“matéria” do projecto. ideais “puristas” e razão técnica na

599
“MATÉRIA” DO PROJECTO. IDEAIS “PURISTAS” E RAZÃO TÉCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA DEPARTAMENTO DE ARQUITECTURA - FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA JOAQUIM CARLOS PINTO DE ALMEIDA MARÇO 2009

Upload: buithien

Post on 07-Jan-2017

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    DEPARTAMENTO DE ARQUITECTURA - FACULDADE DE CINCIAS E TECNOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

    JOAQUIM CARLOS PINTO DE ALMEIDA MARO 2009

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    DEPARTAMENTO DE ARQUITECTURA - FACULDADE DE CINCIAS E TECNOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA JOAQUIM CARLOS PINTO DE ALMEIDA MARO 2009

  • ABSTRACT

    MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    A prtica da profisso a prtica da transformao - por vezes parcial - da

    realidade que prevalece sobre as outras dimenses da arquitectura. Esta condio

    levanta contemporaneamente novas dificuldades, quer para as escolas de

    arquitectura, quer para a prtica profissional situadas em orientaes que

    sucessivamente se distanciam ora da compreenso dos problemas de natureza

    filosfica ou epistemolgica ora das exigncias multidisciplinares do mundo

    cientfico contemporneo. Esta questo, estabeleceu a problemtica para a

    fundamentao da tese e o seu objectivo final: estabelecer os limites e actuao da

    arquitectura, tomando como questo essencial a sua materialidade. Deste modo,

    este trabalho, procura indagar a forma e os instrumentos da arquitectura

    contempornea, tomando como referncia, quer os conceitos intrnsecos ao

    conhecimento da arquitectura, quer, enquanto momento de charneira, as alteraes

    metodolgicas introduzidas pelas arquitecturas resultantes do Movimento Moderno

    e as suas repercusses na pratica arquitectnica contempornea. Estas problemticas dividiram a tese em duas partes:

    A parte I da tese, reservada definio dos temas e conceitos que fundamentam este trabalho. Paralelamente definio dos seus parmetros, explana as

    problemticas fundamentais da prtica da arquitectura contempornea, definindo

    termos, ideias e teorias essenciais para a sua discusso. Nesta parte so lanadas

    as hipteses de partida, e a sua sustentabilidade como temas centralizadores do

    discurso arquitectnico contemporneo. O indagar sobre a persistncia das

    formulaes de Alberti, confrontadas com as metodologias de criao do projecto

    introduzidas pelo Movimento Moderno permitir-nos- problematizar entre conceitos

    e problemticas da prtica da arquitectnica contempornea como: ideia e

    matria; ou os limites actuais da actuao do projecto e o que motiva (hoje) as

    consideraes sobre o objecto arquitectnico na arquitectura contempornea; ou,

    ainda, a identificao do posicionamento e das diferenas fundamentais existentes

    por meio da anlise de obras contemporneas (com particular incidncia na

  • produo da arquitectura portuguesa). O desenvolvimento dos conceitos que a

    partir do renascimento, toma como referncia Alberti, atravs do seu tratado, De re

    aedificatoria, procura a estrutura essencial sobre a qual se constroem conceitos,

    formulaes e terminologias que suportam a prtica arquitectnica contempornea.

    Simultaneamente so abordados os contedos formais e temticas que ao longo do

    sculo XX, foram construindo o iderio do projecto moderno, (fundamentalmente

    nos dois modelos emergentes do Movimento Moderno, protagonizados por Le

    Corbusier e Mies van der Rohe) em novos conceitos e as alteraes metodolgicas

    introduzidas prtica do projecto como formulaes contemporneas emergentes

    necessrias na definio e identificao da identidade dos produtos da

    arquitectura contempornea. A parte II da tese reservada aos casos de estudo. A seleco dos casos de estudo, em anlise, centra-se fundamentalmente nos dois modelos emergentes do

    Moderno (abstraco e composio - Mies van der Rohe e Le Corbusier)

    referenciados na primeira parte e procurar evidenciar a permanncia e a

    recorrncia das temticas em objectos concretos da produo arquitectnica

    contempornea. Estes objectos, tidos como representaes dos Ideais Modernos,

    evidenciam-se actualmente como depositrios de caractersticas comuns prtica

    Moderna, expondo as realidades produtivas, ao mesmo tempo instncia e reflexo

    do tempo e contexto onde se inserem.

    Na procura da universalidade dos pressupostos, lanados na parte I, da tese, os casos de estudo seleccionados confrontam a prtica arquitectnica portuguesa com

    realidade arquitectnica internacional. A anlise sobre a identidade dos produtos

    resultantes da construo do Moderno, ainda que pretendendo uma

    fundamentao universal, procurar no essencial a possibilidade do

    reconhecimento na especificidade da arquitectura portuguesa enquanto afirmao

    da sua identidade e testemunho das permanncias na reformulao da sua herana

    cultural.

    JOAQUIM CARLOS PINTO DE ALMEIDA

  • ABSTRACT

    MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    The practice of the profession is the practice of transformation some times partially

    - of the reality that prevails above other dimensions of architecture. This condition

    exposes contemporarily new difficulties to the architecture schools and for the

    professional practice that are placed in orientations successively apart from the

    understanding of the problems of philosophical nature or epistemological or from the

    comprehension of the multidisciplinary demands of the contemporary scientific

    world.

    This interpellation, established the problem for the foundation of the thesis and its

    final objective: to establish the limits and actuation of architecture, placing the question of its matter or materiality as an essential subject. This way, this work, tries to investigate upon the form and instruments of the contemporary architecture,

    taking for reference, as a point of shifting, the methodological alterations introduced

    by the architectures of the Modern Movement.

    The part I of this thesis reserves itself to the definition of the themes and concepts that support this work. Parallel to the definition of their parameters, the fundamental

    problems of the practice of the contemporary architecture are explained defining

    terms, ideas and essential theories for its discussion. The departure hypotheses are

    established, in this part I, and sustain, as well, the centralizing themes of the

    contemporary architectonic discourse.

    The investigation on the persistence of Alberti formulations, confronted with the

    methodologies of the project creation introduced by the Modern Movement allows us

    to enquiry between concepts and concerns of the architecture contemporary

    practice. Between: "idealization" and "matter"; or the actual limits of the project

    actuation or the considerations of what motivates (today) the contemporary "object

    architectonic" or finally to identify, through the analysis of contemporary works, the

    fundamental different positions existent (with particular incidence in Portuguese

    architecture production). The understanding of the development of the concepts

  • that start from the renaissance taking as a reference Alberti treaty, De re

    aedificatoria, seek, for the thesis, the essential structure on which concepts,

    formulations and terminologies, that sustain the contemporary architectonic practice,

    are built up. Simultaneously, the formal and thematic contents built along the

    century XX, in the iderio of the "modern project", (fundamentally in the two

    emerging models of the Modern Movement, played by Le Corbusier and Mies van

    der Rohe) approached as new concepts and as methodological alterations introduce

    to the practice of the project an emerging contemporary formulations. These

    important understandings are indispensably necessary to the definition and

    identification of the "identity of the products" of contemporary architecture.

    The part II of the theory reserved to the cases of study selected, is centred fundamentally in the analysis of the two emerging models of the Modern (abstraction

    and composition, Mies van der Rohe and it Le Corbusier). These references

    belonging to the part I try to evidence the permanence and the appeal of these

    themes, in this part II, in a concrete "object" of the contemporary architectonic

    production. These contemporary "objects", taken as representations of the Modern

    ideals, actuality evidenced as receivers of characteristics common to the Modern

    practice, expose the actual productive realities at the same time, as instance and

    reflex of the time and context of interference.

    In the search of the universality of the presuppositions established, in part I, the

    selection of the contemporary cases studies confront the Portuguese architectural

    practice with the international architecture practice The analysis concerning to the

    identity of the resulting products "construction of the Modern", although intending a

    universal foundation, most of all, seek the possibility of there recognition in the

    context of Portuguese architecture while statement of its identity and testify of the

    permanence in the reformulation of its cultural inheritance.

    JOAQUIM CARLOS PINTO DE ALMEIDA

  • Ao Professor Doutor Mrio Jlio Teixeira Krger, agradeo a orientao cientfica, directrizes e rigor metodolgico com que a acompanhou o meu trabalho. A sua crtica exigente e sempre estimulante, bem como a autoridade cientfica, foram determinantes para o desenvolvimento das vrias fases desta dissertao. Ao Arquitecto lvaro Siza e ao Arquitecto Souto de Moura um agradecimento especial pelo apoio dado ao longo do trabalho, na total disponibilidade revelada facultando todo o material original e toda a bibliografia disponvel, das suas obras, analisadas neste trabalho. Fundao para a Cincia e a Tecnologia, pela bolsa concedida, entre 2005 e 2007 que permitiu as condies para a realizao dos Estudos de Doutoramento para Obteno de Certificado de Suficincia Cientfica no Departamento de Proyectos da Escuela Tcnica Superior de Arquitectura, da Universidad Politcnica de Madrid, designado Teora y Prctica del Proyecto. Edite agradeo pela compreenso, dedicao e pacincia com que acompanhou o meu trabalho. O seu contributo, experincia e comentrios crticos que permitiram ultrapassar dificuldades, incutindo e exigindo o nimo necessrio. minha famlia por aceitar pacientemente as ausncias prolongadas. Agradeo o suporte operacional, Arq. Ana Monteiro e Arq. Daniela Macedo, na montagem grfica final do trabalho.

