matos - rousseau

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  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

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    r

    I

    I

    I

    L

    ROUSSE U

    UMA

    R Q U E O L O G L ~

    D DESIGU LD DE

  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    2/63

    I

    I

    I

    FICHA CATALOGRFICA

    preparada pelo setor de catalogao de

    MG

    Editores

    Associados

    Bibliotecria

    Diva Andrade)

    Matos, Olgria C.F.

    Roussea- uma arqueologia da desigualdade. So Pau-

    lo, M.

    G

    Editores,

    1978.

    124p.

    Bibliografia

    1

    Filosofia francesa

    I Tftulo.

    CDD

    194

    desta edio

    da

    MG

    EDITORES ASSOCIADOS

    Rua Sergipe,

    768 fone: 259-7398

    O1243 So au lo, S

    Olgria c

    f

    Matos

    ROUSSE U

    UMA

    R Q U I ~ O L O G I

    D DESIGU LD DE

    SO

    PAULO 1978

  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    3/63

    I

    \

    .

    \ \

    I \

    Produo

    - itorial: Florentino Marcondes O Angelo

    Capa

    Mauro

    LOpes

    R..,iso: Rosane

    Albert

    Assistem

    de

    Produo Nilza

    lraci Silw

    COMPOSIO

    COMGRAF o m p o s i ~ Grficas S/C Ltda.

    Rua Alvarenga. 1237

    ?

    conj

    23

    -

    Tel.: 210 8579

    o Kdu

    razo

    de

    ser deste trabalho

    e

    a meus pais

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    I

    l

    I

    I I

    \

    I l

    \

    \

    I

    I

    Este estudo

    no

    teria sido possvel

    sem

    o concurso

    da

    PESP

    (Fundao de mparo Pesquisa do Estado de So Paulo) que

    concedeu bolsa de estudo durante sua elaborao na Universidade

    e

    Paris

    I ,

    Sorbonne.

  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

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    j I

    i

    I

    I

    I

    suMhluo

    Prefcio

    Introduo

    Captulo I - O Silncio e a Origem

    A - O Visvel e a Natureza: a Presena e a Igualdade . .

    B - O Movimento

    das

    Paixes . . .

    Captulo

    A

    Natureza e o

    Artifcio

    .

    .

    .

    A -

    0Anima1

    o Homem: a Identidade . .

    .

    B - O Animal,

    oHomem:

    a Diferena .

    .

    .

    C - O Retomo do Reprimido

    na

    Sociedade . . . .

    Captulo

    Da Visibilidade Alienao .

    A - O

    Invisvel e a Repre3entao .

    .

    B - A Gnese da Oposio: a Conscincia

    C - A Guerra de Todos contra Todos: a Propriedade

    9

    17

    5

    5

    36

    45

    45

    50

    60

    6

    67

    71

    82

    '

    ConduSio -

    Balanos

    e Perspectivas . . . . . . . . . . . . . . . .

    93

    A - Restaurar a Visibilidade: o Contrato . . . . . . . . . . . . . 93

    B -

    Um

    BalanO Provisrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    1 4

    .

    C -

    Um Balano sem Perspectivas . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 2

    Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

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    \

    PREF IO

    Por que

    tendo

    escavado as origens da desigualdade entre

    os homens, Jean-Jacques Rousseau nao um revolucionrio? Este

    livro nos convida a ret1etir menos acerca da coerncia da obra

    de Rousseau e mais sobre a

    inquietante

    questlro

    de

    seus limites.

    A

    autora

    procura localizar o

    ponto

    em que o discurso rousseau

    ruano cria sua prpria barreira interna e que, no podendo ser

    ultrapassada, impede a emer;gncia da idia

    de

    uma nova justia

    e a exigncia de

    uma

    revolu

    o para

    alcan-la. A origem e o fun

    damento da desigual dad' social so marcados pelo advento da

    propriedade privada, porm falta

    anlise

    de

    Rousseau apontar

    o vnculo necessrio enue propriedade e explorao. A ausncia

    desta ltima

    impo

    ssibilita

    dar

    desigualdade um contedo his

    trico e na falta deste, no

    h como

    conceber uma passagem

    dialtica das contradies '. Eis porque as duas solues oferecidas

    pelo ftlsofo - o con trato social e a pequena comunida de de Cla

    rens - a pa re cem mais como substitutos para a injustia do

    que

    como luta co

    nua

    sua causa. Ser desnaturado porque cind ido da

    atureza e socialmente dividido, o homem jamais recuperar

    a indiviso da origem quando , silencioso e disperso, colhia os frutos

    da terra, 'aplacava as necessidades e divagava no murmrio das

    paixes benevolentes. Quando os homens se reunem j se sepa

    raram da Natureza e a sociedade , precria substituio, incapaz

    de

    re

    fazer a urudade indivisa do originrio. Buscando a origem

    perdida. o homem social apenas encontra substirutos para ela ,

    mas porque a perda perverso , perversos sero os substitutos

    encontrados e nascendo acorrentado aos grilhes do destino de

    tudo quanto avm depois da queda o

    homem so

    cial homem

    sem esperma e sem redeno. Desnaturar se ser culpado e tor

    nar-se suspe

    ito

    no co rao de uma alteridade pervertida e cada

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    '

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    \

    I

    I

    I

    I

    I

    I I

    I

    l

    1 .

    alim nta

    a

    suspeiao

    .

    . nas agrava a

    culpa

    e e . diz

    vun

    ento da histna ape . diateza

    do instmto,

    mo

    ara a liDe

    d

    rfectibilidade, substituto

    P .

    is

    o

    homem progn e

    A pe at t e sim ambigua,

    po

    d

    oo-raa

    1

    . . no di e

    ica

    d .ar.:or.a e para a eo>fr

    O

    gana,

    do e se aperfeioa

    em e-'e- ' -.--

    po

    rque desgraa . d

    . ara a morte.

    so po

    e-

    Socializ.ar-se e nascer p . discurso

    que

    a temat:lZ.a . .

    Histria da perversidade, o . sta uma pista

    para

    adivinhar

    ria ser perverso

    tambm

    .

    Na:o

    s e n ~

    da

    obra de Rousseau t a l v e ~

    mos que a

    questo acer ': a n

    oerncia

    no

    s e ~

    um

    c o n t ~ e

    .

    uro falso problema . e . escapasse milagrosame n

    seJaso no seria exigir que o d i s e ~ o suscita e

    provoca

    para q u ~

    : t ~ a dessa histria ~ r v e ~ q u ~ r e o mal? Mais fecunda sera

    tomaS;e urn

    bom

    d i s c u r ~ . so d

    discUfSO

    e que, ao faz-lo.

    se . gue os linUtes

    0

    - percorre

    a leitura que mterro grnca

    rememoraao

    que -

    desvende o sentido dessa eru homem feliz no tem

    mem

    a obra onde lembrar s b e r f q l i ~ e d o d e silenciosa. A obra

    per

    afirm

    que a e ci supnmu-se

    ria e falar

    ar

    .

    tentava

    funesta para

    versa e nela a busca

    da

    ongem ria. a linguagem, o pensarnen-

    . sem conseglll-lo . A

    roem .

    .

    lembrar. escrever,

    a S1 mesma . da erda

    ongmana,

    .

    to e o trabalho so

    SlgllOS b ~ o da

    obra seja a repetiO mcan

    fazem com que o tra . . discurso est a procurar.

    ~ d a perda e da d i v i ~ o CUJa o:Og;{: ; eda sua plena manifes-

    de

    Rousseau no e descn

    A obra ocu e

    o al

    0

    visvel se ta

    ta .Como o

    diferente

    se toma d e ~ a .estas questes, escreve

    resena se faz ausente? A respos histria emprica. pois Rous

    ~ ~

    no

    deve ser buscada em uma riam determinado o advento

    . d g quais os fatos que te . rincpios que ator-

    seau nao m s e sim quaJ.S os P

    da

    . ~ ~

    naldade

    enUe

    os

    homen

    I W

    ia

    da

    Desigualdade trans-

    . a

    Arqueo

    s

    possi

    vel. Dnamos que dental Freqentemente o

    naram transcen . . . .

    cone no espao de urna rustona a consideram o principiO explicau

    intrPretes da

    obra

    rousseauruand

    comparao

    feita entre o s t a ~ ?

    da desigualdade como

    fruto

    visto que em Rousseau a cnU

    ~ ~ n a t u r e z a e o estado de soCledad: em sua oposio

    absoluta

    face_

    ca do social encontra-se allceraf

    co

    tradicional

    da interpretao

    .

    ao

    natural.

    Olgria

    deslo:

    e

    e ~ t a d o

    de

    natureza

    que Rousseau

    ' ' atravs do conceJ . aldade mas atravs do conceitO

    n...... d desigu fu da

    fundamenta a teona

    Ea

    deslocmento interpretativo n -

    de natureza

    humana.

    sse . -ia incompreensvel a preocupao,

    ele tornar se

    mentaL pms sem

    11

    presente no "Segundo Discurso , quanto s transformaes ocorri

    das

    no modo de ser do homem. Destarte, tanto o

    conceit

    o

    de

    ho

    mem natural quanto o de

    homem

    social

    bem como

    a passagem do

    estado de natureza ao de sociedade enoontram-se fundad

    os em

    um

    princpio

    nico

    e slido a partir do qual possvel narrar o

    drama

    do gn ro humano Assim, a

    pergunta

    pela origem da desigualda

    de

    entre

    os

    hom

    ens

    deve passar pelo m

    omento

    em

    que

    os

    homens

    eram

    iguais

    na

    diferena

    puramente

    natural.

    momento

    da

    auto sufi..

    cincia e da

    piedade,

    momento originrio da liberdade e da esponta

    nea identificao com o outro no

    sofrimento

    . Se a natureza h:uma

    na

    livre

    e

    piedosa em

    estado de

    natureza

    porque neste estado

    reina a

    abundncia,

    a satisfao

    das

    necessidades no ultrapassa o

    desejo

    natural. o mundo feito somente do aqu i e

    do

    agora plena

    mente

    visvel e sua visibilidade transita entre os homens

    para

    os

    quais o simples gesto bastante

    para

    a comunicao e a dor visvel

    do outro, suficiente para despertar

    um

    eco nos demais qu e no

    precisam "

    entend-la

    para senti-la em sua prpria carne. A per

    gunta

    pela origem

    da

    desigualdade converte-se, pois, em

    q u ~

    acerca

    da transformao ocorrida na natureza humana e que a fez

    passar

    do estado de igualdade ent re homens

    auto-

    suficientes ao

    estado de desigualdade entre homens que se

    tomaram

    depen dentes.

    A Arqueologia da Deslgualdade uma teoria da alienao. Com

    preendemos , ento , porque a autora completa a pergunta sobre

    a origem

    da

    desigualdade oom

    uma outra que

    lhe confere pleno

    sentido: qual a origem da submisso? Sem a questo acerca da

    obedincia

    a

    outrem

    seria impossvel determinar o momento em

    que

    a diferena natural transfigurada em desigualdade social,

    pois esta nada mais seno a forma da o ~ o e das relaes

    entre

    homens divididos.

