção de “punitividade populista”, a qual afirma ser um dos principais componentes do sentenciamento e política penal, junto com preocupações com direitos humanos, comunidade e formas de gerencialismo. De modo significativo, entretanto, é em relação à “punitividade populista” que esse artigo tem sido com mais frequência citado por criminólogos. David Garland (2001) também incorporou as noções de punitividade e populismo em seu relato da natureza cambiante do controle do crime na sociedade contemporânea, tomando-os como processos relativamente autônomos, embora relacionados. Garland defende que há agora uma tendência mais populista na política penal, de forma que a voz dominante dessa política não é mais aquela dos especialistas ou mesmo dos operadores, mas de um público muito sofrido e mal-servido. Garland afirma que testemunhamos um “giro punitivo”, o qual é responsável por promover: Sentenciamento mais duro e amplo uso do aprisionamento, “three strikes” e leis de sentenças mínimas compulsórias; “verdade no sentenciamento” e restrições no livramento condicional; prisões “sem regalias” e “prisões austeras”; retribuição nos juizados juvenis e o aprisionamento de crianças; a volta da “leva-de-forçados” e da punição corporal, dos campos de treinamento e de prisões de segurança máxima, a multiplicação de penas capitais e execuções; leis de notificação comunitária e registros de pedófilos, políticas de tolerância zero e medidas contra comportamento anti-social. Há agora um longa lista de medidas que aparecem para simbolizar um giro punitivo na penalidade contemporânea. (Garland, 2001: 142) Em uma variação sobre esse tema, John Pratt (2002) afirma que a punitividade populista está ganhando terreno e que um novo eixo de poder penal emergiu sob os auspícios de um programa político neoliberal; “no qual a indiferença do público em geral está cada vez mais cedendo lugar à intolerância e demandas por

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Page 1: Matthews, Roger - O Mito Da Punitividade

O mito da punitividade

Roger Matthews

London Southbank University, Reino Unido

Introdução

A área tema da criminologia sempre foi caracterizada por controvérsia e debate. Entretanto, nesses

últimos anos, esse debate parece ter dado lugar a um consenso pouco articulado. Um dos pontos principais desse

consenso é a crença de que testemunhamos uma onda de punitividade. Na verdade, a afirmação de que a política

recente de controle do crime está dominada por mentalidades punitivas parece ser aceita de modo predominante

por criminólogos acadêmicos. Há uma divisão entre aqueles que enxergam essa onda de punitividade emergir

desde “baixo”, dirigida pelo público em geral, e aqueles que a veem como um processo, em essencial, de “cima-

para-baixo”, no qual políticos ambiciosos e manipuladores jogam com medos públicos e ansiedades para pegar

pesado contra o crime e aumentar sua base eleitoral.

Um dos primeiros contribuidores dessa literatura é Anthony Bottoms (1995), que, em um artigo sobre

políticas de sentenciamento e filosofia da punição, esboça a noção de “punitividade populista”, a qual afirma ser

um dos principais componentes do sentenciamento e política penal, junto com preocupações com direitos

humanos, comunidade e formas de gerencialismo. De modo significativo, entretanto, é em relação à

“punitividade populista” que esse artigo tem sido com mais frequência citado por criminólogos.

David Garland (2001) também incorporou as noções de punitividade e populismo em seu relato da

natureza cambiante do controle do crime na sociedade contemporânea, tomando-os como processos

relativamente autônomos, embora relacionados. Garland defende que há agora uma tendência mais populista na

política penal, de forma que a voz dominante dessa política não é mais aquela dos especialistas ou mesmo dos

operadores, mas de um público muito sofrido e mal-servido. Garland afirma que testemunhamos um “giro

punitivo”, o qual é responsável por promover:

Sentenciamento mais duro e amplo uso do aprisionamento, “three strikes” e leis de sentenças mínimas compulsórias; “verdade no sentenciamento” e restrições no livramento condicional; prisões “sem regalias” e “prisões austeras”; retribuição nos juizados juvenis e o aprisionamento de crianças; a volta da “leva-de-forçados” e da punição corporal, dos campos de treinamento e de prisões de segurança máxima, a multiplicação de penas capitais e execuções; leis de notificação comunitária e registros de pedófilos, políticas de tolerância zero e medidas contra comportamento anti-social. Há agora um longa lista de medidas que aparecem para simbolizar um giro punitivo na penalidade contemporânea. (Garland, 2001: 142)

Em uma variação sobre esse tema, John Pratt (2002) afirma que a punitividade populista está ganhando

terreno e que um novo eixo de poder penal emergiu sob os auspícios de um programa político neoliberal; “no

qual a indiferença do público em geral está cada vez mais cedendo lugar à intolerância e demandas por

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2 manifestações ainda maiores de punição repressiva” (2002: 182). Pratt vê o processo mais em termos de um

público ansioso que postula crescentes demandas a uma burocracia estatal reticente. Citando exemplos similares

aos oferecidos por Garland, Pratt vê a introdução da leva de forçados, registros de pedófilo e novas formas de

estigmatização como exemplos perturbadores da introdução de formas mais “ostentatórias e emotivas de punição

(Pratt, 2000).

Loïc Wacquant (2000), como Pratt, identifica o neoliberalismo como um fator chave no encorajamento

de uma resposta mais punitiva, mas apresenta uma abordagem mais de cima-para-baixo. Para Wacquant, o

aumento na punitividade é exemplificado pelo desenvolvimento do encarceramento de massa nos EUA e os

crescentes números de Afro-americanos aprisionados. Defende que a expansão da prisão tem pouco ou nada a

ver com as taxas de crimes, mas que veio substituir o gueto como uma instituição para conter e controlar os

negros da classe baixa, uma vez que a gerência penal da pobreza passa a substituir a seguridade social. A prisão

emerge como uma instituição de contenção forçada em função da crise do gueto e como um dispositivo de

controle de casta. Entre a prisão e o gueto afirma-se que há uma “equivalência funcional, homologia estrutural e

fusão cultural, que desova em um continuum carcerário que apanha uma população de jovens negros rejeitados

pelo mercado de trabalho desregulado” (Wacquant, 2001: 95).

Jonathan Simon (2001) oferece uma versão ligeiramente diferente da tese da punitividade. Como John

Pratt, espanta-se com a emergência de formas de punição que parecem cada vez mais severas, anacrônicas, ou

estigmatizantes, e que parecem sinalizar um novo começo na modalidade de punição ou, de forma alternativa,

representam um retorno a formas de punição datadas e fora de moda. A re-emergência de “campos de

treinamento” com sua ênfase na disciplina militar e regimes restritos é apresentada como um exemplo primário

de tal reversão (Simon, 1999). Como Wacquant, enxerga as medidas penais como desproporcionalmente

dirigidas aos pobres e aos grupos de minorias étnicas, criando uma “porta-giratória” em que membros desses

grupos passam repetidamente através da prisão durante o curso de suas vidas com consequências devastadoras

sobre indivíduos, famílias e vizinhanças (Caplow e Simon, 1999).

Simon também identifica o que vê como um desenvolvimento ainda mais perturbador em algumas

formas contemporâneas de punição que parecem ir além da simples retribuição e pretensão de proteger o público

ou reduzir o crime, para envolver formas de “crueldade” em que o objetivo é extrair prazer na dor dos outros. A

pena, defende Simon, se tornou um tipo de “teatro terapêutico”, no qual o infrator publicamente expressa

sentimentos de dor e infâmia moral. Embora não afirmando que essas manifestações de crueldade representem

uma característica dominante da penalidade contemporânea, ele vê esses sentimentos expressos de forma mais

proeminente na pena de morte, nas muito longas sentenças que destroem a vida dos apenados como as da lei de

“three strikes” da Califórnia e em uma variedade de medidas infamantes e estigmatizantes. Simon afirma,

entretanto, que a “governança através do crime” está se tornando uma feição mais pronunciada da sociedade

contemporânea e que o engajamento com a crueldade pode se tornar um novo tipo de direito distribuído pelo

governo, pois “o criminoso” passa a ser um alvo cada vez mais legítimo de hostilidade pública (Caplow e Simon,

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3 1999).

Mesmo por meio desse mergulho bastante seletivo e curto na crescente literatura sobre a punitividade, há

inúmeros temas que surgem e que requerem exame. Primeiro, a definição da punitividade e sua relação com

outros conceitos chave, tais como crueldade, revanchismo e tolerância. Segundo, a questão da etiologia, que

envolve certa consideração das condições associadas com a emergência da punitividade, assim como os fatores

tidos por modelar seu desenvolvimento. Terceiro, a relação entre punitividade e outras tendências dominantes na

política penal, como o gerencialismo, que parecem envolver correntes diferentes e mesmo opostas. Quarto, o

papel do populismo nesse processo e sua relação com a política, elites e o papel dos especialistas. Quinto, as

noções de opinião pública e atitudes públicas, as quais são em geral tomadas como pontos de referência chave

para avaliar níveis cambiantes de punitividade pública. Finalmente, há a questão da investigação empírica e da

necessidade de se examinar o grau em que esse aumento percebido na punitividade é compatível com a

evidência disponível.