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    DEPARTAMENTO DE ARQUITECTURA - FACULDADE DE CINCIAS E TECNOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA Dissertao de doutoramento na rea cientifica de Arquitectura, especialidade de Arquitectura e Construo, orientada pelo Senhor Professor Doutor Mrio Jlio Teixeira Krger e apresentada ao Departamento de Arquitectura da Faculdade de Cincias e Tecnologia da Universidade de Coimbra. JOAQUIM CARLOS PINTO DE ALMEIDA MARO 2009

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    NDICE 3 PREMBULO Estrutura do trabalho 5 I PARTE INTRODUO 9 I TECHN; TCNICA, TECNOLOGIA; TECTNICA 45 II ESTRUTURA; FORMA; FUNO; ESPAO; TIPO 111 III IDEAIS ARQUITECTNICOS 177 IV MODELOS FORMAIS 197 IV.1 Le Corbusier 199 IV.2 Mies van der Rohe 223 II PARTE V ANLISE DE OBRAS CONTEMPORNEAS 255 V.1 lvaro Siza Fundao Iber Camargo, em Porto Alegre, Brasil 257 V.2 Souto de Moura Edifcios do Burgo, no Porto 305 CONCLUSO 345 Sntese Crtica 367 BIBLIOGRAFIA 381 _________________________________________________________________________ ANEXO DOCUMENTAL I Le Corbusier 3 II Mies van der Rohe 37 III lvaro Siza Fundao Iber Camargo, em Porto Alegre, Brasil 65 IV Souto de Moura Edifcios do Burgo, no Porto 121

    3

  • 4

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

  • Cyril Stanley Smith, Diagrama de uma trama reticular de tomos, e uma regio em que a posio dos tomos se

    altera para formar uma disposio triangular.

    [Jurez, Antonio, Chicote, Milln, Jos Antonio, Alba, Poticas del espacio contemporneo, Curso de Doctorado,

    ETSAM, 2004]

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    PREMBULO Estrutura do trabalho (Diviso em duas partes: Noes e conceitos tericos que fundamentam a tese e anlise de obras actuais.)

    A parte I da tese reservada definio dos temas e conceitos que fundamentam este trabalho. Paralelamente definio dos seus parmetros, so explanadas as

    problemticas fundamentais da prtica da arquitectura contempornea, definindo

    termos, ideias e teorias essenciais para a sua discusso. Nesta parte so lanadas

    as hipteses de partida, e a sua sustentabilidade como temas centralizadores do

    discurso arquitectnico contemporneo. O indagar sobre a persistncia das

    formulaes de Alberti, confrontadas com as metodologias de criao do projecto

    introduzidas pelo Movimento Moderno permitir-nos- problematizar entre conceitos

    e problemticas da prtica da arquitectnica contempornea como: ideia e

    matria; ou os limites actuais da actuao do projecto e o que motiva (hoje) as

    consideraes sobre o objecto arquitectnico na arquitectura contempornea; ou,

    ainda, a identificao do posicionamento e das diferenas fundamentais existentes

    por meio da anlise de obras contemporneas (com particular incidncia na

    produo da arquitectura portuguesa). Num primeiro momento, procuramos abordar

    o desenvolvimento dos conceitos a partir do renascimento, tomando como

    referncia Alberti, atravs do seu tratado, De re aedificatoria, procurando a

    estrutura essencial sobre a qual se constroem conceitos, formulaes e

    terminologias que suportam a prtica arquitectnica contempornea. Num segundo

    momento, procuraremos abordar os contedos formais e temticas que ao longo do

    sculo XX foram construindo o iderio do projecto moderno, (fundamentalmente

    nos dois modelos emergentes do Moderno (Le Corbusier e Mies van der Rohe) em

    novos conceitos e nas alteraes metodolgicas introduzidas prtica do projecto

    como formulaes contemporneas emergentes necessrias na definio e

    identificao da identidade dos produtos da arquitectura contempornea.

    A parte II da tese ser reservada aos casos de estudo. A seleco dos casos de estudo, em anlise, centra-se fundamentalmente nos dois modelos emergentes do

    Moderno (abstraco e composio Mies van der Rohe e Le Corbusier)

    5

  • referenciados na primeira parte e procurar evidenciar a permanncia e a

    recorrncia das temticas em objectos concretos da produo arquitectnica

    contempornea. Estes objectos tidos como representaes utpicas dos Ideais

    Modernos, evidenciam-se actualmente como depositrios de caractersticas

    comuns prtica Moderna, expondo as realidades produtivas, do mesmo tempo

    instncia e reflexo do tempo e contexto onde se inserem.

    Na procura da universalidade destes pressupostos, a seleco dos casos de estudo

    confrontar a prtica arquitectnica portuguesa com as temticas desenvolvidas na

    parte I da tese, para tal recorreremos a dois dos autores incontornveis que a caracterizam e suportam em larga medida a sua identidade. Do contexto portugus

    de actuao, usaremos a Fundao Iber Camargo, em Porto Alegre, Brasil, de

    lvaro Siza e os Edifcios do Burgo, no Porto, de Souto de Moura. Estas obras

    sero confrontadas com a prtica arquitectnica no contexto internacional,

    procurando encontrar os pontos comuns de actuao, ou as caractersticas

    divergentes, seja de procedimento operativo, seja formulao e sustentculo

    terico.

    Como processo de caracterizao dos objectos em estudo sero abordados,

    enquanto matriz de anlise uniforme para estas obras, os seguintes temas:

    contexto; estrutura; forma; funo; espao, tipo e tectnica.

    A anlise sobre a identidade dos produtos resultantes da construo do Moderno,

    ainda que pretendendo uma fundamentao universal, procurar o seu

    reconhecimento na arquitectura portuguesa enquanto herana da afirmao e

    reformulao da sua identidade, de modo a testemunhar tambm as permanncias

    na reformulao da sua herana cultural (considerada, como uma arquitectura de

    resistncia [?]).

    6

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    I PARTE

    7

  • 8

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    INTRODUO

    9

  • 10

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

  • Stonehenge, 2750-1500 A.C.

    [Iiguez, Manuel, La columna y el muro. Fragmentos de un dilogo, Barcelona, Fundacin Caja de Arquitectos,

    2001, pg. 23]

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    I Problemticas

    I.1 - A DISPERSO DE SABERES CONTEMPORNEOS E O VALOR DA CRTICA (Contrariar a disperso actual e fomentar conhecimento do conjunto de saberes)

    A prtica da profisso a prtica da transformao (por vezes parcial) da realidade

    que prevalece sobre as outras dimenses da arquitectura. Esta condio levanta na

    contemporaneidade novas dificuldades, quer para as escolas de arquitectura, quer

    para a prtica profissional, enraizadas em orientaes que sucessivamente se

    distanciam, ora da compreenso dos problemas de natureza filosfica ou

    epistemolgica, ora das exigncias multidisciplinares do mundo cientfico

    contemporneo. Efectivamente, o panorama arquitectnico contemporneo

    confrontado com complexidades decorrentes de encomendas que exigem a

    interligao de diferentes ramos do conhecimento, tornando indispensvel a

    sustentabilidade de uma prtica profissional apoiada na investigao do campo da

    criao e da prtica da arquitectura que promova entendimentos mais relevantes

    para a sua fundamentao.

    Em paralelo com os diferentes entendimentos da arquitectura, cada vez mais

    personalizados, assiste-se igualmente a uma progressiva diferenciao dos seus

    intervenientes resultante do desenvolvimento da indstria da construo, numa

    especializao e burocratizao que torna cada vez mais complexa a distncia,

    entre o acto criativo e a sua realizao construtiva. Deste modo,

    contemporaneamente, a tomada de decises que interferem na arquitectura,

    passou a ser de forma mais evidente, frequentemente, o resultado do compromisso

    entre um nmero alargado de elementos que, por sua vez, a distanciam igualmente

    do acto criativo da produo arquitectnica. A criatividade foi sempre, ao longo dos

    tempos, considerada a faceta mais intimista, introspectiva e o parmetro

    caracterizador da prtica da arquitectura, tomada como entidade ordenadora das

    aparncias estticas e necessrias contemporizao da arquitectura proposta,

    enquanto fruto do entendimento intelectual do seu valor cultural.

    Neste sentido, este estudo justifica que procuremos a compreenso, de natureza

    filosfica da dimenso artstica, combinada com a compreenso da dimenso

    tecnolgica (de sentido tectnico?) da cincia aplicada, avaliando a amplitude dos

    processos e dos seus produtos, na criao do objecto arquitectnico

    contemporneo.

    11

  • I.2 - REFLEXO CRTICA

    No mbito da abrangncia de cultura interdisciplinar contempornea, torna-se

    necessrio a compreenso da natureza conceptual da reflexo crtica, idealmente

    sistematizada numa teoria. No entanto, a crtica uma palavra da qual se abusou

    tanto que, no raras vezes, se torna vazia de significados. Esta condio deve-se,

    em larga medida, ao excesso de uso e superficialidade de abordagem dos temas

    fracturantes do discurso contemporneo, pelo sujeito que desenvolve a crtica,

    isolando-os como nicos objectos de reflexo.

    A arquitectura como acto de criao individual exige uma capacidade crtica que

    permita uma tomada de deciso de juzo crtico, suporte da realizao da

    proposta arquitectnica. Neste contexto, considera-se que a condio da crtica em

    arquitectura, deve enfatizar a conduo das ideias que devem mostrar de forma

    clara e evidente as suas prprias regras, para que a autocrtica possa fazer parte

    do processo de aprendizagem colectiva. Deste modo, entende-se que na

    arquitectura, a crtica referenciada realiza-se dentro da prpria disciplina, situando o

    crtico e o autor no mesmo campo de actuao, a formular questes, a desenvolver

    interesses e a comunicar numa linguagem comum ao objecto da crtica.

    A crtica recolhe na histria os seus instrumentos de trabalho, mantendo a

    conscincia de que, para a arquitectura, todas as formas herdadas do passado so

    tornadas condies operativas do presente, seja num processo de negao,

    sujeio, ou de aceitao. Podemos afirmar que sua condio de trabalho ordena-

    se a partir do passado, mas formula-se no presente.1

    I.3 - A CLIVAGEM ENTRE TEORIA E PRTICA, NA PROPOSIO DO PROJECTO SEM MATRIA (Distanciamento actual entre teoria e prtica, ideia e produo) O acto criativo da arquitectura, enquanto reflexo crtica, de debate fundamental da

    sociedade, assume-se frequentemente como um processo, de identidade e

    afirmao cultural de cada poca. As interferncias entre os sistemas produtivos e

    os imagticos parecem influenciar-se de forma decisiva e recproca, de certa

    maneira, parece permanente a ideia que, teoria e prtica se inter-conectam

    mantendo o debate vivo e aberto nas relaes estabelecidas entre a inovao 1 - Tafuri, Manfredo, Teorias e Histria da Arquitectura, Lisboa, Editorial Presena, 1988.