    Olgria

    Matos

    enfatiza a afirmao de Rousseau segundo a

    qual a

    propriedade

    privada marca o advento do estado de guerra,

    .

    mas

    no o advento da sociabilidade, de

    sorte que

    o surgimento

    . da propriedade privada precedido de

    outras

    desigualdade que

    a preparam, sendo mais um

    fruto

    delas do que sua causa. Da mesma

    m a n e i r ~ O

    lg

    ria mostra como o uso da fora e a exigncia do

    reconhecimento ent re homens que se tomaram oonscien tes no

    so causas da submisso, mas apenas seus intrumentos de conser

    vao , sendo necesSrio buscar

    aqum

    delas a gnese da obedit n

    cia.

    Assim, tant

    o o advento da propriedade privada

    quan

    to o da

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    8/63

    ,I

    I

    12

    dominao devem pressupor outras alteraes no modo de ser

    dos homens que as tornaram possveis. Eis porque a autora se

    detm

    na

    anlise

    da

    origetn das lnguas.

    na

    compreenso do signi

    ficado da passagem

    da

    sensibilidade e das paixeS

    para

    a conscin

    cia e a razo,

    na

    interpretao

    da

    gnese do

    mundo

    do trabalho

    como mundo

    da

    carncia. Essas modificaeS so camadas super

    posta onde a d.,;guaidade

    . ,

    ,.djmenta e cujo perlll o oaptulo

    deste

    livro

    desenternun

    com

    pacincia. Aqui a arqueologia geolo-

    gia.

    No estado de natureza. plo ideal

    da

    origem, reinam a pre-

    sena e a visibilidade. O nascimento da

    Ungu.ageiD

    e o advento

    do trabalhO marcam a separao

    entre

    o hometn e a origem. pois

    a fala relao

    com

    o ausente e o trabalho, criao

    do

    possvel.

    Com eles surge a conscincia

    do tempo

    e da

    morte,

    roas tambm

    a da permanncia e a

    da

    identidade. A conscincia de

    si

    desco

    bre-se como idntica ao saber-se

    diversa

    do mundo natural e das

    demais conscincias que a cercam-

    Para

    que

    a Unguagetn, o traba

    lho. a conscincia do tempo e da identidade surgissem foi preciso

    quo

    a ade< O intitiva ao imodiato codo"" p a = a olgo in.:rito na

    natureza humana desde a origem: a perfectibilidade. Todavia. para

    < 'lo

    '

    a ocupar o lugar do inStinto, futiugUindo o ho

    mem do animal. e para que a conscincia viesse a ocupar o lugar

    da pu

  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    9/63

    Os possuidores c o n v e n c e ~ o os demais acerca da d e p e n d ~ u

    cia necessria e sem este convencimento a

    submiSSO

    seria imps

    s wl contudo, a \ingll'&em do ongodo s foi pess"'l .,.ando

    toda

    a superfcie

    da

    Terra

    j

    se

    encontrava

    repartida entre algunS

    que

    P""

    defondore.n

    seus bens

    o se apassat= d" ' de

    outrem

    pcufSO

    do

    ri> o

    do forte

    transfi

    gusa-se em

    w.c= da l""'tnnidade? Co.no

    pSS"'l

    . ,se

    ,novi-

    ,neoto sincroniZ'-do

    da propriedade

    o

    da >Uh- do

    trab.Jho

    e

    da linguagem?

    Para responder a

    estas

    questes Olgria Matos

    explcita o de.,.vo\vimeoto de

    uma

    opOSiO

    que . , \ou

    a sepa

    nfo definitivO

    entre

    o bo.nem natural e o

    bo.nem social '

    o de-

    semolvimento

    da opsi:io

    entre o ser e o parecer. H

    em

    Rousseau

    um . ; terna

    de

    oposiO'

    quo

    vai

    do

    plano

    ontolgi> ao plano

    pnlticO'

    ser-parea>r; .ter-oi O-ter; fortoom

    t o

    " n>o produrtvo o, IDca-

    p

    poSIes

    que descre>era '

    pode ul tnp=n

    a

    di-

    ermanecendo .

    vendou Ro pnsiOnerro d

    os

    con.tlit

    usseau pod r os cuj

    0

    ostado de

    0

    'P n tentu o ' ' o n g = d e ~

    guerra. mas no terecer remdios

    pera a fora. Or" o q sua supress o. No estado de p ~

    ""' ue ad d guerra

    atar e somente uma fo ~ o pela fora, a f o ~ pode 11D

    a

    ceda 1 ra

    maior po

    d

    r -

    arre-

    ugar ao poder . e conservar. Para

    lar.

    Ao

    co p n = o

    uoivorsaliz quo a for-

    lidado

    ntrato

    soei.

    caber..06

    .......dade , e atravs

    dela

    R m

    servidos para que senha ousseau

    por alegres trabal h , res benevolentes ~

    aaores

    . Malgrad

    - J a i D

    o seu fracasso

  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    10/63

    \

    i

    16 _

    0

    dese}o de unir

    al Clarens

    exprunem ~ o

    subs-

    Contrato

    Socl e . O desejo

    de

    d

    porm.

    0

    . d nenas reunua. . restauran

    ns que a socleda e. ai: - . . ; r r i n ~ r i a tenta realiz.ar-se s da

    home indiviso

    0 1 1 ' - -

    '

    os outros

    at.raV

    tituto

    fmal

    para a sena dos homens uns a Le. no Contrato.

    a

    a

    ,,;.;bitidade e a pre

    u

    diano

    Porm.

    a

    1,

    o

    rasuo

    ..,. d labor

    co

    ~ P t l l apagar

    Lei, da festa e b

    ta.

    em Clarens. no

    r---da

    origem no re-

    festa

    e_ a

    a l e g r e ~ ;

    da

    g u e r r a . ~ a

    lembra;a

    lriCO.

    do g e n ~ a l

    da _SOCJ.ed.ade n

    primado

    do eUCO ~ b r e b poo r e v o l u c i o n r i ~ o

    diJne o

    p r e s e n t ~ -

    6 co do arqueolglCO so ~ ; ~ ~ ~ o do origin-

    h

    o biSt n

    n r > < e

    e

    do apenas para g a um salto em pleno ar. o assado, mas de

    grito, prepara-se

    ~ ~ < N o se trata

    de conservar p

    lhida pela

    autora.

    ,,

    - ~ : ~ . r suas esperanas

    r ~

    Marilena de Souza Chaui

    ulho de 1977

    . dade de

    So

    Paulo,)

    uruveiSI.

    INTRODUO

    No se

    trata de

    conser

    var o passado, mas de

    realizai suas esperanas.

    (Adorno)

    Como as paixes, alterando-se insensivelmente, mudam de

    natureza; por

    que as carncias e desejos mudam de objeto;

    por que

    ,

    medida

    que

    Homem Natural se apaga, a sociedade s revela ao

    olliar a reunio de homens artificiais e paixes fictcias?

    A preocupao

    do Disalrso

    se faz

    sentir em

    seus avanos

    e recuos,

    em

    seus acordes e pausas, sob

    cada

    signo obscurecido

    e cristalizado pelo olli.ar desnaturado. Existiria wna perverso

    inscrita

    j

    na

    prpria origem? O claro-escuro do Discurso impede

    a viso, e o que transparece, desaparece. Dever-se-ia colocar a ques

    t.Jo de outra forma, para recuperar o ser mais quimrico e mais

    extravagante que

    s

    o delrio inventa . O

    Discurso

    uma obra

    solene

    1

    :

    dedicatria, prefcio , evocao

    que

    percorremos lenta

    mente, como

    se Rousseau quisesse exprimir, pelo smbolo, o es

    pao que nos separa do comeo primeiro. De sua Genebra.,

    passa

    evocao de Plato e da Academia de

    Atenas

    , para deixar surgir

    finalmente a floresta primitiva - de onde decorreria toda a his-

    tria: homem, de qualquer regia:o que sejas, quaisquer que

    sejam tuas opinies, ouve-me: eis tua histria, como acreditei ~ l a

    1.

    A expresso de Starobinslti, in Je4nJacques ou u . a Trans-

    ptZTence t

    J O

    bsracle.

    http:///reader/full/realiz.aIhttp:///reader/full/realiz.aI
  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    11/63

    t

    \

    18 -o

    mentirOSOS

    mas

    us

    semelhantes, C\ue

    sa trai

    esta

    natu-

    . no

    nos

    livros de

    te ,

    l Para reencon

    tempo

    lido,

    no mente

    nunca . seja

    ao

    mestnO

    na

    natureza

    C\ue

    lo

    a

    um

    olhai

    C\ue

    homem natural

    reza, ser p r e c ~ o

    f ~ e i ; J c i o

    na dimenso ern (\U:

    ~ l h a r C\ue lhe

    audiO e fala,

    tsto

    ,

    eza

    diversificada.

    p e ~ s

    lho

    escuta e fala."

    . . diante

    da natur

    reender. O

    0

    " povos

    vwe, . d

    escutai

    e comp . existe

    enue

    os

    coe:x.tenSJ.vo)

    po _e estnO silncto C\ue de Geral

    no t e ~

    AC\ui donuna

    o_ rn resso. onde a

    Vonta

    d ,

    sua

    prpna

    - eXlste

    0

    P

    0

    Esta

    o e

    felizes"

    onde nao

    alavta porC\ue . . A AIC\ueologla

    dade

    de

    tornar a

    P_

    sses

    contraditnos. s i l ~ n c i o

    necessi _

    e ~ ; r l P J O

    mtere - deste

    outro

    nao ;u >

    o

    palavra.

    pOlS deste

    s l ~ n c i o

    e a

    ms

    ante

    ao

    anterior: o SigO

    b

    ....... a

    ruptura

    nada semelh

    nue perten

    ...,......

    signO -

    em omento em

    .

    -

    C\ue

    se

    t o ~ a

    e ser rnudo,

    c o ~ o

    no rn r ser tornado intel-

    atual

    no

    maiS

    pod

    eza;

    0

    sujetto acaba cultura)

    C\ue

    lhe

    . cii.sCUfSO

    da natur da natureza

    a

    clll ao

    " .

    do outro

    ...,.,ente

    no djscUISO .,.,.

    0

    a:m

    routua

    ,.......

    . - . . . nue se e.....-r d

    irope

    o

    silncto. . tre dois silnctos

    vil

    'leste

    esta

    o

    A

    obra se enge en

    al e o

    do

    homem

    C1 .

    de urna

    rnul-

    d

    hmnem

    natur .

    os de

    alegna . -

    mente,

    o Ouo ao l o n ~ e

    os

    gn a}cios e cidades;

    ve]O

    Rou.sseau . . . construtremse p forrnarern-se. esp

    .t"o insensata;

    veJO

    . cio vejo

    os

    pavos

    das do

    mar

    ;

    tlU

    leis o comer '

    mo

    as

    on

    cerern as

    artes

    , as , se sucederem-se.

    co

    d seu territrio para

    disSolverem-

    pontos

    e hor-

    fua.Iem-se.