O conceito de punitividade

Embora o termo “punitividade” seja amplamente usado na literatura, existem poucas tentativas de defini-

lo ou desconstruí-lo. A consequência é que a punitividade permanece um conceito “fraco” e sub-teorizado. Sua

natureza bastante indiferenciada e a indeterminação geral que a cerca, entretanto, não tem sido um impedimento

para sua adoção. Na verdade, a falta geral de especificidade parece haver contribuído para seu amplo aceite, já

que parece, à primeira vista, ter a capacidade de “explicar” um amplo leque de mudanças penais.

Uma das poucas tentativas de fornecer uma “definição de trabalho” do termo “punitivo” é oferecida por

Stanley Cohen (1994: 67-8). Ele salienta que a punitividade é caracterizada por coerção, formalismo, moralismo

e a inflição de dor em sujeitos legais individuais por um terceiro. De modo interessante, sua própria visão do

controle social enfatiza os mecanismos mais sutis, menos visíveis e discretos através dos quais o controle é

realizado na sociedade contemporânea (Cohen, 1983, 1985). Cohen, como inúmeros outros teóricos do controle

social oferecem uma visão orwelliana, que reside menos nas estratégias abertas que envolvem força física ou

crueldade mental do que no aprimoramento de formas de regulação mais contínuas e menos perceptíveis.

Uma vez que sanções punitivas e emotivas em suas diversas formas são uma característica duradoura da

política penal, a questão que surge a partir da definição de Cohen é “o quê é novo”? O alcance das sanções

identificadas pelos diversos comentadores como exemplos de um “giro punitivo” realmente indicam um novo

começo ou apenas representam as formas fenomenais de um sistema de regulação cada vez mais elaborado e

complexo? A definição de Cohen também levanta questões sobre o papel de controles administrativos, assim

como formas de monitoramento e vigilância, mas, antes que tentemos responder algumas dessas questões,

precisamos retornar ao problema da definição. A noção de punitividade é mais comumente associada com

retribuição e vingança. É vista como essencialmente reativa mais do que consequencialista. Entretanto, quando a

retribuição envolve o uso da sentença menos restritiva ou a proporcionalidade estrita, e sempre que o objetivo for

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4 o de limitar a severidade e duração das sanções, não é essencialmente uma expressão de punitividade – atingindo

ou não seu objetivos desejados. Ao mesmo tempo, estratégias de sentenciamento que são concebidas para

proteger o público através da incapacitação ou dissuadir infratores potenciais podem envolver níveis mais altos

de intervenção, mas tais medidas não estão primordialmente preocupadas com o aumento do grau de punição em

si infligido sobre indivíduos, embora bem possam envolver números maiores de pessoas sujeitas à intervenção

formal. De modo similar, a busca de estratégias reabilitativas pode levar a formas de regulação mais prolongadas

e intensivas. Na tentativa de se fazer mais bem, é sempre possível, como os críticos repetidamente indicam,

causar mais mal. Embora seja difícil distinguir entre essas racionalizações diferentes na prática, é necessário

diferenciar, no tanto quanto possível, essas justificações para a punição, pois, do contrário, um aumento no

alcance e intensidade de intervenções formais – qualquer que seja sua lógica ou objetivo subjacente – pode ser

interpretada como uma expressão de punitividade (O'Malley, 1999).

O termo “punitividade”, em geral, carrega conotações de excesso. Isto é, a busca da punição além e

acima daquela que é necessária ou apropriada. É, assim, mais do que distribuir “just deserts”i. Envolve a

intensificação da causação de dor, seja por estender a sua duração ou a severidade da punição acima da norma.

Para colocar de outra forma, a noção de punitividade sugere um uso desproporcional da sanção e, assim, um

desvio do princípio da proporcionalidade. Para essa afirmação ser sustentada, entretanto, seria necessário

demonstrar que sentenças aplicadas a crimes particulares ou a certos tipos de crimes têm aumentado, já que, sem

qualquer ciência da severidade dos crimes relevantes e o passado infracional dos envolvidos, tais asserções não

têm base nenhuma. Na verdade, a separação de uma consideração detalhada do crime e da vitimização e sua

relação com a punição inevitavelmente faz as sanções impostas parecerem arbitrárias.

Esse aspecto da definição também levanta questões sobre mudanças nas expectativas normativas e

sensibilidades públicas cambiantes. Se, por exemplo, um tipo particular de atividade, tal como a violência

doméstica, muda nas percepções públicas, deixando de ser um assunto “privado” para que mereça sanções legais

formais, ma medida em que a sanção dirigida aos infratores seja considerada apropriada e não excessiva, não

podemos identificar tal mudança como um exemplo de punitividade. Categorias legais estão, claro, mudando

continuamente, assim como são os processos de criminalização e descriminalização. Há também o hiato entre o

“direito no papel” e o “direito em ação”ii e a aprovação de legislação que é concebida para ser simbólica ao invés

de prática. Como devemos ver mais tarde, inúmeras dessas sanções, que emergiram em anos recentes e que têm

sido apresentadas como exemplos de punitividade, são, em grade medida, simbólicas. Para afirmar um aumento

da punitividade, seria necessário distinguir entre conceitos cambiantes de adequação e aquilo que constitui

punições desproporcionais ou excessivas. Ao mesmo tempo, devemos distinguir entre as penalidades que têm

sido introduzidas para proteger grupos específicos e aquelas que envolvem a intensificação de sanções

existentes.

Em muitas versões da “tese punitiva”, o uso do encarceramento é visto como um indicador crítico. É na

estratégia da segregação punitiva, especialmente quando associada à crescentes populações prisionais e

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5 aumentos na duração das sentenças de prisão, que se considera que o caso da punitividade tem sua mais sólida

fundação. Na lógica dessa posição, sanções comunitárias são vistas essencialmente como não punitivas, pois

representam “alternativas” ao encarceramento. Os críticos da punitividade em geral defendem a expansão de

sanções comunitárias “inclusivas” como uma opção preferível à custódia. O fato de que, tanto no Reino Unido

como nos EUA, o número de pessoas condenadas a “alternativas” comunitárias aumentou na mesma proporção

que o encarceramento nas duas últimas décadas – e em alguns casos mais rápido – sugere que assistimos a

expansão simultânea de sanções “punitivas” e “não-punitivas” (Caplow e Simon, 1999). Isso para não mencionar

a rápida expansão das estratégias de monitoramento e vigilância que não são nem inclusivas nem excludentes,

mas, ao invés, oferecem um leque de medidas, que são em geral vistas como alternativas à punição. Poderíamos

também fazer referência às formas de “justiça informal” que se desenvolveram durante os anos oitenta e que têm

sido reinventadas sob a rubrica de justiça restaurativa (Matthews, 1988; Daly, 2002).

Como inúmeros críticos já indicaram, mais do que constituir uma alternativa intrinsecamente progressiva

ou não punitiva a formas de controle formais e segregativas, a justiça informal ou restaurativa implica a criação

de maior pluralidade de praças de adjudicação, que no final das contas serve para expandir e aumentar o sistema

existente de controle do crime – embora envolvendo a erosão de direitos e garantias legais (Santos, 1987;

Ashworth, 2003). Em casos de “ampliação da rede” ou a formalização de sanções antes informais, o uso de

medidas “não-punitivas” pode, claro, acarretar a expressão de respostas mais punitivas.

É visível como muitos analistas do controle social negligenciam os desenvolvimentos “não-punitivos” na

política penal. Da mesma forma, há bem pouco comentário crítico quando a população prisional se estabiliza ou

decresce, como ocorreu no Reino Unido no fim dos anos oitenta e em outros países europeus na década passada

(Tonry, 2001). Por razões similares, a queda das taxas de crime, que marca um dos mais significantes divisores

de águas na história do crime em memória recente, recebeu relativamente pouca atenção tanto de criminólogos

como dos meios de comunicação (Blumstein e Wallman, 2000; Karmen, 2000). É também o caso de que, menos

de uma década atrás na Inglaterra e em Gales, cerca de 20.000 pessoas por ano eram encarceradas pelo não

pagamento de multas, de modo que cerca de um em cada cinco dos enviados para a prisão por ano foram presos

por essa ofensa. No final dos anos noventa, o número caiu para menos de 4.000, como resultado de esforços

conjuntos para afastar esse grupo da cadeia. Essa grande mudança na política penal têm sido pouco observada,

em contraste com a extensa literatura sobre a crescente população prisional e o desenvolvimento de políticas de

sentenciamento “mais duras”. Em sintonia com os meio de comunicação, muitos acadêmicos acharam que

apenas más notícias valem a pena ser contadas.