    12

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    tecnolgica e construtiva e a formulao de novas percepes arquitectnicas. As

    questes relacionadas com a construo adquirem, assim, um peso prprio no

    entendimento da componente imagtica da arquitectura, sendo por via desta

    reciprocidade interpretativa, entre propriedades poticas e propriedades fsicas que

    se desenvolvem novas perspectivas e entendimentos de natureza disciplinar. O desenvolvimento tecnolgico pode interpretar-se, assim, como resultado de

    investigaes formais ou poticas, tal como a imagtica se compromete de forma

    significativa com as diferentes possibilidades tcnicas (sistemas produtivos). Estas

    tcnicas transformadas em imagens construdas potenciam na arquitectura, novas

    formas de aproximao entre as questes da construo e o desenvolvimento

    tecnolgico.

    A interaco entre os meios de produo disponveis e os meios de criao

    arquitectnica podem, de acordo com este raciocino, permitir-nos construir novos

    motivos geradores de novas solues arquitectnicas, reconhecendo os aspectos

    poticos e os aspectos tcnicos e materiais, como os parmetros de interpretao

    da forma construda. A questo passar portanto, por verificarmos como estes dois

    factores interagem e so geradores de novos modelos paradigmticos.2

    No entanto, nas ltimas dcadas evidenciou-se, neste processo arquitectnico, o

    distanciamento progressivo entre o campo do desenvolvimento das ideias e o

    campo produtivo da arquitectura, em virtude de uma explorao cada vez mais

    enftica nos instrumentos da comunicao, considerados como fim ltimo de

    afirmao exclusiva da qualidade arquitectnica, resultante da homogeneizao

    generalizada da crtica. Este novo entendimento da prtica arquitectnica que

    diferencia os tempos de abordagem do processo de criao e do processo

    produtivo, se motivador pelo incremento de inovao, numa primeira fase do

    processo arquitectnico, torna-se por vezes, factor inibidor do prprio carcter

    esttico.3

    2 - Giedion, Siegfried, Espacio tiempo y arquitectura, Madrid, Editorial Dossat, S.A., 1979, pg. 670.

    Segundo Giedion, o arquitecto, encontra-se pouco interessado em quem, ou por quem um determinado edifcio foi

    realizado. As suas questes so antes, o que o construtor pretendeu alcanar e como consegui resolver os

    problemas. Por outras palavras, o arquitecto preocupa-se com a pesquisa do conhecimento arquitectnico prvio

    de modo a poder imediatamente confrontar os anseios da arquitectura contempornea, com as de um perodo

    anterior. 3 - Podemos constatar, neste domnio, a introduo cada vez mais acentuada de restries, procedimentos e

    regras, que condicionam em fase de projecto, todos os seus procedimentos. Estas condies tornam a arquitectura

    limitada a um catlogo de solues que, sustentadas no desenho, so em grande medida fomentadoras de uma

    13

  • A abordagem de imagem meditica aplicada arquitectura resulta de maneira geral

    numa prtica arquitectnica que, quando confrontada com a realidade, no

    consegue contornar, com os seus processos instrumentais e disciplinares, as

    contingncias da materialidade. Nesta nova realidade importa verificar, em trmites

    de concluso desta tese, se contnua inevitvel para o estado actual da definio da

    arquitectura, uma estrita dependncia com a identidade dos seus produtos

    suportada na sua materialidade, enquanto permanncia da condio essencial da

    formalidade arquitectnica.

    II Objectivos

    II.1 - OBJECTIVO GENRICO. INDAGAR FORMAS E INSTRUMENTOS DA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    Esta ltima interpelao, naturalmente esclareceu-nos a problemtica para a fundamentao da tese e o seu objectivo final: estabelecer os limites e actuao da

    arquitectura, tomando como questo essencial a sua materialidade. Pretende-se,

    assim, indagar neste trabalho a forma e os instrumentos da arquitectura

    contempornea, tomando como referncia, enquanto momento de charneira, as

    alteraes metodolgicas introduzidas pelas arquitecturas resultantes do

    Movimento Moderno. No entanto, como procuraremos evidenciar, esta

    essencialidade material que coloca a questo sobre a interaco entre o aparelho

    produtivo e a esttica resultante, quer por via da inovao tecnolgica em novos

    produtos, quer por via da converso de solues ditas tradicionais tambm em

    novos produtos, em qualquer caso sujeito a mediao por parte do arquitecto que

    de maneira mais ou menos eloquente estabelece os parmetros de actuao e

    define as etapas e limites entre o objecto idealizado, a tecnologia disponvel e os

    produtos construdos. Procura-se, deste modo, evidenciar o papel do arquitecto

    como gerador privilegiado nas transformaes arquitectnicas promovidas, quer por

    via das inovaes tecnolgicas que so incorporadas no sistema construtivo como

    meio de resolver os problemas resultantes da complexidade das solues

    actuao generalistas e de gosto comum, negando as qualidades estritas prtica disciplinar que se sustentam na

    adequao entre os aspectos funcionais e tcnicos da prtica da arquitectura, enquanto processo de idealizao

    fundamental.

    14

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    arquitectnicas ao nvel da morfologia espacial, quer por via dos novos materiais e

    mtodos construtivos ajustados pela tecnologia que condicionam os campos de

    abordagem e as metodologias de projecto. () certo que a arquitectura depende de feitos, mas o seu verdadeiro campo de actividade o reino do significado. Espero que compreendam que a

    arquitectura no tem nada que ver com a inveno de formas. No um campo de jogos para crianas pequenas ou grandes. A arquitectura escreveu a histria

    das pocas e nomeou-as. A arquitectura depende do seu tempo, a cristalizao da sua estrutura interna, o lento aperfeioamento da sua

    forma.().4

    Mies van der Rohe

    As alteraes metodolgicas introduzidas pelas arquitecturas resultantes do

    Movimento Moderno estabelece a importncia do estudo de alguns protagonistas

    do Movimento Moderno, evidente na citao anterior de Mies van der Rohe. Este

    autor denota todo o seu contedo de pensamento contemporneo ao considerar a

    arquitectura como uma instituio cultural que pressuponha na sua gnese a

    incorporao do intercmbio entre a forma e os instrumentos num duplo sentido: a

    conscincia que a arquitectura influncia processos transformadores do seu tempo

    e simultaneamente influenciado pelo seu contexto cultural e tcnico, expressa

    por Mies como a arquitectura sendo tomada como forma o seu tempo e

    simultaneamente formada pelo (seu) tempo. Neste sentido, procuraremos verificar

    se este processo recproco de transferncia de informao se constitui como o

    reflexo da realidade imediata, simultaneamente, encarnando os elementos que

    formam a sua herana cultural e lanando, ao mesmo tempo, possveis alternativas

    futuras. O reconhecimento destes movimentos dinmicos de interaco e

    reciprocidade entre pocas imediatamente precedentes constituem-se como

    motivos essenciais de debate contemporneo e constroem as realidades culturais

    do debate arquitectnico.

    4 - Mies van der Rohe, Arquitectura y tecnologa (1950). em Neumeyer, Fritz, Mies van der Rohe. la palabra sin

    artificio, reflexiones sobre arquitectura 1922-1968, Madrid, El Croquis editorial, 1995, pg. 489. Citao traduzida

    pelo autor da dissertao, bem como, todas as restantes citaes posteriores a esta, foram efectuadas a partir da

    bibliografia consultada.

    15

  • (Paradoxo contemporneo da mistura entre a tecnologia e a artesania) Contemporaneamente, tal como em outros domnios, assiste-se na arquitectura a

    uma progressiva globalizao das prticas produtivas, com o incremento da

    industrializao a contribuir, aparentemente, para o declnio da produo

    sustentada nas artesanias produtivas locais. Os aspectos primordiais que

    dominaram a prtica arquitectnica ao longo dos tempos, centrados na artesania

    produtiva e relacionados com os aspectos produtivos locais e do contexto, deixaram

    de ser partes essenciais, no discurso contemporneo.5

    Efectivamente, reconhecvel como as inovaes tecnolgicas oriundas de outros

    campos disciplinares de actuao, ou de reas produtivas diferenciadas, tm

    contribudo de forma significativa para a transformao da imagem tradicional do

    processo produtivo da arquitectura, influenciando de forma significativa a definio

    de objecto arquitectnico contemporneo. Facto visvel, por exemplo no estudo

    mais aprofundado de solues inovadoras no campo dos sistemas estruturais que

    tm vindo a alterar de forma significativa as percepes espaciais e formais da

    idealizao arquitectnica.6

    (Permanncia actual dos instrumentos arcaicos e o aumento da complexidade infra-estrutural e material)

    No entanto, a prtica arquitectnica e o seu aparelho produtivo no evoluram de

    forma to acelerada como noutros campos industriais, mantendo aspectos de

    produo, instrumentalmente arcaicos. Neste contexto, de alterao da prtica

    construtiva, fruto das transformaes tecnolgicas ocorridas durante o sculo XX,

    subsiste, no entanto, o paradoxo da existncia de conceitos de arquitectura

    formalmente inovadores que, por recorrerem a metodologias construtivas oriundas

    de procedimentos mais artesanais, misturadas com materiais provenientes de

    novas tecnologias dificultam todo o processo de reconhecimento da identidade dos

    objectos da arquitectura contempornea. 5 - As prticas mais dependentes de artesos qualificados, como as carpintarias, maonarias ou de pedreiro,

    dependentes de conhecimentos transmitidos de mestre a aprendiz, foram de forma evidente, dando lugar a uma

    prtica onde a eficcia, a rapidez e a repetio se tornaram mais importantes que os conhecimentos interpretativos,

    ainda que, por vezes empricos, mais circunstanciais. 6 - Os novos materiais de construo, os materiais compsitos, os sistemas infra-estruturais e os novos sistemas

    estruturais ligeiros, alargaram o campo das possibilidades arquitectnicas, espaciais e construtivas. A maior

    complexidade construtiva surge na interaco entre diferentes tipos de materiais, na compatibilidade entre

    materiais, na degradao acelerada de componentes por ocorrncias inesperadas, circunstncias estas que

    criaram um novo conjunto de problemas construtivos introduzindo novos problemas disciplinares arquitectura

    que, de maneira geral, tinham sido resolvidos ao longo dos tempos, pelos procedimentos construtivos tradicionais.