    'dos

    em

    algUilS

    o

    mundo num

    I1S

    reUDl sf

    arem "

    vejo

    os home

    utuarnente e

    tran o ~

    e uilbrio

    em

    repouso

    .

    se

    devorarem m . d

    dia

    em C\ue

    o

    C\

    de.

    ou

    de ser a

    a1 , 4 A partli o h

    em

    no

    t:x

    rvel deserto . a histria do orn . ndervel, C\ue

    da

    natureza

    foi rornptdo, centro de gravidade

    d l l l l ~ z

    mais, o de-

    . ada

    de um assim ca a

    v

    procura obstm instante , agravando, ,

    se

    desioca a cada , . alternativa a tornar

    se(\ui.lbrio. da natureza ser u n t ~ ~ se fez ilegvel, estra-

    0

    reenconuo

    undo

    C\ue h

    mUl

    em

    aparece co-

    possvel a l e i t ~ de ~ : e no fundo do \Ual ~ : : . a memria

    do

    s

    nho

    a seu prpno sen .ante. Rousseau se re

    rsonagern err

    c

    omo

    urna

    pe

    . P

    ' e de l1ngaute, . '

    DiscO

    UT sur

    l

    Qngm

    Jean-Jacques Rousseau , 43 Ed . u SeuiL

    1 .

    196

    2 paris. h. p tP I An.alyse. n

  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    12/63

    ;

    .

    Genebra

    - q u e

    toma oonscincia de >i. de ' ' in. . , . . . . , e da

    Ol'

    neitintO

    ,

    .

    LaunaY,

    op. cit P 8.

    8.

    ldetn,

    op. cit p. 8.

    maigu.Jdade. A Origem encontraSO pelo e no

    im,ginrio que, em sua t t a n S I ~ n c i a . ou desetda defim

    wamente o

    homem;

    ohn lmm '' degenetOU, desfigutouse

    quase que

    inten=erite,

    sem

    "ode'

    teeocontn r e . n t a .

    ontes de roais oda.

    - ocu/l..,ro;

    natu=> "rimeita suMiste. tnaS

    """ndida;

    sob

    mortalh dos artifciOS, origem

    ,_..-..

    como senwre.

    in

    tacto. Te""

    defendi.W "''

    ve7.0S .Jtemativaffiente,

    "''

    vezes si

    xnultaneamen e.e qualquer modo, afastamo-nos de F. Engels. que v

    no

    Anti-IJUhrin8 um

    omUfibo

    dialtiCO deole

    o

    DisCUI '

    - onde o

    homem

    vi,. isOlado

    let

    feliz

    ~ o pelo

    Emt1io

    - que

    devet

    .J feito

    """vivedo l t . mostta que es

    ta

    "unidade" n> "' encontta na peonanncia dos mesmos tem>'

    o-

    l"'is

    a unidade

    da obta ni O

    , com efeito, mesma

    co""

    que unidade do

    pensamento"' '.

    A unidade

    . ,na

    onconttada.

    de ,refotncia.

    n3

    monoira de.

    o

  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    14/63

    r

    I

    11 .

    l

    tl

    \

    I

    \\

    i

    \ .

    1

    '1l

    .

    '

    \

    .\

    .,

    I

    1

    I

    \\

    I

    I

    I

    I

    I

    I

    .

    CAPITuLO I

    O

    ~ N I O

    E A ORIGEM

    Do-nos gnvemente por Filosofia os sonhos

    de

    algnmas noites

    mal

    donn.id.u. Alguem me dir que

    sonho tmlbm. Co nco O o. as o que os outroS

    no se

    importm

    em fza.er -

    eu

    dou meus sonhOi

    por

    wnhos,

    deixando buscar

    se

    tm

    algo

    de

    t l

    pessoas a.rordadas.

    Em l o j

    A O Visivel e a Natureza: a Presena e a Igualdade.

    Todos os filsofos que examinaram os fundamentos da

    sociedade, sentiram a necessidade de recuar at o estado de natu-

    reza, mas nenhum deles chegou

    at

    l

    .

    1

    No pre fcio do

    Discurso sobre a Drngualdade

    quando Rous

    seau procura reconstituir o estado de natureza, refere-se a ele como

    um estado ao qual o homem no mais penence, que no existe mais,

    que provavelmente

    nunca

    existiu e nem vir a existir; e na primeira

    verso do Contrato Social ( 1756) diz que a idade de ouro foi sem

    pre

    um

    estado estranho

    nature

    za humana. A descrio

    do

    m

    m

    natural

    no

    se

    r uma

    verdade histrica

    mas a condi

    o

    hipottica

    1. Rousseau, D.OJ. idem, p. 13 2.

  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    15/63

    I

    1.\

    I \

    il

    \

    I

    I

    1

    \ , I

    I

    \

    I .

    ]

    . . a

    natureza

    essencial

    do homem.

    Quais as ex.pe-

    que

    poder

    uurrunar

    conhecer o

    homem

    natural

    . -

    . ; . ~

    necessrias

    para

    se chegar a . . dade? 2 Rousseau

    nen.........

    . ealiz-las no

    seiO

    da

    sacie . .

    e

    quais

    os meios

    para

    r -

    ~ : r :

    uldade

    mas

    prope

    direes

    nhuma

    soluao

    UlllC

    animais

    no aponta

    ne

    ist .

    na observao d

    os

    P

    ara abord-la.

    Uma

    delas c o ~ uab.

    estudar

    o homem selva-

    .

    tural

    poder-se-Ia

    tam

    em

    . dadem seu me10

    na

    '

    vive

    em

    sOCle

    e

    e,

    ge

    m -

    tendo

    sempre presente qdue este

    s t a J

    do narural

    no

    mais

    di tarite o seu e ,

    P

    ortanto,

    apresenta-se

    J

    s Iha

    no

    fsico e

    no

    moral,

    al

    as

    a ele se asseme

    o

    homem natur

    , m

    rais

    la vida social.

    apesar

    da alterao

    dos seUS t r a O S - ~ r eUS

    sentidOS, sua

    nudez,

    A

    fora do

    selvagem,

    ~

    . d 1

    tes

    sua

    diferena

    com

    .

    _ suas parx es m o

    en , . .

    sua

    despreocupaao, . .tir a

    Rousseau reconstltwr

    o

    J,.. i in ao futuro

    tudo

    IstO perou

    .

    r e ~

    ' do

    "saa da natureza

    .

    homem tal como

    devia ser

    ~

    'silncio

    da

    origem,.' no

    qual

    tad

    atura

    dorruna o . - . lingUa-

    No es

    o n

    nica

    ex.Istencta -

    no h nada a

    dizer'

    onde

    a natureza

    r

    a . a voz

    muda

    pois

    no

    gem silenciosa dos gestos. .

    n d ~ ~ : s e ~ n e l a .

    Este

    silncio

    r u i ~ o -

    resenta a

    natureza

    roas lden

    1 .

    A

    primeira lin-

    rep - silncio

    do

    se vagem. . .

    so

    rico de

    expressao,

    e o . uruve--1

    mais

    energtca, e

    '

    l i n m ~ ~ > e r n m..al5 I:> . . . . .

    de ecisar

    persuadir

    homens

    ... . . ,

    ssidade antes pr -

    a nica de

    que ~ v e

    nece ( )

    Quando

    as idias

    dos homens

    reunidos, o gnto da ~ a t u r e z a ul.. ip. licar e

    entre

    eles se estabelec eu

    difun

    dir

    e a se m '

    rosas

    comearam

    a se . .

    ocuraram

    signos

    mais

    nume

    uma comunicao maiS

    e s t r e l ~ pr

    .

    li

    as

    inflex.es

    da voz

    uma linguagem

    mais

    extensa:

    multip

    caram

    s ~

    mais

    expres-

    e por sua

    natureza,

    e juntaram-lhes

    os

    gestos que,

    de

    uma determinao

    ante-

    sivoS

    e cujo

    sendo d e p e n ~ e

    menos d esta depende

    menos

    de

    3 ' . rsal a , ; ' ~ > e m

    o g

    rior.

    Mais uruve '

    ...... . . . . . ,

    distncia. um "meio de vislo -

    convenes; o gesto

    s u ~

    uma

    d o excesso de distncia

    ou

    de

    dade e

    p e ~ d e

    sua

    eficoa

    .

    ~ ~ e "A

    ao

    do

    movimento

    '

    mediaes

    mterrompe _a V1Sl ou mediata,

    pelo gesto: a

    " imediata pelo tocar, . od

    diz Rousseau,

    rimento do brao, no

    p e

    . d r termo o

    comp ...

    ~ l o

    P

    rimeua,

    ten

    o

    po

    .

    ai to

    longe

    quanto

    o

    irtude de uma J.inguagem que sabe dar ao imaginrio

    todas as caracterlsticas da presena". (T. er O. p. 344 /5.)

    6. Rousseau, id ibid . p. 152 .

  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    16/63

    8

    dade

    das formas

    , 7 A limpidez do ar

    e

    a

    UitenSJ

    ,

    h

    tanto tempo "qualidade

    do

    olhar' ,

    .b da ,.;.,,.oen1 mas uma

    no so

    um

    atr

    uto

    P--t> . .dad do ar e o obst-

    l faz desaparecer a opao e

    que de

    um

    s go

    pe

    d St birukis a Nouvelle Hlolse

    culo entre

    s homens. Segun

    o ar ~ r n c i e o vu.

    prope um devaneio

    prolongado so

    : a .

    o da montanha lia-

    Desde o incio do romance, a libe da do vu

    .gnifi -

    de uma

    p:usagem

    ra

    ,

    laistmne

    adquire a SI

    caao .edad

    grandeza. a beleza

    lh .. magine a van e, a

    desYendada aos o

    os:

    . .

    razer de s

    ver

    ao

    redor

    de

    si

    de mil grandiosos e s p e t c u l o s ~ estranhos plantas exticas

    ~ t o s inteiramente novos, p s. , tra natu-

    l . servar de

    uma certa

    forma

    uma ou

    e desconhectdas, de

    ob do Tudo isto provoca nos

    de encontrar-se num novo mun . . la

    reza e . . .

    1 .

    o encanto

    aumenta

    mm pe

    olhos

    uma

    mescla

    mexpmruve, CU]

    . . os traos mais mar-

    sutileza do ar que toma as cores

    m u ~

    distncias parecem

    . todos

    os pontos de VISta,

    as

    cados, reaproxuna . .

    onde

    a densidade do ar cobre a

    terra

    menores

    do que

    nas

    ~ l a r u c t e s ta

    aos olhos mais

    objetos do

    com

    um

    vu, o

    honzonte apresen

    uece-se de si

    mesmo, no

    que

    parece

    conter;

    e s q u e ~ ~ s e

    I

    d t o

    esq

    ncia

    que

    faz reinar

    uma

    se sabe

    mais onde se est ultaneamente

    . d

    parece

    IDaiS vasto e snn

    atmosfera mgica:. o

    m u ~

    o . a "infelicidade

    da

    distncia das

    tudo

    se toma maiS

    prxuno,

    pOis

    coisas

    atenua-se'\

    ~ b

    0

    omnio

    da transpa-

    Rousseau, l l l l m .

    A Botaruca.

    em

    . . bolo da inocncia perdida

    rncia

    e da visibilidade e .enge-se emp adsunJ "desenhou-se quando

    . . O

    al

    diz

    Bento

    r o r.,

    na Histna. m lhar quando

    0

    homem

    voltou-se

    bli dade dos o es

    algo escapou

    pu l ,rivado e secreto: o mal est

    sobre si

    mesmo,

    cavando

    um espao

    P

    nhuma cam

    ara secreta

    1 J que ne

    d lado das trevas e do lDVlSlve. . . da lanta a

    o fi

    lcula

    que a superftcte p ,

    se esconde

    sob

    esta

    ma pe

    s

    "ncias e coincidir nova-conscincia

    pode

    abandonar-se apare

    ,, 1

    o

    mente

    com

    as suas sensaes .