É evidente que, nas discussões das políticas penais cambiantes, há certo resvalamento entre aquelas

sanções que envolvem um aumento na inflição de dor e aquelas que implicam a emergência de punições

“emotivas e ostentatórias”. Em inúmeros relatos, esses desenvolvimentos penais se embaraçam uns nos outros,

de forma que o aumento no uso e na duração das sentenças de prisão, a re-emergência de sanções infamantes e

estigmatizantes, vigilantismo e pena de morte passam a ser vistos como desdobramentos relacionados e como

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6 parte de uma nova “configuração” de controles penais nos quais a punitividade e o revanchismo desempenham

um papel principal. A punitividade e o reaparecimento de punições emotivas são em geral vistos como dois lados

da mesma moeda, mas, já que a punição tem historicamente uma função emotiva e expressiva, não é bem claro o

que mudou em anos recentes.

Na verdade, a divisão das sanções em “punitivas” e “não-punitivas” é em si mesma muito simplística e

pouco ajuda na explicação da diversidade e variabilidade das mudanças penais. Nem é adequado posicionar as

muitas sanções disponíveis em um continuum de punitividade. Assim, antes de falar de sanções penais como se

pudessem ser divididas entre dois tipos distintos, precisamos de um arcabouço conceitual para mapear o cada

vez mais complexo e maior conjunto de sanções penais. Embaralhar junto os campos de treinamento, os registros

de pedófilos, as formas públicas de infâmia e estigmatização, o encarceramento, e a pena de morte como

exemplos do desenvolvimento de um novo “campo” de sanções penais obscurece a natureza diversa, irregular e

contraditória dos processos penais (O'Malley, 1999).

Encontramos problemas similares com o termo “bifurcação”. Enxergar a esfera penal como pistas

paralelas ou sistema bifurcado, com controles coercivos e segregativos, de um lado, e controles comunitários

inclusivos, de outro, é bastante restritivo e perde a perspectiva da variabilidade e da crescente complexidade de

estratégias regulatórias. Se fez sentido alguma vez se falar de pistas paralelas ou sistema bifurcado, o

desenvolvimento de sanções intermediárias, como a integração de sanções na forma de “sentenças sem

costuras”iii ou “pacotes de sentenças”iv, cada vez mais erode a distinção entre sanções inclusivas e excludentes e

entre comunitárias e custodiais, enquanto debilita a noção de “alternativas” à prisão (Bottoms, 1995).

Em muitos aspectos, a noção de tolerância, que com frequência aparece na literatura, embora também

pouco teorizada, pode ser uma ferramenta heurística útil para tratar algumas dessas questões. A tolerância é um

termo mais dinâmico, relacional e menos rígido do que a punitividade e carrega consigo um elemento de tensão

e ambiguidade, ao mesmo tempo em que sugere mais um sentido de limite do que condenação total de certas

ações (Downes, 1988; Turner et al., 1997; Hancock e Matthews, 2001).

A etiologia da punitividade

Embora relativamente pouco tempo e esforço tenha sido gasto em identificar com precisão o que se quer

dizer por punitividade na literatura, um pouco mais de atenção foi dada à tentativa de identificar as condições de

sua emergência e desenvolvimento.

Há, desnecessário dizer, variação considerável nos tipos de história oferecidas para se dar conta do surto

percebido na punitividade. Entretanto, seguindo Foucault, tornou-se moda produzir “histórias do presente”.

Considera-se que essas genealogias evitam os problemas do determinismo, estrutura e livre-arbítrio, da essência

e aparência, assim como também o inquietante tema da causalidade. Os processos que foram identificados como

desempenhando um papel chave no aumento da punitividade são: o declínio do bem-estar, com sua ênfase em

necessidades e inclusão social; a morte do ideal de reabilitação como a principal razão para a punição e o

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7 aprisionamento; o “desarraigamento” das relações sociais; o crescimento de “insegurança ontológica”; a

fragmentação de comunidades; crescente individualismo; a emergência de novos estilos de gerencialismo, assim

como o advento da “sociedade de risco”. Todos são vistos individualmente ou em combinação na produção de

um mundo (tardo-moderno) caracterizado por uma sensação cada vez maior de insegurança e ansiedade entre

diferente setores da população. Nesse mundo incerto, afirma-se que sentimentos populistas dão uma guinada

para o lado mais punitivo do espectro, resultando em uma mudança pública e política para a direita. Além do

mais, o crescimento dos meios de comunicação de massa é visto como elemento crítico para estimular

sentimentos públicos e criar as condições nas quais retribuição e vingança podem ser mais prontamente

expressas.

Existe uma certa lógica e evidente apelo nesse tipo de explanação. Mas o salto de condições sociais e

estruturais cambiantes para asserções de crescente punitividade, entretanto, é muito veloz e muito incerto. Não

está claro, por exemplo, que todos esses processos estejam se movendo na mesma direção ou que mudanças nas

relações sociais envolvidas estejam necessariamente pressionando para o aumento de punições emotivas ou

punitivas. Poderia-se esperar que essas mesmas condições criassem formas de retraimento, fatalismo ou

encorajar uma mudança em direção a estratégias mais administrativas ou gerenciais, nas quais sentimentos

morais e a inflição de dor física e mental tivessem um significado decrescente.

Loïc Wacquant (2001) tenta explicar o surto de punitividade e o desenvolvimento da crescente

desproporcionalidade racial no interior de um sistema prisional e carcerário rapidamente expansível como

função de inúmeros fatores interconectados, incluindo o declínio do Estado keynesiano de bem-estar, o advento

do pós-fordismo, o surgimento do neoliberalismo e o fracasso do gueto na contenção e controle dos negros

pobres americanos nas áreas decadentes das cidades. Por conseguinte, defende que tem havido uma mudança no

tratamento da pobreza nos Estados Unidos do social para o penal, em que a prisão se torna um aparato

substitutivo destinado a manter os pobres negros americanos “em seu devido lugar”. Esse relato estrutural

funcionalista, entretanto, deixa de explicar especificamente porque essas medidas penais recebem destaque no

período atual ou porque a prisão deveria substituir o gueto como lugar principal de controle. Na primeira

instância, há inúmeros países ocidentais de capitalismo avançado que experimentaram um declínio na provisão

de bem-estar, uma transição para o pós-fordismo e o surgimento do neoliberalismo, mas não experimentaram um

aumento em suas populações prisionais. Em segundo lugar, ver o gueto e a prisão como equivalentes funcionais

é perder o sentido de especificidade do lugar e do significado social e impacto de diferentes formas de exclusão.

Há indícios de uma crescente proporção de minorias étnicas nas prisões europeias, mas não há o mesmo passado

de criação de hiper-guetos que foi uma característica da paisagem urbana americana nas últimas décadas

(Abrecht, 1997).

Pode não haver dúvidas de que todos esses fatores estruturais estão em jogo em alguma medida, mas o

ponto da análise é mostrar as conexões causais, mais do que apenas afirmá-las ou inferi-las. O que, em um

primeiro olhar, parece uma análise histórica e institucional sofisticada se mostra ser, em uma análise mais detida,

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8 uma forma mais crua de funcionalismo mecânico que está apoiada por aquilo que foi habilmente descrito como

política monocromática (Anderson, 2002). Nesse relato altamente conspiratório, há pouca consideração sobre

livre-arbítrio ou sobre divisões no interior de classes e grupos raciais que podem ser encontradas nas áreas

decadentes da cidade.

David Garland (2001) é menos otimista sobre a possibilidade de se “derivar” mudanças na natureza da

punitividade de mais amplas mudanças estruturais. Na verdade, embora apresente um relato de

desenvolvimentos internacionais no controle do crime, ele presta atenção só de passagem às mudanças

substanciais que ocorreram nas relações produtivas das mais avançadas sociedades capitalistas ocidentais em

anos recentes (Matthews, 2002). Ao invés, ele afirma, seu objetivo é identificar os elementos distintivos que são

capazes de transformar condições estruturais oscilantes em escolhas políticas específicas. Um fator chave nesse

processo, ele sugere, são as mudanças nas posturas e experiências das classes médias profissionais. Embora

grupos sociais diferentes tenham experimentado “insegurança ontológica” pelas últimas duas ou três décadas,

são as classes médias educadas e os profissionais do setor público, como afirma, quem seriam os principais

apoiadores do bem-estar penal, mas que recentemente vieram a fazer a pressão por uma maior punitividade.