    16

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    II.2 OBJECTIVO ESPECFICO PROCURAR RESPONDER PERGUNTA, HAVER PROJECTO SEM MATRIA?

    Para alm de outras consideraes sobre os limites do processo de criao do

    projecto, temos como ponto de partida secular que a prtica da arquitectura est

    dependente da sua condio material, encarada como produto final. Mas, ser

    possvel contemporaneamente, separar a condio essencial (de aspirao) de

    materialidade, do processo produtivo que a suporta, da sua condio construtiva e

    portanto, avali-la apenas no campo das ideias (?). Ou avaliando-a no campo

    disciplinar da prtica produtiva, estabelece-la como factor igualmente essencial da

    sua operacionalidade. Poderemos, construir margem de um qualquer sistema

    construtivo coerente, ainda que admitindo a sua flexibilidade e nesse sentido negar

    a existncia de uma verdadeira condio e conscincia construtiva, do processo de

    criao arquitectnica (?).

    A este conjunto de questes condensadas na pergunta fundamental da tese haver

    projecto (arquitectura) sem matria? sero procuradas respostas que permitam

    entender as transformaes ocorridas na estrutura de criao arquitectnica. A

    procura de respostas define-se a partir da identificao das premissas e

    metodologias do projecto moderno, tomando como ponto de partida os seus

    postulados arquitectnicos, dependentes do exerccio de abstraco e purismo

    definidos no campo da arte, na dcada de 20 do sculo XX e, ainda, nas

    consideraes tutelares sobre arquitectura e prtica do projecto, propostas por

    Alberti, em De re aedificatoria. Estas identificaes sero contrapostas s diferentes

    metodologias emergentes, no campo das iluses em que se move a arquitectura

    contempornea.

    III Elementos de suporte para o estudo

    III.1 - NOES E TERMOS DE CARCTER UNIVERSAL (Teoria de apoio que refuta ou valida postulados existentes, para indagar rupturas ou permanncias)

    Na apreciao fundamentada das formas e dos instrumentos de criao do projecto

    contemporneo, impem-se como crucial referenciar os entendimentos formulados

    por Alberti sobre a arquitectura e verificar actualmente a validade, as

    transformaes, as rupturas, ou permanncia dos seus postulados. A proposta de

    17

  • Alberti, de uma arquitectura como lineamenta, produto simultneo do Pensamento e da Matria, por uma lado, dependendo do poder da mente e, por outro, dependente

    da preparao e seleco dos materiais, estes ltimos, mediados pela mestria do

    artista no conformar da matria, o delineamento conforme estabelece um

    paradigma que importa indagar se, se mantm (?) contemporaneamente inclume.7

    Tomaremos assim, como propunha Alberti que, a arquitectura depende do

    estabelecimento de hierarquias entre partes ou sistemas, enquanto a construo,

    (como cumprimento da condio essencial de prazer) obrigatoriamente integrada

    no sistema hierarquicamente superior das exigncias e das aspiraes verbalmente

    facultadas, s poder ser desenvolvida no espao e no tempo, se articulada pelas

    regras da beleza e da ornamentao. Necessitamos portanto de entender os limites

    de actuao e permanncia desta condio, de Alberti, na teoria e na prtica da

    arquitectura contempornea, enquanto entendimento do valor essencial da criao

    do objecto arquitectnico actual.

    Esta investigao incidir portanto, na caracterizao do objecto arquitectnico

    contemporneo, simultaneamente numa referncia discursiva do manifesto

    escrito quer, por um lado, em relao tratadstica clssica do valor prtico

    como proposto por Alberti no seu tratado De re aedificatoria, como base de

    entendimento universal e, por outro, (como ponto de partida) no manifesto purista

    como o tempo imediatamente precedente e legatrio do actual, incio de confiana

    total na mquina e expoente do saber cientfico-tcnico para a criao de um

    mundo melhor. Toma-se o manifesto purista, por estabelecer como referncia a

    mquina, como modelo de organizao exacta, abstracta e inequvoca do

    conhecimento cientfico-tcnico, procurando na correspondncia entre forma e

    funo, compreender a ideia do objecto e conciliar a criao artstica com as

    metamorfoses de um presente tecnolgico e industrializado.

    7 - Krger, Mrio, A arte da investigao em Arquitectura, em ECDJ, investigao em arquitectura [?], darq

    FCTUC, 2001

    - Krger, Mrio, Relatrio das Disciplinas de Arquitectura Terica I e II da Licenciatura em Arquitectura, Coimbra,

    Edies do Departamento de Arquitectura da FCTUC, 1997.

    Krger considera que, em grande medida os postulados e as propostas de actuao que devem caracterizar, o

    arquitecto, a actividade produtiva e de investigao em arquitectura, se mantm praticamente inalteradas, desde

    que foram formulados por Alberti em De re aedificatria.

    18

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    (A arte e cincia duas atitudes crticas conciliveis?)

    Se nos reportarmos historiografia clssica dos tratados verificmos que a partir

    do fim do sculo XVII, o ncleo do saber humano que definia de forma objectiva a

    condio da arquitectura, foi sendo fragmentado e diversificado. Esta condio do

    saber na arquitectura, no se diferencia de forma substancial das alteraes

    ocorridas noutras reas de conhecimento, uma contingncia que nos permite

    reavaliar o papel dos tratados contemporaneamente. Efectivamente, pode-se

    actualmente aferir no ser objectivo do desenvolvimento da arquitectura, a

    elaborao de tratados que recomponham os fragmentos dos saberes dispersos

    capazes de compor um conhecimento transmissvel e eficaz, tal como foi proposto

    em pocas passadas, como sucedeu, no renascimento. De facto,

    contemporaneamente, j ningum confia em tentativas de codificao estvel e

    definitiva do conhecimento.8

    (Duas atitudes crticas (arte e cincia), a prtica isolada ou a prtica fundamentada)

    A condio da prtica da arquitectura contempornea, em grande parte, decorrente

    da cultura artstica que valoriza o indivduo no confronto com a realidade produtiva

    e com o desenvolvimento tecnolgico, permite-nos reconhecer dois tipos de

    actuao fundamentais, ainda que estas se constituam efectivamente como

    complementares. Por um lado, podemos reconhecer uma actuao de aparente

    renncia a todo o tipo de reflexo sistemtica, baseada numa prtica arquitectnica

    que se individualiza, na experincia isolada de conhecimentos acumulados e

    simultaneamente, por outro lado, podemos verificar que permanece uma outra

    vontade baseada na fundamentao da prtica arquitectnica, assente sobre uma

    condio terica que lhe permita, ainda que sem uma segurana ou certeza

    absoluta, ser objecto de anlise e de debate.

    A primeira posio define-se como idealista e concebe a arte como uma mera

    manifestao do sentimento ou de conscincia do artista que nega de forma radical

    a possibilidade da existncia de uma dimenso cognoscitiva de carcter geral,

    prpria da actividade artstica. A segunda define-se como uma atitude positivista

    que apenas admite o conhecimento que deriva do pensamento cientfico

    sistemtico, tentando aplicar s disciplinas artsticas, critrios e mtodos

    directamente extrados do campo da cincia. Estas duas atitudes tm em comum

    supor que, inevitavelmente, nunca ser eficaz a aproximao produo 8 - Tafuri, Manfredo, Teorias e Histria da Arquitectura, Lisboa, Editorial Presena, 1988.

    19

  • arquitectnica sob um ponto de vista exclusivamente terico. Deste modo, podemos

    concluir que, de modo a evitar uma teoria que se auto-fundamente no afastamento

    realidade produtiva arquitectnica aproximando-se perigosamente de

    posicionamentos dogmticos, ser indispensvel ter sempre em linha de conta que,

    no discurso da contemporaneidade, a teoria de arquitectura deve partir do estudo

    de obras de arquitectura que se evidenciem pela sua singularidade de

    concretizao conceptual, procurando na anlise destas obras de referncia, os

    pontos de conexo e permanncias que fundamentem a arquitectura como

    condio permanente e intemporal.

    (Diferenas e vnculos entre arte e cincia)

    Na realidade, durante os ltimos sculos, a cincia assumiu-se como o principal

    referente epistemolgico, constituindo os avanos cientficos da era Moderna,

    alguns dos principais referentes do pensamento contemporneo, este facto, no

    entanto, no pressupe a sua existncia como uma inevitabilidade na formao de

    todos os tipos de conhecimento. De todos os modos, no devemos, deslegitimar

    todo o discurso cientfico, reduzindo-o apenas a pura racionalidade instrumental,

    tal como frequentemente caracterizado contemporaneamente, por alguns

    pensadores, mas aceitar e reconhecer a amplitude e complexidade do territrio do

    conhecimento.

    Neste contexto, devemos pr em evidncia os vnculos existentes entre arte e

    cincia, tentando romper os esteretipos que pesam em ambos como campos

    contrrios e independentes, sem pontos de contacto. Neste sentido, nem a arte

    pode ser reduzida a mero empirismo, nem a cincia pode entender-se como uma

    estrita aplicao da racionalidade instrumental, relembrando a necessidade de nos

    suportarmos em simultneo na intuio e na reflexo, a primeira como acto puro da

    observao, a segunda como aspirao de inteligibilidade.

    Efectivamente, a cincia (na sua essncia) prope enunciados abstractos de

    carcter geral que podem incidir de maneira prtica no mundo fsico e material,

    enquanto, pelo contrrio, a arte procura objectos concretos e singulares capazes

    de reformular o mundo das ideias. Esta diferenciao de contedos estratgicos do

    campo de actuao da cincia e da arte, onde os primeiros definem princpios de

    actuao no discurso cientfico e os segundos se suportam nos exemplos como

    processo expositivo e acumulativo do conhecimento artstico so ambos

    fundamentais ao desenvolvimento do saber arquitectnico.