    7.

    Rousseau , Premire Parrie.

    Let:re XXIII , Pliade, O.

    C.

    ll , p.

    78

    8.

    In T

    et 0., p.

    102.

    .

    Hloi u ci1. Starobinski,

    idem , p . 10:::..

    9. Rousseau, La Nouvelle_ o 1S ' 16

    p

    78 Rio de Janeiro , Gta-

    10.

    Revista Tempo Bro:nleU O

    n.

    ' , . '

    n abara

    29

    Mas a que distncia encontra-se _o homem em relao

    visi

    bilidade perdida? Qual a espesscra que os separa. qual o dpao

    a ser transposto para reencontr-la? Pois se a natureza expulsou

    o homem e a Sociedade persiste em oprimi-lo, deve haver ao menos

    uma forma de inverter a questo a seu favor, procurando-se a "so

    ciedade

    da

    natureza

    para

    meditar

    sobre a

    n

    atureza da s ociedade."*

    Para isto, torna-se necessrio

    partir

    em busca

    das

    origens; o

    homem

    pode cbamar-se homem e excluir seu outro

    do

    jogo

    da

    .. uplementaridade", quer dizer, recuperando a "primitividade"

    da natureza, da animalidade, da infncia e da loucura: '1'ois

    como

    conhecer a

    fonte da

    desigualdade entre

    os

    homens, se

    no se

    come-

    ar par

    conhecer a eles

    mesmos(

    .. . Semelhante esttua de

    Glau

    co, que o tempo, o mar e as intempries

    tinham

    desfigurado, e a

    tal ponto que se assemelbzva mais a um animal feroz

    do

    que a um

    deus, a alma humana alterada

    no

    seio

    da

    sociedade

    por

    rnilh.ues

    de

    ~ u s s sempre renovadas,

    pela

    aquisio de uma

    multido de

    conhecinlentos e de erros, pelas

    mudanas

    que

    se

    do na cons

    tituio do corpo e pelo choque

    contnuo

    das paixes, mudou

    por assim dizer de aparncia, a ponto de

    se

    tomar

    quase

    irreco

    nhecivel ( ...

    );

    fcil

    ver que nessas mudanas sucessivas da cons

    tituio humana que se deve procurar a origem primeira as

    diferenas que distinguem os homens"'.

    1 1

    pela linguagem que Rousseau pode marcar, acentuar e

    radicalizar os traos do homem no estado puro de natureza. Neste

    sentido, o Ensino sobre a Origem das Lfnguas quer reconstituir

    o movimento pelo qual os homens "esparos sobre a Terra so

    arrancados

    de

    seu eSiado primitivo; e assim

    que

    Rousseau poe

    escapar ao ' 'erro dos filsofos" que projetam no homem primiti

    vo a imagem deformada do

    homem

    que vive em sociedade,

    qne

    fazem

    da

    sociabilidade e da linguagem os critrios da humanidae,

    impondo limites natureza. Para Rousseau, quando Hobbes esu

    belecia o estado de natureza

    como

    estado de guerra. de violt nc:ia

    .

    Esta sena,

    segundo UYi-Straus.s . a mensagem indissol e l do o ~ t -

    trrno Social das

    Canas

    S o b ~

    a Botdnica

    e das

    Rivenet

    (In J e a n - J a ~

    RoUSSeau, "Fundador de las Cincias del Hombre , Presrncia de

    . 16) .

    11. Rousseau,

    DJJ.. iem

    . p.

    34.

  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    17/63

    '

    I I

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    . 1 1

    ' i I I

    I .

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    1

    O

    e

    de

    angstia,

    na:o

    fazia

    outra

    coisa seno

    dotar

    seus

    h o ~ n s

    natura is de qualidades propriamente sociais. Ao confundir o

    homem natural com

    o

    civilizado (ou mesmo com o selvagem ),

    Hobbes amplia para a idade primitiva o que

    s

    verdadeiro na

    seqllncia da Histria:

    O

    grande defeito dos e u r o p e ~ ffiosofar

    sempre sobre a origem das coisas segundo o que

    se

    passa ao seu

    redor .

    1

    2

    O que Hobbes via no comeo

    dos

    tempos, Rousseau v

    no

    fim: o reino do egosmo. Rousseau

    se ~

    natureza

    do

    home:

    ''Nascemos sensveis e, desde o nascunento, somos afetados

    diversas maneiras pelos objetos que nos cercam. Desde que co

    meamos a ter, por assim dizer, a conscincia

    de

    nossas sensaes,

    estamos preparados a procurar

    ou

    a fugir aos objetos que os p r ~

    duzem;

    primeiro, conforme sejam agradveis

    ou.

    e ~ d v e J S ;

    em seguida, conforme a convenincia

    ou i n c o n ~ n e t a

    que en

    contramos entre ns mesmos e

    estes

    objetos e, fmalmente, con

    forme os juzos que construmos sobre a

    idia

    de

    felicidade_ ou

    de perfeia-o que a

    razo

    nos

    d.

    Estas d i s p o s i ~ se

    ~ ~

    ou

    se

    fortalecem na medida que nos tornamos maiS seD SJ veJS e

    mais esclarecidos; mas corJStrangidas

    por

    nossos

    hbitos,

    alteram-se

    mais

    ou menos por nossas opinies. Antes desta alterao, elas

    ,.. 1 3

    so o que

    em

    ns chamamos a

    natureza . .

    A distino entre homem

    natwal

    e

    homem social faz

    apa

    recer a

    natureza como

    um

    absolulo -

    o

    homem

    natural

    na:o

    poderia ser destrudo no interior do homem social - de outra

    maneira a educao do Emilio seria impossveL*

    12. Rousseau., E.OL. cap. Ylll, idem. p. 192.

    13. Emile.

    v.

    II,

    p.

    6, Ed.

    Hachette.

    .

    . Se tomamos a Nouvefle

    HloT e,

    vemos que aconteceu mwtas_ v e z ~

    a Saint-Preux, nos instantes em que faz a

    stira

    dos costumes ~ r u l e s

    rto

    abna.s fteis e ~ . cenas reapanoes IIDpre-

    evocar, com re:qx: -

    d

    h

    vistas do natural que desarticula, no momento, a ronf JgUilillO os _-

    bitos e convenes socia.. P. BUigelin in

    P

    E. mostra que a deDtlltJUQQO

    ' realidade uma dualidade : o homem mundano compe1: de um

    :so

    e, na , . . .

    fundo

    e de uma mmc r sob a qual permanece escondido o pnmezro,

    =o entanto apagu-se. Por esta

    raz.o,

    tem sentido o projeto de Rousseau:

    ,.,.. diur a vida de tua espcie que vou descttver de acordo com

    J:., por ~ ' hb' uderam de-

    as qualidades que recebeste e que tua ~ u c a o e tew t01 P

    pravar, m'as que no puderam destruir .

    JJ

    .O.J., idem, p. 140).

    I .

    31

    O homem natural uma totalidade, o inteiro absoluto ,

    a unidade

    com

    relao a si mesmo, e s pode ser reportado a si

    mesmo

    ou

    a seu semelhante; o homem

    social

    somente uma

    uni

    dade fracionria , que s tem sentido relacionado a um denomi

    nador comum e cujo valor encontra-se em

    sua

    relao ao

    inteiro

    que

    corpo

    S>cial :

    as boas

    instituies

    sociais

    so as

    que

    da melhor

    maneira conseguem desnaturar o homem, retirar-lhe a existncia

    absoluta para dot-lo

    de

    uma relativa, e transportar o

    eu

    na Uni

    dade comum; de

    tal

    forma que cada particular no se

    aaedite

    mais uno, mas parte da

    unidade,

    e seja apenas sensvel no todo .

    4

    O

    estado

    de

    natureza

    apresentado como historicamente

    anterior ao estado civil. A natureza este grau

    zero

    da Histria

    onde o homem natural silencioso e estpido ' age, no entanto,

    como homem. Este homem no tem Histria, encontra-se entre

    os animais,

    para o outro como para

    si

    prprio, sem

    c o n s c i ~ n c i

    e sem memria, sem vcios, sem virtudes,

    sem

    razo. preciso

    sair

    da Histria

    caso

    se

    queira tomar como

    ponto

    de

    partida a

    imagem

    de

    um homem ainda prximo da estupidez dos animais ;

    preciso afastar todos os fatos

    1

    5

    pois estes sa:o os traos

    his-

    tricos do homem e fariam com que parssemos na Histria; pren

    der-se aos fatos seria penetrar nwn domnio j afastado da origem.

    Para recuper-la, Rousseau adota as narraes dos via:jantes que

    viveram entre

    os

    selvagens,

    pes r

    destes

    j

    estarem desnaturados,

    diferenciados pela cultura: mas encontram-se to distantes

    de

    ns

    que se

    voltarmos

    a

    olhar. em sua direo estaremos, ao mesmo

    tempo, olhando

    em direo

    da origem.

    Por

    trs de homens co

    loridos por pinturas e plumas, o olhar des-

  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    18/63

    l

    r

    I .

    .

    l i

    I

    32

    Rousseau articula a significao da origem (essncia, pre

    sena.

    nascimento,

    renascimento) compreendendo as relaes

    entre

    o

    Ser

    e o

    Tempo

    a partir

    do "agora". por esta

    razo que

    o

    homem

    selvagem enfrenta a morte sem angstia; para ele o tempo

    o

    presente,

    o

    presente

    sem espessura:

    "Sua

    alma que

    no

    por

    nada

    agitada, entrega-se ao nico

    sentimento

    da

    existncia atual

    sem nenhuma

    idia

    do

    futuro,

    por

    mais prximo que seja, e seus

    projetos,

    limitados

    por sua vista, se proiongam somente at o fnn

    do dia.

    Tal

    ainda

    hoje o

    grau de

    previso

    do

    Ca..rata: vende de

    II1llil.M o

    leito de

    algodo e vem chorar noite para recompr-lo,

    por no ter previsto

    que precisaria

    e i ~ na prxinla noite".

    *

    1

    7

    O homem primitivo vive

    numa

    iminncia:

    no

    nem

    "natu-

    reza" nem "sociedade", j

    apresenta caractersticas distintas

    com

    relao

    aos

    animais

    -

    uma ' 'quase sociedade

    ", "sociedade nas.

    17. Rousseau., idem , p. 49-50.

    . Para delinear a constituio original do homem, Rousseau volta-se

    sobre si me

    IDO: ' "Come=os

    , pois.

    por

    nos

    tomannos

    ns mesmos, por

    entrumos

    em ns,

    por circunscrever nossa

    alma

    com os mesmos limites

    com que a

    natureza

    dotou nosso ser, comecemos,

    numa

    palavra,

    por

    nos

    reuniimos

    onde

    estams a frm de que, procurando nos conhecer, tudo o

    que nos componha venha, ao me=o tempo, apresentar-se a ns. De

    minha

    parte, penso

    que

    aquele

    que

    conheceu melhor

    em

    que consiste o eu humano

    est

    IIlllis

    prximo da sabedoria; e

    da

    mesma forma que o primeiro trao

    de um desenho se

    compe

    de linhas

    que

    o realizam, a primeira idia do ho-

    mem de separ-lo do que no

    ele . : (Leme Sophie, Vl , Masson, cit .