É uma explicação nova, mas no final das contas pouco convincente. Embora possa haver pouca dúvida

de que as classes médias educadas foram economicamente “espremidas” em anos recentes e cada vez mais

expostas ao crime direta e indiretamente pelos meios de comunicação de massa, os dados sobre a nova

distribuição da vitimização, no Reino Unido ao menos, indica que ela se tornou mais concentrada e compactada

entre os pobres e vulneráveis (Trickett et al., 1992; Hope, 2001). É o pobre, desamparado e marginalizado que

sofreu o pior do aumento da insegurança de emprego, da ruptura de comunidades estabelecidas e de sistemas

informais de controle. De modo significativo, em relação à afirmação de que as classes médias educadas têm se

tornado mais punitivas, Garland não apresenta provas reais de tal mudança. Embora cite pesquisas de opinião

pública que indicam um surto geral de punitividade, ele não apresenta prova substantiva de uma mudança de

comportamento no grupo que afirma ser a principal força nesse desdobramento.

Se tão dramática mudança de atitudes tivesse ocorrido nas classes médias, poder-se-ia esperar que

tivesse sido traduzida na criminologia acadêmica. Entretanto, com exceção de bem poucos criminólogos

conservadores americanos, a grande maioria de criminólogos profissionais defendem uma versão de

reducionismo ou abolicionismo e permanecem profundamente associados à alguma forma de liberalismo. Na

verdade, a maioria esmagadora de criminólogos não defende sentenças mais severas ou maior uso do

encarceramento. Ao invés, enxergam a si mesmos como um corretivo do público punitivo e políticos

manipuladores. São os jornais sensacionalistas, e seu impressionante número de leitores, junto com políticos

inescrupulosos que são repetidamente acusados pelas mudanças recentes na política penal – não os leitores dos

jornais tradicionais.

De maneira interessante, classes sociais aparecem em inúmeros outros relatos da emergência da

punitividade, embora com ênfase bem diferente. Em contraste com Garland, Bottoms afirma que uma das

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9 características distintivas da sociedade contemporânea é o declínio relativo da classe como um diferencial social

e uma crescente ênfase em “cidadãos” e “consumidores”, com noções de igualdade atribuídas com maior

frequência em relação à raça, gênero e política de grupos de pressão.

A versão da história de John Pratt, por outro lado, baseia-se bastante no trabalho de Norbert Elias, que

enfatiza o papel central das classes altas na promoção do “processo civilizador”. Entretanto, na análise de Pratt

dos desdobramentos atuais, fala-se da erosão das solidariedades de classe e tende-se a se referir ao “público em

geral” e à “opinião pública” na modelagem da política penal e geração do populismo penal. Seguindo o trajeto

de Elias, a análise de Pratt envolve uma combinação de evolucionismo, elitismo e historicismo e, de modo ainda

mais importante, parece ter um poder explicativo limitado nos desenvolvimentos recentes do controle do crime

(van Krieken, 1989; Vaughan, 2000). O aparente aumento de punitividade é visto como um tipo de reversão na

“lógica da história” ou um processo descivilizatório; enquanto punições “emotivas e ostentatórias”, assim como

novas formas de monitoramento e vigilância, não se encaixam confortavelmente na trajetória de Elias (Pratt,

1998). De forma indicativa, Jonathan Simon (2001) expressa sérias reservas sobre o valor e relevância

explicativos da análise de Elias, enquanto David Garland (1990), que tinha antes expressado seu apoio a essa

abordagem, parece em escritos recentes achá-la muito menos convincente (Garland, 2001). Malcolm Feeley e

Jonathan Simon (1992) veem as dimensões de classe de estratégias de controle recentes em termos distintamente

diferentes do que esses outros autores. Para eles, a política penal tem sido cada vez mais condicionada por uma

crescente divisão entre a sociedade tradicional e a “subclasse”, e na sociedade de risco são os marginalizados e

despossuídos que são vistos como crescentemente o objeto de sanções penais punitivas. Há, entretanto, amplo

reconhecimento entre historiadores que a prisão moderna, desde seu começo no século 19, tem se preocupado

desproporcionalmente como o aprisionamento do “lumpemproletariado”, as “classes perigosas”, os pobres e os

fracos. Assim, a sugestão de que, sob a influência do atuarialismo, o encarceramento se dirige à “subclasse” não

parece significar uma mudança relevante. Ao mesmo tempo, está claro que a prisão foi historicamente dirigida

para certos grupos sociais e indivíduos específicos no seu interior. Dessa forma, a afirmação de que estamos nos

afastando de um foco sobre indivíduos para grupos é difícil de se sustentar, assim como a própria distinção

grupo/indivíduo nesse contexto.

Essas várias histórias não oferecem um relato consistente ou convincente da emergência e

desenvolvimento da punitividade e, como John Braithwaite (2003) argumentou, “histórias do presente” tendem a

não se interessar por aqueles ramos de desenvolvimento histórico que morrem antes do presente. Também nessas

“histórias” há pouca discussão das tensões, conflitos e lutas sobre a implementação e desenvolvimento de

políticas. Isso é particularmente problemático, dada a centralidade das classes nessa literatura.

Consequentemente, histórias se tornam unidimensionais e, embora nos seja dito de maneira repetida “que

poderia ter sido diferente”, é difícil ver a partir dessas fontes oferecidas como poderia ter sido de outra maneira.

Há uma deprimente sensação de inevitabilidade incrustada na análise, como se todos os caminhos conduzissem

ao presente punitivo. Assim, o que parece, à primeira vista, ser uma crítica liberal das políticas e práticas

Page 10: Matthews, Roger - O Mito Da Punitividade

10 existentes pode se converter rapidamente em uma defesa conservadora do status quo. A imprecisão que circunda

o conceito de punitividade é composta por formas de compreensão histórica que falham em identificar os

mecanismos específicos que poderiam explicar o “giro punitivo”.

Poder-se-ia esperar que, como muitas dessas tentativas para identificar as condições históricas associadas

à punitividade situam-se na “modernidade tardia”, houvesse certo engajamento e exame das mais amplas

mudanças estruturais que ocorreram nos anos recentes relacionadas com a globalização, a re-estruturação do

mercado de trabalho e o advento da “sociedade da informação”. Embora alguns autores prestem alguma atenção

a esses desenvolvimentos, e façam certa referência à mudança estrutural, a relevância e impacto dessas

mudanças é comumente inferida mais do que explicada.

Punitividade, gerencialismo e risco

A introdução de novos estilos de gerencialismo durante as últimas duas décadas e o papel que

desempenharam na formulação do sistema de justiça criminal têm sido amplamente noticiados (Brownlee, 1998;

McLaughlin et. al, 2001). Considera-se que essas formas de gerencialismo se desenvolvem juntamente com a

punitividade, embora sejam com frequência tomadas como desdobramentos contrastantes que envolvem

dinâmicas diferentes e mesmo opostas. Uma das modalidades através das quais essa nova forma de

gerencialismo é expressa é através da justiça atuarial baseada na análise de risco.

Como Anthony Bottoms (1995) indica, há uma tensão entre as afirmações de que experimentamos

maiores níveis de crueldade e punitividade, com ênfase na intensificação de formas moralistas e cruéis de

punição, por um lado, e a asserção simultânea de que testemunhamos a ascendência da justiça atuarial que opera

em uma base predominantemente administrativa, se apresentando como moralmente neutra, por outro. Assim, a

mudança em direção ao que Malcolm Feeley e Jonathan Simon (1992) chamam de a “nova penalogia”, com sua

ênfase nas análises de risco, envolve, argumentam, uma mudança relevante não apenas na linguagem da política

penal, mas também em seus objetivos e práticas. Assim:

A ação governamental contra a atividade criminal, mesmo quando misturada com funções punitivas tradicionais, está cada vez mais sujeita a padrões constitucionais diferentes porque, ao invés de se enfatizar os objetivos de justiça pública, enfatiza os objetivos de gerência do risco. É preventiva mais do que responsiva. Procura não punir, mas excluir aqueles com proclividades criminais. (Feeley e Simon, 1994: 185)

Essa passagem defende que preocupações e concepções tradicionais sobre o crime e punição estão

cedendo lugar à estratégias menos preocupadas com a reforma individual do que com o gerenciamento de certos

grupos e populações particulares. Isso envolve a adoção de medidas administrativas impessoais, formas de

análises de sistemas e cálculo utilitário. O objetivo, como se sugere, não é nem punir nem reabilitar, mas

gerenciar. A partir dessa posição, haveria um decréscimo relativo nos níveis de retribuição e expressões de

vingança, crueldade e punitividade, que seriam cada vez mais substituídas por estratégias gerenciais mais

Page 11: Matthews, Roger - O Mito Da Punitividade

11 impessoais. Mas Feeley e Simon (1992) afirmam que, apesar do advento da “nova penalogia”, punitividade e

crueldade estão também se tornando mais proeminentes. Assim, em determinado momento, a “nova penalogia”

é tida por estar na ascendência e substituir a “antiga penalogia”; em outro, é tida por estar oferecendo as

condições para sua sobrevivência e expansão. Assim, a terminologia da “nova penalogia” e “antiga penalogia”

parece inapropriada – de modo particular quando se considera que esse processo envolva uma mudança de

paradigma mais do que sirva apenas como uma contribuição para um leque cada vez mais diverso de sanções

(Feeley e Simon, 1994). Embora possa haver pouca dúvida de que formas de análise de risco se tornam mais

prevalentes no sistema de justiça criminal, a lógica da justiça atuarial não explica adequadamente o aumento

percebido na punitividade, nem o amplo interesse pela justiça restaurativa, nem a crescente ênfase na

reabilitação em suas várias formas, tanto dentro como fora das prisões (Zedner, 2002).