    20

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    O saber arquitectnico inscreve-se e deposita nas prprias obras e projectos de

    arquitectura a sua operatividade e, embora, sendo um conhecimento cifrado

    (depende em larga medida de um conhecimento e prtica de um autor), mas no

    indecifrvel e impenetrvel, depende sobretudo da capacidade de manipular,

    desmontar o conhecimento artstico, cientfico e tcnico. Esta maneira de

    descortinar os processos de construo do saber arquitectnico engloba tanto o

    resultado, a obra, como o procedimento que est na origem da sua definio em

    paralelo com a realidade do construdo. Deste modo, qualquer construo terica

    que tenha como objecto a arquitectura deve assumir um papel de suporte transitrio

    e auxiliar, cujo motivo essencial sos as obras realizadas ou a realizar.

    Efectivamente, toda a arquitectura tem implcita, ou explcita, a existncia de uma

    fundamentao terica que estabelece constantemente a relao das formas

    arquitectnicas concretas com as ideias e os conceitos que lhes servem de base de

    fundamentao. Esta fundamentao terica de contedo reflexivo que est na

    base da produo da arquitectura constitui-se, assim, como o fundamento do

    conhecimento e saber arquitectnico, no qual a arquitectura no surge como

    simples aplicao de um saber ou conhecimento esttico, estabelecido segundo um

    modelo dogmtico e pr-estabelecido, mas antes, como um processo dialctico

    entre pensamento e aco que se mantm sempre em aberto, deambulando muitas

    vezes entre mbitos opostos, ainda que se possam reconhecer motivos, contedos

    e permanncia, na anlise e no debate das obras.

    Fernando Tvora dizia frequentemente () em arquitectura, o contrrio tambm

    pode ser verdade() e relembrava-nos que na arquitectura existem mltiplas

    solues possveis para um mesmo problema, estabelecendo a diferena clara,

    entre a cincia e o campo da arte. Se a cincia pretende a obteno de uma

    explicao, tanto quanto possvel, inabalvel e imutvel (paradigmtica para cada

    problema concreto), a arte tem como propsito uma compreenso do

    acontecimento que inevitavelmente est dependente do sujeito interpretativo e do

    contexto da ocorrncia. No contexto da realidade, tudo depende de como a

    interpretamos, um processo frequentemente fragmentado e nebuloso, de

    reconhecimento do mundo que nos rodeia, onde necessrio um posicionamento

    simultaneamente activo e receptivo, visto que o mundo que interrogamos, no se

    fundamenta apenas nos elementos visveis, sendo frequentemente necessrio

    descortinar motivos geradores de novas interpretaes.

    21

  • (Noo de abstraco em arquitectura - operao mental e processo analtico)

    A ideia de abstraco, constantemente associada a algumas tendncias

    arquitectnicas, apesar de no existir um acordo geral no que respeita ao seu

    significado, , no entanto, recorrentemente usada para designar quer um processo

    mental de actuao quer um resultado arquitectnico concreto. Para termos um

    entendimento correcto sobre a noo de abstracto convir, deste modo, definir

    previamente e com preciso os conceitos implcitos aplicados e o seu contexto de

    actuao.

    Consensualmente existe um entendimento geral da abstraco como uma

    operao intelectual que consiste em separar mentalmente, o que na realidade se

    constituiu como inseparvel. Uma qualquer operao analtica, na medida em que

    suponha o decompor de um todo unitrio nos seus componentes bsicos, implica

    necessariamente tambm um certo grau de abstraco.9

    Do ponto de vista filosfico, a abstraco entende-se como um procedimento

    cognitivo que tende a separar os aspectos circunstanciais dos aspectos essenciais,

    procurando, deste modo, obter um conceito universal a partir do reconhecimento de

    diversas situaes ou objectos particulares, alcanando um carcter intemporal.10

    9 - Pin, Helio, Arte abstracto y arquitectura moderna, Abstraccin, DPA, n 16, Barcelona, UPC 2001. 10 - Wilhelm Worringer (1881-1965) em Abstraktion und Einfhlung (1908) estabeleceu a interpretao bsica da

    evoluo da arte, desde a antiguidade clssica at ao sculo XIX, definida entre dois parmetros de actuao, a

    abstraco e o expressionismo. O mpeto de abstraco nasce frequentemente como busca racional da ordem, da

    trama imutvel e das formas absolutas, como contraponto arbitrariedade do orgnico e ambiguidade da

    expresso. Sobre estes conceitos, fundamentais para entender a arte e a arquitectura do sculo XX, Worringer

    escreveu, af de abstraco est presente no princpio da arte e segue reinando em alguns povos de

    elevado nvel cultural, enquanto entre os gregos, por exemplo, e outros povos ocidentais foi diminuindo

    lentamente at que o af de Einfhlung o substitui (...) Enquanto o af de projeco sentimental est

    condicionado por uma aventurada e confiada comunicao pantesta entre o homem e os fenmenos do

    mundo circundante, o af de abstraco a consequncia de uma intensa inquietao do homem diante

    destes fenmenos (...) Quanto menos a humanidade est familiarizada, em virtude de uma compreenso

    intelectual, com o fenmeno do mundo exterior, quanto menor for a sua intimidade em relao a este, mais

    poderoso o mpeto com o qual aspira quela suprema beleza abstracta (...) As formas abstractas, sujeitas

    lei, so consequentemente as nicas e as supremas formas onde o homem pode descansar frente ao

    imenso caos do panorama universal.

    Worringer, Wilhelm, Abstraccin y naturaleza, Fondo de Cultura Econmica, Madrid, 1997, citado em Montaner,

    Joseph Maria, Las formas del siglo XX, Barcelona, Editorial Gili, SA, 2002.

    - Ver igualmente em AA/VV, Camposici III, Curs 1997-1998, Antologia de Textes I, Barcelona.

    22

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    (Abstraco na arte e na arquitectura moderna)

    No campo da arte, o significado de abstraco parece mais definido e estabilizado,

    onde, efectivamente, se contrape a pintura abstracta pintura figurativa, por no

    ter como objectivo a representao da realidade tal como a percepcionamos. Na

    arte pictrica esta noo circunscreve-se, de maneira geral, a um perodo histrico

    especfico que se identifica com a modernidade, mas esta restrio apenas diverge

    no significado geral do seu significado. Ainda no campo da arte, a proposta de

    abstraco pressupe, na sua essncia, a negao de uma representao de

    mbito figurativo anulando o intento de evocao da imitao da realidade

    procurando, no essencial, no valorizar os aspectos casusticos emergentes, mas

    sim, a ordem intrnseca da construo das formas de composio estabelecidas.

    Em arquitectura, o prprio processo de representao, j supe em si mesmo uma

    condio de abstraco mental, pois antecipa uma realidade por processos no

    reais nossa percepo do espao ou da matria, as seces, horizontais ou

    verticais, que obedecendo s regras prprias da disciplina, produzem uma estrutura

    construda imaginria (apenas) permitindo um entendimento futuro (para iniciados)

    sobre as caractersticas espaciais, ou materiais que a obra aspira a realizar.

    Relativamente ao nvel dos significados tambm no mbito da arquitectura se pode

    reconhecer, semelhana dos princpios definidos anteriormente para a arte, o

    campo de actuao do abstracto, frequentemente associado valorizao dos

    aspectos essenciais da forma, quer ao nvel do processo de composio formal,

    quer ao nvel da actuao construtiva e da definio material do objecto

    arquitectnico. Deste modo, a arquitectura ser tanto mais abstracta, quanto mais

    desligada de todos os constrangimentos que a rodeia, separando-se da sua

    implicao com o mundo, dotando-se de regras especificas de conformao, que

    tornam mais importante a forma das relaes estabelecidas que o valor especfico

    dos seus elementos constituintes.11

    11 - Foi precisamente no princpio do sculo XX, com as vanguardas abstractas (a partir de autores como

    Mondrian, Kandinsky, Malevitch, Klee) que a forma voltou a ser entendida como a essncia, a composio

    estrutural interna, a estrutura mnima irredutvel constituda por elementos substanciais e bsicos. Esta concepo

    foi fundamentada posteriormente pelas teorias lingusticas e pelo pensamento estruturalista.

    Na pintura, o conceito de abstracto pode ser localizado em 1910, data em que Kandinsky pinta a sua primeira

    improvisao e em 1915 quando Malvich expe os seus quadros supremativistas.

    AA/VV, Abstraccin, DPA, n 16, Barcelona, UPC 2001.

    23

  • Esta condio de abstraco anula em parte a condio material da arquitectura

    que, em certa medida, se torna irrelevante no momento em que nos propomos fazer

    um juzo de valor sobre as qualidades artsticas de uma obra.

    (Noo de forma entre o mbito figurativo (particular) ou abstracto (universal))

    Convm igualmente referenciar que a noo de forma que aparece frequentemente

    associada ao conceito de abstraco inclui tambm, no seu domnio, de maneira

    implcita os dois campos distintos que caracterizam a arquitectura, o mbito

    figurativo e o mbito da abstraco. Por um lado, a forma pode dizer apenas

    respeito aparncia do objecto, definida pelo aspecto ou conformao externa e

    convertendo-se em sinnimo de figura. Por outro, a forma, pode ser associada ou

    identificar a constituio interna do objecto referindo-se disposio e ordenao

    geral dos elementos constituintes e prximo da identificao da forma como

    conceito moderno de estrutura.

    Estas duas apreciaes sobre a forma diferenciam, as duas opes de apreciao

    arquitectnica, uma prxima dos aspectos de figurao e outra da concepo

    abstracta. Na primeira apreciao, a forma define-se como figura, com um claro

    carcter semntico que remete para as dimenses perceptivas do objecto. Na

    segunda apreciao a forma define-se como estrutura, numa vertente sintctica que

    remete para as dimenses inelegveis do objecto. Diferenciam-se deste modo, as

    qualidades sentimentais da obra e a exaltao de aspectos particulares, ou em

    contraponto, a procura de universalidade e inteligibilidade. Deste modo, a ideia de

    abstracto, adquire um papel importante na definio das caractersticas de

    apreciao de uma obra, por nos permitir pr em comparao diferentes pocas,

    confrontando o antigo com o novo, como suporte dos interesses actuais, permitindo

    abrir novos caminhos para o entendimento do presente.