    Burgelin,

    op

    cit p. 143). O estado de natureza , antes

    de

    mai nada, uma

    experincra vivida de

    que

    se tem uma viso

    direta: "li beno da

    inqwetude

    da esperana, e

    ceno

    de perder assim pouco a pouco a do desejo , vendo

    que o passado j no

    me

    era nada, procurava me pr inteiramente no estado

    de

    um homem

    que comea a viver '. (Rousseau,

    E

    mile

    e Sophie.

    O C.. il l,

    p. 18 ,

    Ed. Hachette).

    Trata-se do

    retomo

    presena das origens;

    no

    corao"

    isto se passa depois de cada funesto

    acaso", que

    pode recompor a vida:

    depois da fora divina que quis que o homem fosse socivel (no Ensaio Obre

    a Origem das L fnguas); depois que Rousseau foi derrubado por um "cachorro

    dinamarqus" ( Deuxime Promeruxie ) ;

    o acordar que significa a vo

    lta

    pura presena,

    sem anJecipao .

    sem lembrana, s

    em

    nenhuma comparao

    ou distino, sem articulao . As.sim se apagam a memria e seus signos,

    tudo se toma

    natural

    na paisagem, tudo visto pela primeira vez.

    33

    cente"

    . ela que

    permitir

    a restaurao

    do "tornar

    -se cultura

    da

    natureza*".

    A linguagem, a moralidade e a- razo so faculdades

    virtuais

    que se obtm pela vida em sociedade, j que o ser que corre pela

    floresta,

    que se

    alimenta de frutos, que l

    uta contra

    os

    animais

    ferozes,

    que

    passa

    os

    dias sem histria e

    que,

    talvez,

    impropria-

    mente chama-se

    homem,

    no necessita disso

    para

    sobreviver; a

    sociedzde e a fala originam-se nele

    sem

    lhe ser,

    porm,

    essenciais

    ou constitutivas; o

    homem

    primitivo .poderia

    ter

    atravessado

    toda

    a existncia sem precisar nem de relaes

    nem

    de

    comunicao.

    O

    Emio

    refora

    esta

    idia:

    ~ n q u n t o

    s se conhece a necessidade

    fsica, cada

    homem

    se

    basta

    a si mesmo; a introduo do supr

    fluo

    toma

    indispensvel a repartio e a distribuio

    do

    trabalho ;

    pois, embora um

    homem

    trabalhando sozinho ganhe apenas a

    subsisttncia de um homem, cem homens trabalhando juntos ga

    nharo o suficiente

    para

    a subsistncia de duzentos. Assim. quando

    uma parte

    dos

    homens

    descansa,

    preciso que o consenso

    dos

    braos dos que trabalham supra a ociosidade dos que no fazem

    nada .

    1 8

    A

    desnaturao

    assinala o fun da independncia

    do

    indi

    vduo, mas a

    socializao

    imp

    li

    ca o desenvolvimento das

    poten-

    cialiddes de

    sua natureza. Por

    entre as vicissitudes

    da

    Histria,

    o homem atualiza as suas faculdades virtuais, a linguagem, a mora

    lidade, a razo; nos primeiros tempos, ao

    contrrio (" chamo

    de

    primeiros

    tempo", diz

    Rousseau,

    "os

    da disperso dos

    homens,

    seja qual

    for

    a idade

    do

    gnero humano

    na qual

    se

    queira fixar

    tal

    poca"), os

    homens

    disperros sobre a face da

    Terra s tinham

    por

    sociedade a da familia., por leis s as da natureza,

    por

    lngua

    .

    preciso observar que hi em Rousseau , a coruiderao do bomem

    da natureza", "homem prim.i.tivo e "homem selvagl:m que tendem a

    con

    fundir-se, como se ver pela seqncia dos textos. Nos

    trs

    casos, o

    impor-

    tante a representao da ausncia de desigualdade e o momento da vida

    indolente e em equilbrio com a na tureza (embora, a rigor, o homem

    da

    natureza e o homem primitivo sejam os nicos a estar dispersos, sem ter

    nenhuma idia de reunio: quem no percebe

    ",

    diz Rousseau, "q ue tudo

    parece afastar do ho mem selvagem a tentao e os meios de deixar de s i?

    D.OJ

    ., idem, p. 49) .

    18.

    Emile p. 240,

    Ed.

    Gamier.

    http:///reader/full/nada%22.18
  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    19/63

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    I

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    .

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    I

    \.

    34

    s

    a do gesto e alguns sons inarticulados.

    1 9

    Ou ainda: "parece,

    a princpio, que os homens nesse estado,

    sem

    ter entre si qualquer

    espcie de relao moral ou de deveres conhecidos, n o podiam

    ser nem bons nem

    maus,

    ou possuir vcios e virtudes, a menos

    que se considere como vcios

    do

    indivduo

    as

    qualidade capazes

    de prejudicar

    sua

    prpria conservao, e virtudes aquelas capazes

    de a seu favor cont ribui r''; nest e caso, poder-se-ia chamar de mais

    virtuoso aquele que menos resistisse aos impulsos simples da na

    tureza.. o

    No estado de disperso

    da

    hwnanidade primitiva, no exis

    te

    nada

    que

    possa

    unir

    wn

    a

    outro

    e nada tambm o subjuga:

    s

    se conhecia e se desejava o que se encontrasse ao alcance da ma:o , de

    tal forma

    que,

    ao invs de aproXimar o homem de seu semelhante,

    suas carncias afastavam-nos. E porque no experimenta nenhum

    desejo de coiJl1lllica o, nao se sente separado do outro, nenhuma

    "distncia metafsica" afasta-o

    do

    exterior - por esta razo o

    estado primitivo o

    momento da

    visibilidade absoluta: "supo-lo-ei

    conformado

    em

    todos os tempos como o vejo hoje, andando

    so

    bre dois ps, utilizando-se de suas mos como o fazemos

    com as

    nossas, levando o seu olhar a toda a natureza e medindo

    com

    os

    olhos a imensido do

    cu

    .

    21

    ASsim

    , errnnte nas florestas, sem

    fala

    ou

    domicilio flxo, sem necessidade do outro e sem desejo

    de

    prejudic-lo, o homem primitivo, sujeito a raras paixes,

    tinha

    somente sentimentos e luzes prprias a seu estado; sentia

    apenas necessidades verdadeiras, s olhava o que acreditasse ter

    interesse em ver e, assim, nem a inteligncia nem a vaidade

    de-

    senvolviam-se.

    J no

    Ensaio,

    a linguagem e a sociedade descritas no

    momento em que se formaram, antes de sua progressiva degrada

    o; a linguagem instituda conserva ainda um

    canto puro , por

    ser uma ngua de puro ritmo: j no mais animal, pois exprime

    a paixo, e n'o inteiramente convencional, porque escapa arti

    culao; e

    nem

    constitui uma linguagem analtica pois abando

    na-se situao presente. As palavras calcam-se na experincia

    19 E.OL . idem , p.

    194.

    20.

    D.

    OJ

    .

    idem , p. 57.

    2

    1

    D.

    OJ

    .,

    idem , p.

    41.

    35

    imediata, que s conhece o particular : "esta lngua possuiria

    muitos sinnimos para exprimir o mesmo ser

    em suas vrias

    rela

    es (

    ..

    .

    .

    a lgica est ausente dela, persuadiria sem convencer

    e pintaria sem raciocinar"

    _

    2

    Esta

    linguagem dirige-se aos olhos e na-o ,

    inteligncia,

    pois

    fala-se melhor aos olhos do que aos ouvidos: ve-se mesmo que

    os discursos mais eloqentes so os que se compem de maior

    nmero de imagens e os sons nunca possuem maior energia do

    que quando produzem o efeito das cores"

    2 3

    E Rousseau

    apela

    pan as

    mais antigas lnguas orientais, onde

    no

    se

    pode encontrar

    nada

    de "metdico

    ou

    raciocinado". So

    lnguas

    viv s e figurativas,

    no so

    lnguas

    de gemetras" mas

    de

    poetas" pois nJo se co-

    mea

    por raciocinar

    m.as por

    sentir. O homem no inventa a pala

    vra para exprimir suas carncias - seu efei

    to

    natur3I o de sepa

    r-los e no o de aproxim-los:

    e

    foi preciso que

    ssim se

    passasse

    para que a espcie chegasse a se expandir e que a Terra fosse po-

    -voada; sem o que o gnero humano permaneceria amontoado num

    canto

    do

    mundo e todo o resto permaneceria deserto" .

    4

    A origem

    d s

    lnguas est nas

    necessidade morais

    nas pai

    xes que aproximam os homens: "

    no

    a fome ou a sede, mas

    1

    o amor, o dio, a p iedade, a clera, que llies arrancaram as primei-

    ras vozes. Os frutos no fogem s nossas mos, possvel alimen

    tar-se com eles sem falar ; persegue-se em silncio a presa de que

    queremos nos alimentar:

    mas

    para comover

    um

    jovem corao,

    para

    repelir

    um

    agressor injus to, a natureza

    dita

    sinais, gritos, quei

    xumes. Eis as mais antigas palavras inventadas, eis porque

    as

    pri

    meiras lnguas foram cantantes e apaixonadas antes de serem

    sim

    ples e metdicas"

    2 5

    Esta linguagem que no d lugar nem ao clculo, nem re

    flex'o, nem

    comparao,

    ainda

    uma

    "linguagem natural

    ,

    li

    gada s emoes; uma lngua comum a todos como a que as

    crianas falam antes de aprender a falar

    ;

    e

    studemos

    ~

    22. O.L . idem, p. 168.

    23. Idem, ibid. p. 156 .

    24. Idem, ibid.

    p.

    1

    62

    .

    25. Rou sseau , E.O.L. , idem, p . 162 .

    http:///reader/full/met6dicas%22.25http:///reader/full/met6dicas%22.25http:///reader/full/met6dicas%22.25http:///reader/full/met6dicas%22.25
  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    20/63

    H

    ..

    I

    I

    I

    I

    36

    e 10go ns a reaprenderemos com elas. As amas so

    os

    nossos mes-

    tres nesta lfngua; compreendem tudo o que dizem os bebs; res

    pondem-lhes, tm com eles dilogos continuados; e embora pro

    nunciem palavras, tais palavras so inteiramente inteis; no o

    sentido das palavras que elas compreendem, mas a acentuao de

    --L.-.l-

    26

    que so acompiUuuu= .

    O conceito de infncia deve ser analisado sempre em rela

    o ao signo: isto quer dizer que a i.n ancia a no-relao ao signo

    enquanto tal.* Para Rousseau, a criana o nome daquilo que

    no tem nenhum significado caso se separe o

    significante

    do sig

    nificado,

    o que tomaria possvel am-lo. nele mesmo, como wn

    fetiche. Deste ponto de

    vista,

    a infncia o estado de no-alie

    nao absoluto -

    o estado da presena que corresponde a este

    tempo

    feliz em que nada marcava as horas" do Ensaio _onde a

    associao

    no

    passa por tratados, leis ou representantes. O homem

    era seu

    prprio

    "servidor

    ',

    para ser mestre cada um era servido

    por todos e o tempo passava sem ser perce bido.

    f

    o tempo das

    Rveries, um tempo indiferenciado,

    sem

    intervalos

    ou

    desvios

    entre

    o desejo e o prazer, porque prazer e desejo confundem-se

    e sentem-se de uma s vez.