Feeley e Simon (1992) tentam encaixar um círculo em um quadrado ao afirmar que: “A lógica atuarial

da nova penalogia dita a expansão do continuum de controle para uma gerência de risco mais eficiente” (p. 457).

Essa afirmação levanta inúmeras outras questões. Primeiro, seria um exagero sugerir que análises de risco ditam

uma expansão do continuum de controle, uma vez que tal expansão já estava em andamento antes que as análises

de risco se elevassem a um nível de maior relevância. Segundo, não é claro porque a justiça atuarial deveria

“requerer” tão aumentado, pesado, dispendioso e, em geral, contra-produtivo sistema de controle do crime.

Análises de risco em suas várias formas, entretanto, são uma parte da matriz penal e ganharam terreno

principalmente porque se conectam com certos aspectos do gerencialismo e porque críticas acadêmicas e

políticas foram silenciadas (Jones, 1996; Clear e Cadora, 2001; Silver e Miller, 2002). O fato de que essa

pseudo-científica empreitada mascara um moralismo e subjetivismo tenuemente velado, enquanto oferece uma

bastante limitada contribuição para a melhoria da segurança comunitária, passa a ser reconhecido por

administradores públicos mas apenas com atraso por criminólogos (Hudson, 2003).

Jonathan Simon (1993) estava entre os primeiros a apontar que uma contribuição fundamental para o

aumento da população prisional nos EUA em anos recentes foi o incremento de práticas gerenciais que envolvem

o encarceramento de um relevante número de infratores da liberdade condicional. O fato de que mais de 30 por

cento das admissões em prisões estaduais e federais nos EUA são violações do livramento condicional é assaz

pertinente para explicações do aumento da população prisional americana (Petersilia, 2003). O que se depreende

é que se não fosse pelas consequências imprevistas de se adotar uma política mais rigorosa de aplicação da lei

em relação à violação do livramento condicional ou da infringência de penalidades comunitárias, populações

prisionais nos EUA estariam estabilizando ou mesmo diminuindo (Blumstein e Wallman, 2000) Também sugere

que uma proporção considerável do crescimento da população prisional é um resultado imprevisto de práticas

gerenciais mais estritas do que um surto de punitividade. Essas formas de gerencialismo não são necessariamente

baseadas no risco. Podem ter pouco ou nada a ver com com avaliações de risco ou justiça atuarial e mais com a

busca de indicadores de performance e um compromisso mais rígido com o alcance de cotas e objetivos

estipulados.

Page 12: Matthews, Roger - O Mito Da Punitividade

12 Outro indício de um nível importante de transcarceramento foi apresentado em um recente relatório da

Human Rights Watch (2003), que descobriu que as prisões estaduais nos Estados Unidos estão cada vez mais se

tornando um repositório para os portadores de sofrimento mental, com três vezes mais pessoas portadoras de

sofrimento mental nas prisões do que em manicômios. Um estudo mais aprofundado da Associação Correcional

de Nova Iorque (2003) descobriu que metade dos detentos em confinamento solitário seriam identificados com

grave transtorno mental, enquanto a quarta parte em sistemas de trancafiamento disciplinares seriam parte dos

encargos dos serviços de saúde mental. Há claros indícios de que o sistema prisional falha ao atender aos

problemas desses detentos e em muitos casos os tornam ainda piores. Em relação ao Reino Unido, não há falta

de exemplos de prisões sendo usadas como repositórios para a contenção daqueles para quem os serviços

médicos e de bem-estar não estão disponíveis (Carlen, 1998; Birmingham, 1999). Apesar de perturbadoras como

são essas descobertas, elas indicam que um fator significante que contribui para o crescimento da população

prisional não é apenas a punitividade exacerbada em relação a infratores, mas, antes, o amplo uso da prisão

como um aterro para aqueles que o Estado não é capaz ou não deseja oferecer cuidado e apoio adequado.

A difusão do gerencialismo pode também ser vista como em oposição ao foco sobre punições emotivas.

A principal mudança na política penal não tem sido tanto em direção a punições expressivas e emotivas, mas no

desenvolvimento de estilos mais administrativos e impessoais de regulação. O pós-bem-estar tem sido tomado

como prenúncio do “pós-emocionalismo”, com uma preocupação cada vez menor com as necessidades e

mentalidades dos sujeitos e um foco em novas formas de behaviorismo, por meio de monitoramento e vigilância

aliados a uma crescente preocupação com “o que funciona?” e um compromisso formal com a busca de políticas

comprovadas (Tilley, 2001).

Populismo, política e elites

O conceito de punitividade e a noção de populismo como apresentados na literatura criminológica

recente têm duas coisas em comum – ambas são sub-teorizadas e ambas carregam conotações negativas.

Considera-se que populismo veio para o primeiro plano nas últimas duas ou três décadas e deslocou

gradualmente as elites profissionais que antes assumiam responsabilidade pelo desenvolvimento da política

penal (Ryan, 1999; Garland, 2001).

Considera-se que o populismo alimenta o “giro punitivo” porque o público nutre sentimentos punitivos

arraigados. Esses sentimentos, argumenta-se, eram antes mantidos sob controle por um grupo afável e

esclarecido de especialistas. Entretanto, em anos recentes, o público em geral tem sido capaz de expressar suas

visões de maneira mais aberta e influenciar o desenvolvimento da política penal. Vigilantismo e demonstrações

públicas de hostilidade contra pedófilos, por exemplo, são com frequência tomadas como indicadores de uma

arraigada punitividade pública. Essa tenuemente velada punitividade, argumenta-se, é encorajada e ventilada

pelos meios de comunicação de massa que procuram por bodes-expiatórios e inimigos adequados para os quais

dirigir sua atenção, estimulando a preocupação do público e, assim, maximizando índices de audiência e vendas

Page 13: Matthews, Roger - O Mito Da Punitividade

13 de jornais.

Nessas representações, pouco se reconhece as várias formas que o populismo pode tomar e seus

componentes tanto progressistas como reacionários. Como defendeu Margaret Canovan (1999), o populismo não

é intrinsecamente “retrógrado” ou forma patológica de mobilização política. Ao invés, deveria ser visto como

uma sombra projetada pela própria democracia. Formas de populismo que tem apoiado políticas progressistas

são menosprezadas e o público é percebido como uma força em grande medida reacionária nutrindo

ressentimentos e animosidades, enquanto a relação entre o populismo e novos movimentos sociais e políticas

democráticas é ignorada (Arditti, 2003). Nem há muita discussão sobre as formas em que o populismo tem sido

mobilizado para limitar a opressão estatal, promover igualdade e defender direitos humanos. Como nos caso de

Stephen Lawrence e Rodney King, correntes populistas desempenharam um papel crítico no confrontamento da

injustiça.

Entretanto, reconhecer as muito diferentes direções políticas que o populismo pode tomar não é

sobrevalorizar o papel que o populismo desempenhou na determinação da política penal. As demandas gerais

que os membros do público podem expressar de tempos em tempos são filtradas, modeladas e moderadas antes

de serem traduzidas em política penal. As complexidades da formação de políticas são tais que seria inocente

atribuir seu desenvolvimento a puro populismo. No tanto em que o populismo em suas várias formas

desempenha um papel, tende a tomar a forma daquele que tem sido descrito como populismo “ventríloquo”, que

envolve políticos que falam em nome do povo contra interesses setoriais (Jessop, 1988).

A sugestão de que houve um declínio dos especialistas profissionais no modelamento e implementação

da política penal está equivocada. Pode haver mudanças na composição das elites e daqueles que formulam a

política penal, mas esse papel permanece amplamente nas mão de profissionais e especialistas. De modo

relevante, análises de risco têm sido desenvolvidas por elites profissionais apesar do fato de que sua linguagem e

práticas não ressoem com o público em geral (Feeley e Simon, 1994).