    (A tecnologia como resultado de progresso)

    Nesta procura de compreender o saber arquitectnico, tomada entre vnculos de

    arte e de cincia, torna-se essencial esclarecer ainda o conceito de tecnologia. Este

    conceito normalmente associado ao domnio da cincia aplicada, no entanto, no

    se reduz estrita racionalidade instrumental. Se o conceito de tecnologia um

    factor de entendimento universal que se fundamenta como essencial no discurso

    arquitectnico e no desenvolvimento humano ao longo dos tempos, tambm

    24

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    notrio que assume contemporaneamente novas dimenses e entendimentos que

    so geradores de interpretaes diversas no discurso arquitectnico.

    A transferncia quase definitiva para um sistema industrializado que promove em

    definitivo a mecanizao dos sistemas de manufactura, com sistemas de pr-

    fabricao e produo massificada, desde o fim do sculo XIX, caracterizam em

    larga medida as alteraes ocorridas na estrutura do aparelho produtivo actual.

    Estas transformaes no aparelho produtivo, tm contemporaneamente, um

    significado bem visvel na forma como so encaradas as suas transformaes, com

    consequncias na prpria organizao da estrutura da sociedade, fortemente

    influenciada pelas novas tecnologias e no prprio significado do termo tecnologia.

    (A noo de tectnica Heidegger e o conceito de techn, ferramenta [instrumento] e fabricao [processo])

    A techn, a palavra grega para tecnologia, significa segundo Heidegger, a arte de

    fazer. Apesar de parecer paradoxal, esta definio de techn, designa no s os

    instrumentos utilizados como tambm a prpria fabricao (processos da

    produo), num entendimento que se posiciona de modo privilegiado no mundo de

    significados, o que poderemos comprovar, pelo entendimento deste termo por

    Heidegger, ao definir techn como potico e ordenador.12

    Esta interpretao da palavra techn foi inicialmente sugerida por Vitrvio em De

    Architectura. Para Vitrvio, a arquitectura alcana o sentido absoluto de unidade,

    quando se torna impossvel adicionar ou retirar, uma parte ou elemento ao

    conjunto, assim, a norma de composio tripartida desenvolvida em todos os

    artefactos clssicos, no so considerados apenas como uma categoria esttica

    (pura), mas igualmente como um modo de ver e construir.

    (Techn como conceito de fazer, at ao sculo XIX - desenho e construo para Alberti)

    Neste entendimento, os arquitectos de renascimento associaram palavra techn

    s conotaes religiosas de dualidade entre o divino e a condio terrena.

    Para Alberti, desenho e construo (composio) so duas temticas separadas

    ainda que correlacionadas.13 A construo engloba todas as tcnicas e artes

    necessrias ao desenvolvimento produtivo, enquanto os desenhos, ou lineamenta,

    12 - Heidegger, Martin, La pregunta por la tcnica, em Conferencias y artculos, Barcelona, Ediciones del Serbal,

    1994. 13 - Alberti, De re aedificatoria, Livro I, cap. I, traduo de Javier Fresnillo Nez, Madrid, Ediciones Akal, 1991.

    25

  • precede a construo e abrange a condio global do esboo, correcto e preciso,

    composto de linhas e ngulos. Com esta distino, Alberti, antecipou o cisma

    contemporneo entre teoria e prtica, e a dualidade entre desenho e construo

    prevalecente no discurso Moderno. Deveras, muita da dualidade de entendimento

    entre desenho e construo quer no pensamento do sculo XIX quer no

    pensamento contemporneo, tem a sua fundamentao, na interpretao das

    formulaes de Alberti.

    Os tratados de arquitectura elaborados at meados do sculo XIX, discutem

    extensivamente o campo de actuao da construo. No entanto, o seu significado

    foi inicialmente ajustado pelo contexto metafsico de techn, em que o conceito de

    fazer conformado sob um sistema implacvel e coerente de valores estticos e

    normas tcnicas, fundamentado pelo discurso humanista.

    (Techn a partir do sculo XIX - ideia da tcnica, significado e processo construtivo)

    A partir de meados do sculo XVIII a mecanizao da produo e o aparecimento

    de novas tcnicas e materiais de origem industrial, tornou possvel interpretar a

    arquitectura gtica, segundo o positivismo de Laugier. A cabana de Laugier, s

    podia alcanar a sua forma arquitectnica, atravs do ajustamento do discurso

    normativo da forma com a ideia de techn, como processo biunvoco entre os

    significados e os aspectos empricos da construo. Neste contexto, retomada a

    interpretao de Alberti do desenho que passar a ser considerado como

    expresso potica e ideal arquitectnico, obrigando os arquitectos do sculo XIX e

    incio do sculo XX, a mudar o seu sistema de classificao, de modo a poder

    utilizar as novas tcnicas e materiais industriais.

    (Ruptura entre significado e construo - como arte csmica e tectnica produtiva)

    Para esta temtica importante a inovao introduzida por Gottfried Semper que

    sugere uma ruptura entre os significados e a construo no entendimento de

    tecnologia como originrio do conceito de tectnica. Gottfried Semper radicaliza a

    questo relativa origem da arquitectura, substituindo o discurso arquitectnico de

    progresso linear e ordenada, do discurso humanista, por um sistema formativo do

    processo produtivo. Transformando o discurso arquitectnico num modo de pensar

    e de fazer que anula simultaneamente o contexto metafsico de techn e de

    tectnica, bem como, a tenso entre os significados recorrentes e a experincia

    (processos do fazer).

    26

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    Esta transformao, no discurso arquitectnico importante para entender o

    pensamento de Semper sobre a ideia de tectnica. Na definio de Semper, de

    tectnica, existem dois pontos que transcendem a condio humanista. Primeiro,

    em oposio classificao tradicional que associa a arquitectura com as artes de

    representao, Semper considera a tectnica como uma arte csmica, anloga

    msica e dana. Segundo, criticando o historicismo e a condio esttica, da sua

    poca, Semper associou a tectnica com as outras artesanias produtivas,

    caracterizadoras do desenvolvimento humano: a olaria, a carpintaria, a maonaria,

    e a tecelagem. Desde este ponto de vista, considerou a produo arquitectnica

    interligada com os aspectos essenciais, quer filosficos, quer produtivos do

    desenvolvimento humano.

    O ecletismo dominou o pensamento arquitectnico, no sculo XIX com uma

    apetncia que reflectia um estado de esprito, em que, a perda de sentido do uso da

    linguagem clssica, era tida como inevitvel, ainda que no existisse uma

    alternativa vivel. Esta condio reflectia-se nas diferentes formas de interpretar os

    materiais, no seu significado, ou uso, como o ferro e o ao, ou o beto armado,

    enquanto materiais emergentes no sculo XIX. Curiosamente, apesar deste

    passado, o tema da construo enquanto contedo interpretativo da arquitectura,

    parece no ocupar de forma plena um lugar formativo no discurso arquitectnico

    contemporneo.

    (Dissoluo contempornea do conceito de techn e o aparecimento da forma geomtrica abstracta)

    O desfasamento entre diferentes entendimentos eliminou em definitivo o conceito

    de techn, anteriormente purificado pela linguagem clssica, abrindo campo para

    que os arquitectos (do sculo XX) desenvolvessem um entendimento de forma

    geomtrica abstracta tomando-a como o elemento expressivo fundamental. Esta

    condio, resulta em parte, do facto da maioria das teorias actuais sobre a

    arquitectura, tendencialmente criticarem alguns dos aspectos da modernidade e

    subsequentes temas e conceitos que evoluram a partir da segunda metade do

    sculo XIX.

    (Montagem como conceito contemporneo de tectnica)

    A importncia do conceito de montagem no discurso arquitectnico

    contemporneo remete para o pensamento de Semper, sobre a arquitectura,

    27

  • considerando que o processo de idealizar do espao, evoluiu independentemente

    das tcnicas desenvolvidas noutras indstrias.

    A montagem no s um modo de fazer partilhado pelo processo de produo de

    diferentes meios culturais, como tambm corporiza a experincia contempornea

    de fragmentao. De facto, a mecanizao produtiva tornou impossvel transferir a

    tradio, inclusive as artesanias produtivas, sem a sujeitar massificao dos

    processos produtivos, fomentada pelo progresso tecnolgico, transformando-os em

    procedimentos de uso corrente. A ideia de montagem permite, assim, formular um

    discurso sobre a qual possvel negar o contedo metafsico da dualidade entre

    construo e representao, ao revelar a tectnica como elemento mediador entre

    significante e significado. O campo de actuao criado entre significante e

    significado fornece-nos, deste modo, as temticas essenciais para a definio da

    tectnica como a construo de espao qualificado.

    (A tectnica como conhecimento da matria construda e dependente do seu contexto de actuao)

    No contexto contemporneo, tornou-se recorrente o uso do termo tectnica como

    modo de afirmao, de qualidades inerentes ao processo de criao de objectos

    arquitectnicos no mbito, quer dos instrumentos de projecto, quer da sua

    concretizao e discusso como produto final. Deste modo, ser objectivo

    primordial, entender o campo efectivo da ideia de tectnica, como meio estruturante

    do processo arquitectnico contemporneo, avaliando a sua real expresso na

    produo da arquitectura.

    O conceito de tectnica adquire especial relevncia no enriquecimento do

    pensamento arquitectnico, no decorrer do sculo XX. A temtica, reintroduzida por

    Sekler, no incio da dcada de 60 do sculo XX, com o seu texto introdutrio,

    Structure, Construction, Tectonic, centrou o processo de criao do objecto

    arquitectnico, como um entendimento da matria construda, decorrente de

    factores externos, culturais e de contexto, para alm dos entendimentos

    especficos da disciplina, como a estrutura ou a construo. Este entendimento de

    ndole cultural, posteriormente refundamentado e enfatizado por Kenneth Frampton

    em, Studies in Tectonic Culture: The Poetics of Construction in Nineteenth and

    Twentieth Century reintroduz a temtica da tectnica no discurso arquitectnico

    contemporneo, promovendo a discusso volta das questes que influenciam a

    definio dos seus produtos e objectos.