    B - O Movimento

    dt1s

    Ptri.xes

    A separao entre o mestre e o servidor s se torna poss

    vel a

    partir da

    diferenciao temporal

    que

    permite

    medir

    o tempo

    e simultaneamente atirar o homem fora do Presente. A sucesso

    dos tempos" no Discurso ser enta:o retomada pelos conceitos

    de

    estado

    de

    natureza, estado selvagem

    e

    estado sociaL

    Nele Rous

    seau diz : "Enquanto os homens se contentaram com suas caba

    nas rsticas, enquanto

    se

    limitaram a

    costurar

    com espinhos ou

    26. Rousseau, Emile. p. 45, Ed. Garnier, 1962.

    . Derrida (in De La Grammatologie diz que no eltiste signo en

    q

    uanto

    tal: um signo

    considerado co

    mo

    uma coisa e n_o

    m.w um

    signo,

    ou ento ele um " enviar", urna mensagem e portanto nao e m.w ele mesmo.

    com cerdas as suas roupas de pele, a enfeitar-se com plumas e con

    chas, a pintar o corpo de vrias cores, a aperfeioar ou embelezar

    seus arcos e flechas, a talhar com pedras cortantes algumas canoas

    de pescador ou toscos instrumentos de msica;

    em uma

    palavra,

    enquanto s se dedicaram a obras que um nico homem podia

    criar e artes que no solicitavam o concuxw de vrias mos,

    viveram to livres, sadios,

    bons

    e felizes

    quanto

    o podiam ser

    por

    sua

    natureza .

    2

    7

    Este o momento da ''quase sociedade

    ,

    da qual a cabana.

    a linguagem dos gestos e sons inarticulados so os indcios. A fa-

    mlia j existia, pois, mesmo antes do "tempo das festas e d apro

    ximao

    dos homens" , estes

    no

    nasciam d "

    terra :

    "poderiam

    as geraes sucederem-se sem que os sexos se

    un i ssem

    e as pes-

    sOas se entendessem? No: existiam famlias''.

    28

    Nelas impera um

    lngua domstica e

    c d

    qual basta a

    si

    mesmo e perpetua-se pelo

    mesmo sangue; as crianas nascem dos mesmos pas, crescem juntas

    e aos poucos encontram uma maneira de compreenderem-se. Havia

    fanu1ias afmna o Ensaio, mas no ruzes; h vi lnguas doms

    ticas verdade, mas no

    ~

    populares; "havia casamentos,

    mas no havia amor . " *

    27. D OJ

    .

    idem, p. 72/73.

    28.

    E.O.L.

    idem, p. 220.

    29. Idem, ibid p. 220.

    . A famflia nascente encontta-se na origem da sedimentao social.

    Em termos hegelia.oos, esta fan:u1ia pertence

    ao

    momento

    da

    pr-histria

    do homem : A moralidade objetiva

    a idia da liberdade ( .. . O conceito

    desta

    idia s6 o Esprito romo algo de

    real

    e con.siente de si se for a ob

    jetivao de si mesmo, o movimento que percorre a forma de seus diferentes

    momentos.

    Ele

    :

    a) O Esprito moral objetivo imediato

    ou

    natural - a fam11ia.

    Esta

    substancialidade se dissipa na perda de sua unidade , na diviso

    e

    no

    ponto de vista do relativo; to rna-se,

    pois,

    b) sociedade civil, associa-o de

    mem

    bros

    que

    so indivduos inde

    pendentes numa unYersalidade formal, atravs das necessidades,

    pela ronstiruio jurdica corno instrumento

    da

    segurana da pessoa

    e

    da

    propriedade e

    por

    uma regulamentao exterior para as nece

    s-

    sidades paruculares e coletivas. Este estado exterior red unda e

    rene-se na

    c) con stituio do Estado, que o fun e a realidade em ato da subs

    tncia universal e

    da

    vida

    pblica que se consagra a isso( .

    .) .

    http:///reader/full/familias%22.18http:///reader/full/familias%22.18http:///reader/full/familias%22.18
  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

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    I

    l.

    l .

    38

    A

    idlzde

    das cabantu j se encontra do lado da cultura, a

    natureza j sofreu alteraes, mas cada um continua a

    manter

    relaes independentes. a poca

    da sociedade natural sociedade

    nascerrre ou sociedade comeada: Na medida

    em

    que as idias

    e sentimentos se

    sucedem, que

    o

    esprito

    e o corao entram em

    atividade, o gnero

    humano continua

    a domesticar-se, as ligaes

    se estendem e os laos se fortalecem" .

    30

    E uma vez que se trata

    de uma verdadeinl sociedade, a moralidade aparece significando,

    ao

    mesmo tempo, a oportunidade de humanidade" e

    j

    "origem

    da perversa:o": esta moralidade consistir nos "primeiros deveres

    de civilidade".*

    Tudo

    isto se d quand o homem deixa de dormir

    sob

    a primeira rvore e comea a cortar a lenha e construir cabanas;

    passa enta:o a necessitar

    do

    socorro do outro, o que

    se

    encontra

    na origem do estabeleciment o e distino das famlias.

    A

    idlzde

    das cabanas assiste introduo de uma espcie

    de propriedade de

    onde

    decorrem quereLas e combates. Pois, "co

    mo os mais fortes foram provavelmente

    os

    primeiros a construir

    habiUes

    que

    Se sentiam

    capazes

    de

    defender,

    de crer que

    os fracos acharam mais rpido e seguro imit-los do que tentar

    desaloj-los e, quanto

    aos

    que

    possuam

    cabanas, nenhum deles

    certamente

    proclirou

    apropriar-se

    da

    de seu vizinho menos por

    no lhe pertencer do

    que

    ~ r - l h e intil e no poder apoderar-se

    dela sem expor-se a

    um

    rduo combate

    com

    a fami1ia que a ocu

    pava".3 1

    A

    famlia se

    ~ . s . t i u

    trs

    a s p e c t o s ~

    a) na forma

    de ro::..::eito imediato,

    romro casamento;

    b) na existnci."a e.:\renor:

    propriedade r:

    bens da famlia e cuidados

    o r r e s p o n d e n ~

    c) na educao ..h$ crianas e na da famlia''. (Hegel,

    Prn

    cipt $

    de la l t i i o ~ ~

    du

    Droit P- 1 89--197/8/9.

    30. Rousseau, D .OJ . riem, p. 69.

    t

    preciso

    Ob.seiY:U ~ u e

    a

    s o e i ~ CX>I:IIIeada

    e as rela.es

    j esta

    belecida

    entre os homens Q g i . a r n

    deles q ~ e s diferente

    das

    que con

    servavam de sua

    constirui.;::i.::l

    primitiva; que o moralidade, comeando a

    introduzir-se

    nas ae5

    h - ~

    .." R o ~

    D.

    CH ., idem, p. 72).

    31. Rousseau,

    D.

    ul

    ~ ,

    p. 69.

    39

    Este perodo de desenvolvimento das "faculdades" do ho

    mem (linguagem, moralidade, trabalho) encontra-se a meio caminho

    entre a indolncia primitiva e a degenerescncia

    civil;

    por esta

    razo deve ter sido o momento mais feliz e mais durve l - quando

    a terra no era de ningum e a coLheita e a caa, atividades que

    da

    uals

    .

    " fun

    ..

    3

    bastavam aos grupos - q se

    sa1u

    por um

    esta acaso .

    Rousseau diz que um imenso intervalo separa a perda

    da

    natureza

    primitiva e o estabelecimento da sociedade civil* - e que a suces

    so destes estados no poderia ocorrer sem

    crises,

    ritmadas pelas

    "Grandes Revolues" do ~ e g u n d o Discurso": F o r a d o s a se

    abastecer para o inverno, eis os habitantes_ evados a se socorrer,

    'obrigados a estabelecer entre si alguma espcie de coveno. Quan

    do as expedies se tornam impossveis e o rigor do frio os detm ,

    o tdio os liga tanto como a necessidade: os Lapes, enterrados

    nos gelos, os Esquims, o mais selvagem de todos os povos, re

    nem-se no inverno

    em

    suas cavernas e, no

    ver o,

    nem se conhecem

    mais. Aumentai de um grau seu desenvolvimento e suas luzes, e

    ei-los reunidos para

    sempre

    .

    33

    O homem primitivamente ocioso,

    sobredeterminado pelas "circunstncias exteriores" descobre a

    necessidade e a eficcia do

    trabalho.**

    Sobrevm o que Rousseau chama

    a

    "Primeira Revoluo" ***

    - o perodo dos agrupamentos

    em

    farnilia e da construo das

    comunidades. Quanto mais Rousseau reflete sobre ele e o recons

    titui, mais acredita ser este o

    estado

    menos suje ito a conflitos, o

    melhor ao homem, e do qual s saiu

    por

    um "funesto acaso"

    que

    para o

    bem

    de todos

    no

    deveriam nunca ter ocorrido. Na

    idade

    32. Rousseau,

    D.OJ.

    idem , p. 72.

    . A rigor,

    o estado de

    natureza

    s ser

    definitivamente

    extinto

    no

    momento em que

    se

    estabelecerem as sociedades

    p o l t

    com

    um

    governo,

    como mostraremos no decorrer de nosso trabalho .

    33. Rousseau , E.O.L idem, p. 212.

    . f

    preciso lembrar

    qu

    e n

    um

    primeiro momento

    a associao

    per

    manece o ~ i o n a l pressionada pelas necessidades, constituindo "gzupos

    anrquicos , sem permanncia.. pois

    ao

    tra balho comum sucede a disperso.

    . Esta "Primeira Revoluo no representa ainda a ruptura com

    o estado

    de natu reza..

    http:///reader/full/capaz.eshttp:///reader/full/pava%22.31http:///reader/full/r=.ti.zahttp:///reader/full/capaz.eshttp:///reader/full/pava%22.31http:///reader/full/r=.ti.za
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    i I

    l

    l

    I

    I

    40

    dill

    caba1UlS o homem

    j

    perdeu sua ociosidade paradisaca, caiu

    no

    estado de trabalho

    que comea a op-lo natureza; mas a eco

    nomia que resulta

    uma

    economia de subsistencia *- o trabalho

    no cria ainda valor Foi Locke que o observou - explicitamente:

    v como

    um

    valor

    narural

    de qualquer

    objeto

    o que tem a capa

    cidade de satisfazer as carnci.as elementares do homem ou de

    servir sua

    comodidade.**'

    E

    Marx analisou-: a uti lid ade de

    um

    objeto converte- em v.lor de uso e o que constitui seu

    v

    alor

    de

    uso

    -

    os bens

    - sua

    prpria materialidade

    independente

    mente

    do

    volume de trabalho necessrio sua produo. O valor

    de

    uso

    s se corporifica

    no

    momento de sua utilizao ou do

    consumo de um determinado objeto,

    isto ,

    o valor de uso

    ' 'wonh e no value (este j valor de troca , produo para

    a circulao num mercado). Os valores de uso , diz Marx, formam

    o contedo material da riqueza qualquer

    que

    seja sua forma so

    al

    3

    4

    A . dad '

    o . SOCle e nascente e, neste sentido, o momento

    do valor de uso ,

    j

    que

    a

    natureza a

    fonte

    dos valores de

    uso .