Pode ser o caso de que elites burocráticas antiquadas tenham sido deslocadas em alguma medida por

novas formas de governança e novos organismos de tomada de decisão. Está longe de ficar claro, entretanto, que

esses novos organismos sejam mais escrutináveis ou acessíveis do que administrações anteriores. O que está

claro é que, no interior de um sistema de justiça criminal em contínua expansão, temos visto uma proliferação de

todos tipos de especialistas que são tanto capazes de influenciar a criação de políticas como mediar demandas do

público. Incluem não apenas os especialistas já estabelecidos, tais como psicólogos, terapeutas sexuais,

toxicólogos e educadores, mas especialistas que estão preocupados com considerações muito mais amplas

relacionadas a diferentes aspectos de estilos de vida. Ademais, arquitetos e designers, ambientalistas, urbanistas e

outros profissionais, que previamente tinham pouco interesse nesses assuntos, agora desempenham um papel

cada vez mais central. Além disso, a proliferação de parcerias multi-agências significa que um leque amplo de

agências tem agora interesse no desenvolvimento de políticas e práticas de controle do crime. O fato de que

muitos desses especialistas vistam jeans e moletons ao invés de ternos e gravatas não os tornam nem um pouco

Page 14: Matthews, Roger - O Mito Da Punitividade

14 menos especialistas nem menos influentes (Cohen, 1994).

Em termos políticos, considera-se que a ascensão do neoliberalismo e a flutuação para a direita do

espectro político explicam o “giro punitivo”. Reagan, Thatcher e Bush são vistos como os principais atores nesse

processo, seguidos de perto por Clinton e Blair, que, em um esforço para não serem superados por seus

oponentes políticos, expressaram sentimentos punitivos similares. Há, claro, um elemento de verdade nessa

proposição, mas apresentar todos esses líderes políticos e seus partidos como promotores de variedades

diferentes da “punitividade populista” confunde mais do que explica.

Apesar de toda retórica de se “pegar pesado” e o foco na “lei e ordem” durante o governo Thatcher, o

número de pessoas enviadas para a prisão anualmente ao final da década era menor do que em 1980. Além do

mais, a média diária da população prisional caiu em direção ao final dos anos 80. Durante aquela década, dois

Ministros do Interior introduziram esquemas de livramento antecipado, os quais libertaram milhares de

prisioneiros. Foi durante o mesmo período que assistimos a uma redução considerável do encarceramento

juvenil, já que o delinquente juvenil se tornou um “recurso escasso” no Reino Unido (Pratt, 1985; Graham,

1989). Como bons monetaristas, o governo Thatcher percebeu que a prisão era “uma forma dispendiosa de tornar

piores pessoas ruins”. Ao mesmo tempo, engajaram-se em um grande programa de construção e reforma de

prisões, o qual envolveu uma grande melhora das condições em muitas prisões e praticamente o fim das celas

sem água encanada. A década de oitenta também testemunhou o começo de uma série de programas de televisão

sobre a vida e as condições nas prisões, que ofereceram um novo nível de consciência e informação sobre o

anteriormente fechado mundo do aprisionamento.

Não foi até o começo da década de 90 que a população prisional da Inglaterra e do País de Gales

começou a decolar. Embora houvesse alguma continuidade entre as políticas de se “pegar pesado” do governo

Conservador e o “ser duro com o crime” do recém chegado governo do Novo Trabalhismo, quase não há dúvida

de que as políticas de controle do crime desenvolvidas por esse novo governo expressem decrescente apoio ao

uso do encarceramento. Representar a atual política penal predominantemente em termos de punitividade

implica um fracasso em se apreciar a diversidade e ambiguidade da política governamental recente (Crawford,

2001). Há mensagens mistas e imperativos concorrentes que emanam de fontes oficiais. Em um momento, fala-

se de medidas alternativas e desencarceração, e, em outro, de mais rigorosa aplicação das sanções. Por exemplo,

o relatório Halliday incorpora vários objetivos aparentemente conflitantes e defende, ao mesmo tempo, a busca

de uniformidade e flexibilidade, rigidez e discricionariedade, enquanto advoga expediência e justiça social

(Home Office, 2001).

Mesmo um breve exame de publicações governamentais recentes na Inglaterra e no País de Gales sobre

o sentenciamento e a política penal indica a crescente antipatia com a expansão da prisão e o reconhecimento,

em geral, das consequências do aprisionamento para os indivíduos, famílias e comunidades. Um tema central e

recorrente nos documentos oficiais recentes é a noção de exclusão social (ver Young e Matthews, 2003). O

influente relatório, por exemplo, da Unidade de Exclusão Social (2002) sobre “Reduzir a reincidência de ex-

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15 prisioneiros” expressa a visão de que, enquanto o aprisionamento pode ser justificado para infratores perigosos,

violentos e persistentes, o encarceramento de muitos daqueles atualmente presos serve para compor uma história

de exclusão.

Um número cada vez maior de relatórios oficiais publicados no Reino Unido durante os últimos anos

poderia ter sido formulado por criminólogos radicais ou críticos dos anos 80 – e alguns o foram. Propostas

recentes para limitar o tamanho da população prisional incluem a desencarceração de infratores cumprindo

sentenças de menos de 12 meses, a expansão de programas de livramento antecipado e a introdução de custódia

intermitente. Há uma contínua ênfase formal sobre usar a prisão como último recurso, apenas quando outras

opções de sentenciamento tenham sido exauridas. O tom dessas publicações governamentais sobre as prisões e a

política penal é, em geral, defensivo e, às vezes, apologético. O aprisionamento não é anunciado como uma

opção positiva, mas um mal necessário (Morris, 2004).

Como Mick Ryan (1994) sugeriu, a natureza do populismo no Novo Trabalhismo é significativamente

diferente do que as formas de populismo que foram estabelecidas no Thatcherismo. No Novo Trabalhismo,

considera-se que indivíduos e comunidades têm um dever de participar na redução do crime e contribuir para a

criação de comunidades mais seguras. A ênfase na civilidade não deveria ser descartada como apenas uma

“estratégia de responsabilização”, mas deveria, ao invés, ser tomada como uma tentativa de estender a

democracia participativa e aumentar o envolvimento público na elaboração de políticas públicas. Ampliar o nível

de participação ativa na formulação política poderia encorajar mais moderação nos debates sobre o controle do

crime, não menos (Johnstone, 2004).

Uma nota sobre a opinião pública

A noção de opinião pública é um ponto e referência central na literatura da punitividade. Entretanto,

como se têm indicado com frequência, há sempre o perigo de que, ao invés de reportá-la, os cientistas sociais a

construam (Osborne e Rose, 1999). Muitos desses estudos fracassam em distinguir claramente entre diferentes

aspectos da “opinião pública”, tais como conhecimento, atitudes e sensibilidades, nem explicam porque as

pessoas mantém certas opiniões e quão firmemente aderem a elas (Durham, 1993; Hancock, 2004).

Ao invés de demonstrar uma inclinação para a punitividade, as pesquisas de posicionamentos públicos

sobre o sentenciamento e a punição têm repetidamente demonstrado que os respondentes apoiam múltiplos

objetivos para a condenação. Expressões de retribucionismo coexistem junto com apoio para a reabilitação,

assim como para outras opções de sentenças. Os cidadãos defendem uma abordagem mais equilibrada para o

crime, que envolveria uma mistura de punição, reabilitação e proteção pública (Cullen et al., 2002). Dados

coletados por Russell e Morgan (2001) para a Revisão do Sentenciamento do Ministério do Interior oferecem

poucos indícios de que o público quer um serviço de condicional mais duro. Em seu lugar, querem um serviço

eficiente que reduza a probabilidade de que aqueles em condicional venham a reincidir. Descobriu-se que:

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16 As respostas mais comuns dos membros do público à questão aberta: “O que se deve atingir com a condenação?” não incluem as palavras “punição”, “dissuasão” ou “reabilitação”, termos que em geral são tomados por resumir os objetivos da punição. As respostas mais comuns são “parar de delinquir”, “reduzir a criminalidade” ou “criar uma comunidade mais segura” sem qualquer articulação de como a condenação deveria atingir esse resultado. Em geral, as pessoas não são vinculadas a uma filosofia de punição particular; elas apenas querem que algo seja feito que mude o comportamento dos infratores. (Morgan, 2002: 221)

John Doble (2002), um dos principais pesquisadores americanos nessa área, argumenta que, por causa da

concentração nos elementos punitivos dos ânimos públicos e uma falta de apreciação da diversidade e

variabilidade dessas visões, “a opinião pública foi mal interpretada pelas ditas autoridades e líderes políticos” (p.