    28

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    Kenneth Frampton estabelece uma teoria centrada na ideia de tectnica que

    reconstri, uma viso crtica sobre a histria da arquitectura, pela caracterizao do

    carcter emergente de uma produo, enquanto resultado de contextos de

    insero, cultural e regional, qualificando desse modo, as arquitecturas da

    resultantes. Numa primeira abordagem o factor tectnica, ter como ponto de

    partida os conceitos adstritos prpria prtica da arquitectura, como a incorporao

    de novos conceitos de estrutura, novos materiais e novas tecnologias construtivas,

    mas em que, o processo interpretativo da sua incorporao no processo

    arquitectnico, ter sempre subjacente os factores especficos identificativos:

    cultura, identidade, etc., dos seus contextos de actuao. Deste modo,

    relacionando os processos e as metodologias de projecto com as estratgias de

    construo, retoma de certa forma, os conceitos vitruvianos de significado e

    significante, de uma viso construtiva do objecto, oscilando entre uma definio

    potica (poiesis) e uma definio instrumental, na definio do campo de actuao

    da arquitectura.

    (Tectnica actualmente como identificativo de processo e produto)

    Nesse sentido, o conceito de tectnica, tal como o propomos, identificar em

    simultneo tanto os processos como os seus produtos, como resultado da matriz

    cultural estrita do seu contexto, reorientando o debate para a sua capacidade de

    transformar o prprio discurso arquitectnico, em sintonia com a alterao das

    prticas construtivas recorrentes. A questo que ressalta deste entendimento da

    arquitectura centrada numa ideia de tectnica, o seu processo de actuao,

    assente na interaco entre os factores tecnolgicos e os ideais arquitectnicos que

    ao longo do tempo induzem as alteraes ao pensamento arquitectnico. Esta

    interaco entre uma fenomenologia da tectnica e dos processos produtivos,

    investigar de que modo, estas duas componentes, se assumem na formatao do

    processo arquitectnico e como que este se incorpora no processo produtivo.

    (Tectnica relao entre tcnica e composio - tecnologia e forma-essencial para o conceito de estrutura)

    A tectnica, inserida no debate de temticas fundamentais no discurso

    arquitectnico durante parte do sculo XIX e do sculo XX , sobretudo, sustentada

    na tecnologia como instrumento e motivo fundamental da construo dos seus

    objectos, procurando como metodologia principal, antes de mais, relacionar os

    aspectos tcnicos com os aspectos de composio.

    29

  • Verificaremos, igualmente, como as diferentes formulaes da tectnica se

    fundamentam como geradoras de novas percepes arquitectnicas reformulando

    o entendimento de ideais arquitectnicos de carcter tecnolgico ou de ideal

    tectnico numa construo formal que tomada aqui como geradora das relaes

    entre tecnologia e arquitectura. Abordaremos igualmente, a relao entre processo

    e tecnologia como resultado de um designo tecnolgico industrial do pensamento

    contemporneo, com especial relevncia, na questo da estrutura, de novas

    solues tcnicas ou materiais e da sua relao no processo de idealizao da

    forma construda.

    Ser atravs do entendimento da ideia de um sistema integrado que

    fundamentaremos a ideia do objecto construdo como resultado que oscila entre a

    ideia de organismo e de mquina enquanto geradora de novos entendimentos

    sobre novas tecnologias de construir e novas prticas construtivas.14

    Abordaremos as ideias e os mtodos construtivos, com base na seleco dos

    casos de estudos, procurando a dimenso tica das suas abordagens de modo a

    aclarar convenientemente a sua importncia no discurso contemporneo.15

    14 - A diviso entre o natural e o artificial, que caracteriza parte da cultura industrial, um fenmeno recente. O

    advento da modernidade, especialmente a partir da segunda metade do sculo XIX com o predomnio do

    racionalismo positivista, provocou uma ciso entre o artificial e o natural. Na noo de organon, segundo

    Aristteles, o natural e o mecnico no eram antagnicos, mas complementares, condio que permaneceu desde

    a cultura da antiguidade clssica at a cultura do Renascimento e pr-industrial. Leonardo da Vinci desenvolveu as

    suas invenes, ou os estudos sobre a anatomia do corpo humano como uma unidade de pensamento,

    experimentao e criao. Nos sculos XVI e XVIII, a cincia moderna, avanou sistematicamente pela reflexo

    sobre os fenmenos da natureza e do universo, mantendo a simbiose entre cincia e natureza.

    Montaner, Joseph Maria, Las formas del siglo XX, Barcelona, Editorial Gili, SA, 2002.

    - Subsistem no entanto, interpretaes que contemporaneamente associam a forma natural com os mecanismos

    interpretativos da cincia, introduzindo nos seus processo de trabalho condies poticas associadas natureza

    das coisas, a par com as razes absolutas da fsica e da matemtica, como foram os exemplos na dcada de 50

    do sculo XX, de Cyril Stanley Smith e Robert Le Ricolais. Deste modo, mantm-se permanente no discurso

    contemporneo, ainda que; com outra roupagem, a ideia de forma equilibrada de todos os organismos que pode

    ser explicada pela interaco ou balano de foras, descrita de acordo com as leis da esttica, da fsica e da

    matemtica. Como sugeria DArcy Thompson, no existem formas orgnicas que no estejam regidas por

    leis fsicas e princpios matemticos.

    Thompson, DArcy, Sobre el Crecimiento y la Forma (On Growth and Form (1917)), Madrid, Cambridge University

    Press, Edited de J. T. Bonner; 2003 (1 ed. Cambridge University Press, 1961). 15 - Collins situa a construo e as origens ideolgicas e formais do Movimento Moderno a partir 1750.

    Desmistificando uma emergncia da condio Moderna, situada prxima da contemporaneidade, desloca os seus

    contedos formadores para as origens formais do perodo iluminista, momento em que se iniciam as

    transformaes sociais e tecnolgicas mais profundas, fundadoras da cultura contempornea e centrada na

    autonomia e liberdade do indivduo. Nesta perspectiva, a arquitectura contempornea surge como resultado de

    30

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    (Conceito de tectnica na anlise das obras) A seleco de obras de autores contemporneos reconhecidos, permitir explorar o

    tema da tectnica, em simultneo, com a generalizao das temticas da

    construo como instrumentos privilegiados de trabalho contemporneo, tendo

    como objectivo reconhecer o grau de sensibilidade ao tema da tectnica e de que

    maneira se mantm permanente, desde a construo do discurso Moderno.

    A temtica da construo e suas implicaes poticas na definio da arquitectura

    so temporalmente transversais e estruturantes do discurso arquitectnico e

    provavelmente permanentes no discurso actual. Deste modo, procuraremos

    reconhecer no discurso contemporneo, as estratgias recorrentes que tornam os

    temas da construo instrumentos privilegiados e por vezes exclusivos que

    reflectem o eterno retorno aos mesmos fundamentos, ainda que com diferentes

    mscaras formais.

    (Noo de tipo - importncia actual da ideia de tipo)

    Numa abordagem identificao de modos de actuao permanentes torna-se

    tambm como essencial esclarecer o conceito de tipo e tipologia como termos

    recorrentes do discurso arquitectnico ao longo dos tempos. Embora os termos de

    tipo e tipologia sejam lugares comuns no discurso arquitectnico, existe

    efectivamente um certo grau de impreciso e algum equvoco sua volta. Estes

    conceitos, serviro para nos reencontrarmos com arquitecturas que, sendo de

    outros contextos temporais, ainda condicionam o debate contemporneo,

    procurando sobretudo identificar formas de actuao permanentes e estabelecer

    possveis padres de actuao futuros. A clarificao destes termos, permite uma

    reflexo mais rigorosa sobre as condies da obra de arquitectura ao examinar o

    uma progresso natural, de acontecimentos e transformaes correlacionadas ao nvel das alteraes das

    condies tcnicas e sociais, cuja origem est na base da cultura arquitectnica contempornea. Collins considera

    que a simpatia dos arquitectos da segunda metade do sculo XVIII, s aluses Histricas, s justificaes

    analgicas, s perspectivas assimtricas, o detalhe bruto, cuja utilizao de tipos orientais e tcnicas pictricas,

    no s os diferencia da tradio dos sculos anteriores, como os relaciona intimamente com os arquitectos

    contemporneos. Atribuindo, por este motivo unidade ao perodo 1750-1950, Collins considera que este tempo

    apenas pode ser considerado como um s perodo arquitectnico A estrutura temtica, do livro, reflecte uma viso

    de formato clssico, suportada em conceitos de estrutura/construo, composio e organizao, como processo

    recorrente de interpretao da produo arquitectnica.

    Collins Peter, Los ideales de la arquitectura Moderna, su evolucin (1750-1950), Barcelona, Editorial Gustavo Gili,

    S.A., 1981.

    31

  • carcter especfico da obra, bem como, ao verificar quais os mecanismos de

    produo que os tornaram, ou tornam, possveis, obrigando-se atravs desta

    reflexo, a reconhecer as origens da prpria disciplina.

    Ao procurar entender as aparentes transformaes relativas a novos processos

    expositivos que ocorrem contemporaneamente, redescobre-se que, na sua

    essncia, estes processos so permanentes, do contedo interpretativo do prprio

    processo de fazer. Deste modo, a noo de tipo, aparecer como ponto

    imprescindvel a observar, no que caracteriza e diferencia a obra de arquitectura

    contempornea, da desenvolvida no passado, pela verificao das constantes

    formais que se reflectem, quer na produo, quer no uso dos produtos finais. Ser

    necessrio este entendimento na condio singular e prpria de cada obra e nas

    invariveis de procedimento que reflectem e permitem, enquadradas em famlias de

    actuao, descobrir as permanncias do discurso arquitectnico.

    (Duas noes de tipo: a platnica [ideia de base] a aristotlica [manuteno de princpios])

    A apropriao da noo de tipo permite-nos reconhecer identidades aparentemente

    diversas, associando-as pelos mesmos processos de actuao. Neste contexto, a

    questo que definir a noo de tipo, ter duas formulaes distintas como base de

    actuao. Na primeira, o tipo ser sempre representao da ideia de base, que

    permanente apesar de especfico (viso platnica), na segunda, o tipo ser o

    denominador comum que pode apreciar-se numa srie de obras e que leva

    observao atenta da realidade que mantm o princpio de continuidade ao longo

    da Histria (viso aristotlica), usadas aqui como ordenadoras da anlise sobre as

    obras seleccionadas.