    35

    Por que se passa

    de uma economia de subsistncia

    a uma

    economia de produo? O que leva Rousseau a afirmar que foi

    o ferro e o trigo que civilizaram os homens e degeneraram o g

    nero humano ?

    Quando

    os

    obstculos

    e a adversidade obrigam

    o homem, para sobreviver, a desenvolver

    todas

    as suas foras e

    faculdades, percebe que,

    com

    relao ao

    animal,

    ele que

    tem

    o poder de modificar seu estado e a si mesmo; da

    perfectibilidade

    derivam todas as outras faculdades, fonte das convulses econ

    micas e sociais, fonte das luzes adquiridas e fonte de todas as

    misrias: Ainda quando as dificuldades que envolvem todas estas

    questes dessem algum lugar discusso sobre a diferena entre

    o

    homem

    e o animal, haveria

    uma

    outra

    qualidade

    especfica

    que

    os distinguiria e a respeito da qual no pode haver c o n t e s t ~ o

    -

    a faculdade de apefeioar-se, faculdade

    que,

    com o amu1io

    . A Expresso

    da Starobisnki.

    . In

    Some considuationJ on the o n ~ e n c e s

    o[

    the lowering

    o[

    muerr.

    vol

    li

    p.

    2.

    34. E

    Capal,

    p. 4.

    35. Programme de Gotha. p. 6 .

    41

    das

    circunstncias, desenvolve sucessivamente todas as

  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    23/63

    J

    4

    sos que puderam aperfeioar a razo humana deteriorando a esp

    cie, tornar mau wn ser ao torn-lo socivel e,

    partindo

    de

    to

    longe,

    trazer enfim o homem e o mundo ao ponto em

    que

    o conhece-

    mos .3

    7

    Os selvagens no so maus justamente porque no sabem

    o que ser

    bom;

    e neles, no nem o desenvolvimento de

    suas

    luzes nem a vigilncia daS leis o que impede o Mal, e sim a

    calma

    das paixes

    e a

    ignorncia

    do

    vcio.

    * .

    A perfectibilidade toma manifesto que as relaes humanas

    mudaram; num certo sentido, realiza-se contra a natureza , no

    estado social. sob a influncia

    das

    necessidades materiais. Ou seja,

    as mudanas repondem

    a uma

    provodto vinda de fora_ em certas

    regies o homem encontrou anos estreis, invernos longos e rudes,

    veres ardent es e em seu meio natural

    no

    conseguiu encontrar

    proteo segura. yendo-se forado a sair de sua i n d o l ~ n c i primi

    tiva; a parfu

    de ento,

    passa a depender do exterior. E este ser

    que

    recebia

    os dons

    da

    natureza

    dever

    conquist-los - a adver

    sidade s ser vencida ao preo de um esforo

    continuo:

    o

    tra-

    balho que obrigar o homem a organizar-se

    em

    sua

    luta

    contra

    os obstculos.

    Entendida como desenvolvimento de potencialidades . a

    perfectibilidade sinnimo de

    P_rogresso mas

    de um progresso que

    a perdio

    do

    gnero humano. ** Engels

    3 8

    mostra. porm,

    que em Rousseau existe um progresso na emergncia

    da

    desigual

    dade: no estado natural e selvagem os homens eram iguais e, como

    Rousseau torna a linguagem como alterao da natureza. tem razo

    em aplicar a igualdade entre os animais de uma mesma espcie

    37.

    D.OJ.

    idem,

    p.

    65.

    . D.OJ. idem, p.

    58

    .

    . f ntc:re$$llllte aproximar dois textos, um de: Rousseau, outro de

    Nietz.sehe como

    prope

    BUillelin

    in

    P.E.:

    Esta

    disposio

    para

    compa

    rar diz Rousseau, que tranSforma uma pailo natural

    c:

    boa em uma outra

    racticia e m ( __) provm

    da s relaes sociaU,

    do progresso

    das

    idias e da

    cultura do esprito .

    (Dialogues .

    IX, p. 197). E Nietz.sche: ' 'Os Europeus,

    graas a sua moralidade crescente, acreditam com .

    toda

    ~ o c n c i a e vaidade

    que se elevam. enquanto que, em realidade, declinam. ~ V o l o n t de .PuiJ.

    sance

    . livro il l , p. 227) .

    38. Anri-Dhring p. 160 e

    s s

    '

    -

    :

    43

    a todo domnio desta espcie e aos homens-animais . Este ho

    mens-animais tinham uma vantagem com relalro aos outros ani-

    mais, a propriedade de aperfeioarem-se , de evolurem ulterior

    mente - e esta foi a causa da e s i g u l ~ mas este progresso

    sendo antagnico era, ao mesmo tempo, um recuo.

    verdade que no Emio Rousseau afirma

    que

    apenas

    em

    sociedade o homem toma-se propriamente homem, que

    a

    mo

    ralidade que

    d

    a humanidade ; assim, h um deslocamento ,

    na medida em que o homem abandona

    sua

    amoralidade original:

    pelo mesmo movimento que ele

    se

    sabe

    bom

    e toma-se mau.

    Vemos, entretanto, que o progresso

    mais

    ambguo que dial-

    tico: preciso empregar muita

    arte

    para impedir o homem

    social

    de ser completamente artificial ,

    diz

    o Emz1io. pelo aper

    feioamento da cultura, por uma desnaturaiio mais avanada

    que

    a concordncia com a natureza poder ser reencontrada; esta

    segunda natureza ser um equilbrio novo, agora esclarecida

    pela razo e garantida pelo sentimento moral que o homem des

    conhecia antes. Em outros termos, a anttese entre a natureza e

    a

    cultura

    pode resolver-se em um movimento progressivo.

    a filo

    sofia que Kant lerem Rousseau.

    *

    O Discurso no oferece estas perspectivas tranqilizadoras .

    Rousseau continua a procurar a origem da desigualdade e continua

    a mostrar que pelo trabalho o homem se toma

    um

    ser histrico que

    luta contra a natureza, opondo-lhe seu trabalho e degenerando-se

    medida

    em

    que se desenvolvem nele novas luzes ; Rousseau

    lembra sempre que no estado de natureza os desejos- no ultrapas

    sam _s necessidades fsicas e a

    imaginafo

    no se manifesta pois

    nada

    agita a

    alma s

    existe o sentimento da existncia do mo

    mento. O trabalho que enfrenta as coisas evoca a reflexo e o ho-

    mem

    acaba por tomar conscincia de sua

    diferena:

    comea a com

    parar-se ao outro e esta comparao

    se

    encontra na origem da

    . A nature:z a qu is assim: o homem extrai de si mesmo tudo o que

    uluapassa a ordem mecnica de sua existncia animal, e no participa de

    nenhuma ou

    tra felicidade ou perfeio

    a

    no ser

    a

    que ele mesmo criou por

    sua

    prpria razo, liberada

    do

    instinto . (Kant ,

    lA

    Raison

    Pra

    tique, texre

    choisis).

  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    24/63

    44

    45

    raziio.

    Ao chegarmos neste

    ponto

    nero mesmo conseguimos recu

    peru

    as origen s e carla vez nos afastamos mais desta dimensllo:

    '0 que M de mais cruel

    ainda e

    que, mais os progressos rla espe

    r

    humana

    distanciam incessantemente de seu

    estado

    prirnitivo,

    mais acumulamos novos conhecimentos, e mais retiramos

    os

    meios

    de adquirir

    mais

    importante

    de todos, e que

    e nUID certo

    sentido,

    a

    forya de

    estudar

    homem

    que nos tomamos incapazes de

    _co-

    nhece-Io .H

    E

    preciso

    examinar

    0 porqtili deste

    ~ s v i o

    39

    DOJ

    idem, p. 34.

    CAPITULo

    n

    A NATUREZA E OARTIFICIO

    ~ u 5 e por

    sepailii 0

    homem

    cia

    natureza

    e por f dele urn reino soberano, acreditando-se,

    assim, que

    se

    apagava seu

    carater mail

    irrecusivel,

    o de ser, antes de mais

    Dada

    urn ser vivo.

    E fechan-

    do-re os ollios a esta propriedade

    comwn, abriu-se

    caminho a todos os abuses.' Nunca como ao final

    quarro

    Ultimos seculos de sua historia,

    0

    homem

    ocidental compreendeu que arrogand 5e 0 direito

    de separiIr radicalmente

    a hwnanidade

    da

    animali

    dade,

    entregando a .

    wn tudo

    0

    que se

    retirava

    ao

    ourro, abria urn clrculo maid ito e que a mesma

    freD

    teira

    constantemente deslocada para

    tr.i.s serviria

    para

    separar os hom ens uns dos outros e reivindicaYa,l

    em beneficio

    de

    algumas oUnorias cada vez

    mail

    restritas,

    0

    p r i v i l ~ o de urn hurnanismo corrompido

    desde sel l nascimento, por tel

    feito

    do

    amor-pr6prio

    seu principio e sua

    ~ : l

    A - 0

    animal fuJmem: a identidade

    E preciso colocar a questao fundamental (originMia) que o-pije

    o estado de natureza ao estado civil e constitui 0 abisrno

    te6rico

    da vida politica. Rousseau filo se interessa pela p r o d u ~ a o hist6

    rica

    deste movimento.

    mas

    pela

    elucidac;:lfo de

    sua

    natureza;

    em

    outros termos. sao os fundamentos que 0 Segundo Discurso

    m

    L Claude Levi-Sttauss,

    op.

    r.t .. p. 17.

  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    25/63

    4 7

    if

    I '

    :1

    i

    1

    1

    .

    ,

    I

    1

    :

    j

    1

    .

    j

    I

    "

    46

    procurando - a verdade da origem nao se confunde

    com

    a verdade

    dos

    faw. Por

    isso Rousseau

    c o m ~ por afastar todos os fatos

    e continua lembrando: "Confesso que os acontecimentos que tenho

    a descrever,

    podendo

    sobrevir de inu.meros modos, 56

    por

    coojectu

    ras posso decidir-me

    na

    escolha. Mas, mesmo que essas conjecruras

    se

    tomem

    razOes

    quando

    sao as mais provaveis

    que

    se possaro extrair

    da natureza das coisas e os Unicos meios que se possa ter

    para

    des

    cobrir a verdade, as conseqii!ncias que quero deduzir

    nao

    serao

    por isso

    conjecrr.uais porquanto, sabre os principios

    que

    acabo

    de estabelecer, nao se poderia formar nenhum outro sistema que

    n o me fomecesse os mesmos resultados e

    do

    qual nao pudesse

    ioferir as mesmas conelusOes',.l

    A descoberta de urn

    metoda

    capaz de substituir a Hist6ria,

    vai ajudar

    perigosamente

    Rousseau: pois e necessario explicar

    a ordem social,

    este

    direito sagrado que serve de base a

    todos

    os outros. Tal d.ireito, O entanto, nan vem cia natureza: funcia-se,

    portanto,

    em

    c o n v e n ~ s Trata-se de saber que convenyOes sao

    eslas_

    Antes de alcanyar em

    ponto,

    devo estabelecer

    0

    que

    aca

    bo de

    adiantar".3 Trata-se de colocar

    0 problema

    do

    Contrato

    em da

    natureza

    dos individuos, de suas foryas e

    cia

    mu

    d a n ~ cia maneira de ser dos homens.*

    Viu-se que ao estado de indolencia feliz e de repouso do

    homem original opOe-se 0 cielo das

    r e v o l u ~

    Viu-se que para

    o Rousseau do DiSClDSO

    0

    hom ern civil, cotrompido e infe liz ,

    pervertido pela

    Hist6ria

    e por seus pr6prios progresses, tern tudo

    a cobirrar

    ao

    homem da sociedade primitiva de onde nunca devia

    ter saido".