149). Ele cita evidência de que a ênfase seja a mudança de sentenças prisionais longas para a prevenção e

reabilitação. Não obstante, a mútua referência cruzada e o comentário acrítico de inúmeros criminólogos

ajudaram a reificar a “punitividade” como um fato social. Infelizmente,

Uma vez construída, realidades sociais são difíceis de se desconstruir. Nos Estados Unidos, a visão dominante de que o público é exclusivamente punitivo tem o potencial de constranger a busca de políticas progressistas alternativas em muitas jurisdições. Políticos e demais elaboradores de políticas públicas interpretam mal, de maneira desafortunada e persistente, as visões públicas sobre o controle do crime. (Cullen et al., 2002: 143)

Para alguns comentadores, como Jonathan Simon, a tendência para políticas penais mais punitivas e

vingativas é vista como um reflexo de uma mudança mais básica nas atitudes públicas. Entretanto, há uma outra

corrente contrastante que juntou forças no Reino Unido no período pós-guerra, a qual envolve crescente

intolerância com a maioria das formas de violência interpessoal. Assim, a violência doméstica, endêmica mas

muito ignorada até os anos setenta, o estupro no interior do casamento, ataques raciais, abuso infantil, crimes de

ódio, bullying, assim como várias formas de assédio e intimidação têm cada vez mais se tornado um motivo de

preocupação e foco de intervenção. Há também maior oposição no Reino Unido à disciplina parental contra

crianças por meio de golpes e palmadas. Na verdade, têm ocorrido algo como uma “revolução silenciosa” em

comportamentos sociais em relação a violência interpessoal pelos últimos 20 ou 30 anos, mas essa história ainda

aguarda ser escrita.

Avaliando os indícios empíricos

Costuma-se sugerir, ou ao menos deduzir-se, que a crescente população prisional durantes os anos 90,

especialmente em um período de taxas decrescentes de criminalidade, pode ser atribuída a uma onda de

punitividade, quer seja populista ou não. Níveis de aprisionamento, entretanto, podem ser influenciados por uma

variedade de fatores que incluem perfis democráticos cambiantes, diferenças na distribuição do crime e

vitimização, taxas de solução de casos, taxas de condenação, a disponibilidade e uso de sanções não-custodiais,

assim como pelo emprego de mecanismos de livramento antecipado (Zimring and Hawkins, 1991). A influência

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17 desses fatores precisaria ser avaliada antes que se façam quaisquer afirmações de que o aumento da população

prisional se daria em função da punitividade. Caso contrário, tais asserções permanecem puramente

especulativas e gravitam ao redor do empiricismo.

Já para os vários exemplos de punitividade que têm sido apresentados de maneira repetida na literatura,

os indícios empíricos disponíveis sugerem que sejam limitados em tempo e espaço ou, de outro modo, sejam

mais simbólicos do que reais. Se olharmos para as leis de "three strikes" e de sentenciamento obrigatório e

presuntivov, por exemplo, descobrimos que seu impacto têm sido consideravelmente menor que o esperado.

Apesar de toda a publicidade e previsões de crescimento espiral da população prisional nos EUA, as leis de

"three strikes" tiveram muito menos impacto em juízo, cadeias locais e prisões estaduais, com exceção da

Califórnia, do que aquilo que foi antecipado (Shichor e Sechrest, 1996). Seu impacto foi amplamente simbólico,

e quando implementadas, serviram apenas para consolidar a legislação existente (Austin et al., 1999).

Tem havido pouco interesse no sentenciamento presuntivo fora dos EUA e, embora haja algum debate no

Reino Unido, nenhuma diretriz foi adotada. De maneira similar às leis de tempo mínimo obrigatório existem,

mesmo nos EUA, amplas cláusulas de exceção que permitem aos juízes impor uma outra sentença (Tonry, 1999).

Nos últimos anos, 25 Estados aboliram as leis de sentenciamento mínimo obrigatório, aceleraram o livramento

condicional, aumentaram o “bom tempo” prisionalvi e desviaram infratores para tratamento (Greene, 2003). Na

Inglaterra e País de Gales, apenas oito condenados por violação de domicílio foram sentenciados ao mínimo de

três anos dos dispositivos introduzidos por Jack Straw em 2000. Do mesmo modo, a sentença mínima obrigatória

de sete anos para a terceira infração de tráfico de drogas somente foi usada na Inglaterra e País de Gales três

vezes desde sua vigência (Travis, 2003). Assim, parece que os membros do judiciário simplesmente não

implementam as políticas de sentenciamento que consideram ser inapropriadas.

Enquanto os campos de treinamento se tornaram cada vez mais populares nos EUA durante os anos 90,

apenas uma instituição experimental para jovens baseada nesse modelo foi introduzida na Inglaterra. Esse

projeto piloto foi montado em Colchester em 1996 por Michael Howard. Foi, no entanto, fechado pelo governo

trabalhista em 1998, antes mesmo de ter sido plenamente avaliado. Oposição a esse estabelecimento

experimental não veio só de políticos, mas de diretores de penitenciárias, grupos de reforma de prisões e até

mesmo do Exército. A razão formal dada para o fechamento do estabelecimento foi a de que seria muito caro e

faria pouco para diminuir as taxas de reincidência (Farrington et al., 2002).

Enquanto existe muito debate sobre regimes de prisão “austeros” e “sem regalias”, ocorre que, ao menos

na Inglaterra, as condições prisionais em geral melhoraram durante as últimas duas décadas, particularmente em

relação aos serviços de saneamento, dieta e saúde. Mais tratamento, programas recreativos e educacionais foram

ofertados junto com esforços para permitir aos prisioneiros mais tempo fora de suas celas em algumas prisões

(HM Inspectorate of Prisons, 2003). De modo significativo, há um número crescente de casos em que guardas

prisionais são suspensos ou dispensados por comportamento brutal contra detentos na Inglaterra e País de Gales

e tem também havido uma maior preocupação com a vitimização de prisioneiros (Dodd, 2001). Pode ser que

Page 18: Matthews, Roger - O Mito Da Punitividade

18 esses relatórios reflitam níveis cada vez maiores de abuso e violação de direitos dos prisioneiros, mas também

sugere que tem havido uma mudança nas respostas oficiais em relação ao tratamento de prisioneiros e que

alegações de maus-tratos e vitimização estejam mais propensas a serem tratadas com seriedade.

No Reino Unido, as antigas prisões locais vitorianas, entretanto, permanecem desoladoras e, em geral, as

instituições mais superlotadas. No entanto, apesar dessas “lixeiras penais”, mesmo os mais ardentes críticos do

aprisionamento no país tiveram que reconhecer, de má vontade, que tem havido algumas melhorias significativas

nas condições prisionais em anos recentes. Nas prisões de “novo design”, coloca-se ênfase na redução do

número de funcionários, aumento da vigilância e desenvolvimento de funções automatizadas. O que a maioria

dos prisioneiros nessas instituições acha problemático não é tanto a brutalidade dos guardas, mas os longos

períodos de tempo em que se encontram confinados em suas celas e a falta de contato interpessoal.

Muito se tem falado das campanhas que foram conduzidas e da legislação que foi aprovada para tratar do

assunto dos pedófilos. Referência contínua foi feita aos eventos em Paulsgrove em 2000vii. Esse “pânico moral”

foi, entretanto, relativamente efêmero, apesar dos esforços concentrados dos tabloides para perpetuar e aumentar

a preocupação pública. Houve pouco debate sobre esse tema no Reino Unido nos últimos anos e parece haver

diminuído a atenção na agenda social e nos meios de comunicação. De modo similar, a muito citada reaparição

das “levas de forçados” parece ter sido limitada a certos Estados sulistas dos EUA e parece ser uma política

idiossincrática e fugaz.

O uso acentuado da pena de morte nos EUA é visto, de modo compreensível, como uma indicação de

punitividade pública e sentimento de crueldade. No entanto, há sinais de que o crescente apoio ao uso ampliado

da pena de morte nos EUA durante os anos 90 começa a declinar. Nova legislação tem sido aprovada em

inúmeros Estados, atendendo à preocupação cada vez maior com condenações equivocadas. A influente

Associação Americana dos Advogados (ABA) adotou uma resolução, em 1997, que estabeleceu diretrizes para

minimizar o risco de que inocentes fossem executados e, em 2000, o presidente que assumiu a Associação emitiu

apelos por uma moratória nas execuções. A Assembleia Psiquiátrica Americana também pediu uma moratória

nas execuções e essa iniciativa ganhou o apoio de grupos religiosos. De maneira indicativa, o número de

execuções realizadas nos Estados Unidos decaiu agudamente durante os últimos 3 anos, de 98 em 1999 para 66

em 2001 (Hood, 2002; Lilly, 2002). No Reino Unido, entretanto, há um clima diferente. Os debates acerca da

pena de morte ressurgiram nos anos 80, mas nunca pareceram ter apoio suficiente para justificar sua

reintrodução. Durante a última década, dificilmente se pode encontrar qualquer referência séria sobre a

possibilidade de trazer de volta a pena de morte no país, mesmo depois do muito publicizado caso de Bulgerviii ,

das revelações sobre Harold Shipmanix, o assassino em série mais prolífico na história, ou dos assassinatos de

Sohamx. O que é mais impressionante é, a despeito de uma série de assassinatos extremamente brutais e muitos

publicizados, quão tolerante o público tem sido.