    (A noo de estrutura formal, suporte essencial do tipo na identificao de permanncias rupturas nos modos de fazer, na tectnica)

    Condicionando de maneira mais completa, ou mais sinttica, o suporte da noo de

    tipo que organiza de forma indirecta este trabalho surge a noo de estrutura

    formal, como tambm, uma condio especfica do entendimento da realidade

    construda. Entende-se, no entanto, que o conceito de estrutura formal nada tem a

    ver com a simplificao que supe a elaborao de esquemas ou diagramas. Este

    suporte inevitvel na identificao do tipo, implica o reconhecimento dos elementos

    comuns que permitem a identificao de obras de arquitectura que compartilham a

    32

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    mesma estrutura formal e dela emerge, mais uma vez a questo dos contedos

    universais do processo de fazer.

    A estrutura formal, responsvel pela noo de tipo, est presente em toda a obra de

    arquitectura, de maneira no muito diversa ao modo como aparece na iconografia

    na histria da pintura. Deve-se salientar a estreita relao que existe entre o

    conceito de iconografia e o conceito de tipologia, tal como manejado pelos crticos

    e historiadores. Deste modo, o conceito de iconografia, adquire um valor

    fundamental para o estudo das questes tericas volta da noo de tipo em

    arquitectura.

    O conceito de iconografia na pintura ser a mesma que aparece na variedade com

    que se nos apresentam as obras pertencentes a um mesmo tipo de arquitectura.

    Assim podemos considerar que o conceito de iconografia no est muito distante

    do conceito de tipologia e a conscincia do paralelo estabelecido por estes dois

    conceitos, permitir reforar o entendimento da obra de arquitectura.

    Esta condio fragmentada da realidade, com que o arquitecto trabalha, um

    conceito que se refere interaco que se manifesta entre distintos elementos

    convergentes do tipo.

    (Noo de tipo em arquitectura - aspectos especificamente disciplinares e singularidade circunstancial)

    O conceito de tipo, na especificidade da obra de arquitectura, implica seleccionar

    quais as condies a aplicar capazes de aceitar tanto os aspectos especficos e

    prprios da disciplina, como responder singularidade que as circunstncias

    reclamam a cada obra concreta. Naturalmente, ao no ignorar a necessidade de

    explorar as condies prprias da prtica profissional, compreende-se, no

    desenvolvimento da obra, o processo de manipulao no mbito do conceito de

    tipo. A descrio dos mecanismos de manipulao do tipo, usados pela arquitectura

    enquanto elemento fundamental da condio cultural, permitem definir a

    centralidade do debate disciplinar.

    (A herana contempornea das noes de composio, mtodo, funo, tcnica)

    A pertinncia das obras a analisar, radica na aceitao das condies de partida,

    centradas na sua origem no discurso do Moderno, estabelecendo por esta via o

    quadro de fundamentao necessrio ao seu entendimento. Este discurso de

    matrias permanentes no debate contemporneo , por sua vez, fundado na

    33

  • interpretao diferenciada das constantes formais que nos permitem perceber a

    continuidade que os seus contedos mantm ao longo do tempo.

    Aparentemente, a arquitectura contempornea est marcada pela transformao do

    mundo formal e social estabelecido no renascimento, situao que se inicia com a

    ruptura do espao renascentista, transposto fragmentado e desconexo para a

    ilustrao do neoclassicismo. Se transpusermos este processo de destruio e

    transformao formal, para o mbito da prtica profissional, encontramo-nos com o

    arquitecto que j deixou de servir os objectos para fazer o mesmo perante a

    realidade, numa concretizao que deveria constituir-se como razo ltima da

    arquitectura. A composio a que se juntou posteriormente o mtodo define os

    instrumentos ao alcance do arquitecto que far da funo e da tcnica a razo de

    ser do seu trabalho e os instrumentos privilegiados na construo da identidade

    Moderna. Deste modo, a renovao do interesse na noo de tipo emerge no

    reconhecimento da sua necessria interferncia na prtica projectual, colocando a

    tipologia como alternativa metodologia.

    (Noo de estrutura a fragmentao actual de saberes em disciplinas independentes)

    Contemporaneamente, somos obrigados a mover-nos num universo de escalas

    aumentadas, a transformao da noo de proximidade fsica tornou-se muito

    diferente da do passado, no qual a base de confiana nascia na esfera da

    familiaridade. Para este facto contribuiu a cincia e o desenvolvimento tcnico que

    tal como no passado, permitiram alterar o campo da percepo da realidade em

    que nos movemos, obrigou a reformular o mapa das referncias fsicas, a

    compreend-lo dentro das estruturas harmoniosas, apreciveis desde a percepo

    visual, de modo a organizar os novos entendimentos em conformidade com as

    novas perspectivas. A fragmentao da experincia e do conhecimento que ocorreu

    no sculo XX, pulverizou-se em diversas disciplinas, aparentemente independentes,

    cada uma com uma linguagem prpria, cada vez mais especializadas, tornando

    manifestamente impossvel, reconhecer todas as variantes do mundo que nos

    rodeia.

    (A estrutura como procura de inter-conexo de saberes)

    A nova condio contempornea de diversificao do conhecimento, mais ampla

    claramente reminiscente do desenvolvimento cientfico iniciado no renascimento

    que, apesar de abranger um espectro amplo de conhecimentos, estavam ainda

    34

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    fortemente interligados pela estrutura rudimentar do conhecimento, herdeira da

    cultura clssica, o que permitia falar da constituio de conhecimento universal e

    humanista. Actualmente coloca-se-nos uma nova escala de existncia, as relaes

    conhecidas do conhecimento so comummente fragmentadas, transformando uma

    cultura de saberes, numa cultura estruturada e compartimentada pela cincia.

    Neste sentido, torna-se imperativo encontrar novas condies ordenadoras que

    permitam unir o nosso entendimento comum e ajustar-se ao esprito do nosso

    tempo.

    (O papel da viso [inteligncia visual] como instrumento mediador da estrutura)

    Os novos conhecimentos tm sempre uma origem e preocupao comum, a

    circulao das ideias e dos conhecimentos. Esta circulao procura inter-conectar

    diferentes disciplinas de modo a facilitar o reconhecimento global do mundo que

    nos rodeia e a permitir novos entendimentos que se possam apresentar nos

    campos cientficos e tecnolgicos, como forma de captar os seus significados, as

    suas matizes e fundaes humanas. Neste mbito a viso (idealizao) humana

    entendida como inteligibilidade (processo mental de entendimento do que se

    observa) tem uma posio central no momento de dar forma e significado nossa

    envolvente fsica e espacial. A viso (idealizao) procura entender os novos

    aspectos do reconhecimento da natureza, revelados pela cincia moderna, mas

    sobretudo atravs da experincia dos artistas, como herdeiros privilegiados das

    aspiraes criativas do devir presente que se reala a nossa percepo da

    condio humana de possvel dilogo com a realidade contempornea intelectual e

    tecnolgica.

    (Estrutura como evento de ordenao de saberes)

    Na possibilidade de reconhecimento do nosso mundo como uma totalidade inter-

    conectada, aparece a noo de estrutura essencial viso do arquitecto e ao

    exerccio da arquitectura. A estrutura, na sua condio essencial, a unidade

    formada pelas partes e unio de entidades, um sistema de coeso dinmica na

    qual, a forma e o formar, so coexistentes e intercambiveis, constituindo-se, desta

    maneira, como um sistema de foras inter-relacionadas percebidas como uma s

    entidade espao-temporal. A idealizao est orientada para o reconhecimento de

    estrutura e uma vez que as conexes tradicionais se vo desmoronando, os nossos

    35

  • esforos criativos reorientam-se para procurar novos princpios de ordenao que

    substituam os antigos.

    (A estrutura como elemento central da inteligibilidade - o papel da estrutura na cincia e na arte)

    A noo de estrutura igualmente central na percepo da nossa maneira de

    compreender como o demonstraram as teorias da gestalt. As investigaes sobre a

    natureza da linguagem mostram que as propriedades estruturais da lngua tm um

    efeito fundamental na estruturao do pensamento.16

    As artes tambm proporcionaram os paralelismos significativos com a investigao

    cientfica e nesse sentido, os artistas do princpio do sculo XX tentaram abranger

    todas as condies contemporneas, procurando princpios de estrutura na arte.

    Em vez de retratarem apenas o objecto de interpretao ilusria, que lhes era

    perceptvel, inventaram imagens e estruturas espaciais, partindo de superfcies

    neutras no moduladas, de figuras abstractas e de cores primrias e lisas que eram

    usadas como blocos de construo mental.17

    16 - As teorias de gestalt, demonstraram que nos processos perceptivos e cognitivos, os eventos psicolgicos no

    ocorrem atravs da acumulao de elementos individuais dos dados sensoriais, mas antes pelo funcionamento

    coordenado por redes claramente desenhadas de sensao, determinadas pelas leis da estrutura (trama de

    relaes). 17 - Ainda que com formulaes de partida diversas, podemos reconhecer diferentes correntes estilsticas, desde o

    neo-plasticismo do De Stijl, o Cubismo e o Purismo.

    36

  • MATRIA DO PROJECTO. IDEAIS PURISTAS E RAZO TCNICA NA ARQUITECTURA CONTEMPORNEA

    III.2 - A MODERNIDADE COMO PRECEDENTE PARA O ESTUDO DA CONTEMPORANEIDADE. (O suporte moderno no entendimento da contemporaneidade)

    O estudo tendo como objectivo principal, a aferio dos campos de actuao da

    arquitectura contempornea, fundamentalmente no entendimento do processo de

    transformao do percurso conceptual e produtivo e no domnio da arquitectura

    enquanto arte aplicada, toma como ponto de partida as referncias formais que

    vinculam a nova ordem espacial do Moderno, estabelecida na conscincia actual

    como suporte fundamental para o entendimento da contemporaneidade. O estudo partir, portanto, da matriz de consolidao da conscincia do Moderno

    procurando as fundamentaes para a teoria e prtica da arquitectura

    contempornea e indagando os fundamentos estticos e conceptuais que se

    constituiro como instrumentos privilegiados da arquitectur