    Ou

    entao,

    este

    paradoxo

    inicial"

    permite

    denunciar

    os males de que sofrem as socieciades funciadas

    sobre

    a desigual

    dade e preparar assim, atraves de uma

    critica

    radical, a passagem

    A

    sociedade do Contrato: "

    Sem entrar, no momento

    , nas pesqui

    sas que aioda restarn

    por

    fazer sobre a

    natureza do

    pacto funda

    mental de qualquer govemo, liroito-me ( .. ) a considerar aqui 0

    2 D.

    OI.

    idem, p. 65/66.

    3.

    u

    Contrat Socwl I, I,

    p.

    236.

    . Nio

    se

    pode e ~ q u e e r que toda a primeira pane do D.O.I descreve

    o estado de puro natureza, sem necessidade nem mesmo

    das

    linguas.

    estabelecimento do cofPO politico como urn verdadeiro contrato

    entre 0 povo e os chefes que escolhe, contrato pelo qual as

    duas

    partes se obrigam a observancia das leis nele estipuladas e que

    formam os liames de sua uniao ( ...). Pois nao se baseando a rna

    gistrarura e seus direitos senao nas leis fuodamentais ,

    assim

    que

    estas fossem destruidas, os magistrados deixariam de ser legitimos

    e 0 , pavo nao mais estaria obrigado a obedece-Ios, e como nao

    era 0 magistrado, mas a lei, que constituira a essencia do Estado,

    cada

    urn de direito voltaria a liberdade

    natural" .4

    0 estado

    de

    solidao

    esta

    aquem do

    hem

    e do mal. que

    56

    podem

    ser defmidos

    pela

    ordem

    sociaL No

    eszado

    de

    sociedatie porem,

    a

    mi.seria

    do

    homem

    traosparece na contradi'rao entre seu estado e seus desejos,

    entre

    seus deveres e

    i n ~ O e s

    entre a natureza e as

    i n s t i t ~ s

    sociais -

    em

    suma, entre 0 homem e 0 cidadfio_ A lei deve, assim,

    tomar

    0

    homem

    feliz fazendo-o uno entregando-() inleiro ao Estado

    ou a si

    mesmo,

    pois

    quando se

    divide 0 c o ~ a o 0

    homem se

    dilacera ; 0 "programa" do Contrato e 0 de colocar a lei social.

    no

    -'fundo

    do

    c o r ~ o

    do

    homem

    " . 0 Contrato aincia nao

    e

    a lei

    mas a sua possibilidade, a possibilidade de que se

    retome

    a lei natural

    a partir de agora abolida, na dirnensa"o da "decisao do homem .

    S6

    no

    Discurso

    e

    passivel que 0 homem seja feliz em plena natu

    reza:

    Se entendo

    bern 0 terrno miserrivel e uma palavra sem ne

    nhuro

    sentido au

    que

    s6

    significa uma

    p r i v ~

    dolorosa e softi

    mento do corpo

    au da alma. Ora, desejaria que me explicassem

    qual poderia ser 0 genero de miseria de urn ser livre cujo

    o ~ o

    esta em paz

    e

    0

    corpo

    com

    saUde".5

    Na

    primeira vrsao

    do

    Contrato

    Social

    entretanto,

    Rousseau acentua 0 car.iter de rruseria do estado

    de

    natureza

    . Para a coinpreensa"o desta passagem, e preciso

    notar

    que , neste

    momento

    , nao se

    trata

    mais

    do

    estado primitivo do

    homem ,

    mas

    de urn estaLio de natureza segundo ern que 0 homern

    jei esta

    desnaturado

    mas nao aincia sociaIizado; deveni ainda atra

    vessar

    toda uma

    "hist6ria" antes de tomarse

    homem

    civil".Daqui

    decorre a distin'rao que devera ser feita entre a pie dade

    natural

    tal

    como

    se exerce no

    erraLio de animalidade

    e a

    piedade

    que

    despena no Ensaio sobre a

    Ongem

    das Linguas

    com a

    imaginao

    4. Rousseau,

    D.OJ.

    idem, p. 84/5 .

    5. Rousseau, idem, p_ 56.

  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    26/63

    -/8

    e a

    re/7e.xuo a f e i ~ 6 e s

    sociais que nos remetem necessanamente '

    a urn

    estado

    posterior, ao estado de razao.

    *

    E

    se

    Rousseau,

    56

    tar

    Ji:llTlente vern a faJar no Discurso do direito natural"'" *, e justa

    ' :1ente porque e preciso ref1etir,

    antes

    de mais

    nada,

    sobre a

    narureza

    Jo hom m

    a partir do

    estado de natureza

    para conceber 0

    que

    e

    a

    mudanya

    de sua maneira de

    ser . Pois

    como

    conhecer a fonte

    da desiguaJdade entre os homens, se nao se c o m e ~ a r par conhecer

    a eJes mesmos? E como 0 homem chegara

    ao ponto

    de ver-se tal

    como 0 formou a natureza, atraves de todas as mudanyas produzi

    das

    na

    sua constitui

  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    27/63

    51

    )

    reflexao, ao SOcorro dos

    que vemos

    sofrer:

    e

    ela que, no

    estado

    de

    natureza, ocupa lugar

    de lei,

    de

    costumes e

    de

    virtu

    de

    , com

    a vantagem de que ningw m e

    tentado

    a desobedecer sua doce

    " 8

    voz .

    A pie dade nao e apenas uma forma de identificayao com a

    humarudade inteira. mas a propria mane ira pela qual 0 hornem

    redescobre sua

    infra-estrutura

    vital:

    E

    sobre esta faculdade pri

    mordial que virao desenhar-se, num jogo de oposiyao, os predi

    cados que a ciencia deve decifrar. 0

    homem

    identifica-se, pri

    meiro, peJa

    piedade.

    com a totalidade da vida, para em seguida

    distinguir-se, no interior deste campo, do

    'nao-humano

    ' .9

    '.

    I

    B - a Animal, 0 Homem : a Diferent;a

    No

    Ensaio sobre a Origem

    das

    L/nguas,

    no

    DisCUTSO

    e

    no

    Emz7io a

    piedade

    aoarece como

    um sentimento original,

    isto

    e

    ern oposiyao ao soci;U

    aitillcial,

    0

    reslduo

    que nao

    se

    deixa expli

    car pela sOciedade".1

    0

    ~ a s este sentirnento sera

    tratado

    de maneira diversificada

    nos tres textos : no DisCUTSO e no Eml7io a piedade

    e

    vista como

    urn

    sentimento

    espontineo

    da

    alma (embora nao seja

    um

    senti

    mento simples) anterior

    a

    reflexao, enquanto q u ~ no Ensaio 1 I

    transparece urn acento

    inteiectualista.

    Assim, no Ensaio Rousseau

    diz: A piedade,

    embora natural ao

    corayao do hornern, pem1a

    neceria etemarnente

    inativa

    sem a imaginayao que a coloca em

    jogo.

    Como nos

    deix.amos comover

    pela

    piedade? T'ranspo

    rt

    an

    do-nos para fora de n6s rnesmos, identificando-nos COm 0 ser que

    sofre. Sofremos apenas na rnedida em que julgamos que ele sofre;

    nao

    e

    em n6s,

    e

    nele

    que

    sofremos.

    Figure-se

    0

    quanta

    este trans

    porte supoe de conhecimentos adquiridos. Como imaginaria os

    males

    de que nao

    tive.

    nenhurna

    ideia? Como sofreria venda sofrer

    \

    8. D.OJ., p. 59/60.

    9.

    Bento Prado Jr., Revista Tempo Braf ikiro, idem, p. 16/17.

    j 0. P. Burgelin, PE, idem, p . 219.

    1t. Segundo

    Starooinski, Ed.

    P h ~ i a d e voL 1lI, p. 1330,

    .

    ,'

    ,.

    I

    urn ou tra, se nao sei sequer que ele sofre, se ignoro a que

    h:i

    de

    comum entre

    ele e eu?

    Aquele

    que jarnais refletiu nao pode ser

    nem clemente, nern justo, nern piedoso".12

    Esta conce pyao da pie dade que toma densidade pela refle

    xao seria imposslvel no

    Discurso,

    onde

    raztio

    e

    rej7exiIo abrangem

    tudo 0 que

    condm

    inelu [avelmente

    a

    degenerescencia do g ~ n e r o

    humano : f, a razao que engendra

    0

    arnor-proprio e a

    reflexao

    o fortifica; faz

    0

    homem Yoitar-se sobre si

    mesmo;

    separa-o de

    quanto 0 penurba

    e aflige.

    f

    a fUosofia que

    0

    isola;

    por

    sua

    causa

    ele diz, em segredo, ao ver urn homem

    so

    t " ..do: Perece , se queres ,

    quanta a mim estou segura" . 3 Deste ponto de vista, a conserva

    yao do genero humano lena sldo imposslvel se dependesse da re

    flexao. Esta afumayao e atenuada peio

    Em17io

    que introdm, e

    verdade, ulna inclinayao intelectualista na concep

  • 7/25/2019 MATOS - Rousseau

    28/63

    ,'

    ou uma teoria

    da naturalidade como

    "po tentia/

    Ire

    sommeillante

    ".

    As faculdodes v/rtUIJis

    operam

    como ligadura em todos os

    p6ntos

    de frssura te6rica (nos

    pontos

    em que a sociedade

    se

    rompe)

    ani

    culando-se

    com

    a natureza .

    Isto

    leva a pen sar a natureza nao mais

    como urn dado ,

    como

    presenc,:a

    atual.

    mas

    como

    urn

    residua,

    uma

    reserva

    Assim, e a imaginac,:ao que de sperta 0 poder de sua reserva,

    sem se esquecer sua

    dupla

    detenninac,:ao: ela e a

    fonte

    dos

    vicios

    e das virtudes, de urn

    lado

    , do I3em e do Mal,

    do

    outro.

    E que

    a pr6pria imaginac,:ao pode perverter-se; desperta as faculdades

    virtuais mas logo

    as

    transgride.

    1 5

    A imaginayao desempenha urn papel decisive no desenvol

    vimento das faculdades do

    homem,

    pois sem ela a piedade nunca

    se

    tomaria ativa e

    0 homem nao poderia

    identificar-se a seu serne

    lhante; e alern disso

    0 homem embora

    dotado de perfectibilidade ,

    perrnaneceria em sua condic,:ao

    de quase

    animalidade" . Desta

    exigencia

    de aperfeic,:oamento ver-se

    a

    nascer sua hist6ria : a pie dade

    p e

    as

    a f e i ~ 6 e s h

    em

    movimento,

    sob impulso da

    i m a g i n ~ a : o ,

    e

    0

    homem pode entw compreender

    a

    dor

    e a ail.i

    c,:a

    o

    de

    seu seme

    Ihante, saindo ja