A introdução do policiamento “tolerância zero” no Reino Unido também foi efêmero. Como nos EUA, o

grau de sua adoção e implementação nunca foi claro (Stenson, 2000; Braithwaite, 2003). O termo “tolerância

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19 zero” é um pouco errôneo e seria mais precisamente descrito como “tolerância seletiva”, já que o policiamento

envolve seletividade e discrição. Onde o policiamento de “tolerância zero” foi introduzido no Reino Unido,

resultou em altos níveis de reclamações contra a polícia e, em um caso, com a remoção de um oficial de alto

posto associado com essa abordagem. Em seu lugar, ganhou proeminência um policiamento mais comunitário e

orientado por problemas e formas privatizadas de patrulhamento.

Na República da Irlanda, muitas dessas mudanças, que são tidas por sinalizar uma transformação

dramática na política de controle do crime, também não ocorreram. Referência à pena de morte foi apagada da

Constituição Irlandesa e não há nenhuma “sensação de crise perpétua”. Nunca houve um declínio no ideal de

reabilitação, enquanto a retribuição não emergiu como um objetivo político generalizado. Ao invés,

desenvolveu-se uma política de controle do crime que, como em muitos outros países, é variável e volátil

(O'Donnel e O'Sullivan, 2003).

Mesmo uma breve revisão dos dados empíricos apresentados na literatura não oferece um caso

convincente para apoiar a afirmação de que a punitividade desempenhou um papel central em desdobramentos

recentes. Os indícios americanos são mais fortes, mas a punitividade é muito menos pronunciada do que muito

criminólogos sugerem. Existem claras indicação de excepcionalismo americano, mas vários autores, na tentativa

de dizer algo profundo sobre a modernidade tardia, querem caracterizar esses desenvolvimentos como detentores

de significado internacional (Zimring, 2001; Young, 2003).

Conclusão

Não é difícil achar exemplos do desenvolvimento e implementação de estratégias punitivas, mas há a

questão de se determinar o significado relativo de tais estratégias na sociedade contemporânea. Já que estratégias

punitivas e emotivas foram historicamente uma característica endêmica das políticas de controle do crime, existe

a necessidade de se explicar o que é novo. Sugeriu-se que a maioria dos exemplos de punitividade apresentados

representa desenvolvimentos mais extremos e excepcionais e que a maioria está limitada espacial ou

temporalmente. A punitividade e conceitos relacionados são pouco teorizados e as histórias que nos são

apresentadas são seletivas e não convincentes, enquanto conexões críticas tendem a ser presumidas ou afirmadas

mais do que explicadas.

Há uma preocupação com oposições limitadas e polaridades que não fazem justiça à diversidade,

contradições, reversões e tensões na atual política de controle do crime. Nesse mundo de duplo enfoque,

bifurcado e soma-zero de punitivo versus não-punitivo, inclusão versus exclusão, populismo versus elitismo,

“novas” versus “velhas” penalogias, processos “civilizatórios” versus “descivilizatórios”, corremos o perigo de

ficarmos perdidos em uma série de falsas dicotomias.

Embora haja a promessa de algo radical e novo aqui, a maioria desses relatos oscila entre um humanismo

liberal e o pessimismo, e até um certo ponto corre-se o perigo da dissolução no conservadorismo. Não há

programa estratégico ou político que se siga a esses relatos. Ao invés, há uma dominante sensação de fatalismo e

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20 inevitabilidade. Sua insuperável limitação não é apenas que apresentem um relato parcial, exagerado ou mítico

do desenvolvimento do controle criminal, mas que essas várias abordagens não nos ofereçam ferramentas

conceituais pelas quais pudéssemos realisticamente resolver esses problemas.

O fracasso de se desenredar tanto conceitualmente quanto empiricamente os elementos constitutivos da

“punitividade” levou inúmeros criminólogos a enxergar a recente expansão da indústria de controle do crime

como uma função do desejo de se “pegar pesado”. Melhor seria ver o crescente conjunto de agências e

instituições com seus diferentes papéis, discursos e especialidades, como parte de uma rede de controle do crime

cada vez mais complexa, opaca e expansiva, que envolve um alcance diverso de estratégias intervencionistas.

Por conseguinte, há uma tendência a reduzir esses desdobramentos a uma punitividade ou populismo

subjacentes.

Se forem válidos os argumentos de que a preocupação com a punitividade é exagerada, então somos

deixados com o problema de explicar porque tantos criminólogos e reformadores penais abraçaram essa

concepção essencialmente voluntarística e fenomenalista do desenvolvimento penal. Não é tão difícil ver porque

grupos de reforma penal acham esse tipo de explicação atraente, já que lhes oferece a oportunidade de se

encarregarem da função de limitar os excessos de políticos malévolos, por um lado, e educar um público mal

informado, por outro. Criminólogos acadêmicos são também capazes de fazerem afirmações similares, enquanto

ganham os benefícios que se originam da crença de que ocupam um plano moral elevado. Entretanto, o enfoque

desproporcional na punitividade pode bem refletir sensibilidades sociais cambiantes e uma crescente

ambivalência em relação ao uso de sanções punitivas – medidas segregativas em particular. Assim, mais do que

estar na ascendente, sanções punitivas e emotivas podem, na verdade, estar se tornando cada vez mais

insustentáveis.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer a Lynn Hancock, Phil Carney, John Pitts e os revisores do periódico por seus

comentários em versões anteriores desse artigo e por suas valiosas sugestões.

i A expressão just deserts tem origem bastante antiga no idioma inglês e pode ser melhor compreendida como “aquilo que justamente se merece” [what you justly deserve]. No contexto da punição, se refere à pena que alguém deve receber, de modo proporcional ao crime praticado. Essa expressão marcou seu retorno ao vocabulário penal durante a década de 1970. (N. T.) ii Os termos direito no papel e direito em ação referem-se à clássica distinção entre law in the books e law in action, que aponta para a defasagem entre validade e eficácia das normas jurídicas. (N. T.) iii O termo sentenças sem costuras foi utilizado aqui para traduzir seamless sentences, que consiste em punições que combinam elementos custodiais e de supervisão comunitária. Esse modelo de sentença previa basicamente a pena de prisão seguida de livramento condicional, mas passou a incorporar outros mecanismos, como a custódia intermitente, na qual períodos de prisão se alternam com períodos de supervisão comunitária. (N. T.) iv A regra de pacotes de sentença é um princípio penal em que um acusado pode ser re-sentenciado no caso de uma condenação por múltiplas infrações quando consegue reverter algumas delas por meio de apelação. (N. T.) v Sentenciamento presuntivo baseia-se nas diretrizes de sentenciamento, em que se procura respeitar a proporcionalidade entre punições e crimes, mas que também leva em consideração o histórico de delinquência do acusado. O quadro de diretrizes para sentenciamento estabelece uma sentença presumida para determinadas ofensas e graus de reincidência, mas pode ser alterada com a existência de condições atenuantes ou agravantes no caso específico. (N. T.) vi “Tempo bom” [good time] é o crédito resultante do período em que o prisioneiro se mantém com bom comportamento e que se utiliza para reduzir seu tempo de prisão. (N. T.)

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21 vii Em 2000, na localidade de Paulsgrove, a divulgação pela imprensa de que um dos habitantes da comunidade havia sido condenado por pedofilia no passado acarretou a fúria da população e resultou em uma noite de vandalismo e protesto. (N. T.) viii Em 1993, James Bulger, com apenas 2 anos, foi sequestrado, torturado e morto por dois meninos de dez anos. Após intenso furor midiático, a sentença imposta aos perpetradores tornou-os os dois condenados mais jovens da história moderna do direito inglês. (N. T.) ix Como afirma-se no texto, considera-se que Harold Shipman foi um dos maiores assassinos em série da Inglaterra. Médico inglês, foi condenado em 2000 pela morte de 15 de seus pacientes, mas muitas outras dezenas de mortes são também a ele atribuídas. (N. T.) x O episódio dos assassinatos de Soham, também fonte de intenso clamor público, refere-se ao homicídio de duas meninas de 10 anos pelo zelador da escola em que estudavam. (N. T.)

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